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DR. JALMAR BGWDEN

DA

Evangelizar e Civilizar

G ar /as cfe JKartÁa iGalls; 1881-1908

(versão biiíngüe)

Zuleica Mesquita
(°rg-)

EDITORA^
www.unimep.br/editora • E-maii: editora@unimep.br
Rod. do Açúcar, Km 156 • 13400-911 - Piracicaba, SP
Telefone/fax: (19) 3124-1620/1621
UNIVERSIDADE METODISTADE PIRACICABA
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Alinir de Souza Maia

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EDITORA UNIMEP
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COMISSÃO DE LIVROS
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Nádia Xassouf Pizzinatto

EDITOR EXECUTIVO
Heitor AmBcar da Silveira Neto
: Copyright © 2001, Editora ÜNIMEP
í

FICHA CATALOCRÁFICA
Mesquita, Zuleica (org.)
Evangelizar e civilizar. Cartas de Martha Watts, 1881-1908.
Piracicaba: Editora UNIMEP, 2001. Apresentação: Almir de
Souza Maia.
297p. 23 cm.

1 - Metodismo - Educação
2 - Metodismo - Correspondências
CDU - 287:37
ISBN 85-85541-35-0

Coordenação Editorial
Heitor Amücar da Silveira Neto
Pesquisa
Duncan A. Reily
Secretária
Ivonete Savino
Assistente Administrativo
Altair Alves da Silva
Bolsista Atividade
Nilson César de Sousa
Tradução do Inglês
Anna Magdalena Machado Bracher; Cristina Paixão Lopes;
Débora Hradec; Graziella Risolia Gallo Akabane;
Maura Rocha Nassetti
Revisão do Inglês
Anna Magdalena Machado Bracher
Ficha Catalográgica
Regina Fraceto

GRÁFICA UNIMEP
Coordenação
Carlos Terra
Editoração Eletrônica
Carla Cynthia Smanioto
Revisão
Juraci Vitti Forti
Tratamento de Fotos
Jorge A. C. Henrique dos Santos
Maria Machado Leão
Capa
Mana Machado Leão

PROJETO MEMÓRIA DO
INSTITUTO EDUCACIONAL PIRACICABANO (IEP)
Coordenadora
Zuleica Mesquita
zmesquit@iep-cen. unimep. br
Fotos
Museu do IEP
Instituto Metodista Izabela Hendrix
Apresentação

MARTHA WATTS, A EDUCADORA


Pela primeira vez, reúnem-se e publicam-se em língua portuguesa as
cartas de Martha Hite Watts, missionária metodista nascida no Estado do
Kentucky (Estados Unidos), em 1845. Professora formada em Louisville,
Martha veio para o Brasil em 1881, enviada pela Woman’s Missionary
Society, órgão missionário das mulheres metodistas norte-americanas.
Nessa época, ela já havia superado o trauma da perda do noivo, falecido
nos campos de batalha da guerra civil que assolou aquele país.
Nos relatórios daquele órgão, publicou-se uma nota descrevendo a
jovem missionária como “possuidora de um corpo forte e saudável, ao
lado de uma mente ativa e bem disciplinada por uma experiência de sete
anos em escolas. Ela é alegre, tem temperamento equilibrado, com uma
rara combinação de amabilidade e força de caráter. Tudo de si, vida, tempo
e talentos ela consagrou a Deus há vários anos passados e tem estado per­
manentemente engajada nos diferentes ramos de trabalho da Igreja. Por
•dois anos, desejou servir como missionária e quando viu abrir-se o Brasil, a
fé simples foi manifesta em sua resposta: EisaquiacriadadoPai1
Martha Watts tinha uma personalidade amável, tratando a todos
com igualdade e carinho, sem perder a autoridade de uma conduta moral
irrepreensível, modelo que procurou passar aos seus estudantes. Inova­
dora, trouxe para as escolas que fundou o que havia de mais avançado em
termos de educação, em sintonia com as práticas das melhores escolas do
mundo. Destemida e determinada, enfrentou pressões das oligarquias
escravocratas, alforriando, ela mesiuu, uma escrava, Flora Blummer, que se
tomou funcionária do Colégio. Mais tarde, o Colégio Piraacabano seria_
uma das primeiras escolas a receber filhos de escravos. Cristã inabalável,
associava longas jornadas no Piraacabano com o trabalho na Igreja, tendo
organizado a Escola Dominical da Igreja Metodista Central de Piracicaba.
Semeadora, havería ainda de plantar o Colégio Americano, em Petrópoiis
(1895), que veio a ser o embrião do atual Instituto Bennett da Igreja Meto­
dista, e o Instituto Metodista Izabela Hendrix, em Belo Horizonte (1904).
Felizmente, Martha Watts foi também uma grande missivista. Na
troca de correspondência com seus superiores nos Estados Unidos e com
familiares e amigos, deixou um riquíssimo registro dos primórdios das
escolas que fundou e da vida em Piracicaba e no Brasil no final do século

1 Woman’s Missionary Society oi the Methodist Episcopal Church. South, 3 m Am uai Report, 1881, p. 6.

)
XIX. Suas cartas comunicam diversas revelações e intuições, efêmeras ou
permanentes, de uma mulher que se descobria em uma nova cultura, um
novo ambiente, repleto de hábitos estranhos e novidades em cada gesto ou
palavra. Em alguns momentos, descreve com precisão prédios e constru­
ções, trazendo-nos um retrato das primeiras edificações, suas finalidades,
seus usos. Em outros, dialoga sobre as diferenças culturais, ressaltando-se,
em suas observações, o tom de quem estava aprendendo com a nova vida,
nunca menosprezando os hábitos dos brasileiros e dessa terra que, segundo
ela própria, era a terra em que viria a ser feliz.
Ler suas cartas no presente, tão distanciado do momento em que
foram escritas e enviadas essas missivas, certamente traz discrepâncias e
particularidades que precisam ser compreendidas no contexto de uma
outra época, bem como de carta com destinatário, pensada e escrita para
ser essencialmente privada. Cartas são um tipo muito peculiar de texto,
navegando entre o literário e o dissertativo, o formal e o coloquial, como
uma fala interrompida pelos hiatos da distância e do tempo. Como afirma
Melo e Castro, “tanto o que se escreve como o que se lê fazem parte de um
jogo de estados textuais que inevitavelmente obrigam a leituras outras do
próprio presente, à luz modificadora, e talvez mistificadora, do que leio na
carta que agora recebo”.2 As cartas trazem, portanto, uma bem-vipda
intromissão do passado no nosso tempo, remetendo-nos à vida da pioneira
que fundou o Colégio Piracicabano, o Colégio Americano de Petrópolis e
o Instituto Metodista Izabela Hendrix.
Daqueles dias simples, do seu início com uma única aluna, o Piraci­
cabano cresceu, multiplicou-se, tomou-se maior do que si mesmo, ao dar
origem ao Instituto Educacional Piracicabano (EBP), que hoje congrega
também a Universidade Metodista de Piracicaba. Mas, fundamentalmente,
pasí. ados 120 anos, o Piracicabano permanece como uma escola tal como
sonhada por Martha, inovadora, confessional, compromissada com a
excelência na educação e com o cultivo da solidariedade e da cidadania.
Portanto, é um prazer apresentar essa coletânea de cartas de Martha
Watts, reunidas graças ao esforço da Profa. Dra. Zuleica Mesquita. Temos
certeza de que esse material contribuirá de forma inegável para aqueles que
desejem conhecer a filosofia e o jeito de ser da fundadora do Colégio Pira­
cicabano, bem como para os curiosos em descobrir um pouco mais sobre
como se vivia em Piracicaba no final do século XEX

Almir de Souza Maia


Diretor Geral

■ MELO E CASTRO, EAL Eu odeio cartas, in GALVÃO, WN. & GOTLLB, N.B.(org). Prezado
Senhor,PrezadaSenhora- estudos sobrecartas. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.

-6
Sumário

Prefácio 9

Carta de Indicação, 1881 15

Missão no Colégio Piracicabano


(Piracicaba, SP), 1881-1895 19

Missão no Colégio Americano


de Petrópous (RJ), 1895-1900 97

Missão no Colégio Mineiro


(Juiz de Fora, MG), 1902-1904 123

Missão no Colégio Izabela Hendrrx


(Belo Horizonte, MG), 1904-1908 141

Carta de Homenagem a Martha Watts, 1910 153


Letter ofNomination, 1881 159

Mission at tbe Colégio Piracicabano


(Piracicaba, SP), 1881-1895 163

Mission at tbe Colégio Americano


de Petrópolis (RJ), 1895-1900 239

Mission at tbe Colégio Mineiro


(Juiz de Fora, MG), 1902-1904 263

Mission at tbe Colégio Izabela Hendrix


(Belo Horizonte, MG), 1904-1908 281

Letter in Honor to Martba Watts, 1910 293


Prefácio

CONTEXTO HISTÓRICO

A contribuição do protestantismo para a educação brasileira tem


sido um tema bastante pesquisado pelos estudiosos da área de história da
educação. Dessa forma, a publicação do livro Evangelizar e Civilizar - Car­
tas de Martha Watts, 1881-1908 representa significativa contribuição ao
pesquisador ávido de informações nesse campo, dada a exigüidade das
fontes sobre o protestantismo no Brasil. Não bastasse isso, a carga de infor­
mações históricas, descrições de espaços urbanos, forma de organização da
sociedade e os usos e costumes da época registrados pelo olhar atento de
uma estrangeira podem ser de muito interesse ao leitor comum, em parti­
cular àqueles com vínculos com as instituições escolares aqui tratadas, bem
como moradores das cidades em questão.
As cartas aqui trazidas a público, inéditas em língua portuguesa,
haviam sido publicadas pelo Womarís Missionary Advocate, periódico da
Sociedade Missionária de Mulheres Metodistas nos EUA, destinado a noti­
ciar o trabalho das inúmeras missões educativas sustentadas por esta Socie­
dade em várias partes do mundo. Assim, ao serem recebidas, as missivas
das missionárias eram em seguida divulgadas através deste órgão informa­
tivo, por isso mesmo elas eram destinadas, em sua maior parte, à sra.
Buder, secretária executiva e editora da Sociedade.
A presente publicação destas cartas só foi possível graças ao trabalho
realizado pelo Rev. Duncan A. Reily, que as coletou nos arquivos da Gene­
ral Comission on Archives and History of The United Methodist Church,
alocados na Drew University na cidade de Madison, New Jersey, EUA. A
reprodução de algumas passagens desse material ficou comprometida em
função das dificuldades encontradas no próprio processo de reprografia
dos originais.
Trazem, essas correspondências, muitas informações não apenas
sobre o trabalho de Martha Watts no Brasil como também sobre a educa­
ção de modo geral e a polêmica religiosa em que as lideranças católicas esti­
veram empenhadas no combate ao “invasor” protestante no final do
século XDC e início do século XX. Desse modo, tais documentos são precio­
sos para todos aqueles que se interessem pelo “processo civilizador” no
Brasil e as contribuições dos protestantes nesse período.

9
As críticas ao pensamento católico que, em alguns momentos, Mar­
cha ^atts estabelece elevem ser compreendidas dentro do espírito da época.
Aqui trazidas a público, com o distanciamento de 120 anos, elas foram ori­
ginalmente endereçadas, em caráter muito particular, às suas companheiras
de missão religiosa nos EUA. Ao mesmo tempo, as relações que a missioná­
ria estabeleceu em terras brasileiras expressam um espírito aberto, que viveu
e buscòu compreender a cultura local, inclusive a cultura religiosa. Daí, por
exemplo, os vários relatos de procissões e festas religiosas a que ela assistiu,
assim como sua participação em batizados, casamentos, enterros, etc
Se por um lado para Manha Watts o grande objetivo de sua missão
fosse “salvar almas”, sua prática educacional ultrapassou os limites da evan-
gelização. Tomou-se uma educadora amplamente reconhecida até mesmo
na esfera pública, chegando a ser convidada por Prudente de Moraes,
então governador de São Paulo, para implementar as reformas educacio­
nais por ele pretendidas. Comprometida com a missão metodista, declinou
do convite, indicando uma amiga presbiteriana para a tarefa; esta implan­
tou as reformas, tendo por base a pedagogia de “métodos modernos e
humanizantes” desenvolvida por Martha Watts no Colégio Piradcabano.
Dando uma idéia de tal contribuição, um inspetor escolar da época, em seu
relatório, definiu este colégio como sendo a “célula-mãe da instrução no
Estado de São Paulo”.

Quem foi “Miss Watts”

Martha Hite Watts, nasceu nos Estados Unidos, em Bardstown,


Kentucky (EUA), no dia 13 de fevereiro de 1845. Mudou-se mais tarde
para Louisville, no mesmo Estado, onde freqüentou a Igreja Metodista da
Broadway. Foi aí que sentiu-se vocacionada para ser missionária, embar­
cando para o Brasil em março de 1881. Em companhia dela vieram mais
três missionários: J.L. Kennedy, J.W Koger e J.J. Ransom. Este último, já
estabelecido no Brasil, havia ido aos Estados Unidos justamente para tratar
da vinda de uma educadora para a missão brasileira.
O destino de Martha Watts foi a cidade paulista de Piracicaba, onde
a aguardavam os líderes políticos locais: Prudente de Moraes e Manoel de
Moraes, militantes do Partido Republicano na região. Esses homens,
ambos advogados, haviam solicitado a um pastor metodista, residente
entre os imigrantes norte-americanos de Santa Bárbara d’Oeste, que requi­
sitasse uma educadora metodista para abrir uma escola de pedagogia ino-

10

.i
vadora, de modo a fazer frente à educação retrógrada das escolas da época
do Império.
Martha Watts, apoiada e bem acolhida pelos irmãos Moraes, com
cuja família vina a manter estreitos laços de amizade, abriu as portas da pri­
meira escola metodista no Brasil no dia 13 de setembro de 1881, o Colégio
Piraricabano, apenas dois dias após a instalação da primeira Igreja Meto­
dista em Piracicaba.
Durante os 14 anos seguintes, Miss Watts dedicou-se à educação de
crianças e adolescentes na cidade de Piracicaba- Em 1895 ela deixa o Colé­
gio Piraricabano, já estruturado, e transfere-se para Petrópolis, no Estado
do Rio de Janeiro, onde funda o Colégio Americano de Petrópolis. A esco­
lha desta cidade deveu-se ao fato da escola metodista no Rio de Janeiro,
então capital da República, enfrentar constantes dificuldades com a epide­
mia de febre amarela, a ponto de ter cerrado suas portas. Entre 1900 e
1902 ela viaja para Europa e EUA para tratamento de saúde e, no retomo,
instala-se em Juiz de Fora, trabalhando por algum tempo no internato
feminino da cidade, o Colégio Mineiro.
A etapa final da missão de Martha Watts no Brasil foi em Belo Hori­
zonte, onde cria o Colégio Izabela Hendrix, em 1904, no qual permanece
até 1907. A última carta dela publicada no Aduocate data de 1908, ainda
escrita na capital mineira.
Aposentada, voltou aos Estados Unidos, falecendo em 30 de dezem­
bro de 1909, na cidade de Louisville. Não se tem informações oficiais, atra­
vés das correspondências missionárias, de detalhes de sua morte, mas uma
carta enviada, anos mais tarde, ao Colégio Piraricabano por uma sobrinha
dela narra que, ao voltar à América em 1909, Martha Watts dirige-se dire­
tamente à Greenville, no Kentucky, para a Conferência Anual da Igreja. Ao
descer, então, da carruagem, tropeça e fratura a bacia. Após sete meses
imobilizada, descobre-se o câncer que viria a vitimá-la.

Quem são os metodistas

O metodismo nasceu na Inglaterra, dentro da Igreja Anglicana,


como movimento de reavivamento espiritual e preocupação social. Foram
protagonistas desse movimento os pastores anglicanos John Wesley e
Charles Wesley, que na Universidade de Oxford, juntamente com outros
amigos, participavam de um grupo de estudo da Bíblia, oração e visitação
aos encarcerados.

11
Data de 1738 o início oficial do metodismo, quando John Wesley
conta ter tido uma experiência religiosa pessoal particularmente profunda.
Essa experiência motivou-o a iniciar o trabalho de pregação religiosa para a
população trabalhadora. Dedicou sua vida a uma espécie de “evangelho
sodal” cuja tônica era a melhoria das condições de vida dos trabalhadores
explorados nas minas de carvão inglesas. Escreveu diversos livros em lin­
guagem popular sobre saúde, religião e história da Inglaterra visando a
educar a população carente. Fundou uma escola em Kingswood (1748),
juntamente com seu amigo George Whitefield, destinada à educação dos
filhos de mineiros e de pregadores metodistas.
O movimento metodista cresceu muito na Inglaterra, propagando-
se na Irlanda, onde foram fundadas várias sociedades metodistas. Depois
da morte de John Wesley em 1791, as sociedades metodistas separaram-se
da Igreja Anglicana, tomando-se ofidalmente Igreja Metodista.
Nos Estados Unidos, o metodismo chegou via imigrantes irlandeses,
crescendo e expandindo-se até tomar-se uma Igreja respeitada e economi­
camente forte.

O financiamento do projeto educacional metodista no Brasil

As missões metodistas norte-americanas em outros países foram


implantadas através da Junta de Missões da Igreja nos Estados Unidos. Este
órgão era responsável pela arrecadação de fundos para implantação e
manutenção dos projetos missionários. Ainda no século XIX, fundaram-se
várias sociedades femininas com o mesmo objetivo: sustentar as missões.
Entre outras sociedades de mulheres criadas nos EUA, surgiu, em 1878 a
Woman’s Missionary Society da Igreja Metodista do Sul. Essa associação
foi a responsável pela instalação da maioria das escolas metodistas no Brasil
e acreditava que só as mulheres poderíam ajudar outras mulheres.
Assim, decidiram tomar a seu cargo a educação e a assistência social
das mulheres nos países pobres onde se instalavam as missões religiosas da
denominação. Pensavam elas que, “civilizando” as mulheres nativas, ou
seja, educando-as nos padrões culturais do protestantismo, essas mulheres
se libertariam da dominação masculina em que viviam, tomando-se inde­
pendentes e em condições de prover o próprio sustento.
O empenho da Sociedade de Mulheres na implantação de escolas
femininas no Brasil foi tão intenso que determinou a abertura de nada
menos do que 15 escolas entre o final do século XIX e o início do século
XX — todas elas internatos femininos, mas que mantinham alunos do sexo

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masculino em regime de externato (apenas a partir de 1930, com a auto­
nomia da Igreja Metodista no Brasil, é que surgem nestas instituições inter­
natos masculinos). Algumas destas escolas acabaram sendo fechadas por
razões estratégicas, em função das epidemias tão comuns à época ou para
fundirem-se com outras. O investimento feito em escolas por essa Socie­
dade foi muito superior ao da Junta Geral de Missões da Igreja Metodista
americana, à qual eram subordinados os demais projetos da missão.

O metodismo no Brasil

A primeira tentativa de se estabelecer o metodismo no Brasil data de


1835. Essa missão durou apenas cinco anos, encerrando-se quando o mis­
sionário norte-americano Daniel Kidder, fixado no Rio de Janeiro, voltou
para os EUA por dificuldades de sustento de sua missão.
Somente em 1871 o metodismo funda sua primeira igreja no País,
com a vinda de Junius Newman, pastor metodista que acompanhava uma
leva de imigrantes norte-americanos. Fugindo da guerra civil nos EUA, eles
se estabeleceram nas proximidades de Santa Bárbara d’Oeste e Americana,
no interior paulista. Newman abre uma pequena igreja na região para aten­
der aos protestantes de língua inglesa. Em 1878, com a vinda do missioná­
rio J.J. Ransom, funda-se uma igreja metodista no Rio de Janeiro e o
metodismo expande-se principalmente nas regiões sul e sudeste, com suas
instituições de ensino alcançando a vanguarda pedagógica da “escola
nova”. Atualmente, a rede de instituições metodistas comporta 60 mil alu­
nos em 53 escolas espalhadas pelo País, algumas das quais com mais de
cem anos de atividade, chegando duas delas a constituírem universidades.
O grande número de alunos em escolas metodistas, se comparado
ao número de fiéis, tem tomado a denominação mais conhecida por sua
obra educacional. .Ainda hoje, para os herdeiros de John Wesley, evangeli-
zaréeducar.

Organização da obra

As cartas de Manha Watts, aqui também publicadas em sua versão


original na língua inglesa, são introduzidas pelo texto de sua indicação para
a missão em 1881 e estão organizadas cronologicamente segundo os qua­
tro períodos do trabalho dela no Brasil. O primeiro deles corresponde à
sua chegada a Piracicaba e à instalação, fundação e organização do Colégio
Piracicabano (1881-1895).

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A segunda fcase reúne as cartas escritas durante o tempo em que viveu
em Petrópoiis (1895-1900), quando fundou e organizou o Colégio de Petró-
polis.
O terceiro período (1902-1904) foi passado em Juiz de Fora, onde
trabalhou no Colégio Mineiro, enquanto aguardava a aquisição da propri­
edade para instalar uma escola metodista em Belo Horizonte. As cartas
desse bloco são precedidas por duas correspondências de 1901, escritas de
fora do Brasil, quando esteve afastada para tratar de sua saúde.
De 1904 e 1908, quando Manha Watts já estava instalada na capital
mineira, são as cartas que compõem o último período, em sua fase de tra­
balho no Colégio Izabela Hendrix.
Fecha esta publicação uma correspondência que não é de autoria de
Martha Watts, mas com ela intimamente se relaciona. Trata-se de uma home­
nagem póstuma à educadora pioneira do metodismo no Brasil, de autoria de
Miss Tiila C. Daniel, sua amiga e companheira de trabalho na Womarís Mis-
sionarv Society. E neste breve texto, de profunda emotividade, têm-se uma
boa medida do amor com que Martha Watts, em sua inestimável contribui­
ção formadora, acabou sendo identificada com o BrasiL

Zuleica Mesquita
Coordenadora do Projeto Memória do EEP

14
Matha Watts em sua juventude (E UA).
Designada uma
Missionária para o Brasil

n.9, março, 1881, p. 81

BlSPO J.C. KEENER: Devido à sua ausência no México, há um assunto rela­


cionado! Sociedade Missionária da Mulher que precisa ser apreciado por Vossa
Eminência antes de sua partida. A senhorita Mattie2 K Watts, de Louisville, Ken-
tucky, ofereceu-se como candidata a missionária, aspirando ir para o BrasiL Tenho
suas recomendações em mãos e devo acrescentar que são de primeira ordem. Estas
serão apresentadas à Diretoria Executiva no decorrer da reunião do dia l.° de feve­
reiro da Sociedade Missionária da Mulher. Caso seja aprovada, esta senhora lhe será
recomendada para nomeação junto à missão brasileira, sob sua responsabilidade.
Ela estará pronta para partir no início da primavera, juntamente com as
missionárias recentemente selecionadas para este trabalho pela Junta de Missões.
Respeitosamente,

Sra.D.H.McGavock
Secretária Executiva Associada WM.S., M.E.C., 83
Nashville, Tennessee; 27 de janeiro de 1881

1 As datas logo após os títulos reterem-se à publicação original no Advocate.


2 Diminutivo de Marcha. Aparece várias vezes substituindo o nome oficial.
} Womans Missionarv Societv, Methodist Episcopal Church.

17
JKissãono O^iracica&ano
(^iracicafxi,00°),1881-1895
As Crianças Desabrigadas
do Rio de Janeiro
n. 11, maio, 1881, pp. 3-4

Quandoofizestesaumdestesmeuspequeninosirmãos, amimofizestes.4

Na grande cidade do Rio de Janeiro, com mais de 400.000 habitantes, há


uma classe de seres humanos cujas condições apelam aos nossos mais profundos
sentimentos, e clamam por nossa caridade cristã. E uma classe de criancinhas,
sem lar ou amigos, que comem, dormem, vivem e morrem nas ruas; ignorantes
de todo o conhecimento com exceção da marginalidade e da miséria, sem que
nenhuma pessoa pareça importar-se com suas almas. Deveriamos ser surdos a
seu clamor e contemplar indiferentemente a visão da imensa aflição de centenas .
de criancinhas que crescem em meio ao pecado e a uma corrupção tão vil, que ao
chegarem à vida adulta tomar-se-ão tão-somente delinquentes e párias sociais?
Ou deveriamos, com a ajuda de Deus, buscar a salvação destas preciosas almas,
para que sejam jóias na coroa de glória de nosso Salvador, quando este vier julgar
a Terra? O Senhor tem ouvido o clamor destes pequeninos, tão caros a Ele
como aqueles que pegou em seus braços e abençoou, ao mesmo tempo que
ordenava a seus discípulos que tolerassem a aproximação das crianças junto a
Ele. O Senhor introduziu no coração de alguns dos seus servos a compaixão por
estas vidas, bem como o desejo de achar uma forma de resgatá-las. A esta classe
pertencem jomaleiros, engraxates, vendedores de frutas, cantores, etc. Assim
me surge a proposta de uma casa de refúgio para eles - preparar um local limpo,
como um lar, para onde possam ir ao final do dia de trabalho, achar abrigo,
repouso e alimentação para seus pequenos corpos fatigados, freqüentemente
debilitados pelo sofrimento da fome e das doenças — experimentando palavras
doces em um tom gentil e sentindo o suave toque de mãos amorosas é que eles
virão a aprender o que é o amor humano, e desta forma começar a compreender

4 Evangelho Segundo São Matheus, 25:40.

21
o amor de Deus - um lugar onde todos estes aprenderão as virtudes da verdade,
da pureza e da honestidade, e a seguir o caminho da salvação.
Somente da mente de Deus poderia surgir tal pensamento (um pensa­
mento tão próprio de Cristo em seus propósitos de buscar e salvar os perdidos)
e suas bênçãos certamente serão derramadas por sobre tal trabalho levado a cabo
em seu nome. As mulheres da Igreja Metodista do Sul deixariam de abrir seus
corações e suas mãos para estes pequenos abandonados? Deixe que a mãe con­
temple seus próprios pequeninos ao colocá-los na cama com uma oração e ao
dar-lhes um beijo de boa noite, lembre-se das “crianças sem mãe”, dormindo
sobre as ruas de pedra, tendo somente o orvalho da noite sobre sua fronte, em
vez de um beijo suave. Somente as estrelas distantes a guardarem seu repouso ao
invés de olhos amorosos; ou ainda, se doentes, em sofrimento, deitados sob o
sol escaldante, sem uma mão a oferecer a seus lábios sedentos sequer um copo
de água, enxotados, atropelados por pés apressados ou por fim arrastados para
um buraco escuro para morrer, sem jamais ter ouvido as palavras “Jesus te ama”.
Deixe-as pensar sobre tudo isso e então perguntar a seus corações se
devem uma oferta de graças ao Pai Celestial; ou ainda, se suas próprias crianci­
nhas tiverem ido viver para sempre na presença do Senhor, a memória delas
poderá amolecer seus corações para que sintam uma profunda compaixão por
estas crianças desamparadas, e façam por elas o que prazerosamente fariam por
seus próprios filhos se pudessem tê-los jvrrto a si novamente. Este apelo não se
aplica somente às mães, mas a todas as mulheres; pois a elas é especialmente
ensinado o cuidado e a educação para com as crianças, a preocupação com seu
desamparo, sua necessidade de paciência; a gentileza e o amor acharão nelas
todos os elementos necessários. Foi dito, “Toda mulher verdadeira nasce com
instinto maternal”. Que trabalho mais adequado podem ter nossas mulheres,
que salvar as almas de criancinhas, e ensiná-las a viver como úteis cristãos? Este
pensamento tem direcionado nossos principais esforços em todo campo missio­
nário que entramos, e nunca houve, até este momento, uma oportunidade tão
grande de uniizá-lo com sucesso, quanto agora, entre as crianças sem lar do Rio.
Eu gostaria de chamar a atenção dos membros da Sociedade Missionária
da Mulher para este nobre empreendimento, e solicitaria que através de seu

22
corpo diretor, a Associação Executiva Geral examinasse atentamente o caso e,
estando em seu poder, viessem a tomar medidas decisivas para sua implantação.
O Sr. Ranson expressa enfaticamente os efeitos que o início de tal trabalho traria
ao serem largamente apoiados pela população protestante do Rio de Janeiro,
bem como por outras pessoas generosas.
Veio à minha mente que os muitos corações saudosos que contribuem
para o “Fundo MemoriaT em nome dos filhos “amados e perdidos”, achariam
aqui um local onde suas preciosas ofertas poderíam, sob as bênçãos de Deus,
tomar-se a salvação destas crianças amadas do Pai. Vários donativos feitos a este
fundo chegaram às minhas mãos, e o desejo de todos se expressa nas palavras
utilizadas por um saudoso coração materno: “Meu filho está salvo. Deixe que
este dinheiro ajude a salvar alguns dos filhos de outras mulheres”.
Que Deus guie todo este assunto, para que Seu nome possa ser glorifi-
cado!

M.H.

Carta do Brasil
n. 4, outubro, 1881

CARA SRA. BuTLER: Seu convite para que escrevesse todos os meses,
chegou-me tardiamente para que pudesse responder-lhe no mês passado; além
disso, eu estava muito ocupada para escrever. Quando lhe escrevi pela última
vez, tínhamos acabado de chegar e estávamos “esperando” por nossa bagagem, a
qual alcançou-nos somente quatro semanas após nossa chegada. Foi um longo
tempo de espera, uma vez que viemos preparados para clima de verão — quando,
vejam só!, descobrimos que o calor do Rio havia ficado para trás, pois aqui estava
frio. De qualquer forma, tudo tem um fim, e nossa paciência foi finalmente
recompensada pela chegada de nossas malas, caixas e cadeiras. Fomos, assim que
possível, para a casa que havia estado nos esperando por um mês antes de nossa
chegada Encontramo-nos confortavelmente instalados e estamos tão bem

23
quanto seria esperado, dentro das circunstâncias. Todos, com exceção do Sr.
Koger, que tem estado um pouco indisposto, estão gozando de ótima saúde, e
descobrindo que nossos apetites se acomodam rapidamente à comida do país.
Temos alguns itens da dieta que tínhamos em casa; porém, quase tudo é novo
para nós. Eu lhe contarei, para tranqüilizar alguns de nossos amigos, que não
comemos “comida crua”. Temos “farinha”, preparada da raiz da mandioca, mas é
cozida. Há um preparado de milho que possui a aparência de comida crua,
porém não é cru. Temos muitas qualidades de frutas, porém, não são tão boas
como as que temos em casa. Temos ótima came bovina, porco fresco, manteiga
e, quando temos acesso, pão assado; porém preferimos fazê-lo quando conse­
guimos leite. A comida do país é arroz, farinha e feijão. Este último é tão generi­
camente utilizado que, em vez de dizer que alguém não vale seu “sal”, eles dizem
que não vale o “feijão” que come. O último prato que experimentamos foi “pal­
mito”, ou “repolho da palma”. E o miolo central da parte superior da palma do
palmito e é realmente muito bom. Nossa cozinheira parece saber preparar todos
os pratos brasileiros e está evidentemente ansiosa em nos agradar; entretanto
outro dia, quando lhe declaramos que gostaríamos que o assoalho fosse esfre­
gado, ela disse que não sabia como. Disto nós inferimos que os brasileiros preo­
cupam-se mais com o conforto interno do que com o externo. Eu ainda não
posso escrever muito sobre o povo, pois ainda não os conheço muito bem
enquanto povo. Dizem que as casas são sujas, assim como suas reiações de negó­
cios, mas não temos testemunhado nada disso. Temos recebido apenas gentileza
e cortesia daqueles que temos conhecido. Suas cerimônias repletas de idolatria e
sua quase total indiferença à observância do domingo são os grandes males evi­
dentes a todos. No domingo uma garota negra veio à nossa porta com uma caixa
de enfeites para vender, e perguntou-me se queria comprar algum deles. Eu lhe
disse que era domingo, no que ela respondeu da maneira mais simples possível
que isso não fazia diferença. Atônita, repeti suas palavras, e lhe disse que não
compravamos nem vendíamos no domingo, e que servíamos a Deus naquele
dia. Eu não pude me lembrar da palavra que significava “cultuar” e contei isso a
meus amigos mais tarde. Eu estava triste em ter que nos apresentar como “Cris­
tãos de Domingo”; mas isto era o melhor que podia dizer para ser fiel aos meus

24
princípios. Ela respondeu respeitosamente e foi-se embora. Os mendigos são
muito numerosos e extremamente inoportunos. Os brasileiros têm uma licença
da Câmara Municipal para mendigar aos sábados e domingos; a Igreja envia
mendigos trajando um uniforme com uma imagem de um “santo” negro, den­
tro de uma caixa, e eles esmolam para aquele santo em particular no domingo, e
os italianos desocupados ficam com os outros dias.
De qualquer forma, não acho que todas as pessoas más do mundo este­
jam no Brasil, e à medida que for me inteirando poderei contar sobre suas virtu­
des. Eles são infelizes, de qualquer forma, por terem um Estado que tomou-se
extremamente corrupto nas mãos de seus líderes. (...) Deus garantirá que viva­
mos na plenitude de sua luz, que eles também receberão de nós!
O mês de junho é uma ocasião festiva especial, já que é o mês de nasci­
mento de São João, padroeiro do país. Houve muitos feriados com uma queima
constante de fogos e badalar dos sinos. Esta estação é a época mais importante do
ano, como dezembro é para nós. Marca uma festiva estação, sendo que o Dia de
São João é o principal dos dias, como é o Natal para nós. Como quase tudo é cele­
brado nas fazendas, vimos pouco na cidade, exceto pelos inevitáveis fogos, velas
romanas e bandeiras com a imagem de Santo Antônio hasteadas em varas de
bambu. Algumas delas representam-no vestido de vermelho e outras de branco.
Quero lhes contar sobre a celebração de Pentecostes. Meu coração se
entristece quando penso nisso. Chamou-se de “Festivai do Grande Encontro”.
A celebração de Pentecostes dura três dias, mas vimos somente uma festa, pró­
xima ao rio. Chegamos entre quatro e cinco horas e guardamos um bom lugar
antes que se formasse uma grande aglomeração. Dispostos com pouca distância
entre si, por toda a rua chegando até o rio, havia arcos de bambu completamente
cobertos de folhas, enfeitados com folhas vermelhas de uma planta que viceja
aqui, presas nos galhos, para que a procissão passasse por baixo. No ancora­
douro havia dois pequenos barcos que foram decorados com bambu e as folhas
vermelhas e, em diferentes pontos do rio, havia feixes do bambu decorado. O
sol estava acima da linha do horizonte e o rio estava calmo, refletindo a imagem
da vegetação; às margens de cada lado, com seu manto verde, os balões soltos ao
vento, o som dos fogos cobria o vozerio das pessoas, algumas acima e outras

25
abaixo de nós, de pé ou sentadas na grama ou se movendo inquietamente de um
lado para outro — tudo, tão novo e estranho, formava uma cena muito interes­
sante. Esperamos com crescente interesse e com os corações tristes; entende­
mos que aquilo tudo havia sido planejado para deleitar os ignorantes e preencher
suas mentes com a excitação que eles interpretam erroneamente como fervor
religioso. Então, comentei que não era de se admirar que se deixassem levar por
essas coisas; como não lhes é oferecido nada melhor, eles aceitam alegremente
essas novidades que os padres sabem tão bem como manejar.
Após algum tempo, ouvimos uma música se aproximando e, cada vez que
a procissão passava sob um dos arcos, era lançada uma rajada de fogos. Final­
mente eles apareceram, liderados por um padre que vinha acompanhado de dois
meninos e alguns outros “trajados a rigor”, como os outros. Estes entraram em
um dos barcos e os músicos entraram no outro. Em cada um dos barcos havia
um homem com um enornie feixe de foguetes e, bem quando eles começaram a
estourar, a música começou a tocar, o que soava agradavelmente sobre a água,
embora o efeito não fosse muito bonito. Agora, o sol já havia se posto e aquela
parca luz que precede o crepúsculo se acabara por completo. As vozes silencia­
ram e a doce melodia da música, o barulho dos remos na água e a freqüente
explosão dos fogos em ambos os lados das curvas do rio — tudo junto constituía
um momento de grande interesse. Sabe o que todo aquele cerimonial queria
dizer? Eles desciam o ric nome de Igreja, para receber o Espírito Santo! Que
sacrilégio! Senti pesar pelo meu Senhor e, quando me lembro, minha alma
exclama; “Por quanto tempo, meu Senhor, por quanto tempo permitirás este
pecado contra o abençoado Espírito Santo?”. Quando os dois barcos alcança­
ram as margens, vimos outro barco se aproximando e nele havia um homem
vestido de branco. Aqueles que já haviam descido se viraram e se reuniram todos
no desembarque. Os homens do último barco estavam fantasticamente vestidos
com roupagem branca com ornamentos vermelhos e dourados e com longos
capuzes vermelhos pontudos. Com um sinal eles levantavam seus remos da água
e rormaram uma cruz sobre suas cabeças. Quando iam se aproximando da mar­
gem, ouvimos um som zumbido que supusemos ser o sinal para o início do
canto, acompanhado por um instrumento com o formato de um violão, mas

26
que tinha somente três cordas. Esperávamos ver o padre receber algo deles, mas
não; eles vieram juntos, lado a lado - o barco do padre de um lado e o barco dos
músicos de outro. Quando eles encostaram os barcos, o homem que estava na
proa do barco “sagrado” saiu primeiro, levando o estandarte que sustentava uma
bandeira vermelha; vimos no topo do bastão um pequeno pássaro branco, sen­
tado sobre um ninho de flores artificiais. Aquilo, meus amigos, era a representa­
ção que eles faziam Dele, que abriu os céus e nos veio “na forma de um pombo”,
naquela memorável ocasião, e que veio anunciado por aquele “som de um vento
forte” quando os discípulos foram tomados pelo Espírito Santo. Podem vocês
imaginar a escuridão moral deste império em que o grande “Iluminador” não é
melhor conhecido? Não há necessidade de um trabalho de evangelização aqui,
minhas irmãs? E vocês não orarão por nós para que sejamos dotados do poder
superior, tão necessário para o trabalho que temos a fazer? Vocês imediatamente
imaginariam que este seria um homem merecedor de piedade, mas foi somente
o homem que arcou com ás despesas do festival! O padre parecia estar de bom
humor - o que não é de se estranhar, tendo em vista a festa que aparentemente
foi um sucesso. Agora estava ficando escuro e as rajadas de fogos não eram só
barulhentas, davam um belo espetáculo. A medida que nos dirigíamos para a rua
com a multidão, a lua se levantava atrás de nós com sua beleza, parecendo não
saber que seria ocultada pela sombra da Terra naquela noite. Seguimos as pessoas
até a igreja, na qual ficamos somente alguns minutos. A igreja estava pouco ilu­
minada, mas pudemos ver imagens de adoração por toda a casa. Não havia ban­
cos, talvez eles fiquem ajoelhados ou talvez se sentem no chão.
Domingo houve um longo dobrar dos sinos, freqüentes disparos de
fogos e, logo antes de anoitecer, uma procissão à luz de tochas. Era enorme o
contraste entre a forma como nós, como protestantes neste lugar, e eles, como
católicos, passamos a noite daquele domingo. Passamos na casa do irmão Smith,
que fica fora da cidade, em uma colina, na qual eu me sentei e pude ver parte da
cidade.
Enquanto nós, tão poucos, estávamos cantando e orando na nossa
maneira simples, o irmão Koger nos falava sobre o tema: “Não vos canseis de
fazer o bem”. Eles estavam marchando pelas ruas com uma banda de música, e

27
algumas vezes gritavam com entusiasmo, com os acompanhamentos menciona­
dos antes.
A segunda-feira foi como o domingo; e em seguida as festividades dimi­
nuíram, para se prepararem para o dia 24. Na segunda de manhã fomos um
pouco até a igreja. A cerimônia de sábado foi repetida, mas desta vez vimos a
cerimônia da elevação do pão sagrado. Quando isto ocorreu, houve o mais
solene silêncio, e todos, exceto nós, estavam ajoelhados, e quando terminou, foi
dado um sinal, uma bomba explodiu lá fora, e em seguida um foguete, e as bom­
bas e foguetes se alternavam por algum tempo, para o sofrimento de meus tím­
panos. Cansei-me de escrever foguete em inglês e escrevi em português.
Ficamos cansados de ouvi-los, posso assegurar, e acho de mau gosto soltá-los de
dia. Pensei no fabricante de fogos deste lugar, o Demetrius de Piracicaba, e pen­
sei se ele gostaria de saber da interferência que o puro Evangelho com certeza
faria em seu negócio de forma melhor do que o fundidor de prata de Éfeso fez.
Todos os domingos nós temos pregações, altemando-se os irmãos Koger
e Kennedy. Tivemos escola dominical por cinco domingos seguidos. Começa­
mos com cinco estudantes, mas agora temos oito na classe das crianças e dois
jovens na classe de Bíblia, e espero mais dois no próximo domingo. Eles são
americanos e ingleses, mas eu também peço a Cristo pelas crianças brasileiras de
Piracicaba. Eu não posso estender as fronteiras até a província de São Paulo, e
ainda mais longe? Meus jovens amigos das Sociedades Missionárias Juvenis não
me ajudariam a pedir por eles em suas orações? Existem muitas crianças que
parecem interessadas aqui. Anseio por falar com eles; mas preciso esperar. Abri­
remos nossa escola assim que pudermos encontrar uma casa com tamanho sufi­
ciente. Existem alguns homens que estavam ansiosos para colocar seus filhos na
escola e estão nos encorajando a começar. Claro que ainda temos que empregar
professores para fazer nosso trabalho na escola enquanto estudamos o idioma, o
que nos deixa ocupados quase o tempo todo. Estamos fazendo progresso, é
claro, mas não tão depressa como desejamos. Nossos amigos e professores nos
encorajam, ou pelo menos tentam, dizendo que não podemos esperar que
aprendamos em um dia e que estamos indo bem.

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Encontramos um número de americanos muito agradáveis e gentis
conosco. Temos tido um relacionamento agradável com outros missionários;
fomos convidadas para visitar Campinas, temos um convite insistente para visi­
tar São Paulo durante a conferência do presbitério de São Paulo — que sem
dúvida será um agradável encontro de missionários. Se formos, vou contar a
vocês sobre isso. O Sr. Chamberlain da Missão Presbiteriana em São Paulo pre­
gou em português em nosso pequeno salão, uma noite para uma pequena con­
gregação. O Sr. Bagby, da Missão Batista em Santa Bárbara, conduziu um
encontro de muito sucesso algumas semanas atrás, o que resultou em um bom
número de conversões, e oito adesões à Igreja Batista, sete à Metodista e cinco à
Igreja Presbiteriana- Todos eram americanos.
Ficarei contente em responder perguntas sobre o Brasil, ou sobre o traba­
lho aqui, se alguém desejar informações que eu não dou em minhas cartas. Não
estou muito familiarizada com o Brasil, mas eu posso me informar. Espero ter
boas notícias do trabalho de minhas companheiras aí na América, e que orem
por nós. Permaneço sua em Cristo.

MissWatts
Piracicaba, Província de São Paulo, Brasil, julho de 1881

Carta do Brasil
n- 5, novembro, 1881

SRA. D.H. McGAVOCK: Eu cheguei a Piracicaba no dia 19 de maio e,


após uma visita de poucos dias à casa do Irmão Smith, hospedei-me na casa do
Sr. Northup, na qual permaneci quatro semanas, estudando a Bíblia todos os
dias, exceto aos sábados. No dia 21 de junho, começamos a cuidar da casa na
qual permanecemos até o primeiro dia da última semana, quando o Rev. Koger
se mudou para uma casa mais confortável em outra rua; meus pertences, junta­
mente com a mobília da escola que tínhamos, foram levados para uma nova casa
que alugamos para a escola. A casa é nova, mas não é grande o suficiente para
abrigar a família e a escola. Portanto, tentamos encontrar uma que fosse conve-

29
mente para ambos os propósitos. A saúde da Sra. Koger está tão ruim que ela
não pôde se encarregar do departamento de atribuições domésticas; assim, acha­
mos melhor ficarmos com essa até acharmos ou construirmos outra.
O aluguel é de sessenta mil réis, ou quase $30, por mês. Temos duas salas
grandes na frente, um quarto grande e dois menores atras. Atrás do quarto grande
há dois menores que se abrem para a sala de jantar e, atrás dos quartos menores, do
outro lado, há outro quarto grande. Temos uma grande sala de jantar que temos a
intenção de dividir para fazer uma sala de declamação e um quarto. Na cozinha
temos uma grande despensa, da qual a Srta. Newman ficará encarregada [como
sala da escola, suponho]. Temos também na cozinha um fogão brasileiro que nos
servirá até que tenhamos um melhor. Como é mais barato fazer o pão do que
comprá-lo, compraremos um fogão ou construiremos um fomo.
Ainda não divulgamos quando abriremos a escola nem nossas condições,
mas espero que seja em breve; nós a informaremos sobre os custos das bolsas de
estudos, para que nosso povo tenha o privilégio de manter algumas dessas amáveis
moças brasileiras. Eu tenho uma predileta, que mora do outro lado da rua—ela e sua
prima serão nossas alunas. Nosso corpo docente está montado, incluindo vários
homens, já que não conseguimos senhoras. Miss Newman lecionará o quanto
puder; sua saúde não está tão boa, mas ela está muito interessada no trabalho.
Com amor, a todas as senhoras do Conselho Executivo ad interim, a
todas as outras que foram tão amáveis em Nashville e agradecendo a todas as
ourras pelo interesse no trabalho brasileiro e pelas suas orações, permaneço sua
irmã nc trabalho,

MissM.H. Watts
Piracicaba, 30 de agosto de 1881

Carta do Brasil
n. 6, dezembro, 1881

Cara Sra. BUTLER: Imagino que a senhora e as outras mulheres interes­


sadas no trabalho realizado no Brasil queiram notícias da cidade na qual empre­
garam dinheiro e orações. Eu lhes darei as informações que puder sobre ela.

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Quando estávamos na Bahia, disseram-nos que Piracicaba era uma das
mais belas cidades do interior. Eu fiquei encantada com a idéia de viver em uma
“bela cidade”, não levando em consideração as palavras “no interior”, que muda­
vam as coisas. Minha imaginação imediatamente criou a imagem de casas com
telhados altos e janelas pequenas; com belas palmeiras franjadas, cactos, bananei­
ras e todos os tipos de plantas tropicais e grandes jardins com frutas e flores.
Essa idéia era, sem dúvida, uma reprodução do que eu havia visto no subúrbio da
Bahia e parte do que me lembrava de Lisboa.
O nome antigo da cidade era “Constituição”. Talvez você encontre esse
nome no mapa. Eu não posso separar facilmente qualquer parte do Brasil do
Equador, mas estamos a quase 23 graus deste — na verdade, estamos apenas um
pouco a noroeste de São Paulo, onde passa o Trópico de Capricórnio. A cidade
fica às margens do Rio Piracicaba e dizem ter cem anos de idade. O nome é ingí-
gena e significa “local onde o peixe pára”. Posso ver por que a cidade deve ser
assim chamada em virtude de lá haver uma considerável queda d’água neste
ponto do rio, o que impediría que os peixes prosseguissem rio acima; mas eu não
posso ver como isto se aplica ao rio, pois me foi dito que os garotos se colocam
sobre as rochas e pescam nas águas que correm sobre e entre eles. Esta cidade é
edificada no cume e nas laterais de uma colina. De onde vivemos, podemos ver
belas colinas verdes em cada ponta da rua: para a direita vemos a colina além do
rio, uma vista sem a obstrução de edifícios; enouanto que, para a esquerda, o lado
da colina é repleto de vivendas, chamadas “chácaras” ou residências suburbanas,
e, em um lugar onde há colunas brancas que vemos por entre as árvores, nos
dizem que lá repousam os “Piracicabanos falecidos”.
Não existem montanhas muito altas nesta parte do Brasil; mas diz-se que
esta cidade fica a dois mil e quinhentos pés acima do nível do mar, e é conse-
qüentemente muito fria no inverno, que inicia em abril e termina em agosto
(quando tem início a temporada de chuvas que dura todo o verão, fazendo o
calor mais penoso). As manhãs são muito irias e eventualmente ocorre uma
certa neblina que, quando a porta ou a janela está aberta, entra como uma garoa
fina. Durante o dia é agradável sob o sol, porém há frio dentro de casa. As noites
também são muito irias. De vez em quando ocorre geada, verificável nas bana­

31
neiras que perdem suas folhas. Em 1879 dizem que a neblina estava tão fria
como o gelo e tão grossa como se pudesse ser cortada a faca. Esse nível de tem­
peratura é extremamente desastroso para o café, caso dure por muito tempo. O
tempo quente é algo para ser comentado em outra oportunidade, uma vez que
ainda não o experimentei. O número de habitantes da cidade é algo entre cinco e
oito mil pessoas. Na municipalidade, que é muito extensa, abrangendo algumas
cidades menores e a área rural circundante, são vinte mil almas. A Província cor­
responde ao nosso Estado e a municipalidade, ao nosso condado; e, assim sendo,
a sede de governo municipal aqui é a “Câmara” ou Câmara Municipal, que con­
siste em presidente, secretário, porteiro e nove membros. Esta concede licenças,
julga criminosos e guarda os direitos das pessoas da municipalidade. Também há
uma força policial, que creio que seja apontada por uma autoridade superior.
Não existem casas grandiosas ou sofisticadas. A maior é o Fórum, que
tem a cadeia na parte anterior. E construída no centro de um lote aberto, e podia
ser um belo lugar. Foi construída por um americano para sua residência. Cada
vez que a vejo, a invejo para nossa escola. Aqui existem dois museus, porém não
são de grande importância. Há um ótimo edifício na estação de trem, que é bas­
tante distante do centro da cidade. De vez em quando, um edifício de grandes
proporções é iniciado ao longo do rio para ser um depósito geral, mas acaba
sendo abandonado. Existem quatro Igrejas Romanas. A maior é chamada
“Matriz”, tendo um tamanho considerável e uma ótima aparência à distância. Na
frente da igreja há uma enorme cruz de madeira, que os católicos dizem ter ver­
tido sangue quando foi colocada pela primeira vez, cujos lenços foram mancha­
dos com ele e mantidos por suas muitas virtudes, podendo ser vistos hoje em
dia. Os protestantes acham que a madeira era verde, e que o fluido gotejante da
árvore era o “sangue”, que a superstição cultua.
A base da cruz consistia de três grandes blocos de madeira. Cada qual
maior do que o outro. Nela existem muitas e grandes rochas naturais, que cho­
cam por serem inadequadas a um local tão Santo, mas que significam algo para as
pessoas que as colocaram lá. E principalmente trabalho de mulheres. Foi-me
dito que eram sinais de promessas cumpridas. Por exemplo, uma mulher faz a
promessa a um santo de que, se ela receber assistência em um momento particu­

•32
lar quanto a um assunto particular, ela carregará uma rocha em sua cabeça, de um
ponto dado até o pé da cruz, e então lá irá depositá-la. Os homens soltam fogue­
tes em reconhecimento da assistência dada. Minhas irmãs, será que precisamos
fazer gastos ou nos impingir dor física a fim de dizer ao mundo que recebemos
uma bênção de nosso Pai cheio de amor e graça? Não é mais razoável nos sen­
tarmos em silêncio quando nos reunimos e, em poucas palavras, engrandecer­
mos o nome de Deus. Aqui existem duas escolas públicas — uma para garotos e
outra para garotas, e um grande número de escolas privadas, onde as crianças
estudam juntas, e tão barulhentamente que podem ser ouvidas a uma quadra de
distância. Existem algumas boas lojas de miudezas, bem abastecidas com itens
de todos os tipos, que são apenas um pouco mais caros que aí em casa. As lojas
possuem os nomes mais engraçados, como: “A Loja do Galo”, “A Loja da
Cobra”, “A Loja da Queimada”, etc. A cidade possui três boas drogarias e muitas
mercearias, como sempre. Estas últimas vendem bebidas alcoólicas, o que ter­
mina com a necessidade de bares. Disseram-me que existem poucos bêbados
aqui. O jogo é muito comum, apesar de ser ilegaL
Quase todas as casas antigas são de barro. E enquanto os mais jovens e
progressistas estão construindo em alvenaria, eles ainda seguem o mesmo estilo
arquitetônico e plano de construção de seus ancestrais. Todas as construções
têm basicamente o mesmo estilo, com telhado inclinado aproximadamente qua­
renta graus e coberto por telhas de barro. Estas telhas são como - metade de
uma peça de tubo de água. São dispostas de maneira bastante engenhosa e, se
somente umas poucas casas fossem cobertas assim, poderiamos admirá-las; mas
não vimos nada diferente disso desde que deixamos a Inglaterra e tal uniformi­
dade é enfadonha. Não existem chaminés, pois não existem lareiras internas.
Imagine só estas casas sem conforto e sem fogo. Muitas delas não possuem
assoalho e nenhuma delas possui assoalho na cozinha. Para cozinhar elas pos­
suem um arranjo chamado “fogão”, porém quando o fogo é necessário, a fim de
aquecer os dedos e os narizes das crianças, um fogo é feito no canto do chão da
cozinha, sendo que o canto funciona como uma chaminé. Freqüentemente o
telhado é erguido em até um pé acima da parede, e então não há problema algum
para a exaustão da tumaça.

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O chão de cerra batida, as paredes de barro ou tijolos e o telhado de cerâ­
mica explicam por que não existem carros do corpo de bombeiros na cidade e por
que eles nunca tiveram incêndio. Tanto os cômodos quanto os quartos são forra­
dos, o que os toma mais confortáveis, e emprestam uma aparência mais limpa.
Existem amplos salões e muitas janelas e portas. Os quartos não ocupam os espa­
ços maiores, que são utilizados como salas ou salas de jantar, através dos quais lhes
chega a luz, uma vez que raramente possuem uma janela. Alguns não possuem
nem mesmo uma tranca na porta. São geralmente muito pequenas, o que encaixa
na idéia brasileira de conforto, mas um americano não ficaria satisfeito em uma
delas. A mobília é feia e escassa. Carpete é algo desconhecido, porém, aqueles que
podem, possuem tapetes dispersos. Cortinas são raramente vistas. O estilo de
arranjo da mobília é colocar um sofá de vime de encontro à parede e três ou quatro
cadeiras em cada ponta, dispostas em ângulo reto com o sofá. Este é o substituto
deles para o nosso local junto à lareira. Espera-se que a visita se sente no sofá. Todas
as casas, eu suponho, possuem uma rede em um dos cantos. A porta da rua é
muito alta e larga, e possui degraus internos. E contra a lei tê-los para fora da porta.
As portas ficam abertas durante todo o dia, e os visitantes anunciam sua chegada
através de um bater de palmas, ao invés de bater à porta. As janelas são muito
acima do chão, tendo geralmente vidro, porém muitas possuem somente as folhas
internas de madeira. Existem alguns belos pátios e jardins, porém ficam nos fun­
dos e não são vistos da rua, em virtude das casas serem construídas geminadas,
com uma grossa parede de barro a separá-las. Existem muitos pés de banana,
laranja, limão e outras frutas, porém muito poucas árvores decorativas. Agora,
você não acha que eu tinha motivos para desapontar-me? Eu não tenho dúvida de
que esta é uma das mais belas cidades “do interior”, mas não é o que eu havia ima­
ginado.
As pessoas se vestem tão bem como nos Estados Unidos - isto é, as de
melhor classe. O povo pobre e os negros não se vestem nem com o mínimo de
dignidade. Entretanto não existem trajes fantásticos. Todas as mulheres e a mai­
oria dos homens envolvem-se em xales, seja de manhã ou à noite, de tal forma
que reiembram figuras de mulheres do Oriente.
A paisagem a toda volta, especialmente o rio, é muito boa. As quedas são
lindas. Bem acima da cidade as corredeiras começam, e à medida que se aproxi­
mam das rochas as águas correm mais rapidamente e então chocam-se, e mergu­
lham, e urram, explodindo em espuma ao achar seu caminho entre as rochas. Há
uma ilha logo abaixo, que é um grande local para os que buscam prazer. Na ilha
se é freqüentemente surpreendido ao contemplar a água chocando-se com as
fendas das pedras, em vários pontos. Ela parece desdenhar os muitos obstáculos
oferecidos. Atravessando o rio, há um-muro de pedra natural, que parece ter sido
colocado por mãos cuidadosas, que distribuíram as pedras em ordem. Passando
este muro, existem vinhas, s amam baias e amoras selvagens. Deste lado temos
uma visão melhor das quedas d’água. Abaixo das quedas, onde os botes apor­
tam, a água é tão lisa e tranqüila que as colinas e o céu se espelham em sua super­
fície. E claro que esta queda permite uma grande energia, a qual é utilizada por
um brasileiro para mover um moinho de algodão. Ele tem um capataz inglês.
Este moinho é o centro da indústria aqui, e da trabalho para muitos homens,
mulheres, meninos e meninas. Algodão pesado de boa qualidade é fabrica aqui.
Um engenho de açúcar também está em processo de implantação, ao lado
oposto do engenho de algodão. Na ilha, as lavadeiras lavam as roupas da cidade
na água rápida, batendo-as nas rochas, e secando-as ao sol. Quando as roupas
voltam para casa, não possuem “praticamente” botões.
Agora, caras amigas, o que acham de “minha cidade”, como eu já a chamo?
Já me sinto muito ligada a eia c pressinto que serei muito feliz aqui. Tenho tentado
aprender a língua, de forma que eu possa contar-lhes “a velha, velha história”,3 e
dizer a eles de minha ansiedade por sua salvação. Sei que muitos de vocês estão
orando por mim e pelo trabalho aqui, e lhes sou extremamente agradecida por isso.
Espero que continuem a fazê-lo. Isto deixa a mim e meus amigos com saúde física e
espiritual
Agradecendo pelas cartas recebidas, permaneço sua missionária no Brasil,

Miss M.H. Watts


Piracicaba, Brasil, 24 de setembro de 1881

3 “Contar a velha história” é parte da letra de um hino religioso e signihca evangeiizar, “contar a história de Cristo

como o salvador”.
Carta de Miss
M.H. Watts, Brasil
n. 7, janeiro, 1882

CARA SRA. BUTLjER: Tenho ceneza de que a senhora e as mulheres de


nossa Igreja em geral ficarão felizes em saber que sua missão está realmente esta­
belecida em Piracicaba. Nós alugamos uma casa agradável, a qual está também
mobiliada como a maioria das casas no local, e está bem confortavelmente arru­
mada. Nós temos uma boa empregada, que cozinha para nós, lava, passa, faz as
“compras”, e cobra $12 mensais por seus serviços.
Nós abrimos nossa escola no dia 13 de setembro, e uma aluna apareceu,
apesar de que tínhamos carteiras para dezoito, e receávamos que elas não fossem
suficientes. Nossa pupila única, no entanto, é boa, e bastante regular na freqüên-
cia, e ainda temos a promessa de outros em um futuro próximo. Foi um tanto
difícil adequar-me a esta experiência depois de ter trabalhado nas escolas em
nosso país; já que aí o primeiro dia de aula é marcado pela excitação causada pelas
crianças formando turmas - apresentando-se pelos nomes, rostos novos e
outros conhecidos, a classificação por graus etc. —, mas aqui, um silêncio respei­
toso se estende sobre nossas “salas de aula”.
Nossa fé se mantém e estamos avançando em nossos preparativos para o
iuturo, com a ceneza de que deveremos ter trabalho o suficiente após algum
tempo. Eu li em “Heatben Woman*s Friend” sobre Miss Wilson, na índia, que
esperou seis meses até receber o primeiro aluno, e tomei coragem e me empe­
nhei para trabalhar outra vez para o Senhor. Nós somos estranhos e protestan­
tes, e a cidade está cheia de escolas e de professores, que ensinam a preços
excessivamente baixos, e a probabilidade é de que teremos que esperar algum
tempo para termos uma escola grande, pois somente alguns que dão valor a um
sistema de educação melhor do que o fornecido por estas escolas nos darão
suporte; mas acho que, quando estivermos preparados para sair “pelas estradas, e
forçá-los a entrar, sem dinheiro e sem preço”, nós teremos tudo que nossas
mãos, cabeças e corações podem fazer com seu “poder”. Caras amigas, não dei­
xem que este primeiro pobre relatório as desencoraje, mas orem mais por nós.

36
A estação das chuvas, depois de dois meses de atraso, chegou, e a Mãe
Terra, em gratidão pelo aguaceiro refrescante, está dando em abundância sua
riqueza para embelezar a terra sob a forma da relva brotando, flores, e os pinhei­
ros lançando folhas novas para tomar o lugar daquelas que cresceram há um ano.
Os insetos são fartos, tanto em número quanto em variedade. Não vi quaisquer
lagartos ou centopéias; mas numa noite dessas um “sapinho” entrou para ver o
que nós “protestantes” estávamos fazendo, e após nos encarar solenemtnte por
algum tempo, virou e saltou para dentro da sala de aula, e, como não tínhamos
nenhuma objeção quanto ao crescimento de seu nível de inteligência durante a
noite, eu o segui e fechei a porta atrás dele. Ele esperou até a manha seguinte para
nos dizer “até logo”, e saiu da mesma forma como entrou. O clima está bastante
quente, mas não tão quente quanto nos Estados Unidos durante o verão pas­
sado, e aqueles que conhecem o clima dizem que nunca fica mais quente do que
está agora. Há muita coisa de interesse para escrever, mas não irei sobrecarregar
o querido Advocate, e fecharei com um quadro vivo que me deixou triste pelo
resto do dia. Imaginem uma mãe, com uma criança inocente nos braços, brin­
cando com tudo que suas mãozinhas podem tocar. Imagine essa mãe, de pé, em
atitude desesperada e dasariadora, o rosto em lágrimas. Um garoto de talvez oito
anos agarrado a suas vestes, barrando-lhe a passagem e suplicando em lágrimas.
Imagine, completando esta cena, uma senhora idosa, a mãe da primeira, entre
protesto e súplicas e ainda uma outra jovem, irmã da primeira, também em lágri­
mas. Eu, diante desta situação, sentindo-me impotente e muda. Por trás desta
cena está o drama da escravidão. O velho e bom senhor proprietário desta
escrava morreu recentemente e a mulher e as crianças eram parte da herança de
uma de suas nlhas dele, que não é boa pessoa. Infelicidade, insatisfação e vários
problemas se seguiram; e esta manhã, a pobrezinha sentiu que a vida era um peso
grande demais, deixou sua casa e foi dar um último adeus a sua mãe antes de ati­
rar-se com o bebê no rio. Foi lamentável, foi trágico, e o final ainda não chegou,
posto que ela foi persuadida a voltar e agüentar o peso do solrimento por mais
algum tempo, com a esperança de encontrar alguém para comprá-la. A lei lhe dá
o direito de escolher um senhor, se ela encontrar um comprador (toda criança
nascida a partir de 1871 será livre aos 21 anos de idade). Dizem que o suicídio é
muito comum entre os escravos aqui, pois eles são de natureza muito sensrveL

37
Eles não aguentam o sotrimento físico, ao que parece. Eles são conhecidos por
assassinarem seus donos a fim de ficarem presos pelo resto da vida, livrando-se
da \ida de escravidão. A lei foi mudada, e agora os mantém como propriedade
pessoal e nega o direito de infligir punição capital, mas os entrega de volta a seus
donos para serem punidos; e o resultado é que ou eles são açoitados até a morte,
ou desaparecem misteriosamente. O incidente desta manhã me deu um novo
tema para minhas orações. Caros amigos, pensem no Brasil como herança de
nosso Senhor e de Cristo, e orem para que ele seja libertado da escravidão, que
afeta o corpo, e da escravidão da alma.
Sua servidora em trabalho,

MissM.H. Watts.
Piracicaba, Brasil, 8 de novembro de 1881

A Sra D.H. McGavock envia o seguinte:


CARA Sra. BUTLER: Em uma carta de Miss Mattie H. Watts, de Piraci­
caba. Brasil, com data de 28 de outubro, ela escreve:
Tomarei a liberdade de copiar algumas linhas de uma carta recebida de uma
das obreiras em São Paulo. Depois de me cumprimentar e de dar início à carta, ela
diz: “Chegamos à conclusão de que nosso trabalho em escolas deve ir tão longe
quanto possível na educação de obreiros para a missão. Temos somente duas
escolas missionárias sob a direção de nossas missionárias estrangeiras - uma em
Rio Claro, composta em sua maioria por filhos de crentes, aos quais é ensinado
leituia, os elementos da aritmética, gramática, etc. Caso algum deles mostre habi­
lidade, eles são preparados para serem professores ou evangelistas”.

Carta do Brasil
n. 10, abril, 1882

Caras Irmãs da Sociedade Missionária da Mulher: Nosso pri­


meiro trimestre escolar terminou em 10 de dezembro de 1881, e eu fui, no dia
seguinte, a São Paulo para assistir aos exames da escola-missionána presbiteriana

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Eles tiveram seus exercícios escritos no dia anterior e, apesar de atrasada, dve o
prazer de ouvir algumas boas recitações em gramática e tradução inglesa. Eles
têm uma escola muito boa, conduzida por Misses Dascomb e Kuhl - senhoras
que estão aqui há alguns anos e conhecem bem a língua e os costumes. Elas pos­
suem o espírito do Mestre, e fazem de seu lar uma agradável moradia para todos.
Elas gostam muito uma da outra, e trabalham maravilhosamente bem juntas. Fui
gentilmente acolhida por outras pessoas enquanto lá estive. Conhecí uma de suas
novas recrutas - Miss Dale, de Illinois, que chegou aqui em junho. Nós comparti­
lhamos dos mesmos sentimentos por nossas dificuldades com o idioma. Deixe-
me contar, entre parênteses, para a satisfação daqueles que registraram aquela
observação do Irmão Kennedy, que eu não me deixo “abater” pela língua com
tanta freqüência agora quanto na ocasião em que ele escreveu. Minha saúde é
muito boa, e tenho grandes esperanças de que Deus fará uso de nós para Sua gló­
ria aqui. Orem por nós, que possamos ter o poder da santidade.
No dia 8, enquanto em São Paulo, testemunhei uma procissão em devoção a
Maria, a mãe de Nosso Senhor. Foi um dia bastante sagrado, o “Dia da Conceição”.
Eu fui à cidade com um cavalheiro e, graças a um senhor hospitaleiro, conseguimos
uma boa posição na soleira de sua porta, mais alta, para ver a procissão. Sabíamos
que ela se aproximava pela música e os foguetes inevitáveis, pelos meninos e
homens que saíam correndo com os braços cheios de flores e folhagens verdes, as
quais eles :: pilhavam pelo chão. Policiais guardavam o caminho para manter a
ordem, e homens vinham à frente e montavam plataformas de foguetes a intervalos
de cinqüenta jardas de distância, com talvez uma dúzia de foguetes em cada plata­
forma, que eram disparados ao mesmo tempo, cada um tendo três explosivos que
produziam o efeito que chamo de um “chuveiro” de foguetes, já que não conheço
termo melhor. Imaginem só a algazarra da multidão, a explosão dos foguetes, o tinir
dos pratos, o soar dos clarins e o ressoar dos tambores, e então associe tudo isto, se
puderem, a ela, a mais amável das mulheres, que se submete à vontade de Deus
dizendo tfEis a serva do Senhor!”. A frente da procissão vinham meninos carre­
gando estandartes, depois as ordens da Igreja, e então os “anjos”. Estes últimos
eram menininhas vestidas em brocatel e renda, com asas e coroas, e botas com salto
francês. A seguir vinha a imagem da Virgem, trazida por quatro belas jovens vestidas

39
de branco, com véus e grinaldas de flores brancas. Quando vi tudo isto, fiquei
muito interessada e exclamei mentalmente “Este é o Dia da Mulher para os católi­
cos!” Ao todo havia 20 destas jovens, as outras seguindo duas a duas atrás da ima­
gem. Ocasionalmente, a procissão parava e quatro homens seguravam o “andor”,
ou ataúde, em que a imagem era levada, enquanto as jovens encarregadas eram subs­
tituídas por outras. A imagem era uma bela figura de uma mulher, belamente ves­
tida, com um arco dourado sobre sua cabeça. Ela tinha cerca de um pé de altura, e
estava sobre um pedestal ricamente adornado com brocateL Certamente aquelas
pessoas não sabem que Jeová bradou ameaçadoramente do Sinai: “Não deverás
fazer para ti qualquer imagem entalhada, ou qualquer imagem de qualquer coisa que
esteja em cima no céu ou embaixo na terra”. Não faz muito tempo, uma mulher me
perguntou se não tínhamos “imagens” em nossa religião; eu lhe respondí que nossa
religião é espiritual. Oh, amigas, orem para que possamos ensinar essa gente que
“Deus é um Espírito, e que aqueles que O adoram devem fazê-lo em espírito e em
verdade!” No final, vinham os padres com a “hoste”. Os homens carregavam um
dossel bordado sobre suas cabeças devotas. Quando eles se aproximavam, cada
cabeça era descoberta. Carregadores de tochas se enfileiravam ao longo de cada lado
de toda a procissão. Quando ela havia passado, fomos à casa do Sr. Morton, onde
fomos recebidos da primeira vez em que saímos, bem ao lado da Igreja que estava
celebrando esta “festa”, para ver o final do desfile. A igreja estava lotada até à porta, e
uma grande aglomeração esperava nas calçadas. Não irei tentar lhes dar uma idéia do
barulho dos foguetes e “bombas” neste lugar. Uma senhora fervorosa, com madei­
xas douradas, me disse que “era uma pena que nós protestantes somos privados do
privilégio de honrar a mãe de nosso abençoado Senhor através da idolatria dos
romanistas!”. E senti que isto em verdade, que somos realmente privados.
Quendas irmãs, as senhoras pensam que escrevo meramente para inte­
ressá-las enquanto as senhoras iêem sobre estes costumes estranhos dos brasilei­
ros." Longe de mim usar de tempo precioso para isso. Escrevo sobre estes
costumes como um apelo às senhoras, mães, que têm filhas consagradas, que elas
sejam objeto das orações e bênção de vocês, e que as senhoras enviem para mim
essas jovens que se entregaram ao Senhor para fazer a Sua vontade - não devota­
rão elas seus dons a fim de ajudar a carregar a responsabilidade do protestantismo

40
nesta terra? Lembrem da promessa que têm de ajuda do Salvador - Ele apenas
pede que as senhoras carreguem uma parte. Faço um apelo às garotas recém-saídas
de seus livros, e àquelas com habilidade em música, francês, pintura, etc. Não pos­
suo conhecimentos de francês ou música; tive lições de ambas quando criança,
mas as circunstancias impediram minha continuidade destas; e deverei ter semp re
que empregar o talento nativo, que pode ser acompanhado da sutileza do jesui-
tismo, a fim de suprir as exigências de meus clientes? As pessoas aqui estimam o
talento ainda mais do que os estudos mais* práticos, e para alcançá-los devo lhes
dar o que eles desejam. Mas existe alguma garantia bíblica para isto? Nosso
Senhor não deu pães e peixes ao povo quando o pão, por si só, teria podido man­
ter a vida? Queridas, queridas meninas, prestem atenção ao chamado do Brasil, e
não deixem que o encontro de maio passe sem uma oferenda ao altar brasileiro.
Não ouso fazer um apelo pessoal — não ouso assumir a responsabilidade —, mas
faço este apelo aberto àquelas que amam o Senhor, e que foram por Ele abençoa­
das com talentos, e que estejam ansiosas por desenvolver estes talentos.
Nosso professor, o Sr. Schneider, nos deixou, e nós fomos obrigadas a
prolongar nossas férias, com a esperança de conseguir um professor para a
escola; para nós, pedimos que nosso professor brasileiro retomasse. Abriremos
a escola no dia 17, e faremos todo o possível até que um professor seja encon­
trado para nos servir. Temos a promessa de um bom número de alunos para o
próximo trimestre. Deus permita que eles venham! Com gratidão pelas boas
palavras de encorajamento e orações, permaneço sua,

Miss M.H.Watts
Piracicaba, 14 de janeiro de 1882

Carta de Miss M.H. Watts


n. 11, maio, 1882

CARA SRA. BUTLER: Referi-me em cartas anteriores à profanação do


domingo neste país, e farei agora algumas ilustrações; mas, como isso iria carre­
gar por demais suas colunas se eu contasse à senhora todas as ocupações e praze­

41
res envoividos no dia sagrado de Deus, deverei me reter ao exato limite do que vi
em meu caminho de ida e volta da igreja, e da janela enquanto estou na igreja
Espero que as crianças não cometam o erro de pensar que vi tudo isso em um só
domingo,~já que isto é o que vi em horas diferentes de vários domingos.
A sala que usamos para o culto fica em uma esquina e tem seis janelas, que
são mais próximas do solo do que normalmente, e a casa está em uma ladeira em
direção ao rio; desta forma, temos uma extensa visão de duas ruas e do lote
aberto em diagonal, no qual se situa a Igreja de São Benedito. Três lados deste
lote estão dispostos com palmeiras; a igreja no centro é uma estrutura feia e
velha, a qual raramente é aberta. O lugar é bastante sombrio à noite, a menos que
iluminado pela lua, ou pelas luzes fulgurantes de um circo.
Manhã de domingo - Já é hora de sair para a escola dominical e, assim,
deixe-nos trancar as portas e começar. Nossos vizinhos não parecem sentir a
santidade do dia, pois cada um deles dá continuidade a suas tarefas diárias. O car­
pinteiro está trabalhando: deve ser algo de extraordinário — certamente é um cai­
xão! Mas todas as lojas estão abertas; e veja os ferros do alfaiate esquentando à
porta. Sim, e há um deles tirando medidas e outro costurando — e o fundidor de
estanho também está trabalhando! Ah, eu gostaria de poder reunir estas crianças
sujas, lhes dar um banho e levá-las à escola dominical comigo! Eles seriam tão
mais felizes! E cá estão essas grandes lojas fazendo um comércio borbulhante -
ao que parece, melhor que de costume. Como eles podem negligenciar o dia de
descanso desta forma? Ah! Bom dia, irmão, está um dia agradável; espero que
todos venham à Igreja hoje. O que são esses sinos? Não há neve, e ainda assim
escuto guizos de trenós. Ah! E por isso — uma tropa de bestas de carga carrega­
das de café está atravessando o solo sagrado em frente à Igreja de São Benedito, e
o líder está todo enfeitado com ostensivos ornamentos de prata, e uma faixa de
verdadeiros guizos de trenó cruzando o peito. Veja isto, os condutores tiram
seus chapéus com reverência ao passar pela porta. Céus, céus, o que esses meni­
nos estão fazendo? Eles certamente vão quebrar o pescoço! Ah, não, eles estão
somente atrás de castanhas. Eu gostaria de poder trazê-los para a escola domini­
cal Eu acredito que eles gostariam de vir, já que pararam para nos ouvir cantar.
Bem, bem, o que aquele homem está fazendo com aqueles guarda-sóis? Sem

42
dúvida sua senhora quer um novo para o passeio da tarde e o mandou à loja,
como é costume, e o comerciante enviou todo o seu estoque para que ela
pudesse escolher. Como é fácil sentar-se em casa, com um vestido caseiro, e ter a
“loja” trazida para si! Eu imagino se as mulheres nunca vão às lojas por aqui. Sim,
pois aí vem nossa senhoria (mas ela é velha, e tem seu empregado com ela), que
esteve fora para as compras no domingo, e comprou um tapete de Bruxelas
muito bonito, em honra a seu filho que logo estará voltando da Europa, e o qual
fala “inglês, americano” e muitas outras línguas, como a negrinha contou a um
de nossos amigos. Agora penso que este é o motivo pelo qual não posso ter o
salão, como de costume, para minha classe, pois a casa está passando por reparos
e os homens estão pintando o local hoje. Não consigo entender. Imagino se está
para haver uma procissão. Lá vai um homem frente à janela com uma bandeira —
não, é o homem quem carrega a bandeira com um pequeno pássaro no mastro
como uma representação do Espírito Santo de Deus para que as pessoas beijem
pelo pagamento de dois centavos! Agora, cá está um gentil grupo do interior.
Suspeito que estejam fazendo uma visita à cidade hoje. As pessoas estão bastante
limpas e com os cabelos bonitos, caprichosamente trançados e arrumados, e não
“espremido” por chapéus; mas como elas podem usar aqueles xales neste dia
quente? Como de costume, as mulheres e crianças vão à frente, e os homens
seguem gravemente. Eu gostaria muito que eles soubessem o quanto os quere­
mos aqui dentro; e eu gostaria muito que eles conhecessem o verdadeiro culto a
Deus “em espírito e em verdade”. E existem outros também, é o que o Sr. Ran-
som contou às crianças em casa — o homem na muia e a mulher caminhando.
Mas o que aquele preto velho está fazendo com a sombrinha branca? Se ele
viesse para este lado eu podería descobrir, talvez. Alinha curiosidade é satisfeita; é
o velho que carrega uma imagem do negro São Benedito em uma redoma de
vidro e, pelo pagamento dos inevitáveis dois centavos, aqueles que se importa­
rem em fazê-lo podem beijar a imagem e receber uma bênção. Escutem só! Ah,
não preciso dizer que as crianças estão “escutando” ao invés de “ouvir ” o sermão
— é um tambor batendo, e no domingo também. O que pode essa gente querer,
eu me pergunto. Eles não sabem que deveríam manter esse dia santo? Está real­
mente passando por aqui! E o “Caia Pó”, e o pregador tem que parar, pois a con-

43
fusão é tamanha que ele prefere não competir com aqueles negros, pintados e
vestidos como selvagens, enquanto eles dançam e gritam, mantendo o tempo do
tambor e o de suas próprias vozes. Quão suavemente o pregador se refere a isso,
chamando de tolice! Tenho visto coisas tão tolas do mesmo caráter feitas nos
Estados Unidos, mas não no domingo. Qae contraste! Vê aquela mulher indo
para casa da igreja em seus trajes devotos que a marcam como “muito religiosa”
— vestido branco de seda, e um pano longo circular cobrindo toda a forma.
Como deve ser quente! Se é como aqueles que vi em São Paulo, é um quadrado
de casimira fina com a lista ainda nas beiradas, e um ponto servindo como capuz
e um véu apertado dentro. Deve ser quase insuportável. Estou feliz por minha
consciência não requerer que eu me imponha tanto sofrimento desta forma. E
há aquela pobre, inofensiva mulher louca enrolada em um cobertor hediondo.
Eu imagino se ela tem amigos. Agora vejo mulheres indo para casa com seus far­
dos de roupas para lavar sobre suas cabeças. Elas devem ter ido ao rio muito cedo*
para que pudessem ter feito tanto até agora. E vejo aquele velho cavalheiro que
quena colocar suas meninas em nossa escola, mas que como não tínhamos uma
professora de música estrangeira, ele preferiu deixá-las continuar com seu velho
“mestre”. Ele parou para ouvir o canto, eu sei, mas agora já seguiu. Eu me per­
gunto porque os homens tiram seus chapéus quando passam por essas janelas. E
para nós? Ou é para o local de culto? Devo perguntar sobre isso quando puder
talar com eles. A senhora sabe que é costume nesse lugar para cavalheiros de boa
educação saudar as damas que passam? O culto terminou e voltamos em direção
à nossa casa através do terreno da Igreja de São Benedito e, por achar melhor
caminho, passo dentro dos pólos de um circo desmantelado, e as crianças
caçoam de mim por estar indo ao circo no domingo. Enquanto passamos pela
rua, encontrando vários comerciantes em carroças e mulas, temos uma visão dos
preparativos feitos para a procissão de carnaval durante a tarde. Chegamos em
casa, onde tentamos manter o dia de domingo sagrado, mas nossos ouvidos são
ofendidos pelo som de conversas em tom alto e risadas em uma mercearia e bar m
no caminho; e nossa cozinheira vem com uma “barganha” especial em ovos, e Sví
1
pede o privilégio de comprá-los para nós, já que estão tão baratos (dois centavos

44
cada). Ela vai embora depois de exaurir seus poderes de persuasão, insatisfeita
por saber que teremos que pagar quatro centavos na mercearia.
Dei tais fatos sem consideração ao tempo ou ordem de ocorrência. Eles
não constituem tudo o que vi, mas servirão para dar uma idéia do que acontece
pela cidade, já que este é um dos locais mais reservados. Se meu estilo de escrita
rouba a força dos fatos, perdoe-me, pois asseguro à senhora que não é algo leve
para nós: nossos espíritos padecem, é nós ansiamos em trazê-los para a luz do
Evangelho. Caros amigos, façam da introdução da leitura da Bíblia um ponto
especial de suas orações unidas.
Nossa escola está crescendo — temos treze alunos agora, e estou pedindo
ao Senhor por cada um deles.
Devido às recentes chuvas fones, as ferrovias foram prejudicadas, e o cor­
reio sofreu atrasos. A nova missionária, Miss Maiy Isabel Koger, que viu a luz
pela primeira vez no dia 16 de fevereiro, estava com boa saúde de acordo com as
últimas informações. Ela e sua mamãe irão abrilhantar seu lar retomando a ele
em poucas semanas. O irmão Koger prega regularmente em português todo
domingo à noite. No próximo domingo será nosso encontro trimestraL
Com agradecimentos pelas doces cartas de encorajamento recebidas e o
magnífico presente de Natal, e as orações oferecidas diariamente em meu nome
e de meu trabalho, permaneço sua missionária,

MissM.H.Watts
Piracicaba, 8 de março de 1882

Carta da Srta. Mattie H. Watts


n. 3, setembro, 1882

CARA SRA. McGavocK: Sua carta datada de 21 de abril chegou, com


sua doação de libras esterlinas, as quais foram aceitas por nosso fabricante de
algodão, à taxa de onze mil réis para cada libra, mais um por cento a menos, afim
de pagar a despesa de envio ao Rio ou outro local para a conversão da moeda.
Após tais processos de multiplicação e subtração, recebi o valor de quatrocentos

45
e trinta e cinco mil réis e duzentos réis, o que foi tudo, e talvez um pouco mais
do que meus queridos amigos me enviaram como presente de NataL Perdoe-me
por ter causado um incômodo a mais à senhora, e obrigada pela prontidão em
devolver o cheque. Ele chegou na hora certa.
Estou esperando, quase impacientemente, por notícias da reunião da
Associação Executiva, e suponho que a próxima correspondência nos trará
novidades desta, bem como da Conferência Geral.
Fiquei feliz por meu último relatório ter agradado e, agora, por ter outras
contas agradáveis de minha escola para prestar-lhes. Em março ou abril decidi
aplicar um exame público. Tínhamos vinte alunos e pensei que pudesse fazê-lo
com credibilidade, apesar de meus professores associados se perguntarem como
poderia ser, com tal material e tão pouco tempo para preparativos; mas não se
opuseram e foram para o trabalho para ensinar tudo que fosse possível antes que
o momento chegasse. As crianças se perguntavam como seria. Estávamos tão
ocupados com as lições que poemas e diálogos foram um tanto negligenciados;
mas meu plano de ter o exame escrito em um dia ou dois antes da exposição foi
frustrado pelos dias santos; assim, tivemos tempo após o primeiro exame para
praticar para o segundo, e o trabalho que eu esperava terminar em dois dias pre­
encheu meu tempo por mais de uma semana. As crianças nunca haviam visto
coisa alguma a respeito de exames escritos e, como não tivemos tempo de
ensiná-los a transferir seu trabalho da lousa ao papel, eu esperava por uma grande
contusão e chuvas de perguntas; mas, após algumas palavras de explicação, eles
deram início ao trabalho como se estivessem acostumados a ele como as crianças
de nosso país. Fiquei deliciada em ver isto. Os professores, que não estavam
acostumados a meu modo de correção e organização das provas, também toma­
ram o trabalho com entusiasmo, abandonando seus modos pelos meus, os quais
aprendí nas escolas públicas de Louisville. Dois dias quase não foram suficientes
para alguns dos alunos; mas, enfim, tudo foi feito e posso dizer verdadeiramente
que nunca ri melhor conjunto de provas, e a senhora verá pelo relatório anexado
que as notas médias foram muito boas — sendo seis a nota máxima.6

ÍJ As notas varavam dezero a sos.

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Após esses dias de quietude e estudo, vieram os dias de diligência e prepa­
ração para o exame público. Um edifício público me foi oferecido, mas tive
receio de parecer um tanto pretensioso. Isso, mais o custo das luzes, fez com
que eu recusasse o favor, agradecendo, e nossa primeira “formatura” foi realizada
em nossa própria sala de jantar. O cavalheiro que havia oferecido o grande edifí­
cio ofereceu então cadeiras, as quais foram aceitas com gratidão. Estas, com
outras emprestadas e as nossas próprias, foram suficientes para acomodar nossa
pequena e seleta platéia. Oito palmeiras jovens próximas das paredes eram mais
bonitas do que afrescos. Bandeiras francesas festonadas, no centro e uma grande
bandeira brasileira disposta em forma de escudo no final da sala formavam nossa
decoração. Não tivemos nenhum palco para embaraçar tanto professores como
alunos, e as meninas maiores tinham assento perto da platéia, enquanto as
pequeninas eram mantidas em uma pequena sala próxima — muito para o alívio
daqueles que desejavam escutar.
O irmão Koger abriu os exercícios lendo o Primeiro Salmo, e então a
escola cantou “Around the Throne of God” em português e, de comum acordo,
repetimos a Oração do Senhor. A turma de álgebra do Sr. Koger, composta por
uma menina brasileira (Maria Escobar) e uma americana (Nora Smith), foi exa­
minada. Tive orgulho delas. Modéstia virginal e dignidade estavam belamente
mescladas em suas maneiras. Elas fizeram bem seu trabalho e o Sr. Koger as
cumprimentou publicamente, dizendo que nunca havia visto melhores provas
que as delas no exame escrito. Depois veio um poema — “My Mother ” —, escrito
por nossa professora de francês Mademoiselle Rennotte e recitado por Maria
das Dores Oliveira, seguido pela música “La D ame Blanche”, tocada por Nora
Smith. O exame da turma de botânica, que consistia somente de uma jovem
(Anna Maria de Moraes Barros), ensinada por Mlle. Rennotte, foi em francês e,
a julgar pelas maneiras de professora e aluna, foi muito interessante. Um poema
alemão foi então recitado por Margarida Diehl; e, então, uma farsa francesa, em
verso, foi recitada por Mary Prestridge — uma menina americana que agrada a
todos que a conhecem, em razão de sua doçura e diligência. Depois disso, a
escola cantou “In the Sweet By and By”; depois uma classe de pequeninos leu
em português; e “What is Happiness?” foi recitado em alemão por um menino

47
de seis anos (Otto Kiefert), seguido pela classe de geografia da Srta Newman; e
então nossa aluna-mestra, Dona Hilária Santos, leu “Amy’s Cruelty”, um
poema escrito pela Sra Browning — que foi igualmente muito bem lido. Isto foi
seguido de música tocada por Isabel de Almeida Barros, e gramática inglesa,
ensinada pela Srta. Nora Smith. “Truth in Parenthesis” foi recitada em inglês por
Maiy Smith, mas seus modos foram tão expressivos que ela agradou aqueles que
não podiam entender as palavras. Depois, uma turma de meninos pequenos
recitou em inglês; então, apresentou-se a classe de aritmética de Miss Newman.
“The Romance of the Swan’s Nest” escrito pela Sra. Browning foi belamente
lido por Mana Escobar. Ela é a garota que veio para a escola com tanta sinceri­
dade, e estudou três meses sem o estímulo da competição ou companhia de
outros colegas. A aula de gramática portuguesa, dada por Dona Hilária, veio a
seguir. “A Salute to Brazil”, um poema em francês escrito por Mlle. Rennotte, foi
recitado por Maria Escobar e “The Lake” foi recitado por Eli^i de Moraes Bar­
ros. A seguir foi a aula de aritmética de Mlle. Rennotte (...). A classe de história
do Brasil da Srta. Newman e a de geografia em inglês de Miss Smith foram omi­
tidas, pois já estava ficando tarde. Em uma sucessão rápida, seguiu-se uma sele­
ção do “Barbeiro de Sevilha” - música tocada por Isabel de Almeida Barros - e
recitações em português e inglês. Por último tivemos nossa “comédia” (“A Lição
de Geografia”), preparada por Mlle. Rennotte. Eu representei uma estúpida pro-
íessora ensinando geografia para duas crianças de uma forma bastante áspera,
quando a mãe, que estava perto, perguntou se a aula não poderia ser darla de
forma mais interessante. Uma fada entrou e disse que aquilo poderia ser feito; e
enquanto a professora fazia perguntas às crianças sobre os diferentes países, para
que elas escrevessem as respostas, a fada convocou as fadas daqueles países, cada
uma das quais trazendo na mão direita sua bandeira, e vestindo uma faixa da
mesma cor com o nome do país sobre o peito. A Escócia vestia uma faixa de lã
xadrez e trazia a bandeira da Inglaterra, pois não conhecíamos a bandeira da
Escócia. A Dandeira da Polônia estava a meio-pau, com um camponês de crepe
no topo. Sua história era triste, e foi bem contada por um menino de sete anos
de idade. Brasil, Estados Unidos, França, Suíça, Itália, Alemanha, Rússia, Portu-

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gal, Escócia, Escandinávia e Polônia foram representados, e fizeram um belo
espetáculo com suas cores variadas.
Quando os exercícios acabaram, as crianças saíram marchando e can­
tando o “Hino da Independência” do Brasil.
Recebemos os parabéns de nossos clientes, que pacientemente nos escu­
taram por quatro horas e meia. Alguém contou quarenta pessoas presentes — o
bastante para encher nossa sala de jantar confortavelmente. Café foi servido a
eles depois do final dos exercícios, enquanto eles os discutiam e faziam seus elo­
gios. Então tivemos uma exposição de desenhos e trabalhos de agulha. Meu pró­
prio discurso foi cuidadosamente escrito e lido — agradecendo a eles por seu
apoio e me empenhando em fazer o melhor para suas crianças no futuro. Temos
a promessa de cinco novos alunos quando reabrirmos a escola, no dia 11 de
julho.
Minha saúde está boa. Acredito que o Senhor esteja ao nosso lado. Orem
para que Ele possa se manifestar em poder para essa gente. Minhas esperanças
foram renovadas ao ler o último Advocate. Que Deus abençoe sua obra e os
obreiros em todos os lugares!
Senti muito em saber da morte de Mrs. Marvin e Davidson, mas tenho
certeza de que Ele que as chamou colocará outras em seus lugares.
Sinceramente, sua amiga e irmã,

MissM.H. Watts

Carta Interessante de Miss Watts —


Exames do Colégio em Piracicaba
provavelmente março, 1883

CARA Sra. BuTLER: Estive bastante ocupada, por um longo período, e


assim negligenciei nosso querido Advocate e sua editora, pelo qual peço perdão.
[Dado com alegria, com a esperança de que as circunstâncias não mais ocorram
para causar a mesma privação — EcL] Achamos necessário ter um novo exame

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público ao fechamento da sessão em dezembro, esperando assim despertar um
torce interesse na mente das pessoas a respeito da educação de suas filhas. Isto
tomou muito de nosso tempo fora da escola; então, no dia 28 de novembro, nos
mudamos para uma casa maior, e nosso exame seguiu-se logo depois, não houve
mais tempo para nada.
A Gazeta de Piracicaba deu a conta mais brilhante de nosso exame, e
como não posso dar à senhora todos os detalhes agora, irei traduzir, e a senhora
pode dar tais extratos como melhor lhe convier.
Muito do modo das lições, música e poemas foi deixado de fora; mas
nada foi tão sentido quanto as aulas de história de Miss Newman e as aulas de
geografia de Mlle. Rennotte. O artigo principal foi escrito pelo Prof. Omparet,
que vinha aqui o tempo todo e questionava as aulas quando lhe davamos oportu­
nidade.
Ele não mencionou que miciávamos as aulas a cada manhã com a leitura
da Bíblia e oração, nem que terminávamos a aula com a Oração do Pai Nosso e a
bênção; nem mesmo mencionou as duas belas canções que eram cantadas —
“Shall We Know Each Other There?” (Lá nos conheceremos?) e £íWhen the
Mists Have Cleared Away” (Quando a névoa se desfizer). Sinto por nosso
anúncio ter saído no domingo, pois a sexta-feira foi um dia consagrado à Virgem
Maria.
Na sexta-feira, o editor escreveu: “Nos dias 11 e 12 exames foram feitos
no Colégio Piracicabano, do qual a Srta. M.H. Watts é a ilustre diretora. No pró­
ximo número faremos uma nota de menção, limitando-nos num momento a
dizer que o beneficio do ensino administrado naquela instituição é real, e todos
os pais deveríam se convencer desta verdade e filhos deveríam ser colocados no
caminho paia receber uma educação sólida, baseada em princípios sólidos, de
acordo com o progresso dos tempos”.
No domingo, o artigo escrito pelo Prof. Omparet apareceu, e toma uma
página do jornal:
“No dia 11, às lCh30 da manhã, na espaçosa sala, estava reunida uma socie-
C2Òz seleta das mais elegantes damas e distintos cavalheiros. No início, o reve-

50
rendo J.W Koger fez algumas observações, agradecendo àqueles que iluminavam
o festival da escola com suas presenças.
“Além de uma paciência de fazer inveja, a Srta. Watts possui um método
que pode ser considerado original. Não é fácil descrever a arte e habilidade que
ela tem para ensinar a todos aqueles pequeninos aritmética, inglês, etc. Assistida
por professores capazes e devotados, ela pode se orgulhar pelos resultados de
seus esforços. Nós não exageramos quando dizemos que o estabelecimento, sob
sua direção, é o primeiro na Província de São Paulo; e esperamos em pouco
tempo ver uma procura por parte dos pais que desejam dar a suas filhas uma
educação verdadeira - isto é, uma educação que veja além do memorize, memo­
rize, memorize sem fim e universal. Nós parabenizamos os professores zelosos
e ativos no cumprimento de suas obrigações, e os alunos também, que de forma
tão brilhante seguem suas sábias instruções.
“Diálogos e poemas bem escolhidos foram recitados çom gosto e inteli­
gência intercalados por exames de aulas de geografia, aritmética, gramática
inglesa e história do Brasil. Com relação ao exame da aula de física, podemos sin­
ceramente elogiar o método científico e aperfeiçoado de Mlle. Rennotte, a qual,
não ficando satisfeita com respostas vagas e superficiais, persiste até forçar a
mente do aluno a trabalhar e dar uma resposta completa, correta e clara. Após,
sucedeu-se música, em que o piano parecia se identificar com a vontade do exe-
cutante. Enche-nos de prazer mencionar a turma examinada em história univer­
sal Todos mostraram compreender as vantagens tiradas deste estudo e,
favorecidos por memórias excelentes, narraram os fatos com bastante exatidão —
nenhuma data foi dada incorreta.
“Nós gostamos muito do método do Rev. J.W Koger no exame de sua
inteligente aluna, Maria Escobar, em geometria; e no segundo dia deste mesmo
professor, após ter dado a sua pupila, Miss Smith, algumas fórmulas algébricas,
deu-lhe um problema bastante longo do segundo grau, o qual ela resolveu não
obstante o fato de que Dona Geraldina Borges tocava com bastante animação o
Hino Acadêmico — sem que as notas melodiosas distraíssem a atenção de Miss
Smith, que silenciosa e sabiamente continuou até achar o valor de x.

51
“No exame da primeira turma em gramática portuguesa, por Mlle. Ren­
notte, notamos um fato bastante admirável, que depende muito do sucesso dos
exames - isto é, a prontidão e clareza das respostas.
“Os poemas recitados mereceram muitos aplausos e prestamos somente
uma devida homenagem ao gosto musical de aluna Maria Escobar, quando dize­
mos que os acordes melodiosos de ‘Lês Hirondelles, foram executados com
muita perícia. Esta jovem não somente se distinguiu em música - não esquece­
mos sua composição escrita na melhor linguagem e mostrando sua inteligência
cultivada. Mlle. Rennotte nos mostrou claramente em seus exames da classe de
história natural sua alta consideração deste estudo. Eram quatro horas da tarde,
quando Miss Newman nos deu a oportunidade de recomendar os seus métodos
ensinar aritmética, geografia, etc., e foi a falta de tempo somente que a impediu
de mostrar a extensão do conhecimento de seus alunos em história do Brasil.
“Assim nossos leitores podem ver quç dois dias consecutivos, das 10h30
da manhã até quase as 5h00 da tarde, não foram tempo suficiente para examinar
os alunos nas numerosas e bem-ensinadas áreas mencionadas no programa. Este
lato nos habilita a aguardar para breve a criação de um curso superior.
“A noite, às 7h00, uma platéia ainda mais compacta do que aquela dos
dois dias precedentes lotou a sala em que os exames foram feitos. As salas adja­
centes, e as janelas também, estavam cheias de espectadores interessados.
“O festival teve início com os grandes versos da ‘Marseillaise’ executados
em coro por todos os alunos. Os poemas foram bem recitados, as composições
bem escritas e sem dúvida os espectadores tiveram uma impressão agradável dos
vános quadros vivos que lhes foram apresentados. Depois disso, em um diálogo
intitulado ‘Os Cavalheiros do Interior \ de Moliére, foi uma idéia feliz de Mlle.
Rennotte fazer com que seus alunos traduzissem suas respectivas partes do fran­
cês para o português. Não é necessário falar da habilidade mostrada por cada
aluno, já que tudo foi representado com espírito. A seguir, a ginástica, ensinada
pela Srta Watts, foi executada por todos com uniformidade admirável, e aconse­
lhamos nossos leitores a aproveitar a primeira oportunidade que venham a ter
para presenciar os exercícios neste departamento - tão útil na educação física
“Às 1 lhOO da noite, foi cantado o belo ‘Hino da Independência’ e todos
se redraram levando para suas casas agradáveis lembranças deste festival escolar.
Nós desejamos, sinceramente, que o Colégio Piracicabano possa nos conceder
de tempos em tempos passatempos tão agradáveis e instrutivos.”
Este é somente um esboço incompleto e, como a senhora verá, literal­
mente traduzido, pois que não tenho tempo para copiá-lo mais corretamente.
Já se passou a metade de nossas férias e fui procurada a respeito de oito
novos alunos. Eu tenho planos de passar uma semana no campo com a família
do Dr. M. de M. Barros e, quando voltar, devo colocar a escola em ordem para o
reinicio das aulas no dia 15 de janeiro.
Caros amigos, orem por nós e nos amem como suas irmas em Cristo.

M.H. Watts
Piracicaba, Brasil

A Missão no Brasil
provavelmente maio, 1883

Cara SRA. BUTLER: Já se passou algum tempo desde que eu escreví para
contar sobre o progresso conseguido aqui em nossa escola. Em dezembro, eu
enviei a tradução de um dos documentos da nossa bem sucedida avaliação. Isso
me causou a sensação de que, se eu abrisse a escola na semana seguinte, seria um
grande avanço; mas as férias, que são freqüentes e muito necessárias, ocorreram
durante este período, diminuindo meu entusiasmo. Além disso, o padre sentiu
que deveria agir e começou a pregar e escrever contra nós. O fato de esta ser a
melhor escola da província era demais para ele, pois na querida cidade de Itu as
Irmãs de Caridade dominam. (...)
Tenho certeza de que seria difícil acreditar nas histórias sobre a ignorância
daqueles alunos, assim como o foi para mim, mas agora tive a oportunidade de
ver por mim mesma, quando alguns deles vieram para nossa escola.
A questão é: como meninas que receberam ensinamentos dos professo­
res por tanto tempo não aprenderam mais? E como ficou a consciência das

53
mulheres que fingiram ensinar e não ensinaram? Por exemplo, essas Irmãs são
senhoras francesas e os dois alunos que vieram para nós estudaram com elas por
crês anos e não puderam acompanhar as aulas de francês com uma menina que
estudou durante o mês de outubro passado com nosso professor de francês. Foi
também necessário preparar uma nova turma de aritmética especialmente para
eles. Esperamos ter mais alunos em breve. A escola atingiu o número de trinta e
quatro, dois dos quais me ajudam a lecionar. O planejamento ocupa o tempo de
cada um dos professores rigorosamente, pois é tão grande a desigualdade dos
alunos que eles não podem ser classificados como nós esperamos que se enqua­
drem futuramente. Eu cuido dos menores o dia todo, mas dedico parte do
tempo a uma aula de leitura e gramática. No começo, achei presunção ministrar
a aula de leitura, mas me senti tão lisonjeada com os elogios que dois alunos rece­
beram na prova que continuei a ensiná-los. Eles conhecem a pronúncia e eu os
ensino a expressão e a entonação da leitura. Eu ainda oriento os menores em seu
desconhecido caminho do alfabeto. Os pequeninos têm dificuldade em distin­
guir A d,p e q, como as crianças de Louisville; e o fato de que figuras representam
coisas é um mistério para alguns alunos aqui, como era aí, então comecei apre­
sentando uma coisa para ensiná-los a figura. Comecei com o sistema fonético e
eles ficaram encantados; vejo avanços após três ou quatro lições. Não são neces­
sárias cartilhas, já que estão em inglês, mas eu as acho benéficas. Interrompi as
aulas de ginástica por enquanto mas as retomaremos em agosto.
Alguns dos alunos não retomaram por vários motivos. Isso me aborrece,
mas íico feliz por termos uma reputação tão boa entre nossos alunos e onde
somos conhecidos. Seus pais e amigos são nossos amigos.
Como eu gostaria que você e todas as outras boas mulheres que estão tra­
balhando e orando por nós pudessem nos ver um dia! Mal posso esperar por
esse dia. Três de nós são americanos e utilizam métodos americanos. Mlle. Ren-
notte, com suas idéias e educação européias, poderia lhes dar bons pareceres
sobre o sistema europeu por seu método e maneiras em sala de aula, e sua jovem
ajudante brasileira, que a segue até onde pode, tem algumas idéias originais que
as agradariam e vocês não a desdenhariam por ser “brasileira”. Os alunos de
música estão aumentando e logo precisaremos de outro professor, na verdade, já

~54
temos um. Isso causará uma mudança e espero que, então, encontrem mais
tempo para estudar e escrever.
Espero que antes disso vocês recebam notícias sobre a colocação da pedra
fundamental na construção do prédio do colégio. (...) A cerimônia foi bem orga­
nizada e bem executada e o dia foi resplandecente em todos os sentidos. No
momento, as paredes estão com quase cinco pés de altura na frente e ainda mais
altas atrás. As vigas para os pisos inferiores já estão assentadas e soubemos que
elas serão erguidas mais rápido do que esperamos. Não é grande, mas bem arran­
jada e o arquiteto é bastante prestativo. Aparentemente ele deseja receber
minhas sugestões de mudança. Estou tão ansiosa para ver terminada! Não que
eu não esteja confortável, mas porque será nossa. A casa em que estamos agora é
grande e confortável e, por ser Piracicaba, é elegante e não teria aparência humilde
mesmo em Nashville. Deixarei uma descrição dela para as novas missionárias que
certamente virão no verão. Será inverno aqui quando elas chegarem e deverão
estar preparadas para o frio.
Os jesuítas também começaram uma escola, uma filial da antiga e presti­
giada escola de Itu. Eu estava lá. Havia uma grande diferença, mas se eu fosse
comentar a respeito, poderiam achar que eu estava agindo com preconceito.
Uma coisa que eu devo lhes contar é que quando o padre estava lendo a oração
antes de benzer com “água benta”, um grupo musical tocava e disparava inúme­
ros foguetes por dois pequcros canhões o mais rápido que conseguiam recar­
regá-los, “representando a liberdade”. Eu só conseguia ver que seus lábios se
moviam. Ficou evidente que não éramos esperados e muitos mostraram sinais
de surpresa. O padre repetiu o que já havia lido no papel e, como eu já havia
ouvido antes, não fiquei chocada. Mesmo estando lá, tínhamos um amigo, um
nobre jovem que havia feito um discurso para nós em nome das mulheres e da
educação. Na ocasião, quando foi chamado para falar, ele iniciou citando nossa
“recente celebração”. O padre estremeceu mas não podia fazer nada, o jovem é
um alto oficial da cidade e pedir a ele que falasse era a coisa mais acertada e, como
aqui temos liberdade de expressão e de imprensa, ele falou o que pensava. Eu era
muito grata a ele. Devo também lhes dizer que o presidente do Conselho da
Cidade é um bom amigo nosso — Dr. Moraes Barros — e também editor da
Gazeta. Ele falou de nossa escola de forma muito cortês em seu jornal ao citar a
outra cerimônia.
Quanto à nossa saúde, Miss Newman goza da melhor saúde dos últimos
anos, apesar de achar que ela às vezes sofre. Mlle. Rennotte não está bem, mas o
que a mantém é seu amor por mim e pela causa da educação e por sua escola par­
ticular. Eu estou bem graças ao Senhor, de quem recebo todas as dádivas.
Estou tão envolvida que não consigo escrever como deveria, mas se meus
amigos e correspondentes tiverem paciência, escreverei a todos. Ainda* não me
beneficiei da lei de falência, mas meu débito de cartas é enorme. Com amor a
todas as mulheres que estão trabalhando pelas mulheres e para todas aquelas que
proclamam o nome do Senhor, paz a todas. Permaneço sua amiga, irmã e serva,
em nome do amor de Cristo.

M.H. Watts
Santos, Brasil

De Piracicaba, Brasil
n. 7, janeiro, 1884

CARA Sra. BUTLER: Muito tempo já passou desde que eu lhe enviei
aquela carta escrita com pressa, mas eu tenho a mesma descuido, que agora já é
üreqüente — falta de tempo. Os últimos cinco meses têm sido para colocar à
prova o corpo e a mente; constantes interrupções para festividades, feriados,
doenças e mudança de professores; e, por último, mas não menos importante,
por quatro longas semanas fiquei sem um empregado. Não pude empregar nin­
guém porque não há alemães precisando de lares e não pude admitir uma negra
porque eu gosto de casa limpa e elas não gostam de fazer este tipo de trabalho.
Mas consegui, por fim, uma boa pessoa — membro de nossa igreja e uma
humilde cristã.
Apesar de todas essas dificuldades, a escola aumenta constantemente em
números e se fez notar na cidade; e, apesar de haver desistências, o número che­
gou a trinta e nove. Eu terminei o período letivo com trinta e oito, dos quais

56
todos irão sem dúvida retomar, e outros virão. Nossa escola está muito bem
financeiramente e intelectualmente; poderíam vocês, caros amigos, rezar para
que ela siga bem espiritualmente? Desejo que cada uma das estimadas mulheres
que trabalham e oram pelas missões viessem com a senhora nos visitar algum dia
durante o horário escolar, e que todos vocês pudessem ver os rostos brilhantes e
estudiosos de meus alunos e a devoção dos professores. Gostaria de ter vocês
para jantar ou tomar chá, e que vocês conhecessem o que comemos e soubes­
sem como temos apetite, como esquecemos nosso cansaço; e então eu gostaria
que ficassem a noite toda e que especialmente a Srta. Wilkins visse o que temos
conseguido comprar - em resumo, como nosso lar é confortável e como ele tem
aparência de lar. Também acredito que vocês iriam apreciar nossos cultos das
manhãs e noites; não porque compreenderíam tudo, mas porque sabenam que
Ele fez todas as línguas ouvidas e entendidas.
Por enquanto, as pessoas parecem ter receio de confiar seus filhos a meus
cuidados no internato; somente três pessoas se arriscaram e uma delas mudou
de idéia; sua filha passa somente o dia conosco. Espero que a longo prazo o tra­
balho no internato seja o trabalho missionário, feito pela escola ou pelos “semea­
dores” e “ceifeiros” em nossa casa. Acho um trabalho precioso educar as
meninas para que elas saiam e ensinem seu próprio povo. Tenho uma menina
que espero que se tome útil em seu tempo e geração nesse sentido. Não será
muito difícil encontrar boas meninas que, com uma pequena ajuda nossa, pos­
sam se sustentar lecionando ou trabalhando em casa, enquanto estudam para se
preparar para o trabalho em campos maiores.
Os presbiterianos possuem uma escola deste tipo em São Paulo que está
indo bem, tendo enviado sua primeira moça formada este ano para começar a
trabalhar para o Mestre em seu próprio país, ligada ao trabalho de um ministro
nativo que saiu do departamento de teologia desta mesma escola. Deus os está
abençoando, e Ele não discrimina pessoas, e nos abençoará também. Orem sem­
pre por nós, caros amigos, para que sejamos guardados pelo Espírito Santo e
para que possamos saber e fazer isto sempre. Orem também pelas pessoas que
vocês nos enviaram para trabalhar conosco - elas precisam de suas orações, pois

57
mesmo declarando pertencerem à religião de Jesus, elas sabem muito pouco
sobre ele.
Nossa escola fechou no dia 22 de junho para as férias até o dia l.° de
agosto. Tivemos quatro dias de exame escrito e, na noite do dia 22, a Sociedade
literána da escola organizada pela Mlle. Rennotte, que é presidente, sendo os
outros funcionários seus alunos — ofereceu o entretenimento mensal, que con­
sistia em declamações, música instrumental e canto e composições. Tudo correu
muito bem e os alunos se despediram de nós, quase todos eles foram para seus
lares no campo para apreciar a festa de São João. Esta festa substitui o Natal
deles. Não pudemos aceitar o convite para ir ao local, pois era sábado à noite - e
é costume fazer a festa na véspera do dia a ser comemorado — sabendo que as
restividades coincidiríam com o culto de sábado.
Antes de sair da cidade, fizemos uma visita de despedida ao novo prédio
do colégio - o telhado estava quase pronto. Agora, o que devemos fazer com
esta linda casa quando estiver terminada? Não devemos mobiliá-la de forma
confortável e dedicá-la ao nosso Salvador para ela ser consagrada por sua pre­
sença? Sei com muita clareza a maneira de mobiliar a parte doméstica dela, mas o
que devo fazer a respeito das salas de aula e da biblioteca é a questão. Posso pedir
a cada mulher que lê Womarís Advocate para me enviar um, dois, três ou mais
dos bons livros de sua própria biblioteca ou o dinheiro para comprar alguns?
Precisamos de livros escolares como referência — de história, de poesia e de ciên­
cias — todos os tipos de livro que possam ser úteis, portanto, bons livros religio­
sos que serão fáceis e prazerosos de ler, à medida que os alunos se tomarem
capazes de estudar inglês. Isto é muito para se pedir, mas não será muito para
qualquer pessoa fazer e ainda assim será umabênçãoetantoparanós.
Tenho a promessa de ter boas estantes para estes livros quando eles chega­
rem. Existem tão poucos livros em língua portuguesa e eles custam tão caro e
são tão ruins quando conseguimos obtê-los. Anseio por ter uma boa biblioteca.
As crianças não poderíam enviar alguns livros ilustrados? As crianças brasileiras
não se cansam do “Chatterbox”; elas pedem para mostrá-lo para os recém-che­
gados ou para os visitantes. Não podería eu pedir para as crianças mandarem
alguns dos jogos curiosos e divertidos dos quais elas já cansaram? Estas coisas

58
podem ser enviadas pelo correio para o Collegio Piracicabano, Piracicaba. Não
estou pedindo a elas por mim, apesar de precisar de livros, pois estou muito ocu­
pada para jogar ou ler por prazer, mas quero abrir um novo mundo para os estu­
dantes à medida que chegam, dar a eles prazer nos estudos e incentivar a diversão
deles.
Por enquanto tenho visto apenas o “lado bom” das crianças brasileiras e
eu as amo muito.
Oro todos os dias para Deus abençoar as boas mulheres em seus lares e
oro para que Ele entre nos corações de algumas para virem me ajudar. Não há
nenhuma que esteja para vir? Por que ninguém respondeu meus diversos apelos
por ajuda? O Brasil precisa de muitas escolas. Venham irmãs, me ajudem e
aprendam a língua e, como o Senhor está abrindo as portas para nós, vamos
entrar e tomar posse em seu nome!
Escreverei novamente assim que puder. Se eu pudesse escrever tudo o que
vejo e que pode interessar a seus leitores, Sra. Buder, tenho certeza de que teria
que acrescentar outra folha a seu estimado jornal.
Com amor a todos, permaneço como sempre, sua serva em Cristo.

M.H. Watts
Santos, Brasil, 6 de julho de 1883

De Piracicaba, Brasil
n. 7, janeiro, 1884

CARA Sra. BuTLER: Muitos números agradáveis do jornal foram envia­


dos pela senhora desde a última vez que escreví, me deixando renovada com as
notícias de casa e do exterior. Ao achá-lo tão interessante sem as minhas cartas,
fico tentada em deixar outros escreverem no meu lugar se não fosse verdade
que, apesar do jornal não precisar que eu escreva suas colunas, preciso disso para
me manter, juntamente com a escola, na memória dos leitores; pois me esquecer
seria não orar por mim, e isso só de pensar não poderia suportar. As orações dos

59
estimados amigos são meu conforto e apoio; e eu sei que Ele as ouve, e se Ele
ouve, eles têm o que pedem a Ele.
Com o auxílio de Deus, a escola aumentou e agora os números chegam a
cinquenta e três; mas alguns estão retidos em casa agora e, provavelmente, fica­
rão ausentes por algum tempo. Isto é muito desagradável, mas não há remédio,
ou especialmente os pais pensam que não há, e tenho que ser paciente, apesar de
saber que isto tomará o trabalho de classificá-los mais difícil. Os estudantes, em
geral, estão felizes e sãc* aplicados. Tenho ouvintes aparentemente interessados
em minhas palestras sobre história sacra e eles aprendem e assimilam os fatos
muito bem. Meu único livro escolar é a Bíblia e, apesar de termos o suficiente
para todos, eles somente a utilizam em aula para consultas ou para procurar
algum fato de que precisam na composição que peço para fazerem após cada
lição. Ainda não pedi para estudarem a lição antes de fazer uma dissertação oral.
Dei uma aula recentemente para minha turma mais adiantada sobre a edificação
do Tãbemáculo e a consagração dos padres; e a última lição era sobre as diferen­
tes formas de sacrifícios, os quais eles pareciam apreciar - especialmente na Expi-
ação. Eles parecem gostar do Evangelho que eu tento ensinar a eles a partir
destas lições e quando eu mostrei que o Tãbemáculo representava a Igreja de
Deus no mundo e que as partes (ou como eu as apliquei às cortinas que eram
todas do mesmo tamanho, só que presas para fazer a bela cobertura interna)
representavam as diversas seitas reunidas pela fé comum em Cristo, o único Sal­
vador, eles paivreram tocados com a idéia e aceitaram-na. Eu digo pareceram,
pois estas moças são muito cuidadosas e do tipo que não se entregam.
Orem, caros amigos, para que Deus possa dar seu Espírito Santo a estes
meus alunos, para que possam discernir espiritualmente as verdades das Escritu­
ras- Vocês ficariam surpresos ao ver o quanto alguns deles são ignorantes a res­
peito destas coisas, apesar de terem muitas cerimônias e imagens, vocês
pensariam se seria possível para qualquer um deles poder caminhar mais pela
'visão do que pela fé. Isto prova conclusivamente que é somente pelo Espírito
que as coisas sagradas podem ser compreendidas. Estas pessoas também estão
morrendo, sem o conhecimento do amor de Deus. Eu nunca fui tão afetada pela
morte de estranhos como sou aqui. A visão do padre saindo para ungir uma pes­
soa para a morte lança uma melancolia sobre mim por todo o dia, pois eu sei que
isto não basta e eles não receberão a nós, que estamos tão ansiosos para dar a eles
o pão da vida para que possam viver para sempre; e estamos mais convencidos de
que o poder não é próprio do homem - ele deve vir de Deus.
Estamos fazendo o que podemos para mostrar a eles a necessidade que
têm da Bíblia e ensinar suas preciosas lições da melhor maneira que pudermos e
esperamos, com o passar dos anos, que possamos ter a felicidade de ver que este
é um povo que lê a Bíblia. Além de instruir nossos alunos nas coisas sagradas,
também estamos ensinando-os as matérias que geralmente são estudadas pelas
moças, conforme é exigido para os exames da Escola Normal, já que algumas
delas têm a ambição de receber diplomas. O governo não dá o privilégio de con­
ceder diplomas às instituições privadas. E quase impossível montar cursos como
os das escolas superiores nos Estados Unidos, pois eles não possuem livros, e
por enquanto os alunos não sabem inglês o suficiente para se iniciarem em nos­
sos livros. Estou ansiosa para começar. Os alunos mais adiantados estão estu­
dando botânica, química, física, geografia e história geral, a partir de agora, em
francês. Nas Escolas de Direito e Medicina os estudantes possuem livros france­
ses e ingleses. A Mlle. Rennotte ensina anatomia com palestras de seus livros
franceses. Existem muitas gramáticas, mas aqueles que possuem uma correta
dizem que nenhuma é boa; e o melhor livro de aritmética não é bom. A álgebra e
a geometria usadas são obscuras e muito falhas; são consideradas apenas guias
para o estudante e o professor utiliza outros livros e seu próprio conhecimento e
bom senso. Um problema que temos ao ensinar aqui é o falho treinamento inicial
naqueles assuntos que exigem o raciocínio. Eles estão acostumados a aprender
cada coisa “de cor” e repetem palavras como papagaios; mas se você perguntar a
eles o significado, eles ficam perdidos para responder.
Espero ansiosamente coisas melhores destes que estamos treinando.
Quanto à inteligência, acho que eles se comparam bem com crianças de qual­
quer lugar. Um outro problema que temos, ao qual eu já me referi, é que muitos
pais parecem achar que a escola é um lugar conveniente para os filhos enquanto
eles estão na cidade, e não reconhecem o fato de que pode ser inconveniente
para nós se eles levam os filhos para o campo por duas semanas ou mais, e
quando eles retomam ficam atrasados nas aulas. (...)
Eu me alegro por minha bela escola todos os dias — tudo está indo bem —
estou muito feliz e se um professor está fora de seu lugar ou se temos outras per­
turbações, fico feliz por estarmos tão bem sob as circunstâncias. Também adoro
dizer a vocês que meu sucesso vem do Senhor, esperando tocar algumas das
mocas cristãs aí para se dedicarem ao trabalho do Mestre neste campo. Se vocês
não sentem, caras amigas, que estão sendo “chamadas” para algo extraordinário
— lembrem-se de que Jesus não falou a cada um individualmente, “Sigam-me”,
mas algumas palavras foram ditas através de amigos, e alguns disseram “Senhor,
eu te seguirei para onde for”. Agora, Ele não apenas abriu as portas para o Brasil,
como também entrou no Brasil e vocês podem seguir com a segurança de que
Ele encherá suas mãos com trabalho se vocês as abrirem para Ele; e mais do que
isso, Ele pagará os seus serviços ao final do dia. Se vocês não se sentem prepara­
das, então procurem se preparar; vocês possuem excelentes oportunidades nos
Estados Unidos para se preparar para serem úteis.
Apesar de algumas circunstancias desagradáveis, estamos andando bem.
Minha saúde continua boa e a de outros professores também. Eles estão traba­
lhando na construção da nova casa, mas tão lentamente que já estamos quase sem
paciência. Eu esperava me mudar em agosto e agora estou querendo saber se ela
ficará pronta em dezembro ou em janeiro. Tenho três moças pobres que estão
trabalhando para pagar suas anuidades e estão indo bem; mas como elas chega­
ram sem saber quase nada, estão apenas no início. Elas me deixam aliviada de uma
carga pesada e me dão mais tempo para escrever. Além delas, também tenho mais
dois hóspedes; todos vão para a Escola Dominical e para a Igreja comigo.
Passamos pelos dois extremos de sofrimento e prazer - sofrimento na
parada da Sra. Koger e de seus lindos pequenos, que irão embarcar amanhã; e o
prazer de uma visita do Sr. Kennedy e sua esposa. Eles encontram-se com boa
saúde, bem de espírito e muito felizes, como deveríam estar. A Sra. Kennedy está
indo bem no estudo do idioma. Amanhã iremos para o campo visitar um de
nossos benfeitores e esperamos ter bons momentos lá.
Com amor a todos os filhos de Cristo, permaneço sua irmã e serva em
Cristo,

M.H. Watts
Piracicaba, Brasil, 9 de novembro de 1883
Carta da Srta. Watts
n. 10, abril, 1884

CARA Sra. BUTLER: No dia 21 de dezembro, depois de dois Hias de exa­


mes públicos, nosso trabalho escolar de cinco meses foi encerrado; os exames
escritos ocorreram na semana anterior. Enquanto meus alunos ficavam sentados
silenciosamente e pensativos, escrevendo as respostas - alguns deles pela pri­
meira vez —, minha admiração por eles cresceu até o ponto máximo. Eles senti­
ram um tipo de receio daqueles pequenos pedaços de papel que silenciosamente
e com firmeza pedem idéias, sabendo muito bem que o que eles escrevem está
registrado e eles não podem “voltar atrás” e fazer uma segunda tentativa. Muitas
respostas tolas foram dadas e muitas coisas engraçadas foram escritas, mas
houve um aperfeiçoamento como um todo e agora estou percebendo minha
maneira de fazer uso dele - posso começar a classificá-los por suas médias.
Minha escola não ficará totalmente classificada, mesmo na próxima sessão, mas
estará classificada de maneira muito melhor.
Depois de quase quatro dias de exames escritos, nós revisamos e nos pre­
paramos para o exame público. Não tivemos muito tempo para a decoração este
ano; a bandeira brasileira foi fixada na forma de um escudo sobre a plataforma,
com as “estrelas e listras” de minha pátria amada de um lado e o tricolor da enso­
larada França do outro, foi tudo o que tivemos tempo de arranjar além de muitas
flores; e com elas, após encher os vasos, decoramos o candelabro e a parede.
Começamos cada sessão da manhã com a leitura da Bíblia, cantando e
orando - Sr. Koger conduzindo os exercícios. Ele também leu o programa e aju­
dou gentilmente quando necessário, fazendo perguntas aos alunos e convidando
as pessoas presentes a formular perguntas para as aulas; à noite encerramos can­
tando e o Sr. Koger rezou e fez a bênção.
No encerramento do exame, o presidente da Câmara Municipal, Dr. M.
Barros, levantou-se e, em nome dos pais, nos agradeceu por nossa dedicação a
seus filhos.

63
O sistema americano de ensino de aritmética para as crianças foi apreci­
ado e foi feita menção especial à bela escrita da Mlle. Rennotte — com os adjeti­
vos habituais usados em relação a seu nome; mas quem saiu vencedora foi nossa
jovem assistente brasileira, Dona Ana M. de M. Bairos; e ninguém ficou enciu­
mado, pois todos reconhecem seu mérito e aplicação e sentiram que ela era
merecedora. Eu admiro sua energia e sua inteligência em relação a Cristo; posso
pedir a meus colaboradores na terra natal para unirem suas orações com as
minhas para obter sua conversão e de todos os meus alunos? Todos eles preci­
sam de Cristo para salvá-los e do Espírito Santo para ensiná-los, pois em casa
eles são ensinados a não dar ouvidos ao Evangelho. Soube recentemente que
uma mãe ordenou a sua filha para não prestar atenção quando eu leio a Bíblia ou
quando ensino a eles as lições da Bíblia.
Fiquei feliz ao examinar uma folha de papel com a resposta à pergunta
sobre História Sacra: “Qual era a simbologia da oferenda de pecado?”. A jovem
respondeu: “Era uma simbologia da morte de Cristo”, etc., e acrescentou: “Não
temos mais a necessidade destes rituais, pois Cristo já entrou no céu para interce­
der por nós”. Esta foi a resposta de minha primeira aluna e que me deu grande ale­
gria e incentivo. Orem por ela para que possa conhecer Cristo e sua expiação.
Nosso trabalho é lento e nos dá a oportunidade constante do exercício da paciên­
cia; mas uma coisa eu sei, que Deus abençoará sua própria palavra e com essa pro­
messa, te^hn confiança no sucesso.
Aguardamos ansiosamente e com prazer a Conferência que será realizada
aqui na próxima semana e, depois, teremos o prazer de nos mudarmos para o
prédio novo e, em seguida, recomeçaremos nosso trabalho.
Encerramos a sessão com quarenta e sete alunos; suponho que todos
retomarão, e soube de um bom número de outros que estão para chegar. Haverá
outra mudança de professores este ano. Quando terei uma auxiliar para ficar
comigo e de quem eu possa depender? Oh! Por amor de Jesus e pela confiança
naquelas que deixaram seus lares, precisamos de ajuda.
A Gazeta que tão gentilmente tomou notas e as publicou no ano passado
fez o mesmo este ano, mas por outras mãos; aquela pessoa faleceu algumas
semanas após escrever as palavras gentis do comentário e os elogios feitos

64
espontaneamente a nós. Uma página e meia foi dedicado a “Exames do Collegio
Piracicabano” e o artigo começa dizendo: “A educação de uma mulher não é
mais um sonho”. Depois de algumas observações, o autor diz: “Onde a educa­
ção é semeada e onde ela encontra meios favoráveis de desenvolvimento, o povo
tem razões justas para se orgulhar”, e ele considera que o povo de Piracicaba
pode se considerar entre esse número. Depois de mencionar muitas classes e
seus professores, e algumas vezes os indivíduos das classes, e fazer observações
em relação às récitas, música, diálogos e ao quadro de pessoas, ele finaliza com
palavras gentis de encorajamento, desejando que sigamos em frente sem medo e
a despeito das idéias preconcebidas que ainda existem, mas que serão dissipadas
sob os raios refulgentes do grande sol — o conhecimento. Ele não sabe que a
força na qual confiamos para “dissipar” a escuridão destas “idéias preconcebi­
das” é Ele, que é sabedoria e conhecimento, e que é sob a luz de Seu estímulo
que a ignorância e a superstição irão desaparecer. Ele não sabe disso, nem sabe
como aprender, e não saberá até que o grande Iluminador de corações tenha
entrado no coração dele, para estas coisas serem espiritualmente discernidas.
Oremos a Deus para abençoar nosso trabalho no lar e os trabalhadores, e
todos os missionários em outros campos, com uma oração especial para que Ele
possa abençoar nossa estimada Srta. Lochie Rankin, para que ela possa recuperar
tudo o que ela perdeu em seus dias de aflição e aumentar ainda mais seu trabalho
e para que haja um ano feliz e próspero para todos a serviço de nosso Mestre, e
que nossojornal e sua editora possam ser abençoados com grandeza, firmo-me,

M.H. Watts

Desde o escrito acima já se passou um mês e muitas mudanças já ocorre­


ram. Mudamos para o novo prédio e a escola foi aberta novamente. Deixarei a
descrição do novo prédio para uma outra carta. Alguns dos alunos ainda não
retomaram; alguns estão doentes e alguns estão fora da cidade, mas temos um
bom número de novos. No primeiro dia, tivemos quarenta e três presentes para
a abertura, e outros dois chegaram no dia do início das aulas.

65
Em setembro de 1881 minha escola começou com uma estudante; em
laneiro de 1SS2 tínhamos duas; em janeiro de 1884 tínhamos quarenta e cinco e,
hoje, temos cinqüenta e sete! Outra mudança de professores e distribuição de
tarefas; e-enquanto estou tendo êxito na organização além de minhas expectati­
vas, encontro trabalho duro. Ainda estou tão ocupada que devo pedir a meus
correspondentes, amigos e parentes para terem paciência comigo, pois eu escre­
verei com dedicação a cada um deles. Minha saúde está boa e tudo o que tenho a
reclamar é da quantidade de trabalho e da escassez de funcionários.
Envio a vocês uma fotografia da escola como ela estava, em março último,
para distribuírem em diferentes panes do país, para que seus amigos saibam que
nossa escola é uma realidade. A esquerda está Rennotte, no centro sua humilde
representante está sentada, e à direita está a Srta M.P Newman. O garotinho no
meio-rio é o irmão da empregada alemã que está no fundo, e quem eu esperava
que se tomasse obreira de Cristo, mas agora parece uma vã esperança. O cachor-
rinho Joli é o mascote da família e os pássaros são os músicos. Claro que dçvo dar
as desculpas habituais, a foto não nos faz justiça, a luz estava muito ruim. Tenho
certeza de que as senhoras a quem enviei terão muito mais prazer em receber do
que tive ao enviar; e agradeço às senhoras da Conferência de Louisville, especial­
mente, pelo magnífico presente (a mobília) para a escola.
Com os agradecimentos pelas cartas gentis e orações,

M.H. Wam

[A editora fornecería com prazer a lista dos quarenta e sete alunos e a classi-
ticação média deles, mas a necessidade de espaço toma isto inviáveL Nossas obrei­
ras aqui orarão por todosos estudantes, e Deus sabe seus nomes -Advocaté]

•-ÍSV '

Carta de Miss Watts


n. 2, agosto, 1884

CARA SRA. BUTLER; Após uma longa espera, finalmente me coloquei na


tareia prazerosa de descrever o novo prédio da escola a vocês e seus leitores. De

‘66
-:
três meses atrás até hoje, em meio ao calor e poeira, nós mudamos; as inconveni­
ências passaram a não ter importância em vista do prazer de finalmente chegar a
um local de repouso; e apesar de fazer pouco tempo, parece que sempre estive­
mos aqui, e as lembranças de correntes de ar frio e cômodos escuros parecem
apenas sonhos ruins e estamos contentes em perceber que são apenas sonhos
em um despertar agradável.
Os cocheiros carregaram nossa mudança e começamos o trabalho de
colocar as coisas em *seus lugares. Então, perguntamos-nos: “Quando e onde
conseguimos tantos objetos bons e ruins?”. Depois de uma semana, tínhamos a
casa “em todas as aparências” em ordem, e no dia 29 de janeiro abrimos a escola
com quarenta e cinco alunos. E só comparar com aquela de quase três anos atrás.
Desta vez havia realmente uma agitação e um gostoso som de passos, apertos de
mão e beijos. Um bom número de novos apareceu. Em duas ou três semanas, as
matrículas aumentaram para sessenta e oito, mas alguns saíram enquanto outros
chegavam e hoje temos somente sessenta e seis; mas outros foram recomenda­
dos. Os alunos são quase todos menores de quinze anos e muitos são pequenos.
Todos, quase sem exceção, estão felizes e parecem apreciar as horas de estudo
como também as horas de lazer. Gostaria que nossos amigos se juntassem em
procissão e viessem nos visitar, faria bem a eles.
A casa tem uma aparência muito formosa vista por fora. O prédio princi­
pal é alto e possui uma ala de dois andares em cada lateral. No topo da parte cen­
tral há um andar coberto com zinco gradeado ao redor, feito para ser um
observatório; e de lá temos uma bela visão de todos os lados. Esta vista, apesar de
extensa, é cortada pelos morros ao redor de tudo, como um grande anfiteatro,
para os deuses olharem nossas pequenas lutas no centro. Se eu fosse uma pagã,
poderia ser induzida a tais pensamentos, mas, como sou crente no Deus de Elias,
acredito que seus anjos estão assentados ali, “ao redor e em toda parte” para nos
guardar, e que seu braço etemo está estendido em nossa direção.
A porta da frente possui três degraus e é ampla e formosa — pintada de
verde-garraía escuro. O saguão é amplo, com uma porta de cada lado. À
esquerda chegamos até a sala de visitas, uma pequena salinha com uma cortina
de renda, tapetes centrais de veludo (presentes), mobília preta austríaca, quadros

67
de minha família e também de nosso venerável bispo Kavanaugh e de nossa que-
nda Srta. Gibson e outros amigos. Algumas conchas e um vaso (presentes)
adornam a mesa e a estante. A porta, à direita, abre para o escritório, que é
somente outra sala que também possui cortinas de renda e tapetes e o mesmo
tipo de mobília; a única diferença é que ela possui uma escrivaninha e cadeira. Há
menos ornamentos de parede que na outra sala. Na pane dos fundos temos três
arcos que servem como linha divisória, sem separá-la, de uma pequena sala, a qual
possui uma porta no saguão de trás e no qual fica a estante de livros da biblioteca e
uma estante de curiosidades, reunidas aqui de tempos em tempos. Os ornamen­
tos são um grande pássaro e dois ninhos de papa-figos. Passando pelo saguão da
frente até o dos fundos, temos três portas - uma abre para um cômodo que
pode ser um aposento de hóspedes; a do meio é a da sala de música, que possui
I> •
um piano e duas cadeiras; a terceira é a da sala de alemão e gramática, que possui
um banco e uma cadeira, um quadro negro e dois mapas. Voltando ao saguão
central e virando à esquerda, encontramos duas portas ao final, nos fundos -
uma é uma porta de vidro que leva ao pátio, a outra até a sala de jantar, o andar
interior da ala direita. Esta é uma sala grande e bela, mobiliada com um armário
de porta de vidro e uma mesa. Estão também minha escrivaninha e estante,
sobre as quais estão duas grandes aves aquáticas, uma branca e outra cinza; um
grande lagarto sobre uma caixa recoberta de musgo; uma prateleira para o reló­
gio e Bíblias, e dois cromos são os únicos ornamentos de parede. De volta ao
---
saguão, virando à direita — se você virar de repente, você ficará diante da escada;
assim vá um pouco mais adiante e vire à direita, e novamente encontraremos rvr •
duas portas ao final: uma de vidro, uma saída para o pátio; e outra que leva até
uma bela sala de aula iluminada na ala esquerda, onde encontramos uma ban­ w
cada, uma mesa, uma cadeira e um quadro negro, um esqueleto de papel e os
pesos e medidas para ensinar o “sistema métrico” em forma de mapa, adornando
v ÍH
2s paredes. Esta é a sala da Mlle. Rennotte.
•'Êv5>£e*'
Passamos por uma porta para outra sala de frente para a rua: é mobiliada
com uma grande mesa, diversos bancos e cadeiras, um quadro negro, um mapa
do Brasil e um da Província de São Paulo. Esta é a sala de dona Maria Escobar. :
Vocêsabe que esta pessoa foi minha primeira estudante.

.68
Agora vamos para cima. A inclinação dá escada é muito confortável e
temos um patamar próximo ao meio dela. Bem adiante há uma porta para um
dormitório, que agora está sendo utilizado; uma bela sala com três grandes jane­
las que fornecem um cenário sempre agradável aos olhos. Esta sala é do tamanho
das três pequenas abaixo e há outra do mesmo tamanho acima, compondo os
três andares dos fundos do prédio. Virando à esquerda, chegamos até a porta da
capela. Aqui temos as mesas, cadeiras, bancos e escrivaninhas, um grande qua-
dro-negro e mapas; vocês precisariam de apenas um olhar de relance para perce­
ber que a mobília não é digna do belo lugar. Esta sala é grande, iluminada e
arejada, por ser muito alta e ter três janelas imensas. Na ala esquerda, sobre a sala
de jantar, há um dormitório, para ser usado quando tivermos necessidade; até
então deverei usá-lo para ginástica. Na ala esquerda, sobre as duas salas de aula,
estão dois belos quartos - o da frente, que tem vista para o rio e o pôr-do-sol, eu
escolhi para ser meu quarto; o outro, que é iluminado pelos primeiros raios do
. nascer do sol ou pela luz da lua, tem uma bela vista de uma parte da cidade e dos
morros ao longe, eu reservei para as missionárias que com certeza virão este ano.
Meu quarto, compartilhado pela Mlle. Rennotte, é mobiliado confortavelmente,
tendo um belo toque de acabamento nas cortinas suíças. O outro eu uso agora
como sala de piano. O dormitório é mobiliado com camas, lavatórios e “baús”.
Por enquanto, eu não tenho guarda-roupas de uso comum e nem particular. Isto
porque estou aguardando o marceneiro. Em uma ponta do saguão há uma
escada para o terceiro andar; e dLnte dela há uma outra para o “observatório”.
Quando tivermos equipamento para estudar astronomia, devemos ter estudan­
tes interessados, não somente na escola como também entre nossos amigos.
Em toda a casa não há um só pedaço de papel jogado — tudo é belo e asse­
ado. As tintas são da cor crua, marrom e marrom claro, o que compõe uma
combinação de bom gosto. As portas se abrem no meio como duas folhas. As
janelas são grandes, abrindo a partir do centro e possuem somente seis vidraças
no total, sendo a parte superior separada da parte inferior. Os pisos são ruins,
apesar de não ser falha do arquiteto; mas pintando alguns e passando óleo em
outros, dificilmente serão notados.
Temos lâmpadas pendentes em quase todos os locais necessários. Em
frente há um belo pátio, com um belo portão de aço sustentado por pilares de

69
tijolo, mas a cerca é muito criticada, pois é feita apenas com arame. Acho que ela
está melhor do que os críticos pensam, mas eles possuem o direito de ter sua
própria opinião. A cozinha é pequena e não temos banheiro, e nem privadas
externas ainda. Um caminho coberto leva até a cozinha, ao lado da qual fica o
poço que nos romece boa água, a coisa mais incomum em Piracicaba
O quintal é agradável e grande, mas não tem sombra; mas isso não é uma
grande desvantagem aqui, como seria aí em casa, pois as crianças não se impor­
tam com o soL
O novo lote que foi acrescentado possui um pomar e alguns cafeeiros.
Estes não trarão nenhum benefício, pois são muito velhos — as árvores frutíferas
também são velhas, mas o fruto é bom para as crianças e temos jabuticabeiras.
As jabuticabas são as frutas preferidas do país, temos muitas delas e são as
melhores; quem vier para nos visitar em dezembro poderá apreciá-las. Dizem
que é como a “muscadínea” dos Estados Unidos - ela cresce na casca da árvore.
Neste pomar fazemos nossa recreação - nós que somos da família - e para lá
levamos nossas visitas em dias de bom tempo.
Encontramos uma alemã habilidosa que nos fez uma quadra de croquet e
agora desfrutamos desse exercício prazeroso. Até aqui mencionei os exercícios
físicos como algo que literalmente não traz benefício, mas descobri que algumas
vezes ajuda na digestão e também tira a dor de cabeça.
\pesar de tomar o tempo, o qual é muito precioso, tenho certeza de que
o coração de qualquer mulher ficaria repleto de orgulho ao ver a escola e o pré­
dio.
Orem por nós e façam o que puderem para fazer da escola um lugar útil e
atraente, pois logo teremos uma rival na escola dos jesuítas que agora já tem um
teto.
Dizem que eles já possuem cem internos matriculados — eles já estão lota­
dos.
Paremos o que pudermos pelos alunos para levá-los a Cristo, ou pelo
menos preparar o caminho para a futura geração. E uma longa espera; vamos
pedir a Deus com insistência.

M.W Watts

70
Carta de Miss Watts -
da Escola de Piracicaba
n. 4, outubro, 1884

SRA. BUTLER; Se passaram alguns meses desde a minha última carta sobre
a construção da escola mas eu não tive tempo de concluir a descrição. Enviei
algumas fotografias para as Secretarias Correspondentes e para outros membros
do Conselho, uma para a Sra. e outra para o Conselho de Pais e para os outros na
esperança de que todos saibam que o prédio está pronto e que a escola é uma
realidade. Eu digo que o prédio está “terminado”. Quero dizer que a estrutura
principal está pronta, mas quase todos os dias são feitas melhorias e ainda há
muito a ser feito. Não distante de nós está o Colégio Jesuíta, que está prestes a
ser construído - no momento, aguarda por falta de recursos; esta, juntamente
com a nossa escola, acrescentou considerável importância para nossa rua. Desde
que chegamos aqui, a rua foi nivelada e pavimentada, recebeu iluminação com
distância convenientemente planejada entre as lâmpadas, as casas antigas estão
sendo submetidas a reformas, o que está tomando o local um ponto importante
da cidade. De maneira geral, a cidade está melhorando e agora tem mais habitan­
tes; antes só ficavam na cidade aqueles que eram obrigados ou que não tinham
casa de campo para ir, mas agora os pais ficam na cidade para manter seus filhos
na escola- Já há uma fábrica de sabão e velas. As mercearias estão aumentando
seus estoques e filiais também. Veja que nós ajudamos a melhorar o local do
ponto de vista temporal, mas isso não é tudo. Do ponto de vista social, nossa
presença é sentida; mas acima de tudo, acredito que, como escrevi a uma amiga
outro dia, a integridade que transmitimos aos nossos alunos se estendeu para
além de nossas paredes. Devo me felicitar pela minha grande fé? Deus não pro­
meteu abençoar sua palavra? Não tenho eu transmitido a palavra, em sílabas, ao
meus alunos e, quando posso, aos seus pais? E não é a fé que faz a palavra do
Senhor se tomar verdadeira? Talvez não. Os frutos colhidos ainda não são suficien­
tes mas, de tempos em tempos, vislumbro a flor em botão e me encorajo. Que
Deus mantenha minha fé, que eu sempre tenha esta fé, veja ou não os frutos!

71
O último exame mostrou melhoras no estudo da Bíblia, sendo que dois
de nossos alunos receberam a nota seis, a nota máxima. Hoje, ao falar do casa­
mento de Isaac, eu contei aos alunos que Cristo estava representado como
noivo e a Igreja, como noiva, e que algum dia eles se casariam. Perguntei a eles
quem era a Igreja — “Seria a Igreja Católica?”. Todos, exceto um, responderam
“Não” e, quando eu disse que todos aqueles que aceitassem a Jesus Cristo como
seu Salvador constituíam a Igreja de Deus, somente um pareceu não aceitar.
Muitos disseram aceitar minha crença como deles. Até mesmo os pequenos
parecem entender a necessidade de haver apenas um Salvador e que as imagens
não devem ser usadas, mas quando vão para suas casas suas mães ensinam o
oposto do que eu ensino. Assim, só me resta continuar plantando minha
semente e preparando o solo para que floresça a verdade em seus corações. E um
trabalho lento e também precisamos, como disse uma de nossas amigas na
China, “de uma Igreja devota e paciente em casa”.
Após três dias de exames escritos, fechamos, no dia 20 de junho, com
uma pequena atividade de entretenimento elaborada pela sociedade de literatura
e música da escola. Uma das composições era especialmente boa. A idéia foi
extraída de um dos colaboradores do WC.T.U. Chama-se “Two-Schools” - uma
a sala de jogos e a outra a escola propriamente dita. O original era ccBar-room and
the School”.
Mlle. Rennotte fez algumas observações sobre a emancipação da mulher,
iazendo alguns comentários no início sobre a necessidade de “liberdade” em
todas as leis físicas e levando ao máximo sua idéia de liberdade feminina. As
mulheres aí na Aménca clamam pelo direito ao voto, mas aqui a necessidade é de
liberdade. Um senhor me disse, há não muito tempo, que “quinze anos atrás, a
mulher não existia no Brasil”; logicamente ele quis dizer que a posição social da
mulher não era reconhecida. Outro comentou ter notado que, quando o Evan­
gelho foi trazido, a condição da mulher melhorou Ele não é protestante, mas
soube que mantém a Bíblia sobre a mesa de seu escritório.
Há pouco tempo li um pequeno livro sobre a vida em zenanas, os haréns
na índia, e riquei pasma com a semelhança com alguns costumes do Brasil - por
exemplo, os homens têm seus aposentos e as mulheres têm os delas, os homens

72
às vezes vão falar às mulheres mas estas não consideram a possibilidade de ques­
tionar a presença de seus senhores; os homens comem sozinhos e também há
semelhança na forma de arranjar os casamentos.
O culto a algumas divindades é semelhante ao culto aos santos aqui e
menos blasfemo, pois não usam o nome do Salvador ou do Espírito Santo. Eu
lhes digo que, quando penso na situação espiritual dessas pessoas, anseio ter o
poder para quebrar a corrente da ignorância e da superstição e me vejo angustiada
lutando de mãos atadas còntra um gigante. Mas tento me lembrar que o Capitão
de nossa salvação também os ama e lutará por eles. Só podemos esperar, traba­
lhar e ter fé Nele, que faz tudo certo.
Voltemos à escola. Gostaria novamente de pedir orações suas para mim,
meu trabalho e meus assistentes. E impossível encontrar professores cristãos aqui
e o que me tranqüiliza é que eu acho que logo os professores mostrarão simpatia
pelo nosso trabalho. Os professores precisam de um salvador assim como os alu­
nos e, por serem pessoas de juízo, seus corações podem ser iluminados a tempo.
Temos dois novos professores agora e ambos parecem estar inclinados à nossa fé.
Fechamos a escola no dia 20 de junho com quarenta e cinco alunos e
agora temos cinqüenta e seis, sendo que alguns saíram e outros estão afastados
por doença. Também estou aguardando novos alunos. Quando vir a fotografia
da casa, você exclamará “Que ótimo!” e saiba que a escola é um ótimo lar.
Nunca estive tão satisfeita com meu planejamento como agora. Tenho uma sim­
pática e devota ajudante para os pequenos. Gozo de boa saúde, como de cos­
tume, mas nossa cara Mlle. Rennotte está mal, apesar de continuar lecionando.
Ela aproveitou a ocasião do feriado e foi para São Paulo para consultar-se com
um médico. Espero que ele a cure.
Aguardamos com prazer a chegada de Miss Bruce e o retomo da Sra.
Koger. Uma ficará feliz por encontrar novos amigos e um lar e a outra, por
retomar. Que Deus abençoe o trabalho de ambas!
Gostaria de agradecer a Miss Holding pela sua dica sobre “Little Pillows”.
Eu não tenho esse livro, mas agora as crianças encontram seus próprios “Traves-
seirinhos” nos Salmos. Tenho certeza de que você ficaria contente em ver como
fazem bem suas escolhas.

73
Por três anos tenho tentado encontrar tempo para escrever para minhas
irmãs missionárias, mas ainda não consegui. Gostaria que elas tivessem tempo
de escrever para mim. Acho que deveriamos nos ajudar comparando notas e tro­
cando idéias sobre as maneiras de iluminarmos corações e mentes obscurecidos.
Os professores vêm de longe e vão a associações e convenções, mas, como não
podemos lazer isso, devemos trocar idéias por carta. Talvez, quando o Advocate
crescer, você nos dê uma coluna para tal finalidade, assim, todos compartilhare­
mos das mesmas idéias, sem precisar escrever para cada um separadamente.
Gostaria de agradecer Sr. Fred S. Dibble e sua escola Dominical pela caixa
de livros, pelos belos cartões e pela luneta Polyopticon. Foram uma bênção para
nós. Se outros amigos forem enviar livros, sugiro que os enviem separadamente
pelo correio, evitando a alfândega.
Acho que devo dizer, sem levantar falso testemunho, que as coisas aqui se
desenrolam tão bem quanto esperávamos e espero que seu paciente trabalho seja
recompensado pelo recolhimento das almas na grande “colheita”.
Com amor a todos, sua serva em nome de Cristo,

M.H.Watts
Piracicaba, 13 de agosto de 1884

Relatório do Colégio Piracicabano para a Sexta Sessão, de 29 de


Janeiro a 20 de Junho de 1884

n. 4, outubro, 1884

Professores

Número de missionários: 1; alunos professores avançados e de idiomas:


3; professores primános (professores pagos à parte): 2; alunos assistentes (uma
pequena redução no salário): 2; professores de música: 1; professores de dese­
nho: 1, totalizando 10.

Matrículas, etc., para a Sessão

Alunos matriculados na sessão: 73; alunos na escola no momento: 62;


número de alunos recebendo aulas de música no sistema 4 Q por mês: 15;

74
-

número de alunos recebendo instrução musical gratuita: 1, totalizando 16.


Número de alunos favorecidos pela troca de trabalho ou por pobreza ou que
recebem desconto por terem parentes na escola: 21. O trabalho consiste em
ensinar aos iniciantes o trabalho doméstico, como varrer, tirar o pó, colocar a
mesa, lavar pratos e lâmpadas, fechar a casa e acender as lâmpadas. Os conselhei­
ros também têm suas tarefas na forma de limpar e manter a casa. Ninguém deixa
de freqüentar a escola ou de estudar.
Respeitosamente,

M.H. Watts, Diretora

Relatório Escolar do Colégio Piracicabano


. ru 10, abril, 1884

Este relatório corresponde ao quarto trimestre do quarto ano, de l.° de


outubro de 1884 a l.° de janeiro de 1885.
Professores: 2 missionários pagos pelo Conselho, 1 senhora paga pelo Con­
selho, 1 professor de matemática e outras disciplinas pago por mês, 1 professor de
português e outras disciplinas pago por mês, 1 professor de música pago de
acordo com o número de alunos, 1 professor de desenho, 1 professor pago a
parte, 1 professor que recebe uma pequena redução no pagamento e leciona
música.
Alunos: Número restante no fechamento do último trimestre: 64, matrí­
culas durante outubro: 6, número dos que se rematricularam durante o mês de
novembro: 2, número total de alunos durante o trimestre: 72, número de desis­
tências por doença ou por remoção: 16, número restante até o fechamento do
trimestre: 56.
Conselheiros: Número dos que recebem integralmente: 4, número dos
recebem parcialmente: 1, número dos que são mantidos pela escola por seus ser­
viços: 2, número dos que recebem parcialmente por lecionarem: 2. Número de
beneficiános ao todo, alguns sendo mais favorecidos do que outros: 22.

75
Disciplinas: Álgebra, aritmética, cosmografia, geografia, física, astrono­
mia, gramática, alemão, francês, inglês, história sacra, história geral e do Brasil,
história da língua portuguesa, leitura, escrita e ditado. Notamos alguma melhora
por parte de alguns em história sacra.
O exame público ocorreu nos dias 18 e 19 de dezembro de 1884. Não
houve ausências entre os alunos.
Sr. Koger conduziu os exercícios. O questionário geral feito por Mlle.
Rennotte e a música de Miss Bruce divertiu os alunos. Diversos senhores ques­
tionaram as aulas. Em geral, os alunos parecem interessados e todos estavam
entusiasmados. Apesar da chuva, a freqüência foi satisfatória durante o dia e
tivemos uma verdadeira multidão à noite. As atrações de música, diálogos, réci-
tas e quadros vivos foram encerrados com o canto de um hino e uma oração,
seguidos pela bênção.
A Gazeta mencionou tudo de bom grado, censurando#as pessoas que não
tentaram fazer o exame e que não aproveitaram as atrações. A escola será rea­
berta dia 27 de janeiro de 1885. Que o Senhor, de quem somos servos, continue
a nos abençoar!

M.H. Watts

Relatório do Colégio Piracicabano


para o Terceiro Trimestre
n. 3, setembro, 1885

Missionários: 2; professores assistentes: 3; alunos-mestres: 2; alunos: 74;


número de desistências ou afastamentos por doença ou remoção: 6; número
restante: 68; número de alunos membros da Igreja: 3; número avaliado pelo
exame recentemente aplicado: 63; ausências por doença: 5.
Na semana anterior ao exame, o Prof. Castanko desistiu. O exame foi
mais tranqüilo que de costume porque recebemos ajuda de Miss Bruce. Sexta-
feira à noite, dia 19, fechamos com uma atração que consistia na apresentação de
poemas, composições e músicas com comentários feitos pela Mlle. Rennotte
sobre a co-educação. Juntamente com chá servido com pão amanteigado para o
encerramento, foram servidos bolo e rosquinhas, que todos apreciaram.
O exercício foi encerrado com um hino e uma oração feita pelo Sr. Koger.
Tivemos a companhia da Irmã Koger e seus filhos, o que foi um prazer, já que ela
não havia podido vir antes por questões de saúde ou por não poder vir à cidade.
A bênção de Deus se manifesta através de nós. Sempre ore por nós. Res­
peitosamente,

M.H. Watts, Diretora


Piracicabano, 20 de junho de 1885

Carta de Miss Watts


n. 10, abril, 1886

CARA SRA. BUTLER: Antes desta, sei que a notícia sobre o falecimento do
Irmão Koger chegou ao seu conhecimento e sei que muito foi escrito a esse res­
peito, mas me sinto na obrigação de escrever às mulheres para que saibam da nossa
grande perda. Ele não teve a oportunidade de nos deixar suas últimas palavras mas
nós, que o conhecíamos bem, sabemos que foi melhor assim, para poupar esposa e
filhos e para sua mãe também, que ele desejava ver mais uma vez. Estamos certos de
sua salvação. Por quase cinco anos, convivi com ele como pastor, amigo e colabora­
dor, uma pessoa muito completa. Como pastor e amigo dos missionários, sempre
estava pronto para aconselhar ou consolar ou mesmo censurar quando seu senso de
justiça e correção julgava necessário. Como colaborador em nosso trabalho, ele fez
tudo o que estava a seu alcance, até mesmo quando precisávamos de sua participa­
ção física no trabalho. Suas palavras amigáveis de aprovação eram confortantes
quando nossos corações estavam aflitos pelas críticas e seu entusiasmado louvor
nos deu energia para continuar. Ele acreditava na nossa escola e a amava; e o senti­
mento era recíproco, todos os alunos o amavam. Nós o mantínhamos informado
de tudo; desejos, medos e alegrias eram todos compartilhados. Sentíamos sua sim­
patia por nós e pelo nosso trabalho. Quando saía às ruas e se misturava com as pes-

77
soas, estava sempre pronto para ouvir as objeções feitas aos nossos métodos e expor
as vantagens do nosso sistema de ensino e recomendava nossa escola às pessoas. Ele
eia nosso grande e verdadeiro amigo e nós lamentamos sua perda. Tenho certeza de
que a Igreja nos Estados Unidos também sente. Aqui, as pessoas o amavam e hon­
ravam, vemos isso nas lágrimas e louvores lançados a ele; mas, por terem sido ensi­
nados a crer em Deus e não no homem, continuarão seguindo aquele que pregava
que éramos “ovelhas que não tinham pastor”. Não precisamos rezar por ele agora,
como nossos vizinhos fazem por seus falecidos; viveu sua vida como testemunha
constante de que ‘Jesus salva e salvará agora”; pensamos nele alegrando-se perante
Deus. “Ele foi a Deus, não Deus o levou”. Alguns podem perguntar “Mas como
ficam esposa e filhos?”. Os pequeninos não perceberam a perda do pai, os mais
velhos dizem que ele está no céu. Acham que a esposa está isolada em um quarto
escuro agonizando? Não! Ela, sem dúvida, está abalada, sentindo profundamente
sua indizível perda, mas ela é uma redimida filha de Deus e está mostrando que sua
devoção a Ele é real, pois ela já está trabalhando e visitando as mulheres; é bem rece­
bida e nos ajudará em nossa escola por um ou duas horas diárias. O Todo Poderoso,
por saber de sua necessidade, enviou-lhe uma adorável menina brasileira para ajudá-
la e para ficar com seus filhos e, em pouco tempo, ela se dedicará integralmente ao
trabalho. Louvemos a Deus por Ele ter dado às mulheres que precisavam a amizade
próxima de uma mulher adorável! Elas a recebem com ainda maior alegria por ela
ser a esposa do Irmão Koger e ela as ama por serem suas filhas evangélicas. Tenho
certeza de que logo ela terá o prazer de ver outras virem à luz.
Eu podería escrever muito mais, mas não há tempo. Com o coração
repleto de pesar pela sua consternação, especialmente pela consternação da
amiga, mãe e filha devota, que Deus os agracie neste momento de necessidade.
Eu sou fiel ao amor de Cristo,

M.H. Watts

Relatório do Colégio Piracicabano para o Primeiro Trimestre -

Missionários: 2, professores assistentes: 5, alunos no começo do trimestre:


63, alunos que retomaram durante o trimestre: 3, alunos que entraram durante o
trimestre: 1, desistências durante o trimestre: 5, alunos que faltam fazer o exame: 62,

78
número de conselheiros durante o trimestre: 14, conselheiros membros da Igreja: 3,
conselheiros que entraram para a Igreja durante o trimestre: 3, total de membros: 6.
Número de conselheiros participantes da escola de domingo e da Igreja: 14.

M.H. Watts, Diretora

Piracicaba
novembro, 1887

PREZADA SRA. BUTLER; Suas leitoras sem dúvida desejarão saber como o
Colégio está no momento e por isso escrevo, e não para encher o tempo. Tendo
já escrito sobre minha recepção aqui, não será surpresa saber que os primeiros
um ou dois meses foram repletos de visitas.
Miss Bruce e Miss Jones, após um ano de muito trabalho aqui, foram para
o Rio no fim de junho, então passei um mês quase sozinha — não totalmente —,
mas foi um excelente período para pensar no que eu iria fazer. A questão dos
professores foi logo acertada, então a limpeza e os consertos prosseguiram
como de costume durante as férias.
Finalmente o dia 26 de julho chegou e a escola foi formalmente aberta, e
cinqüenta e oito alunos apareceram. Desde então outros entraram e o número
de matrículas, até agora, é de oitenta e dois. O j ardim-de - infância tem vinte-e-
oito. A professora, Miss Beaven, é animada e diligente. A maioria das alunas é
do primário, pois a maioria dos pais parece pensar que “lê”, “screvê” e “ritmé-
tica”, e bem pouco desta última, bastam para uma menina, embora com bem
pouca idade ela possa ter de assumir o fardo (?) de um marido e das responsabi­
lidades da sociedade. No entanto, temos algumas meninas que estão fazendo
bons progressos, e que, creio, poderão assumir um bom lugar em qualquer
escola-
Miss Marvin e Miss Rennotte chegaram ao Brasil e estão gozando da
hospitalidade de Miss Bruce e Miss Jones no Rio de Janeiro. Elas virão em eta­
pas lentas, ao que nos parece. Muito se tem perguntado a respeito de Miss Ren-

79
norte, que terá uma calorosa recepção, e Miss Marvin logo fará boas amizades.
Orações já foram feitas na igreja pela sua chegada em segurança- Todos pergun­
tam, afetuosamente, por Miss Jones. Menciono estas coisas para dar aos nossos
amigos uma idéia da forte influência que as obreiras do Evangelho têm sobre os
corações do povo. Todos que conheceram Miss Granbery a amam e anseiam
pela sua volta ao nosso meio.
Nossa escola dominical tem boa freqüência e temos congregações esplên­
didas aos domingos, e boa presença nas noites de quarta-feira. A escola domini­
cal da tarde, realizada em outra parte da cidade, e que estava aos cuidados de Miss
Bruce, hoje está a cargo de Miss Moore, uma senhora americana que está nos
assessorando na administração e no jardim-de-infância. Ela encontra muitas
oportunidades para transmitir uma palavra do Mestre aos pais, ao ir e voltar das
residências.
Não fosse pelo temor que assombra todas as pessoas não-convertidas, e
estas mais que outras, a senhora teria notícias de grandes coisas acontecendo no
Brasil De qualquer modo, muitos estão perguntando “se estas coisas assim são”.
Nós, do Colégio, nos tomamos membros da Liga Feminina de Oração,
se assim pode ser chamada; na noite passada isso foi anunciado e a igreja foi con­
vidada a se unir à senhora em suas orações por uma maior atuação do Espírito
Santo, mais consagração, mais liberalidade e mais obreiros nos campos estran­
geiros. Não se esqueça de fazer orações espaciais por nós.
Mr. e a Mrs. Wolling ainda estão conosco, aguardando que uma casa seja
reformada para eles. A única coisa que fazem no momento é estudar português.
Dois meses de trabalho fizeram tanta diferença na minha aparência que
meus amigos estão notando; mas estou bem, e mando meu amor e meus cum­
primentos a todos que amam ao nosso Senhor.

Piracicaba, 29 de agosto de 1887

- 80
De Piracicaba
fevereiro, 1888

PREZADA SRA. BIjTLER: Há muitos assuntos sobre os quais eu poderia


lhe escrever, mas prefiro pagar um tributo à esposa de nosso pastor que foi ines­
peradamente chamada a incrementar o coral dos santos aperfeiçoados.
O que pode haver lá? Ó, imagine as cabeças cansadas, as mãos e os pés
descansando, e corações fatigados renovados e regozijando em alegria eterna!
Não sei como foi a vida de Mrs. Wolling. Creio que tenha sido tão agradável
quanto para a maioria dos mortais. Sei que foi tão feliz quanto seu esposo foi
capaz de fazê-la aqui e, com sua perfeita confiança no Salvador, ela foi tão feliz
quanto poderia ser, estando separada do pai e das irmãs.
Seu interesse pela obra era profundo, e estava disposta a gastar e se deixar
consumir por ela. Estava estudando música, *para trazer de volta o que tinha
aprendido em sua infância, de modo a ajudar seu marido em sua obra, tocando
órgão; e em três meses ela estava tão bem que achou que poderia continuar por
si mesma Eles tinham montado uma casinha muito agradável, e pareciam bem
estabelecidos entre nós; todos gostavam dela Eu ansiava por vê-la circulando
entre o povo, ganhando almas para Cristo, depois que ganhasse bastante confi­
ança em si mesma para usar o idioma
Mas o nosso Deus, que é sábio, desejava que ela gozasse de plena liber­
dade entre os santos na luz e louvasse o Seu nome para sempre. Que dia feliz
para ela! Mas, ó, quão triste para os seus desolados queridos. Que Deus possa
consolar a cada um e levá-los a regozijar no seu amor mesmo em meio a grande
tristeza.
Ela adoeceu alguns dias antes dos nossos exames e ainda esteve doente
durante todo este tempo, e assim não estivemos com ela tanto quanto deveria­
mos ter estado; mas teve toda atenção de seu devotado esposo e daqueles que
puderam estar com ela, e o médico parecia entender; foi vontade do Senhor levá-
la repentinamente, pois duas horas antes sua morte ainda não era prevista. Suas
últimas palavras foram quando o irmão Wolling, ao ver seus lábios se movendo,

81
perguntou se ela desejava alguma coisa. “Não quero nada, estou apenas conver­
sando com o Senhor”. O, morrer “conversando com o Senhor” é tudo o que
peço! Que Ele possa concedê-lo a todos que clamam pelo Seu nome.
Ore para que o irmão Wolling tenha graça o bastante para triunfar em
tudo isso, e prossiga “levando a batalha até o portão”.
Ore por todos nós, e que Deus a abençoe em sua obra.

. Piracicaba, 12 de janeiro de 1888

De Piracicaba
n. 8, fevereiro, 1889

PREZADA SRA. BUTT.fr: A correspondência chegou alguns dias atrás, tra­


zendo o sempre bem-vindo Advocate, mas poucas cartas. Parece que nossos
amigos se esquecem de que estamos distantes, e que até as notícias mais corri­
queiras de casa são bem-vindas e revigorantes. Nossa obra deve continuar, não
pode ficar para trás. Estamos tentando fazer tudo o que nos cai às mãos, mas
sempre há tanto a fazer que escrever cartas e fazer relatórios tomam-se um tanto
difícil, e são negligenciados na correría. Não há mais mulheres em nossa Igreja
dispostas a servir ao Senhor no Brasil? O que estão fazendo as Águias do Monte
e as Chautauquas do Sul se não estão preparando obreiras para a vinha do
Seníior em terras estrangeiras, bem como em nossa terra natal? O Salvador se
afastou bastante do seu caminho para abençoar a mulher siro-fenícia e salvar sua
íilha, e não irão algumas de suas servas fazer o mesmo?
Desde que o acima foi escrito, várias semanas passaram e a necessidade de
obreiras continua a mesma, portanto enviarei exatamente como está. Feliz­
mente, a saúde da escola tem estado melhor, e tenho tido uma preocupação a
menos. A escola não está tão grande quanto no último período, devido a muitas
íamílias retomarem às suas fazendas para cuidar de seus colonos e pela saída de
outros: algumas estão grandes demais para ir à escola e, aos quinze anos, ficam
eir. casa aguardando uma proposta, enquanto isso fazendo o que lhes agrada.

82
Sofremos muitas mudanças durante o semestre, o que sempre traz maior
ou menor ansiedade. Em minha maior necessidade, minhas colegas obreiras do
Rio vieram em meu auxílio e me emprestaram Miss Granbery até janeiro. (Que
moça boa e encantadora; gostaria de ter duas como ela para me ajudar.) O que
farei depois disso, somente o Diretor de todas as coisas sabe. Sei que um cami­
nho se abrirá para que minha provação não seja maior do que possa suportar.
Tem sido sempre assim. Sim, sem dúvida sobreviverei a estas .provações, mas a
obra não está se expandindo, e muito fica por fazer. Não quero reclamar, mas
gostaria que as pessoas certas lessem nas entrelinhas e compreendessem que elas
são necessárias para pôr mãos à obra e ajudar neste lugar rústico em que estamos,
e então ajudassem a empurrar a carruagem do Evangelho neste lugar. Desta vez
peço pelo meu próprio ramo da obra, mas outras obreiras são necessárias no
Rio, e devemos iniciar a obra em outros lugares, se quisermos realmente evange-
lizar o Brasil juntamente com nossos companheiros de outras denominações.
Eles também querem mais obreiros, e o que pode a Igreja necessitar mais do que
conhecer a carência da obra iniciada, pois ela já recebeu o mandamento: “Ide por
todo o mundo”?
Durante minhas últimas férias, fui ao Rio para passar uma parte do
tempo. Miss Bruce estava com melhor saúde do que antes, mas unha acabado de
gozar umas pequenas férias e não estava tão fatigada, mas tão cheia de fé e amor
ao Salvador quanto sempre esteve. Miss Jones estava envolta numa nuvem de
tristeza, mas não parou para se lamentar, seguiu em frente como sabia que seu
Pai gostaria que ela fizesse. O quão abundante e abençoada é a graça de Deus
para nos ajudar a regozijar em meio a provações e tristezas! Suas assistentes pare­
ciam trabalhar com boa vontade, não por si mesmas, mas pelo Salvador. A casa,
considerando que foi construída para ser uma residência, foi admiravelmente
adaptada ao seu uso. As mudanças que fizeram acrescentaram muito à sua con­
veniência e à aparência do lugar. Pelos últimos relatos, a escola está crescendo
rapidamente em número e isto significa mais trabalho e maior necessidade de
obreiros.

83
Mr. e Mrs. Dickie estão em nossa cidade. Eles são um elemento de valor
em nosso grupo tão pequeno. Mrs. Dickie nos convidou—inclusive aos alunos —
para tomar chá com ela na última sexta-feira, e Mr. Dickie tocou para que as
meninas-cantassem, o que fizeram com vigor.
Agradar-lhe-ia ouvir — estou certa - as crianças brasileiras engrossando o
coro de “I shall be safisfied” (Serei saciado), “The angels are looking on me” (Os
anjos estão me observando), e muitos outros. As crianças gostaram e elogiaram
muito os nossos amigos em suas cartas, no dia seguinte. Mais um mês de traba­
lho e teremos umas pequenas férias. Eu gostaria de mudar, para que pudéssemos
ter férias longas, mas esta não é a preferência, e não tenho coragem de lutar con­
tra a maré de desaprovações quando o atual sistema é tão favorável, embora eu
reconheça as vantagens de um longo período escolar e depois férias de dois
meses. Eu tinha a esperança de fazer esta mudança este ano, mas não sou sufici­
entemente forte para lutar contra os elementos exteriores, pois minhas profes­
soras não são a favor da mudança e provavelmente não me ajudariam, embora
jamais fizessem qualquer coisa contra mim.
Espero que esta a alcance a tempo de ser publicada e que minhas irmãs no
Evangelho possam lê-la e orar pela obra e que possa haver pessoas que se entre­
guem à causa. Ore por mim.

14 de novembro de 1888

Relatório do Colégio Piracicabano


Trimestre findo em 30 de setembro de 1888

Estatística

Missionários e professores pagos pela WB.M 3


Assistentes pagas pelos fundos do Colégio 3
Alunos rreqüentando os Departamentos Primário e Secundário 61
.Alunos rreqüentando o Jardim-de-infância 14
Alunos no encerramento do trimestre 72
.Alunas internas no Colégio 18

84
I
c

f
5
i
I
t
I
Alunos que freqüentaram a Igreja durante o trimestre 1
Alunos que freqüentaram a escola dominical 21
Alunos assistidos pelo Colégio 17
Muito boa freqüência. Mais enfermidades entre as internas do que antes,
mas nada sério. O Senhor nos guarda.

Financeiro

Recebido pela instrução e internato $1,473.75


Despesas com professores, compras, móveis,
serviços e gastos suplementares 1,026.69
Déficit do último trimestre 62.92
1,089.61
Total em mãos 384.14
Respeitosamente apresentado,

Miss M.H. Watts, Diretora

De Piracicaba
abril, lò89

PREZADA Sra. BUTLER: Desde que escrevi pela última vez, tivemos nos­
sos exames e muitas outras coisas aconteceram. Os entretenimentos do Colégio
são esperados como um dos prazeres do verão, assim como o Colégio é um dos
lugares para os estrangeiros visitarem.
Os exames me trazem uma boa dose de trabalho extra, mas servem para
espalhar a fama de nossa escola no exterior, e somos melhor propaganda do que
os jornais o seriam por qualquer preço; por isso os mantive, embora tenha dito,
repetidamente, que não os queria mais. Sempre temos leituras da Bíblia, cânticos
e orações, e as pessoas esperam por isso; elas assistem respeitosamente e se
levantam para as orações.

55
Este ano tivemos conosco os Irmãos Kennedy e Tucker, e dois pastores
locais. Esperavamos Miss Bruce e Miss Jones, mas elas não chegarem a tempo.
Uma de nossas alunas foi para a capital para fazer os exames dos estudos
preparatórios prescritos pelo governo para capacitar estudantes a prosseguir os
estudos em direito, medicina ou farmácia, e ela passou bem nos quatro que ten­
tou este ano. Uma de nossas antigas alunas esteve conosco e passou com honra
nos exames do primeiro ano da Escola Normal. Outra que esteve conosco por
mais de um ano tem oferecido serviço inestimável a Miss Bruce, no Rio. Uma
outra deveria ter estado conosco, mas não pôde, pois foi chamada para assumir
uma escola numa cidade distante, por causa de sua reputação como boa profes­
sora e aluna. Estou certa de que meus amigos e colegas no Evangelho, que ora­
ram por mim e meu trabalho todos estes anos, sentirão algum orgulho em saber
destes casos. Elas ouviram o Evangelho, e embora duas delas não estejam em
nossa Igreja suas vidas são influenciadas pelo que aprenderam aqui. Isto não é
tudo; nossas alunas não são todas professoras - elas se casam bem. Um jovem
esposo me disse que eu devo ensinar todas as minhas alunas como ensinei sua
esposa, pois ela era encantadora.
Hoje eu recebi cartões de Ano Novo de uma outra aluna e seu esposo e
uma fotografia de seu bebê, enviada para suas “boas avós” (Mlle. Rennotte e eu).
Namralmente tudo isso me daria prazer, mas quando me lembro que isso signi­
fica o rompimento do preconceito e o conseqüente avanço do Evangelho,
embora quase imperceptível hoje, o prazer é multiplicado.
Estamos em férias agora. Já tivemos notícia de novos alunos para o pró­
ximo período.
Miss Bruce e Miss Jones vieram antes do Natal, portanto recebemos as
duas e Miss Granbery, que já estava aqui desde l.° de outubro, o irmão Tucker e o
irmão e irmã Dickie, e alguns outros amigos americanos, paia o jantar de NataL
Fch muito agradável ter tantas pessoas juntas falando nosso querido inglês.
Depois seguiu-se a reunião de missionários, como determinado pelo Con­
selho. Tivemos três sessões e uma reunião suplementar para as últimas resoluções,
erc. Foi muito agradável e proveitoso, e estou feliz por termos uma reunião todos
os anos. Decidimos que o próximo encontro será em Juiz de Fora, na Província de

86
Minas Gerais, onde gostaríamos de abrir a próxima grande escola, quando o Con­
selho puder dispor de mulheres e dinheiro. Tentamos representar a necessidade do
Evangelho que há no Brasil através de um memorial e espero que ele responda a
qualquer pergunta que se possa fazer com relação a tal necessidade. Sempre que
vamos a algum lugar onde podemos ver qualquer uma das falácias da Igreja Cató­
lica e ver com que ânsia as massas seguem, buscando não sabem o quê, ficamos
desconsolados e imaginamos como o nosso povo pode olhar com complacência
para o catolicismo, pois de fato ele é o mesmo em qualquer lugar. Nos Estados
Unidos ele é refinado e as cerimônias idólatras são escondidas na igreja, e não
ostentadas pelas ruas, como acontece aquL Sabemos que as massas avançam cega­
mente, sem saber para onde estão se dirigindo, e nós não temos o poder para con­
duzi-las. O, se a Igreja acreditasse no que lhe dizemos, certamente oraria e daria
mais. Será que a Igreja fornecerá as três mulheres que o bispo Granbery busca atra­
vés do Advocate e que Mrs. McGavock procura em toda parte? O, irmãs, se vocês
Soubessem o quanto são necessárias aqui e o quanto podem fazer pelo Salvador
que tudo fez por vocês, certamente não se detenam Necessitamos de uma profes­
sora de música, uma professora de jardim-de-mfância e uma que possa administrar
e lecionar - boa em matemática, se possível
Isto não me deixaria ociosa, mas me daria tempo para cuidar bem da orga­
nização da casa, da escola e da correspondência.
Espero ter notícias das três em breve. Não gosto de reclamar do que
tenho de fazer; a única questão é, se eu não o fizer, o trabalho será bem feito?
Aquelas que não puderem vir, orem por nós, para que o Senhor possa enviar
obreiras para o campo. Sinceramente, com cumprimentos de Ano Novo.

De Piracicaba
n. 1, julho, 1889

PREZADA SRA. BLTLERi Quando escrevi pela última vez, eu estava muito
angustiada por causa de uma coqueluche que por algum tempo foi terrível; mas
graças ao nosso Pai, nossas pacientes estão melhor. Lutamos por sete semanas,

87
mas tomos vitoriosas. Imagine oito pessoas tossindo violentamente o tempo
todo! Ó, estou tão grata por tudo estar terminado; mas, com tantas crianças - e
temos vinte e seis hoje na casa —, o que podemos esperar senão preocupação e
ansiedade com doenças, mesmo que não sejam sérias?
Temos setenta e quatro alunos na escola no momento. Há mais meninas
grandes conosco agora do que tivemos nos dois primeiros anos; e como elas
ambicionam “fazer os exames” na capital para a Escola Normal ou para a Acade­
mia, é provável que permaneçam conosco por mais algum tempo.
Na semana passada eu vi outra de minhas “filhas” casada, no seu décimo-
sétimo aniversário; ela assumiu as responsabilidades que o casamento impõe
com sorrisos e alegria. Seu mando é um jovem bom e trabalhador, embora não
seja pobre. Ele é o segundo de sua família a escolher uma esposa de minha famí­
lia. Eu sempre compareço aos casamentos, e sou uma das convidadas mais hon­
radas, não só pela família, mas pelos pais de meus outros alunos presentes. Isso
me dá grande prazer, asseguro-lhe, pois sei que vem de um sentimento bom para
comigo; e isso não porque eu me tome um deles, mas porque preservo meus
própnos princípios em seu meio.
O fato de o internato estar enchendo mostra que o preconceito está
sendo derrubado. Se tivéssemos condições de aceitar todas as alunas carentes
que se oferecem, teríamos nossa casa cheia somente com elas; mas não temos
fundos para elas, e portanto aceitamos apenas as que temos condições de susten­
tar, e até estendemos um pouco os limites.
Nossa cidade foi ameaçada pela varíola, mas não tenho ouvido mais nada
sobre ela, pelo que sou muito grata. O clima quente estava tão intenso e persistiu
por tanto tempo que a febre amarela ultrapassou seus limites e entrou em cida­
des que nunca antes tinham sido visitadas por ela; e ainda há rumores de suas
devastações, com outras febres paralelas, mas até agora nenhuma epidemia se
infiltrou entre nós. Nossos queridos amigos do Rio enfrentaram tempos difí­
ceis, mas foram todos poupados, e estão no caminho da recuperação, embora
para alguns seja um processo lento.
Agora que minhas preocupações estão mais aliviadas, minha saúde está
melhor e estou passando muito bem, ansiando pela chegada de uma jovem profes­
sora brasileira que me aliviará de algumas turmas; a própria idéia já me faz descansar.

88
A escola está bem organizada, mas as classes são pequenas — e há muitas
classes — e, portanto, mais professoras são necessárias do que seria exigido se as
crianças tivessem aproximadamente a mesma idade. Lembro-me de ter oitenta e
um alunos aos meus cuidados na Escola Pública de Louisville, e não achava
muito, me orgulhava do número - mas elas formavam uma única turma. Nós
agora ocupamos um espaço bem grande na Igreja e na Escola DominicaL Foi
agradável ver a ansiedade das crianças para melhorar a saúde e por ir à Igreja; elas
contavam os domingos e sempre perguntavam se podiam ir. O domingo pas­
sado foi a primeira vez que sete delas puderam sair e estavam tão contentes
quanto eu, embora, talvez, não da mesma forma. A ansiedade e o prazer com
que espero a vinda dos novos missionários a senhora pode imagmar. Que o
navio deles deslize rápida e suavemente, e que eles possam chegar com total
determinação de serem felizes, fazendo os outros felizes, e de construírem o
reino do nosso Senhor e Cristo nesta terra que cultua imagens.

Colégio Piracicabano
Trimestre findo em 31 de março de 1889

Missionários e professores pagos pela WB.M., 2; assistentes pagas pelos


fundos do Colégio, 3; tutoras, 4; alunos freqüentando os Departamentos Pri­
mário e Secundário, 59; alunos freqüentando o jardim-de-infância, 15; alunos no
encerramento do trimestre, 74; alunas internas no Colégio, 26; alunos que fre-
qüentaram a escola dominical, 31; alunos assistidos pelo Colégio, 21.

M.H. Watts, Diretora

De Piracicaba
abril, 1890

PREZADA SRA. McGAVOCK: Fechamos a escola com 64 alunos, todos


em boas condições e as professoras contentes. O exame oral teve boa participa­
ção, como de costume, e os entretenimentos à noite estavam lotados. Notas

89
muito amáveis saíram em ambos os jornais de Piracicaba, e um de São Paulo.
Miss Kennedv veio algumas semanas antes e ensaiou vários corais e ajudou com
a música em geral; e ela e Miss Howell nos proporcionaram excelentes músicas
em todas as cerimônias. Todos fizeram o que podiam para tomar o exame agra­
dável e proveitoso. Mrs. Lupton (nascida Bevan) também veio e nos ajudou.
Miss Jones e Miss Ross chegaram a tempo para as festas e a primeira me deu a
base para uma representação que trouxe brilho a todo o acontecimento. Foi uma
séne de tableaux (movimento e fala), representando a história brasileira desde 7
de setembro de 1822 a 15 de novembro de 1889.
Permanecemos em casa por uma semana após o fechamento da escola,
tentando descansar enquanto nos preparávamos para o Natal e nossa viagem a
São Paulo, onde, em 31 de dezembro, nossas irmãs do Rio se juntaram a nós, e
nos ocupamos da nossa Reunião Anual até 4 de janeiro.
O Brasil está indo para frente, e devemos seguir com ele, carregando j
religião do Evangelho pois os líderes não percebem a necessidade de eles pró­
prios o buscarem. Eu não escreví sobre a República, mas digo que a vida tem
tido um sentido maior no Brasil desde 15 de novembro de 1889. Desde 7 de
janeiro — dia de oração pelas nações — todos os homens são livres para louvar a
Deus de acordo com o que dita suas próprias consciências neste Brasil beato e
dirigido por padres. “Glória a Deus nas alturas!”

Colégio Piracicabano
Trimestre findo em l.° de janeiro de 1890

Missionános e professores pagos pela WB.M., 3; assistentes pagas pelos


fundos do Colégio, 4; estagiárias recebendo alojamento e instrução, 3; alunos fre-
qüentando os Departamentos Primário e Secundário, 60; alunos freqüentando o
jardim-de-infancia, 8; alunos no encerramento do trimestre, 64; alunas internas na
Casa Missionária, 17; alunos assistidos pelos fundos do Colégio, 21 (na escola), 13;
alunos freqüentando a escola dominical e a igreja, 29; membro da igreja, 1.
Obs.: A Bíblia é lida e explicada em exercícios de abertura, e ensinada em
auias. As crianças da Casa estão presentes durante as orações da manhã e da

90
noite. A saúde tem sido boa e conseqüentemente, a freqüência e o progresso
têm sido satisfatórios.

M.H. Watts, Diretora

De Piracicaba
junho, 1892

PREZADA Sra. BuTLERj Um longo tempo se passou desde a última vez


que escrevi ao Advocate, não porque me falte assunto, mas porque tenho tido
muitas outras coisas a fazer. Nossa escola tem mantido seu número habitual de
aproximadamente cem por muito tempo. E uma escola grande, realmente, para
essas redondezas, e consiste tanto de meninos quanto de meninas, embora os
meninos sejam minoria. Ter diferentes séries na mesma sala de assembléia, que
também é a minha sala de aula, toma mais difícil manter perfeita a ordem; mas
estou certa de que, considerando tudo, temos boa ordem. Dou-lhes quatro
minutos para conversar, e eles conversam, sabedores do valor dos minutos velo­
zes; mas quando bato palmas, eles se aquietam completamente, enquanto aguar­
dam a próxima ordem; então posso pedir dois minutos de silêncio e eles juntam
as mãos sobre a carteira à sua frente e o silêncio reina Eles não estudam tão aten­
tamente quanto gostaríamos, mas estudam. Miss Phillips está lhes dando aulas
sobre a Bíblia este ano, e fez com que todos comprassem suas próprias Bíblias
ou Testamentos, e eles estudam comparando uma passagem com a outra
Espero maiores resultados do que o passado mostrou. As crianças se impressio­
nam com as verdades da Bíblia, mas seus pais combatem qualquer influência que
possamos ter sobre eles. E um trabalho lento e desanimaríamos não fosse o
mandamento “Ide” e a promessa “Eis que estou convosco”.
No momento há grande agitação no Rio de Janeiro por causa da derru­
bada de um crucifixo na sala da Suprema Corte. Estão culpando os protestantes
por isso e um membro da Igreja Presbiteriana, que não é pastor ordenado mas
faz cultos em sua casa, está sofrendo por isso. Ele estava no local naquele

91
momento. A igreja e sua casa foram apedrejadas, embora ele negue qualquer
envolvimento com o acontecido. Desde que a Igreja e o Estado se separaram, a
presença do crucifixo na sala da corte tem sido uma questão complicada. Aque­
les que sabem como dizer tais coisas dizem que eles não “adoram” imagens; ape­
nas as “veneram”. Poderão aqueles que dizem que o Brasil já possui religião cristã
m.
mostrar na Bíblia onde Deus ordena a veneração de imagens?
Creio poder dizer verdadeiramente que o maior desapontamento e desâ­
nimo que tenho é que nossa Igreja nunca tenha fundado uma escola para meni­
nos neste lugar. Nosso trabalho, sob a atual pressão da influência paterna, deve
esperar resultados no futuro; mas se apenas as meninas forem educadas dentro 'Ví-
do Evangelho, o que podemos esperar para elas quando são dadas em casamento
a homens fanáticos e céticos? Segundo meus cálculos apressados, três quartos
do nosso trabalho se perdem. Não é desanimador? Podem as mulheres trabalhar
tão duro e forte com tão pouco a esperar? Se eu não amasse tanto as crianças, e
se eu não quisesse fazer até mesmo isso para Deus, eu não teria ânimo para con­
tinuar. Mesmo assim é difícil Queremos mais missionários; a Igreja os está pro­
vendo?
Estou tão feliz por a senhora e Miss Bames terem ido ao México. Espero
que venham aqui da próxima vez; faria muito bem ao trabalho. Venham.
;-

Wg-
Umas poucas linhas de Miss Watts ao ministro do exterior acrescenta
alguns itens com relação ao estado de coisas no Rio. Ela diz: “Irmão Tilly e Miss
Marvin estão trabalhando juntos no Rio; e suponho que somente o Juízo reve­
lará, até para eles mesmos, o trabalho maravilhoso que têm feito. Assistimos
com admiração e oramos por eles. No momento há dois pacientes com febre
amarela sob o teto deles; parece ser uma daquelas circunstancias providenciais o
fato de eles lá estarem Nossa cidade foi poupada até agora, enquanto muitas
outras cidades no interior estão devastadas pela febre.
“Oito de nossos alunos foram à frente no domingo para expressar seu
desejo de se tomarem cristãos e membros da Igreja.”

92
&■
jJL
\
\

Nosso Trabalho em Piracicaba


janeiro, 1893

PREZADA SRA. BUTLER: E estranho que alguém que aprecie tanto ler car­
tas missionárias quanto eu não escreva com mais freqüência ao Advocate, quanto
os outros talvez o façam; eu o faria, mas tenho tantas cartas a escrever, tanto
sociais quanto de trabalho, que a carta para publicação é postergada. Não posso
prometer fazer melhor, pois não vejo perspectiva de ter o meu trabalho aliviado;
mas esta noite é uma ocasião extra, pois tivemos feriado hoje e o tempo está tão
ruim que não pudemos ir à reunião de oração.
Tivemos mais um ano de trabalho - o décimo-primeiro - e Deus nos
abençoou todos os dias. Não estivemos isentas de provações e enfermidades,
mas nosso trabalho foi árduo; porém fomos poupados da epidemia que visitou
outros lugares próximos de nós, atingindo a todos, e enchendo os cemitérios.
Tivemos uma boa escola o tempo todo, e o dinheiro para atender nossas necessi­
dades; e através da verba generosa do Conselho, no ano passado, acrescentamos
uma varanda à frente de nossa casa, que melhora sua aparência e aumenta muito
o conforto da grande sala de aula (esta última é minha bênção especial, pois leci­
ono nesta sala); e depois recebemos bênçãos de Deus em nossas vidas espiritu­
ais. Algumas de nossas meninas se ofereceram à Igreja e as que são membros
parecem apreciar o sacramento da Ceia do Senhor — elas se dirigem tão pronta­
mente, quando vão. Também são muito conscienciosas em relação a isso;
quando não estão “em paz” com o seu próximo, não se dirigem à mesa. Muitas
das que vêm para a nossa escola, por uma razão ou outra, desistem após algum
tempo; mas temos algumas alunas que estão conosco há vários anos, e elas reve­
lam o treinamento que receberam de nós, e se pudermos mantê-las por mais
algum tempo, teremos um bom grupo de professoras próprias. Miss Phillips diz
que em suas aulas sobre a Bíblia apenas duas ou três mostram alguma resistência
ao Evangelho e não são muito fortes.

93
Há pouco tempo, uma nova menina entrou como interna. Percebí que ela
estava inclinada a resistir à nossa influência e quando lhe perguntei se desejava
um hináno ela disse que não. Notei que ela não cantava na igreja a princípio;
após um ou dois domingos, ela olhou para o hinário de outra menina e então
pediu um para si. Fomeceram-lhe uma Bíblia.
As crianças são facilmente ganhas para Jesus, mas os pais somente o que­
rem ver no crucifixo ou em alguma outra figura de gesso. Temos tido boas con­
gregações e, toda vez que é feito o convite, duas, três’ ou mais meninas se
apresentam como candidatas, mas algumas não "resistem” o suficiente para
serem recebidas como membros. O “preço é alto”, dizem; quando persistem,
significa quase o ostracismo social e sempre a divisão na família. E a confirmação
do que Cristo disse: Ele traz uma espada e separa famílias. Alguns não suportam
a íúria aguda da perseguição, e por isso se afastam.
Nossa provação especial, neste período, tem sido a falta de professores,
mas fomos rtiaravilhosamente auxiliadas. Verdadeiramente, só Deus pôde con­
duzir estas crianças, como nós conduzimos pela Sua força
r
Miss Brelsford teve de se afastar para descansar e nós a acompanhamos
com nossas orações; mas ela havia preparado uma jovem para trabalhar no jar-
m
dim-de-infância, e isto continuou, assim como outras turmas que perderam seus
professores.
Miss Moore chegou exatamente quando tínhamos mais alunos de música
do que a professora podia atender, então aliviamos o trabalho desta última; ela . -Vva.-Nir

também assumiu as aulas de francês. Mais recentemente, um outro professor


ficou impossibilitado de continuar e para preencher seu lugar tivemos de fazer
algumas mudanças. Por isso Miss Moore pôde assumir minhas aulas de dese­ ■ ■ 't~
nho, para beneficio da classe.
Miss Phillips esteve muito bem o ano todo e tem trabalhado fielmente.
Ela aprecia muito suas aulas sobre a Bíblia. Perdemos dois auxiliares muito bons
e fiéis, mas na hora exata outros vieram até nós. Nossas misericórdias em muito
superam nossas provações, e agradecemos a Deus e tomamos coragem.
Em muito apreciamos a leitura sobre as bênçãos de nossas irmãs no
México, na China e no território indiano; também oramos por elas e as amamos.

94
Miss Martha Watts
abril, 1895

Fico feliz por seus leitores poderem ver uma fotografia de nossa escola. E
uma construção boa e ampla e, desde que a varanda foi acrescentada, também é
confortável. Precisávamos dela para proteger a fachada do sol forte e também
das pancadas de chuva e dos ventos impetuosos que vêm principalmente desta
direção.
Há um “L” no lado extremo, que não aparece na fotografia. Ele tem 15,24
m de comprimento e nos proporciona uma ótima sala para o jardim-de-infância
em baixo e um dormitório arejado e bem iluminado em cima.
As trepadeiras na cerca dão rosas e quando elas florescem são “uma
beleza”. No fundo da casa há um grande parquinho para as crianças. A esquerda
de quem olha a fotografia há uma horta para pequensfc frutas e verduras. Atrás
da horta há um pomar. Ele nos dá laranjas, ameixas japonesas, goiabas, jabotica-
bas, pitangas e outras frutas nativas. As bananas crescem no fundo do parquinho
e nossos figos, uvas, abacaxis e morangos, no jardim.
A direita há um canteiro de flores e, na frente, o quintal está coberto de
grama Em cada lado da calçada há uma imensa árvore centenária Por toda a
extremidade, perto das paredes e cercas, há uma bordadura com flores.
A casa foi construída em 1883. Quando nos mudamos, tínhamos ses­
senta e oito alunos, o que foi um grande avanço no número que tínhamos em
1881. Desde então temos chegado a 12C de uma só vez. Temos uma escola
bonita e grande hoje. As missionárias que trabalharam nesta escola são, além de
mim mesma: Miss Bruce, Miss Jones, Miss Marvin, Miss Granbery, Miss
Howell, Miss Phillips, Miss Ross, Mrs. Brelsford, Miss Alice Moore e Miss Bes-
sie Moore; e, agora, Miss Glenn, da Geórgia, será uma das obreiras aqui. Era para
esta escola que Miss Clara Chrisman estava vindo quando perdeu a vida em
Johnstown. Sempre a considero uma de nós.
Envidamos todos os esforços para elevar nossa escola ao mais alto padrão,
bem como desenvolver os melhores traços de caráter em nossos alunos. Temos
sempre em mente o único grande objetivo: ensinar sobre Cristo.

95
97
Nosso Trabalho em Petrópolis
julho, 1895

PREZADA SRA. BUTLER: O dia está tão lindo que quero aproveitá-lo e
escrever à senhora e aos leitores do Advocate enquanto o mundo está claro.
Temos tido um clima tão sombrio que ele afetou pelo menos o meu estado de
espírito. Miss Glenn, Mrs. Fannie Brown, Emila «Souto e eu viemos para Petró­
polis em 5 de abril. Chegamos à noite, enquanto a lua estava encoberta por
nuvens de chuva, e não fosse pelo conforto das luzes, do chá quente e de boas
camas, preparadas para nós pelos nossos amigos Mr. e Mrs. Tiicker, que aqui
estavam, e os Lees, que vieram nos receber, nossa chegada não teria sido muito
agradável. De todo modo, no entanto, estávamos alegres como crianças e depois
de vermos o interior da casa aproveitamos a melhora do tempo para sair e ver o
terreno. Estamos encantadas e fico feliz por nosso Conselho ter adquirido tão
bela propriedade. (...) Fiquei verdadeiramente encantada com a chegada do dia
quando vi o andar inferior ou térreo onde deveriamos ter a nossa escola. Depois
de ver tudo, exclamei que “Valeu o dinheiro empregado”. Realmente considero
que a transação tenha sido vantajosa para nós, e como ela era grande demais para
qualquer coisa a não ser uma escola, considero vantajosa também para o Sr. Jan-
nuzzi. Há muitas obras na casa e no terreno que jamais teríamos colocado, mas
agradam aos olhos e trazem conforto ao corpo e tomarão nossa escola atraente;
e como o Sr. Jannuzzi as deu para nós, aceitamos agradecidas e prometemos
fazer uso delas para o cultivo da estética em nossos alunos. A casa e o terreno, na
maior parte, são o que precisamos para nossa obra. Lamento que a casa esteja em
local tão alto e tão distante da cidade por muitas razões, mas a primeira nos
garante um ar maravilhoso e a segunda nos deixa livres da interrupção das pes­
soas que não consideram a escola um templo. Temos muito por que ser gratas e
pouco de que reclamar, e em tudo vemos uma condução providencial. O Colé­
gio Americano de Petrópolis tomou-se uma instituição de ensino reconhecida
no dia 7 de maio de 1895, quando três alunos foram matriculados, e quando a
diretora, na presença do pastor, sua esposa, suas três assistentes e as mães de dois

99
alunos, leu uma passagem das Escrituras e anunciou um hino, que foi cantado, e
depois orou ao Pai por sua bênção sobre o empreendimento, oferecendo-o a
Ele. No dia seguinte, uma inteligente menina francesa veio e nos encheu de
esperança de poder chamá-la de aluna, porém não permaneceu nem retomou, e
portanto nesta data temos apenas três alunos. (...) Também é isto que pensamos
e não há razão para não fazermos tudo isso, pois o local é muito mais que três
vezes melhor que o de Piracicaba. O que desejamos agora é dinheiro para com­
prar móveis e suprimentos para tomar nossa escola o que ela deve ser para causar
impressão às pessoas que serão nossas clientes e que deverão ouvir de nós sobre
o Salvador que deve ser louvado em espírito e em verdade, e não algo feito pelas
mãos do homem
Tenho em meu poder um catecismo que foi feito pelo bispo desta dio­
cese, no qual encontramos os ensinamentos da c<Santa Madre Igreja” (como a
Igreja de Roma é chamada por seus membros), e nele há tal mistura de ensina­
mentos verdadeiros com falsos que meu coração se aflige com a contemplação.
Só podemos buscar a verdade no manancial da verdade e esperar que Deus a
abençoe para sua honra e glória. O segundo mandamento é deixado de fora e o
décimo é dividido para suprir a falta. O quarto toma-se o terceiro com eles e diz,
como se fosse mandamento de Deus, que os dias dos santos devem ser guarda­
dos assim como o sábado do Senhor.
O trabalho em Piracicaba vai bem. Deixei Miss Alice Moore e Miss Susan
Iittlejohn responsáveis pelo trabalho, com o auxílio das outras professoras. No-
momento elas contam com seis de nossas próprias alunas trabalhando lá, com
salários pagos pela escola. Fiquei orgulhosa delas. Cinco estão lecionando o que
aprenderam conosco; a sexta leciona música, que aprendeu em aulas particulares,
e não em qualquer outra escola. Há 110 alunos na escola e o interesse é bom.
Miss Lula Ross e Miss Bessie Moore estão cuidando da escola de Miss
Bruce em Juiz de Fora. (...) Nesta parte do Brasil, por causa da epidemia que
alguns médicos identificaram como cólera asiática, a conseqüência foi que as
escolas ficaram sem alunos. O Colégio Mineiro, no entanto, está na frente e
ainda tem o maior rol do lugar. Eles necessitam muito de uma professora de
música e, com a aproximação da data de partida de Miss Ross para casa, uma

100
outra professora será necessária. Não haverá duas mulheres na Igreja que quei­
ram preencher estas duas vagas?
Recentemente nossa Irmã Tucker foi forçada a mudar sua residência e,
em dívida com suas obrigações familiares, foi forçada a abdicar de sua escola-dia
no Rio. Não havia outra pessoa, além de Miss Elerding, que pudesse assumir a
escola e, sendo alguém que diz “não se pertencer”, ela aceitou a responsabilidade
de fazer o que for necessário para manter a escola em seu alto padrão liabitual,
embora ao fazê-lo tenha de sacrificar, em certa medida, o trabalho de visitação.
Ela não permitirá que este trabalho sofra grande perda, pois o ama muito, mas
será à custa do vigor e energia de nossa boa missionária. Além das professoras na
escola, ela tem uma assistente, Miss Hamilton, cunhada de nossa Miss Sallie Phi­
llips, que deixou as nossas fileiras para se juntar às do Conselho no ano passado.
Somos gratas à irmã Ella Granberv Tucker por amparar nossa escola e por dar-
lhe o prestígio de que goza. Precisamos de alguém para assumir este trabalho.
Onde estaria eia? Quem seria ela? No momento estamos bem supridas para cui­
dar das nossas três, mas e no futuro? Não haverá uma mulher de coração consa­
grado, mente e mãos cultivadas para vir até nós e se preparar para trabalhar?
Como agente não devo estar confinada a apenas um lugar tão intimamente. Eu
podena ampliar o meu campo se tivesse a oportunidade. Não terei esta oportu­
nidade? (...) Eu gostaria de usar meu tempo silenciosamente em um laboratório,
mas tenho de deixar esta vida ideal para o bem da Missão, que tem como obje­
tivo expandir os limites do Reino do Senhor. Abrir mão do dinheiro de que pre­
cisamos e das missionárias que são indispensáveis para salvar aqueles que estão
no campo e o sustentam. Com amor a todas vocês, a irmã em Cristo.

17 de maio de 1895

Miss Watts escreve de Petrópolis, Brasil, 7 de maio de 1895:


Miss Glenn, Mrs. Brown e eu chegamos a Petrópolis em 5 de abril. Ocu-
pamo-nos de nossa bagagem assim que ela chegou; no meio tempo, cozinha­
mos, lavamos louça, varremos o chão e amimamos
Lee, da Carolina do Norte, estavam aqui.

lõi
Talvez eu tenha lhes falado da bondade de uma irmã em nos vender seus
móveis a preço tão baixo. Mandamos fazer algumas mesas simples e compramos
as cadeiras mais baratas e boas que combinavam com as mesas, dois mapas,
alguns quadros para anatomia e mais algumas outras coisas. Hoje, quando abri­
mos a escola com nossos três alunos, na presença das mães de dois deles, senti­
mos que não fizemos feio.
Assim que eu puder, quero fazer uma lista dos móveis, etc. que precisa­
mos, de modo que esteja pronta quando o dinheiro for levantado para pagar por
eles. Nossos amigos certamente nos ajudarão nisso.
Espero que o Conselho destine dinheiro suficiente para iniciar nosso tra­
balho, o que, é claro, incluirá o salário dos professores.

Petrópolis — Organizando para a Obra


janeiro, 1896

PREZADA SRA. BUTLER; A senhora soube que nós prometemos lhe


escrever pelo menos uma vez por trimestre este ano e talvez algumas de nós
tenham cumprido a promessa, mas eu devo confessar que não a cumpri. Estou
certa de que a senhora me perdoaria se eu lhe contasse as muitas razões pelas
quais eu não escrevi e hoje espero que a senhora me perdoe em razão de eu tê-la
poupado do recital de tantas enfermidades.
Após chegar a Petrópolis, eu lhe escrevi sobre nossa chegada e nossa inau­
guração. Tivemos uma semana agradável de feriado de São Paulo. Nós não
necessitavamos de feriado, mas todas as nossas escolas irmãs o tiveram e nós
também aproveitamos o tempo para receber e entreter amigos queridos que
tinham trabalhado duro por alguns meses. Esta semana de São João corresponde
ao nosso Natal e as férias são igualmente necessárias para dividir o ano letivo.
Duas de nossas irmãs presbiterianas vieram de São Paulo; Miss Elerding, Miss
Hamilton e Mr. e Mrs. Joiner vieram do Rio e Miss Bessie, de Juiz de Fora. Está­
vamos muito solitárias em nosso casarão e ficamos muito felizes em vê-los. Rea­
brimos a escola em l.° de julho, com seis alunos, uma interna - e em meados do

102
mês tínhamos onze, quatro dos quais eram internos. Durante este mês recebe­
mos a visita do Dr. Morrison. Dizer que fiquei feliz em vê-lo de modo algum
expressaria os meus sentimentos. Foi como ver rapidamente o pessoal de casa.
Regozijamos na sua presença, pois sentimos que tínhamos um amigo bom e
forte que compreendia nosso trabalho e as dificuldades que enfrentamos na luta
contra Roma ‘‘cabeça de hidra”. Ele apreciou o que viu, exatamente como imagi-
návamos, e apreciou o que tentamos fazer por ele. Lamentamos vê-lo partir. Fui
com ele e o irmão Tilly ao Rio para encontrar os novos missionários, e ficamos
com eles lá até o fim do domingo para ouvir o bispo e o Dr. Morrison pregarem,
e depois trouxe as mulheres para descansarem um pouco antes de começarem a
trabalhar. Devemos muito a Miss Maria Gibson por suas “meninas” e esperamos
que ela continue a preparar obreiras para o campo estrangeiro. Tivemos uma
semana agradável com elas e depois o bispo Granbery e sua esposa vieram passar
o domingo, e Miss Ross veio para assumir seu trabalho na casa. Como a decisão
de distribuir as obreiras ficou a meu cargo, conclui antes do final da semana, que
Miss Bowman era muito necessária no Rio e que Miss Perkinson era exatamente
a pessoa que Miss Ross precisava para ajudá-la, e que Miss Umberger seria uma
ótima colaboradora de Miss Glenn aqui em nossa escola. Elas ficaram satisfeitas
e o tempo mostrou que eu não estava errada em meu julgamento.
Apreciamos ter o bispo e Mrs. Granbery conosco. Gostaríamos que uma
das oficiais de nossc Conselho Feminino de Missões Estrangeiras viesse. Preci­
samos da empatia e aprovação de uma mulher. Mrs. Granbery nos deu as duas
coisas e apreciamos sua bondade.
Durante o mês de agosto, nossos números subiram a 16; em setembro
ganhamos um e perdemos um e outubro nos trouxe três; portanto, agora temos
dezenove, com outras duas que estudam matérias especiais e vêm apenas para
suas lições. Enquanto escrevo, há oito na casa, ocupadas com seus livros e lousas,
preparando-se para as lições de amanhã. Três delas são mocinhas que foram ins­
truídas em conventos e são muito zelosas de sua fé, mas nos acompanham à
igreja e à escola dominical e se juntam a nós em nossas cerimônias religiosas. São
meninas muito boas e, se todos os brasileiros fossem tão bons quanto elas, eu
acharia nosso trabalho supérfluo; mas sei que há poucos como elas; mesmo

103
todas as meninas não são como elas. Nossas meninuihas são boas e estudiosas
na escola, mas no jardim são muito travessas.
Temos tido muita chuva por aqui e por isso elas não podem brincar todos
os dias, então, quando podem, compensam o tempo.
Toda tarde de quarta-feira que nosso irmão Kennedy, nosso pastor, está
em casa, ele vem até aqui após as aulas e prega a todos da casa. Hoje uma das alu­
nas veio até mim para dizer que sua mãe havia permitido que ela ficasse para o
culto e lamentei ter de lhe dizer que não havería culto, pois Mr. Kennedy estava
no Rio. Penso que a experiência de Mr. Kennedy em sua própria escola o prepa­
rou para este trabalho.
Por muito tempo os presbiterianos pregaram aqui no primeiro domingo
do mês e por vários anos os metodistas vieram no segundo, mas a última Confe­
rência enviou o irmão Kennedy em definitivo.
E feto curioso que, embora o irmão Kennedy e eu tenhamos partido juntos,
esta é a primeira vez que fomos fixados no mesmo lugar. No primeiro domingo
deste mês, o irmão Rodgers, da Igreja Presbiteriana, veio como de costume para
celebrar a comunhão e antes do encerramento ele anunciou que não retomaria na
condição de pastor, pois os irmãos metodistas tinham enviado um homem para o
campo e as irmãs metodistas haviam aberto uma escola aqui, mas ele nos desejava
felicidades e recomendou ao povo que se unisse a nós, pois nossa fé era uma só.
Rquri tão orgulhosa de sua generosidade em entregar o trabalho tão graciosa­
mente, e senti que esta cordialidade para conosco era tão boa quanto um sermão.
Desde então o irmão Kennedy preparou um grande salão em uma localidade cen­
tral e nosso trabalho realmente começou. No primeiro domingo em que nos reu­
nimos ali, ele organizou uma escola dominical com vinte e nove membros.
Os amigos de Miss Glenn ficarão satisfeitos em saber que ela foi conside­
rada capaz de assumir uma classe de língua portuguesa. Ela ficou com as moci­
nhas, que gostam muito dela. Miss Umberger tem uma classe de alunos que
falam inglês e eu fiquei com as mulheres. Até agora a classe é composta por
membros da igreja e todas têm algum conhecimento da Bíblia.
A propósito, uma nova idéia me foi apresentada hoje. Um trabalhador
veio me procurar esta manhã, querendo fazer algum trabalho para nós. Eu disse:

104
“Suponho que o senhor não desejará trabalhar amanhã”. Ele disse que gostaria,
sim. Então perguntei-lhe se não era católico, e ele respondeu que era protestante.
“Então qualquer hora o senhor virá ao nosso culto”, disse-lhe. Ele falou que
havia estado lá e eu lhe falei do novo lugar de culto; “Ah”, disse ele, “aquela é a
Bíblia”. Eu disse a ele que todos os protestantes usavam a Bíblia. Não foi engra­
çado ele nos chamar de “Bíblia”?
Oh, que possamos seguir os preciosos preceitos da nossa amada Bíblia e
levar outros a fazer o mesmo.
Estamos muito bem e eu estou me sentindo muito melhor hoje do que o
de costume.

Petrópolis, Brasil, 31 de outubro de 1895

Colégio Americano de Petrópolis


agosto, 1896

CARA SRA BUTLER: Muitas vezes pensei em escreve à senhora e aos lei­
tores do Advocate, mas estava sempre muito cansada ou não me sentia capaz de
lhe escrever uma carta interessante.
O ano todo foi triste pela lembrança de que nossa querida mãe missioná­
ria não está mais aí para ler nossas cartas e que não mais nos enviará outra vez
mensagens de conforto e bom conselho. Por quinze anos eu esperei de mês a
mês por suas cartas e conservei na memória boas novas para lhe contar e abrir a
ela meu coração; e agora sinto sua falta, ainda que tão distante. Não vejo como
eu podería ter suportado a hipótese de uma estranha ter tomado seu lugar, mas,
graças à sua previsão e à benevolência de Deus, temos uma velha amiga em sua
sucessora. Tantas vezes nossa Secretária precisou ser paciente comigo e por sua
bondade e paciência me aproximou mais de Deus e dela própria. Eu a admirava e
a amava, e sinto que devo fazer a minha pane para terminar o trabalho que ela
começou. Pretendo fazer tudo o que puder para assistir a nova Secretária no
grande trabalho que foi colocado em suas mãos. Que ela tenha força e virtude
para fazer o trabalho que ela é chamada a fazer. Amém.

105
Minhas funções na escola de Petrópolis me retiveram tanto que não fiz
nenhuma das viagens que, como agente, seria esperado que eu fizesse, mas man­
tive correspondência com os chefes dos departamentos e desta forma me mantive
em contato com o trabalho em todos os sentidos. Misses. Elerding e Bowman não
puderam fazer muita visitação enquanto estava quente, já que a febre assolou o Rio
de Janeiro este ano; mas elas fizeram aquilo que puderam, em casa e na igreja, com
algumas visitações. Eu imagino que esperar seja mais difícil do que trabalhar e
assim, embora elas não tenham sido compelidas da forma como nós professores
somos, elas não passaram momentos mais agradáveis do que nós.
Contudo, o tempo está bom por lá agora e elas estão tirando o máximo pro­
veito disto. Se a senhora pudesse dar uma olhadela em um daqueles cortiços deplo­
ráveis chamados estalagens, a senhora desejaria que muito mais pudesse ser feito
para retirar de seus ombros pelo menos uma parte de seu fardo de sofrimento. Nós
queremos reabrir sem demora a escola diurna no Rio, mas fazê-lo significa sacrifício
em alguma outra parte, uma vez que nossas forças já são poucas para a tarefa em
mãos; mas não podemos desistir inteiramente de uma obra que já foi iniciada. Na:
ciência, os reagentes devem estar “minuciosamente divididos” de forma a serem
mais eficientes. Eu rezo para que Deus possa nos usar em Seu laboratório para che­
gar aos resultados esperados, apesar de sermos “poucos e infreqüentes”. Nós esta­
mos aguardando ansiosamente a chegada de novas forças. Deus permita que elas
deixem a “individualidade” em casa e que venham com toda a determinação de seus
corações para imolarem-se no altar do sacrifício pela causa de salvar almas.
Miss Moore escreve de Piracicaba que ela e Miss Litdejohn estão traba­
lhando e se sentem recompensadas em ter uma boa escola.
Miss Ross também sentiu um novo estímulo desde que se mudou para o
centro da cidade. Miss Perkinson é seu braço direito no trabalho por lá. Nós
devemos a todo custo ter uma casa em Juiz de Fora, no centro, pois que o gasto
de aluguel e mudança poderá ter fim. Ter a propriedade de nossas casas faz muita
diferença em nossa reputação com as pessoas. Eu percebo isto aqui ainda mais
do que em Piracicaba. Posso compreender que isto dá uma impressão de estabi­
lidade que o aluguel não pode dar. Desencoraja-nos pensar em gastar dinheiro
sem conseguir coisa tangível alguma. Quando estamos redigindo nosso orça-
mento para o ano vindouro, nós sofremos com os aluguéis. Caras irmãs, nos
dêem tetos onde as senhoras nos enviam para trabalhar.
Tenho muita esperança de que a Junta Feminina para Missões Estrangeiras
(Woman’s Board of Foreign Missions) enviará sua Secretária de Relações Exteriores a
este campo neste ano ou no próximo, para que ela possa ver o que tem sido feito, o
que necessita ser feito e o que pode ser feito para favorecer a causa de Cristo neste
país. A Junta é boa para conosco aprovando nossos planos, mas estamos sujeitas a
cair na rotina e podemos ser tendenciosas de acordo com as necessidades de certas
localidades; e ela poderia nos ajudar a evitar isso. Mandem-na a fim de ver o que
estamos fazendo, irmãs, e assim auxiliar a obra em nosso próprio país e fora dele.
Nós em Petrópolis tivemos um ano bastante próspero. Nossos três alu­
nos tomaram-se cinqüenta e três, e mais também, já que muitos, por vários
motivos, se retiraram.
Para comemorar nosso aniversário, plantamos uma palmeira. Nós convi­
damos os pais e um grande número apareceu para assistir a seus filhos plantarem
uma árvore. Sinto por jamais ter tido o prazer de ver o plantio de uma delas no
Dia da Arvore, porquanto, realmente fiz o melhor que pude. Felizmente não
houve nenhuma crítica, mas, mesmo ignorando como outros o fizeram, fiquei
muito satisfeita com o que realizamos. Após alguns exercícios dentro da casa,
com uma palestra sobre árvores, saímos para o pátio. Miss Glenn segurou a
muC Ja palmeira em seu lugar no grande buraco redondo enquanto as crianças
marchavam em fila, na ordem de suas matrículas durante o ano, e cada uma delas
colocava lá dentro uma pá de terra. Elas assim fizeram por duas vezes. Então, os
convidados foram solicitados a jogar uma pá também e depois os professores
terminaram o trabalho. Nós retomamos à grande sala de aula e as crianças exe­
cutaram exercícios calistênicos, e saíram marchando a passo marcado. Todos se
mostraram satisfeitos e acharam ser esta uma boa lição para os alunos. Começa­
mos o culto com as crianças, ou melhor dizendo, crianças escolhidas, lendo ver­
sos da Bíblia em que árvores eram mencionadas. E surpreendente descobrir
quantas vezes árvores são mencionadas e por tantas razões diferentes.
Estamos nos aproximando do encerramento de nosso ano letivo e deve­
mos ter férias por dois meses, a começar da metade de junho até a metade de

107
agosto. E bastante trio aqui em cima nas montanhas e as pessoas estão indo para
a cidade de modo a aproveitar o delicioso clima do Rio nesta época do ano. Um
número considerável de nossos pupilos desceu a serra para a temporada, princi-
palmenté meninos pequenos, dos quais não poderiamos cuidar.
Eu seria ingrata se não lhes dissesse como é confortável e adequada nossa
nova mobília de Boston e agradeço à senhora por cada centavo ou dólar empre­
gado nela.
Alegramo-nos pela conversão de uma de nossas alunas, mas nos entriste­
cemos pelo sotrimento trazido a ela em consequência da perseguição de sua
família. E o “fio da espada” que o Cristianismo traz, às vezes, dividindo mãe e
rilha. Ore por ela, que ela possa ser amparada até o fim e sair deste momento
“purificada sete vezes”. Eu escreverei mais a respeito disto posteriormente, ou
pedirei a ela que escreva sobre isso.
Misses Glenn e Umberger estão bem, e trabalhando e estudando como
de costume.
Não sei se escrevi tudo o que deveria, mas tenho certeza de que minha
carta já está longa o bastante, e deverei somente dizer ainda que nossa obra religiosa
aqui está bem e que estamos muito felizes em ter nossa querida Irmã Kennedy
reintegrada a nós após ter descido ao “vale das sombras” por vários dias. Em
nossa opinião, não temos ninguém disponível e ficamos muito felizes por Deus
tê-la deixado conosco ainda por algum tempo.
Com carinho a todas, permaneço sua companheira de trabalho em
Cristo.

Colégio Americano de Petrópolis


novembro, 1896

MINHA CARA SRA. BUTLER; Faz muito tempo desde que escrevi à senhora
e sinto muito por isso, não me recordo quando foi a última vez. Além da corres­
pondência doméstica e das cartas locais e comerciais, tenho, periodicamente, que
responder a amável carta de alguma Congregação. Tivemos férias de dois meses, a

108
partir de 18 de junho até 18 de agosto. Durante um mês neste período, estive fora
de casa visitando as outras escolas. Encontrei Misses Moore e T ittlejohn muito
ocupadas, com sua grande escola. Elas estavam contratando um professor e procu­
rando funcionános competentes. Conseguiram o professor, mas, quanto aos
empregados, elas ainda estavam ocupadas em selecionar anúncios. Senti pelas que­
ridas irmãs, mas, como já passei por tantas questões difíceis, tive certeza de que elas
se sairíam tão bem ou melhor que eu. Miss Moore está crescendo no conceito e
estima das pessoas, como diretora, e Dona Susanna, como eles chamam Miss Lit-
dejohn, como assistente e professora, conquistou o coração das crianças e é alta­
mente estimada por seus amigos e conhecidos em Piracicaba.
Fiquei encantada com a construção do banheiro e quis escrever o meu
agradecimento a vocês imediatamente. Eu encontrei alguns de meus velhos ami­
gos e antigos alunos, e descobri que o fermento do Evangelho está funcionando
pelo menos em um coração, pelo que fiquei verdadeiramente agradecida.
Queria muito me demorar por algum tempo mais em São Paulo para visi­
tar velhos amigos, mas fui privada deste prazer. Quando voltei a Juiz de Fora,
encontrei tudo “impecável”, esperando visitantes para a Conferência Anual que
deveria acontecer ali. Eu permanecí lá por alguns dias. Miss Ross me levou para
conhecer a casa que alugou e esperava mudar-se para ela tão logo a Conferência
terminasse. E muito difícil oara nosso trabalho ter que mudar para uma casa em
que o senhorio não conserta os vazamentos no telhado e ainda vende a casa do
andar de cima. Em Miss Perkinson, Miss Ross tem uma ajudante inteligente e
promissora, que está pronta a fazer aquilo que puder. Miss Ross está agora
entrando em seu oitavo ano de ofício. Ela espera voltar para casa no próximo
mês de julho e nós esperamos ter pessoas o suficiente para deixá-la ir sentindo-se
bem, sabendo que o trabalho não sofrerá. Miss Ross teve uma expenência vari­
ada no Brasil, mas cada vez que se mudou apoderou-se do trabalho e fez o
melhor que podia para o Mestre. Tive uma recepção gentil pelos irmãos e gostei
imensamente de ver como Deus fez um “tomar-se duas alianças”. Sempre forta­
lece minha fé ver os obreiros reunidos, pois assim posso ver o que Deus fez e
oro para que possamos fazer o que Ele nos trouxe para fazer por Ele.

109
Fui ao Rio para a reabertura de nossa escola diuma lá. Levei algum tempo,
antes de decidir que Miss Glenn seria a eleita para o lugar, mas relutei em tirá-la
de Petrópolis. Como achei que eu poderia conseguir ajuda nativa e esperava por
uma missionária, concluí que, se vamos reiniciar o trabalho no Rio, isto devia ser
leito já. e assim no dia 27 de julho as portas foram abertas e cinco crianças matri­
cularam-se. Elas agora possuem treze alunos. A tristeza de Miss Ross foi a ale­
gria de Miss Glenn no caso de sua auxiliar, a Srta. Marchant. Ela cumpriu bem
ofício em Juiz de Fora, mas por causa da saúde fraca de sua mãe foi forçada a per­
manecer no Rio e, desta forma, Miss Glenn encontrou uma boa assistente. Miss
Elerding tem feito o que pode na tarefa de visitações. Miss Bowman a assiste em
tudo o que pode, que não é tudo o que ambas gostariam, dado ser Miss Bow­
man a responsável pelos serviços da casa e ter que estudar português. Ela parece
ser considerada uma “mulher de muitas habilidades” por muitos.
No dia 30 de julho, Miss Umberger e eu voltamos para ajeitar nossa casa
em Petrópolis, antes que o dia de reinicio chegasse. Existia trabalho a ser feito
que havia estado esperando por um ano e, quando nós o terminamos, nossa casa
também ficou “impecável”. Miss Brown veio de sua viagem de férias e no dia 18
nós nos preparamos para trabalhar. Catorze entraram e se matricularam, mas
agora temos vinte e seis. Estamos destinadas, ao que parece, a fluir e refluir com
a maré social do Rio. E inconveniente, mas inevitável. Nós temos brasileiros,
bolivianos, italianos, ingleses e uru imericano em nossa escola. Em nosso corpo
docente, temos representantes dos Estados Unidos, França, Portugal, Ilha da
Madeira e BrasiL Eu oro a Deus para permitir que possamos ser um grupo unido
no paraíso, todos falando a língua celestial e cantando “a canção de Moisés e a
Ovelha”. Estamos fazendo todo o possível para que isso aconteça.
Na semana passada, tivemos uma visita da “Comissão do Comércio” dos
Estados Unidos. Eles estavam tão satisfeitos com tudo o que viram e ouviram
que nos sentimos encantadas em tê-los como visita. Preparamos um almoço
leve para eies, o qual foi muito apreciado, apesar de eles terem comido muito
pouco. Fizeram muitas perguntas acerca de nossa obra. Alguém disse: “Eu gos­
taria de saber sobre seu trabalhe, já que dei uma grande quantidade de dinheiro a
missões durante toda a minha vida”. Eu lhe contei tudo o que consegui no curto
espaço de tempo que tivemos para conversar. Ele não podia entender como uma
escola missionária podería cobrar taxa escolar. Neste momento, outro membro
da Comissão me ajudou a mostrar-lhe o porquê. Fiquei tão feliz em ouvir sua
explicação inteligente de como precisamos procurar todas as classes, uma vez
que as classes mais altas conduzem as mais baixas, etc. Um deles foi levado
doente para a cidade e após alguns dias de sofrimento veio a falecer. Foi me dito
que todo o possível foi feito por ele, mas nada teve eficácia e o terrível "cabo­
grama” sobre sua morte precisou ser enviado.
O dia da visita caiu no mesmo dia em que as novas missionárias chegaram
para alguns dias de descanso antes de irem para seus campos. Duvido que
tenham ficado tão contentes em ver os “viajantes”, já que éramos nós que está­
vamos aqui por mais tempo, mas elas gostaram disto.
Miss Shaffer foi para Juiz de Fora para trabalhar com Misses Ross e
Perkinson, e Miss Smith foi para Piracicaba para dar assistência a Misses Moore e
Littlejohn, e Miss Stradley ficou aqui conosco. Felizmente, temos trabalho para
ela e uma boa professora no que lhe diz respeito. Seu conhecimento de latim e
francês é uma grande vantagem no estudo desta língua, que é filha da primeira e
irmã da segunda. Acredito que a saúde das missionárias é de modo geral bastante
boa, ainda que tenhamos tido algumas “dores súbitas” e coisas semelhantes.
Espero que esta longa missiva possa reparar o longo espaço de tempo
entre as cartas e que seus leitores possam lembrar-se de orar por nós e por xiosso
trabalho, permaneço sempre sua colaboradora nos campos de Cristo.

Petrópolis, BrasiL 2 de setembro de 1896

Petrópolis
julho, 1897

CARA Sra. BUTLER: Toda vez que comecei a lhe escrever ultimamente,
fui interrompida. Perdoe-me por isso, mas, acredite, não negligenciei de maneira
intencional meus deveres em relação a meus amigos e irmãs na Igreja e congre-

111
gações missionárias. De fato, aprecio ler sobre o trabalho nos vários campos
missionános e a obra social em nosso país e, cada vez que o Advocate chega,-
tenho um arroubo de entusiasmo a fim de escrever algo que encoraje a ambos,
os obreiros em nossa pátria e os que estão no estrangeiro; mas por muito tempo,
como dito acima, antes que eu materializasse meus sentimentos sob a forma de
uma carta, fui disto privada. Eu sempre me pergunto se as missionárias em
outros campos são tão interessadas em nosso trabalho quanto sou no delas. Este
é um mundo imenso, com muitos cantos, e nestes "cantos” devemos deixar
nossa pequena luz brilhar, não somente para aqueles em nosso redor, mas para
aqueles nos outros "cantos”, a fim de que possam ser encorajados e que as
pequenas luzes unidas possam iluminar o todo. Sei que os outros "cantos” estão
tão escuros quanto o nosso, mas eles não podem se tomar ainda mais escuros,
ou continuar carecendo de luz. E difícil para as pessoas acreditarem nisto, mas eu
as desafio a estudar o catolicismo em qualquer país para ver se elas encontram
nele a salvação. Não me refiro a estudar católicos bem-comportados, os quais
mantêm suas posições na sociedade por seu bom comportamento exatamente
como o moralista ou infiel bem-comportado faz, mas me refiro a estudar o
romamsmo para encontrar neste salvação para a alma.
Bem, esta besta, este anti-Cristo, teve o Brasil em seu poder por quase
quatrocentos anos e fez das pessoas o que bem quis. Um escritor disse que o
catolicismo domina de tal maneira a mente de um homem que ele não tem cora­
gem de deixá-lo mesmo quando deixa de acreditar nele. Sei que isto é verdade.
As mulheres geralmente acreditam nos ensinamentos dos padres, mas alguns
homens não. Eles me dizem que não acreditam nos padres ou em seus ensina­
mentos, mas são católicos porque seus pais assim o foram. Um homem me con­
tou que nunca havia se confessado a um padre. Ele disse que quando sentia que
iiavia feito algo errado ele confessava isto a Deus e sentia que havia se livrado do
pecado. Ele pareceu tão convicto, também; mas logo depois ele voltou e disse,
após repeur o que havia falado: "Ah, sou católico sim; é claro que sou católico,
pois meus pais o foram; mas eu não acredito em nenhuma daquelas coisas” —
assim, fechando as portas do Evangelho em sua própria face. Isto me deixou
muito inste, mas eu não desistirei dele. Ele tem uma filhinha adorável em nossa
escola, a qual ele vem ver com freqüência e assim deverei ter outras oportunida­
des para conversar com ele. Outro homem, um maçom, declarou que não acre­
ditava no catolicismo, nem mesmo que seguia os ensinamentos da Igreja. Então
eu perguntei-lhe por que ele não mostrou os erros aos outros, como era sua
obrigação, e ele disse: “Não, deveras; não posso me intrometer na vida dos
outros”; e quando insisti, ele fugiu, sem coragem para fazer o certo, quando isto
significa navegar contra a corrente.
Nossa querida irmãzinha, Dona Henriqueta Lopes, não tem estado
conosco desde o Natal. Ela tem estado descansando no campo. Ela estava tão
indisposta na maior parte do tempo que consenti que ela fosse, mas ela desco­
briu que o trabalho de sala de aula era de fato leve em comparação à perseguição
que ela teve que sofrer lá. Primeiro, sua mãe tirou sua Bíblia (a segunda), e então
a proibiu de me escrever. Não fez nenhuma promessa e, quando a oportunidade
surgiu, me escreveu em segredo. Ela me assegurou constantemente que não
importava o que eles pudessem fazer-lhe, eles não conseguiriam tirar “Jesus de
seu coração”. Pobrezinha! E de se ter pena por ela, pois sua saúde está bem fraca
ou nada melhor. Orem por ela, amigas e irmãs, que ela possa “aguentar até o
final”. Nossa escola soma o número de cinqüenta ao todo — com dezoito inter­
nos —, todos eles pagando pensão, exceto duas filhas de pregadores.
Estamos fazendo tudo o que podemos para lhes ensinar o caminho da
vida. T^nho notado um grande aumento no interesse de alguns deles no estudo
da Bíblia.
O grande tópico de interesse, recentemente, tem sido os preparativos
para a chegada e o entretenimento dos chilenos, os quais, a caminho de casa com
a nova esquadra adquirida na Inglaterra, estavam para fazer uma visita fraterna a
esta grande república irmã. Tentei fazer uso disto para ensinar às crianças como
devemos nos preparar para a chegada de Jesus. Oh, que eles possam aprender
Dele e ser salvos!
Minhas colegas de trabalho nesta e em outras escolas estão vivendo pri-
morosamente e, com exceção à Miss Littlejohn, todas estão bastante bem. Eu
estive no Rio um dia destes. Ambas as filiais da obra estão se saindo muito bem.
Relatos brilhantes chegam de Juiz de Fora e a escola-mãe em Piracicaba “se sus-

113
tenta”, não obstante a abertura de novas escolas na cidade. Nossas mulheres
estão trabalhando fervorosamente com o propósito único de promoção do
Reino nesta parte do mundo de Deus.
Com amor, para minhas colegas de obra nos demais campos e às queridas
obreiras em nosso país, e com a esperança de logo saber sobre reforços e o estí­
mulo do encontro anual, permaneço sua amiga e irmã em Cristo,

M.H. Watts

Trimestre finalizado em 31 de março de 1897


Númerodemissionárias — três
Númerodeassistentes— cinco
Númerodealunos (l.° de janeiro) — trinta e cinco

Colégio Americano de Petrópolis


julho, 1899

CARA Sra BUTLER: As cartas dos outros campos são tão interessantes
jue parecemos preferir dar a elas o espaço distribuído no Advocate, mas talvez
lão estejamos fazendo justiça a nosso próprio cantinho se assim fizermos. Nós
omos tão poucos e tão dispersos que não podemos “carregar os fardos uns dos
•urros e assim tomar fácil para os outros escreverem; e a vida na escola assume
specialmente a forma de rotina e nós nos esquecemos de que muitas coisas que
os parecem de pouca importância podem ser interessantes àqueles que nos
miaram aqui para trabalhar, e que estão orando por nós e nos amando, apesar
e nunca nos terem visto.
Em primeiro lugar, quero contar-lhe que nossa escola em Piracicaba está
•rogredindo rapidamente. A maré que baixou quando a escola das Irmãs de
^anciace foi aberta fluiu de volta para nós e, a despeito das várias mudanças que
oram feitas, se mantém firmemente em evidência. Miss Stradley está bem man-
•ca por seu corpo docente e, com seus 144 alunos, possui uma escola discipli-

114
nada e um lar feliz. A escola em Juiz de Fora se encontra em condição próspera,
com grandes esperanças para o futuro, quando conseguirem sua nova casa.
Miss Perkinson e suas assistentes estão se esforçando para fazer de sua
escola a melhor da cidade e acredito que elas apreciariam a fama de possuir a
maior escola da missão. Não acredito, no entanto, que elas sintam inveja pelo
Colégio Piracicabano.
No Rio, Miss Glenn possui três pequenas escolas que formam um con­
junto respeitável. Ela está bastante animada este ano; sua escola é bem localizada,
possui uma bela mobília escolar e suas assistentes são todas entusiastas.
Nós em Petrópolis temos muito coisa a nos desencorajar e estamos
“desanimadas”; mas, pela graça sus tentadora de Deus, nós não estamos “destru­
ídas”. Nós crescemos rapidamente, até certo ponto, por algum tempo; mas
quando as pessoas descobriram que não estávamos aqui para ensinar “somente
idiomas”, mas ensinar de forma séria e que a Bíblia era um livro-texto, elas fica­
ram com medo e muitas retiraram seu apoio. Esperamos nos segurar até que
descubram que nossa escola é a melhor da cidade. Temos um raio de sol em uma
“menininha” de três anos, cuja mamãe está no céu. Ela é uma interna com taxa
integral e não uma protegida. Seria necessária uma longa carta para contar sobre
ela. Talvez faça isto da próxima vez e mande à senhora a fotografia dela para o
Advocate.
A respeito dos outros departamentos, estou cen~ de que a senhora tam­
bém deseja saber. A Srta. Elerding está firmemente estabelecida em sua obra em
São Paulo. O Sr. Wolling veio nos ver há alguns dias e trouxe boas notícias sobre
ela. Diz que ela é bem recebida e que está fazendo um bom trabalho. Ela escreve
cartas entusiasmadas. Somente aqueles que se incumbiram da tarefa de fazer visi­
tas a valorizam. E fatigante para o corpo e penoso para os nervos e os ânimos;
mas para aqueles que têm o batismo, o trabalho é agradável e enaltecedor. Ao
invés de ter alguém a cada duas grandes cidades, devemos ter um grande número
de tais obreiros em cada local. Um é como “uma gota no oceano”; mas esta gota
única pode se fazer manifesta em todo o oceano, se tiver força o suficiente.
Então, que assim venham a ser nossas obreiras solitárias no decorrer do tempo.
Deus permita que a onda que elas iniciam possa encontrar a onda que nós, em

115
nossas escolas, iniciamos e então retomar à sua vez para formar outras ondas em
movimento.
A Srta. Bowman começou nov? nte seu trabalho de visitação no Rio e
se sente encorajada. Ela estava desapontada por não ter conseguido dar continui­
dade a seus planos de ter uma auxiliar nativa, mas aceita a situação e está fazendo
aquilo a seu alcance. Uma senhora contratada como sua ajudante, sempre a seu
comando, seria, a meu ver, igual a tantos leitores dá Bíblia que doam somente
algumas horas por semana.
A saúde em todas as nossas casas tem sido excepcionalmente boa, pelo
que somos gratas. Devemos esperar com interesse por notícias do encontro de
maio.

28 de abril de 1899

Trimestre Finalizado em 30
de Setembro de 1899
fevereiro, 19C0

Missionárias, 2; assistentes, 6; professor para alunos, 1; alunos matricula­


dos em 16 de agosto, 27; ingressos durante o trimestre, 6; restantes ao final do
trimestre, 33; morando ou internos na escola, 12; favorecidos pelos fundos da
escoia dominical, 26; freqüência e interesse, muito bons; comportamento, muito
bom.
Observações'. As férias aconteceram em julho e metade de agosto, mas não
foram ausentes de trabalho, uma vez que tivemos uma verdadeira família de crian­
ças durante todo o tempo. Na primeira semana de julho, um cavalheiro trouxe
duas crianças, uma menina de 9 ou 10 anos de idade e um menino de menos de 6
anos. Nós os acolhemos porque queremos todos os que pudermos ter, assim
poderemos ensiná-los o caminho da vida. Eles estavam enraizados e fundamenta­
dos em sua própria fé, mas pareciam ter perdido as suas superstições e ter seguido
em uma fé infantil para algo melhor. Oro para que eles possam realmente aprender
o caminho. Miss Umberger colocou o menino sob seus cuidados. Tivemos o pri­
vilégio de acolher um grupo de irmãos durante a Conferência e recebemos o bispo
uma vez para jantar e para o chá. Nossa escola abriu no dia 16 de agosto, com 27
alunos. Miss Smith foi nosso reforço e o trabalho de organização foi efetuado em
alguns dias. Outros alunos entraram, até que nosso número subiu para trinta e três
e assim permaneceu até o fechamento do trimestre. Pode parecer estranho que se
leve tanto tempo para organizar uma escola tão pequena, mas estes poucos repre­
sentam todas as séries de sete anos e isto não constitui uma tarefa pequena- Como
não visitei a escola em Piracicaba este ano e Miss Stradley queria que eu a ajudasse a
planejar o prédio que ela logo deverá ter, e como fui também convidada para o
casamento de dois de meus antigos alunos — a noiva sendo a filha do ex-presidente,
Dr. Prudente de Moraes —, fui ao Rio no dia 20 de setembro, a caminho de ambos.
O bispo havia mandado Miss Smith para abrir uma escola diurna em Ribeirão
Preto e eu decidi ir até lá também. Os irmãos estão muito interessados em nossa
tomada da escola já iniciada em "Uberaba, Minas Gerais. Decidi ir até lá, preen­
chendo o tempo com duas ou três visitas de negócios em outros lugares. Estive
ausente até o dia 20 de outubro, enquanto as outras professoras tomavam conta do
meu trabalho. Tudo correu bem durante minha ausência e eu fiquei muito feliz,
pois precisava da mudança; e acho que minha viagem foi lucrativa para aqueles que
visitei e para o trabalho. As missionárias e professores estão todos indo bem e se
tomando bons obreiros. Antes de terminar, direi que os alunos de nossa pequena
escola são os mais bem comportados que se pode achar em qualquer lugar. Não
tenho um aluno sequer antagônico em relação às escrituras. Que todos eles
venham a conhecer Jesus como seu Salvador!

M.H.Watts

Colégio Americano de Petrópolis


MINHA CARA Sra. BUTLER: Há algum tempo tenho prometido a mim
mesma achar tempo conveniente para escrever-lhe algumas iinhas. De fato, eu
queria contar à senhora a respeito das muitas coisas interessantes que vi e ouvi

117
em minha viagem para o oeste em setembro e outubro, mas minhas forças têm
estado em um mínimo desde o meu retomo e meu trabalho em um máximo, e
por tais razões não tenho escrito.
Quando eu estava em Uberaba visitando a escola e minha velha aluna, a
Sia. Eugênia Becker, encontrei quase todos os membros da Igreja e apreciei estar
com eles; mas uma pessoa atraiu minha atenção mais do que as outras. Ela não
era bonita; era bastante alta, escura, com um emaranhado de cabelo que não
parava arrumado, mas se distinguia dos outros por ter dois pobres cotos de
mãos, cada qual com apenas partes de dedos. Pobrezinha! É claro que perguntei
a respeito dela e eles me disseram que aquela deformidade era causada por
doença, e acrescentaram que com aquelas pobres mãos deformadas ela ganhava a
vida lavando e passando para os soldados baseados no local Ela mora com sua
mãe idosa, que também lava e passa para soldados e outros. Ela mesma é velha,
ou parece ser, mas encontrou o Salvador e trabalha por Ele. O Sr. Becker me
contou que ela lhe dava cinco mil réis (quase um dólar) em prol da Igreja todo
mês e que em um mês ela deu dez mil réis. Ele disse a ela: “O, Dona Balbina, a
senhora não tem condições para este tanto!”. E ela respondeu: “Mas o Senhor
me abençoou mais este mês!”. Uma noite o Sr. Becker chamou a Sociedade
Auxiliadora de Senhoras (.Ladies’ Aid) para me conhecer. Quando cheguei à reu­
nião, paguei algum dinheiro a Dona Balbina pelas roupas lavadas por sua mãe
para mim naquele dia e ela o deu à Sociedade naquela mesma noite. Nossa que­
rida. generosa Irmã Balbina! Seu coração não se enternece por ela? Se a senhora
pudesse ver o pobre casebre no qual ela vive, a senhora sem dúvida sentiria o que
d Sr Becker sentiu, que ela não tinha condições para o tanto; mas ela ama muito
í doa muito. Quando a senhora lembra de suas pobres mãos deformadas, sem
ledos para enrolar e desenrolar seus cabelos, a senhora não mais se surpreende
>or estas mãos arranjarem o cabelo daquele jeito, e esse jeito é apenas um emara-
ihado. Acredito que, se as mulheres de nossa Igreja amassem Jesus tanto quanto
>ona Balbina, a Junta Feminina de Missões Estrangeiras não estaria para trás em
J3s arrecadações, nem estaria impedida de abrir novos trabalhos no Brasil e em
urros campos em que possui trabalho já iniciado. Desejo que cada uma delas

Í18
pudesse ler esta carta sobre nossa Irmã Balbina. Ela abriría seus olhos, tenho cer­
teza, se soubesse que estava sendo colocada como um exemplo para milhares.
Nós sofremos com nossas irmãs na China pela querida Mary Richardson,
e ficamos aflitas quanto à Sita. Haygood Oramos para que o lugar de uma possa
ser preenchido e que a outra possa ser poupada do trabalho por um longo perí­
odo ainda. Com as angustias e atenções resultantes de nosso trabalho, parece ser
bastante desejável partir e estar com Cristo; mas, quando vemos o que há para
ser feito e os poucos que tentam fazê-lo, ficamos'dispostos a esperar e a conti­
nuar trabalhando. Ore por nós, que nossa força, bem como nossa fé, não
falhem.
As escolas estão indo bem. As nossas missionárias sofrem nesta época do
ano por causa das chuvas quase constantes. Desde setembro não contamos uma
média maior do que dois dias razoavelmente bons por semana.
Tivemos um casamento em nosso lar no último sábado. Dona Emília
Souto,7 minha protegida nos últimos doze anos, casou-se com um jovem anglo-
brasileiro. Sua partida deixa um imenso vazio em meu coração e em minha vida,
e uma cadeira livre em nossa sala de aula. Espero encontrar alguém para fazer seu
trabalho antes que eu vá para casa, na primavera.
Esta deixa meu lar em plena saúde, com exceção a mim mesma; mas ainda
sou capaz de muito trabalho, tal como cinco horas de ensino em sala de aula,
duas horas na aula de costura e uma carta ou duas à noite.

maio de 1900

Colégio Americano de Petrópolis


maio, 19C0

CARA SRA. BUTLER: Mais de um mês se passou desde que o Womanys Mis-
sionary Advocate chegou, contando-nos que as boas pessoas de nossa Igreja esta­
vam orando por sua missão e por suas missionárias no Brasil. Isto não podería ter

' Emília Souto foi uma menina órfão deixada aos cuidados de \liss Martha Watts, ainda em Piracicaba.

119
sido em melhor hora para mim, já que por mais de seis meses tenho sofrido com
reumatismo. Se eu não tivesse mais nada a fazer, acho que podería me tomar amiga
de meus sofrimentos; mas tenho que estudar, ensinar, escrever, e costurar ocasio-
naimente, e assim pouco tempo me sobra para pensar em meu próprio conforto.
Então, devo ir à Escola E>ominical encontrar minha classe de mulheres e ficar para
a pregação. Existem muitas outras coisas a fazer que não podem ser enumeradas,
mas que ainda, se deixadas por fazer, nos trazem um toque de preocupação. Sob
tais circunstâncias, não é fácil manter uma marcha lenta e claudicante e manejar seu
braço esquerdo com sua mão direita; mas quando as boas novas chegaram, de que
amigos me estavam carregando ao trono da graça nos braços da fé e do amor, senti
que eu podia suportar quase tudo. Eu estive bastante doente no dia 2 de janeiro, de
cansaço, eu acho; mas antes da hora de dormir me sentia melhor e no dia seguinte
eu estava bem o bastante para reabrir a escola após nosso feriado de Natal, e para
reorganizar e dar aulas como de costume.
Quando o Advocate chegou contando que nossas obreiras missionárias
estavam orando por mim, aquele dia me senti realmente muito grata e humilde.
Há três dias, completei meu qüinquagésimo-segundo aniversário. Deze­
nove destes têm sido dedicados ao serviço missionário no Brasil. Devido às
minhas dores, pensei que não seria capaz de completar mais uma rodada como
agente, mas pouco tempo atrás um jovem alto e bonito — um homem de 1,80 m
de altura—veio me ver dizendo que havia se formado em medicina e para me tra­
zer sua “tese” sobre “o movimento reflexo da patela” como um sintoma de
doença nervosa e espinhal, e quando li a dedicatória à “sua querida Miss Watts”
que lhe ensinou suas “primeiras letras”, com uma certa doce expressão de grati­
dão e admiração, e, enquanto conversamos sobre sua infância e sobre tempos há
muito passados, não pude segurar o desejo de uma vez mais encontrar aqueles
caros amigos de meus primeiros anos no BrasiL Uma das primeiras coisas que
eie disse, com a alegria pueril que um garotinho teria em contar suas vitórias a
sua mãe, foi: “Miss Watts, sou um médico!”. Eu ri e chorei também. Seu rosto
perdeu o aspecto roliço, mas os olhos são os mesmos de quando, aos seis anos
de iriark» — completos, como eles dizem em português ele entrou na escola e
foi trabalhar. Ele nunca parou de trabalhar desde então. Em todos os exames que

120
passou, suas notas foram “excelente” e “distinção”. Ele logo irá para Viena paia
L estudar cirurgia. Dois de meus meninos são advogados e muitos outros estão
envolvidos em negócios.
Estou tentada a me gabar um pouco mais, mas vou resistir.
Quero agradecer a todas as boas mulheres de espírito missionário que
têm escrito a mim e especialmente àquela cara irmã em Petesburgo, Virgínia, que
orou por mim durante todo o ano passado; e quero pedir a todas cujas cartas não
foram respondidas por mim que me perdoem, pois nunca negligenciei a
nenhuma de maneira intencional. O tempo preciso para escrever simplesmente
nunca chegou. Espero que me perdoem por não escrever com mais freqüência
para o Advocate. Quero pedir desculpas à Sra. Wightman por não ter escrito à ela
e lhe dizer que sempre senti por ela não me escrever mais freqüentemente. Agra­
deço à Mrs. McTyeire pelos “trechos” tão agradáveis que ela tem sempre acres­
centado às suas cartas de Tesoureira Agradeço à Secretária pela paciência e
bondade para comigo. Quero agradecer a todos por todo bom pensamento ou
palavra e pedir a todos que perdoem qualquer coisa que eu possa ter escrito ou
dito que não tenha sido doce e afáveL Sinto que negligenciei em especial a Socie­
dade da Conferência de Louisville; pois se tivesse escrito a elas, teria tido notícias
delas com maior freqüência.
Oro para que o Senhor possa nos enviar muitos obreiros e abençoar os
ceifeiros.

16 de fevereiro de 19G0

121
123
Proveniente de Miss Watts
abril, 1901

Oak Park, Illinois, 5 de março de 1901

MINHA CARA SRA. BUTLER: Toda vez que folheio minhas cartas não res­
pondidas, me defronto com sua última e me lembro que ainda não escreví aquela
carta prometida. Bem, o inverno acabou e a despeito da “neve e vento”, que
embranquecem o ar lá fora, sabemos que é primavera, pois o calendário nos diz
que estamos em março.
Cheguei até este tanto sem minhas dores súbitas, mas ainda tenho meu
sempre fiel reumatismo a me lembrar de meu corpo mortal. Estou cansada dele,
mas ele parece ter instalado moradia em mim.
Eu penso muito na Conferência Missionária e oro todos os dias por ela.
Estou estudando literatura francesa e inglesa na Escola Universitária em
Chicago. Felizmente, existe uma estação da ferrovia elevada do outro lado da rua
em que fica nossa casa e temos somente uma curta caminhada para fazer na
cidade. Por “nós”, me refiro à minha sobrinha e a mim mesma.
Duas semanas atrás recebi a deliciosa visita de minha amiga Miss Alice
Moore, a qual estava a caminho do México, onde desenvolverá obra missionária
sob a filial da Nova Inglaterra da Junta Feminina de Missões da Igreja Metodista
Episcopal.
Uma das melhores coisas nesta minha estada em Oak Park é o ótimo ser­
mão que ouço todo domingo pela manhã. O Dr. Hall não é um homem velho,
mas é um grande pregador. Existem muitas pessoas de mente espiritual nesta
Igreja e eles organizam ótimos grupos de oração e outros encontros de caráter
geral Este último é mantido para a grande congregação logo após o sermão, no
primeiro domingo de cada mês.
Estou certa de que a senhora quer que eu escolha alguns itens das cartas
que recebi do Brasil Espero que minhas colegas me perdoem por fazer uso de
suas cartas. Na verdade, eu gostaria de poder entregá-las por inteiro, pois cada
uma delas é repleta de interesse, mas muito de cada uma é de ordem pessoal e

125
não apropriado para a leitura geral. Dou início com uma carta de Miss Glenn,
escrita em 7 de dezembro de 1900. Depois de contar sobre sua chegada e a expe­
riência de retomar o trabalho, ela conta: “Fechamos a escola na última sexta-feira
com sessenta e dois alunos na Escola Central, cinqüenta na Escola da Capela e
vinte e cinco na Escola do Jardim. Estamos bastante animadas e esperamos um
grande aumento no próximo ano. Queremos achar uma casa maior durante as
rérias, pelo menos uma com mais espaço para as aulas [...]. Miss Pescud partiu
para o Rio Grande há algumas semanas. Ela parece satisfeita quanto às perspecti­
vas pela frente [...]. O termômetro marcava 94 graus (Fahrenheit) à sombra hoje
[_]. Miss Davis está suportando o calor melhor do que eu.”
Miss Sloss, professora de música em Petrópolis, escreve em dezembro de
1900: “Está um dia belo e ensolarado. De fato, tivemos mais sol este ano, nesta
época, do que em qualquer outro ano desde que cheguei. Nós aproveitamos
muito estes quatro belos dias. Muito poucos dias foram tão ruins que as crianças
não tenham podido vir à escola, apesar de que frequentemente eles vqltam para
casa sob chuva [...]. Não há muitas pessoas em Petrópolis este ano. Está prome­
tendo ser uma temporada sombria para os hotéis. Cada um deles parece estar
sentindo a crise financeira e as coisas estão tão custosas para nós que me deses­
perei em arrumar algo novo. [...] Rachel e América estão estudando música
agora e estão se saindo bem (estas deverão ser auxiliares cristãs algum dia).
Dulce sabe tocar alguns acordes musicais de Minha Terra’ no piano, de ouvido.
Acho que ela pode começar a ter aulas no próximo ano (Dulce fez cinco anos de
idade no dia 24 de fevereiro de 1901) [...]. Tenho uma pequena turma de aritmé­
tica este ano e estou gostando; e uma turma de álgebra também (isto mostra a
boa vontade de Miss Sloss em ajudar de todas as formas e também seu progresso
na língua portuguesa, já que ela deve sabê-la bem para ensinar aritmética e álge­
bra) [_]. A esposa de nosso pastor parece doente. Ela pareceu mais à vontade
conosco da última vez que fomos vê-la, assim como nós.”
Miss Holder, professora do jardim-de-infância em Petrópolis, escreveu em
5 de dezembro de 1900: “Ainda estamos na expectativa e orando por nossa escola;
e enquanto ainda não tenhamos realizado muito, até onde podemos ver, acredito
firmemente que nós devemos alcançar nossos objetivos e fazer deste departa­
mento um sucesso. Conseguimos pelo menos fazer com que os católicos sintam a
importância deste trabalho, já que temos notícias de que o Colégio Mt. Zion abrirá
um jardim-de-infânda no próximo ano. Oramos para saber como conseguir mais
alunos”. Em janeiro de 1901, ela escreveu: “Sei que a senhora há de perdoar meu
atraso em responder sua carta quando souber de nosso sucesso com o jardim-de-
infância neste momento. Através de uma apresentação pelo Cel. Bryan (ministro
plenipotenciário), Miss Umberger e eu conhecemos uma senhora alemã influente
que nos ajudou a desenvolver à escola; e assim, no dia 15, abrimos nossa escola em
uma sala na rua e àgora tenho vinte alunos. Estou tão feliz! Miss Smith vem tocar
piano para nós. Começamos às 8h30 e fechamos às duas. Dulce, nossa aluna mais
nova, está feliz como nunca. Ela está começando a falar inglês. Ela diz *1 going
home’ e se esforça para lembrar novas palavras [...]. Nosso colégio também parece
estar criando vida nova [...]. Nossa Sociedade de Amparo das Senhoras Inglesas
(Englisb LadiesAid Society) reuniu-se na tarde de sábado na casa da Sra. Norton;
parece estar desabrochando [...]. O Natal foi bom. Tivemos uma árvore no colégio
na manhã do Natal e as crianças ficaram felizes com isto; assim como nós, já que
trabalhamos até a meia-noite para prepará-la. Tivemos um jantar de Natal de ver­
dade - com peru, etc. Nós ganhamos duas caixas de doces finos, os quais adora­
mos, e todos os nossos amigos lembraram-se de nós com cartões [...]. Precisamos
terminar logo nosso jantar para ir à Igreja ver a ávore de Natal da Escola Dominical
[...]. Miss Pescud escreve dizendo-se solitária em Porto Alegre, mas sua escola logo
terá iníno e ela não terá tempo para se sentir só [...]. Misses Glenn e Davis nos fize­
ram uma visita relâmpago. Miss Glenn parece estar cinqüenta por cento melhor do
que quando chegou”.
Miss Maidee Smith escreve de Petrópolis no dia 12 de janeiro de 1901:
“Recebi seu cartão de Washington. Estou tão feliz por a senhora ter podido estar
presente naquela Convenção do WC.T.U. e sei que a senhora o apreciou por
inteiro. Nosso pastor perdeu sua esposa. Ela deixou cinco crianças pequenas. Ela
parecia ser uma boa mulher. O pai, a mãe e a irmã do Sr. Guilherme estão com
ele. Ele parece muito triste, mas tem suportado bravamente. O filho mais velho
está em nossa escola. [...] Recentemente Miss Holder publicou vános artigos
sobre o trabalho de jardim-de-infância [...]. Antes do Natal, fiz uma viagem ao
Rio. Estou bastante bem e ocupada”.

727
2vliss Umberger escreve no dia 29 de janeiro de 1901: ‘‘Tivemos os exa­
mes em dezembro, e então fizemos todos os preparativos para a árvore de Natal*
uma vez que a Mrs. Tilly não estava aqui. Claro que a senhora soube de nossa ida
a Juiz de Fora para o encontro anual e que as irmãs de São Paulo não puderam
chegar por causa dos estragos na estrada de ferro. Havia somente cinco de nós.
Não tiveram reuniões conjuntas, pois houve culto na igreja todas as noites [...].
Miss Shaffer parece estar tão forte e bem [...]. Estamos à procura de alguém para
treinar para o trabalho de jardim-de-infância [...]. O Colégio Mt. Zion importou
uma professora de jardim-de-infância do Canadá e eles abrirão uma escola em
fevereiro [...]. Algumas famílias prometeram seu suporte se mudássemos nossa
escola para a cidade, e assim fizemos [...]. Temos três novos internos e dois alu­
nos diurnos e esperamos muitos mais. Apesar de termos alguns devedores, não
temos uma única dívida E um milagre nesta crise enorme, como Deus se preo­
cupa com os Seus [...]. Nós não recebemos nenhuma correspondência dos Esta­
dos Unidos por dois meses até a última semana, quando dois navios chegaram
[_.]. Estou incluindo uma carta de Dulce: ‘Querida Vovó: Eu a amo muito. Eu
espero que (a senhora esteja) muito bem. Com carinho, de seu bebê, E>ulce”\
Miss Pescud escreve de Porto Alegre, em 14 de janeiro de 1901: “Deixei
Petrópolis antes do encontro anual de modo a examinar este trabalho e apresen­
tar um relatório deste àquela reunião, o que me pareceu mais importante do que
minha real presença. Espero ter uma boa escola no ano que vem, melhor do que
o último, quando a matrícula foi de quase cinqüenta alunos, com uma média de
quarenta em freqüência. Eu espero fazer algumas mudanças, mas irei devagar até
que tenha certeza de onde estou pisando. Todo lugar apresenta suas dificuldades,
a senhora sabe, aqui o problema é um prédio inadequado. E pior que o velho
Mineiro, pelo que posso julgar. Não consigo achar mais nada, apesar de ter pas­
sado a maior parte de meu tempo à procura de uma casa. As casas são escassas e
os aluguéis, altos e elas não são adequadas para nós, sendo pequenas e destituídas
de jardim ou pátio para playgrounds [...]. O Irmão Wòlling está visitano esta
parte do campo neste momento. Ele diz que as irmãs de São Paulo, que não con­
seguiram chegar ao encontro em Juiz de Fora, organizaram uma reunião lá e
enviaram seus relatórios, mas não houve mais nada a fazer. Ele diz que elas pare­
ciam bem e que Miss Leonora Smith lhe pareceu melhor do que nunca. Ele disse

128
também que L. (uma garota difícil que parecia incorrigível, com a qual trabalhei
durante anos) está se saindo muito bem, tendo aparentemente mudado seu
comportamento há cerca de dois meses. Sei que a senhora ficará feliz em saber
do progresso da menina [...]. Ah, como precisamos de mais mulheres por aqui!
Poderiamos fazer uso de quatro para melhorar tudo ainda mais”.
A Srta. Fullerton escreve de Juiz de Fora em 8 de janeiro de 1901: “Todos
gostaram do culto de Ano Novo, que se referiu também ao século que se inicia.
Na verdade posso dizer que principalrhente os Revs. Kennedy e Tucker, que
foram os palestrantes, falaram muito bem [...]. A placa a ser colocada no novo
Colégio de Granbery estava pronta e foi apresentada ao público na igreja. Ela é
em comemoração à passagem do antigo século e o início do novo, e também ao
movimento educacional no Brasil. Eu acredito sinceramente que o Sr. Lander
verá suas expectativas realizadas este ano, em conseguir o prédio pelo qual ele
tem esperado tanto tempo. Os novos funcionários municipais foram instalados
nos seus cargos e estão tomando medidas rápidas para erradicar a imundicie das
ruas e assim evitar ò retomo da febre. Esperamos que o dinheiro esteja pronto
para adquirir nosso novo prédio, agora que devemos ter alguma garantia de
saúde e não mais pagar aluguel, entrando em nosso próprio lar sem medo de
importunações por outro ano [...]. Nossa escola está florecendo no que se refere
a números [...]. Miss Shaffer contará à senhora sobre nossas dificuldades”.
Miss Shaffer escreve no dia 22 de janeiro, do encontro anual, e ela diz: “O
trabalho, considerando-se tudo, parece estar progredindo. O Colégio Mineiro,
não obstante a febre dos dois últimos anos, está se saindo bem. Nós já fizemos a
matrícula de sessenta e nove alunos. Como a senhora sabe, os tempos são muito
difíceis no Brasil, e o Mineiro (Colégio Isabel Hendrix) é pobre; mas nós corta­
mos gastos e, assim, confio que devemos chegar ao fim deste ano sem dívidas.
Sendo o câmbio tão baixo para nós, também diminui muito o valor de nosso
dólar americano em relação a antes. Se pudéssemos ao menos cobrar algum
dinheiro que nos é devido, eu ficaria bastante feliz”.
Miss Stradley escreveu no dia 23 de janeiro, mas quase tudo é de caráter pes­
soal. Nas entrelinhas, li que tudo vai bem na escola e que ela está muito bem. Ela
enviou um recorte do jornal da cidade que era deveras interessante. Ela contava
como a Filial da Escola Normal de Piracicaba havia feito para si uma bandeira; e,

129
como todas as agremiações católicas fazem, foram à igreja com música e grande
pompa para ter sua bandeira abençoada. Foram depois da Igreja ao Colégio Piraci-
cabano e, com grande cerimônia, prestaram a mais alta homenagem que puderam
conceber à nossa instituição. Uma de nossas antigas alunas fez o discurso. Ela disse
que todos sabiam que o Estado devia àquele colégio os métodos “modernos e
humanizantes” de ensino que eram agora usados em suas escolas. O Dr. Prudente
de Moraes, cujos filhos haviam sido educados no Colégio Piracicabano, havia dado
ao Estado as reformas que eles agora exultavam. Eles fizeram os maiores elogios às
professoras do presente, sem esquecer daquelas do passado, e especialmente a fun­
dadora. \Iiss Stradley disse que elas ficaram muito felizes e gratas por tais cortesias,
de que podenam ser merecedoras. O Colégio Piracicabano não converteu todos
os seus alunos, não porque as crianças não pudessem ser convertidas, mas porque
os pais disseram ‘não’; mas ele certamente fez muito pelas meninas daquela cidade.
Pode parecer que eu esteja me gabando ao contar o que vi por lá, mas fiquei feliz,
embora um pouco desapontada por não termos mais "cristãos protestantes lá. Orei
fervorosamente no começo para que eu viesse a ter todas as almas que viessem a
mim; assim, não devo perder a esperança e vou aguardar aquele dia de alegria, no
outro lado, para ver quantos deles deixaram que o Senhor os salvasse.
A senhora verá por estas cartas que o trabalho de Deus segue em frente
no Brasil, a despeito da crise financeira e a despeito dos esforços jacobinos e
católicos em nos derrotar. A senhora vê também que as obreiras, apesar de
serem poucas, são felizes e entusiastas em seu trabalho. Ore por elas e lhes dê as
ajudantes e casas que elas precisam.

De Miss Watts
novembro, 1901

MINHA CARA MRS. BUTLER; Conforme prometido, envio-lhe dois tre­


chos de cartas de minha sobrinha que está nas Filipinas. Seu marido é cirurgião
assistente no Exército e, por conseqüência, as circunstâncias permitem que ela
veja e ouça muitas coisas interessantes, que ela relata de forma interessantíssima.

130
Em uma carta datada de 30 de junho escreve ela da cidade de Balanga: <cEu

nunca lhe falei das grandes procissões que há aqui durante o mês de maio em
louvor à Virgem Maria, nem do terremoto, do incêndio, nem da nossa viagem
para Orani, etc. Esses fatos vão enchendo a minha mente, de modo que todos
têm que ser relatados de forma sucinta. A senhora sabe que chegamos aqui em
maio. Bem, exatamente na noite em que viemos, por volta de sete horas, vimos a
primeira procissão. Havia uma longa fila de crianças em cada lado da rua, cada
•uma delas segurando uma corda com uma das mãos e uma vela com a outra.
Estas duas filas de crianças formavam a ribalta, por assim dizer, da pane principal
da procissão. Na primeira noite, foi bem simples, mas cada noite que se passava
tinha algo cada vez mais imponente, até que na última noite de maio a procissão
foi realmente grandiosa. Uma noite, um garotinho carregando uma cruz de
prata puxava a fila. De cada lado dele vinham dois garotos segurando uma vela.
Atrás vinham outras crianças portando curiosas lanternas feitas com uma arma­
ção de bambu, cobenas com papel crepom. Algumas tinham forma de estrelas,
outras, de octógonos e outras, de cubos. No meio delas, havia uma grande arma­
ção coberta de papel crepom em forma de cruz, com velas acesas dentro. Acom­
panhando essa multidão, vinham meninas em grupos de três, um depois do
outro. As primeiras tinham uns três ou quatro anos, as outras eram um pouqui­
nho maiores, e assim por diante, até que as últimas eram três garotas já crescidas.
Estas eram centro de interesse da procissão. A menina do meio representava a
Virgem Maria e as outras duas, suas damas, acho. As meninas da frente, carre­
gando flores, pareciam representar damas de honra. Atrás das meninas vinham
os músicos e alguns policiais e uma grande multidão de gente. Quando eles che­
garam à nossa casa, pararam, de maneira que os músicos e as seis garotas maiores
ficaram exatamente debaixo de nossas janelas. As três meninas das flores come­
çaram a cantar. Naturalmente, não compreendíamos as palavras e não sei dizer se
o canto em si era de qualquer modo musical, mas pelo menos era alto e fervo­
roso. Em uma certa parte da música, elas se viraram e ficaram de frente para a
Virgem e todos na multidão fizeram o mesmo. Elas então atiraram-lhe algumas
flores, cantaram mais um pouco e a procissão voltou a andar. Isto se repetiu na
noite seguinte, com a diferença de que elas cantaram para o hospital em vez de

131
cantar para nós. Finalmente, na última noite de maio, havia grandes navios e'
casas e coisas (transparências) carregadas no ar. Não consigo lembrar-me de
todas as coisas que havia. Desta vez a Virgem estava vestida com um vestido vis­
toso, com uma longa cauda segura pelas menininhas com saias de tarlatana e
grandes mangas. A Virgem portava uma grande coroa cheia de jóias e coisas que
nem sei. Suas assistentes também estavam vestidas de maneira mais esmerada e à
ixente delas caminhava um homem vestido de finas roupas, com uma coroa na
cabeça. Eu não sei o que ele devia representar. Durante todo o dia, no domingo
seguinte, eles continuaram marchando e entrando e saindo da igreja, tomando as
coisas muito interessantes para Frederic e para mim” (Frederic é seu filho de
quatro anos de idade).
Querida Mrs. Buder, envio isto para o Advocate porque creio que nossas
irmãs aqui têm a obrigação de saber como nossas irmãs nas Filipinas estão ten­
tando salvar suas almas, pois todas aquelas cerimônias são parte da religião delas.
Enquanto não temos o que fazer aqui, há outros lá para ensinar-lhes um cami­
nho melhor, e podemos orar por eles.
Em 8 de julho ela escreveu de novo de Balanga. Achei que sua história
sobre os costumes locais para enterrar os mortos seria interessante: ccEu estava
sentada à janela ontem quando vi um cortejo fúnebre se aproximar. Isto não era
de se estranhar, já que praticamente todos os enterros passam perto de nossa
casa. O caixão é carregado nos ombros, seguido por homens, e atrás deles vêm
as mulheres. Os homens e as mulheres nunca caminham juntos. O caixão é uma
caixa de madeira de formato convencional, decorado por fora com enfeites bri­
lhantes e de mau gosto. Estes caixões geralmente são alugados para a ocasião
pelas classes sociais mais pobres, mas os ricos quase sempre possuem um caixão
ricamente decorado como parte da mobília doméstica. Os mortos são mera­
mente transportados até o cemitério no caixão, onde são retirados e postos den­
tro da terra, cobertos unicamente com um lençol e um tapete tecido de grama.
Então o caixão é guardado para uso futuro. Esse era um enterro de gente pobre.
Não havia cânticos, nem velas, nem sacerdote, nem música, nem sinos - nada;
como cada item desta lista deve ser pago à parte, naturalmente os pobres não
tém nenhum “enfeite” em seus funerais. Esta pobre criatura por pouco não teve

132
caixão, pois quando chegaram mais perto eu pude ver que o dela era muito
pequeno para o corpo e que havia sido aberto à força a fim de o colocarem corpo
dentro. A tampa foi posta por cima, apoiada no corpo e não nas bordas do cai­
xão. Quando passaram sob minha janela, pude ver os dois pés apontando para
cima e também o contorno da cabeça sob o lençoL Era o funeral mais pobre que
eu já havia visto. Fomos ao cemitério no domingo de manhã e vimos, em um
canto de uma abóbada ou capela, uma pilha de ossos e crânios humanos, e ainda
também as inscrições -nas lápides que diziam Tlequiescat in pace”\ 8
Quando lemos estas coisas, como nos recuamos com horror ao pensar
em tais costumes! Vi coisas semelhantes a estas no BrasiL Certa vez, vi alguns
homens se alternando para carregar um corpo em uma rede até o túmulo e certa
vez um lindo bebezinho foi levado à sepultura em uma bandeja grande carregada
na cabeça por um menino de cor, sem nenhum amigo acompanhando... Os bra­
sileiros não são cruéis nem desalmados, e talvez os filipinos não o sejam, mas sua
religião é a mesma e não ensina que o corpo é o templo do Espírito Santo nem
alimenta a bendita esperança da ressurreição. Os ensinamentos do Pai não são
ministrados ao povo. Para ele, o Espírito Santo é uma pomba artificial na ponta
de um mastro com uma bandeira vermelha pendurada a fim de chamar atenção;
e a idéia de ressurreição fica restrita à manhã do domingo de Páscoa, quando o
povo se congrega para render homenagens a uma imagem com vestes reais
representando Cristo. A maioria destas pessoas passara a noite toda acordada
dançando e festejando. No sábado há uma “festa” chamada Sábado de Aleluia, a
qual muitos pensam tratar-se da ressurreição, de forma que o povo não tem uma
idéia clara nem mesmo em relação ao tempo.
A festa termina ao meio-dia do sábado. Ouvi dizer que a igreja inglesa pri­
mitiva celebrava essa festa de Aleluia como a representação da vitória de Cristo
sobre o inferno e o túmulo.
Não há dúvida de que muitas destas pessoas aqui e no Brasil estão “tateando
em busca de Deus, querendo encontrá-lo”, mas todas elas precisam receber o
ensinamento sobre a verdade como está em Cristo.

3 N.T: a inscrição 'Requiescat in pace' (R.I.R), em latim, corresponde à forma portuguesa 'Descanse em paz'.

133
Louvo a Deus por tantos terem visto a necessidade que elas têm do Evan­
gelho e oro para que muitos mais sintam a necessidade de ofertarem recursos
para que sejam enviados àqueles que podem partir para estes necessitados cam­
pos missionários.

Louisville, Kentucky, 5 de setembro de 1901

Juiz de Fora, Brasil


novembro, 1902

CARA SRA BUTLER: Algumas semanas atrás, o sempre bem-vindo Advo-


cxte chegou e a primeira coisa que vi foi que eu havia sido honrada com um lugar
na capa. Na parte interna, com relação a mim, havia um erro. Meu pai não era de
Connecucur: ele nasceu em Versaillçs, no Kentucky; e minha mãe em Newcas-
tle, no mesmo Estado. Menciono isto não porque pense que faça alguma dife­
rença especial para os leitores em geral, mas por causa dos que estão mais
interessados que esses leitores.
Tenho certeza de que a senhora sabe que alegrei-me quando chegou a
convocação para que eu me preparasse para partir para o Brasil. Estava muito
ocupada e feliz para querer ir ao Encontro Anual e fiquei contente por vocês
terem tido um encontro proveitoso.
Miss Howell encontrou-me em Nova Iorque e zarpamos do porto no dia
5 de julho em meio a uma tempestade. Ela foi corajosa durante todo o percurso
e foi trabalhar com vontade assim que chegou a Petrópolis. Imagino que Miss
Perkinson se pergunta como foi que se arranjou sem ela. Miss Perkinson tem
uma equipe boa e leal de professoras, mas precisava de mais uma. Encontramos
as missionárias que deveriam permanecer no campo em boa condição física e
espiritual, trabalhando duro para fazer progresso e equilibrar as despesas. Temos
um bravo grupo de mulheres, das quais os trabalhadores do país podem se orgu­
lhar São dignas da confiança da Junta e de todos os auxiliares.
Chegueí a Juiz de Fora a tempo para o Concilio Anual, antes que Miss
Shaffer tomasse o navio de volta. Espero que seus amigos possam ver como ela é
admirada em Juiz de Fora. Eles ficariam contentes com isso, eu sei. Miss Stradley
e Miss Pescud deixaram muita gente desolada quando regressaram.
Sempre me faz bem ver os pregadores no Concilio, pois isto me faz lem­
brar do que Deus tem feito por nós desde 1881, quando não havia um metodista
brasileiro no país, e agora eles formam uma multidão. Também estão muito feli­
zes por estarem juntos. Dizem que este ano foram dados grandes passos, calcu­
lados para fazer o trabalho prosseguir de maneira mais fácil e proveitosa.
Nossas escolas continuam firmes. A escola aqui em Juiz de Fora acaba de
reabrir após as férias. O departamento de internato ainda não esta completo,
mas a escola está como um formigueiro. Tentamos arranjar uma casa maior, mas
não conseguimos. As trabalhadoras precisam correr para arranjar algum
dinheiro para o prédio do Isabella Hendrix. Precisamos tanto disso! Miss Fuller-
ton continua bem e cheia de energia. Ela faz visitas aos membros da igreja e aos
pobres, ou onde encontrar uma porta aberta, quase todas as tardes. Katie e Julia
Scurlock, minhas antigas alunas, são duas de nossas fiéis professoras. O Senhor
Lima e o Doutor Goulart são nossos professores. O primeiro ensina gramática e
história e o segundo, fisiologia e botânica. Ambos são cristãos e pertencem à
nossa igreja. Miss Nebe, que tem ensinado trances e música nos últimos sete
anos, está ainda conosco. De fato, temos um corpo docente seleto e estou certa
de que temos todas as razões para esperar bons resultados.
O Colégio Granbery está construindo um grande prédio e dentro em
breve irão instalar-se nele. Deveriamos ficar bem contentes de vermos nossa casa
em fase de conclusão também. Estamos felizes por eles, mas, ah, como espera­
mos ter nossa própria casa! Quando vocês irão dá-la a nós?
Temos uma escola paroquial que é mantida por contribuições particula­
res. O professor é uma boa pessoa e nós estamos satisfeitos por tê-lo conse­
guido. Seu salário não é um atrativo suficiente; com certeza ele está trabalhando
para Cristo. A Liga de Epworth e a sociedade de crianças Jóias de Cristo vão
manter o missionário de nosso Concilio. Piá quatro anos esse missionário era
padre aqui em Juiz de Fora. Ele ouviu o Evangelho ser pregado em nosso púlpito
quando visitava uma casa vizinha à igreja e mais tarde quis saber mais, converteu-

1J3
se e desistiu de tudo por Jesus. Há muitas boas coisas para contar, mas já escreví
muito por ora.
Com graridão por toda gentileza enquanto eu estava em casa, e com
amor, sua serva no amor de Cristo,

M.H. Watts
11 de setembro de 1902

Colégio Mineiro, Juiz de Fora, Brasil


junho, 1903

QUERIDAS Leitoras DO Advocatei Após um intervalo de alguns meses,


volto novamente a chamar sua atenção para nosso trabalho no Brasil e talvez eu
deva rervindicá-la especialmente para este lugar em particular. De todas as partes
ouvimos o som triunfal “O Senhor está trabalhando por nós”, ou ‘Tenho cer­
teza de que este é o trabalho do Senhor, e Ele cuidará dos seus”.
Será que nosso povo se apercebe de que eles podem até mesmo encurtar o
braço do Senhor por não estarem fazendo sua parte de dar e enviar? Certamente
não pensam muito a fundo nesse assunto. Jesus disse Tde”, e isso diz respeito a
cada um que se denomine cristão ou cristã. D em um jornal metodista que se cal­
cula que a manutenção das igrejas nos Estados Unidos chegue a duzentos e ses­
senta milhões por ano. Pensem só nisso! Creio que cinco milhões são enviados aos
campos missionários no exterior. Rco imaginando se Jesus fica satisfeito com essa
distribuição desigual de recursos. Tenho certeza de que cada campo tem suas gran­
des necessidades, mas eu conheço as nossas necessidades no Brasil, que são muitas
e urgentes. O trabalho já existente precisa ser mantido, mas há portas se abrindo
por toda parte. Onde quer que tenhamos uma igreja, temos que ter uma escola
paroquiai, cuja diretora se tomaria parte da vida das alunas e suas famílias e da
igreja.
Ha tantos lugares abertos no momento, mas não podemos entrar. Por
qué? Porque não ha mulheres e dinheiro suficientes. Pergunto-me se a Igreja
tem dado ouvido aos rogos de nossas missionárias que estão em casa agora? Ou

136
estão apenas se entretendo, partindo depois da reunião, esquecendo tudo sobre
a própria missionária e a causa que ela representa? Sei que há algumas almas
abençoadas que não apenas acham a palestra “interessante e instrutiva”, mas
levam os fatos a sério e partem para ver o que mais podem fazer por Jesus e seus
filhos nos países longínquos. Pensem simplesmente nos milhões que não
conhecem Cristo como seu Salvador, que os livra do pecado. Não basta isto,
para não entrar cm detalhes sobre suas idéias de vida e de moral? O apóstolo
Paulo diz em Gálatas que estes são fomicadores, impuros, lascivos, idólatras, fei­
ticeiros, inimigos, porfiadores, ciumentos, iracundos, sediciosos, hereges, inve­
josos, beberrões, glutões e coisas semelhantes a estas. Jesus diz que eles se
erguerão “na ressurreição do juízo” e em Mateus Ele diz que após o juízo “estes
irão para o castigo eterno”, “onde seu verme não morre, nem seu fogo se apaga”,
onde não há uma só gota de água para refrescar a língua e onde serão atormenta­
dos para sempre. Em Apocalipse lemos que serão lançados no lago do fogo do
inferno. Isto não é argumento suficiente? Aquele que ama seus semelhantes
deve fazer tudo o que puder para salvá-los; mas aqueles que professam amar o
Senhor e que desfrutam do conforto assegurado por aqueles duzentos e sessenta
milhões de dólares — não deveríam estar despertos e trabalhando para salvar
aqueles que estão “jazendo na maldade”? Que Deus ajude nosso povo a ver o
caminho do dever e nele andar!
Desde meu retomo sofremos dois pesares: nossos dois bons amigos bra­
sileiros, os irmãos Moraes Barros, morreram. O Dr. Prudente estava doente
havia muito tempo, mas meu bom amigo Dr. Manoel foi “levado repentina­
mente”. Lamentei tanto não tê-los visto novamente ainda vivos, mas para mim
era impraticável ir a Piracicaba depois que vim para Juiz de Fora. O Dr. Prudente
declarou sua fé em Cristo em um discurso proferido no Colégio Piracicabano e
o Dr. Manoel, longo tempo atrás, fez o mesmo em nosso exame público, mas
nenhum dos dois jamais se alistou em Seu exército. Enquanto viveu, o Dr. Pru­
dente recusou a assistência do sacerdote, mas, depois que morreu, houve inúme­
ras missas pelo repouso de sua alma. Tenho pedido a Deus uma oportunidade
para enfatizar o que em anos passados disse aos filhos deles que foram meus alu­
nos. Posso contar com as orações daqueles que lêem estas linhas?

137
Tivemos casos graves de doença em nossa missão, mas Deus foi miseri­
cordioso e ergueu-os da cama. Justamente neste momento estamos pedindo
pela vida do irmão Bento, de Ribeirão Preto, que está acamado com febre ama­
rela, e pelas irmãs Bowman e Stewart, que foram para o hospital tratar de pacien­
tes com febre amarela. Muita gente de nossa igreja teve a febre, mas o último
relatório diz que morreu apenas um garoto. Irmãs que estão em nossa terra,
pensem simplesmente na âuto-abnegação daquelas duas mulheres que têm tan­
tas coisas para'as quais viver quanto qualquer uma de vocês! Miss Glenn, no Rio,
cuidou heroicamente de diversos pacientes com a mesma doença terrível Deus
a guardou; Ele a fez imune, ao que parece. Que Ele guarde as outras e as abençoe
abundantemente! Queremos estar prontas quando Ele nos honrar com um cha­
mado para este ou aquele serviço. Louvado seja o Seu nome!
Com exceção da escola em Ribeirão Preto, que está fechada no
momento, creio que as escolas estão indo bem. A escola de Miss Wright no Rio
Grande do Sul vai muito bem. Ela é uma jovem corajosa e podemos esperar
sucesso onde ela atua. A irmã Elerding, em seu trabalho solitário em São Paulo,
está se tomando parte do trabalho naquele local, e em lugares próximos, onde
eia pode ajudar nas reuniões tocando órgão. O primeiro requisito para uma mis­
sionária é ter o Espírito Santo e o outro é saber tudo o que puder aprender,
devendo uma parte deste aprendizado ser a música.
Lembrem-se do edifício do Colégio Isabella Hendrix e tomem providên­
cias imediatas sobre ele, pois precisaremos de outras casas em futuro breve.
Esperamos ter reforços este ano. Será que não há um talento musical consagrado
na Igreja Metodista do Sul?
Nossas crianças, sessenta e cinco ao todo, têm uma freqüência regular à
escola e estudam razoavelmente bem. A maioria delas parece interessada no
estudo da Bíblia. Cada uma de nossas doze alunas internas quer orar em voz alta
quando é chamada para isto ou quando há apelo para orações voluntárias por
algum assunto ou causa. Uma noite, quando as garotinhas não foram à reunião
de oração, eu pedi que elas orassem por alguma menininha que pudesse estar
doente e que não tivesse ninguém que orasse por ela. Aquilo as tocou, e cada
uma orou fervorosamente. Esta noite a Dulce, nossa garota, pediu em sua ora­

138
ção individual pela “garotmha que não tinha ninguém que orasse por ela”. Uma
noite, quando lemos sobre a cura do cego na porta de Jerico, propus que orásse­
mos para que Jesus abrisse os olhos de algum pobre cego que conhecéssemos.
Uma menininha aproveitou a idéia e intercedeu por ele. Disse ela: “Nós não
sabemos onde ele está, mas Tu o sabes”.
Vocês não se alegram, queridas irmãs, por terem alcançado estas pessoas?
E vocês não gostariam de que o número aumentasse? Algumas semanas atrás,
um de nossos melhores homens foi para o Céu. Vocês não estão felizes por ele
ter se salvado através das orações de vocês?
Se pudessem ver a igreja de Juiz de Fora no domingo, vocês ficariam con­
tentes; e se pudessem ouvir o testemunho de muitos, glorificariam a Deus. O
Diabo está enlouquecido com tudo isto e se esforça a todo momento para per­
turbar as coisas; mas ele não toca o princípio que está no fundo e seu trabalho se
reduz a agitar a superfície das águas. Que o nosso Deus abençoe o encontro em
Mempfiis e todas as mulheres que trabalham conosco! Orem por nós.

31 de março de 1903

Colégio Mineiro, Juiz de Fora


agosto, 1904

Fim do Trimestre, 31 de março de 19C4

Missionárias, 2; professoras, 3; assistentes, 4; alunas no início do trimes­


tre, 45; alunas que entraram durante o trimestre, 13; evasões, 7; remanescentes,
51; internas no colégio, 13; alunas admitidas com redução de taxas, 10; alunas
membros da Igreja, 10; alunas que freqüentam a Escola Dominical, 30.

Observações

Mais um trimestre se passou e já entramos em outro trimestre há nove


dias. Mantivemo-nos bem durante o primeiro, talvez com uns poucos casos de

139
gripe. Os remédios foram: assistência, quinino e orações, e não foi preciso cha­
mar médico. Houve um certo aumento no número de alunas, mas também per­
demos algumas. Lamentamos muito por duas delas, mas as novas alunas nos
tizeram esquecer das antigas que decidiram nos deixar. Os negócios da escola e
da casa continuam como de costume. Tivemos algumas complicações duas
vezes durante o trimestre, quando nossa cozinheira adoeceu. Uma boa cozi­
nheira é um grande conforto e grande ajuda e sua ausência é bastante sentida.
Nossas finanças estão um pouco melhores e esperamos terminar bem. Começa­
mos a nos preparar para as cerimônias de encerramento e esperamos fazer o
melhor possível, não nos esquecendo de honrar a Deus em tudo. Miss Christine
está indo muito bem com a língua Durante todo o trimestre ela ensinou inglês a
crianças brasileiras. Nossas professoras continuam realizando fielmente seu tra­
balho. Meu tempo está preenchido com o trabalho de sala de aula Se eu tivesse
dinheiro para pagar um professor ou professora para assumir algumas de minhas
aulas, não sabería quais entregar-lhe, pois me parece que meu trabalho foi feito
sob medida para mim e Deus a cada dia renova minha juventude e minha força —~
de maneira maravilhosa Eu não sou muito corada e nem pareço nova, mas
sinto-me jovem, e isto é tudo de que necessito. Eu O louvo o dia todo pelo que
Ele me dá e pela força para cumprir Sua vontade. Gostaríamos de ter as coisas
em ordem para a chegada de Miss Shaffer. Havia hoje na porta uma pobre
mulher que perguntou por ela. Quando eu lhe contei que Miss Shaffer estaria
aqui em julho, ela fez as contas rapidamente e disse: “Oh, não vai demorar
muito!”. Que Deus abençoe a reunião da Junta, concedendo graça e sabedoria a
todos os que fizerem parte da reunião!

140
Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil
março, 1905

CARA. Sra. BuTLER: Já se passou tanto tempo desde que lhe escreví pela
última vez! Espero que me perdoe. Eu lhe escrevi muitas cartas mentalmente,
mas é fácil escrever mentalmente, não é? Quis escrever-lhe sobre nossas cerimô­
nias de encerramento em Juiz de Fora; depois sobre minhas férias em Petrópoüs
e sobre o Concilio, e em seguida sobre a nossa vinda a Belo Horizonte, com
uma descrição do local. Mas todas estas coisas foram suplantadas pelas “realida­
des” que tomavam meu tempo. A senhora e muitas de suas leitoras receberam o
prospecto do Colégio Isabella Hendrix há algum tempo e sabem que tal estabe­
lecimento realmente existe. Espero que nos tenham concedido um pouco de seu
precioso tempo de oração. Conforme anunciado, abrimos nossas portas no dia
5 de outubro com a presença de um bom grupinho. Os irmãos Kennedy e Tilly
estavam presentes. O irmão Kennedy leu as Escrituras, cantamos um hino, em
seguida um dos irmãos orou e então foi a vez dos discursos. Um dos professores
do ginásio pronunciou um discurso e também falou um representante de um
dos jornais. Os irmãos também falaram e eu fui chamada para dar uma palavra.
Então conclamei a escola para fazer tudo o que estivesse ao seu alcance para
fazer de nossos alunos bons cidadãos brasileiros, dizendo que tudo o que eu fiz
quis fazer para a glória de Deus. Cantamos outra música, a cerimônia se encer­
rou com uma bênção e o Colégio Isabella Hendrix já era uma realidade - uma
parte de Belo Horizonte e da Igreja Metodista no Brasil — e o mais novo mem­
bro da Junta Feminina de Missões Estrangeiras foi reconhecido.
No dia seguinte, vieram cinco crianças. Ficamos um pouco desapontadas,
pois esperavamos algumas a mais; mas nós dedicamo-nos a fazer o melhor possível
por estas. Posteriormente vieram outras, e no dia 5 de novembro já havíàmos
matriculado dezoito. Uma saiu e outras duas mudaram-se para Petrópolis, e temos
agora quinze, com promessas de mais. Todas são crianças da Igreja aqui. Oh, irmã,
se a senhora pudesse ver nosso trabalho por apenas um dia, ficaria contente de ver
que nossos pequeninos irmãos e irmãs finalmente encontraram um meio de sair
de suas masmorras de ignorância. O ensino por eles recebido não foi uma base —

143
na \*erdade, seria preferível começarmos do começo, pois temos que demolir para
construir. Temos uma boa casa. As salas de aula podem ser comparadas às melho­
res da missão e os móveis que chegaram dos Estados Unidos a tempo fazem com
que sejam boas e do mesmo nível de quaisquer outras. Nossa casa é parcamente
mobiliada. As caixas de embalagem da mobília tiveram uma boa serventia como
suportes para lavatórios e guarda-roupas. Tenho um guarda-roupa, um lavatório e
uma estante feitos com as caixas do jeito que estavam, cobertas de papel e fechadas
com cortinas, e estou tão satisfeita com elas que as mostro para qualquer pessoa
que venha aqui, esperando dar-lhes a mesma idéia. Uma senhora disse a seu
esposo: ‘Jayme, a gente podia ter uma assim”. Nós temos aquilo que não pode­
mos deixar de ter e estamos muito felizes por termos tanto. “Nós” quer dizer Miss
Howell e eu. Nossa casa é um pouco fora de mão para muita gente, mas é perto da
casa paroquial, onde os cultos são celebrados e três linhas de bonde chegam até
aquL Em frente a nós fica a bela Estação de Minas, com um grande espaço em toda
a volta para uma espécie de parque; e na direção sudeste estão as montanhas que se
erguem como um baluarte para nos protegerem dos ventos pestilentos que vêm
daquela direção. Além de nos fazerem bem, elas nos dão um prazer genuíno com
sua beleza que varia hora após hora e dia após dia. Ao lado de nossa casa há um
estábulo de cavalos de aluguel que só nos incomoda por causa das moscas que vêm
de lá e por causa da fumaça da chaminé da cozinha que entra pela janela de Miss
Howell quando está aberta, provocando uma corrente de ar. Atras de nós fica uma
casa ocupada por pessoas que vivem para o prazer egoísta, divertindo-se até meia-
noite com música de baixa categoria e danças, ou conversas em voz alta e risadas
mal-educadas. Como não se trata de uma casa de família, já pensei em dar queixa
deles, mas até o momento não o fiz. Atras desta casa fica uma fábrica de sabão que
nos brinda com odores fortes de quando em quando. Do outro lado da Av. do
Gommerao há alguns homens de temperamento turbulento e, por esta razão, oca­
sionalmente ouvimos discussões em voz alta e brigas. Até o momento, ninguém
se machucou, o que me faz pensar que isto é um tipo de um divertimento deles.
Agora, tudo isso nos faz desejar ter a nossa própria casa. As cercanias serão muito
diferentes. Bem acima de nós estará a igreja, do outro lado da rua, em frente, ficara
a elegante agência dos Correios que começaram a construir, ao lado, o belo parque,
e arras de nós nosso próprio jardim, que nos separa da rua daquele lado. Em posi-

144
ção diagonalmente oposta no mesmo quarteirão está a nossa casa paroquial, que
sempre serve de hospedagem. Agora será que a senhora vê como ansiamos pelo
momento em que estaremos bem resguardadas em nossa própria casa? Estamos
muito felizes por nossas irmãs em Juiz de Fora terem sua bela casa e damos os
parabéns à nossa Junta por tão valiosa aquisição feita com um desembolso tão
modesto de dinheiro, mas queremos que elas se lembrem deste ponto também. A
senhora sabe que, quando surgiu uma escolha entre duas coisas boas, o Salvador
disse: “Deveis fazer estas coisas e não deixar de fazer as demais”.
A senhora não podería incentivar as nossas mulheres a pouparem um
pouco do dinheiro nas despesas miúdas para ser aplicado aqui? Temos uma boa
quantidade de gente aqui e muito mais gente faminta por toda a parte. Na reu­
nião dos soldados, rogaram a Mr. Kennedy para prolongar os cultos por mais
tempo. E quando vai para os outros pontos de seu circuito, ele prega dois ser­
mões e então alguém diz: “Não achei que foi muito comprido”, mesmo quando
o culto dura até às onze horas da noite. Isto não faz com que a senhora deseje
fazer algo por eles? Os alicerces do prédio de nossa igreja já foram feitos e,
enquanto estão se consolidando, os carpinteiros vão trabalhando com a parte de
madeira. Oh, querida irmã, Deus está trabalhando pelos brasileiros, e devemos
ajudá-los. Ore por nós e incentive nossa causa — Sua causa — com o povo de
nossa igreja Receba, juntamente com nossas irmãs, os melhores votos cristãos, e
uma oração a favor do próximo ano.

MarthaWatts
l.° de dezembro de 1904

Colégio Isabella Hendrix, Belo Horizonte


agosto, 1905

Trimestre que termina a 31 de março de 1905

Missionários, 2; assistentes, 3; alunos no início do trimestre, 15; alunos


que entraram, 30; evasões, 5; alunos que permanecem, 40; alunos admitidos com

145
redução de taxas, 9; alunos membros da Igreja, 2; alunos membros da Escola
Dominical, 17.

Observações

Nosso último relatório foi cheio de esperança e ainda nos sentimos felizes
pelo que o Senhor tem feito por nós. Iniciamos o novo ano com a cerimônia sin­
gular de descerramento de nossa placa. Alguns ficaram imaginando o que podia-*
mos tazer para dignificar uma ação tão pequena, então nós lhes mostramos às
sete horas da manhã de segunda-feira, 2 de janeiro, 1905. Nossos irmãos visitan­
tes, Rev. Lander, Tilly, Parker e Tavares, juntamente com o irmão Kennedy, esta­
vam presentes com outros interessados, especialmente as crianças que estavam
lá, apesar da chuva forte. Primeiro servimos café e pão com manteiga, depois
tivemos uma ministração sobre as Sagradas Escrituras, hinos, orações e alguns
bons discursos.
As lOh nossas crianças se reuniram; e, embora estivesse chovendo, o
número foi em dobro e tivemos 40 alunos para começar o primeiro trimestre.
Achamos que, no geral, as crianças estavam mal preparadas nos fundamentos
básicos de sua educação e, conseqüentemente, tivemos muito trabalho para
educá-las. Estamos ainda trabalhando nos “princípios”, mas estamos organi­
zando a escola numa base firme e tentando ensinar às crianças que escola é
assunto séno. Temos uma boa jovem brasileira, formada no Mineiro, cn. Juiz de
Fora, ajudando especialmente na gramática, em leitura e geralmente em qualquer
outra coisa que precisemos. Temos uma brasileira dando aula em nossas duas
turmas de francês. Ela tem um filho na escola e ela mesma estuda inglês com
Miss HowelL Nossa professora de música é uma bela moça que acabou de com­
pletar seus estudos no conservatório no Rio. A especialidade dela é o violino,
mas parece também ser uma boa professora de piano.
Os pais estão dispostos a nos apoiar na disciplina dos filhos e alguns se
esíorçaram para conseguir mais alunos para nós. Quase todos pagam integral­
mente. Entre os favorecidos, quase todos pagam a metade do preço. As contas
sãc pagas pontualmente e com a nossa renda compramos algumas cadeiras, de
que estávamos precisando muito.
Agora estamos encaminhados e, a menos que aconteça alguma coisa
extraordinária, podemos aguardar um crescimento estável Se a senhora pudesse
conhecer a situação e ver o terreno que a cidade nos deu, ficaria impressionada e
daria glória a Deus. A cidade está dividida em lotes em que cabem apenas uma
casa com pouco espaço para um quintal ou jardim, enquanto nosso lote é um
quarteirão inteiro, em um dos melhores lugares da cidade. Espero que logo
esteja pronto para construir e plantar árvores frutíferas e para dar sombra. Para o
prédio vamos ter metade do quarteirão, ou uma “fazenda”, como disse alguém.
Desde abril passado tivemos um aumento de cinco alunos e promessa de outros
mais. Estamos agora com a esperança de ter cinqüenta alunos. Desde o princípio
deste trimestre estamos com outra assistente - uma das nossas moças de Petró-
polis, que acabou de completar o curso da Escola Normal do Rio. Ela parece
bem preparada para o trabalho e está trabalhando pelo Evangelho, porque pode­
ría ter obtido emprego no governo. Para resumir, estamos bem encaminhadas e
indo bem, e damos a glória a Deus. Oramos para que a próxima sessão da Reu­
nião Anual seja tudo que a senhora deseja.

MissM.H. Watts

Colégio Isabella Hendrix, Belo Horizonte


novembro, 1906

Julho chegou aqui, bem como nos Estados Unidos, mas com uma men­
sagem diferente. Os geógrafos dão uma noção teórica da zona tórrida. Se pudes­
sem representar o litoral como a zona tórrida dizendo que era quente, estariam
dizendo a verdade; mas quanto a Belo Horizonte, eles não dizem a verdade.
Durante três meses choveu quase sem parar e a umidade trouxe frio, embora
fosse pleno verão, e depois em abril ficou seco e começou a esfriar mais no
outono, e agora está muito frio. Imagine só um dia frio de novembro ou de
março sem fogo, exceto na cozinha Isto é a Belo Horizonte de hoje.
Felizmente para a escola, estes últimos meses foram secos e tivemos com-
parecimento quase integral. Entraram nove alunos novos, mas três dos que eu

147
contei no meu último relatóno saíram. Então, mesmo com nove, ficamos com o
mesmo número que contei no último trimestre, pois outros seis saíram. Há um
ano encerramos o ano letivo com cinqüenta e dois; este ano com cinqüenta e
sete, um pequeno aumento. Na realidade, somente três dos seis que relatamos
nos deixaram de vez; os outros estão doentes e vão voltar. Trvemos provas escri­
tas e orais no encerramento das aulas. Como sempre, alguns tiveram bons resul­
tados e outros não; alguns tiveram um resultado melhor do que esperávamos, e
alguns atenderam às nossas expectativas. Alguns apresentaram bons resultados
nas aulas sobre a Bíblia e outros, pelo que parecem saber, bem que poderíam
estar saindo do paganismo. Satanás certamente odeia a Bíblia e com suas sutile­
zas impede que a alma se alimente do Pão da vida.
Os três que saíram foram para um “cursinho” a fim de se prepararem para
as provas de admissão ao ginásio. “Ginásio” aqui significa uma escola pública que
dá diplomas e garante uma nomeação aos formados. Dt£em que as provas em
geral são farsas. Em toda parte nos dizem que nossa escola é admirada e que se
fala muito dela, mas muitos estão com medo da influência religiosa. Os padres
estão sempre pregando e trabalhando contra nós. A maravilha é termos tantos
alunos quantos temos. Significa que Deus está trabalhando para o povo brasi­
leiro. A Ele honra e glória! Nossos professores têm sido leais e parecem simpati­
zar com nosso trabalho. Nosso professor titular falta bastante, mas faz um bom
trabalho quando chega aquL Nossa professora de música casou no dia 5 de maio,
causando confusão no seu departamento a maior parte do mês. Realmente pare­
ceu que não poderiamos ter a festa de encerramento que esperávamos ter, mas a
irmã dela veio ajudar e, juntamente com suas próprias apresentações, permitiu-
nos dar uma festa aceitável na noite de 21 de junho. Houve uma boa reportagem
sobre ela no jornal principal da cidade. A vinda de quatro alunos internos
aumentou nosso capital, de modo que pudemos pagar todas as contas em dia. O
relatóno financeiro mostra 266,33 dólares disponíveis, sendo a maior parte
dinheiro vindo das “mulheres da Bíblia” e de bolsas de estudo. Eu quero separar
essas quantias do capital da escola, porque isso cria uma impressão errada. No
ano passado, estávamos em condições financeiras apertadas, mas hoje não temos
mais dívidas. No mês que vem temos que acertar as contas com nossos recursos
e, graças a Deus, vamos ter tudo pronto. O recurso sempre chega na hora certa.
Temos na casa uma menina a quem talvez vamos dar a bolsa de estudos
Irene Lewis, ou talvez não. Não daremos se acharmos alguém mais promissor.
A questão do caráter toma a decisão difícil, porque realmente não temos achado
caracteres muitos nobres. Esperamos dar-lhes ideais mais elevados. Deus nos
ajude a ser esses ideais. Queremos também achar outra pessoa para a bolsa Bettie
Bosley. Espero que as senhoras não percam a paciência conosco, porque real­
mente estamos fazendo o máximo para aplicar seu dinheiro onde ele vá render
os melhores resultados.
Nossas “mulheres da Bíblia” estão trabalhando, mas lentamente. São boas
mulheres e fazem um trabalho consciente, eu creio.
O único pensamento e assunto da conversa agora é a nova casa. As plan­
tas tinham sido aprovadas pelo prefeito e pelo arquiteto da cidade, e agora estão
prontas para os concorrentes examinarem antes de fazerem os seus orçamentos.
A frente do prédio está emoldurada e pendurada na vitrine de uma livraria na rua
principal, e os anúncios foram enviados à imprensa; assim imagino que vamos
ter um bom período por enquanto com as idas e vindas dos construtores ambi­
ciosos. Queremos ter tudo pronto para o bispo poder ver tudo de uma vez
quando vier. Gostaríamos de que ele ficasse mais tempo conosco.
Com todo respeito, submeto o escrito acima.

M.H.Watts

Belo Horizonte, Minas, Brasil


outubro, 1907

Passou-se mais um trimestre, com seus privilégios, oportunidades e bên­


çãos, como também com suas responsabilidades, e agradecemos a Deus por nos
manter e usar em seu serviço. A entrada de nove alunas e a saída de quinze foram
os movimentos incomuns da escola. Receamos que a abertui ✓v
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149
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públicas possa tirar nossos alunos, mas a princípio os pais não tinham pressa;
contudo, durante este trimestre, um número substancial saiu para se matricular
nas escolas gratuitas. Vários saíram da cidade; dos quinze, quatro saíram por
doença. As crianças compareceram bem às aulas e estudaram bem, e fizeram
boas provas no encerramento. Algumas apresentaram bons resultados em algu­
mas matérias e ruins em outras, como quase sempre fazem, mas alguns saíram-
se bem em todas as matérias. Os professores trabalharam fielmente e todos sen­
tiram os efeitos. Encenamos com uma noite de entretenimento que agradou à
piaréia que encheu a capela do novo prédio. Temos sido o mais econômicos pos­
sível para termos uma reserva para nós nas férias e suprir a nova escola com as
coisas indispensáveis. Isto explica a soma razoável que relatamos.
No fim do trimestre a Senhorita Howell foi para os Estados Unidos, para
um merecido descanso.
A nova casa está quase pronta. Esperamos ocupá-la antes do dia primeiro
de agosto. Por não ter muito dinheiro em mãos, o construtor não pôde enco­
mendar os acessórios e materiais para o encanamento e só salvamos a situação
recorrendo à Junta, porque senão a obra teria que parar. Do jeito que está agora,
2 casa é uma alegria para os nossos corações e com certeza será uma bênção para
muitos. Os brasileiros não poupam elogios ao prédio. Tomara que ele possa per­
manecer de pé por muitos anos como um monumento do amor de mulheres
Dara com o seu Deus e suas irmãs brasileiras! Tomara qne estas fiquem sabendo
ia vinda do Rei e se preparem para encontrar com ele!

Colégio Isabella Hendrix, Belo Horizonte


maio, 1908

O Adruocate chegou pelo último correio e foi muito bem-recebido. Senti-


os não ter mais notícias dos diversos campos missionários. Não parece que os
íssionários deveríam apoiar as suas revistas mais do que apóiam? Tenho cer-
Z2. de que o povo americano pensa assim e talvez nós, aqui no campo, pense-
os que cada um dos outros deve escrever mais; mas, quando se trata dos que

150
estão em casa, começamos a pensar nas muitas outras coisas que podem impedi-
los de fazê-lo. Quando voltei de Piracicaba, pensei que certamente escrevería ao
Advocate sobre a comemoração que tivemos lá e sobre o lançamento da pedra
fundamental do novo prédio, o Anexo; mas as provas escritas, o Natal e depois a
reabertura e os novos alunos e a perda de alguns tomaram nosso tempo e aten­
ção, e a carta não foi escrita. Fiquei muito feliz pelo fato de o irmão Belchior ter
escrito sobre o lançamento da pedra fundamental. Eu queria que ele mandasse
também as fotos que ele tirou dos diversos momentos da festa, pois estavam
muitos interessantes.
Quando Miss Stradley me convidou para ir à festa, eu não tinha muita
certeza do que fazer; porém mais tarde ocorreu-me, como o sussurro de um
amigo gentil, que seria bom ir e ver o trabalho nos outros lugares, e eu dei ouvi­
dos a esta palavra, reorganizei o programa da escola e fiz a viagem. Nossa passa­
gem de ida e volta nos deu direito a duas paradas, então parei em Juiz de Fora.
Que visita deliciosa! Nossas irmãs, Misses Shaffer e Christine estavam bem e
felizes no trabalho. Estavam satisfeitas por verem o terreno livre dos prédios
velhos que ficavam lá antes. Elas tinham feito tantos melhoramentos com um
custo tão baixo e a escola delas estava em um estado tão bom que elas só podiam
estar felizes. No jantar tivemos frango e, na refeição da manhã, ovos; e sabendo
o custo desses luxos, eu fiquei um pouco curiosa, mas no café de manhã soube­
mos que havia uma doença nas vacas e que as autoridades proibiam abater quais­
quer tipo de gado bovino, e a explicação era essa. Quando eu voltei a Belo
Horizonte, minha família estava regalando-se com frango e ovos. Sem carne
alguma. Ficamos satisfeitos quando os bois melhoraram. Nunca passamos sem
leite, nem tínhamos medo disso, porque as vacas doentes não deram leite. Não
foi estranho? Algumas horas após ter partido de Juiz de Fora, em uma conexão,
eu me juntei a Miss Glenn e ao irmão Kennedy, que iam para São Paulo. Uma
noite agradável naquela cidade e então mais meio dia de trem até Piracicaba.
Ainda estavam no período de provas, mas nos deram calorosas boas-vindas e
nos cobnram de atenções. Claro que estavam cansados; mas como as coisas se
encaminhavam a contento, estavam felizes. O irmão Belchior contou-lhe sobre
as diversas cerimônias, mas ele não seria capaz de falar sobre o grande conforto
que era estar no antigo lar cheio de lembranças, nem sobre as palavras cordiais de

151
boas-vindas dos velhos amigos, e nem sabia que alegria era ver os muitos melho­
ramentos feitos na velha e querida cidade.
Mrs. Brown estava cheia de planos e arranjos, fazendo os jovens tocarem
e cantarem como poucos. Miss Stradley estava calma e serena, mesmo quando
recebeu um telegrama informando que o orador que escolhera não podería
assistir à cerimônia de formatura, e sob outras condições difíceis ela se mantinha
também perfeitamente controlada. Um segredo: o melhor modo de nos man­
termos jovens e fortes é ficarmos calmas em todas as condições difíceis. Claro
que sabemos de onde nos vem este poder. Uma semana de lazer chegou ao fim e
eu voltei para São Paulo, onde fui recebida pelos meus velhos amigos e tratada
carinhosamente durante quatro dias, e depois segui até o Rio, onde as queridas
irmãs que moram lã me receberam e, com sua gentil atenção, fizeram-me esque­
cer do reumatismo. Alguns dias em Petrópolis com minha Emília e os dois
filhos pequenos encerraram minha excursão e, depois de um dia passado no
trem, eu me vi outra vez em Belo Horizonte, onde fui recebida com muito cari­
nho por minha família. O ritmo da vida do colégio seguira seu curso regular.
Agora que estou tão longe, não podería falar algumas coisas pelas costas de
Senhorita Stradley? Bem, eu tenho certeza de que posso, porque não tenho
nenhum pensamento mau para expressar. Nossa irmã Stradley projetou um pré­
dio bom e colocou-o no lugar certo, e tão logo seja possível ele deve estar
pronto. O querido prédio antigo, que serviu desde janeiro de 1884, está mos­
trando sinais de desgaste e não está em pé de igualdade com as novas escoias na
cidade, e receia-se que ele fique em desvantagem em uma possível comparação.
Certamente nossa Junta vai cuidar de nossa primeira escola brasileira. Todos os
membros não vão levar o assunto a sério para facilitar a ação da Junta? A escola é
bem frequentada e goza de excelente reputação; Miss Stradley é quase idolatrada
pela escola e por seus amigos. Com certeza a Junta continuará a manter as
melhores condições do estabelecimento para o bem da causa que representa­
mos. Eu não sou a favor da abertura de mais escolas, mas certamente temos de
cuidar bem das que temos. A causa de educação no Brasil está crescendo e não
devemos ficar para trás. Um inspetor escolar falou do Colégio Piracicabano em
seu relatório como a “célula-mãe” da instrução no Estado de São Paulo. Agora
este bom começo tem de ser mantido. (...)

152
Gi ^iiínvr

Cariacfedfomenajezna
CICaríÁaloJaíis^1910

153
Uma Homenagem a Martha Watts
Por Miss TuJa C. Daniel

fevereiro, 1910

“Não poso dizer e não direi


Que ela morreu. Só está longe.”
Não podemos senão saber que ele está viva para todo o sempre.
‘Tara sempre com o Senhor!
Amém, que assim seja!
Nessa palavra há vida dentre os mortos,
E é imortalidade.”
Um dia, praza a Deus, encontrar-nos-emos com ela e vê-la-emos “des­
perta e satisfeita em sua semelhança”. •
Durante longos anos ela foi minha amiga e as cartas do Brasil e as que se
escreveram durante períodos de licença e se acumularam, e seu tom era mais
confidencial e temo à medida que ela ia permitindo-me penetrar nos profundos
anseios de seu coração em busca de santidade pessoal e das ricas verdades espiri­
tuais como as descortinadas por sua visão. Na última visita à sua terra antes desta
visita a Chicago, sua alma estava satisfeita com a abundância da casa Dele e ela se
rejubilava em pureza de coração. Era tão modesta, tão despretensiosa, tão wC-ra-
josa, tão firme, tão verdadeira e tão cheia de amor por seu país adotivo que foi
quase uma dor e um choque quando descobriu que para ela não havia esperança
de voltar a trabalhar entre seus brasileiros amados enquanto vivesse. Para ela, a
vida só valia a pena se pudesse trazer almas ao seu Senhor em sua pátria adotiva.
Ela amava a nós - sim, mas amava mais o Brasil. Que ternura tinha para com as
crianças! Que prazer era para ela acompanhar seu crescimento físico, moral,
mental e espiritual! Quantas vezes ela apreciou os suaves traços de Ehilce, a
pequena criatura que criou como sua por muitos anos! Agora não está aqui para
orar por Dulce. Não devemos nós acrescentar esse nome às nossa orações? Ela
não está aqui para orar pelo Brasil. Não devemos abrigar esse país em nossos
corações com mais ternura?

155
Por duas vezes tive o privilégio de viajar com ela en route para as reuniões
de nossa Junta; em maio de 1901, para Asheville; em maio de 1909, para Chatta-
nooga. Toda a sua conversa era sobre o Brasil — suas necessidades, suas possibili­
dades e como eram poucos os missionários por lá. Quero dar-lhes um exemplo
de seu altruísmo. Depois de se haver recolhido na noite antes do encerramento
da última reunião da Junta, chegou uma mensagem telegráfica informando que
morrera em Chicago o irmão com quem ela esperava ir morar. Preparou-se para
retomar a Louisville e deixou um bilhete para Mrs. Trueheart e outro para mim.
Depois de contar sobre a morte do irmão e o planejado retomo, o assunto de
maior peso em seu bilhete eram as necessidades do Brasil, pedindo-me que
votasse a favor de todas as contribuições para o seu país. Naquela mesma manhã,
Miss Gibson, a presidente, havia planejado que ela falasse à Junta sobre as neces­
sidades de lá. Mas ela estava a caminho para o Estado de Kentucky, em comu­
nhão com o Senhor. Depois que Miss Gibson informou à Junta que ela fora
chamada, dizendo algumas palavras profundamente sentidas de simpatia e
apreço por sua amiga de toda a vida, pediu-me para orar por ela. O irmãs, conhe­
cendo a atitude de paz com a vida e a fé dessa pessoa querida, deveis saber que
seria facil entoar uma grande aleluia Aquele que a conformara de tal forma à Sua
imagem, abençoando-a de tal forma que Sua causa e Sua glória estavam além de
qualquer dor pessoal que lhe pudesse advir. Louvei-O por isso. Supliquei para
que nossos corações se dilatassem a favor da terra dela, que Seu poder pudesse
descer sobre os trabalhadores de lá e que nosso continente irmão pudesse cada
vez mais sentir a marca de sua vida e exemplo, e que Ele nos desse o poder de
outorgar as petições que lhe enchiam o coração. Deus nos ouviu e novamente
colocou o Brasil nos corações das mulheres naquela manhã. E foram alocados os
25.00C dólares necessários para a conclusão do Anexo Martha Watts em Piraci­
caba, onde, em 1881, essa única mulher abriu nosso trabalho no Brasil com uma
aluna durante três meses numa sala alugada. Irmãs, isso não significa que os
25.00C dólares estejam agora na tesouraria. Quem dera que assim fosse! Quem
dera que o congresso de Louisville, sim Louisville mesmo, a cidade dela - dis­
sesse: “Vamos doar isso”. Não que o nome de nossa querida precise disso para
perpetuar sua memória. Não, ela vive nas vidas que ali tocou. Piracicaba, Juiz de

156
Fora, Petrópolis e Belo Horizonte, todas essas cidades sentiram sua mão forma­
dora, pois sob a direção de Deus ela usava sua mente grande e forte para planejar
a expansão de Seu reino. Estivesse ela hoje convosco, iria exclamar: “Não choreis
por mim. Estou segura em meu lar, para sempre. Chorai pelo Brasil. Orai pelo
Brasil Dai ao Brasil a única coisa que pode tomá-lo liberto em Cristo Jesus — a
Bíblia aberta. A educação cristã, um evangelho puro, missionários plenos do
Espírito. Não me canteis qualquer loa fúnebre. Cantai ‘Cristo para o Mundo’,
‘Saudai o Nome de Jesus”’. Sim, irmãs, louvemos a Deus por essa vida maravi­
lhosa vivida para Sua glória Louvai-O pelo lugar que ele foi preparar para ela
Louvai-O para que, quando Ele vier, ela seja arrebatada para encontrar-se com
Ele nos ares e louvai-O para que nós, que estamos vivas e aqui permanecemos,
possamos ir com ela

“Vê-lofaceaface
Econtarahistória — SalvospelaGraça. ”

157

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