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8/6/2011 InForum | Pe.

José Maurício: Uso das …

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Mensagem
Data: 02/02/2002 23:21:36
De: Eduardo Bernini (eduardo@bernini.net)
IP: 200.184.0.226
Assunto: Pe. José Maurício: Uso das Tonalidades e Teoria dos Afetos

Música na Corte de D. João VI e D. Pedro


I: Padre José Maurício

As atividades musicais nas diversas


cidades brasileiras durante o período
colonial eram bastante modestas, com
exceção da fase áurea da Capitania de
Minas Gerais. O mundo musical carioca do
fim do século XVIII e dos primeiros anos
do século XIX, apesar de o Padre José
Maurício já estar em plena atividade, em
quase nada se destacava do que se fazia
na Bahia, no Recife ou em São Paulo.
Chegavam de Vila Rica, do Tejuco, de
outras vilas mineiras os músicos mais
talentosos, como Emerico Lobo de
Mesquita, em busca do fausto declinante
na Terra do Ouro. Entretanto, um
acontecimento excepcional estava por
ocorrer, independente da vontade de
reinóis e nativos, com aquela fatalidade
inevitável dos grandes momentos da
História.

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Portugal sempre manteve estreito


relacionamento com a Inglaterra. Sua
economia dependia, e ainda depende em
parte, das aquisições inglesas, e a
posição geográfica de Portugal por sua
vez obrigava os estadistas britânicos a
cultivarem as boas graças dos monarcas
portugueses. A corte lusitana mantinha
em relação ao Brasil uma mentalidade
pragmaticamente extrativa e a exigüidade
dos recursos da mãe-pátria não permitia
que aqui se fizessem vultuosos
reinvestimentos. Como reconhecia o Padre
Antonio Vieira, a tromba d​água chupava
no Brasil e fazia chover em Portugal. No
início do século XIX a situação não
havia mudado muito, embora já nessa
altura houvéssemos adquirido o pomposo
título de Vice-Reino.

Napoleão e suas aventuras expansionistas


perturbaram e aceleraram a provável
evolução da colônia, que de outra
maneira teria demorado muito mais a
alcançar a independência.

À medida que os exércitos napoleônicos


avançavam pela Espanha e se preparava a
invasão de Portugal, a corte lusitana se
agitava. O transplante de toda a
parafernália da monarquia era uma
alternativa atraente, pois se tinha
esperança de que a ocupação de Portugal
não se prolongasse demasiado. Os
conselheiros ingleses eram dessa opinião
e foi assim que a vida cotidiana no
pacato Brasil se viu subitamente
transformada. A humilde cidade do Rio de
Janeiro em poucas semanas passou a ser a
sede de uma corte suntuosa, ávida de
diversões e prazeres. Sendo o Príncipe
Regente um entusiasta da música, era
natural que se animassem
extraordinariamente as atividades
musicais na capital. Mas atenção: esse
surto espetacular durou muito pouco ​
treze anos apenas, isto é, o período em
que Dom João VI permaneceu no Rio de
Janeiro. Embora Dom Pedro I fosse também
um melômano e até compositor, a escassez
de recursos financeiros após a
Independência afogou quase por completo
a verdadeira orgia musical que
prevaleceu no período em que o rei de
Portugal viveu no Brasil.

Em janeiro de 1808 chegava ao país a


corte portuguesa e Dom João VI foi um
benemérito para o Brasil, graças às
importantes instituições que criou, logo
ao desembarcar, e à abertura dos portos
aos navios estrangeiros, decisão que
aliás trouxe vantagens substanciais a
seus aliados ingleses. Sublinhe-se que,
até então, o comércio marítimo com o
Brasil era monopólio absoluto de navios
portugueses. Mas as repercussões da
chegada de Dom João ao Rio de Janeiro

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foram efetivamente notáveis no terreno
da música, que tomou grande impulso não
somente no setor religioso, como também
no profano. Fator preponderante na vida
musical religiosa foi a reorganização da
Capela Real, ao passo que a chegada do
compositor de óperas Marcos Portugal, em
1811, deu impulso à música profana no
Rio de Janeiro. Mas antes de entrarmos
em pormenores sobre esse curto período
de plenitude musical, vamos recordar
aquele a quem se pode chamar, sem
exagero, de primeiro grande compositor
brasileiro, o Padre José Maurício Nunes
Garcia, que durante três anos, de 1808 a
1811, dirigiu todas as atividades
musicais da corte portuguesa no Rio de
Janeiro.

José Maurício é uma personalidade que já


se delineia com bastante clareza, graças
a pesquisas recentes, sobretudo de
Clêofe Person de Mattos. Antes
circulavam muitas versões romanceadas
sobre a sua vida, exaltavam-se talvez
em demasia seus méritos e sua influência
na época, em parte como conseqüência dos
escritos de seu próprio filho e dos do
Visconde de Taunay, prestigioso
entusiasta. Por outro lado, essas
pesquisas revelaram com certeza que o
sacerdote não era apenas mais um músico
mulato, da série que tanto frutificou no
período colonial. Embora ainda
permaneçam alguns aspectos obscuros na
sua formação cultural, já se pode
afirmar sem hesitação que o Padre-Mestre
foi mesmo um homem culto, com educação
humanista desusada para pessoa de sua
modesta origem, orador apreciado, além
de grande compositor e notável
intérprete também. Entretanto, cabe aqui
salientar, conforme já apontou Luiz
Heitor, que a qualidade de sua música,
em vez de beneficiar-se com a chegada da
corte portuguesa, sofreu a influência
negativa do estilo pomposo e adornado da
música napolitana tão na moda em Lisboa.
Na ânsia de agradar o Rei que tanto
admirava, José Maurício sobrecarregou
sua música singela e espontânea e
adornou a pureza de sua inspiração. Mas
esse é apenas um pormenor, não diminui o
mestre, embora tal fato se observe com
bastante clareza em suas obras,
sobretudo depois que chegou ao Rio o
espetaculoso Marcos Portugal. Se a
música rococó foi do gosto da corte, era
natural que o compositor brasileiro se
ajustasse à realidade, para competir com
seus rivais portugueses. Aliás, o melhor
conhecimento da obra de Haydn lhe foi
útil.

José Maurício nascera a 22 de setembro


de 1767 e era o primeiro dos grandes
músicos brasileiros nascidos em ano sete
(Villa-Lobos ​ 1887, Lorenzo Fernandez e
Francisco Mignone ​ 1897, Camargo

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Guarnieri e José Siqueira ​ 1907).
Nascera na rua da Vala, hoje Uruguaiana,
no rio de Janeiro. Seu pai era alfaiate
ou ​mestre-de-campo​, designação vaga, mas
o compositor o chamava de ​tenente​. A
mãe, parda liberta, teve ascendentes ​da
Guiné,​ isto é, escravos. José Maurício
teria sido mulato claro, com traços
fisionômicos comprovando sensível
contribuição de sangue europeu, e de
cabelos finos e soltos, na descrição de
seu próprio filho. Possuía estatura
acima da média, a julgar por testemunhos
fidedignos, e forte constituição. Sua
origem humilde e juventude modestíssima,
agravada pela perda do pai aos seis anos
de idade apenas, só serviram de estímulo
para sua inteligência viva e vontade
férrea de vencer as barreiras da
sociedade de então, aumentadas ainda
mais pela chegada da corte portuguesa.
Foi educado pela mãe e pela tia, e um
negociante amigo da família teria
aumentado bastante seus estudos. Sempre
foi um grande trabalhador e, no período
em que chefiou a Capela Real,
multiplicou-se até a exaustão, com
prejuízo para a sua produção musical
posterior.

Sua vocação religiosa pode e deve ser


questionada. A ordenação a sacerdote,
aos 25 anos de idade, foi uma escada
para sua ascensão social e requisito
indispensável para atingir sua ambição
máxima no momento ​ tornar-se mestre-de-
capela. De sua educação musical só se
sabe mesmo que foi aluno de um músico
mulato, Salvador José, mestre de toda
uma geração no Rio. Cantava no coro,
estudou solfejo, contudo não existem
provas de como conseguiu granjear a
cultura que seus primeiros biógrafos
insistem em atribuir-lhe. Nem mesmo os
nomes dos mecenas que lhe teriam
propiciado adquirir tais conhecimentos
chegaram até nós. É indubitável que a
rapidez do processo eclesiástico de sua
ordenação, em 1792, comprova seu preparo
intelectual, ao ponto de serem
dispensados interstícios e d ​ efeitos de
cor​. Sabemos que, de 1802 a 1804, fez um
curso de retórica com o Dr. Manoel
Ignácio da Silva Alvarenga, experiência
que lhe teria valido mais tarde o
honroso título de p​ regador régio​ da
Capela Real. Aliás um bispo da época o
considerava como um dos mais ilustrados
sacerdotes da diocese, a quem sobejavam
talentos fora da música. Essa imagem de
homem culto me parece útil sublinhar,
porque ela representa uma nítida
elevação intelectual de um músico e
compositor mulato no Vice-Reinado.
Entretanto, como veremos já, a condição
de nativo e de mulato prejudicou muito a
carreira musical de José Maurício após a
chegada da corte portuguesa, cheia de
preconceitos.

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Além de suas funções de mestre-de​capela,


José Maurício desempenhou papel
importante como professor e, dentro da
velha tradição mencionada no capítulo
anterior, tinha em sua casa uma escola
de música que manteve quase até o final
de sua vida. O objetivo era preparar
músicos e cantores para as cerimônias
religiosas da Sé do Rio de Janeiro. Os
alunos usavam um laço azul e vermelho no
chapéu, o ensino era gratuito e a
participação nos conjuntos musicais
resultava em isenção do serviço militar.
Dom João VI deu-lhe uma pensão que
ajudou a manter a escola, mas Dom Pedro
I não teve condições financeiras de
confirmá-la e a suspendeu. O curso de
música, que já completara 28 anos,
findou em 1822. No ano anterior escreveu
um compêndio de música e método de
pianoforte. As aulas a princípio eram
dadas em uma casa na rua das Marrecas.
Essa casa da rua das Marrecas no. 14 lhe
foi doada pelo negociante Thomaz
Gonçalves para formar um patrimônio
requerido para a ordenação de sacerdotes
não indicados pelo Rei. Dores de cabeça
causou-lhe um empréstimo tomado com
penhora desta casa, afirma o padre
Schubert. Francisco Manuel foi seu
discípulo e o mestre nem sequer dispunha
de um cravo ou piano, sendo a viola-de-
arame o instrumento de ensino básico.

Quando mencionamos que sua vocação


religiosa era duvidosa, talvez fosse o
caso de especular também sobre a
repercussão de sua vida amorosa na
carreira musical, sobretudo após a
chegada de Marcos Portugal, rival,
compositor, inimigo e, no final da vida,
talvez amigo. Luiz Heitor julga que o
p
​ ermissionismo​ do séc. XVIII deveria
relevar as fraquezas de sua vida
privada. José Maurício teve seis filhos
de uma mulher chamada Severiana. A mãe
destes filhos, Severiana Rosa de Castro,
filha do português João de Castro
Moreira e da e
​ scura​ Andreza Maria da
Piedade, parece nunca ter convivido com
José Maurício. E mais tarde é de supor
uma separação formal, pois ela se casou
com um rico português, Antonio Rodrigues
Martins. Teve deste um filho que também
se tornou médico, tratando do pianista
Gottschalk, adoentado durante sua visita
ao Rio de Janeiro (Padre Schubert).
Viveu com ela e os filhos de maneira
permanente? Provavelmente não. Cedo se
separaram para guardar as conveniências,
mas as crianças continuaram a nascer. A
3 de abril de 1830, pouco antes de
morrer, o compositor compareceu a um
tabelião para legitimar o Dr. José Nunes
Garcia.

Enquanto Dom João precisou de José


Maurício para a direção da Capela Real,

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ele teria tolerado a situação
embaraçosa, mas ao chegar Marcos
Portugal de Lisboa, em 1811, é possível
que o relativo ostracismo do compositor
não tenha sido motivado apenas pela
campanha contra ele movida pelo músico
português, mas também pelo fato de o
padre-mestre da Capela Real, além de
brasileiro, era mulato e já tinha então
três filhos. O rival pode ter utilizado
esse argumento junto ao monarca tão
religioso, na corte tão lusófila, e com
os altos prelados. Entretanto, José
Maurício nunca perdeu o favor do Rei,
nem chegou a ser dispensado de seu
cargo, que conservou até a morte.

José Maurício havia sido nomeado em 1798


mestre-de-capela da Catedral da Sé do
Rio de Janeiro, mas desde sua ordenação
era padre-mestre da igreja da Irmandade
de São Pedro dos Clérigos. Aliás foi um
dos fundadores da Irmandade de Santa
Cecília. Suas responsabilidades eram
muitas: compositor, regente e intérprete
(organista), além de organizador das
cerimônias religiosas realizadas na Sé.
Era considerado excelente organista e
seus biógrafos nos contam vários
episódios emocionantes, talvez
fantasiosos. Improvisador hábil, no
juízo do músico austríaco Sigismund
Neukomm, atraiu a atenção do Príncipe
Regente logo após a sua chegada, quando
José Maurício estava na plenitude de sua
capacidade musical, aos 41 anos de
idade. Nos três primeiros anos da estada
de Dom João no Brasil, o padre-mestre
foi o líder das atividades musicais no
Rio de Janeiro, apesar de sua timidez e
modéstia. Até o monarca se queixava: ​O
padre nunca pede nada...​ Teria o
príncipe mandado buscar Marcos Portugal,
ou veio ele de Lisboa atraído pela
corte? José Maurício foi posto de lado
sem muita cerimônia e restam poucas
referências a suas atividades musicais.
Valeu-lhe porém a amizade de alguns dos
ilustres membros da missão cultural
francesa que D. João mandara buscar de
Paris em 1815, após a queda de Napoleão.
Freqüentava ainda José Maurício os
salões da época e o Cônsul Geral da
Rússia, Lagsdorf, muito apreciava seu
talento. Era porém abertamente
hostilizado pelos artistas portugueses
como um competidor temível, que
precisava ser afastado a todo custo.

Cabe aqui um parágrafo dedicado a Marcos


Portugal, cujo nome já foi mencionado
mais de uma vez. Era então o mais
importante músico português, nascido em
1760. Menino prodígio em Lisboa,
aperfeiçoou-se em Nápoles, onde fez
amizade com Cimarosa. Suas óperas não só
dominaram a cena em Portugal, como
também foram apresentadas com algum
sucesso em várias capitais européias,

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inclusive em São Petersburgo. Sua música
não era original, nem a inspiração de
primeira água, razão pela qual não
sobreviveu ao autor. Chegou ao Rio de
Janeiro ​feito um lorde, com fumos mui
subidos​ e trouxe consigo mais músicos
portugueses, fator importante talvez
para o afastamento de José Maurício.
Como era de se prever, hostilizou de
imediato o tímido músico mulato. São
conhecidas algumas cenas de competição
entre os dois compositores e se José
Maurício levou a melhor no momento, o
invejoso e prepotente lusitano em breve
conseguia completo domínio do meio
musical carioca.

E não subestimemos agora essas


atividades musicais, pois enquanto Dom
João esteve no Brasil honrou as
tradições musicais da Casa dos Bragança.
Não esqueçamos que seu antecessor, o Rei
dom João IV, havia sido compositor e
possuía uma das melhores bibliotecas
musicais da Europa. Depois que o
príncipe de instalou no Rio, mandou
buscar músicos em Lisboa e castrati
italianos. Segundo Debret, gastava-se
300.000 francos ouro anuais com a Capela
Real, da qual faziam parte cinqüenta
cantores e uma centena de intérpretes,
dirigidos por dois mestres-de-capela.
Viajantes de passagem pelo Rio louvaram
a qualidade da execução e consideravam a
orquestra como uma das melhores do mundo
de então. Se descontarmos o período em
que a Capela Real era somente dirigida
por José Maurício e ainda não havia
recebido a plenitude do plantel de
músicos depois à sua disposição, podemos
estimar que esse apogeu musical durou
dez anos apenas. Quando Dom João VI
deixou a cidade, forçado pelo Parlamento
português a regressar a Lisboa, criou-se
um vazio imenso, que a Independência não
pôde preencher por falta de recursos.
Mas voltemos a José Maurício e demos um
vistaço em sua meritória obra de
compositor.

Possuía o músico carioca uma boa


biblioteca musical? Sua origem não se
situa bem. Deve tratar-se da coleção de
música da Capela Real, de que era
arquivista. Tinha em mãos algumas das
obras mais representativas de Haydn,
Mozart e Beethoven e seus trabalhos
atestam um conhecimento abalizado da
música que se fazia na Europa. É verdade
que, desde muito antes, os compositores
e intérpretes de Minas Gerais importavam
música regularmente das capitais
européias, tráfego esse que passava por
Lisboa e tinha coordenadores no Rio de
Janeiro também. Correriam todas as
despesas por conta da Igreja? Não é
viável. Ou haveria um mecenas
desconhecido que apoiou José Maurício em
mais de uma etapa de sua vida? Fala-se

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8/6/2011 InForum | Pe. José Maurício: Uso das …
de um certo José Maurício Gonçalves, que
o teria ajudado. É verdade que, nessa
época, ganhava bastante dinheiro com as
partituras encomendadas e as prebendas
que acumulava. Examinando suas obras na
biblioteca da Escola Nacional de Música,
do Rio de Janeiro, conclui-se que grande
parte do que escreveu deve-se a
encomendas para funções específicas, na
Sé ou na Capela Real.

Antes da chegada de Dom João, teve José


Maurício dificuldades em obter uma
orquestra completa para interpretar suas
obras, o que as limitou às
disponibilidades das circunstâncias. Por
vezes o acompanhamento se restringiu ao
órgão, madeiras e trompas apenas.
Gostava muito de escrever para quatro
vozes mistas. Luiz Heitor identifica
muito bem o estilo de José Maurício no
seu período mais inspirado, antes da
chegada da corte ao Rio. Escrevia ele
​sobre as partes vocais, serenamente
arquitetadas, (...) primorosas melodias
de natureza tipicamente instrumental.
Esse desenho melódico acompanhante, às
vezes de cativante beleza, sobrepondo-se
à contextura vocal, é típico do
compositor e o encontramos em suas
melhores páginas.

Paralelamente à reorganização e
fortalecimento da Capela Real, Dom João
mandou construir um teatro suntuoso em
que se tentou imitar o São Carlos, de
Lisboa. Ficou pronto em 1813 e estava no
local onde hoje se encontra o Teatro
João Caetano. Chamou-se logicamente Real
Teatro de São João e lá foram encenadas
as óperas dos compositores mais em voga
na época, a começar por Marcos Portugal.
José Maurício teria composto uma ópera
para esse teatro, intitulada Le Due
Gemelle, mas nunca chegou a ser encenada
e a partitura se perdeu. Infelizmente o
teatro não durou muito e se incendiou em
1824. O compositor teria tentado, em
1803, a música operística e até hoje se
ouve em concertos sinfônicos a abertura
Zemira, p
​ ara ser executada com
relâmpagos e raios nos bastidores...​
Clêofe P. de Mattos nega essa tentativa.
E sentencia Luiz Heitor: ​A voga da
música em estilo teatral, pesadamente
ornamentada nas partes vocais, contamina
a inspiração de José Maurício depois da
chegada de Marcos Portugal ao Rio. Esse
era o estilo do compositor português e
na competição que se estabelece entre os
dois, acusado o padre de bisonho ou fora
de moda pela assembléia galante, que se
reunia envolta em sedas e carregada de
jóias, procurou ele defender-se,
sacrificando sua legítima inspiração aos
ditames do respeito humano. A suave
singeleza da Missa em si-bemol já não se
encontra na Missa de Réquiem, na Missa
Mimosa, ou mesmo na grande Missa de

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Santa Cecília de 1826, derradeira obra.​

A regente e musicóloga Clêofe Person de


Mattos elaborou utilíssimo catálogo
temático da obra de José Maurício,
apesar das falhas da cronologia. Divide
ela seus trabalhos em missas, ofícios,
obras para cerimônias fúnebres, peças
para a Semana Santa, obras profanas,
instrumentais, teóricas e avulsas, além
de orquestrações. A variedade é
considerável; antífonas, benditos,
cânticos, hinos, ladainhas, motetos,
novenas, salmos, Tantum Ergo, Te Deum,
matinas, vésperas, etc. As publicações
ainda são poucas e as gravações também,
mas é inegável que existe hoje uma
curiosidade acentuada pela música do
Padre-Mestre, fato que deverá expressar-
se em maior divulgação de sua obra.
Calcula-se em 400 o número de peças
escritas por José Maurício e entre elas
apenas quatro profanas. Muitas das árias
compostas depois de 1809 foram dedicadas
aos castrati italianos e escritas em
tessituras pouco apropriadas para as
vozes normais. Dentre as obras mais
representativas do estilo de José
Maurício apontamos a Missa em si-bemol,
a Missa de Réquiem, a Missa Pastoril
para a Noite de Natal, a Sinfonia
Fúnebre e o Tantum Ergo. Julga Luiz
Heitor que ao compositor faltava
experiência, talvez mesmo natural
inclinação, para as escapadas às regiões
da música profana. Tota Pulchra est
Maria passa por haver sido sua primeira
composição, aos 16 anos de idade.

Mário de Andrade, em artigo datado de


1930, sintetiza bem: ​Gênio de grande
suavidade, duma invenção melódica
apropriada e elevada, ás vezes reponta
em José Maurício uma ou outra linha mais
dramática. Mas como expressividade geral
é quase sempre doce, humilde, sem
grandes arrancadas místicas, nem êxtases
divinos. Um ser muito configurado às
mesquinharias da vida. Não teve coragem,
nunca se arrebatou. Nem os
arrebatamentos da humildade ou da pureza
quis ter. Ficou muito dentro do seu
tempo e dentro de si mesmo. Nitidez
melódica, boa sonoridade, comedimento
equilibrado, escritura eminentemente
acordal, sem individualismo. Foi o maior
artista da nossa música religiosa, mas
não ultrapassou o que faziam no gênero
os italianos do tempo. E isso,
universalmente, era pouco​.

O compositor faleceu a 18 de abril de


1830, aos 62 anos de idade portanto. Os
biógrafos salientam sua pouca saúde em
vários momentos importantes de sua
carreira e é inegável que Dom João VI
exigiu muito da resistência física de
José Maurício, sobretudo no período
1808-11. É evidente que seu progressivo

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afastamento da corte o deprimiu e
desestimulou. A partida do Rei para
Portugal deve ter representado o golpe
final nas esperanças do compositor,
tanto mais que Dom Pedro I, apesar de
músico também, nem sequer pôde manter a
pensão concedida pelo pai para a
manutenção da escola de música.
Depoimento do filho de José Maurício
parece revelar um envelhecimento
prematuro, alguma doença crônica que lhe
provocava dores fortes. Morreu pobre na
rua do Núncio no. 18 e foi enterrado no
claustro da igreja da Irmandade de São
Pedro, tal como desejava. Infelizmente,
não foi possível localizar até agora os
restos do Padre-Mestre. Seu
desaparecimento não causou emoção alguma
na sede do Primeiro Império e só o
Diário Fluminense (7 de maio) publicou
um necrológio redigido pelo cônego
Januário da Cunha Barbosa, velho amigo e
companheiro de Irmandade. Curioso anotar
que Marcos Portugal lhe antecedeu em
três meses apenas, havendo falecido em
fevereiro do mesmo ano e enterrado no
Convento de Santo Antonio ​com vestes de
cavaleiro​.

O filho do compositor carioca foi depois


um dedicado divulgador da obra e da
personalidade do pai (N: também estudou
pintura por dez anos, para fazer o único
retrato que existe do Padre-Mestre,
totalmente de memória, para que a imagem
de seu querido pai não fosse esquecida
pela História). Também a família Taunay
contribuiu bastante para a memória de
José Maurício Nunes Garcia; o pintor
Nicolas de Taunay, já em Paris, pedia
notícias do ​grand mulâtre​ e, no fim do
século, o Visconde de Taunay escreveu
páginas entusiastas em homenagem ao
Padre-Mestre, cuja casa encontrou ainda
em perfeito estado.

Mas não foi apenas José Maurício a única


​vítima​ do famigerado Marcos Portugal.
Urge também recordar Sigismund Neukomm e
sobretudo Danilo Barboza (1788-1856),
que representou na Bahia o que José
Maurício foi na corte de Dom João VI.
Autor sacro de algum mérito, esteve no
Rio quando jovem e foi primeiro-violino
da orquestra da Capela Real. Tanta
perseguição lhe teriam movido o músico
português e seu grupo lusitano,
impedindo a execução dos seus trabalhos,
que Damião Barboza regressou a Salvador.
Neukomm chegou ao Brasil na comitiva do
Duque de Luxemburgo em 1816 e ficou no
Rio até 1821.

MARIZ, V. História da Música no Brasil,


2a. edição revista e ampliada, Prêmio
JOSÉ VERÍSSIMO da Academia Brasileira de
Letras, editora Civilização Brasileira,

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Rio de Janeiro, 1983, pp. 45 ​ 52.

. . .

Uma pesquisa mais recente, que resultou


na publicação de um livro maravilhoso
incluindo a reprodução facsimilar do
Método de Pianoforte original do Padre
José Maurício (onde a maravilhosa grafia
musical do Padre-Mestre pode ser lida à
primeira vista mesmo por pianistas
acostumados somente a edições
impressas), se deve ao maravilhoso
trabalho de Marcelo Fagerlande.

Marcelo Fagerlande diplomou-se pela


Escola Superior de Música de Stuttgart,
Alemanha, e é Mestre em Musicologia pelo
Conservatório Brasileiro de Música.
Intérprete cujas qualidades têm sido
comprovadas em concertos e gravações
festejadas, Fagerlande é considerado
pela crítica como um dos maiores
cravistas do Brasil.

Salomé Gandelman fala sobre o livro de


Marcelo Fagerlande:

​O Método de Pianoforte do Padre José


Maurício Nunes Garcia, de Marcelo
Fagerlande ​ uma pesquisa musicológica
rigorosa, realizada com apoio de
bibliografia rara e extensa, e a partir
de critérios claros na seleção e
relacionamento de dados ​ revela a
sensibilidade, a cultura e a competência
de seu autor. Nela, Fagerlande tece uma
rica trama de interessantíssimas
informações, fruto de seus conhecimentos
históricos, analíticos e interpretativos
sobre o período compreendido entre o
século XVIII e o primeiro quarto do
século XIX, no Brasil e na Europa.

Definições de termos e abordagens de


problemas técnicos são, aqui, sempre
acompanhados de apreciação histórica.
Entre outros pontos, é particularmente
interessante o estudo a respeito de
dedilhado ​ visto em função de
características instrumentais e
composicionais, bem como da
especificidade anatômica das mãos -, e
de sua gradual transformação a partir da
fixação do temperamento e do crescente
uso do piano.

Muito apropriadamente, a metodologia


adotada foi o estudo comparado. Não só
cada uma das 24 Lições e 6 Fantasias do
Método foram exaustivamente analisadas
sob os mais diversos aspectos
estruturais e de execução ​ formal,
harmônico, melódico-temático, tratamento
instrumental, ornamentação, indicações
de dinâmica -, como confrontadas umas
com as outras, confronto do qual
resultou uma visão ampla e global do

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conjunto das peças. Oportuna e muito
informativa foi também a
contextualização do Método entre outras
obras de natureza didático-musical, como
as de Couperin, C. Ph. E. Bach, J. S.
Bach, Scarlatti, a Arte da Música, de
Bonifácio Asioli e a Artinha, de
Francisco Manuel da Silva, bem como o
delineamento de tendências comuns em
torno das quais esses mesmos métodos se
agrupam e se separam.

Pelas características que apresenta, o


livro de Marcelo Fagerlande é fonte de
consulta obrigatória para os estudiosos
tanto da História da Música no Brasil
até o primeiro quarto do século XIX,
quanto do cravo ou do piano, e contribui
de maneira substancial para o
enriquecimento da bibliografia, ainda
escassa, no campo de nossa música e
cultura.​

O presente texto é uma compilação de


parte do capítulo III: Método de
Pianoforte ​ Análise Estrutural, do livro
O Método de Pianoforte do Padre José
Maurício Nunes Garcia, de Marcelo
Fagerlande (pp. 63 ​ 70).

USO DAS TONALIDADES ​ TEORIA DOS AFETOS

A Teoria dos Afetos é um termo utilizado


inicialmente por musicólogos alemães
para descrever na música barroca um
conceito estético originalmente derivado
das doutrinas gregas e latinas de
retórica e oratória. Autores como
Aristóteles, Cícero e Quintiliano
sugeriram que oradores usassem os meios
retóricos para controlar e direcionar as
emoções dos ouvintes. Na música esta
idéia correspondia às possibilidades do
compositor em mexer com os afetos,
emoções, do ouvinte. Desde 1600, os
compositores em geral tentam expressar
na música vocal os afetos relacionados
ao texto, como tristeza, raiva, ódio,
alegria, amor e ciúme. A partir de
Mersenne e Kircher, na segunda metade do
século XVII, muitos teóricos como
Werckmeister, Printz, Mattheson,
Marpurg, Scheibe e Quantz, dedicaram uma
grande parte de seus tratados
categorizando e descrevendo tipos de
afetos e suas conotações com escalas,
movimentos de dança, ritmos,
instrumentos, formas e estilos.

O termo teoria dos afetos, criado no


século XIX, deu margem a que muitos
teóricos pensassem numa criação musical
estereotipada no período barroco, o que
tem sido contestado recentemente, já que
figuras musicais estereotipadas nunca

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existiram na mente do compositor
barroco. As figuras retórico-musicais
eram apenas conselhos para ornamentar e
elaborar numa representação afetiva
básica e para acrescentar força musical
e dramática às palavras e aos conceitos
poéticos. Funcionavam na música assim
como as figuras de linguagem na
oratória, ou seja, como parte da
decoratio.

Um dos aspectos das idéias retórico


musicais que ganha importância nos
tratados tardios são as associações com
as tonalidades, sendo a mais conhecida a
de Mattheson, de 1713. Apesar do
declínio do estilo barroco, conceitos
retórico-musicais continuavam a ser
praticados depois de 1730-40. Mesmo com
o enfraquecimento da vitalidade das
doutrinas retóricas ao longo do século
XVIII, um ponto de vista retórico
continuou a influenciar a estética
musical do estilo galante e dos estágios
iniciais e avançados do Classicismo.

Ao compararmos o uso das tonalidades nas


obras do Método de Pianoforte do Padre
José Maurício Nunes Garcia com as
descrições de suas correspondências com
os afetos realizadas por dois teóricos
tardios como Mattheson (1713) e
Christian F. D. Schubart (1806), podemos
afirmar que esta relação entre
tonalidade e afeto está também presente
nas obras do Método de José Maurício.

Na primeira parte do Método são usadas


quatro tonalidades: Dó Maior, Ré Maior,
ré menor e dó menor. Dó Maior, segundo
Schubart, ao contrário de Mattheson, é
uma tonalidade inocente, afeto este que
se aplica á maior parte das Lições e
Fantasias nesta tonalidade. Já a
Fantasia 4, cujo tema é um pouco mais
enérgico que os das outras peças em Dó
Maior, está mais próxima da descrição
proposta por Mattheson, ou seja, alegre
e impertinente.

Ré Maior, que para Shubart é a


tonalidade de triunfo, de aleluia, do
júbilo após vencer, do grito de batalha,
encontra alguma semelhança em Mattheson,
para quem Ré Maior significa um
sentimento agudo, voluntarioso, das
coisas guerreiras e alegres. Ambas as
descrições correspondem aos temas das
Lições 7/I e 11/I e da Fantasia 5
(júbilo) e ainda da Lição 2/II, que
mesmo com seu tema menos enérgico que os
demais pode ser incluída na mesma
categoria.

Ré menor, tonalidade da última Lição da


primeira parte, encontra tanto em
Mattheson quanto em Schubart descrições
que correspondem ao caráter da Lição de
José Maurício, como tranqüilo e devoto

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8/6/2011 InForum | Pe. José Maurício: Uso das …
para a igreja no primeiro, e de
feminilidade pesada e sinistro para o
segundo. Não devemos esquecer que o tema
desta Lição foi extraído do Requiem.

Dó menor significa ameno e bonito para


mattheson, enquanto que para Schubart
corresponde à declaração de amor e à
queixa amorosa. Ambos os casos se
aplicam à Lição 9/I. Convém lembrar que
a parte B é em Mi bemol Maior,
tonalidade para coisas sérias e lamentos
também para peças religiosas, segundo
Mattheson, pela relação entre seus três
bemóis e a Santíssima Trindade. Como
vimos anteriormente, o tema desta lição
também é proveniente do Réquiem,
transcrito do tom original ré menor.

Na segunda parte, a situação é bem


diferente da primeira. Aqui não temos
apenas quatro tonalidades, mas vinte e
quatro, ou seja, todas as tonalidades
possíveis do círculo das quintas,
maiores e menores, distribuídas não
apenas nos tons principais, mas
certamente também nas modulações nas
partes B. A divisão das 24 tonalidades
por 12 Lições é possível já que todas as
doze lições são na forma ternária,
sempre oferecendo a possibilidade de uma
modulação por Lição, na parte B. A razão
do emprego das tonalidades aqui pode ser
entendida muito mais por necessidades
didáticas, do que por relações retórico-
musicais, ainda que estas relações se
verifiquem em muitas Lições desta
segunda parte. José Maurício muito
provavelmente quis com esta parte
possibilitar ao jovem músico que
aprendesse a tocar e a colocar suas mãos
nas diversas posições que as diferentes
tonalidades exigem no teclado. É
inevitável aqui a lembrança do Cravo Bem
Temperado de J. S. Bach, obra que também
dispõe em seqüência as 24 tonalidades,
ao longo de 24 prelúdios e fugas (em
cada um dos dois volumes). Apesar de uma
semelhança neste aspecto, e também pelo
fato de no Cravo Bem Temperado a
afinação desempenhar um papel decisivo,
o que não é o caso no Método de José
Maurício.

Muitas Lições da segunda parte mantêm


uma relação entre os caracteres de seus
temas e as características das
tonalidades categorizadas por Mattheson
e Schubart. Iremos destacar algumas
delas. A Lição 3, que consideramos no
estilo de modinha, tem seu tom de Mi
Maior caracterizado por Schubart como de
uma alegria risonha, de uma felicidade
quase perfeita. Sua parte B é em dó#
menor, tonalidade descrita pelo mesmo
autor como equivalente a um suspiro de
amor. Não foi exatamente esta expressão
a usada por Mario de Andrade para
descrever o que são as modinhas? (Nota:

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8/6/2011 InForum | Pe. José Maurício: Uso das …
.
​ .. a modinha nossa, da mesma forma que
a portuguesa, é um quasi ininterrupto
suspiro de amor​. Andrade, Mario ,
prefácio das Modinhas Imperiais, p.5).

Na Lição 6, em Lá Maior, temos a parte B


em fá# menor, tonalidade pouco agradável
para Schubart, já que é descrita pela
imagem de um cão mordendo alguém, e
ainda por um descontentamento: parece
que quer voltar para Lá Maior ou a Ré
Maior. O curioso é que esta parte B da
Lição 6 é proporcionalmente bem curta, o
que coincide com a idéia vista acima.

A Lição 7 é um bom exemplo do que já


havíamos mencionado parágrafos acima, da
maior importância nesta parte de uma
seqüência cromática de todas as
tonalidades maiores e menores, em
detrimento dos aspectos retórico-
musicais vinculados às tonalidades. Em
outras palavras, aqui para encaixar a
Lição na tonalidade da seqüência,
prevaleceu este aspecto à característica
da tonalidade. Este tema é uma citação
de Haydn, como sabemos. Seu original
está em Dó Maior, tonalidade considerada
inocente por Schubart, e que condiz com
suas características afetivas. Na versão
mauriciana, este tema, mesmo um pouco
modificado, é utilizado em Si Maior,
caracterizado por Schubart como tom que
anuncia emoções selvagens, ira, raiva,
ciúmes, o que não corresponde
absolutamente à inocência e à
tranqüilidade que as notas repetidas do
tema, em ritmo regular, sugerem.

Em geral as descrições das tonalidades


associam poucos sustenidos e bemóis a
sentimentos mais calmos e simples, como
em Schubart, que considera as
tonalidades com poucos bemóis e
sustenidos como ligadas à idéia de
simplicidade e inocência. Os bemóis são
doces e melancólicos, enquanto os
sustenidos são selvagens. Todas estas
associações não estão tão ligadas às
alturas dos diversos tons, mas
certamente às diversas afinações de cada
intervalo, que eram sempre diferentes em
cada sistema de afinação, com exclusão
obviamente da oitava. Assim, a terça dó-
mi, por exemplo, não tinha o mesmo
batimento de onda de fá#-lá#, gerando
portanto cores variadas, dependendo da
divisão da coma pitagórica pelo círculo
das quintas. Ainda que possamos
constatar com clareza a influência de
idéias retórico-musicais quanto ao uso
das tonalidades nas Lições e Fantasias
de José Maurício, infelizmente não temos
meios de afirmar se o tipo de afinação
por ele usada para o teclado era o
antigo, ou seja, dos temperamentos
desiguais, ou se já fazia uso do
temperamento igual, como o do piano
atual. Caso a última hipótese seja

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verdadeira, ainda assim, toda a relação
entre afetti e tonalidades se originou
dos temperamentos desiguais antigos.

Novamente na Lição 12 encontramos a


relação de caráter do tema/tonalidade.
Aqui tanto Mattheson quanto Schubart
coincidem. Para o primeiro Si bemol
Maior sugere algo de magnífico,
delicado, divertido. Já para o segundo,
este tom é o tom do amor alegre, da
consciência limpa, da esperança. Ambas
as descrições estão de acordo com o tema
desta Lição, de motivo simples, composto
por um acorde quebrado seguido de
pequena escala que termina com um
pequeno cromatismo. A tonalidade,
ajudada pela ornamentação, sugere uma
atmosfera livre, desimpedida, tranqüila,
sem grandes arroubos ou angústias. O
tema de B, em sol menor, também coincide
com a classificação de Schubart, ou
seja, descontente, rabugento. Os motivos
que se repetem sugerem algo como esta
descrição.

As tonalidades das Fantasias são,


novamente, assim como as da primeira
parte, as mais utilizadas na época. Como
já vimos, as tonalidades com poucos
sustenidos ou bemóis não só eram as
preferidas para obras de teclado por
questões de afinação, como também em
outros instrumentos, como por exemplo a
flauta transversa com poucas chaves.
Tonalidades com muitos acidentes muitas
vezes significavam dedilhados em
forquilha, e não eram normalmente
usadas, senão por uma razão expressiva
específica. Fica portanto a impressão de
que, uma vez vencidas as dificuldades
técnicas de se tocar em todas as
tonalidades, o que supostamente já teria
acontecido na segunda parte, na terceira
parte o compositor não estaria tão
preocupado com aquelas questões
técnicas, mas estaria com sua atenção
voltada ao aspecto artístico, estando
portanto a relação teórico-musical das
tonalidades mais em evidência. Já vimos
nos primeiros parágrafos deste item que
as Fantasias em Dó Maior, que são as de
número 1, 4 e 6, correspondem às
descrições propostas pelos dois autores
citados anteriormente. O mesmo em
relação à Fantasia 5, em Ré Maior. A
Fantasia 3, em Sol Maior, condiz com as
idéias de Schubart, para quem esta
tonalidade corresponde a um idílio
campestre, tranqüilo e satisfeito.

Finalmente, a Fantasia 2, é em Fá Maior,


que para Schubart é o tom da
tranqüilidade, da beleza, e que para
Mattheson expressa os sentimentos mais
bonitos do mundo, como magnanimidade,
firmeza, amor. Ambas as descrições
coincidem com a atmosfera da Fantasia,
com grandes acordes seguidos de ritmos

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8/6/2011 InForum | Pe. José Maurício: Uso das …
pontuados, que sugerem magnanimidade,
firmeza e beleza.

BIBLIOGRAFIA

FAGERLANDE, M. O Método de Pianoforte do


Padre José Maurício Nunes Garcia,
capítulo III ​ Análise Estrutural, 1a.
edição, Editora Relume-Dumará: Rio Arte,
Rio de Janeiro, 1996, pp. 63 ​ 70.

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Re: Pe. José Maurício: Uso das Tonalidades e Teoria dos Afetos (C elia Busch - 03/02/2002 18:28:40)

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Assunto: Re: Pe. José Maurício: Uso das Tonalidades e Teoria dos Afetos

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