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Um contemporâneo de Anselmo de Aosta, o Daí que a ideia de Deus concebida como reali-
monge Gaunilo de Marmoutiers, elaborou uma zada num ser particular em nada possa diferir
refutação do argumento de Anselmo por meio da mesma ideia de Deus concebida como não
de uma REDUCTIO AD ABSURDUM do mesmo. A realizada por qualquer ser.
reductio de Gaunilo tem o seguinte aspecto: Mais tarde, Frege refinou a análise do con-
ceito de existência, defendendo a tese de que a
1. Perdida é a ilha paradisíaca mais perfeita e agra- existência seria um predicado de segunda
dável que qualquer outra. ordem, isto é, um predicado que apenas pode-
2. A ideia de ilha paradisíaca mais perfeita e agra- ria ser atribuído a conceitos e não a objectos ou
dável que qualquer outra existe na nossa cons- seres. (Porém, há autores modernos que defen-
ciência. dem novas versões da tese tradicional; ver
3. Se a ilha real a que esta ideia corresponde não EXISTÊNCIA.) Deste modo, o que a proposição
existisse, teria de faltar um predicado à ideia, a expressa pela frase «Deus existe» faria seria
saber, o predicado da existência, pelo que então atribuir ao conceito de Deus a propriedade de
essa ideia já não seria a ideia da ilha paradisíaca não ser vazio. Pressupondo a não contradito-
mais perfeita e agradável que qualquer outra, uma riedade do conceito de Deus, uma decisão
vez que seria possível pensar-se noutra ilha que acerca da verdade de tal proposição só poderia
tivesse exactamente as mesmas propriedades de ser alcançada por intermédio da descoberta de
Perdida e ainda a propriedade da existência. um processo por meio do qual fosse possível
4. Logo, se a ideia de ilha paradisíaca mais perfeita determinar empiricamente se algum ser satisfa-
e agradável que qualquer outra existe, então o ria efectivamente todos os predicados de pri-
objecto que lhe corresponde tem também que meira ordem por meio da conjunção dos quais
existir pois, caso contrário, a ideia em causa dei- o conceito de Deus seria definido. Como a
xa de ser a ideia que é, o que constitui uma con- existência, enquanto predicado de segunda
tradição. ordem, não poderia ser um desses predicados,
o contraste entre as duas ideias introduzidas no
A reformulação do argumento de Anselmo argumento de Anselmo não poderia, portanto,
por Gaunilo mostra-nos as conclusões inacei- estabelecer-se e o argumento seria improceden-
táveis que se podem extrair de tal estrutura te. Assim, a nova definição de existência intro-
argumentativa mas não diagnostica o vício sub- duzida por Frege não traz qualquer modifica-
jacente ao mesmo. Um primeiro diagnóstico da ção à rejeição do argumento determinada por
natureza deste vício foi efectuado por Hume e Hume e Kant. Ver ARGUMENTO ONTOLÓGICO DE
tornado célebre por Kant. Consiste na conside- GÖDEL. AZ
ração de que o termo «existir» não é adequa-
damente utilizado no argumento, uma vez que Frege, G. 1884. Os Fundamentos da Aritmética.
ele é aqui tratado como se referisse um predi- Trad. A. Zilhão. Lisboa: Imprensa Nacional Casa
cado quando a existência não é um predicado. da Moeda, 1992.
Não sendo a existência um predicado, a atri- Gaunilo de Marmoutiers. Liber pro Insipiente.
buição de existência à ideia ou representação Hume, D. 1740. Tratado da Natureza Humana. Trad.
de um objecto ou ser não lhe acrescenta qual- P. Galvão et al. Lisboa: Gulbenkian, 2002.
quer predicado, pelo que a ideia ou representa- Kant, I. 1787. Crítica da Razão Pura. Trad. M. P. dos
ção de um dado objecto, ou ser concebido Santos et al. Lisboa: Gulbenkian, 1985.
como existente, não pode ser considerada Santo Anselmo. Proslogion. Trad. C. Macedo. Porto:
como maior ou mais perfeita, no sentido referi- Porto Editora, 1996.
do de algo que reúne maior número de predi-
cados, do que a mesma ideia ou representação argumento ontológico de Gödel Kurt Gödel é
concebida de um objecto ou ser inexistente. conhecido por resultados notáveis nos domí-
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argumento ontológico de Gödel
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argumento ontológico de Gödel
Contudo, para compreender o argumento positiva, uma definição implícita daquilo que se
proposto por Gödel é preciso analisar previa- entende por propriedade positiva.
mente o argumento ontológico de Leibniz. Este Dividimos o argumento de Gödel em quatro
argumento é parte de uma crítica mais geral à blocos: definições, axiomas, resultados e meta-
epistemologia cartesiana. Leibniz, contra René teoria.
Descartes, salienta o valor do conhecimento
simbólico, e a crítica ao argumento ontológico Definições
de Descartes constitui um exemplo dessa dife-
rença entre Leibniz e Descartes. 1. Um indivíduo tem a propriedade de ser seme-
Leibniz esquematiza o argumento da Quinta lhante a Deus (Gottähnlich) se, e só se, tem todas
Meditação cartesiana do seguinte modo (trata- as propriedades positivas.
se de um excerto de carta, provavelmente ende-
reçada à condessa Elisabete, provavelmente Gödel também lhe chama «propriedade de
escrita em 1678): ser divino» (Göttlich).
«Deus é um ser que tem todas as perfeições e, 2. Uma propriedade é a essência de um indivíduo
consequentemente, tem existência, que é uma se, e só se, o indivíduo tem essa propriedade e
perfeição. Portanto, existe.» (Leibniz 1989: 237) essa propriedade está necessariamente subordina-
da a todas as propriedades do indivíduo.
Segundo Leibniz, o argumento não é uma
falácia, mas está incompleto. O que lhe falta é Gödel utiliza indiferentemente as expressões
a demonstração da consistência da noção de Essenz e Wesen para a essência de um indivíduo.
Deus, ou seja, falta a demonstração da COM- Entende-se que uma propriedade é subordinada
POSSIBILIDADE das perfeições. O que Leibniz a outra quando a extensão da primeira é um sub-
solicita é que seja demonstrado que a noção de conjunto da extensão da segunda. Esta noção de
Deus é adequada e não apenas distinta; que é essência corresponde à noção de Leibniz de
possível fornecer uma definição real e não conceito completo de um indivíduo.
apenas nominal de Deus (Leibniz 1982: 271–
278; trata-se do texto «Meditações sobre o 3. Um indivíduo tem a propriedade da existência
Conhecimento, a Verdade e as Ideias», de necessária (Notwendige Existenz) se, e só se,
1684, no qual Leibniz distingue entre noções todas as essências do indivíduo são necessa-
claras e obscuras, distintas e confusas, adequa- riamente exemplificadas.
das e inadequadas, intuitivas e simbólicas, e
esboça uma teoria da definição a partir dessas Gödel tem o cuidado de não fazer da existên-
dicotomias). cia um predicado não trivial de primeira ordem.
No texto «Que o Ser Perfeitíssimo Existe» Gödel faz eco da proposta de Norman Malcolm
(Leibniz 1982: 148–150), de 1676, Leibniz (1960), para quem a existência necessária, ou
demonstra a compossibilidade das perfeições a seja, a impossibilidade lógica da inexistência, é
partir da sua caracterização como qualidades um predicado não trivial de primeira ordem,
simples, positivas e absolutas. Dessas, apenas a embora a existência simpliciter não o seja.
positividade se mantém como nota das perfei-
ções no período maduro da filosofia de Leibniz. Axiomas
No argumento ontológico de Gödel, as pro-
priedades positivas realizam o papel das perfei- 1. Qualquer propriedade de indivíduos é positiva ou
ções, constituem as notas da noção de Deus. O sua negação é positiva.
argumento ontológico de Gödel nada mais é do
que uma axiomatização da noção de propriedade Entende-se que a negação de uma proprie-
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argumento per analogiam
A demonstração, por redução ao absurdo, no lected Works, Vol. III. Oxford: Oxford University
Cap. 2 de Proslogion, conclui que o ser maior Press.
do que o qual nada se pode pensar existe; a Fuhrmann, A. 1999. Gödel’s ontologischer Gottes-
demonstração, também por redução ao absur- beweis. http://www.ifcs.ufrj.br/cfmm/col2.htm.
do, no Cap. 3, conclui, utilizando a mesma Gierer, A. 1997. Gödel Meets Carnap: A Prototypical
definição de Deus, que necessariamente existe; Discourse on Science and Religion. Zygon v. 32,
finalmente, no Cap. 15, Anselmo conclui que n. 2: pp. 207–217.
Deus nem sequer pode ser pensado, quer dizer, Hájek, P. s/d. Der Mathematiker und die Frage der
é incognoscível. Existenz Gottes (betreffend Gödels ontologischen
Metateoria Sobel sugeriu que o argumento Beweis). Prague. Trabalho académico. Institute of
ontológico de Gödel sofre de um grave pro- Computer Science, Czech Academy of Sciences.
blema formal, a saber, o colapso das modalida- Kant, I. 1781. Crítica da Razão Pura. Trad. M. P. dos
des, ou seja, tudo aquilo que é verdadeiro tam- Santos e A. F. Morujão. Lisboa: Gulbenkian, 1994.
bém é necessário. Desde então, foram propos- Leibniz, G. W. 1982. Escritos Filosóficos. Ed. e trad.
tas diversas modificações das noções e axio- E. Olaso. Buenos Aires: Charcas.
mas originais de Gödel para ultrapassar esta Leibniz, G. W. 1989. Philosophical Essays. Ed. e
dificuldade (o manuscrito Summum Bonum de trad. R. Ariew e D. Garber. Indianápolis: Hackett.
Nelson Gomes, a ser publicado pela Editora Malcolm, N. 1960. Anselm’s Ontological Arguments.
Loyola na colectânea intitulada Nós e o Abso- The Philosophical Review 69: 41–62.
luto, além de conter uma exposição pormenori- Muck, O. 1992. Eigenschaften Gottes im Licht des
zada do argumento ontológico de Gödel, tanto Gödelschen Arguments. Theologie und Philoso-
nos seus aspectos histórico-filosóficos como phie 67: 65–66.
em seus aspectos formais, contém uma exposi- Santo Anselmo. Proslogion. Trad. C. Macedo. Porto:
ção das principais propostas de alteração do Porto Editora, 1996.
mesmo). Contudo, Petr Hájek mostrou que, Sautter, F. T. 2000. O Argumento Ontológico Göde-
adoptando uma interpretação não standard do liano. Tese de Doutorado. Campinas: UNICAMP.
universo das propriedades de indivíduos, Sobel, J. H. 1987. Gödel’s Ontological Proof. In J. J.
segundo a qual as propriedades são fechadas Thomson, org., On Being and Saying. Cambridge:
por operações booleanas (a formação arbitrária The MIT Press.
de propriedades (interpretação standard) é uma Wang, H. 1996. A Logical Journey. Cambridge: The
das causas do colapso das modalidades no MIT Press.
argumento ontológico de Gödel), e adoptando
o sistema de lógica modal S5 como lógica sub- argumento per analogiam Ver ARGUMENTO
jacente, é possível demonstrar a consistência POR ANALOGIA.
do argumento ontológico de Gödel, a indepen-
dência mútua dos seus axiomas, e o não colap- argumento por analogia Um argumento que
so das suas modalidades (esses resultados são infere a satisfação de uma propriedade Φ por um
pormenorizadamente apresentados em Sautter objecto B, na base da analogia que se verifica
2000, Cap. 3). Ver ARGUMENTOS A FAVOR DA existir entre o objecto B e um dado objecto A,
EXISTÊNCIA DE DEUS. FTS que sabemos previamente satisfazer a proprie-
dade Φ. A analogia existente entre os objectos A
Adams, R. M. 1995. Appendix B: Texts Relating to e B deixa-se, por sua vez, esclarecer em termos
the Ontological Argument. In Feferman, Solomon do facto de existir um certo grupo de proprieda-
et al., orgs., Kurt Gödel, Collected Works, Vol. III. des satisfeito tanto por A como por B.
Oxford: Oxford University Press. A hipotética validade ou invalidade de um
Adams, R. M. 1995. Introductory Note to *1970. In tal argumento não pode ser estabelecida A
Feferman, Solomon et al., orgs., Kurt Gödel, Col- PRIORI. Com efeito, a validade de um argumen-
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