Você está na página 1de 6

O ARGUMENTO ONTOLÓGICO DE ANSELMO DE AOSTA E CRÍTICA DE

GAUDINO, SÃO TOMAS DE AQUINO E DE KANT

Francisco Rafael Silva da Conceição1

RESUMO
Anselmo de Aosta no século XI propôs uma prova a priori da existência de Deus que atesta a
sua existência. Sua tese consiste em conceber Deus “como aquilo do qual nada maior se pode
pensar”. Seu argumento foi criticado e reformulado ao decorrer da filosofia, entre os filósofos
que trabalharam esse argumento estão Gaudino, São Tomas de Aquino, e Kant. Mas apesar de
toda a crítica o seu argumento ainda hoje é considerado relevante.
Palavras chaves: Anselmo de Aosta; Argumento; Deus; a priori.

1 Introdução

Encontrar uma prova para fundamentar a existência de Deus foi e ainda continua a ser
uma problemática muito rica em debates e um campo aberto para contribuição. Além de
englobar não só a área da filosofia, mas também a teologia. Não são poucos os filósofos que se
proporão a tal investigação dedicando tempo e páginas em seus escritos, sejam eles modernos
ou medievais. E entre esses muitos filósofos está Anselmo de Aosta, um monge beneditino e
bispo de Cantuária, do século XI, que se propôs a elaborar um argumento para provar a
existência de Deus a priori. Seu de argumento tem sido denominado como ontológico e
simultâneo:

Esse argumento, ao qual nem os ateus poderiam resistir, é chamado ontológico


porque, a partir da análise da ideia de Deus, que está na mente, se deduz a sua
existência fora da mente; também é chamado a simultâneo, porque sustenta
que na ideia de Deus está incluída ao mesmo tempo a existência. (REALE;
ANTISERI, 1990, p. 497).

São então estes dois termos que identificam e qualificam o tipo de argumento que
Anselmo propõe em seu livro Proslogion. Contudo, o termo ontológico foi colocado por Kant
ao trabalhar com essa prova. Também se faz interessante ressaltar que está obra só pode ser

1
Aluno do 4º período do curso de Licenciatura em Filosofia pelo Instituto Católico de Estudos Superiores do
Piauí ICESPI. Email: francisrafaelsilva844@gmail.com
totalmente compreendida se lida juntamente com o Monologion, onde Anselmo prova a
existência de Deus por via cosmológica e argumenta dos efeitos para as causas.
Anselmo de Aosta é considerado o primeiro pensador a elaborar um argumento
ontológico para demostrar a existência de Deus, sendo seguindo por filósofos como: Descartes,
Spinoza, Leibniz, Hume entre outros. Primeiramente ele escreve um pequeno livro chamado
Monologion (Solilóquio) onde apresenta quatro provas que partem do mundo para provar a
existência de Deus, mas é somente no Proslogion (Colóquio), ou ainda, a fé apoiando-se na
razão, onde Anselmo lança o argumento a priori. O Proslogion foi escrito a pedido de seus
irmãos, monges, afim de apresentar um argumento forte para provar a existência de Deus que
não se baseasse nas Escrituras e que até mesmo os não-crentes pudessem admitir como
verdadeiro.
Anselmo chega a uma conclusão que tal argumento consistia na proposição: Deus é
“aquilo do qual nada de maior pode-se pensar” (id quo maius cogitari nequit). Com essa prova
o abade consegue dá uma importante contribuição para as provas ontológicas, pois, apresenta
um argumento de fácil compreensão e que todo e qualquer indivíduo que faça uso da razão
consegue deduzir a existência de Deus. Contudo, proposição anselmiana não escapou de críticas
que de certo modo reduziram toda a sua eficácia, mas não sua validade até os dias atuais e a sua
relevância para filósofos posteriores. Ainda hoje sua prova possui grande importância como
constata Glauber Ataide:

Desde sua primeira elaboração na obra Proslógio (1078), de Anselmo de


Aosta, o argumento ontológico para a prova da existência de Deus percorreu
uma significativa trajetória na história da filosofia. Descartes, Spinoza e
Leibniz o reformularam na modernidade, e Kant, em sua Crítica da razão pura,
identificou que todos os outros possíveis tipos de provas da existência de Deus
o pressupõem. Novas versões do argumento surgiram também no século XX,
destacando-se as de Kurt Gödel e Alvin Plantinga. ATAIDE, 2016, p. 294).

Percebe-se que o argumento anselmiano foi útil para que se pudesse estudar esse tipo
de argumentos aprioristas para discutir a existência de Deus. Sem sombra de dúvidas este
argumento não foi esquecido e subjugado por tantas outras tentativas de provar a existência de
Deus feita por tantos outros filósofos medievais, modernos ou contemporâneos.
Então tentaremos nos pontos que seguem esboçar a estrutura da prova anselmiana e
algumas críticas a qual foi submetida a mesma. As críticas que serão apresentadas
correspondem alguns dos filósofos que contraporão prova de Anselmo. Incialmente a do monge
Gaudino, contemporâneo de Anselmo, a de São Tomas de Aquino, o grande doutor angelicus,
e pôr fim a de Emmanuel Kant.
2 Um ser do qual não é possível pensar nada maior

No capítulo segundo do Proslogion Anselmo inicia a sua apresentação do argumento


afirmando: “Cremos, pois, com firmeza, que tu és um ser do qual não é possível pensar nada
maior” (ANSELMO, 1988. p. 93). E o abade prossegue a sua exposição constatando até o tolo
ao escutar tal afirmação compreende e por compreender se entende que este ser existe em sua
mente. E continua com sua argumentação concluindo que:

O insipiente há de convir igualmente que existe na sua inteligência ‘o ser do


qual não se pode pensar nada maior’, porque ouve e compreende essa frase; e
tudo aquilo que se compreende encontra-se na inteligência. Mas ‘o ser do qual
não é possível pensar nada maior’ não pode existir somente na inteligência.
Se, pois, existisse apenas na inteligência, poder-se-ia pensar que há outro ser
existente também na realidade; e que seria maior. Se, portanto, ‘o ser do qual
não é possível pensar nada maior’ existisse somente na inteligência, este
mesmo ser, do qual não se pode pensar nada maior, tornar-se-ia o ser do qual
é possível, ao contrário, pensar algo maior: o que, certamente, é absurdo.
Logo, ‘o ser do qual não se pode pensar nada maior’ existe, sem dúvida, na
inteligência e na realidade. (ANSELMO, 1988 p. 93-94).

Dessa maneira ele brilhantemente chega ao ponto chave da sua prova a priori. E justifica
a sua proposição se apoiando nessa concepção que ele acredita que todos possuem de Deus,
aquilo do qual maior se pode pensar.
A sua proposta de argumento a priori passa a ser um dos mais significativos argumentos
para se conceber a existência de Deus e após Anselmo os filósofos vão fazendo críticas e
reformulando o argumento ontológico. Mas o que de fato chama a atenção é também a
originalidade de Anselmo, pois:

A originalidade do argumento de Anselmo está, contudo, na maneira em que


ele combina o princípio de perfeição com o princípio da contradição, pois suas
ideias fundamentais não são em si novas. O arranjo, a forma e a aplicação
destes elementos tradicionais é que são absolutamente pessoais e que
expressariam a novidade trazida pelo monge de Bec. (ATAIDE apud KOYRÉ,
1984, p. 196).

Trazendo os princípios de perfeição e da contradição e com a sua dialética própria


consegue brilhantemente organizar uma prova da existência de Deus credível e firme capaz de
atingir tantos os crentes, quanto os não crentes.
3 A crítica de Gaudino, de Tomas de Aquino e a de Kant.

Anselmo não ficou livre de críticas e a primeira que foi dirigida ao seu argumento foi o
do monge Gaudino que contrapõe a ideia de Deus como “aquilo do qual nada de maior pode-
se pensar” no livro Liber pro insipiente (Em defesa do insensato) de Gaudino. Este apresenta a
sua objeção ilustrando com o argumento da uma ilha perdida de beleza inestimável que sendo
compreensível a mente daqueles que a ouvem não necessariamente possa existir na realidade,
compreende se que:

Por outro lado, recordo Gaudilon, não é suficiente ter uma ideia dele [Deus]
para que se possa afirmar sua realidade objetiva. Se assim fosse, então bastaria
pensar uma coisa, como, por exemplo, uma ilha cheia de delicias e, portanto,
a mais perfeita, para que estivéssemos autorizados a admitir sua existência.
(REALE; ANTISERI, 1990 p. 497).

Com esse argumento Gaudino põe em dúvida a validade do argumento anselmiano


criticando justamente a passagem que Anselmo faz da ideia de Deus no entendimento humano
para a sua existência na realidade. Comenta Glauber (2016 p. 300-301) no seu artigo sobre o
argumento da Ilha perdida: “A estrutura do argumento ontológico de Anselmo é aplicada assim
a um objeto diferente – no caso, a uma ilha – para demonstrar a implausibilidade da passagem
de uma existência lógica necessária a uma ontológica”.
Anselmo responde as objeções de Gaunilo no escrito Liber apologeticus esclarecendo
que a sua prova no Proslogion não se aplica as criaturas ou aos entes, mas somente ao criador,
ao ser que é “aquilo do qual maior se pode pensar”. De modo que a sua objeção com o
argumento da ilha perdida se mostra falha e insuficiente para minar a sua prova. O comentador
Ataide esclarece assim essa debilidade do argumento do Liber pro insipiente afirmando:

Ao argumento da Ilha Perdida, com o qual Gaunilo parodia o unum


argumentum, a resposta de Anselmo consiste em ressaltar que seu
argumento não pode ser aplicado a nenhuma outra coisa com exceção
do ser do qual nada maior pode ser pensado. Esta não seria uma
afirmação arbitrária, mas segue-se dos resultados de seu procedimento
dialético. (ATAIDE, 2016 p. 294).

Assim claramente se vê que o Gaudino, com seu argumento da Ilha perdida, não se
aplicável a aquilo do qual nada maior se pode pensar. Mas de certo modo o sábio opositor
identifica essa falha no argumento, ou seja, que tal proposição só pode ser aplicável ao ser id
quo maius cogitari nequit.
São Tomas de Aquino também analisa e lança críticas a proposta de Anselmo, mas
considera bons os argumentos anselmianos a posteriori. O doutor angélico na Suma Teológica
esclarece nem todos concebem Deus como ser id quo maius cogitari nequit. Ele argumenta:

(...) deve-se afirmar que talvez aquele que ouve o nome de Deus não
entenda que ele designa algo que não se possa cogitar maior; pois
alguns acreditaram que Deus é um corpo. Mas admitido que todos deem
ao nome de Deus a significação que se pretende: maior que Ele não se
pode cogitar, não se segue daí que cada um entenda que aquilo que é
significado pelo nome exista na realidade, mas apenas na apreensão do
intelecto. Nem se pode deduzir que exista na real idade, a não ser que
se pressuponha que na realidade exista algo que não se possa cogitar
maior, o que recusam os que negam a existência de Deus. (AQUINO,
2001. p. 163).

Assim, São Tomas apresenta a sua crítica a prova de Santo Anselmo apontando um erro
do abade, que é a passagem da essência para a existência, da ideia para o real.
Kant aceita inicialmente o argumento ontológico, isso no seu período intitulado “sono
dogmático”, mas após o seu despertar passa a rejeitar totalmente a argumento ontológico a qual
defendera aos moldes de Descartes e Wolf. Está renuncia radical da possibilidade de provar a
existência de Deus a priori e até mesmo a posteriori é apresentada na Crítica a Razão Pura. A
crítica consiste que para ele há uma “distinção radical entre a existência pensada e a existência
real” (REALE; ANTISERI, 1990 p. 498). Kant, contudo, não consegue apagar definitivamente
a importância do argumento ontológico.

4 Conclusão

Portanto, percebe-se que o prova da existência de Deus levantada por Anselmo de Aosta,
o primeiro dos escolásticos, se apresenta como um verdadeiro marco para discursão da
existência de Deus. A sua estrutura argumentativa e sua clareza de pensamento nos seus escritos
e a sua filosofia proporcionou aos filósofos sérias reflexões para a elaboração de críticas do seu
pensamento. E apesar dos fortes ataques a sua prova a priori da existência de Deus, ainda hoje
a sua proposta permanece viva e inspira a novas formulações e análises. E isso é perceptível na
presença de pensadores, lógicos contemporâneos como Hartshorne, Plantinga, Gödel e Sobel
apostam em argumentos de natureza ontológica para provar a existência de Deus.
5 REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

AQUINO, Tomás de. Suma Teológica. v. I, parte I. 3 ed. São Paulo: Edições Loyola, 2009. p.
692

ATAIDE, Glauber. O argumento ontológico de Anselmo de Aosta e as objeções de Gaunilo.


Pensar-Revista Eletrônica da FAJE. Belo Horizonte, v. 7, n. 3, p. 293-304. mai. 2016.
Disponível em: https://faje.edu.br/periodicos/index.php/pensar/article/view/ 3655/3756.
Acesso em: 05 nov. 2020.

ANTISERI, Dario. REALI, Giovanni. História da Filosofia: Antiguidade e Idade Média. 3 ed.
São Paulo: Paulus, 1990. p. 685. V. 1

Santo ANSELMO. Proslógio. Tradução de Angelo Ricci. IN._. Os Pensadores. São Paulo:
Nova Cultural, 1988. p. 90-111.

Você também pode gostar