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Neste ensaio, o problema epistemológico em apreço é o problema do estatuto do conhecimento.

Este problema visa determinar se é possível ter conhecimento absolutamente certo ou se todo o
conhecimento que nós afirmamos ser absolutamente certo é apenas plausível. As principais questões
relacionadas com este problema são: «O que podemos realmente saber?» e «Há conhecimento humano ou
os céticos radicais têm razão?».

Existem duas teorias que procuram responder ao problema do estatuto do conhecimento: o


racionalismo de Descartes e o empirismo de Hume. Passo a resumi-las: Descartes parte da dúvida metódica,
o que lhe permitiu descobrir o cogito e a prova da existência de Deus. A prova de que Deus existe, permitiu
que Descartes chegasse à conclusão de que este tem de facto um corpo (res extensa) e de que existe um
mundo à sua volta. Por outro lado, Hume parte da certeza de que todo o conhecimento humano está
dividido em duas categorias: as questões de facto e as relações de ideias. Hume questiona a causalidade no
mundo, afirmando que a conexão necessária entre eventos é apenas uma associação de ideias baseada no
hábito (repetição) e argumenta que não temos justificação racional para confiar nos raciocínios indutivos,
mostrando ser um cético mitigado.

Neste ensaio vou defender o racionalismo de Descartes.

Descartes tinha vários objetivos, sendo um deles provar que os céticos radicais estavam errados. Para
isso, criou um método para testar crenças: a dúvida cartesiana. A dúvida é metódica, provisória, universal e
hiperbólica. A partir da aplicação da dúvida, Descartes formulou três argumentos (argumento da ilusão dos
sentidos, argumento da indistinção vigília-sono e argumento do génio maligno) e usou-os para tentar provar
que podemos ter conhecimento absolutamente certo. Porém, ao tentar provar que não era possível
conhecer nada com absoluta certeza, Descartes apercebeu-se que quanto mais ele pensava que não existia
mais claro se tornava que ele era um ser pensante (res cogitans), chegando, então, à conclusão que se algo
(um «eu») está a pensar é porque existe - «eu penso, logo existo». Nessa linha de pensamento Descartes
alcançou a primeira crença indubitável: o cogito, que estabelece uma regra geral provisória para separar as
verdades de falsidades (critério da clareza e distinção).

Apesar desta descoberta, Descartes precisou de provar a existência de Deus para conseguir sair do
solipsismo (só acreditava na sua existência enquanto substância e na existência do seu estado mental) e para
isso formulou dois argumentos: o argumento da marca e o argumento ontológico. No argumento da marca,
Descartes concluiu que é imperfeito e percebe que tem dentro dele a ideia de perfeição, o que o leva a
questionar a origem da mesma. Por exclusão de partes, Descartes sabe que essa ideia não é adventícia, uma
vez que nada é perfeito na natureza. Também não pode ter sido inventada, visto que a nossa mente só pode
criar algo do mesmo nível de perfeição que nós ou inferior, e como Descartes sabe que é imperfeito ele não
poderia ter inventado a ideia de perfeição. Desta forma, esta ideia tem de ser inata, concluindo, assim, que a
ideia de perfeição teve de ser criada por uma entidade divina ela própria inteiramente perfeita, ou seja, Deus
existe. Descartes considera que essa ideia é a marca que Deus deixou em nós. Já no argumento ontológico,
Descartes afirma que para algo ser sumamente perfeito esse algo tem, necessariamente, de existir. Quando
Descartes pensa na ideia de um Deus perfeito percebe que essa ideia é clara e distinta e, por isso, confiando
na evidência da sua ideia, Descartes conclui que Deus é perfeito. Assim, como a existência é uma condição
necessária para algo ser perfeito e Deus é perfeito, então é porque Deus existe. Provada a existência de Deus,
Descartes tem a certeza de que pode confiar no critério da clareza e distinção das ideias, sendo verdadeiro
tudo aquilo que concebemos clara e distintamente através do uso exclusivo do pensamento e da razão.
Descartes chega, então, à conclusão de que ele tem um corpo (coisa material, res extensa), de que existe um
mundo à sua volta, o que inclui outros corpos e outras coisas captadas pelos seus sentidos e de que a ciência
é certa. Assim, é possível afirmar que a base de todo o conhecimento assenta em três crenças indubitáveis:
cogito (res cogitans), Deus (garantia da verdade) e extensão (corpo material e mundo físico).

A teoria de Hume tem várias falhas, sendo a maior delas a bifurcação de Hume. A bifurcação de
Hume consiste na divisão de todo o conhecimento em duas categorias: as questões de facto e as relações de
ideias, sendo que qualquer coisa que não encaixe em nenhuma das categorias não é considerada
conhecimento. As questões de facto são verdades contingentes acerca do mundo conhecidas a posteriori e
as relações de ideias são verdades necessárias conhecidas a priori. Sendo a forquilha de Hume um critério
para distinguir o que é conhecimento do que não é conhecimento, é possível concluir que a própria forquilha
tem de ser ou uma questão de facto ou uma relação de ideais. A forquilha não pode ser uma relação de
ideias visto que não é uma verdade contingente e não exprime qualquer tipo de conhecimento relacional
acerca dos nossos conceitos. Porém, a forquilha também não é uma questão de facto visto que não advém
da experiência e não nos diz nada acerca do mundo. Assim, é possível concluir que a bifurcação de Hume
refuta-se a si própria, não sendo considerada conhecimento. Outra objeção que pode ser feita à posição de
Hume é que este é cético acerca da causalidade, acreditando que não existe uma justificação racional para
afirmar que as relações causais existem fora da nossa mente. David Hume, ao acreditar que não é possível
afirmar que a causalidade existe realmente no mundo, está a ignorar e a contrariar as leis fundamentais da
física. Se nos largarmos um lápis à superfície terrestre sabemos que ele vai cair no chão, visto que a Terra
exerce sobre ele uma força que o atrai para o centro do planeta. Ou seja, a queda do lápis é uma
consequência necessária, porém de acordo com David Hume não é possível afirmar que existe uma relação
causal entre estes dois eventos, apesar da mesma existir. Outro exemplo que a causalidade existe no mundo
é o fogo ser quente. Nós sabemos que fogo é o resultado da combustão entre um combustível (aquilo que
queima) e um comburente (o que permite a queima) e que durante a combustão é libertada energia sob a
forma de calor, existindo, assim, uma causalidade necessária entre o fogo e o calor. Desta forma, é possível
comprovar que a causalidade existe no mundo.
Em suma, considero pelas razões apresentadas, que o racionalismo de Descartes é a teoria mais
correta para responder ao referido problema.

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