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Bipolar
Bipolar
As bases neurobiológicas do
transtorno bipolar
Neurobiological Basis of Bipolar Disorder
Machado-Vieira, R.; Bressan, R.A.; Frey, B.; Soares J.C. Rev. Psiq. Clín. 32, supl 1; 28-33, 2005
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Abstract
In this article, the authors review relevant aspects related to the
neurobiological basis of bipolar disorder. This illness has been associated with
complex biochemical and molecular changes in brain circuits linked to
neurotransmission and intracellular signal transduction pathways, and changes
on neurons and glia have been proposed to be directly associated with clinical
presentation of mania and depression. In the same context, dysfunctions on
brain homeostasis and energy metabolism have been associated with alterations
on circadian rythms, behavior and mood in human and animal models of
bipolarity. In the recent years, advances on techniques of neuroimaging,
molecular biology and genetics has provided new insights about the biology of
bipolarity. The authors emphasize that bipolar disorder has been shown to be
directly associated with dysfunctions on neural adaptative mechanisms,
promoting neural stress. The resulted stress, even that do not lead to cell
death, may limit the neuroplasticity and neurotrophism in neurons and glia,
which in turn may facilitate the arousal of this pervasive illness.
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sobretudo em bipolares do tipo I, sugerindo alterações humor). A técnica de espectroscopia por ressonância
neurodegenerativas relacionadas com a idade nesta magnética (MRS) tem possibilitado o estudo do meta-
região. No entanto, seis estudos não encontraram bolismo de regiões específicas do cérebro humano in
alterações volumétricas significativas nos gânglios vivo (Stanley et al., 2002).
basais entre bipolares e controles. Os resultados Utilizando a espectroscopia por ressonância com
observados nas regiões subcorticais e fossa posterior próton (HMRS), dois estudos demonstraram aumento
sugerem comprometimento dos gânglios da base e do dos compostos de colina em pacientes bipolares eutímicos
cerebelo, estruturas associadas à modulação do afeto e deprimidos, sugerindo alteração do metabolismo dos
e da atenção, respectivamente. fosfolipídeos de membrana nesta amostra. No lobo frontal,
Em resumo, diminuição no córtex pré-frontal foi observado aumento dos compostos de colina no córtex
parece ser o achado mais consistente no estudo topo- cingulado anterior direito, bem como diminuição
gráfico cerebral de pacientes bipolares. Também tem significativa do N-acetil-aspartato na substância cinzenta
sido relatado alargamento de ventrículos, porém de de pacientes maníacos e mistos e no CPF dorsolateral
forma menos consistente que na esquizofrenia. Ainda, de bipolares em eutimia, o que sugere diminuição da
alterações no volume de hipocampo e amígdala têm viabilidade neuronal nestas regiões. Dois estudos recentes
sido descritas na doença, porém sem homogeneidade demonstraram aumento significativo do pico de
destes achados específicos. Estudos realizados nos anos glutamato/glutamina no CPF dorsolateral esquerdo de
de 1990 descrevem de forma consistente a presença bipolares maníacos e no giro cingulado de bipolares em
de hiperintensidades em substância branca subcortical uma amostra de bipolares em episódio depressivo ou
em bipolares, usualmente associadas a alterações misto. Possíveis alterações do metabolismo dos
vasculares, as quais são denominadas de “objetos fosfolipídeos de membrana associados à fisiopatogenia
brilhantes não-identificados”. Estima-se que indivíduos do THB. Além disso, achados de diminuição do N-acetil-
com THB possuem um risco três vezes maior de aspartato no CPF e hipocampo sugerem a hipótese de
apresentar lesões hiperintensas em substância branca, disfunção neuronal no THB. Os estudos de neuroimagem
que é a constatação mais prevalente nos estudos em estrutural e funcional convergem para um modelo de
neuroimagem. Cabe lembrar que tais achados não disfunção do circuito de regulação do humor, que
foram considerados como específicos ao THB, já que compreende o CPF, o complexo amígdala–hipocampo,
foi observada associação entre este achado com idade tálamo, gânglios da base e suas interconexões.
avançada e alteração vascular em significativa Ainda, por meio de exames de tomografia por
proporção dos pacientes bipolares que apresentavam emissão de pósitrons (PET), observa-se ativação de
esta alteração. regiões límbicas (porção subgenual do giro do cíngulo
e ínsula anterior) e desativação cortical (córtex pré-
frontal D e parietal inferior) tanto na indução de
Neuroimagem funcional tristeza em indivíduos normais, como em portadores
de transtorno depressivos. Com o tratamento para de-
Com o uso de ressonância magnética funcional têm- pressão, ocorrem mudanças recíprocas, pois há au-
se examinado as áreas cerebrais que ficam ativas em mento na atividade das regiões corticais e diminuição
voluntários sadios versus pacientes com THB em na atividade límbica.
vários estágios do transtorno (depressão, hipomania, Estudos avaliando a taxa de metabolismo cere-
eutimia) por meio de paradigmas de ativação emocional bral global apresentam resultados controversos, como
utilizando estímulos com valência afetiva ou neutra. diminuição, aumento e nenhuma diferença entre pa-
Tanto controles como pacientes com THB ativam cientes bipolares e controles. Em relação ao CPF, diver-
regiões cerebrais relacionadas com controle dos afetos, sos estudos descrevem diminuição no metabolismo da
incluindo o córtex pré-frontal e regiões anteriores do glicose durante episódio depressivo, observado pela
giro do cíngulo. Pacientes com transtorno bipolar utili- técnica de PET. Na mania, como regra geral, obser-
zam áreas cerebrais diferentes (por exemplo, tálamo vam-se diminuição significativa do metabolismo do
e hipotálamo) dos controles saudáveis (regiões do CPF dorsolateral esquerdo e aumento do metabolismo
córtex frontal). Em contraste com controles saudáveis, no CPF subgenual. Ainda foi demonstrada diminuição
pacientes com THB têm ativações adicionais em do metabolismo da amígdala esquerda em bipolares
regiões subcorticais, tais como amígdala, tálamo, hipo- maníacos e deprimidos com história familiar positiva.
tálamo e porções mediais do globo pálido. Em tarefas Os achados com PET e tomografia por emissão de fóton
de indução afetiva, pacientes bipolares em fase depres- único (SPECT) sugerem, com certa consistência,
siva e na hipomania apresentam ativações seme- hipometabolismo cerebral durante a fase depressiva
lhantes entre si, mas diferentes dos padrões encon- do THB e, embora com menos consistência, tendência
trados em controles saudáveis. Entretanto, as evidên- ao hipermetabolismo em algumas sub-regiões
cias sugerem que os pacientes com THB apresentam cerebrais durante a fase maníaca.
padrões de ativação subcortical, que são tanto rela- Cabe salientar que resultados isolados ou contro-
cionados ao traço (THB) como ao estado (fase do versos necessitam de replicação por meio de estudos
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com amostras mais representativas e com melhor liando os efeitos dos estabilizadores do humor em
controle dos potenciais vieses. Estudos futuros devem diversos sistemas de neurotransmissão, neuroplastici-
determinar com mais precisão a participação e inte- dade e em cascatas de segundos e terceiros mensageiros
gração das diferentes regiões cerebrais durante o (Manji et al., 2000). Também, tem-se buscado relacionar
processamento de emoções, nas diferentes fases do esses efeitos bioquímicos com os efeitos terapêuticos de
transtorno (Stoll et al., 2000). tais fármacos. Pesquisadores têm investigado os efeitos
de estabilizadores do humor na atividade de fatores de
transcrição ligados ao DNA (por exemplo, AP-1) e
Biologia molecular relacionados à manutenção da vitalidade celular. O lítio,
em concentrações terapêuticas, tem demonstrado
A ligação de um neurotransmissor ao seu receptor
aumentar a captação de AP-1. É sabido que os genes
de membrana desencadeia uma cascata de processos
regulados pela AP-1 incluem vários neuropeptídeos,
neuroquímicos que incluem os sistemas de segundos-
neurotrofinas, receptores, fatores de transcrição e
mensageiros, e vários destes têm sido associados à
enzimas que estão envolvidos na neuroplasticidade e
etiopatogenia do THB (Ghaemi et al., 1999). Os se-
neuroproteção. Porém, o significado clínico dessa
gundos-mensageiros associados à etiopatogenia do
constatação permanece desconhecido, podendo-se
THB são as proteínas G, AMPc (monofosfato cíclico
perguntar: será que os conhecidos estabilizadores de
de adenosina), PKC (proteína quinase C) e IP3 (ino-
humor serão os neuroprotetores de amanhã? O exato
sotol-trifosfato), entre outros (Manji e Lenox, 2000).
efeito da alteração na expressão desses genes ainda não
As proteínas G são um grupo de proteínas que desem-
está claramente elucidado. O valproato e a olanzapina
penham papel fundamental na transcrição de infor-
também parecem estar associados a modificações
mação celular através da membrana plasmática e
similares na expressão de marcadores relacionados à
têm sido associadas à fisiopatogenia do THB. Diversos
neuroplasticidade, incluindo-se o fator neurotrófico
sistemas de receptores do SNC são modulados pelas
derivado do cérebro. Estudos recentes sugerem que o
proteínas G, incluindo os receptores noradrenérgicos,
THB esteja relacionado a disfunções mitocondriais. Em
serotoninérgicos, dopaminérgicos, colinérgicos e
estudo post-mortem avaliando genes nucleares em
histaminérgicos, entre outros. A ativação de neurorre-
hipocampo de pacientes bipolares, foi encontrada
ceptores modula o fluxo de íons através de canais de
diminuição na expressão de inúmeros genes diretamente
membrana, além de controlar a atividade de uma
relacionados à atividade mitocondrial (Konradi et al.,
variedade de enzimas “efetoras” das células da
2004). Esse estudo corrobora dados anteriores e a
membrana, as quais regulam a função celular via
hipótese de Kato, da Universidade de Tóquio, que sugere
produção de segundos-mensageiros intracelulares.
depleção mitocondrial e alteração no metabolismo
O AMPc é um segundo-mensageiro responsável
energético de bipolares (Kato e Kato, 2000). Entretanto,
pela sinalização intracelular, que também parece
os resultados que reforçam essa hipótese são ainda
mediar a ação terapêutica dos estabilizadores de humor
pouco conclusivos.
pela regulação exercida na liberação de neurotrans-
missores e expressão gênica no cérebro. A proteína G
ativa a fosfolipase C (PLC), formando os segundos- Neuropatologia e genética
mensageiros diacilglicerol (DAC) e inositol-trifosfato
(IP3). O DAC age ativando a proteína quinase C (PKC), Segundo Rajkowska (2002), os achados neurobiológicos
gerando aumento na excitabilidade neuronal e na mais consistentes e representativos do THB são alte-
liberação de neurotransmissores. Estudos têm descrito rações em células gliais. Estudos demonstraram signi-
aumento de PKC no THB, mas pouco se sabe sobre a ficativa diminuição no número e na densidade glial
importância deste achado na biologia e na manifestação (não no tamanho) no THB. Outro estudo também des-
clínica da doença. Já o IP3 age liberando os estoques de creveu diminuição na densidade de oligodendrócitos
Ca+2 intracelular, necessários para a modulação neu- (tipo de célula glial) na mesma área. Essa alteração
ronal. Estudos demonstram aumento nos níveis não deve ser considerada como o principal achado
intracelulares de cálcio em pacientes com THB, espe- neuropatológico no THB, mas sim determinadas
cialmente associado à mania. No entanto, pouco se pode alterações neuronais (especialmente em neurônios não-
inferir sobre a possível associação entre esses achados piramidais gabaérgicos). Como base para tal argumen-
com a etiopatogenia e a manifestação da doença, já que tação, observa-se que há apenas um estudo que
a maioria das pesquisas que descrevem achados demonstrou redução na densidade glial em bipolares
relacionando o THB com alterações em segundos- sem uso de estabilizadores do humor. Em outra re-
mensageiros envolve um pequeno número de pacientes visão, foram descritas alterações metabólicas inte-
em estudos post-mortem ou via avaliação de material gradas entre neurônios e glia na doença. Como base
biológico de origem periférica. referencial, cabe lembrar que os achados de estudos
Conhecimentos adicionais relativos à etiopatogenia histopatológicos no THB foram obtidos por meio da
do THB também têm surgido a partir de estudos ava- utilização de pequenas amostras de pacientes, sem
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replicação posterior. Em resumo, achados neuropato- encontrados para humanos é um dos fatores que
lógicos descritos a partir da realização de estudos post- limitam a produção de novos conhecimentos sobre
mortem, os quais demonstraram alterações morfoló- as bases biológicas do THB. As perspectivas mais
gicas e morte de neurônios e células gliais em cérebro promissoras no estudo das bases biológicas da bipola-
de pacientes bipolares, são inconclusivos. Esses estu- ridade parecem estar associadas com a realização de
dos foram realizados utilizando pacientes suicidas, com estudos genéticos, de biologia molecular e neuroima-
polifarmácia, dependência química e outros fatores gem funcional em portadores. Essas linhas de
representativos de viés amostral. O tamanho da pesquisa têm provido descobertas recentes e ainda
amostra desses estudos limitou-se a dez, no máximo poderão trazer importantes contribuições sobre a
vinte pacientes, o que, pela lógica científica, exclui a etiopatogenia do THB.
possibilidade de extrapolar esses achados como sendo O uso continuado dos estabilizadores do humor
característicos da doença, mesmo que alguns autores parece ser fundamental não somente para manter o
assim proponham. Quanto aos estudos genéticos no quadro de humor estável, mas também para evitar o
THB, ainda não existe nenhum marcador genético surgimento de modificações bioquímicas relacionadas
associado diretamente com o surgimento da doença. a certo grau de dano neural. Por outro lado, a não-
aderência ao tratamento farmacológico e a conseqüente
Conclusões agudização do THB pode determinar danos celulares
secundários e alterar de forma consistente, e por vezes
Todos esses avanços descritos no estudo da neurobio- irreversível, o processo cognitivo e o curso e prognóstico
logia do THB devem ser interpretados com cautela e da doença. Estudos que avaliem a modulação induzida
sem generalizações. Em alguns tópicos, diversos pelos estabilizadores de humor em sistemas de
achados devem ser replicados e conduzidos com neurotransmissão e neuroproteção neurônio-gliais
amostras maiores e menos heterogêneas. A falta de poderão prover novos conhecimentos sobre a neuro-
modelos animais da doença que incluam os ciclos de biologia e auxiliar a descoberta de novas opções tera-
mania e depressão e que tenham suficiente validade pêuticas para o tratamento dos pacientes portadores
preditiva e de construto para extrapolar os achados dessa doença tão complexa.
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