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Alfabetizac o A Quest o Dos Metodos Primeiro Capitulo
Alfabetizac o A Quest o Dos Metodos Primeiro Capitulo
o método em questão
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É importante não esquecer que essa alternância histórica de propostas metodológicas para a alfabetização não
ocorreu, e não ocorre, apenas no Brasil, mas pode ser identificada em muitos outros países. Emblemático, nesse
sentido, é o artigo em que Steven Stahl analisa o movimento de expansão e declínio da proposta denominada
whole language, nos Estados Unidos, artigo significativamente denominado “Why Innovations Come and
Go (and Mostly Go): The Case of Whole Language” (Stahl, 1999). Sobre sucesso e fracasso de inovações,
na França, ver também Chartier (2000). Por economia de texto, limitamo-nos aqui a mencionar apenas o
movimento brasileiro das inovações que vêm e vão, e sobretudo vão...
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Não se pretende, aqui, traçar uma história dos métodos de alfabetização, o que fugiria ao objetivo deste livro,
que busca discutir a questão atual dos métodos de alfabetização – para isso, procura-se apenas contextualizar
a questão atual por meio de uma breve recapitulação das sucessivas questões de método, no percurso da alfa-
betização, no Brasil; para uma história dos métodos de alfabetização em nosso país, remete-se à já citada obra
de Mortatti (2000), a Pfromm Neto, Rosamilha e Dib (1974), e a Frade (2007). A obra de Braslavsky (1992),
embora não se caracterize por uma perspectiva histórica, é uma análise da questão dos métodos na América
Latina, até o início dos anos 1990.
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A metáfora do movimento pendular para representar as sucessivas mudanças de metodologias ao longo da história
não só da alfabetização, mas também da educação como um todo, é reiteradamente usada na bibliografia
sobre o tema, particularmente na de língua inglesa; foi originalmente buscada em Slavin (1989), que propõe
que o movimento pendular em educação se deve ao fato de as propostas serem adotadas antes que resultados
de pesquisa as fundamentem. Sobre a metáfora do movimento pendular em educação, ver também Robinson,
Baker e Clegg (1998).
Alfabetização: o método em questão • 19
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À mesma afirmação chegam Adams e Osborn (2006) ao analisar o debate entre o words-first group e o phonics-
first group, entre os anos 1920 e 1960, nos Estados Unidos: a questão não era se seria necessário ensinar as
relações fonemas-grafemas, mas quando e como deveriam ser ensinadas: “The question was not whether
phonics should be learned, but when and how” (p. 86).
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Qualifica-se como “discutível” a denominação construtivismo na área da alfabetização, e do ensino em geral,
porque o termo refere-se, mais amplamente, a uma teoria da gênese e do desenvolvimento do conhecimento,
ou, mais restritamente, a uma teoria da aprendizagem. Usá-lo para referir-se a uma concepção do processo de
alfabetização, como ocorre entre nós, tem conduzido a equívocos como o de supor que construtivismo é uma
teoria da alfabetização ou, mais grave ainda, que é um método de alfabetização. No entanto, respeitando a
ampla apropriação dessa denominação pela área da alfabetização, no Brasil, ela é utilizada, neste livro, com o
sentido que lhe vem sendo atribuído nessa área.
Alfabetização: o método em questão • 21
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Convém fundamentar a opção feita, neste livro, pelo uso da dupla forma masculino/feminino para designar
profissionais na área da alfabetização. Se se tomasse como critério a realidade, que evidencia significativa
predominância, em nosso país, de mulheres na alfabetização, o uso do feminino – a alfabetizadora – seria
justificável, alternativa que, aliás, tem sido adotada com certa frequência em trabalhos acadêmicos. Por outro
lado, do ponto de vista linguístico, seria correto, ao contrário, o uso da forma masculina – o alfabetizador,
já que a norma gramatical considera, no caso de referência a grupo de pessoas dos dois sexos, como na
designação de profissões, a forma masculina como um gênero não marcado, neutro, um masculino genérico,
com independência entre o gênero gramatical e o sexo. Entretanto, assume-se aqui que a questão não pode
ser considerada apenas do ponto de vista da realidade ou do ponto de vista linguístico, dado o grande peso
de aspectos psicológicos e sociais. É que, no uso discursivo da língua, estereótipos e preconceitos culturais
se sobrepõem à norma gramatical: o uso gramaticalmente correto do masculino genérico na verdade constrói
representações cognitivas e sociais que atribuem especificidade ao genérico, associando o gênero gramatical ao
sexo, de modo que, ao ler, em um texto, o alfabetizador, as mulheres podem perder a visibilidade e se sentirem,
de certa forma, excluídas. Inversamente, pode ocorrer que ao ler, em um texto, a alfabetizadora, os homens
sintam-se excluídos ou marginalizados (sobretudo porque já são minoria na área) – neste livro, pretende-se
evitar ambas as alternativas. Essas considerações se fundamentam em pesquisas desenvolvidas desde os anos
1970, estimuladas pelo movimento feminista, sobre os efeitos do chamado “androcentrismo” da língua. Ver,
por exemplo, as pesquisas recentes: Chatard, Guimond e Martinot (2005); Gygax (2007); Gygax et al. (2009).
No entanto, como a dupla forma masculino/feminino, se usada neste livro na totalidade dos casos em que ela
caberia (por exemplo, professor(a), autor(a), pesquisador(a), leitor(a), aluno(a) etc.) pode dificultar a leitura,
em virtude de ser ela ainda pouco familiar, e assim constituir obstáculo a uma leitura fluente (embora Gygax,
2007, conteste essa possibilidade), optou-se por só usá-la na designação da profissão que é o tema central deste
livro – alfabetizador(a). Nos demais casos, mantém-se o masculino genérico.
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A questão atual
Na história da alfabetização no Brasil, o principal propulsor das perió-
dicas mudanças de paradigma e de concepção de métodos tem sido o per-
sistente fracasso da escola em levar as crianças ao domínio da língua escrita.
Até os anos 1980, via-se no método a solução para o fracasso na alfa-
betização, nesse período sempre concentrado na classe ou série inicial do
ensino fundamental, traduzindo-se em altos índices de reprovação, repetên-
cia, evasão. Como o fracasso persistia a despeito do método em uso, a cada
momento um novo método era tentado, e assim o pêndulo oscilava: ora uma
ou outra modalidade de método sintético, ora uma ou outra modalidade
de método analítico: silábico, palavração, fônico, sentenciação, global...
Nos anos 1980, o construtivismo surge como, ele também, uma al-
ternativa de combate ao fracasso em alfabetização. Embora reconhecendo
que as causas do fracasso eram sobretudo de natureza social (Ferreiro e
Teberosky, 1986: 17-8), propunha-se que a solução, para combater os altos
índices de reprovação na aprendizagem inicial da língua escrita, seria não
um novo método, mas uma nova concepção do processo de aprendizagem
da língua escrita, “tendo como fim último o de contribuir na solução dos
problemas de aprendizagem da lectoescrita na América Latina, e o de evitar
que o sistema escolar continue produzindo futuros analfabetos” (Ferreiro
e Teberosky, 1986: 32).
Entretanto, nos anos iniciais do século xxi, apesar da hegemonia exercida
pelo construtivismo nas duas décadas anteriores, o fracasso em alfabetiza-
ção persiste, embora esse fracasso, agora, configure-se de forma diferente:
enquanto, no período anterior, o fracasso, revelado por meio sobretudo
de avaliações internas à escola, concentrava-se na série inicial do ensino
fundamental, a então geralmente chamada “classe de alfabetização”, o fra-
casso na década inicial do século xxi é denunciado por avaliações externas
à escola – avaliações estaduais, nacionais e até internacionais –, e já não se
concentra na série inicial da escolarização, mas espraia-se ao longo de todo
o ensino fundamental, chegando mesmo ao ensino médio, traduzido em
altos índices de precário ou nulo domínio da língua escrita, evidenciando
grandes contingentes de alunos não alfabetizados ou semialfabetizados de-
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É preciso lembrar que os baixos níveis de apropriação da língua escrita que vêm sendo evidenciados ao longo
de todo o ensino básico não podem ser atribuídos apenas a problemas na área de métodos de alfabetização,
já que se devem a um conjunto de fatores, entre os quais os mais evidentes são a inadequada compreensão da
organização do ensino em ciclos e um equivocado conceito de progressão continuada, considerada alterna-
tiva à reprovação e à repetência. Mais adiante, neste capítulo, o lugar do método no conjunto de fatores que
determinam os resultados do processo de alfabetização será discutido.
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Embora se pretenda, neste capítulo, focalizar a questão dos métodos de alfabetização apenas no Brasil, é
preciso mencionar que essa questão não é uma exclusividade brasileira: também em outros países métodos de
alfabetização vêm constituindo uma questão, e uma questão com as mesmas características identificadas na
brasileira. Nos Estados Unidos e na França, para citar apenas países que sempre exerceram influência sobre o
Brasil na área da educação, identifica-se o mesmo movimento pendular entre métodos de alfabetização: desde
o final do século xix e ao longo do século xx, o pêndulo oscilou, nesses países, como ocorreu no Brasil, entre
métodos sintéticos e métodos analíticos; métodos alternaram-se, em um momento considerados “inovadores”,
em outro momento considerados “tradicionais”; e também nesses países, como no Brasil, a primeira década
do século xxi enfrenta dificuldades e polêmicas a respeito dos métodos de alfabetização. Para a história dos
métodos de alfabetização na França, sugerem-se Krick, Reichstadt e Terrail (2007), Chartier e Hébrard (2001);
com foco em países de língua inglesa, obra não recente, mas considerada “clássica”, é Mathews (1966); uma
análise atualizada pode ser encontrada em Adams (1990; 1999), Stahl (2006) e Sadoski (2004); em Alexander
e Fox (2004), encontra-se uma análise exaustiva de pesquisa e prática da alfabetização na segunda metade do
século xx, nos Estados Unidos, em que podem ser identificadas coincidências com a história da alfabetização
no Brasil, nesse período.
Alfabetização: o método em questão • 25
Métodos de alfabetização –
sempre uma questão: por quê?
Embora não se possa atribuir a uma só causa a persistência de problemas
e controvérsias em torno de métodos de alfabetização, já que vários fatores
relacionam-se com a questão, uma explicação prevalece sobre outras possíveis:
métodos de alfabetização têm sido sempre uma questão porque derivam de
concepções diferentes sobre o objeto da alfabetização, isto é, sobre o que
se ensina quando se ensina a língua escrita.
Uma primeira causa de divergências quanto ao objeto da alfabetização é
a maior ou menor importância atribuída, em diferentes métodos, a uma ou
outra das duas funções da língua escrita: na etapa da aprendizagem inicial
da língua escrita, ensina-se a ler ou ensina-se a escrever?12
Historicamente, a leitura foi o objeto privilegiado da alfabetização, o que
se revela na referência frequente, até os anos 1980, a “métodos de leitura” e a
“livros de leitura”, independentemente do pressuposto pedagógico adotado:
métodos sintéticos ou analíticos, predominantes nesse período, privilegiavam
a leitura, limitando a escrita à cópia ou ao ditado; a escrita real, autêntica,
isto é, a produção de textos, era considerada como posterior ao domínio
da leitura, ou como decorrência natural desse domínio. Confirmando essa
tendência, a bibliografia sobre a aprendizagem inicial da língua escrita,
durante quase todo o século xx, refere-se predominantemente ao ensino
da leitura; até mesmo nas definições de dicionários para termos relativos à
alfabetização a leitura é privilegiada: Maciel (2002), analisando definições
de cartilha em diferentes dicionários, evidencia que, em todos eles, atribui-
se à cartilha a função de ensinar a ler.13
12
O binômio leitura-escrita é aqui analisado sob o ponto de vista dos métodos de alfabetização e de uma perspectiva
histórica. Em outros capítulos deste livro esse binômio será analisado sob o ponto de vista do desenvolvimento
da criança e dos processos de aprendizagem (no segundo capítulo), e sob as perspectivas fonológica e cognitiva
(sexto e sétimo capítulos).
13
Este privilégio à leitura não é fenômeno apenas brasileiro. Basta lembrar que, nos Estados Unidos, denomina-se
reading – leitura – a aprendizagem inicial da língua escrita; também na França a referência a essa aprendizagem
se faz com a expressão “apprendre à lire”. Farnan e Dahl (2003) mostram, com dados do Educational Resource
Information Center (Eric), que mesmo na pesquisa acadêmica se verifica a predominância do interesse pela leitura
em relação à escrita; segundo essas autoras, entre os 950.000 artigos e documentos que encontraram catalogados
nesse banco de dados, 116.621 tinham a leitura como tema, enquanto apenas 63.480, ou seja, pouco mais que
a metade da produção sobre leitura, tinham a escrita como tema.
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É a partir de meados dos anos 1980 que o privilégio até então atribuído
à leitura, nos métodos de alfabetização, torna-se uma questão.14 No Brasil,
como decorrência da mudança de paradigma que o construtivismo repre-
sentou, a escrita, para além da cópia, do ditado, isto é, a escrita entendida
como produção textual, passa a desempenhar papel importante na alfabe-
tização. Ao contrário dos métodos sintéticos e analíticos, que rejeitavam a
escrita não controlada – a criança só deveria escrever palavras que já houvesse
aprendido a ler –, o construtivismo enfatizou o papel da escrita, sobretudo de
uma escrita “espontânea” ou “inventada”,15 considerada como processo por
meio do qual a criança se apropriaria do sistema alfabético e das convenções
da escrita, tornando desnecessário o ensino explícito e sistemático desse
sistema e dessas convenções; também ao contrário dos métodos sintéticos
e analíticos, que adiavam o convívio da criança com os usos e funções da
língua escrita, propôs, ao longo mesmo do processo de aprendizagem inicial
da língua escrita, a escrita de textos de diferentes gêneros.
Uma segunda causa de divergências quanto ao objeto da alfabetização
é a introdução, na área da cultura do escrito, do conceito de letramento.
Nos anos 1980, os limites do ensino e aprendizagem da língua escrita se
ampliam: em decorrência do desenvolvimento social, cultural, econômi-
co, político em nosso país, durante o século xx, ganham cada vez maior
visibilidade as muitas e variadas demandas de leitura e de escrita nas
práticas sociais e profissionais, gerando a necessidade de mais avançadas
e diferenciadas habilidades de leitura e de escrita (Soares, 1986), o que
exigiu, consequentemente, reformulação de objetivos e introdução de
novas práticas no ensino da língua escrita na escola, de que é exemplo a
grande ênfase que se passa a atribuir ao desenvolvimento de habilidades
de leitura e de escrita de uma gama ampla e variada de gêneros textuais.
14
Segundo Farnan e Dahl (2003), no texto citado na nota anterior, também na pesquisa acadêmica, segundo
os registros do Eric, o interesse pela escrita só cresce a partir dos anos 1990: complementando os dados apre-
sentados na nota anterior, essas autoras informam que, considerado apenas o período 1990-2003, 24.831
documentos e artigos foram catalogados como leitura e 22.941 como escrita, uma diferença pequena, nesse
período recente.
15
A escrita “espontânea”, “inventada” ou “criativa” será discutida no próximo capítulo sob a perspectiva do processo
de desenvolvimento da criança, em sua progressiva apropriação da língua escrita, e no capítulo “Consciência
fonêmica e alfabetização” sob a perspectiva fonológica.
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Para essa ampliação do conceito de aprendizagem inicial da língua escrita já vinha contribuindo o construtivis-
mo, que defende a construção do sistema alfabético pela criança por meio de seu convívio com material escrito
real, e não artificialmente elaborado para promover a aprendizagem desse sistema. Isso explica a resistência de
partidários do construtivismo a aceitar o termo letramento. Na verdade, talvez a palavra letramento não fosse
necessária se se pudesse atribuir, como pretende o construtivismo, um sentido ampliado à palavra alfabetização.
Entretanto, na tradição da língua, no senso comum, no uso corrente, e mesmo nos dicionários, alfabetização
é compreendida como, restritamente, a aprendizagem do sistema alfabético-ortográfico e das convenções para
seu uso, a aprendizagem do ler e do escrever considerados verbos sem complemento (Soares, 2005); ampliar
o significado da palavra alfabetização, para que designe mais que o que tradicional e correntemente vem
designando, seria, como foi, uma tentativa infrutífera, pela dificuldade, ou mesmo impossibilidade, do ponto
de vista linguístico, de intervir artificialmente em um significado já consolidado na língua. Ferreiro (2001:
71-2), ao responder a uma pergunta sobre como traduziria literacy, esclarece que evita esse termo, apenas “em
muitos casos, traduzo ‘literacy’ como ‘cultura escrita’, porque faz sentido e sabemos do que estamos falando”;
destaque-se o título de recente livro de Ferreiro (2013), O ingresso na escrita e nas culturas do escrito, que parece
referir-se à alfabetização – ingresso na escrita – e ao letramento – culturas do escrito. É significativo que, no
início de 2015, a tradicional International Reading Association (ira) tenha mudado seu nome para International
Literacy Association, com a justificativa de que reading limitava o foco da Associação.
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No original, The Literacy Dictionary, é a palavra reading que encabeça o verbete; essa palavra tem, na verdade,
um sentido mais amplo que o da palavra leitura, porque é usada, no inglês, para designar o processo de
aprendizagem inicial da língua escrita; como essa aprendizagem teve sempre como foco a leitura (cf. nota
13), a palavra reading corresponde ao que, na língua portuguesa, chamamos alfabetização. Acrescente-se
ainda que a tradução, no título do Dicionário, de literacy por alfabetização é também inadequada, pois
literacy, na língua inglesa, não corresponde à alfabetização em português; no próprio Dicionário, o verbete
literacy é traduzido por lectoescrita, o que restringe grandemente o sentido da palavra que, em português,
se tem traduzido por letramento (literacia, em português europeu).
18
Na verdade, Harris e Hodges apresentam vinte definições, mas as sete últimas são extensões do sentido da
palavra para além da interação com a língua escrita.
19
Tomando como critério os métodos que foram e são utilizados no Brasil, critério adequado ao tema que neste
livro se desenvolve – a questão dos métodos –, propõem-se três categorias, que constituem as três facetas
sugeridas; naturalmente, essas facetas não só não esgotam todos os componentes do fenômeno complexo
que é a aprendizagem inicial da língua escrita, como ainda cada uma delas poderia ser fracionada em vários
componentes – a categorização é, como toda categorização, reducionista. Na bibliografia sobre alfabetização,
encontram-se inúmeras propostas de modelos de representação dos componentes desse processo e de suas in-
terações (exemplos são Ruddell e Unrau, 2004, particularmente o conjunto de textos que compõem a Seção
Três, “Models of Reading and Writing Processes”, e Stahl e Hayes, 1997); outros autores analisam os compo-
nentes do processo na perspectiva de seus fundamentos conceituais (como Sadoski, 2004; Kucer, 2005) ou na
perspectiva das teorias em que esses componentes se fundamentam (um exemplo é Tracey e Morrow, 2006).
Cabe ainda lembrar que documentos oficiais de orientação para o processo de alfabetização, promulgados por
órgão de política educacional de vários países, indicam os componentes que devem estar presentes na prática
escolar; casos exemplares, por sua influência internacional, são o National Reading Panel, nos Estados Unidos
(nichd, 2000a); o Rose Review, no Reino Unido (Rose, 2006). Citem-se ainda programas de ensino de âmbito
nacional (como os programas para a escola elementar francesa, Ministère de l’Éducation Nationale, 2008) e
as bases curriculares nacionais vigentes em vários países (Estados Unidos, Austrália, Nova Zelândia, Portugal,
Chile, entre outros).
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Em países de língua inglesa (particularmente Estados Unidos e Austrália), a oposição entre essas duas concep-
ções de alfabetização e de métodos se traduziu, nos anos 1990, no que se denominou reading wars – conflito
entre phonics e whole language (sobre esta questão, ver Soares, 2004).
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A este respeito, ver ainda Soares (2006). Não apenas no Brasil a pesquisa sobre alfabetização é recente; também
em países com mais longa e rica tradição em pesquisa na área da educação, só a partir de meados do século
xx ocorre o reconhecimento da alfabetização como tema de investigação científica; ver a esse respeito, com
relação aos Estados Unidos, Alexander e Fox (2004, cf. nota 11).
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Deve-se sobretudo aos cursos e programas de pós-graduação em Educação o desenvolvimento da pesquisa
sobre a alfabetização: a pesquisa em educação, em geral, e em alfabetização, em particular, cresce no Brasil
graças, sobretudo, à produção científica de professores e alunos de mestrado e doutorado, a partir do final dos
anos 1960, quando foi institucionalizada a pós-graduação no país.
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Trata-se de uma história tradicional da Índia que o poeta americano John Godfrey Saxe (1816-1887) divulgou
no mundo ocidental em um poema, “The Blind Men and the Elephant”.
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cada faceta é de uma natureza específica, cada uma só pode ser investigada
isoladamente. No entanto, quando o fenômeno passa a ser objeto não de
pesquisa, mas de aprendizagem e de ensino, é adequado agir como os cegos?
Eleger uma ou outra função, uma ou outra faceta? Ou é preciso reconstituir
o todo? No tópico seguinte, em que se apresenta a proposta deste livro,
responde-se a essas perguntas.
[...] as partes não são discretas. Não podemos agir completando cada sub-
sistema individualmente, em seguida atando-o a outro. Ao contrário, as
partes do sistema de alfabetização devem crescer simultaneamente. Devem
crescer cada uma em relação a outra e cada uma a partir de outra. [...]
Elas [as partes do sistema] devem estar interligadas no próprio processo de
aquisição. E, o que é importante, essa dependência atua nas duas direções.
Não se pode desenvolver adequadamente os processos mais avançados sem
a devida atenção aos menos avançados. Nem se pode focalizar os processos
menos avançados sem constantemente esclarecer e praticar suas conexões
com os processos mais avançados. (Adams, 1990: 6)24
Tradução nossa. Todas as traduções de citações de originais em língua estrangeira são de responsabilidade minha.
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Adverte-se o leitor de que a palavra método, neste capítulo e nos seguintes, tem o sentido que lhe foi atribuído
no início deste capítulo: método como conjunto de procedimentos. Uma melhor explicitação do conceito de
método será proposta no capítulo “Métodos de alfabetização: uma resposta à questão”, depois de apresentados
nos capítulos anteriores os princípios e as teorias que fundamentam o conceito que se proporá.
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Antes de começar a ler este livro, você deve ter pleno conhecimento de que
o tema nele discutido é a leitura de palavras. Entretanto, antes de terminar
a leitura deste livro, você deve ter pleno conhecimento de que a habilidade
de ler palavras rapidamente, corretamente e sem esforço é fundamental
para a compreensão competente de textos – nos sentidos óbvios e em vários
outros sentidos, mais sutis.
Leitura competente não é uma habilidade unitária. É um completo e
complexo sistema de habilidades e conhecimentos. No interior desse
sistema, os conhecimentos e habilidades envolvidos no reconhecimento
visual de palavras escritas são inúteis em si mesmos. Só têm valor e, de
forma absoluta, só são possíveis se orientados e aprendidos por meio de
conhecimentos complementares e atividades de compreensão da língua.
Por outro lado, se os processos envolvidos no reconhecimento individual
de palavras não funcionarem adequadamente, nada mais no sistema fun-
cionará adequadamente. (Adams, 1990: 3)
Tudo que as crianças precisam para dominar a linguagem falada, tanto para
produzi-la por si mesmas quanto, mais fundamentalmente, para compreen-
derem sua utilização pelos outros, é ter a experiência de usar a linguagem
em um ambiente significativo. As crianças aprendem facilmente sobre a
linguagem falada, quando estão envolvidas em sua utilização, quando esta
lhes faz sentido. E, da mesma forma, tentarão compreender a linguagem
escrita se estiverem envolvidas em sua utilização, em situações onde esta
lhes faz sentido e onde podem gerar e testar hipóteses.
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Understanding Reading teve 6 edições, no período de 1971 (1ª edição) a 2004 (6ª edição, esta republicada em
2012, na Routledge Education Classic Edition Series). Embora com diferenças significativas na organização em
capítulos, tópicos e subtópicos, alguma atualização e referências a pesquisas desenvolvidas durante essas quase
quatro décadas, Smith mantém sua teoria, tornando-a mesmo mais radical a cada edição, sempre contestando
as muitas críticas que a teoria recebeu, sobretudo a partir dos anos 1990 (entre essas críticas, uma das mais
bem fundamentadas é a de Adams, 1991). Understanding Reading foi traduzido no Brasil no final dos anos
1980 (Smith, 1989 – Compreendendo a leitura), com base na 4ª edição, de 1988. As referências à obra, neste
livro, são feitas ora à 1ª edição, de 1971, quando se considera importante situar historicamente a proposta
de um conceito, ora à última edição, à 6ª, de 2004, quando, ao contrário, se quer evidenciar a persistência
de Smith na afirmação de conceitos dificilmente sustentáveis, no estado atual dos estudos e pesquisas sobre
a língua escrita e sua aprendizagem, ora, finalmente, à tradução da obra para o português, neste caso apenas
quando o trecho citado está presente também na última edição, de 2004.
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Liberman e Liberman (1992) analisam, em uma muito bem fundamentada crítica, a proposta teórica e me-
todológica de Keneth Goodman.
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Como, na argumentação que se vem desenvolvendo, a contextualização temporal é significativa, indica-se aqui
a data em que o texto de que se retira a citação apareceu originalmente: em artigo publicado no periódico
The Reading Teacher, v. 4, n. 47, 1993/1994; o artigo foi posteriormente incluído na coletânea de artigos de
Stanovich publicada em 2000, indicada na referência bibliográfica do texto citado.
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Sobre a reciclagem neuronal e a alfabetização, sugere-se, na bibliografia brasileira, a leitura de Scliar-Cabral (2010).
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O conceito de fonema e suas implicações para a alfabetização são discutidos de forma detalhada no capítulo
“Consciência fonêmica e alfabetização”.
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Sobre os conceitos de código, representação e notação relacionados com a caracterização da escrita alfabética
e outras escritas (numérica, musical), podem-se consultar Sinclair (org., 1990); Ferreiro (1985); Tolchinsky
(1995; 2003); A. Morais (2005; 2012).
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O termo código, por impróprio, como dito anteriormente, só é usado nos capítulos que se seguem em citações
cujos autores o adotam; eventualmente, porém, serão usados neste livro os verbos codificar e decodificar,
assumindo-os com o sentido de processos de cifração ou decifração do sistema notacional, já que inexistem,
na língua, verbos derivados do substantivo notação que expressem esse sentido (os verbos notar e denotar,
no uso que é deles feito na língua, não se relacionam com o conceito de notação aplicado ao sistema de
representação alfabética).
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