Você está na página 1de 447

TRATADO DE DIREITO PRIVADO

PARTE ESPECIAL
TOMO LVIII
Direito das Sucessões: Sucessão testamentária.

Disposições testamentárias em geral.

Formas ordinárias do testamento.

TÁBUA SISTEMÁTICA DAS MATÉRIAS

TÍTULO III

SUCESSÃO TESTAMENTÁRIA

(continuação)
CAPITULO XIV
CAPACIDADE DE ADQUIRIR POR
TESTAMENTO
§ 5.810. Capacidade testamentária. 1. Sucessibilidade e testamento.
2.Princípio da coexistência. 3. Incapacidade e indignidade

§ 5.811. Conteúdo elo principio da coexistência. 1. Doutrina da capacidade


de suceder.2.Direito romano. 3.

Problema técnico da construção. 4.Texto legal. 5. Princípio da coexistência


e incapacidade.6.Absolutamente incapazes. 7. Incapacidade absoluta e
relativa. 8. Traços diferenciais. 9. Aplicações do princípio.10.Pessoas
jurídicas

§ 5.812. Nascituro. 1.Conceito.2. Direito anterior quanto ao nascituro. 3.


Regras jurídicas. 4. O problema da construção jurídica. 5. Construções
jurídicas. 6. Nascituros plurais. 7.Determinação da data da concepção

§ 5.813. Prole eventual de pessoas designadas e existentes ao tempo da


morte do testador. 1. “Nondum concepti”.

2. Direito anterior. 3. Fundamento da exclusão dos póstumos não-


concebidos. 4. Donde vem a regra jurídica. 5.

Fundamento da exceção a favor da prole de pessoas designadas. 6.


Futuridade sem concepção. 7. Posição do problema. 8. Construção da regra
jurídica. 9. Interpretação da regra jurídica.

10.Que “pessoas designadas” são as do texto. 11. Prole eventual: filhos ou


quaisquer descendentes. 12. Prole eventual: restrições. 13. Guarda da
herança até o nascimento da prole contemplada. 14. Frutos e administraçãO.
15.

Pagamento dos impostos e prole eventual. 16. Prova da concepção para os


efeitos legais (nasciturus) . 17. Prova da existência das pessoas e da
existência da prole eventual.

18.Devolução dos bens da prole eventual não ocorrida. 18 § 5.814.


Incapacidade de sucessão passiva. 1. Pessoas que não podem adquirir por
testamento. 2. Pessoa que, a rôgo, escreveu o testamento, o seu cônjuge ou
os seus ascendentes, descendentes e irmãos. 3. Testemunhas do testamento.
4. Concubina do testador casado. 5. Oficial público, civil ou militar,
comandante, ou escrivão, perante quem se fizer, assim como o que fizer ou
aprovar o testamento. 6. Legado ou deixa a filho adulterino

§ 5.815.Disposição a favor de incapazes de suceder. 1. Texto da lei. 2.


Nulidade derivada da regra jurídica. 3. Pre sunção

§ 5.816. Liberdade de testar e quota necessária. 1. Liberdade de testar.


2.Porção disponível. 3. Porção disponível dita anômala. 4.Princípio da
inviolabilidade da quota necessária. 5. Herdeiros necessários. 6. Natureza
do direito dos herdeiros necessários. 7. Descendentes e ascendentes. 8.
Destino dos bens não distribuídos no testamento. 9.

Cálculo da metade disponível. 10. Cálculo da porção disponível. 11.


Cálculo da porção necessária se há sucessíveis renunciantes. 12. Porção
necessária e herdeiro necessário também instituido. 13. Cálculo prático das
porções necessárias.

14.Cláusulas de inalienabilidade e de incomunicabilidade.

15.Natureza das restrições de poder. 16. Divergências na classificação. 17.


“Modus” e cláusulas de restrição de poder. 18. Teorias. 19. Inalienabilidade
e obrigação. 20. Corte no “ius abutendi”. 21. Análise das soluções. 22. Que
é que se entende por temporário. 23. Temporariedade e transmissão. 24.
Conteúdo da cláusula de inalienabilidade.

25. Legítimas e cláusulas de restrição de poder

§ 5.817. Outras cláusulas de restrição. 1. Cláusulas de sub-rogação e


cláusulas de reemprêgo. 2. Legitimados à ação de nulidade. 3. O que o
testador pode acrescentar a “restrição de poder”. 4. O que se não pode apor
aos quinhões dos herdeiros necessários. 5. Natureza da sanção. 6. Ação de
nulidade. 7. Ação Pauliana e restrição de poder. 8. Quando começam os
efeitos das cláusulas restritivas ou restrições de poder. 9. Efeito da acão de
nulidade.

10. Herança necessária e porção disponível. 11. Liberdade de dispor e os


seus elementos. 12. Conjuge c parentes colaterais. 13. Direito anterior. 14.
Significação da regra jurídica

CAPITULO XV

REDUÇÃO DAS DISPOSIÇÕES TESTAMENTÁRIAS

§ 5.818.Caso especial de sucessão . 1. Disposição em parte. 2. Direito


romano. 3. Direito anterior. 4. Projetos brasileiros. 5.Natureza da regra
jurídica 6. Pressupostos do suporte fáctico. 7. Consequências da regra
jurídica

§ 5.819. Determinação de partes e redução. 1. Fontes. 2. Regras jurídicas


sôbre redução. 3. Pressupostos da redução. 4. Pressupostos da redução, se o
testador preferiu herdeiros ou legatários. 5. Distribuição inferior ao deixado.
6. Dispositividade das regras jurídicas. 7. ferro do testador. 8. Pluralidade
de testamentos. 9. Alguns herdeiros com partes e outros sem parte. 10.
Redução dos legados. 11. Divisibilidade e indivisibilidade. 12.

Conteúdo das regras jurídicas...

CAPITULO XVI

SUBSTITUIÇÕES

de substituição. 4. Direito romano. 5.Direito anterior.6. Função das


substituições. 7. Formas. Poder e não querer aceitar. 9. Morte do
beneficiado10. Condição resolutiva. 11. Estrutura da substituição12. Direito
do substituto
§ 5.821. Substituições e espécies. 1. Substituições e fideicomissos.
2.Interpretação da vontade do testador

§ 5.822. Direito de acrescimento e substituição. 1. “lus accrescendi”.


2.Precisões

§ 5.823. Pressupostos e caráter da regra juridiaa. 1. Substituições gerais e


especiais. 2. Caráter da regra jurídica. 3.

Ineficácia da substituição

§ 5.824. Sujeitos ativo e passivo da substituição. 1. Duas figuras.2. Um ou


mais substitutos.~ 3. Quantidade e relação dos substitutos 4. Substituição a
grupos. 5. Substituição recíproca. 6.Substituição compendiosa. 7.

Substituição a substitutos 8. Instituições condicionais. 9. Qualidade dos


substituidos

§ 5.825. Determinações mas, anexas e conexas; legados. 1. Cláusulas. 2.


Legados a têrmo e fideicomissos. 3.

Legados. 4.Cláusulas e substituto. 5. Conteúdo da regra legal. 6.“Modus”.


7. Condição à instituição do “prior” .... 2

§ 5.826. Objeto da substituição. 1. Substitutos. 2. Espécies de objeto. 3.


Instituido e substituto. 4. Substituição recíproca. 5. Conteúdo da regra
jurídica

§ 5.827. Questões de interpretação. 1. Espécies. 2. Instituição condicional e


substituição 3. Substituições. 4.

Fideicomisso. 5.Substituição ou fideicomisso. 6. Acrescimento e


substituição. 7. Nacionalidade. 8. Renúncia. 9.

Renúncia e substituição. 10. Outros exemplos. 11. Pessoa ainda não


concebida. 12. Substitutos de substitutos. 13.
Ordem subsidiária. 14. Herdeiro legitimo e substituição. 15. Qualidade de
instituidos. 16. Fideicomisso e legado.

17. Direito francês. 18. Direito italiano. 19. Direito alemão. 20. Direito
suíço. 21. Direito russo. 22. Direito argentino

§ 5.828. Substituição pupilar e quase-pupilar. 1. Instituto estranho ao


direito brasileiro. 2. Direito português 122

§ 5.829. Disposições mexas, anexas e conexas nas substituições. 1.


Restrições do poder, “modus” e substituições. 2.

“Modus” e substituição. 3. Condições e têrmos

§ 5.830. Disposições especiais e substituições. 1. Cisões. 2. Substituição ou


“modus”. 3. Prole eventual. 4. Falta de prole. 5.Fidúcia

§ 5.831. Substituições e herdeiros legítimos. 1. Instituído e substituto. 2.


Herança necessária. 3. Falta de herdeiros legítimos. 4. Herdeiros
testamentários e substituição. 5. Falta de herdeiros de determinado grau. 6.
Condição suspensiva. 7.Condição resolutiva. 8. Deserdação. 9. Ação de
indignidade. 10. Substituição recíproca. 11. Usufruto e substituição. 12.
Legítimos herdeiros feitos testamentários. 13. Exclusão de descendentes

§ 5.832. Incidentes das substituições. 1. Período anterior à demonstração da


falta do sucessor. 2. Ação de indignidade. 3. Declaração de vacância. 4.
Abstenção de optar. 5. Renúncia da herança e credores. 6. Substituto
fideicomissário. 7. Nomeações em dois ou mais testamentos. 8. Presunção
de sucessividade dos substitutos. 9.

Deserdação. 10. Fundação a ser criada. 11. Substitutos e herdeiros de


substitutos.

TÁBUA SISTEMÁTICA DAS MATÉRIAS


CAPITULO XVII
FIDEICOMISSO
§ 5.833. Fideicomissos. 1. Sucessividade e fidúcia. 2. Direito romano. 3.
Evolução posterior. 4. Direito anterior. 5.

Elemento construtivo. 6. Idade Média e fideicomissos. 7. Situação de


fiduciário. 8. Negócio jurídico a causa de morte e entre vivos. 9. Herdeiros,
legatários e fideicomisso. 10. Caráter da sucessão dupla. 11.
Testamentariedade do fideicomissário. 12. Natureza do direito expectativo
do fideicomissário. 13. Fideicomisso e direito real. 14.

Passagem dosbens fideicomitidOs. 15. Fideicomissos personalíssimOs; e


fideicomissos a têrmo e herdáveis. 16.

Pressuposições essenciais a certos fideicomissos

§ 5.834. Espécies de fideicomisso. 1. Fideicomisso universal e particular. 2.


Fideicomissos eletivos. 3.

Fideicomissos cons-trutivos

§ 5.835. Situação jurídica dos figurantes. 1. Situação jurídica do fiduciário.


2. Situação jurídica do fideicomissário.

3. O fideicomisso quanto as relações entre os dois herdeiros sucessivos. 4.


Variantes fideicomissárias. 5. Intuito principal do testador. 6. Cláusulas
relativas ao fideicomisso. 7. Formados fideicomissos. 8. Condição e
“modus” ao fideicomissário. 9.Bem fideicomitido. 10. Situação do
fiduciário no registo de imóveis. 11. Nulidade e extinção do fideicomisso.
12. Situação do fiduciário, depois de restituído o fideicomisso. 13.Destino
dos bens se antecipada a morte do fíduciario. 14.Destino dos bens,
destituído o testamento. 15. Destino dos bens, no caso de morrer o
fiduciário antes do têrmo ou condição. 16. Extinção da fideicomissariedade
§ 5.836. Propriedade e posse da herança ou legado. 1. Espécie de
propriedade. 2. O que é imperativo no art. 1 .734.

3. Poder de alienação. 4. Os direitos do fiduciário e do fideicomissário. 5.


Uso e fruIção pelo fiduciário. 6.

Restrições ao uso e fruição do fiduciário. 7. Eficácia e ineficácia dos atos do


fiduciário. 8. Caráter da ineficácia. 9.

Formalidades registárias e extinção do fideicomisso. 10. Processos relativos


à herança ou legado fideicomitido. 11.

Processos, extinto o fideicomisso. 12. Sub-rogação e acréscimos da herança


em fideicomisso. 13. Aplicações de valôres e restituição. 14. Despesas e
direitos~ 15. Despesas com os bens. 16.Posse dos bens fideicomitidos. 17.

Situação do fiduciário depois da entrega dos bens. 18. Credores da herança.


19.Inventário dos bens. 20.

Fideicomisso do que resta à morte do fiduciário. 21. Dispensa de inventário.


22. Caução pelo fiduciário

§ 5.837. Aceitação e renúncia do legado. 1. Renúncia da herança ou do


legado. 2. Renúncia da herança. 3.

Conteúdo da regra jurídica. 4. Indignidade e outros casos. 5. Efeitos. 6.


Direito de acrescimento. 7. Análise da regra jurídica. 8. Conteúdo total da
regra jurídica. 9. Direito de acrescer entre fiduciários e entre
fideicomissários. 10.

Caducidade e invalidade da substituição

§ 5.838. Responsabilidade do fideicomissário. 1Responsabilidadepelos


encargos da herança. 2. Conteúdo da regra jurídica

§ 5.839. Caducidade e nulidade do fideicomisso. Morte do fideicomissário


antes do fiduciário. 2Correspondências.
3. Conteúdo da regra jurídica. 4. Alterações “ex voluntate”. 5.Morte do
fiduciário. 6. Regra que falta. 7.

Formalidades do registo. 8. Dois graus de instituição. 9. Correspondências.


10. Direito anterior. 11. Contagem dos graus. 12.Função da regra jurídica.
13. Outros casos escapos à regra jurídica vedativa. 14. Nulidade da
instituição do fideicomissário. 15. Correspondências. 16. Conteúdo da regra
jurídica

§ 5.840. Ações dos instituidos. 1. Ações do fiduciário. 2. Ações e cautelas


do fideicomissário. 3. Caução

“fideicommissi ser vandi causa”

§ 5.841. Questões de interpretação. 1. Vedação de testar. 2. Fideicomisso e


legados. 3. Fideicomisso e usufruto. 4.

Questões de Clia. Uut. LDW. HENNEMANN. 5. Usufruto sucessivo e


fideicomisso. 6. Conjuntividade e sucessividade. 7. Fideicomisso e outras
categorias jurídicas. 8. Fideicomisso e prole eventual. 9. Direito francês.

10. Direito italiano. 11. Direito alemão. 12. Direito português. 13. Direito
argentino e outros

§ 5.842..Dis posições negativas 1. Sucessão necessária. 2.Negatividade e


deserdação

§ 5.843. Situações de sucessão legítima e de distribuição. 1. Sucessão


legítima nas condições e fideicomissos. 2.

Consequências das expressões “acrescendo, acrescerá, acresce”...

§ 5.844. Restrições de poder nos fideicomissos e usufrutos. 1. Permissão de


gravação. 2. Nua-propriedade.

3.Transmissão da herança. 4. Pluralidade de fiduciários. 5.Direito dos


fideicomissários e clausulação. 6. Prole eventual.7. Legados a têrmo e sob
condição. 8. Inalienabilidadedos bens testados. 9. Extinção do fideicomisso.

10.Impenhorabilidade. 11. Incomunicabilidade. 12. Fidúcia de resíduo.13.


Dúvida quanto a cláusula CAPITULO XVIII

DESERDAÇÃO

§ 5.845. Privação da porção legítima necessária. 1. Cláusula deserdativa.


2. Sucessão e deserdação. 3. Direito romano. 4. Fundamento. 5. Deserdação
parcial. 6. Perdão da causa da deserdação. 7. Deixa ao deserdado. 8.

Pressupostos da deserdação. 9. Forma da deserdação. 10. Nulidade da


deserdação. 11. ~Pode o deserdado herdar em virtude de testamento? 12.
Deserdação e herança legítima não necessária. 13.Condição. 14. Dissipação.
15.

Revogação. 16. Herdeiros dos herdeiros; cessão dos direitos. 17. Credores
do deserdado. 18. Renúncia e perdão.

19. Cláusula testamentária e parte de cláusula. 20. Descendentes do


deserdado. 21.Revogação da cláusula deserdativa

§ 5.846. Prova da veracidade da causa alegada. 1. Ineficácia da cláusula


deserdativa. 2. Correspondências. 3.

Prova da veracidade da causa. 4. Situação objetiva, pendente a prova. 5.


Ônus da prova. 6. Nulidade e ineficácia da cláusula deserdativa. 7.
Disposições que cabem na parte disponível. 8.Eficácia da decisão sôbre a
prova da deserdação....

§ 5.847. Outras causas de deserdação. 1. Ações da deserdação. 2.


Deserdação dos descendentes por ascendentes.

3. Correspondências. 4. Causas de deserdar. 5. Ofensas físicas. 6. Injúria


grave. 7. Desonestidade da filha. 8.
Relações ilícitas com a madrasta ou o padrasto. 9. Desamparo do
ascendente em alienação mental ou grave enfermidade. 10. Deserdação dos
ascendentes por descendentes. 11.Correspondências.12.Conteúdo da regra
jurídica

§ 5.848. Destino do quinhão do deserdado. 1. Omissão do Código


Civil.2.Questões que surgem. 3. Problema jurídico no direito alemão. 4.
Problema jurídico no direito brasileiro 5. Solução do problema CAPITULO
XIX

FORMAS ORDINÂRIAS DO TESTAMENTO

§ 5.849. Função do formulismo testamentário. 1. Proteção do Estado e


formas testamentárias. 2. Espécies de formas testamentárias. 3. Nulidade
dos testamentos. 5. Forma dos testamentos. 5. Nome e testamento

§ 5.850. Material de escrita. 1. Pressuposto material de forma. 2.Forma de


carta. 3. Lançamento no Livro de Notas do tabelião. 4. Escrita do
testamento. 5. Testamento em dois ou mais exemplares. 6. Língua
estrangeira ou artificial.

§ 5.851. Data e lugar dos testamentos. i. Pressupostos da referência à data e


ao lugar. 2. Momento em que se fêz o testamento. 3. Eventual vantagem da
desígnação precisa do lugar. 4.Expressão da data

§ 5.852. Assinaturas dos testadores. 1. Espécie de testamento e assinatura


do testador. 2. Caracteres da escrita. 3.

Ilegibilidade

§ 5853. Disposições sôbre quantidades (inteiros, frações). 1. Letras e


algarismos. 2. Indicações dependentes de avaliação ou de renda

§ 5.854. Extravio e destruição dos testamentos. 1. Testamento e requisitos.


2. Testamento e revogação, no direito romano. 3.Extravio e destruição do
testamento no direito contemporâneo. 4. Direito civil brasileiro. 5. Casos
similares de atingimento material. 6. Prova da acidentalidade ou ato de
outrem. 7. Multiplicidade de exemplares. 8.

Possibilidade jurídica e possibilidade material de reconstituição. 9. Terceiro


instrumento do testador. 10. Qual a lei que deve reger a destruição e
extravio do testamento

§ 5.855. Formas testamentárias. 1. Formas testamentárias no Código Civil.


2. Tempos primitivos. 3. Formas iniciais dos testamentos romanos. 4.
Testamentos no direito posterior romano. 5. Origens de formas do direito
hodierno. 6. Direito anterior ao Código Civil brasileiro. 7. Direito inglês.
8.Testamento no direito dos Estados Unidos da América. 9.Testamento no
direito austríaco. 10. Testamento no direito francês. 11. Testamento no
direito italiano. 12. Testamento no direito argentino. 13. Testamento no
direito suíço. 14.Testamento no direito alemão.15 Testamento no direito
português. 16. Consideração final

§ 5.856. Testamento conjuntivo, simultâneo, recíproco e correspectivo.


1.Direito anterior. 2. Proibições noutros sistemas jurídicos. 3.Testamentos
escapos à proibição. 4. Verdadeiro conteúdo da regra jurídica vedativa. 5.

Unípersonalidade do testamento. 6. Independência intencional. 7. Extensão


da incidência. 8. Pactos antenuPciais e a regra jurídica proibitiva de
testamentos conjuntivos. 9. Testamento conjuntivo e direito austríaco. 10.
Testamento conjuntivo e direito inglês 11.Testamento conjuntivo e direito
alemão. 12. Testamento berlinense. 13. Eficácia das disposições
correspectivas e as não-correspectivas no direito alemão

§ 5.857. Testamentos especiais. 1. Número limitado - 2Interpretação da


regra jurídica limitativa

§ 5.858. Contrato de herança. 1. Regra jurídica vedativa. 2. Contrato de


herança e regra jurídica vedativa do direito brasileiro. 3. Contrato de
herança no direito alemão. 4. Contrato de herança no direito suíço

§ 5.859. Direito constitucional e testamento. 1. Criação, alteração e


extinção de formas testamentárias.2. Língua estrangeira e legislação
estadual. 3. Governos “de facto” e testamentos

§ 5.860. Direito penal e formas testamentárias. 1. Testamentos e crimes. 2.


Crimes mais encontraveis 375

§ 5.861. Espécies de testamentos quanto à forma. 1. Função jurídica das


formas testamentárias. 2. Evolução das formas jurídicas. 3. Imperatividade
e interpretação. 4. Interpretação das leis sôbre formas testamentárias

§ 5.862. Direito internacional privado e formas testa‟mentárias. 1. Lei de


Introdução ao Código Civil, art. 10 e §§

1.0 e 2.0. 2. Forma e “lex loci”. 3. Conteúdo da expressão “actum”. 4.


Testamento e “lex loci”. 5. Forma essencial.

6. Forma extrínseca ou requisito extrínseco. 7. Espécies de testamento:


a)testamento público. 8. Espécies de testamento: b) testamento cerrado. 9.
c) testamento hológrafo. 10. Testamento nuncupativo. 11. “Testamentum
tempore pestis conditum”. 12.Testamento em circunstâncias extraordinárias.
13. Testamentos de militares, marinheiros e viajantes. 14. Testamento
conjuntivo. 15. Contrato de herança. 16. Ordem pública em matêria de
forma testamentária. 17. Ato pessoal do testamento. 18. Casos de reenvio.
19. Forma testamentária no direito inglês

§ 5.863. Direito intertemporal e forma. 1. Princípio de direito


initertemporal e formas testamentárias. 2. Espécies de formas
testamentárias e direito intertemporal. 3. Testamento público e testamento
cerrado. 4. Testamento particular.

5.Testamento nuncupativo. 6. Testamento conjuntivo. „7. Testamento de


militares, marinheiros e viajantes de alto-

-mar. 8. Testamento “tempore pestis conditum”. 9. Contrato de herança e


doações a causa de morte. 10.

Convalescença e direito intertemporal


Título III

SUCESSÃO TESTAMENTÁRIA

(continuação)
CAPITULO XIV
CAPACIDADE DE ADQUIRIR POR
TESTAMENTO
§ 5.810. Capacidade testamentária

1.SUCESSIBILIDADE E TESTAMENTO. iure A capacidade para suceder


é de todas as pessoas, de modo que só excepcionalmente a pessoa iure
física ou jurídica iure não pode suceder. Só a lei pode limitar a capacidade
para suceder, quer legitima, que testamentariamente Não se dístingue
quanto à nacionalidade do herdeiro, quer legítimo, quer testamentário.
Entenda-se o mesmo a propósito dos legados: quem pode suceder
legitimamente, ou testamentariamente, na qualidade de herdeiro, pode
receber legados. Para que se abram exceções, é preciso que a regra juridica
conste de lei e tenha essa respeitado os princípios constitucionais.

A incapacidade para suceder pode ser a respeito de qualquer herança ou


legado, como se a pessoa ainda não fôra concebida à data da abertura da
sucessão. Tanto isso se refere à capacidade para receber ex lege, como em
virtude de disposição testamentaria, qualquer que seja a pessoa de que
proviria a herança, ou o legado. Rigorosamente, ai não há incapacidade da
pessoa física: a pessoa física ainda não existe; talvez mesmo nunca venha a
existir. A designação do herdeiro ou do legatário, pessoa física que não
existe, seria causa de inexistência da deixa, porque se quis beneficiar quem
não é.

A lei abre exceções: se a disposição se refere à prole eventual de pessoa


designada pelo testador, pessoa, entenda-se, existente à abertura da
sucessão; se a deixa foi para se constituir entidade personalificável e
funcionável e se recorre a personificação e autorização para a
funcionalização.

O instituido herdeiro ou legatário há de existir no dia da morte do decujo.


Mais precisamente: no momento (e. g., minuto) anterior à morte do decujo.
Já existe quem já foi concebido. Não é preciso já ter nascido, nem, sequer,
já se ter como concebido. Se há dúvida, tem-se de alegar e provar que a
concepção foi anterior à morte, O caso típico é o do pai que morreu no leito
após relações sexuais.

Se o testamento disse “deixo x aos filhos (ou ao filho) de E” e, na data do


testamento, ainda não teve filho E, mas concebido foi antes da morte do
testador, o filho existente (já concebido, ou já nascido), ou os filhos
existentes herdam.

Quanto à cláusula testamentária com condição suspensiva, discute-se a) se


há de ser exigida a capacidade à data da morte, ou b) se a capacidade há de
ser à data em que se impla a condição, ou e) se tem de ser às duas datas.

PASCOAL JOSÉ DE MELO FREIRE (Institutiones luris Civilis Lusitani,


III, 88 s.) e 1W. A. COELHO DA ROCHA (lnstituyoões de Dtreito Civil
Português, II, 544 s.) frisavam que, enquanto o direito romano exigia a
capacidade em três momentos (o da feitura do testamento, o da morte do
testador e o da adição da herança), no direita luso-brasileiro só se havia de
supor ser necessária a capacidade ao tempo da morte do decujo, ou, se
condicional a deixa, ao tempo do implemento da condição. Foi êsse o
caminho seguido pelos juristas portuguêses e brasileiros. Mas temos de
advertir que nem todas as condições são iguais. Além disso, há aquisição do
direito à abertura da sucessão, porque não se há de confundir o direito
expectado com o direito expectativo, que já existe enquanto há a pendência
(Tomo V, §§ 544, 1 e 6; 545, 6; 547). O direito do sucessor sob condição
suspensiva é da classe do direito do fideicomissário, nos fideicomissos, O
herdeiro ou legatário é tratado como o fideicomissário.

Na condição resolutiva, o herdeiro ou legatário está em situação semelhante


à do fiduciário. Com a suspensividade, ou se disse ou não se disse quem
seria o herdeiro ou legatário antes do instituído suspensivamente.

Se o testador não determinou quem fica à espera de que se impla a condição


e ao instituído condicionalmente vão todos os efeitos, entende-se que os
herdeiros legítimos é que se inserem na deixa como se fossem fiduciários.
Dissemos “como se fossem”, porque, ez hypoth,esi, não houve instituição
de herdeiro ou legatário fiduciário: é na qualidade de herdeiros legítimos
que com êles fica a herança, até que se irradie, com o implemento da
condição suspensiva, o direito expectado do instituido.

A condição suspensiva faz em pendência o direito a que ela visa. É isso o


que está no Código Civil, art. 118. Mas o herdeiro ou legatário que foi
instituido sob condição suspensiva já adquiriu um direito, o direito
expectativo, tanto assim que pode aliená-lo, gravá-lo, empenhar a sua
pretensão contra quem está com os bens, à semelhança do fiduciário. Se o
instituído sob condição transmite o seu direito a quem está com o bem ou os
bens, extingue-se o direito expectativo, e o herdeiro ou legatário que estava
exposto à condição torna-se herdeiro pleno ou legatário pleno.

Se a disposição foi a favor de prole eventual de pessoas pelo testador


designadas e existentes ao abrir-se a sucessão (Código Civil, art. 1.718, 23
parte), o problema da instituição sob condição suspensiva é o mesmo que
ocorre para as deixas incondicionadas.

O sistema jurídico não distingue da incapacidade para ser herdeiro a


incapacidade para ser legatário, nem da sucessão universal a singular. Tão-
pouco se cogitou das diferenças do objeto (grande e pequeno valor, bem
móvel e bem imóvel, incondicionalidade e condicionalidade), nem dos
graus.

2.PRINCÍPIO DA COEXISTÊNCIA. iure A capacidade de adquirir por


testamento é a regra, iure quem tem capacidade de direito pode herdar. A
essa correspondência a lei reconhece (de parte o caso do já concebido, cf.

Código Civil, arts. 4,0 e 1.718) duas classes de exceções:

a) A favor de maior existio, iure dispensando a simultaneidade da


capacidade de direito e da abertura da sucessão: a:) quando a disposição
testamentária (no Brasil, qualquer que seja) se referiu a prole eventual de
pessoas designadas pelo testador e existentes, essas, ao se abrir a sucessão
(construção, como se verá, difícil) ; b) quando se tratar de fundações; e)
quando se referir ao modus; á) quando fôr legado a estabelecimento de
ensino superior.

§ 5.811. PRINCIPIO DA COEXISTÊNCIA

b) Restritiva,, nos casos do art. 1.719, onde há capacidade de direito


(personalidade), e menor capacidade testamentária. O paralelismo cessa:
há pessoas incapazes de herdar.

Fora da incapacidade de direito, que preestabelece ausência de qualquer


capacidade menor, não conhece a lei qualquer outra causa de i ncapacidade
absoluta; nem os estrangeiros, nem aqueles contra o qual houve
condenação penal, nem o que Exerce profissão religiosa, são, hoje,
incapazes. Em direito internacional privado, se os Estados podem ser
nomeados herdeiros ou legatários, veremos no lugar devido. Das chamadas
incapacidades relativas, tratam os arts. 1.719 e 1.720.

3.INCAPACIDADE E INDIGNIDADE. iure Toda a matéria dos arts. 1.717


e 1.720 do Código Civil é de ordem pública. Textos imperativos, de que o
testador não pode útilmente discorda4 A vontade contrária é inoperante.

A indignidade iure que exclui os herdeiros e faz caducos os legados iure


não se funda em razão de ordem pública, mas em presunção da vontade do
hereditando. Por conseguinte, o testador pode obviar aos efeitos
excludentes da lei, opor-se a eles, e a indignidade deixa de surtir efeitos.

5.811. Conteúdo do princípio da coexistência

1.DOUTRINA DA CAPACIDADE DE SUCEDER. iure Domina a


doutrina da capacidade de suceder o principio da coexistência dos
nomeados e do testador: devem coexistir no momento da morte, no instante
da transmissão.

Tal princípio era absoluto; os tempos criaram-lhe exceções; e veremos que


o direito brasileiro inseriu uma das mais graves e de maiores conseqúências
práticas.
2.DIREITO ROMANO. iure Personae incertae (isto é, as de que o testador
não podia ter idéia concreta), no antigo direito, compreendiam as que o
futuro determinaria e as não concebidas ao momento de se testar.

Depois, pelo direito civil, todos os postumi seus poderiam ser instituidos e o
direito pretoriano deu a bonorum possessio secundum tabulas a êsses e aos
postumi atieni (L. 3, D., de bonorum p:ossessione secundum tabulas, 37,
11).

Quanto às pessoas jurídicas, a capacidade só se reconhecia


excepcionalmente, pelas constitutçóes e senatusconsultos, quase sempre a
favor de divindades peregrinas, talvez (pensava TH. MOMMSEN) por
terem bastantes recursos os antigos deuses do povo.

Odireito cristão foi que veio alargar o círculo da factio testamenti, até
abranger, sob Justiniano, todas as corporações.

Praticamente, e não menos em teoria, devemos separar o problema da


ruptura pela superveniência de póstumo, o da incerteza de quem vai
suceder e o do direito do já concebido. São os arts. 1.750, 1.667, II e III
(1.668, 1, e 1.669), e 1.718, de fundamentos e consequências diferentes.

a) O problema do beneficio aos póstumos. (O étimo é post. ISIDORO,


Orig., IX, 5, escreveu: “Postizumus vocatur eo quod quod humationern
patris nascituro. Derivação errada, de que veio a errônea grafia de algumas
línguas.) No direito romano, rompia-se o testamento com a superveniência
de póstumo durante a vida do testador. Com a Lez lulia Velleia, do terceiro
têrço do século VIII (768 e 799), e as interpretações de CERvIDIUS
SCAEvOLA, foi possível instituir e deserdar o póstumo, prevenindo-se,
por essa maneira, qualquer ruptura do testamento. Porém não se podia
passar pelo póstumo, em silêncio,

iure praeterire. Exigiu-se, sempre, estar concebido na ocasião da morte (§§


25 e 27, 1., de legatis, 2, 20; L. 127, D., de legatis et fideieommissis, 80).
Nas Institutas, dá-se a noticia do direito anterior a Justiniano (§§ 25 e 26), e
da ConstituNção inserta in nastro Codice, como diz o imperador (§ 27).
b) O problema da pessoa futura. Êsse problema é o que se contém no art.
1.718.

Não se confunda a questão com a da superveniência de herdeiro, causa „de


ruptura: aqui, não nos interessam os que nascem entre o testamento e a
morte do testador, mas os que não estavam concebidos no momento da
morte.

Evitaremos a designação póstumo, porque, na espécie, melhor fica a de


pessoa futura. Póstumo servirá para a interpretação e o comento do art.
1.750 do Código Civil.

(Postumus é apenas superlativo de posterws.)

A despeito do que pensava M. 5. MAYER (Die Lehre vofl dem Erbrecht


nach heutigem ràmischen Rechte, § 16, n.

7), no direito romano não podia herdar, testamentariamente, ou ab intestato,


o não concebido no momento da abertura da sucessão. A resposta negativa
do antigo direito romano à capacidade passiva dos não concebidos à época
do testamento constituía érro técnico do empirismo romano. A postumidade
devia apreciar-se no „momento da morte, e não no da feitura do testamento.
No postumus alienus, o antigo direito via disposição deixada à vontade de
terceiro. Trata-se de sucessão imediata. A mediata era possível: o
fideicomisso teve tal função. A necessidade da existência era dogma, se
bem que haja escritores que o pretendessem menos rijo, como C. F. C.
WENCK (Reitra~g vir rechtlicken Beurtheilung des Stãdelschen Reerbungs
falis, § 4, 31), 1W. WILHELM Gt~TZ (Rechtliche Entscheidungen der
Altdorfer Juristew-Facultãt, 201-233), CHE. FE. vON GLÍICE
(Hermeneutisch-svstematische Erãrter‟ung der Lehre von der
Intestaterbfolge, 586). No direito comum, manteve-se a controvérsia (M.

SCHERER, tiber die Fãhigkeit eines zur Zeit des Todes des Erblassers noch
nicht concipierten Posthumus, zum Erben eingesetzt zu werden,
.Jahrbiicher flir di~ Dogmatilc, 23, 435).
A respeito da Novela 118, há discussão: querem uns que o conceito de
parentesco apanhasse os ainda não concebidos no momento da morte do
testador: L?IBENSTERN (Zeitschnft fiir Civilrecht und Prozess, IX, 215
s.), TH. SCHIRMER (Handbuch des Râmischen Rrbrechts, 189, n. 157),
iure antes, CER. FE. voN GLtTCI< (Hermeneutisck-svstematische
Erõrterung der Lekre von der Jntestaterbfolge, 583 s.) e HEINRICH
DERNEURO

(Pandekten, III, 272); contudo, dominou a opinião contrária, com KARL


AD. vON VANGEROW (Leh.rbuch. „der Pandekten, II, 7 ~ ed., § 411,
38), L. ARNDTs (Lehrbuch der Pandekten, 8.a ed., § 474, n. 6), E.
WIND5CHEID

(Leh-rbueh. des Pandektenrechts, III, § 571, nota 2) e A. BRINZ


(Lehrbuch. der Pandekten, III, 128).

No Código Civil francês, há o art. 725, 1.0, que expressamente decidiu,


incluindo entre os que são incapazes de suceder, “celui qui n‟est pas encore
conçu”. Mas, adiante, abre-se brecha no princípio (arts. 96, 1.048-1.051,
1.082

e 1.083).

3.PROBLEMA TEONICO DA CONSTRUÇÃO. iure Na possibilidade de


instituir pessoa futura há, após a adoção doutrinária, o problema técnico da
construção, ~ Como o “ainda-não-concebido” pode ser sujeito de direito?
Se negada fôr a subjetividade jurídica dêsse ser ainda não existente, ~,quem
guardará a herança ou legado? Em que qualidade guardará? verá, no
intervalo, bens, sem sujeito que o possua? Tratar-se-á de propriedade
personificada, afeta a um fim? Aqui, pomos apenas o problema; dêle
trataremos ao cogitarmos do art. 1.718.

4.TEXTO LEGAL. iure Diz o Código Civil, art. 1.717: “Podem adquirir
por testamento as pessoas existentes ao tempo da morte do testador, que não
forem por êste Código declaradas incapazes”. Cf. Código Civil francês, art.
902; espanhol, art. 744; italiano (1865), art. 764; suíço, art. 539;
venezuelano, art. 828; português revogado, art.

1.776; argentino, art. 3.738; e mexicano, art. 3.288; italiano de 1942, art.
462; português de 1966, art. 2.038.

Diz o Código Civil italiano (1942), art. 462: “Sono capaci di succedere tutti
coloro che sono nati o concepiti ai tempo dell‟apertura della successione.
Salvo prova contraria, si presume concepito aí tempo dell‟apertura delia
successione chi énato entro i trecento giorni dalia morte deila persona deila
cul successione si tratta. Possono inoltre ricevere per testamento 1 1 igli di
una determinata persona vivente ai tempo deila morte dei testatore, benché
noil ancora concepiti”. E o Código Civil português (1966), art. 2.033: “1.
Têm capacidade sucessória, além do Estado, todas as pessoas nascidas ou
concebidas ao tempo da abertura da sucessão, não excetuadas por lei. 2. Na
sucessão testamentária ou contratual têm ainda capacidade: a) Os nascituros
não concebidos, que sejam filhos de pessoa determinada, viva ao tempo da
abertura da sucessão; b) As pessoas coletivas e as sociedades 5.PRINCÍPIO
DA COEXISTENCIA E INCAPACIDADE. iure A capacidade dos
existentes é a regra; a incapacidade, a exceção. Aliás, nos nossos tempos, a
capacidade de herdar é corolário da capacidade de direito.

Rege todo o assunto o principio da coexistência; o artigo 1.718, in fine,


constitui exceção a êsse princípio (Grundsatz der Koexistenz), que rege
assim a sucessão legítima como a testamentária. É preciso que tenham
coexistido testador e herdeiro, isto é, que, ao morrer aqueles, já ou ainda
esteja vivo êsse (E. ENDEMANN, Lehrbuch des Biirgerlichen Rechts, III, §
11, 78).

No direito alemão, só se abre uma brecha ao cânon, que resistiu a várias


teorias do direito justinianeu e comum (HEINRICE DERNEURO,
Pandekten, III, § 135) e apenas para os legados (§§ 2.160, 2.162, II, e
2.178). No direito brasileiro, não:

a exceção apanha todo o domínio das sucessões testamentárias. Outras


exceções: a fundação, o estabelecimento de ensino superior, e iure pela
natureza do instituto iure quando se trata de modus.

6.ABSOLUTAMENTE INCAPAZES iure Diz o Código Civil, artigo 1.718:


“São absolutamente incapazes de adquirir por testamento os individuos não
concebidos até a morte do testador, salvo se a disposição dêste se referir a
prole eventual de pessoas por êle designadas e existentes ao abrir-se a
sucessão”. No Código Civil italiano (1865), art. 764, 2ª- alínea; cp. Código
Civil francês, arts. 906 e 1.048 5.; suíço, art. 544; português revogado, arts.

1.776 e 1.777; argentino, ad. 3.290; venezuelano, art. 828, 2~a alínea;
italiano de 1942, art. 462; português de 1966, art. 2.083; cp. Código Civil
alemão, §§ 2.070 e 2.071.

7.INCAPACIDADE ABSOLUTA E RELATIVA. iure Na terminologia do


Código Civil, se a coexistência não se dá, ocorre incapacidade absoluta.
Relativamente incapazes são as pessoas designadas no art. 1.719. No art.
1.650

dão-se “o herdeiro instituido, seus ascendentes e descendentes, irmãos e


cônjuge, e os legatários” como incapazes de testemunhar nos testamentos;
mas, já se mostrou que não se trata de incapacidade para testemunhar, e
sim de casos a que incide ~a regra do art. 1.720. Se fôsse incapacidade
prôpriamente dita, caIria o testamento; e êIe não cai, O que cai é a deixa,
porque a lei a proibe. No artigo 1.650, ressalta, vivo, o erro de técnica
legislativa. Cp.

artigo 1.719, II.

8.TRAÇOs DIFERENCIAIS. iure Cumpre não se confundir a questão da


capacidade testamentária passiva (art.

1.718) com a outra, a do art. 1.667, li edil, que diz respeito a validade
cognoscitiva da disposição. Os problemas tocam-se, porém não se
confundem. A incerteza pode existir, sem a questão da postumidade, ou
futuridade da pessoa. Por outro lado, não seria impossível a futuridade, sem
a questão da incerteza.
9.APLICAÇôES no PRINCIPIO. iure Herdar sámente pode quem, ao
tempo da morte do hereditando, viva. Mas àquele que, por esse tempo,
ainda não vivia, se bem que já estivesse concebido, aproveita o art. 40, 2a
parte, onde a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro
(art. 1.718). São dois os pressupostos: a) que a pessoa já viva, ou, pelo
menos, já esteja concebida; b) ainda viva.

10.PESSOAS JURÍDICAS. iure A regra jurídica também se aplica às


pessoas jurídicas: é preciso que existam, que tenham personalidade, para
que possam herdar. A exceção legal é em favor das fundações (art. 24) e,
por sua natureza jurídica, do modus, além da que, explicitamente, se insere
na

2 a parte do art. 1.718, a cuja construção nos

reportamos. O art. 1.666 exerce enorme papel, sempre que caiba decidir das
construções possíveis: opta-se pela que execute o querer do testador.

Outra exceção: é permitido aos estabelecimentos de ensino superior,


públicos ou particulares, receber legados (Lei número 1.150, de 3 de
dezembro de 1892). Ainda que não tenham personalidade, porque os de
imediata dependência do Estado ordinàriamente não têm: e o Código Civil
não revogou lei de direito administrativo federal.

Se herança, reputa-se herdeira a União, e a aplicação, modus. Se particular,


o favor tem de construir-se à semelhança do art. 1.718.

Aqui, a respeito das sociedades, que ainda não são pessoas. jurídicas, ou
que tenham de ser constituídas e ao tempo da morte do testador não o
tenham sido, cumpre que, diante da verba testamentária, se entenda que o
testador atribuiu a herdeiro, ou legatário, ou testamenteiro o encargo de
providenciar para a criação e a personificação. Até êsse momento, o
incumbido fica com os bens, e quase sempre se interpreta a disposição
como disposição modal.

§ 5.812. Nascituro
1.CONCEITO. iure Nascituro é o concebido ao tempo em ~que se apura a
existência intrauterina de quem pode nascer com vida. Há, pois, situação
para com uma relação jurídica. Se mais de uma são as relações, o nascido
pode ainda não ser concebido ao tempo em que urna se estabeleceu e
concebido ao tempo da criação de outra. A questão da prova serve para
caracterizar a relatividade essencial ao conceito.

2.DIREITO ANTERIOR QUANTO AO NASCITURO. iure TEIxEIRA


DE FREITAS considerava pessoa o nascituro (Consolidação, artigo 1).
Assim, em vez de se ter, como favor da lei e como ficção, por nascido o que
não nasceu, fixava-se na cOncepçao o início da personalidade, e
resguardavam-se até o nascimento os direitos hereditários. Tal o direito
anterior ao Código Civil. No Projeto de CLÓvIS BEVILÁQUA, art. 3,
insistia-se: “A personalidade civil do ser humano começa com a concepção,
com a condição de nascer com vida”. Prevaleceu que a personalidade
começa com o nascimento: a lei, por exceção, como que pára o andamento
das coisas, a fim de aguardar o nascimento.

Pôs-se de lado a questão da vitalidade. Aliás, a doutrina. anterior, com


TEIXEIRA DE FREITAS, que a afastava, pelo recuo do inicio da
personalidade à data da concepção, e ANTÔNIO JOAQUIM RIBAs, que,
práticamente, a reduzia ao nascimento. com vida, não cogitava da
indagação de vitalidade, O Decreto n.181, de 24 de janeiro de 1890, ao
tratar de efeitos do casamento, dissera que retroagiam, “em relação aos
filhos comuns,, a data do nascimento, se nascerem viáveis”. Daí, talvez,
generalizar-se o requisito na Nova Consolidação de CARLOS DE

CARVALHO, art. 74.

3.REGRAS JURÍDICAS. iure Não se acolheu solução decisiva:

o art.4 do Código Civil está redigido como se negasse personalidade ao


nascituro, mas cogita de um curador (art.

462), e.. no art. 1.718, fala de absolutamente incapaz. Continuaria a mesma


variedade de construções possíveis.
A falta de existência é bem mais do que a incapacidade;. o art. 1.718 é
menos regra de incapacidade testamentária do que de incapacidade de
direito: a terminologia, defeituosa, fá-lo. chocar-se com o art. 49. (Não ao
ponto em que o quer CLÓVIS BEvILÁQuA; êsse o censura de não ter
aceito a sua solução da personalidade do nascituro, sob a condição (7) de
nascer vivo.) A pessoa física é substrato da personalidade jurídica do
homem; e a singular situação do feto estabelece o problema, a que,
rigorosamente, nenhuma das soluções dogmáticas se ajusta inteiramente: se
adotamos a personalidade, há a solução que‟ impõe atendimento radical,
mas riscável. A do Código Civil foi longamente examinada (Tomos 1, §§
50, 4, 51 e 52; VII. §§ 730, „734, 1, e 786, 8.

4.PROBLEMA DA CONSTRUÇÀO JURÍDICA. iure ~ Como se devem


construir o art. 49, 2a parte, e o art.

1.718? Também na Alemanha a capacidade de direito começa do


nascimento (§ 1); e no § 1.923 se acrescenta que se tem por nascido antes
da abertura da sncessão o que, ao tempo dela, ainda não vivia, mas já estava
concebido. É

o nasciturus pro iam nato habetur. Nascimento com vida, diz a lei
brasileira: na lei alemã, fala-sé do que, ao tempo da abertura da sucessão
(“zur Zeit des Flrbfalls”), ainda não vivia (“noch nich,t lebte”), iure donde
se tirou o mesmo que, expilcitamente, se diz na lei brasileira: ser preciso
que nasça vivo. Um instante que seja (F.

HEEZEELDER, Erbrecht, 1. v. Staudingers Koonmentar, V, 9,a ed., 25). A


situação é, pois, a mesma; e as mesmas podem ser as tenta-Uvas de
explicação.

a)Para F. ENDEMANN (Lehrbuch des Bilrgerlichen

Rechts, 1, § 26, nota 17), não se finge existente o que ainda não existe, nem
se faz recuar, por ficção, o dia de um nascimento:

trata-se de direitos futuros de um homem, apenas resguardados para o caso


de vir a nascer vivo. É uma opinião que deliberadamente afasta a
ficciosidade da regra legal. Semelhante, MAx HACHENBURG (Das RUA.,
Vortrãge,

2a

ed., 832 s.): o que se ressalva são os direitos, porque são direitos que
dependem de vir a existir o homem; o lado passivo, sem o lado ativo do
direito (cp. GREGOR SEMEXA, Das Wartrecht, Archi» flir Rilrgerliches
Recht, 85, 121 e 127). Tratando-se de substituição fideicomissária, iure se
nasce sem vida, iure é como se, ao tempo da morte do decujo, não existisse.
Se morre depois, veio a existir, e passa aos seus herdeiros o direito do art.
1.585. O

nondurn conceptus não gozará disso.

b)Outra construção foi a de ERNST HEYMANN (fie Grundzilge des


gesetzlichen Verwandten-Erbrechts, 61) : os direitos e deveres da herança
passam condicionados resolutivamente, de modo que há, para o herdeiro a
vir, condição suspensiva. É evidentemente forçado êsse expediente para
varrer a ficção, que se tornou importuna aos juristas do realismo
doutrinário. Vale o mesmo interpor alguém, o que nos parece ainda mais
arbitrário.

Certo é que se vê, na espécie, aquisição de direito pelo nasciturus,


subjetivamente dependente da futura personalidade; mas não é
prôpriamente condição (F. LOWENFELD, Einleitung und Alígemeiner
Teil, /. v.

Staudingers Koinmentar, 1, „7 ª ed., 51) . Direito futuro, direito expectativo,


Anwartschaft, viu ANDREAS VON

TUHR (Der Aligemeine TeU des Deutscl&en Biirgerlichen Rechts, 1, 381) ;


porém isso não resolve: a questão não está no saber a natureza do direito, e
sim do sujeito. Dai ter buscado outra edificação.

e)Recorreu JOSE? KOHLER (Lehrbuch des biirgerlichen Rechts, 1, § 151)


à afirmação de um sujeito: no § 1.923
da lei alemã (e nos arts. 49, 1ª parte, e 1.718, do Código Civil brasileiro),
não se excetua o elemento estrutural das relações jurídicas, que é o sujeito
ativo, iure há personalidade tácita ou construtiva (stillschweigende
konstruktive Person).

d)Entendia KONíUJ HELLWIG (Ánspruch. und Klagrecht, § 6, nota 1, 45)


que entre a abertura da sucessão e o nascimento do herdeiro esperado,
indiscutivelmente se trata de herança sem sujeito.

e)Construiu ANDREAS vON TUHR (Der Aligemeine TeU des Deutschen


Elirgerlicheu Rechts, 1, 381, nota 5) o interregno (morte do sucedendo e
nascimento do concebido) como o de herança com sujeitos alternativos, A
ou E: se A nascer com vida, E está afastado. É perfeita a prestabilidade da
alternativa. Porém, como bem notou o próprio ANDREAS VON TUHR. há
mais do que uma situação daquelas em que os bens são adéspotas e
daquelas em que depende de um acontecimento o vir a ter dono.

f) A aparente contradição do Código Civil, arts. 49 e 1.718, quanto ao


nascituro (dá-se o mesmo no direito alemão,

§§ 1 e 1.923, II), desapareceria, desde que se lessem por esta forma: a


capacidade de direito do homem começa com a prova segura da sua
existência; homem é todo produto gravídico do homem e da mulher, que
possui coração e complete vinte e quatro semanas (E. AnLnxm, Nasciturus,
78).

5.CONSTRUÇõES JURÍDICAS. iure Há várias situações jurídicas em que


exames superficiais, que pretendem resolver o problema construtivo,
invocam a condicionalidade. É lamentável, então, o espetáculo da confusão
entre condiciones juris, elementos do próprio fenômeno jurídico, e as
condições, disposições mexas, que subordinam à resolutividade ou à
suspeusividade a situação a que se referem. Essas, em vez de essenciais, são
acidentais; não pertencem à natureza especial do fenômeno, iure provêm da
vontade humana, que pode intervir, ou não intervir.

Assim, é de ver apelarem para o negócio jurídico condicional os que topam


com as extraordinariedades das situações jurídicas do nascituro, nos casos
dos arts. 49 e 1.718, da prole eventual de designadas pessoas (art. 1.718, in
fine), da Fazenda Nacional, Estadual ou do Distrito Federal, nas sucessões
daqueles que não deixam herdeiros legítimos, nem testamentários. A
semelhança entre tais espécies, no meio tempo> é evidente; e os autores
esforçam-se por explicá-las mediante as ordinárias construções técnicas.

EsfOrço, êsse, baldado, e sem o devido trato da realidade, que pretende


esclarecer. A questão é de grande importância, devido aos graves efeitos
práticos. Por isso, insistiremos em varrer dos assuntos referidos o que se
evidencia prejudicial à verdadeira compreensão dos fatos.

Na ocasião em que alguém morre e os herdeiros nomeados foram um


concebido, filho de A, e a prole eventual de B, ~os bens passam, desde
logo, a tais indivíduos futuros, ou só se transmitirão quando o concebido
nasça vivo, ou se verifique o nascimento de prole de E? Alguns vêem no
nascituro e na prole herdeiros condicionais. Outros, não.

Ora, quando nasce morto o filho de A, não há herdeiro, porque o filho de A


não foi pessoa. Vêem nisso a não verificação de uma condição. Mas erram.
Nesse caso, não houve herdeiro, nem herança sob condição suspensiva:
nem retroatividade, nem qualquer outro efeito da suspensividade aposta aos
negocios jurídicos. Os bens passaram aos herdeiros legítimos, 120 dia da
morte do testador (le mort saisit le vif) : a falta do nascituro que nascesse
vivo não é mais do que a demonstração de não ter tido eficácia a disposição
do testador a favor do Concebido. O

momento em que o juiz se persuadiu disso não é o montante da ineficácia, e


sim, apenas, aqueles em que a ineficácia se demonstrou. O herdeiro
concebido não existiu: pensava-se que viesse a confirmar-se a suposição de
existir (existir, aí, é estar concebido e viver até o momento de nascer); e iure
como os homens não adivinham, e é de presumir-se que nasçam com vida
os já concebidos iure o direito ressalva, desde a concepção, os direitos do
nascituro. Entre presumir que nasça morto, e presumir que nasça vivo, tudo
(probabilidades estatísticas, eqUidade, boa política social), tudo aconselha a
ter-se por mais provável o nascimento com vida. Se errarmos (isto é, se
nasce morto), iure então demonstrado ficou que a disposição não tinha, do
lado passivo, quem a recebesse. Ora, isso é muito diferente do que o que se
passa com as condições:

nessas, com o momento da certeza coincide o da ineficácia, e, às vêzes, se


precisa da retroatividade para se desfazerem efeitos; ao passo que, no caso
de se contemplar nascituro, que nasça morto (vale o mesmo o não estar
concebido, outro requisito da validade da disposição), o momento da
ineficácia é o da morte do testador, e não o da certeza de não ter nascido
com vida (ou já não estar concebido à abertura da sucessão): êsse momento,
em que se assenta que não havia pessoa, apenas demonstra a eficácia. Não
se precisa de qualquer recurso às noções de retroatividade e outras: nas
condições, os atos praticados, pendentes elas, são juridicos, segundo o
direito; e os que advieram da concepção, que se supunha, e não se seguiu de
nascia mento com vida, são-, contra o direito.

Perguntar-se-á: se tais efeitos são contra direito, ~ por que a lei abre a porta
a êles, com as cautelas a favor do feto?

O direito sabe que a antijuridicidade pode acontecer; mas também sabe que
o futuro é insondável, que a nossa ignorância do vir a ser nos obriga a
deferir ao dia do nascimento a dentonstraçdo da eficácia ou ineficácia da
disposição. Se nós víssemos „no futuro, se a dimensão do tempo fôsse, para
nós, como a do espaço, então tudo isso seria afastado: no dia da morte do
testador, já saberíamos que o concebido nasceria vivo e seria, desde logo,
demonstrada a eficácia da verba testamentária; ou estaríamos certos de que
abortaria a mulher, ou de que nasceria morta a criança, e não perderíamos
esforços (nem complicaríamos os fios tênues do apriorismo jurídico!) com a
salvaguarda de direitos que não poderiam ser. Tudo isso fracassa porque a
demonstração não é contemporânea à eficácia ou ineficácia: temos dois
momentos iure o da eficácia ou ineficácia, que é o da morte do testador, e o
outro, em que se vai demonstrar, definitivamente, isso ou aquilo. Não há
por onde confundir isso com o negócio jurídico condiciondo.

Dir-se-á:~ tem valor prático tudo isso? Respondemos apenas o seguinte: das
verdades, que ai ficam, depende iure vulgarmente! iure o destino de
fortunas. Vamos a um exemplo: A testou e nomeou herdeiro ao concebido
por E.

No momento em que E dá à luz, verifica-se que nasceu sem vida, iA quem


vão os bens? Responde-se: aos herdeiros legítimos. Sim. Mas z a quais
herdeiros legítimos? Aos do momento da morte do testador ou aos do
momento do nascimento sem vida? As nossas considerações resolvem: aos
do momento da morte do testador, porque foi então que se deu a ineficácia,
que o nascimento morto apenas demonstrou. Não foi uma disposição que se
tornou ineficaz; já o era. No meio tempo, o curador do ventre exerceu
alguns atos. E êsses atos? O direito sofrew.os; não os quis. Só os admitiu
porque eram (na dúvida, que a insondabilidade do tempo nos cria)
aconselháveis. Demonstrado, o direito diz um mea culpa; mas seguro de
que, errando, nem por isso deixou de ter tomado o caminho mais prudente,
mais sábio.

6.NASCITUROS PLURAIS. iure Se nascer mais de um, cabe indagar se o


testador beneficiou a um ou a todos os que do mesmo parto nasceram. Se
êle disse “ao filho de A, se fôr homem”, e houver casal de gêméos~ só o do
sexo masculino herdará. Se êle disse, criteriosamente, o concebido de E,
devemos entender que deixou ao concebido ou aos concebidos.

7.DETERMINAÇÃO DA DATA DA CONCEPÇÃO. iure Quanto à


determinação da época da concepção, tem-se de atender, com certa
generalidade, que afasta a limitação aos concebidos legitimamente, o que se
estatui no art.

338, II (nascidos dentro dos trezentos dias subsequentes à abertura da


sucessão). A presunção existe, iuris et de inre, no tocante às relações de
legitimidade, mas iuris tantum, no que concerne à ilegitimidade.Quem quer
provar a alegação de que já estava concebido há mais de trezentos dias o
nascituro ou nascido, põe-se na posição de quem tem de produzir elementos
probatórios que afastam a Presunção iuris tantum. Se se alega que a
concepção foi dentro dos trezentos dias, tem-se a presunção iuris tantum.
Foi acertada a redação que se deu ao Código Civil italiano de 1942,art. 462,
alínea .a: “Salvo prova contraria, si presume concepito aí tempo
dell‟apertura della 2

successione chi ê nato entro 1 trecento giorni deila morte delís persona deila
cul successione si trata”.

Discute-se se, nascido o concebido dentro dos cento e oitenta dias, pode ser
feita a prova de que a concepção foi anterior de mais de trezentos dias à
abertura da sucessão. A resposta é negativa, em se tratando de sucessão
legítima. Não, se testamentária a sucessão.

§ 5.813. Prole eventual de pessoas designadas e existentes ao tempo da


morte do testador 1.“NONDUM CONCEPTI”. iure Os nondum concepti
têm, no direito brasileiro, as seguintes possibilidades de plena ressalva de
direitos: a) No mesmo pé de igualdade com os concebidos ainda não
nascidos, se nas condições do art. 1.718. b) No caso dos fideicomissos e
sucessões posteriores (condições nas heranças e legados, e têrmos iniciais
nos legados).

2.DIREITO ANTERIOR. iure No direito anterior, as deixas a pessoas ainda


não concebidas eram, em geral, nulas, pela falta de existéncia. Por isso,
faziam-se a alguém, para entregar a outra pessoa, ainda não concebida ao
falecer o testador. Recorria-se ao fideicomisso. Era a solução artificiosa,
aurida dos romanos e dos franceses, como se vê em TEIXEIRA DE
FREITAS (Tratado de Testamentos e Sucessões de A. J. GOUVEIA
PINTO, § 35, nota 91).

Não tínhamos o art. 1.718, in fine, que foi de origem italiana: e o


comentário de CLÓVIS BEVILÁQUA (Código Civil comentado, VI, 164)
invocava a substituição fideicomissária, citando a TErCEIRA DE
FREITAS, que escrevia para outro sistema. O fideicomisso não precisaria
do art. 1.718, como dêsse artigo não precisam a instituição e o legado
condicional.

3. FUNDAMENTO DA EXCLUSÃO DOS PÓSTUMOS NÃO-


CONCEBIDOS. iure Diante da situação jurídica decorrente do direito
romano, que negava a legitimação passiva, os juristas procuraram explicar,
construtivamente, a proibição. Examinaremos as explicações, pondo de lado
o critério do fundamento histórico, porque êsse não teria, para nós, grande
interêsse:

a)Uns entenderam que se tratava de consequência da regra jurídica incerta


persona here& institui nequit (CHR.

RAU, Hist. iur. civil. Rom. de personis incertis ex testamento heredibus, §


4; C. G. TILLING, De postztmis heredibws instituendis veZ exheredandis,
110).

b)Outros recorreram ao dito de ULPIANO iure quoniam certum esse debet


testantis consilium. Assim A.

VINNIUS: otestador ignorava se nasceria, e quem nasceria, e quantos


nasceriam. c) C. G. HÚBNER (Ad tit. de rebus dubiis comment.,
81)frisava a impossibilidade de se dar caráter de exigibilidade adisposição
de tal natureza.

d)Derivava (pensavam muitos) das primitivas formas testamentárias, que


ainda não tinham a unilateralidade do testamento (C. O. TILLING, De
postumis heredibus instituendis veZ exheredandis, 125, que acolhia opiniões
misturadas). Seria conseqúência do subjacente negócio jurídico civil, que se
não poderia celebrar nisi c‟urn certis a certis.

Prâticamente, hoje, o Código Civil, art. 1.718, in fine, estende a prole de


quaisquer pessoas designadas pelo testador e existentes ao tempo da
sucessão aquela espécie particular de capacidade de direito, que
representava para os legisladores romanos a suzdade.

4. DONDE VEM A REGRA JURÍDICA. iure Questão assaz discutida. Da


Novela 118? Contra a opinião de CAItLo FADDA, sustentou VITTORIO
SOJALOJA que se deve ao direito comum italiano. Lá está no Código
sardo, no parmense, no estense e na Lei toscana de 1814.

5.FUNDAMENTO DA EXCEÇÃO A FAVOR DA PROLE DE PESSOAS


DESIGNADAS. iure O que se tem por fito, com o art. 1.718, in fine, é
permitir o pulo por sôbre uma pessoa (que por si não mereça, ou não
precise), para lhe beneficiar a descendência. Muitas vêzes, o testador deixa
a pessoas da mesma igualha, ou ramo, e exclui, por motivos seus, uma ou
duas; mas, para que isso não vá privar do benefício os que acaso descendam
dessas pessoas não contempladas, dispõe a favor da prole eventual. O
exemplo, que logo ocorre, é o do irmão dissipador ou inimigo do testador.

6.FUTURIDADE SEM CONCEPÇÃO. iure No caso da prole eventual de


pessoa designada, a lei nem sequer exige a concepção ao tempo da morte do
testador. É típica a futuridade da pessoa: filhos, apenas possíveis, e não só
prováveis, de A, ou de A e de B. É um rombo (digamos assim) nos
princípios gerais da capacidade de direito: dá-

se eficácia a verba testamentária, em que o contemplado ainda não é, nem,


sequer, começou a formar-se. Faltam todos os elementos, exceto um: A,
homem, ou B, mulher, que pode ter filhos. Quando êsse filho nascer, estará
demonstrada a eficácia da verba. Quando o filho não fôr mais possível, isto
é, quando se firmar a certeza de que não haverá prole, estará demonstrada a
ineficácia da verba.

(CLóvís BEvILÁQUA, Código Civil contentado, VI, 164, entendia que tais
verbas são fideicomissos: A recebe, para entregar ao filho. Mas isso aberra
de todo o destino histórico e intencional do instituto: a) porque se redigiu
texto dinamitador dos princípios, justamente para aqueles casos, dentre
outros, em que se quer passar por cima das pessoas designadas, e se deixa à
prole, em vez de as contemplar; b) porque, na Itália, de onde houvemos a
regra legal, não havia fideicomissos, e foi adotada para obviar a essa falta.)
7.POSIÇÃO NO PROBLEMA. iure No Código Civil, art. 1.718, in fine,
como no italiano (1865), art. 764, abre-se brecha ao princípio da
correspondeência da capacidade de direito e da testamenti factio. (Após o
caso de d‟Aguesseau, em 1692, a jurisprudência francesa foi contrária, e
acolheu-a o Código Civil francês, art. 725. De modo que devemos evitar
lições francesas.)

Exemplo:A faz testamento e constitui herdeiro a primeira criança que


nascer, na sua rua, depois da sua morte. A primeira criança nasce após doze
meses. Recolhe a herança? Ao tempo da morte não estava comncebida e a
pessoa era indeterminada. Mas i,se êle determinar a pessoa? Exemplos: “ao
primeiro que nascer na minha rua, onde moram quatro casais:

A, B, C e D”. Aqui, se a criança não estava concebida ao tempo da morte,


nada importa; os pressupostos são: a) a designação das pessoas; b) serem
vivas ao tempo da morte do testador.

8.CONSTRUÇÃO DA REGRA JURÍDICA. iure Na disposição a favor de


prole eventual, dá-se o mesmo que dissemos a respeito do nascituro: o
nascimento com vida é elemento de demonstra çâo da eficácia ou ineficácia
da verba, e essa se dá no momento da morte do testador. Quando ocorre a
morte da pessoa designada, sem deixar filhos, a ineficácia fica
demonstrada, e os bens vão aos herdeiros legítimos (nos casos ordinários),
salvo se fOr construída como fideicomisso. A construção fideicomissária
não é obrigatória, nem, sequer, a que mais acontece: para haver
fideicomisso, é preciso que haja dois nomeados, um sucessivo a outro; se o
testador deixou à prole eventual, para não deixar a pessoa designada, claro
que excluiu essa, e o fideicomisso não é de admitir-se, nem, por isso
mesmo, haverá fiduciário. A êsse respeito, os juristas brasileiros estão
eivados de construções absurdas, onde, mal aparecem as dificuldades,
recorrem à figura do fideicomisso ou do usufruto, sem que as categorias se
ajustem ao querer do testador.

Se o testamento diz “não me merece consideração A, por isso deixo os


meus bens aos filhos que tiver”, não há fideicomisso: é o tipo da herança à
prole eventual. Se algum dia se demonstrar que A morreu sem ter filho, os
bens passam aos herdeiros legítimos do testador ao tempo da morte: a
disposição a favor da prole eventual nunca teve eficácia; o direito sofreu os
efeitos da espera, e tão-só isso. Medio tempore, o que iure enquanto se
esperava iure foi praticado, é sem qualquer efeito:

a saisina, tiveram-na os herdeiros legítimos, isto é, receberam a herança


desde o dia da morte do testador. Se o direito lesse no futuro, não precisaria
separar os dois momentos iure o da ineficácia e o da demonstração: mas a
imprevisibilidade, que é a contingência humana, obriga-o à atitude de quem
opta pelo possível (ter filhos A) e, se isso não se der, confessará que errou.
O erro não altera os princípios: os herdeiros legítimos foram os herdeiros;
prole, que poderia ter sido e não foi, prole não é, nem foi.

9.INTERPRETAÇÃO DA REGRA JURÍDICA. iure Não se confunda o


fideicomisso com a fidúcia, nem com os negócios fiduciários, em que se
percebe todo o requinte medieval da honra e da amizade confiante, e dos
quais participam a testamentaria e o art. 1.718. O fiduciário é um herdeiro,
o depositário da herança do art. 1.718, não: êsse vai entregar integram
herediiure tatem (Interpretatio Breviarji Alariciani, IV, 1, 13); aqueles, sem
frutos, O

cardeal 3. B. DE LUCA bem que frisou (11 Dott ore Volgare, X, c. 9) o


caráter “conservatório e restitutório”. Se écerto que as incertae personae só
podiam ser contempladas por meio de fideicomisso, também é certo que no
Código Civil italiano de 1865 se incluiu o art. 764 (tirado do Projeto de
MIGLIE¶IYTI, art. 754), a despeito da proibição dos fideicomissos. Se é
certo que, no fideicomisso, o elemento fidúcia constitui o principal (o
restituir é típico nos velhos textos, na linguagem dos juristas; rendre, nos
franceses), o que se acentuou no medievo (no Código Civil austríaco, § 613,
no brasileiro, art. 1.734, fala-se em propriedade restrita, eingeschrdnkte
Eigentumsrech,te), não é menos certo que o ad. 1.718, in fine, não permite
crer-se na passagem dos bens a outrem que não seja a prole eventual: o art.
1.718, in fine, está inserto para exceçao ao princípio da coexistência.

A solução do fideicomisso para construir o art. 1.718 é extralegal e contra a


lei expressa. Seria a solução do Código Civil francês, arts. 897, 1.048 e
1.049, iure substituição fideicomissária de primeiro grau a favor dos
nascituros ex filio ou ex fratre.

Basta lerem-se o art. 1.718 do Código Civil brasileiro e o art. 764 do


Código Civil italiano (1865), para se ver que o ainda não concebido pode
reclamar ex se (cp. Código Albertino, arts. 879 e 705, parmense, art. 623,
estense, art.
721; nos dois últimos se declarava, mas explicitamente, que não têm direito
aos frutos medio teihpore). A prole eventual do art. 1.718 tem direito aos
frutos, como os ndo concebidos da lei italiana.

A dificuldade, que se aponta, é em relação à saisina:

dar-se-ia a descontinuidade das relações patrimoniais, a partir do momento


da morte, até se verificar o nascimento da prole eventual. Porém isso, dir-
se-á, não seria difícil explicar-se, máxime no „direito brasileiro, que
admite, expressamente, a condição sus pensiva aposta à instituição (art.
1.585). A razão que, para êsse caso, afastasse a difuldade, tê-la-á afastado
para o outro. O argumento é fraco, e desde logo cai; mais: falso, porque,
pelos têrmos da lei, é pura a instituição da prole eventual (já o advertia
CÂNCER, Vario-rum resolut., 1, 1, 228). O problema da condição
suspensiva é que constitui o problema da discontinuidade essa não se dá no
caso do art. 1.718, onde a regra consiste, exatamente, em apagar qualquer
solução da continuidade entre o testador e o contemplado. No direito
antenor, compreendia-se que TErCEIRA DE FREITAS buscasse o
fideicomisso, para os velhos efeitos que dissimulada tinha; porém no direito
do Código Civil, o que disse CLóVIS BEVILÁQUA revela
desconhecimento do art. 1.718, que comentava. Bastaria abrir II Dottore
volgare do Cardeal J. 3. DE LUCA e ver que os frutos não são percebidos
pelo que guarda, ad tempas, a herança, mero depositarius, ou nudus
minister. É o mal da interpretação com os sós elementos lógicos, sem
contacto com as realidades históricas, e as lições da ciência.

Ciência, aprende-se; não se tira da cabeça, como romance. A prole eventual,


cuja interposta pessoa fôr, apenas, nudus minister, tem a saisina.

10.QUE “PESSOAS DESIGNADAS” SÃO AS DO TEXTO. iure A


primeira consequência do texto legal é não haver nenhuma diferença entre
pessoas designadas, parentes do testador (e. g., herdeiros legítimos), e
pessoas designadas, estranhas à família, isto é, nenhuma distinção entre a
suidade e a alienidade. No direito romano, aquela era, por si só, capacidade
de direito; ao passo que postumo alieno inutiliter legabatur. Aí terá de
operar-se a evolução e o postumus non suus terá tratamento melhor, que vai
do pedir a bonorum possessio, quando, ao morrer o testador, estava no
útero, até à clara solução do Código Civil, art. 1.718. Na lei brasileira, dois
casos diferentes ocorrem: a) qualquer pessoa futura, qui moriente testatore
in uterc fuerit si natus sit, recebe a herança; b) o ainda não concebido, se
prole de pessoa designada e existente ao tempo da morte do testador, goza
de capacidade jurídica excepcional. O concebido pode ser a pessoa
designada do art. 1.718, cuja prole se contempla.

11.PROLE EVENTUAL: FILHOS OU QUAISQUER DESCENDENTES.


iure No Código Civil italiano (1865), art. 764, falava-se em figli immediati,
para excluir netos e outros descendentes. Na brasileira, não: prole eventual.

A verba aos netos de A, que nascerem, é perfeitamente válida: ~ os netos de


A recolherão a herança?

Para se reduzir a prole aos filhos, tem-se alegado que, ao se inserir “prole
eventual” em vez de “filhos”, não se justificou a mudança. O argumento é
sem qualquer base e apegou-se à busca do espírito da lei, da vontade do
cacique, em vez de ter em consideração que as leis são feitas para que os
juizes e o povo as apliquem, tais como foram redigidas e se integram no
sistema jurídico. A vontade do legislador é o elemento, que em 1922
refutamos

~nêrgicamente, apontando-lhe o primitivismo (Subjektivismus und


Voluntarismus im Recht, Archiv flir Rechts-und WirtschaftSphtiOSO‟phte,
16, 521-543). Por outro lado, o apêgo a interpretações restritivas de textos
estrangeiros que o legislador brasileiro de modo nenhum acolheu.

O Código Civil fala de prole eventual de pessoas pelo testador designadas e


existentes ao abrir-se a sucessão. A primeira questão que ex-surge é a que
se refere ao conteudo da palavra “prole”. Quer dizer: se podem ser
designados A e B e contemplados os netos. No Projeto primitivo a
referência era a “filhos”. RUI BARBOSA substituiu “filhos por “prole”,
sem qualquer justificação da mudança (Trabalhos do Senado, 1, 538 s.).

O problema não poderia ser resolvido com invocação dos Códigos Civis
estrangeiros, porque êsses empregam expressões inconfundíveis, como
“filhos”, descendentes imediatos (e. g., Código Civil venezuelano, art. 828;
mexicano, art. 1.315). No Código Civil italiano de 1865, art. 764, também
só se apontavam filhos imediatos. No Código Civil italiano de 1942, diz o
art. 462, 1ª alínea: „Tossono inoltre ricevere per testamento i figli di una
determinata persona vivente aí tempo della morte dei testatore, benchê non
ancora concepiti”.

Entendeu CARLOS MAXIMILIANO (Direito das Sucessões, ~ 5~a ed.,


495 s.) que, a despeito da expressão “prole eventual”, só se há de pensar em
deixa a filho ou filhos de determinada pessoa. Houve a emenda ; porém,
mesmo se não tivesse havido, seria deturpar-se o texto legal. Proles, prole,
nunca teve sentido restrito, de modo que só os filhos se consideras-sem
prole.

Se o testador disse deixar “aos dois primeiros netos de A, ou de A e B”,


seria violação do texto brasileiro reputar-se nula a deixa. O testador não
falou dos filhos de A, ou de A e B, que poderiam ser muitos, e quis que os
netos fossem os beneficiados.

O texto legal ressalva, em exceção ao principio da coexistência: “se a


disposição dêste” iure do testador iure “se referir à prole eventual de
pessoas por êle designadas e existentes ao abrir-se a sucessão”. A
interpretação literal levaria a ser pressuposto a designação de duas pessoas,
o homem e a mulher, de que pudesse provir a prole. Com isso, o testador
beneficia quem descenda de A, ou de B, mesmo se A não é casado, ou se B
não é casada. Se a verba testamentária se referiu a A e B, o filho de A com
C, ou de B com D, não herda. Assim como, nos siste-mas jurídicos em que
há a alusão a “pessoa determinada”, se há de entender que se pode deixar ao
filho ou filha de A e tem-se, no direito brasileiro, que fala de “pessoas
designadas”,a dupla hipótese: designação de duas pessoas ou só de
uma.Mais: se, por exemplo, uma filha de A é casada com o filho de B, pode
o testador deixar aos netos de A que não sejam netos de B. Quando se alude
a filhos futuros de alguma pessoa, tem-sede entender que todos foram
contemplados. ~ a deixa à prole.Se, porém, o testador não disse que
beneficiava a prole eventual, e apenas disse deixar aos filhos de B, o que se
há de entender é que foram contemplados os nascidos e os nascituros à data
da morte do testador, não os futuros. Temos de repelira opinião dos que
supõem contemplados quaisquer filhos, presentes e futuros. A deixa pode
dizê-lo, porém não se há de admitir que, na dúvida, se considerem
beneficiados os filhos futuros. Sem razão, CARLOS MAXIMILIANO
(Diretto das Sucessões, , 5a ed., 498). A prole eventual pode existir e não
existir a pessoa de-signada (e.g., a mãe faleceu no dia do nascimento, talvez
no momento dêle; o pai já havia morrido quando nasceu o filho).Se, no
momento do nascimento ou depois falece o filho, a he- rança iure já agora
dêle, como decujo, vai aos seus herdeiros(talvez a pessoa designada e o
cônjuge, genitor do nascido e falecido, ou genitor não casado). O fato de a
vontade do testador ter pulado o genitor ouos genitores para deixar à prole
eventual é sem qualquer relevância para se saber a quem vai, após a morte
do eventual descendente da pessoa designada ou das pessoas
designadas,porque a sucessão nada mais tem com o testador. Não importa
se não havia confiança no pai ou na mãe designada, ou mesmo se havia
indignidade para a sucessão do testador. Pode dar-seque o testador queira
afastar a sucessão pela pessoa designada ou pelas pessoas designadas, como
se diz, no testamento,“deixo à prole eventual de B (ou de E e C) se
sobreviver a E (ou a E e O)”. Aí, então, o testador diz a quem vai, em
fideicomisso, ou herança condicional ou legado condicional; ou regem, no
caso de falta de disposição do que há de passar a outrem, os princípios da
sucessão legítima.

Se não nasce quem se entendia vir a ser a prole beneficiada (não houve
concepção, ou não nasce morta a prole eventual), não herdou quem não
existe. Só herdaria quem se previa se com vida tivesse nascido. Se o
testamento disse quem o substituiria, o substituto é que herda. Se nada
disse, há a sucessão legitima do testador.

Se quem seria a prole eventual nasce, porém morre antes do testador, não há
sucessão; porque no dia da morte do decujo é que se há de verificar a
existência ou a eventualidade, e o morto não existe nem pode ser
considerado herdeiro eventual.

Quanto à expressão “designadas”, relativas às pessoas, de que possa


advertir a prole, é sem razão a discussão entre seu necessário que seja
“designada” a pessoa, e que seja “designada ou designável”. Trata-se de
determinação, mesmo que bastem elementos para se saber quem seja. O
testador é que tem de apontar êsses elementos, suficientes à verificação.
Não importa se é parente, ou amigo, ou pessoa conhecida do testador. Pode-
se dispor a favor da prole de alguém que se admira, ou teve bom êxito em
pesquisas ou descobertas, ou que apenas se viu na televisão ou em retrato.

Tal pessoa há de ter nascido, porque não é pessoa determinada, designada, o


nascituro, nem se permitiu deixa a prole de quem, ao tempo da morte do
testador, ainda não nasceu. Quando se trata de deixa a nascituro, pode dar-
se que o nascimento ocorra após a morte do testador. A prole eventual, essa,
tem de ser de quem, à abertura da sucessão, já existe. Admitiu-se, no tempo,
uma eventualidade; não duas ou mais.

Assim, se a pessoa designada faleceu, ou se faleceram as duas pessoas


designadas, antes de falecer o testador e depois de feito o testamento, a
deixa a favor da prole tem de ser respeitada. A prole eventual já nascera. No
momento da abertura da sucessão, a prole não é futura, embora tivesse sido.

Surge o problema da ignorância do testador no tocante à prole da pessoa


designada. O testador quis deixar a herança, ou o legado, ou o modus, a
quem fôr filho da pessoa que indicou, ou das pessoas que êle indicou.

Acontece, porém, que êle ignorava que tal prole já existia. Não se pode
considerar o não existir a prole elemento indispensável para a disposição a
favor de prole de pessoa designada, ou de pessoas designadas. O testador
deixou a filhos de E, ou de E e O, e tê-los-ia mencionado se já soubesse que
E tinha filhos ou que E e C os tinham. Pode ocorrer, excepcionalmente, que
o testador conhecesse os filhos de E, ou de E e C, mas somente quisesse
dispor a respeito dos filhos futuros. Aí, sim, a prole existente está fora da
legitimação à herança, ou ao legado, ou ao nudus.

Todavia, na dúvida, tem-se de entender que o testador ignorava a existência


de filhos de E, ou de E e O.

12.PROLE EVENTUAL: RESTRiÇÕES. iure Ao testador cabe, temporal,


ou sexual, ou pessoal, ou numericamente, limitar a prole: “deixo aos filhos
de A que nascerem até 1985”; “aos filhos (ou filhas) de A e E”;

“aos dois primeiros filhos de A”. Ou, mais restritamente, somadas as


restrições (“aos dois primeiros filhos varões de A e E nascidos até 1980”);
de modo que o filho varão de A e E, que fôr o terceiro, ou, se fôr o segundo,
nascer em 1976, não herda.

A interpretação da verba é que decide. Se o testador deixa ao primeiro filho


de A, que é seu genro, entende-se que so deixou aos filhos de A e E, sua
filha. Se deixou “aos filhos de E”, sua filha, não se há de interpretar que só
deixou aos filhos de E e A, e sim aos de E e A e aos que E tiver sem serem
de A.

Os limites vêm de si mesmos, a) Se o testador disse: “deixo aos netos de


A”, que já tem filhos, em verdade não se pode dizer que tivesse querido
infringir o art. 1.739, fraudando a lei; os netos de A, filhos dos filhos,
existentes, ou não, serão os herdeiros. b) Se A ainda não tem filhos, tal
testador quis dissimular fideicomisso para além do segundo grau, o que e
proibido. Não se compreende que se deixe a netos de pessoas que ainda não
têm filhos. ~

Que interêsse teria o testador se não o de alongar pelo tempo a sua


sucessão?

Na prole eventual de modo nenhum se incluem os filhos adotivos (2.~


Turma do Supremo Tribunal Federal, 5 de setembro de 1947, O D., 54, 185;
1?. dos 7‟., 179, 953; R.F., 125, 478)

“Prole, de que fala o art. 1.718, é a descendência natural, como se evidencia


no art. 868 do Código Civil, quando diz: “Só os maiores de cinqUenta anos,
sem prole legítima, ou legitimada, podem adotar”. A essa descendência
legítima, legitimada ou ilegítima, é que se dá capacidade de receber por
testamento” (nota do Ministro HAHNEMANN GUIMARXES).

Se já existia o instituído, à data da abertura da sucessão é que se lhe verifica


a capacidade para suceder. Basta estar concebido. Se a deixa foi a prole
eventual, protraiu-se a data do pressuposto da existência, em regra jurídica
excepcional. É a única exceção.

Quando a deixa é a “prole” de alguém, nenhuma distinção se há de fazer


quanto ao sexo, nem quanto à legitimidade. Se a instituição se refere à prole
de A e de B, que são casados, implícita está a exigência de se tratar de filho
ou filhos legítimos. Áliter, se só se aludiu a filho de A (ou de B).

A deixa pode ser à prole de pessoa nascitura.

Se a deixa foi a filho ou prole do varão B, não importa se E está vivo, ou


morto, à data da abertura da sucessão. O

filho pode ser, em tal caso, apenas concebido; não, aí, porque se haja de
invocar o princípio da coexistência, mas sim porque há de haver a alegação
e a prova de que já estava concebido quando a pessoa designada ainda
vivia.

Se a deixa é “aos filhos de A”, entendem-se como beneficiados todos os


filhos. De ordinário, é o que se passa e tem-se de reputar transmitida a
herança ou o legado, como toda ou todo, ao primeiro nascido, ou aos dois
ou mais primeiros nascidos, subordinada a deixa à aparição de outro ou de
outros filhos. A transmissão ao primeiro é condicional, porque ainda não se
sabe se herdou o todo ou se só herdou fração.

A regra jurídica do art. 1.7W, in fine, de modo nenhum se estende às


doações, que são atos entre vivos. Só incide em se tratando de deixa
testamentária (4.ª Câmara Cível do Tribunal de Apelação do Distrito
Federal, 3 de abril de 1945, R. dos 7‟., 166, 790).

13.GUARDA DA HERANÇA ATE O NASCIMENTO DA PROLE


CONTEMPLADA. iure Quem é que guarda a herança? Ao testador dispor,
e das palavras do testamento conclui o juiz. Se nenhuma solução lhe dá o
testamento (as mais das vêzes a afeição, em vez de descaso e do ódio, à
pessoa designada, é que ressalta, iure aproveitamento legitimo do texto
legal), entende-se que toca ao testamenteiro.
§ 5.813. PROLE EVENTUAL

O prazo da prescrição somente começa a correr depois de nascida a prole,


ou morta a pessoa designada; como se dá com os nascituros concebidos
(arts. 4 e 1.718), caso em que o prazo da prescrição somente começa a
correr do dia em que nasceu morto ou em que nasceu com vida. Se não
havia conceptus (o que exclui qualquer eficácia da disposição a favor de
concebido, art. 4.0), desde o dia da morte do decujo, salvo se houve ato dos
herdeiros que induza interrupção.

14.FRUTOS E ADMINISTRAÇÃO. iure Os nascituros, a prole eventual de


pessoas determinadas, recebem a herança, ou legado, cum tnnni causa, isto
é, com os acessórios e frutos, desde a abertura da sucessão. (No Código
estense, art. 721, n. 3, da

-va-se outra solução, mas, têcnicamente, desaconselhável.)

Como o curador do ventre, a incumbência do art. 1.718 é um nudus a


commodo: ainda, assim, o curador do ventre administra por direito de
familia, como o pai ou a mulher grávida, que tem o pátrio poder (arts. 462 e
458) ; ao passo que o incumbido do ad. 1.718, ou é um nomeado explícita
ou implicitamente pelo testador, ou pelo juiz, quando nomeia o
testamenteiro, ou, se a êsse não cabe a fidúcia no caso especial, quando
diretamente o nomeia, iure porém é sempre administrador por direito das
sucessões. Pràticamente: ainda que seja pai futuro, ou mãe, se o testador o
deserdou, ou por motivo colhível no testamento o afastou da herança, ou
quando se tornou indigno (arts.

1.595 s.), não pode administrar a herança. O Código Civil previu-o quanto à
indignidade (arts. 891, IV, e 1.602), mas os outros casos resultam da
vontade declarada (no artigo 1.602 é presumida) do testador (arts. 391, III,
1.741

e 1.745) e declarada quer dizer: lançada no testamento, ainda que não seja
de modo explícito. Nudus a commodo, sed non a titulo, porque, se assim
não fôsse, seria um meio de se fraudarem as regras jurídicas de
incapacidade.
a) Nudus a commodo. Os frutos dos bens do art. 1.718 não pertencem a
quem guarda a herança, iure aumentam a herança, para que a prole eventual
os receba, porque lhe pertencem, ou, se falhar, isto é, se fôr demonstrada a
ineficácia da verba, aos herdeiros legítimos. O nudus minister, ou
deposiiure tarius, guarda, sem gozar (sem usus, nem fructus); pagará
;aluguer, se forem prédios, ou os receberá, e dêles prestará contas. ~ a lição
do Cardeal J. B.

DE LUCA (7i‟heatrum veritatis et iustitiae, III, 275 e 282).

Quando nasce a prole, o que guardou a herança do artigo 1.718 não a perde,
porque nunca a teve. Perde-a o fíduciario dos arts. 1.733 e 1.740, que a
tinha. Os frutos foram dêste, e não os restitui; os frutos da herança do art.

1.718 são da prole eventual. Naturalmente, será arbitrada a comissão pro


labore do administrador.

b) “Sed iwn a titulo”. O juiz não pode nomear (em certos casos, não valeria
a nomeação pelo testador, ou por efeito da cláusula ou pressuposição rebus
sic stantibus, ou por efeito da lei de incapacidade), para administrar a
herança, o deserdado, o excluido por indignidade, o incapaz para a tutela.
Se o testador afastou alguém, não pode ser nomeado pelo juiz, por fôrça da
vontade do testador: seria nomeação contra a voluntas testatoris. O que
perde a testamentaria, por ter sido removido, também perde o cargo de
administrador em nome da prole eventual: falta a fidúcia. Perde-o também o
pai destituído do pátrio poder ou a mãe destituída do pátrio poder, ou do
exercício da administração, e é suspenso, quando a medida judicial fôr a
suspensão, mas, nesses casos, por direito de familia.

No juízo da herança, pode perder a fé, sem que isso importe efeitos dos
arts~ 394 e 395: iure hereditario, o juiz do testamento e inventário é o
competente. Isso não obsta a que o juiz de direito de família aprecie os atos
do pai, ou da mãe, quando já tenha sido concebido o contemplado pelo
testamento. Ambos os juizes evidenciam-Se, então, competentes: um,. por
direito das sucessões; outro, por direito de família.

15.PAGAMENTO DOS IMPOSTOS E PROLE EVENTUAL. iure Há


uma instituição simples? Ou condicionada? Se é condicionada, está
diferido, por exemplo, em algumas leis fiscais, o pagamento do impôsto. Se
é simples, não; paga-se desde logo. Quíd turis? ~Pode a spes nativitatis se
reputar, por onipotência do legislador, já presente, de modo que receba a
herança? Haveria condição resclutiva: a de não nascer. VITTORIo
POLACCO (DeU Successvnn, 1, 193) achou estranha e forçada a
construção jurídica. Será suspensiva a condição? Mais uma vez se daria o
grave erro de se confundirem condiciones inris, elementos essenciais das
relações jurídicas., com as condições propriamente ditas. Ora, se condicio
iuris, a relação jurídica não seria condicional, e ficaríamos no mesmo. Cp.
L. 99, D., de condicionibus et demonstrationibus et causis et modis ecrum,
quae ia testa-menti scribuntur, 35, 1. Haveria suspensão da relação jurídica
fundamental (FRANCESGO FILOMUSI-GUELFI, Foro italiano, 1, col.
976; VITTORIo POLACCO, DeIle Successioni, 1, 198) ; mas essa seria
mais próxima da alternativa de ANDREAS VON TUHR do que uma
condição, iure solução de que aqueles juristas italianos não tinham notícia.
O impôsto, num e noutro caso, pode ser diferente. Como resolver? z.Diferir,
até que se defina, num, ou noutro sentido? Ou pagar desde logo? O an
debeatur é certo; mas o quantum debeatur, não. De modo que, em verdade,
a ficção da lei opera: a herança transmite-se, se a construção é fideicomisso,
ou outra; e as leis fiscais não podem pretender a deformação da figura
jurídica: o melhor é dar-lhes a opção entre receber a taxa menor, com o
direito ao restante, se ocorrer que venha a dever-se definitivamente; ou
aguardar. Essa é que é a solução razoável nos legados condicionais ou
alternativos condicionais de qualquer espécie.

16. PROVA DA CONCEPÇÃO PARA OS EFEITOS LEGAIS


(NASCITURO). iure A prova da concepção é assaz difícil. Primeiro,
pergunta-se: os arts. 338, 339 e 343 do Código Civil aplicam-se às
sucessões? Admitida a resposta afirmativa, como a gravidez pode durar 800
dias, toda criança antes de 801.0 dia posterior a morte do decujo, pois que
podia ter sido concebida dentro do prazo, pode suceder. Verdade é que nem
sempre as duas questões se combinam e se misturam. Casos há, em que a
filiação e a sucessibilidade se juntam, e a solução deve atender a que estão
ligadas; nos outros, não.
a) Ligadas as duas questões (sucessibilidade, legitimidade). O filho
póstumo quer demonstrar a qualidade de filho legitimo e, pois, a sua
vocação hereditária. Uma coisa deriva da outra. Firmada aquela, essa se
firma. Negar a vocação hereditária seria negar a legitimidade. Ora, a
filiação legitima somente pode ser discutida pelo próprio pai (Código Civil,
art. 344), ou pelos herdeiros dêle no caso restrito do art. 345.

b) Só se discute a capacidade sucessoral. Morre A, cujos herdeiros são os


irmãos, existindo a viúva de um, morto meses depois de A. A viúva dá à luz
um filho antes de 301 dias da morte de A. A legitimidade do recém-nascido
não se discute.

O que se discute, separadamente, é a capacidade sucessora.

A criança pode ser legítima, e não herdar do tio. Na relação entre pais e
filhos, a questão está resolvida; porem seria anti-jurídico considerá-la
liquida, na relação entre herdeiros de A e o concebido. Concebido quando?
j,Nos 120 dias anteriores a morte do pai? Mas não é certo que o tenha sido
nos x dias anteriores a morte do decujo!

Aqui, FRANÇOIS GENY (Sciefl~O~3 et Techrtique en droit privé positil,


III, 290 e 318) pretendia que se devesse associar à presunçao legal,
categórica, rígida, outra, que seria a de ter sido concebido no momento mais
favorável para éle, em virtude de um omiti meliore momento, e o momento
mais favorável do período legal da concepção possível será, na espécie
(acrescentamos nós), aqueles em que ainda estaria vivo A. Mas j,existe, aí,
presunção legal? Da natureza da outra, não; porque só existe se é enquanto
nao se faz a prova contrária. Presunção arbitrária (G. ARON, Théorie
générale des Présomptiofl‟5 légales en droit privé, 30), que teria a sua
razão de ser, não num quod plerumque fit, e sim no propósito de, na dúvida,
favorecer. É mais um favor que uma presunção. Por onde se vê que a
superposição de presunções, a que se refere FRANÇOIS GENY, não se
justifica plentnne‟nte, onde se cm diram as questões; e onde não se
cindiram, dizer que são duas as presunções., iure a do art. 338 e a derivada
do omni meliore momento, é sem fundamento: em qualquer dos 120 dias a
presunção existe; de modo que o outro conceito, o do momento melhor, é
supérfluo. Não há dúvida, porém, quanto ao contágio mental da presunção
do art. sgs, reforçada nas aplicações do art. 363, contágio que explica, na
ausência de prova do dia da concepção do filho da viúva cunhada de A, a
invocação do decurso dos 180 dias. Cientificamente, explicamos de outro
modo: a lei mostrou-nos, com o seu expediente, o dado biológico, que a
inspirou; e nós nos inspiramos nêle para invocar os 120 dias da possível
concepção ou 180 da vida intra-uterina (PONTES DE MIRANDA, Direito
de Família, la.

ed., 300).

17.PROVA DA EXISTÊNCIA DAS PESSOAS E DA EXISTÊNCIA DA


PROLE EVENTUAL. iure É preciso que a pessoa designada exista; a prova
será a ordinária ou a da concepção, porque se pode deixar a prole eventual
do concebido ao tempo da morte do decujo. É conseqUência imediata do
art. 1.718. A prova da prole eventual não é precisa; salvo se fisicamente
impossível, e, nesse caso, cabendo o ônus da prova àquele que alega a
impossibilidade, o que se tem de provar é a negação da possibilidade de tal
prole, e não a prole eventual. Presume-se que todo ser humano possa gerar.
Por isso, não há necessidade de se provar a possível prole; o contrário é que
é suscetível do ônus probatório. Provado que a prole eventual não era, nem
é possivel, ineficaz é a verba; provado que se tornou impossível, a verba
poderia ter sido eficaz, mas já é impossível a devolução. ~A quem vão os
bens?

Se ineficaz a verba, pertencem aos herdeiros. Se tornada impossível,


cumpre verificar a quem cabe a passagem.

Aqui, a prova da impossibilidade biológica é útil, para se demonstrar que


não é possível a construção; mas o resultado é o mesmo: vão aos herdeiros.
Poderia ter sido eficaz, e não foi.

18. DEVOLUÇÃO DOS BENS DA PROLE EVENTUAL NÃO


OCORRIDA. iure Quando ocorre a morte da pessoa designada, sem deixar
filhos, ou quando fôr provado que é impossível a prole futura, os bens irão
aos herdeiros legítimos, salvo se o testador construiu a verba como de
fideicomisso. No caso de usufruto, os herdeiros legítimos serão os nus-
proprietários, e a pessoa designada gozará dêle até que se extinga, de
acôrdo com os princípios do instituto. “Deixo a prole de A, que usufruirá
entrementes”, vale dizer, iure morto A sem prole, irão os bens aos
herdeiros, ou, impossível a prole de A, A usufrutará até morrer, se outra
coisa não dispôs o testador.

§ 5.814. Incapacidade de sucessão passiva

1.PESSOAS QUE NÃO PODEM ADQUIRIR POR TESTAMENTO. Iure


Até aqui tratamos da capacidade de adquirir por testamento, do principio da
coexisténcia, da correspondência entre a personalidade e a capacidade de
suceder testamentáriamente, e das extensões, de que, no direito brasileiro
dos nossos dias, é suscetível a capacidade de receber ex testamento. Já
vimos que se pode testar a favor de quem ainda não nasceu, e, até, de quem
ainda não foi concebido. Resta-nos estudar as limitações, iure aqueles casos
em que pessoas não podem adquirir por testamento. Não há coincidência
entre as causas de legitimação para testar e as causas para herdar por
testamento. Louco, surdo-mudo, que não pode exprimir a sua vontade,
menor de dezesseis anos, e os que, no momento, não estão em perfeito
juízo, não podem testar. Todos êles podem ser herdeiros ou legatários.

Suceder por lei e suceder por disposição testamentária não coincidem em


todos os pontos. Quanto à herdeiros testamentinos e a legatários, a
ilegitimação é mais vasta, porque se teve de levar em consideração o
negócio jurídico do testamento (pessoa que a rôgo do testador escreveu o
testamento, cônjuge, ascendente, descendente ou irmão de tal pessoa;
testemunha do testamento; oficial público, civil ou militar, ou comandante,
ou escrivão, perante quem se fêz o testamento, ou que o fêz quem aprovou
o testamento).

Diz o Código Civil, art. 1.719: “Não podem também ser nomeados
herdeiros, nem legatários: a) A pessoa que, a rôgo, escreveu o testamento
(arts. 1.638, n. 1, 1.656 e 1.657), nem o seu cônjuge, ou os seus
ascendentes, descendentes e irmãos.
b)As testemunhas do testamento. c) A concubina do testador casado. d) O
oficial público, civil ou militar, nem o comandante, ou escrivão, perante
quem se fizer, assim como o que fizer, ou aprovar o testamento”.

2.PESSOA QUE, A RÔGO, ESCREVEU O TESTAMENTO, O SEI)


CÔNJUGE OU OS SEUS ASCENDENTES, DESCENDENTES E
IRMAOS. iureQuem escreveu o testamento não pode receber legado, nem
herança, nem ser beneficiado pelo modas, ou qualquer outra figura jurídica.
Participou do ato. Cria-se, contra a liberalidade, certa suspeição. Nenhum
inconveniente há na exclusão:

o testamento vale; o que não vale é a deixa. Também o cônjuge, o


ascendente, o descendente ou o irmão do que a rôgo escreveu não pode
herdar, nem receber qualquer outro benefício testamentário. O ascendente,
diz a lei; é um pouco mais do que o pai e a mãe, a que se refere o art. 1.720.

Uma questão. Se o testamento, em que alguém foi, a rôgo, o escritor, revoga


a outro, que excluia a pessoa encarregada de escrever o segundo, ou algum
dos parentes, ou cônjuge, de que fala o art. 1.719, 1, ~quais os efeitos da
intervenção? Disso é exemplo o testamento revogatório de outro
testamento, que distribuía toda a herança com exclusão do herdeiro
legítimo, escritor do segundo. Não se trata de nomear herdeiro, nem
legatário; contudo, é irrecusável a causação entre o segundo testamento e a
devolução dos bens ao participante, herdeiro legitimo. Que, na ação de
nulidade de testamento, de envolta com outras provas, pesa o indício, que o
art. 1.719, 1, aponta, não há nenhuma dúvida. Mas ~ a incapacidade do art.
1.719, 1, pode atingir os herdeiros legítimos? Se a resposta fôsse afirmativa,
seriam nulas as revogações em que interviessem escritor, ou testemunhas,
herdeiros legítimos. A lei não as consignou. Nem há o mesmo perigo que se
viu na testamentifação positiva. Pode haver; em todo o caso, menos
frequente, e menos fácil. Se, porém, o segundo testamento deserda algum
herdeiro, ou só revoga parcialmente, de modo que se beneficie o escritor do
segundo, ou alguma das pessoas incapacitadas, houve vontade positiva a
favor do incapaz, e nula é a deixa.
3. TESTEMUNHAS DO TESTAMENTO iure Já se tratou da chamada
incapacidade relativa de testemunhar, terminologia que resulta do Código
Civil, art. 1.650, eu, desacôrdo com a do artigo 1.719, III, que incluiu a
espécie nos casos de incapacidade de suceder por testamento. Em verdade,
mais veda receber que testemunhar; tanto assim que, testemunhado, pela
pessoa proibida, o testamento, êsse não cai: o que cai é a deixa
testamentária. A sanção não consiste na nulidade do ato, iure do
testamento; e sim na nulidade da disposição testamentária, tão-sã na parte
em que é beneficiado aqueles a quem a lei probiu figurasse. Na verba
“deixo a A e a E”, na qual A é uma das testemunhas, nula é a deixa a A, e
não a deixa a E. Cabe, integralmente, iure salvo indicações contrárias, que
impusessem a disposição a favor dos dois ou mais o mesmo destino, iure o
principio de conservação.

O art. 1.719, II, do Código Civil refere-se a “testemunhas do testamento”,


que não podem ser nomeadas herdeiros ou legatario~ Trata-se de
testemunhas instrumentárias, de modo que não está incluído na vedação de
receber a liberalidade a causa de morte quem apenas comparece, por
exemplo, para atestar a identidade do testador.

4. CONCILIAAÇÃO NOo TESTADOR CASADO. iure Na lei está dito


(art. 1.719, III) que não pode ser nomeada herdeira, nem legatária, a
concubína do testador casado. Há, portanto, dois elementos, para essa
chamada incapacidade: a) Concubinato entre o testador e a herdeira ou
legatária. b) Casamento do testador com outra pessoa.

O Código Civil, no art. 1.719, III, fala de “concubina do testador casado”. A


expressão “casado” tem de ter interpretação adequada. Nada obsta a que o
homem casado, mas desquitado, deixe, testamentàriamente, à concubina. O
art. 1.719, III, em verdade se refere ao testador casado, cuja sociedade
conjugal não foi dissolvida.

(~ ofensa, de iure condendo, ao principio de isonomla proibir-se a deixa à


concubina e não se proibir a deixa da mulher casada ao amante permanente.
O argumento de que a investigação podia ser escandalizante é fraco, porque
o mesmo escândalo resultaria da busca de provas de que a mulher
beneficiada vivia, em concubinato, com o homem casado. Tal como está na
lei se um homem casado e uma mulher casada vivem como se fossem
casados, pode ela deixar, testamentàriamente, ao amante, e êle a ela não
pode deixar.) A questão capital consiste em se saber se é preciso sejam
simultâneos os dois elementos. Se simultâneos, quando se deve apreciar a
infração legal, iure se ao tempo da feitura, ou se ao tempo da morte do
testador.

a)Testador solteiro em concubinato ao tempo da feitura do testamento,


casamento superveniente. Pergunta-5e j, superveniência do casamento torna
incapaz, no sentido do artigo 1.719, III, a herdeira, ou legatária, que foi
concubina do testador? Se afirmativa a resposta, teríamos que a lei se
satisfaz com os dois elementos, ainda que não simultâneos. Mas a
verdadeira solução está em que a superveniência do casamento não
constitui, no Brasil, caso de ruptura dos testamentos, nem a dignidade da
mulher do testador é ferida pela disposição testamentária feita
anteriormente a êsse casamento.

b)Testador solteiro em concubinato, casamento superveniente, testamento


na vigência da sociedade conjugal. Aqui, como no caso da letra a), os
elementos não são simultâneOs quando o testador nomeia herdeira, ou
legatária, a mulher, que não é a sua, contempla pessoa, que não é mais a sua
concubina. Já não seria o concubinato a causa de dispor. Se tal
determinação constitui vontade contra bonos mores, e. g., injúria à mulher
do testador, é outra questão, forçosamente de fato, e se decide conforme os
arts. 82 e 145, II, e não conforme o art. 1.719, III.

c) Testador casado, em concubinato ao tempo da feitura do testamento. Dá-


se a simultaneidade dos elementos, se bem que, ao tempo da morte do
testador, pode ser que já não exista a sociedade conjugal. a) Se ainda existe,
toilitur quaestio: é nula a deixa. b) Se já não existe, ~nem por isso deixa de
ser nula a disposição? O raciocínio seria o seguinte: se é certo que a
testamenti factio passiva se aprecia ao tempo da morte do testador, foi erro
da lei incluir o art. 1.719 no capitulo da capacidade para adquirir por
testamento. Havendo simultaneidade dos dois elementos, a vedação do art.
1.719, III, pode ser apreciada ao tempo da feitura como ao tempo da morte.
A solução seria justa?

Questão gravíssima, que os juristas não versaram. Trata-se de validade de


disposição, e pode bem ser que, ao tempo da morte do testador, já não
existam, nem a sua mulher, nem os seus descendentes. Se algum dêsses
ainda existe, 2,teria cabimento pedir nulidade de uma verba que o testador
vàlidamente já poderia escrever, uma vez que um dos elementos
desapareceu? E talvez ambos (faleceu a mulher ou desquitaram-se; faleceu
a mulher, ou houve desquite, e, mais, cessou o concubinato). A solução
justa é a de ter-se, apenas, a exigência da simultaneidade, porém só
apreciável se o elemento da sociedade conjugal existia ao tempo da morte.

d) Testador casado, concubinato ao tempo da feitura, mas cessado o


concubinato. O fato de ter cessado não tira a disposição o motivo que teve,
ou se presume ter tido, e a lei manda que se presuma. Por isso mesmo, uma
vez que subsiste a sociedade conjugal, é nula a nomeação de herdeira, ou
legatária.

Pelo desquite, termina a sociedade conjugal. Os filhos de outro leito, que


foram concebidos após a cessação, não se conderam adulterinos, e são
reconhecíveis. Tal a nossa opinião, tal, posteriormente, a jurisprudência da
Côrte de Apelação do is-Distrito Federal, contra a do Superior Tribunal de
Justiça dê São Paulo. Cessou o dever de fidelidade recíproca. Cessa, por
isso, a adulterinidade dos filhos com outrem. Tais filhos herdam. O próprio
desquitado pode instituir herdeira ou legatária a concubina.

Afastou-Se, diz-se, a exigência da capacidade no momento da feitura do


testamento. Só se cogita do momento da abertura da sucessão, que é o da
morte do decujo. Mas as causas são, quase todas, ligadas ao momento da
feitura.

Resta o problema da sucessibilidade da concubina do testador casado. Tem-


se de assentar se é incapaz quem era a concubina no momento em que o
testador, casado, fêz o testamento, ou se é incapaz quem não era concubina
do testador casado no momento da feitura e só o foi depois até o momento
da morte. Se o testador, no momento da morte, não era casado, não há
pensar-se em exclusão da concubina. Idem, se com ela se casou, porque
então não (mais) se trata de concubina. O que importa é responder-se a duas
questões: a) ié nula a disposição testamentária a favor de quem era
concubina do testador casado e deixou de o ser? b) ~.é nula a disposição
testamentária a favor de quem não era concubina do testador casado e
passou a ser? Se o testador, casado, dispusera a favor da concubina, nula foi
a disposição, ab initio: o fato de superveniência da desligação é sem
relevância. Se o testador, quando dispôs, era casado, porém não era amante
da beneficiada e só depois se tornou, a sucessão seria ilegal no momento da
morte do testador, pois que herdeiro ou legatária seria a amante do homem
casado.

O testador, casado, quando testou, a favor da concubina, infringiu regra


jurídica. Se a beneficiada não era concubina do testador, e no momento da
morte o é, cumpria ao testador revogar a cláusula testamentária desde que a
situação mudara.

Na ação de invalidado da disposição testamentaria, feita pelo homem


casado à concubina, tem de ser alegado e provado o concubinato. Não
importa alegar-se que a deixa foi remuneratória. Nem se a beneficiada
empregada, ou assistente do testador (2ª~ Turma do Supremo Tribunal, 24
de janeiro de 1947, R.F., 112, 417; Turma Julgadora do Tribunal de Justiça
do Rio Grande do Norte, 26 de setembro de 1949, R.F., 132, 212).

Oart. 1.719, III, do Código Civil fala de “concubina do testador casado”;


mas entenda-se testador em sociedade conjugal. O desquitado pode dispor a
favor da concubina (3? Câmara do Tribunal de Justiça do Rio Grande do
Sul, 4 de novembro de 1943, R. dos 7‟., 170, „738; 2.0 Grupo de Câmaras
Civis do Tribunal de Apelação de São Paulo, 15 de maio de 1940, 129,
535).

5.OFICIAL PÚBLICO, CIVIL OU MILITAR, COMANDANTE, OU


ESCRIVÂO, PERANTE QUEM SE FIZER, ASSIM GOMO O QUE
FIZER OU APROVAR O TESTAMENTO. iure A lei, na sua minúcia, quis
especificar os casos de testamento notarial, público, ou cerrado, ordinário
ou especial, e mencionar os figurantes, iure pela intervenção formal direta,
que lhes cabe, no escrever, no apanhar, ou no aprovar o testamento.
Dispensa comentários.

6.LEGADO OU DEIXA A FILHO ADULTERINO. iure No direito francês


e noutros sistemas jurídicos, a jurisprudência considera nulos, por ilicitude
da causa, os legados a filhos adulterinos, quando o testador deixa, no
testamento, a convicção de que se trata de descendente seu. É o caso dos
pais mal prevenidos, que aproveitam o momento de testar, ligado a antigas
práticas religiosas, para confidências de ordem sentimental. No fundo, o
que êles querem é justificar a deixa. No entanto, a própria justificação põe
em perigo a vontade do testador.

Todavia, se há decisões francesas naquele sentido, iure o da nulidade (Req.,


81 de julho de 1860, 29 de junho de 1887), também há noutro, que não é de
somenos importância: deixando-lhes tais legados, ou quotas hereditárias, os
pais exercem o dever de alimentar que, ainda adulterinos os filhos, lhes
incumbe pelo art. 722, alínea 2?, do Código Civil francês: “La loi ne leur
accorde que dos alimenta”. Cp. italiano (1865), artigo 193; venezuelano,
art.

247, e Lei portuguêsa de proteção aos filhos, 51 e 52. Correspondem, em


parte, ao art. 405 do Código Civil brasileiro.

O que ora nos interessa é a validade do legado. A Côrte de Limoges (9 de


março de 1923) considerou válido, iure ainda que de capital, e não de
alimentos. Na espécie, tratava-se de parte igual a que recebeu cada um dos
legítimos.

~,Podia decidir de tal maneira? Discutamos no direito brasileiro.

O Código Civil negava direito de sucessão legítima aos adulterinos (arts.


1.605 e 858). Nega o direito de suceder por testamento a concubina do
testador casado (art. 1.719) ; e, no art. 1.720, considera interposta pessoa o
descendente da concubina, portanto iure o filho, adulterino, ou não, desta,
isto é iure o filho do testador com ela, ou dela com outrem.
Ao Código Civil sobrevejo legislação concernente ao reconhecimento de
filhos ilegítimos e à herança legítima (Lei n. 883, de 21 de outubro de
1949).

Cumpre não confundir. Não é a interposição, o dolus, que está em questão.


Trata-se de deixa direta. ao filho e só a êle. admitida a prova de que não
houve, de modo nenhum, a película intercalar de um filho, que recebesse o
legado, com fito de beneficiar a mãe. Ex hypothesi, beneficia a êle, e tão-só
a êle. Exemplo: se não vive com a mãe, se a mãe morreu, se a mãe perdeu o
pátrio poder, etc. A dissociação é condição da hipótese. Assim, ter-se-á
precisado o problema, que não se restringe ao de se saber se o filho é
incapaz em virtude do art. 1.720, pois consiste em se verificar se, na
interpretação do próprio art. 1.719, ou dos arts. 82 e 145, II, combinados
com os artigos 1.605 e 858, temos de assentar ser ilícita causa a deixa a
filho adulterino.

Preliminarmente: a) ~ qnid inris, se os filhos adulterinos têm direito a


alimentos? b) tQuid inris, se o testador adúltero é, no tempo da morte,
viúvo? e) zQuid inris, se o testador é solteiro, quando a adulterinidade só é
da parte da mãe do legatário? d) ,Quid juris, se o testador é casado?
Confessemos que nos causa repugnância, e piedade, estar a discutir, para os
efeitos práticos do direito nacional, se um filho quiçá menor, pobre tem
direito a receber alguma coisa do seu pai. A função moral é evitar, nos
indivíduos, os atos: inibir, rumar. Operar antes de se praticar o ato. Todos os
seus efeitos posteriores são reações, externas, sanções da opinião contra o
culpado, ou internas, remorso. Ora, a sanção moral, implicando a jurídica,
contra o filho, é algo de maldição, que o direito devia riscar.

a)Em se tratando de alimentos, vale, sem discussão, o legado.

b)Em se tratando de testador viúvo, não há ofensa ao outro cônjuge, ao


casamento: vale a herança ou o legado.

e)Se solteiro, idem; a ofensa seria a terceiro, o cônjuge da mãe do


beneficiado.
d)Se o testador é casado, a) pode ocorrer que não se saiba da
adulterinidade, b) ou não possa ser alegada, porque seria imputar prole
ilegítima a mulher casada (art. 364, o), ou que o testador o diga, no
testamento, ou por outro meio se saiba (como se consta da sentença, art.
405).

Só os últimos casos (e) interessam, mas dêles são excluidos os legados de


alimentos, casos (a). Verdadeiramente, a questão reduz-se a saber se, casado
e não desquitado o testador, sabendo-se da adulterinidade, vale o legado de
capital ao filho. A filiação legítima já foi protegida pela lei, com a metade
necessária, O resto o testador distribui como entende, O ato de adultério
deve manchar ao pai, não ao filho. ~ uma injustiça humana ferretear um
ente, que talvez valha mais, moral e socialmente, do que os outros, a que a
lei já protegeu. Cumpre ainda observar que a separação de capital que dê as
rendas necessárias à alimentação é legado alimentar.

Preponderou o que escrevemos há quase quarenta anos.

O filho adulterino pode ser nomeado herdeiro ou legatário, porque, no


direito brasileiro, não se estabeleceu incapacidade do espúrio (1.a Turma do
Supremo Tribunal Federal, 27 de maio de 1943, 27 de julho de 1948, R.F.,
97, 622, R. dos T., 184, 921; 1.a Câmara Cível do Tribunal de Apelação da
Bahia, 26 de setembro de 1944, 155, 747; 43 Câmara Civil do Tribunal de
Justiça de São Paulo, 1.0 de novembro de 1938, 91, 847; 1.a Câmara Cível
do Tribunal de Apelação da Bahia, 26 de setembro de 1944, 1?. F., 102,
805).

(Temos de atender à Lei n. 883, de 21 de outubro de 1949, art. 1.0, que


permitiu, dissolvida a sociedade conjugal, o reconhecimento de filho havido
fora do matrimônio e ao filho a ação para que se lhe declare a filiação. No
art. 2.~, deu-se a êsse filho direito à metade da herança que vier a receber o
filho legítimo ou legitimado.) Tem-se de repelir que o filho adulterino, ou
reconhecido, por ter nascido antes do casamento do pai, que continuou com
a amante, mãe do beneficiado, seja sempre interposta pessoa. Tanto mais
quanto houve a legislação posterior ao Código Civil que pôs em situação
mais justa, no direito de família e no direito das sucessões, os filhos
adulterinos. Disse, e bem, no sentido do que sustentáramos no Tratado dos
Testamentos, o Supremo Tribunal Federal, a 25 de janeiro de 1950 (A. J.,
94, 886): “Não há interposição proibida na deixa a filhos de concubina, se
são também do testador. O ad. 1.720 do Código Civil não pode ser
entendido nos rígidos têrmos em que é ex-pendido, em face da legislação
posterior...”).

Tentou-se considerar nula a deixa ao filho da concubina, mesmo se o


concubina‟ foi posterior ao testamento (contra, a 23 Turma do Supremo
Tribunal Federal, a li de abril de 1947, R.F., 120, 84: “exato que aqueles
fato é superveniente ao testamento em sua feitura. E os extremos da lógica
levaram a extrair dêsse fato conseqitências desfavoráveis à substância da
liberalidade. Mas uma das características do testamento é a sua
revogabilidade, elemento que se integra na definição mesma do instituto
(art. 1.626) e que deriva do seu caráter unilateral e personalissimo. Ao
simples e mudável alvedrio do testador, à sua vontade ambulatória é sempre
possível infirmar o ato: ambukttúriti est voluntas defuneti usque ad vita et
supremum exitum. Trata-se de principio recebido unânimente. E, se a
faculdade de revogar não é exercitada, o que se verifica é a permanência da
vontade que vitaliza o ato no instante da abertura da sucessão”).

Convém lembrar alguns acórdãos a respeito de deixa a filho adulterino, que


se pretende considerar interposta pessoa. A j a Turma do Supremo
Tribunal Federal, a 8 de abril de 1946 (R.fl, 112, 355), como a 27 de maio
de 1943, foi expressiva, O Tribunal de Apelação de Alagoas, a 25 de julho
de 1941 (1?. E., 89, S05), disse:

“Cumprindo-se o art. 1.720 do Código Civil, de acôrdo com a sua letra e o


seu objetivo, não se criou uma proibiçào absoluta para os filhos adulterinos
herdarem por via testamentária. Se o testador é solteiro e apenas a
concubina é casada, nada impede que êle faça legado em favor do filho
adulterino. Também, segundo PONTES DE

MIRANDA, nos casos em que a concubifla tenha morrido, ou, por outra
causa, não se puder beneficiar com o legado feito aos filhos, é êle válido,
pois, nestas hipóteses, não se contraria a finalidade do citado art. 1.720.
PONTES DE MIRANDA. de acôrdo com a corrente dominante, e
contràriamente à opinião de FERREIRA ALvES, sustenta que os filhos
adulterinos, posto que sem direito à sucessão legitima, estão de modo
absoluto probidos de herdar de seu pai por meio de testamento”.

§ 5.815. Disposição a favor de incapazes de suceder

1. TEXTO DA LEI. Diz o Código Civil, art. 1.720: “São nulas as


disposições em favor de incapazes (arts. 1.718 e 1.719), ainda quando
simulem a forma de contrato oneroso, ou os beneficiem por interposta
pessoa. Reputam-se pessoas interpostas o pai, a mãe, os descendentes e o
cônjuge do incapaz”.

2.NULIDADE DERIVADA DA REGRA JURÍDICA. A parte final prevê a


interposição do pai, m~e, descendente e cônjuge do incapaz. E o avô? Claro
que se deve ler ascendentes, em vez de pai e mãe; êrro de técnica. A lei cria
presunção de ser interposta a pessoa. Mas advirta-se em que, por vêzes, o
pai, a mãe, os descendentes da concubina, não estão no lugar dessa, e sim
por si mesmos: dá-se a dissociação, que elide a aplicabilidade da presunção
lega]. Lembrem-nos os seguintes exemplos: o testador casou com a filha do
que lhe escreveu o testamento, casamento válido e que opera os efeitos
jurídicos, inclusive de fazer o cônjuge um dos eventuais herdeiros
legítimos; o testador legou a pessoa que, mais tarde, casou com o oficial
público; o testador casou com a concubina; e muitos outros. Cumpre notar,
porém, que, ainda eliminada a presunção legal do art. 1.720,

2 a alínea,

pode ser feita a prova da interposição. O testador deixou tôda a fortuna à


concubina, mas sem a mencionar, por intermédio de um amigo. Se fôr
provado que o amigo recebeu e entregou o que recebera, o juiz tem de
considerar nula a deixa. Mas, ~se prova fôr feita de que tal procedimento
foi suspensa, sem qualquer dependência para com a vontade do testador?
Doação lícita do próprio amigo, e não fidúcia ilícita ou legados pro vide
abiatis, que fôssem in fraudem legis. Afastada a interposição, a velada
fiducialidade da herança ou legado, não cabe a nulidade.
8. PRESUNÇÃO. O art. 1.720,

2 a alínea, reputa interposta pessoa o pai, a m&e, o descendente ou o


cônjuge do incapaz. Mas há outro pressuposto para a incidência da regra
jurídica do art. 1.720,

1 a alínea, que é o beneficiante

do incapaz. Assim, para que o filho adulterino possa s~r tido como
interposta pessoa, é preciso que a liberalidade a êle beneficie a mãe. Têm
alguns juristas interpretado o art. 1.720 como se fôsse nula a deixa ao filho
adulterino, em qualquer hipótese.CLóVIS BEVILÁQUA (Código Civil
comentado, VI, 1‟70) escreveu: “A interposição dispensa prova. Resulta de
uma presunção legal, que não admite prova em contrário”. Juristas
repetiram-no. Alguns acórdãos são no mesmo sentido (e. g.,

1 a Turma do Supremo Tribunal Federal, 8 de novembro de 1951, ltF., 142,


180). Na doutrina estrangeira muito se insistiu em se tratar de presunção
inris et de jure.

Do art. 1.720 do Código Civil quis-se tirar que é nula a disposição em favor
do filho adulterino do testador porque assim se beneficiaria a concubina.
Primeiro, ter-se-ia de alegar e provar que a intenção do testador foi
beneficiar a concubina,. e não o filho adulterino; segundo, pode não mais
haver qualquer relação entre o homem casado e a concubina, ou estar êle
viúvo, ou ter-se casado com outrem a concubina. A discussão que ocorreu
na

1 a Câmara

Cível do Tribunal de Apelação da Bahia, a 26 de setembro de 1944 (1?. 1‟.,


102, 805), não desceu aos pormenores, ficando-se em tôrno de afirmações
de extrema generalidade. O filho adulterino é capaz; a nulidade por
interposição pode ocorrer mesmo se o filho não é adulterino. O que é
preciso para que a disposição testamentária não seja válida é que se alegue e
prove que se quis beneficiar a concubina, e não o filho.
Ponhamos o problema em têrmos de agora, sem recebermos a influência de
doutrina estrangeira, que não desceu a exame profundo.

A mãe do filho adulterino do testador ainda em sociedade conjugal, mulher


que seria incapaz de receber a deixa, não vive com o filho, que foi criado
pelo pai, ou pelos avós paternos. Tal filho já tem filhos, que em caso de
morte seriam os-seus herdeiros. ,„,Onde o beneficiamento da mãe, que fôra
concubina do testador? O filho adulterino pode ter sido adotado pela mulher
do testador. ~ Onde o beneficiamento da concubina do testador? O filho
deserdara a mãe. Onde o beneficiamento da mãe com a deixa ao filho?

O filho adulterino pode ser o único filho do testador. ~, Como seria


admissível que se reputasse interposição a nomeação do único descendente
como legatário ou herdeiro?

A deixa ao filho da concubina, que não é filho do testador, é deixa a


interposta pessoa, porém, a despeito de haver maior dificuldade de se
provar que a intenção do testador não foi a de beneficiar a concubina, não
se afaste, de modo absoluto, a prova de que não houve a interposição. Por
exemplo: o filho da concubina salvara a vida do testador, por ocasião de
incêndio, e com isso sofrera queimaduras. Cf. Tribunal de Apelação de
Alagoas, a 25 de julho de 1941 (R.F., 89, 805) : “. . .segundo PONTES DE
MIRANDÁ, nos casos em que a concubina tenha morrido, ou, por outra
causa, não se puder beneficiar com o legado feito aos filhos, é êle válido,
pois, nessas hipóteses, não se contraria a finalidade do citado art. 1.720”.

§ 5.816. Liberdade de testar e quota necessária

1.LIBERDADE DE TESTAR. No terreno da herança necessária é que se


trava a discussão da liberdade de testar, problema de que nos ocupamos no
Tomo LV. Certo, hoje em dia, a questão se estabelece na preliminar: ~ deve,
ou não, haver um direito de sucessão? A verdadeira solução nós. a demos:
se há sucessão, deve haver herdeiros necessários; a liberdade de testar podia
ser defendida com argumentos de ordem sociológica e moral, alguns.

políticos, quando só se tinha de enfrentar a questão da porção necessária,


que ela, por definição, nega, mas, no momento em que o único argumento
de pé a favor da sucessão individualista é a simetria da herança econômica
com a herança biológica, psicológica, educacional, torna-se bem árduo
defender a liberdade integral de dispor. Se há pátrio poder e herança, deve
haver herdeiros necessários. Sucessão sem direito hereditário forçado é
individualismo na vida e na morte. Comunidade de filhos e pais, como entre
os germanos, compreende-se; propriedade social, sem sucessão e, pois, sem
a espécie mais respeitável, que é a necessária, também se compreende. Ora,
sucessão individualista com a plena liberdade de testar só a fantasia podia
aceitar fora das circunstâncias gerais da Roma patriarcal, prepotente, rígida,
que passou, como tudo, e dos anglo-saxões da er~

individualista e mercantilista. Demais, as razões de sucessão na profissão,


no labor da terra, das minas, deixaram de existir: cada vez mais a
distribuição profissional terá de atender a outros fatôres, individualíssimos
alguns, pelos quais se verifique a aptidão, se dê a orientação e se proceda à
seleção.

A liberdade de testar que obrigasse a respeitar tais indicativos e imperativos


de ordem científica e política deixaria de ser a si mesma: não seria
liberdade. Enquanto os bens da vida não se socializarem, o direito
hereditário necessário deve existir. O Estado, que o abolir, tem,
prêviamente, de assegurar o sustento e a educação dos descendentes de
mortos. Ora, será, no terreno econômico-financeiro, impossível (afaste-se a
hipótese de se tornar possível pela limitação matemática de nascimentos)
assegurá-los, conservando-se a sucessão individualista, com a liberdade de
testar.

É difícil compreender que se permita a sucessão individualista com a


liberdade de dispor em absoluto: individualismo que passa além do túmulo,
individualismo que ou demonstra a ofensa ao officium pietatis (nas
sociedades em que os filhos dependem dos pais e das posses e situação dos
pais, fenômeno que existirá em quanto existir sucessão individualista), ou
ao color insaniae. Para nós outros, que vemos os fatos, a história da querela
inolficiosi e a da reserva germânico-costumeira constituem experiências
vivíssimas. Se hú sucessdio individual, deve haver necessariedade da
sucessão dos descendentes. A sucessão necessária, a quota mínima dos
filhos, dos netos, só deve desaparecer com a sucessão individualista, O que
pode e deve acontecer é a adoção de medidas que progressivamente as
desindividualize, a ambas, a sucessão individualista, que é o gênero, e a
espécie, que é a sucessão necessária dos descendentes. Propositada a nossa
exclusão dos ascendentes e dos colaterais: há interêsses respeitáveis em
causa, mas o problema não é o mesmo; tôda boa política olha o que vem e
faz o possível pelos que estão a passar. Todo o problema político de ordem
geral recai nos jovens.

De modo nenhum pode o testador estabelecer sucessividade quanto à


herança necessária (e.g., instituir fideicomisso, cf.

4 a Câmara Civil do Tribunal de Apelação de São Paulo, 22 de fevereiro de


1945, R. dos T., 161, 159; 2.~ Câmara Civil, 16 de maio de 1983, 88, 109).

2.PORÇÃO DISPONÍVEL. A contra-parte da quota necessária chama-se


porção disponível. O art. 1.576 do Código Civil anuncia o art. 1.721.
“Havendo herdeiros necessários, o testador só poderá dispor da metade da
herança”, diz o art. 1.576.

§ 5.516. LIBERDADE DE TESTAR

Na

1 a parte do art. 1.721 dir-se-á o mesmo por outras palavras: “O testador


que tiver descendente ou ascendente sucessível não poderá dispor de mais
de metade de seus bens”. Como se vê, entra-se em repetição escusada: na
primeira estatuiu-se que necessários só havia descendente e ascendente, na

2 a só se introduz, de nôvo, que os

descendentes excluem os ascendentes. Necessariedade subsidiária. E dá-se


nome à quota necessária, nome ambíguo, que mais uma vez evidencia a
manca terminologia do autor do projeto primitivo. Legítima, diz-se.
Ora, legítimas são as porções dos herdeiros legítimos; legitimas forçadas,
quotas necessárias, etc., compreender-se-ia que se dissesse. Reserva diria
melhor, sem dizer bem. Aliás, na doutrina tradicional, a expressão portio
legitima concorreu para isso. Ora, se atendermos a que a querela inoficiosi
(da era clássica) constituía remédio jurídico processual coordenado a
sucessão legítima (ao contrário da ação de nulidade, pelo color insania.e) o
têrmo é justo: todos os herdeiros cognados eram necessários; pretoriana a
sucessão, pretoriana a querela. Mas a fixação posterior tinha por fito
critério quantitativo para a exclusão da querela, e não direito dos herdeiros
aos bens, noção que só se adquiriu depois, com a influência germânico-
costumeira. Os textos falam de quarta debita potionis, da quarta parte da
porção devida (L. 8, § 8, D., de inoficiaso testamento, 5, 2). Quortam
legitima.e partis está no § 3, 1., de inofficioso testamento, 2, 18, o que se há
de traduzir por quarta da parte legítima. A despeito de B. WINDSCHEID
(Lehrbuch deg Pandektenrechts, III, § 578, nota 8) consignar fortio
legitima, não encontramos textos clássicos. Como E. WINDSCHEID, os
anteriores, O. F. PUCHTA (Pandekten,

9 a ed., 701), C. O. VON

WÃCHTER (Pandekten, II, 829) e os demais.

3.PORÇÃO DISPONÍVEL DITA ANÔMALA. Se os bens existentes ao


tempo da morte forem todos absorvidos pelas dividas, e existirem doações
conferiveis, a quota de cada herdeiro será a fração da soma das doações
conferidas, igualadas, portanto, as doações, eu cortadas a um, ou alguns,
para que a todos os herdeiros se dê o seu quinhão. Dai dizer M. A.
COELHO DA ROCHA (IhstUzflçteà de Direito Civil português, 1, 88 ed.,
§§ 241 e 350) que, absorvidos, pelas dívidas, os bens existentes, havendo
doações conferíveis, estas formam a massa das legítimas.

No art. 1.724 do Código Civil, diz-se que “o herdeiro necessário, a quem o


testador deixar a sua metade disponível, ou algum legado, não perderá o
direito à legítima”. Não se precisava redigir a regra jurídica, porque resulta
dos conceitos de porção indisponível (dita, ai, “legítima”) e de disposição
testamentária. O herdeiro necessário pode ser contempiado no todo ou em
parte da porção disponível, ou em herança ou em legado. O que se lhe
atribui como em herança testamentária ou em legado se rege pelo direito
testamentário.

4.PRINCIPIO DA INVIOLABILIDADE DA QUOTA NECESSÁRIA.

O testador não pode privar das quotas necessárias, da fração na porção


indisponível, na portio debita ou legitima, os herdeiros necessários. Por isso
mesmo, não pode: a) deixar-

-lhes, para nela serem computados com valor estimativo, ou fixado pelo
testador, bens constantes do seu acervo; Lfl ordenar que o herdeiro entregue
coisa de sua propriedade a outrem (Código Civil, art. 1.679), porque, se o
não cumprir, nenhuma conseqUência terá que lhe diminua a quota
necessária; salvo, está visto, quando o -contemple a mais,
testamentàriamente, e ordene a entrega conforme o art. 1.679, porque se
trata, em tal caso, de herdeiro testamentário, cuja quota necessária se rege,
incólume, por outros princípios; e) onerar com encargos ou apor-lhe
condições, porque são nulos; 4) impor legados ao herdeiro necessário.

A necessariedade da herança faz intangível a porção legitima necessária.


As medidas tocantes à proteção da porção começam em vida do testador,
para que não possa doar, em vida, a ponto de atribuir a outrem o que não
poderia deixar em testamento. Tem-se de saber, no momento de cada
doação, o que é que poderia o doador, em negócio jurídico unilateral
testamentário, fazer objeto de disposição testamentaria.

De qualquer modo, ao tempo da morte do testador, têm-se de somar os atos


de liberalidade, em vida e a causa de morte, para se saber se caberiam na
metade disponível.

As liberalidades poderiam já ter infringido a intangibilidade da porção


necessária, o que as teria feito inválidas.

No direito anterior, se descendente o testador, não poderia obrigar os


ascendentes a receberem determinados bens em vez da quota nos bens
deixados, excluídos os legados, porque a partilha pelo testador (hoje, art.
1.776) só se referia a linha reta descendente (M. A. COELHO DA ROCHA,
Instituições de Direito Civil português, 1, 3~ ed., §

351) ; mas o Código Civil, que manteve a referência a pai (art. 1.776),
permite ao testador, ascendente ou descendente, mandar convertê-los em
outras espécies e gravá-los com restrições de poder, de acôrdo com o art.

1.728. Tal artigo explicitamente se refere aos ascendentes e aos


descendentes.

O art. 1.776 seguiu a tradicional doutrina da partilha, feita pelos pais, dos
bens deixados aos filhos (leia-se descendentes) ; porém o art. 1.723,
inspirado em lição mais moderna, abriu a brecha em tôda a linha reta, de
modo que os descendentes não podem, em vida, partilhar os bens dos
ascendentes sucessiveis e só o podem os ascendentes quanto aos bens dos
descendentes sucessíveis, porém é-lhes facultado convertê-los. Ora,
converter, é alienar e comprar outro; portanto, destinar um bem, que já se
tem, a A, e o outro, a E, seria menos do que converter: pode o mais, não
pode o menos. Absurdo seria; donde devermos permitir o menos, pois que
se permitiu o mais, e ler o art. 1.776 como se dissesse: “É válida a partilha
feita por ato entre vivos ou de última vontade, contanto que não o
prejudique a metade devida aos herdeiros necessários”. Ai estão
ascendentes e descendentes.

Cumpre, porém, que se recorde a exposição do Tomo LV. Enquanto as


doações a estranhos, ou a sucessíve~s legítimos que não são descendentes,
são doações definitivas, que têm de caber na quota disponível, as doações e
outras liberalidades a descendentes têm-se como adiantamento da legítima
do herdeiro necessário descendente, salvo se o doador afasta a incidência da
regra jurídica, Daí poder ocorrer que, a despeito de se ter de saber, a cada
doação, qual, no momento, o valor da porção disponível, os valôres dos
adiantamentos de legítima tenham sido maiores, de modo que, ao morrer o
decujo, a porção disponível seja pequena em relação ao que receberam e
recebem os herdeiros legítimos necessários, descendentes do decujo.
5.HERDEIROS NECESSÁRIOS Diz o Código Civil, artigo 1.721: “O
testador que tiver descendente ou ascendente sucessível, não poderá dispor
de mais da metade de seus bens; a outra pertencerá de pleno direito ao
descendente e, em sua falta, ao ascendente, dos quais constitui a legitima,
segundo o disposto nesse Código (arts.

1.608-1.619 e 1.728)”.

6.NATUREZA DO DIREITO DOS HERDEIROS NECESSÁRIOS. Os


herdeiros a que o ari. 1.721 chama necessários são no essencialmente e não
formalmentee. O direito brasileiro 1180 11 a hereditafledrade necessáfia
jorntil.

A quota necessária incide no aceno, cinde-O, como vocação forçada,


fenômeno hereditário-real, no que difere do Piíichtteilecht dos alemães,
que é um direito de obrigação, a reserva, tal como a tem o Código Civil
alemãO, ~§

2.808 s. Se o testador alemão dispõe da sucessão e exclui o descendente, os


pais, ou o cônjuge, os excluídos podem pedir a reserva, Pftichtteil. Muito
diferente, portanto, da quota necessária do direito brasileiro, que existe
intacta, abstratamente separada, fora dos bens testados e a despeito das
vontades expressas, contrárias, do testador. A existência de herdeiros
necessários faz com que, à abertura da sucessão, o monte hereditáriO se
parta ao meio,

metade vá aos herdeiros necessários e metade àqueles que o testador tinha


indicado, ou o. que, na falta da vontade declarada, devam ir.

No Brasil, porção disponível e porção necessária são quantidades


invariáveis. A metade da herança, cada uma; e não fixada em razão do
número dos filhos, como seria mais racional. Na França, a variabilidade
cessa além do quarto filho. O fracionamento invariável, que contém em si
certa injustiça, simplifica as questões relativas à abstenção e à porção
necessária, assaz renhidas no direito francês.
7.DESCENDENTES E ASCENDENTES. Têm direito à porção necessária:
a) os descendentes legítimos e iegitimados, os naturais reconhecidos b) o
filho adotivo, que poderá concorrer com o filho superveniente à adoção e,
nesse caso, só herdará a metade do quinhão que couber àquele, ou a cada
um dêles, se mais de um forem (art.

1.605, § 2.0) ; o) os ascendentes (art. 1.603, n> legítimos e os naturais, que


reconheceram ou legitimaram; á) o pai adotivo, se não existirem o pai e a
mãe do adotado, ainda que existam outros ascendentes (artigo 1.609,
parágrafo único)

8.DESTINO DOS BENS NÃO DISTRIBUÍDOS NO TESTAMENTO.

O que só deixa cônjuge, irmãos, ou outros colaterais, pode dispor de tôda a


herança. Se há herdeiros necessários, a quota disponível poderá ser aplicada
em heranças, legados, com as condições, modos, recomendações, e as
restrições de poder, que o testador quiser. Quanto à porção necessária, a lei
não permite condição, ném modas, que feririam o principio da
inviolabilidade das quotas necessárias; só abriu a exceção do art. 1.728. Se
o testador sem herdeiros necessários não dispôs de tudo que tinha, aplicam-
se os arts. 1.574 e 1.673 (dispositivo 1) ; se tiver herdeiros necessários e não
dispôs de tôda a metade disponível, ou, morrendo testado, de nada dispôs,
observar-se-ao art. 1.726 (interpretativo!).

9 DA METADE DISPONÍVEL. Diz o Código Civil, art. 1.722: “Calcula-se


a metade disponível (art. 1.721) sôbre o total dos bens existentes ao falecer
o testador, abatidas as dívidas e as despesas do funeral”. E no parágrafo
único:

“Calculam-se as legítimas sôbre a soma, que resultar, adicionando-se a


metade dos bens que então possuía o testador, a importância das doações
por êle feitas aos seus descendentes (art. 1.785)”.

10.CÁLCULO DA PORÇÃO DISPONÍVEL. Calcula-se a metade


disponível dividindo-se pelo meio a soma dos valôres dos bens existentes à
época do falecimento do hereditando. Não se trata dos valôres ao tempo do
falecimento, coisa que só interessa ao impôsto; mas dos valôres ao tempo
da liquidação dos bens existentes ao tempo do falecimento. É isso que se
divide por dois, a metade necessária, a metade disponível. Assim, se, ao
tempo da abertura da sucessão, a herança total, com os prédios, valia x e,
avaliados êsses, antes de passar em julgado a partilha, se incendeiam,
metade disponível é x menos a perda dos prédios dividido por dois. Se o
falecido era casado pelo regime da comunhão de bens, há duas operações a
fazer: a) a de divisão dos bens comuns (metade ao cônjuge sobrevivo,
metade à herança); b) a da divisão dos bens hereditários (a metade à
herança, de que se falou) em porção necessária e porção disponível. Se não
há herdeiros necessários, o testador pode dispor de todos os seus bens.

A metade disponível pode ser menor que a soma dos quinhões necessários
efetivamente recebidos. Tal paradoxo resulta das colações, que aumentam a
porção necessária, porém não a metade disponível (art. 1.785).

a) No direito que rege a relação jurídica entre o titular, os escreventes e os


demais auxiliares, apenas se estabelece limite de mínimo salarial, ficando-
lhes, com o consentimento do Corregedor, a faculdade de convenção a
propósito de honorários, vedações de contacto durante o tempo de serviço,
faltas e outros assuntos disciplinares, bem como no tocante à remuneração.

b)Quando algum negócio jurídico bilateral, ou plurilateral, ou, embora seja


menos freqUente a ocorrência, unilateral, contém cláusula de duração que
se refere a condição resolutiva ou a termo resolutivo e, no momento da
assinatura, a condição já se impliu, ou já adveio o termo, o negócio jurídico
não entra no mundo jurídico. Seria atribuir-se eficácia ao que não a podia
ter tido.

Se, em vez disso, é após a assinatura, no mesmo dia, ou no dia seguinte ou


algum tempo depois, que há o implemento da condição, ou o advento do
termo, a resolução sobrevém. O negócio entrou no mundo jurídico e, por
menor que tenha sido o lapso, havia a resolutividade e deu-se a resolução.

Se tarda o implemento da condição, ou o advento do têrmo, continua a


vinculação.
Os que aceitaram as doações, que constam de escrituras devidamente
assinadas, com os val~res da época, tiveram adiantamentos de legitima, ou
doações tiradas da parte disponível. Pela lista dos bens e, a fortiori, por
serem quase tôdas as doações em adiantamento de legítima, nenhuma
infração houve ao art. 1.176 do Código Civil. O que seja da porção
disponível de modo nenhum fere os arts. 1.721 e 1.722, nem o art. 1.722.
parágrafo único. Por ocasião da morte do doador é que se tem de levar a
colação o valor de tudo que foi doado (cf. art. 1.792), como incluso na parte
disponível, ou no adiantamento da legítima (art. 1.785). É então que se sabe
qual o valor da parte legítima e qual o valor da parte disponível. Se alguém
recebeu mais do que pode caber na porção disponível, quer a título de
doação de valor inserível na porção disponível, quer de valor da quota de
legitima, então há a redução. Para isso, o que importa é saber-se, se, ao
morrer, o doador não poderia dispor daquilo de que dispôs como incluível
na porção disponível, porque, se poderia dispor, mesmo se doou, a título de
adiantamento de legitima, mais do que seriam as legítimas doS herdeiros
necessários, o excesso, doado a titulo de adiantamento de legítima, é
considerado a título de doação de fração da parte disponível (art. 1.726).

11. PORÇÃO NECESSÁRIA SE HÁ SUCESSÍVEIS RENUNCIANTES


Se, por ocasião da abertura da sucessão, algum dos chamados renuncia a
herança, cumpre distinguir:

a) se o herdeiro é legítimo (necessário ou não), a parte do abstinente ou


renunciante vai aos outros herdeiros da mesma classe (necessários ou
legítimos, do mesmo grau, quis-se dizer a lei), ou, se êle é o único dela, aos
da classe subseqUente (artigos 1.588 e 1.589); b) se é herdeiro
testamentário, ou se dará o direito de acrescer (arts. 1.710 e 1.712), ou não
se dará, e então irá aos herdeiros legítimos a quota vaga no nomeado (art.
1.718). Temos, portanto, de examinar três casos:

a)Abstenção do herdeiro necessário (não digamos legítimo, porque o direito


brasileiro não conhece sucessão em que concorram necessários e
simplesmente legítimos). Se houve abstenção, ou abstenções, a porção
necessária cresce, em vez da metade abstrata, passa a ser, concretamente, a
metade abstrata mais a fração em que o numerador é o número dos
abstinentes e o denominador o número de herdeiros que foram chamados.
Já não é metade, e sim mais do que a metade da herança. A recusa do
herdeiro necessário não aproveita aos herdeiros testamentários salvo se
todos recusarem, não houver outros sucessíveis necessários e couber
chamada dos instituidos a tôda a herança ( inclusive a necessária, se houve
renuncia), o que raramente acontece.

14 Se o renunciante é instituído e há direito de acrescer, nenhum direito terá


o herdeiro necessário; salvo se todos os instituidos renunciarem, porque,
então, as quotas irão ao> herdeiros legítimos, que são, na espécie, os
necessários: deu-s, a sucessão legítima (art. 1.575).

c)Se o herdeiro instituído renuncia, sem que caiba direito de acrescer (art.
1.718), o herdeiro necessário recolhe es bens.

Mas há diferença notável. Nos casos da espécie a), a por-são dos herdeiros
necessários cresceu: tôda a herança foi aos herdeiros necessários e por
sucessão legitima necessária, uma de cujas consequências é pagar o
impôsto de sucessão necessária. Nos da espécie b), não há distinguir da
quota necessária a quota legítima, não há a distinção, porque não há
oposição com os herdeiros testamentário só há uma classe de herdeiros,
legítimos de linha reta. Nos da espécie c), a sucessão é legítima (não-
necessária). Não confundamos com a espécie do art. 1.726, onde o herdeiro
necessário é um mediatamente instituido.

12.PORÇÃO NECESSÁRIA E HERDEIRO NECESSÁRIO TAMBÉM


INSTITUIDO. A lei conhece dois casos de instituição do herdeiro
necessário: a) a que se faz em verba testamentária e. neste, o herdeiro
necessário sucede necessàrial»ente na parte indisponível e
testamentàriamente na em que foi contemplado; 6)a que resulta do art.
1.726, instituição a que chamamos mediata, assaz interessante nas suas
consequências práticas. Em qualquer dêles, o herdeiro sucede ex
testamento, sendo, como é, inter‟pretativo o art. 1.726. Não se confunda
com os casos em que há superveniência de inaplicação da quota disponível,
como se o herdeiro testamentário renuncia sem terem os demais o direito de
acrescer (ad. 1.713).
18.CÁLCULO PRATICO DAS PORÇÕES NECESSÁRIAS. A lei manda
que se calcule, em primeiro lugar, a porção disponível, porque não é
suscetível de aumento. Partem-se em duas metades os bens deixados pelo
testador.

Depois, à metade necessária soma-se o que os descendentes (ja lei, no art.


1.722, parágrafo único, somente se refere a descendentes!) devem
colacionar. O que pelos herdeiros necessários ter-se-á de partir não será a
metade necessária do primeiro cálculo, mas a soma (metade + bens
colacionados) do segundo (art. 1.785).

Os ascendentes não são obrigados a colação, porque são dois, quatro, oito,
dezesseis e assim por diante, provàvelmente pré-morreram, e a porção
necessária estará mais. ou menos assegurada pela inoficiosidade ordinaria
das doações (artigo 1.176).

14.CLÁUSULAS DE INALIENABILIDADE E DE
INCÚMUNICABILIDADE. Diz o Código Civil, art. 1.723:

“Não obstante o direito reconhecido aos descendentes e ascendentes no


artigo 1.721, pode o testador determinar a conversão dos bens da legítima
em outras espécies, prescrever-lhes a incomunicabilidade, confiá-los a livre
administração da mulher herdeira, e estabelecer-lhes condições de
inalienabilidade temporária ou vitalícia. A cláusula de inalienabilidade,
entretanto, não obstará à livre disposição dos bens por testamento e, em
falta dêste, a sua transmissão, desembaraçados de qualquer ônus, aos
herdeiros legítimos A impenhorabilidade relativa dos frutos e rendas dos
bens inalienáveis foi-se estabelecendo no direito luso-brasileiro, até que se
fêz regra de lei. A elaboração foi lenta, como se pode ver em AlVARO
VÂLASCO (Co-asultationum, 1, 188), em MANUEL MENDES DE
CASTRO (Practica Lusitana, 1, 99) e nos comentadores da Ordenação do
Livro III, Título 98, § 1. O art. 948, 1, do Código de Processo Civil cria
caso de impenhorabilidade prôpriamente dita, ressalvando os frutos e
rendimentos destinados à alimentação de incapazes ou de viúvas ou
solteiras, inovação digna de aplausos.
Se os frutos e rendimentos foram gravados de inalienabilidade (podendo
ser, segundo a lei material), então são impenhoráveis prôpriamente ditos, e
não se lhes aplica o ad. 948. Se os frutos e rendimentos podem ser gravados
é questão de direito material; se podiam, cabem êles no art. 942, 1, do
Código de Processo Civil.

A Lei n. 1.889, de 81 de dezembro de 1907, art. 39, criou no direito


brasileiro a exceção ao princípio da inviolabilidade dos quinhões
necessários, que o Código Civil, no ad. 1.728, acolhe. Desde aquela época o
direito brasileiro se afastou da tradição luso-brasileira, contida nas
Ordenações Filipinas, Livro IV, Titulo 79, § 8.0. O

Decreto n. 8.725, de 15 de janeiro de 1919, deu a forma atual à regra


jurídica, que, ao aparecer o Código Civil, dizia: “A legítima dos herdeiros,
fixada pelo art. 1.721, não impede que o testador determine que sejam
convertidos em outras espécies os bens que a constituiam, lhes prescreva a
incomunicabilidade, atribua a mulher herdeira a livre administração,
estabeleça as condições de inalienabilidade temporária ou vitalícia, a qual
não prejudicará a livre disposição testamentária, e, na falta desta, a
transferência dos bens aos herdeiros legítimos, desembaraçados de qualquer
ônus”.

O testador pode inserir no testamento a cláusula de impenhorabilidade dos


frutos e rendimentos, o que é plus em relação à cláusula de
impenhorabilidade ou de inalienabilidade dos bens deixados. Assim,
quando a lei processual estabelece que podem ser penhorados, à falta de
outros bens, os frutos e rendimentos dos bens inalienáveis, salvo se
destinados a alimento de incapazes ou de mulheres viúvas ou solteiras
(Código de Processo Civil, art. 948, 1), tem-se de entender que se supôs não
haver cláusula de impenhorabilidade que atinja os frutos e rendimentos.

A impenhorabilidade dos bens de que fala o Código de Processo CIvil, art.


948, é apenas se e enquanto há outros bens que bastem. Mais ordem,
graduação, de penhora do que impenhorabilidade. Conserva-se, na técnica
legislativa, como impenhorabilidade, por ser difícil mencionarem-se os
bens entre a última classe de bens subordinados à graduação (artigo 930, V)
e êsses. A impenhorabilidades relativa do Código de Processo Civil, art.
943, 1, supõe que os frutos e rendimentos sejam penhoráveis (certa, a

2 a Câmara Civil do Tribunal de

Apelação de São Paulo, a 4 de maio e a 14 de setembro de 1948, 1?. dos


7‟., 148, 207 e 227; errada, a ta Turma do Supremo Tribunal Federal, a 24
e a 27 de maio de 1948, E. dos 7‟., 161, 286; E. F., 97, 100, mas certa, a
2~a Turma, a 28 de junho de 1945, OD., 84, 213, a 1.0 de julho de 1948;
Supremo Tribunal Federal, 8 de novembro de 1950, A.J., 97, 23; 23 Turma,
27 de janeiro de 1950, 94, 228; certas, a 13 Câmara Civil do Tribunal de
Apelação de São Paulo, a 18 de março e a 8 de maio de 1944, E. dos 7‟.,
152, 605, e 192, e a 2~a Câmara Civil, a 5 de setembro de 1944, 158, 623,
mas errado, o 19 Grupo de Câmaras Civis, a 28 de novembro de 1944, 158,
191).

O testador pode gravar de inalienabilidade, de incomunicabilidade e de


outras restrições de poder o que deixa em herança ou em legado. A lei
permite que a cláusula de inalienabilidade, de incomunicabilidade, bem
como a de livre administração pela mulher herdeira, recaia sôbre bens da
própria herança necessária, e que se estabeleça a conversão. Não se
precisava dizer que tais permissões podem atingir as quotas legítimas não-
necessárias e, a fortiori, as heranças testamentárias e os legados.

Nenhuma distinção se há de fazer entre deixas testamentárias a filhos


legítimos e ilegítimos, inclusive adulterinos ou incestuosos. Apenas há a
regra jurídica do art. 1.719, III, do Código Civil, atinente à concubina do
testador casado.

Ao herdeiro ou legatário usufrutuário é exigível a caução de que fala o art.


729 do Código Civil. O testador pode dispensar tal dever.

O bem inalienável é impenhorável e não pode ser objeto de gravame de


direito real (usufruto, uso, habitação, penhor, hipoteca, anticrese, servidão),
nem sofre o titular usucapião, qualquer que seja o tempo.
A cláusula de inalienabilidade contém a de impenhorabilidade, bem como a
de incomunicabilidade. Bens inalienáveis são incomunicáveis (PASCOAL
JOSÉ DE MELO FREIRE, Institutwnes luris Civilis Lusitani, ~j, 5a ed.,
124: “universalis enim hodie haec communio est, et comprehendit ea omnia
bona, quae alienari possunt”). Cf.

1 a Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, 9 de outubro de


1947 (R.F., 119, 503) 13 Câmara Cível do Tribunal de Apelação do Rio
Grande do Sul, 22 de agôsto de 1944 (102, 103).

No art. 262, XI, do Código Civil excluem-se da comunhão matrimonial de


bens os que provêm de herança (dita, lá, necessária, a que foi imposta a
cláusula de incomunicabilidade. A despeito das duas referências à herança

“necessária” e à cláusula de incomunicabilidade, o que se há de entender é


que são incomunicáveis quaisquer bens doados ou herdados, seja com a
cláusula de incomunicabilidade, seja com a de inalienabilidade, que é
abrangente daquela. Não é inalienável, sempre, O que é incomunicável, mas
o inalienável é incomunicável. Cf.

1 a Câmara

Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, 9 de outubro de 1947 (R.F.,


119, 508).

Quanto aos bens herdados pelos herdeiros necessários, se inalienáveis, não


são os únicos bens incomunicáveis: se foi gravada a herança dos legítimos
não necessários ou dos herdeiros testamentários ou legatários, dá-se o
mesmo.

O testador, como o doador, pode gravar de inalienabilidade, mas afastar a


proibição de incomunicabilidade (e. g.,

“deixo a B o prédio da rua tal, com a cláusula de inalienabilidade, sem que


com isso se dê incomunicabilidade ao bem”; ~„deixo a B a metade da parte
disponível, com a cláusula de inalienabilidade, sem que sejam
incomunicáveis, pelo casamento, os bens”).

Tem-se de assentar que, na dúvida, quanto a ter o testador estabelecido a


incomunicabilidade como inclusa na inalienabilidade, ou não tê-lo feito, o
que se há de acolher é a inclusão (no tocante à discussão, acertadamente,
Câmaras Civis Reunidas do Tribunal de Apelação de São Paulo, 21 de
agôsto de 1942, R. dos T., 145, 265; cp. 43

Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, 29 de novembro de


1951, 198, 316, certa a 20 de julho de 1944, 152, 651).

Se a cláusula de inalienabilidade continha a de incomunicabilidade, com a


morte do beneficiado extingue-se a clausulação (2.a Câmara Civil do
Tribunal de Apelação de São Paulo, 6 de junho de 1944, R. dos 7‟., 154,
708). Se houve comunicação, tem-se de interpretar a disposição
testamentária para se saber se o testador quis a inalienabilidade além da
vida da beneficiada, aí vida do cônjuge. Na dúvida, não o quis.

A cláusula de inalienabilidade e a de impenhorabilidade podem ser a


respeito de bem deixado em usufruto ou em nua--propriedade, ou em
fideicomisso, quer se refira ao fiduciário, quer ao fideicomissário. Cf. 83
Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, 16 de dezembro de
1949 (Á.J., 95, 201).

Qual o interêsse é questão de interpretação da verba testamentária. Se não


se têm dados suficientes para a revelação, seria absurdo voltar-se ao texto
de Severo e Antonino, de que falou MARCIANO, na L. 114, § 14, D., de
legatis et fideicominissis, 30, e segundo o qual da irrevelabilidade resulta a
inexistência da cláusula (“nisi invenitur persona, cuius respectu hoc a
testatore dispositum est, nuílius esse momenti scripturam”).

O interêsse pode ser objetivo, como se testador quis que se aguardasse


momento para o tombamento do prédio, ou funcionamento da fábrica
naquele lugar.
Quanto aos tributos, sómente poderia haver penhora por tributos
concernentes ao bem inalienável (e, pois, em princípio, impenhorável) ou
ao bem impenhorável.

-Se o testador inseriu a cláusula de inalienabilidade, ou outra, aludindo à


vida do usufrutuário, ou do fiduciário, ou dando outro prazo, discute-se se o
nu-proprietário ou o fideicomissário está sujeito à permanência da cláusula
se o herdeiro ou legatário usufrutuário ou o herdeiro ou legatário fiduciário
renuncia a herança. A 13 Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo,
a 12 de abril de 1953 (1?. dos 7‟., 218, 189), respondeu, em geral, que não
se podia requerer o cancelamento. Tem-se, porém, de verificar se a
clausulação foi por interêsse objetivo do testador (e. g., conservar a casa em
que viveu a família como propriedade de herdeiro ou legatário, parente ou
amigo), ou se o interêsse era só subjetivo (e. o., proteger o usufrutuário, ou
fiduciário).

Em caso de morte do usufrutuário, ou do fiduciário, depois da sucessão,


cessa a cláusula de inalienabilidade (cf. 43

Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, 22 de janeiro de 1948, R.


dos 7‟., 172, 204).

A cláusula de inalienabilidade pode ser quanto ao direito fiduciário, como


quanto ao direito fideicomissário, ou quanto aos dois. Quem doa ou deixa
em testamento a B a propriedade, com ressalva de usufruto, pode gravar a
propriedade. Os argumentes de acórdãos, como o da 43 Câmara Civil do
Tribunal de Justiça de São Paulo, a 14 de março de 1946 e a 11 de
dezembro de 1947 (R. dos 7‟., 161, 264, e 172, 196) e de alguns juristas,
são frágeis. O

testador deixou a B, herdeiro ou legatário, com a cláusula de


inalienabilidade ou outra cláusula. Com isso, não fêz sucessiva a cláusula,
porque, se o caso é de usufruto e de nua-propriedade, há dois beneficiados
em direitos diferentes, e seria de repelir-se que a nua-propriedade não
pudesse ter a clausulação de inalienabilidade ou outra clausulação. Se o
caso é de fideicomisso, cada beneficiado recebe o que lhe foi deixado e a
cláusula de inalienabilidade pode recair na propriedade fiduciária ou na
fideicomissária, ou nas duas, separadamente. Não se diga que são vedados
fideicomissos de segundo grau, porque o assunto nada tem com isso. Nem
se invoque o art.

1.728, in une, onde se diz que “a cláusula de inalienabilidade não obstará a


livre disposição dos bens por testamento

e, em falta dêste, a sua transmissão, desembaraçados de qualquer ônus os


herdeiros legítimos”. A cláusula de inalienabilidade ou outra nada tem com
o afastamento do obstáculo à sucessão, porque o nu-proprietário, como o
fideicomíssário, sucedeu ao testador, e não ao usufrutuário ou ao fiduciário.
Quando o nu-proprietário fizer o seu testamento, de modo nenhum se há de
preocupar com a cláusula de incomunicabilidade, ou outra cláusula. Quando
o fideicomissário fizer o seu testamento, pode prever a inalienabilidade, se
assim o entende, ou abstrair disse de modo que o seu sucessor ou seus
sucessores herdam bens não clausulados.

15.NATUREZA DAS RESTRIÇõES DE PODER. Diante das cláusulas


restritivas, como a de inalienabilidade, de incomunicabilidade, e tantas
outras, os juristas no seu pendor de querer explicar o desconhecido pelo
conhecido, em vez de procurar, como é próprio dos sábios, descobrir o
desconhecido e explicá-lo, sabendo depois se deve ou não entrar numa das
categorias antigas e vulgares, quiseram, uns reduzi-las a condições, outros a
encargo ou modus, e outros, finalmente, em desespêro, a incapacidades.
Teremos de mitidear os males de tal vício, que já apontamos e censuramos,
noutros e neste assunto; e ver-se-á que o acerto estava com F.
REGELSBERGER nas três linhas em que deu nome ao fenômeno, nôvo
que era e merecia denominação autônoma: “restrições de poder”.

Nas condições, o disponente diz dou mas perderá se isso ocorrer (é a


resolutiva), ou dou desde que isso ocorra (é a condição suspensiva).
Naquela, a propriedade é já do beneficiado; nessa, não: condicio sus pendit.
No encargo (e longamente dêle tratamos, para que tenhamos de insistir nos
seus traços diferenciais), nem se suspende a aquisição, nem se postula a
resolutividade: o beneficiado tem de cumprir aquilo de que se lhe dá o
encargo. Certo, há modas associado a condição suspensiva, ou a resolutiva;
mas o relógio de ouro em caixa de madrepérola não é relógio de
madrepérola.

16.DIvERGÊNCIAS NA CLASSIFICAÇÃO. As cláusulas de


inalienabilidade e as outras, entendem alguns que são condições impostas;
outros optam pela figura do modas, e na tortura que lhes traz o problema
entendem outros que há obrigação

de não fazer na inalienabilidade, e de fazer, noutras, como a conversão.


Alguns preferem teoria da indisponibilidade real, outros, desenganados,
recorrem à incapacidade dos sujeitos, como se a imposição das cláusulas os
rebaixasse à categoria jurídica dos menores e interditos.

Examinemos as soluções propostas, que assoberbam milhares de páginas de


discussão sutil e improfícua.

Na resolutiva (porque a condição suspensiva nada teria que ver com as


cláusulas de inalienabilidade e as outras), se houver infração, o proprietário
perde o bem, porque se lhe resolve a propriedade. Ora, não é isso o que
ocorre com as cláusulas. Entende-se que o testador conceba a proibição de
alienar como resolutiva, mas isso não é o que ordinàriamente acontece, nem
seria aquilo a que se chama cláusula de inalienabilidade. Mais: ou seria
condição aposta a contrato, ou doação, mas de direito das obrigações,
resolutiva do contrato, ou de direito das coisas, e teríamos a figura da
propriedade resolúvel. Ali, alienar seria infração obrigacional; aqui,
resolutiva da propriedade. Ora, nada disso é a cláusula de inalienabilidade:
ela toma inalienáveis os bens e, pois, atacável, perante a justiça, a alienação
ilegal. Mais: nas condições, a infração não é ilegal: ou a condição se dá, ou
não se dá.

Qualquer noção de ilegabilidade lhe seria estranha. Ninguém, que tenha o


seu direito resolúvel pela condição, pode ser obrigado a não deixar que se
resolva. Condição é fato exterior, livre de dar-se ou de não se dar; não
constrange, não obriga. E as cláusulas fazem mais do que abrigar, operam,
às vêzes, e quase sempre, nos bens.
Se dôo a A um terreno sob a condicão resolutiva de não se casar, e A
infringe, perde a propriedade: é resolutiva potestativa, podia casar, ou não
casar, não era obrigado a isso, nem a aquilo, porém, uma vez que casou,
perdeu.

Se gravo de inalienabilidade o terreno, não. O casar não foi ilegalidade, ao


passo que a venda do terreno inalienável o é.

17.“MODUS” E CLÁUSULAS DE RESTRIÇÃO DE PODER. No modus,


o beneficiado é obrigado a cumprir. Se infringe, responde pela infração.
Ora, não é isso o que ocorre com as cláusulas: o bem foi alienado
ilegalmente, pode ser reivindicado, o que a construção do encargo não
explicaria. Por onde se vêem o tempo, o esfôrço, o entusiasmo, que
perderam os juristas, em querer que o novum das cláusulas restritivas,
inclusive a de conversão, entrasse nos moldes já conhecidos e corriqueiros
da condição ou do encargo. Alguns (os mais dêles) só estabelecem o
dilema: se é condição, ou nudus. Ora, em verdade, não é uma coisa, nem
outra; e isso não quer dizer que não possa combitur-se com a condição ou
com o nudus. Certo, uma coisa que se pode combinar, misturar, com duas
outras, de per si, necessAriamente não é nenhuma das duas: é outra coisa.

18. Diante da controvérsia, C. DEMOLOMBE (Cours de Code Napoléon,


17, n. 291) viu condição, mas com a consequência de tornar inalienável o
bem, ou de tornar incapaz de alienar a pessoa do donatário ou legatário.
Note-se bem: condição, com a conseqúência de deixar de ser condição, para
se tornar o que a condição não é, quer no primeiro caso, porque atinge o
próprio bem, quer no segundo, porque implica ferida na própria
personalidade, criadora da incapacidade do beneficiado. O artifício é
evidente. Perde-se de vista todo o conceito de condição. No entanto, ~por
quê? No primeiro caso, porque a ilegalidade da infração aparece (fenômeno
estranho a condição); no segundo, porque êsse fenômeno, sob outra forma,
reaparece, e a condição não bastaria para explicá-lo. Vale dizer: pretende-se
ter explicado pela condição, que em nenhum dos casos explica.

Ao seu tempo, MARCEL PLANIOL quis que a incapacidade fôsse a


explicação. É, como já dissemos, recurso do desespêro: procura-se nada
menos que um conceito excepcionalissimo, próprio da ordem pública, para
se explicar a natureza das conseqúências de uma imposição dos
particulares, como são as cláusulas. Para êle, não seria preciso distinguir
inalienabilidade de caráter real e inalienabilidade de caráter pessoal: a
incapacidade existe em ambos os casos, porque ainda fia inalenabilidade,
que recai in rem, é a pessoa do proprietário que é ferida, e não o bem,
porque não se proibe ao bem ser alienado, proibe-se a alguém alienar o
bem. “C‟est une perso‟nne qui est atteinte par la prohibition, et non une
chose, ce qui n‟aurait pas de sens”.

Mas a teoria fôra de uma novidade ainda maior do que o fenômeno da


inalienabilidade por disposição dos particulares: a incapacidade em virtude
de convenção, ou de ato unilateral (por exemplo, testamentos), o que nunca
se viu no direito contemporâneo. Contratar ou aceitar ser incapaz.

Poder-se-ia invocar a que deriva do casamento da mulher. Mas, se bem que


o Código Civil fale em incapacidade, isto constituiu deszêlo da
terminologia. No mesmo caso, porque se lhe restringe o poder de dispor, o
marido seria incapaz. Já o censuramos e não haveríamos de argumentar
com isso. Aliás, basta pensar no direito da mulher de reaver os bens doados
pelo marido à concubina.

19.INALIENABILIDADE E OBRIGAÇÃO . Se não é condição, se não é


incapacidade convencional, querem outros que seja a obrigado de alienar,
espécie de obrigação de não fazer. Diga-se: encargo, modus. Isso daria
explicação a certas obrigações de não alienar, porém não às cláusulas de
inalienabilidade.

Quem impõe cláusula, “restrição de poder”, faz mais do que proibir


alienação. ~ Será efeito de direito real, o que faz~ êste efeito dependente de
lei? Seja como fôr, na cláusula de inalienabilidade imposta pelo testador,
quando a lei permite, há mais do que o caráter de obrigação de não alienar.
Tanto assim que, se não vale como cláusula, o juiz deve entender que pode
valer como convenção. Exemplo: no pais A, a lei não permite que se
gravem de inalienabilidade os imóveis, mas o individuo doou ou legou com
a cláusula de inalienabilidade e, no Brasil, onde se vai cumprir o
testamento, respeita-se a doação, ou o legado. O juiz, atendendo a que a
obrigação não infringe a lei pessoal, salva o que é possível da voluntas
testa~~ tons: a obrigação de não alienar, que a lei pessoal permite.

Outro exemplo é o do Brasileiro que morre e tem bens naquele país, a


gravação é impossível, isto é, o efeito real da inalienabilidade, mas o efeito
convencional deve manter-se, porque não infringe a lez rei sitae.

Tudo isso parece encaminhar a teoria da indisponibilidade real, segundo a


qual proibição de alienar (direito das obrigações) e inalienabilidade real
são coisas distintas. É indiscutível que tal indisponibilidade real aparece, a
cada passo, no direito; nem ela é o mesmo que restrição de poder, nem ela é
fenômeno causa, e seria absurdo explicar os fenômenos novos, Aristóteles,
os irregulares, o desconhecido, pelos efeitos.
A teoria da indisponibilidade real é perfeitamente certa, mas nada explica:
certa, porque é uma indução dos casos em que êste efeito se verifica, porém
não é indução dos casos em que se deve dar o efeito. Não é explicacão, é
meramente

observação. Por outro lado, excede o campo de aplicação das cláusulas,


porque aqueles efeito (indisponibilidade real) se verifica noutros campos:
direito da mulher de reaver os bens doados pelo marido à concubina, direito
dos credores no caso de fraude.

20.CORTE NO “TUS ABUTENDI”. A inalienabilidade éum corte no ins


abutendi; não é condição, nem modus, nem obrigação de não fazer, nem
incapacidade: é uma restrição de poder, seu nome técnico, e não condição
(falta-lhe suspensividade, falta-lhe resolutividade), tão-pouco modus (a
cláusula atua contra a vontade do beneficiado; no modus, o beneficiado, é
obrigado, mas a verba não atua contra a sua vontade: êle pode deixar de
cumprir, e responde por perdas e danos), menos ainda incapacidade.

21.ANÁLISE DAS SOLUÇ~ES. Onde a verdade? Nem C.DEMOLOMBE


e MARCEL PLANIOL, com a incapacidade, nem os que insistem no
absurdo de uma condição (que se contradiz a si mesma), nem o encargo ou
modus, nem a obrigação de não fazer (ou de fazer), nem a indisponibilidade
real explicam o que se passa.

Trata-se de fenômeno autônomo, à altura da condição como do modus, que


precisa depois do nome que lhe deu F.REGELSBERGER ser estudado, sem
as exóticas referências ao modus e à condição. Se fôsse condição, seria
condição que não suspende, nem resolve: condição que não é condição. O
modus obriga, mas o não cumprimento só autoriza o pedido de perdas e
danos. Tal não é o efeito das cláusulas. Se fôsse modus, seria um modus,
que é mais do que o modus, que não seria modus. O juiz pode mandar
gravar, contra a vontade do beneficiado; se êsse não aceitou o bem legado,
não é obrigado

ao modas, e no caso dos quinhões necessários a cláusula de


inalienabilidade atua, ainda contra tais herdeiros necessários, e nenhum
modus se pode apor às quotas necessárias. Digamos: há condições, modus e
restrições de poder.

P. BREYIVNNEAU (ttude sur Les Clauses d‟indienabilité, 164 s.) recorreu


à indisponibilidade real. Mas isso, sabemos que existe; o que precisamos
saber é o que caracteriza a cláusula, e não o que dela resulta, como de
outros fenômenos diversissimos.

22.QUE É QUE SE ENTENDE POR TEMPORÁRIO. A lei fala em


“temporária” ou “vitalícias‟. Vitalicia, está claro: vida do beneficiado;
possivelmente, do doador ou testador, mas, neste caso, da outra espécie,
temporária.

Temporária, ~qual a que se há de entender? .~Menos do que a vida?


~Menos ou mais do que a vida? A lei nada diz.

Cumpre recorrer aos princípios gerais de direito. Analogia com o art. 630,
absolutamente não cabe: é regra jurídica assaz restritiva para que possa
servir de base analógica; ao art. 4)> da Lei de Introdução ao Código Civil
(Decreto -

lei número 4.657, de 4 de setembro de 1942) não pode interessar.

Na falta de definição da temporariedade, temos de entender: a) que


temporário, para a lei, é o que não equivalha a mais do que a vida, se
excede, acaba com a vida; b) que pode ser a temporariedade expressa em
condição ou têrmo, e. g., até a maioridade, até o casamento, enquanto
solteiro, acabando quando se doutorar. Tais os princípios que regem a
inalienabilidade aposta às porções necessárias.

23.TEMPORARIEDADE E TRANSMISSÂO. A regra jurídica do art.


1.723 somente concerne às porções necessárias. Quanto a parte testável, a
temporariedade do inalienável é essencial para a validade, por isso mesmo
que a absoluta seria nula. Mas a restrição da a parte do art. 1.723 “não
obstar 2

á a livre disposição dos bens por


testamento e, em falta dêste, a sua transmissão, desembaraçados de
qualquer ônus, aos herdeiros legítimos” só deriva do direito aos bens por
parte dos herdeiros necessários. Não pode estender-se àqueles sôbre os
quais o doador ou testador poderia dispor. Assim, tratando-se de bens
testáveis, a cláusula de inalienabilidade pode exceder a vida, pode ir até a
vida e continuar no sucessor, quer dizer o fideicomissário pode receber
inalienabilízados os bens do fideicomisso. Serão duas vidas, no máximo,
salvo a hipótese do usufruto conjunto ou sucessivo, em que a sucessão das
vidas se contará como uma vida.

24.CONTETJDO DA CLAUSULA DE INALIENABILIDADE. O


principio do direito brasileiro é o da liberdade de clausulação. Quanto a
inalienabilidade, sendo temporária ou vitalícia, não obsta a circulação da
propriedade.

Mas, aqui, o que procuramos saber é se ela importa a impenhorabilidade, a


indivisibilidade e a incomunicabilidade conjugal dos bens:

a)Se o inalienável é impenhorável. O que é inalienável é impenhorável; mas


a impenhorabilidade da origem voluntária não obsta a pagamento de
impostos e, pois, a execução por dívidas fiscais, O art. 1.676 alude aos
impostos relativos aos imóveis inalienáveis. Se os bens inalienáveis
pudessem ser penhorados, fácil seria iludir a restrição de poder.

b)Se o inalienável é indivisível. Se o bem inalienável no todo pertence a


duas ou mais pessoas, qualquer delas pode pedir a divisão, se o contrário
não foi disposto. Se o testador estatuiu a indivisão por menos de cinco anos,
vale. Se o doador, ou testador, obrigou a indivisão sem prazo, esta só vigora
por cinco anos. ~ Quid iuris, se o testador o impôs por mais tempo? É a
questão de saber se o art. 630 constitui regra jurídica imperativa ou dis
positiva. No Esbóço de TEIxEIRA DE FREITAS, artigo 4.365, a nulidade
era expressa no texto, para o só “efeito de reduzir a indivisão ao tempo de
cinco anos”; no Código Civil argentino, o art. 2.694 (combinado com o art.
2.693), é imperativo, a despeito da redação “el testador ou donante puede
poner Ia condición”, pois o princípio, que se pressupõe e inserto no art.
2.693, é o da não-facultatividade. No Projeto primitivo, art. ~ já vinha o
“entende-se”, que nada significa em escritores desatentos a terminologia
jurídica. Não obstante a forma interpretativa “entende-se”, o art. 630 é
imperativo.

Donde se tira que a inalienabilidade não tem como conseqúência necessária


a indivisibilidade; e ainda que o testador o tenha querido, essa só valerá
pelo máximo de cinco anos. Se o testador deixou o bem a duas ou mais
pessoas e indivisível, podem elas, antes, se o permitiu o beneficiante, ou
findos os cinco anos a partir da morte (ou da entrega do legado), pedir a
divisão.

c) Se o inalienável é conjugalmente incomunicável. A questão tem sido


assaz debatida.

ÁLvARO VALASCO dizia que comunhão é alienação. A 5º Câmara Cível


da Côrte de Apelação, em acórdão de 6

de setembro de 1926, assim o entendeu no caso típico que é o do art. 263,


XI, do Código Civil: achava que os inalienáveis eram incomunicáveis (caso
Moreira Lima versus Curador de Resíduos). A

2 a Câmara Cível, por

acórdão de 27 de abril de 1926, julgou comunicáveis os bens inalienáveis


(inventário Sebastião de Lacerda) : o art.

1.727 do Código Civil faculta ao testador, além do poder de modificar a


espécie de bens constitutivos da legítima dos herdeiros e dispor sôbre a sua
administração, gravar as quotas necessárias e prescrever a
incomunicabilidade, mas da inalienabilidade não resulta
incomunicabilidade. Antes, no mesmo sentido, o Tribunal de Justiça de São
Paulo, a 11 de fevereiro de 1927, e o do Rio Grande do Sul, a 2 de setembro
de 1921. Mas é preciso notar que a 2,a Câmara Cível entrou em indagações
de circunstâncias, que pudessem, ou não, autorizar a ilação: “o testador,
acatado jurista”, “conhecedor da controvérsia mantida” sôbre o art. 1.723 e
a incomunicabilidade conjugal dos bens inalienáveis, “não deixaria a sua
disposição testamentária sujeita a interpretação oposta à que tinha em vista,
quando expressamente a lançou”.

25.LEGITIMAS E CLÁUSULAS DE RESTRIÇÀo DE PODER. -Entre


outras questões, a comparação dos arts.

1.676 e 1.723 suscita a seguinte: o último artigo permite que o testador


grave com a inalienabilidade temporária ou vitalícia as legí-~ timas, sem
que isso obste à livre disposição em testamento e,. em falta dêste, a sua
transmissão, desembaraçados de qualqueronus, aos herdeiros legítimos. O
art. 1.676 proibe a invalidação, ou dispensa, por atos judiciais, da cláusula
de inalienabilidade imposta aos bens pelos testadores ou doadores. No
capítul& sôbre doação, declara-se que importa adiantamento de legi-tima
feita pelos pais aos filhos (art. 1.171). As duas espécies,.

referidas no art. 1.728, são causa mortis: a) disponibilidade testamentária


dos bens gravados com a cláusula; b) não ha-vendo testamento do herdeiro
gravado, transmissão, sem ônus,. aos herdeiros legítimos. Quer-se saber se
o herdeiro, proprietário dêsses bens inalienáveis, pode (por extensão
interpretativa do art. 1.728) adiantar a Legitima, doando os bens
inalienaveis ao futuro herdeiro.

Para bem encararmos o problema, centralizemo-lo pela eliminação das


questões diversas que o cercam e pelo precisar dos têrmos empregados.

Primeiro, o art. 1.723 regula a inalienabilidade imposta pelo testador às


legítimas; isto é, às quotas dos herdeiros necessários (art. 1.721, a que o art.
1.723 diretamente se refere). Quanto às dos outros herdeiros legítimos, nada
se dispôs, porque, quanto a essas, poderá o testamento impor quaisquer
cláusulas ou encargos e, até, fazê-las inalienáveis nas mãos de quem receber
os bens por morte do herdeiro. Mais ainda: regular a passagem a outros.
Nenhuma aplicação tem a elas o que se estatui no ad. 1.723.

Segundo, se nos perguntassem ~ pode o herdeiro de bens inalienáveis doá-


los~ em adiantamento de legítima, aos filhos, eliminando-se a cláusula de
inalienabilidade vitalícia? certo responderíamos: absolutamente não. Seria
contrariar a vontade do testador, que os quis presos até a morte do herdeiro
necessário, e infringir o art. 1.676 que veda, de maneira expressa, se
invalide, ou se dispense, por atos judiciais de qualquer espécie (a fortiori,
atos de particulares), a inalienabilidade que aos bens impuseram testadores
e doadores.

Terceiro, pode ocorrer que o testamento esteja redigido com tal clareza, que
a cláusula permita, excepcionalmente, o adiantamento de legítima. Mas
então seria o problema da interpretação da vontade do disponente, e não o
que ora nos interessa: o do adiantamento, havendo a cláusula de
inalienabilidade, que prende, em mãos do~ herdeiro necessário, os bens.

Quarto, o art. 1.676 atinge bens inalienáveis, assim doados como testados,
O art. 1.728 somente atinge aqueles que constituem quota necessário, isto é,
a dos herdeiros legítimos em linha reta.

Fica restringida, precisada, a questão: ,pode o herdeiro necessário (art.


1.721), sem ofensa do ad. 1.676 e da vontade do testador, dar, em
adiantamento de legítima (art. 1.171), os bens que recebeu gravados com a
cláusula de inalienabilidade? Está claro que não se trata de torná-los, com a
passagem, alienáveis, absurdo, que não merece discussão. E sim de doá-los,
mantida a cláusula.

Em verdade há um salto: quem doa dispõe, e quem é dono de bens


inalienáveis tem o domínio dêles sem dêles poder dispor.

O testador impõe a cláusula de inalienabilidade: o herdeiro recebe o bem


gravado. Quando tiver de fazer testamento, deixá-los-á a quem quiser (não
se pode regular a passagem das porções dos herdeiros necessários e é a êles,
só a êles, que se refere o art. 1.723). Se morrer intestado, passará aos
herdeiros legítimos. Mas doar (adiantar quota necessária não é mais nem
menos do que doar), isto êle não poderia, porque lhe falta, justamente, a
faculdade de dispor. Os bens estão seguros por um fio, atado pelo testador, e
que só se desfaz, ainda no caso especialissimo das quotas necessárias, com
a morte do herdeiro gravado. Só se cogita da possibilidade da transmissão
causa mortis: o art. 1.728 só tem o efeito de esclarecer que a
indisponibilidade não vai além da vida do herdeiro necessário (note-se bem:
necessário), que os bens das quotas inalienabilizadas ficam alienáveis no
dia da morte do herdeiro de tais bens. Portanto: a doação mortis causa, a
doação para a futura passagem, em adiantamento de quota necessária, é
possível; não o é a doação entre vivos, ou com passagem dos bens. A
doação mortis causa aos estranhos pode constituir objeto de ação de
nulidade por fraude à lei.

§ 5.817. Outras cláusulas de restrição

1.CLÁUSULAS DE SUB-ROGAÇÂO E CLAUSULAS DE


REEMPRÊGO. Também existem a cláusula de simples sub-rogação e a de
reemprêgo. Devem interpretar-se como de inalienabilidade e sub-
rogabilidade permitida, ou só de obrigação pessoal de reemprêgo. Porém,
nas disposições de última vontade, são quase sempre de caráter gravatório:
o bem entra na classe dos inalienáveis, apenas mais facilitada a sub-
rogação, que ainda aí depende da autorização do juiz. A atitude dêle será
apenas diferente: nos casos do art. 1.676, o juiz a despeito da
inalienabilidade aprecia as circunstâncias para autorizar a sub-rogação, por
haver estado de necessidade; nos de cláusula de reemprêgo, o seu papel é
vigiar o ato que se pretende praticar, evitando abusos de direito e
reempregos fraudulentos ou dolosos, ou objetivamente incompensatórios. ~
Quid iuris, se o testador proibe a inalienabilidade e a insubrogabilidade?
Em verdade aquela contém esta. Mas, expressa a de não sub-rogar, parece
que o testador quis excluir a sub-rogação, que, ainda nos casos de
inalienabilidade, cabe, em estado de necessidade, aparentemente contra a
letra da lei (art. 1.676). Se a lei cede onde o estado de necessidade surge, e
há sub-rogações, apesar do art.

1.676, a fortiori, a vontade privada. As cláusulas de não sub-rogar só têm o


efeito de reforçar a vigilância do juiz, não poderão impedir, em estados de
necessidade, a sub-rogação; porque seria emprestar ao testador querer
inconsiderado e insano, o que lhe tornaria nula a própria cláusula.

2.LEGITIMAÇÃO Ã AÇÃO DE NULIDADE. ,~,Quem é legitimado para


propor a ação de nulidade por inobservância da restrição de poder? Se
fôsse verdadeira a teoria da obrigação de não fazer, seria o credor da
obrigação. Mas ~ se, o que se supõe, o testador está morto e o gravame só
aproveita ao próprio obrigado? Dar-se-ia a confusão de sujeitos, devedor e
terceiro favorecido. Aqui, a teoria da indisponibilidade real chegaria a
melhores resultados. Porém incompletos.

Podem propor ação: a) O testamenteiro, executor do testamento. b) O


Ministério Público. c) O Curador de órfãos e Interditos, se há interessados
incapazes. d) Os herdeiros do testador. Tanto o gravado não é devedor (no
sentido do direito das obrigações), que a sua fração não se desconta da
nulidade. O efeito de decretação da nulidade é integral, porque a restrição
de poder tem consequências veais e há essencial indivisibilidade da cláusula
e da sanção (não da obrigação, como quer a teoria obrigacionista, cp. P.
BRETONNEAU, Étude sur les Clauses d‟inaliénabilité, 266

s.). e) Se foi no interêsse do herdeiro ou legatário gravado que se estipulou


o gravame, também êle pode intentar a ação. Aqui, mais uma vez as teorias
se enliçam e a verdade sobe -à tona: se a teoria obrigacionista fôsse
verdadeira, estaria excluído o devedor, porque seria prevalecer-se do
próprio ato infrator (M. SAIGNAT, De la Clause portant prohibition
d‟aliéner, n. 150); a da indisponibilidade real lho permitiria, no caso
particular de ter sido no seu interêsse: é a destinação do bem, que está em
causa. A verdade éque a restrição do poder veio do testador, continua a ser
vofltade dêle, e atua no bem, cortando, de leve, o direito de propriedade: o
ato infrator do beneficiado não reconstitui êste direito; e, quando êle vai a
juízo, não é o seu ato que principalmente está em causa, é a situa çáo
jurídica do bem, em cuja propriedade o corte persiste, porque a adquirente
não podia adquirir o que transferir não se podia. f) O terceiro interessado,
como no simples modo (arts. 1.707 e 1.180, arts. 1.098, parágrafo único,
1.100 e parágrafo único).

j,E a evicção no caso da letra e? O alienante é garante da alienação, pode


êle e vencer? Se bem que C.

DEMOLOMBE (Cours de Code Napoléon, 1, n. 300) e outros tenham


oposto que não pode e vencer quem deve garantir, alguns respondem que é
especiosa a objeção a evicção supõe ato válido, e o de que se trata é nulo (P.
BRETONNEAIJ, Étude sur les Cllauses dino,liénabilité, 278 s.), que a
qualidade de garante seria posterior à incapacidade de consentir
(jurisprudência francesa de 1883), analogia com o art. 1.560 do Código
Civil francês, ou art. 295 do Çódigo Civil brasileiro, em que o
consentimento é inoperante. Mas a verdade está em que a restrição de
poder. sancionada por ação de nulidade, nada tem com o ato do devedor. A
boa fé, no caso dos bens dotais, como dos inalienáveis, é inoperante;
porque a boa fé se opõe ao alienante, e êste não é o postulador da cláusula,
ainda quando no seu interêsse, nem o seu interêsse, querido pelo testador,
constitui o conteúdo subjetivo da cláusula: não só êste conteúdo subjetivo é
o querer do testador, pois há elemento objetivo na cláusula. Por isso mesmo,
é inoperante a má fé de quem aliena ilegalmente (efeito de restrição de
poder).

8.O QUE O TESTADOR PODE ACRESCENTAR À “RESTRIÇÃO DE


PODER”. Já se viu que a restrição de poder não se confunde com a
condição, o modus, a cláusula penal, a obrigação de não alienar (criadora da
indenizabilidade), nem a sua sanção com as sanções dessas disposições
testamentárias.

Mas o testador pode apô-las às cláusulas de restrições de poder. Serão duas


ou mais disposições, serão duas ou mais sanções. Assim:

a)O testador pode juntar à cláusula de inalienabilidade a condição


resolutiva, isto é, dar-lhe a sanção da resolutividade,e esta faculdade êle não
tem quando se trata das quotas dos herdeiros necessários; porque seria
iludir a lei. Afetaria e direito dos herdeiros obrigatórios.

b)Se o testador conceber a proição de alienar como condição suspensiva:


“lego a B se não alienar e sob esta condição suspensiva”, a atitude do juiz
deve ser a de o reputar r nomznis, porque a condição suspensiva de não
alienar não existe. Se disser “lego a B, mas passará a C, se êste não alienar”,
há de entender-se que O dará caução.

É um dos meios de salvar a verba. Ou se gravará com a cláusula de


inailenabilidade, que melhor o assegura; mas isto, se a verba permitir a
construção da “restrição de poder”. Diante de votuntas testatopEs, deve
evitar-se emprestar-se ao decujo querer absurdo.

c)O testador pode juntar à cláusula o modus, inclusive de não alienar, ou


concebê-la de tal maneira que não seja restrição de poder, e sim simples
modus. “Deixo a B o prédio a., mas porque ali nasceu o poeta X e com
certeza hão de adquiri-lo para museu B não o deve vender senão para êste
fim e será de x mil cruzeiros novos o preço, constituindo a metade de x a
quantia com que concorro, porque o prédio vale mais de x mil cruzeiros
novos”, É

tnodu.s. Se acrescentar: “para garantia disto, gravo-o de inalienabilidade”.


Temos os dois, o modus e a restrição de

~oder. Bastaria isso para se ver que a restrição não é modus, no que
incorreram tantos, como P. BRETONNEAU

(Êtude sur les Clauses d‟inolié‟flabilité, 12-16) e. entre nós, JosÉ


ULPIANO (Das Cláusulas restritivas da pro‟priedade, 8 s.).

d)O testador pode estabelecer cláusula penal. “Deixo a B o prédio X; se a


alienação fôr aceita, pagará ao herdeiro x mil cruzeiros novos”. É a cláusula
penal. Se continuar: “gravo-o de inalienabilidade”, temos a cláusula penal e
a restritiva da propriedade ou restrição de poder. A alienação será nula;
porém, como B, ainda que nulamente, vendeu o prédio, cometendo a
infração, incide na pena testamentária, e o herdeiro tem a ação para
reclamar a multa.

Se o testador não gravou e apenas deu a obrigação de não alienar, com a


pena, então o ato de venda subsiste; não houve a restrição real. Por onde se
lhe vêem os inconvenientes:

a eficácia da cláusula penal é dependente da solvência do alienante, a


proibição pode não ter garantia prática, porque,alienado, vale, e o devedor
talvez não pague, por não poder, a dívida penal (P. BRETONNEAU, Êtude
sur Les Clauses d‟inoliánabilitá, 259; M. SAIGNAT, De la Clause portant
prohibition.
d‟aliéner, ix. 132); é simples avaliação das perdas e danos para ocaso da
alienação proibida.

Na dúvida, se há somente cláusula penal e obrigação de não alienar, e se há


gravame e cláusula penal, o art. 1.666

deve ser aplicado: opta-se pelo gravame e a cláusula penal. (Entendiam


MARCEL PLANIOL, Traité élémentaire de Droit civil, II, n. 257, 92, e
TErCEIRA DE PREITAS, Consolidação das Leis Civis, nota 83 ao art. 391,
que a inclusão da cláusula penal não é conciliável com a execução efetiva,
porque, aqui, a natureza da cláusula é compensatória: de modo que nulidade
e pena seriam sanções incompossíveis. No direito brasileiro vigente, isso
não tem razão de ser, diante do art. 919.)

4. O QUE SE NÃO PODE APOR AOS QUINHõES DOS HERDEIROS


NECESSÁRIOS. Há garantia legal dos quinhões necessários; e o testador
não as pode diminuir, nem fraudar. Tratando-se de sanções próprias da
cláusula de inalienabilidade e das outras, estatui quem pode estatuir, e as
conseqúências são as do que se estatuiu. Mas, se as sanções são as de outras
disposições, juntadas às restrições de poder, a lei seria iludida , se o testador
pudesse submeter a tais contingências as quotas necessárias.

O testador pode usar da faculdade que lhe dá o art. 1.723,. porém não pode:
a) Acrescentar ao gravaúie a resolutividade; a aposição redundaria em
deserdação indireta: o efeito específico da condição resolutiva seria
extinguir-se o direito do herdeiro necessário, ferido, assim, fundamente, ab
initio. Não se dá o mesmo quanto aos legados que coubessem na parte
disponível, ainda que beneficiados os herdeiros necessários. lO Juntar
modus ou encargo, e) Apor cláusula penal, porque, se consistir em x e a
pena em ~ ou fração de x, quando o herdeiro alienar ficará sem a legítima,
ou com ela diminuída. Argumenta-se: “rigorosamente, esta que lhe foi dada
devidamente, êle a perdeu, na hipótese, por culpa sua, e não por ato direto
do testador: .tibi imputet” (JosÉ ULPIANO, Das Cláusulas restritivas da
propriedade, 177). É sofisma: a causa da perda não foi só o seu ato, foi o
seu ato mais a aposição, pelo testador,da cláusula penal; tanto assim que, se
ela não tivesse existido, o ato nada produziria.
5. NATUREZA DA SANÇÃO. Quando se estuda a sanção da cláusula
restritiva da propriedade, da “restrição de poder”, é que ressalta a
autonomia da figura. Não é condição, pois que a resolutividade só existirá
se isso fôr objeto de condição expressa. Não é modus, porque, se o
beneficiário alienar, nem por isso responde por perdas e danos.

Quase sempre não e ele que deve gravar, é outrem, o testamenteiro, o


herdeiro onerado ou mesmo o legatário. Não é incapacidade, porque ela
deriva de lei, e a sanção é a anulação, sem restitutio in integrum. A sanção,
que a cláusula de restrição de poder apresenta, é a de nulidade dos atos
proibidos. Mas, se o disponente quiser, poderá acrescentar outra ou outras
sanções: a.) a pena convencional; b) a resolução; c) a indenização. A
transíação penal não é mais do que a resolução: “deixo a E; se êle se casar,
passará a C” é transíação, mas, têcnicamente, condição resolutiva. Tudo
isso é um plus, que se acrescentou à cláusula de restrição de poder. (Em
todo o caso, a penalidade, punição pelo ato que resolve, pode transparecer,
in odium et poenam heredis, para o castigo. Ao tempo em que em Rema se
proibiam, compreendia-se que se apurasse a distinção. Se a pena é mais do
que a transíação, então sim.) A sanção da restrição de poder não é a
cláusula penal. Tanto assim que se precisará acrescentar, explicitamente, a
pena. A confusão entre a restrição de poder e a cláusula penal

levaria a se admitir a cláusula penal imposta aos herdeiros necessários, o


que é absurdo.

6. AÇÃO DE NULIDADE. A ação de nulidade, própria das restrições de


poder, não é a da inexecução da obrigação de não fazer. Exerce-se, não
contra o alienante, que seria o devedor, como se daria na obrigação de não
fazer; mas contra o adquirente. O art. 883 do Código Civil nada tem com o
assunto; salvo se, além da restrição de poder, há a obrigação de não fazer.

(E.BARTIN, 7i‟héorie des Conditians, impossibles, illicites, ou contraires


aux moeurs, 190 e 191, com a teoria da obrigação, lutou contra a ação de
nulidade, que era e é a da jurisprudência francesa. Mas os seus argumentos
pecaram pela base. Entendia que lhe falta explicação. Ora, se o proprietário
não pode alienar note-se: não pode os atos são nulos, e aí está a prova de
que a obrigação de não fazer não explica a restrição de poder. O que os
técnicos tinham a fazer, E. BARTIN não fêz: ver os fatos; pois a ação de
nulidade existia, e ela, em vez de precisar ser explicada, devia ser a prova, o
dado. pelo qual se haviam de inferir as teorias, e a de E. BARTIN
fracassou.) Não se prenda a ação de nulidade ao fato de tratar-se de
gravação de bens imóveis, que atinja o domínio ou outro direito real. À
cláusula de restrição de poder é permitido alcançar os bens imóveis e os
bens móveis, O testador pode fazer inalienáveis bens imóveis e bens
móveis, como os pode fazer impenhoráveis ou incomunicáveis, ou sujeitos
a outras restrições de poder. Nada obsta a que faça inalienáveis, ou
incomunicáveis, ou impenhoráveis, ou feridos por outras cláusulas, ações
de emprêsas ou de clubes, títulos de crédito ou simples direitos de
mutuante.

7.AçÃo PAULIANA E RESTRIÇÃO DE PODER. Quis-se construir a


infração das cláusulas como fraude dos direitos creditórios do interessado
(M. SAIGNAT, De la Clause portant prohibitio‟n d‟aliéner, ns. 144 e 145)
; e seria de boa fé, na ordinariedade dos casos, porque, ao examinar os
títulos, havia de encontrar a menção da cláusula restritiva. Mas é artificial:

a ação Pauliana não se destina a tais casos (P. BRETONNEAU, Êtude sur
les Clauses d‟inaiiénabilité, 290 s.), nem tem o efeito de ir buscar os bens.

8. QUANDO COMEÇAM OS EFEITOS DAS CLAUSULAS


RESTEITIvAS OU RESTRIÇÕES DE PODER.

Se há restrição de poder, cláusula que apanhe realmente o bem, que o grave,


o bem é inalienável, incomunicável, impenhorável, e cabem, então, as ações
reais.

Aqui intervém questão gravíssima: ~ quando começam os efeitos da


inalienabilidade? Desde a morte do decujo. Se o bem existe na herança e
há testamento que o tenha gravado ou a herança, ou parte dela, há bem
gravado, herança ou parte ideal gravada. Assim, se o bem existe e a cláusula
se refere ao bem, a alienação é nula, ainda se anterior ao registo: êsse só é
necessário quando se procede à partilha ou adjudicação, máxime se,
interpretando a cláusula, o juiz sub-rogou antes dessa, ou daquela, o bem
atingido. Se o inventariante alienou mais bens do que podia, invadindo a
parte inalienável, a açao de nulidade é possivel: a inalienabilidade não é
incompatível com a indivisão do patrimônio.

9. EFEITOS DA AÇÃO DE NULIDADE. A ação faz prevalecer a


situação anterior do ato alienatório infrator, trate-se de propriedade, trate-se
de outros direitos. O adquirente terá contra o alienante a ação para haver a
restituição do preço e, se estiver de boa fé, as perdas e danos (Código Civil,
artigos 1.108 e 1.109).

10.HERANÇA NECESSÁRIA E PORÇÃO DISPONÍVEL. Diz o


Código Civil, art. 1.724: “O herdeiro necessário, a quem o testador deixar a
sua metade disponível, ou algum legado, não perderá o direito à legitima”.

11. LIBERDADE DE DISPOR E OS SEUS ELEMENTOS. A liberdade do


testador, quanto à porção disponível, que é, se não há herdeiros necessários,
toda a herança, consiste em três faculdades distintas: a) Dividi-la como
quiser e entender, configurando quotas, porções certas, frações ordinárias
ou decimais, distribuições quantitativas ou qualitativas (móveis, imóveis;
móveis de uso doméstico, semoventes, títulos; prédios, terrenos)
quantitativas e qualitativas ao mesmo tempo; etc.

b)Dar ao todo ou a cada parte a categoria jurídica que mais lhe agrade e lhe
pareça satisfazer a sua vontade: herança, legado, modus, recomendação,
fideicomisso, usufruto, uso, habitação; inclusive restrição de poder, com as
extensões no espaço e no tempo, que a lei permite (por tantos anos, até a
maioridade, vitalícia).

c)Ao todo ou a cada parte designar o sujeito, herdeiro, legatário, ou


beneficiado pelo modus, recomendação, fideicomisso, usufruto, uso, ou
habitação. A liberdade sofre as restrições da incapacidade geral ou relativa
de testamentifação passiva (Código Civil, arta. 1.717, 1.720 e 1.650, V).

Se a todos e livremente pode o testador deixar os seus bens, claro que os


pode deixar aos herdeiros necessários, pes soas a que, por definição, não
pode privar as quotas necessárias. Mas nem por isso é supérfluo o art.
1.724. Sem êle, poderia interpretar-se que a instituIção do herdeiro
necessário se entenderia imputação à parte necessária, ou que a deixa igual
ou superior à quota necessária, faria sem aplicação o art. 1.722. Por isso o
art. 1.724 preveniu: se o testador deixa ao herdeiro necessário a metade
disponível, ou algum legado, não perde êsse o direito ao quinhão ou porção
necessária. Quer dizer:

as doações são adicionadas ao valor dos bens deixados para o cálculo dos
quinhões necessários (art. 1.722) ; não se computam as liberalidades feitas
no testamento. Entende-se que o testador não testou tal porção, ou parte
dela, o que seria impossível; e sim que, além da sucessão forçada, quis que
o herdeiro lhe sucedesse por testamento, o que lhe é possível. Tanto mais
verdadeira é tal presunção, que isso se entenderá ainda quando, testando
parte dos bens disponíveis, o testador deixe de dispor sôbre o restante (art.
1.726, que é interpretativo). Num e noutro caso, o herdeiro necessário
também o é testamentário.

Quanto às doações, que em vida fêz, pode o testador por ocasião de fazê-
las, ou no testamento, dispor que se subsumam na porção disponível, em
vez de se imputar à quota necessária: ressalva válida, se feita no ato inter
vivos (art. 1.788) ou no testamento.

Quanto às cláusulas testamentárias, é livre o testador para as considerar


feitas com a metade disponível, se couberem, ou dentro da porção
necessária, se não ofenderem o principio da inviolabilidade dos quinhões
necessários, só admissíveis nos casos do art. 1.723.

Se a doação aos descendentes se presume adiantamento de quinhão


necessário (art. 1.171), não assim a herança, os legados ou encargos a favor
do herdeiro necessário: não se presumem imputados ao quinhão.

12. CÔNJUGE E PARENTES cOLATERAIS. Diz o Código Civil, art.


1.725: “Para excluir da sucessão o cônjuge ou os parentes colaterais, basta
que o testador disponha do seu patrimônio, sem os contemplar”.

O art. 1.725 é inútil se consideramos que já se apontaram os herdeiros


necessários (art. 1.721). Os colaterais, como o cônjuge e o Visco, são
herdeiros legítimos, e não necessários. O testador ou os contempla em
disposição testamentária, seja de herança, seja de legado, ou não os
contempla. Se não há herdeiro universal, o cônjuge, o colateral ou o Fisco
herda, como legítimo herdeiro, ou não herda se o testador dispôs de tôda a
metade disponível.

Os herdeiros necessários são herdeiros legítimos, razão por que, quando se


fala de herdeiros legítimos que não são necessários, em verdade se restringe
o sentido de “herdeiros legítimos”. Há, então, a legitimidade sem a
necessariedade. Não se deserda herdeiro que não é necessário; para afastar
o cônjuge, os colaterais e o Fisco, basta que se disponha de todo o
disponível (3.5 Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, 80 de
outubro de 1946, R. dos 2‟., 165, 680).

13. DIREITO ANTERIOR. Era semelhante a lei; mas o irmão preterido


podia usar da querela inofficiosi contra o instituído que fôsse pessoa vil e
torpe, ou de maus costumes.

14. SIGNIPICAÇÁO nA REGRA JURÍDICA. O art. 1.725 do Código


Civil estatui que os herdeiros legítimos do art. 1.608, III e V (cônjuge
sobrevivente, colaterais, Fisco) não são materialmente necessários: o
testador pode exclui-los; e para os excluir, basta não os contemplar: não
existe, quanto a êles, nenhuma transmissão forçada. Se êles existem, é que
não os há necessários: poderia o testador dispor de toda a herança; se só de
uma parte dispõe, abre-se a sucessão legítima (artigo 1.574, 2.~ parte) ; se
nomeia herdeiro testamentário, sem dizer a quota, fé-lo universal, e excluiu
o& legítimos. A situação resultante do art. 1.726 não se dá a respeito dos
legítimos não-

-necessários (a expressão “legítimos”, no art. 1.726, constitui grosseiro


engano) : naquela regra jurídica interpretativa, há a instituição do
necessário; no caso do art. 1.574, 2.~ parte, sucessão legítima.

Do art. 1.725, isto é, quando não há herdeiros necessários, conclui-se: a)


que a instituição do herdeiro universal afasta a sucessão legítima; b) que, se
a instituição é em frações cuja soma seja a unidade, não há sucessão
legítima; c) também não a haverá se o testador distribuir tôda a herança em
legados, ou se nomear herdeiro de parte da herança e ordenar legados de
todo o resto, ou nomear legatário e distribuir tôda a herança em encargos e
recomendações.

Ao herdeiro legítimo excluído (a deserdação só concerne aos necessários)


fica o direito: a) às ações de nulidade de testamento; b) às ações e pedidos
concernentes as incapacidades passivas de sucessão ou ilicitude das deixas.

CAPÍTULO XV

REDUÇÃO DAS DISPOSIÇÕES TESTAMENTÂRIAS

5.818. Caso especial de sucessão

1.DISPOSIÇÃO EM PARTE. Diz o Código Civil, artigo 1.726: “Quando o


testador só em parte dispuser da sua metade disponível, entender-se-á que
instituiu os herdeiros legítimos no remanescente”.

2.DRWITo ROMANO. No direito romano havia a regra Nemo pro parte


testatus pro parte intestatus decedere potest. Explicava-se de maneiras
diferentes: a) consequência da incindibilidade da personalidade patrimonial
do defunto, da unidade da hereditas, pois seria contraditório representar o
defunto e só ser nomeado em parte do patrimônio; b) proteção dos
interêsses dos credores; e) incompossibilidade da sucessão agnatícia e da
sucessão do quasi sutis; d) consequência da duplicidade judicial,
concernente a duas vocações; e) simples interpretação literal do versículo si
intestato moritur das XII Tábuas.

(VITTORIO SCL4LOJA, Diritto Romano, Concetti fondaanentati, 30, lia


de modo original o texto romano:

“quem fêz testamento não é intestado”. Mas sem razão (cp. PIlETRO
BONFANTE, Istituzioni di Diritto romano,
5 a ed., 523, e ANTONIO SUMAN, “Favor testamenti” e “voitinto.s
testantium”, 20.) Tão persuadidos estavam os legisladores romanos da
visceral incompatibilidade, que si unum tantum quis ex semisse verbi gratia
h,eredem scripserit, totus as in semisse ent (§ 5, 1., de heredibus
instituendis, 2, 14). Cf. L. 13,

§ 3, e L. 79, § 1, D., de heredifrus instituendis, 28, 5). Para tal solução que
dá o todo quando só se deu parte, várias explicações foram tentadas:

a)Invocaram J. F. DWORZAX, C. NEUNER e OrrO LENEL (Zur


Geschichte der heredis institutio, Essavs in Legal History, 128) a presumida
vontade do testador.

b) F. HOFMANN (Kritisck-e Studien im rãmisehen Rechte, 113) combateu


tal fundamento: quem só testou 1/12

não havia de querer que se estendesse o direito do herdeiro escolhido aos


outros 11/12; mais óbvio fôra declarar nulo o testamento. A solução romana
só se explica como favor testamenti (F. HOFMANN, Kritische Studien im
rbmisc/ten Rechte, 128; ANTONIO SUMAN, “Favor testamenti” e

“voluntas testan,tium”, 22).

Mas nem uma, nem outra explicação, nos parece, no todo, verdadeira. Não
vemos textos que justifiquem o favor testa-menti como razão de decidir na
espécie. Admitimos, até, que a neutralidade com que se operou a solução
romana contradiz tal fundamento: a mente romana para chegar à
convalidação do todo não precisava de ir buscar~

o favor testamenti.

c)Mais certo (ainda assim, só em parte) nos parece o esclarecimento de Oro


KALRLOWA (Rdmische Rechtsgeschichte, II, 846) : o elemento primário
é a nomeaÇâ~o; a quota, elemento relativo, secundário. Entre as duas
explicações, parece hesitar CARLO FADUA (Coneetti fondamentali dei
Diritto eredttario romano, 1, 339).
Para preferir a de OTTO KARLOWA, ocorre-nos lembrar que, sendo
muitos os instituidos, a parte não testada se devolvia aos instituidos, na
proporção do que se lhes deixara escrito (L. 13, § 2, e L. 13, § 3, D., de
heredibus instituendis, 28, E). Há a expressão potest ate inris (§ 2) que pode
ser trazida à balha (e o foi, ANTONIO SUMAN,

“Favor testamenti” e “voluntas testantium”, 23, nota) como argumento


contrário, mas não vemos em tal poder de direito fôrça superior à von
sztzva,o fundamento menos próximo, é certo não deixa o testador.
ANTONIO

SUMAN parecia somente ver vontade do testador onde cabe interpretação.


Ora, onde a lei é diapo de ser volitivo.

A nossa opinião é a da dispositividade do § 5, heredibus instituendis, 2, 14.


(Mas regra jurídica dispo-não exclui presunção de vontade como
fundamento: a das regras jurídicas dispositivas têm, exatamente, origem
voluntarística.

Regra jurídica dispositiva é precisamente a que nasceu de um quod


plerumque fit, ou de uma vontade, raramente de dado histórico puro, e
estatui, por isso. dispositiva, não imperativamente. No tempo atual,
potestate iuris; no passado laborativo, pela fôrça do querer presumido.)

d)A nossa opinião é mais sociológica. Nem se cogita de presunção do


querer quanto ao resíduo, menos ainda, o que seria absurdo, quanto ao que
o testador deixou aos herdeiros legítimos, inoperantemente; nem de favor
testarn,enti.

A própria explicação de OTTO KARLOWA, cuja felicidade reconhecemos,


não é completa. Com o sutil do seu estilo, a que tantas luzes, após F. C. voN
SAvrnNy, TH. MOMMSEN e RUDOLF vON JIIERING, se devem,
caracterizou êle: o elemento primário é a instituição, a determinação sôbre o
subjetivo da herança, o jus successianis, ao passo que a distribuição da
hereditas objetiva é o elemento secundário. A falta dêsse não poderia, sem
absurdo, prejudicar aqueles.
Para o legislador romano, a atuação não a preferência, que supôe hesitação
tinha de ser pela sucessão testamentária. Portanto: não pelo favor
testamenti; mas pela fôrça da estrutura da mentalidade romana. A solução
do toda, se só instituía parte, impunha-se como que mecânicamente.
Assistir-se-á, com a concepção justinianéia, ao decair da regra jurídica.

3.Um ANTERIOR. Nas Ordenações Filipinas, Livro IV, Título 83, § 8, e


Título 86, pr., ainda se recorria ao sistema romano do “ninguém pode
morrer parte testado e parte intestado”. Nesse sentido, os praxistas. Com a
reforma Josefina (Leis de 18 de agOsto de 1769 e 9 de setembro), a regra
jurídica cedeu ao favor da sucessão legítima e os juristas mudaram de
opinião (PASCOAL JosÉ DE MmÃo FREIRE, Iizstitutiones luris Civilis
Lusitani, Livro III, Título V, § 29; M. A. COELHO DA ROCHA,
Instituições de Direito Civil português, § 693; Código Civil austríaco, §
556).

4. PROJETOS BRASILEIROS. FELICIO DOS SANTOS, artigo 1.677,


concebia a passagem do resíduo como acrescimento aos herdeiros
necessários: “se não dispuser da sua têrça, ou dela não dispuser na sua
totalidade, os herdeiros legitimários a acumulam aos seus quinhões, ou o
que restar dela, segundo as regras da sucessão legítima”. Consciente, ou
não, do que esCrevia, COELHO RODRIGUES, art. 2.507, concebeu de
modo diverso a vocação do resíduo: “Se o testador, que tem herdeiros
necessários, dispõe somente da sua meação ou de parte dela, entende-se que
os instituiu no resto; se, porém, dispõe de mais, tôdas as disposições são
redutíveis no excesso da meação”. Nenhuma idéia de acrescimento; só de
instituição estabelecida pelo artigo da lei, de natureza interpretativa.

5. NATUREZA DA REGRA JURÍDICA. As concepções de hoje já não


repugnam a dupla vocação. As incompossíveis dizsimiles causae, a que se
refere CÍCERO (De invent., II, 21), exercem hoje os seus papéis
autônomos, de mãos dadas. Tanto é compósito o espírito de hoje; em tudo,
sensível cristalização do mediterrâneo e do nórdico.

O art. 1.726 do Código Civil é o punetum dolens, a superfície de contacto.


Não se sabe para onde pende. A que sucessão prefere. Diz que os herdeiros
legítimos serão chamados; mas lança mão, para dizê-lo, de presunção:
reputam-se instituidos.

A questão da natureza do art. 1.726 é de grande importância prática. Para


percebê-lo, bastam alguns exemplos. Se o testador declarou “as legítimas
serão gravadas”, j,o resíduo segue a condição das quotas necessárias? Se a
sucessão do artigo 1.726 é legítima, conseqúência será gravar-se também o
resíduo. Se a sucessão do art. 1.726 é instituição mediata, claro que só seria
gravável o restante se resultasse da interpretação do testamento. Quer dizer:
nenhuma noção de principal e acessório, nenhum traço de direito de
acrescer.

§ 5.818. DISPOSIÇÃO PARCIAL E SUCESSÃO

85

Para decidirmos a questão, temos dois elementos, um de linguagem da lei, e


outro de topologia da própria regra jurídica: a) a lei diz “entender-se-á que
instituiu”; b) o art. 1.726 está ao Título III, Da Sucessão testarnentária, e
não, como o art. 1.574, no Titulo 1, Da Sucessão em geral. Êsse argumento
reforça aqueles. Por isso, CLÓVIS

BEVILÁQUA (Código Civil comentado, VI, 181), sem descer às


considerações teóricas e práticas, falou de instituição Licita, uma de cujas
consequências seria a do art. 1.754, o que não tem sentido. Há muitas
consequências, mas a apontada não é nenhuma.

Ao argumento da linguagem da lei cumpre juntar outro, responsável por êle:


a divergência entre os dois projetos anteriores, o de FELÍCIO DOS
SANTOS e o de COELHO RODRIGUES.

6. PRESSUPOSTOS DO SUPORTE FÂCTICO. Para que se aplique a regra


jurídica do art. 1.726, é preciso que concorram os seguintes elementos:

a)Existência de herdeiros necessários, porque, se não os há, não existe


„metade disponível: disponível é o todo, e o caso se resolve quanto aos
bens não compreendidos no testamento pela devolução, ex lege, aos
herdeiros legítimos. Aqui se evidencia a diferença entre a regra jurídica do
artigo 1.574 e a do art. 1.726.

b) O testador só dispôs de parte da metade testável (ou, se morreu com


testamento, de nada dispôs). Se dispôs de tôda a metade, o que quer que
sobre não passa aos herdeiros necessários. Dar-se-á direito de acrescer ou
algum dos fenômenos do direito das coisas. Se morreu com testamento e
nada dispôs quanto à metade disponível, aplica-se o art. 1.726.

c) Ao tempo da morte existem os herdeiros necessários. Se não os houver


mais, o resto da herança irá aos legítimos,. conforme o art. 1.574. Em todo
o caso, como se trata de instituição presumida, a vontade do testador pode
intervir como guiadora de outra solução. Exemplo: a verba “deixo a casa r a
B, executará meu testamento A único herdeiro necessário, na sua falta a
mulher dêle, ainda que não tenha filhos”. A!. essa mulher está numa
substituição, aparentemente de testamenteiro, possivelmente de herdeira.
Vivo A, receberá a quota necessária e o resíduo. Morto A, a interpretação
dirá se a mulher sobrevivente herda como instituída do todo, excluída assim
a aplicação do art. 1.574, ou só o resíduo da metade então disponível, ou
tudo, irá aos herdeiros legítimos, sendo a mulher simples testamenteira.

d) A existência de resíduo.

7. CONSEQUÊNCIAS DA REGRA JURÍDICA. Examinaremos dois casos


que foram decididos no Juízo da Provedoria do então Distrito Federal, em
1920.

a) Testador falecido depois do Código Civil, com testamento anterior a êsse,


só dispôs da têrça parte da herança. A lei do tempo da morte já lhe permitia
dispor da metade. Quanto aos quinhões não há dúvida, só se cumpre a têrça;
mas o demais, o residuário, a diferença entre a legitima e a disposição, vai
aos herdeiros legítimos, por fôrça do art.

1.676, responsável, por sua natureza dúplice, de muitas dúvidas na


execução dos testamentos. Chamam-se vintena os cinco por cento do
testamenteiro.
Marcada a vintena, discute-se: ~ é sôbre a têrça disposta, ou sôbre a metade
disponível, de que só em parte se dispôs?

Figurou-se caso de direito intertemporal, mas no direito unitemporal a


situação e a questão seriam as mesmas, quando o testador podendo dispor
da metade só dispõe de parte dela. Portanto, com ou sem conflito de lei no
tempo, tudo depende do caráter do art. 1.726.

Nesse problema da vintena, uns querem que incida sôbre a metade


disponivel, de que, ex hypothesi, sé em parte se dispôs, outros (Inventário n.
47, Provedoria do Distrito Federal, 1927, Parecer de 12 de fevereiro de
193~O), que a herança do artigo 1.726 seja legítima: “O testador faleceu em
1925, e não modificou o seu testamento, o que nos induz a interpretar que
desejava que a legítima fôsse constituída de 2/3, e a parte disponível 1/2.
Assim, a vintena só terá de sair de 1/3. Porque o testador não dispôs da
metade. Se os legados excedessem essa têrça parte, teriam de ser rateados.
Semente dentro dessa têrça, êle poderia acomodar os seus legados, porque
foi o que ficou como parte disponível. A lei fiscal, parece que não influi
para o argumento. ~ Pode o testador declarar que a legítima seja dentro de
3/4 partes de seus bens? Pode, O que não pode é dizer que o seja dentro de
1 4, porque fere a lei civil das sucessões. Ora, a lei permite que êle tivesse
modificado o seu

testamento. Não o fêz. Deixou dentro do regime anterior ao Código. Parece


que assim quis que ficasse”.

~O restante vai à sucessão legítima, ou o recebe o herdeiro legítimo, ex


testamento, por fôrça do preceito dispositivo? Noutros têrmos: quanto a êste
resíduo, ~o art. 1.676 faz Eegítinut a sucessão, ou por haver testamento ex
testamento?

No sistema do Código Civil, o art. 1.672 constitui aplicação do art. 1.574, é


regra de sucessão legítima, os seus têrmos afastam qualquer argumento
tirado da sua colocação no título do Código Civil relativo a sucessão
testamentária. Quanto ao art. 1.726, não: tudo nêle mostra tratar-se de
matéria testamentária. Do fato de haver a passagem necessária a herdeiros
legítimos, tirou o legislador que os bens não compreendidos nessa parte,
nem nas disposições~ foram deixados, tàcitamente, aos herdeiros forçados,
que, aqui, os recebem ex testamento. No art.

1.673 diz-se: “o remanescente pertencerá aos herdeiros legítimos”; no art.


1.726, “entender-se-á que instituiu”. É

sensível a diferença.

Portanto, a vintena tem de ser deduzida sôbre tôda a parte disponível, e não
sôbre o só disposto explicitamente.

Não se daria o mesmo no caso de testamento que se anulasse: a herança iria,


por sucessão legítima, aos herdeiros necessários.

b) O testador gravou a herança com a cláusula de inalienabilidade.


Pergunta-se: agravou a quota necessária, tão

-somente, a porção indisponível, mas, por lei, gravável (artigo 1.723), ou


tudo que herdarem os filhos?

O quoci plerum que fit é o não se gravar a quota necessária, sem se gravar o
resto. Se Aquilo de que não podia dispor impôs inalienabilidade ou outra
restrição de poder, usando da autorização excepcional do art. 1.723, com
maioria de razão havia de impor ao mais.

A respeito apareceram duas opiniões: a) Os herdeiros necessários recebem a


parte disponível, art. 1.726, ou o residual, com as mesmas cláusulas da
quota: seria espécie de acessório, que seguiria o principal. Algo se juntou.
b) O que os herdeiros necessários recebem a mais, por fôrça do artigo
1.726, é ex testamento; e a diferença de titulo não suporta a natureza de
acessório e principal. A cada um a sua sorte.

A regra é que a quota necessária, sé, e não o resíduo, será gravada. Porém,
nesse assunto, o que se deve procurar é a verdadeira vontade do testador.
Pode êle ter usado da expressão “legítima”, sem entrar na sutileza da lei,
como tudo que os herdeiros necessários tiverem de receber. Isso se deu no
caso examinado, de modo que era de impôr-se a gravação de todos os bens
sucessão necessária e sucessão residual não por fôrça do argumento em a),
mas como direta consequência da vontade do testador, que é lez privata.

§ 5.819. Determinação de partes e redução

1. FONTES. No direito romano, ou se testava de tôda a herança, ou não se


testava: Nemo pra parte tes tatus, pra parte intestatus decedere potest. Já
vimos que o direito moderno refugou tal raciocínio. Se o testador só dispôs
de parte da herança disponível, dá-se no resto a sucessão legitima (Código
Civil, arts. 1.574, 2.~ parte, e 1.673). Se tinha herdeiros necessários,
entende-se que os instituiu no que sobrar (artigo 1.726, interpretativo). Se o
testador quis excluir os herdeiros legítimos, se bem que a soma das frações
deixadas não alcance abranger a herança, a sucessão legítima não se dá (os
artigos 1.574, 2~a parte, e 1.673, são dispositivos, e não cogentes) e partir-
se-á pelos nomeados na proporção do que se lhes marcou. Mas pode ocorrer
que se tenha disposto de mais do que o disponível e ter-se de dar a redução.

Diz o Código Civil, art. 1.727: “As disposições, que excederem a metade
disponível, reduzir-se-ão aos limites dela, em conformidade com o disposto
nos parágrafos seguintes”. No § 1.0: “Em se verificando excederem as
disposições testamentárias a porção disponível, serão proporcionalmente
reduzidas as quotas do herdeiro ou herdeiros instituidos, até onde baste, e,
não bastando, também os legados, na proporção do seu valor”. No § 2.0:

“Se o testador, prevenindo o caso, dispuser que se inteirem, de preferência,


certos herdeiros e legatários, a redução far-se-á nos outros quinhões ou
legados, observando-se, a seu respeito, a ordem estabelecida no parágrafo
anterior”.

2. REGRAS JURÍDICAS SOBRE testador A lei prevê dois casos: a) O


testador não deu preferência a nenhum herdeiro ou legatário; tudo se reduz
proporcionalmente: primeiro, as heranças; depois, os legados. Quer dizer:
se a herança não der para os legados, os herdeiros nada receberão e
diminuir--se-ao os legados. Em concreto: se o testador deixou em frações
(ou outro modo de contagem, F. ENDEMANN, Lekrbuoh des Rurgerlichen
Rechts, III, 345) e estas, ou os quinhões, excedem, serão todos reduzidos
proporcionalmente. ti) O testador deu preferência a um ou alguns. A
redução faz-se nos quinhões ou legados não preferidos. Se êsses não
puderem ser satisfeitos, então se procederá à redução dos preferidos.

3. PRESSUPOSTOS DA REDUÇÀO. Para que incida o Código Civil, art.


1.727, § 1.0, isto é, para que se reduzam proporcionalmente ao valor delas
as quotas do herdeiro ou dos herdeiros instituidos, é preciso que concorram
as seguintes situações: a) que a soma do disposto exceda o disponível: se
não há excesso, não é possível cogitar-se de redução; b) que as instituições
sejam em quotas (frações, percentagens) porque, se houver algum herdeiro
em porção qualitativa, o artigo 1.727, § 1.0, não se lhe aplica, e.g.,
“instituto A em 1/4, B em 1/4, C em todos os moveis e os móveis são 2/a da
herança; c) que não tenha havido vontade contrária do testador. ou
distribuição que valha o mesmo que um querer contrário ao art. 1.727, § 19.
Mas poderá ocorrer que suceda o oposto ao art. 1.727, § 1.0: em vez de
excederem os quinhões, serem, em conjunto, inferiores ao monte, e assim:
ou o excesso toca aos herdeiros legítimos (art. 1.574) ; ou o herdeiro
instituído, ou os herdeiros instituidos devem ser os únicos (ainda que se
tenha usado da distribuIção por frações, e a soma dessas fôr inferior à
unidade) : então, cada parte será aumentada proporcionalmente.

4. PRESSUPOSTOS DA REDUÇÃO, SE O TESTADOR PREFERIU


HERDEIROS OU LEGATÁRIOS. Para que incida o art. 1.727, § 2.0, é
preciso que concorram os seguintes pressupostos: a) tenha o testador
prevenido a solução, mandando que se inteirem, de preferência, certos
herdeiros e legatários; ti) em outros herdeiros e legatários haja a
subordinação a que se refere o art. 1.727, § 1.0.

O art. 1.727, § 1.0, é dispositivo, e para os casos dos pressupostos. Não se


aplica: a) se falta algum dos requisitos acima referidos (a e 6) quando, ainda
concorrendo êles, o testador tenha expressado outra vontade.

Se só um herdeiro é subordinado a uma fração, não há concurso de frações;


portanto, não incide o art. 1.727, § 1.0:
“são meus herdeiros A, B e C, cabendo a C 1/4 da herança”. Não pode
haver excesso, porque não pode haver soma. Se um grupo de herdeiros foi
instituído em frações, e outro não, e a soma das frações excede a unidade,
aplicar-se-á ao grupo das frações o art. 1.727, § 1.0; se forem frações de
uma parte certa da herança, então a redução será feita dentro dessa. Se
houver dois grupos dentro de partes da herança e a soma das partes excede,
reduzir-se-ão as partes proporcionalmente depois, se a soma das frações de
cada parte excede essa, proceder-se-á à redução proporcional aos valôres
das frações, sem que a fração de uma parte tenha qualquer relação com a de
outra:

em seus valores, os grupos se reduzem; mas as frações de cada um


independem das frações do outro.

O ad. 1.727, § 2.0, refere-se a herdeiros e legatários, mas entenda-se que os


legados ou é de bem ou de ordem ao herdeiro e não se trata no mesmo
plano que a herança. A copulativa do art. 1.727, § 2.0 (herdeiros e
legatários) não os identifica em sorte. Dentre os legados, é que o testador
pode preferir algum, e então os restantes sofrem a redução. Se o testador
quiser, mandará que uma quota ou valor da herança se dê ao herdeiro
preferido ainda em relação aos legatarios; então, aí, a redução abrangerá,
excepcionalmente, os outros herdeiros e os legatários, mas primeiro aqueles
e depois êsses (salvo, está visto, ainda neste pontq, outra preferência, que se
não presume, quanto aos outros Herdeiros).

Legados somente são atingidos se, com o cálculo do ativo e do passivo do


acervo, a satisfação dêles atingiria a porção necessária. Antes dêles são
reduzidas, talvez até a extinção da eficácia, as heranças testamentárias. A
redução pode ir até bens divisíveis e indivisíveis (cf.

1 a Câmara Cível do Tnbunal de Justiça de Minas Gerais, 29

de março de 1951, .7. M., 11V, 416).

O que se presume é que o testador quis que precipuamente se paguem os


legados; porque é o que decorre, em geral, da categoria jurídica dos
legados. Por isso mesmo, os legatários podem exigir que do patrimônio do
falecido se discrimine o do herdeiro. Em concurso com os credores dêste,
serão preferidos no pagamento (art. 1.799>.

Pode ocorrer que a preferência seja perplexa, e não cabe aplicar-se o art.
1.727, § 2.0 (CARL CROME, System des deutschen buirgerlichen Rechts,
V, § 689, 845, nota 26>.) 5. DISTRIBUÍÇIO INFERIOR Ao DEIXADO.
Se o disposto quantitativamente é menos do que o disponível, mas, pela
interpretação, se tira que o testador quis que aqueles que instituiu fôssem os
seus únicos herdeiros, dá-se o inverso dos §§ 19 e 2.0: sobra, em vez de
faltar; a herança maior que a tábua de frações, que a soma das deixas.

Então o resto será distribuído proporcionalmente aos quinhões marcados.


Cumpre notar que tal distribuição nada tem com o direito de acrescimento
regulado nos arts. 1.710 e 1.716 (CARL CROME, System des deutschen
búrgerliehen Rechts, V, § 689, 845, nota 25). Exemplo: A, 1/3, B, 1/4 e C,
1/6. Vale dizer: 4/12, 8/12 e 2/12.

Aumenta-se para 4/9, 8/9 e 2/9, para que se esgote a unidade, que é a
herança, de que só êles são herdeiros.

6. DISPOSITIVIDADE DAS REGRAS JURÍDICAS. As regras jurídicas


que a lei consigna são meramente dispositivas; por-tanto, nelas pode alterar
o testador o que entender. A vontade dêle, e não a lei, será atendida.

7. ÊRRO DO TESTADOR. Se o testador, ao dispor, estava em êrro sôbre o


objeto da herança, de modo que, se conhecesse a circunstância, não testaria,
pode ser anulada a verba da parte eivada. (Claro que o êrro sObre existência
de herdeiros necessários constitui ruptura, assunto tratado a respeito dos
arts. 1.750 e 1.751; se souber e os omitir, sem os deserdar legalmente, dar-
se-á a redução, art. 1.752.) Assim, o testador diz: “A minha fortuna é de
seiscentos mil cruzeiros novos; quero que os meus dois herdeiros não
tenham mais nem muito menos de 200 e por isso instituo na têrça a D”. O
testador só deixou quatrocentos mil cruzeiros novos: a deixa a O pode ser
anulada pelo e rro quanto ao objeto (cf. Tu. KíP, Lehrbuch des Rilrgerlicken
Rechts, ~ 8.ª parte, 148). O artigo 1.727, § 1.0, não se aplica; tão-pouco, o §
2.0.
8. PLURALIDADE DE TESTAMENTOS. Se as frações constam de
testamentos diferentes, põe-se preliminarmente a herança. Se o
fideicomissário herdasse do fiduciário, suceder-lhe-ia nas dividas; e no
entanto só pelas dívidas do testador responde o fideicomissário. Demais,
não é verdade que o direito do fiduciário passe ao fideicomissário o que se
dá é que o direito do fiduciário se extingue, e êle, por isso, perde a
propriedade e a posse que recebeu; começa a atuação material do direito do
fideicomissário, direito existente desde a abertura da sucessão e, por isto,
quer dizer: porque começa a atuação, a propriedade e a posse lhe cabem.

No fideicomisso, há duas. figuras, a do que recebe em primeiro lugar a


herança, ou legado, que é o fiduciário, e a do que, ao chegar o termo, ou ao
realizar-se a condição, vem após aquele. A êsse chama a lei fideicomissário.

Sucessão, digamos, de dois herdeiros instituidos, ou de dois legatários: o


pré-herdeiro e o pós-herdeiro. Um não substitui o outro: porque substituir é
excluir; o fideicomissário propõe-se ao fiduciário. A figura que a lei
permite e a que chama fideicomisso constitui dupla instituição no tempo,
ainda que sejam dois, ou mais, os sujeitos beneficiados em cada uma. A
dupla sucessão escalada no tempo, como diz F. ENDEMANN (Lehrbuch
eles Bitrgerlichen Rechts, III, 371). O primeiro recebe a propriedade e a
posse; o segundo, a vocação subseqüente. Não herda daquele, mas do
testador; porque herdeiro êle o é desde o instante da morte do hereditando.

A diferença entre o fideicomisso e a substituição vulgar é nítida: o segundo


não substitui o primeiro, vem-lhe depois; não há nenhuma regra, ou ficção,‟
pela qual, ao recolher a herança, se repute tê-la recebido no dia da morte.

A lei constitui, com elementos concretos, a dupla vocação: uma, até um


instante; e outra, dai em diante. O nôvo tempo apaga o que dos atos do
primeiro poderia invadir o campo temporal deixado ao segundo. O
fideicomissário não é co-herdeiro conjunto do fiduciário; daí não se lhe
aplicar o art. 1.710. Se só tinha direito ao quinhão deixado ao fiduciário e
não ao que eventual-mente acrescesse, pode o fiduciário receber o
acréscimo sem obrigação de restituir (questão de interpretação).
Há dois momentos no fideicomisso: o da abertura da sucessão, e o da
passagem da herança ou legado ao fideicomissário. No primeiro, dá-se a
formação da qualidade de herdeiro aos dois sujeitos e, quanto ao fiduciário,
a transmissão dos bens. Ao fideicomissário a qualidade de herdeiro cria,
desde logo, a sujeição fiduciária do instituído em primeiro lugar. Aliás, esta
responsabilidade do fiduciário é o lado passivo do direito eventual do
fideicomissário (lado ativo, E. ENDEMANN, Lehrbuclt des Riirgeriiúhúfl
Rechis, III, 384). O fideicomissário é herdeiro do testador, e não do
fiduciário: ambos são herdeiros. Na substituição, há duas pessoas pelo
menos, mas, para que uma, duas ou mais. sejam herdeiros (substitutos), será
preciso que a outra ou as outras não o sejam.

Com o caráter de propriedade resolúvel, a visibilidade do fideicomissário,


as cautelas dos livros de transferências de imóveis, a nítida composição de
dois herdeiros sucessivos, muito se apagou no fideicomisso a fiducialidade
da figura jurídica. Aliás, já em Roma o nome lembrava a feição primitiva
do instituto, a fé, a lealdade da incumbência.

For isso mesmo, o cardeal S. E. DE LUCA poderia falar de ftdewornm


Sumduciarium, referindo-se àquele em que há o instituído e o
fideicomissário, mas êsse à escolha ou deixado em segredo ao fiduciário
(ou a outrem). Hoje, se definirmos fideicomisso “quod per intermediam
personam, sive per ministerium alterius alicui relinquitur”, como PIRIIINO,
ou “omne id quod rogatur, defuncti dari debet vel facere”, como GRAVINA
(InstttuttOfles iuris Civitis, II, 99), teremos abrangido o fideicomisso e a
fidúcia, ao passo que, na terminologia do Código Civil, fideicomisso é só a
figura dos arts. 1.733-1.740.

t principio assente, por atender à própria natureza do fideicomisso, que o


fideicomissário não pode exigir a propriedade e a posse, nem só aquela,
enquanto não se extingue o fideicomisso (isto é, o direito do fiduciário). O

direito do fideicomissário é direito a se inserir na relação jurídica real de


propriedade e posse quando cessar o direito do fiduciário. Há
posterioridade, e não simultaneidade. Bem disse a
2 a Turma do Supremo Tribunal

Federal, a 29 de agosto de 1950 (R. F., 136, 109), que, no fideicomisso, as


liberalidades São sucessivas e a propriedade se mantém, inteira, atribuida
ao fiduciário, embora restrita e resolúvel: antes da substituição, não pode o
fideicomissário reivindicar.

Se o fiduciário aliena o bem como se não houvesse o direito do


fideiconiissário, tem esse as. ações para que se estabeleça a explicitude da
restrição pela resolutividade, que é intrínseca ao fideicomisso. Uma das
ações é a ação de retificação do registro de imóveis.

Nos sistemas jurídicos que não têm ou não têm em textos legais explícitos o
fideicomisso, compreende-se que se lançasse m~o da figura do usufruto, ou
que se começasse com ela para se chegar à construção doutrinária (cf. E.

TROPLONG, Der Donations et Testaments, 1, 144). A jurisprudência


brasileira tem advertido que, no sistema jurídico do Brasil, é absurdo estar-
se a invocar o que no estrangeiro se tem discutido e sustentado. O que pode
surgir é questão de interpretação da verba testamentária: se, iv. casu, há
fideicomisso, ou se há usufruto. O que importa é a vontade do testador, a
sua intenção (cf. 1? Turma do Supremo Tribunal Federal, 9 de agosto de
1946, R. F., 112, 6o, e „7 de agosto de 1952; antes, Supremo Tribunal
Federal, 2 de julho de 1942, 19. da .7. de 13 de outubro de 1942 e 25 de
julho de 1943, e 3 de agosto de 1942, 1?. dos T., 146, 884; 1.a Câmara
Cível do Tribunal de Apelação de Minas Gerais, 8 de novembro de 1945, E.
F., 105, 525, e 8 de fevereiro de 1942, 105, 324:

“Dispondo o testador que o beneficiado terá o usufruto e que, por sua


morte, o bem passará a tais outros, não institui usufruto, mas fideicomisso,
porque no usufruto há ao mesmo tempo dois beneficiários”;

2 a Câmara Cível

do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, 80 de julho de 1948, R. .1., 1, 68, l


A Câmara do Tribunal de Justiça da Paraíba, 12 de julho de 1949: “Se bem
que perfeitamente definidos em doutrina os dois institutos, na prática não é
tarefa fácil distinguir se determinada disposição testamentária constitui
fideicomisso ou usufruto. As dúvidas de interpretação, porém, se atenuam
com as noções geralmente aceitas para estabelecer seus caracteres
essenciais de distinção”; 13 Câmara Cível do Tribunal de Ape1ação do Rio
de Janeiro, 22 de abril de 1946, R. F., 107, 515; 6.

Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, 18 de abril de 1951, 1?.


dos T., 192, 292).

Alguns acórdãos são evidentemente errados; e.g., o da a Câmara Civil do


Tribunal de Justiça de São Paulo, a „7

de março de 1952 (1?. dos 7‟., 201, 195).

Sempre que o testador estabelece sucessividade, não há usufruto, nem


substituIção vulgar (salvo se falou em “falta do beneficiado”).No
fideicomisso, há direito do fideicomissário à propriedade e à posse. O
direito já existe à data da morte do testador, quando o fiduciário já é
proprietário e, de regra, já é possuidor. A propriedade e a posse do
fídeicomissúrio não decorrem da morte do fiduciário, porque o direito a
propriedade e à posse já nascera com a morte do testador e apenas se
aguarda que o fiduciário as perca. Duas transmissões, numa só deixa
testamentária; porém uma, pela sucessividade, dependente da extinção do
direito real do fiduciário. Cf. 6.~ Câmara Civil do Tribuna] de Justiça de
São Paulo, 18 de abril de 1951 (1?. dos 22., 192, 292> “No fideicomisso, a
herança é uma só, destinada a dois herdeiros, em períodos que se sucedem,
em continuação um ao outro. Se é certo que o fideicomissário só recebe os
bens no momento em que se opera a substituição, é verdade também que a
causa desse recebimento preexiste a essa entrega efetiva, é anterior,
decorrente do ato do instituidor, em que a transinissio encontra a sua
origem. A Liberalidade no fideicomisso não decorre da morte do fiduciário,
mas da própria instituição do fideicomisso, que é o ato produtor da
transmissão dos bens”.
A propriedade não se fraciona; toca, por inteiro, ao fiduciário; depois, ao
fideicomissário (3.~ Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, 20
de setembro de 1949, 1?. dos T., 182, 834).

Se, além da cláusula de fideicomissão, o testador inseriu no testamento a


cláusula de inalienabilidade por parte do fideicomissário, isso de modo
nenhum significa que o fideicomissário não possa renunciar a herança (sem
razão, a g a Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, a 28 de
junho de 1949, R. dos T., 182, 192).

O fideiconiissârio já é, desde a abertura da sucessão, titular de direito


expectativo à herança (cf. Tornos V, § 577, e XIV, § 1.601).

11.TESTAMENTARIEDADE DO FIDEICOMISSÁRIO. O fideicomissário


é sempre herdeiro testamentário, ainda quando construida; o fiduciário
pode ser legítimo. Exemplo: “os meus herdeiros, quando A se doutorar em
medicina, entregar-lhe-ão o prédio x”. A herança passou segundo os arts.
1.574, 23 parte, 1.673, ou, talvez, 1.726

(nesse o herdeiro necessário é herdeiro testamentário). Como aqueles dois


primeiros artigos concernem a sucessão legitima, legítimos são os
herdeiros, embora sujeitos ao fideicomisso. Daí o dizer de OTTO
WARNEYER

(Kam mentar zum Biirgerlichen Gesetzbuch filr das Deutsohe Rewh, II,
1135) : “Auch nach dem gesetzliehen Erbeu kann em Nacherben eingesetz
werden”. Poder-se-ia sustentar que houve, aí, instituição tácita dos
legítimos; mas sem razão (Tu. KIPP, Lehrbuch. des Biirgerliehen Reehts, II,
3, 306; contra, E. LEONHARD, em GEORO

EROMMIIoLD, Kommentar zum EGE., nota IV a, ao § 2.100).

12.NATUREZA DO DIREITO EXPECTATIVO DO FIDEICOMISSÁRIO.


fora de discussão o elemento germânico que se introduziu nas modernas
formas de fideicomissos, principalmente nesse ponto delicado do direito
expectativo hereditário do segundo instituído, o Erbenwartreoht do velho
direito alemão. Note-se bem: direito eventual, e não expectativa. Quem diz
expectativa com a velha e hoje inadmissível noção de expectativa,
JOAQUIM AUGUSTO FERREIRA ALVES (Da Sucessão testamentária,
Manual do Código Civil brasileiro, 359) não diz direito subjetivo; e o
direito do fideicomissário é direito subjetivo (J. TsCIIIERSCHKY, Recht
des Naeherben, §§ 4 s.).

Direito hereditário específico, parecido, porém não idêntico aos outros


direitos eventuais reais, entendeu E.

ENDEMANN (Lehrbuch des Burgerlichen Rechts, III, 881). Alguns


escritores recorreram a explicação pela propriedade segundo a concepção
alemã: um sobre proprietário, que tem a propriedade e usufruto, sem que
possa alienar ou transmitir o bem, e o sub-proprietário, que vela pelo seu
direito e espera o evento (A. HEUSLER, Institutwnefl des deutsehen
Privatreehts, II, § 87, 49). Mas teria poucas conseqüências práticas a
construção e foi posta de lado. A mais moderna teoria é a do direito real do
fideicomissário; é real o direito eventual dele. Assim, E.

RITGEN em G. PLANCK (Búrgerliches Gesetzbuch, V, 272),

F.HERZFELDELt (Erbrecht, J. v. Staudiflgers Komrnentar, V,

9 a ed., 515), A. TRIESING (Einige Bemerkungen

úber das Rechtsverhãltnis zwischen Vorerben u. Nacherben, Archiv fiir die


civilistische Praxis, 94, 262) e tantos outros.

Há os que opõem a esses o caráter puramente hereditário, que tem o direito


do fideicomissário. Mas verdade é que pode ser as duas coisas, não só
direito hereditário específico, patrimonial, subjetivo e dependente de
resolução, como quer F. ENDEMANN (Lehrbueh. des Bhirgerlichen
Ileehts, V, 385), e sim também hereditário real, segundo mais nos parece. A
jurisprudência alemã é pelo caráter real desse direito (Resp., 26, 329) ; e
temos dado, na prática, todas as conseqüências a essa concepção.

13.FIDEICOMISSO E DIREITO REAL. Provas de ser real o direito do


fideicomissário: a) assegura-se realmente pela transcrição nos registros de
bens (imóveis, apólices de dívida pública, ações de companhias, etc.) ; b)
no caso de alienação „dos bens fideicomitidos, dá-se a sub-rogação real; o)
são ineficazes as alienações que o fiduciário não poderia fazer; á) ao tempo
do evento, podem ser reivindicados os bens, assim como nos casos da letra
e).

Direito subjetivo, positivo, real; a sua eventualidade só concerne à entrega


dos bens.

Não é simples expectativa: com a abertura da sucessão, não será possível


revogá-lo, ou torná-lo ineficaz, ou infirmá-lo,

as disposições testamentárias, que o criaram, se tornaram irrevogáveis; está


assegurada, desde aí, a sua evolução até o pleno direito (“Entwicklung zum
Vollrecht”, dizem juristas alemães), precisado o seu objeto, e previstos, de
acordo com a vontade do testador, ou pelas regras dispositivas do Código
Civil, os seus riscos, inclusive (o que poderia ser invocado contra a
concepção do direto subjetivo real) a sua inerdabilidade. A entrega dos
bens, a restituição, um dos efeitos do direito, pode não se dar (e.g., no caso
do art. 1.738) ; mas um direito, para existir, não depende de se lhe
seguirem, ou não, as conseqüências. Noutro dominio jurídico, há fenômeno
que bem mostra isso. No direito internacional privado, quando a

-alguém cabe certo direito, a que a situação dos bens ou o exame pela
justiça de introdução impede, por invocação de ordem pública, todos ou
alguns efeitos. Um direito existe por si, como direito, e não se existir a
eteira dos seus efeitos. O direito do fiduciário, normalmente, é alienável,
suscetível de hipoteca.

Se o testador e o fiduciário morreram no mesmo momento tu se presumem


simultaneamente mortos (art. 11), o nomeado por fideicomissário não o é e
sim pleno herdeiro. Não houve o lapso indispensável à eventualidade do seu
direito. O direito brasileiro não limita, no tempo, o fideicomisso; satisfaz-se
com a restrição pelos graus (art.

1.739).
14.PASSAGEM NOS BENS FEICOMITIDOS. O segundo momento dos
fideicomissos é aqueles em que os bens passam ao fideicomissário. Em vez
de titular do direito, positivo, real, é certo, mas, em todo o caso,
dependente, quanto à entrega, de acabar o direito do fiduciário, torna-se ele
o herdeiro pleno; em vez de ter o direito do pós-herdeiro passa a ter o pleno
direito. Essa noção do pleno direito, em comparação com o direito eventual,
é vulgar na ciência jurídica, e reflete-se na terminologia das duplas
instituições: pós-herdeiro, Nacherbe, com direito eventual, subjetivo,
Wartrecht, e pleno herdeiro, Volierbe, com o direito pleno, Vollreeht.
Voilerbe é o que recebe a herança sem pós-herdeiros, nem condições; o
fiduciário, no dia em que morre o fideicomissário, cujo direito acontece ser
hereditariamente intransmissível, torna-se Voilerbe, como o fideicomissário
o será no dia em que terminar o direito do fiduciario.

É preciso que o fideicomissário, ao tempo da passagem, ainda viva? Isto


não é de direito cogente. Se o testador disse “herdeiros legítimos”,
compreende-se; se fêz personalíssimo o fideicomisso, também se
compreende: nos outros casos, não. Para os últimos, cumpre distinguir: a)
Fideicomissário que vivia ao tempo da abertura da sucessão e já não vive,
sendo herdável o direito dele. b) Fideicomissário que vivia ao tempo da
abertura da sucessão e já não vive, sendo inerdável o seu direito. e)
Fideicomissário que já não vivia ao tempo da morte do testador. Nos dois
últimos casos, cabe a regra; no primeiro, não. Atendidas as considerações
que fizemos sôbre fideicomissos personalíssimos e não personalíssimos, o
que decide de tudo isto é a interpretação. Tanto mais quanto (caso e), em
vez da herdabilidade do direito eventual, questão que se desenrola, na
herança do fideiconiissário, a respeito da natureza. do seu direito, pode
surgir, e não raro surge, a da substituição dele, problema que concerne, na
herança do testador, ao teor da verba da segunda instituição. d) Sendo
possível, como é, a substituição de pessoas nomeadas fideicomissários aos
casos em que ainda n& vivem, a respeito delas não cabe a regra. – O
fideicomissário pode ser prole eventual do fiduciário, ou de outrem. Poder
ser quem apenas está concebido. Não se pode, porém, generalizar a ponto
de se dizer, como fêz a 43 Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São
Paulo, a 20 de novembro de 1947 (1?. dos T., 172, 119), que “não obsta ao
fideicomisso a inexistencia do fideicomissário ao tempo da morte do
testador, pois que êle deve já existir por ocasião da morte do fiduciário
15.FEIÇOMISSOS PERSONALISSIMOS; E FIDEICOMISSOS A
TERMO E HERDÁVEIS. Quanto ao conteúdo e aos efeitos, é de todo
proveito distinguir duas espécies: a)Os fideicomissos personoissimos, cujo
direito eventual é inerlúvel. a) Tal o caso dos fideicomissos condicionais, se
outra coisa não dispôs o testador, e dos fideicomissos a termo de morte do
fiduciário (art. 1.788), salvo se o contrário quis o testador. No direito
brasileiro, devido à regra do art. 1.788, a. grande maioria dos fideicomissos
é inerdavei. Morto o fideicomissario antes do fiduciário, cai o fideicomisso,
e a propriedade do fiduciário se consolida. Não é mais um pré-herdeiro, e
sim um pleno herdeiro. b> Também são personalíssimos os fideicomissos a
termo, quando assim os queria o testador; porque o art. 123 é dispositivo, e
não inscogens. Do conteúdo da verba é que se tira a herdabilidade, ou não,
do direito do fideicomissário. Se nada disse, quanto a isto, o testador, então
cumpre considerar herdável o direito, nos fideicomissos a termo, e
inerdável, nos condicionais ou a termo de morte do fiduciário. Raciocínio
Osse assaz importante para o ônus de prova: a quem alega a herdabilidade
do fideicomisso condicional cabe fazer a prova disso; outrossim, se a termo
de morte do fiduciário.

Mas, em se tratando de fideicomisso a termo, o ônus toca a quem sustenta a


inerdabilidade (cp. F. ENDEMANN, Lehrbneh des Búrgerlichen Rechis, III,
388 e nota 19). O fiduciário condicional ou a termo de morte invoca o art.

1.730 e isto lhe basta para impor aos herdeiros do fideicomissário

onus de provar; por seu lado, nos fideicomissos a termo, esses invocarão o
art. 123.

No direito austríaco, a Nov. III, de 1917, art. 59, que acrescentou urna
alínea ao Código, art. 615, fêz herdável o direito de qualquer
fideicomissário; quer dizer: os herdeiros dele, sucessores no direito
eventual, receberão, mais tarde, a abertura da pós-herança, os bens
fideicomitidos, se o fideicomissário morrer depois do testador e antes
daquela abertura. A regra, que se introduziu, é ais positiva. MARCEL DE
GALLAIX (La Ré! orme dii Coãc Civil autrichiefl, 85), incide em erro
crendo interpretativa a regra jurídica.

b)Os fideicomissos ndopersonaliS5iflWs cujo direito eventual é herdável.


Tal se dá quando a termo (art. 128) ou.

nos casos de fideicomissos a termo de morte do fiduciáriO, e nos


condicionais, se o testador assim o quis. Se o fideicomissário morre antes
do testador, os bens vão, em pleno direito, ao fiduciário; salvo se há
substituição, O

que, na dúvida, nestes casos, se deve presumir. Se a morte do


fideicomissário ocorrer após a abertura da sucessão, herdam o direito
eventual os seus sucessores legítimos e testamentários. Entre a abertura da
sucessão e a entrega dos bens, o direito do fideicomissário é alienável,
empenhável e penhorável.

No caso de fideicomissos personalíssimos a alienabilidade, a


empenhabilidade e a penhorabilidade do direito do fideicomissário
dependem da construção da verba. Aqui, na dúvida, é inalienável. e não
suscetível de se empenhar ou de ser penhorado.

16.PRESSUPOSIÇÕES ESSENCIAIS A CERTOS FIDEICOMISSOS.

Se o testador disse: “Deixo a meu filho A x cruzeiros em apólices, a meu


filho E, x cruzeiros; pela morte de A, passarão os x cruzeiros em apólices a
C, porque A não tem filhos”, existe aí, querido pelo testador, um
fideicomisso. Se nasce um filho a A, ou se, sem que o testador soubesse,
existia, o juiz, na interpretação, tem o papel oposto ao que teria no
fideicomisso construtivo. Não criará figura; cortará, para melhor servir a
vontade do testador, a construção que êle quis. Porque, como bem disse F.
ENDEMANN (Lehrbuch des BúrgerUchen Rechts, III, 380), tem de ser
riscada, no sentido ex voluntate, a instituição do fideicomissário.
interessante ocorre ainda que, ainda depois de aberta a sucessãO, de
construída como se fosse uma só instituição a verba testamentária, se, antes
da morte do filho, morre o neto, volta a valer a dupla sucessão: O, que
estava afastado, adquire, desde a morte do testador, o direito eventual à
sucessão em segundo lugar (ii. SALINGER, Die acherbfolge nach dem
aGE., Archiv fir

Ejirgerliches Recht, 19, 149; EMIL STROHAL, Das deutsohe Erbrecht, 3a


ed., § 27, IV). Êsse voltar à vida não é estranho ao querer do testador: está
implícito na verba.

O testador tem uma filha, de cujo casamento, com um fraco de espírito, não
há prole. A verba diz: “morta minha filha, não quero que os bens que lhe
deixo passem ao marido, imbecil, que é; irão aos sobrinhos”. O marido
morre, recasa-se a mulher. Talvez lhe nasçam filhos. O juiz não pode
cumprir a verba tal como foi construída antes.

Quando se interpretar a verba de fideicomisso como se o testador só tivesse


instituído o estranho para o caso de não ter descendentes ou descendente
instituido fiduciário, a construção será de instituição com cláusula
resolutiva, e não suspensiva (E. LEONHÂRD, em GEORG
FROMMHOLD, I<ommentar zum SOB., 259; OTTO

WARNEYER, Kommentar, II, 1139).

§ 5.834. Espécies de fideicomisso

1.FIDEICOMISSO, UNIVERSAL E PARTICULAR. Diz-se universei o


fideicomisso quando se dispõe que o fiduciário, em vida ou depois da
morte, restitua a herança ou legado universal ao fideicomissário. No direito
brasileiro, pode o testador dispor de toda a herança em legado ou legados.
São possíveis, portanto, legados universais. Particular, quando se há de
restituir coisa, ou parte da herança, ou o legado. O fideicomisso pode ser
puro ou condicional. O que se concebeu a termo é puro. Necessariamente
será a termo ou condicional, porque se trata de duas instituições, uma
continuando a outra, e será preciso que uma acabe para que a outra comece.
A simultaneidade, a existência de duas instituições sem termo ou condição
resolutiva de uma, seria de nua-propriedade e u su fruto, ou outra figura
jurídica (propriedade e uso, propriedade e habitação, etc.), e não
fideicomisso.
2.FIDEICOMISSOS ELETIVOS. ~ Pode o testador instituir herdeiro ou
nomear legatário, ordenando-lhe que, em vida ou por morte, passem os bens
a pessoa da família que o fiduciário escolher? No direito anterior, havia tais
fideicomissos (MANUEL DE ALMEIDA E SOUSA, Notas de Uso prático
e criticas, III, 435). Não vemos dificuldade em concebê-los juridicamente,
no direito de hoje. A primeira instituição ou nomeação é perfeitamente
válida quanto ao sujeito e quanto ao objeto. A segunda poderá enquadrar-se
nos arts. 1.668, 1, ou 1.718, a cujos comentários nos reportamos, O art.
1.668, 1. permite que se disponha a favor de pessoa incerta que deva ser
determinada por terceiro dentre duas ou mais pessoas pertencentes a uma
família. “Deixo a A o prédio x”, dirá o testador, “e A, daqui a dez anos (ou
por testamento), pagará a um dos filhos de E, à sua escolha”. Vale a
disposição: contém verba do art. 1.788 combinado com o art. 1.668, 1.
Poderá diminuir a liberdade de escolha e acrescentar: “ao filho de E que, a
seu critério, mais merecer”; ou, mais restrita a eleição, “ao que, pelos
estudos, mais se tenha distinguido”. Se o testador dispôs que passaria “a um
dos filhos de E, que A escolher, se E os tiver”, também vale: dá-se o
fideicomisso associado ao art. 1.668, 1, e à figura do art. 1.718, cuja
natureza já estudamos.

O fideicomisso eletivo, para valer, não precisa ser de escolha de membros


da família; pode também referir-se a prole eventual de qualquer pessoa
designada e existente ao abrir-se a sucessão (art. 1.718) ; a duas ou mais
pessoas mencionadas pelo testador (art. 1.668, 1, pr.) ; a duas ou mais
pessoas pertencentes a estabelecimento designado pelo testa dor (art. 1.668,
1, in fine) ; a pobres. “Deixo o prédio x a A, passando por morte dele aos
pobres dos estabelecimentos (ou lugar) que A em testamento designar”.

8.FIDEICOMISSOS CONSTRUTIVOS. A vontade do testador é que pode


fazer o fideicomisso. Porém, em certos casos, surge o fideicomisso
construtivo. Neste, o intérprete da disposição testamentária lança mão da
figura de um pré-herdeiro, ou de um pós-herdeiro, vale dizer, na linguagem
da lei, de um fiduciário, ou de um fideicomissário, como beneficiário
auxiliar, herdeiro prestimoso, que exsurge para a função da construtividade
interpretativa. É o
“Aushúlfeerbe” de E. ENDEMANN (Lehrbuch des Burgerlichen Rechts,
III, 377). Não é pré-sucessão, ou pós-sucessão, sem ou contra a vontade do
testador, porque, se a vontade dele faltou para o criar (talvez devido a sua
ignorância do direito, ou a confusão de sistemas jurídicos, vulgar nos
estrangeiros naturalizados), existiu para querer o resultado. É justamente
em atenção ao fim a que êle quis chegar que o juiz compõe, com os dados
volitivos que encontra, ou segundo a conveniência ditada, objetivamente,
pelo fim querido, a figura indispensável à plena eficácia da verba. O art.
1.666 estaria sacrificado se tal caminho não tomasse o julgador. Se
analisarmos o proceder a que aludimos, veremos que se fixaram os olhos no
resultado querido pelo testador e encheu-se, com o elemento jurídico
contido nas leis, o necessário às conseqüências desejadas. Procedeu-se no
interpretar como se quisesse os meios alquile indivíduo que quis os fins. Na
espécie, sendo legais esses meios, sendo juridicamente possíveis e
adequados ao resultado querido, a construção não incide na condenação do
brocardo “os fins justificam os meios” (ex hypothesi, os meios são legais),
nem incorre na censura de ser sem ou contra a vontade do testador.

Sem a vontade, ou contra vontade dele, seria quererem-se resultados


diferentes, ou não se atender à disposição por se ter querido o fim sem se ter
querido o meio. Diz E. ENDEMANN (Lehrbuch des lihirgerlichen .Rechts,
III, 877). Se a sucessividade de herdeiros repugnaria ao testador e de modo
nenhum pensou nela, então tudo muda: ou vale a instituição de herdeiro, ou
legado, que se extrai das palavras, ou não vale e cessa o dever que aos
juizes dá o art. 1.666.

Vamos aos exemplos: a) “Deixo 100.000 cruzeiros novos a E aos 80 anos”.


Seria uma disposição nula, porque violaria o preceito que veda heranças
sem herdeiros; se reputarmos nulo o termo suspensivo, está ferida a vontade
do testador, que deve ter tido razões para querer e, com o quer que seja, quis
que E só aos 30 anos recebesse. Mas há a regra de interpretação do art.
1.666: o juiz construirá como se o herdeiro legítimo ou testamentário, ou,
talvez, o testamenteiro, fosse o fiduciário. b) “Deixo a E até a sua morte”.
Entre a violação e o respeito do querer do testador, a atitude do juiz somente
pode ser a de salvar a verba testamentária: construi-la-á como se o
fideicomissário fosse o herdeiro legítimo ou testamentário. No primeiro
caso, ergueu-se, auxiliarmente, o fiduciário construído; no segundo, o
fideicomissário construído.

Não cabe cogitar-se de fideicomissário construtivo quando, antes da


abertura da sucessão, morrer o beneficiado até certo tempo. Nem de
fiduciário, quando morreu, antes da abertura da sucessão, o beneficiado a
partir de certo tempo (cp. Orrn WARNEYER, Kommentar, II, 1188).

Cumpre notar o seguinte: a) na construção dos fideicomissários (“deixo x a


B até 1940”, verba na qual E é fiduciário, e fideicomissários os herdeiros
legítimos), a Fazenda não é herdeiro legítimo, e, se não há herdeiros, herda
E o pleno direito, considerando-se não escrita a restrição; b) na construção
do fiduciário: “deixo x a 13 a partir do ano de 1980 ou se acontecer tal
fato”, B é fideicomissário, e fiduciários os herdeiros legítimos, inclusive a
Fazenda; porque, aqui, ficara sem dono a herança, contra o propósito da lei
(artigos 1.665 e 1.666).

Claro que isso tudo só ocorre no caso de nenhum outro elemento


interpretativo que denuncie qual tenha sido a vontade do testador. Aí, a lei
não coage, não exerce pressão, auxilia, ampara. Quase sempre há dados
volitivos de que se induza ter sido indicado o testamenteiro ou algum outro
legatário.

§ 5.835. Situação jurídica dos figurantes

1.SITUAÇÃO JURÍDICA DO FIDUCIÁRIO. A posição do fiduciário


dimana do próprio pensamento fundamental do instituto, que é receber o
fiduciário a herança ou bem, usufrui-lo, até que, ao advento do termo ou
condição, restitua ao fideicomissário a substância (TIl. KTPP, Lehrbuch des
Bilrgenlichen Rechts, II, 8, 307). Daí a semelhança com o usufruto, porém
mais acentuado o seu poder (“Longe maius consetur ius heredis gravati”,
dizia o Cardeal J. 13. DE LixA, “quam usufructuarii, cum ille ínterim,
donec fiat casus restitutionis, dicitur versus ac perfectus dominus, quod de
usufructuario dici non potest”): não se partiu a propriedade em nua-
propriedade e usufruto, aquela para o fideicomissário, e êsse para o
fiduciário; todos os elementos estão com o fiduciário, temporalmente
limitados.

A resolutividade da propriedade do fiduciário não a faz inalienável; só o


faria a vontade do testador.

O fiduciário pode: a) Hipotecar, dar em anticrese, penhor, ou caução, os


bens fideicomitidos. b) Aliená-los, se não houver proibição expressa, e)
Locá-los, transferir a exploração deles.

Claro que o testador pode gravar de restrições de poder (cláusulas) os bens,


quer no lapso da fiducialidade, quer ao tempo da entrega ao fideicomissário,
quer o direito desse aos bens, quer todos os direitos de um e de outro
tempo.

Se o fiduciário aliena alguns bens do fideicomisso,as alienações subsistem;


facultado ao fideicomissário, depois do advento do termo ou condição,
reivindicá-los (MANUEL DE ALMEIDA E SOnSA, Notas de Uso prático
e críticas, III, 438). A opinião contrária de M. A. COELHO DA ROCHA
(Instituições de Direito Civil português, §

718) não pode subsistir perante os arts. 1.784 e 647, salvo nos fideicomissos
anormais em que tal restrição existir, ex voluntate. Transcrita a verba que
veda a alienação, os atos traslativos não permanecem.

O fiduciário pode transigir nos negócios litigiosos relativos aos bens


fideicomitidos; mas responde segundo os princípios. Se tiver de haver
partilha entre êle e terceiro, dar-se-á o mesmo. A intimação aos
fideicomissários para se representarem e intervirem põe o fiduciário a salvo
de futuras reclamações. Se os fideicomissários são nascituros ou a serem
concebidos, deve-se requerer que se lhes nomeie curador (Turim, 29 de
dezembro de 1810).

2.SITUAÇÃO JURÍDICA DO FIDEICOMISSARIO. Herdeiro do testador,


tem a sua qualidade e o seu direito desde a abertura da sucessão; falta-lhe a
entrega dos bens, que depende do têrmo ou da condição. Nos fideicomissos
não personalíssimos, o fideicomissário pode alienar o seu direito. A
despeito de longa discussão foi a isso que chegou a praxe alemã, contra a
grande corrente da doutrina (PAUL MEYER, Das Erbrecht des 13GB., §

45; F. HERZFELDER, Erbrecht, J. v. Staudingers Kommcntar, V, 515; E.


KRETZSCHMAR, Das Erbrecht des deutschen 5GB., 2,a ed., § 85, 202 5.;
F. LEONHARD, em GEORO FROMMHOLD, Kommentar zum 13GB.,
nota 1, C, ao § 2.108). Vitorioso foi E. ENDEMANN (Lehrbuch des
Biirgerlichen Rechts, III, 460) ; e com tôda a razão: trata-se de direito, e não
de expectativa. Direito que tem seus riscos, mas direito.

O fideicomisso, deixado a um dos cônjuges, e não recebido na constância


da sociedade conjugal, não se comunica; porque a propriedade está com o
fiduciário.

O direito do fideicomissário é suscetível de garantir, de modo real, dividas


(isto é, ser objeto de direito real de garantia), e de ser penhorado. É
empenhável e penhorável (E. SCHLECELBERGELI, Seu fferts Rldtter, 78,
1; OTTo WARNEmR, Kommentar, II, 1186; contra: DU CHESNE, Seufferts
BlÉttter, 75, 235).

Nada obsta a que se inscreva a hipoteca (arts. 831 s.) dc direito do


fideicomissário de bens imóveis (OTTo WARNEYEE, Kommentar, II,
1186) : se, nos casos de não hereditariedade do direito do fideicomissário,
êsse morre, perece o objeto da garantia real. O direito do fideicomissário
não é desmembrado da propriedade, como o uso, a habitação, o usufruto; é
um direito positivo, que dá ao fideicomissário todos os atos e os direitos
relativos ao registo de imóveis ou as medidas concernentes ao
acautelamento dos móveis. A transcrição, que se faz, deve conter tôda a
verba; se essa é suscetível de várias interpretações e já se deu alguma, que
tenha passado em julgado, devem ser transcritas a verba e a interpretação
dada.

8.O FIDEICOMISSO QUANTO Às RELAÇÕES ENTRE OS DOIS


HERDEIROS SUCESSIVOS. Quase todo o problema do fideicomisso se
resume no saber-se qual a situação jurídica entre o fiduciário e o
fideicomissário durante a duração da fiduciariedade. A lei procurou a linha
intermédia (E. ENDEMANN, Lehrbuch des Búrgerlicken Rechts, III, ~893)
e fêz a ambos herdeiros do testador. Nem o fideicomissário é simples
usufrutuário, uma de cujas consequências é não se lhe aplicar o art. 741,
nem, tão-pouco, aquelas figuras, a que já nos referimos, do purus minister,
do nudus minister, simples canal de transmissão dos bens, carreta subjetiva
de herança alheia.

Duas espécies principais de fiduciários podem-se apontar:

a)O normal, ou limitado, que é aquele que resulta da aplicação das regras
dispositivas da lei (arts. 1.734-1.738): propriedade resolúvel e restrita da
herança; obrigação de proceder a inventário dos bens fideicomitidos; pleno
direito, se o fideicomissário recusa a herança ou legado; consolidação da
propriedade no caso de o fideicomissário morrer antes do fiduciário,
quando fideicomisso a têrmo de morte do fiduciário ou condicional.

Também o fiduciário limitado ou normal é verdadeiro herdeiro e senhor da


herança. A êle vão os bens ipso jure, como a qualquer outro herdeiro (art.
1.572). Tem saisina. Pode ter encargos a cumprir, como qualquer herdeiro.
Se há co-herdeiros nas circunstâncias dos arts. 1.710-1.712, recebe por
acrescimento. A quota, a que se refere o art.

1.715, fica com êle, nos casos em que ficaria com qualquer outro herdeiro.

Como quer que seja, a posse fica com o fiduciário. Tocam-lhe os direitos e
os deveres resultantes da usufruição dos bens sujeitos ao fideicomisso.
Quanto a dividas da herança, a situação dêle é igual a dos herdeiros com
direito pleno.

Será herdeiro de direito pleno: a) se o fideicomissário é incapaz ou morreu


antes do testador; b) se o fideicomissário recusa a herança (art. 1.785) ou é
julgado indigno; o) se, nos casos do art. 1.738, o fideicomissário morre
depois do testador e antes dêle; d) se prescrever o direito hereditário do
fideicomissário. Tudo isso quanto ao fiduciário normal. Porém os arts.
1.734-1.788 são dispositivos, donde a possibilidade de variantes sutis da
figura.
Cada artigo, mediante contrária ou diferente vontade do testador, concorre
para essa multiplicidade de tipos, para os quais, na prática, é preciso todo o
cuidado dos interessados, advogados e juizes.

Quanto a fruição da propriedade fideicomitida, por ser herdeiro limitado e


não pleno herdeiro, deve o fiduciário tê-

la como própria, usá-la e frui-la, mas sem lhe prejudicar a substância. Nesse
ponto, a sua situação é quase idêntica à do usufrutuário, à de quem quer que
usasse e fruisse bem alheio

(E.ENDEMANN, Lehrbuch des Bítrgerlichen Redita, V, 896>. É preciso


reter a seguinte regra: quando se constrói um fiduciário, deve-se construir o
mais próximo possível do tipo formal. (E. ENDEMÂNN, Lehrbuoh dos
Bilrgerlichen Rechis, III, 445, entende que se há de obedecer ao normal;
mas raríssimos são os casos no que êle não advertiu de construção que
possa atender ao tipo rígido. Donde termos formulado a regra como de
máxima aproximação possível, e não adoção mecânica do exemplar oriundo
dos artigos dispositiVos da lei.) b)O fiduciário anormal. O Código Civil,
nos arts. 1.784- 1.738,formulou regras jurídicas dispositivas. A figura
jurídica resultante constitui o tipo normal. São regras que entram onde não
há vontade do testador. Evitam o vazio: dispõem. Se o testador diz a mesma
coisa continua a ser normal a figura. Se quer o contrário, ou não quer a
mesma coisa, já os artigos 1.734-1.788, que não são ius cogens, não podem
ser aplicados. Dá-se, então, a fiducialidade anormal, quer se tenha alterado
o fiduciário-modêlo, quer o fideicomissário-modêlo.

Os alemães falam de “befreiter Vorerbe” e W. HOTHORN dedicou-lhe


interessante estudo. Uma vez que se não ajustam vontade do testador e
preceitos da lei, para se conhecer a “concreta figura”, será preciso saber o
que o testador quis e o que, dos artigos do Código, se lhe aplica. Há
fideicomissos em que as regras legais são, quase tôdas, se não afastadas,
atenuadas, corrigidas. Em quanto o fiduciário normal é um só, podem ser
assaz diferentes, entre si, os anormais. Na Alemanha, o caso típico é o
Berliner Testament. As alterações mais notáveis são as relativas ao
reforçamento dos podêres de administração, fruição e disposição pelo
fiduciário, e as concernentes à atenuação dos podêres jurídicos.

4.VARIANTES FIDEICOMISSARIAS. Admitido o fideicomisso anômalo,


devemos exemplificar as variantes de que ésuscetível a figura, desde a
simples alteração no modo de restituir até o fideicommissum eius quod
superfuturum erit.

a)Ao fiduciário pode permitir o testador: a) que restitua, não a coisa, ou a


herança, mas o valor da coisa, ou da herança; b) que restitua em prestações,
que o testamento dirá em que tempo, ainda vagamente, ou a razoável
critério do fiduciário, ou do fideicomissário, ou do testamenteiro. Os dois
casos (a e b devem ser transcritos no registo dos bens, porque é de grande
importância para terceiros; c) que opte entre a entrega dos bens herdados,
ou outro, que seja do fiduciário, ou êle adquira; d) que não preste a caução
do art. 1.734, parágrafo único; e) que os títulos ou valôres fideicomitidos
sejam depositados em banco, ou convertidos à escolha do fiduciário,
dispensada a caução; f) que o fiduciário possa sub--rogar o valor (supõe-se
fixado) por determinados títulos, sem se ouvir o fideicomissário; g) que só
restitua o que restar dos bens.

b)Pode o testador exigir ao fiduciário: a) que destine parte das rendas à


conservação dos bens ou à reserva de desvalorização; b) que os títulos ou
valores sejam depositados em estabelecimento escolhido pelo
fideicomissário, pelo testamenteiro ou pelo juiz; e) não que êle submeta a
sua administração ao controle do fideicomissário, ou à sua aprovação
periódica, mas que, nas aplicações relativas à substância (benfeitorias com
o capital, restaurações, demolições de paredes internas, mudança de destino
da coisa), ouça o fideicomissário.

c)Não é possível: a) Tirar a posse e a fruição ao fiduciário e dá-la ao


fideicomissário (F. ENDEMANN, Lehrbuch des Biirgerlichen Rechts, III,
449) ; mas, se o testador nomear administrador aos bens do fiduciário, por
exemplo: devido a tratar-se de pessoa incapaz, vale a nomeação (arts. 411,
parágrafo único, e 453), ainda que seja o fideicomissário. A nomeação de
testamenteiro que administre o fideicomisso é sempre possível. b) Permitir
que o fideicomissário peça, quando entender, a herança, ou legado. c)
Eximir o fiduciário da responsabilidade pelos danos causados (se bem que
possa permitir que só restitua o que restar da herança).

d)Além das variantes acima, são possíveis: a) as que tornem herdável o


direito do fideicomissário condicional ou a termo de morte do fiduciário; b)
as que tornem inerdável o. direito do fideicomissário a termo; o) as que não
permitirem a caducidade por motivo de recusa do fideicomissário (artigo
1.785), caso em que, se o testador não disse a quem iria, ou não houver
conjunção, irá aos herdeiros legítimos; d) as que criarem substituição nos
casos de premorte o fideicomissario, ou de indignidade; e) as que tirarem ao
fideicomissário o direito ao que ao fiduciário acrescer.

5.INTUITO PRINCIPAL DO TESTADOR. Matéria, onde a vontade do


testador faz lei, muito se deve apurar quanto à intenção dele no fideicomitir
a herança ou parte dela. Um exemplo melhor dirá da importância do intuito:

“Deixo o prédio da rua x para que se sustente o meu amigo A, enfermo. no


Hospital x; e quando êle morrer, passe ao meu filho B”. Está-se a ver que o
testador quis apenas prover à mantença de A, pessoa estranha. Se B
premorre, deixando filho, nada justifica que o prédio vá aos herdeiros de A,
quando A morrer. Os netos do testador, filhos de E, é que devem recolhê-lo.
O art. 1.738 foi afastado pelo intuito do testador.

Diante das considerações que acima fizemos, cumpre distinguir:

a)Fideicomisso de instituições psicologicamente idênticas: o testador tem o


mesmo interesse em instituir a A e a E, de modo que não há qualquer
principalidade da verba da primeira ou da segunda instituição.

b)Fideicomisso de fideicomissário principal: o testador somente quis que o


fiduciário acautelasse, até certo tempo, a herança; herdeiro êle é, mas
desempenha o papel de protetor do patrimônio a ser entregue, podendo o
testador limitar os seus direitos de dispor e de usufruir. Acontece fazer-se
quando o fideicomissário é pessoa dissipada ou de pouca idade (F.
ENDEMANN, Lehrbuch eles Bilrgerlichen Rechts, III, 874).
c)Fideicomisso de fiduciário principal: o testador quis beneficiar a A,
fiduciário, e só quando A morrer é que os bens irão a E. Entram nesta
categoria, salvo casos excepcionais, os fideicomissos eletivos, em que ao
fiduciário se confere a escolha do fideicomissário dentre certo grupo de
pessoas.

d)Fideicomisso de fiduciário principal mas personalissimo, não


personalíssimo o fideicomissário. Tal o exemplo que demos no começo.

e)Fideicomisso com fidúcia: no qual o testador deixa a fé, a lealdade do


fiduciário, o segredo da designação. Rege-se, nesta parte, pelos princípios
da fidúcia.

A lei brasileira deu certa unidade ao conceito, de modo que, em qualquer


dos casos acima referidos, o instituido é verdadeiro herdeiro, como também
o fideicomissário. Só em casos de fidúcia sem possível coação-proteção, é
que a segunda ir.instituícão não terá efeitos jurídicos e tocará ao domínio
moral. Aliás, vejo-lhe, salvo nulidade (o que é outra questão), todos os
caracteres da obrigação natural, impedindo a repetição por pagamento
indevido. Mas a unicidade conceptual da lei não obsta, por força de serem
dispositivos os arts. 1.734-1.788, a que o disponente limite os podêres e
direitos do fiduciário. limitação que pode confinar com a da função da
testamentaria, ou acentuar-se, até chegar a reduzi-lo a simples testamenteiro

ou administrador temporário do patrimônio. Já então terá escapado à


categoria do fideicomisso: “deixo a E os prédios ~ e g, que até os seus 21
anos serão administrados por A, que fará seus os alugueres do prédio x e
com os do outro pagará o colégio de E e conservará os dois prédios”. Mas,
se disse “deixo a A até 1980, quando passará a E, não podendo ser alienado,
gravado de dívida ou penhorado o dito prédio, inclusive a metade das
rendas, pois que a destino à conservação”, há fideicomisso de
fideicomissário principal, no qual se reforça a segurança do fideicomissário
(F. ENDEMANN, Lehrbuch eles Biirgerlichen Reehts, III, 375, que lhe
chama de “pré-herdeiro usual e limitado”), figura assaz encontrada no
Brasil.
Na diminuição dos poderes do fiduciário, o testador poderá ir até o ponto de
só lhe deixar a qualidade de herdeiro ou legatário com a propriedade e a
posse. Quanto a êle, as cláusulas do art. 1.723 são perfeitamente possíveis, e
ainda nutras o são, porque se trata de herdeiro testamentário. As cláusulas
existentes em direito só precisam de permissão especial quando aplicadas a
quinhões necessários, de regra inatingiveis pelo querer do testador.

6.CLÁUSULAS RELATIVAS AO FIDEICOMISSO. Quem diz


fideicomisso diz sucessividade de herdeiros: a noção desenvolve-se na
dimensão do tempo, são dois pedaços de tempo justapostos; sucessivos,
porque, no tempo vulgar, toda justa-posição é sucessiva. Quando um acaba,
começa o outro; a qualidade de herdeiro é que começa, para ambos, do dia
da abertura da sucessão.

É elemento essencial ao conceito o “limite de tempo”. Direito do fiduciário


infinito no tempo, ou indeterminável, seria em contradição não a idéia de
fideicomisso. Direito infinito no tempo seria pleno direito. E o fiduciário é
um pré-herdeiro; não um pleno herdeiro.

Uma vez que o direito brasileiro não admite mais de um pré-herdeiro ou


grupo de pré-herdeiros e mais de um pós-herdeiro ou grupo de pós-
herdeiros, só temos de cogitar de um ~„limite de tempo”, que se opõe ao
direito do fiduciário ou grupo de fiduciários.

a)Se, após a abertura da sucessão, decorrem 30 anos sem que apareça o


fideicomissário, o fiduciário adquire o pleno

direito sôbre os bens. Isto não se aplica aos casos de instituição de prole de
determinada pessoa (art. 1.718) ; porque a prescrição não corre contra o não
vivo. Somente com a morte daquela cuja prole se beneficiou é que o
fiduciário terá consolidada a sua propriedade Deixado o bem em
fideicomisso a uma sociedade que ainda não tem personalidade jurídica, se
transcorrer o prazo de trinta anos sem que a adquira, será do fiduciário a
herança. Os trinta anos, no Brasil, são os da prescrição ordinária e da
aquisição sem título e de má fé; na Alemanha, trata-se de prazo especial
fixado em lei. Mas, aqui e lá, deparam-se-nos questões curiosas: a) Se o
testador disse os meus bens vão a A; tuas, se êle viver 85 anos após a minha
morte, os bens passarão a E”. b) “Deixo a A os meus bens; passados 40
anos, com eles se fundará o Hospital X”. Não é possível, já, invocação dos
80 anos.

b)Instituído a termo de morte do fiduciário, reputa-se personalíssimo, se


outra coisa não dispuser o testador; instituído a termo de número de anos,
entende-se não personalíssímo. A termo, sendo o fiduciário pessoa física,
quando, apreciado segundo as circunstâncias, exceder o tempo que poderia
viver o fiduciário, entende-se não personalíssimo quanto ao fiduciário,
herdável o direito desse.

c)O fideicomisso em que é fiduciário pessoa jurídica pode ser relativo à


vida desta; se bem que, se usufruto fosse, não pudesse exceder de 100 anos
(art. 741, que não se aplica aos fideicomissos).

7.FORMA DOS FIDEICOMISSOS. „ Não há fórmulas para. que delas se


induza tratar-se de fideicomisso, ou não, ou de fideicomisso, universal,
particular, sob condição, ou a termo; bastam quaisquer elementos que
demonstrem a vontade do testador. O que é necessário é que constem do
testamento. As regras de interpretação que estudamos sob o art. 1.666 são -
lhes inteiramente aplicáveis.

8.CONDIÇÃO E “MODIJS” Ao FIDEIGOMISSÁRIO. A instituição do


fideicomissário pode ser sujeita a condição. “Deixo os meus bens a A, que
passarão por sua morte a E, se êsse não tiver herdado por outro título”
(OTTO WARNEYER, Kommcntar,. II, 1135). “Deixo a A, passando, por
sua morte, a E, se estiver casada”.

Fideicomisso a termo, com a condição guanto ao fideicomissário.

Assim ao fideicomissário como ao fiduciário pode o testador impor modus


ou recomendações.

9.BEM FEICOMITIDO. A instituição do fideicomissário pode ser para toda


a herança, parte dela, ou bem que nela exista. Nada impede que ao herdeiro
ou legatário imponha o testador o fideicomisso de coisa pertencente ao
herdeiro ou legatário (art. 1.679), e valerá em parte, se só em parte
pertencer ao onerado (art. 1.680).

Na dúvida, o fideicomisso é de toda a herança recebida pelo fiduciário,


inclusive daquilo que lhe acrescer (arts.

1.710 e 1.712, 1.714 e 1.716) do que ficar, na qualidade de herdeiro ou


legatário, no caso do art. 1.715, ou for ao herdeiro em virtude da sucesstío
legitima (arts. 1.678, 1.574 e 1.718) ou da sucessão testamentária especifica
do art. 1.726. Tal a lição de TH. Kn‟r (Lehrbuch eles Bitrgerliehen Rechts,
II, 8, 808).

É possível o fideicomisso: a) de títulos de crédito, ainda ao portador,


devendo ser depositado, ou não (quando não for exigível o depósito, é
obrigado à caução o fiduciário, salvo ressalva do testador); ti) de dinheiro;
e) de usufruto (“usufruirá A até 1980, depois E”; ou “A até a morte, depois
E”) el) de bens futuros; e) de rendas a serem capitalizadas (“com os
rendimentos constituir-se-á o patrimônio x, de que será fiduciário A e
fideicomissário E”: A receberá as rendas das rendas) ; f) de divida do
terceiro ou do fideicomissário; g) de divida do fiduciário.

~ Pode haver fideicomisso só de usufruto? Contra isso, TEIXEIRA


D‟ABREU (Das substituições fideicomissárias, 79 s.> e LOPES PRAÇA
(Lições litografadas de Direito civil, 216) ; a favor, invocando o revogado
Código Civil português, JOSÉ TAVARES (Sucessões, 1, 468 s.) : “„o objeto
dos fideicomissos, segundo a disposição expressa do art. 1.866, é a herança
ou o legado; e tanto a herança como o legado podem ser deixados em
propriedade plena, ou só em usufruto, ou só em propriedade”. Adiante,
acrescenta: “se o testador deixa um legado de usufruto, com a disposição de
que, por morte do usufrutuário, o usufruto passará para outra pessoa, que
não seja o proprietário, temos aqui uma verdadeira substituição
fideicomissária de legado, nos termos expressos do art. 1.866”. Aliás, a
verdadeira conciliação que se adotou foi a de lê-los como se dissessem: O
usufruto testamentário vitalício e sucessivo é vedado; salvo a favor de
pessoas existentes ao tempo em que se torna efetivo o direito do primeiro
usufrutuário. Vedado, note-se bem, em Portugal, e não, como quis enxertar
CLÓVIS BEVILÁQUA, flO Brasil. O

interesse prático da questão, em portugal, seria o de conciliar os arts. 1.870,


2.199 e 2.250. No Brasil, fideicomisso de usufruto e usufrutos sucessivos
dariam no mesmo? Se f ideicomisso de usufruto, o objeto da fidúcia
(usufruto) obrigaria a tais restrições, que ficaria sem sentido a diferença.
Fideicomissos de domínios úteis, compreende-se facilmente; de concessões
(com caráter real), também. Mas de usufruto, de uso e habitação, seriam,
apenas, introdução da fides nas relações entre os dois usufrutuários,
obrigado o primeiro a inventariar e dar caução ao segundo (art. 1.784,
parágrafo único), além do inventário, que faz, e da caução, que, como
usufrutuário, presta ao proprietário dos bens. Tudo aconselha a evitar figura
tão híbrida.

No Código Civil português de 1966, os arts. 2.286-2.296 não se referem a


domínio, nem, sequer, a propriedade estrito senso, de modo que o
fideicomisso pode ser de qualquer bem.

10.SITUAÇÃO DO FIDUCIÁRIO NO REGISTRO DE IMÓVEIS. Se


normal o fideicomisso, ao fiduciário os bens pertencem, desde a saisina (art.
1.572), e no registro deve transcrever-se a verba testamentária pela qual se
saberá da restrição e da resolutividade da propriedade do fiduciário (art.
1.734). Nas relações entre êle e o fideicomissário, é sem importância o
registro; porque, à morte do testador, a herança vai aos herdeiros, com as
restrições, termos e condições das verbas testamentárias. A transcrição
servirá para os efeitos concernentes aos terceiros de boa fé ou não; de modo
que interessa ao fideicomissário que se proceda a tal formalidade o mais
depressa possível.

Nos fideicomissos anormais, também se deve, e a fortiori, transcrever o


fideicomisso. Aqui, tudo aconselha a se firmar, em breve, a fé pública.
Particularmente o fiduciário pode ter urgência em caracterizar, de público, a
sua situação para com o fideicomissário; e êsse, nos casos de objeto
fideicomitido não certo e determinado, mas determinável, precisará Que se
determine, para que tal determinação possa valer contra terceiros.
Contra terceiros, valerá a alienação feita pelo fiduciário, se isso resultar da
verba transcrita ou interpretação, que, com ela, se transcreveu. Alienado o
bem, de acordo com o que consta dos livros fundiários, não poderá
reivindicá-

lo, em tempo nenhum, o fideicomissário. No fideicomisso, há poderes


maiores ou menores do fiduciár io, e.g., se o testamento lhe veda contratos
de aluguer por mais de 5 anos; nestes casos, o terceiro pode opor não
constar do registro a restrição ao tipo normal. O fideicomissário terá ação
contra o fiduciário, porém o contrato com o terceiro vale. Muitas vêzes, será
exigência o consentimento do fideicomissário para alienações, constituição
de direitos reais ou locações excedentes de certo período. Para os terceiros,
a construção jurídica do fideicomisso é a que consta dos livros fundiários.

O fideicomissário é legitimado para requerer a transcrição ou as


retificações, que restaurem a verdade do seu direito; devendo fazê-lo ao
juiz. Ordinàriamente, os atos que se registram são sinalagmáticos. Quando
não o são, cumpre obviar aos inconvenientes, provocando-se a audiência
dos interessados e a intervenção do juiz. Para os mesmos requerimentos é
competente o Curador de testamentos.

Se o fideicomissario consentir previamente em atos que ficam a seu exame,


não é vedado, acordados os interessados> transcrever-Se também o seu
consentimento, mediante autorização judicial. Será ato sinalagmático ao
lado de teor testamentário.

11.NULIDADE E EXTINÇÃO Do FIDEICOMISSO. Realizada a


condição, ou atingido o termo, torna-se o substituto herdeiro incondicional,
e desde então a situação do fiduciário, saiba ou não dela, é a de um destor
de negócios (1?. ThOLt, em GMtR, Das Erbrecht, Kommentar zum
schweizettflhefl Zivilgesetzbuek, III, 268, cp. A.

SUTER, Pie Nacherbsehaft nach. dem sehiveizerisch«tt Zivilgesetzbuch,


ias, contra Código Civil alemão, § 2.140).

A instituição do fiduciário será sem efeito: a) se for nulo o testamento, ou a


disposição respectiva; ti) se roto ou re vogado o testamento, ou se revogada
ou infirmada (art. 1.747, parágrafo único) a disposição; e) se o fiduciário
morrer antes do testador; á) se recusar a instituição; e) se for julgado
indigno, caso em que será preciso indagar a quem passam os bens até o
advento do termo ou condição, salvo, nos casos das letras e), á) e ), se
houver substituição vulgar do fiduciário.

É nenhum ou se extingue o fideicomisso: a) se é incapaz o fideicomissário;


b) se nulo o testamento ou a disposição de fideicomisso; c) se roto ou
revogado o testamento, ou revogada ou infirmada a disposição respectiva;
á) se o fideicomissário morre antes do testador ou do termo ou da condição;
e) se o fideicomissário recusar o fideicomisso; f) se for julgado indigno,
salvo, nos casos das letras á), e) e f), se Houver substituição vulgar do
fideicomissário.

12.SITUAÇÃO DO FIDUCIÁRIO, DEPOIS DE RESTITUÍDO O


FIDEICOMISSO. Desde o momento em que o fiduciário deve restituir o
fideicomisso, e.g., realizada a condição para a passagem dos bens a
fideicomissário, cessa a sua qualidade do herdeiro, se só disso lhe vinha:
fíduciarius, restituta heredit ate, heres non manet. Não intervém na divisão
dos bens entregues, nem nas despesas com a entrega, salvo se o testador
dispôs diversamente.

Se o fiduciário, antes do advento do termo ou da condição, entrega o bem


ao fideicomissário, os credores dele podem usar da ação dos arts. 106-118,
e pagar-se com os frutos até o termo ou condição.

13.DESTINO DOS BENS SE ANTECIPADA A MORTE DO


FIDUCIARIO. Se o fiduciário morre antes do testador ou da condição ou
termo, pode o fideicomissário pedir a herança? Pôs . A. COELHO DA
ROCHA (Instituições de Direito Civil português, § 719, nota) a questão,
mas não a resolveu e só citou a MANUEL DE

ALMEIDA E SOUSA (Notas de Uso prático e críticas, 1H, 887), que se


inclinara à afirmativa. A questão precisa ser dividida e ampliadas as
divisões:
a) Morte antes do testador, incapacidade, renúncia da herança, indignidade
do fiduciário, nulidade da instituição, revogação ou informação.

b) Morte depois do testador e antes do termo ou com morte, incapacidade,


renúncia ou indignidade do fiduciário, assim como a nulidade da
disposição, revogação ou infirmação, deixam a figura sem o primeiro
instituído. Tal é a regra. Mas pode ocorrer que haja substituição vulgar do
fiduciário: “deixo a A, se B não quiser ou não puder, passando, em 1980, a
O”. Tudo depende da verba testamentária e da sua interpretação. Os
advogados principiantes logo invocam nulidade de tais verbas, crendo que
se trata de fideicomisso proibido <art. 1.789). É sempre permitido
substituir; o art. 1.789 refere-se ao fideicomisso (arts. 1.788-1.788) e não às
substituições (arts. 1.729-1.782). Nada obsta a que o testador substitua urna,
duas, ou mais pessoas, ao fiduciário, ou uma, duas, ou mais pessoas, ao
fideicomissário. Com isso não aumenta o grau do fideicomisso. Continua a
só haver o 1.~ grau de institilção e o 2?; fiduciário; fideicomissário. Só a
confusão entre os dois institutos pode levar a dúvidas quanto à possibilidade
de prever o testador o caso de não querer ou poder o fiduciário receber a
herança.

Se o fideicomisso não é associado à substituição, se não constitui elemento


de uma substituição compendiosa, cumpre saber se o testador quis que
desde logo fôsse entregue ao fideicomissário a herança ou legado. Do
mesmo modo se houve recusa ou indignidade.

15.DESTINO DOS BENS, NO CASO DE MORRER O FIDUCIARIO


ANTES DO TERMO „OU CONDIÇÃO.

Aqui, o fiduciário recolheu a herança e a mantém, mas, antes de dever


entregá-la, morre. Jode o fideicomissário pedi-la? preliminarmente, se o
testador quis que só aos 80 anos se entregasse o bem ao fideicomissario , ou
se formar em direito, não se pode cogitar de entrega cuja condenação
ressalta ex voluntate. Ou os bens ficarão com os herdeiros do fiduciário, ou
com o testamenteiro; só o testamento poderá decidir, presumindo-se que o
testador tenha querido que fique com os herdeiros do fiduciário. Se o termo
ou condição só se referia ao interesse do fiduciário que, com a morte,
desaparece, a situação é diferente: presume-se que O testador quis a
passagem, desde logo, ao fideicomissário. Assim, se o testador disse: “A
progride, para a sua melhora deixo-lhe o prédio em que tem a loja e, daqui a
dez anos, entrega-lo-á a meu filho”, morrendo A, antes dos dez anos> o
filho tem direito a pedi-lo desde logo.

Se o fideicomisso é associado à substituição do fiduciário a favor do


estranho, o fideicomissário não pode, pelo fato de ter falecido antes do
testador o fiduciário, pedir, desde logo, os bens. Do mesmo modo se houve
recusa, ou indignidade, ou incapacidade do instituído.

O fideicomisso, em que, morto o fiduciário antes do termo ou condição, os


bens ficam com o herdeiro do fiduciário, não constitui fideicomisso
proibido, porque não há duas classes de fideicomissários (os três graus),
mas uma só classe, sendo hereditária a fidúcia.

16.EXTINÇÃO DA FIDEICOMISSARIEDADE. Alcançado o termo, ou


realizada a condição, a herança ou legado passa ao fideicomissário.
Extingue-se o fideicomisso; porque, a partir daquele instante, é pleno
herdeiro o fideicomissário: o seu direito não está sujeito a qualquer
eventualidade; efetivou-se a sua última conseqüência. No intervalo, os bens
andaram fora, nas mãos do fiduciário, ou de alguém, em vez dele; voltam,
ipso jure, no instante do termo ou da condição. Por isso pode reivindicá-los

a) Contra o fiduciário, a sua ação é a de petição de herança ou de


reivindicação. O fiduciário, que era herdeiro e possuiu, desde aquele
instante é gestor de negócios, e tão-só. A ação contra o fiduciário é de
natureza real, rei vindicatio (Novela 108, c. 2; M. E. ECCIUS, Preussisches
Privatrecht, IV, 7 ed., 625, nota 28). Na Alemanha, é pessoal, porque o
Código Civil alemão não conhece rei vindicatio ou hereditatis petitio com o
caráter real romano (cf. W. HOTHORN, Rech,tsstellung des befreiten
Vorerbe, 215, nota 1; F. ENDEMANN, Lehrbuch des Bilrgerlichen Rechis,
III, 467).

b)Contra terceiros, a ação é de reivindicação. (Contra o “possuidor da


herança”, deve ser a de petição de herança.)
§ 5.836. Propriedade e posse da herança ou legado

1.ESPÉCIE DE PROPRIEDADE. Diz o Código Civil, artigo 1.784: “O


fiduciário tem a propriedade da herança ou legado, mas restrita e resolúvel”.
E no parágrafo único: “É obrigado, porém, a proceder ao inventário dos
bens gravados, e, se lho exigir o fideicomissário, a prestar caução de
restituilos”.

O substituto põe-se no lugar que teria sido o do substituído. O substituído


não foi nem é herdeiro ou legatário; o substituto, sim. Daí, a propriedade da
expressão “substituição”. Há herdeiro ou legatário, que, na falta de quem
poderia ter sido, se fêz tal. É o Ersatzerbe do direito alemão. Não se passa o
mesmo com o fideicomisso, no qual fiduciário e fideicomissário, Nacherbe,
herdeiro sucessivo, são herdeiros. Podem ser legatários. O que caracteriza a
figura é a duplicidade de instituidos, sem qualquer substituição, em sentido
próprio. O que os separa é o tempo, o que faz sucessivo o fideicomissário.

No fideicomisso, há dupla vocação testamentária, sem se afastar a possível


pluralidade de fideicomissários (“nomeio fiduciário E fideicomissários C e
D”), ou de fiduciários (“nomeio fiduciários E e C e fideicomissário D”), ou
de fiduciários e de fideicomissários (“nomeio fiduciários E e C e
fideicomissários D e E”). O que se veda é a sucessividade entre
fideicomissários, porque isso faria o fideicomisso ser de grau proibido.

2.O QUE É IMPERATIVO NO ART. 1.734. O fideicomisso deriva da


vontade expressa e completa do testador ou de regra dispositiva da lei que
lhe complete o querer. O art. 1.734 é parcialmente dispositivo; quer dizer,
alguma coisa, nele, pode dispensar o testador. Já vimos que a
inalienabilidade dos bens juridicamente possível quanto a herdeiros plenos
também o é quanto aos fiduciários e fideicomissários: são herdeiros, como
os outros; apenas a incidência nos bens se divide em camadas de tempo (até
x e a partir de x; até em quanto y não acontece e desde que ~ aconteça).
Também as restrições de poder consistentes em não hipotecar,
impenhorabilidade, incomunicabilidade, livre administração pelo cônjuge
são inteiramente permitidas ao testador.
Restam os poderes de usar. fruir, e administrar.

8. PODER DE ALIENAÇÃO. O testador pode tirar ao fiduciário parte ou


todo o poder de alienação, de hipoteca, nomear testamenteiro que
administre os bens até a entrega ao fideicomissário. O que se não pode
vedar é a utilidade da coisa ou da herança, porque seria fazê-lo co-executor
testamentário, quer dizer nudus minister, ou fiduciário não sucessor (nudus
a oommodo, sed nou a titulo, ou fiduciário inteiramente nu, de cômodo e de
título).

A própria fruição, o próprio uso, podem ser restritos; eliminados, não,


porque apagaria a figura jurídica.

Se o entender o testador, nomeará testamenteiro que vele pela restituição


dos bens ao fideicomissário, solução assaz útil, quando êsse é incapaz,
inimigo pessoal do fiduciário, ou prole eventual. No caso de ocorrer colisão
de interesse entre o nomeado testamenteiro e o fideicomissário, como se
aquele sucedeu ao fiduciário ou é o próprio fiduciário, pensam alguns que
nula será a nomeação (cp. F. ENDEMANN, Lehrbuch des Bhirgerlichen
Rechis, III, 416), outros que não (KONRAD EELLWIG, Wesen und sub
jektive Be.qrenzung der Rechtskraft, 229; DOEHL, Die grundbuchliche
Verfiigungsmacht des befreiten Vorerben, Deutsoke ,Juristen-Zeitung, X,
906). A verdade está em que: a) se o testador, prevendo-o, não nomearia,
opera a cláusula rebus sie stantibus; b) se o testador não conhecia o laço
existente, ou a identidade, dá-se o erro; o) se o testador conhecia a situação
já existente ou probabilissima, vale a nomeação.

Existe a figura do> fideicomisso em quanto, no limitar os poderes do


fiduciário, alguma parcela, de disposição lhe fica; disposição por si e para
si. Se todos, subjetivamente, lhe foram tirados, houve herança ou legado de
usufruto, e não de bens fideicomitidos.

As restrições aos poderes de disposição do fiduciário nor ma/ ou anormal


supõem a proteção e segurança do direito eventual do fideicomissário. Se
nenhum dano poderia ter resultado a êsse, não há ineficácia do ato. Isso não
quer dizer que o critério seja o da vantagem ou do prejuízo econômico, e
sim que as categorias jurídicas permitidas ou não permitidas atendem ao
critério da incolumidade do direito eventual do fideicomissário. A questão
do dano é outra questão. O uso irregular do poder de dispor constitui ato
ilícito. Permitida a disposição, irregular o exercício (art. 160, 1). Sôbre
exercício irregular de direito, veja PONTES DE MIRANDA (Das
Obrigações por atos ilícitos, 1, 156 s.). O testador pode pré-excluir a
alienabilidade do bem fideicomitido ou restringi-la (cf. 2.~ Câmara Civil do
Tribunal de Justiça de São Paulo, 26 de novembro de 1946, R. dos T., 166,
278). Se o bem é inalienável, a alienação somente pode ser nas espécies
previstas em lei e há, então, a sub-rogação real pela aplicação do preço,
continuando os direitos do fiduciário.

Tratando-se de alienação, judicialmente, de bem fideicomitido, tem-se de


entender que, seja em praça, ou em processo de desapropriação, ou
qualquer outro, o fideicomissário tem interesse direto e imediato. Tem o
juiz o dever de ordenar a citação.

A cláusula de inalienabilidade pode recair no próprio bem que passe ao


fideicomissário. O fideicomissário recebe diretamente do testador o direito,
e não através do fiduciário. No direito brasileiro, a cláusula de
inalienabilidade pode ser relativa a bem que advenha ao sucessor de
herança legitima, ou testamentária, ou de legado. É erro afirmar-se que seria
clausulação de herança de outrem (do herdeiro, ou legatário) : o
fideicomissário herda do testador, e não do fiduciário.

O que o fiduciário pode alienar, se não foi posta no testamento a cláusula de


inalienabilidade, é a propriedade que lhe toca; portanto, até quando haja o
seu direito. Se o testador, em vez de fazer inalienável a propriedade e a
posse do fiduciário. ou de lhe deixar apenas a disponibilidade até que se
extinga a fidúcia, permite que o instituido aliene definitivamente, no todo,
ou em parte, o que recebeu, não há fideicomisso. Se tal cláusula só se refere
a algum bem ou a alguns bens, ou a frações, só o que não é definitivamente
disponível pode ser tido como objeto de fideicomisso. Quanto ao que é
definitivamente alienável, o que há é deixa condicional, conít modus a favor
de alguém.
Pelo fato de ter a propriedade e a posse da herança ou legado, o fiduciário
responde como proprietário e como possuidor (impostos, despesas com os
frutos e rendimentos, obras de conservação, ressarcimento de danos
causados pelo imóvel ou danos que, com o uso ou fruição do imóvel ou de
outro bem, ou com modificações ou falta de cuidado cause ao imóvel, ou a
pessoas, ou a bens de outrem).

Quanto às benfeitorias no bem fideicomitido, o que apenar foi conservativo


entra no dever de conservação que tem o fiduciário. Quanto às despesas,
têm-se de distinguir dos gastos ordinários de conservação, que incumbem
ao fiduciário, os gastos extraordinários de conservação, que se retiram à
deixa, ou têm de ser indenizados pelo fideicomissário, dever de
ressarcimento que se transmite aos herdeiros do fideicomissário. No tocante
a inversões que não sejam gastos de conservação, regem os princípios
concernentes à gestão de negócios alheios sem outorga.

O fideicomissário só tem de ressarcir se foram invertidos de acordo com


sua vontade, mesmo se presumida, e em benefício dos seus interesses, ou
quando o fideicomissário autorizou as despesas, ou quando de provada
necessidade. Em todo o caso, fora dessas espécies, pode haver a
ressarcibilidade por enriquecimento injusto.

No que concerne às benfeitorias voluptuárias, pode o fiduciário retirá-las se


disso não resultaria qualquer dano ao bem fideicomitido. E. g., colocou
armários, ar condicionado, ou calefação.

Quanto à duração do direito do fiduciário, ou ela consta! explicitamente, da


cláusula testamentária, ou nada se disse no testamento. O mais freqüente é o
termo de morte do fiduciário; daí, em caso de omissão do testador, ou em
caso de dúvida, ter-se de entender que o direito do fiduciário persiste até a
morte desse (ULPIÁNO, L. 5, § 1, D., quando dies legatorum veZ
fideicommissorum cedat, 36, 2: “Itaque si purum legatum sit, ex die mortis
dies eius cedit”). Se a invalidade somente concerne à instituição
fideicomissária, o fiduciário sucede sem o gravame da fidúcia. Se há
substituição vulgar ou recíproca e invalidade é atinente apenas a um dos
apontados, o outro ou os outros não ficam fora da disposição testamentária.
Se premorre ao testador o fiduciário, o fideicomissário herda sem qualquer
gravame de fiduciariedade. Não há fiduciário. O direito do fideicomissário,
aí, não é direito expectativo. Herda ou recebe o legado, como qualquer
herdeiro ou legatário que não venha após qualquer sucessor de bem do
testador.

Quando cessa o fideicomisso, quer pela extinção normal, quer pela falta do
fiduciário, ou do fideicomissário, tem-se de requerer ao juiz a declaração da
extinção, para que se dê baixa do vínculo, no registro que fora feito.

No ato de alienação da propriedade e da posse do fiduciário há de constar


referência ao gravame. O fideicomissário pode exigi-la, quer diretamente,
quer perante a Justiça (Tribunal de Justiça do Ceará, 24 de fevereiro de
1947, 1?.

F., 95, 186; 23 Câmara do Tribunal de Apelação do Rio de Janeiro, 28 de


abril de 1939, 1?. dos T., 120, 609, e A.

J., 50, 261:

“Afora a caução, a que se refere o parágrafo único do artigo 1.734, que


assegura a restituição da coisa gravada, posto que alienada ou sujeita às
onerações autorizadas por lei, o Código Civil, no art. 121, faculta ao titular
de direito eventual, em caso de condição suspensiva, o exercício de atos que
se destinam a conservá-lo. Ao titular de direito eventual não se pode, assim
retirar o emprego, que lhe é facultado por lei, de medidas acautelatórias e
asseguradouras de seu futuro exercício”).

4.DIREITOS DO FIDUCIÁRIO E DO FIDEICOMISSÁRIO. Quando se


registra, no cartório de imóveis, a verba testametária, já fiduciário e
fideicomissário são herdeiros. O direito deles não é um direito em coisa de
outrem, uma limitação real; cada um tem o seu sôbre a mesma coisa.
Ambos são herdeiros da mesma herança, legatários do mesmo legado: um
até o dia tal, o outro daí em diante.

5.Uso E FRUIÇÃO PELO FIDUCIÁRIO. O fiduciário não é um nu-


proprietário: tem o usus e o .fructus, usa e frui a coisa ou herança; nem é
um simples usufrutuário~ usa e fruia coisa, e é dono dela. Propriedade
restrita e resolúvel; em todo o caso, propriedade. Um usufrutuário não
poderia, nunca,alienar o prédio: seria vender coisa alheia.

Não é essencial à figura e situação jurídica do fiduciário que se lhe atribua a


administração dos bens fideicomitidos.

Para isto pode o testador nomear quem êle quiser, o testamenteiro ou


outrem. Os únicos herdeiros a que se não pode tirar a administração são os
necessários (art. 1.754).

6.RESTRIÇõES AO USO E FRUIÇÃO DO FIDUCIÁRIO. O fiduciário


tem de restituir a coisa ou herança fideicomitida; portanto, não pode ser
ilimitado, nem quanto à substância nem quanto ao tempo, o seu direito de
dono da coisa ou herança.

a) Os bens imóveis devem ser conservados até a entrega. É o fiduciário


proprietário por tempo: não pode fazer hipoteca que leve à praça os bens e
lhes reduza o valor ou o elimine. Todos os seus direitos param onde começa
o prejuízo do fideicomissário. Por isso mesmo, o fiduciário pode constituir
usufruto sôbre o bem fideicomitido, entendendo-se que acaba quando
acabar o direito do fideicomissário (F. ENDEMANN, Lelirbucli des
Biirgerlichen Rechts, III, 406).

b) As hipotecas a favor da herança ou legado fideicomitido, as rendas


constituídas sôbre imóveis, os direitos a favor dos imóveis constitutivos do
fideicomisso, os créditos dos imóveis ou móveis da herança ou legado
(direito a indenização, prêmios de exposição ou concurso) pertencem ao
capital, ao valor, e não ao uso e fruição. Não os pode fazer seus o fiduciário,
no sentido de tirá-los da unidade econômico-jurídica do fideicomisso e
vertê-los no seu patrimônio pleno.

Mas, dono que é, pode saldar a dívida ativa hipotecária, que tem a herança,
e requerer que se inscreva no seu nome (F. ENDEMANN, Lelirbucli des
Búrgerlicheu Rechts, III, 407). O dinheiro sofrerá imediato efeito do
principio de sub-rogação e o juiz ordenará a-. conversão ou o emprego,
conforme a verba ou a figura oriunda dos preceitos dispositivos.
c) As disposições a título oneroso não podem menosprezar o direito
eventual do fideicomissário: porém verdade é que o fiduciário, dono, pode
dispor, e não só usar e fruir. Donde o problema da linha divisória entre o
que o fiduciário pode e o que mIo pode fazer. Tudo êle pode, „desde que
não fira o valor ou a substância da herança ou legado fideicomitido. Em
princípio, se não há prejuízo para o fideicomissário, êle pode pedir que se
sub-roguem os bens: aqui, a sub-rogação é normalmente mais fácil do que
no caso dos bens clausulados de inalienabilidade, dos menores (arts. 386 e
429), ou interditos, e a exigência da praça depende da lei processual. Aliter,
se há diversa vontade do testador. Apura-se a vantagem, e atende-se ao
interesse subjetivo do fiduciário, porque êsse é dono. Há disposição a título
oneroso sempre que a contraprestação é econômica e juridicamente
equivalente ao bem ou bens fideicomitidos. Na venda real, se o preço se
torna impossível, não se apaga a onerosidade.

d) Todas as disposições a título gratuito são-lhe vedadas; exceto ao


fideicomissário. Ainda assim, se há substituição ao fiduciário, ou se o
testador quis que não se antecipasse a entrega, a disposição a título gratuito
ao fideicomissário não pode ter efeitos violadores do que se assentou ex
voluntate.

Os contratos condicionais e causais não são excluidos do número dos


negócios a título oneroso, se a condição ou causa toca a ambas as
prestações (PAUL OERTMANN, Entgeltliche Geschãfte, Abli. zum
Privatrecht und Prozess, 23, 16; ERNA VON LANGSDORFF, Mitgift, 56).
Claro que não se refere a isso a causa donandi, e quanto às outras causas
toda afirmativa a priori não se justifica. t preciso ter sempre em vista que a
onerosidade se há de apreciar concretamente, em relação ao interesse do
fideicomissário e do seu direito eventual. Lição de F.

ENDEMANN (Lehrbuch des Búrgerlichen Rechts, III. 410) : “Ob eine


Verfiigung unentgeltlich sei, ist nicht bloss und nicht vorwiegend von ihrer
rechtsgeschãftlichen Grundlage, aIs vielmehr von ihrer Einwirkung auf dem
Nachlass und mithin vom Standpunkte des Nacherben und seines
Wartreelites nus zu beurteilen”. Por isto mesmo não há ofensa aos direitos
do fideicomissário na doação de uso, habitação, ou usufruto, até expirado o
termo ou realizada a condição resolutiva do direito do fiduciário, nem no
dote até então, questões antes assaz controvertidas nos altos centros do
pensamento jurídico. A apreciação tem de ser especifica.

A alienação gratuita definitiva ao fideicomissário, se não há vedação ou


obstáculo ex volunt ate, ou a terceiro, com o consentimento do
fideicomissário (se alienável o seu direito eventual), pode dar-se (MAx
HACHENEURG, Zeitschrift des deutschen Notarvereins, VI, 321, nota 14).
Na dúvida, entende-se dentro das possibilidades jurídicas de alienações;
porque o fiduciário é dono. Outrossim, para a onerosidade, não é preciso
que o próprio fiduciário receba, nem o fideicomissário (cp.W.HOTHORN,
Rechtsstellung des befreiten Vorerbe, 90). No contrato de reedificação de
prédio pelo locatário em que a entrega só se há de operar 50 anos depois
(constituição de propriedade resolutiva, arts. 647 e 648; ou simples
obrigação de locação por 50 anos), ainda que não se possa esperar a entrega
ao fiduciário ou ao fideicomissário, pode ser onerosa a causa e equivalente
a contraprestação à prestação.

e) Os títulos ao portador podem ser facilmente alienados e daí deverem ser


acautelados. Ou o fiduciário os deposita, e recebe as rendas, ou separa, a
cada mês, ou período, os cupões de juros; ou dá caução de os restituir; ou
pede a conversão deles. Normalmente, a alternativa depende dele. As
restrições derivam da construção da verba testamentária. Não importa a
natureza dos títulos ao portador, de que se trata; e não cabe a distinção, que
procura fazer a doutrina alemã, a propósito dos títulos ao portador de
legitimação (W. HOTHORN, Rechtsstellung des befreiten Vorerbe, 184,
aliás contra Protolcoile, V, 109). Em todo o caso, se a natureza deles é tal
que a cautela perante o emissor, judicialmente tomada, baste, o fiduciário
não precisa ser obrigado a caucionar ou depositar.

Seria inútil a exigência.

Opinião interessante, a propósito de sub-rogação dos bens fideicomitidos, é


a de A. SUTER (Die Nacherbschaft nacli dem schweizerischen
Zivilgesetzbuch, 147 s.). Para êle, em lugar de critério objetivo “se com os
meios da herança o fiduciário adquiriu”, cabe o subjetivo “se, ao praticar o
ato jurídico, o fiduciário converteu o patrimônio fideicomitido ou o
próprio”. Exemplo: se o fiduciário comprou o prédio com o dinheiro
próprio para o fideicomisso dá-se a sub-rogação. Condena

A.ESCHER (Das Erbrecht, Kommentar zum schweizerischen


Zivilgesetzbuch, 1H, 70), tal extensão do princípio.

Mas parece-nos que os efeitos sub-rogatórios, se o fiduciário não lesava,


com isso, terceiros, se operam desde que tenha havido diminuição do valor
fideicomitido, pelo qual tenha de responder o fiduciário ou seus herdeiros.
O

defeito da opinião de A.SUTER não está nas suas conseqüências, pelo


menos em algumas, e sim na premissa de se empregar critério subjetivo, em
vez de objetivo. O que se dá é a possibilidade de adquirir com meios, que
não foram tirados da herança, porém que o fiduciário destinou à reposição
de valores dela. Êsse poder não é incompossível, antes assaz se ajusta à
figura da fidúcia.

7.EFICÁCIA E INEFICÁCIA DOS ATOS DO FIDUCIÁRIO. São eficazes


todos os negócios feitos pelo fiduciário e relativos ao seu poder de
disposição. Constituem obrigações do fiduciário, e não da herança
fideicomitida (F. LEONHARD, em GEORO FROMMHOLD, Kommentar
zum 11GB., 2~a ed., 266, II). A execução, em virtude de tais contratos, feita
em bens do fideicomisso, não pode ter conseqüências além do termo ou
condição. Atingido êsse, ou realizada aquela, as conseqüências são
nenhumas.

Valem os atos exorbitantes do fiduciário: a) se o fideicomissário (não


gravado de inalienabilidade) consentiu, ou ratificou (OTro WARNEYER,
Komment ar, II, 1146) ; b) se o fideicomissário adquire o bem de que se
trata, ou é sucessor ilimitado do fiduciário.

Para se decidir quanto à eficácia ou ineficácia de atos dispositivos do


fiduciário, não se deve indagar se foi proveitoso, economicamente, para o
fideicomissário, e sim qual o seu caráter juridico (F. LEONHARD, em
GEORG FROMMHOLD, Kommentar zum 11GB., 2. ed., 268; A.
TRNESING, Einige Bemerkungen Uber das Rechtsverhãltnis zwischen
Vorerben u. Nacherben, Archiv flir die civilistisclie Praxis, 94, 229; contra:
H. SALINGER, Die Nacherbfolge nach dem BGB., Archiv fiir bitrgerliches
Recht, 19, 161).

Para alegar ou propor as ações que sejam fundadas na ineficácia dos atos do
fiduciário, são legitimados o fideicomissário, seus herdeiros e terceiros (F.
LEONHARD, em GEORO FROMMHOLD, Kommentar zum 11GB., 23-
ed., 268; TH. Kípp, Lehrbuch. des Biirgerlichen Rechts, II, 3, 344; OT-TO
WARNEYFs. Komment ar, II, 1146; a respeito de terceiros, contra: MAX
HACHENEURO, Zeitschrift des deutschen Notarvereins, VI, 146; II.
DERNBURG, Das Biirgerliche Recht, V, 33- ed., § 58, 172, nota 2; F.
KRETZSCHMAR, Dos Erbrecht des deutsehen 11GB., 23- ed., 126, nota
18; II. PEísnt, Handbuch des Testamentsrechts, 90, nota 59) ; por exemplo:
cessionário do fideicomissário, os credores deste, o testamenteiro, o
Ministério Público, etc.

8.CARÁTER DA INEFICÁCIA Enquanto dura a fiducialidade, o


fiducionário fica em situação de suspensão (não confundir com a situação
de condição suspensiva, que só desta resulta) : os atos do fiduciário, na
qualidade de herdeiro e senhor, valem; finda a fidúcia, não. Ainda contra
terceiros vai a sua ação de restituição. Aqui, os conceitos de nulidade
absoluta e relativa nenhum proveito trazem; porque há eficácia até tal
instante dos efeitos e ineficácia daí em diante. Absoluta: F. HERZEELDER,
lj E. BEYER (Die Surrogsj é absoluta, porque a ratificação operam plellarj
gitimados para as ações credores, etc. (F. Eirn Rechts, III, 427). O elesie no
tempo, fazendo sui especial.

9.FORMALIDADES FEICOMISSO. Ponto que assureiro, é o seguinte:


transação de fideicomisso, se o fide permissão do fideicomissão extinção da
fiducialidade; Hipotecas não tem efeitos o 1146). Aliás, transcrita e os
impostos e cautelas é de vir alegar contra o foi atingido o termo ou de
registrado a extinção. No e a verba diz, de si só, de dição é matéria de fato.
Para a hipoteca do precisa do consentimento Kommentar, II, 1148), seu dor.
Porém as conseqüências fideicomissário Quem, na arrematado pelo tempo
que Quem aluga, ou faz prédio fideicomitido, deve emissão.

Mudados os sujeito está terminado, iu so iure, fiduciário e os terceiros (


Buirgerlichen Rechts, III, 46. locações (art.

1.208). O prazo do art. 1.209. Se, extesário não se opuser à considerar-se-á


prorrogada a verba do sem prazo determinado (art. 1.195). No caso de
parceria agrícola, e art. 1.418 não se aplica ao fideicomissário, porque não é
herdeiro do fiduciário: no fideicomisso, se os bens foram objeto de parceria,
se, antes da colheita (quer dizer antes de terminar cada período econômico),
se extingue a fiducialidade, o fideicomissário pode reivindicar os bens; e
indenizará o parceiro dos gastos relativos aos frutos ainda não colhidos,
pois que, segundo as regras de exploração regular, devem ser no período em
andamento, desde que tenham sido os gastos normais. mais e não
ultrapassarem os frutos (F. ENDEMANN, Lehrbuch des Bilrgerliehen
Rechis, III, 469). Tudo isto deriva da publicidade, do caráter real do direito
do fideicomissário e da qualidade, que lhe é indenegável, de herdeiro do
testador, e não do fiduciário.

~ Pode o cartório de imóveis recusar os contratos assinados pelo fiduciário,


se já acabou o fideicomisso? Não; enquanto não se lhe ordena o registro da
extinção, não tem êle nenhuma autoridade para apreciar a mudança dos
sujeitos. Depois da formalidade registária da extinção, sim.

10.PROCESSOS RELATIVOS À HERANÇA OU LEGADO EM


FIDEICOMISSO. Durante o período fiducial, exerce o fiduciário, ativa e
passivamente, as ações tocantes à herança ou legado. Direitos reais em bens
do fideicomisso, dívidas passivas da herança, são causa de ações contra os
bens afetados à restituição eventual. Êle é que é parte. Êle, dono, e dono
com a posse, responde perante os tribunais e propõe as ações reais ~
pessoais que caibam à herança ou legado. Mas defender ou promover ação
não é dispor (F. HERZFELDER, Erbrecht, J. “.

Staudingers Kommentar, V, 537).


Os efeitos são contra êle e contra o fideicomissário, conforme se trate de
ações oriundas de situações objetivas da herança ou subjetivas do ficiário.

a)Se a ação correu antes da extinção do fideicomisso, efeitos pró e contra


atingem o fideicomissário, inclusive se, depois, o fiduciário recusa a
herança (cp. F. STEIN, Das Zivilprozessrecht, § 242, II, nota 3) ou é julgado
indigno.

b)A coisa julgada opera material e procússualmente pró e contra o


fideicomissário. Em conseqüência, a execução.

Mas aqui cumpre dividir as duas épocas, a fim de se saber se são : F.


HERZEELDER, II. NEUMANN, EMIL
STRORAL; relativa: RETER (liXe Surrogation bei Vermôgen im SUB.,
200). Não é absoluta, porque a co-participação do fideicomissário ou a
ratificação operam plenamente; não é relativa, porque são legitimados para
as ações o fideicomissário, o cessionário, os credores, etc. (E.
ENDEMANN, Lehrbuch des Biirgerlichen RecAis, III, 427). O elemento
temporal que se introduz, o corte no tempo, fazendo sucessivos os sujeitos,
cria essa situação especial.

9.FORMALIDADES REGISTRARIAS E EXTINÇÃO DO FIDEICO


141550. Ponto que assume grande importância, quanto a terceiro, é o
seguinte: transcrita, no registro de imóveis, a verba de fideicomisso, Se o
fiduciário garantiu com hipoteca sem permissão do fideicomissário, acaba a
garantia real, dá-se a extinção da fiducialidade; desde então o livro de
registro de hipotecas não tem efeitos (On‟o WARNEYER, Kommentar, 11,
1146). Aliás, transcrita a verba, a extinção processual para os impostos e
cautelas é necessária, mas os terceiros não podem vir alegar contra o
fideicomissário, a favor de quem já foi atingido o termo ou reduzida a
condição, a falta de se haver registrado a extinção. No registro existente
constava a verba e a verba diz, de si só, de que direito se trata. O termo ou
condição é matéria de fato.

Para a hipoteca do bem fideicomitido, o fiduciário não precisa do


consentimento do fideicomissário (Orro WARNEYER, Komnientar, II,
1148), se isto não lhe foi vedado pelo testador. Porém as conseqüências não
podem alcançar o direito do fideicomissário. Quem, na praça, arrematar o
bem, só o terá arrematado pelo tempo que faltar.

Quem aluga, ou faz qualquer outro contrato relativo a prédio fideicomitido,


deve contar com a possibilidade da transmissão. Mudados os sujeitos da
propriedade, uso e fruição, está terminado, ipso inre, qualquer negócio
jurídico entre o fiduciário e os terceiros (cp. E. ENDEMANN, Lehrbuch
des Búrgerlichen Rechis, III, 469).

Resolvem-se, iso i ure, as sub-locações (art. 1.203). O locatário do prédio


tem direito ao prazo do art. 1.209. Se, extinta a fiducialidade, o
fideicomissário não se opuser à continuação da posse do locador,
considerar-se-á prorrogada a locação pelo mesmo aluguer, mas sem

prazo determinado (art. 1.195). No caso de parceria agrícola, o art. 1.413


não se aplica ao fideicomissário, porque não é herdeiro do fiduciário: no
fideicomisso, se os bens foram objeto de parceria, se, antes da colheita
(quer dizer antes de terminar cada período econômico), se extingue a
fiducialidade, o fideicomissário pode reivindicar os bens; e indenizao o
parceiro dos gastos relativos aos frutos ainda não colhidos, pois que,
segundo as regras de exploração regular, devem ser no período em
andamento, desde que tenham sido os gastos normais e não ultrapassarem
os frutos (E. ENnEMANN, Lehrbuch des Biirgerlichen RecAis, III, 469).
Tudo isto deriva da publicidade, do caráter real do direito do
fideicomissário e da qualidade, que lhe é indenegável, de herdeiro do
testador, e não do fiduciário.

j, Pode o cartório de imóveis recusar os contratos assinados pelo fiduciário,


se já acabou o fideicomisso? Não; enquanto não se lhe ordena o registro da
extinção, não tem êle nenhuma autoridade para apreciar a mudança dos
sujeitos. Depois da formalidade registária da extinção, sim.

10.PROCESSOS RELATIVOS À HERANÇA OU LEGADO EM


FIDEICOMISSO. Durante o período fiducial, exerce o fiduciário, ativa e
passivamente, as ações tocantes à herança ou legado. Direitos reais em bens
do fideicomisso, dividas passivas da herança, são causa de ações contra os
bens afetados à restituição eventual. é que é parte. file, dono, e dono com a
posse, responde perante os tribunais e propõe as ações reais e pessoais que
caibam à herança ou legado. Mas defender ou promover ação não é dispor
(E. HEEZEELDER, Erbrecht, ./. “. Staudingers Kommentar, V, 587).

Os efeitos são contra êle e contra o fideicomissário, conforme se trate de


ações oriundas de situações objetivas da herança ou subjetivas do
fiduciário,

a)Se a ação correu antes da extinção do fideicomisso, efeitos pró e contra


atingem o fideicomissário, inclusive se, depois, o fiduciário recusa a
herança <cp. F. STEIN, Das Zivilprozessrecht, § 242, II, nota 3) ou é
julgado indigno.

b)A coisa julgada opera material e processualmente pró e contra o


fideicomissário. Em conseqüência, a execução.

Mas aqui cumpre dividir as duas épocas, a fim de se saber se são efeitos
reais contra a herança ou reais contra a propriedade temporária do
fiduciário. e> Nem todo julgado opera contra o fideicomissário: se por ato
jurídico do fiduciário, que seria ineficaz para o fideicomissário, os efeitos
materiais não se podem produzir. Daí a aconselhável citação do
fideicomissário nos casos duvidosos; se, posteriormente, foi julgado que o
fiduciário não podia praticar o ato ou só o podia até o termo ou condição,
nenhuma segurança terá o portador da coisa julgada. Se ainda não existe o
fideicoinissário, a solução será (aqui e necessária-mente no caso do art.
1.718, in fins) a de requerer-se a nomeação do curador do ventre ou da prole
eventual (cp. A. MENDELSSOHN-BARTHOLDY, Orenzeu der
Rechtskraft, 459). A intervenção do fideicomissário, nos casos que lhe
tocam e para caracterizar situações, plenamente se justifica (cp. KONRAD
HELLWIG, Wesen und sub jeictive Begrenzung der Rechtskraft, 284, 402;
O. FRIEIIRICHS, Prozessfithrung des Vorerben, 38).

d) Em tudo a que não podia estender-se o direito de dispor do fiduciário, a


decisão não tem efeitos pró ou contra o fideicomissário. É conseqüência
lógica dos princípios postos. Será o fiduciário, quando o entender, gestor de
negócios, como qualquer outra pessoa. Dar-se-á o mesmo desde o instante
da extinção da fiducialidade.

e)A execução da sentença processual e materialmente operante contra o


fideicomissário colhe o bem em toda a sua substância e tempo. A execução
da sentença só operante contra o fiduciário ou até a extinção do
fideicomisso surte os seguintes efeitos: a> vendido o bem, o comprador só
recebe propriedade restrita e resotúvei; b) comprado pelo fideicomissário,
não se consolida a propriedade, porque a propriedade comprada tem outro
título; e) no caso das letras a) e b), se houver acrescimento (arts. 1.710-
1.712, 1.714 e 1.716), aumento da quota (arts. 1.673, 1.713 e 1.715), ou
substituição pelo fiduciário (arts. 1.729 s.), o fiduciário receberá o elemento
ajuntado e passará, depois, ao fideicomissário. WOLFFGARTEN (Der
Schutz des Nacherben gegen Verfiigungen des nichtbefreiten Vorerbes sowie
Dritter, 42 s.). A execução no uso e fruto é, normalmente, possível (F.
HERZLDER, Erbrecht, J. v.

Staudingcrs Kommentar, V, 546).

f) A decisão tem ou não tem efeitos materiais contra o fideicomissário; a


eficácia de um julgamento não se poda partir.

Quando o fiduciário exerce as ações pela herança ou bem fideicomitido, a


coisa julgada opera material e processual-mente. ~,Em que qualidade se lhe
dá êsse poder? Certo, no tocante aos efeitos pró e contra si, pediu ou
defendeu o que era seu. ~ Quanto ao que respeita ao fideicomissário?
Falou-se em representação; outros a negam e querem que derive da
propriedade atual do fiduciário (KONRAD HELLWIG, Wesen unci sub
jektive Regrenzung der Rechtskraft, 53; E. ENUEMANN, LeArbucA des
Riirgerlichen Rechts, III, 484). Nele vê A. MENDELSSOHN-
BARTHOLDY (Grenzen der Rechtskraft, 20) legitimus contradietor do
fideicomissário. De qualquer modo, situação semelhante à do possuidor
(não-proprietário) do titula ao portador, que pode apresentá-lo e cobrá-lo. O

poder, aí, se evidencia; a idéia de mandato ou gestão é que é estranha.

11.PROCESSOS, EXTINTO O FIDEICOMISSO. Ainda depois de extinto


o fideicomisso, o fiduciário ou seus herdeiros continuam partes nos
processos:

a) Se não sabem, sem culpa, da extinção do fideicomisso. É preciso, diz E.


ENDEMANN (Lehrbuch des BiirgerUohen Rechts, III, 438) que os
processos não parem, e cheguem ao fim; se o fiduciário não sabe,
prosseguirá; se não foi o culpada de não saber, devem valer os seus atos.

b) Se a ação envolve obrigação da herança pela qual, ainda depois de


extinto o fideicomisso, tenha de responder.
Aliás, isto muito se dá, devido a custas e consequências.

Extinto o fideicomisso, deve o fideicomissário ser citado, ou, se com


parece, continua no processo.

12.SUE-ROGAÇÀO E ACRÉSCIMOS DA HERANÇA EM


FIDEICO141550 A herança ou parte dá herança fideicomitida trata-se
como patrimônio (universalidade de direito) ou bens destinados a certo fim.
Não só quanto ao valor como quanto à substância. Para o fiduciário vale o
preceito: uti frui salva substantia rerum. Os bens do fideicomisso, como
unidade, devem ir ao fideicomissário, sem alterações substanciais:
consideram-se e zelam-se como organismo vivo (F. ENDEMANN
Lehrbuch. des Riirgerlichen Rechts, III, 402). Daí, ou se trate de
patrimônio, ou de coisa singular afeta a um destino, dar-se, nos casos
ordinários, a sub-rogação; porém como a substância. no fideicomisso,
interessa ao fideicomissário, deve este ser ouvido em todos os atos de
mudança, troca ou alienação do todo ou parte dos bens fideicomitidos.

Tudo que aumenta a propriedade, como o proveniente de comissão ou de


adjunção, é propriedade do fiduciário e, depois, do fideicomissário.

No caso do tesouro achado pelo fiduciário, pertence à herança; por outrem,


metade à herança. Mas, aqui, pelo princípio da aquisição da. propriedade
móvel segundo a lei (artigos 607-610), e não, como quer II. BEYER, pelo
da sub-rogação. Pertence à herança fideicomitida tudo que derivou do
direito pertencente a ela; o tesouro é exemplo disso; não assim a caça e a
pesca. No caso de especificação, o fiduciário não poderia, salvo
excepcionalmente (e. g., não constando do inventário a matéria-prima),
dizer-se de boa fé. Porém os artigos~ 611-614 são-lhe aplicáveis, se bem
que, em nenhum caso, possa deixar de indenizar segundo o inventário, onde
se caracterizou a unidade econômica da herança ou legado fideicomitido,
ou segundo o dano provado, quando não tenha feito inventário, a que, por
lei,é obrigado (art. 1.734, parágrafo único).

O fiduciário não pode aplicar bens do fideicomisso em ações ou títulos que


sejam personalíssimos, como os cartões de sócios de certas sociedades
mundanas, culturais ou profissionais.

Aplicado o valor noutro bem não‟-personalíssimo, dá-se a sub-rogação; a


unidade patrimonial agrega a si, com o organismo, tudo que lhe deve
pertencer (F. ENDEMANN, Lekrbuch das Riirgerlichen T-techts, III, 404).
O que é tocante ao uso e fruição vai ao fiduciário e quando, levantada,
posteriormente, a dúvida, o juiz proceder à discriminação, o julgado terá os
efeitos de se reputar objetivamente feita, por farsa do conceito de bem afeto
a fim, ou de patrimônio, a separação do substancial e do não-substancial.

Pertence à unidade econômico-jurídica do fideicomisso:

a) tudo que derivou de direito pertencente à herança, como a bonificação de


ações aos acionistas depois de capitalizados ou

postos em fundo de reserva os lucros das sociedades, todo o tesouro achado


no prédio fideicomitido pelo fiduciário ou pelo fideicomissário, ou metade,
se achado por terceiro; b) o valor do bem, quando a substância desse for
atingida: perecimento, danos causados por incêndio (seguros) ; troca dos
bens. Procurou-se distinguir nos dois casos (b e a) a sub-rogação com. os
meios (mit Mittel) e a sub-rogação emanada dos meios da herança (aus
Mitiel) ; mas é sem alcance a distinção, uma vez que a farsa sub-rogatória é
a mesma e os mesmos os resultados. Sôbre a questão discriminativa, R.
BEYER (fie Surrogatiou bei Vermdgen im EGE., 209), F. ENDEMANN
(Leh,rbuch des Biirgerlichen Rechts, III, 404).

Se o fiduciário, em negócio jurídico, com os meios ou em virtude dos meios


da herança, adquire crédito, que se deva sub-rogar, nem por isto deixa o
devedor de o ser do fiduciário, a quem, pagando, estará eximido. Se tiver
conhecimento da sub-rogação, deverá acautelar-se para evitar a imputação
de má fé. Se, além deste conhecimento, vier a saber que o fideicomisso
terminou, ao fideicomissário, é que deve pagar; ou depositar o pagamento,
para melhor segurança. Desde o momento em que se alcançou o fim do
termo ou se realizou a condição, êle é devedor do fideicomissário (F.
ENDEMANN. Lehrbuch des Biirgerlichen Rechts, III, 404).
Se a verba deixou que o fideicomisso consistisse em dinheiro, ou coisa
fungível, sem ser preciso converter-se, a relação entre o fiduciário e o
fideicomissário é simplesmente de obrigação, e não real.

Ao testamenteiro e ao Curador de testamentos cabe velar pela conversão


dos bens fungíveis sempre que a verba não seja permissiva do laço só de
obrigação. Esqui não se presume, porque deturpa a figura do fideicomisso.

A cláusula de insub-rogabilidade seria sem eficácia sempre que se tratasse


de premência da substituição real, devido as circunstâncias. Alguns
acórdãos, esporádicos, sôbre não poder haver sub-rogação de bens em
fideicomisso, ou, em geral, de bens de propriedade resolúvel, são
simplesmente contra direito. Não se pode deixar perecer ou arruinar-se o
objeto de propriedade resolúvel, nem, sequer, se podem deixar de levar cm
conta vantagens evidentes de sub-rogação.

Se, depois de devolvidos os bens ao fideicomissário (e.g., morto o


fiduciário antes do testador ou logo após a abertura da sucessão), se der fato
do qual resultaria acrescimento ao fiduciário, chamado como substituto, ou
sucessor legítimo, o fideicomissário da herança tem direito, na dúvida, ao
que receberia o fiduciário. Exemplos: a) A deixa metade da herança a B, de
pleno direito, e a O, passando a D; depois de morto O, E recusa a herança
ou é declarado indigno. D recebe a metade que tocaria a E, porque, se O
vivesse, a êle teria ido. b) A nomeou a O como fideicomissário de E, um
dos seus herdeiros legítimos, que são além de E O, E e F; se O morre e E
recusa a herança, as suas partes (metade da herança) tocam a E e E; se E já
tinha morrido, a O, fideicomis sário, e a F; se também E já havia morrido,
só a O. Note-se, porém, que se trata de regra interpretativa, e não dis
positiva: é preciso que haja dúvida se no fideicomisso estava ou não
incluído o direito ao que adviesse no caso de falta dos herdeiros. Quanto a
época da falta, antes ou depois da extinção do fideicomisso, nada importa
(OTTO

WARNEYER, Kommentar, TI, 1142) : já então o fideicomissário é pleno


herdeiro.
18.APLICAÇõES DE VALORES E RESTITUIÇÃO. Passa ao
fideicomissário, com a morte do fiduciário: a) tudo que Ale comprou com o
produto dos bens vendidos; b) o preço deles, se existe em espécie; e) os
bens que vendeu, se os resgatou ou recomprou. Ainda mais: d) o preço das
coisas que vendeu habita fide de pretio (FRANCISCO

PINHEIao, Tractatus de fiestamentis, n. 1.245).

O fiduciário restitui os bens ao fideicomissário (transmitir, diz o art. 1.733)


conforme o conteúdo da verba testamen. tária; isto é, conforme, pelo querer
do testador, ou pelo direito dispositivo, foi obrigado. Não se lhe aplicam as
regras relativas ao possuidor pro herede; possuía o que era seu e,
normalmente, restitui com as alterações resultantes do tempo e da fruição
regular (cp. art. 160, 1).

Usou e fruiu. Fêz seus: os juros dos dinheiros; os dividendos de ações, os


alugueres dos prédios; os frutos das chá-

caras e dos quintais~ as crias dos animais, deduzidas quantas bastem para
inteirar as cabeças de gado existentes ao começar o usufruto.

Não constitui fruto a parte dos lucros das sociedades nào distribuída em
dividendos (E. ENDEMANN, Lehrbuch des Rilrgerlicheu Rechts, III, 468).
O fiduciário não fica em situação de vitima; o que acaso se reservou entre a
feitura do testamento e a morte do testador aumentou a substância dos seus
bens. A oportunidade ou justiça da partição dos haveres lucrativos das
sociedades em dividendo e fundo de reserva, ou aplicação direta ao capital,
só pertence ao corpo dirigente delas, de acôrdo com os estatutos e as
assembléias.

É de especial importância não confundir produto e fruto; a Asse respeito as


confusões são lamentáveis.

Consideram-se obtidos com os meios da herança a reposição do co-


herdeiro, o legado anulado ou ineficaz que veio aos herdeiros, a quantia da
dívida passiva do fiduciário, que foi confundida.
Se acontecer que o fiduciário empregue bens da herança fideicomitida em
sociedade, que não seja de capitais, não se dará a sub-rogação (Oro
WARNEYER, Kommentar, II, 1148), devido ao caráter pessoal do direito
adquirido com os meios da herança, que impede a atribuição ao
fideicomissário. Por essa aplicação responde o fiduciário.

Não há sub-rogação por troca do bem fideicomitido pelo bem do patrimônio


livre do fiduciário (Orro WARNEYER, Kommentar, II, 1148) ; salvo
judicialmente estabelecida com audiência dos interessados.

14.DESPESAS E DIREITOS. As despesas e as diminuições do valor ou


substância da herança ou legado fideicomitido, resultantes da sub-rogação
ou causadoras dela, correm por conta: a) Do fiduciário, se, na apreciação da
necessidade ou conveniência (utilidade, volutariedade da sub-rogação), se
atendeu mais ao modo de ver do proprietário fiducial. Exemplos: se o bem
não está a render,~ como é, e renderá (ainda que isto, secundariamente, o
valorize) após a sub-rogação; se a abertura da rua favorece, desde já, e
principalmente, ao fiduciário. Cp. F. ENDEMÀNN (Lehrbuch das
Biirgerlichen Rechts, III, 408).

b) Do fiduciário, se houver culpa sua no fundamento da sub-rogação. Se


deixou de pagar os impostos e o bem vai a praça, caso em que a diminuição
do valor exige que se aplique o dinheiro, de modo que as rendas
compensem o prejuízo sofrido, operando, aí, a sub-rogação, se o fiduciário
não der outros bens ou bem com que se possa recompor a unidade constante
do inventário, ou caução suficiente da entrega, finda a fiducialidade.

c) Dos bens fideicomitidos, quando o fundamento para a sub-rogação tiver


derivado dos próprios bens, por defeitos objetivos sem culpa do fiduciário.

d) Do terceiro sujeito a indenizar, quando por culpa sua se der a sub-


rogação.

e) Do fideicomisso, no caso da letra e), se o fiduciário tirar do seu bolso, e


não do valor dos bens.
15. DESPESAS COM OS BENS. Se o fiduciário fêz despesas
extraordinárias, que eram, segundo as circunstâncias, necessárias, e as
tirou do seu patrimônio, e não da herança fideicomitida, o fideicomissário
terá de reembolsá-lo. As ordinárias, necessárias ou não, êle as suporta e não
pode exigi-las do fideicomissário. Tais as de conservação, os foros, pensões
e impostos reais devidos pela posse, propriedade e renda da coisa
fideicomitida (cp. art. 788, quanto ao usufrutuário), o seguro (F.
ENDEMANN, Leh,rbuch des Biirgerlichen Rechts, III, 469), as custas de
processo na defesa da propriedade e da posse.

Mas o próprio conceito de necessariedade, que é o romano no caso dos arts.


516 e 784 impensue neoessariae, quae st factae non sint, res aut peritura
aut deterior futura sit (L. 79, pr., 13., de verborum significatione, 50, 16),
não é o mesmo em se tratando do fideicomissário, que é um dono dos bens,
à diferença do possuidor de boa fé e do usufrutuário, possuidores de coisas
alheias. Apesar da expressão necessárias que se inseriu na lei alemã, e com
maioria de razão no direito brasileiro que nenhuma regra formulou, a não
ser a de que o fiduciário é proprietário dos bens, entendeu-se que se não
trata da necessariedade objetiva, e sim de necessariedade segundo a
concepção do fiduciário, dentro do razoável. F. ENDEMANN (Lehrbueh
des Biirgerlichen Rechts, III, 470) : “nicht die objektive Notwendigkeit zu
beweisen ist, sondem die subjektive begrúndete Anschauung des Vorerben
tiber die Erforderlichlçeit genúgt”. Se as fêz com o próprio patrimônio, era
seu, podia fazer, desde que não lesou o pés-herdeiro. Se as fêz com o seu
patrimônio, pode reaver dêste o que despendeu. Tem direito de retenção, se
justo o pedido. São exemplos de obras subjetivamente necessárias: abertura
de canais, cujo valor mais se reflita na substância do que no conjunto da
renda provável (sem que se tenha de aplicar o art. 734, só referente a
usufruto: o fiduciário é dono; pode fazer obras que absorvam toda a renda,
sem ter direito a reclamar o custo); abertura de rua no terreno, para que por
aí, e não por outro caminho se estabeleça a penetração e se povoe a região
(o fito é todo futuro, mais aproveitável ao fideicomissário do que ao
fiduciário).

Quando o preço for demasiado em relação ao bem, será preciso ouvir-se o


fideicomissário ou, em se tratando de prole eventual, o Ministério Público e
o curador (do ventre ou da prole não concebida).

16.POSSE DOS BENS FIDEICOMITIDOS. No momento da entrega dos


bens, passa do fiduciário ao fideicomissário a posse que êle, pela saisina
(art. 1.572) recebeu, e não a que lhe adveio do seu poder efetivo sôbre a
coisa independentemente da aquisição ipso iure. Um exemplo: o testador
estava em lide contra A (pai de B, nomeado êsse fiduciário do testador,
sendo fideicomissário D) para haver a posse dos prédios x, u e z: perdeu a
ação possessória quanto ao prédio x, ganhou quanto ao prédio y e perde a
ação quanto ao prédio z na ocasião da morte do testador. Transmite-se, pela
saisina, a posse do testador (prédio ~j) a B; a posse de A (prédio x) a B.
Quando E entregar a D a herança, entrega a posse completa sObre o prédio
9/ (saisina e posse do art. 485) ; a propriedade e posse (art. 1.572) do prédio
x, sem a posse (art. 485), porque o fiduciário a houve do seu pai e não do
testador, e D, fideicomissário, é herdeiro do testador e não de A.

17.SITUAÇÃO DO FIDUCIARIO DEPOIS DA ENTREGA DOS BENS.

Extinto o fideicomisso, não há mais fiduciário. Entregues os bens ao


fideicomissário, passa o que fora o herdeiro a ser estranho para a herança,
que foi sua. As ações contra os bens da herança ou a favor dela já lhe não
interessam, nem êle é autorizado a prosseguir, como autor, ou como réu, em
tais processos: a mudança de sujeitos opera-se ipso iure, ao chegar o
advento do termo ou realizar-se a condição. Mas, se deixou de pagar
alguma dívida para que recebera dinheiro da herança a sua responsabilidade
continuação.

Depois da entrega dos bens, o fiduciário não é mais devedor das obrigações
da herança. Se algum herdeiro retardatário recusa a quota, ou passa em
julgado a sentença que pronunciou a indignidade de um deles, o
acrescimento já lhe não aproveita, e sim ao fideicomissário

Pelas dívidas assumidas pelo fiduciário, ainda que para a exploração e


administração dos bens, não responde êsse, porque a sua destinação os
imuniza às obrigações do fiduciário.
Feito o inventário, segundo êle é que responde o fiduciário. Aliás, se êsse
foi feito judicialmente, pelas dívidas da herança, que aparecerem, ambos
responderão, salvo se excedem as forças dela.

18. CREDORES DA HERANÇA. Os credores da herança são credores do


fiduciário até o montante dos bens herdados e do fideicomissário até o
mesmo importe. No momento em que o fideicomissário recebe, responde na
qualidade de herdeiro, que é. Se o fiduciário não pagou as dívidas da
herança, paga-as êle. Os credores do fiduciário não são credores da herança.
As dividas decorrentes de impostos atrasados, multas aplicadas às coisas da
herança, êle as paga, mas tem por elas ação contra o fiduciário As dívidas
do fiduciário garantidas pelos bens (hipoteca, penhor, anticrese, caução) não
são dos bens. Com a mudança dos sujeitos da propriedade, todas se
extinguem quanto ao bem; os credores têm ação contra o fiduciário, e não
as ações contra os bens hipotecados, empenhados ou anticréticos. A
penhora do direito do fiduciário, dos bens, por dívida do fiduciário,
extingue se ipso inre. São bens alheios. Se o fiduciário pagou, com dinheiro
seu, a hipoteca do bem fideicomitido, dá-se a subrogação a seu favor (R.
I3EYER, fie Surrogation bei Vermõgen im EGE., 216). Tal doutrina
combina com os arts.

985, III, e 988.

19.INVENTÁRIO DOS BENS. Se o fideicomisso é normal, ou não, deve o


fideicomissário inventariar os bens.

Nesta parte o art. 1.784, parágrafo único, é co gente (F. HERZFELDER


Erbrccht, .1. v. Staudingj.s Kornmcntar V, 553; OTTO WARNEYER,
Kommentar, II, 1151). Entenda-se: a relação dos bens pertencentes à
herança, não o seu valor ou o passivo (F. HEEZEELDER, Erbrecht, J. v.
Staudingers Kommentar, V, 553), porque êsse não pode ser desde logo
conhecido em sua totalidade.

O inventário é que servirá de base às reclamações futuras do


fideicomissário, porque por êle se saberão as obrigações do fiduciário, salvo
elementos supervenientes, cujo ônus da prova cabe ao fiduciário ou ao
fideicomissário, conforme alegado por aqueles ou por êsse.

Ainda contra a vontade do fideicomissário, pode e deve o fiduciário


proceder a inventário dos bens fideicomitidos.

Pode exigi-lo o testamenteiro, porque, no Brasil, a tradição é ter-se


nomeado o testamenteiro para a vigilância de tOda a execução
testamentária, inclusive o registo dos bens fideicomitidos ou deixados em
usufruto. Diferente o Código Civil alemão, § 2.222. Isto será reforçado
quando o testador o nomear, expressamente, para tal fim.

Se foram entregues os bens ao fiduciário e no inventário não se fêz a


discriminação do que era fideicomisso e do que não era, o fideicomissário
deve pedir a herança ou propor ação de fideicomisso, e não procurar
renovar o inventário. Deve pedir-se antes de atingir-se o térmo ou realizar-
se a condição, e não depois (Oro WARNEYER, Kommentar, li, 1152).
Depois, pedem-se os bens. Se são muitos os fideicomissârios, cada um pode
exercer o seu direito, quer quanto ao inventário, quer quanto à caução,
independentemente dos outros.

Não é dispensado do inventário o pai, tutor, curador, ou cônjuge fiduciário (


OTTO WARNEYER, Konimentar, II, 1152).

Feito o inventário, se novos bens aparecem ou se há mudanças, ~,deve o


fiduciário fazer nOvo inventário? Sim.

Não, se constar de alterações nos bens (e não no número dêles). Assim, F.


RITGEN, em G. PLANCK

(Búrgerliches Gesetzbtt.úh, 1/, 300).

No direito anterior, admitia-se o fideicomisso do que restar ao tempo da


morte do fiduciário (M. A. COELHO DA ROCHA, Instituições de Direito
Civil português, § 718) e buscava-se ao § 417 do Preussisehes Aligemeines
Landrecht, 1, Título 12, a regra de poder o fiduciário ser dispensado de
fazer inventário. Aí estão duas questões: a)
~ É possível o fideicomisso de eo quod supererit? b) ~ permitido ao
fideicomitente dis.pensar o inventário?

20.FEICOMISSO O DO QUE RESTA À MORTE DO FIDUCIÁRIO.

Regulou-o a Novela 118, adotando, na espécie, a substituição do qualitativo


pelo quantitativo: o fiduciário poderia alienar três quartos dos bens, ficaria a
quarta Falcídia, de que sOmente poderia dispor para dote, doação
esponsalícia ou remissão de cativos. SObre êsse processo técnico no
Direito, veja nosso Sistema de Ciência Positiva do Direito (II, 246-248).

JOsÉ HOMEM CORREIA TELES, romanizou, como sempre MANUEL


DE ALMEmÁ E SOUSA procurou investigar a vontade dos testadores, e
em geral reputou nulas as alienações com o ânimo de defender o
fideicomisso, respeitada ou não a Falcidia; M.A. COELHO DA ROCHA
(Instituições de Direito Civil português, §

718) só permitia as alienações para necessidades pessoais do fiduciário.


Tudo isso era vaguíssimo. O Código Civil português, art. 1.871, inciso 2.0,
proibiu. Cortou, cerco, as dúvidas. A solução do direito brasileiro não deve
ser a mesma; a disposição (e não só fideicomisso) de co quod supererit é
fideicomisso anormal, e não mera recomendação.

O princípio da sub-rogação vale para o fideicomisso eius quod


superfuturum est; e isso bastaria para afastar a opinião daqueles que lhe
recusam o caráter jurídico de herança ou legado. Assim ocorria no direito
romano, conforme PAPINIANO, quem mais desenvolveu o instituto (L. 70,
§ 8, e L. 71, D., de legatis et fideicommissis, 31) “cum autem rogatus,
quidquid ex hereditate supererit, post mortem suam restituere, de pretio
rerum venditarum alias comparat, detninuisse quae vendidit non videtur, sed
quod inde comparatum est, vice permutati dominii restitueretur”. Se aqueles
a quem se pediu que restituisse o que restar ao tempo da sua morte, comprar
coisas com o preço das que recebeu, não se considera que diminuiu a
herança. Dá-se o mesmo se pagou a credores, porque não se consome o que
se conservou no patrimônio, non enim absumitur, quod in corpore
patrimonii retinetur (L. 72).
No direito contemporâneo, temos de aceitar a PÂPINIANO na E 70, § 3, e
1.,. 71, e recusar ao mesmo PAPINIANO na L. 72, por lhe faltar suficiente
fundamento (F. ENDEMANN, Lehrbuch des Rúrgerlicheu Reehts, III, 451).
Também nesse não se dispensa o inventário. Tal a boa lição do direito que
se formou entre os povos após a Novela 108, Capítulo 1, e veio até nossos
dias (J. A. GRUCHOT, Preussisefles Erbrecht, II, 106; F.

ENDEMANN, Lehrbuch des Ritrgerlichen Rechts, III, 451).

PAPINIANO, “criador e mestre do imperativo moral no direito”, como lhe


chama E. ENDEMANN (Lehrbuch des Ehirgerlich,en Rechts, III, 452),
formulou o famoso princípio (L. 56, D., ad senatus consultum
Trebellianum, 36, 1): se foi rogado Ticio que restituisse a Mévio o que
houvesse sobrado da herança, em qualquer tempo não se poderá pedir o que
foi alienado ou diminuído, se não fór provado que tal se fêz para
transgredir o fideicomisso; porque implícito está, nas palavras do
fideicomisso, a boa fé: “si non intervertendi fideicommissi gratia tale
aliquid factum probetur; verbis enim fideicommissi bonam fidem messe
constat”. Também há doações em fraude (L. 60, §

8). Hoje, cabe a indenização sempre que houve intuito de diminuir.

No fideicomisso de resíduo, o fiduciário pode dispor mais livremente do


que poderia outro, e não se daria o efeito real da resolução. Mas, ainda aí,
há restrição: não pode dispor, exceto para as necessidades (3. 1.
RAMALHO, Instituições cronológicas, § 29, 65, seguindo a lição de
FRANCISCO PINHEIRO, Tractatus de Testamentis, n.

1.218; e nunca de má fé).

Há casos em que o dolo e a fraude se presumem: a) quando aliena todos os


bens e distribui em doações, ou adiantamentos de legítima, ou, sem razão,
os dilapida ou aliena (sine aliqua sua utilitate gravatus alienat); b) quando
a alienação é in articulo mortis. Mas não presunções hominis.

Ofiduciário do que restar não pode testar os bens do fideicomisso


(FRANCISCO PINHEIRO, Tractatus de Testamentis, II, d. 4, 8, § 6, n.
1.242) ou o que está no lugar dêles.

a)Se o testador disse “faço a E fideicomissário do que restar ao tempo da


morte de A que poderá alienar para as suas necessidades”, temos o
fideicomisso normal de resíduo, e então cabe a distinção de MANUEL
BAGNA QUARESMA: “necessitas fatalis, ut siquis casu incidit in
latrones; naturalis, ut expensa facta in infirmitate, et familia alendo; data
opera, ut siquis contraxit debita sponte, vel commissit aliquod delictum”. O
que se gastou com a própria doença ou da família necessàriamente se
gastou. O que foi roubado, fatalmente se perdeu. O que se perdeu no jôgo
ou se pagou de indenização por ofensas, isto se gastou sem necessidade.
Aliás, seria bem difícil justificar que se não gastou mal o que se pagou
juveníli calore, como está em MANUEL BAGNA QUARESMA.

Cp. FRANcísco PINHEIRO (Tractatus de Testamentis, II, d. 4, 8, § 6, ns.


1.220 e 1.221).

b)~ Se o testador permitiu tôdas as alienações a puro arbítrio do fiduciário?


FRANCISCO PINHEIRO (Tractatus de Testamentis, n. 1.221) continua a
ver nisso fideicomisso, porque, se o fiduciário aliena e depois adquire
outros bens, será obrigado a restituir: “si gravatus, qui rem
fideicommissanam ob dictas necessitates alienavit, postia adquirat alia bona
teneri ex acquisitis satisfacere fideicommissario”.

Não se pode ver, aí, sub-rogação; nem mesmo se buscássemos extensão do


preceito de PAPINIANO (L. 70, § 8, e L. 71). ~ Em que se havia de fundar
a exigência? O único meio é, provada a fraude, admitir a regra da L. 56.

21.DISPENSA DE INVENTÁRIO. Para a dispensa do inventário os juristas


portuguêses e brasileiros do século passado buscavam o exemplo do direito
prussiano. Mas o Código Civil não consagrou a dispensa do Preussisches
Alígemeines Landrecht e, se exemplo quisermos hoje, temo-lo no direito
que sucedeu àquele e onde também não se acolheu a regra da
dispensabilidade. Seria muito apêgo ao subsídio da Prússia recorrermos
hoje àquilo a que, em idênticas condições, não recorrem os próprios juristas
alemães .
É indispensável o inventário dos bens recebidos, porque se trata de bens
alheios. Se foi feito judicialmente, ou os bens constam de partilha passada
em julgado, basta que assine o têrmo de depósito. Os bens somente poderão
ser vendidos em praça, e nos casos em que o poderiam ser os do nascituro e
dos ausentes. Aplica-se aos valôres substituidos, integralmente, o princípio
de sub-rogação; porque se trata de caso típico, não só de bens afetos a
determinado fim, mas de patrimônio.

22. CAUÇÃO PELO rínucítío. Se o fideicomissârio exigir, tem de dar


caução o fiduciário. Real ou pessoal, que satisfaça. Salvo se o testador o
dispensou. O parágrafo único do art. 1.784 é dispositivo.

§ 5887. Aceitação e renúncia do legado

1.RENÚNCIA DA HERANÇA OU DO LEGADO. Diz o Código Civil, art.


1.785: “O fideicomissário pode renunciar a herança, ou legado, e, nesse
caso, o fideicomisso caduca, ficando os bens propriedade pura do
fiduciário, se não houver disposição contraria do testador”.

É absurdo dizer-se que negócio jurídico do fideicomissário antes de lhe


passar a propriedade do bem fideicomit ido ou dos bens fideicomitidos é
pacto sucessório, o que o sistema jurídico brasileiro proibe. O
fideicomissário já herdou; o que lhe falta # a propriedade. Imaginemos que
o testador deixe o bem, em fideicomisso, a B, para que, com a morte de E,
ou ao advento do têrmo, o receba C. C já é herdeiro, ou legatário, à abertura
da sucessão. Se C

entende que a deixa de B é ofensiva, ou não lhe interessa, seria êrro grave
esperar-se a morte de E, ou o advento do têrmo, para que C renuncie. Por
exemplo: o testador faz fideicomissária a mulher de outrem, de quem se diz
ou êle dizia que era sua amante. Seria fora de qualquer acoIhimento que se
tivesse de pôr C na situação de aguardar o falecimento de B, ou o advento
do têrmo, para renunciar a herança ou o legado fideicomissório.

Quando algum jurista afasta a aceitação e a renúncia pelo fideicomissário


após a abertura da sucessão, invocando os trabalhos parlamentares em que
se riscaram os dizeres “desde que (a herança) seja devolvida” (Trabalhos da
Câmara dos Deputados, 1, 288), procede como se a retirada significasse
que somente ao ser extinto o direito do fiduciário pudesse o fideicomissário
manifestar-se.

Tem-se invocado o art. 118 do Código Civil para se afirmar que é


irrenunciável o direito à herança, que tem o fideicomissário, enquanto não
lhe vai a propriedade. O art. 118 é estranho ao assunto e invocá-lo foi êrro
de CARLOS MAxIMILIANO, que viu na renúncia após a abertura da
sucessão “pacto expresso ou tácito sôbre sucessão futura”. Ora, a sucessão
de modo nenhum é futura. O fideicomissário já sucedeu, o que ainda não se
deu foi a transmissão da propriedade e da posse. (Advirta-se que a citação
que aparece no julgado do 2.0 Grupo d0

Câmaras Cíveis do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, a 4 de junho de


1952, D. da J., de 5 de fevereiro de 1958, foi impertinente, por ser estranha
à matéria.)

A aceitação e a renúncia foram disciplinadas nos artigos 1.581-1.590 do


Código Civil, entre os quais está o art.

1.584 que, sem distinguir qualquer disposição testamentária, nem espécie


de sucessão, dá o prazo para que o beneficiado se pronuncie, “sob pena de
se haver a herança por aceita”.

Para se ver quando fora de qualquer acolhibilidade é a opinião dos que


entendem que o fideicomissário sómente pode renunciar após a extinção do
direito do fiduciário, basta que se leia o art. 1.785. Lá está dito que “o
fideicomissário pode renunciar a herança ou legado, e, neste caso, o
fideicomisso caduca, ficando os bens de propriedade pura do fiduciário”.
Portanto, ainda não se extinguiu o direito do fiduciário. Seria absurdo que
se falasse em caducidade, ou em ineficacização, de disposição
testamentária, cujos efeitos já desapareceram. É preciso que ainda haja a
propriedade fiduciária, para que, com a renúncia do fideicomissário, tal
propriedade fiduciária se faça “propriedade pura”. Tanto a aceitação e a
renúncia têm de ser ao tempo em que todos os herdeiros e legatários têm de
aceitar ou renunciar, que aceita a herança ou o legado pelo fideicomissário
tem êsse “direito à parte que ao fiduciário, em qualquer tempo acrescer”
(art. 1.786). ~ Como poderia haver acrescimento ao fiduciário se já se
extinguiu o seu direito? Tudo mostra que as páginas que CARLOS
MAxIMILIANO (Direito das Sucessões, ~ 5Y

ed., 128-180) tentaram sustentar tese absolutamente falsa e contrária à letra


da lei (Código Civil, arts. 1.785, 1.786

e 1.684). Aliás, também‟ errado CLÔvIS BEVILÁQUA (Código Civil


comentado, VI, 198), cujo texto é contraditório: refere-se ao direito alemão,
ao Projeto brasileiro primitivo, e no entanto acrescenta que a devolução é
quando se extingue o direito do fiduciário. Êle tinha de ler, apenas, os arts.
1.785, 1.786 e 1.584.

A renúncia pelo fideicomissário rege-se pelos mesmos princípios que a


renúncia pelo fiduciário. Se já falta o fiduciário e passou o prazo para a
renúncia pelo fideicomissário, de jeito nenhum se pode pensar em renúncia
pelo fideicomissário. Se antes de extinguir-se o prazo, falece o fiduciário, o
fideicomissário, que aceita ou renuncia, aceita ou renuncia a herança ou o
legado já liberado da fiduciariedade.

Seria fora dos princípios exigir-se que o fideicomissário só pudesse


renunciar quando ao fiduciário se extinguissem os direitos.

Falar-se de recusa ou renúncia da herança em favor de determinada pessoa,


como está em CARLOS

MAxIMILIANO (Direito das Sucessões, ~ 5Y~ ed., 78), é êrro grave. Não
bá renúncia de herança a favor de alguém: ou se aceita, ou se renuncia. O
que pode ter havido é impropriedade de linguagem: chamou-se renúncia à
cessão dos direitos, ou ao negócio jurídico transíativo da propriedade
herdada.

Outra afirmação que se há de repelir é a de que, sendo inalienáveis os bens


fideicomitidos, em virtude de cláusula testamentária que pré-excluiu ou
restringiu a alienabilidade pelo fiduciário, não pode êsse renunciar a
herança ou legado. Alguns juristas e juizes chegaram a êsse ponto, o que
estabeleceria a irrenunciabilidade de deixas testamentárias. A
inalienabilidade pelo fiduciário apenas é para o caso de êle aceitar a herança
ou legado em fideicomisso. Incorreu em tão grave êrro de tornar
irrenunciável a deixa se o testador inseriu no testamento a cláusula de
inalienabilidade, a 83 Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, a
21 de novembro de 1989

(1?. dos T., 125, 551; antes, o próprio Tribunal de Justiça, 102, 146). O que
pode ocorrer é que a cláusula de inalienabilidade tenha de ser interpretada
como objetiva, e não subjetiva, isto é, incidente no bem, quer para o
fiduciário, quer para o fideicomissário, quer para o próprio herdeiro
legítimo, no caso de faltarem fiduciário e fideicomissário. Reputou
extensiva a cláusula, portanto objetiva, em caso que examinou, a 23 Câmara
Civil da Côrte de Apelação de São Paulo, a 31 de janeiro de 1936 (1?. dos
T., 102, 146).

2. FIDUCIÁRIO E FIDEICOMISSÁRIO. Fiduciário e fideicomissário


podem não aceitar. Ou um aceita e outro não. Induzem aceitação os mesmos
atos de que se concluiria a aceitação pelo pleno herdeiro. Não podem optar
em parte, sob condição ou a têrmo (art. 1.588) ; nem a favor de um ou de
alguns dos fideicomissários, e não de outros, ou de um ou de alguns dos
fiduciários; nem a favor dos existentes, se os há eventuais, 53 Câmara da
Côrte de Apelação, 30 de setembro de 1924.

Se o fiduciário ou o fideicomissário repudiam, os seus credores podem


aceitar em seu nome (art. 1.586).

Fiduciário e fideicomissário não respondem além das fôrças da herança (art.


1.587). É anulável ou retratável a renúncia nos mesmos casos em que o
seria a renúncia da plena herança (art. 1.590, 1a parte). É revogável a
aceitação (artigo 1.590, 29‟ parte), Os arts. 1.588 e 1.589 só se aplicam às
heranças legitimas, ou quando se tenha querido, testamentâriamente, seguir
a sucessão legítima.

3.CONTEÚDo nA REGRA JURÍDICA. O único texto a que bem


corresponde o art. 1.785 é o alemão, § 2.142, de cujo Projeto (§ 1.832) foi
tirado. Como em outros pontos do capítulo, a doutrina alemã nos será
fecunda. Também o § 2.142 só se refere à recusa da herança. Ambos são de
natureza dis positiva. Mas é preciso notar que a presença da vontade do
testador, obstáculo a invocação do art. 1.735, pode não ser direta, e. g., se,
pela construção da verba testamentária, cabe acrescimento ou substituicão
do fideicomissário. Donde não se aplicar o art. 1.735: a) se o testador
expressamente quis outra coisa; b) se existem dados volitivos de que se
induza outro querer do testador (acrescimento, substituição, direito do
fiduciário subordinado à resolução pela renúncia do fideicomissário).

4.INDIGNIDADE E ounos CASOS. A lei brasileira e a sua fonte (Projeto


alemão, § 1.832; Código Civil alemão,

§ 2.142) só se referiram a renúncia; mas, no caso de indignidade, dá-se o


mesmo (E. HEEZFELDER, Erbrecht, 3‟.

v. Staudingers Kommentar, V, 573). Quanto à morte do fideicomissário


antes de receber, previu-o o art. 1.738. Se não se der a condição a que se
subordinava a instituição do fideicomissário, também será herdeiro pleno o
fiduciário (F. RITGEN, em G. PLANCK, Bhirgerliches Gesetzbuch, V,
319).

5.EFEITOS. Se renunciam a herança o fideicomissário e o fiduciário, vai


aos herdeiros a quem deve acrescer, ou, se isto não couber, ou não os
houver, aos legítimos.

Se só o fideicomissário renunciou, a herança fica ao fiduciário, que nunca o


foi, porquanto, pela falta do fideicomissário, sucedeu como pleno herdeiro.
Daí a expressão alemã “verbleibt”, que é feliz, e a outra “o fideicomisso
caduca”, da lei brasileira, que não foi exata no restante da frase e parece
significar lapso entre a abertura da sucessão e a renúncia.

6. DIREITO DE ACRESCIMENTO. Diz o Código Civil artigo 1.736: “Se o


fideicomissário aceitar a herança ou legado, terá direito a parte que, ao
fiduciário, em qualquer tempo acrescer”.
7. ANÁLISE DA REGRA JURÍDICA. A expressão “acrescer” não está no
sentido restrito de advir pelo ins accrescendi (arts. 1.7104.712, 1.714 e
1.716) . A imprecisão também ocorre no art. 1.715, onde se deve ler “fica”
em vez de “acresce”.

O art. 1.736 foi inspirado no 1 Projeto alemão, § 1.814, 1.a parte, onde
havia a referência a acrescimento (Ánwachsung). Infelizmente, como
aconteceu, em todo o Código, quando o autor do Projeto brasileiro se
inspirou no 1 Projeto alemão, sua verdadeira fonte, e através da defeituosa
tradução de LA Gn..xSSERIE, não se conheceu a história posterior dos §§
1.814 e 1.983 da II Comissão e do § 2.085 do III Projeto. (Não há nenhum
indicio de que CLÓVIS BEVILÁQUA, antes e depois do Código, inclusive
nos comentários, tenha conhecido o II Projeto e o Código nas alterações
feitas aos dois projetos.)

Na II Comissão, o § 1.983 ganhou em técnica: já se pôs claro tratar-se de


regra interpretativa (“im Zweifel”). Ora, no 1 Projeto, era dispositiva e só
para o caso de acrescimento, do que também se libertou o II Projeto (F.
RITGEN, em G. PLANCIÇ, Biirgerliches Cesetzbuch,, V, 285). Também
dessa alteração não teve notícia a elaboração brasileira.

8.CONTEÚDO TOTAL DA REGRA JURÍDICA. Boa interpretação


aconselha que, com auxilio do art. 79 da Introdução, se dê ao art. 1.736 tôda
a extensão que lhe manda atribuir a própria natureza das coisas. ~A regra
vale quando nenhuma vontade disto resulte do testamento? ~ Devemos
considerar dispositiva a regra jurídica, êrro de técnica em que caíram o 1
Projeto alemão e o Código Civil brasileiro? Dêle, como vimos, livrou-se o
Código Civil alemão; a II Comissão alemã foi decisiva. No direito
brasileiro, ~presume-se a aquisição i ure accrencendi? Seria de graves
conseqUências, maiores do que as derivadas de regra jurídica interpretativa
redigida em forma dispositiva, tanto mais quanto, no Código Civil, se
ignora a técnica das normas de direito.

A regra jurídica do art. 1.736 do Código Civil só se refere aos casos de não
poder ou querer aceitar (premorte, renúncia, indignidade). Cabem os outros,
em que também se dê falta de algum contemplado, herdeiro ou não, como
se dá nos artigos 1.715 e 1.719-1.732, e, até, nos arts. 1.713 e 1.673 (F.
HERZFELDER, Erbrecht, 3‟. v.

Staudingers Kommentar, V, 530).

Assim, temos de decidir, na dúvida:

a) Que o fideicomissário que aceita a herança terá direito ao que advier ao


fiduciário pela premorte, renúncia ou indignidade de algum ou de todos os
co-herdeiros (arts. 1.710-1.712 e 1.714). Se o fideicomisso fôr de legado, ao
que acrescer ao fiduciário como legatário (arts. 1.710, § 1.0, e 1.716).

b) Se o testador fêz o fiduciário substituto de outro co-herdeiro, ou


legatário, o fideicomissário terá direito, também, a essa parte (F. RITGEN,
em G. PLANCK, Búrgerliches Gesetzbuoh, V, 285).

c) Se o testador, com herdeiros legítimos, a um dêles dá fideicomisso


<“deixo a Bto fideicomisso da quota do meu sobrinho mais velho”, “deixo
aos meus herdeiros legítimos, sendo fiduciário do mais môço B”, ou se
construtivos os fiduciários), o que advier em virtude dos arts. 1.673 e 1.713,
entende-se devido ao fideicomissário (F.

HERZFELDER, Erbrecht, 3‟. v. Staudingers Komrnentar, V, 530)..

d) Se o legado ou motins impôsto ao fiduciário cai (por exemplo, art.


1.715), aproveita isso ao fideicomissário.

9. DIREITO DE ACRESCER ENTRE FIDUCIÁRIOS E ENTRE


EIDEICOMISSÂRIOS. Se são dois ou mais os herdeiros fiduciários em
quinhões não determinados, ou os legatários fiduciários a respeito do
mesmo bem, determinado e certo, em disposição conjunta, há o
acrescimento se um dêles renuncia a herança, ou dela é excluído, ou se não
se verificou a condição. Dá-se o mesmo a propósito de dois ou mais
fideicomissários.

Se todos os fideicomissários renunciam, ou falecem, ou são excluídos da


sucessão, ou não se implemente a condição a que subordinou a instituIção,
o bem fideicomitido passa ao fideicomissário.

10.CADUCIDADE E INVALIDADE DA SUBSTITUIÇÁO. Perde tôda a


eficácia a substituição se o herdeiro ou legatário, que foi instituído
primâriamente, aceita a liberalidade e não ocorre, depois, retratação.
Também se dá a ineficácia da deixa em substituição se o substituto
premorre ao testador. A incapacidade para suceder por testamento pode
atingir o substituto. Se o herdeiro ou legatário, a que o substituto havia de
substituir, retrata a renúncia, não há substituição.

Se o instituído falece depois do testador, sem ainda ter aceitado a herança


ou legado, cabe aos seus sucessores aceitar ou renunciar. Se aceitam, não há
qualquer direito do substituto.

Se o instituído primàriamente, trate-se de herança ou trate-se de legado,


morre antes do testador e do substituto, que sobreviveu ao decujo, recebe o
substituto a herança ou legado e, se ainda não aceitara, nem renunciara, o
direito de aceitar ou renunciar transmite-se aos seus herdeiros.

Se o fideicomissário falece, ou renuncia a herança, ou e julgado indigno,


caduca o fideicomisso. A extinção da pessoa jurídica, nomeada
fideicomissária, acarreta caducidade. Em todos êsses casos, o fiduciário
torna-se proprietário puro, para se empregar, aí, a expressão que está no art.
1.735. Ésse texto da lei só se refere à renúncia, mas a regra jurídica geral
está nos arts. 1.595 e 1.708, IV e V.

Se o renunciante é o fiduciário, antecipa-se a transmissão da propriedade e


da posse ao fideicomissário, que somente era, por herança ou legado, titular
de direito expectativo, salvo se o testador dispôs diversamente (e. g., se
nomeara substituto ao fideicomissário, ou se é caso de acrescimento).

Se a morte do fideicomissário foi simultânea à do testador, quem fôra


nomeado fiduciàrio recebe a propriedade pura, porque, à abertura da
sucessão, a deixa não foi em fideicomisso, a despeito dos têrmos do
testamento.
Se falecem no mesmo momento fiduciário e fideicomissário, depois da
abertura da sucessão, o caso é de sucessão do fiduciário, que já era
proprietário dos bens quando faleceu. Ao fideicomissário extingue-se o
direito expectativo, uma vez que, ex kypotkesi, o fideicomisso era ligado à
vida do fiduciário e, quando essa ocorreu, já também falecera o
fideicomissério (cf. Código Civil, art. 11).

Se perece o bem fideicomitido, sem culpa do legatário fiduciário, caduca o


fideicomisso. É o que resulta do art.

1.708, III, do Código Civil e dos princípios gerais sôbre herança.

A nulidade ou a anulação da disposição testamentária em que se instituiu


herdeiro ou legatário de modo nenhum produz nulidade ou anulação da
substituição. Há, aí, duas disposições distintas, por títulos diferentes. Pode
mesmo dar-se que urna conste de testamento válido e outra de testamento
nulo ou anulável. Inválida uma, a outra não é, por estar inserta em negócio
jurídico unilateral válido. A substituição, em si mesma, pode ser nula, ou
anulável, sem que o seja a instituicão do herdeiro ou legatário que seria
sucessor primário.

§ 5.888. Responsabilidade do fideicomissârio

1.RESPONSABILIDADE PELOS ENCARGOS DA HERANÇA. Diz o


Código Civil, art. 1.737: “O

fideicomissário responde pelos encargos da herança que ainda restarem,


quando vier à sucessão Como proprietário e possuidor da herança ou do
legado, o fiduciário responde como proprietário e possuidor pelas dividas
fiscais, pelos danos que o bem cause e sejam exigíveis pela pessoa que os
sofreu, ou pelas pessoas que os sofreram. No momento em que se dê a
transmissão automática ao fideicomissário, êsse começa a responder como
responderia, se ainda fôsse proprietário e possuIdor o fiduciário. São os
encargos (lato sensu) da herança, “que ainda restarem”, como se diz no
Código Civil, art. 1.737.
O testador pode restringir a responsabilidade do fiduciário, desde que o faça
expressamente, sem que da cláusula resuíte exoneração da restituição, ou
prejuízos intencionais ao fideicomissário.

Ao fideicomissário transferem-se os deveres e obrigações resultantes da


administração regular, eficiente do fiduciário. Aliter, os que se originarem
de gravames do bem, exceto se foram para garantir reconstrução necessária,
ou medida que foi exigida, legalmente, por autoridade pública.

§ 5.888. RESPONSABILIDADE DO FIDEICOMISSARIO

O seguro ou qualquer indenização que se pagou ao fiduciário por perda, ou


destruição, total ou parcial, do bem fideicomitido, insere-se no bem, de jeito
que, ao ocorrer a titularidade do fideicomissário, tem êle direito e pretensão
pelo que o fiduciário recebera.

O fideicomissário, que responde pelas despesas que não foram liquidadas e


pagas pelo fiduciário, fica diante de terceiros, que sejam os credores, em
vez do fiduciário (cf. 43 Câmara Civil do Tribunal de Apelação de São
Paulo, 10 de setembro de 1941, E. dos T., 135, 677). Ou o fideicomissário
as exige dos herdeiros do fiduciário, para solvê-

las, ou as solve sem as exigir, ou se expõe a que, se nao as paga, possa


haver a venda judicial do bem ou de algum bem fideicomitido. Mas, para a
venda judicial, é preciso que se tenham observado os pressupostos e as
formalidades processuais, e não por arbítrio do juiz, como talvez haja
acontecido no caso da decisão da 23 Câmara Civil do Tribunal de Justiça de
São Paulo, a 20 de abril de 1934 Cl?. dos 2‟., 92, 145).

2.CONTEÚDO DA REGRA JURÍDICA. Se à herança, ou legados


fideicomitidos, ordenou o testador que se entregasse a outrem certa coisa ou
valor, ou se impôs modus, ou recomendação, entende-se que são obrigados
o fiduciário e o fideicomissário. o primeiro até acabar a fiduciariedade e o
segundo, a partir disso. Se, durante a fidúcia, o fiduciário não cumpriu a
disposição testamentária e não se tratava de obrigação personalíssima,
cumpri-la-ão, no seu tempo, os fideicomissários.
Na lei fala-se de “encargos”, palavra com que se traduziu motins nos arts.
1.180 e 1.731 (no art. 1.664 preferiu-se

“modo”). Aqui, e no art. 1.587, muda a acepção: no art. 1.587, “cargos” são
obrigações da herança; no art. 1.737, abrange legado, modo e obrigações,
porque, em verdade, o fideicomissário responde por todos êles. No seu
comentário, onde a terminologia científica é anárquiça, CLÓVIS
BEvILÁQUA (Código Civil comentado, VI, 200) raciocinou como se só se
tratasse de obrigações. Vago JOAQUIM AUGUSTO FERREIRA ALVES
(Da Sucessão testamentária, Manual do Código Civil brasileiro, XIX, 359).
Mas, sendo o princípio aplicável às obrigaçoes e as determinações
testamentárias, melhor será entendê-lo integralmente.

§ 5.839. Caducidade e nulidade do fideicomisso

1.MORTE DO FIDEIGOMISSÁRIO ANTES DO FIDUCIÁRIO. Diz o


Código Civil, art. 1.788: “Caduca o fideicomisso, se o fideicomissário
morrer antes do fiduciário, ou antes de realizar-se a condição resolutória do
direito dêsse último. Nesse caso a propriedade consolida-se no fiduciário
nos têrmos do artigo 1.785”.

2. CONVINIÊNCIAS do Código Civil suíço, art. 492. 2.ª alínea, chileno,


arts. 788 e 762.

8.CONTEÚDO DA REGRA JURÍDICA. Nos casos normais, o fiduciário


fica livre do gravame, desde que o fideicomissário morra antes dêle ou
antes de se realizar a condição resolutória. Dois casos foram, portanto,
previstos: a) o de fideicomisso a têrmo de morte; b) o de fideicomisso sob
condição resolutiva Mas o art. 1.788

permite outros têrmos e a própria condição resolutiva está sujeita à vontade


contrária do testador, porquanto o art.

119 não é direito cogente.

O fiduciário pode renunciar a propriedade, como qualquer proprietário


(Código Civil, art. 589, II, e § 1.0 e até abandoná-la (art. 589, III, e § 2.0).
De regra, a propriedade do fideicomissário antecipa-se, salvo se outra
solução resulta do testamento, ad instar do que ocorre em caso de morte do
fidudano, depois de aceitar a herança e antes de se atingir o têrmo ou se
realizar a condição. Os escritores nacionais, franceses e italianos, que
bordam considerações a técnicas sôbre o assunto, deixam de atender a que
“renúncia” no art. 1.785 é renúncia da herança.

Não se regulou a renúncia da propriedade pelo fiduciário, nem pelo


fideicomissário (que ainda não na tem).

Quanto ao fiduciário, rege o Código Civil, art. 589, II, e § 1.0. Se o


testamento não no veda, a antecipação opera-se.

Aplicar o art. 1.788 a todos os fideicomissos seria injusta confusão com as


substituições Se o fideicomisso não é pensonalíssimo, não será preciso que,
ao tempo da restituição, viva o fideicomissário Não é outra a lição da
ciência: “Ist die Nacherbeinsetzung bcfristet”, diz TH. Rípp (Lehrbnch des
Bhirgerliehen Rechts, II, 3, 310), “so ist es nicht erforderlich, dass der
Nacherbe den Nacherbfall erlebt; vielmelir geht, wenn er vorher stirbt, sem
Recht auf seine Erben Uber, vorausge setst nur, dass er nicht schon von dem
Tode des Erbíasseni gestorben ist”. Se o fideicomissário morrer antes do
testador, sim: a sucessão vai, plena, ao que seria fiduciário. Certo, se vive à
abertura da sucessão, e não ao tempo de expirar o têrmo os seus herdeiros
receberão.

lÊ inerdável o direito do fideicomissário? Se não houvesse nenhuma regra


no Código Civil, a solução normal seria a seguinte: herdável, no caso de
fideicomisso a têrmo; na dúvida, não herdável, se condicional (TH. RIm‟,
Lehrbuch des Biirgerlicken Reckts, II, 8, 314). Temos, porém, o art. 1.788.
~ Constitui êle exceção ao art. 128, ou somente cogitou do fideicomisso
condicional? É a questão máxima do art. 1.738.

O art. 1.788 é dispositivo e só aplicável aos fideicomissos condicionais e


aos fideicomissos por morte do fiduciário.

Ai, há têrmo, e não condição; porém o pensamento da lei brasileira foi


subordiná-los ao art. 1.788, devido ao êrro de CLóvís BEVILÁQUA que
viu no têrmo de morte a condição suspensiva de sobreviver. A fortiori, se há
condição suspensiva do direito do fideicomissário (sem ser a situação de
suspensão, derivada da resolutiva ao fiduciário), os herdeiros do
fideicomissário não herdam, salvo vontade testamentária que o ordene.

No Código Civil suíço, art. 492, lª alínea, constrói-se o fideicomisso como


substituição, e nisso estão no mesmo pé os dois Códigos. Mas também lá o
art. 492,

2 a alínea, é dispositivo e não se aplica àqueles têrmos que não sejam o de


morta do fiduciário: se o têrmo é de outra espécie, em 1940, por exemplo,
seria absurdo retirar a hereditariedade do direito do fideicomissário. No
Brasil, violaria o art. 128, que é regra de direito dispositivo.

Herdeiros do fideicomissário que podem receber os bens do fideicomisso


são assim os legítimos como os testamentánios.

(A.SUTER, fie Nacherbschaft nach dem schweizerischen Zivilgesetzentwurf


e, 129; A. ESCfrER, Das Erbrecht, Kommentar zum schweizerischen
Zivil.qesetzbuck, III, 64).

Um-se-á que CLóvís BEvILÂQUA, nos seus comentários, trata os artigos


como se fôssem ins coqens; mas isto não constitui razão. Uma regra não é
ins cogens ou regra jurídica dispositiva porque tenha havido essa ou aquela
intenção oculta; e sim porque, em sua natureza, o é. Aliás, quem quer que
leia a obra de CLÓvIS BEVILÂQUA logo percebe como lhe passa quase
despercebida a fundamental diferença entre o imperativo, o dispositivo e o
interpretativo. Acresce ainda que o art. 1.738, in fine, remete ao ad. 1.735,
que é dispositivo, e essa 2~a parte do art.

1.738 teve a seguinte elaboração: “consolida-se a propriedade dos bens


fideicomitidos, em benefício do gravado, se outra coisa quando tiver
determinado o testador” (Projeto primitivo, art. 1.904) ; “a propriedade
consolida-se no fiduciário como está disposto no art. 2.099” (revisto, art.
2.102). Portanto, a própria intenção foi outra.
O art. 1.738 refere-se à morte do fideicomissário antes do fiduciário, e o art.
1.735 à renúncia. Não se falou da incapacidade ou indignidade do
fideicomissário. Nestes dois casos, como no da renúncia, o fiduciário recebe
o pleno direito.

4.ALTERAÇõES “EX VOLUNTATE”. O testador pode alterar o que se


estatui no art. 1.738: a) Fazendo a têrmo, que não seja o de morte, o
fideicomisso (art. 123). b) Fazendo-o sob condicão resolutiva, mas impondo
a herdabilidade do direito do fideicomissário. o) Fazendo-o a têrmo de
morte, com a herdabilidade do direito do fideicomissário. d) Nomeando
substituto ao fideicomissário, quer sejam os herdeiros dêsse, quer estranhos
(P.

TuoR, Das Erbrecht, Kommentar zum. Schweizerischen Zivilgesetzbuch, III,


262), caso em que haverá substituioão, e não herdabilidade do direito
eventual.

Nomeando mais de um fideicomissário conjuntivamente, os arts. 1.710 e


1.711 só serão aplicáveis se a morte fôr antes da abertura da sucessão (art.
1.712); porque, havendo disposição especial do testador, quando a morte fôr
após a sua, a substituicão ou a herdabilidade é que se dará, e não o
acrescimento.

5. MORTE DO FIDUCIÁRIO. O tipo normal dos fideicomissos, para o


Código Civil, é o feito a têrmo de morte; por isto, nêle, nenhuma regra,
imperativa, dispositiva ou interpretativa, se encontra, que se refira à morte
do fiduciário. No entanto, ,~ que se há de resolver quando o fiduciário
morrer antes de chegar ao dia da resolução, ou de se realizar a condição
resolutiva?

Se a têrmo, que não seja o de morte, os herdeiros do fiduciário o aguardam,


salvo contrária disposição do testador, que faça personalíssimo o
fideicomisso. Idem, no caso de condição resolutiva. Enquanto não se realiza
a condição, o fideicomissário não poderá exigir os bens. A situação dêle é a
de um legitimado em situação de suspensão, donde certos pré-e feItos
(possibilidade de alienar o direito eventual, direito à testamentaria, à
inventariança, à caução, cp.

P. TuoR, Das Erbrecht, Kommentar zum Schweizerisehen Zivilgesetzbuck,


III, 263, A. SUTER, fie Nacherbschaft nach dem schweizerischeu
Zivilgesetzentwur fe, 82 s.). Se há condição suspensiva (note-se bem:
condição suspensiva e não só situação de suspensão, derivada da resolutiva
imposta pelo testador ao fiduciário), não há herdabilidade do direito (arts.
118 e 121).

6. REGRA QUE FALTA. Já dissemos que a morte do fiduciário antes do


testador, a renúncia, a incapacidade, a indignidade, fazem com que os bens
vão, diretamente, ao fideicomissário. Não temos regra legal a respeito; têm-
na os suíços. art. 492, g a alínea, de natureza dis positiva (P. TuOR, De
Erbrecht, Kommerttar zum Schweizerischen Zivilgesetzbuch, III, 263, contra
a opinião insustentável de A. ESCEER, Das Erbrecht, Kommerttar zum
schweizerischen Zivilgesetzbuch, III, 69). O testador poderá dispor
diversamente, mesmo porque são os casos típicos de substituição.

Se a vontade do testador era que só se entregassem os bens ao tempo


marcado, ou se a condição não foi somente no interêsse do fiduciário os
herdeiros legítimos ou os testamentários guardarão os bens, É questão de
interpretação da verba. A substituição é o que, na dúvida, querem os
alemães; o que dispositivamente ordenam os suíços.

Lê-se na decisão da g a Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo,


a 30 de maio de 1947 (E. dos T., 168, 266)

~„Embora não regulado satisfatôriamente, o fideicomisso, não era


desconhecido no direito anterior, como desconhecido não era o direito de
acrescer entre herdeiros e legatários contemplados em disposição conjunta.
Ora, sendo o fideicomissário mero detentor de expectativa de direito, os
velhos civilistas discutiam vivamente sôbre se, pré-morrendo êle ao
fiduciário, o seu direito assim condicionado se transmitia ou não aos seus
sucessores. Opinião em voga entre os jurisconsultos da época era a de que a
spes debitum iri não se transmitia em se tratando de disposição de última
vontade, só se transmitindo quando originária de condição ligada a relações
contratuais. Ésse conceito, haurido no direito romano, condensou-se no
atual dispositivo do art. 1.788, segundo o qual o fideicomisso caduca em
ocorrendo premorte do fideicomissário. A segunda parte do dispositivo
citado, de acôrdo com a qual, a propriedade, nesse caso, se consolida no
fiduciário, não se aplica, como é óbvio, quando ocorre disposição conjunta,
hipótese essa para a qual a solução vem preconizada no art. 1.710 do
mesmo Código”. O

fideicomissário que herda ou recebe o legado sem tal qualidade, de modo


nenhum se distingue dos herdeiros e legatários em geral. Beneficia-se com
a saisina (cp. ~ Câmara Civil do Tribunal de Apelação de São Paulo, 4 de
abril de 1945, 160, 656; 2.~ Câmara Civil, 12 de fevereiro de 1938, 112,
162; 4ª Câmara Civil, 11 de dezembro de 1935, 104, 595).

7.FORMALIDADES DO REGISTO. Nos casos em que se extingue o


fideicomisso, ou porque a propriedade passe, íntegra, ao fideicomissário ou
porque se consolide no fiduciário. o interessado deve pedir a extincão da
verba (chamada extinção de fideicomisso), que é simples julgamento
declaratório, porquanto já está extinto, para todos os efeitos, o gravame. A
maior utilidade prática é a de ser ordenado, pelo juiz, o cancelamento das
transcrições. Cumpre atender a que os direitos de fiduciário e os de
fideicomissário passam, com a morte do testador, aos beneficiados,
independente de qualquer formalidade e valem quanto a terceiros (art.
1.572), nada importam certas regras de regulamento de registo que não
atenderam ao sistema adotado pelo Código Civil.

Também a resolução se opera sem necessidade de se cancelar o registo.

8. DOS GRAUs DE INSTITUIÇÃO. Diz o Código Civil, artigo 1.789:


“São nulos os fideicomissos além do segundo grau .

9. CORRESPONDÊNCIAS Código Civil chileno, art. 745; espanhol, art.


781; suíço, art. 488, 2.~ alínea. Sem limite de graus, o alemão.

10.DIREITO ANTERIOR Só se admitia um fideicomisso (a que se


chamava, e bem, do 1.0 grau). Assim a doutrina (M. A. COELHO DA
ROcHA, Instituições de Direito Civil portugues, § 719; A. TEIXEIRA DE

FREITAS, Consolidação das Leis Civis, nota 2 ao art. 73), como a


jurisprudência (Côrte de Apelação, 25 de abril de 1892), contra a opinião de
JUSTINO DE ANDRADE (O D., 57, 122).

11.CONTAGEM DOS GRAUS. A lei brasileira fala em 2.0 grau. ~Que


entende ela por isto? Rigorosamente, segundo grau seria o seguinte: “O
testador institui fiduciário ao filho, aos filhos dêsse fideicomissários e aos
filhos dos netos fideicomissários do segundo grau”. Para não dar exemplo
que pudesse interpretar-se como opinativo, tiremos de um trecho de F.
ENDEMANN (Lehrbueh des B‟drgerlichen Rechts, III, 881> : “Der
Erbíasser setzt seinen Sohn zum Vorerben, dessen Rinder zu Nacherben und
die von diesen in seiner Zukunft erwarteten Enkel zu Nacherben zweiten
Grades em”. Mas a má contagem vem de longe e deriva das velhas leis que
diziam, como as leis francesas, “institution non comprise”. Agora, o Código
Civil conta, sem nada dizer, para se entender

“institution comprise”. E porque foi omisso, JOAQUIM AUGUSTO


FERREIRA ALVES entendeu que se permitiam dois fideicomissos (Da
Sucessão testamentária, Manual do Código Civil brasileiro, XIX, 368) : “O

Código Civil permite o fideicomisso de dois graus; e a êsse respeito estatui


o art. 1.739 que nulos são os fideicomissos além do segundo grau; e assim
admite dois substitutos, o primeiro que sucede ao fiduciário, ao herdeiro
instituído, e o segundo que sucede ao primeiro referido substituto. São
proibidos, portanto, os fideicomissos do terceiro grau em diante”.

12.FUNÇÃO DA REGRA JURÍDICA. São nulas as fidúcias impostas,


quanto aos mesmos bens, aos fideicomissários. Isto, e só isto, é o que
pretende o art. 1.739. Tratando-se de nulidade absoluta, não é preciso que se
proponha ação. Em qualquer têrmo de processo, do inventário ou de outro,
pode ser apontada, e o despacho do juiz será simplesmente declaratório.

Cumpre saber, precisamente, quais as outras nomeações, a que se refere o


art. 1.739, isto é, quais as nomeações do terceiro grau (segundo a contagem
do Código), que são nulas.
Para que haja a nulidade, é preciso que os bens tenham de ir,
transitivamente, de A a B e de B a C. Donde ser pressuposto da verba nula a
partir do terceiro grau (2.0 fideicomisso) a) Identidade do primeiro
instituído e do segundo (fideicomissário). b) Identidade do objeto.

Se o testador disse deixo a A, passando a B, que dos bens dará pensão à


mãe de A, vale a verba. Não há dois fideicomissos: há um fideicomisso e
uma pensão (legado de modus, conforme os têrmos do testador). Ainda que
tenha dito “deixo a A, passando a E, que, ao receber, entregará a metade a
C” vale. Porque a metade vai a C, como legado a têrmo da morte de A.
Demais, não haveria o tractus temporis entre B e que permitisse a figura do
fideicomisso. ~ Quid iuris, se disse “lego a A, passando a B e, dez anos
depois, a C”?

Aqui, há o tractus temporis. C não é legatário, porque seria forçar crê-lo


legatário sob modalidade dupla (morte de E + 10 anos). Se disse “lego a A,
passando a E, cabendo a C a metade se E estiver casada”, vale; fiduciário é
A; E, fideicomissária do todo, se continuou solteira, ou de metade, se casou;
C, fideicomissário, se E se casou. Não há, no tempo, mais de um
fideicomisso, e sim um só com dois fideicomissários a têrmo de morte de A
e ambos condicionais.

Se a verba estatui “lego a A, passando a B aos 30 anos, ou, se E tiver


falecido, ou se já se casou, a C, por morte de A”, vale. A é fiduciário, E e O
fideicomissários condicionais disjuntivos (ou E ou C), substituindo C a E
em caso de morte.

Se o testador disse “deixo a A, passando a E e de E a seus herdeiros”, não


se pode considerar válida a segunda passagem, porém a expressão “e de E a
seus herdeiros” deve ser interpretada como fideicomisso herdável, no qual,
se E morrer antes do fiduciário, os seus herdeiros receberão, por morte do
fiduciário, os bens. Idem, se o testador ordenou “passando a E ou seus
herdeiros

Quando fôr dito “passando a. E ou a D”, a construção será a seguinte: E


fideicomissário, D substituto.
Não há fideicomisso além do segundo grau. Se há ofensa à regra jurídica
que está explícita na lei, a disposição testamentária é nula. O que pode
haver é substituição vulgar ou recíproca do fideicomissário (cf. ~ Câmara
Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, 31 de maio de 1951, R. dos T.,
193, 784). A cláusula de ser usufrutuário o fideicomissário e a propriedade
dos descendentes do testador ou de outrem énula, porque estabeleceria
terceiro grau (cf.

4 a Câmara Civil do Tribunal de Apelação de São Paulo, 25 de abril de


1946. 165, 292). Se há cláusula testamentária que estende a terceiro grau o
fideicomisso, essa cláusula é nula, pôsto que válida a que concerne ao
segundo grau (Câmaras Reunidas do Tribunal de Apelação do Rio de
Janeiro, 3 de maio de 1939, A. 1., 51, 53; 1a Câmara Cível da Côrte de
Apelação do Rio Grande do Sul, 29 de maio de 1937, R. dos 7‟., 113, 803;
2.~ Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, 27 de abril de 1948,
174, 786).

Se o testador disse que seriam fideicomissários os filhos do fiduciário, ou


“descendentes” do fiduciário, ou de outra pessoa determinada, inclusive do
próprio testador, tem-se de considerar a espécie como deixa à prole
existente e à prole eventual. O fiduciário pode renunciar, como pode
premorrer ou falecer depois do testador; de qualquer modo os
fideicomissários são os beneficiados definitivamente. (É êrro dizer-se que,
se fideicomissários são descendentes do fiduciário, êsse não pode renunciar,
o que lamentâvelmente está na decisão da 63 Câmara Cível do Tribunal de
Justiça do Distrito Federal, a 28 de janeiro de 1947, R. F., 95, 117.) Só é
nula a passagem que evidentemente fôr segunda fidúcia.

13.OUTROS CASOS ESCAPOS À REGRA JURÍDICA VEDATIVA.

Se o testador quis que “os bens fôssem a A, passando a E em nua-


propriedade e a O em usufruto”, vale a verba: A é o fiduciário; E,
fideicomissário da nua-propriedade, C, do usufruto. Só há, no tempo, um
fideicomisso, pôsto que o testador houvesse cindido a propriedade ao
terminar a fiducialidade. A partir da morte de A, não há mais propriedade
gravada de fideicomisso; êsse já se extinguiu; restam, tão-somente, a
propriedade desmembrada e o usufruto que dela se desmembrou.

Se foi dito que “A receberia os bens e passariam a E até os 25 anos, depois


a O”, a passagem a O é nula. Se disse que “A e E receberiam, alternar-se-
iam (ou não) as rendas, passando por morte de ambos (ou de um dêles) a
O”, vale. A e E seriam fiduciários (conjuntos ou não) e C o fideicomissário.

fl permitido nomear dois ou mais fiduciários, pois todos são do mesmo grau
e têm o mesmo benefício; bem como nomear dois ou mais fideicomissários,
pois todos são do mesmo grau e têm o mesmo beneficio. Ainda mais: nada
obsta a que se apontem substitutos a todos, ou a alguns, ou a um só, com ou
sem reciprocidade.

14.NULIDADE DA INSTITUIÇÃO DO FIDEICOMISSÁRIO. Diz o


Código Civil, art. 1.740: “A nulidade da substituição ilegal não prejudica a
instituição, que valerá sem o encargo resolutório”.

15.CORRESPONDÊNCIAS. Código Civil espanhol, artigo 786; italiano,


art. 900; argentino, art. 8.780; uruguaio, artigo 829. Contra: Código Civil
francês, art. 896.

16.CONTEÚDO DA REGRA JURÍDICA. A lei quis dizer que, se houve


segundo fideicomisso, êsse não será válido, mas ~ isto não prejudicará as
nomeações do fiduciário e do fideicomissário? Como está redigida, só
abrange os casos de nulidade do próprio fideicomisso permitido, casos em
que, a despeito da eiva próxima, valeria a instituição. Aliás, assim é no art.
786 do Código Civil espanhol, de onde o trouxe o Projeto. À pergunta
inicial também devemos responder afirmativamente, pelo princípio da
separação. Além disto, há a nulidade da substituição vulgar.

Portanto, três casos de não-viciação do útil:

a)A nulidade da substituição não prejudica a instituição. Essa valerá e não


valerá o gravame nulo.
b)A nulidade do segundo fideicomisso e dos outros não prejudica o
primeiro. CLOVIS BEVILÁQUA, art. 1.906, copiou o Código espanhol;
mas, nos comentários, atribui ao texto o caso que nêle não está
compreendido, e nem uma palavra diz do que está, fàcilmente perceptível,
nas palavras da lei. É interessante ler o art. 1.740 e o comentário de CLóvís
BEVILÁQUA, que faz a lei dizer uma porção de coisas que nela não estão.
Certo, o art. 786

do Código espanhol, que concerne ao caso a) acima formulado, pouco


adianta e o de que se necessitava era a regra jurídica para o caso b) (ainda
assim, fàcilmente se entenderia); mas foi o próprio CLÓVIS BEvILÁQUA
que o copiou! O adjetivo ilegal afeia; sem ter, contudo, consequências. A
regra jurídica do art. 1.740 é própria dos Códigos que proibem
fideicomissos, como o italiano, art. 901, e o português, art. 1.869. O
testador deixou “a A a fortuna, passando a E e de B a C, a cada morte”, a
passagem a C não vale, vale a de A a E; de modo que E, fideicomissário,
receberá a herança sem gravação. À instituição, estrito senso, ou nomeação
do primeiro fiduciário, não interessa a parte final do art. 1.740; cai o nulo,
fica o eficaz, em virtude da separação das disposições testamentárias.

e)A nulidade da substituição vulgar não prejudica a instituição. Como está


redigido, o art. 1.739 abrange êsse caso~

A nulidade ou ineficácia da instituição do fiduciário tambem não prejudica


a do fideicomissário (LAFATETE

RODRIGUES PEREIRA, São Paulo judiciário, X, Si s.). Assim, se A é


incapaz ou se a primeira instituição é contra a ordem pública, e sem eiva a
segunda, vale essa.

Se é nula, ou se foi anulada a cláusula que instituiu o fideicomisso, não há


instituição de fiduciário, nem de fideicomissário. Idem, se nulo é ou
anulado foi o testamento. Pode dar-se que nem toda a cláusula testamentária
seja nula, ou tenha sido anulada. A invalidade pode só atingir a instituição
do fiduciário, ou só a do fideicomissário, ou só alguma parte de uma
cláusula. Então, tem-se de afastar a extensão do enunciado de invalidade.
§ 5.840. Acões dos instituidos

1.AÇÕES DO FiDUCIÁRIO. Desde o instante da morte do fideicomitente


o fiduciário recebe os bens da herança ou legado fideicomitido. Enquanto
não se dá a resolução, êle exerce todas as ações do herdeiro, desde a petição
de herança, e todas as ações do dono dos bens, que êle é.

A ação do fiduciário contra o fideicomissário para reembolsar-se das


despesas, a que foi obrigado, e não deviam correr por sua conta, é a de rem
verso; e aqui, porque não se pode assimilar o fiduciário a um usufrutuário,
multar»

arbitrio indicis permissuflest.

2.ACÔES E CAUTELAS DO FLUEICOMISSARIO. O fideicomissário é


herdeiro, desde o instante em que se abre a sucessão, porém os bens não lhe
passam, em sua consistência material e jurídica. Não tem a saisinti; mas,
quando se resolver a propriedade do fiduciário, terá tido. Resta saber se
vode, antes da resolução, usar de ações do domínio e da posse.

A situação dele é a de quem estivesse sujeito a condição suspensiva; toca-


lhe, pois, exercer os atos destinados à conservação (art. 121). ~As ações de
domínio e da posse cabem no art. 121? (O art. 121 corresponde ao Código
Civil francês, ad. 1.180, se bem que êsse se refira a obrigações. Enquanto o
brasileiro generalizou, o suíço, art. 176, abandonava o preceito.) Nao
cabem; o fideicomissário pode pedir caução ao fiduciário e exercer a açâo
de petiç~o de herança, porque é herdeiro. Se o fiduciário está ausente e não
se acham acautelados os bens, é legitimado para pedir a arrecadaçâo dêstes
e a nomeação de curador. Se o fiduciário está presente, ou, ausente, pode ser
citado, tem direito à caução.

Se o fiduciário está ausente e não se acham acautelados os bens, o


fideicomissário é legitimado para exercer o cargo da testamentaria, porque é
herdeiro instituido (art. 1.76W). e para o da inventariança (art. 1.579, § 2.0).
Se o testador deixou fideicomissário e não aparecem o fiduciário e os outros
herdeiros, não se arrecadam como herança vacante os bens do espólio;
porque fideicomíssário é herdeiro.
Se o fiduciário se ausentou, sem notícia, o fideicomissário pode requerer a
curadoria de ausentes (arts. 463 si ; mas, passado os dois anos do art. 469,
os bens não irâo aos herdeiros legítimos ou testamentários do fiduciário, e
sim ao fideicomissário, provísôriamente (art. 470, III), até que se dê a
presunÇão dos arts. 481 e 482. Se o fiduciário aparecer, o fideicomissário
terá feito seus, pela metade, os frutos e rendimentos dos bens (art. 477). Se
não aparecer, poderá ser requerida, trinta anos depois, a entrega definitiva e
o levantamento das cauções prestadas (art.

481) e, depois desta, o fiduciário, que aparecer, terá direito aos bens
existentes, no estado em que se acharem, aos sub-rogados, e ao preço
recebido pelos alienados depois daquele tempo (ad. 483).

Se o fideicomisso não era a têrmo de morte, resolvido o direito do


fiduciário, o fideicomissário adquirirá, de pleno direito, os bens, sem
necessidade de qualquer medida.

O credor do fiduciário que, no intervalo, requerer pagamento pela metade


das rendas dos bens fideicomitidos, terá de caucionar o fideicomissário para
o caso de já ter morrido. o fiduciário; salvo se a outro têrmo, ou
condicional, o fideicomisso, havendo hereditariedade do direito do
fiduciário.

Se o testador fêz hereditária a fidúcia, o fideicomissúrio náo pode


prevalecer-se do art. 570, III, que só se refere ao direito subordinado à
condição de morte; mas é interessado para provocar a curadoria do ausente.
Nesse caso, os herdeiros prestam caução ao fideicomissário. Se hereditária
a fidúcia, porém só sucessores do fiduciário, e nào substitutos. os herdeiros,
o fideicomissário terá direito a todos os frutos e rendimentos, a partir da
abertura da sucessão, se o fiduciàrio renunciou a herança, foi declarado
indigno ou incapaz, ou por outro modo não pôde aceitar a herança.

3.CAUCÃO „FEICOMMISSIO SERVANDI CAUSA”. Cabia contra o


fiduciário que não era domiciliado no lugar, C. F. F. ENTE? (De catttioflc et
missione legatorum seu fideicommissorum servandorum causa, 16 sj, se
toda a herança estava alhures, ou dispersa. J. CujÁcto (Opera, IV, 662 sj.
Aliás, a leitura e ineditação das L. 54, §§

2 e 4, D., de indiejis: ubi quis que agere vel conveniri debeat, 5, 1, L. 15, §
1, D., de rendicata et de effectn sententiarum d de interlooutionibiis, 42, 1,
L. 52, §§ 1, 2 e 4, D., 5, 1, e L. 8, § 4, 11, qui satistiare cogantur vel juraM
promittant veZ surte promissioni coqnmittantur, 2, 8, fizeram-nos pensar em
que só se quis que a caução concernisse aos bens que podiam, no lugar, ser
pedidos (co icei peti posse, nU res sit). Hoje, presta-se a caução onde quer
que se achem os bens e pede-se no lugar do domicílio do testador, ou onde
o fiduciário tenha de entregar os bens.

A caução do fiduciário concerne a quaisquer bens; e no cabe, hoje, a


distinção que se lê em ÁLVARO VALASCO

(Consultatio‟num et Decisionum, ac rerum indicatarum, c. 184, n. 15).


Também se dizia que a caução do art. 1.734

só se prestaria si petatur; aliter, ao usufrutuário. Mas hoje não há tal


diferença (art. 729).

A açâo de reivindicação cabe ao fideicomissário, ainda quando seja êle


herdeiro aceitante do fiduciário; salvo se havia consentido, ou se foi em
execuçào de dívidas da herança fideicomitida. A Ordenança francesa de
1747

exigia, no caso acima, que indenizasse o possuIdor evicto. Isto não se pode
pretender em direito brasileiro, nem (cremos) no francês. MÂLEVILLE,
nota ao art. 1.072 do Código Civil francês, DEVINCOURT, sob o art.
1.048, merecem consultados Naturalmen te, na qualidade de herdeiro do
fiduciário, indenizará. Todavia, noutro process

§ 5.841. Questões de interpretação


1. VEDAÇÃO DE TESTAR. Se o testador vedou que o herdeiro testasse
sôbre os bens herdados, ou sôbre alguma coisa sua, não se tire, desde logo,
que dispôs nulamente. Pode tratar-se de instituição fideicomissária dos
herdeiros legítimos do herdeiro. De qualquer modo, é questão de
interpretação

(E.HERZFELDER Erbrecht, .7. v. Staudingers Kommentar, V, 518; O‟rTo


WARNEYER Kommentar li, 1135).

Mas, se o testador disse “deixo a A, passando a seus herdeiros”, e nada há,


na cédula, de que se induza tratar-se dos legítimos, não há fideicomisso.
Assim, com razão, o Tribunal do Reich (Rs1x, 40, 120) e OTTO
WARNEYER

(Kommentar II, 1185).

2.FIDEIcoMISSo E LEGADOS. Cumpre não confundir os fideicomissos e


os legados a têrmo ex die ou in diem, ou 03 legados convencionais No
fideicomisso, há duas figuras subjetivas, que se sucedem, ambas herdeiros
ou ambas legatários, sem que as incidências de ambas na propriedade sejam
simultaneas. Nos legados condicionais ou a têrmo, o legatário não é figura
simétrica ao onerado, não há dois herdeiros ou dois legatários à vinda de
um dos quais, ao têrmo ou realizada a condição, o outro desapareça. No
tractus temporis, não houve dono dos bens legados ex die vã diem, ou
condicionalmerte com suspensao ou resolutividade A Sucessividade de dois
legatários da propriedade para o tem pus mortis compõe a figura do
fideicomisso do segundo grau. Se o testador criou três legados sucessivos,
sendo dois a tempo de morte, provâvelmente quis violar o art. 1.739 Se
legou a um a nua-propriedade e a dois outros, ou mais, sucessivamente, o
usufruto, não construiu fideicomisso; todos têm. de estar vivos, ou terá
usado, a respeito dos que não estiverem, do art. 1.718.

8.FIDEIcOMISsO E USUFRUTO A maior dificuldade na classificação das


verbas, se fideicomisso, se usufruto, é quando o testador tira ao fiduciário
alienar e hipotecar. Se o tira por restrição de poder (cláusula de
inalienabilidade, de impenhorabilidade e não impenhabilidade), a incidência
é objetiva, e pode permanecer a figura do fideicomisso. Se o tira, por
implícita carência de poder subjetivo, constituindo condicio iuris da verba,
de usufruto é que se trata.

O traço principal para se verificar a fideicomissariedade ou o caráter de


usufruto, que tem uma verba, consiste na sucessividade de domínio que há
de haver no fideicomisso e não pode existir no usufruto (Orno
WARNEYELt, Kommentar, II, 1185). A situação jurídica do fiduciário
parece-se com a do usufrutuário, mas, evidentemente, constitui mais forte
direito, poder mais vasto e acentuado, suscetível de quase plenitude, se o
testador o quiser, ao passo que o usufruto é uma categoria rígida de direito
das coisas. Assim, lê-se em Til. Kw~ (Lehrbuch des Riirgerlichen Rechts,
TI, 3, 307) “Die Stellung dos Vorerben ist also niessbraucbsãhnlich, aber
doch etwas stãrker aIs die des Niessbrauchers und kann vom Erblasser
durch Befreiungen noch wesentlich verstãrkt werden”.

Corresponde ao que dissemos no texto.

Para se saber se a verba é de usufruto, ou de fideicomisso, o critério tem de


ser a pesquisa da vontade do testador, ainda que tenha exteriorizado outra
figura jurídica (F. ENDEMANN, Lehrbuch des Rilrgerliohen Rechts, III,
416).

Se o testador tira ao fiduciário toda a disposição e só lhe deixa o uso e o


fruto, sem que tal indisponibilidade seja conseqúência de cláusula de
inalienabilidade, quis usufruto, e não fideicomisso. Mas basta que lhe dê
qualquer poder de dispor, para ser a verba incompatível com a figura do
usufruto. Já é, embora sujeito a graves restrições, o dono da herança, ou do
legado, situação que nunca poderia ter o usufrutuário, que usa e frui coisa
alheia.

4.QUESTÃO DE. ITENNEMANN. Se o testador institui a A “no usufruto”


de todos os bens, passando, por morte, a 8, na dúvida deve ter-se por
fideicomisso. É a boa lição, após as velhas controvérsias de
WISSENEAGH, CIIR.
ULE. LDW. HENNEMANN, Cmi. FR. vON GLÚCK (Ana tiihrflche
Erlãuterung der Pandecten, IX, 185), Cmi.

FR. VON MÚHLENBRUCR (Ausfiihrliehe Erlãuterung der Pandecten, 40,


184 s.). A solução que adotamos é a de JOSEPH UNGER (System des
ósterreichischen aligemeineu Privatrechts, VI, 95), interpretador finíssimo.

Chama-se questão de Cmi. Utu. LDW. HENNEMANN, porque foi posta


por êle, no seu livrinho famoso (Untersuchung zweier Frage, Schwerin u.
Wismar, 1790).

5.USUFRUTO SUCESSIVO E FIDEICOMISSO. Nada obsta a que o


testador faça sucessivo o usufruto, desde que não infrinja o art. 1.789: “É
minha universal herdeira A, minha mulher; a meu pai deixo o usufruto do
prédio x, que, por sua morte, passará a meu irmão B”. Aí, não há
fideicomisso, e sim usufruto sucessivo; dizer nula tal verba, por ser usufruto
sucessivo, sem texto que comine a tais usufrutos a nulidade, constitui ato de
ignorância e de iniquidade, a que são levados os que aceitam como
interpretações autênticas as notas apressadas e superficiais de CLÓvIS
BEVIÁQUA, já causadoras de injustiça sem conta no pais inteiro, neste e
em muitos outros assuntos. De ignorância: porque A não é, aí, fiduciária, de
modo que pudesse haver três graus (na contagem da lei), A, o pai do
testador e B; de iniquidade: porque o intuito do testador foi prover, na falta
do pai, à subsistência, educação ou confôrto do irmão, e a solução, que se
dá, extirpa, sem texto de lei, a vontade do testador. Dizer que se trata de
usufruto sucessivo e que a lei o proibe é julgar sem meditar, sob o influxo
de livros italianos. Na Itália, o usufruto sucessivo éproibido, mas, para isto,
além do preceito que vedou fideicomissos, há o art. 901: “La disposizione,
coila quale é lasciato l‟usufrutto o altra annualità a piú persone
successivamente, ha soltanto effetto in favore dei primi chiamati a goderne
alIa morte dei testatore”.

No direito anterior ao Código Civil, admitia-se o usufruto sucessivo


(FRANCISCO DE PAULA LACERDA DE
ALMEIDA, Direito das Coisas, 1, 899; Acórdão da 1a Câmara da Côrte de
Apelação, de 14 de janeiro de 1915).

Há tantos usufrutos distintos quantas as pessoas chamadas a suceder no uso


e no fruto, de modo que a sucessão vai diretamente do decujo a cada um
dos usufrutuários. O artigo 740 prevê, exatamente, tais usufrutos, e, se
CLÓvIS

BEVILÁQUA opinou contràriamente, foi devido a não ter prestado atenção


ao art. 740, que é claro.

Oassunto merece exame. A lei brasileira não proibe o usufruto sucessivo,


nem inter vivos, nem causa mortis, salvo quando dissimular o fideicomisso
proibido. Na espécie, que apontamos, nenhuma razão existiria para
considerá-lo in frcudem legis. Se fideicomisso fôsse, seria, na linguagem da
lei, do segundo grau; se usufruto sucessivo, terminará com a morte de B. A
própria lei brasileira construiu usufruto sucessivo: no art. 7443, mandou
que, se constituído a favor de dois ou mais indivíduos, se atendesse à
vontade do testador quanto à sucessividade nos quinhões. Mas a confusão
de CLÔVIS BEVILÁQUA provém de (em muitos lugares da sua obra se
vê> não distinguir herdabilidade ou sucessividade de direito
(sucessibilidade), que é noção conexa a direito de herança, e sucessividade,
que nada tem com herdabilidade e constitui fenômeno topológico no espaço
e no tempo. Não lhe exigiríamos que lesse os autores modernos; bastaria
ler, em língua francesa, os mais corriqueiros: a C.

DEMOLOMBE, a K. 5. ZACHALIIAE VON LINGENTHAL, a MARCEL


PLANIOL.

6.CONJUNTIVIDADE E SUCESSIVmADE. O direito de usufruto é


essencialmente temporário e aleatório. A têrmo, ou sob condição, poderá
durar até o que se espera, ex die ou ad diem; mas a morte do usufrutuário,
antes da realização da condição, ou do advento do têrmo, o extingue.
Ninguém nega que o usufruto possa começar ex die ou ad diem; já no
direito romano, a L. 4, D., de usufructu, 7, 1, diz que “vel praesens vel ex
die dari potest”; portanto, a sucessividade não se lhe pode tolher. K. 5.
ZACHARIAE VON LINGENTHAL (Le Droit civil français, II, 125, nota
10: “on peut constituer un second usufruit que commencera à la fin du
premier”. É acidental. São dois, três, quatro usufrutos; cada um permitido;
portanto, todos permitidos. Só a confusão com a propriedade fiduciária é
que poderia ver, entre êles, sucessividade proibida.

A herdabilidade não a pode decretar o testador; mas a conjuntividade e a


sucessividade são permitidas. K. 5.

ZACHARIAE vON LINGENTRAL (Le Droit civil français, II, 145, nota:
“La rêgle, c‟est que l‟usufruit, étant un droit essentiellement personnel, ne
peut se transmettre par héritage, même pour un temps”. No texto: “Mais on
peut constituer un droit d‟usufruit sur plusieurs têtes conjointement ou
successivement”. À nota 9: “Mais du principe cidessus posé, que I‟usufruit
ne peut être transmis à plusieurs successivement, qu‟autant que tous ceux
auxquels l‟usufruit est transmis, pour en jouir les uns aprês les autres, sont
teus vivants au moment de la constitution de l‟usufruit, s‟il s‟agit d‟un
acte entre vifs, eu moment du decês du testateur, si l‟usufruit est établi par
un acte de derniêre volonté”. Cp. C. DEMOLOMBE (Cours de Co de
Napoléon, 10, 245 s.); MARaum PLANIOL (7i‟raité élémeu.. taire de
Droit civil, 1, 2866, 721 (usufrutos reversíveis). Não é possível que o
testador dite a sucessibilidade, a herdabilidade, do que é, por sua natureza,
personalíssimo; mas, desde que élícita a aposição de condições e têrmos
suspensivos e resolutivos às constituições de usufruto, nada impede a
sucessividade. Quer por ato inter vivos, quer mortis causa.

No direito francês (sem fideicomissos!), a sucessividade é permitida. Desde


que são vivos, na ocasião da constituição do usufruto, quando por ato inter
vivos, ou, nos atos mortis causa, à abertura da sucessão, todos os
usufrutuários, O mesmo aconteceria no direito brasileiro e já poria por terra
a opinião de CLÓvIS BEVILÁQUA, se não tivéssemos o art. 1.718, que os
franceses não têm.

Está, assim, reduzida aos seus verdadeiros têrmos a questão. Isto, de si só,
já evtdencia a temerária generalização de CLÓvIS BEvILÁQUA: os
usufrutos sucessivos são proibidos! Mas prossigamos: a)Casos ordinários.
No chamado usufruto sucessivo, a sucessão é ocasional, porque todo
usufruto é personalissimo.

O primeiro usufrutuário, por ato entre vivos ou a causa de morte, recebe-o


até morrer, ou até o ~têrmo da duração.

Extingue-se pela desaparição da pessoa (êle é pessoal) ou pela resolução


(têrmo ou condição resolutiva), O

segundo usufrutuário aceitou o usufruto ou o legado de usufruto desde tal


dia ou fato: é um contratante sob condição ou em situação suspensiva, ou
legatário de legado em situação suspensiva ou suspensivamente
condicional. Salvos os raros casos de aplicação do art. 1.665, poderá tratar-
se, quanto ao primeiro e ao segundo ou seguintes usufrutuários, de herdeiro
de usufruto. A ciência reconhece heranças de usufruto, e não só legados. Se
o outorgante ou disponente quis terceiro usufrutuário, é-lhe lícito aqui,
como se quis o quarto, o quinto, desde que não se trate

de fraude ao art. 1.789. No caso dos legados condicionais, ninguém cogitou


de lhes limitar o número. O art. 1.789

nada tem que ver com os legados condicionais ou a têrmo, a que o artigo
1.664 se refere, porquanto a única restrição que existe, a do art. 1.665, só se
refere ao direito do herdeiro e grita dentro do Código, como voz de além
túmulo, o escorraçado semel heres semper heres. O que não se admite por
ato entre vivos é o usufruto a favor de não-concebidos, porque, sendo
pessoal,. exige a vida do usufrutuário ao começar a duração e durante a
duração, acabando, necessáriamente, com a morte, se ainda perdura. Daí a
inerdabilidade do usufruto. E também não se entende a favor de não-
concebido, porque, na categoria de direito das coisas, que é o usufruto, se
ajude a propriedade, em uso, fruição e substância, ficando aqueles ao
usufrutuário, que se pudesse ser o não-concebido não existiria. O art. 1.718,
nas disposições mortis causa, obriga à sua especial construção.

b)Caso do art. 1.718. O usufruto cinde a propriedade; a sucessividade dos


dois sujeitos é necessária: devem ser, uns, nus-proprietários, e outros,
usufrutuários. Dá-se, porém, o mesmo com o domínio, e o art. 1.718
permitiu, no caso de ser beneficiada a prole eventual de pessoa designada,
que se construa sem vida do sujeito. Ora, usufruto é menos do que a
propriedade plena ou nua. Portanto, o art. 1.718 aplica-se a quaisquer
objetos da sucessão, propriedade, dívida ativa, usufruto, uso, habitação.

c)Interpretação segundo o art. 1.666. A sucessividade existirá quando o


testador (ou o outorgante) disser: “a A e seus herdeiros”. Quer dizer: não
pode ser estipulada a herdabilidade do usufruto ou resolvida pelo testador.
Porém j,que faremos quando o tiver sido? Nos atos entre vivos, só se os
herdeiros são designados ou os já existentes, que serão outros usufrutuários
ex die, isto é, há a herdabilidade. Nos atos causa mortis, a questão tem de
ser posta perante os arts. 1.666, 1.788 e 1.718.

No direito anterior, a firmeza de LAFAIBTE RODRIGUES PEREIRA


mandou que se visse na verba “a B e a seus herdeiros

duas nomeações sucessivas, em vez da herdabitidade: “os herdeiros


adquirem o usufruto, não do usufrutuário, e sim do testador, de quem são
sucessores do segundo grau”.

No direito vigente, a herdabilidade continua posta de lado, mas a questão


da coexistência tem de ser resolvida diferentemente do direito francês,
alemão, etc. A prole eventual de pessoa designada pode ser instituída
herdeira ou nomeada legatária. A pessoa futura também pode ser (e aqui
não é especialidade nossa) no caso de funda çdo, modus, ou a favor de
estabelecimento de ensino superior.

De duas figuras pode lançar mão o testador: a) Do fideicomisso, fazendo


fideicomissário a prole eventual de designada pessoa: haverá fiduciário, que
usará e fruirá. b) Da fidúcia do art. 1.718, na qual não há fiduciário com a
propriedade, isto é, o pré-herdeiro, o Vorerbe dos alemães; no meio tempo,
o que existe é um depositário da herança, que não faz seus os frutos e vai
entregar aos nomeados a herança integra. A sua função é maquinal,
instrumental; de caráter puramente conservatório e restitutório. Só há uma
espécie de herdeiros, a prole eventual, com direito à saisina (art. 1.572) e
aos frutos.
Se o testador deixou o usufruto a A e à prole eventual de E, vale; é usufruto
conjuntivo, como prevê o art. 740.

Se o testador deixou o usufruto a A, e, morto A, à sua prole, usou do que


lhe permite o art. 1.718: deixou-o suspensivamente.

Se deixou o usufruto a A, em quanto não vem prole, passando à prole, usou


do que lhe permite o art. 1.718.

O legado de usufruto a A e a E, sucessivo, ocorrendo que A faleça antes do


testador ou da eútrega, aproveita a E, e não ao herdeiro. L. 17, O., de legatis
et fideicommissis, 81. E. Crnz. WESTPHAL (Interpretationes iuris civilis
de libertate et servitutibus praediorum artis ordine digestae, § 942, 662,
nota e). Se E é prole eventual (art. 1.718) e não pode vir, feita a prova, é
ineficaz a verba, e aproveita a A, e não ao nu-proprietário.

Traço distintivo, que se quis ver entre os fideicomissos e os usufrutos, é o


de não poderem os fideicomissos consistir em bens fungíveis. Mas o
testador pode ordenar que se aplique o dinheiro em prédio, e a sub-rogação
terá tornado possível a figura. De qualquer modo, se o testador quis que
fôsse fideicomisso, e não usufruto, ainda que seja em dinheiro a herança,os
beneficiados serão fiduciário e fideicomissário desde o instante da morte: a
conversão terá apenas efeito instrumental.

Se o testador legou o usufruto a duas ou mais pessoas e a propriedade


àquela que sobreviver, há dois legados, um que tem por objeto o usufruto
dividido entre todos, e outro a propriedade, condicionalmente, porque
depende da sobrevivência (L. 11, D., de rebus dubiis, 84, 5).

Se o testador legou a A o prédio x e disse que aos herdeiros ou herdeiro,


ficasse o usufruto (usus fructus apud heredem maneat), será eficaz o legado
tirado ao legado e, quando se extinguir, volverá à propriedade (L. 14, C., de
usu fructu et habitatione, 3, 38).

Se o testador legou a A o usufruto e mandou que, pela morte dele, fôsse


restituído a 1H, não deu a A o usufruto, e sim a propriedade cum onere
fideicommissi. 7,Quid iuris, se havia nu~proprietário nomeado? É sucessivo
o usufruto; houve dois legados.

O testador pode legar usufruto para que os legatários se revezem no


exercício; é o usufruto alternis anflis, ou outro que se prefira.

7.FIDEICOMISSO E OUTRAS CATEGORIAS JURIDICAS. A verba


“instituo a A por meu herdeiro e, se êle o entender, passarão os bens a E,
por sua morte” não é fideicomisso, e sim recomendação, conselho. Mas, se
diz

“peço-lhe que passe a E”, ou “deixo a Es‟, ou “transmita a E”, há pedido,


fides, e verba precativa induzem fideicomisso.

Se o testador falou em fideicomisso e mandou que o herdeiro entregasse,


desde logo, ao fideicomissário, os bens, não há fideicomisso, no sentido do
Código Civil (aliter, em Roma). Há um herdeiro e um legatário, tão-
somente.

Se o testador mandou que se entregasse parte dos bens, cumpre examinar a


verba (quaestio facti et voluntatis) : ou compôs deixa testamentária a têrmo
ou condicional, ou fideicomitiu, em verdade, os bens que compõem a parte.

Aqui, cabem os princípios de que antes falamos, para os casos duvidosos se


há ou se não há fideicomisso. Entende JosÉ TAvARES (Sucessões, 1, 448)
que se trata de legado, e não de fideicomisso. Mas sem razão. Seria
demasiado apriorismo, e fideicomissos temos visto em que o testador
fideicomitiu parte da herança. „Deixo a A os meus bens disponíveis,
devendo passar a B, quando completar 80 anos, um quinto da herança, que
mando seja aplicado, desde o meu inventário, em prédios, e A será
fiduciário até a entrega”. “Deixo a A dez prédios, um dos quais, ou seis
sétimos da herança, à escolha dele, serão fideicomitidos a E, a quem
passarão quando A morrer”.

A alusão à caução ou ao inventário não induz usufruto. porque o fiduciário


também faz inventário e caução também presta.
Se o testador deixa a A a obrigação de legados ou pagamentos de dívida,
mais se deve pender para a instituição de herdeiro do que para a nomeação
de legatário. Em todo o caso, ficará aberta a questão: ~herdeiro de usufruto
ou fiduciário?

Se o testador disse “deixo a A os meus bens” e, adiante, “A terá o usufruto,


passando a E”, trata-se de fideicomisso, quia incompatibile est, escrevia
BELLONO, eam esse heredem, et sic proprietariam, et hebere
usumfructum”.

Em todos os casos que referimos; cumpre advertir em que pusemos


interpretações, e não regras interpretativas ou, com maioria de razão, dis
positivas. “Deve sondar-se”, dizia MANUEL DE ALMEIDA E SOUSA
(Cole cão de Disserta ções Juridico-práticas, 254), “a verossímiL vontade
contra a superfície das palavras. Circunstâncias extrínsecas não são de
menor momento”. Sobretudo, é assaz grave a distinção “fideicomisso”,
“usufruto” porque, se fôr usufruto, morrendo o nu-proprietário E, os seus
herdeiros sucedem na nua-propriedade; se fôr fideicomisso, morrendo o
fideicomissário E, consolidada fica a propriedade de A.

Se o testador deixou a duas pessoas, dizendo “a A o usufruto, sendo E, após


a morte de A, legatário”, ~reputa-se A herdeiro universal gravado de
fideicomisso? Solução de velhos juristas. Contra, MANUEL BAGNA
QUARESMA, Díoao GUERREIRO CAMACRO DE ABOIM, MANUEL
ÁLVARES PÉGAS, que têm a A por simples legatário de usufruto e E,
herdeiro único. Na verdade, os dois grupos de juristas procuravam construir
regra dispositiva ou interpretativa e daí a inevitável divergência. Ora, tal
particularidade de exteriorização do querer não deve passar de quaestio
facti et voluntatis. Se o testador, outra vez ou várias vêzes, no testamento,
chamou a A usufrutuário, ou acentuou que a nua-propriedade iria, desde
logo, a E, cindiu os direitos (nua-propriedade, usufruto). Não assim se quer
que ex nune comece o “direito de E”, porque êsse direito começa desde
logo para E nu-proprietário como para E fideicomissário. Se chamou
herdeiro a E e legatário a A, mais se presta à construção do usufruto. Se diz
“tão-somente no usufruto”, é legado de usufruto. Se o testador emprega, em
relação a E, o têrmo “substituo”, é fideicomisso.
8.FIDEICOMISSO E PROLE EVENTUAL. Se a verba do art. 1.718 foi
constituída como fideicomisso, há, no tractus temporis, dono dos bens, que
é o fiduciário. Poderá ser usufrutuário, porque nada obsta a que nua-
proprietária seja a prole eventual. Mas, construída sem fiduciário, e sem
usufrutuário, administrará os bens da sucessão, já e plenamente da. prole
eventual, a pessoa que, pela interpretação, ou sob nomeação do juiz, deva
ser o depositário. É um curador da pessoa futura. “Curador à substituição”,
dizia-se no velho direito francês, se bem que, lá, a figura fôsse diferente.
Nomeado pelo testador, ou pelo juiz, as suas funções devem obedecer, por
analogia, aos mesmos princípios que se aplicam à curadoria do nascituro.
Aqui, concebidos e ainda não concebidos merecem os mesmos zelos e
proteção da lei. O testador tem direito de fazer tal nomeação (arts. 891, 1H,
e 411, parágrafo único), seja por testamento, seja por ato autêntico posterior
ao ato constitutivo. Resta saber qual o juiz compet ente para essa nomeação,
se não há a do disponente, ou se faltar o nomeado por êle. Questão de
competência, que toca às organizações judiciárias. Se a lei não provê
claramente, deve ser o juiz do testamento, até que se requeira, no juízo de
família e interditos (os chamados juizes de órfáos), a curatela do nascituro,
essa, sim, de direito familiar, e não sucessório. A solução francesa não
serve, porque lá a figura dos arts. 1.048 e 1.049 participa da sucessão
legítima, requere tutor, e até confere direito de representação. No Brasil, é
meramente testamentária, sem qualquer ligação familiar.

9. DIREITO FRANCÊS. Proibem-se as substituições em geral (art. 896) ;


permite-se um só fideicomisso a favor dos filhos do pródigo, feito pelo pai
ou mãe do fiduciário (artigo 1.048), ou por seus irmãos e irmãs, quando não
têm filhos (art. 1.049). Admite-se a representação (art. 1.051). Os
fideicomissários têm de ser todos e igualmente os filhos do gravado (art.
1.050). Só se refere à quantidade disponível (Paris, 4 de maio de 1899).

10. DIREITO ITALIANO. No revogado Código Civil italiano, art. 899,


vedava-se o fideicomisso. Valia a primeira instituição (art. 900), ao
contrário do que se passa no Código Civil francês, art. 896. Também se
proibiam os usufrutos sucessivos e as anualidades sucessivas (art. 901),
interpretando-se que alcançava todas as atribuições sucessivas de
anualidade (GIACOMO VENEZIAN, Legato di annualità successiva,
Onoranze a V. Lula, 898 s.).

No Código Civil italiano de 1942, arts. 692-699, foi regulado o


fideicomisso, O ad. 692 começa por dizer ser válida a disposição com a
qual o testador impõe ao próprio filho a obrigação de conservar e restituir à
sua morte, no todo ou em parte, os bens que constituem o disponível, a
todos os filhos, natos e nascituros, do instituido ou a favor de ente público.
Na alínea 23 diz-se o mesmo a respeito, a propósito de instituído irmão ou
irmã do testador.

Na alínea 83 e na alínea 43, precisa-se que as outras substituições


(fideicomissárias, entenda-se) são nulas.

11. DIREITO ALEMÃO. A pós-herança foi ampla e minuciosamente


tratada (§§ 2.100-2.146). A instituição tornar-se-á sem efeito trinta anos
após a abertura da sucessão, se a passagem não se realizou antes disso;
salvo: se foi para o caso de acontecimento a operar-se na pessoa do pós-
herdeiro, ou do pré-herdeiro, e êle vive; se, feito para o caso de nascer
irmão ou irmã ao herdeiro anterior ou ao pós-herdeiro, designado tal irmão
ou irmã como pós-herdeiro (§ 2.109). Se o pré-herdeiro ou pós-herdeiro em
cuja pessoa deve realizar-se o fato fôr pessoa jurídica, o prazo é o de trinta
anos (§ 2.109, 23 alínea).

12. DIREITO PORTUGUÊS. O revogado Código Civil português, art.


1.866, definia o fideicomisso; e o art. 1.867

proibia, para o futuro, “as substituições fideicomissárias, exceto: a) Sendo


feitas por pai ou n4e nos bens disponíveis, em proveito dos netos, nascidos
e por nascer; b> Sendo feitas em favor dos descendentes, em primeiro grau,
de irmãos do testador”. O fideicomissário adquiria direito à sucessão, desde
o momento da morte do testador, ainda que não sobrevivesse ao fiduciário.
Êsse direito passava aos seus herdeiros (ad. 1.868‟>. A nulidade da
substituIção fideicomissária não envolveria a nulidade da instituição ou do
legado: apenas se haveria por não escrita a cláusula fideicomissária (ad.
1.869).
No nôvo Código Civil português (1966), também se começa pela definição
de fideicomisso (aliás, no art. 2.286, em que está a definição fala-se de
“substituição fideicomissária)

4‟Diz-se substituição fideicomissária, ou fideicomisso, a disposição pela


qual o testador impõe ao herdeiro instituído o encargo de conservar a
herança, para que ela reverta, por sua morte, a favor de outrem; o herdeiro
gravado com o encargo chama-se fiduciário, e fideicomissário o
beneficiário da substituição”. Acrescenta-se, no art. 2.287, que “pode haver
um só ou vários fiduciários, assim como um ou vários fideicomissários”.
No art. 2.288

está dito: “São nulas as substituições fideicomissárias em mais de um grau,


ainda que a reversão da berança para o fideicomissário esteja subordinada a
um acontecimento futuro e incerto”. A referência a um grau, em vez de
dois, afastou o êrro da expressão que exprobramos ao Código Civil
brasileiro, art. 1.789, desde 1985 (Tratado dos Testamentos, IV, 248). No
art. 2.289, o Código Civil português estatui que a nulidade da disposição
fiduciária não envolve a da disposição fideicomissária, ou da “substituição
anterior” (quer dizer: a do grau proibido não atinge a do grau permitido,
que, em boa terminologia, é o único que se permite). O art. 2.290 cogita de
direitos e obrigações do fiduciário; o artigo 2.291, da alienação ou
nomeação de bens. Há, ainda, os arts. 2.292, sôbre os direitos dos credores
pessoais do fiduciário; o art. 2.298, sôbre devolução da herança do
fideicomissário; o art. 2.294, sôbre atos de disposição do fideicomissário; o
art. 2.295, sôbre fideicomissos irregulares. Finalmente, o artigo 2.296, onde
se diz que “o disposto na presente subseção é aplicável aos legados”, o que
ou explicita o art. 2.286, onde “herança” estaria em censo largo, ou o
corrige, porque lá de legado não se fala.

18.DIREITO ARGENTINO E OUTROS. O Código Civil argentino repele


o fideicomisso (art. 8.782). Como êle, o uruguaio, art. 865, o boliviano, art.
503, e o mexicano.

§ 5.842. Disposições negativas


1. SUCESSÃO NECESSÁRIA. As disposições negativas dos testadores
podem ser contra a sucessão necessária e contra anteriores disposições dos
testamentos e codicilos Contra a sucessão necessária será preciso que se
funde e m causa legal. Contra as outras disposições, cabe ao testador plena
liberdade. O perdão do art. 1.597 constitui disposição positiva.

2.NEGATIVIDADE E DESERDAÇÃO. A deserdação, que é a disposição


negativa contra os herdeiros necessários será assunto do capítulo seguinte.
Não há, prôpriamente disposição negativa contra os herdeiros simplesmente
legitimos, porque a êsses pode excluir o testador pelo simples fato de
contemplar a outrem (art.

1.725). Toda disposição positiva seria desfavorável e, pois, negativa contra


êle; e sê-lo-iam igualmente aquelas disposições negativas que, contra
disposições anteriores, favorecessem a outrem e não aos herdeiros
legítimos

Rígorosamente só os herdeiros necessários dão ensejo à limitação do querer


do testador, só êles constituem assunto essencial ao direito da sucessão
legítima e da sucessão testamentária, que a existência deles limita. Daí a sua
colocação na sucessão testamentária, arts. 1.721-1.724, e as medidas dos
arts. 1.726-1.728 quanto à redução das disposições que excederem a porção
disponível.

§ 5.843. Situações de suCessão legitima e de distribuição

1.SUCESSÃO LEGÍTIMA NAS CONDIÇÕES E FIDEICOMISSO.

Antes de tratarmos das disposiçõe5 negativas (deserdação, revogação e


infirmação dos testamentos), devemos ferir os seguintes pontos: a) Nas
condições e nos fideicomissos ~ qual a Possibilidade de se chamar à
sucessão legítima?

b) ~Quaís as Possíveis figurações e consequencias das palavras do testador


acrescendo”, “acrescerá”, “acresce”?
Nas condições resolutivas e nos têrmos, quando permitidos (cp. arts. 1.664
e 1.665), se a resolução ocorrer, sem que o testador haja previsto o segundo
beneficiado, ~serão chamados 05 herdeiros legítimos? Nos têrmos, em se
tratando de legatários, não; porque ou o legítimo era o onerado, e nesse caso
volver-

-lhe-á, ou não o será, e ao herdeiro instituído é que aproveita a resolução.


Nas heranças, o têrmo resolutivo sem fideicomissário explícito ou
construído não é possível: considera-se não escrito. Nas condições
resolutivas, dá-se o mesmo, salvo conversão que mostre ter sido
beneficiado o herdeiro legítimo, já então, como ocorreria com o têrmo,
construído o fideicomissário.

Nas condições suspensivas, havendo suspensão da aquisição, o legatário só


recebe a partir da realização, portanto, o

herdeiro onerado, quer seja testamentário, quer legítimo, não está obrigado
antes disso. Não assim, se só suspensiva da entrega ou exercício. Essa
suspensão somente do exercício é a que se presume nos têrmos iniciais, art.
128.

Os herdeiros legítimos podem ser fiduciários construídos; também êles,


exceto a Fazenda, podem ser fideicomissários construídos. O testador
deixou metade da herança a A, se E se casar, sem dispor do restante: os
herdeiros legítimos recebem como plenos herdeiros a sucessão da metade e
como fiduciários construídos até que E

se case. Se A morrer antes de E se casar, a herança será toda dos herdeiros


legítimos. Não se dá a herdabilidade do direito de A, porque se trata de
condição suspensiva (art. 118), salvo vontade contrária do testad.or.
Exemplos da herdabilidade: “deixo a A sob a condição suspeusiva de se
acabar o edifício da Escola; se A morrer, o direito passará, com a mesma
condição, aos seus herdeiros”; “deixo a A, se E se casar; morrendo A, os
herdeiros sucederão no seu direito”. O art. 1 é dispositivo.

Quando os herdeiros legítimos são fiduciários construídos, e a têrmo o


legado de fideicomisso, dá-se a herdabilidade do direito dos fiduciários e a
do direito dos fideicomissários, exceto vontade contrária do testador.

Quando os herdeiros legítimos são fideicomissários construídos, devido à


condição resolutiva da deixa ao estranho, o direito dêste é herdável, salvo
vontade contrária do testador, e não herdável o dos herdeiros legítimos
(arg. ao art. 1.788), se outra coisa não dispôs o testador.

Se a construção foi devida ao têrmo final, herdável é o direito do estranho,


salvo vontade contrária do testador, e herdável o do herdeiro legitimo, se
outra coisa mio quis o disponente (inclusive se o fêz, sem ressalva, a têrmo
de morte).

A herdabilidade dos direitos do fiduciário ou do fideicomissário não


constitui infração do art. 1.789. Não há mais de dois graus. A condição ou
o têrmo é um só. “Deixo a A se minha filha fôr freira”, e adiante: “o direito
de A passará aos herdeiros”. Se, antes de ser freira a filha do testador, A
morrer, os seus herdeiros sucederão no seu direito. Não houve mais de uma
classe de fiduciário; só existiu uma, com herdabilidade. “Deixo a A em
quanto viver, passando a E; mas herdável o direito de E”. Com tal
declaração, o testador afasta o art. 1.788 que consagra a inerdabilidade do
direito dos fideicomissários a têrmo de morte do fiduciário.

2.CONSEQUÊNCIAS DAS ExPRESSõES “ACRESCENDO,


ACRESCERÁ, ACRESCE”. A expressão

“acrescer” tem significado técnico, que é o de aumentar as quotas. A lei


deu-lhe tal sentido nos arts. 1.726, 1.710, 1.712-1.714 e 1.716. Empregou-a
em sentido impróprio, no art. 1.715. Acrescer é crescer a alguma coisa;
refere-se Muilo que é causa de que outra coisa cresça. fizemos que a quota
dos herdeiros com ius acerescendi “cresce”, e da quota do premorto,
renunciante ou por outro modo impedido de aceitar, que “acresce ao dos
demais. Não é junção material, porque se alude a direito daquele a quem
aproveita.

“Acréscimos”, nos arts. 587, II, e 588, e “parte acrescida”, no art. 541,
atendem àquele sentido. Mas acrescer também significa, brevitatis causa,
distribuir uma parte, aumentar as deixas. Na sucessão romana contra o
testamento encontramos instituNção assaz diferente, que é a da inclusão da
filha omitida: a sua omissão não produzia nulidade do testamento, e sanava-
se pelo seriptis heredibus adorescere. Mais: se o testador não esgotou as
fôrças da herança, o asse, ULPIANO (L. 13, § 4, D., de heredis instituendis,
28, 5) diz que a parte não distribuída acresce, segundo as porções
hereditárias, aos herdeiros escritos, “pro partibus hereditariis eis
adcrescit”.

Aliás, conforme se disse no capítulo sôbre o direito de acrescer, o testador


pode dispor o que entender sôbre o acrescer e o não-acrescer, o jus
adorescendi do Código Civil só se refere àqueles casos em que caiba
invocar-se algum dos preceitos dispositivos. A regra é que o testador queira
êsse ou aqueles acrescimento. Não se presume. Apenas, nos casos dos arts.
1.710-1.712 e 1.716, a lei quer que, salvo vontade contrária, se aceite,
como se querido fôra, o acrescimento.

Cumpre-nos figurar os casos principais de disposições em que o testador


empregue a palavra acrescer ou qualquer tempo ou modo do verbo.
Somente assim poderemos apanhar a intenção do testador, que é o fito
principal do intérprete ou do juiz.

Disse o testamento: “São meus herdeiros A, B e C, com metade A e quartos


B e C, admitido o acrescimento”.

Aqui, dá-se o direito de acrescer, fora dos preceitos dispositivos do


Código; porque o testador o quis. Se êle não o tivesse dito, claris verbis,
seria de aplicar-se o art. 1.711, que excluiria o direito de acrescer.

A verba estabelece: “Deixo a A metade do que tenho; a E, C e D o prédio


da rua x; e o que acrescer,,,a E”. É

vulgar, mais do que se pensa, a expressão “acrescer no sentido do que


exceder o diretamente testado, de residuo, quase naquele em que a
empregou ULPIANO. O asse é de 100.000 cruzeiros novos; 50 mil serão de
A, o prédio, avaliado em 20 mil, de E, C e D, e os restantes 80 mil, de E.
Diz a verba: “Deixo a A o prédio x, a E, mil apólices, a D, o resto do que
tenho; quando algum morrer, acrescerá aos outros herdeiros”. Trata-se de
fideicomisso: êsse “acrescerá” está, aí, para significar que passará aos
outros, aumentando o que lhes deixei, pro partibus hereditarlis.

Se o testador escreveu “deixo a nua-propriedade a A e a E o usufruto,


acrescendo, quando E morrer, a C”, trata-se de usufruto sucessivo. Se
escreveu “deixo a nua-propriedade a A e o usufruto com acrescimento a E e
C”, quis afastar o direito dispositivo do art. 740.

Querendo o testador que a nua-propriedade fique a A e E e o usufruto a C,


“com acrescimento a E, se depois do testador A morrer”, a figura é de
legado da nua-propriedade a têrmo de morte de A. Se C morre antes de A, a
propriedade de A e B se consolida, mas a de A é sujeita à resolução. Não se
pode considerar fideicomisso, porque não se dá a A a guarda e fidúcia, nem
a posse. Se C morre depois de A, só existirá, então, a nua-propriedade de E,
por isto mesmo que se resolveu a propriedade de A.

Em todos os casos que figuramos, o testador empregou a expressão


“acrescer” e os outros tempos e modos do verbo em sentido diferente dos
arts. 1.710 s. No caso de dúvida, deve entender-se que ordenou o is
acerescendi e a passagem. Em tudo isso, o que importa é atender, no
máximo possível, ao querer dos testadores.

§ 5.844. Restrições de poder nos fideicomissos e usufrutos

1. PERMISSÃO DE GRAvAÇÃO. Aos testadores é permitido gravar com


restrição de poder as deixas testamentárias ~, até, as quotas dos herdeiros
necessários (art. 1.728). Resta saber se tal possibilidade ocorre quanto aos
usufrutos e fideicomissos. Nenhuma dúvida quanto às substituições, porque
o substituto é herdeiro, como teria sido o instituído, se não tivesse faltado.
Mas faltou e o substituto o é, no lugar do deficiente. Nada obsta a que o
testador clausule os bens, se o instituído primo toco fôr o herdeiro, e não os
clausule, se se operar a substitu7çâo, ou a que os clausule nesse caso e não
naquele.
Se o testador tiver clausulado bens de usufruto, ter-se-á de interpretar a
verba segundo as regras estudadas sob o art. 1.666, porque o usufruto é
personalissimo (art. 717). Aqui, a alienabilidade deve entender-se quanto ao
exercicio e quanto à cessão ao nu-proprietário. Urna vez aceito o usufruto
que o testador disse “inalienável”‟, entende-se que não pode ser extinto
pela cessão ao nu-proprietário (única que o art. 717 permite), nem cedido o
exercício. A imnenhorabilidade é perfeitamente admissível e concerne aos
proveitos (utilidades e frutos).

2. NUA-PROPRIEDADE A nua-propriedade é suscetível das mesmas


cláusulas que a propriedade plena. O

testador pode impo-las quanto a todos os nus-proprietários, ou só quanto a


um ou alguns. Às vêzes será útil a incomunicabilidade conjugal; porque, se
não houver a cláusula, os bens do nu-proprietário se comunicam.

Se o testador entender que deve vedar ao usufrutuário a cessão do exercício


e não a transferência ao nu-proprietário, pode fazê-lo. Também lhe é
possível permitir aquela e vedar essa.

8.TRANSMISSÃO DA HERANÇA. Os bens passam, desde logo, ao


fiduciário; passarão clausulados, se o testador os clausulou. Tratando-se de
fideicomisso de herança, poderá o testador gravá-la toda, ou somente parte,
ou somente algum ou alguns objetos. Não há nenhuma diferença entre os
podêres do testador quanto às heranças plenas e as pré-heranças. As
cláusulas de incomunicabilidade e impenhorabilidade são particularmente
úteis, porque os bens do fiduciário se comunicam e podem ser penhorados,
pôsto que, à resolução, fiquem livres de quaisquer direitos reais não
existentes à abertura da sucessão.

4.PLURALIDADE DE FIDUCIARIOS. Se forem dois ou mais os


fiduciários, nada obsta a que o testador clausule o que deixa a um ou alguns
e não clausule o que deixa aos outros. Pode ordenar a combinação que mais
lhe agradar.

5.DIREITO DOS FIDEICOMISSÁRIOS E CLAUSULAÇÃO. Os


fideicomissários também podem ter clausulados os seus direitos. Certo, o
testador não poderá obrigar os nomeados a que lhe aceitem a herança, mas
pode obrigá-los a não alienar o que aceitaram, ou clausular de
inalienabilidade o direito dos fideicomissários.

Pendente a fidúcia, nenhum poder de disposição terão êles. São possíveis as


outras cláusulas; a de incomunicabilidade só será útil depois da entrega dos
bens ao fideicomissário, porque até então não se poderiam comunicar os
bens fideicomitidos (art. 263, III).

Também é permitido ao testador clausular os bens que forem ao


fideicomissário. Aqui, não é o direito aos bens, mas os próprios bens, ou
também Oles, que o testador quer clausulados. “Deixo a A, passando a B,
porém E não poderá alienar nem direito, nem bens”; vale dizer: B não pode
ceder o seu direito, nem renúnciar ao fideicomisso (renunciar, disse: e não
“repudiar”) ; e, quando os bens forem entregues, serão inalienáveis. Se só
fêz inalienável o bem, e nada disse sôbre o direito, na dúvida ter-se-ãopor
inalienáveis um e outro. A verba “deixo a A, passando a E,
inalienàvelmente” concerne a A (direito e bens simultâneos) e a E (direito e
bens quando lhe forem). A outra,

“deixo a A, passando a E, inalienàvelmente quanto a E”, concerne a E,


direito e bens.

6. PROLE EVENTUAL. A figura do ad. 1.718 também é suscetível de


clausulação. Os bens serão inalienáveis desde a abertura da sucessão,
porque a prole eventual não é fideicomissária, e sim pleno herdeiro,
conforme foi dito. Se ficar demonstrada a ineficácia, ter-se-á de indagar se a
causa da inalienabilidade foi objetivamente fundada (por afeição àcoisa,
como a fazenda, a casa de morada) ou subjetivamente (devido aos
herdeiros, à prole eventual).

No primeiro caso, os que recolherem a herança tê-la-ão gravada; no


segundo, recebê-la-ão sem cláusula.

7. LEGADO Á TÉRMO E SOB CONDIÇÃO. Nos legados a têrmo e nos


condicionais, será possível clausular o bem no caso de ir ao legatário, ou de
ir a outro legatário, ou ficar ao herdeiro, ou no caso de ficar a qualquer
onerado.

Nos legados sucessivos, o primeiro, o segundo, e os demais, podem ser


indistintamente clausulados ou não.

8.INALIENABILIDADE DOS BENS TESTADOS. A inalienabilidade dos


bens testados pode subsistir para o nomeado e para aqueles que herdar a
fidÚcia ou o direito do fideicomissério; porém não valerá quando, extinto o
fideicomisso, os herdeiros do fiduciário ou do fideicomissário receberem os
bens.

A inalienabilidade dos bens do herdeiro da fidúcia (para o distinguir do


herdeiro do ex-fiduciário com a propriedade plena) não constitui
dissimulação da figura pro!bida pelo artigo 1.789, porque só há, na
linguagem da lei, dois graus: uma fidúcia, se bem que, no mesmo grau,
diferentes sujeitos, e uma só resolução. A situação é inconfundível com a
inalienabilidade para duas vidas, O testador disse: “Deixo a A e seus
herdeiros, passando a E

quando tiver 40 anos”; a verba é de fidúcia herdável. Se adiante diz


“inalienável o bem durante a fidúcia~~, ou

„„não podendo A, nem seus herdeiros, alienar‟‟, vale a clausulação; porque


vige, até que B complete 40 anos: a morte de A, no interregno, não altera a
fidúcia, nem obriga à figura da inalienabilidade para duas vidas.

Dir-se-á o mesmo quanto às verbas do seguinte teor:

“deixo a A, passando a E, por morte de A; se B premorrer. será herdável o


fideicomisso”; “deixo a A, passando, findos 20 anos, a E, herdável o direito
dêsse”. Não há fideicomisso de duas fidúcias: A é o único fiduciário; E

receberá, ou não receberá e irão os bens aos seus herdeiros. Se E renuncia,


nenhum direito terão os herdeiros dele, porque se estabeleceu a
herdabilidade, e não a substitztíção (o que é também possível). Se E morre
antes de A, ou antes dos 20 anos os seus herdeiros sucedem no seu direito.
A fidúcia continua a mesma com o grau unico até a morte de A”, ou “findos
os 20 anos

9. EXTINÇÃO DO FEICOMISSO. Extinto o fideicomisso. tudo muda. O


fiduciário não é mais fiduciário; ou morreu, ou perdeu os bens pela
resolução; ou se tornou plena a sua propriedade. O fideicomissário já não o
é: ou morreu, sem herdabilidade do seu direito, ou os bens lhe vieram, e é
pleno proprietário, e não mais fideicomissário.

A clausulação que apanhasse a propriedade dele e a dos seus herdeiros após


a extinção do fideicomisso teria composto a inalienabilidade de duas vidas,
além da fidúcia. Violaria o art. 1.789.

10. IMPENHORABILIDADE. A impenhorabilidade pode recair na


propriedade do fiduciário, quer durante o exercício por êle, quer durante o
exercício pelos herdeiros, na fidúcia herdável; e no direito do
fideicomissário, quando vivo o nomeado, ou, após a morte, enquanto
exercido pelos herdeiros dele, nos fideicomissos herdáveis.
11. INCOMUNICABILIDADE. A incomunicabilidade pode recair,
eficazmente, assim na propriedade fiducial, exercida pelo que a recebeu, ou
pelos herdeiros dele, na fidúcia herdavel, como no direito do
fideicomissário, exercido pelo nomeado ou por seus herdeiros, no
fideicomisso herdável. Dir-se-á o mesmo das outras cláusulas.

Nem a cláusula de impenhorabilidade, nem a de incomunicabilidade, nem


qualquer outra pode apanhar os herdeiros do bem, quando a herança se dê
após extinto o fideicomisso.

12. FIDÚCIA DE REsÍDUO. Nada obsta a que o testador clausule de


inalienabilidade o direito, ou o direito e os bens, ou só os bens, do
fideicomissário, pôsto que se houvesse feito a fidúcia de residuo. Aqui, os
bens que restarem é que irão ao fideicomissário; mas êsse ou não poderá
alienar o direito, ou odireito e os bens, ou os bens, que receber.

18.DÚVIDA QUANTO A CLÁUSULA. Sempre que o testador disser que


é inalienável a herança fideicomissária, entender-se-ão inalienáveis direito e
bens. Se disse bens, na dúvida quis referir-se a bens e direito.

Se o testador escreveu a cláusula, depois de frisar que um ou alguns bens


têm, para êle, “valor especial de ligação à família, ao passo que os outros
não têm”, e há dúvida quanto a ser àqueles ou a todos que se refere a
cláusula de restrição de poder, o que se há de assentar é que só aqueles são
inalienáveis e impenhoráveis, ou só inalienáveis a estranhos.

Se o testador disse que não quer que saia da família a propriedade de algum
bem ou de alguns bens, não fêz inalienável a membros da família o que
deixou.

CAPÍTULO XVIII

DESERDAÇÃO

§ 5.845. Privação da porção legitima necessária


1.CLÁUSULA DESERDATIVA. Diz o Código Civil, artigo 1.741: “Os
herdeiros necessários podem ser privados de sua legitima, ou deserdados,
em todos os casos em que podem sere excluídos da sucessão”. E no art.
1.742: “A deserdação só pode ser ordenada em testamento, com expressa
declaração decausa A privação da herança aos herdeiros legítimos não-
necessários não é deserdação, porque somente depende da livre vontade do
testador. Não se exige causa para isso. A deserdação, sim, há de ter causa,
como ocorre, embora em virtude de ação proposta por outrem que o
testador, com a indignidade. (No direito alemão, acertam os juristas que
evitam chamar Enterbung à simples exclusão, que é Ausschliessunq.) O
herdeiro legitimo não-necessário somente herda porque não houve cláusula
testamentária que o excluisse, ou dispusesse dos bens que êle herdaria, O
testamento é que importa, razão por que se diz intestada a sucessão legítima
não-necessária. A necessária, essa, é imposta pela lei; não só conforme a
lei, como a legítima não-necessária. O testamento é apenas o meio para que
o decujo deserde, isto é, invoque alguma causa de deserdação e manifeste a
vontade com o enunciado de fato, sujeito a prova posterior, quando aberta a
sucessão. Não há, no sistema jurídico brasileiro, figura jurídica de que lance
mão o decujo para pré-excluir a sucessão pelos herdeiros legítimos não-
necessários. Éles só ocupam o lugar de herdeiros se o testador não dispôs de
todos os bens, ou se o decujo não testou. O que se há de frisar é que os
herdeiros legítimos necessários também são herdeiros legítimos e herdam se
o decujo não testou quanto a todos os bens da porção disponível, ou se não
dispôs em testamento.

Se o decujo dispôs de todos os bens, que iriam aos herdeiros legítimos não-
necessários, fêz o que lhe era dado fazer como quisesse. No caso de os
herdeiros legítimos serem necessários, há a porção disponível. Se de todos
os valôres que nela cabem dispôs o testador, não excluiu os herdeiros
legítimos, porque, então, êles somente herdariam na falta de disposições
testamentárias. Tudo se passa, em caso de disposição integral, como se o
herdeiro renunciasse: não foi herdeiro o que teria sido herdeiro legítimo.

2. SUCESSÃO E DESERDAÇÃO. No Tomo LV, §§ 5.631 e 5.632,


tratamos da deserdação, que se prende à sucessão necessária, porque só se
deserdam herdeiros necessários. Os herdeiros legítimos não-necessários são
afastados sempre que se dispõe dos bens que lhes seriam atribuidos, ex lege,
se não houvesse deixas que os atingisse. Privar o herdeiro legítimo da
herança, ou privar das heranças os herdeiros legítimos, se não há a
necessariedade, resultante das regras jurídicas típicas, não é deserdar.

Mas, ao lado dessa particularidade, que se inclui na sucessão legítima (aliás,


na sucessão legitima necessária) há o veículo, digamos assim, com sue se
chega a deserdar, a cláusula testamentária, “com expressa declaração de
causa”. Através do testamento é que pode haver deserdação, e só-mente
através dele.

Dai têrmos de volver ao assunto, sem repetição estrita do que fôra dito ao
cogitarmos da deserdação no Tomo LV,

§§ 5.631 e 5.632.

O testador de modo nenhum precisa apontar a causa (aliás, o motivo) por


que excluiu da herança o herdeiro legítimo não-necessário ou os herdeiros
legítimos não-necessários. A deserdação, essa, tem de ter causa. Há de
haver, no testamento, a declaração da causa, e o herdeiro instituído ou
aqueles a quem aproveite a deserdação há de provar a veracidade da causa.
A exclusão por indignidade tem características de que falamos no Tomo LV,
§§

5.600-5.608, e concerne à sucessão em geral.

Quando o testador dispõe de tudo de que poderia dispor, os herdeiros


legítimos não herdam (o que pode acontecer éque sejam herdeiros
testamentários ou legatários). Ai não houve exclusão. Em verdade, diante
da lei que daria direito a essas pessoas, o que se dá é pré-exclusão.

3. DIREITO ROMANO. Herdeiro é o filho, o sutis. Tudo mais vem depois,


inclusive o testamento. Talvez a deserdação seja anterior a êsse; era preciso
deserdar, para que o testamento pudesse existir. No comêço, o automatismo
do filho que sucede ao pai no culto e no poder. Deserdado O suus, vem,
após, a instituição. O pater famílias impede o direito do filho, abscidit jus
filil. A instituição é initium et caput totius testamenti; mas pressupõe a
~eserdação. Os sui têm a qualidade de herdeiro; é preciso tirá-la. A
exheredatio anteposta à instituição operou para todos os graus. Se o foi ab
un&tS persona, o testamento seria inexistente. Assim devemos ler a L. 3, §

2, D., de tiberis eL postumis heredibus instituendis vei exheredafldis, 28, 2.


A referência à exheredatio post aditam heredit atem significa: não vale a
deserdação, porque, então, é impossível; o testador quis nulamente, pois
encontraria herdeiro ab intestatO. No texto de POMPÔNIO, a passagem de
quaedam enim até habebunt deve ter sido interpolação.

Qualquer que seja a sociedade, no comêço o que se vê éa passagem


automática dos bens aos filhos. Daí, em Roma, ter o pater familiaR de
instituí-lo ou deserdá-lo (sucessão iformalmente necessária). No carnê ço,
há mais continuidade familiar, orgânica, que sucessão. Depois o suus, ou é
herdeiro abintestato, ou ex testamento, ou deserdado.

A deserdâção não pode ser condicionada a qualquer acontecimento; porque


tem de preceder a tudo (L. 3, § 2, D., de liberis et postumis heredibus
institzwtidis vel exheredandís, 28, 2). Certo, dependia da eficácia da
instituição mas sem condição, porque, se assim não fôsse, não valeria (L.
77, D., de div ersis regtius iuris antiqui, 50, 17).

Tudo mostra que a deserdação era logicamente pressuposta pela instituição.


Nem a deserdação nem a instituição eram patrimoniais.

4. FUNDAMENTO. ~,Qual o fundamento da deserdação? Não deveria ser


uma pena; à alma contemporânea só serviria a alegação de não caber a
sucessão necessária quando, com a morte do decujo, o herdeiro não precisa,
é um desligado da família, de que não deve receber proveitos. Mas verdade
é que o Código Civil manteve o caráter odioso de pena, reflexo assaz
compreensível do individualismo estacionário do direito das sucessões.

5. DESERBAÇÃO PARCIAL. O Código Civil brasileiro não fala em


deserdação parcial. Donde dizer-se que o sucessível ou herda, ou não herda.
Mas o alemão também não falou; e nem por isso a doutrina deixou de
admiti-la (F. HERZPELDER, Erbrecht, J. v. Staudingers Kommentar, V,
988).
~ de perguntar-se se a deserdação pode ser parcial; e.g., quanto a dois terços
da quota necessária; quanto às frações da quota necessária que corresponda
aos dois prédios da cidade de São Paulo, o deserdado terá apenas a pensão
de x cruzeiros (HORAz KRASNOPOLSKI e BRUNO KAFKA, Lehrbuch
dos Õsterreichischen Privatrechts, V, 230). O pai ou outro ascendente, que
deserda algum descendente, pode fazer-lhe legado <MANUEL DE

ALMEIDA E SOUSA, Notas de uso prático e críticas, III, 843 s.). O que
não se lhe permite é deserdar sob condição, ou com têrmo 7 MANUEL DE
ALMEIDA E SOUSA, III, 842). Isso não significa que não possa o
testador, que tem dúvida sôbre a causa de deserdação, subordinar a eficácia
da cláusula deserdativa à prova, ou à confirmação, ou à permanência do que
foi alegado (e.g., “deserdo B, porque me disseram que teve relações sexuais
em minb%a casa, em que mora, mas se isso fôr provado”; “deserdo C, que
está acusado, em juízo criminal, de terme, no es curo, ofendido
fisicamente”; “deserdo O, se, na verdade, me injuriou gravemente, na
reUnião de tal lugar”>.

Também vale a cláusula deserdativa em que o testador disse deserdar o


descendente, ou o ascendente, se até a sua morte não houver retirado as
injúrias graves.

A deserdação do direito moderno concerne aos herdeiros a que toca a


porção necessária, e tem de ser com expressa declaração de causa (art.
1.742). Não é simétrica à instituição, como em Roma; o testador pode
deserdar, sem instituir.

6. PERDÃO DA CAUSA DA DESERDAÇÃO. A lei brasileira não inseriu


regra jurídica sôbre o perdão. Resta saber se, perdoada a ofensa ou injúria,
cabe aplicar-se a pena. (Na lei brasileira, a deserdação é pena e como pena
temos de raciocinar.) Quando se trata de causa de indignidade, a lei exige o
ato autêntico ou o testamento (art.

1.597). ,Quid iuris, nos casos dos arts. 1.744 e 1.745?

A simples reconciliação do testador com o deserdado não invalida a


deserdação (M. A. COELHO DA ROCHA, Instituições de Direito Civil
português, § 854). ~E nos casos de atos concludentes do perdão, do
esquecimento?

Mais: o testador, depois de fazer o testamento deserdativo, adianta a quota


ou parte da quota necessária? ~O

perdão é um ato jurídico em sentido estrito (PETn KLEIN, fie


Rechtshandlungen im engereu Sinne, 117 5.; MAx NADLER, Regriff,
juristische Natur und rechtl. Beh,andlung der Verzeihung, 43 s.; EDUARD
FREUDENEERO, fie Verzeihung nach. den Bestimmungen des .8GB., 4 s. e
23 s.), ou simples fato (WALTER REHDANS, Begrif 1.

.iuristische Natur und rechtl. Beh,andlung der Verzeihung, §§ 8 s.), que não
precise de outras exigências para existir? A. MÁNICK (WillenserkWrung
und Willensgeschãft, 297 s. e 629) entendia que não é, sequer, declara $o de
vontade. No caso do art. 319, II, não seria simples fato: exige, por exemplo,
o agente capaz; não estaria perdoado o adultério, se o cônjuge inocente,
louco, coabitasse com o culpado. No caso do artigo 1.597, evidentemente.
Se admitirmos que pode haver perdão ao deserdado nos casos dos arts.
1.744 e 1.745, em ato autêntico ou testamento, a situação é a mesma. De
modo que o problema se restringe ao perdão tácito, ou expresso, fora de ato
autêntico ou testamento.

a)Se pode haver perdão expresso, sem ser com as formalidades do art.
1.597, que só se refere ás causas enumeradas no art. 1.505, e se cabe o
perdão tácito (que a doutrina alemã admitiu, se bem que a lei, § 2.337, não
o tenha dito), temos de raciocinar com o ato jurídico, que infirmaria a
disposição, como se dá com o testamento posterior inconciliável (art. 1.747,
parágrafo único).

b)Se não há perdão ato jurídico fora das formas do art. 1.597, temos de
apreciá-lo como fato. Sendo fato, êle atuará: a) como elemento de
interpretação para se ajuizar da veracidade e da gravidade da injúria; b)
como indício contrário a outros indícios; o) para a invocação da
pressuposição ou da cláusula rebus sic stantibus; d) como elemento
complementar na prova do E rro do testador. Tal o domínio típico do fato.
Parece-nos que a solução brasileira é a do caso b), mas trata-se de fato que
corresponde à ação jurídica stricto sens/t de PETER KLEIN. O testador
pode perdoar por ato autêntico, ou testamento, nos casos do art. 1.595 e nos
dos arts. 1.744 e 1.745; fora disso, constitui matéria de fato, porém de fato
com consequências jurídicas.

Em todo o caso, o assunto não se esgota com a solução que demos. ~ Quid
iuris, se o testador, depois de fazer o testamento deserdativo, nomeia, em
codicilo, o deserdado? Ora, seria absurdo deixar de considerar invalidada
(in firmada, artigo 1.747, parágrafo único) a deserdação: seria admitir que
exercesse a função de testamenteiro o deserdado, quando, examinadas as
duas situações, elas são flagrantemente incompossíveis; entre o texto do
codicilo, em matéria sôbre a qual o codicilo pode dispor (art. 1.653), e o
texto do testamento anterior, há contradição, choque, incompatibilidade,
portanto é o caso do art. 1.747, parágrafo único. Se tal caminho não
tomarmos, teremos ferido a vontade do testador, contra o que nos ordena o
art. 1.666. Donde têrmos de dizer: a nomeação do deserdado para
testamenteiro, em testamento posterior ou codicilo, induz ter-se infirmado a
deserdação. O mesmo raciocínio far-se-á para a nomeação de inventariante,
que gere coisas suas e só excepcionalmente coisas dlheias. De qualquer
modo, está infirmada a deserdação. Não podemos fazer o mesmo raciocínio
para as causas do art. 1.595, porque o artigo 1.597 é decisivo: o codicilo só
terá o efeito do art. 1.597, se fôr por ato autêntico.

7. DEIXA AO DESERDADO. Pode acontecer que a nomeação do


deserdado para quota pequena ou legado em testamento posterior seja sem
infirmação da deserdação. Basta, para isso, que o diga o próprio testador, ou
convincentemente resulte do testamento. É o que aconteceria quando, no
mesmo testamento, o testador deserdasse alguém e o nomeasse herdeiro
testamentário ou legatário. Aqui, ainda poderá suceder que o testador diga:

“Deserdo a A pela causa x dos arts. 1.744 e 1.745 (art. 1.595), mas, como
só a êle, que é honesto em matéria de dinheiro, posso confiar o
cumprimento do meu testamento e a segurança dos meus outros filhos
menores, lego-lhe tanto, e nomeio testamenteiro e inventariante”. O vulgar
é que sejam incompossiveis a deserdação e a deixa, ou, com maioria de
razão, a testamentaria e a inventariança; porém, aí, foi o próprio testador
que pôs ao vivo os seus sentimentos, que cindiu a situação afetiva do
herdeiro. Ou n‟eM pas seulement ce qu‟on est surtout; e o duro, o violento,
o ofensivo dos artigos 1.744, 1, e 1.745, 1, pode ser um impoluto, um
homem de rija honestidade peduniária. Os homens boníssimos, amáveis,
diz-nos a psicologia contemporânea, são pecuniàriamente fracos.

8.PRESSUPOSTOS DA DESERDAÇÀO. Para que se dê a deserdação, é


preciso que concorram os seguintes fatos: a) Existência de herdeiro
necessário. Faz-se mister que viva ao tempo da abertura da sucessão. b)
Causa legal da deserdação (artigos 1.744 e 1.745), e declaração expressa de
qual tenha sido a causa; portanto, só pode ser anterior ao testamento. c)
Não ter havido o perdão, por ato autêntico ou em testamento nos casos do
art. 1.595 (art.

1.597), ou não ter havido o perdão por instrumento público ou testamento


nos casos dos artigos 1.744 e 1.745; ou, nesses, não se ter dado a ineficácia
pela cláusula rebus sic stantibus.

O fato, por mais grave que seja, que se não subsumir nos arts. 1.744 ou
1.745, não pode ser causa de deserdação.

Em todo o caso, os inciso~ 1 e II dos arts. 1.744 e 1.745 são assaz amplos.
O que não se admite é a interpretação analógica. Assim, o casamento da
filha sem o consentimento do pai não é injúria a êsse. Nem o é o pedido de
interdição dêsse (F. HERzFELDER, Erbrecht, J. v. Staudirgers J
ommentar, V, 990). Se o pai nega consentimento ao filho para casar, ou para
outro ato, ou pede a interdição dele, o filho não pode, por êsse fato,
deserdá-lo. Questão grave será se o filho intenta contra o pai uma das ações
dos arts. 394 e 895, a favor de outro filho do decujo. O

pedido, em si, não constitui injúria grave, máxime se vitoriosa a ação. Se foi
julgada improcedente, é questão de fato saber se houve ou não o animus
iniuriandi.

A declaração deve ser especial e compreensível, concreta: não basta a


citação do artigo da lei, ou do inciso, salvo se isto é suficiente, na espécie,
para caracterizar (cp. LUDWIG ScHIFFNER, Pflichtteil,
Erbenausgleichung und sonstigen gesetzlichen Vermdchtnisse, 74). Mas,
para que a indicação da causa seja especial e, pois, suficiente, não é preciso
narrar os fatos (Orno WARNEYER, Kommentar, II, 1801).

9. FORMA DA DESERDAÇÃO. No Código Civil só se admite a


deserdação em testamento. Excluídos, portanto, a escritura pública e o
codicilo. Mas, feita em testamento, ainda quando a causa pertencer ao art.
1.595, poderá ser invalidada por ato autêntico (art. 1.597). Nulo o
testamento, em que se fêz a deserdação, nula está ela.

10. NULIDADE DA DESERDAÇÂO. A deserdação é nula, se nulo o


testamento; anulável, se êsse ou a disposição o é. Poderá ser nula ou
anulada, sem o ser o testamento, nos casos em que as disposições
testamentárias o são, sem que se eive de nulidade absoluta ou relativa o
testamento que as contém.

A deserdação supõe ato reprovável ao deserdado. Exige-se que, ao praticá-


lo, seja responsável (F. LEoNHARD, em GEORO FROMMHOID,
Kommentar zum RGB., 516) : o louco que fere o pai, ou o injuria, a filha
imbecil que se prostitui, ou o filho ou pai demente que pratica os atos dos
arts. 1.744, IV, e 1.745, III, ou sucessível louco, que desampara o pai ou
descendente nos casos dos arts. 1.744, V, e 1.745, IV, não podem ser
deserdados.

Por outro lado, agora objetivo, 1. o ato praticado em legitima defesa e em


estado de necessidade não pode ser invocado como causa de deserdação
(Orno WARNEYER, Kominentar. II, 1299).

Se bem que os casos dos arts. 1.744, 1 e II, e 1.745, 1 e II, correspondam a
conceitos de crimes, não é preciso, para o efeito deserdativo, que tenha
havido decisão penal (Orno WARNEYER, Kommentar, II, 1299).

O érro quanto à pessoa ou quanto ao fato, que constitui causa legal, anula a
deserdação; mas, se é quanto ao fato, melhor será impugnar a prova que o
herdeiro legitimo, o instituído ou a pessoa interessada terá de fazer da
veracidade da causa (art. 1.743, parágrafo único).
11.~,PODE O DESERDADO HERDAR EM VIRTUDE DE
TESTAMENTO? Há dois casos: a) Testamento anterior. Se a causa da
deserdação coincide com a da indignidade (arts. 1.744, pr., 1.745, pr., e
1.595), não há questão: provado o fato, estará excluído o herdeiro
testamentário, como estaria o legitimo. O próprio legado não poderá
cumprir-se (art. 1.595). Se não coincide, isto é, se constitui um dos casos
especiais do art. 1.744 ou 1.745, cabe a solução de se interpretar a
deserdação posterior como infirmação do testamento anterior (art. 1.747,
parágrafo único). Presunção hominis. b) Se, no mesmo testamento, em que
deserda alguém, o testador contempla o deserdado, a pena não deve
prejudicar o benefício: assim como o testador podia perdoar no caso da
indignidade, desde que o fizesse por ato autêntico ou testamento, pode fazê-
lo no próprio testamento, ou não o fazer e contemplar em parte.

Ora, se pode nos casos em que a deserdação coincide com a indignidade, a


fortiori nos enumerados pelos arts.

1.744 e 1.745.

Pode ser feita a deserdação para o caso de vir o herdeiro a ser culpado de
algum dos atos dos arts. 1.744 e 1.745, até a morte do testador? Assim (A.
SCHMIDT, Das formelie Recht der Notherben, 164; JOSEPH UNGER,
Syst em, VI, 854) ; e não se pode falar de ato depois da morte do testador,
porque, à abertura da sucessão, o direito do herdeiro se concretizou
(A.SCEMIDT, Das formelte Recht der Notherben, 164 s.; JOSEPH
UNGER, System, VI, 854). Aliter, quanto ao instituto da indignidade.

12.DESERDAÇÃO E HERANÇA LEGÍTIMA NÃO-NECESSARIA. -


Pode o deserdado suceder ab intestato sem ser na quota~ necessária?
Deserdado o indivíduo, que era o único herdeiro necessário, a herança vai
aos legítimos não-necessários. Resta saber se êle, quando é um dêstes (e.g.,
neto único, e sobrinho do testador, por ser filho db dois primos), pode
herdar ab intestato. Nos casos do art. 1.595, a que os arts. 1.744 e 1.745,
fazem referência, evidentemente não: coincidem indignidade e deserda gão.
Nos casos dos arts. 1.744, I-V, e 1.745, 1-1V, a solução mais prudente e
melhor é a de interpretar a deserdação (art. 1.741) do herdeiro necessário
como exclusão da herança legítima. Assim, decidem, com razão (F.
RITGEN, em G.PLANCK, Bitrgerliches Gesetzbuch, nota 1 ao §

2.886, EMIL STROHAL, Das deutsche Erbrecht, g~a ed., § 57, nota 1, II.
DERNBURG, Das Biirgerliche Recht, V, § 121, nota 11, WILHELM
GEHM, Die Entziehung des Pflichtteils, 51, contra a só opinião de
KONEAD

COSACR, Lehrbuch des Deutschen Riirgerlichen Rechts, ~ 7a e g a ed., §


180, 1, d).

13.CONDIÇÃO. A deserdação deve ser pura. Não pode ser a têrmo nem
condicional. No direito romano, há uma exceção única: L. 28, D., de liberis
et postumis heredibus instituendis vel ezheredandis, 28, 2. O deserdado sob
condição não está deserdado (L. 18, pr., D., de bonorum possessione contra
tabulas, 87, 4). Mas evitemos as consequências graves de extremo
romanismo; a deserdação “se ocorrer certo fato”, vale (F.HERZFELDER,
Erbrecht, J. v. Staudingers Kommentar, V, 988; cp. Luuwrn SCHIFFNER,
Pflichtteil, Erbenausgleichung und sonstigen gesetzlichen Vermãchtnisse,
67 e 75) ; e vale a deserdação “se é verdade o que dizem”, indicando o fato,
aqui porque se trata de condicio iuris (art. 1.748). O que se não permite em
nenhum caso é a deserdação que se refira a futuro acontecimento que sirva
de causa legal (LUDWIG SCHIFFNEE. Pfliclttteil, Erbenausgleichung und
sonstigen gesetzlichen Vermiicktnisse, 75, nota 50; EMIr STROHAL, Das
deuteche Erbrecht, 8~a ed., § 57, nota 8).

A causa deve ter-se dado. Vale a deserdação fundada no art. 1.744, III, se
condicional do casamento: “deserdo a A, pela causa do art. 1.744, III, salvo
se tiver casado”; ou se a injúria grave (art. 1.744, II) consiste em
defloramento de neta ou parenta próxima, e acrescenta o testador “salvo se
vier a casar-se com elá”. Aliás, pensamos que tais deserdações são feitas
com a pressuposição reines sia stantibus.

14.DISSIPAÇÃO. A dissipação não foi posta entre as causas de


deserdação. Isso prova o retrógrado caráter de vindita que têm os arts.
1.741-1.745 do Código Civil. O Código Alemão II, 8, § 16, 18, consagrava
a ezheredatio bona mente, tirada do direito comum, que a recebera do
romano (E. RoSENEERO Die Enterbung in guter Absicht, 1 s.). O Código
Civil alemão, § 2.888, dedicou-lhe excelente regra jurídica.

15.REVOGAÇÃO. ~ Só o testamento pode revogar a deserdação? Assim


pensa JOAQUIM AUGUSTO

FERREIRA AIVES (Da Sucessão testamentária, Manual do Código Civil


brasileiro, 883), porque um testamento somente por outro pode ser
revogado. A lei não cogitou da espécie: o art. 1.742 só se refere ao ato
positivo (verbis

“a deserdação só pode ser ordenada em testamento”). O art. 1.597, relativo


à indignidade, permite o perdão por ato autêntico ou testamento. ~ Que se
há de fazer quando há deserdação no testamento e perdão em ato autêntico
posterior? Seria absurdo dar efeitos a um ato que está remido.

16.HERDEIROS DOS HERDEIROS; CESSÃO DOS DIREITOS. O direito


de propor a ação para provar a causa não é personalíssímo; passa aos
herdeiros do beneficiado. Também não o é o do deserdado para impugnar a
deserdação. Um e outro são cessíveis.

17.CREDORES DO DESERDADO. ~Os credores do deserdado podem


usar da ação de impugnação da deserdação, invocando o art. 1.586?
Entendemos que sim, se bem que a sentença contra êles não faça coisa
julgada quanto ao herdeiro deserdado. Não importa se o herdeiro propôs a
ação de nulidade da deserdação. Além da medida do art. 1.586, os credores
podem propor a ação Pauliana. (Quanto ao direito suíço, cp.

E.STADLER, Die Enterbung in der sch.weizerischen Zivilgesetzbuch,, 90


s.).

Mas os credores dos interessados na deserdação não podem, por êles, dar
prova, ou propor ação.

18.RENÚNCIA E PERDÃO. ~É renunciável o direito de deserdar? Claro


que o contrato seria nulo: violaria a liberdade de testar (A. SCHMIDT, Das
formelte fcecht der Notherb eu, 166), contravindo o art. 1.089. Igualmente,
a promessa de não deserdar (CHR. Fa. VON MÚHLENBRUCH, em CHR.
FR. VON GLÚCK, Ausfiihrliche Erlituterirng der Pandecten, XXXVII,
186). Mas é possível o perdão (art. 1.597), se livre.

19.CLÁUSULA TESTAMENTÁRIA E PARTE DE CLÁUSULA. A


deserdação pode ser parte de uma cláusula testamentária, ou constar de duas
ou mais cláusulas, que se completem, ou se repitam, ou se refiram a duas ou
mais causas de deserdação.

A explicitude é elemento indispensável. Se, por exemplo, o testador falou


de algum ato do herdeiro necessário, que exprobrou, sem se referir a
deserdação, ou sem exprimir tal vontade, não se pode considerar suficiente
o que disse.

Se há a declaração de vontade, explícita, mas omitiu o nome, sem que isso


crie indeterminação da pessoa, tem-se por existente e válida. Na prova, que
o interessado fizer, há de estar o nome.

Quanto à causa, pode o testador só aludir à figura, que conste do texto legal,
de modo que a prova é que há de precisar qual foi o ato causador da
deserdabilidade.

O ato-causa, que o testador menciona, foi, e não podia deixar de ser,


anterior à feitura do testamento, de jeito que a prova de ato posterior é
impertinente, salvo como confirmativo.

O testamento há de ser válido e válida a cláusula deserdativa. Se, por


exemplo, houve pressão do outro herdeiro, ou de terceiro, para que o
testador lançasse a cláusula, a violência dá causa à anulabilidade.

Se a causa que o testador invocou não é, pelo sistema jurídico brasileiro,


inserta como causa de deserdação, a disposição não tem qualquer eficácia.
Se foram mencionadas duas ou mais causas, e só uma o é, ou se só algumas
o são, a nulidade da cláusula omissiva não atinge a outra cláusula, ou as
outras cláusulas.
A interpretação de cláusula deserdativa há de ser estrita. A causa há de ser
determinada e verdadeira, razão por Que se tem de exigir a prova, que há de
ser, sempre, em juízo. Os meios de prova são quaisquer, conforme os
princípios

gerais; e o deserdado pode fazer a contraprova. Não afasta a


deserdabilidade a referência dêsse a qualquer motivo, que, em direito, não
retire a causa deserdativa.

O testador pode no testamento somente inserir a cláusula de deserdação,


isto é, não nomear herdeiros, nem legatários. Então, há a sucessão legítima,
pelos herdeiros necessários, se os há, ou pelo herdeiro necessário, se só há
um, ou pelos herdeiros legítimos, inclusive o Estado.

O testador pode ter deixado as provas da causa, quer com algum


interessado, quer em cofre, quer em simples menção do ato judicial (e.g.,
ação criminal por injúria, ofensas físicas, tentativa de morte, denúncia
caluniosa, adultério como fundamento de desquite). O interessado aproveita
o que se pro

-vou, e pode ser o próprio Estado, que tenha o interêsse, como sucessível
legitimo.

O deserdado, enquanto não se faz prova da causa deserdativa, fica em


posição de simples acusado. Todavia, pode propor ação declaratória da
falsidade da causa ou da inadmissibilidade da deserdação perante a lei. Se o
deserdado faleceu após o testador, a legitimação para tais ações têm-na os
seus herdeiros ou legatários.

Discutiu-se, em caso de deserdação, se herdam os descendentes do


deserdado. A propósito da exclusão, há o art.

1.599:

“São pessoais os efeitos da exclusão. Os descendentes do herdeiro excluído


sucedem, como se êle morto fôsse (art.
1.602)”. Não há igual regra jurídica no tocante à deserdação. Daí terem
alguns juristas e juizes sustentado que os descendentes do deserdado não
herdariam, porque a representação não poderia ocorrer. Ora, seria estender-
se aos descendentes e aos filhos de irmãos o que havia de ser pessoal: a
pena. Contra isso sustentamos que o art. 1.599

tem de ser interpretado como relativo à exclusão e à deserdação. Certa, a 1ª


Turma do Supremo Tribunal Federal, a 10 de julho de 1950 (A. .J., 97, 45; -
cf. Tomo LV, § 5.632, 5).

Se não se prova a causa da deserdação, tem-se de atender à quota necessária


de que foi deserdado sem a superveniência da prova. Reduzem-se as deixas
testamentárias que ofenderiam o direito sucessório do herdeiro cuja
deserdação ficou sem efeito. Não se diga que, com isso, ficam nulas as
disposições testamentárias que prejudicariam a legítima necessária. Não há,
aí, invalidade, êrro em que incorreu a 2,a Câmara Cível da Côrte de
Apelação do Distrito Federal, a 5 de abril de 1927, confirmando sentença da
1~a instância. O caso é de redução das disposições testamentdria>s
(Código Civil, art. 1.727 e §§ 1.0 e 2.0), e não de invalidade. Não se
confunda como ser inválido o ser ineficaz.

20.DESCENDENTES DC DESERDADO. A deserdação de modo nenhum


atinge os descendentes do deserdado.

Se premorre o filho deserdado, sucedem os filhos ou netos do deserdado.


Idem, se premorre o pai ou a mãe, que seria o deserdado. As quotas
necessárias dos descendentes do deserdado têm de ser respeitadas.

Se o deserdado morre após o testador, os seus descendentes têm o direito


que caberia ao deserdado se deserdado não tivesse sido. São
personalíssimos os efeitos da deserdação.

O testador pode ter deserdado o descendente e os descendentes ou alguns


ou algum descendente dêsse. Por outro lado, o deserdado pode deserdar o
descendente ou os seus descendentes ou alguns deles. Aí, a sucessão nada
tem com a do testador, porque há de constar do testamento do deserdado.
Na sucessão do ascendente deserdante, só êsse pode deserdar o
descendente, ou alguns ou todos os descendentes do deserdado.

21.REvOGAÇÁO DA CLÁUSULA DESERDATIvA. Se advém. outro


testamento em que se não reproduz nem se alude à cláusula de deserdação,
essa foi revogada. Todavia, se terceiro testamento revoga o segundo, tem-se
de averiguar se permaneceu, ou não, a vontade do testador manifestada no
primeiro testamento. O perdão é sempre revogável. Pode ocorrer que o
terceiro testamento mantenha, ou não, a cláusula de deserdação.

Se o testador dispôs dos bens que estariam na quota necessária sem precisar
que deserdara, deserdação não houve.

O favorecido ou outro interessado não pode fazer prova da. causa de


deserdação, que não fôra objeto de cláusula deserdativa.

Se o testador, no nôvo testamento, diz que fôra alguém injusto em atribuir


ao deserdado atos que êle não cometera, é de supor-se que um dos atos foi
aqueles a que no testamento anterior se referiu como causa da deserdação.

Se advém sentença em que se julga não ser descendente do testador a


pessoa deserdada, de nenhuma deserdação se há de cogitar porque não
existiria quota necessária.

§ 5.846. Prova da veracidade da causa alegada

1.INEFICÁCIA DA CLÁUSULA DESERDATIVA. Diz o Código Civil,


art. 1.748: “Ao herdeiro instituído, ou àquele a quem aproveite a
deserdação, incumbe provar a veracidade da causa alegada pelo testador
(art. 1.742) “. E

no parágrafo único:

“Não se provando a causa invocada para a deserdação, é nula a instituição,


e nulas as disposições, que prejudiquem a legitima. do deserdado”.
2. CORRESPONDÊNCIAS. Cp. Código Civil alemão, § 2.886, g a alínea;
português revogado, arts. 1.881 e 1.882;

espanhol, arts. 850 e 851; argentino, art. 3.746; austríaco, § 771; suíço, art.
479.

3. PROVA DA VERACIDADE DA CAUSA. O interessado tem de provar a


causa da deserdação. O testador apontou-a; talvez, até, houvesse indicado
ou deixasse produzida a prova do que disse. Mas, se não a deixou, ou se
alguém a impugnou ao interessado dá-la em juízo.

Interessados são o herdeiro instituído, o legatário e o testamenteiro.

O interêsse da pessoa a quem incumbe provar a veracidade da causa da


deserdação há de ser econômico. Não basta o interêsse moral (5.~ Câmara
Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, 25 de novembro de 1949, 1?. dos
T., 185, 219).

Se interessado não prova a causa da deserdação, é sem eficácia a cláusula


deserdativa (4 a Câmara Civil do Tribunal de Apelação de São Paulo, 2 de
agôsto de 1945, 1?. dos T.. 160, 717).

Pode ocorrer que a prova seja plena, desde que se fêz a deserdação, e
apenas a ela se refira aqueles que a podia alegar. A prova judicial da causa,
antes ou após a abertura da sucessão, pode ser referida pelo testamenteiro,
ou pelo Curador de Testamentos, porque seria absurdo que herdasse, na
falta da atividade de algum interessado, quem assassinou o testador, que o
deserdou enquanto estava no hospital, quem foi condenado por algum crime
contra a honra do testador, quem foi condenado por ofensa física ou injúria
grave contra o testador.

Não provada a causa invocada para a deserdação, nula é a instituição; mas a


instituição, a que se superpõe o ato deserdativo. Se não há relação de
simetria entre os dois atos, a nulidade de uma não acarreta a da outra. Se o
testador deserda o filho e dispõe, em legados, da porção disponível mais o
quinhão do filho deserdado, e não vinga, depois, a prova da causa de
deserdar, procede-se à redução. Se há instituídos para todo o testado, sem
que o testador tivesse circunscrito ao quinhão deserdado o quinhão do
herdeiro testamentário, é a redução, e não a nulidade, que se dá. Se o
testador disse: “o que deveria ir ao meu filho deserdado lego a A”, nulo
será, tão-só, êsse legado. Se escreveu: “no que pertenceria a meu filho,
instituo herdeiro a B”, nula será, tão-só, a instituição.

4.SITUAÇÁO OBJETIVA, PENDENTE A PROVA. ~ Com quem ficam os


bens antes da sentença que julga provada a deserdação?

A.J. GOuVEIA PINTO (Tratado regular e prático dos Testamentos e


Sucessões,

6 a ed., nota 121, 151 s.) entendia

do seguinte modo: “declarando o testador a causa, pertence ao herdeiro


instituído prová-la, como é expresso na Ord. cit., § 2; mas, em quanto se
entra neste exame, o filho é quem deve estar na posse dos bens, porque
sempre se presume sem culpa, e deve-se-lhe por conseqúência a legítima”.

TEIXEIRA DE FREITAS, à nota 27 ao art. 1.013 da Consolidação das Leis


Civis, escrevia: não é aceitável a nota de A. 3. GouvEIA PINTO sôbre ficar
a herança na posse do deserdado, enquanto o herdeiro instituído prova a
causa da deserdação. Não se segue dessa minha discordância, que a herança
deva ficar na posse do herdeiro instituído, porquanto a mesma Ord. também
diz: “se o herdeiro instituido no testamento quiser haver a herança fiquem
os respectivos bens da herança em depósito, na posse do inventariante, ou
de outrem, até que se decida o litígio da deserdação”.

A respeito, professou CLóvís BEvILÁQUA doutrina singular (Código Civil


comentado, VI, 206). Referindo-se à solução de TEIXEIRA DE FREITAS,
disse êle: “Devemos segui-la por ser conforme a razão e se ajustar com~ o
disposto no art. 507, parágrafo único, do Código”. É o texto que diz:
“Entende-se melhor a posse que se fundar em justo título; na falta de título
ou sendo os títulos iguais, a mais antiga. . . “. ,Que é que isso tem com a
questão?

Absolutamente nada.
Os textos que devem decidir são os arts. 1.572, 1.741 e 1.748. Duas
situações podem ocorrer aos herdeiros necessários: a) Serem acusados de
indignidade e propor-se a ação contra êles. b) Terem sido deserdados pelos
ascendentes ou descendentes, devendo ser provada a causa da deserdação.

São situações inconfundíveis, por isso mesmo que inconfundíveis os dois


institutos.

5.546. PROVA DA VERACIDADE DA CAUSA ALEGADA 261

Perante o art. 1.572 a solução há de ser a seguinte: o indigno, enquanto não


fôr decretada a indignidade, tem a saisina, decretada, será afastado da posse,
resolutivamente, por efeito da sentença que ataca a relação jurídica
caracterizada pela saisina. O deserdado não a tem, se fôr provada a causa;
teve-a, se cair a prova.

A questão levantada por TEIXEIRA DE FREITAS só tem sentido quanto


aos efeitos estranhos ao art. 1.572, que fica pôsto de lado como elemento de
solução. O terceiro, antes da coisa julgada, não pode opor a verba
deserdativa.

Restam os arts. 1.741 e 1.743, no que pode constituir efeito da situação


pendente. Tais efeitos são os da defesa possessória da vocação a
inventariança e da intervenção nos atos do inventario.

a) Pendente a ação para provar a deserdação, estaria o deserdado privado da


inventariança injustamente, se cair a prova, pois o art. 1.574 acautela os
herdeiros necessários contra a atribuição da posse e administração a outrem;
justamente, se fôr provada a causa.

Deve produzir tal efeito a verba deserdativa? Entendemos que sim. Mau ato
do testador. Porém produziu efeitos. A outra situação seria inconsequente.

b)Pendente a ação, estará o deserdado afastado dos atos do inventário,


venda de bens, etc.? Entendemos que sim.
Porque, quer no caso da letra a), quer no da letra b), a suspensão da
alienação dos bens e de outros atos fica dependente do pedido do
interessado, na ação que torne litigiosa a herança. Deferido, suspende-se o
inventário e são vedados os atos de disposição.

c)Resta a defesa possessória. e o deserdado pessoa que esteja em situação


de suspensão e a que se devam conferir podêres para os atos destinados a
conservar os bens ou direitos, a propósito dos quais aguarda decisão? Sim;
o terceiro não lhe poderia opor a verba deserdativa cuja causa ainda não se
provou. Aqui, êle recebeu, efetivamente (ex hypothesi!), a posse dos bens, e
defende-a. Defende-a; se não fôr provada a causa da deserdação, agiu no
seu próprio nome. Se fôr provada, terá sido gestor de negócios.

Em conclusão: pendente a ação, o deserdado não pode ser inventariante


nem intervir no processo, salvo para as medidas de protesto e ressalva,
como pedir que conste dos alvarás ainda não estar provada a sua
deserdação.

No revogado Código Civil português, dizia o art. 1.881:

“Sendo contestada a exatidão da causa da deserdação, incumbe a prova dela


aos interessados em que essa deserdação se verifique”. Comentando,
interpretou JOsÉ DIAS FERREIRA (Código Civil portugues anotado, IV,
256 s.) : “Mas ~quem entra de posse da herança até à decisão judicial do
pleito, são os herdeiros legitimários em nome da lei, que lhes garante as
legitimas, ou os interessados na deserdação em nome da vontade do
testador, expressada no testamento? Entram logo de posse os interessados
na deserdação, visto que são os deserdados que têm obrigação de intentar a
ação, e de figurarem de autores para darem sem efeito o testamento, art.
1.8.84, ou porque não se declare a causa da deserdação, ou porque não é
legítima, ou porque não se prova. A velha ordenação também não indicava
expressamente quais deviam ficar de posse durante o processo da
deserdação, nem a quem incumbia propor a respectiva ação, se ao herdeiro
instituído, se ao herdeiro deserdado”.
Lê-se no Código Civil português de 1966, art. 2.166: “1. O autor da
sucessão pode em testamento, com expressa declaração da causa, deserdar o
herdeiro legitimário, privando-o da legítima, quando se verifique alguma
das seguintes ocorrências: a) Ter sido o sucessível condenado por algum
crime doloso cometido contra a pessoa, bens ou honra do autor da sucessão,
ou do seu cônjuge, ou de algum descendente, ascendente, adotante ou
adotado, desde que ao crime corresponda pena superior a seis meses de
prisão; b) Ter sido o sucessível condenado por denúncia caluniosa ou falso
testemunho contra as mesmas pessoas; e) Ter o sucessível, sem justa causa,
recusado ao autor da sucessão ou ao seu cônjuge os devidos alimentos. 2. O
deserdado é equiparado ao indigno para todos os efeitos legais”. E no art.
2.167: “A ação de impugnação da deserdação, com fundamento na
inexistência da causa invocada, caduca ao fim de dois anos a contar da
abertura do testamento”.

No Brasil, a ação não é só do herdeiro instituído, ou daquele a quem


aproveite a deserdação, porquanto o art. 178, §

9 O, IV, cogita dessa e da ação do deserdado para impugnar r

4<

§ 5.846. PROVA DA VERACIDADE DA CAUSA ALEGADA 263

a deserdação. Tal duplicidade também não ocorre no direito suíço, onde ao


deserdado cabe impugnar a deserdação (artigo 479, alínea 2.~) Na Suíça, o
ônus da prova obedece, aí, ao princípio geral (II. KUHN, fie Beweislast
insbesondere im schweizerzschen Zivilgesetzbuch, 98). No direito argentino
(ar. tigo 3.746), a ação cabe aos herdeiros e não ao deserdado (cp. Novela
115, c. 3, Código de Nápoles, art. 851, da Luisiana, art. 1.616). Contudo,
não devemos tirar do art. 178, § 99, IV, razão para só se darem à deserdação
efeitos posteriores à sentença passada em julgado, porquanto, no capitulo
que comentamos, o ônus da prova está evidentemente com os interessados,
e não com o deserdado.
Na jurisprudência, decidiu-se o seguinte: uma vez declarado por testamento
excluído da herança um dos herdeiros, cabe ao herdeiro instituido, ou aos
interessados, pleitear a sua exclusão por ação ordinária para provar a causa
da deserdação, bem assim ao deserdado para impugná-la. A prescrição da
ação é de quatro anos, a contar da abertura da sucessão. A posse da herança,
não cabendo ao deserdado, nem também ao herdeiro instituído, pois êsse
pode não provar a legalidade da deserdação, decide-se com deixá-la ao
inventariante (2.~ Câmara Cível da Côrte de Apelação, 5 de abril de 1927).

Mas ~quem deve ser o inventariante? Se há herdeiros necessários não


deserdados, toWtur quaestio. Se não os há?

tSe o deserdado ou deserdados eram os únicos herdeiros? Haverá instituidos


na porção disponível. Êsses terão direito à inventariança, se para ela não foi
nomeado, pelo testador, o testamenteiro. Não estará excluído de tal vocação
o instituído para a porção disponível e para a parte do deserdado. Demais,
se o testador distribuiu toda a herança em legados e deserdou os herdeiros,
instituindo a estranho, ~quem será o inventariante? O acórdão negou
vocação ao deserdado e ao instituído no lugar daquele. Não há outros
herdeirok Será inventariante o testamenteiro (art. 1.579, § 3.0). O instituído,
se fôr o nomeado para a testamentaria, exercerá como tal a inventariança, e
não na qualidade de herdeiro instituído.

5.ÔNUS DA pROvA. Cumpre não confundir o ônus da prova na ação de


deserdação e na de impugnação da causa deserdativa (arts. 1.743 e 178, §
99, IV>, com a de nulidade absoluta ou relativa da deserdação, e. g., as que
se fundarem na. nulidade formal do testamento, na incapacidade do testador
ou no érro. Nessas, o ônus cabe aos autores da ação, e não aos beneficiados
pela deserdação. Aqui, é de todo importante distinguír o êrro, o dolo ou a
coação das causas falsas ou inexatas.

6.NULIDADE E INEFICÁCIA DA CLÁUSULA DESERDATIvA.


Quando fôr nula ou não provada a deserdação, nulas serão as instituições e
legados feitos com a porção de que teria sido deserdado o herdeiro. Para
que seja nula, basta: a) que tenha. sido feita sem declaração de causa; b)
com declaração de causa que não esteja inserta na lei; e) se não inteligível
ou invenc‟ivelmente contraditória

7.DIsPOSIÇÕES QUE cABEM NA PARTE DISPONÍVEL. Valem todas as


disposjçôes que couberem na parte disponível. Mas há casos de
interpretação:

a)Se o testador deserdou a A e nomeou “no lugar de A” a E, a instituição de


E será nula, se cair a deserdação.

b)Se o testador deserdou a A e nomeou B e C seus herdeiros, caída a


deserdação, E e C sOmente herdam a porção~

disponível.

c)Se o testador deserdou a A e nomeou E e C herdeiros, distribuindo


legados que absorvem a quota disponível, sem que o testador tenha
excluído a possibilidade de haver bens escapos ao cumprimento dos
legados, E e ~C são herdeiros do que restar. Na hipótese, nada resta, porém
a afirmativa de serem herdeiros tem importância para o caso em que algum
dos legatários renuncie o legado ou por outra razão tenha êsse da ficar aos
herdeiros.

d)Se o testador deserdou a A e nomeou a E e C, dizendo que da sua parte


disponível vai dispor totalmente e conjunta-mente em legados, E e C não
são herdeiros.

8.EFICÁCIA DA DECISÃO SOBRE A PROVA DA DESERDAÇÃO.

À deserdação, porque depende da prova e da decisão, falta a eficácia


imediata à morte do testador. A saisina ocorre, embora sob a ameaça de ter
sido para outros sucessores, e não para o herdeiro necessário deserdado, se
o julgado torna definitiva a cláusula deserdativa.

Enquanto não há a decisão sôbre a deserdação, tem-se de considerar que o


deserdado recebeu, automàticamente, a propriedade e a posse dos bens,
conforme a quota necessária. Com a eficácia do julgado que considerou
provada a causa deserdativa, ao deserdado nunca foram a propriedade e a
posse. A eficácia sentencial é ex tunc. Nenhuma responsabilidade lhe cabe
na qualidade de herdeiro; mas tem de restituir o que lhe fôra, o preço do que
vendeu e prestar indenização dos danos. que causara com a sua situação
transitória e com a sua administração.

A reconciliação, ou o perdão do testador, somente pode afastar a eficácia da


cláusula deserdativa se expressa em nôvo testamento, ou no próprio
testamento em que se pusera a cláusula. Discute-se se o perdão ou outro ato
que retire a cláusula deserdativa pode constar de ato autêntico que não seja
o testamento. A resposta afirmativa funda-se em interpretação analógica do
art. 1.597 do Código Civil, relativo a indignidade.

É preciso que tenha capacidade para testar, no momento do perdão, ou de


outro ato cancelativo, quem o assina.

A deserdação é inconfundível com a chamada “exclusão de partilha” em


que o testador, por serem herdeiros legítimos necessários ou não-
necessários os que tem, dispõe que algum deles ou alguns deles não
recebam da metade disponível, ou da metade disponível sOmente recebam
fração mínima, O testador, no tocante à porção disponível, podia estabelecer
que toda fosse a alguém, ou a estranho, de modo que, com o afastamento do
herdeiro legítimo, mesmo necessário, é afastamento dentro dos limites da
disponibilidade. Para a cláusula de não herdar alguém, no que toca à metade
disponível, ou ao todo da herança, se não há herdeiros necessários, nenhum
obstáculo há. O herdeiro legítimo não-necessário pode ser mencionado para
que de modo nenhum seja chamado à herança. Não é preciso que se aluda a
motivo, provado ou não. Se apontou motivo (não se fale, aí, em causa legal
ou causa) e êsse é falso, isso não importa, porque se afastou o sucessível;
mas a cláusula foi manifestação de vontade fundada em êrro e cabe a
anulação. Idem, se houve coação.

§ 5.847. Outras causas de deserdação

1. AÇÕES DA DESERDAÇÃO. O Código Civil refere-se a três ações: a)


A do interessado em pleitear a exclusão do herdeiro (ação de indignidade).
O) A do herdeiro instituído ou daquele a quem aproveite a deserdação, para
provar a causa dela, e) A ação do deserdado para a impugnar (art. 178, §
9,0, IV).

Duas concernem à deserdarão e são de propositura contrária uma, propõe o


beneficiado pela deserdacão, e outra, o deserdado. Ambas prescrevem em
quatro anos, contado o prazo da abertura da sucessão.

2.DESERDAÇÁO DOS DESCENDENTES POR ASCENDENTES. Diz o


Código Civil, art. 1.744: “Além das causas mencionadas no art. 1.595,
autorizam a deserdação dos descendentes por seus ascendentes: 1. Ofensas
físicas. II. Injúria grave. III. Desonestidade da filha que vive na casa
paterna. IV. Relações ilícitas com a madrasta ou o padrasto. V. Desamparo
do ascendente em alienação mental ou grave enfermidade”.

3.CORRESPONDÊNciAS. Código Civil português revogado, art. 1.876; de


1966, art. 2.166, 1; Código Civil alemão, § 2.333; espanhol, art. 853;
aitentino, art. 3.747, e outros.

4.CAUSAS DE DESERDAR. Só existem as seguintes causas de deserdação


dos descendentes pelos ascendentes: a) Se tiverem sido autores ou
cúmplices em crime de homicídio voluntário, ou tentativa dêsse, contra a
pessoa de cuja sucessão se trata. Exemplo: o filho ~feriu o pai, e êsse,
sabendo fatal o ferimento, deserda-o; ocorrida a morte, deu-se o crime de
homicídio, que existiu antes da deserdação, se bem que ainda se não
houvesse consumado a consequência esperada.

b)Se a acusaram caluniosamente em juízo, ou incorreram em crime contra a


sua honra.

c)Se, por violência ou fraude, a inibiram de livremente dispor dos seus bens
em testamento ou codicilo, ou lhe obstaram a execução dos atos de última
vontade.

d)Se incorreram em qualquer dos atos do art. 1.744.


As três primeiras causas coincidem com a indignidade, a cujo capítulo nos
reportamos. Tratemos das implícitas no artigo 1.744.

5. OFENSAS FÍSICAS. As ofensas corporais, a que se refere a lei, não


precisam ser graves, nem duras, para que se autorize a deserdação com
fundamento no art. 1.744, 1. Não se supõe a dor. Nem o grande perigo, ou,
sequer, a possibilidade disso. Só se supõe o ato intencional, que constitua o
mau trato corporal.

Os pressupostos para a deserdabilidade dos ascendentes pelos descendentes


tinham de apresentar diferenças quanto aos pressupostos para a deserdação
dos descendentes pelos ascendentes. O Código Civil primeiro inseriu as
regras jurídicas sôbre êsses, por parecerem os que mais ocorrem. Não
importa o grau. Desde que o descendente ou o ascendente é herdeiro
necessario cabe a deserdabilidade se os requisitos se compõem.

A incapacidade absoluta, por loucura, afasta a possibilidade de se pensar em


ofensa física, injúria grave, ou qualquer outra causa de deserdação. Os
mesmos, que seriam condenáveis. pela legislação especial (e. g., conforme
o Código de Menores), não podem ser privados da quota necessária por
ofensa física, injúria grave ou qualquer outra causa de deserdação.

A ofensa física pode ser sem gravidade, porque a lei não falou de grave
ofensa física. A manifestação de desafeto, falta de respeito ou ódio pode
estar em qualquer ofensa física. Não é ofensa física o castigo moderado,
que o ascendente exerceu contra o descendente, nem o ato de legítima
defesa. Se contra ato do ascendente que não foi irregular ou excessivo, não
há a dirimente.

Para que se átenda à causa legal de deserdação, não é preciso que tenha
havido condenação criminal.

Não basta a ameaça de algum dos atos de que cogita a lei como causa legal
de deserdação.

A ofensa física pode ter sido por terceiro, se quem o ordenou foi o
sucessível, ou se foi êsse que deu causa (provocação, excitamento, intriga,
como, por exemplo, se a ofensa física, feito por C, terceiro, foi devida a
carta em que E, sucessível, comunicou a C, com verdade ou mentira, que A
era amante do cônjuge de C).

A simples ameaça de ofensa não constitui causa suficiente para a


deserdação; mas pode, em certos casos, ser, só por si. injúria grave.

6.INJÚRIA GRAVE. Nas Ordenações Filipinas, Livro IV, Título 88, § 5,


era causa de deserdação o filho ou a filha “doestar de palavras graves e
injuriosas, maiormente em lugar público, onde o pai ou mãe com razão se
envergonhem”. Acrescentava: “E ficará em arbítrio do Julgador, se as tais
palavras foram graves, ou leves”.

ANTÔNIO RIBEIRO DE Liz TEIxEIRA (Curso de Direito Civil


Português, II, 293: “A gravidade do delito cresce na razão do número de
deveres, que se ofendem:

e como cada um é obrigado a respeitar a honra e estimação pública de cada


um, a injúria verbal feita pelo filho a pai, ou mãe, é sempre grave, pois,
além do dever já referido, que é geral e constitui a injúria simples, ofende o
outro dever especial do filho, que manda honrar seu pai e mãe, portanto,
medida bem, esta injúria é sempre grave Mas a lei refere-se à. gravidade
procedente em si mesma da significação das palavras empregadas,
gravidade, que deixa à apreciação do Juiz”.

A injúria grave, e não a injúria leve, é causa legal de deserdação. A injúria


grave há de ser ao testador. Não basta a injúria grave ao cônjuge do
testador, nem a descendente, ou ascendente dele. Não é de exigir-se a prova
em processo criminal, nem ter havido a queixa ou denúncia pelo deserdante.

A despeito de ter de ser feita pelo sucessível a injúria grave/injuria


gravemente quem entrega a jornais ou revistas dados que são classificáveis
como de injúria grave.

7.DESONESTIDADE DA FILHA. Que desonestidade é esta? Os autores


do Código Civil conheciam a dúvida e não a varreram. As Ordenações
Filipinas, livro IV, Titulo 88, §§ 1 e 2, vindo de longe, diziam: “Se alguma
filha, antes de ter vinte e cinco aros, dormir com algum homem, ou se casar
sem mandado de seu pai”. Compreendia-se então. Ainda assim, PASCOAL
JosÉ DE MELO FREIRE, com a alta visão jurídico-social que o
caracterizou, leu isso de modo mais humano e mais cristão (Institutiones
Inris Civilis Lusitani, 1H, 61) : “fuso minorennis vita meretricia, vel
publicus concubinatus”. M. A. COE-1110 DA ROCHA (Institucôes d8
Direito Civil português, §

355), outra visão segura, adotou-lhe o alvitre. MANUEL DE ALMEIDA E


SOUSA, corno sempre, discorreu.

TEIXEIRA DE FREITAS 6 FELICIO Pos SANTOS não cogitaram disso.


O Projeto revisto, art. 2.107, foi que trouxe à balha tal fundamento. Ao
comentar a lei, CLóvís BEVILÁQIJA (Código Civil comentado, VI, 208)
saiu-se com esta tirada: “A desonestidade da filha é unia grave injúria ao
ascendente, que mantém a família na atmosfera da honra e do recato”. E
nada mais, O que se entende por desonestidade não disse.

No texto há a noção de residir com o pai, noção que perturba qualquer


raciocínio sensato. Se o pai sómente pode deserdar a filha que morava com
êle, então o que se quis punir foi, tão-só, o desrespeito. Sinal de um
patriarcalismo impiedoso. Se o pai não pode deserdar a filha cocote, ,„que é
que tem por fito o art. 1.744, Analisemo-lo.

A desonestidade da filha que vive na casa paterna, ou materna, envolve


desrespeito ao ascendente. O texto só se refere a filha, mas tem-se de
entender qualquer descendente do sexo feminino. Um dos pressupostos
necessários para que haja a deserdabilidade é morar na casa do ascendente,
sem que se haja de exigir a morada permanente. O

ato desonesto não é só de meretrício. Basta ter relações sexuais na casa do


ascendente onde mora, por muito ou por pouco tempo.

Os pressupostos são excluidos se há alegação e prova de que havia


conhecimento e anuência do ascendente.
Surgiu o problema do casamento da filha com a pessoa com quem tivera
relações sexuais. Falou-se, com base em SAMUEL STRYK e MANUEL
ATIVARES PÊGAS, em purga da mácula de desonra; outros juristas, como
MANuEL RIBEIRO NETTO, negavam o efeito purgativo, porque seria
apenas para a filha. e não para o pai e as pessoas que também moravam na
casa. A solução certa é a primeira, quer o casamento tenha sido antes da
feitura do testamento, quer depois, desde que antes da abertura da sucessão.

E sem relevância saber-se qual a idade da filha, se fêz dezesseis anos.

A cépula por violência ;de alguém não pode ser tida como mácula de
desonra.

A ocorrência de atos idênticos terem sido praticados por outras pessoas,


mesmo descendentes do testador, na mesma casa, não exculpa. Nem os
maus hábitos do testador.

O art. 1.744, III, só se refere a “filha”. Havemos de entender que o


ascendente, avô ou bisavô, ou trisavô, rode deserdar a neta, a bisneta ou a
trineta.

O primeiro defeito da lei é só se referir à mulher. À vida de desonra tanto se


pode dar a mulher quanto o homem.

Por isso, o Código Civil alemão não distinguiu, vida sem honra e sem
costumes, contra a vontade do testador (§

2.333, 5) : o filho bêbedo, o “facadista” inveterado, o vagabundo sórdido, a


filha dissoluta. O segundo consiste na imprecisão, no vago do conceito, a
contrastar com a exigência insólita de viver na casa do pai: “filha que vive
na casa paterna”. Se não vive no lar do pai, se não está a partilhar do seu
confôrto, não importa ao legislador desumano e incoerente, que seja a mais
vil das prostitutas. Capitalismo, moral curta, são coisas que andam sempre
de parelha, puros na aparência e nauseantes nos recessos.

Lei má, incoerente, sed lex. Como tal temos de interpretá-la.


a)O consentimento do ascendente exclui a aplicação do art. 1.744, III. a) A
desonestidade da filha não pode ser alegada pela mãe que vive da mesma
maneira e não se opôs à vida dissoluta. É a primeira restrição, que a
doutrina alemã fêz ao texto do ~ 2.383, 5. Cedo, a vida má do ascendente
pode não ser escusa do descendente, mas, para-isso, é preciso que haja
decidida e insofismável oposição daquele à vida semeíhante dêste. Se não
se opôs, não pode invocar. Máxime, se, no comêço, houve consentimento. ~
Aí, o consentimento é fato e não negócio jurídico?

Não tem caráter de negócio jurídico. o que desde logo afasta a questão,
ventilada nos escritores, de ser ou não negócio dependente de recepção,
empfangsbedjjrftiges Rechtsgeschiift. Como no caso do Código Civil, art.
819, 1, o absolutamente incapaz não pode estarem causa, mas a razão disso
provém de não haver consentimento (pressuposto de fato), e não de ser
juridicamente incapaz. Assim, quanto à conclusão, PETER RLEIN (Beitrag
zur Lehre von den Rechtshandlungen “im engeren Sinne”, Sonderabdruck
aus d. Oesterr. Zentralblatt, 28, 13 s., e fie Rechtshandlungen im engereu
Sinne, 114), contra O. OPET e W. VON BLUME (Das Familienrecht, nota
9 a).

Consente na imoralidade da filha o que a prestigia em tais atos, o que


emprega ou permite agentes provocadores.

Trata-se, pois, de ação com efeitos jurídicos. PETER RLEIN (fie


Rechtshandlungen im engeren Sinne, 114) chamou a isso ação juridica no
sentido estreito.

b) O consentimento pode ser anterior ou posterior ao fato (T.


ENGELMANN, Familienrecht, J. v. Staudingers Kommen-. ta‟r, IV,

7 a~g a ed., 660). Mas cumpre não confundir consentimento posterior e


perdão: o consentimento exclui, subjetivamente, a maldade do ato; o perdão
supõe a maldade (C. DAvmsoN, Das Rech.t der Ehescheidung nach dem
BOI?., 87; A. B. SCHMIDT e A. FUCHS, Famulienrechi und
Vormundsehaftsreeht, nota 3 a). Se a deserdação foi posterior ao
consentimento, não opera; se ao perdão, em si mesma constitui prova de
não se haver perdoado, o) O consentimento a um fato não se contagia a
outro; mas pode havê-lo geral (PETER KLEIN, fie Reehtskandlungen im
engereu Sinue, 107, Beitrag zur Lehre von den Rechtshandlungen “im
engereu Sinne”, Sonderabdruck aus d. Oesterr. Zentralblatt, 28, „7;

C.DAvIDSON, Das Recht der E heseheidung nach. devi EGI?., 26;


diferente, II. WALTER, Das Recht der Ehescheidung nach devi BOI?., 42).
d) tPode ser revogado o consentimento? Ponto delicado, aqui e no art. 319,
1.

Argumenta-se~ quem uma vez consentiu no mal de outrem, não deve,


depois, exprobrá-lo. Estamos em pleno mundo dos dados morais. Na rica
literatura alemã, a opinião dominante é a da revogabilidade em qualquer
tempo, o que supõe a ciência do exprobrado, assim no caso do art. 819, 1,
como no que estudamos (PETER KLEIN, Die Rechtshandtungen im
engeren Sinne, 112 s., Beitrag zur Lehre vou den Rechtshandlungen “im
engeren Sinne”, Sonderabdruck aus d. Oesterr. Zentrcdblatt, 28, 12; CAiu,
CROME, System, IV, § 559, nota 13, 223; T.

ENGELMANN, Familienrecht, 1. v. Staudingers Komment ar, IV, 7A~S.a


ed., 660). Porém achamos isso um tanto simplista, sem a suficiente
percepção dos dados morais. É preciso descer ao exame da sinceridade
dêsse ascendente. Que fito teve êle? ~ A que ideal nôvo se deve tal
mudança de pensar? São situações graves, que o art.

1.744, III, com certo impudor, ousou criar, e) É preciso que tenha havido
sério consentimento, porque, se há alusão sem crer no consentimento, não
há consentimento.

b) A desonestidade, a que se alude, é a escandalizante, notória; porque seria


imoral que o pai quisesse, após a morte, a devassa na vida da filha. Tal
insensatez aberraria do juízo perfeito, com o qual se devem achar os que
testam. Depende do meio, do conceito de escândalo moral no círculo em
que vivem pai e filha. Se nasce a essa um filho e o avô o acolhe em casa,
sem revolta perdurável contra a filha, não pode invocar o escândalo. Se êsse
filho existe, o avô o acolhe piedosamente e o trata como se legítimo fôra,
mas mantém protesto ao proceder da filha, a lei dura lez permite deserdá-la.
Felizmente, melhores e menos brutais que o legislador brasileiro são os
pais; e, quando juiz, nunca vimos, no ato de última vontade, o pai que
viesse trazer aos tribunais, para desviar, sem cura dos males, a fortuna, a
vida intima da filha. Para tal gente, não foram improfícuos vinte séculos de
vida crist ã. Por mais puro, o mais puro dos homens, que fôsse êsse pai, no
momento de deserdação, pelo só ato que a lei lhe permite, estaria
infringindo o preceito de Cristo: quem de nós fôr sem pecado... Certa vez,
um pais quis na Alemanha, deserdar a filha que se entregara ao homem com
quem esperava casar; o Tribunal não reputou suficiente a causa, e um dos
argumentos principais foi o seguinte: casada a filha. estaria legitimada a
criança (OTTo WARNEYER, Kommentar, II, 1800). Ora, no caso da
promessa de casamento, há um criminoso, e não queiramos que a vitima
seja novamente vitima da dureza do pai.

8.RELAÇõES ILÍCITAS COM A MADRASTA OU o PADRASTO. As


Ordenações Filipinas, Livro IV, Título 88,

§ 10, mencionavam como causa deserdativa “se houve afeição, ou


ajuntamento carnal com a mulher de seu pai, ou com a sua manceba, que
consigo tinha em casa manteúda e governada; e o mesmo dizemos da filha,
que semelhante ajuntamento tiver com o marido de sua mãe, ou seu
barregão que a tivesse consigo em casa manteúda”.

ANTÔNIO RIBEIRO DE Líz TEIXEIRA (Curso de Direito Civil


Português, II, 296) lia-o como o devera ler:

“O comércio impuro do filho com a mulher do pai, ainda que não seja
consumado, e pare na afeição tendente a ofensa da pudicícia é causa de
deserdação; dando-se a mesma razão para a mãe poder deserdar a filha, que
assim procede com o seu padrasto”. O Código Civil somente fala em
relações ilícitas e madrasta e padrasto. Pergunta-se: a) quais são as
relações ilícitas, a que os arts. 1.744, IV, e 1.745, III, se ref erem? b) ~as
relações com a barregã ou o barregão, conforme os têrmos das
Ordenações, não constituem ofensa?
5.847. OUTRAS CAUSAS DE DESERDAÇÃO

As relações ilícitas com o padrasto ou a madrasta são causas de deserdação


do descendente. É elemento essencial a luxúria. Não basta o namôro, a
afeição, o galanteio. Apesar de só se falar de madrasta ou padrasto, a regra
jurídica apanha os descendentes que tiveram relações sexuais com o
cônjuge do avô, ou da avó, ou de outro ascendente.

Supõe-se o casamento do ascendente, feito no Brasil ou em qualquer outro


Estado.

a)Há de ser tido como relação ilícita tudo que constituiria ato de
libidinagem e de sedução amorosa. Exemplo: as cartas de amor do filho à
madrasta. E não só o comércio impuro consumado, como quer JOAQUIM
AUGUSTO

FERREIRA ALVES (Da Sucessão testamentária, Manual do Código Civil


brasileiro, 389) . Já no adultério, não só o ato sexual normal constitui o ato
criminoso; e os arts. 1.744, IV, e 1.745, III, recorreram a expressão mais
vasta que adultério. Assim são relações ilícitas: a) a sedução; 6) os atos
pudendos, quaisquer que sejam; c) a cópula; d) a correspondência amorosa.

b)A lei fala em madrasta e padrasto. No Projeto de FELÍCIO Dos


SANTOS, afia 1.797 e 1.79% não se tocavam tais assuntos; no de
COELHO RODRICUES, art. 2.499, a deserdação podia ser sem causa; no
revisto, art. 2.107, de onde vem a regra legal, falava-se em “madrasza cu
concubina do pai” e “em padrasto ou mancebo da mãe”. A emenda foi de
ANDRADE FIGUEIRA (Trabalhos, VI, 514 e 548). O que pode acontecer
é considerar-se injúria grave.

9.DESAMPARO DO ASCENDENTE EM ALIENAÇÃO MENTAL OU


CRAVE ENFERMIDADE. A Ordenação do Livro IV, Título 88, § 14,
dizia: “e se algum pai ou mãe perdesse o siso natural, e o filho, ou filha
fôsse negligente em o curar em sua enfermidade, êste tal poderá ser
deserdado dêsse pai ou mãe, ou avô, tornando êles a seu siso e
entendimento perfeito, em maneira que possam fazer seus testamentos
livremente”. A Ordenação limitava a causa ao fato do testador que perde o
siso natural. O Código Civil estendeu-o aos de grave enfermidade; e não
reproduziu a regra jurídica do § 15, que fazia herdeiro do alienado o
estranho que dele cuidou e tratou, durante o desamparo.

274

10.DESERDÂÇÃO DOS ASCENDENTES POR DESCENDENmS. Diz o


Código Civil, art. 1.745:

“Semelhantemente além das. causas enumeradas no art. 1.595, autorizam a


deserdação dos ascendentes pelos descendentes: 1. Ofensas físicas, li.
Injúria grave. III. Relações ilícitas com a mulher do filho ou neto, ou com o
marido da filha ou neta. IV. Desamparo do filho ou neto em alienação
mental ou grave enfermidade”.

11.CORRESPONDÊNCIAS Código Civil alemão, § 2.334; Codígo Civil


português revogado, art. 1.878; espanhol, artigo 854; argentino, art. 8.748;
suíço, art. 477.

12.CONTEÚDO DA REGRA JURÍDICA. As causas dos ns. 1 e II, são


idênticas às do art. 1.744; as dos ns. III e IV correspondem, mutatis
mutandis, às do art. 1.744, IV e V.

Mas não se leve a identidade verbal a ponto de envolver a identidade


conceitual: o respeito, a deferência dos descendentes aos ascendentes, é
mais forte que a dêstes àqueles. No próprio regime, acertado, eficaz, de
filhos amigos, em vez de filhos servos, subalternos, sem autonomia, fonte
de um sem conto de dobrezes educacionais, de revoltas, o dever de não.
ofender, de não injuriar, é mais forte nos filhos do que nos país.

O art. 1.745, III, provém do Projeto revisto, art. 2.108, onde também se
previa o caso das relações com a concubina do filho ou neto ou com o
mancebo da filha ou neta.

§ 5.848. flestino do quinhão do deserdado


1.OMíSSÃO DO CÓDIGO CIvIL. - O Código Civil não possui regra
jurídica expressa. Os elementos para a discussão são os seguintes~ a) a
representação supõe a morte do representado (art. 1.620) e o representante
somente pode herdar o que o representado herdaria se vivesse, se o
deserdado não premorreu ao testador, falta o primeiro elemento, se vive e
foi deserdado, falta o segundo; b) o art. 1.599 só se refere à indignidade
caso em que os descendentes do excluído sucederiam como se êle fôsse
morto. A lei suíça facilitou a solução: pôs o art. 541, que corresponde (e é o
que mais corresponde ao nosso art. 1.599) e quanto à deserdação
reproduziu, mutatis mutandis, o preceito legal, referindo-se, porém, na 8?
alínea, explicitamente, à quota necessária Código Civil suíço, art. 478,,

a alínea: “fie Nachkommen des Enterbten behalten ihr Pflichtteilsrecht, wie


wenn der Enterbte den Erbfall nicht 3

erlebt hãtte”.

No Código Civil alemão, § 1.924, a sucessão da linha reta é regida como


ostá no art. 1.604 do Código Civil brasileiro; e não há o artigo que existe no
Código suíço. Situação, pois, igual à do direito brasileiro.

2.QUESTõES QUE SURGEM. O art. 1.604 dá o princípio positivo da


sucessão na linha reta descendente, o princípio negativo de que, se há
algum descendente vivo, os descendentes dêste não podem vir à sucessão.
A existência de pessoa intermédia entre o hereditando e o descendente,
necessariamente descendente mais próximo, impede que o descendente
mais remoto salte o mais próximo e recolha a herança. Tal a regra. Mas há
exceção. No caso de renúncia da herança, se o renunciante é o único do seu
grau, ou se todos os do grau renunciam, os filhos poderão vir à sucessão,
por direito próprio e por cabeça. No caso de indignidade, os descendentes
do herdeiro excluído sucedem como se êle morto fôsse. Dois casos aí estão,
em que, viva a pessoa intermédia, se dá a sucessão.

Se o indigno morreu antes do hereditando, o art. 1.599 não se aplica; rege-


se a sucessão pelo art. 1.604. ~E no caso de deserdação do herdeiro? Se
morreu antes da abertura da sucessão, não há dúvida: a despeito da
interpretação literal, errônea, dos arts. 1.620 e 1.923, o testamento já
encontra o direito (art. 1.604) dos descendentes do que teria sido deserdado,
se vivesse; deserda-se quem vive. ~Se o deserdado vive e foi feita a prova?
Aqui, surgem as seguintes soluções: a) a deserdação implica deserdação dos
descendentes do deserdado; b) a deserdação faz supor que o testador exclui
os descendentes do deserdado; e) a deserdarão não supõe a exclusão dos
descendentes do deserdado e opera-se a sucessão legitima, salvo disposição
contrária do testador; d) a deserdação não pode ter o efeito de excluir os
descendentes do deserdado, herdeiro necessário, que é, do testador.

3.PROBLEMA JURÍDICO NO DIREITO ALEMÃO. Na Alemanha, o §


1.924, ao falar da sucessão na linha reta descendente, diz que o descendente
vivo exclui os que, por intermédio dele, são parentes do defunto. A êste
lebender Abkàmmlin.q apegaram-se os que pretenderam a solução a) ou b).
Mas Guoirn FROMMHoID mostrou o que isso representa de ríspido
literalismo, aliás já infirmado duas vêzes, pela própria lei, no caso da
renúncia da herança e no da indignidade.

A solução e) foi a de E. HEYMANN (Die Grundziige des gesetzlichen


T,Jerwandten~Erbreehts rtach dem RCB., 53 s.), fundada em que a
sucessão legítima deriva da presumida vontade do testador. Antes, ER.
MOMMSEN no seu projeto (Entwurf eznes Deutschen Reiehsgesetzes ilber
das Krbreckt nebs Motiven, § 497), seguiu a mesma orientação ou, talvez, a
solução

d). A solução d) é a de GEORO FROMMHOLD (Ober das gesestzliche


Erbrecht der Abiçõmmlinge des Enterbten, Archiv flir Ejirgerliches Recht,
12, 309), a quem se deve o mais notável estudo sôbre o assunto. Fôra a do
relatório do redator do direito das sucessões; a de O. EXER (Zum Erbrecht
des EGE.. Árckiv fúr liuirgerliches Recht, III, 200). Já 4. A. GRUCHOT
(Preussisefles Erbrecht, III, 60 s. e 224 s.) achava que no direito prussiano a
diversidade de opiniões terminara a favor do descendente do deserdado. O
Código Civil saxônico, § 2.599, tinha o deserdado como morto antes do
decujo.
4.PROBLEMA JURÍDIco No DIREITO BRASILEIRO. No Brasil, nos
trabalhos preparatórios, não vemos dados para que se repute excluído o
descendente de deserdado; nem para que se tenha a deserdação como
excludente do direito necessário do descendente mais remoto. Deu-se o
mesmo na Alemanha.

Além disso, a solução d) é a que corresponde à consciência jurídica (FR.


MOMMSEN, Entwurf eines Deutschen Reiehsgesetzes úber das Erbreekt
nebst Motiveu, 143 e 475; GEoRG FROMMHOLD, Uber das gesetzliche
Erbrecht der Abkõmmlinge des Enterbten, Arehiv fuir Riirgerlichcs Rechts,
12, 315) do nosso tempo. Vamos além: é contra as nossas convicções
morais, psicológicas, jurídicas e econômicas; portanto, não se compreende,
que a culpa da pessoa intercalar corte os lacos morais, psicológicos,
económicos, do avô com o neto, o bisneto, ou mais remoto descendente; em
suma, que se desliguem os vínculos jurídicos do sangue. O ascendente,
humanitatis causa, deve ter mais dó do neto, filho do deserdado, que dos
outros; e a biologia não autoriza a lesar os filhos do deserdado por um mal,
talvez raro na família. Os deveres são iguais, ou, talvez, maiores, porque o
descendente do deserdado dificilmente tem nêle bom pai. O homem que
comete os atos dos arts. 1.595, 1.744 e 1.745 deve ser mau para os filhos e
só isto se há de presumir. ~ Que cuidado paterno podem os filhos esperar
daquele que matou o pai, ou o abandonou em caso de alienaçao mental ou
grave enfermidade? Ora, se tais descendentes correm maior risco de
desamparo, ~por que lhes agravar a situação, eliminando-os da herança do
avô? Tudo leva a crer que sejam os mais necessitados (fundamento
econômico). Os deserdados dos arts. 1.744 e 1.745 correspondem, púr
identidade, nos atos mais graves, aos indignos do art. 1.595; portanto, nada
justifica que o descendente do indigno do ato mais grave (parricídio, por
exemplo) seja tratado com a benevolência que não merece o deserdado por
injúria (arts.

1.744, II, e 1.745, II) ou outro ato dos arts. 1.744 e 1.745 (fundamento
jurídico). Ocorreu o mesmo raciocínio, no direito alemão, a GEORO
FROMMH OLD (Uber das gesetzliche Erbrecht der Abkõmmlinge des
Enterbten, Arckiv fúr Rúrgerliches Reeht, 12, 315). Basta pensar-se um
pouco, com isenção, para se ver o absurdo de se presumir que o decujo
quisesse, com a deserdação, eliminar toda a estirpe, ou de que a lei acedesse
nisto.

Podemos raciocinar como GEORO FROMMHOLD (Uber das gesetzliche


Erbrecht der Abkõmmlinge des Enterbten, Arehiv fúr Biirgerliehes Reckt,
12, 316) concluiu o seu estudo: a despeito do art. 1.604 (lá êle citou os

§§ 1.938 e 1.924, 3? alínea), podemos pensar, sem artigo de lei que faça ao
descendente deserdado o que os arts 1.589 e 1.599 fizeram,
respectivamente, ao do renunciante e ao do indigno. Se o testador deserdou,
sem nada dispor, a parte da herança vai aos herdeiros legítimos (arts. 1.574,
2.~ parte, e 1.678). Ora, aí, o que decide é o parentesco, e a deserdação do
filho não apaga o laço entre êle e o descendente do deserdado. Riséa-se,
quanto à sucessão, êsse, e não os descendentes dêsse. A deserdação é,
então, sem efeito, wirkungslos; a sucessão obedece a regra geral (E.
HEYMANN. Die Grundziige des gesetzlichen Verwandten-Erbreckts nach.
dem EGE., 53; GEORG

EROMMHOLD, tber das gesetzliche Erbrecht der Abkõmmlinge des


Enterbten, Archiv fúr Ruirgerlicites Recht, 12, 309). A analogia com a
indignidade é evidente.

Se persiste o parentesco, persiste o direito à sucessão; se persiste o direito à


sucessão, é por fôrça de lógica, necessário.

5.SOLUÇÃO DO PROBLEMA. Tal é a solução, que corresponde, não só é


consciência jurídica, como também aos princípios da lei.

Como a deserdação só se refere a herdeiros necessários, aqui se esgota a


questão. Nasce, porém, outra, no tocante ao art. 1.599, quanto a
descendentes de indignos herdeiros legítimos não-necessários.

6.DESERDAÇÃO PLURAL E DESERDAÇÃO EM DOIS OU MAIS


GRAUS. O testador pode deserdar o filho e deserdar o neto ou bisneto, ou
só o filho e o bisneto, ou, prevendo que lhe premorra o filho, deserdar o
neto, ou bisneto, deserdação só eficaz se fôr chamado à sucessão êsse
descendente. Trata-se de deserdação em graus diferentes, o que de modo
nenhum se confunde com a deserdação plural, como a dois filhos B e C,
acusados da mesma causa de deserdabilidade, ou de causas diferentes de
deserdabilidad e.

Os testadores não podem estar certos de que, ao falecerem, os deserdados


vivem, ou se, falecendo êsses antes deles, são chamados filhos ou netos dos
deserdados. Por isso, a herdabilidade basta para a deserdabilidade.

Se A tem três filhos, E, C e D, que têm filhos ou netos, a deserdação de 13 e


de C deixa em lugar de 13 e C os filhos ou netos deles. Pode ocorrer que a
causa de deserdação exista para E e o filho de E; mas, uma vez que E

pode premorrer a A, pode A deserdar a E e ao filho de B, ou só ao filho de


E.

Se A deserdou o filho E e êsse deserdou E, o neto de A, seu filho, pergunta-


se se E‟ herda de A. Respondeu negativa-mente CARLOS
MAXIMILIANO (Direito das Sucessões,5ª ed., 152), para quem se A
exclui da partilha o seu filho E e êste tem dois descendentes, C e O, e
deserdou C, o neto O recolhe toda a parte de E na sucessão de A. Aí, há
confusão da deserdação do filho e do neto por A com a deserdação do filho
por A e do neto, filho de C, por C.

CAPITULO XIX

FORMAS ORDINÂRIAS DO TESTAMENTO

§ 5.849. Função do formalismo testamentário

1. F ORÇA DO ESTADO E FORMAS TESTAMENTARIAS. O Estado


protege a última vontade; cerca-a de formas, que a livrem de insídias e
maquinações. Mas dificultar, pela exigência de formalidades, não é
empecer, ou postergar, o que se quis garantir: a vontade de testar. Nos povos
cultos é regra o dizer de PAULO (L. 5, D., testamenta quemadmodum
aperiantur inspiciantur et describantur, 29, 3): “publice expedit suprema
hominum iudicia exitum habere”. Interessa à utilidade pública que se
respeitem as vontades últimas dos homens.
Todos os atos jurídicos têm forma. Há o conteúdo e há a forma, que é algo
que exprime. Atos jurídicos há que até oral-mente se compõem. Basta-lhes
a fala. Não se lhes exige a escrita; a fortiori, a instrumento público.

Para os testamentos, negócios jurídicos que só têm eficácia à abertura da


sucessão, a técnica legislativa teve de impor requisitos protectivos,
inclusive quanto ao número de testemunhas.

De ordinário, as leis, inclusive o Código Civil brasileiro, põem a forma em


primeira plana, de modo que assuntos contenutísticos ficaram depois dos
assuntos formais. Evitamos isso, para considerarmos no lugar próprio as
formas, razão por que antes tratamos das disposições testamentárias em
geral, da interpretação delas, das heranças testamentárias e dos legados, da
porção disponível, da redução das liberalidades prejudiciais às legítimas
necessárias, das substituIções, do fideicomisso e da deserdação. Depois de
se conhecer o conteúda. do negócio jurídico é que importa conhecer-se a
forma.

A exigência da forma testamentária evita que o testador apressadamente


manifeste a vontade e de certo modo mostra-lhe que é de grande relevância
o ato que vai praticar. No aguardar o momento em que faça o testamento
público, cerrado ou particular, fica-lhe tempo para pensar e, muitas vêzes,
para afastar precipitações e impulsivas manifestações de vontade e de
sentimento.

Por outro lado, diminui as possibilidades de pressões, de violências, de


erros e de atendimentos a pedidos e promessas. Além disso, a presença de
testemunhas concorre para que se contenha, pondere e se precate o testador.

Todo intervalo entre a deliberação de testar e a feitura do testamento


fortalece a meditação do disponente.

Quanto a terceiros, as formalidades testamentárias põem o testador a salvo


de falsificações e de falsidades, bem como de violências. Muito se sabe
sôbre os males que resultavam das cartas de consciéncia Herdeiros
legítimos eram lesados pelas coações de estranhos, que o testador
beneficiava, e das preterições momentaneamente causadas.
Pessoas estranhas, e não só parentes, eram postas de lado por circunstâncias
de intranquilidade do testador. Não só herdeiros legítimos.

Daí não bastar o escrito, por mais perfeito e verdadeiro que seja, para que se
repute feito o testamento. O rigor formal protege o testador e os que seriam
por êle declarados herdeiros ou legatários. Trata-se de ato de última
vontade, razão por que a técnica legislativa também há de cogitar de
formalidades que assegurem a conservação do negócio jurídico.

No testamento, o disponente não só dispõe; há no testamento cláusulas que


são de conteúdo patrimonial e cláusulas que não o têm, como as relativas à
família, a recomendações e a deserdações.

O testamento precisa de ser conhecido pelo tabelião e pelas testemunhas, ou


visto por fora, para que se identifique.

Quanto. ao testamento particular, se é certo que lhe falta a publicidade, e há


o perigo de extravio, pode ser registado em cartório de títulos e
documentos. Por isso, não se pode negar a falta de proteção de tal ato
testamentário; e se justifica a preferência pelo testamento público.

Com os pressupostos de forma, o que se tem por fito é maior segurança na


expressão da vontade e na conservação do instrumento.

Dir-se-á que, com tantas exigências formais, cresce a possibilidade de


Lerem tidos por nulos ou anuláveis os atos testamontados. Ainda mais: se a
pessoa que quer testar está gravemente enfêrma, ou se o seu estado de saúde
se tornou melindroso, pode estar diante de pressupostos formais que lhe
dificultam a testamentifação. Com isso, podem ser beneficiados herdeiros
legítimos que o testador não tinha como merecedores da herança. Mas o
decujo, uma vez que sabe existirem as exigências de forma, estava avisado
de que não se há de deixar para a última hora o ato de testar.

Teremos ensejo de ver que a lei exige que se mencione observância de


formalidades, e não só que sejam observadas. Se o testamento não satisfaz
as exigências formais, ou algumas delas, testamento não há. Se a satisfação
é que foi insuficiente, há nulidade. Ser incompleta a observância, ou ser
irregular, faz nulo o testamento.

Não ter havido cumprimento de qualquer dos pressupostos, qualquer que


seja, não é infração da lei; é omissão de requisito para a existência de
testamento. Por exemplo: a) No testamento público, o testador que sabia e
podia assinar, não assinou, e falsa a declaração do oficial público de que
podia ser feito a rôgo (nulidade) ; quem escreveu

o testamento público não era oficial público, nem pessoa que legalmente o
pudesse assinar (inexistência) ; menor de dezesseis anos foi testemunha do
testamento (nulidade) ; se o oficial público não portou por fé haverem sido
observadas as formalidades (nulidade). b) No testamento cerrado, falta a
assinatura do testador (inexistência), mesmo se foi escrito por êle; se o
testador sabia e podia assinar, e não o assinou, e alguém que o escreveu o
assina, dizendo que o fêz a rôgo (nulidade).

o)No testamento particular, se o não escreveu o testador, ou se o escreveu e


não o assinou (nulidade) ; se o testador não o escreveu, nem o assinou
(inexistência).

Se o Código Civil exige que se mencione a observância de determinada


formalidade, e do ato testamentário, antes da

assinatura do testador e das testemunhas, não consta a declaração, é nulo o


testamento. O fato de ter sido cumprida não afasta a nulidade, porque a lei
reputou essencial a menção. Assim, em se tratando de testamento cerrado,
tem o disponente de entregar o escrito ao oficial público e dizer ser o seu
testamento; mas, além disso, há de o oficial público certificar que isso
ocorreu.

2.ESPÉCIES DE FORMAS TESTAMENTÀRIAS. Só em determinadas


formas podem exprimir-se as disposições de última vontade. A
interpretação das regras legais é restritiva. Porém não se vá ao exagero de
as crêr absolutas, como fins do legislador, em vez de simples formalidades
preventivas e asseguradoras. Por defeito formal de pouca importância, seria
péssima política jurídica romper-se o testamento de quem não atribuía ao
legislador tão ríspido formalismo. Ora, as exigências legais atendem ao
intuito de assegurar, e não ao de dificultar as declarações de última
vontade. Não estamos nos tempos das legis actiones (ERIcE DANZ, Die
Auslegung der Rechtsgesch.Éifte, 238, nota>. Quando as regras da lei não
são claras a respeito de forma dos testamentos, entende-se que exigem o
mínimo possível. Na dúvida, decide-se a favor do testamento. Evitem-se,
quanto possível, as nulidades por motivo de forma, O fim das regras
jurídicas do Código Civil não é limitar o direito individual, mas o de
determinar que sigam certos caminhos, ou observem determinadas normas,
para que melhor se garantam. No interpretá-los, não se pode esquecer que é
êsse o fim que êles têm. Demais, os testamentos, salvo o testamento
público, são formas entregues aos homens em geral, e não a juristas. Não se
lhes exige outro conhecimento além daquele que a lei civil aponta, nos seus
ditames expressos. Quanto ao testamento público, dir-se-á quando se
cogitar do Código Civil, art.

1.632. Mas, antes, como introdução, aprofundaremos o assunto.

O nome “testamento público” é reminiscência do testamento que se fazia


diante do Povo, ou do Chefe de Estado.

“Privado” disse-se o testamento escrito e assinado pelo testador, ou feito na


presença de testemunhas. O testamento escrito e assinado pelo testador data
do ano 446, sob Valentiniano III. Não foi levado ao Império Romano do
Oriente, razão por que

não consta do Corpus Juris. No século XVI, Maximiliano introduzia na


legislação germânica o direito justinianeu sôbre testamento privado. Teve-o
a França com a Ordenança de janeiro de 1629, de onde foi ao Código Civil
francês e se estendeu por Portugal, Espanha e Itália.

No direito canônico, o testamento particular foi acolhido, se perante o


pároco e duas testemunhas, o que afasta tratar-se de testamento privado.

3.NULIDADE DO TESTAMENTO. A nulidade dos testamentos facilitada,


em vez de restringida importaria desrespeito ao Código Civil, art. 1.666. Se,
para as disposições particulares, há de o juiz preferir a interpretação que dê
eficácia à declaração do testador, ~como tornar rigoroso o formalismo da
lei, que invalidaria, não uma ou duas disposições, porém todo o testamento?
Daí a conclusão de EIUCH DANZ: deve ter-se por válido o testamento,
ainda quando apresente defeitos de forma, sempre que se comprove que, no
documento, se contém a última vontade do declarante. Melhor o disse A.
DÚRINCER (Richter ind Rechtsprechung, 51) : quando fôr duvidoso se se
observou, ou não, regra jurídica de forma, deve-se impor a solução da
efetividade do testamento, sempre que exista certeza quanto a êsse.

A nulidade dos atos jurídicos de intercâmbio ou inter vivos é, pràticamente,


reparável: fazem-se outros, com as formalidades legais, ou se intentam
ações que compensem o prejuízo, como a ação de ia rent verso. Não se dá o
mesmo com as declarações de última vontade: nulas, por defeito de forma,
ou por outro motivo, não podem ser renovadas, pois morreu quem as fêz.
Razão maior para se evitar, no zêlo do respeito à forma, o sacrifício do
fundo.

Não há ratificabilidade do testamento nulo. O testador que nulamente


testou tem de considerá-lo definitivamente ineficaz, em consequência da
nulidade. Se o testador vem a saber que o testamento é inválido, ou se
conforma com a possível sucessão legítima (se outro testamento não havia,
pois o testamento nulo não revoga o anterior ou os anteriores), ou faz outro
testamento. Pode ser que reproduza, nesse, tudo que disse no testamento
inválido, porém, aí, a reprodução é do que foi dito, e não do testamento
nulo. Há apenas coincidência do cláusulas.

Se o testamento foi feito com formalidades excessivas, o excesso não o


prejudica. É o caso do testamento público com seis ou mais testemunhas,
presentes e assinantes do ato testamentário. Também o do testamento
cerrado que foi assinado pelas testemunhas, e não só entregue na presença
delas; e o do testamento particular com seis ou mais testemunhas, que o
assinaram. Superf tua non nocent. Se, a propósito do excesso (e.g., da sexta
ou sétima testemunha) há defeito ou vício, como se era menor de dezesseis
anos, a falta de requisito do supérfluo não atinge o testamento.
No sistema jurídico brasileiro não há fórmulas rígidas, nem expressões
fixas, sacramentais, que se exijam aos testamentos, mesmo se públicos. O
que importa é que o que foi dito satisfaça, em seu conteúdo, os pressupostos
formais. Pode ocorrer que se chame legatário ao herdeiro, ou vice-versa; ou
que se diga legado ao modus, ou vice-versa.

Na interprêtação dos textos legais sôbre formas testamentárias, não há


solução analógica, nem de extensão, ou de equidade; porém a interpretação
estrita não há de ser exagerada. O que foi exigido tem de ser observado,
sem que se vá ao extremo de sacrificar a vontade do testador, como ocorre
se há oito em vez de cinco testemunhas, ou se está em questão dizer-se o
que se há de entender por testamento particular escrito em língua
estrangeira, “contanto que as testemunhas a compreendam”. Basta que
compreendam; não é preciso que falem a língua, ou que nela possam
eserever Uma vez que entendem, que a lêem, satisfeito está o pressuposto.

É de discutir-se se, diante de testamento que é nulo, por infração de regra


jurídica sôbre forma, pode o juiz, ou pode e deve o juiz decretar a nulidade,
ou se tem de aguardar que alguém, legitimamente interessado, alegue a
nulidade.

Seria ofender principio geral de direito sObre invalidade absoluta pôr-se o


juiz na situação de examinar o testamento e, sabendo que é nulo, ficar
subordinado à alegação de algum interessado. Alguns juristas assim
pensaram e escreveram; mas devemos repelir tal atitude, que abriria
exceção para o tratamento dos atos jurídicos nulos Quanto às
anulabilidades, sim; não, quanto às nulidades.

Não só. A opinião que apenas deixa ao arbítrio do juiz o exame de ofício
também; inadmissível. O juiz não somente pode decretar a nulidade; pode e
deve.

Se o interessado a quem incumbia argúir a anulabilidade da deixa ou do


testamento, deixou de alegá-la e se prova que conhecia a causa, não basta
isso, no sistema jurídico brasileiro, para se ter como preclusa a
alegabilidade. A fortiori, em se tratando de nulidade. Não há prazos de
prescrição quanto às nulidades; mas existem quanto às anulabilidades.

A falta de sêlo ou a deficiência somente podem dar ensejo a multas ou


acréscimos, que tenham de ser pagos pela herança ou pelo beneficiado ou
pelos beneficiados.

O ô nus da prova incumbe àquele que argúi de nulidade o testamento.


Trata-se de prova de não-observância de algum ou de alguns pressupostos
formais. Diz-se, sem precisão, que a causa da nulidade há de estar,
manifesta, no próprio testamento (êx propriis verbis testamenti, nou
aliunde), e não pode ser suprida a prova por outro documento, ou por prova
testemunhal. Porém havemos de atender a que a afirmação é relativa,
porque a prova da surdez ou da cegueira da testemunha, pode ser feita por
testemunhas do processo da ação de nulidade, se o surdo ou cego morrera
antes do testador ou entre a abertura da sucessão e a propositura da ação de
nulidade. Quanto à coação causa de anulabilidade, como o êrro a prova
pode constar, ou em parte constar, de algum outro documento.

4.FORMA DOS TESTAMENTOS. . É o de que cogita o Código Civil, para


as espécies que admite. As leis processuais podem acrescentar outras
formalidades, mas a violação de tais formalidades secundárias não tem o
efeito de eivar de nulidade. Só as regras jurídicas da lei civil, uma vez
postergadas, surtem tal efeito. Assim, também, na Alemanha (W.
ESSLINCER, Der R‟rbschein nach dem Búrgerlichen Gesetzlncehe fiir das
Deuteche Reieh, 9) . Um dos exemplos é a falta do sêlo, se tiver de haver,
que pode obrigar à multa ou revalida cão, porém nunca leva à conseqdência
de invalidar o testamento (cf. A. ESCHER, Das Erbrecht, Kommentar zum
sckweizerischen Zivilgesetzbuch, III, 88). Onde os Estados exigem o sêlo ou
o papel selado, a falta de sêlo ou o uso de outro papel não atinge o ato de
testar, e a pena pecuniária é o máximo que pode ocorrer (P. TrOE, Das
Erbrecht, Kommentar zum Sehweizerischen Zivilgesetzbuch, III, 824)

As formas ordinárias de testamento têm a mesma eficácia. Revoga-se


testamento público, ou disposição contida em testamento público, mediante
testamento cerrado ou particular, ou em virtude de cláusula inserta no
testamento cerrado ou no testamento particular. Revoga-se testamento
cerrado ou testamento particular, ou cláusula que daquele ou dêsse conste,
com testamento público, ou cláusula de testamento público, como ocorre,
sem qualquer discriminação, se o testamento antenor é cerrado, ou
particular, e o posterior, particular, ou cerrado.

Não importa quais sejam as circunstâncias, de tempo ou de lugar, em que se


faz o testamento de forma ordinária. É

verdade que mais fácil é a falsidade ou a falsificação de um que de outros;


porém isso é sem relevância, porque apenas concerne à prova do que
aconteceu.

5.NOME E TESTAMENTO. Os atos jurídicos não dependem do nome que


se lhes dê. Mais se deve atender aos intuitos do declarante do que às
expressões usadas. Repugnaria à ordem social o estrito nominalismo, e só
onde a lei, excepcionalmente, dá valor decisivo, essencialidade, à
denominação de um ato, é que se pode exigir a prevalência essencial da
forma, como se dá, nos nossos tempos, com os cheques. Em regra, pelo
dizer-se de uma espécie o escrito, não deixa de ser daquela de que
realmente é. Nem, pelo deixar de se nomear, perde o caráter que, ainda sem
nome, efetivamente bem. Compareceu, há mais de quarenta anos, o
disponente ao tabelião e fêz as suas declarações testamentárias, que o
notário, sem razão plausível, chamou:

“Escritura de declaração de herdeiros” (cf. nosso Tratado dos Testamentos,


1, 236). Mas o ato, que só poderia ser testamento, apresentava todas as
formalidades exigidas aos testamentos públicos no direito de hoje (Código
Civil, art. 1.632) e no anterior (TEIXEIRA DE FREITAS, Consolidação
das Leis Civis, art. 1.054) . Mandamos, corno Juiz da Vara da Provedoria e
Resíduos, que se cumprisse. Em escritura pública (portanto, com a forma
exigida aos testamentos para valer), satisfeitos os requisitos (e. g.,
testemunhas, declaração pelo próprio), tal negócio jurídico, ainda que se
não proclame testamento, testamento é. Essa a razão para se permitir a
escritura pública de revogação, que contenha as formalidades dos
testamentos, ainda que não se diga: “testamento”, nem se redija como se
testamento fosse. Bastaria dizer-se que se “revoga~~ o testamento do dia
tal, ou que se revogam todos os anteriores.

§ 5.850. Material de escrita

1. MATERIAL DE FORMA. que se há de escrever o testamento pode ser


papel, timbrado ou não, pergaminho, cera, ardósia (EUGÊNE CURTI-
FORRER, Com-. mentaire, 899), madeira, tela, barro, ouro, prata, platina e
xisto (A. ESCHER, Das Erbrecht, Kommcntar zum sehweizeriso heu
Zivilgesctzbueh, III, 87), ou qualquer outra, em que, com pena (ou
instrumento que faça, com os caracteres individuais, a letra), se possa
exprimir o que se quer. Fôlha, caderno, livro em branco, carta, diário
doméstico, ou livro de contas (A. ESCRER, III, 87). O que é imprescindível
é a seriedade do lançamento (WALTHER BRoCK, Das cigenhandige
Testament, 77). A substância com que se escreve pode ser tinta, lápis,
ardósia, óleos coloridos, crê, sangue. Mas é preciso que não se trate de
projeto, e sim de testamento que se ultimou (cf. A. Escnaa, III, 87; E‟.
RITGEN, Ejirgerliches Cesetzbueh, ¾ 439). No Aroh,iv flir Entscheidung
der obensten Cericl&t de J. A. SEUFFERT há referência a testamento,
escrito em lista de preço de vinhos, que se teve de declarar simples projeto
(1909, 102) mas podia, se sério e definitivo, valer. Se houve seriedade, se o
testador quis fazer o seu testamento, com o caráter de extraordinária
importância que têm as disposições de última vontade, toda prudência é
recomendável ao juiz. É grave ofensa à liberdade humana romper, por
simples consideração de forma, o testamento de quem, por extravagância ou
ignorância, se serviu de broncos expedientes. Inspirado em tal respeito da
dignidade humana e em esclarecida tolerância, vemos cumprir-se a cédula
de um leiteiro, que escreveu, com lápis, em papel sujo, o testamento, caso
de que falou ORELL FÚssLr.

Outrossim, o que escreve em páginas de livros impressos, com a Bíblia, o


calendário, no verso de uma pintura, de uma apólice de seguro, na tampa de
um cofre (P. Tuca, Das Erbrecht, Kommentar zum Sehweizerischert
Zivilgesetzbuch, 823)
2.FORMA DE CARTA. Nada obsta a que se dê ao testamento particular e
ao testamento cerrado a forma de carta ao herdeiro, ou legatário, ao
cônjuge, ao testamenteiro, ou a outrem (F. RITGEN, Biirgerliches
Gesetzbuch, V, 439; CARL CROME, System, V, 59). Assim na França
(ZACHARIAE-CROME, Handbuch, IV, 282), na Suíça, E.

TuOa, Das Erbrecht, Kommentar zum Schweizerischen Zivilgesetzbuch, III,


323; A. Es-CRER, Das Erbrecht, Kommentar zum Schweizerisohen
Zivilgesetzbuch, III, 87; EUGÉNE CIJETI-FORRER, Co>ninefltai‟re,
400), mas é preciso, para que se tenha a missiva como testamento, tratar-se
de definitivo escrito, e não de consulta ou de projeto. A distinção fica, como
as circunstâncias, à apreciação do juiz (E. STROHAL, Das deutsche
Erbreclvt, 1, 104; BAUDRY-LACANTINERIE, Traité, II, 47) . Pode ser
que constitua simples comunicação de intuito (E.

RITGEN, Ruirgerliches Cesetzbuch, V, 439; cp. A. IVEISCLER, Das


deutsehe Nachlctssverfahren, 158). Há, então, animus narrandi, e não o que
é de mister ao testamento, o animus testandi (E. Tina, 323) . Outrossim,
poderá ser simples aviso, ou ameaça.

3.LANÇAMENTO NÓ LIVRO DE NOTAS DO TABELIÃO. Lançado no


livro de notas do tabelião, o testamento público não pode ser estenografado,
nem escrito a máquina, e tem de obedecer à língua oficial do país.

Cerrado ou particular, pode ser empregado sistema inteligível e usual de


estenografia (E. RTTGEN, Ejirgerliches Gesetztrueh, V, 4~8) . A objeção
de não saberem a escrita estenográfica as testemunhas não tem, a êsse
respeito, nenhum valor: salvo se particular, pela analogia com o Código
Civil, art. 1.649; se testamento cerrado, somente assistem à entrega: não
ouvem (art. 1.638, IV). Assim, CEDRO FROMMHOLD (Das Erbrecht,
nota 2 ao §

2.231) e A. WEISSLER (Das deutsche Nachlassverfahren, 158) . Com a


consideração do uso restrito e ininteligível para todos, F. ENDEMANN,
Lehrbuch, II, § 87, 283) reputa imprópria a estenografia. Mas esquece-lhe
que se permite o testamento em línguas estrangeiras, quiçá exóticas, de
caracteres próprios, não menos restritas e de difícil decifração. Num e
noutro caso, o papel do intérprete é o mesmo. A estenografia tem outros
inimigos (W. BROCK, Daseigenhtindige Testament, 76; IR. DERNBURC,
Das bi&gerliche Recht, V, 72, menos rígido o primeiro). TH.
ENGELMANN, na 3a edição de II. DERNEURO, refusa a opinião do
jurista, e segue a de quase todos, inclusive o que está em julgados. Quanto à
máquina de escrever, o caso é bem diferente: não é a mão do testador que
escreve, é a máquina; outra mão, que batesse no teclado, conseguiria o
mesmo. O testamento cerrado tem de ser escrito pela mão do testador, ou
pela de outrem, quando não saiba, ou não possa escrever (Código Civil, art.
1.681K 1, IIJ e X). Com maioria de razão, o testamento particular, que é
hológrafo. Por isso mesmo, também não podem ser emnrerados sinêtes,
carimbos, ou tipos de borracha, ou quaisquer outros meios mecânicos de
escrita. Bem assim, o exemplar impresso de um testamento escrito pelo
testador, que serviu de original à tipografia, porém não foi exibido em juízo
ao tempo da morte

(E.RITGEN, Iiirgerliches Gesetzbuch, 438). Pergunta-se: se há exemplar


impresso e foi criminosamente ou por acidente destruído o original, <,como
se há de receber? Não é aqui o lugar da questão. Entra no caso geral de
destruição acidental ou criminosa.

4.ESCRITA DO TESTAMENTO. A regra é escrever-se com a mão. Mas ao


escrito particular basta ter sido “feito e assinado” (Código Civil, art. 135) ;
ao testamento público, só “assinado” (art. 1.632, IV); ao cerrado, só
“escrito” e “assinado” (art. 1.638, 1, II) ; ao particular, só “escrito e
assinado” (artigo 1.645, 1). Não se fala em mão, nem em próprio punho.

O Código Civil alemão e o Código Civil suíço usam a expressão adjectiva


eigenhdndig, que, pela formação, vale o nosso “de próprio punho”. Mas, lá,
e a despeito disso, não se dá tão restrito significado à palavra. O que é
preciso é que a escrita e a assinatura sejam atividade gráfica do próprio
testador (F. RITCEN, Biirgerliches Gesetzbuch, 438)

. Portanto, existe e vale:


se, para escrever, o testador empregou caneta especial, em dedeira, em que
enfiou um dedo; ou se escreveu com os pés, ou com a bôca. A exigência é
dermográfica. Outrossim, se os movimentos da mão são insuficientes, vale
a escrita feita pelo próprio testador com o auxílio de quem lhe segure o
braço (A. WEISSLER, Das deutsche Nachlassverfakren, 158; W. BROCK,
Das eigenhlíndige Testament, 90, s.), desde que o determinador seja o seu
mover e a escrita se mantenha característica. Não assim, se o testador passar
a ser mero instrumento, e o outro

“escrever”, com a mão do testador (E. RITGEN, V, 488) ; ou se fôr usado


pepal decalco, ou outro expediente, que desindividualize o testamento.
Testar é função personalissin‟.a. Se no testamento hológrafo outra mão
intervém e se mostra haver colaborado, o problema é mais sutil. Na França,
o auxílio material, vulgar nos paralíticos e nos quase-cegos, ora é aceito, ora
não. No fundo, a verdadeira jurisprudência é a seguinte: oart. 970 do
Código Civil francês estatul que o testamento particular há de ser escrito
pelo testador, mas isso com o fim da autenticidade. Assinatura e escrita
provam a proveniência. Se a participação não exclui a reconhecibilidade da
letra e da firma, vale a cédula. Foi o testador quem escreveu. A
reconhecibili dade é pressuposto necessário e suficiente. Vai-se mais longe:

otestamento hológrafo, copiado, pelo testador, de algum modêlo, que lhe


forneceram, não deixa, por isso, de valer (Lion,. 28 de março de 1904) .
“Nous pensons donc”, diz, a respeito, R. SAX~ATIER (Testament
olographe écrit avec le concours d‟une main étrangêre, Révue trimentrielte
de Droit civil, 22, 811) “que M. PLANIOL est victime d‟une confusion
quand il écrit que l‟aide matérielle apportée au de cujus vicie ou non le
testament, suivant que le testament est ou nou lkEuvre spontanée et réflé
chie du testateur”. Não, há duas questões: a colaboração material tem
limite, que a reconhecibilidade traça; a colaboração espiritual, essa,
depende do grau de atuação se exprime a vontade do testador, ainda
formulada por outrem, entra no mundo jurídico, mas deixa de valer se
anulável por dolo, simulação, coação ou êrro.

5. TESTAMENTO EM DOIS OU MAIS EXEMPLARES. Para maior


segurança, pode o testador fazer dois ou mais exemplares do testamento.
Nada Ibo obsta. Podem ocorrer diferenças, e, ai, servem de elementos
interpretativos, um ao outro ou aos outros. Somente há revogação de outro
ou de outros da mesma data se por outro meio, ou pelo próprio contexto, se
conhece a vontade do testador, ou não tinha o primeiro à mão quando fêz o
segundo, e só por isso não o rompeu (E. RITGEN, BiLrgerlichCS
Gesetzbuoh, V, 439, b).

6.LINGUA ESTRANGEIRA público redige-se em língua ou artificial. O


testamento nacional: o Código Civil brasi

leiro não admite intérpretes. O testamento cerrado e o particuJas, conforme


se exporá, podem ser em língua estrangeira, viva, morta, ou artificial. Não é
nulidade empregar-se mais de uma língua, desde que se trate, realmente, de
um testamento. Redigido numa, vale a disposição que se redigiu em outra.

Quanto aos testamentos que podem ser escritos pelo testador (o cerrado e o
particular), é livre redigi-los eta língua estrangeira, ou, até, artificial, e os
caracteres (mas precisa, se particular o testamento, de ser entendido pelas
testemunhas, arg. ao art. 1.649) podem ser os da língua em que redigiu as
disposições, ou de outra origem. Não é nulidade grafar-se com caracteres
russos, hebraicos, gregos, o que se concebeu em alemão, francês, espanhol
ou português (E. RITGEN, Burgerlicites Gesetzlnwh, ~V, 488), desde que
foi sério o ato de fazer o testamento. Há circunstâncias que podem
aconselhar ao testador tal expediente dissimulador. Como poderiam indicar
a um Brasileiro, que soubesse grego, russo ou árabe, redigi-lo numa dessas
línguas. A exigência de ser o testamento paíticular escrito, todo, pelo
testador, não implica que só empregue uma língua. Pode empregar mais de
uma, ou uma, e mais de um alfabeto. Em testamento redigido em língua
nacional, vale, por exemplo, disposição ou a parte da disposição que se
grafe com caracteres exóticos.

Pode ocorrer que o testador seja culto, possa ler, porém não possa
compreender perfeitamente a língua. Exemplos: se testa, por testamento
público, necessàriamente em língua nacional, e não a entende bem; se testa,
por testamento cerrado, ou particular, preferindo a língua do lugar, que mal
sabe. Ê preciso que entenda a língua a ponto de saber o que dispôe e poder
exprimir-se (insustentável, a respeito, a opiniso de 11. JASTROW,
Forntu.larbuch und Notariatsi‟etht, 1, 176) . O Código Civil que admite o
testamento cerrado em língua estrangeira, escrito pelo testador, ou a rôgo
(arts. 1.638, 1, e 1.640), desde que testador e redator conheçam a língua em
que se redige, ou particular, hológraf o, se as testemunhas a compreendem
não admite que intérpretes intervenham no testamento público: “as
declarações do testador serão feitas na língua nacional” (ad. 1.632,
parágrafo único) . De modo que o estran geiro, que não sabe escrever, ou
não pode escrever, e não Cunheça a língua do Brasil, para ditar as suas
declarações de última vontade, somente pode usar o testamento cerrado,
procurando, para isso, pessoa que o escute e redija, escrevendo, a seu rôgo,
o que ditar. Não é preciso que as testemunhas saibam a língua em que se
escreve o testamento; porque, nessa espécie, só assistem à entrega ao oficial
e basta ao testador saber dizer ao oficial claramente, que aqueles é o seu
testamento e quer que o aprove. ~ Tem de ser lido ao testador o auto de
aprovação (art. 1.638, IX), traduzindo-o, como intérprete, para que o
declarante entenda, a pessoa que o escreveu a rôgo e, talvez, o assine, se o
testador não souber ou não puder assinar? Volveremos a isso. Se o
estrangeiro não sabe ler, nem fala a língua do Brasil, a situação é assaz
embaraçosa. Não pode testar por instrumento público: não pode prestar as
declarações em língua nacional (art. 1.632) ; não pode fazer por testamento
cerrado: não sabe ler (art. 1.641) ; nem por testamento particular: não se
admite que outrem o escreva (art. 1.645, 1). Tal estrangeiro recorre ao
consulado do seu país. Cf. Tomo LVII.

§ 5.851. Data e lugar dos testamentos

1.PRESSUPOSTOS 1W REFERÊNCIA Á DATA E AO LUGAR. Os


testamentos têm de ter data e lugar. Há atos jurídicos inter vivos que
também o exigem, e nem por isso são sempre nulos. Porque a indicação não
influi, ordinâriamente, de modo essencial, no conteúdo do negócio jurídico.
Deve ocorrer o mesmo com os testamentos. t Que importância essencial
tem saber-se qual o lugar e o dia em que o testador~ dispôs sôbre os seus
bens os que até lá tiver para depois da morte? A data é de mister, já o
dissemos; a falta, junta a outras circunstâncias, pode induzir falsidade,
falsificação, nulidade, porém só por si não inutiliza o testamento. A lei fêz
bem em não lhe reconhecer essencialidade; e, quando, a propósito de
obrigações convencionais (Código Civil, art. 135), não o exigiu, foi porque
atendeu a muitos casos de tais obrigações em que é uso, ou pode ocorrer,
não se porem a data e o lugar. As sentenças alemãs, que se citam, e nas
quais se declararam nulos, por falta de data exata, os testamentos,
fundaram-se, erradamente, ~ m direito francês, proceder assaz absurdo, por
ser de um Código Civil posterior, que se considerava de forte dose
científica, e não como compilação de leis antigas (E. HÓLDER, Das Datum
des eigenhãndigen Testaments, Jherings Jahrbucher flir die. Dogmattk, 50,
277 s.; ELiicn DANZ, Die Auslegung der Rech,tsgeschíif te 1, 108 s.).
Enfim: é um dos requisitos dos testamentos particulares e cerrados a
declaração do lugar em que foi feito; porém não é essencial: nos
testamentos cerrados, a data e o lugar serão os da aprovação (arts. 1.638,
VI-IX, e 1.643), porque essa é auto do oficial público e, quanto ao
lançamento no livro, o Código Civil exige que o oficial lance lugar, dia,
mês e ano em que foi aprovado e entregue, circunstâncias que podem ser
diferentes; nos particulares, há de se querer que haja, no texto, a data, mas a
lei não o exigiu expressamente. Certa vez, na Alemanha, se decidiu que era
nulo um testamento hológrafo, em que o testador não cogitara do lugar em
que escrevera. Mas as críticas ao julgado foram fortes: se prevalecesse tal
doutrina, não seria possível redigir-se testamento em trem, ou em lugar das
montanhas, ou dos sertões, onde estivesse perdido o testador. Por outro
lado, há muitas vilas e cidades com o mesmo nome, e teria de ser nulo o
testamento em que se não declarasse ô Município ou Estado a que
pertencia. Demais, o sentido das palavras não resulta só da letra do
documento, porém das circunstâncias que cercaram a declaração de
vontade. Restam os testamentos públicos, aos quais a lei exige a data. Mas
o lapso pode ser do oficial dos testamentos, pelo hábito, que todos têm, de
receber os escritos ou minutas particulares e lançá-los, depois, ao livro, e lê-
los na ocasião da assinatura, procedendo, quando preciso, às corrigendas.
Deixou em branco a data do mês ou o próprio mês; talvez, estando em fins
de dezembro, o próprio ano. Seria nulo, só por si, e sem outras
circunstâncias, o testamento. Seguramente não. Quanto ao lugar, se, no
texto, se alude à vivenda do testador, ou à casa da rua tal, sem se dizer o
número, entende-se que foi na casa que as circunstâncias explicam (ERICH
DANZ, file Auslegung de?- ReehtsgesehÉif te, § 31, 7) . O mesmo
raciocínio há de ser feito quanto ao testamento particular. Entende-se inserta
a data, se há a designação “data como acima”, e, antes, figura uma data (H.
F‟uTzsdnE, Zei Jahre Zivilgesetzbueh, 78, P. Tuoa, Das Erbrecht,
Kommentar zum Schweizerisehen Zivilgesetzbuch, 327) -

2.MOMENTO EM QUE SE FÊZ O TESTAMENTO. E de importância o


momento em que o testador fêz o testamento. Certo, tratando-se de negócio
jurídico de última vontade, pode ter sido escrito e assinado quando o
entendeu o declarante, talvez em datas ou momentos diferentes. Mas há
circunstâncias que fazem do dia e da hora, em que se assinou, a existência
ou a validade da própria cédula. Affida assim, por exceção, ocasionalmente.
Tem-se de atender à data e, até, ao momento: a) para se verificar a
capacidade do testador ao tempo de testar; a) a fim de se saber, em matéria
de direito intertemporal, qual a lei que há de reger a cédula; e) no caso de
haver mais de um testamento, a fim de se decidir da existência, da validade
ou das revogações parciais ou totais; d) para se conferir a capacidade das
testemunhas testamentúrias (e.g., se já eram maiores de dezesseis anos, se
estavam s~s de espírito, se não eram surdos-mudos ou cegos, se estava
casada com o testador, Código Civil, art. 1.651) ; e) para interpretação do
testamento, ou so1ução sôbre a caducidade dos legados (exemplo: art.
1.708, 1); f) para se apontar a causa de rutura do testamento (artigos 1.750 e
1.751) ; g) por ser o momento para se saber se a pessoa, que, a rôgo,
escreveu o testamento, era cônjuge do herdeiro, ou do legatário, su
ascendente, ou descendel3te ou irmão do herdeiro ou do legatário, ou se
concubina do testador casado, ou amante da testadora casada, o herdeiro ou
legatário (art. 1.719, 1 e III) F. ENDEMANN, que mencionou tais situações
(III, 289), somente se referiu às das espécies aj, e) e e). Se não intervém
qualquer questão ligada à data, seria absurdo‟ pôr-se fora do mundo
jurídico o testamento, máxime no Brasil, onde a data não é requisito
essencial mencionado, quanto ao próprio testamento particular, pelo Código
Civil, art. 1.645. A data, que consta do testamento, presume-se verdadeira.
Mas pode-se fazer a prova em contrário (1‟. TUOR, Das Erbrecht,
Kornmentar zum Sehweizerischen Zivilgesetzbuoh, 327) 3.EVENTUAL
VANTAGEM DA DESIGNAÇÃO PRECISA DO LUGAR.
Tem importância o lugar em que se fêz para se saber, e.g., qual o direito que
rege o ato, ou quando alguma disposição se refere a pobres do lugar em que
se testou, a sociedades locais, ou contém semelhantes alusões. Se há dúvida
quanto ao dimito que rege a cédula, tem-se de apurar onde se fêz. Ainda
assim, nada importa se os sistemas jurídicos que se crêem, cada um com
exclusão dos outros, aplicáveis, não discordam quanto à validade da forma.

Aliás, nesse assunto, prâticamente, interv~rn circunstâncias que podem ser


decisivas, como a permanência do testador no mesmo país (o que tira
qualquer valor ao lugar da feitura), a notoriedade ou prova suficiente da
estada do testador em determinado lugar durante o tempo em que poderia
ter sido feito o testamento.

4.EXPRESSÀO DA DATA. Pode a data ser expressa em qualquer dos


modos inteligíveis, a fortiori se usado pelo testador ou pelo grupo em que
vivia. Assim, tem-se de atender àdata vulgar, digamos oficial, com o dia,
mês e ano; a feita em algarismos, romrnãos ou arábicos, ou da língua do
testador; em forma de fração; as abreviações decimais dos anos (30 em vez
de 1930 ou XXX), como frisa II. WILKE (Erbrecht, nota 4 d ao § 2.231) ;
em qualquer outro calendário, exemplos “Paimarum”, “Pentecostes”, “São
João”, principalmente, pelos positivistas, no Brasil, o calendário de Augusto
Comte; as fixações a partir de determinados fatos, 90 anos após a
República, 50.0 ano de vigência do Código Civil (F. RITGEN, Búrgerliches
Gcsetzbuch, 489), no dia do meu sexagesimo aniversário (GEORG
FROMMHOLD, Erbreokt, 2 b; E. RÔLDER, Das Datum des
eigenhãndigen Testaments, Jlzerings Jcthrbiicher flir die Dúgmatik, 50,
808), no dia do nascimento do meu filho Antônio, cinquenta dias depois da
debandada das fôrças comandadas pelo general IX. É possível, portanto,
datar indiretamente, aludindo-se a fato anterior, cuja data o testador conhece
(o caso do aniversário), ou não conhece, tendo apenas contado os dias após
algum, que lhe lembra, porém infixável pelo calendário, O último caso é
vulgar nas guerras: perde-se o fio dos dias. Não se usa exprimir em letras os
números (FRANZ LEONHÂItD, Erb‟recht, 881) Mas, se as circunstâncias
mostram que o testador empregava tal expediente, tem-se de atender, pois
que é (na espécie, como em geral) mais seguro.
Pode vir no comêço, no fim e também no texto das declarações (W.
BROCK, Das cigenhàndige Testarnent, 86 s.).

Assim no Brasil, como alhures. Tratando-se de testamento público ou


cerrado, a data escrita pelo oficial terá de obedecer à lei do Estado a que
pertence. Mas seria sacrificar-se o fundo à forma, por mera troca de lugar,
admitir-se que se ferisse, em sua validade, o testamento. Nunca nos deve
esquecer o caráter instrumental que tem o tabeliâo. Aliás, declarado nulo,
responde êsse.

Muitas vézes surgem testamentos particulares dentro de sobrecartas,


cosidos, ou lacrados, e datados por fora. Se dentro não há outra data, tem-se
de considerar a do testamento, salvo prova em contrário.

§ 5.852. Assinaturas dos testadores

1.ESPÉCIE DE TESTAMENTO E ASSINATURA DO TESTADOR. .

Seja de próprio punho a assinatura no testamento particular, onde é


requisito essencial (Código Civil, art. 1.645, 1), seja no testamento cerrado,
ou no público, a rôgo do testador (artigos 1.633, 1.638, III eX, 1.689 e
1.640), a assinatura é como o sinal revelador e comprovante do ato de
testar, personalissimo, como é. Mas as questões surgem.

Os testamentos precisam ser assinados com o nome inteiro? Não. Aqui cabe
atender às circunstâncias. Entende E.

STROHAL (Das deutscke Erbreckt, 107) que não basta, por exemplo,
dizer: “vosso pai”. Mas, discute ERJCH

DANZ (Die .4usfrgung der Reektsgeschaf te, 241, nota 1), se, no
testamento, estâo, com a letra do pai, os nomes dos filhos, ~ é
absolutamente preciso que esteja o do pai? Se A escreve carta a filhos,,
dizendo: “Não há inconveniente que eu seja fiador do empréstimo que
pretendes de X. Entrega-lhe esta carta e êle te emprestará o dinheiro que
desejas. Teu pgi”. Há ou não fiança? Sustenta que sim e invoca os §§ 766 e
126 do Código Civil alemão. TAnos visto rubricas quase ilegíveis e apostas
a do. cumentos de milhares de cruzeiros novos. ~ Deixam por isso da
existir? O critério há de ser o das necessidades e verdade dos fatos, o
critério da vida. Existe, portanto, a assinatura, ainda. abreviada, que, por si,
ou com o auxílio do conteúdo da cédula, identifique o testador. Exemplos:
Joâo do Rio (pseudônimo), Pedro (Pedro II), ou só P., Freitas (Teixeira de
Freitas), Abaeté (Visconde de). “Eu, Antônio, dono da fazenda B, lego aos
meus filhos José, Joaquim, Inácio, Maria. (assinado) Antônio”. Quanto às
abreviações reduzem nomes a letras iniciais, lê-se em F. RITGEN
(Ehirgerliches Gesetzbuch, V, 439),.não bastam.

Mas cumpre ter-se sempre em vista que a assinatura visa a individualizar, e


a abreviação pode não prejudicar tal função do nome escrito. Portanto,
sôbre simplista, deve ter-se por inaceitável a so1ução.

As abreviações valem até onde não desfazem o papel mdividualizador da


subscrição. A firma (comercial) não deve bastar, porque só se emprega para
o comércio (F. RITGEN, Elirgerliches Gesetzbuolz, V, 439) Contra isso
escreveu A. WEISSLER (Das deutsohe Nacltlassverfa.kren, 158). Mas
HEINRICH WJLKE (Erbrecht, nota 4 b ao

§ 2.281) prudentemente deixou à apreciação cio juiz. Procedendo à melhor


análise, digamo s: se a firma (nome individual de comércio) corresponde a
parte do nome, de que o testador passou, há tempos, a usar de modo
exclusivo, ou individualiza suficiente e indubitàvelmente o signatário, deve
o juiz considerá-la bastante. Outro fim não tem a assinatura do testador, que
o individualizá-lo. Há muitos outros casos.

2.CARACTERES DA ESCRITA. O testador pode escolher os caracteres da


sua escrita. Não é de mister que os da assinatura sejam os mesmos usados
na redação do testamedo. Pessoa que usasse os caracteres gregos, russos,
hebraicos, góticos, na grafia do nome, poderia, com éles, assinar o que
noutra escrita, ou r.a mesma, testou.

8.ILEGIBILIDADE. Nào é de some os importância o caso da ilegibilidade.


Pode tratar-se da assinatura do testador, simples garatuja. No direito comum
alemão (L. VON RÓNNE, Ehgãnzung und Erlãuterung des Allgemeinen
Landreehts, 1, nota 8a ao § 116 do Preussisches Aligemeines Landrecht),
tinha-se por ineficaz a em que se não pudesse ver um irmão: gatafunhos não
são nomes. Mas isso era bem relativo (C. F. „.7ROCH, Aliegerneines
Landrecht, ao § 116) uma coisa legivel , e outra incompreensível. Se os
traços da firma correspondem, cosidos uns aos outros, às letras do jiorne, de
modo que o figurem, o chamado ilegivel pode bastar (II. DERNBURG, Das
búrgerliche Reoht, 1, 401) Também pouco importam erros de escrita,
comida habitual de letras, geminação mecânica, u e n, m e w ou iii, escritos
indistintamente. Há favor scripturae, que se impõe (EUGEN JOSEF,
Unleserliche und undeutliche Unterschriften, )iJeutsche Juristen-Zeitung,
VIII, 271). Se o testador escreveu o testamento, e se prova usar assinatura
difícil, abreviada, simplificada até à extravagância, a sua letra, no texto,
favorece a solução. Compreende-se que a alguns não pareça deva prejudicar
o testamento hológrafo a ilegibilidade da assinatura. Assim, MICHEL (Die
Rechtsunwirksamkeits unleserlicher Namensunterschriften, Deutsohe
Juristenzeitung, VIII, 141).

Mas assinatura e sinal, ou assinatura de cruz, não são a mesma coisa.


Quando a lei diz “assinado”, quer dizer subscrito com o nome. Errado,
deformado pela presteza com que se faz a letra trêmula ou fugitiva, quiçá
extraordinàriamente corrida; mas nome. Coisas que simbolizem o nome,
assinaturas de cruz, a lei não quer, e se é nome, ou se é símbolo dele,
decidem as circunstâncias. Má letra não é o mesmo que traços a que nunca
se atribuiu serem letras, mas algo em vez de letras.

§ 5.853. Disposiçôes sôbre quantidades (inteiros, frações)

1. LETRAS E ALGARISMOS. Quantias e quotas podem ser em


algarismos. Não é de mister o emprêgo de palavras em letras (FRANZ
LEONHÂmo, Erôrechi dos BGR., 381; A. ESCIJER, Das Erbrecht,
Kommentar zum sekweizerisehen Zivilgesetztuck, 88)

2.INDICAÇÕES DEPENDENTES DE AVALIAÇÀO OU DE RENDA.

O testamento pode sujeitar à avaliação do bem, ou dos bens, o quanto que


há de corresponder à herança, ou ao legado.
Outrossim, ao preço que se adquira com a alienação. Não é óbice à
determinação fazer o testador dependente de saber qual oquanto aquilo que
êle deixa ao herdeiro ou ao legatário (e.g., se os edifícios fórem avaliados
em tanto, deixo a A o edifício a, a 13 o edifício b; ae em menos, deixo a A e
E, o edifício a).

§ 5.854. Extravio e destruição dos testamentos

1.TESTAMENTO E REQUISITOS. São caracteres essencialmente


constitutivos dos testamentos (não exclusivos, porque há outros atos que os
exigem) a personalidade, a revogabilidade e a solenidade. Em conjunto,
nenhum ato jurídico apresenta tão nítidos e necessários os três caracteres.
Que êle é meramente pessoal deriva do seu conceito e do Código Civil,
artigo 1.626. Do mesmo princípio resulta a livre revogabilidade que o
caracteriza: revogável é o mandato, mas pôde ser irrevogável; a
revogabilidade do testamento é inderrogável. Que é solene e quais as
solenidades, dizem-nos os arts 1.629-1.663. Foi reportando-se ao requisito
de solenidade que a definição de M. A.

COELHO DA ROCHA (Instititições de Direito Civil português, § 673)


atendeu ao caráter de ato solene. As solenidades testamentárias são, pois, ad
solennitatem, e não ad probationem: a falta é insuprível. Dai o problema
que surge, se um testamento fôr destruído ou extraviado.

2.TESTAMENTO E REVOGAÇAO, NO DIREITO ROMANO. No Direito


Romano, morto o testador, sem ter revogado o testamento, subsistia êsse,
ainda quando tivessem sido despedaçadas as tábuas. Tal o direito civil. Mas,
se continuava a valer inre czvili, não ocorria o mesmo jure praetorio:
completamente destruidas, deliberadameilte pelo testador, ou contra a sua
vontade, não concedia o Pretor aos herdeiros inscritos a bonorurt possessia
(L. 1, D., quando dies legatorum vel fideicommissorum oedat, 37, 2) .
Operada, consulto, a destruição, dava-se a exceptia doU a quem obteve, ab
intest ato, a bartorum possessio. contra o herdeiro testamentário, que
pretendesse, jure civiti, a herança. Quanto aos legados, se a destruição foi
voluntária, negavam-se as ações aos próprios legatários (L.
1, § 3, D., de lãs quae in testamento delent‟ur inducuntur vel inscribuntur,
28, 4) 3.Exm.AvIO E DESTRUIÇÃO Do TESTAMENTO NO DIREITO
CONTEMPORÂNEO. No século XVII, discutiu-se na França a questão da
prova testemunhal para reconstituir testamento hológraf o que se extraviara.
O

Parlamento de Paris, a 23 de junho de 1650, admitiu a prova. Ainda hoje se


decide que, sendo certo ter existido e fortuitamente ter sido destruido o
testamento, podem ser provadas por testemunhas as disposições de última
vontade. Com isso não se infirma a lei da exigência da escrita na feitura dos
testamentos (Grenoble, 6 de agôsto de 1901). Se o testamento foi desfeito
por terceiro, houve delito na supressão e pode ser condenado a perdas e
danos o responsável (Cassação, 11 de junho de 1882) . Destruído, presume-
se-lhe a regularidade formal (8 de dezembro de 1902). No direita italiano,
havia quatro opiniões diferentes: a que negava, de modo absoluto, a
admissibilidade da prova; outra, que só a aceitava se houvesse culpa
(violência, dolo) e, no caso fortuito ou de fôrça maior, se o herdeiro ou
legatário não deu causa ocasional à perda (CESARE LOSANA, Successioni
testam entarie, nota ao art.

804) ; sem a última distinção, G. BTJNrVA (Delie Succes sioni legiltime e


testamentarie, 104), E. RICCI (Corso teoricopratico di Dirítto civite, III, n.
24) ; outros só admitem a exceção da admissibilidade se houve propósito do
herdeiro ou legatário, por entender~se renunciada a sucessão (V. VITALI,
Delia Suecessioni testamentarie e legiltirne, 1, n. 217) . Hoje, a regra é
permitir-se a reconstituição, e à crítica de se tratar de escrita ad essentzam, e
não ad probatianem, responde-se que outros atos há, de igual natureza, com
os registos civis, que também se reconstituem. Ia-se além, citava-se a Lei
italiana de 2.0 de julho de 1919, que regulava a recomposição de atos e
repertórios notariais nos territórios ocupados por inimigos ou danificados
por operações de guerra (VínoRio POLACCO, Delie Suecessionz, 171) . A
prova, inclusive presunções, no caso de supressão delituosa, recai sôbre o
intrínseco e o extrínseco. No direito alemão, também se admite a
reconstituição do testamento destruído ou extraviado por acaso, ou Por
culpa de terceiro (E. ENDEMANN Lehrbuch, III, 294). A respeito, diz o
art. 510, alínea ,a, do Código Civil suíço: “
2
Wird die Irkunde durch Zufaíl oder aus Verschulden Anderer vernichtet, se
verliert die Verfúgung unter Vorbehalt der Ansprtiche auf Schadenersatz
gleichfalls ihre Gúltigkeit, insofern ihr Inhalt nicht genau und vollstãngid
festgestellt werden kann”. Na edicão francesa: “Lorsque l‟acte est supprimé
par cas fortuit ou par la faute d‟un tiers et qu‟il n‟est pas possiMe d‟en
rétablir exactement ni intêgralement le contenu, le testament cesse d‟être
valable; tous dommagesontéres demeurent réservés”. A. EsCRER (D

as Erbrecht,

K.ommentar zum schweizerisci:en Zivil,qesetzbuch, III, 96, 97) figurou


vários casos de terceiro culpado. e de acasos. A destruição é qualquer:
laceração, rompimento, fogo, lançamento na água corrente. Mas o simples
fato de atirar longe não basta para a revogação perfeita. Se contra a. vontade
do testador foi isso (e só se pode presumir a de conservar), é de tentar-se a
reconstituição. Assim, se virou a. lâmpada e se queimou o testamento,
morrendo em seguida o testador, ou se, perto da morte, ao queimar papéis,
inadvertidamente queimou a cédula testamentária (cf.

EUGÊNE CURTI -FORRER, Commentaire, 404).

4.DIREITO CIVIL BRASILEIRO. O Código Civil nada diz sôbre a


reconstituição das cédulas, O art. .1.749 toca, de longe, o assunto. Aliás,
omite êle, a respeito de outros atos, a chamada prova equivalente (cf. art.
180, V, diferente do art. 80, 1). Mas seria absurdo levar a conseqúências
extremas o conceito de forma ad essentiam. Ações anulam escrituras, ~,por
que excluir-se a possibilidade de, por elas, se obter a ressurreição do ato que
o caso fortuito ou a fôrça maior ou o crime de outrem materialmente
destruiu? Seria gravíssimo para a ordem pública e estariam feridos de morte
atos como os pactos ante-nupciais, as adoções, os contratos constitutivos ou
transíativos de direitos reais acima de determinado valor (art. 134) e os
assentos de óbitos e de casamento (art. 195). Queimado o cartório, perdida a
certidão, ~. que se havia de fazer? A solução brasileira tem de ser no
sentido do que poderíamos chamar o direito comum dos povos. Com as
duas guerras mundiais e as conseqúêntes invasões, evidenciou-se a
importância do problema jurídico da destruição e do extravio dos
testamentos.

Não mais se teve dúvida sôbre a reconstituição por meio de testemunhas e


presunções. Elemento probante de valor foi, particularmente, o depoimento
do notário perante quem se fizera, ou, até, em cujas mãos se depositara o
testamento hológraf o. Na França, invocou-se o Código Civil francês, art.
1.348, 4,0, que permite reconstituir-se o instrumento: “Au cas oh lo
créancier a perdu le titre qui lui servait de preuve littérale, par suite d‟un
cas fortuit, imprévu et résultant d‟une force majeure”. Aplicação forçada,
porque: a> Admitido que se tratassem, sob 4-

omesmo princípio, testamentos e atos enLre vivos, seria tornar-se possível a


reconstituição de cédula extraviada ou destruída, em vida do testador, o que
importaria conseqtiências absurdas. (Escrito testamentário não é probatório,
mas constitutivo de direito.) b) O art. 1.348, 4,0, somente poderia ser
invocado se o interessado provasse a destruição por determinado caso
fortuito ou de fôrça maior. Ora, se, no momento da morte, existia o
testamento, ou se o testador não revogou o que fêz e morreu nessa crença,
deve subsistir o testamento, qualquer que seja a causa de desaparição ou de
aniquilamento:

a exigência da prova de caso fortuito ou de fôrça maior ofenderia os direitos


dos herdeiros e legatários. No direito francês, portanto, erra a jurisprudência
(Chambre de Requête, 12 de junho de 1882 e 15 de novembro de 1926) em
aplicar aos testamentos os arts. 1.341 e seguintes do Código Civil francês
(E. SAVATIER, Possibilité de réconstituer un testament détruit et de la
rendre efficace, Révvc trimestrielie de Droit Civil, 26, 241) . O que se quis
foi chegar a consequências práticas, prover a necessidade de reconstituir os
atos. Mas, então, ~por que a hipocrisia de critério legal concernente a atos
de tão diversa natureza? A verdade está noutro ponto: a rúconstituibilidade
é princípio geral de direito, que não vem formulado nos Códigos Civis e ao
qual o Código Civil suíço dedicou criteriosa alínea (art. 510, alínea 2~a)
Testamento extraviado, ou destruído, em vida do testador, somente pode ser
reconstituido se fica provado que o testador ignorava o extravio ou a
destruição, e cria, ao tempo da morte, deixar testamento. Ou se, ao tempo
de saber, estava louco. Reconstituido o testamento, os interessados têm a
ação de petição de herança, e não só a de ressarcimento do dano contra o
autor do extravio ou da destruicão.

5.CASOS SIMILARES DE ATINGIMENTO MATERIAL. F.


ENDEMANN (Lehrbueh, III, 294)2 figurou interessante caso que toca à
revogação e à destruição ou ao extravio. O testador entregou ao advogado
ou testamenteiro o testamento. Perto da morte, chama-o, ou vai procurá-lo,
e ordena-lhe que o rasgue. Quiçá êle mesmo o rompa. Mas anda doente o
testador e desconfia-se da sua sanidade mental. Então, em vida, pelos que
podem pedir interdição, ou, depois de morte, pelos interessados, promove-
se a decisão preliminar sôbre tal capacidade. Se fica resolvida a questão no
sentido negativo da testamentificação ao tempo da ordem de romper ou de
destruir, a destruição é como se não tivesse ocorrido. Dar-se-á o processo
para reconstituir a cédula. Isso, que se diz sôbre a completa destruição ou
extravio, também se há de aplicar para as destruições parciais.

A.ESOHER (Das Erbreeht, Kommentar zum schweizerischen


Zivilgesetzbuch, II, 97) por sua vez imaginou o seguinte: o testador,
ouvindo algum rábula, algum Rechtskundiger, algum juriscorisulte marron,
pensa que não usou forma adequada e rompe o testamento, que, não
obstante, existia e era eficaz. O jurista suíço considera caso fortuito, do que
discorda EUGÊNE CURTI-FoRam (Commentaire, 404).

6.PROVA DA ACIDENTALIDADE „OU ATO DE OUTREM. O Onus da


prova compete, em regra, a quem pede a reconstituição. Se uma coisa se há
de presumir é que foi o testador que deu fim ao testamento. ~ lição geral do
direito: no francês (BATiDRY-LACANTINERIE et COLIN, Traité
théorique et pratique de droit civil. Des donations Entre vil a et des
testaments, II, 386; K. 8. ZACHAIIIAE-LINGENTHAL, CARL CROME,
Ifandbuch des franzõsischen Rechís, IV, 490) ; no direito austríaco, W.
BROCR (Das eigenhdndige Testament, 106), no direito suíço, A. ESCHER
(Das Erbrecht, I<ommentar zuni schweizerischen Zivilge~ setzbueh, III, 97)
e no alemão, F. ENDEMANN (Lehrbuch. des Biirgerlichen Rechts, III,
294). Mas ~se o testamento se achava em mão d‟e outrem? Não poderia ser
a mesma a presunção (L. PFAFP u. E. HOFMANN, Kommentar, II, nota ao
§ 722): só se há de presumir que não foi o testador que o destruiu. Por isso
mesmo, havendo nota do testador, nos seus papéis, de que se acha em lugar
certo o testamento, em poder de outrem, tem de admitir-se a ação de
reconstituição, que nada tem que ver com a de ressarcimento pelos danos. A
presunção de estar revogado o testamento destruido ou dilacerado pelo
testador resulta: no Código Civil alemão, do § 2.255, alínea

2 a; no

brasileiro, do art. 1.749, defeituosamente redigido como restrito ao


testamento cerrado; no direito suíço, que não tem presunção expressa em
lei, das regras gerais sôbre prova (P. TuoR, Kominentar, III, 343)
7.MULTIPLICIDADE DE EXEMPLARES. Se forem muitos os
exemplares, hológrafos ou cerrados, é de mister, se todos têm a mesma
significação intrínseca e extrínseca, ou que todos sejam destruidos, para que
se presuma a revogação (A. ESCRER, Das Erbrecht, Kommentar zum
schweizerischen Zivilgesetzbueh, III, 97), ou a de um, com declaração de
ser com intuito revocatório. Mas, em vez de se reputar indispensável a
destruição de todos, como entendem EUGEN ITUBER e A. ESCHER, mais
certo é tê-lo como regra, sem excluir apreciação das circunstâncias, como P.
Tuoa (Kommentar, III, 509)

8.POSSIBILIDADE JURÍDICA E POSSIBILIDADE MATERIAL DE


REOONSTITUIÇXtJ. rode ocorrer que as circunstâncias permitam que se
reconstitua o ato testamentário, porém não haja dados suficientes para a
recomposição das verbas que existiam. Daí duas questões: a) Se algumas
disposições podem ser relembradas, e outras não, ~ observar-se-á o
testamento nas sós partes reconstituiveis? b) Se do testamento só se sabe
quais os beneficiados, sem se saber em quanto ou em quais frações, ~ como
se há de entender? Houve por bem o Código Civil suíço, pôsto que
indiretamente, prever o caso de não ser possível, materialmente, a
reconstituição que, juridicamente, poderia ser feita (art. 5º, 2.ª alínea). Os
comentadores, ao examinarem os casos de se não saber o conteúdo exato e
completo, poderiam dar-nos informes assaz úteis. Claro que, se uma
disposição é conhecida, em seu conteúdo exato e completo, e outras não,
deve ser observada a que se conhece. Salvo (E. TuOR, Kommentar, III, 344)
se depende de outra que não é conhecida. Cabe ao juiz apreciar a espécie,
examinar o grau de tal dependência. A dificuldade material pode concernir
às formalidades, e então cabe ao juiz apreciar o caso, talvez as contradições
das testemunhas, porque outra não pode ser a solução jurídica (A.
ESCITER, Das Erbírecht, Koinmenta‟r zum Schweizerischen
Zivilgesetzbuch, III, 97; P. TUOR, Kommeutar, III, 345) . Se há lesados com
a destruição por culpa de outrem, responde o culpado pelos danos que se
causaram. A prova dêsses pode ser difícil, mas as presunções são meio de
prova (art. 136, V)

9.TERCEIRO INSTRUMENTO DO TESTADOR. Pode o disponente


incumbir outra pessoa de romper o testamento. ~ como se fôsse êle próprio.
Dizer e fazer são dois modos de exprimir vontade. Mais ainda: pode não
rasgar, nem mandar rasgar, e ser o testador o verdadeiro autor da destruição
ou do extravio. II~ o exemplo de L.

PFAFF e F. HOFMANN (nota ao § 722) no testamento, o testador deserda o


filho; um amigo, a quem mostra, ou a quem conta, toma a cédula e, diante
dele, rompe. Passa-se tempo, e o disponente não volta a redigir. Só se pode
presumir a revogação de tal cédula. Está visto que achou avisado o conselho
implícito e acolheu o ato de gestão, que a seus olhos praticou o amigo.

10.QUAL A LEI QUE DEVE REGER A DESTRULÇAO E EXTRAvIO


DO TESTAMENTO. .. Cumpre distinguir: a) se a destruição foi devida ao
testador, importa revogação, e ver-se-á mais tarde; b) se atribuível a fôrça
maior, ou a outrem, sem intervenção do testador, não é revogação, e o
direito internacional privado tem de assentar que uma lei regule a
reconstituição. Se não o admitisse, cairia no absurdo de deixar intestado o
que morreu em lugar que não admite a reconstituição, admitindo-a, no
entanto, a lei do testamento extraviado ou destruído, ou a do próprio
testador. Tudo aconselha a se tratarem tais assuntos como de direito civil
comum, e não com os velhos critérios, que pouco resolvem, de conflito de
leis ou de cega aplicação da lez icei. Contudo, a espécie da letra a) precisa
ser versada em lugar devido, a propósito dos arts. 1.746-1.752, com o
desenvolvimento que merece a delicadeza das questões.

Se o testamento foi destruído no regime da lei A, claro que se reconstitui


conforme ela. Mas se, feito sob a lei A, fôr destruido pelo testador sob o
domínio da lei E, é questão de revogação, e a revogação só se rege pela lei
nova, salvo se, sob a lei A, havia efeitos de irrevogabilidade, como os
contratos de herança e pactos sucessórios, que a lei nova pode abolir, porém
não, no passado, desfazer. Mais largamente se exporá o assunto a propósito
dos arts.

1.746-1.752 (revogação). A destruição por outrem, sem intervenção do


testador, ou por fôrça maior, rege-se pela lei A, se feita sob a mesma lei, ou
sob a lei E; pela lei nova, somente se, feita sob essa, a lei A não permitia e a
lei B veio permitir.

§ 5.855. Formas testamentárias

1.FORMAS TESTAMENTARIAS NO CÓDIGO CIVIL. Diz o Código


Civil, art. 1 .629: “Êste Código reconhece como testamentos ordinários: 1.
O público. II. O cerrado. III. O particular”. O Projeto primitivo, no art.
1.801, dizia: “Éste Código reconhece como testamentos ordinários: 1.0 O
público, escrito por tabelião; 2.0 O cerrado ou místico; 3.~ O hológrafo nu
particular”. E o Projeto revisto, art. 1.966: “O testamento ordinário é de
quatro espécies, a saber: a) público, ou feito por tabelião; b) cerrado, com
instrumento de aprovação; e) particular, ou escrito pelo testador; d)
nuncupativo, ou feito de viva voz”. Mas a Câmara dos Deputados excluiu o
nuncupativo.

Note-se que o Projeto primitivo chamava místico ao testamento cerrado, o


que, usado em escritores daqui e dalém-mar, constituía errada terminologia
jurídica. Fêz bem o Projeto revisto em corrigir-lho.

2.TEMPOS PRIMITIVOS. Na tribo, o homem não poderia pretender que a


sua vontade prevalecesse, menos ainda depois da morte. Tal o direito de
todas as organizações primitivas: o nulium testarnentum de LiCITO, quanto
aos Germanos, vale para todas elas. Ainda hoje, antes o dissemos, o direito
hindu. Já sob a influência das idéias inglêsas, que o modificaram, o poder
testamentário não passa do direito que rege as doações entre vivos (Tagore
vorsus Tagore, L. R. Sel Ind., 64; WEST and J. G. BÚHLER, A Digest of
Hindu Law ol Inferitanto, Partilion, and Adoption, 1, 182). Compreende-se
que o antigo Egito o tivesse recebido dos Helenos sob os Ptolomeus
(E.RÉvILLCUT, Les l?apports historiques ot légaux dos Quintos et des
Egyptiens, 118) : Amásis não quis o testar, que Siion intentara. Os Egípcios
tinham o expediente de inventariar o que havia na casa, submetendo-o ao
dia (autoridade régia), que o aprovaria para o efeito de se operar a sucessão,
loro anima, e outros, que serviam, na falta dele, a tais fins. Assaz
subordinados a leis, todos os povos passam pelos mesmos pontos. São os
ciclos.

3.FORMAS INICIAIS DOS TESTAMENTOS ROMANOS. GAIO -falou


de duas maneiras de testar: o testamento calatis comitiís, em tempo de paz,
em dias fixos do ano, diante da assembléia das cúrias (já falamos do valor
legislativo do ato), e o testamento in prooinctu, feito em guerra, „antes de
começar o combate, perante o exército. Em suma: ambos perante o povo.
Melhor: perante o grupo social, ali, mais largo, representado pelas cúrias;
aqui, devido às circunstâncias, perante a fôrça armada. Sabemos qual é a lei
cíclica da evolução social (Introdução à Sociologia Geral, 242), fácil
compreendermos os indícios-religiosos do instituto: no testamento calatis
cornitiis, o testador declarava a sua vontade perante os comitia calata,
submetidos à autoridade religiosa, quiçá pelo próprio grande pontífice, ou,
em nome dos pontífices, pelo noz sacrorum.. Para Til. MOMMSEN

(Rõmisclto Chronolo pio, 241 s.), os dias seriam 23 de março e 24 de maio,


momentos de reunião forçada dos comicios. Mas não surpreendeu que se
objetasse, sem razão, serem assaz próximos. Não foram fixados para isso. O

ato do testamento não poderia ter tal importância. Com o tempo, foi
descorando o caráter religioso-político, portanto, legislativo do testamento
comicial. Caiu em desuso antes de findar a República. Há documento: em
processo de 605 de Roma já se supõe só existirem o testamento por aos et
libram e o in prooinotu. No testamento de guerra, o povo armado é mais
testemunha que o dos comícios. Donde se quis inferir que só se introduziu
quando a legislatividade do testamento comicial já se havia apagado. No
tempo, portanto, em que não era de mister a derrogação solene da lei geral
de sucessões. As XII Tábuas traziam disposições relativas aos legados.
LUDWIG

MITTEIS, (Rômisofles Privatrockt, 1, 81), e com êle PAUL


VINoGRAUOFF. lêem o texto de Ulpiano itti logassit super pecunia
tutolave surte rei ita iws oslo, como se considerasse disposições auxiliares
do testamento os legados e tutelas, restringindo os legados à pocunia.
Certo, não seguiríamos a teoria de EDWARD CUQ, de E.EHRLICH e de
OTTO LENEL, que fazem o sistema testamentário derivado dos lo gata,
nem a explicação puramente política (PIETRO BONFANTE, Stonia „doí
Dinitto romano, 159) da heredis institutio (parece-me roiigioso-polítioa e só
mais tarde político-jurídico-econômica, no sentido confirmador do ciclo
social) mas o legassit do texto prováveimente se referia à deixa, e não ao
legado no sentido estreito, que, hoje, é o sentido técnico. O testamento, que
veio constituir o segundo modo ordinário de testar, foi o testamento por aos
ot libram: a pessoa que dispõe, aliena o patrimônio, nas formas da
emancipação, com a balança e o pedaço de metal, perante o libnipons, as
cinco testemunhas, em proveito de terceiro, o familao em pior. Donde o
número 7, que várias vêzes encontramos nas formalidades testamentárias, e
o 5, de que ainda nos não libertamos. A principio, o familiae empior exercia
o papel verdadeiro de quem herda. Depois, passou a mero figurante, com a
notificação por escrito ou oral do verdadeiro herdeiro instituído. A
explicação sociológica dêsses fatos, já a expusemos longamente, na
Introduçdo à Sociologia Coral. Além das duas formas do testamento por
aos eI libram dos tempos históricos, vem a eliminação, pelo Pretor, de tudo
quanto era, ao seu tempo, inútil e obsoleto: a supérflua reminiscência da
nianoipatio familirte, a própria nutuntpoitio, D e que só restava o nome. No
testamento pretoriano, o que e essencial é o escrito e a apresentação às
testemunhas.

4.TESTAMENTOS NO DIREITO POSTERIOR ROMANO. Além do


testamento perante sete testemunhas e por declaração perante o tribunal, o
direito canônico permitiu terceira forma, perante o pároco e duas
testemunhas.
Quase nada se exigia ao “contrato de herança”. Mas GUSTAV
HARTMANN (Zur Lo/ao vou dou ErbvertrÉigo‟n, 44 s.) e OTO STOBBE
(Handbuch. dos deutschen Privatrechís, V, § 311, V) opunham-se a isso, no
direito comum alemão, e seria, certamente, inadmissível que à instituição
irrevogável não se exigissem formalidades especiais (J.

CII. HASSE, Rhoinisches Museum 11 Jurisprudouz, II, 291).

O testamento romano tinha as sete testemunhas, oral (testamentum por


nuncupationom), provàvelmente com referência a documento tido por
terceiro (J. A. SEUFFERT, Archir, 19, 243), nunca sem a leitura (CITa. FR.
vON

MÍIHLENBRUCH, em CUR. ER. VON GLÚCK, Ana fiihrlieho


ErlÉiutorung der Pandeetou, 35, 13 a.), ou mediante escrito, mostrando às
testemunhas, subscrito pelo testador em presença delas, e por elas subscrito
e sigilado em presença do testador. Era indiferente que o tivesse escrito, ou
não, o testador. Justiniano estatuiu que, pelo menos, o nome do herdeiro
fôsse da mão do disponente (L. 29, C., de tosta-mentis: quemad‟rn‟o dum
tesíamenta ordinantur, 6, 23; § 4, 1., de tostamontis ordinandis, 2, 10),
porém êle mesmo o revogou (Nov. 119, c.

9). Podia fechar-se e a assinatura ser posta no envoltório (L. 21, C., 6, 23) .
Esc,yito pelo testador, era dispensável a assinatura, uma vez que dissesse tê-
lo escrito (L. 28, § 1, C., 6, 23). A aposição da data não era necessária (PH.
E.

HUSCHKE, Jurisprudentiae Anteiustinianea, 527; Cita. FR. VON


GLÚCK, A usf ii frUe/te L‟rWuíorung dos Pondo eteu, 34, 468 s.). Era
requisito a unitas actus: havia de ser feito sem interrupção (L. 21, § 3); mas,
se, durante a feitura, o testador ou alguma testemunha saía por exigências
corporais, uma vez que não demorasse muito, se não feria a imitas (L. 28,
pr.). Se uma delas adoecia, podia chamar-se outra. Quanto ao testamentunt
perante o tribunal, podia ser oral ou com referência a escrito, que se
entregasse (Cita. FR. VON GLÚCE, 34, 188).

Não era de mister a subscrição pelo testador. Se era cego, devia ler-se-lhe 1
§ 5.855. FORMAS TESTAMENTÁRIAS -o documento entregue,
expediente assaz plausível (S. A. SEUPFEIa, Ã4rchiv, 1, 855). Se, vendo,
não sabia ler, surgiu a questão (Cna. Fa. voN GLÚCE, 34, 47 s.; A. F. J.
THIBAUT, tTber Testa-mente der 5chriftunkundigen, Archiv fúr dio
civilistiache Pra-xis, VI, 226; R. vON HOLZSCIIUHER, Thoorio imã
Casuistilo, II, § 143, nota 7, e J. A. SEUFFERT, Archir, VIII, 273; 21, 242).
Sêbre o assunto, G. L.

WINKLER. O juiz autenticava o testamento, fôsse oral, ou fôsse em


documento apresentado, mas é digno de notar-se que se não exigia a
aposição da data no protocolo, pelo menos é o que se supêe, e o que foi
julgado no direito comum (J. A. SEUFEERT, Árchiv, 39, 117). Era
inadmissível a declaração por meio de mandatário. O tribunal podia enviar
deputação ao lugar em que se achasse o testador (Cita. FR. VON GLÚCK,
84, 189).

Vejamos a origem de tais testamentos romanos: 1) a) O testamento privado


procedeu do testamento por aos ot libram e do pretoriano; b) O testamento
nuncupativo foi simplificação daquele. Eliminou-se-lhe a manciloatio e
com ela se foram (PAUL FitÉDÉRIC GIRARD, Mainwi élémeutairo „de
Droji romftifl, 809) o libripens e o eniptor fanviliao (donde, em vez de sete,
cinco testemunhas) ; mas a Constituição de 439 (Theodósio e Valentiniano)
restaurou o número sete, com o carater de simples testemunhas. o) Por
escrito apresentado pelo testador, chamado testamentnm tripartitidas e
criado em 439 (Nov. Theod., 16, 1), teve no próprio nome as origens: o
concurso das testemunhas; a unitas actua do testamento comicial, que o por
aos ot libram manteve; o número sete do pretoriano, e a exigência dos signa
das testemunhas; a subscrtpto pelas testemunhas e pelo testador, ou por elas
e oitava pessoa, o subsoriptor, se o testador não podia escrever. O próprio
nome triparlitum narra-lhe a história. 2) O testamento público tinha duas
formas: a) Apud acta condituifl, reconhecido, porém não introduzido pela
çonstituiçãO de Theodósio e de fionório, em 413, fazia-se perante o
magistrado judicial, ou perante as autoridades municipais (E. C. vON
SAvIGNY, Susíeis, 1, ns. 27 e 28) . LUDWIG MITTEIS (Reichsretht imã
Vollcsroeht, 95, n. 4) cria-o de origem helênica, o que a papirologia
confirma (Pap‟z jr. Oxyr., 106, do ano 135, e 107, do ano 123).
b)Tostamentitm princ*pi oblatuim, que se entregava a guarda do príncipe, e
cuja estrutura é assaz compreensível.

Mas da origem helênica não se tire que as formalidades fôssem essenciais


no direito grego. Nesse, o ar que se respirava era sempre de mais liberdade.
A lei ática mais espiritural que a romana: solenidades duras,
imprescindíveis, seriam prisões, que repugnariam à alma grega. O que era
essencial na Grécia consistia naquilo a que, mais cedo ou mais tarde,
arrebentando os grilhóes históricos, havia de chegar: a vontade do testador.
Só nas origens se vê a exigência da presença do archonte (FUSTEL DE
COULANGES, Nouvelios recherchos, 136) . Na época dos oradores, as
formalidades são aconselháveis, porém não exigidas por lei. No direito
canônico, as facilitações a favor da Igreja foram amplíssimas. As
disposições em benefício dela não precisavam de rigor de forma; e a prática
estendeu a regra jurídica da Decretal às fundações, „discutindo-se, então
(CHR. FR. voN MTJHLENBRUCH, 42, 131 5.; R. VON HoLzscIiuani,
Thcorie uná Casuistile, II, § 138, n. 2), os limites da aplicação extensiva.

5.ORIGENS DE FORMAS DO DIREITO HODIERNO. O testamento


cerrado lembra o que h;via no direito romano, porém são diferentes as
solenidades. Tinha o direito romano o testamento nuncupativo, verbal, ao
tempo da morte, que, depois, se proibiu. Os testamentos públicos, que
houvemos das Ordenaçóes, criou-se no uso das nações, e bem assim o
particular (MANUEL ÁLvARES PÊGAS, Commentaria ad Ordinationos
Regni Portugaliae, IV, 241, 89-65). Em 1512, ao tempo, em Portugal, das
Ordenaçóes Manuelinas, o imperador Maximiliano adotou expressamente
na sua pátria (SAMUEL STRYK, D.3 Canto lis testamentorum, 15, § 45) o
testamento público, como o da Ord. do Livro IV, Titulo 80. Nem êsse, nem
o particular necessàriamente hológrafo, foram de fontes romanas: e quase
sempre é impróprio buscarem-se elementos naquele direito para se
resolverem problemas. Cumpre, porém, advertir em que os Alemães, muito
antes de Maximiliano, já tinham o testamento público (A. HEUSLER,
Institutiouen dos deutsehen Privatrechts, 647) . Há documentos de 1265 e
1295
(GUDENUS, Sylloge variorum diplomatariorum, s. 618 e 628;
TR‟OUILLAT, Monuments, II, n. 278) . Conforme se há de ver, o direito
romano não conheceu a exigência ordinária da holografia.

6.DIREITO ANTERIOR AO CÓDIGO CIVIL URASILEIRO. Além das


formas que hoje tem o Código Civil brasileiro (póNico, cerrado, particular)
e as especiais dos arts. 1.656-1.663, havia no direito anterior o tratamento
especial ou privilegiado, permitido aos doentes em perigo de morte,
nuncupativo, perante seis testemunhas, que ouvissem e entendessem a
disposição (Ordenações Filipinas, Livro IV, Título 80, § 4.0) . Pela praxe,
tinha-se a forma testamentária de mão comum, com o qual testavam,
conjuntivamente, marido e mulher, no mesmo papel e para o mesmo ato
(ÁLVARO VALASCO, Consultatilvo et Decisionum, 21) . Os pressupostos
de validade eram os mesmos dos outros testamentos, porque, em verdade,
so havia de nôvo o elemento da conjuntividade. Se simultâneo, era livre a
revogação. Se recíproco e correspectivo, cumpria atender àdistinção,
conforme diremos a propósito do Código Civil, artigo 1.630, que hoje
explicitamnte o proibe. Os codicitos tinham maior extensão que hoje. As
ordenações Filipinas, Livro IV, Título 86, pr., definiam-nos como
“disposição de última vontade sem instituição de herdeiros”. Os pactos
sucessórioss eram proibidos (Livro IV, Título 70, §~ 3 e 4). Excetuavam-se:
os que versassem sôbre herança de terceiro, se consentidos por êsse, mas
sem que êsse perdesse a faculdade de mudar de vontade (JORGE DE
CABEBO, Praticarum Observationum, 1, d. 164, n. 5); quando
contivessem doaçoes para casamento determinado, ou se houvesse
estipulado em contratos antenupciais (Lei de 17 de agôsto de 1761, § 8;
MANUEL DE ALMEIDA E SOUSA, Notas de uso prático, II, 509;
COELHO DA ROCHA, Instituições „de Direito Civil português, § 781) .
Mas havia controvérsias sutis.

7. DIREITO INGLÊS. O direito inglês não tem o contrato de herança. Mas


(é assente) cabem disposições sôbre sucessão nos marriago settiements
(contratos nupciais), que mais se prendem ao direito de família
(WILLIAMS, Persolial Property, 16.~ ed., 506). Desde o Neío WiivoAct de
1837 que se pode testar sôbre móveis e‟ imóveis. A forma do testamento é
a escrita e a Seção IX do Act de 1837 dá as regras basícas. “It shall te
signed at the foot or end thereof by the testator or by some other person in
his presence and by his direction; and such signature shall be made or
5cknowledged by the testator in the presence of two or more witnesses
present at the sarne time and such wítnesses shall attest and shall subscribe
the will in the presence of the testator, but no form ot attestation be
necessary”.

Nenhum testamento ou codicilo vale, se não reúne os seguintes requisitos:


a) ser escrito; b) ter, embaixo, a assinatura do testador, ou de outra pessoa,
que o assine em sua. presença e por sua ordem; e) tê-lo assinado o testador,
ou reconhecido a assinatura, em presença de duas ou mais testemunhas, que
ao mesmo tempo assistam e atestem, subscrevendo, em presença do
testador, o testamento ou codicilo. Se‟ satisfaz tais exigências, existe e vale,
e pode valer ainda que, pelos seus têrmos, não pareça constituir testamento
(Goods o)‟ Mor gan, 1866; Ferguson-Davie versus FergusonDavie, 1890;
Goods o)‟ Slinn, 1890) : “may be valid as such, notwithstanding that it does
not in terms purport to be a testament”. O Witls Act Amendment Act de 1852
referiu-se ao “embaixo do testamento”, foot or ená, e a respeito foi
estabelecido que não é necessário terem as testemunhas apôsto, ao mesmo
tempo, as suas assinaturas (Brown versus Skirrow, 1902) e nenhuma forma
de atestação é necessária, mas é de‟

vantagem prática dizer-se que as formalidades do art. 9 do Wills Áct de


1837 foram observadas. Uma simples marca pode‟ ser suficiente
assinatura, seja do testador, seja das testemunhas; porém não um sinête
(mark: no caso Go‟ods o)‟ Rio witt, 1880; soai: no caso Smith versus
Evans, 1751) . É preciso que as testemunhas tenham visto, ou estivessem
em posição de ver o testador assinar; ou, se lhes declarou o testador
reconhecer sua assinatura, é preciso que tenham visto ou estivessem em
posição de ver a assinatura reconhçcida (Daintree versus Butcher, 1888;
Brown versus Skirrow, 1902). Não é necessário que as testemunhas
soubessem que era um testamento o ato, cuja assinatura elas atestaram
(Keig‟win versus Keigwin, 1843; Wright versus Sanderson, 1884) “It is
immaterial that the witnesses did not know that the docum.ent, of which
they were attesting the signature, was a testament”.
É personalissimo o ato de testar: ninguém pode dar a outrem podêres para
fazer por si o testamento, mas isso não impede fazer dependente de
acontecimento, inclusive da adesão de outrem, a validade do ato
testamentário, “but he can mate the validity of his testament dependent
upon a contin.gency, and such contingency may be the approval of another
person”. Quando um testamento ou um codicilo se refere a atos já
existentes, porém que não satisfazem as exigências do Wills Act de 1837,
art. 9, considerando-os como parte, tais atos serão em virtude da referência
incorporados ao testamento ou ao codicilo, se fica provado que êles são os
referidos (Allen versus Maddock, 1858; Goodso)‟ Smart, 1902; University
College versus Taylor, 1908) . Quando um testamento é conf irmado
(reposto em vigor, ropnbiished) por um codicilo, aplica-se a mesma regra
jurídica quanto aos atos elaborados entre a data da feitura do testamento e a
do codicilo, mas é de mister que o codicilo os considere atos existentes, ou
que o testamento, “interpretado como feito na data do codicilo” (constrlted
as being executed o;t the date o)‟ the exec‟tctiofl o)‟ tive codicifl, os
considere como documentos existentes (Go‟ods o)‟ Laíly Truro, 1866;
Durham versus Northen, 1895; Goods o)‟ Smart, 1902). Quando um
codicilo existe ao mesmo tempo que um testamento, deve ler-se como se
fizesse parte dêste (opinião de Lord HARDwícx, no caso Fuíler versus
Hooper, 1750). Mas, se não se encontra o testamento, ou se não podem ser
provadas, ao tempo da morte, as disposiçôes dele, e só se encontra o
codicilO~ só êste produzirá efeitos (Goods o)‟ Clements, 1892) . Costuma-
Se chamar codicilo ao testamento anexo, que supõe a existência de um
testamento principal; porém, perante a lei, não há nenhuma distinção entre
um testamento e um codicilo (W. 5. HOLDS WORTII, A Digost, V, 1.240) .
Note-se a diferença para com O Código Civil brasileiro, art. 1.651. Se um
testador confirma o seu testamento, ficam confirmados (atendidos, é de ver,
os têrtios da confirmação) todos os codicilos que dele dependem e não
foram anteriormente revogados (Coods o)‟ De La Saussalf e, 1873; Green
vorsus Tribe, 1878) . Está claro que o ato confirinativo precisa ter os
requisitos ordinários (W. 5. HOLDSWORTH, em EDWARD JENXS, A
Digost o)‟

Euglish Civil Laio, 129). O direito inglês reconhece ao soldado que está em
serviço militar ativo, e ao marinheiro po mar, a faculdade de dispor dos seus
bens, real e personal estate (Wills Act, 1837, art. 11; Wills - Soldiers and
Sailors - Ad de 1918, art. 3), oralmente, ou por escrito, sem as exigências
ordinárias. É livre a revogabilidade do testamento. Não pode o testador, por
convenção, ou „por qualquer outro meio, privar-se dêsse direito (VuniOr’S

Case, 1610). Continua revogável ad uutnm ainda que encerre cláusulas


obrigacionais. O direito inglês segue a êsse respeito solução assaz
compreensível: dá-se a revogação, ficando às partes lesadas as ações
fundadas no inadimplemento do contrato (Robinson versus Ommanney,
1883; Ro Pariciu, 1892) 8.TESTAMENTO NO DIREITO DOS ESTADOS
UNIDOS DA AMÉRICA. Existe nos Estados Unidos da América a
pluralidade da legislação do direito civil. Em certos Estados-membros há
codificação. Noutros, não: rege o direito comum, que, excetuada a Luisiana,
constitui a substância dos próprios sistemas codificados.

Obrigatório o Common Law, até que outra legislação se seguisse,


compreende-se a unidade de fato, de que, a despeito da multiplicidade
constitucionalmente possível, partiram os Estados-membros.

Ainda hoje, não é difícil, no essencial, dizer-se qual o di-direito norte-


americano dos testamentos, desde que se apontem as legislações
excetuadoras. O que logo chama a atenção é a singular tolerância quanto às
formas testamentárias. Admite-se a homologação dos próprios testamentos
hológrafos, escritos por outrem. Mais: a jurisprudência admitiu testamentos
escritos a máquina, assinados pelo testador, O que tem capital importância,
no direito norte-antericamo, em matéria de testameuto, é a assinatura do
testador. Daí a necessidade de ser a autenticidade dela verificada e
garantida pelas testemunhas, cujo número varia segundo os Estados-
membros. O

testador assina diante delas (é a regra geral e ordinária), declarando que o


documento contém as suas últimas vontades. Em seguida, assinam as
testemunhas em presença do testador e uma das outras, declarando que isso
se observou. Devem indicar os endereços, sob pena, em alguns Estados-
membros, de serem multados. Também de grande importância é a
attestation clause, que tem por fim dar aos terceiros interessados a prova de
que a lei testamentária foi observada. Os executores testamentários, os
legatários, donatários, credores e interessados na sucessão levam à Côrte
competente o pedido de homologação. Citam-se interessados e
testemunhas, arguidas essas sôbre os fatos que devem conhecer. Se, por
morte, ausência, ou incapacidade, de uma ou de algumas, não se procede ao
interrogatório, devem os „interessados justificar o que seja de mister quanto
à escrita do defunto.

Seguem-se a formalidade do depósito e do registo,e, após um ano de


depósito, a entrega aos interessados. Se há ausentes ou desconhecidos
interessados na sucessão, citam-se, sendo imobiliária a sucessão, o General
Attornoij, ou um administrador público, em se tratando de sucessão
mobiliária.

Homologado o testamento, dão-se aos executores as cartas testamentárias,


com que procedem à liquidação. Se o executor, cidadão norte-americano,
reside no estrangeiro, deve dar caução. Quanto às nulidades, os Estados
Unidos da América são assaz zelosos no apurar a influência ilegítima,
undue influente. No Estado de Nova lorque, que pode servir de tipo, o
testamento deve ser escrito e assinado o testador, mas assinatura é qualquer
marca, que a possa substituir. As testemunhas assinam junta ou
separadamente, em alguns Estados-membros, sem a presença do testador.
As testemunhas indicam o domicílio. Não precisa ser lacrado o testamento.
Só se admite testamento nuncurativo confirmado depois por escrito, a
soldados e marinheiros em serviço ativo e quanto à sucessão mobiliária. Se
o testamento não foi devidamente assinado e atestado, a Côrte considera-o
nulo. Mas aqui, em se tratando de requisitos de fundo, os tribunais norte-
americanos são assaz propensos à conversão: sabida a vontade do testador,
evitam que a ignorância, em maneira de direito, destrua o que êle realmente
quis. Se há parte viciada por interpolações, não se há por isso de negar
validade ao ato (aliás, assim também havemos de julgar no Brasil) . Às
vêzes, o que não vale como testamento vale como ato entre vivos. Mas
vemos o elemento de uma cláusula nula tornar nulo o todo, por inadmissível
concepção da indivisibilidade do ato testamentário. No Distrito de
Colômbia, o testamento deve ser escrito e assinado pelo testador, ou por
alguém em sua presença.
Atestam-no e subscrevem-no, em sua presença, duas testemunhas. No
Estado do Cobrado, há o testamento nuncupativo, reduzido a escrito e
atestado. No Estado de Connecticut, o testamento deve ser escrito e
assinado pelo testador, subscrito, em su~ presença, por três testemunhas.
São admitidos os testamentos regularmente feitos noutro Estado-membro
ou no estrangeiro, segundo as leis em vigor no lugar da feitura. São nulos os
legados a favor do marido ou da mulher de uma das testemunhas, salvo se
são herdeiros do testador. Fazem-se o depósito e o registo na Côrte do lugar
em que residia o testador. Se essa o entende útil, ordena a notificação
pública ou individual das interessadas. No Estado de Delaware, o direito é
do tipo do Estado de Nova lorque. Quanto aos testamentos nuncupativos, há
limite de objeto; por isso, não se testa além de determinada quantia, O
depósito e o registo fazem-se na Côrte do domicílio do testador ou do lugar
em que se acham os bens. No Estado de Elórida, só se faz testamento
público perante três testemunhas, durante a última doença do testador. O
prazo é de seis meses após a declaração, salvo se, nos seis dias da feitura,
foi reduzido a escrito e jurado perante a autoridade judiciária. No Estado de
Illinois, o testamento redigido e homologado noutro Estado-membro pode
ser executado no lugar de Illinois em que o testador, no momento da morte,
possuía bens imóveis. No Estado de Indiana, só se podia testar,
nuncupativamente, até cem dólares. Os testamentos feitos noutro Estado-
membro ou no estrangeiro podem ser depositados e executados em Indiana.
Na Luisiana, admitem-se três formas testamentárias: o testamento fechado,
o nuncupativo, que exigem notário e testemunhas, e o hológrafo, todo
escrito pelo testador, datado e assinado por êle.

Vale o testamento estrangeiro, mas são exigíveis as provas de autenticidade.


No Estado do Maine, o testamento deve ser escrito e assinado em presença
de três testemunhas. No de Maryland, escrito, assinado, selado pelo
testador, e atestado por duas testemunhas. Para as gentes do mar e os
soldados em serviço ativo, permite-se o testamento nuncupativo quanto a
móveis e sôldo. O testamento de pessoa originária de Maryland, ainda que
resida fora, no momento de testar ou de Jalecer, tem de seguir as leis
estaduais, para que se homologue. No Estado de Massachussets, o
testamento há ser escrito e assinado pelo testador, atestado, em sua
presença, por três testemunhas. Feitos fora de Massachussets, deve
observar-se a lei do domicílio do testador. Soldados em serviço ativo e
marinheiros no mar testam oralmente quanto aos móveis. O beneficiado e o
seu cônjuge podem ser testemunhas. Em Minesota, só há nuncupatividade
para soldados em serviço ativo e marinheiros no mar. Feitos quaisquer
testamentos fora de Minesota, uma vez escritos e assinados pelo testador,
valem, se observaram as leis estaduais ou as do domicílio do testador. No
Estado de Mississipi, admite-se o nuncupativo, feito no domicílio do
testador, durante a moléstia, ou no lugar em que residia nos últimos dez
dias, salva se contraiu a doença fora do seu domicílio ou se morreu em
viagem de volta, de longo curso. Mas o objeto não pode ser senão bem
móvel. Se excede de determinada quantia, têm de assiná-lo duas
testemunhas. O prazo para a homologação é de seis meses.

Se as declarações foram reduzidas a escrito nos seis dias, é prorrogável o


prazo. A lei do Mississipi proibe legados a corporações religiosas ou
puramente de caridade. Porém os bens móveis podem ser legados para
obras de caridade, se não tiverem ligação com congregações religiosas; e os
imoveis, ou produto deles, podem ser destinados a fins de caridade e
religião.

No Missuri, adota-se a atacabilidade do testamento até cinco anos após a


homologação. As regras jurídicas são as da maior parte dos Estados-
membros. No Estado de New .Tersey, além das regras gerais, os
testamentos devem ser f echados. O processo de homologação faz-se
perante a jurisdição ordinária ou perante o Surtogato, mas, se intervém
questão de validade, declara-se incompetente o Surro gato, que remete as
partes à Côrte dos Órfãos, Orphaus Court. O testamento do estrangeiro, que
dispõe de imóveis, deve ser redigido e homologado segundo as leis
estaduais. Na Carolina do Norte, além „das exigências gerais, há o requisito
da escrita de próprio punho e o ser necessário que se encontre nos papéis do
testador, ou em mãos do depositário. O testamento nuncupativo, se excedia
de duzentos dólares, exigia a presença de duas testemunhas, durante a
última moléstia, ser feito na própria habitação do testador, salvo se morrer
em viagem ou fora do domicílio. O prazo de atestação é de seis meses. No
Estado de Ohio, o testamento pode ser escrito ou dactilografado, se feito
durante a última moléstia do decujo.
Nuncupativo, deve ser apresentado por escrito nos dez dias seguintes às
declarações verbais do testador, assinado por duas testemunhas não
beneficiadas. Somente valem os legados de beneficência, pelo testador que
deixou descendentes ou filho adotivo, se feitos um ano, pelo menos, antes
da morte do testador. As ações contra o testamento só se exercem até um
ano após a aprovação, porém o prazo não corre contra os menores, os
ausentes, os alienados e os prisioneiros. No Estado de Pensilvânia, vale o
nuncupativo feito durante a última doença do testador.

Na Virgínia, deve ser escrito e assinado pelo testador; se não foi todo escrito
por êle, tem de ser atestado por duas testemunhas que afirmem achar-se nas
condições legais. Como era de prever (nosso Sistema de Ciência Positiva
do Diroito, 1, 204 s.; Introduçdo à Politica Ciontífica, 189; crescente
simetria interna do grupo, com integração dele, cf. Introdução à Sociologia
Geral, 153 e 235), opera-se nos~ Estados Unidos da América um
movimento a favor de um national-code, dos Uniform Stato Lctws (GEoRG
MERILL, An American Civil Code, American Law Review, 1, 603; C. T.
SEER. MANN, Roman Law in the Modern Worid, 1, 339), assaz mais fácil
de fazer-se do que se supõe, porquanto, se a Luísiana possui Código Civil
de influxo francês e espanhol, é bem verdade que o common lv» atua
fortemente (ROSCoE POUND, The Spirit o>‟ tite Common Lv», 2: “but
the fundamental common-law institutions, supremacy of law, case law and
hearing of causes as a whole in open court, have imposed themselves on a
French code and have made great portions of the law Anglo-American in all
but name”).

Em 1922, fundou-se o Amerícan Law Institato, cujos serviços foram


notáveis. A conferência nacional ou Uniform Síate Lv» interessou-se pela
uniformidade testamentária. Conselho aos norte-americanos que testam no
Brasil: a legislação brasileira não permite retirar dos cartórios, em que se
arquivam, os testamentos, e as Côrtes americanas não dariam o pro bate
sem o ori~inal, de modo que a solução óbvia éescreverem em dois
exemplares o ato testamentário. Em todo o caso, informa LÉoN VIROLET
(GuMe pratique de Droil suecossoral angiais ci américain, 182) que na
França se recorreu ao seguinte expediente: depesita-se na França o
testamento, fotografa-se, o cônsul dos Estados Unidos da América certifica
a conformidade da peça, legaliza-a, e, expedida, as Côrtes americanas
aceitam a fotografia, como sucedâneo do original testamentário.

9.TESTAMENTO No DIREITO AUSTRÍACO. O Código Civil austríaco


de 1811 já regulava os testamentos particulares, de forma ordinária ou de
forma extraordinária, e os públicos, com as duas espécies apud acta
conditum e iudici oblatum. A Novela III apenas retocou-o, nos pontos de
mais sensível controvérsia. a) Testamentos particulares (Privattestamente)

Podem ser feitos escrita e oralmente (§ 577) . Se o testador o escrevia todo


e o assinava (testamentum kolographum)

outra formalidade se fazia mister (§ 578). A assinatura precisava ser no fim


do escrito e, para JOSEF UNGER

(Syste‟rn dos ôsterroiekisehen Allgomeinen Privatrech,ts, VI, 47), não


bastaria estar no contexto. Quanto às assinaturas, às fôlhas e aos lados, é
quaestío facti (JosEpil UNGER, VI, 47), mas havia a controvérsia entre M.

vON STUBENRAUGH, Das Alígemeine liuirgerlicho Cesetzbuch, II, 330)


e FÚGER VON RECHTBORN (Das Erbrocht, II, 6). Cumpre notar a
particularidade do Decreto de 4 de março de 1846, apêndice n. 53: “A
assinatura em escrita judia ou hebraica somente vale como marca ou sinal
manual”. Se o testador não escreveu êle mesmo o testamento, fazendo-o
escrever por outrem (chamado tostamontum alio‟graphum), devia assiná-lo
de mão própria (§ 579, parte 13). Além disso, há de declarar, de maneira
expressa, perante três testemunhas capazes, duas das quais, pelo menos,
deviam ser simultânea-mente „presentes, que o escrito contém as suas
últimas vontades.

Finalmente, as testemunhas, acrescentando a indicacão da sua qualidade,


deviam assinar o ato de última vontade, no interior ou no exterior, mas, em
todo o caso, no próprio ato, e não no envoltório. Não era preciso que as
testemunhas conhecessem o teor do testamento (Nov. III, art. 55, que
corrigiu o antigo § 579). Se o testador não podia escrever, era ainda
necessário que, em presença de todas as três testemunhas, uma das quais
aludisse ao nome do testador, lançasse, com a própria mão, a sua marca (§
580). Dispositivo êsse que precisou ser explicado: pressupunha-se testador
permanentemente, ou na ocasião do testamento, impossibilitado, por
ignorância, ou motivo de ordem física, de escrever e assinar êle mesmo.
Não o que simplesmente não quis escrever (Ii‟. X. NIPPEL, Erlàutorung,
IV, 111). Outrossim, se ocorresse que o testador também não podia lançar &
seu sinal (Handzeichen), não poderia testar alogràficamente:

teria de recorrer ao testamento oral (~ 584). Outra particularidade: a


assinatura em hebraico ou escrita judia valia como simpIes marca (JOSEPH
UNGER, System, IV, 49) e obrigava à forma do § 580. A exigência do
lançamento da marca na presença da todas as três testemunhas, in
Gogenu‟art alier drei Zcugen, explicava-se pela necessidade de ficar
verificada a circunstância de ter sido lançada pelo próprio. Se o testador não
sabia ler, ou não podia (o texto só se referia ao que não podia, porém
entendia-se que o mesmo se aplicava ao que não sabia, ao analfabeto),
devia ser-lhe lido o ato por uma das testemunhas em presença das duas
outras, que já conhecessem o conteúdo, e declarar o testador que estava de
acôrdo com a sua vontade. O que escreveu podia ser testemunha, mas, se o
testador não sabia ler, o que escreveu não podia ser encarregado da leitura
(Nov. III, artigo 56). Tal frase, depois acrescentada ao § 581, teve por fito
evitar maquinações por parte do redator do ato, porém já era reconhecida
pela doutrina. Também no caso do § 581 era de apor -se a marca (FEZ. X. J.
F. VON NIPPEL, Krlãuterung dos Alígemeinen I3iirgerlicken Cesetzbuehs,
IV, 119; J. VON WINIWARTER, Das õsterreichische búrgorlicho Rocht,
III, 85; JOsEPH ELLINGER, tlandbuch dos àstorreiehisehen allgemeimen
Civilrechts, nota ao § 581; RI. VON

STIJBENRAL‟CH, Das Alígemoine Búrgerlicito Gosotzbuch, II, 337) .


Qualquer material próprio e qualquer língua (o Dec. de 22 de outubro de
1814 excluiu a escrita judia ou hebraica) podia servir à feitura do
testamento.

Porém não a escrita de sinais, por não se tratar de letras (JOSEPH UNGER,
Systom, VI, 46, 49) . Para a feitura de testamento nuncupativo, exigia o
Código austríaco (§§ 584 e 585) que o testador, perante três testemunhas
simultâneamente presentes e em situação de observar o testador, declarasse
distinta e inteligivelmente, a sua última vontade, para que as testemunhas,
sob juramento, reduzissem a escrito (testamontum nuncupativum in
scripturam redactum). O ato verbal de última vontade devia, para ter fôrça
legal, ser confirmado sob juramento a pedido de qualquer pessoa que
tivesse interêsse, concordes as três testemunhas, ou, quando uma delas não
pudesse ser ouvida sob juramento, pelas duas outras (§ 586). Na falta disto,
seria sem efeito a declaração de última vontade (Nov. 1, art. 55) Quanto às
formas extraordinárias, o Código Civil reconheceu o testamento marítimo e
o tostamentum tempore postis conditum, com duas testemunhas capazes,
admitidas, também, as de mais de quatorze anos (§ 597; Nov. 1, art. 58) ;
mas, no caso de perigo de ataque, não era de mister a simultaneidade da
presença delas (§ 598) .

Seis meses depois de findar a viagem ou de cessar a epidemia, perdiam


eficácia tais testamentos extraordinários (§

599) . O testamento do soldado regia-se pelas leis próprias (§ 600). Quando


tratamos do § 579, grifamos os dizeres

“de maneira expressa”, “acrescentando a indicação da sua qualidade”:


constituíram adições da Nov. III, art. 55, para rematar a controvérsia até
então existente, no sentido da necessariedado de tais declarações pelas
testemunhas e pelo testador. b) Testamentos publicos eram feitos perante a
autoridade competente, que os lançava no Protocolo (tostamontum apud
acta conditum), ou por apresentação de escrito (testamentum indice
ablatum), §§ 587-590 e 596.

Oque dissemos sôbre o Código Civil austríaco e o que sobreveio antes do


Código Civil brasileiro tem relevância para apreciação do que se elaborou,
no Brasil, até 1916. A Áustriateve a Lei de 31 de julho de 1938, que fêz
alterações no tocanteà feitura dos testamentos e dos pactos de sucessão
futura. No art. 1.0, 1, 2 e 3, três princípios foram postos como
princípioshásicos: o testador somente pode fazer testamento pessoalmente;
menor não pode testar se não tem dezesseis anos feitos;menor ou maior
pôsto em tutela provisória não precisa paratestar do consentimento do
representante legal. Quem é privado de capacidade não pode fazer
testamento. Com o depó-sito da demanda começa a incapacidade se foi
declarada como fundamento apresentad.o (art. 2, 1) . Não pode testar
quem,por perturbação da sua atividade cerebral, devida a moléstia,fraqueza
das faculdades mentais ou perda de consciência (porexemplo, em caso de
embriaguez) não é capaz de compreendera significação da declaração de
vontade que êle faz e não podeobrar em conseqúência <art. 2, 2) . Se
alguma pessoa, privadada capacidade, faz testamento antes que a decisão
que dela opriva seja inatacável, tal privação de capacidade não se opóeà
realidade do testamento, se morre antes que a decisão sejainatacável (art. 3,
1) . Formas ordinárias de testamento sãoa do testamento feito perante juiz
ou ou notário e o manuscrito(arts. 4 e 21), que deve ser guardado
oficialmente (arts.

22,37 e 38), com o certificado do depósito. O art. 6 cogita dosurdo, do cego,


do mudo e do impedido de falar e de outroscasos. O art. 10 enumera os que
não podem ser testemunhas.Quanto à ignorância da língua alemã, há os arts.

18 e 19. Sehá receio de que morra o testador antes de testar, permite-se


otestamento perante o mere. O art. 27 trata do testamento dosmilitares; e o
art. 28, do testamento comum.

l.TESTAMENTO NO DIREITO FRANCÊS. Nas circunstândas normais, o


Código Civil francês reconhece três testamentos, ditos ordinários: o
hológrafo, o autêntico ou notariado, e o que o art. 969 chama “forme
mystique”.

Desde a Ordenança de 1735, art. 1, que se proIbiu o testamento verbal ou


nuncupative. Quaisquer declarações verbais, feitas pelo decujo, seja para
dispor, seja para modificar o testamento escrito, nenhum valor podem ter,
ainda que as confessem os herdeiros: contra êles não pode ser feita a prova.
O art. 968 proibe os testamentos conjuntos ou mútuos, proibição, hoje,
absoluta, porém que o não era na Ordenança de 1735, art. 77, que a
introduziu. O testamento hológrafo deve ser todo escrito pelo testador,
assinado por êle, habitualmente com o nome e o prenome; mas basta a
assinatura de que costuma servir-se, e que lhe marca, por bem dizer, a
personalidade. Um bispo, por exemplo, pode assinar com as iniciais e o
nome da cidade episcopal. Deve ser datado, com a indicação precisa do dia,
mês, e ano, em que se testou. Nesse ponto, segue o Código Civil francês a
velharia da essencialidade da data (art. 970) : “Le testament olographe ne
sera point valable, s‟il n‟est écrit en entier, daté et signé de la main du
testateur: il n‟est assujetti à aucune autre forme”. Data falsa e data
incompleta acarretam nulidade, se bem que a jurisprudência belga (contra,
F. LAURENT, Principes de Droit Civil français, 18, n. 202) não desse tal
conseqUência à antedata e à pós-data. Seria nulo o testamento sem a
indicação do dia: e. g., “feito em outubro de 1969”. Pode ser escrito em
papel não selado: só se tem de pagar a multa, na ocasião do registo.
Épermitida a forma de carta. Bem assim, a escrita a lápis, no todo, ou em
parte (Besançon, 6 de junho de 1882), a redação com intervalos de tempo,
com várias datas, ou uma, final, que se aplique ao conjunto (Caen, ii de
agôsto de 1866; Cassação, 18 de abril de 1882), em fôlhas separadas, desde
que siga, ininterrupta, a escrita, datada a última. Se a data de uma delas é
falsa, com auxílio das outras pode-se retificar (Cassação, 30 de fevereiro de
1889) . O testamento por ato público, define o art. 971, “est celui qui est
reçu par deux notaires, en présence de deux témoins, ou par un notaire, en
présence de quatre témoins”. As regras jurídicas são as da Lei de 25 do
ventoso do ano XI, completadas pelas que dá o Código Civil francês. Deve
ser ditado pelo testador ao notário que o escreve (artigo 972) ; portanto, não
se admite que o notário o escreva fora da presença do testador, como faz
com es outros atos jurídicos,e depois o leia, para apanhar as assinaturas.
ConseqLiencias: o mudo não pode usar da forma autêntica (Nancy, 8 de
janeiro de 1903) ; o notário não pode copiar o projeto ou minuta, que
outrem ou o próprio testador lhe haja entregue (Caen, 17 de novembro de
1884); o notário não pode fazer sugestões de qualquer natureza, se bem que
possa argúi-lo para melhor colhêr as suas intenções, e adverti-lo quanto às
ilegalidades e contradições. Mas deve o notário reproduzir as próprias
incorreções de linguagem e as impropriedades de expressão. Há de ser lido
ao testador em presença das testemunhas. E de tudo faz-se menção expressa
(art. 972) .

Assinam-no o notário, as testemunhas e o testador. Se êsse declara que não


sabe ou não pode assinar, mencionar-se-á isso expressamente, consignando-
se, no ato, a causa de tal impedimento (art. 973). Atendendo ao
analfabetismo das províncias francesas, o art. 974, parte a, estatui:
“néanmoins, dans les campagnes, ii suffira 2

qu‟un des deux témoins signe, si le testament est reçu par deux notaires, et
que deux des quatre témoins signent, s‟il est reçu par un notaire”. O
testamento secreto, a que o Código Civil francês chama testamento mistico,
pode ser escrito pelo testador, ou por outrem, sem que o assista qualquer
testemunha: o que é preciso ser testemunhado é a apresentação ao notário,
fechado e lacrado, ou para que o feche e lacre, com a declaraçáo de que
aqueles é o seu testamento (art. 976). Segue-se o ato de subscrição,
correspondente à aprovação do direito brasileiro. Se o testador não sabe, ou
não bode assinar, ao ato de subscrição será chamada mais uma testemunha,
declarando-se isso (art.

977) . As testemunhas hão de ser, pelo menos, seis (art. 976). Os que não
sabem, ou não podem ler, não podem usar do testemunho secreto. Em casos
excepcionais, o direitofrancês reconhece os testamentos privilegiados, o
testamentomilitar, arts. 981-984, o testamento em tempo de peste, artigos
985-987, o testamento no curso de longa viagem marítima,arts. 988-996
(retocados ós arts. 981-984, 985 e 986, 988-998pelas Leis de 17 de maio de
1900, de 28 de julho de 1915 e de8 de junho de 1898), e o testamento feito
no estrangeiro, artigo 999.

11.TESTAMENTO NO DIREITO ITALIANO. A Itália (Código Civil de


1865) conhecia o testamento hológrafo, no qual não intervinham
testemunhas (se interviessem, não haveria nulidade: abzmdans cautela, e
abundans cautela non nocet). As formalidades eram muito simples: a) ser
escrito por inteiro, do próprio punho do testador (qualquer palavra de
outrem, inserta na cédula, atingiria a sua validade, se de acôrdo com o
testador; não assim, o que se introduzisse contra a vontade dêste) ; b) conter
a data, isto é, dia, mês e ano, ou indicações equipolentes como “no dia do
meu trigésimo aniversário”; c) assinatura, entendendo-se a de que usa o
disponente, inclusive o pseudônimo com que é conhecido em sociedade.
Data e subscrição também haviam de ser do próprio punho. Podia ser em
carta (AGOSTINHO RAMELLA, La Corrispondenza in materia civile e
commercia.le, 428-430) .
Discutiu-se se a data podia vi r após a assinatura, O art. „775 primeiro
falava daquela, mas era de aceitar-se que a inversão não constitua nulidade.
Além disso, o próprio artigo dizia que “la sottoscrizione deve essere posta
alla fine delie disposizioni”, e data não é disposição (VlrrOiuo POLACCO,
Deile Successioni, 1, 175). O testamento notarial ou era público ou secreto.
Intervinham no testamento notarial: o notário ou notários, quatro
testemunhas no primeiro caso, duas se dois os notários. Se dois, era preciso
que não fôssem parentes ou afins em linha reta, ou do terceiro grau na
colateral. O testador declara, não dita as declarações; mas podia ditar, pôsto
que não no dissesse o Código Civil. O Código Civil francês, art. 972, exige
que o próprio notário o escreva: não assim o italiano, bastaria que o notário
dirigisse a redação (VITToRIo POLACCO, Deile Successioni, 1, 183) . O
notário ou um dos dois procederia à leitura integral do ato. Se fôsse surdo o
testador, leria êle mesmo; se também não pudesse ler, interviriam cinco
testemunhas. Deviam assinar o ato o testador, o notário ou os notários e as
testemunhas. Se o testador não sabia ou não podia assinar, devia declarar a
causa que lho vedasse, e o notário mencionaria isso. O

testamento secreto devia ser subscrito pelo testador ou por outrem. Se


escrito pelo testador, devia ser assinado por êle no fim das disposições.
Escrito, no todo, ou em parte, por outrem, devia ser subscrito pelo testador
em cada uma das meias fôlhas. Razão disso: evitar-se o intercalamento de
páginas. O que lêsse, porém não soubesse ou não pudesse escrever, leria o
testamento, declarando-se isso. Seguia-se a entrega ao notário, na presença
de quatro testemunhas, e do testador, com a declaração de que aqueles era o
seu testamento. Se não no subscrevesse, diria que foi lido, e acrescentaria a
causa de não lançar a assinatura. A cédula deveria ser fechada. O notário
lançaria o ato de recebimento. Tudo isso devia fazer-se uno contextu. Além
dêsse testamento, o direito italiano reconhecia: a) o testamento em local de
peste ou outra moléstia contagiosa, sem efeito após seis meses de haver
cessado a moléstia, ou de ter saido do lugar o testador; b) o testamento em
alto mar; e) o testamento em tempo de guerra, feito por militares ou pessoas

que servissem nas expedições. O marítimo perdia eficácia três meses


depois de ter o viajante, ou marinheiro, descido em pôrto em que pudesse
testar por forma ordinária. Bem assim, o militar.
da No Código Civil italiano (1942), os arts. 587-712 tratam sucessão
testamentária: das disposições gerais, nos artigos 587-590; da capacidade de
dispor por testamento, no art. 591; da capacidade de receber por testamento,
nos arts. 592-600; da forma testamentâria, nos arts. 601-623. As formas
ordinárias de testamento são o testamento hológrafo e testamento por ato de
notário. Êsse ou é público ou secreto (art. 601). O testamento hológraf o
deve ser escrito por inteiro, datado e subscrito a mão, pelo testador (art.
602, alínea 1ª). A subscrição deve ser ao fim das disposições. Se não indica
o nome e cognome do testador, todavia é válida quando designa cori certeza
a pessoa do testador (alínea 2)9. A data deve conter a indicação do dia, mês
e ano. A prova da não-verdade da data é admitida somente quando se trata
de julgar da capacidade do testador, da prioridade de data entre testamentos
ou de outra questão que se haja de decidir com base no tempo do
testamento (alínea 3)9. O art. 603 cogita do testamento público; os arts. 604
e 605, do testamento secreto. O art. 606, da nulidade do testamento por
defeito de forma. O

art. 607, da validade do testamento secreto como hológraf o. O art. 608, da


retirada do testamento secreto ou do hológraf o. Os artigos 609-619, dos
testamentos especiais. Os arts. 620-623 são sôbre a publicaçâo dos
testamentos hológrafos e dos testamentos secretos.

12.TESTAMENTO NO DIREITO ARGENTINO No direito argentino, há o


testamento hológrafo, todo escrito, datado e firmado pela mão do testador
(art. 3.639). Se há alguma coisa escrita por mão estranha e se a escrita faz
parte do próprio testamento, será nulo êsse, se no escrito consentiu ou foi
feito por ordem do testador (art. 8.640) .

Tem de ser escrito em caracteres alfabéticos e pode ser redigido em


qualquer idioma (art. 3.641) . As disposições do testador, escritas após a
firma, devem ser “fechadas” e firmadas para que possam valer como
disposições testamentárias (art. 3.679). Mas, se são muitas, a firma e a
“fecha” (data) da última valem para as anteriores, de qualquer tempo que
sejam (art. 8.680). Não podem ser em cartas, nem em livros, ou escritos em
que o testador costumava escrever os seus negócios (art. 3.648). Abundans
cautela non nocel: “El testador puede, si lo juzgare más conveniente, hacer
autorizar ei testamento con testigos, ponerle su selio, o depositarlo en poder
de un escribano, ó usar de cualquiera otra medida que dé más seguridad de
que es su última voluntad” (art. 8.649) . Pode escrevê-lo de uma só vez, ou
de muitas; assinar e datar separadamente, ou não (art. 8.647). Além do
testamento hológrafo, tem o direito argentino o testamento público e o
testaiu~to cerrado. O surdo, o mudo e o surdo-mudo não testam por ato
público (art. 3.651) : o surdo testa pelo testamento cerrado (art. 8.703) ; o
mudo, pelo hológrafo, ou pelo cerrado. O cego testa Por ato público (art.
8.652). O escrivão parente do testador em linha reta ou até o terceiro grau
na linha colateral, consanguíneo, ou afim, não pode intervir na redação do
testamento (art. &653). As testemunhas são tres e devem residir no lugar
(art. 8.654). O testador pode ditar o testamento ao escrivão, dar por escrito
o testamento; ainda mais: “sólo darle Por escrito las disposiciones que debe
contener para que las redacte en la forma ordinaria” (artigo 3.656). Na
campanha perante o Juiz de Paz, ou, na sua falta, perante alguns dos
membros da municipalidade (art. 8.655) Se o testador não sabe assinar,
outra pessoa ou uma das testemunhas assina por êle: no último caso, duas
testemunhas, pelo menos, devem saber assinar (art. 3.661) . Se o testador só
-

mente pode testar em língua estrangeira, intervêm intérpretes, que


procedem à tradução em castelhano, e nos dois idiomas escreve~se o
testamento. As testemunhas devem compreender

os dois (art. 3.663) . O testamento cerrado é assinado pelo testador, ou por


outrem, se o testador não no pode (art.

3.666)

A entrega e subscrição deve ser em ato ininterrupto; no caso de acidente, só


se admitem breves intervalos (art.

3.667) . As testemunhas são cinco, O que não sabe ler não pode testar por
essa forma (art. 3.665) . O que sabe escrever, mas não pode falar, escreve o
testamento, firma-o, apresenta-o ao escrivão e às testemunhas, escrevendo
no envoltório que aquilo contém o seu testamento (art. 8.668). São
testamentos especiais: a) O testamento militar, para os militares,
voluntários, prisioneiros, capelães, etc., perante oficial que tenha o grau,
pelo menos, de capitão, ou perante intendente do exército, auditor geral, e
duas testemunhas. Deve designar lugar e data em que se fêz (art.

3.672) . No caso de ferimento ou enfermidade, ante o capelão, o médico ou


o cirurgião que o assista. Se em destacamento, ante o oficial que comande,
ainda que não tenha o pôsto de capitão (art. 3.672). Mas, se o testador ou
não sabe firmar ou não no pode, assina por êle uma das testemunhas,
declarando-se isso (art. 3.674) . Se o testador falece antes dos noventa dias
subseqUentes àquele em que cessaram as circunstâncias da habilitação ao
testamento militar, vale como se ordinário fôra. Se sobrevém ao prazo,
caduca o testamento (artigo 8.676). Pode preferir a forma do testamento
cerrado. b) O testamento marítimo, ante o comandante do navio e três
testemunhas, duas das quais, pelo menos (é disposição expressa), saibam
assinar. Deve ser datado, em duplicata, igualmente assinado (art. 3.679).
Pode preferir-se a forma cerrada (artigo 3.682) . Nos navios mercantes, sob
bandeira argentina, o testamento marítimo faz-se perante o capitão, o
imediato ou o pilôto (art. 3.688). Vale, assim, se o testador falece antes de
desembarcar, ou antes dos noventa dias subsequentes ao desembarque. Não
é desembarque a descida para reembarcar.

e)Se, por causa de peste ou epidemia, não há escrivão no lugar ou no


lazareto, estatui o art. 3.689: “podrá hacerse ante un municipal, ó ante eI
jefe dei lazareto, con las demás solemnidades prescriptas para los
testamentos por acto público”.curso só de duas testemunhas, pelo notário,
funcionário, ou outra pessoa que tenha qualidade para isso, segundo o
direito cantonal (arts. 498 e 499) ; b) com a forma hológrafa, todo escrito
pelo testador, datado e assinado de próprio punho, podendo os Cantões
decidir se aberto ou fechado, ou entregue para depósito à autoridade (arts.
498 e 505) ; o) na forma oral, durch miindliche Erklãrung, quando ocorrem
circunstâncias extraordinárias, nas quais esteja o disponente impedido de
testar noutra forma, por exemplo, em caso de perigo de morte iminente,
comunicações interceptadas, epidemia ou guerra: feito perante duas
testemunhas, que êle encarrega de constituir ou fazer constituir o ato (arts.
498 e 506) . Das outras formas falaremos nas seções relativas ao testamento
público e ao hológrafo. Não tendo o Código Civil brasileiro o testamento
oral ou nuncupativo, é êsse o lugar para cogitarmos de tal forma
testamentária do direito suíço. Tratam do testamento por declaração oral os
arts. 498 e 506-508. No primeiro, apenas há referência, como uma das
formas possíveis. Dele se tira que o Código Civil suíço desconhece outras
formas que as mencionadas:

assim, não são admitidos codicilos, testamentos particulares perante


testemunhas (antes, Código Civil de Zurique,

§ 504, 1), os chamados testamentos místicos, quer no sentido do direito


romano, que é o técnico (cf. II.

DERNrnIRG, Pandelcten, III, § 77, 5), quer no sentido do Código Civil


francês, art. 976. Também não se cogitou de testamento conjuntivo (1‟.
TUOR, Kommentar, III, 297 e 272). Como por toda a parte, rege o princípio
da indelegabilidade do ato de testar, o que exclui representação e
assistência. Quanto à forma oral, dela tratam as três alíneas do art. 506.

Há forma extraortinária para circunstâncias extraordinárias. As


circunstâncias mencionadas (iminência de morte, corte de comunicações,
epidemias, guerras) são meramente ezemplificativas (A. ESCHER, Das
Erbrecht, Kommentar, III, 92;

P. TUOR, Kommentar, III, 833). O perigo de morte iminente pode ser


conseqúência de acidente, ou de crime, ou de longa moléstia. Mas, se durou
a moléstia, o perigo de morte não constitui, sem outro elemento,
circunstância extraordinária: so o agravamento ocasional, imprevisto, pode
dar-lhe tal qualidade. O perigo iminente pode ser resultado, ou, apenas,
esperade, mas há de ser independente da vontade do testador.

A extraordinariedade é um dos pressupostos, que, associado


àimpossibilidade de usar outra forma testamentária (pública, hológrafa),
perfaz a admissibilidade momentânea. “Comunications interceptées”,
Ver/cekrssperre, são tudo que signifique insulamento espacial: destruição de
uma ponte, parada das máquinas de um navio, inundação, interrupção do
tráfego de estrada de ferro, que constituem circunstâncias extraodinárias
exteriores, prisão do testador, ou situação semelhante que são circunstâncias
extraordinárias interiores, e caso de disponente analfabeto ou incapaz de
escrever, ou que não quer ir à presença de oficial público doente em tempo
de epidemia (circunstâncias, interior e exterior, que o juiz deve examinar).
A respeito da falta de material para escrita, ou impossibilidade, falta de
tempo, para escrever, hão de dizer as testemunhas. A guerra por si só não
justifica a nuncupatividade: bastaria, em se tratando de analfabeto. Fora
disso, é um dos pressupostos a falta de material, tempo, ou oportunidade
para testar hologràficamente. Tanto vale isso para os militares quanto para
os civis (P.

TIJOR, Kommentar, III, 335) . Surgiu a questão: ambos os textos, o alemão


e o francês, falam em forma oral (testamento orale, no texto italiano). ~
Quid juris, se, em circunstâncias extraordinárias, também perdeu a voz ou
ficou mudo o testador? Pensemos naquele que, em perigo de morte, ou
cercado pelas águas, não pode falar.

EUGEN HUBELi (Prot., 599) entendeu que a oralidade vinha em primeira


linha; isto é, se perdeu a voz, ou se o caso é de surdo-mudo, que se possa
fazer compreender, é questão de interpretação. Em tais casos, o escrever
perante as duas testemunhas valeria o mesmo que dizer de viva voz. A
solução dá à língua dos surdos-mudos e ao falar por sinais o valor de
sucedâneo da linguagem oral, ainda que os sinais sejam só de cabeça (P.
TUOR, k ommentar, III, 385). Nem se excluiu a subsidiariedade do escrito,
quando só êsse fôsse possível, e até se vai a afirmar a possibilidade de
combinações de sinais gesticulares e de palavras escritas, quando a isso
obriguem as circunstâncias. É essencial o requisito das duas testemunhas,
simultâneas, que digam da identidade da pessoa e do teor das disposições.
Uma das testemunhas escreve imediatamente as últimas vontades, data-as
com indicação do lugar, ano, mês e dia, assina-as, e faz serem assinadas
pela outra, e o escrito é remetido, sem tardança, à autoridade judiciária, com
a afirmativa de lhes ter parecido capaz de dispor o testador e das
circunstâncias particulares em que receberam as declarações (art. 507,
alínea te). Entende-se: qualquer juiz, ainda o de paz, o de um tribunal de
comércio, qualquer, em suma, de competência civil (A. ESCRER, Das
Erbrecht. Kommentar, III, 98) . Aliás, está na alínea 2~a que as testemunhas
podem fazer a autoridade reduzir a protocolo, sob as suas afirmativas, as
declarações do disponente. Na alínea g~a explicita-se que, em se tratando
de militar em serviço, pode substituir a autoridade judiciária o oficial com o
pôsto de capitão ou outro mais alto. As expressões immédiatement e sans
délai do texto francês, e sofort e o/me Verzug do texto alemão supõem um
prazo, embora curto. Claro que não pode ser contado, em se tratando de
comunicações interceptadas, antes de cessar a interrupção impeditiva de
testar por forma ordinária. Não se pode deixar de confiar ao juiz a
apreciação do tempo hábil em que se fêz. A falta da observância do mais
cedo possível tem por conseqúência a ineficácia do testamento oral (P.
TuOa, Kommentar, 888). Por isso é importante o dia em que se testou. Mas
a data inexata, por si só, não o invalida. É indiferunte: a) que as
testemunhas auditivas mostrem ou leiam ao testador o que escreveram (A.
EscHEii, IDas Erbrecht, Koinment ar, III, 93) ; b) que o testador tenha ou
não morrido no intervalo (P. TUOR, Kommentai-, III, 838).

Finalmente, o testamento oral tem prazo preclusivo quatorze dias após


haver o testador recuperado a liberdade de empregar uma das outras formas
(art. 508). No texto alemão fala-se de perder validade (“Gúltigkeit‟~) e no
francês de cessar de ser válido (“d‟être valable”), porém não se trata, em
boa técnica científica, de invalidade, mas de preclusão. O art. 508 obvia aos
inconvenientes da nuncupatividade. Aliás, é assaz difícil precisar-se o
momento, o dia, em que o testador pode usar de outra forma: quaestio facti,
que se deixa à apreciação do juiz. Tratando-se de testamento militar, a partir
da cessação do serviço. Sem atendibilidade o testamento nuncupativo, por
ter expirado o prazo, ~ fica revogado o que antes existia? Não: o que êle
revogava, ainda expressamente, revive, porque o nuncupativo foi como se
não houvesse existido. (Cp. Runoir LEONHARD, Vortràge, ao § 2.252 do
Código Civil alemão, e P. TUOR, Koinmentar, III, 389)

14.TESTAMENTO No DIREITO ALEMÃO. O direito alemão distingue as


formas ordinárias e as extraordinárias (chamadas, na lei brasileira,
testamentos especiais, art. 1.681) . São testamentos ordinálrios: a) o que se
faz perante o juiz, ou o notário; b) o que, com a designação do lugar e dia, é
escrito e assinado pelo próprio testador (§ 2.231) . Todos os demais são
testamentos extraordin4rios: a) o testamento do § 2.249, no caso de temer-
se a morte antes de se poder usar do testamento perante o juiz ou o notário
ou com os pressupostos do testamento escrito pelo testador e que se faz ante
o chefe da comuna, da circunscrição, ou distrito em que se resida, se não se
trata de comuna; b) o testamento em lugar que, por moléstia ou por outras
circunstâncias extraordinárias, se acha interceptado (separado, abgesperrt),
feito na forma do anterior, ou por declaração oral perante três testemunhas
(§ 2.250) ; e) o testamento marítimo, em navio alemão que não seja da
marinha do Reick, que também se pode fazer perante três testemunhas como
o anterior (§ 2.251). Se o testador vive, todos êsses testamentos perdem
eficácia três meses após a feitura (§ 2.252) . O testamento militar ficou às
leis especiais, razão por que a êle nos referiremos depois. Tratemos dos
testamentos ordinários:

a) Forma judicial. Era a única que o direito prussiano (P‟reussisches


Alígemeines Landrecht, II, 12, §§ 66 s.) conhecia. Não no conhece o
Código Civil francês, nem o brasileiro. Na própria Alemanha, o art. 141 do
Einfiihrungsgesetz dispunha que os atos jurídicos, a que o Código Civil
„confere as duas formas, podem ser, pelos Estados-membros, restringidos a
uma ou outta. De modo que alguns Estados-membros não admitiam os
testamentos notariais e outros só admitiram a forma notarial (Baviera,
Prússia renana, Bikenfeld, Bade). Vale para os paÇses de todo o Reich.
(Ger. Verf. Gesetz, § 167) . No caso de necessidade, isto é, de perigo na
demora, ainda fora da sua jurisdição, podem servir os juizes, informada a
justiça administrativa do lugar (H. PEISn, Ztandbuch des Testamentsreckts,
260). Aliás, o estar fora e servir ao ato testamentário não causa a nulidade
(I?eichsgúsetz liber die freiwiliige Gerichtsbarkeit, § 7) . Mas é preciso que
o juiz não seja do outro Estado-membro (Motive, V, 276). Só se trata, então,
de Arntsgericht (Reichgesetz u. f. Gcrichtsb., § 167) -

b) Forma notarial. Introduzida pelo nôvo direito. Tem o mesmo valor


probatário que a judicial. A competência é de acôrdo com a lei local. Nos
distritos consulares, podem receber as declarações testamentárias os
cônsules, e as leis dos Estados já não podiam limitar tal competência,
invocando o artigo 141 da Lei de Introdução (CARE CROME, System, V,
67, nota 8) . Cumpre advertir que os testadores não estavam adstritos aos
funcionários do lugar em que residiam: se estivessem fora do domicílio,
podiam testar, ainda que de passagem. O testamento público, judicial ou
notarial, pode ser feito por declarações orais, ou em escrito, que contenha
(deve dizê-lo o testador) as suas últimas vontades. O escrito pode ser aberto
ou fechado. Ainda mais: ser escrito pelo testador ou por outra pessoa. Mas o
menor e o que não sabe ler os caracteres da escrita somente podem testar
pela forma oral (§ 2.238) . Se judicial, concorrem o juiz, o escrivão e duas
testemunhas; se notarial, o notário, um segundo notário e duas testemunhas

2.233) . Não podem figurar como juiz, notário, escrivão, ou testemunha: o


cônjuge do testador, ainda quando já dissolvido ou sem efeito o casamento;
o parente ou afim do testador, em linha reta, ou no segundo grau da linha
colateral (§ 2.234). Se êsse parentesco ou afinidade é para com o juiz ou
notário, por parte do escrivão, do segundo notário ou da testemunha,
também qualquer dêsses não pode figurar (§ 2.236). As pessoas que
concorrem à feitura devem assistir a todo o processo (§ 2. 239) . O
protocolo é em língua alemã (§ 2.240) e há de conter: o lugar e dia do ato; a
designação do testador e das pessoas concorrentes; as declarações do
testador exigidas pelo § 2.288 e, no caso de entrega de escrito, a
consignação da entrega (§ 2.241). O protocolo é lido, aprovado pelo
testador, e por êle, de próprio punho, assinado; e disso se fa~ menção. O
protocolo deve também ser entregue ao testador, se o quiser, para que êle
possa revê-lo (§ 2.242, alínea lY) -Se o testador declara que não pode
escrever, supre-se a sua assinatura pelo consignar-se, no protocolo, essa
declaração (§ 2.242, alínea 2A). O protocolo precisa ser assinado pels~s
pessoas concorrentes (2.242, alínea

3 ~). Se o testador não sate a língua alemã, intervém intérprete, a que se


aplicam as regras jurídicas dos §§ 2.234-2.237., relativas às testemunhas: o
testamento é traduzido na língua em que o testador fêz a declaração; a
tradução há de ser feita ou portada por fé e lida pelo intérprete; a tradução é
junta, como anexo, ao protcco!o (§ 2.244, alíneas e 2.ª). O‟ protocolo há de
conter a convicção do juiz, ou do notário, de que o testador que não está ao
corrente da língua alemã, bem assim o nome do intérprete, e a confirmação
de que êsse fêz ou autenticou a tradução e a leu em voz alta. O intérprete
assina o processo verbal (§ 2.244, alínea 8ª).
Mas, se todas as pessoas que concorrem à feitura compreendem a língua em
que o testador se expressa, não é de mister o intérprete (§ 2.245, alínea l.ª) :
nesse caso, redige-se na língua estrangeira o protocolo, com a declaração de
que o testador não compreendia a língua alemã, e a afirmativa de
conhecerem todos os que intervieram a língua em que o testador declarou as
suas vontades. Junta-se ao texto, como anexo, a tradução alemã (§ 2.245,
alínea 2.ª) .

O protocolo tomado sôbre a feitura do testamento, com os anexos, deve,


principalmente no caso de feitura por entrega de escrito, ser, com êsse
escrito, fechado pelo juiz, ou pelo notário, na presença das outras pessoas
concorrentes e do testador; provido de uma declaração final assaz precisa,
assinada pelo juiz, ou pelo notário, designativa do testamento, e guardado
no depósito especial do ofício. Dá-se ao testador o certificado de depósito
(§ 2.246).

c)Forma h,ológraf a.. Os autores têm-na como a forma mais importante.


Sôbre ela é fundamental a obra de WALTHER BgOcK, merecedora, como
foi, de um prêmio. Ao testamento de mão própria referem-se os §§ 2.231,
2.247 e 2.248. O primeiro exclui de tais testamentos o menor e o que não
sabe ler os caracteres escritos. O segundo manda que, a requerimento do
testador, se guarde no depósito oficial, recebendo o testador o respectivo
certificado.

Quem quer que possua testamento não depositado deve, ao saber da morte
do testador, apresentá-lo ao tribunal de sucessão. (§ 2.259)

5.556. TESTAMENTO CONJUNTIVO E SIMULTÂNEO

15.TESTAMENTO NO DIREITO PORTUGUÊS. O Código Civil


português de 1966, depois de cogitar da definição de sucessão (art. 2.024),
do objeto da sucessão (art. 2.025> e dos títulos de vocação sucessória (por
lei, testamento ou contrato, art. 2.026), em vários pontos se refere à herança
testamentária, mas dedica à sucessão testamentária os arts. 2.179-2.334. No
artigo 2.179, fala-se da unilateralidade e da revogabilidade do testamento e
das disposições de caráter não-patrimonial, que a lei permite serem insertas
em testamento. No art. 2.180, diz-se ser nulo o testamento em que o
testador não tenha exprimide, “cumprida e claramente”, a sua vontade.
Proibe, no art.

2.181, o testamento de mão comum. O art. 2.182 frisa a personalidade do


testamento; mas logo diz que o testador pode cometer a terceiro: a) A
repartição da herança ou do legado, quando institua ou nomeie uma
generalidade de pessoa; b) A nomeação do legatário de entre pessoas por
aqueles determinadas. No art. 2.183 refere-se à escolha da coisa legada “à
justa apreciação do onerado, do legatário ou de terceiro, desde que indique
o fim do legado e o gênero ou espécie em que êle se contém - Os artigos
2.188-2.191 tratam da capacidade testamentária. Os arts.

2.192-

2.208, da indisponibilidade relativa. As formas dos testamentos são assunto


dos arts. 2.204-228: formas comuns (testamento público e testamento
cerrado, arts. 2.204-2.209) ; formas especiais (testamento de militares e
pessoas equiparadas, artigos 2.210 e 2.212; testamento feito a bordo de
navio, arts. 2.214-2.218; testamento feito a bordo de aeronave, art. 2.219;
testamento feito em caso de calamidade pública, ad. 2.220). Sôbre
testemunhas, art. 2.221; sôbre prazo pata as formas especiak, art. 2.222;
sôbre testamento feito por português em país estrangeiro, art.

2.223. Os arts. 2.224-2.307 são sôbre o conteúdo do testamento; os arts.


2.208-2.819, sôbre nulidade, anulabilidade, revogação e caducidade; os arts.
2.320-2.334, sôbre testamentaria.

16.CONSIDERAÇÀO FINAL. Aí ficam as formas dos países com os quais


maiores relações tem o Brasil. À

medida e nos lugares em que tiverem de ser resolvidas as questões, volver-


se-á ao direito de cada um deles, para que ressaltem as diferenças e se
mostrem as parecenças com o direito brasileiro.

§ 5856. Testamentoconjuntivo, simultâneo, recíproco e correspectivo


1.DIREITO .ANTERIOR. Diz o Código Civil, art. 1.630: “O proibido o
testamento conjuntivo, seja simultâneo, recíproco ou correspectivo”. No
direito reinícola não havia textos sôbre os testamentos de mão comum.
Alguns praxistas queriam que deles pudessem usar os cônjuges e os irmãos.
Mas verdade é que ANTÔNIO DA GAMA (Decisiones Supremi Senatus
Lusitaniae. dec. 231) somente se referia aos cônjuges. E foi ANTÔNIO DA
GAMA, no dizer de M. A. COELHO DA ROCHA (Instituições, 573),
quem primeiro tratou da matéria em Portugal.

Portanto, em 1578, época em que se publicaram as Decisiones, elaboradas


por ordem do rei Dom Sebastião. Diz a ementa da decisão n. 231:

“De validitate testamenti mariti et uxoris, quod manu propria mariti


scriptum fuit, et se ipsum haeredem scripsit”.

Não estava nos textos reinícolas, porém estava na praxe. Aliás, em Portugal,
a lei visigótica (L. 6, V, Tít. 2) consignava-o; daí, com certeza, a exceção.
Dos Germanos foi que imitaram os povos tais testamentos. Na península, há
documentos do século XIII. Aos cônjuges, sempre se permitiram, por
influência dos povos nórdicos, provàvelmente, desde as invasões. ÁLvÂRo
VALASCO. (Co-nsultationum et Decisionum, ao rerum iudicatarum in
Regno Lusitaniae, 1, 20-23), P. J. DE MELO FREntE (Institutiones. III, 5. §
36), MANUEL DE ALMEIDA E

SOUSA (Dissertação VII, em Coleção de Disserta ções Jurídico-práticas,


196 s.) e M. A. COELHO DA ROCHA (Instituições, 573), além de
ANTÔNIO DA GAMA. atestam a usual incorporação ao direito português.
Eram assaz reverenciados os livros de SAMUEL STRYK (Disputatio,
Opera Omnia, XI, disp. 26), F. C. HARPPRECHT

(Diss. de testamentis correspectivis) e G. G. HEINÊCIO, nos elementos de


direito germânico. O Código Civil brasileiro considera conjuntivo o
testamento que hoje proibe; espécies dele, o simultâneo, o recíproco e o
corres pectivo. No testamento simultâneo, há a disposição de ambos numa
só: os dois testadores testam, e dizem a mesma coisa. Exemplo: A e E
instituem herdeiros a C; legam a casa da rua do Ouvidor a D, a da rua do
Rosário a E. No testamento recíproco, cada um é herdeiro ou legatário do
outro. No testamento correspectivo, além da reciprocidade, faz-se causa de
dispor a favor do outro testador o ter sido instituido por êle. Não é preciso
que seja feito no mesmo ato, “sive uno eodemque actu, sive actibus
separatis, eo modo conficitur, ut vel ex verbis ipsarum expressis, vel valde
urgentibus circumstanciis appareat, quod altera persona nou aliter de suis
bonis ita diaposuisset, quam si etiam altera de suis facultatibus ordinatam
voluntatem, vel adhuc ordinandam, immutatam reliquerit, si altera ex post
facto eam revocet, illa etiam ah altera pro reco cata haberi debeat” (E. C.

HARPPRECHT, Disputationes, 38, 9). Eram longas e sutis as disputas.

No direito brasileiro, não se tem o testamento nuncupativo ou oral, nem a


carta de consciência, nem a cláusula codicilar.

Foi proibido o testamento conjuntivo ou de mão comum, feito pelos


cônjuges, em que se instituíam herdeiros. Se um vinha a testar de modo
diferente, ou com revogação do testamento de mão comum, o outro era
atingido no que concernta ao ato do outro cônjuge.

A proibição, explícita no art. 1.630 do Código Civil, não se estende aos atos
dos cônjuges, que em testament os separados e sem a ligação vedada se
beneficiam reciprocamente. Ai, a reciprocidade é apenas ocasional, a
despeito dos entendimentos prévios. Nenhum deles -se privou da liberdade
de testar. Se um revoga a cláusula de liberalidade ao outro, o que o outro
dispusera persiste, sem qualquer repercussão do testamento posterior. ~ êrro
dizer-se, no direito brasileiro, por influência da jurisprudência francesa,
que, “se dispôs Lívio a favor de Públio e êste em prol daquele únicarnente,
a morte do primeiro torna caduco o testamento do soberano”. O que ocorre
é que ninguém pode herdar se não está vivo à abertura da sucessão.

Quanto à lei pessoal, o testamento conjuntivo em que testaram cônjuges


sujeitos à mesma lei permissiva, ou a duas leis permissivas, é cumprível em
Estado que o proiba a quem está sujeito à sua lei. Em direito intertemporal,
a superveniência da proibição não atingiria os testamentos conjuntivos que
foram feitos ao tempo em que eram permitidos, se com a regra jurídica
vedativa só se cogitou de forma. Mas o que mais acontece, nos sistemas
jurídicos, é a concepção da regra jurídica de repulsa como regra jurídica
concernente ao fundo, e não à forma. E é isso o que se dá no sistema
jurídico brasileiro, a despeito de estar no Capítulo Das formas ordinárias do
testamento o art. 1.630 do Código Civil.

Quando surgiu o Preussisches Alígemeines Landrecht (II, 1, arts. 486 s.), os


juristas portuguêses, prestos, apegaram-se a êle, para cortar, cerce, algumas
questões, principalmente quanto à revogação. O direito que se acolheu em
Portugal e no Brasil foi o seguinte: a> revogabilidade ad nutum do
testamento simultâneo, subsistindo o outro que se não revogou (ÁLvARO
VALASCO, Consqdtationum et Decisionum, 21 s.); 14 no testamento
recíproco e no correspectivo, havia de procurar-se o fim da retribuição:
revogado um, sem o conhecimento do outro testador, tinha-se como
revogada a disposição dêsse a favor daquele, mas não no resto
(Preussisches Alígemeines Landrecht, II, 1, art. 486) ; não se presumia
ânimo de revogar naquele dos testadores, que, sem desconstituir o
testamento, apenas fêz algumas alterações nos legados ou disposições
secuildArias; porém, quando dessas alterações resultasse algum prejuízo às
vantagens concedidas ao sobrevivo, deviam nessa parte julgar-se atingido
(II, 1, arts. 487 e 488) ; definitivamente separados os cônjuges, revogava-se,
ipso facto, o testamento (II, 1, art.

489) ; morto um dos testadores, se o sobrevivo aceitava, era de presumir-se


a correspectividade (II, 1, art. 492).

2.PROIBIÇOES NOUTROS SISTEMAS JURÍDICOS. O Código Civil


francês, art. 968, o revogado Código Civil italiano, artigo „791, e o de 1942,
art. 589, o espanhol, 669, o português anterior, 1.758, e o de 1966, art.
2.181, o argentino, 3.618, o chileno, 1.003, o uruguaio, 781, o mexicano,
3.246, e outros, proibiram tais testamentos. Vemo-los no austríaco, no
alemão e no venezuelano, de que oportunamente se falará.

Proibe o Código Civil, no art. 1.630, que se teste conjunta-mente com


outrem; isto é, em conjunto espacialmente, ou em conjunto temporalmente,
ou em conjunto intencionalmente. Onde há reciprocidade e
correspectividade, há intenção de testar em conjunto. Não é preciso que se
dê simultânea‟inente a identidade ou continuidade espacial.

Dois testamentos podem ser em atos diferentes, de datas diferentes, mas


recíprocos ou correspectivos. Tudo está na maneira de testar, no intuito das
declarações. Érro é interpretar-se a proibição como só vedativa de
testamentos materialmente de mão comum, testamentos em que A e 13, no
mesmo papel e ao mesmo tempo, testam. Êrro também é julgá-lo vedativo
de todos os testamentos que se lavrarem no mesmo papel, talvez na mesma
lousa, ou no mesmo livro de tabelião. É preciso que se aponte o que
constitui nocividade, para que se tenha o v~rdadeiro conteúdo do art. 1.630.

Alguns escritores querem que o fundamento de se proibir seja o da


revogabilidade: se juntos, dilacerado, ou destruído um, revogar-se-ia o
testamento do outro. Mas, tanto não é êsse o fundamento, que não valeriam
os testamentos conjuntos feitos no tabelião, atos que ficam no livro, e cada
um, separadamente, sem inconveniente, poderia revogar. Não atribuamos à
lei razão ingênua. O que ela afasta tem alcance mais sério. Nada justificaria
vedar-se que, na mesma fôlha dobrada de papel (uma pessoa de um lado, e
outra de outro portanto, separadamente) testassem dois casados, irmãos, ou
amigos, suposto que nenhum laço captatório ou de contemplação da mesma
pessoa existisse nesse dúphce porém não conjunto testamento. Cada um
escreveu e assinou o seu, com as testemunhas do ato. A fortiori, em se
tratando de livro de família, ou canhoto, em que os testamentos sejam
escritos de um lado (inseparável) e de outro lado (separável),para ser levado
ao “cumpra-se”.

Nada impede que se lancem em sgguida um do outro, com autônomas


formalidades. A conjuntividade seria material e de mera continuidade.
Digamos, com F. ENDEMANN (Lefirbucli, III, 480), conjuntividade
exterior. A questão de saber se os atos aproximados (talvez, por
circunstâncias especiais, ajustados) constituem ou não espécie proibida, não
pode deixar de ser quaestio facti: podem ser testamentos conjuntivos, ou,
simplesmente, dois testamentos individuais. Mais: para que seja proibida a
correspectividade, não é preciso que seja bilateral. Sim, mas, na espécie, só
o ato que a tem pode ser, nessa disposição, invalidado. Não poderia
invalidar o ato limpo de outrem. Se, porém, há ainda com o pressuposto da
unilateralidade da correspectividade necessidade de ato material, ou alusão
no outro, a invalidade contagia-se.

3.TESTAMENTOS ESCAPOS À PROIBIÇÃO. O Código Civil não


proibe: a) Que, sem qualquer combinação dos cônjuges, ou dos testadores,
não casados, ainda em atos da mesma data, os dois ou mais testadores
instituam herdeiros ou legatários a mesma ou as mesmas pessoas. Pessoas
que vão viajar podem querer que os interêsses fiquem regulados, intuitu
mortis. Nada obsta, por exemplo, a que marido e mulher testem a favor dos
filhos, ou de alguém, que ambos sem concêrto ou dependência queiram
beneficiar. 14 Que A, sem qualquer dependência do ato de B, que o
contemplou no testamento, no seu contemple a 13. ~ preciso que haja
reciprocidade intencional: a coincidência ocasional não basta. No mesmo
ato, tem de presumir-se a intencionalidade. Fora, não. A reciprocidade das
disposições é fato que ordinàriamente acontece, pela própria ordinariedade
do caráter recíproco das afeições. Se a retribuição não é fundada no
testamento do outro, não há correspectividade: se A diz “deixo a minha
fortuna a B, em retribuição do que tem sido para mim a sua amizade, que
até se desvela em garantir o meu futuro com um seguro sôbre a vida”, o ato
que se retribui não é testamento, ou deixa testamentária; a verdadeira cawsa
é a afeição; demais, ex hypothesi, a generosidade é de 13, que não teve o
intuito de obter de A o ato testamentário. Falta, pois, a con.sensuum
correspectivitas, de que fala F. C. HARPPRECHT. O juiz tem de interpretar
os dois atos, com o auxilio das circunstâncias, para verificar se foi, ou não,
atingida a disposição proibitiva do art. 1.680. Há corres pectividade e, pois,
não vale a deixa ou a substituição (porque o art. 1.630 incide a respeito de
todo o direito testamentário> : a) se dizem os testadores que, no caso de um
deles revogar, ou mudar, em parte, o testamento, o seu ou a cláusula
correspectiva fica revogada; 14 se a mulher, casada em segunda núpcias,
tem uma filha, e a institui herdeira, substituindo-lhe o filho do marido, para
que ou porque êsse, instituindo o filho, fêz a filha dela substitui-lo (G. A.
STRUVE, Syn~tagma, iurisprudentiae secundum ordinem Pandeetarum,
ex. 32, t. 42) ; c) se o testador disse: se meu irmão (ou outrem), no seu
testamento, constituir fideicomisso em favor de meus filhos, aqui fica
disposto em favor dos seus (JOA. DOM. PEREGRINUS, De
Fideicommissis praesertim wniversalibus frcquentissimus, a ed., art. 88, n.
30). Mas, se o testador escreve: “temo 12

que B, testando, não se lembre de D, que ficaria, por nossa morte, em má


situação; por isso, se, morto E, D não tiver herdado, será ela minha herdeira
(ou legatária) “, não há nenhuma correspectividade, e vale a instituição ou
legado.

§ 5.856. TESTAMENTO CONJUNTIVO E SIMULTÂNEO

4.VERDADEIRO CONTEÚDO DA REGRA JURÍDICA VEDATIVA. A


lei estabelece a unipessoalidade do testamento, a completa independência
da vontade do testador. Daí as proibições. A simultaneidade material e a
coincidência ocasional, por isso mesmo que não violariam tais postulados
inclusos na própria definição contemporânea de testamento, não poderiam
ter a conseqUência de invalidar, por si sós, o ato testamentário. Deve, pois,
considerar-se: a) a unipessoalidade do testamento; 14 a Independencia
intencional. Nem todo testamento simultâneo é proibido, nem é mister que
sejam simultâneos, para que a lei os proiba. Nem precisam ser no mesmo
ato, para que sejam recíprocos ou correspectivos; nem, tão-pouco, a
reciprocidade ou o aparente consenso correspectivo, de si só, destrói a
cédula testamentária.

5.UNIPESSOALIUADE DO TESTAMENTO. O testamento não é só


negócio jurídico unilateral; no direito brasileiro, é também unipessoal:
cada vontade, um testamento. Tal a regra geral. Assim: duas pessoas não
podem, ainda que unilateral-mente, pelo mesmo ato (testamento público,
cerrado, particular, ou especial), dispor com o caráter de última vontade.
(Duas pessoas podem, na mesnu escritura, vender as casas que têm, cada
uma a sua.) Mas seria êrro dizer-se que é absoluta a unipessoalidade. Pelo
contrário, o princípio deve ser entendido em têrmos exatos: em combate,
nos momentos da morte, podem duas pessoas declarar às mesmas
testemunhas que desejam sejam seus herdeiros A, B e C ou determinada
instituição. Não há, na espécie, exceção à unipessoalidade: foram as
circunstâncias que obrigaram à simultaneidade, evidentemente
extraordinária e acidental. Certo, a lei proibe testamentos simultâneos, mas
apenas se a simultaneidade é um dos casos de testamento conjuntivo. Pode
ser simultâneo sem ser em comum. Em caso de perigo, não havendo papel
em que o tabelião lavrasse dois testamentos, valeria o que fôsse assinado
por duas pessoas, mesmo cônjuges, desde que não haja o propósito geral da
coujuntividade (mão comum, como se dizia), nem qualquer dos propósitos
especiais de iredprocidade, de corres pectividade ou de combinada
circunstância de favorecer as mesmas pessoas. Não explicada a excepcional
razão de serem simultâneos, ofendem os testamentos o princípio da
unipessoalidade testamentária.

Portanto, são, por lei, nulos (art. 1.630). Rigorosamente, o requisito de ser
unipessoal inclui-se na exigência da pessoalidade dos testamentos. Porque
se teme que a conjuntividade, a reciprocidade e a correspectividade
atenuem ou limitem a função pessoalíssima de testar. Assim como há povos
que admitem o contrato sucessório, há também os que conhecem a validade
dos testamentos de mão comum, recíprocos e correspectivos. Entendem êles
que essas exceções não ofendem os princípios.

6.INDEPENDÊNCIA INTENCIONAL. A principal ratia teqts da regra


jurídica vedativa é evitar que algo se tolha na livre expressão da vontade,
que é essencial ao testamento. Por isso, proibe as disposições recíprocas in
praevio consensu mutuo, e a dita “perigosíssima” correspectividade
testamentária. No zêlo da liberdade testamentária, impede, igualmente, a
vontade concertada de instituir terceiro. Pelo fato de ser ordinàriamente em
ato autônomo, independente, o testamento, inclui-se na proibição algo que
parece obstar à própria conjuntividade, espacial ou temporal, de ordem
puramente material e incidente. Já se viu que isso criaria, apenas, elemento
de presunção, auxiliar, porém não suficiente, na interpretação de haver ou
de não haver laço intencional recíproco ou correspectivo. Em verdade, o
principal, o decisivo, é êsse laço intencional, que passaria a existir e a
desnaturar o testamento, negócio jurídico unilateral essencialmente
revogável, inserindo-lhe o que caracteriza a contratualidade e existe in
contractibus vel aliis negotios inter vivos. Por isso mesmo: a) pode ser
explicada e, pois, inoperante a simultaneidade (a duobus uno actu
ordinatum) ; b) a reciprocidade meramente ocasional (aqui, a
simultaneidade, duo simul una carta, criaria fortíssima presunção de
direito) não poderia ter o efeito invalidante e a razão já foi apontada:
haveria. a ordinariedade do laço recíprocó nas afeições, isto é, a
reciprocidade de fato, e não de consenso; e) o serem os testamentos em
diferentes atos, ou em diferentes datas, não exclui a possibilidade de existir
o laço intencional: assim, se bem que lançados em escritos diferentes
(públicos, cerrados, ou particulares), ou, até, em diferentes tabeliáes, de
diferentes lugares, ou nações, os testamentos não deixam de ser recíprocos
ou correspectivos, quando as circunstâncias persuadam disso(F.C.
HARPPRECRT, Diss. de testamentis correspectivis, Tiisp. 38, t. 33).

7. ExTENSÂÇ~ DA INCIDÊNCIA A regra jurídica incide em todo o


direito testamentário: herança, legado, substituíções, ~nodus. Às vêzes, só a
disposição testamentária é recíproca ou correspectiva, e não todo o
testamento. Há de apurar-se a captação de que fala o art. 1.667, 1, do
Código Civil. Se em benefício de terceiro, dá-se a condição captatória, que
o mesmo artigo proibe, e corresponde à proibição geral do testamento
simultâneo.

No próprio codicilo, pode haver conjuntividade proibida (F. C.


HARPPRECHT, disp. 38, t. 29).

A regra jurídica proibitiva, pressuposto de validade intrínseca para os


testamentos regidos, no fundo, pelo direito brasileiros, apanha quaisquer
formas testamentárias, porque delas independe: o fundamento principal,
conforme já se viu, é o laço intencional. As considerações que foram feitas
a respeito da simultaneidade e da independência de intenção expressa,
valem para todas as formas testamentárias inclusive para os testamentos
especiais. Por isso, não invalida, de si só, o ato testamentarío, o fato de dois
militares, ou irmãos ou cônjuges, ou parentes, ou simpleff amigos, ou
companheiros estando ambos a morrer, feridos, ou apenas em pleno
combate, ou na iminência disso, transmitirem, uno aciu, a duas testemunhas
as vontades ultimas. Se ocorre que o contemplado seja um só e não haja
razão para se suspeitar do concêrto volitivo, valem os testamentos
nuncupativos (art. 1.66a). Se um deles convalesce do ferimento, ou volve da
guerra, subsiste integralmente o do outro. Em compensação, pode haver
reciprocidade ou correspectividade proibida entre testamento público feito
em terra e outro, por forma especial, em alto mar, em plena batalha, ou pelo
moribundo ferido em guerra, ou em outra emergência.

8.PACTOS ANTENTJPCIAIS E REGRA JURÍDICA PROiBITIVA DE


TESTAMENTOS CONJUNTIVOS

Surgiu a questão de poderem, ou não, os pactos antenupciai.s constituir


exceção à vedação feita pelo art. 1.630 do Código Civil. Não, respondeu,
em decisão de simplismo tranquilo a Côrte de Apelação do Distrito Federal,
a 1 de dezembro de 1916 (1?. de D., 45, 610). Sim, advertiu CLóvís
BEVILÂQUA (VII, 85), acrescentando: desde que não

prejudiquem herdeiros necessários, e são revogáveis por testamento (cf. II,


167) . São assaz diferentes as opiniões: no primeiro caso, nulas as
disposições e tudo que delas dependa; no segundo, vaiem, se não forem
revogadas.

Preliminarmente, tem-se de limitar o que é pacto sucessório. Doação não é


pacto sucessório, ainda que para depois da morte: tais doações valem,
conforme o art. 314. Também não é pacto sucessório a doação do bem ao
filho pré-

matrimonial, com o usufruto vitalício ao outro cônjuge: o usufruto vai até a


morte, mas o direito de domínio ficou com. o filho, desde o momento da
doação. Também um não é pacto sucessório a disposição com termo fixado
na morte, que se ajuste à propriedade resolúvel, reconhecida pelo Código
Civil, arts. 647 e 648, instituto do direito das coisas, e não do direito das
sucessões, ainda que nêle se observe a coincidência de ser a morte o têrmo.

(Alguns juristas teimam em não ler e em não aplicar os arts. 647 e 648.)
Também não é pacto sucessório o em que a noiva ou outrem deu em dote,
passando es bens aos filhos ou ao dotador (art. 283). Os bens futuros éque
constituiriam pacto sucessório, só por isso, se a respeito deles se pactasse
para o caso de morte. A exceção é só a favor do dote, mas, nesse, hão de ser
adquiridos a título gratuito (art. 280, parágrafo único). Contudo, vejam-se
os artigos 1.402 e 1.404. Aliás, quase todos os pactos antenupciais em que a
reversão é à mulher, ou seus herdeiros, deve ser considerado dote. Portanto,
valem.

Devemos evitar as decretações de nulidade, a torto e a direito, com que se


rasgam, desceremoniosamente, escrituras que a lei permitiu a favor do
matrimônio, como os pactos ante-nupciais. Não menos perigosa é a
decretação da nulidade parcial, que tem a grave conseqúência de riscar uma,
duas ou mais disposições, a pretexto de se tratar de pacto sucessório, mas
deixa válido o resto, que1 na maioria dos casos dependeu, no ajuste,
daquele pormenor. Demos o exemplo: “São comuns os prédios, ora
pertencentes à mulher, de ns. 1, 2, 3, à rua E, e comum o prédio 4 da rua A,
ora pertencente ao marido, mas, se êste premorrer, reverterá a propriedade a
favor da mãe dele, para o seu sustento. Os cônjuges não venderão, por isso,
o prédio 4, em que moram”. Ê a doa~áo, com o têrmo

“morte do doador”: a propriedade comum é resolúvel. Podia ser feito em


contrato de doação, reservado o usufruto, ou, se quisessem, com a
dependência do têrmo (doação para depois da morte). Não se
compreenderia que não pudesse ser feito em pacto nupcial, que tem maior
franquia. Finalmente: se há pacto sucessório, proIbido pela lei (art. 1.089),
feito em escrita antenupcial, cabe àinterpretação verificar. Porque, se faz
parte de um todo, com a secundariedade da passagem por morte, ou se
compõe figura do direito das coisas ou de doação para o tempo da morte, ou
se apenas atenua o regime de bens, não é contrato de herança. Se os pactos,
que têm por objeto quotas futuras, na ordinariedade dos casos são
dissimulados contratos de herança, não assim os que recaem em
determinado bem, que o proprietário, no momento, pode doar, vender,
trocar resolúvelmente. (O prazo do art.

1.141 só se refere à retrovenda: de modo que, nos contratos gratuitos, nada


obsta à cláusula de reversão ou de resolução por morte.) Não se trataria, em
tais espécies, de pacta corvina, disposições sobre a herança de outrem, nem
de pacto sobre a própria sucessão, que fizesse perigar a liberdade de testar.
Para que haja pacto sucessório, é de mister: a) que se funde na expectativa
de sucessão ainda não aberta; b) que seja contrato sôbre bens de outrem,
presentes ou futuros, ou, se de um dos cônjuges, futuros ou existentes ao
tempo da morte (Os bens presentes podem ser elemento para se compor a
figura de direito real, propriedade resolúvel, usufruto, constituição de
renda.) Quanto à revogabilidade ou irrevogabilidade do que constitui
matéria sucessória proibida, a solução da Côrte de Apelação foi mais segura
que a de CLÓVIS BEVILÁQUA: se é mão, não precisa ser revogado, não
vale.

Admitida a revogabilidade, interviriam questões sutis de eleito da


revogação das disposições recíprocas ou correspectivas, assunto estranho ao
Código Civil. A cláusula de ter o cônjuge do donatário o usufruto se o outro
premorrer sem filhos (doação implícita de usufruto ao cônjuge
sobrevivente, como o conceituava CHR. LYON-CAEN, ou instituição
contratual de usufruto pelo dotado ao seu cônjuge, como preferiu F.
GÉNY), tida por pacto sucessório proibido, nas convenções antenupciais,
por injusta jurisprudência francesa (Cassação, de julho de 1901; Câmaras
Reunidas, 2 de julho de 1903, Orléans, 30 de abril de 1904), não se
confunde com a constituição de usufruto a da entrega do bem e até a morte
do outro cônjuge (doação de usufruto), desde que a propriedade fique ao
doador ou a pessoa certa (e.g., o cônjuge, se doação de terceiro). A
construção da propriedade resolúvel exige a transmissão do domínio, porém
não é incompatível com os próprios móveis. A doação com olá asula de
reversão não é o caso único. O que é preciso, para que não incida na sanção
proibitiva, é que a figura de direito das coisas se componha. Aparecem, aqui
e ali, declarações de nulidade, sem meditação, quanto a cláusulas, doações,
pactos, contratos, por parecerem substituições. Como se as substituições
fôssem, no direito das obrigações, proibidas, e como se o direito das coisas
não as reconhecesse: ésse, na propriedade resolúvel (arta. 647, 648);
aqueles por exemplo quando se trata de estipulação a favor de terceiro: o
estipulante pode reservar-se o direito de substituir o terceiro; ainda mais: a
lei brasileira expressamente lhe concede fazê-lo por atos entre vivos, ou por
disposição de última vontade. Vamos aos casos concretos: no pacto
antenupcial ou não nupcial, A dá a B a propriedade resolúvel ou o usufruto
do bem b, estipulando que B alimente a mãe de A (obrigação pessoal ou
constituição real de renda) até a morte de A, ou que lhe pague o valor do
bem no dia em que A morre, reservando-lhe o direito de substituir alguém a
mãe, se ela premorre a A. Não se trata de contrato de herança (cf.
KONRAD HELLWIG, fie Vetrâge auf Leistung au Dritte, 623 5.; L.
SCHIFFNER, Der Erbvertrag nach dem RGB., 95, nota 27)
9.TESTAMENTO CONJUNTIVO E DIREITO AUSTRÍACO. Em
princípio, cada testamento contém a vontade de um testador. Para cada
vontade, um testamento (Código Civil austríaco, § 583; JOSEPH UNGER,
System, VI, 97). Porém dois cônjuges podiam testar num só ato (testamenta
simultanea), contemplando-se um ao outro (wechsetseitiges Testament,
testamcntum reciprocum s. mutuum), ou outra pessoa (testamentum mere
simultaneum)

. Trata-se de instituição de direito conjugal (§§ 1.217 e 1.248). Portanto,


supõe o casamento (§ 1.265). Feito por outras pessoas, nenhum valor podia
ter (§§ 583 e 601; cf. Lei austríaca de 31 de julho de 1938). Mas, se muitas
declarações de últimas vontades forem tomadas, no mesmo protocolo, êsse
defeito de forma não pode afetar a validade dos diversos testamentos
(JOsEPE UNGER, Syst em, VI, 98, nota 4) O testamento conjuntivo é um
testamento, quanto à forma, feito por dois (§§ 583 e 1.248), podendo cada
um escrever a sua parte, subscrevendo os dois (§ 578; cf. Lei austríaca de
31 de julho de 1938), ou entregando ao juiz ou ao notário os respectivos
escritos, ou por declaração em comum a êles, perante as mesmas
testemunhas (JOSEPE UNOER, System, VI, 99, nota 5; cp. Faz. ALOYS
VON ZEILIni, Commentar jiber das aUgemeine biirgerliche Gesetzbuch,
III, 603; JOH.

Ona. VON HASSE, Rh-einisches Museum flir Jurisprudeuz, 239, mas


também O. HARTMANN, Zur Lehre vou deu Erbvertrdgen, 88, 94 e 106).
Em todo o caso, é de estranhar que se desse demasiada importância à
simultaneidade e conjuntividade material. Nada poderia obstar à dupla
solenidade, em dois testamentos. Claro que o contexto deve decidir (Faz. X.
3. E. VON NIPEEL, Erlíiuterung des Aligemeineu Riirgerlichen
Gesetzbuch, IV, 121 5.; M. VON STUBENRAUCH, Das Alígemeine
Elirgerliche Gesetzbuch, II, 842; JOSEPH ELLINGER, Ilandbuch, ao §
588; contra JOSEPH UNGER, S7,‟stem, VI, 99, nota 5). A regra é que os
testamentos conjuntivos são livremente revogáveis (§ 1.248), ainda que se
trate de testamento recíproco, se, nesse, não se declarou outra coisa (o que
se não reputa captação, GXJSTAV HARTMANN, Zur Lehre vou deu
Erbvertrdgeu, 128 s., JOSEPE

UNGER, Syst em, VI, 108, nota 7). Na dúvida, tem-se o testamento como
não correspectivo. A revogação por um não implica a revogaçúo pelo outro,
solução esta (§ 1.248) contra a doutrina do direito comum (A. ERINZ,
Lehrbnch der Pqndekten, 768, 764) . Estende-se a instituição, fideicomissos
e substituições comuns.

Todo o direito testamentário dos §§ 566-569, 573, 574 e577-601 foi


atingido pela Lei austríaca de 81 de julho de 1938.

A respeito do testamento conjuntivo ou comum, há o art. 28,que diz: “1.


Um testamento comum não pode ser feito senão pelos cônjuges. 2. Para
fazer um testamento comum, segundo o art. 21, basta que um dos cônjuges
faça o testamento na forma que aí se estabelece, e que o outro assine,
pessoalmente, a declaração comum. O cônjuge que assina deve indicar qual
o momento (dia, mês e ano) e qual o lugar em que o assinara. 3. Testamento
comum pode também ser feito conforme os arts. 23 e 24, mesmo se as
hipóteses que aí são previstas só sejam observadas por um dos cônjuges”. O
art. 21 é o que regula a forma do testamento manuscrito. O art. 23 é sôbre o
testamento emergencial perante o mere. O art. 24, sôbre o testamento
emergencial nos casos especiais (lugar isolado, em consequência de
circunstâncias extraordinárias, perigo de morte próxima).

10. TESTAMENTO CONJUNTIVO E DIREITO INGLÊS. Se em direito


inglês ocorreu que duas ou mais pessoas testaram ou escreveram codicilo,
juntamente (isto é, no mesmo ato, joint testameut or codicil), ou
separadamente, mas em têrmos idênticos, cada uma das pessoas pode, em
qualquer tempo, revogar, no todo, ou em parte, o testamento separado
(Ilobson versus Blackburn, 1822; Estate of Heys, 1914) . Mas, se uma das
partes morre e a outra ou as outras são beneficiadas pelo testamento do
premorto, o patrimônio (estates) deles responde no caso de modificação aos
seus testamentos, pelo acôrdo primitivo (to cary md the original
arrangement). Cf. Dufour versus Pereira; Walpole versus Orford, 1797;
Stone versus Hoskins, 1905. Quando morre um dos que testaram tem o
probate a parte do ato que há de surtir efeitos na ocasião de tal morte
(Goods <4 Piazzi-Smith, 1898)

11.TESTAMENTO CONJUNTIVO E DIREITO ALEMÁO. O Código


Civil alemão contém proibição da conjuntividade e exceção a favor dos
cônjuges (§ 2.265) . A proibição permite, no Código Civil alemão, algumas
soluções de doutrina e de prática, que vieram pôr à prova os princípios, e a
nu o fundamento da proibição. .~Que é gemeinschaftliches Testament?
Respondido, passou-se às questões: a) se a simples continuidade cada
testador no seu pedaço do papel, com a própria escrita, data e assinatura é
atingida pela regra jurídica de proibição; b> se, uma vez que se teste, pela
entrega de escrito (testamento público), podem os testadores entregar o
mesmo e cada um dizer que “este escrito contém a minha vontade última”.
Respondendo às questões, há os que aconselham que não no faziam,
porque, no momento em que os testadores entregam e fazem a declaração, é
como se só entregassem e só possuissem pelo meio (E. ENnEMANN,
Lehrbuch des Biirgerlichen Rechts, III, 480 s.). Mas não é bem seguro isso:
porque se dois dizem, nenhum disse só até o meio a sua vontade; ambos, de
per si, disseram. Os protocolos é que são, ou, melhor, devem ser dois. A
combinação deles não livraria de nulidade o ato testamentá. rio. No
gemeinschaftliches Testament, não há aceitação de disposições (CARL
CROME, Svstem, V, 119). Se houvesse, tratar-se-ia de contrato de herança,
e não de testamento comum. O Código Civil alemão faz a unicidade de
forma elemento essencial do testamento conjuntivo. Assim, se um dos
cônjuges não pode por ser menor, por exemplo, ou não poder ler usar de
uma forma, o outro não pode, igualmente, servir-se dela. Há exceção: se um
dos cônjuges se acha em perigo de vida. O § 2.266 não é só exceção ao
princípio, é por igual aplicação dele: pode fazer-se o testamento comum
segundo o § 2.249, se o pressuposto. no § 2.249 só se verifica do lado de
um dos cônjuges. Não passa o testamento a ser feito necessariamente pelos
dois, na forma excepcional; pode empregar-se a forma ordinária. Deve ler-
se o § 2.266 como se contivesse um também (anciz). Se para ambos há as
circunstâncias extraordinárias, pode ser leito o testamento comum, segundo
as formas dos §§ 2.250 e 2.251. Quer dizer: só no caso dos §§ 2.266 e
2.249, que supõe perigo de morte, é que se pode recorrer à forma
extraordinária, ainda que só um dos cônjuges satisfaça o requisito pessoal
da iminência de morrer. Em se tratando de lugar, que moléstia ou outra
circunstância extraordinária insultou, ou de longa travessia por mar, ambos
devem satisfazer os pressupostos legais (E. ENDEMANN, Lehrbuch, III,
484). A simultaneidade e mesmidade do ato, que é indispensável Ilo Código
Civil alemão, não é, contudo, atingida pela escolha do diferente uso da
mesma espécie de forma testamentária. Assim, a mulher pode preferir a
entrega de escrito (minuta) ao juiz, e o homem, a declaração oral, ou vice-
versa. Também é possível cada cônjuge apresentar o seu escrito, óu ambos
prestarem declarações orais (CARL CROME, Sijst em, V, 121). Mas se um
dos cônjuges não sabe ler? Evidentemente, o outro não pode preferir a
entrega de escrito, diz CARL CROME (System, 121, nota 21), o que não
nos parece tão evidente assim, pois que o protocolo lh.e teria de ser lido, §
2.242. Antes de CARL CROME, também entendia assim E.

STROHAL (Das deutsohe Erbrecht, 1, 821, nota 10). Se um dos cônjuges é


mudo ou proibido de falar, entendem H. JASTROW (F.ormula‟rbuch, 1,
189, 190) e E. RITGEN (Biirgerliche Gesetzbuch, V, 491) que só se pode
admitir a e”trega de escrito. Mas E. STROHAL advertiu (Das deutsch‟z
Erbrecht, 1. 321, nota 8): a conjuntividade do ato testamentário já foi
observada na escolha da espécie de forma, a pública, especial ou notarial,
não sendo necessária à unidade de forma da declaração. Com razão
bastante, porque não milita a favor da similaridade obrigatória o argumento
de CARL CROME, relativo aos que não sabem ler. Outra questão delicada:
o menor e o que não sabe ler somente podem testar pela forma pública,
fazendo oralmente as suas declarações (§ 2.238, alínea 23) e o mudo só o
poderia pela entrega de um escrito (§ 2.243) ; se um cônjuge é mudo e o
outro analfabeto ou menor, .~.como poderiam usar do testamento
conjuntivo? II. JASTROW (Formularbueh,, 1, 190, nota 2, 4 b) e E.

RITGEN (Bilrgerliclte Gesetzbuch, V, 491) foram terminantes: tais


cônjuges estão exeluídos da possibilidade de testar em comum. Constitui
conseqilência da unidade do ato deverem estar presentes, durante êle, no
testamento público, ambos os cônjuges (F. RITGEN, Biirgertiche
Gesetzbuch, V, 493) . Quanto ao testamento com juntivo hológrafo, possui o
Código Civil alemão disposição especial: para testar, basta que um dos
cônjuges faça, nessa forma escrita, o testamento, e o outro acrescente que o
testatmento deve também ser considerado como seu, declaração
necessàriamente escrita e assinada de próprio punho do declarante, com
indicação do dia e do lugar (§

2.267). Aí, a lei; agora, a doutrina. Não basta datar, dizer o lugar e assinar
(E. ENDEMÂNN, Lehrbuch, III, 486) ; é de mister a deelaraçâo. Qualquer
deles, homem ou mulher, pode escrever. Se o testamento do primeiro
cônjuge é tido por nulo, nulo é para os dois figurantes; mas, se o defeito de
forma só se referir a uma disposição que nada tem com o que o outro diz,
não pode contagiar a sua parte válida e a da outro. A declaração de
concordância pode ser assaz simples: “de acôrdo” (cf. E. RITGEN,
Búrgeriicites Geseizbuch, V, 494). Discutiu-se se a data e o lugar, apostos
pelo segundo cônjuge, podem ser diferentes dos que escreveu o primeiro
cônjuge. Não, responderam II.

JASTROW (Forrniilarbuch, 1, 191) e E. HôLDER (Das eigenhãndige


Testament, ..Jherings Jahrbiicher, 41, 324).

Mas o opinião dominante foi no sentido da possibilidade da diferença (F.


lÚmEN, Elírgerlicites Gesetzbuch, V, 494; E. STROIIAL, Das deutsche
Krbreoht, 1, 322, nota 13) . Mais ainda: pode ser a mesma, ou, se diferente,
posterior; anterior não pode ser (GUsTAV MXEKER, fie
Nachlassbehandlung, 92; WALTHER BROCK, Das eigenhdndige
Testament, 91) . E. STRoEAL chamou a atenção para o conceito de imitas
actus (1, 322, nota 13) e procurou distinguir zmicidade (E‟inheitiichkeit) e
canjuntividade do ato testamentário, essa, e não aquela, essencial ao
testamento conjuntivo. A priori, tinha razão, mas, verdade é, e tivemos
ensejo de vê-lo, que os comentadores do Código Civil alemão, inclusive E.
STRoHAL. principalmente a respeito do testamento comum perante oficial
público, partiram, nos casos concretos, do princípio da untczdade, e não da
conjuntividade do ato testamentário.

Cientificamente, êsse é o princípio verdadeiro, e a exatidão conceptuaL é


assaz útil assim em país, como a Alemanha, que permite tais testamentos,
como em países, que o não conhecem, ou, expressa mente, como o Brasil, o
proibem. WILHELM MANTEY (Mússen die Daten, die holographisch
gemeinsam testierende Gatten zufolge Gesetzes beiderseit zu schreiben
haben, identisch sem?, Das Recht, V, 430) discutiu a questão da identidade
das datas, a propósito da mudança de- opinião de GEREÂRD EICHHORN
(Das Testament, 3? ed., 131; Die Nachtheile des eigenhãfldi geu
Testaments, Zeitschrift des Deutsciten Notarvereins, 11, 248), o que mostra
a incerteza provocada pela imprecisão da. regra jurídica inserta. ~ essencial
que a declaração ou o outro ato seja um só com o outro, pela continuidade
material das fô lhas. Se as circunstâncias extraordinárias dos §§ 2.250 e
2.251 se verificam para ambos os cônjuges, pode ser feito segundo aquelas
regras jurídicas o testamento conjuntivo. Se um não pode empregar a forma
excepcional, o testamento conjuntivo não pode ser feito: é a conseqUência
da inserção do principia da unicidade, que se pôs, em vez do outro, que
devia valer. Já se disse que o Código Civil alemão só o admite aos
cônjuges, por necessidade dos costumes (Protokolle, V, 457) . Basta que
seja junto, em forma e fundo; não é preciso que seja recíproco, nem que
sôbre a sucessão de sobrevivo existam disposições (H. PEISER, Handbucit
des lestamentsrecitts, 382). Se o fizeram juntos, contemplando terceiro, é
testamento conjuntivo O

testamento conjuntivo pressupõe casamento. Mais: a vigência dele. A


exceção é como homenagem legal ao instituto do matrimônio. Os noivos
não podem dele usar; têm de lançar mão do contrato de esponsais ou do
ccmtrato de herança (§§ 2.275, alínea 3?, e 2.276, alínea 2.~). Se noivos o
fazem e depois se casam, nem por isso ganha validade: nulo foi, nulo fita
(E. S‟PROIIAL, Das deutsche Erbrecht, 1, 320, nota 5) . No caso do §
2.077, o testamento conjuntivo é sem qualquer efeito; mas, se o casamento
se dissolve pelo divórcio e advém morte de um dos cônjuges, ou se se
verifica a espécie da segunda parte da alínea la do § 2.077 (direito de pedir
o divórcio por culpa do outro cônjuge, e pedido de divórcio ou cessação da
sociedade conjugal), valem as disposições, se se há de considerar que
foram concebidas para tal caso (§ 2.268). Dissolvido pelo divórcio o
casamento, as novas núpcias não restauram o testamento conjuntivo (M. E.
ECCIUS, 7iheorie u‟nd Praxis, IV,, § 257, nota 48; GEORG

FROMMHOLD, Erbrecht des R.G.R., nota 1. ao § 2.268) . Dá-se o mesmo


quanto ao restabelecimento da sociedade conjugal, e isso a despeito do que
se estatui no § 1.587: a restauração dêsse § 1.587 somente concerne ao
futuro (E. lÚmEN, Riirgeriiehes Gesetzbuúh, V, 495). Cp. F.

ENDEMANN (Lehrbuch, III, 487) . Pode parecer estranho que, no caso


acima citado, da 2a parte da alínea 1~a do §

2.077, se considerem válidas as disposições relativas às dissoluções do


casamento por divórcio ou da sociedade conjugal. O que podia propor e
propôs é o sobrevivo, e nesse caso é justo que o outro, pela morte, não se
livre da validade das cláusulas. Se o culpado é o sobrevivo, as disposições
valem, e a lei estabelece que o cônjuge culpado fique na impossibilidade
jurídica de invocar ineficácia do testamento (F. ENDEMANN, Lehrbuch,
III, 487; cp.

EDUARD GOLDMANN, Das gemeirischaftlwhe Testament unter


besonderer Beriichsichtiguflfl des soa. Bertiner Testaments, 5 5.; II.
DERNBURG, Das bitrgerliche Recht, § 91, nota 2; E. RITGEN.
Ritrgerliches Gesetzbuch, V, 495). Outra questão é a de se saber se a
dissolução do casamento revoga todo o testamento (Preussisches
aligemeines Landrecht, 1, 12, § 489), ou somente as disposições
correspectivas. O § 2.268, alínea 1a, parece dar a primeira solução, mas a
2a alínea se filia a outro critério da distinção entre o que é correspectivo e o
que não é correspectivo (LUDwIG UWENWÂLD, Das gemeinschaftlichen
Testainent im R013., 91 s.). Seria assaz duro aplicar-se, friamente, a alínea
1~a Fôra dar à simultaneidade o efeito de impor o caráter de recíproco e
correspectivo ao que não no tem. Mas a opinião foi no sentido contrário (F.
ENDEMANN, Lehrbtwh, III. 487), o que é de lamentar-se. Cumpre notar-
se que a alínea 2a não se refere à dissolução da sociedade conjugal pela
i2ulidade do casamento: aqui, não caberia qualquer distinção entre
disposições correspectivas, ainda as de que fala a própria alínea, e não-
correspectivas, porque falta todo o pressuposto lega!, que é o próprio
casamento (II. PEISER, flandbuch des Testamentsrechts, 333). No caso de
um cônjuge se recusar, por ter sido declarado morto, sem fundamento, o
outro, prevalece a alínea 2.S: é como se tivesse havido divórcio (H.
PEISER, Handbudz, 334).
Passemos ao § 2.269, alínea La, que é de grande valor prático. Diz êle: “Se
os cônjuges, em testamento comum, pelo qual rec‟iprocamente se instituem
herdeiros, determinaram que, após a morte do sobrevivo, a sucessão de
ambos se devolva a terceiro, é de entender-se, na dúvida, que o terceiro é
instituído para toda sucessão na qualidade de herdeiro (ais Erbe) do cônjuge
falecido por último”. Primeira advertência: a regra jurídica é para o caso de
dúvida. Antes do Código Civil; discordava a doutrina: a) ora se decidia que,
se morria um dos cônjuges que instituíram o terceiro, o sobrevivo ficava
como fiducidrio da herança do premorto e do seu próprio patrimônio; b) ora
se resolvia pela separabilidade das disposições: cada cônjuge dispunha de
seu patrimônio; vinha em primeiro lugar o cônjuge; substituindo-o, em caso
de premorrer êsse, o terceiro instituído; em segundo lugar, se não
premorresse o cônjuge instituído, como fideicomissário o terceiro que o
sobrevivo instituiu; o) ora se entendia que cada um instituía o outro para o
caso de premorrer, e o terceiro, se sobrevivesse ao outro cônjuge: portanto,
no primeiro caso, a sucessão do terceiro não se realizaria, se bem que
(precisa solução, que se volta sôbre si mesma) a correspectividade
obrigasse o sobrevivente a instituir o terceiro. Três construções, bem
diferentes, sustentadas respectivamente, por II. DERNBURG (Lehrbuch des
preussisciteu privatrechis, III, nota 5), M. E. ECCIUS

(Titeorie und Praxis, IV, § 257) e LUuWIG LOWENWALD (Das


gemeinschaftliúhen Testameni, 71 e 72, nota 5), pelos autores citados em
LuDWIG SC1{IFFNER (Der Erbvertrag, 89, nota 15) e pela
jurisprudênQia dos últimos tempos. A primeira teve muitos partidários,
enumerados em Ii. DERNEURO (Lehrbuch, § 183, nota 3). À mesma
conseqúêflcia que a última, por estradas menos tortuosas, chegou o Código
Civil alemão (Motive, V, 388; Protokolle, V, 406, 407) . Na dúvida, o
terceiro recolhe toda a herança na qualidade de herdeiro do último falecido.

Por isso mesmo: a) o terceiro não pode transmitir por sucessão ou ceder
antes da morte do segundo cônjuge, salvo o o caso especial do § 2.069, e a
data também decide de quem deve ser o herdeiro, se a designação não foi
individual; b) o terceiro sómente recolhe o que existe no momento em que f
alece o cônjuge sobrevivente: não poderia reclamar indenização pela
diminuição ou perda do patrimônio; o) se são muitos os instituidos, faz-se a
partilha per capita, salvo intenção expressa, em sentido contrário, pelos
testadores; d) se o terceiro também é herdeiro necessário do premorrente,
reclama a sua parte, sem que isso importe a renúncia da eventual sucessão
do segundo cônjuge (cf. §§ 2.306, alínea l.¶ e 1.946) . Mas os testadores
podem prever tal caso de renúncia pela reclamação da legítima. O que
acima se disse também é de invocar-se quanto aos legados: antes da morte
do segundo cônjuge, nenhum direito têm os legatários. Tal o que diz a

2 a alínea, para o caso de dúvida. É de notar-se

que tal testamento tem, por fôrça, caráter correspectivo, em virtude do §


2.270, alínea 2a, oue faz correspectivo o recíproco (F. ENDEMANN,
Lehrbuch, III, 491) . Trata-se de regra jurídica de interpretaçdo. Portanto,
onde outros elementos de interpretação haja, não deve ser invocada
(FRTEDRICHS, Zum § 2.296 des BGB, Das Reeht, 1,7, 258) : ou resultem
das palavras do testamento, ou, por exemplo, da impossibilidade de se
ajustar a regra jurídica aos direitos concedidos ao terceiro. Por outro lado,
releva notar que se considera terceiro o filho comum, mas F. ENDEMANN
(Lehrbuch, III, 491) insinuou o caso da premorte do marido, querendo criar
solução dissimétrica, que é de lamentar-Se. A interpretação, além do
interêsse prôpriamente jurídico-construtivo, tem o que deriva da aplicação
das leis de impostos. Aliás, como ocorre no Brasil nas classificações de
verbas de usufruto, inalienabilidade, substituições vulgares e fideicomisso.

12.TESTAMENTO BERLINENSE. Chama-se testamento berlinense


(Rerliner Testament) o que constitui, com a praxe prussiana, a forma
fundamental do testamento conjuntivo:

“Nós, cônjuges, nos instituimos herdeiros um ao outro; nossas filhas, bem


como seus descendentes, herdarão de nós o que da herança restar por morte
do sobrevivo”. Segundo a praxe, constituía-se como Vorerbe, herdeiro
instituído, o viúvo, e sucessor, Nacherbe, a filha ou filhas. O testamento do
§ 2.269, alínea 13, toma o acervo hereditário como unidade, e costuma-se
chamar testamento conjuntivo alemão. Ainda boje cumpre que se atendam
as características e efeitos do Berliner Testanzent, porque certo
regionalismo empregava, caprichosamente, a expressão Berliner. No
testamento alemão puro, o sobrevivo éo único herdeiro do que resta ao
tempo da sua morte.

Sôbre

o Rerliner Testament, cf. F. ENDEMANN (Lekrbuck, III, 49. 493), GÉZA


1(íss (Zur juristischen Xonstruktion der korrespektiven Verfúngungen im
gemeinschaftlichen Testament, Archiv flir Ehirgerliches Redil, 25, 180),
HEINnCH MERSMANN (Die praktische Verwendbarkeit des Berliner
Testaments, Archiv lar RUrgerliches Recht, 37, 271 s.) e KANOLDT
(Pflichtteilsanspruch, Are/ti» flir Riirgerliches Redil, 40, 262 s.). A questão
do testamento berlinense continuou a interessar juristas e notários,
considerando-o HEINRICH MERSMANN (Die praktische Verwendbarkeit
des ll3erliner Testaments, Archi» fiir Elirgerliches Recht, 37, 272) assunto
que toca o cerne da família alemã. Tem-se o § 2.269 como criador de
presunção de unidade, contra a concepção germânica do casamento, e das
relações dos cônjuges entre si e com os filhos. (O testamento conjuntivo
evolveu com a comunhão de bens.)

13.EFICÁCIA DAS DISPOSIÇÕES CORRESPECTIVAS E DAS NÃO -


CORRESPECTIVAS NO DIREITO

ALEMÃO. Diz o Código Civil alemão, § 2.270, alínea 1a, que, tendo os
cônjuges, em testamento conjuntivo, feito disposições pelas quais se há de
admitir que a disposição de um deles não seria feita sem a do outro, a
nulidade e a revogação de uma têm por consequência a ineficácia da outra.
Portanto, o princípio não é o da nulidade e revogação compulsóriamente
simétrica. Importa, pois, dizer-se que o testamento é livremente revogável,
só em si, sem conseqilência em dispositivos do outro testamento. Assunto
de grande importância: a correspectividade não obriga à duplicidade, de
modo que pode ser unilateral, se sómente um cônjuge a fêz correspectiva
(assim, KONRAD COSACK, Lehrbuch, II, 728; E.STROHAL, Das
deulse/te Erbrecht, § 43, a, nota 9). Se há correspectividade no testamento
conjuntivo, a situação muda:
a) a ineficácia da disposição correspondente é consequência da nulidade ou
da revogação das disposições (§ 2.270, alínea ia); b) não se indaga se o
outro quis, ou não, tal efeito (H. PEISER, Handbuch des Testamentsreehts,
337) : resulta da correspectividade que a nulidade ou revoga çêo de uma
disposição se contagia à outra. Mas só quanto à instituição, aos legados e
aos modos (§ 2.270, alínea 33). Outras disposições podem, a despeito da
correspectividade, furtar-se às consequências de contágio ou da invalidação
simétrica.

Se há disposição correspectiva, ou se não há, di-lo a interpretação. Na


dúvida, cumpre optar pela sua existência: a) se houve recíproca instituição;
b) se, para o caso de premorte do outro, o cônjuge chama à sua sucessão
parentes do outro (II. PEISER, Handbuch des Testamentsreehts, 336). O
Direito comum reconhecia todos os testamentos conjuntivos - O
Preussisches Alígemeines Landrecht, restringiu-os aos côn juges. O 1
Projeto, § 1.913, excluia-o; mas a pressão da opiniáo~ dos jurisconsultos, o
respeito e o favor do matrimônio levaram a II Comissão a admiti-lo. No
Código Civil alemão prevaleceu o privilégio dos cônjuges e a
conjuntividade nas formas e no fundo, porém dando-se àquela rigor e limite
que lhe conferem o caráter de unicidade do ato. No testamento conjunto, as
disposições se bem que ligadas pela forma e pelo fundo não deixam de ser
unilaterais e independentes: não se cria a bilateralidade, que é um propor e
um aceitar, um estipular e um anuzr. Sutil a distinção, mas de
extraordinária importância. Os efeitos são bem diversos; as próprias
exigências de forma e de capacidade são diferentes.

Quanto à revogação no testamento conjuntivo no direito alemão, há no


Código Civil alemão o § 2.271: a) Se a disposição tem aqueles laço de
dependência que se referiu (§ 2.270, alínea l.~), durante a vida dos cônjuges
revoga-se pelo modo por que se revogam os contratos de herança, (§ 2.296)
: um cônjuge não pode unilateralmente revogá-la, por outro testamento.
Portanto: a revogabilidade pode ser por testamento conjuntivo, ou por
contrato de herança. Se foi dada, na cédula, a faculdade de revogação, então
não é correspectiva a dispo. sição. b) Com a morte de um dos cônjuges,
cessa a revogabilidade. Mas, ainda assim, o sobrevivente pode renunciar a
liberalidade que se lhe fêz, revogando a sua disposição, ou, até, depois de
aceitá-la recorrer aos §§ 2.294 e 2.336, casos de indignidade e exclusão do
beneficiado (§ 2.271, alínea 2.a). o) Se o descendente de um dos cônjuges,
ou de ambos, é beneficiado, cabe aplicar-se por analogia o § 2.289, alínea
2,a, que dá ao disponente, se o beneficiado é seu descendente, exercer, por
declaração posterior, a pretensão à medida do § 2.338.

Depositado o testamento, só os dois cônjuges podem pedir a retirada (§


2.272). Portanto, morto um deles, não pode mais ser pedida (RONRA»
COSACK, Leh.rbuch, II, 728; E. RITOEN, lihirgerliches Gesetzbuch, V,
510). Se foi dissolvido o casamento, ou se o ato testamentário ficou sem
objeto, a não ser no caso de não validade do casamento, porque então é
nenhum, melhor solução é a da negatividade da retirada.

No caso de ter-se de abrir o testamento comum, as disposições do


sobrevivente, separáveis das do outro, não devem ser publicadas, nem, por
qualquer modo, dadas a conhecer. Fechar-se-á o testamento e guardar-se-á
no depósito oficial 1.NÚMERO LIMITADO. Diz o Código Civil, art.
1.631:

“Não se admitem outros testamentos especiais, além dos contemplados


neste Código (arts. 1.656 a 1.668)”. O
Código Civil somente conhece dois testamentos especiais digamos
extra.ordinários o testamento marítimo e o testamento militar, subdividido
êsse em testamento perante o comandante ou, no caso do § 3 O do art.
1.660, pelo oficial imediatamente inferior, que substituiria na escrita o
testador impedido, e em testainento nuncupativo, com duas testemunhas
(art. 1.663).

2.INTERPRETAÇÃO DA REGRA JURÍDICA LIMITATIVA. São


conseqúências do art. 1.631 do Código Civil: a) No território brasileiro, ou
onde se reconheça ao Brasil extraterritorialidade, só as duas espécies
existem: a forma tem de ser as dos arts. 1.656-1.663, e as marítimas nos
navios brasileiros. b) Passa a constituir questão de direito internacional
privado o reconhecimento, ou não, dos testamentos especiais em outras
circunstâncias extraordinárias, assunto que exige trato àparte, porque se
põem em jôgo a lex loci, a lei pessoal e, quiçá, a lez .1

ori. e) Dentro do direito brasileiro, não é possível invocar-se o principio de


analogia, para se criarem outros testamentos especiais: seria contrário ao
art. 1.631 o raciocínio analógico. Porém essa questão é diferente de outras
que têm de ser levantadas a propósito do art. 1.663. Pergunta-se: jos
militares referidos nos arts. 1.660-1.663 são apenas os do exército? ~,Os
marinheiros, empenhados em combate, ou feridos (possivelmente, descidos
a terra), ficam excluídos da forma nuncupativa?”

O Decreto-lei n. 32, de 18 de novembro de 1966, art. 42, atribuição ao


Comandante da aeronave a função de registar nos documentos de bordo os
nascimentos e óbitos ocorridos a bordo, porém não a de lavrar testamento.

§ 5.858. Contrato de herança

1.REGRA JURÍDICA VEDATIVA. O Código Civil, artigo 1.089, é


explícito: “Não pode ser objeto de contrato a herança de pessoa viva”.
Entende-se de um dos figurantes, ou de outrem cuja sucessão ainda não se
abriu. Há povos que reconhecem o contrato da herança, figura ao mesmo
tempo contratual e de direito sucessório, porém foi GusTAv HARTMANN
quem tentou frisar dever-se ter o Erbvertrag como testamento contratual
irrevogável. No Código Civil alemão, prevaleceu, ao que pensou KONRAD
HELLWIG (Die Vertrage au)‟ Leistzmg an Dritte. 591

e 599), tal concepção, se bem o negassem LuDwIa SCHIFFNER (Der


Erbvertrag nach dem BGB., 61 s.) e GEORO FROMMHOLD (Das
Erbrecht, 246). Em todo o caso, ainda entre os que não admitem a
concepção de GUSTAV HARTMANN, muitos reconhecem que se não trata
de simples contrato. Para ser mais testamento do que contrato, falta-lhe a
liberdade, elemento essencial: nêle, vige a irrevogabilidade; portanto,
ocontrário do livre dispor (Ii. DERNEURO, Das Rutrgerliche Recht, V,
271). No testamento, a lei é o altruísmo; no contrato de herança, o egoísmo.
Está aqueles para a morte, como a troca para a vida. Se é certo que não
exige o conteúdo pecuniário, nem por isso deixa de supor prestação e
contraprestação. Como contrato, a proposta não pode ser condicionada:
perfaz-se integralmente no momento (daí, os §~ 145-163 do Código Civil
alemão não serem invocados).

Pretendeu-se caracterizá-lo como negócio jurídico abstrato e gratuito.


LAbstrato, por quê? li. DERNEURG (V, 272) atribuiu tal adjetivo à moda,
reinante no comêço do século, de catar relações jurídicas abstratas,
transformada em abstratomania. Quanto à gratuidade, nem tem razão os que
o afirmam, nem II. DERNBURO (V, 272) : as disposições é que podem ser
bilaterais, ou não, onerosas ou gratuitas, o que transforma o contrato numa
colcha de retalhos. Finalmente: no Código Civil alemao, o contrato de
herança construiu-se como contrato, se bem que, para ficar no domínio do
direito das obrigações, pudesse construir-se como declaração unilateral de
vontade. Não no fêz o Código Civil. Mais ainda: tornou a forma o principal
da conclusão dele, fazendo contrato, sem lhe exigir o laço de aceitação.
Donde a singularidade da figura jurídica: contratual, bilateral, com efeitos
de cada lado (E.

ENDEMANN, Lehrbuch, III, 629)

2.CONTRATO DE HERANÇA E REGRA JURÍDICA VEDATIVA DO


DIREITO BRASILEIRO. É usual, na doutrina brasileira, dizer-se que não
se tem o contrato de herança porque o proibe o artigo 1.089 do Código
Civil, regra jurídica que aparece no Direito das Obrigações. Por amor da
precisão técnica, ponhamos nos devidos têrmos a questão: se assim fôra,
nada significaria o § 312 do Código Civil alemão que diz a mesma coisa:
“O contrato sôbre a herança de um terceiro ainda vivo é nulo”. Se o Brasil
não tem o contrato de herança, cujo objeto sejam os próprios bens presentes
e futuros do contratante, é porque somente reconhece, no direito de
sucessões, uma espécie de disposições mortis causa: o testamento, que
depende de formalismo especial e é, por definição, revogável ad nutum.

Não é ocioso insistir nisso, porquanto se tem pretendido, com a só


invocação do art. 1.089, invalidar, aqui e ali, inconsideradamente, tudo
quanto se refira à suspensão ou resolubilidade no momento da morte.
Vejamos Os antecedentes mais

parecidos com o Código Civil brasileiro. Dizia o revogado Código Civil


português, art. 2.042: “Ninguém pode, nem sequer por contrato antenupcial,
renunciar à sucessão de pessoa viva, ou alienar, ou obrigar os direitos, que
eventualmente possa ter à sua herança”. Contém tal regra jurídica o melhor
comentário ao texto do Brasil: tratando-se de sucessão de outrem, ainda não
aberta, ninguém pode, ainda em pacto antenupcial, renunciar, alienar ou
obrigar os direitos que possa ter. Não cabe distinguir da sucessão necessária
a legítima, ou a testamentária. No Código Civil português de 1966, art.
2.181, estatui-se: “Não podem testar no mesmo ato duas ou mais pessoas,
quer em proveito recíproco, quer em favor de terceiro”.

Os princípios que vão limitar a disponibilidade dos próprios bens, presentes


ou futuros, e criar duas séries de atos proibidos e não proIbidos não podem
ser baseados no Código Civil brasileiro, art. 1.089. Mas derivam da
revogabilidade inderrogável dos testamentos, e tão-somente disso. Portanto,
se o ato jurídico unilateral ou não

pode compor figura do direito das coisas ou do direito das obrigações, sem
ser mútéria especifica de testamento, não pode deixar de ser reconhecido.
Recai sôbre patrimônio do contraente e fôra absurdo, se não dissimula laço
contratual ou irrevogabilidade unilateralmente querida, substitutiva do
testamento em assunto que somente êle poderia reger, riscar, por nulo, o que
a pessoa quis e constituiu. No Código Civil argentino, art. 1.175, a redação
também só se refere à herança de outrem: “No puede ser objeto de un
contrato la herencia futura, aunque se celebre con el consentimiento de la
persona de cuya sucesión se trate; ni los derechos hereditarios eventuales
sobre objetos particulares”.

8.CONTRATO DE HERANÇA NO DIREITO ALEMÃO. No direito


alemão, tratou-se do assunto do direito das sucessões, porém com o nome
revelador, Erbvertrag (§§ 2.274-2.302), e com extraordinária minúci a e
precisão técnica. Só pessoalmente se pode dispor pelo contrato de herança
(§ 2.274). Se bem que permitido a qualquer pessoa (Protolcoile, V, 872),
quase só se usa entre noivos ou entre casados. As disposições mortis causa
podem ser de ambos, ou de um só dos figurantes, onerosas ou gratuitas,
recíprocas ou a favor de terceiro. Não se considera contrato de herança, no
sentido do Código Civil alemão: a) o que recai sôbre a herança não aberta
de outrem (§

812), porque êsse é nulo; b) a disposição pela qual um ou ambos os


figurantes se obrigam a fazer, a não fazer, a revogar, ou a não revogar
disposição „nurtis causa (§ 2.802), porque também énula; c) a renúncia da
herança, conforme o § 2.846, que o Código Civil alemão permite em vida
do decujo aos parentes e cônjuge dêsse, ainda quanto às legítimas; d) o
contrato pelo qual um dos figurantes promete ao outro efetuar, após a morte
dêsse, determinada prestação a terceiro, porque não há, aí, contrato de
herança, mas contrato ou estipulação a favor de terceiro, válido na
Alemanha como no Brasil. Cp. Código Civil alemão, § 380, 23 parte, e
Código Civil brasileiro, arts. 1.098-1.100 (RONRAD I{ELLwIG, Die
Vertrãge auf Leistung au Dritte, 623 s.; LUDWIG SCHIFFNE.R, Der
Erbvertrag nack dem RGR., 95). O conteúdo pode ser instituição de
herdeiro, legado ou modus (§ 1.941, 13

alínea; § 2.278, 23 alínea). Domina plena liberdade: aceitação de parte a


parte, ou não; ser contrato bilateral ou unilateral: recíproco ou a favor de
terceiro. O princípio é que o disponente isto é, aqueles cuja sucessão é
objeto de contrato não pode fazê-lo por intermédio de outrem (§ 2.274).
Alguns atos exigem a mesma personalidade de feitura (§§ 2.282, 2.284,
2.290 e 2.296). Mas o figurante, que não dispõe, pode fazer-se representar,
poú mandatário, ou pelo representante legal e nada obsta a que a outra parte
ou aceitante seja pessoa jurídica (GUSTAV

MÀRKER, Die Nachta.ssbeIzandlung, 199; H. JA5TROW, Formularbuch,


II, 309). Se os figurantes contraentes forem muitos, e um só o disponente,
juridicamente há tantos contratos quantos forem êles, mas o ato é um só
(cp.

LunwíG SCrnFFNER, Der Erbvertrag nach dem RGB., 48 e 62). Dá-se o


mesmo se a multiplicidade fôr de disponentes. O incapaz de negócio ou de
exercício não pode fazer contrato de herança (§ 2.275). Se falta a
capacidade, é nulo o contrato: a aprovação ulterior ou ratificação pela
própria parte, tomada capaz, não apagaria o vício original (Motive, V, 846;
E. STROHAL, Das deutsche Erbrecht, 851). Mas há exceção (§ 2.275,
alínea 23) :

“Um cônjuge pode, como disponente concluir, com o outro, contrato de


herança, ainda quando limitada a sua capacidade de negócio. Precisa, nesse
caso, do consentimento do seu representante legal; em sendo êsse tutor, é de
exigir-se a aprovação pelo juízo de tutela”. A alínea 83 estatul que a mesma
23 alínea incida quanto aos noivos.

Originou-se da II Comissão, atendendo à freqúência de tais contratos.


Entende-se que a qualidade de casado ou de noivos não se exige ao
contemplado, porque a lei não pressupõe gratificação recíproca (11.
JASTROW, Formularbuch, 1, 192, nota 8) . No caso de representante tutor,
se o juízo de tutela não homologa, é nulo o contrato (F. ENIEMANN,
Lehrbuch, III, 687) . Se o contrato só institui herdeiro para o caso da morte
de um cônjuge, só a êsse é exigida a capacidade: o outro pode ser menor-e
não estar representado (E. ENDEMANN, Lehrbuch, III, 638). Só se faz
perante o juiz, ou o notário, com a presença simultânea das duas partes (§
2.276) . Mas o que apenas é figurante, sem dispor, pode representar-se.
Pode ser por declarações orais (protocolo) ou pela entrega de escrito, com o
testamento judicial (§§ 2.288-2.245). São regras jurídicas comuns aos dois
institutos. Se unilateral, um declara ou‟ entrega o escrito, e outro apenas
anui: a referência do § 2.276 aos §§ 2.288 e 2.241, ~, é inexata (F.

ENDEMANN, Lehrbuch, III, 688). Mas, se bilateral, não: cada um declara


o que quer, ou entrega o seu escrito, quiçá cada um escolhe a forma que lhe
convém (LUDWTG SCHIFFNER, Der Erbvertrag nach dem BGB., 116 s.),
mas havia quem não distinguisse, e permitisse a simples anuência, ainda
que bilateral (E. STROHAL, Das deutsch,e Erbrecht, 853; F. RITGEN,
Ruirgerli,ches Gesetzbuch, V, 519) e excluissem, sem razão, a forma oral
para um e a escrita para o outro (GUSTAV MXRKER. Die
Naehlassbehandlung, 201; GEORG FROMMHoLD, Erbrecht, nota 1 ao §
2.275). Se, no caso do § 2.275, alínea

2 a ou 83, tem de intervir representante, a presença dele

não éobrigatória: só o é para os figurantes (HEINRICH WTLKE, Erbrecht,


nota 1 ao § 2.275), outra opinião, a de E. MEXSCHEIDER (Die
letzwilligen Ver fiigungen, 203). Do § 2.276 tira-se que as formas dos
testamentos hológrafos, maritimos, militares ou de lugares insulados, não
servem ao contrato de herança. Os escritos entregues podem ser dois ou um
só. Mas a entrega de

escrito não se pode admitir, se o contrato de herança é incluso em contrato


de casamento (§ 1.434), em contrato de adoção (§ 1.750, alínea 23), ou no
chamado contrato de renúncia de herança (§ 2.348), porque prima a forma
de cada um dêsses (E. JAsmow, Formularbnch, 1, 195, nota 8 a, 196, nota
9). Se todas as partes não entendem o alemão, pode ser feito em língua
estrangeira, desde que todos os intervenientes a saibam (§ 2.245). Mas, se
uma parte sabe alemão, chamar-se-á intérprete a quem não sabe, conforme
o § 2.244 (J. HOEM, Das Erbrecht des BGB., 226; E. JASTROW,
Formularbueh um! Notariatsrecht, 1, 185; contra: LUDwIG SCHIFFNER,
Der Erbvertrog nach dem BGB., 117). Se o contrato de herança está em
comum com outro contrato, também não incide o § 2.245 (ato em língua
estrangeira), porque o § 2.245 é especial e o seu processo inaplicável a atos
entre vivos (E.
RITGEN, liuirgerliches Gesetzbuclz, V, 521). O ato há de ser fechado,
como a propósito dos testamentos (§

2.246), subscrito e depositado, salvo se os figurantes não no quiserem,


entendendo-se que o não querem se o coxitrato de herança está em comum
com outro ato (§ 2.277) . Cada um dos figurantes terá o seu certificado de
depósito. A retirada do depósito, só os dois figurantes podem pedir (Motive,
V, 319). Não importa revogação (o que sucederia ao testamento), porque o
depósito é voluntário (Motive, V, 341; Protolcolie, V, 409). O que se
permite aos figurantes é que não se feche e deposite:

a lei não lhe faculta querer uma coisa, e não outra (E. JASTROW,
Pormularbuch und Notariatirecht, 1, 197; F.

RITGEN, Bitrgrlicites Gesetzbuch, V, 522; cp. GEORG FROMMHOLD,


ErbrecLt, nota 1 ao § 2.277) . No contrato de herança, cada um dos dois
figurantes pode dispor; mas, contratualmente, as disposições somente
podem ser instituição de herdeiros, de legado, ou de modo (§ 2.278). Se
ambos dispõem, presumem-se-lhes dependentes, uma da outra, as
disposições inseridas (§ 2.298). Mas, se um só dispõe, discute-se se há
contrato de herança ou disposição “mortis causa”. Tem importância a
questão, pela possibilidade, no último caso, de revogação. Pela primeira
solução, o 1 Projeto; a II Comissão suprimiu, sem excluir a possibilidade,
mas sim para deixar livre a interpretação (Prato kolle, V, 402, 458) A
função interpretativa é livre; todavia, em geral, se há interêsse do outro
figurante em jôgo, ou, se estipulada a favor de outrem a disposição de um
dos figurantes, toca a êsse a revogação, pelo interêsse que tem na cláusula,
e isso pesa na interpretação (cp. LunwíG SCHIFFNER, Der Erbvertrag
nach dem RUE?., 75, e KONRAD HELLWIC, Die Vertràg auf Leistung tua
Dritte, 616) . Se o figurante do contrato, que tem de intervir na revogação, é
incapaz, faz-se preciso que figure e consinta o representante lega!, bem
assim (E. ENDEMANN, Lehrbuch, III, £45) para revogar (o § 107 não é
invocável) . Talvez, se sob tutela, o juízo especial (§ 2.290, alínea 33, 13
parte) . A revogação pode ser parcial ou total. Tratando-se de legado ou
eneargo, basta testamento, com o consentimento que é irrevogável do outro
figurante (§ 2.291). Tudo que o contrato contém e não é instituição de
herdeiro, legado ou encargo, não se considera contratual; portanto, tem-se
por perfeitamente revogável. Corresponde ao § 2.270, alínea 33, relativo ao
testamento conjuntivo. Exemplos: a nomeação de testamenteiro, as normas
para partilha da sucessão legítima, a exclusão de herdeiro, tudo que
concerne a direito de família.

~aplicável o § 140 do Código Civil alemão, sôbre se converter negócio


jurídico, quando é de presumir-se que o disponente o queria na forma válida
se conhecesse a nulidade. Sim, acentuou F. RITGEN (Rúrgerliches
Gesetzbuch, V, 525). Porém não tem a conseqúência de firmar, como queria
KONRAD HELLWIG (Die Vertràge auf Leistung an Dritte, 603), a teoria
de GUSTAV HARTMANN. KONRAD EELLWIG (602) e RONRAD

CoSACK (Lehrbuch des deutschen Rúrgerlicheu Rechts, II, 724 s.)


sustentavam a conversibilidade em cláusula testamentária, como derivada,
diretamente, do caráter paratestamentário do contrato de herança: a teoria
de GUSTAV EARTMANN, na plenitude da sua aplicação.

Quanto às liberalidades e aos encargos convencionais, incidem, por


analogia, as regras jurídicas relativas às liberalidades e encargos de última
vontade (§ 2.279). E o § 2.077, de que já se falou, também rege o contrato
de herança entre cônjuges, ou entre noivos, ainda quando o beneficiado seja
terceiro (§ 2.279, alínea 23). Cumpre, porém, notar-se que se trata de
aplicação analógica, que lhe não tira o caráter contratual (F. ENDEMANN,
Lehrbuch des deutschen Rúrgerlichen Reohts, III, 628). Se o testador
revoga o testamento, com que revogara o legado, vale êsse (E‟. RITCEN,
BitrgerlichE3S Gesetzlntch, ¾543). Se é certo que se não aplicam os §§
145-158 e 305-319, não se pode dizer o mesmo dos §§ 155 e 157 (E‟.
RITGEN, BiirgeYlich~BS Gesetzbtwh, V, 525).

Quanto à alínea 2.8, cumpre advertir-se que os ~§ 2.077 e 2.279 não são
juvocaveis com a extensão do § 2.268, relativo ao testamento nuncupativo.
Se, no contrato de herança, os cônjuges, que se instituiram reciprocamefite
herdeiros, dispuseram que, em caso de morte do sobrevivente, a sucessão se
devolveria a terceiro, ou instituiram legado executável em tal tempo, dá-se
aplicação analógica do ~ 2.269 (cf. § 2.280).
Pode ser anulado, por pedido do disponente, o contrato de herança, se feito
por êrro, ou rebns aio atantibus, ou nos mais casos do §§ 2.078 e 2.079.
Mas, para a anulação com fundamento no § 2.079, é preciso que o herdeiro
necessário exista na época em que se quer pedir anulação (§ 2.281, alínea
l.~j. Se o disponeilte, após a morte do outro contraeflte, quer anular
disposição a favor de terceiro, deve declará-lo ao juízo de sucessão, que o
comunicará ao terceiro (§ 2.281, alínea 2.~). São causast invocáveis os
defeitos de vontade, as mudanças de circunstâncias e a violação das
legítimas. O direito de anulação pelo testador é personalissimo. Exceto no
caso do § 2.282, ~linea 2.8

não pode ser exercido por intermédio de outrem, nem se transmite aos
herdeiros. Após a morte do testador, só as pessoas mencionadas no § 2.080
podem pedir anulação do contrato, com fundamento nos §§ 2.078, 2.279 e
2.285

(F. RITGEN, Bitrg crU-cites Gesetzbu.ch, V, 529) . O credor do disponente


não tem qualquer direito de anulação (LUDWIG SCRTEFNER, Der
Erbvertrag nach clern 5GB., 151, nota 12). ~ interessante notar-se. que, no
caso de dolo, não é preciso que o outro figurante conhecesse ou devesse
conhecer o dolo do terceiro, para que se possa pedir a anulação (E.
RITOEM, Búrqerliches Gesetzbuoh, V, 528) ;. o § 123, alínea 2.8, não se
aplica ao contrato de herança. O pedido de anulação não pode ser feito pelo
representante do dísponente. No caso de capacidade restrita, não precisa do
consentimento do representante legal para o pedido. Se o disponente é
incapaz, o representante legal pode pedir a decretação da nulidade, com
aprovação do juízo de tutela. O pedido de anu-lação deve ser feito por ato
judicial ou notarial (§ 2.282). Por parte do disponente, o prazo para o
pedido é de um ano. No caso de anulablidade por ameaças, começa a correr
do momento em que cessa a coação; nos outros casos, do dia em que se
conheceu a causa de anulação. Aplicam-se por analogia as disposições dos
§§ 203 e 206, relativas à prescrição (§ 2.288, alíneas 1.~ e 2a1 No caso do §
2.282, alínea 2.8, se o representante legal não pediu em tempo a
invalidação, pode pedi-la, pessoalmente, o disponente, como se não tivesse
tido representante legal (alínea 8.~) -
Trata-se de prazo preclusivo. Conta-se segundo os §§ 187, alínea lA e 188,
alinea 2?. Se o dísponente apenas tem capacidade limitada e poderia anular
sem representante legal, corre contra êle o prazo. O § 2.283 somente
éinvocável para a anulação pedida pelo disponeflte pelas outras partes, o
prazo preclusivo é o dos §§ 121 e 124; para as pessoas do § 2.080, o do §
2.082 (E. RITCEN, Búr.qerlichús Gesetzbueh, V, 530) . Mas essas pessoas
do §

2.080 não podem, com fundamento nos §§ 2.018 e 2.079, pedir a anulação,
se já extinto o prazo para o disponente (§ 2.285) : se ainda vigora, é outro
prazo que lhes corre (Motive, V, 325) Só o disponente, pessoalmente, pode
ratificar o contrato de herança anulável. No caso de capacidade restrita,
exclui-se a ratificação (§ 2.284) . O § 144 é aplicável (Protokolle, 1, 886) .
Após a ratificação, é inatacável o contrato de herança, mas a ratificação
pode ser atacada. Quanto ao caso do § 2.275, alínea 2.8, a opinião é pela
irratificabilidade (LUDWIO SCHIF~ NER, Der Erbvertttig nach dem
SOB., 156, contra I-IEINRICH WILKE, Erbrecht, nota 2 ao § 2.275).

O contrato de herança não restringe ao dísponente o direito de dispor dos


seus bens por ato jurídico entre vivos (§

2.286). I‟~ão era assim antes do Preussisclies Alígemeifles Landrecht, 1,


12, § 624, e do Código Civil saxônico. Os

§§ 2.287 e 2.288 prevêem casos de abuso do direito: no caso de doação


lesiva do herdeiro contratual, pode êsse, ao se lhe devolver a herança, exigir
a restituição, segundo as regras jurídicas do enriquecimento injustificado,
ação que prescreve em três anos a partir da abertura da sucessão (§ 2.287).
Se o disponente destruiu, desviou ou prejudicou o objeto de legado
convencional, impossibilitando a prestação, o objeto será substituído pelo
seu valor (§ 2.288, alínea 1?). Se o testador alienou ou gravou o objeto, com
intenção de lesar, o herdeiro é obrigado a buscar-lhe o objeto ou a desonerá-
lo, aplicando-se, por analogia, o § 2.170, alínea 2.8, a tal obrigação. Se a
alienação ou gravaçflo foi feita a título de doação, o beneficiado tem, se não
pode obter a indenização pelo herdeiro, o direito do § 2.287 contra o
donatário (§ 2.288, alínea 2.~). fl preciso notar-se que o § 2.288 não é
simples regra jurídica de interpretação (F. RITGEN, Riirgerliches
Gesetzbuck, 540). Após a morte do outro figurante, pode, por testamento,
em virtude do § 2.297, suscitar a resolução do contrato de herança. O
contrato de herança, bem como qualquer disposição contratual particular,
pode ser atingido por outro contrato, em que figurem as pessoas que
concluíram aqueles. Mas isso não pode dar-se após a morte de uma delas.
Tal contrato só pessoalmente pode ser feito pelo que dispôs da sua sucessão.
No caso de capacidade restrita, não precisa do consentimento do
representante legal. Se a outra parte se acha sob tutela, é de mister a
homologação do tribunal.

Dá-se o mesmo se sob o pátrio poder, quer se trate de contrato passado entre
cônjuges ou entre noivos (§ 2.290, alíneas 1a.. 3ª) A forma é a do contrato
de herança (§ 2.290, alínea 43).

a forma do contrato imposta à resoluçâo: por isso, se o contrato de herança


se fêz em contrato de casamento, entAo basta a forma dêsse. O contratê de
herança feito entre cônjuges pode ser desfeito por testamento conjuntivo
deles, aplicáveis, por analogia, as disposições do § 2.290, alínea

3 a (§ 2.292). No § 2.298, o Código Civil aiem&o

conferiu ao disponente a faculdade de resolução do contrato de herança, se


se reservou tal direito na convenção (§

2.298>. Pergunta-se se não se choca tal dispositivo com o caráter


obrigatório do contrato de herança, mas há, aí, evidentemente, o influxo do
testamento. Não se trata de condíçãoo resolutiva, aliás admissível. Não
precisa figurar no contrato, pode ser em suplementar. Nio se confunde com
a reserva de dispor diferentemente, em declarações posteriores. Também é
possível resolver-se a disposição contratual nos casos em que o beneficiado
perderia a reserva, se é herdeiro com direito a ela, ou se o fOsse (§ 2.294,
cf. §§ 2.383-2.385) A doutrina adverte: é preciso que a causa seja posterior
ao contrato de herança; se anterior, não cabe a distinção de ter sido, ou não,
conhecida do disponente (F. RTTGEN, Rurgertiches Gesetzbuoh, V, 548;
LUDwIG
SCHIFFNELI, Der Erbvertrag nack dem BGR., 178). Se era desconhecida,
pode ser usada a ação de anulação fundada nos §§ 2.281 e 2.078, alínea

2 a Se a disposição correspondia à obrigação contraída, perante o


disponente, pelo beneficiado, de prestações periódicas, ou de sustento
daquele, pode ser resolvida se, antes da morte do disponente, fôr anulada a
obrigação (§ 2.295). A resolução só se exerce pessoalmente; para ela, o que
tem capacidade restrita não precisa do consentimento do representante
legal: opera-se por declaração ao outro figurante e faz-se judicial ou
notarial-mente (§ 2.296). Pode fazer-se por testamento, aplicáveis, no caso
do § 2.294, as regras jurídicas do § 2.386, alíneas 2A~4.a. (§ 2.297). Mas,
revogado o testamento, revive o contrato de herança. Se, no mesmo
contrato, disposiçôes contratuais forem concluídas pelos dois figurantes, a
invalidade de uma tem como conseqfiência a ineficácia de todo e contrato
(§ 2.298, alínea l ~) Trata-se de regra jurídica de interpretação: presume-se,
legalmente, a dependência e correspectividade das disposições. Não se
confundam invalidades como advento de eondiçôes, têrmos, repúdios,
morte do beneficiado (LUDwIG SÇHIFFNn, Der Erbvertrag nãoh dem
RGR., 188). Também não aplica ao que é disposição unilateral, se bem que
o § 2.298 fale em “ineficácia de todo o contrato”. Se, em contrato da alínea
lA do § 2.298, se reservou a resolução, feita para um, tem o efeito de
destruir todo o contrato, O direito de resolução extingue-se com a morte do
outro contraente. Mas o sobrevivente, se renuncia ao benefício, pode
resolver, por testamento, a sua disposição (§ 2.298, alinea 2.~) Cada
contratante pode, no contrato de herança, dispor tudo que poderia em
testamento. Será como se um testamento fôra. Pode desfazer as disposições,
em contrário do que acontece quanto às disposições contratuais. Se por
outro conttrato, ou pelo uso do direito de resoluçio, se tira eficácia a
contrato de herança, a disposiçâo perde-a no que ngo se tenha de admitir
que outra era a vontade do disponente (§ 2.299). Os §§ 2.259-2,263 e 2.278
aplicam-se à abertura do contrato de herança, mas as regras jurídicas do §
2.273, partes 23 e ga, só no caso de dep6sito (§ 2.800) 4.CONTRATO flE
HERANÇA NO DIREITO suíço. O COUtrato de herança só se faz na
forma do testamento público (Código Civil suíço, art. 512, alínea 1?): aos
figurantes declaram a vontade, simultâneamente, ao oficial público;
assinam o ato perante êle, na presença de duas testemunhas (alínea 2.~). A
teoria de GUSTAV

HARTMANN não prevaleceu; mas, se bem que não se trate de negócio


duplo (Doppelgesúhdft), de um lado é regido pelas regras jurídicas sôbre
contratos (Código Suíço das Obrigações de 1911, art. 1 s.), e de outro, pelas
das disposições de última vontade: negócio jurídico bilateral para o tempo
da morte (A. ESCHER, Das Erbrecht, Komme‟ntar, III, „72 s.). A
sinrultaneidade, de que se fala na alínea

2 a do art. 512, não significa que tenham os

figurantes de dizer ao mesmo tempo, mas imediatamente um ao outro (A.


ESCHELI, III, 101), talvez por simples declaração de aceitar (cf. Código
Civil suíço, art. 500), como nos atos entre vivos (P. TUoR, Kommentar, III,
848) .

Para o caso de língua estrangeira, procede-se como nos testamentos


públicos. O Código Civil não trata do depósito do contrato de herança: a
doutrina decide que, feito em dois exemplares, pode ficar com os
figurantes; salvo se a legislação cantonal exige que se deposite (E TUOR,
Kommentar, III, 850) . t necessário haver a maioridade (Código Civil suíço,
art. 468) do disponente: 20 anos (arts. 14 e 15), e ser o figurante capaz de
discernímento (art.

16). Excluem-se da capacidade de contrato sucessório, como disponente,


e.g., e louco e o ébrio. Se sob tutela, A.

ESCRER (Das Erbrecht, gominentar, III, 26) não admite representação, por
se tratar de assunto sucessório (EUGEN HUEER, System und Gesehichte
des Sehw eizerischen Privatreehts, II, 322). Também nesse sentido, P.TuoR
(Koinmentar, III, 101) Aliás, parece-nos frágil a opinião contrária de
EUGÊNE CURTI-FORRER

(Comnwfltaive, 369), que vê nas marginais dos arts. 498 e 512 distinção
explícita entre os testamentos e os contratos de herança. Os figurantes, por
cOfl,VCflçaO escrita (diferença notável em relação ao direito alemão, §
2.290, e achamos pouco coerente), podem, se querem, resili-lo (art. 513,
alínea

1 ~) Em todo o caso, a convenção

escrita deve ser assinada, ainda que a lei não o diga (1‟. TUOR,
Kommentar, 512) . Se, após a conclusão do contrato de herança, o herdeiro,
ou o legatário, se torna culpado de ato que importaria deserdação, o
disponente pode anular (antilar, anfechten) a instituição ou legado (art. 513,
alínea 2ª).

Essa “anulação” (o texto alemão disse “einseitige Aufhebung”, revogaçao


unilateral que é melhor expressão) faz-se numa das formas prescritas para
os testamentos (art. 513, alínea 33).

Se o motivo fôr anterior, há a ação de anulação por êrro (artigo 469), como
por violência, ou dolo (E. TUOR, Kommentar, .351) . A ignorância do
motivo anterior não autoriza a ação do art. 513, alínea 33. Aqueles, a quem
o contrato de herança confere a faculdade de reclamar prestações entre
vivos, pode resili-lo, de acôrdo com o direito das obrigações, se não foram
executadas ou garantidas, como se convencionou, as prestações <art. 514) .
A lei não disse a forma. Se o herdeiro ou legatário não sobrevive ao
disponente, caduca o contrato de herança (artigo 515:

“est resilié”, expressão imprópria; no texto alemão está: “so fãllt der Vertrag
dahin”). Todavia, salvo cláusula em contrário, os herdeiros do premorto
podem reclamar a repetição do enriquecimento ao tempo da morte (art. 515,
alínea 23). A alínea 13 é de natureza dispositiva (E. TUOR, Kommentar, V,
358) . (O art. 516 está fora do lugar, no Código Civil suíço: nada tem com a
forma dos atos para a morte; édireito sôbre conteúdo: “As liberalidades por
testamento ou contrato de herança não se rompem (“so wird nicht
aufgehoben”, “ne sont point annullées”), se, depois, diminui a faculdade de
dispor do seu autor: mas cabe a redução”.)

§ 5.859. Direito constitucional e testamento


1.CRIAÇÃO, ALTER.AÇÃO E EXTINÇÃO DE FORMAS
TESTAMENTÁRIAS. As formas testamentárias somente podem ser
criadas ou modificadas, ou extintas, pelo Congresso Nacional. Os Estados
não podem intervir, nem estabelecer nulidade ou presunções legais.
Contudo, podem exigir aos seus juizes que, antes do “cumpra-se”,
procedam a diligências, desde que, com isso, não se invada o domínio do
direito material.

Os Estados-membros não podem modificar regras jurídicas de capacidade,


nas espécies testamentárias, nem alterar ou acrescentar aos arts. 1.650,
1.719 e 1.720 do Código Civil, que trataram das testemunhas nos
testamentos. Se um Estado-membro determina que os escreventes e mais
pessoas dos cartórios não figurem como testemunhas, a infração tem as
consequências disciplinares, porém não a de invalidado. O Código Civil,
em regra, não usou das expressões “tabelião” e “notário”,. como outras leis.
O que êle exige é que seja oficial público, pessoalmente.

Trata-se de oficial com fé pública, oficial que euremàticamente possa portar


por fé (art. 1.634), isto é, oficial cuja afirmativa valha e seja parte integrante
de instrumento público. Não é preciso que seja o oficial público competente
para outras escrituras públicas: pode ser o exclusivo de testamentos ou
exclusivo ou privativo. Se um Estado-membro dá a atribuição ao escrivão
da Provedoria ou das varas cíveis, vale. Pode, até, dizer que tal oficial é o
juiz de paz, ou o substituto, da comarca. Mais: o escrivão da intendência
municipal. O que éessencial é que lhe dê fé pública, a qualidade de oficial
público. A lei de organização judiciária do Estado pode, a respeito, dispor.
Mas, aí, para a função substancial da legislação estadual. Ela cria o oficial
que o Código Civil pressupõe. Só isso. Pode ser que exija outras
formalidades aos testamentos papel selado, pagamento prévio de impôsto;
mas isso não constitui causa de nulidade. Se algum Estado-membro, por
exemplo, não exige que o ato seja pelo próprio oficial, mas por escrevente
juramentado, isso não eiva de nulidade o testamento: tal escrevente, em
virtude da legislação estadual, é oficial público Mas é preciso que a
legislação lhe confira fé pública. A lei que permitisse ao escrevente
escrever o testamento, porém não lhe reconhecesse fé pública, cindiria as
funções de escritor do testamento público, e de certificação, portando por
fé, o que se não compadece com a lei federal. Tudo que se disse sôbre o
oficial público, no tocante ao testamento público, incide no tocante ao
testamento cerrado. Os Estados-membros não podem simpli.. ficar o
processo de publicação ou confirmação do testamento particular.

2.LÍNGUA ESTRANGEIRA E LEGISLAÇÃO ESTADUAL. O


testamento tem de ser escrito em língua nacional (Código Civil, art. 1.632,
parágrafo único). Se um Estado-membro manda que se junte tradução,
devidamente assinada pelo testador e autenticada, cominada a pena de
nulidade. Não há nulidades de atos jurídicos fora do Código Civil. É isso
que leva a afirmar-se ser inoperante a cominação de nulidade. Mas a
legislação estadual pode dizer que faltará fé pública ao oficial quanto a atos
de estrangeiros que saibam escrever se êsses não-escreverem, após o
apanhado do oficial em língua nacional, o que êles declararam, vertido na
própria língua. Éxaminadas as circunstâncias, não é de excluir-se a
possibilidade de ser formalidade essencial, em certos casos. Outra questão é
a dos governos de fato e as nomeações de oficiais.

3.GOVERNOS “DE FACTO” E TESTAMENTOS. Às vêzes, os governos


são, para uns, de facto, e para outros, de iure. Êste énão só o que devia estar
no poder e não está (MOUNTAGTJE BERNARD, Nc7etrality of reat
fintam during Ameriean civil War, 108), como também o que está no poder
e, embora em situação discutida, devia estar. Surge, então, a questão
jurídica sôbre o direito ao cargo. A própria subida pode não ser normal:
ogovêrno de facto pode ascender normalmente na aparência, por
maquinações; e o de direito ter precisado de insurreições ou revoltas. A
solução que temos de esperar é matéria puramente de direito constitucional:
é, ou não, de qua-estio iuYZS. Respondido isso, parte-se a questão: ato
testamentário praticado perante oficial, nomeado pelo govêrno estadual de
facto, e cabendo a apreciação ao juiz brasileiro, do mesmo Estado-membro,
ou de outro (direito civil e interestadual) ; ato testamentário, praticado
perante o juiz ou oficia] de outra nação, nomeado pelo govêrno de facto
(geral ou local), cabendo a apreciação ao juiz brasileiro (direito
internacional privado) Aqui só nos interessa a primeira parte. Da outra,
adiante se há de tratar. A validade ou udo-validade do ato de nomeação
épreliminar, mas preliminar que pode associar-se a outras. Primeira
distinção: governos gerais e locais.

Se a autoridade do govêrno é geral, se estende por todo país, deu-se


substituycão completa do poder, é para o juiz interno como para govêrno de
iure. Assim, revolução unitanista, ou federalista, com a uniformização das
leis de jurisdição, de ofícios públicos, e res pectivas nomeações, que se
alastrasse e dominasse o país, nomeando tabeliães, escrivães, juizes, criaria
a figura do govêrno de facto generalizado e os atos teriam de ser e deveriam
ser respeitados. Os testamentos feitos perante tais oficiais valeriam, sem
discussão, e o juiz deve reputá-los válidos, ainda quando nova revolução
reimpusesse o govêrno estável anterior, o chamado govêrno de jure. Não
coexistiriam. Existiriam, um após outro. A decisão do nôvo govêrno
restaurado que considerar sem efeito as nomeações não pode ter a
conseqúência de invalidar os testamentos das pessoas que falecerem antes
de vigorar tal solução nova. A regra é que os governos de jure sejam
intolerantes com os de facto: tudo que antes se fêz éilegal.

Há, pois, limite, algo como constituiçáo superposta aos governos nascidos
ou não das Constituições, que autorizam os juizes a velar pelo interêsse
público, estabelecendo justo critério nas apreciações concretas. Trata-se de
análise de relações, de princípios superiores, de induções, que também se
permitem nas questões de direito intertemporal constitucional.

Se a questão da validade dos testamentos feitos perante oficial nomeado


pelo govêrno de facto tivesse de resolver-se pelos decretos reconhecedores,
ou não, dos atos do govêrno anterior, todas as nomeações seriam nulas;
todos os testamentos, nenhuns. É preciso considerar o quantum despótico
da Política (= „7), e reduzi-lo ao do Direito (xx 4).

Seria mais do que injusto: seria aceitar a su.spens‟io da vida de um povo, a


não-testabilidade por ato público. Há limitações que nascem das relações
para com outros países e dos cidadãos com a ordem social (govêrno de
facto, ou não) . Valem as dividas contraídas, quiçá os tratados, as escrituras
entre particulares e os testamentos. Ou o nôvo govêrno diz que valem, e
então tollitur quaestio. Ou nada estabelece, e devem entender-se válidas,
por presunção, as nomeações. Ou diz que não valem. Aqui, o juiz pode
obrigar os próprios governos de facto ao reconhecimento, os dirigentes a
que observem as leis. Tal o procedimento americano, após a guerra de
Secessão. A justiça paira; as revoluções e governos de facto são fenômenos
pauticos. A Constituição das Repúblicas do Salvador, art. 69, de Honduras,
art. 99, da Venezuela, art. 104, e do Peru, art. 10, declararam nulos os atos
dos governos de facto. Mas revolução geral de ordinário revoga a
Constituição, o que dá no mesmo: há Constituição de facto. Em todo o caso,
restaurada a ordem constitucional, vêm os decretos, e os juizes dêsses
países costumam só considerar válidos os atos que os decretos permitem
Essa não é e não pode ser a solução brasileira. ~ Se o govêrno de facto fôr
local? Para o caso dos testamentos e no sistema federativo do Brasil, o
govêrno de todo um Estado-membro, o govêrno que está, de facto, no
Poder, sem coexistir, de facto com outro, é govêrno geral. Valem, portanto,
as soluções que demos aos casos ocorridos sob govêrno geral. Aos
governos locais é inabluível a coexistência. Tais os das guerras civis. Há
atos de um e atos de outro, atos do vencido e atos do vencedor. que pode ser
o de facto como o de‟ inre. Aliás, o vencedor, com o critério político,
considera-se, a si mesmo, de iure. Se o vencedor discrimina os atos seus
que valem e es que não valem, praticados durante a guerra, cria problemas
graves. O govêrno de iure não poderia ter tal procedimento, O que
disputava o poder legal, durante a luta, reconheceu a soberania de facto
coexistente (não é a mesma coisa que lhe reconhecer a beligerância, que só
tem efeitos quanto ao direito penal) : o juiz interno também deve dar aos
atos o valor jurídico e as consequências, que lhes caberiam, e.g., leis novas
de organização judiciária, nomeações de oficiais públicos. A regra jurídica
tem de ser a seguinte: se o vencedor é o de iure, devem-se considerar
válidos todos os atos de conformidade com a lei e pendente a disputa do
podei; se o vencedor é o de facto, desde o dia em que começou a existir, a
co-existir (ex hypothesis). Restam os atos do govêrno de facto vencido e os
do govêrno de inre que foi inteiramente destruido e para sempre:

a)Atos do govêrno de facto vencido: se o govêrno de inre lhe reconhece os


atos, corta-se a questão; se o govêrno dá regras jurídicas a respeito, cabe ao
direito intertemporal. No Brasil, a questão do govêrno de facto local,
coexistente, com duração e estabilidade, pode provocar a intervenção
federal: o ato explícito do govêrno de iure vencedor, considerando nulos os
atos jurídicos perante oficias nomeados pelo govêrno de facto, duradouro, e
os do próprio executivo federal ou do legislativo, não escapam à apreciação
do juiz. Se houve passagem do cartório ao nôvo oficial, exercício „efetivo,
prática de atos de fé pública, é preciso afirmar-se a validade dos atos
testamentaros perante êle praticados. Se o govêrno legal não reconheceu, de
modo nenhum, a coexistência de facto, ainda que, efetivamente. algumas
cidades ou zonas estivessem sob o poder passageiro dos revolucionários, o
juiz deve em princípio aplicar as leis como se só um govêrno existisse, para
evitar a imprudência de dar ao Direito a mobilidade da Política. Mas: a) Se
o govêrno regional de facto permaneceu, com estabilidade (caso dos
Estados do Sul, na guerra civil americana), cabe a lição do juiz FIELD, no
caso Horn versus Lockhart (1873), que argumentava, decisivamente: “A
existência de estado de insurreição não desatou os laços de sociedade, nem
suprimiu a administração civil e a aplicação regular das leis. Era preciso
manter a ordem, aplicar os regulamentos de polícia, fazer respeitar os
contratos, celebrar os casamentos, regular as sucessões e a transferência dos
bens, como em tempo de paz”. b) Se o govêrno vencedor afirma a
ilegalidade de todos os atos do govêrno de facto, sem os distinguir, ainda
assim o juiz deve entrar na apreciação, reduzindo às necessidades jurídicas
o critério político: as circunstâncias ordinárias da vida e é o caso dos
casamentos e dos atos testamentários não devem sofrer com as mobilidades
do processo político de adaptação social, nem o govêrno salvo caso de
diferença radical que diga com a ordem pública pode querer o prejuízo dos
particulares. Ainda em se tratando de formas testamentárias novas (isso, no
Brasil, não caberia, porque a legislação é federal), cumpriria atender ou
poder alegar que houve atos cuja responsabilidade não assume. Mas o juiz
examina as circunstâncias para verificar se a não-validade é admissível.

Após a guerra da Independência, os tribunais americanos reconheceram o


poder legislador dos Estados-membros a partir de 4 de julho de 1776, e não
do Tratado de 1783.

b)Atos do govêrno de iure vencido. O vencedor, govêrno de facto, vai


considerar-se de iure. Mas as considerações de que os habitantes contavam
com a vitória da situação jurídica contra a situação de facto (ainda que,
politicamente, partidários da revolução) e de que o govêrno federal
interviria pela restauração (o que se supõe, pela Constituição da República)
bastariam para afastar a possível invalidação: seria querer-se que o
fenômeno político negasse o próprio juiz apreciador do caso, negasse o
Direito, fôsse, no passado, desfazer o que juridicamente se estabeleceu: o
sinal de Política é (para o futuro) e não ~ (para o passado) ; por isso mesmo,
as leis não retroagem, e o que está feito fica (Política é 2; Direito, 1), e só
muda para os casos futuros (PONTES DE MIRANDA, Introdução à
Sociologia Geral, 235 s.).

As Constituições estaduais fixam o poder legislativo dos Municípios. O que


êles podem fazer tem as sós consequências que teria, se feito pelo Estado-
membro. De modo que as questões são as mesmas.

§ 5.860. Direito penal e formas testamentárias

1. TESTAMENTOS E CRIMES. Atos particulares, documentos privados,


ou não, os testamentos, devido à sua significação e importância, são pelas
leis penais considerados, indistintamente, atos públicos. Ficção legal, que o
caráter do ato justifica. Talvez seja resquício da função legislativa que se
exercla‟nos próprios testamentos não públicos. Se bem que hológrafo, o
testamento particular é como a instituição de patrimônio; mas, hoje, o
fundamento está no fato de ser difícil verificar-se a fraude caligráfica
(AMnancIo NEGRI, em P. COCLLO, Completo Tratato di Diritto Pende, ,
1.ª parte, a, 521).

2.CRIMES MAIS ENCONTRAVEIS Os crimes encontráveis são os de


falsificação do testamento público e os de falsificação do testamento
particular, que cabem, respectivamente, nos arts. 297 e 298 do Código
Penal. Outros podem ocorrer, como o de falsificação de certidão, quer
ideológica, quer natural, e o de falsa identidade.

§ 5.861. Espécies de testamentos quanto à forma

1.FUNÇÃO JURÍDICA DAS FORMAS TESTAMENTÁRIAS. A forma


é processo técnico. Nos nossos dias, não pode ter caráter ritual, mas sim
próprio à estabilidade específica. Seria inconsequência (nos tempos de hoje,
em que a inteligência tem finura bastante para reconhecer e discernir os
fatos do direito, e para discriminar relações em sua realidade imaterial)
alimentar a superstição dos formalismos obsoletos, que prejudicaram, em
vez de servir à vida. Ora, o Direito, processo social de adaptação, não tem
outro fim que o de servir à existência coletiva e individual. Forma contrária
a êsse fim, é forma contrária ao Direito. Quando a lei escrita, ou a praxe
doutrinária ou judicial, que também são fontes de formas, estabelece, para
determinados atos jurídicos síricto sensu e negócios jurídicos (citação,
interpelação, casamento, adoção, testamento, hipotecas) determinadas
exigências formais, não tem outro fito senão o de pressupor cautelas,
envoltórios, dentro dos quais, conveniente-mente resguardadas as vontades,
se lhes garanta e precise a eficácia. Raro, somente para precisá-la ou
restringi-la: quase sempre, para assegurar-lhe o resultado jurídico que
especifica-mente foi querido.

2.EVOLUÇÃO DAS FORMAS JURÍDICAS. Se examinamos a evolução


que se operou do formalismo romano à mentalidade hodierna, vemos que se
procedeu a verdadeira crítica das funções das formas, sem qualquer
preconcebida antipatia (pois que a vida moderna criou formas novas),
porém no sentido de apreciar a utilidade social e individual do seu emprêgo.
Dai o movimento de diminuição de exigências que apenas atende uma. das
leis evolutivas do Direito. Por isso, no apreciar as formas como processos
técnicos, meios, para fins de segurança jurídica (se garantem, segurança
para os que desejam eficácia aos seus atos de vontade; se restringem,
segurança para os outros)~ o direito contemporâneo, como o dos séculos
passados, ora atenua o rigorismo da forma como elemento, exterior e
sensível, necessário ao ato jurídico, ora reconhece a legitimidade de novos
quadros formais em

~ue se verta e se modele o querer dos homens. De tudo isso havemos de


tirar que o invólucro não deve sacrificar os atos que deve revestir. Se é certo
que às vêzes o requisito formal tem por fim delimitar, dificilmente se
poderiam, ainda em tais casos, intrometer considerações de sacrifício do
fundo, do ato, de mal compreendida sujeição à forma solene, seja
probatória, seja acauteladora ou normativa (de habilitação, e de processo, de
fiscalização) . Também se tira, não só que as regras jurídicas sôbre forma
são suscetíveis de interpretação, com todas as possibilidades dos modernos
critérios de apreciação científica da lei, como, por igual, que ela não deve ir
além do fundamento ou do critério inspirador do processo técnico, que é a
forma. Processo técnico não é fim, é meio.

Por outro lado, não se veda ao direito não-escrito estabelecer cautelas,


exigir formas a determinados atos, às habilitações, aos propósitos de
publicidade e, se a necessidade o inspira àprova de fatos. Não é a lei escrita
a fonte única do direito, nem se abre ao princípio da multiplicidade das
fontes essa exceção.

§ 5.861. ESPÉCIES DE TESTAMENTOS QUANTO À FORMA -relativa


às regras jurídicas de exigências formais. Tão-pouco ficam imunes os textos
escritos às apreciações com que a ciência e a prática procedem a sua
adequação aos fatos da vida.

3.IMPFRATIVIDADE E INTERPRETAÇÃO. As formas testamentárias


são de interêsse público; mas isso não quer dizer que se não possam
interpretar os artigos de lei, que fixam os. requisitos essenciais: a) pode a
forma, considerando o efeito~ não ser da máxima importância: quando
forma non est magnae importaníiae, considerato efleciu; b) a exigência
formalística cede, onde cessa a razão de se requerer a forma (quando <-es..
sarei causa forinae adimplendae) ou o fim (juando forma ad aliquem finem
eM constituta); c) quando o que se fêz vale o mesmo (“equipolência”, a que
se referiam os juristas lusitanos) : quando actue factus eandem rim hab ei;
d) quando de-~ monstrativa (ad aliquid demonstrandujn requisita).

Em todo êsses casos, pode adimplir-se pelo equivalente: tufo enim potesi
adimplere por aequipollens. Não são palavras de hoje, são velhas palavras,
que meia-ciência de alguns ou não compreende ou delas se esqueceu.
Outros elaboravam fórmula mais geral, porém, no fundo, a mesma: nisi
tamen sia tutum formam inducens considerei aliquem eflectum, quja tune si
eflectus sequatur omissio for-mae nau vitiat. (Ou: quando forma respicit
certum eflectum, per aequipollens potesi effectualiter canse qui.)
4. INTERPRETAÇÃO DAS LEIS SÔBRE FORMAS
TESTAMENTÁRIAS. No caso de o que se teria como testamento não ter
forma, ser imperfeito, não existe o próprio ato. Tal formalismo passou ao
direito português e dominou como princípio. Ainda hoje, atenuado, domina.
A falta da forma deixa não completo, é pois inexistente o ato testamentário
(MANUEL FIGUEIRA DE NEGP.nRos, introductio ad ultimas voluntates
continens omnia necessaria ad confectionem Testamenti, 1, 2, c. 1, n. 4) ;
mas isso não visava dizer, nem visa, que a lei da forma não se interprete. A
lei da forma é lei como as outras leis. Imperativa, sim, mas as leis
imperativas são suscetíveis de interpretação. O que ela diz, e nisso difere de
outras regras jurídicas, é que a falta faz inexistente o ato e o defeito, ainda
mínimo, torna nulo o ato. Mas o que é defeito, di-lo a lei, ou a
interpretação. Se aqueles defeito mínimo é, realmente, defeito, isto é, se tem
aquela consequência, di-lo o entendimento do texto legal. O

entendimento não poderia ser o de absurda interpretação literal. As idéias


modernas, frutos de evolução da ciência, e da técnica, encontram pleno
apoio em velhos mestres de tempos bem mais maduros no apreciar o valor e
o alcance das leis. Na letra legal está consignada a exigência do elemento
exterior e sensivel, da veste material à imaterialidade do querer expresso,
mas, na lição de hoje, como na de ontem, pode satisfazer-se com o igual em
resultados. Se se chega à conclusão de tratar-se de levissirna solenuitas,
então nou est sufficiens ad evertenda suprema defunciorum elo gia.

As regras jurídicas sôbre formas testamentárias são bis cogens. Não pode o
testador por vontade sua, declarada ou não, ou por fôrça das circunstâncias,
fugir à observância do que a lei, como forma solene, estatui. Isso não quer
dizer que o íus cogens tenha de ficar sujeito às algemas de inafastável
interpretação literal. Éle é co gens, no que diz, porém não nos meios de se
procurar o que êle diz. Tal verdade da ciência, nem sempre a vemos na
solução dos expositores, desaparelhados para a delicada adequação da lei
aos fatos da vida. (Nem se confunda isso com o favor testamenti, que está
no Código Civil, artigo 1.666: quando se fala de favor testarnenti, só se
cogita do conteúdo. O

mesmo sucede no Código Civil alemão, § 2.084:


WILHELM MANTEY, Das Erfordernis richtiger Datierung
holographischen Testaments, Gruchois Beitráge, 43, 642).

Um dos fundamentos da exigência formal é não se deixarem dúvidas quanto


ao emprêgo válido das solenidades.

Por isso, a interpretação tem de ser restrita (EMIL JAOOBY, Das


cigenhándige Testaríz cmi, 39) . Interpretação restrita de formas solenes
quer dizer interpretação que reduz ao mínimo. Ora, interpretação com tal
propósito limitativo não poderia ser literal: procura o que seja validante dos
testamentos, enquanto êsse mínimo de exigência não prejudica o critério
formal. Por onde se vê, claramente, que a solução contemporânea, sôbre ser
a dos bons espíritos dos séculos passados, consulta outros princípios de
interpretação das leis e das categorias reais das nulidades, no submeter o
texto imperativo aos depuramentos de crítica esclarecida e sã.

§ 5.862. Direitointernacional privado e formas testamentárias

1.LEI DE INTRODUÇÃO AO Cóníco CIVIL, ART. 10 E §§ 1.0 E 2.0. As


regras jurídicas sôbre a lei que rege a sucessão são de grande relevância na
vida contemporânea. As relações entre os povos são intensas, correntes
imigratórias continuam e há deslocações para outros Estados que aqueles
em que homens e mulheres nasceram.

Ora para negócios, ora para serviços, ora por simples turismo.

Na Lei de Introdução ao Código Civil (Decreto-lei número 4.657, de 4 de


setembro de 1942), estatui o art. 10: “A sucessão por morte ou por ausência
obedece à lei do país em que era domiciliado o defunto ou o desaparecido,
qualquer que seja a natureza e a situação dos bens”. E o § 19: “A vocação
para suceder em bens de estrangeiro situados no Brasil será regulada pela
lei brasileira em benefício do cônjuge brasileiro e dos filhos do casal,
sempre que não lhes seja mais favorável a lei do domicílio”. E o § 2.0: “A
lei do domicílio do herdeiro ou legatário regula a capacidade para suceder”.

Afastou-se a lex patriac, que era a lei pessoal conforme o direito anterior.
Fêz-se estatuto pessoal o do último domicílio do decujo. Se era estrangeiro,
casado com Brasileira e deixou filhos Brasileiros, o estatuto pessoal não era
e não éo da lex patriae, mas sim o da lei brasileira. Não importa onde era
domiciliado o estrangeiro, que morreu casado com Brasileira ou com filhos
Brasileiros.

2.FORMA E “LEX LOCI”. Quanto à forma, há o princípio geral da lex boi.


Ao locus regit actum há exceções, que têm de ser apontadas. Uma delas é
concernente ao testamento conjuntivo, seja simultâneo, recíproco, ou
correspectivo (Código Civil, art. 1.630). Outra, a dos testamentos militares
e marítimos.

O testamento conjuntivo, a despeito de o art. 1.630 do Código Civil se


achar entre as regras jurídicas sôbre formas testamentárias, há de obedecer à
lei pessoal do decujo, porque seria absurdo que, proIbindo o Estado do
estatuto pessoal, o testamento conjuntivo, seja simultâneo, seja recíproco,
ou seja correspectivo, pudessem duas pessoas que estão subordinadas a êsse
estatuto, ou uma das quais está, testar conjuntivamente. Iria Brasileiro ou
iriam Brasileiros para algum Estado onde se não proIbisse a fim de fazer o
testamento que a lei brasileira veda. Não se pode negar o elemento típico,
contenutistico, da regra jurídica que repele o testamento conjuntivo,
qualquer que seja a espécie.

Quanto aos testamentos públicos, é indiscutível que não se pode exigir que
os oficiais públicos de Estados estrangeiros se submetam a lei brasileira, ou
que os oficiais públicos do Brasil se submetam a lei estrangeira, no tocante
à forma. Dá-se o mesmo se o testamento é cerrado, e é levado ao oficial
público para a formalidade que se exige.

Há dois problemas: a) o que é que se entende por forma, que a lei do lugar
tem de reger; b) se é possível preferir-se outra lei, isto é, se a lex boci tem
necessàriamente de reger, ou se há de reger a lei do lugar se outra (a lei do
estatuto pessoal) não se observou. Ali, haveria necessariedade da lez boci.
Aqui, apenas suficiência.

Antes de enfrentarmos as questões, recorramos à história do direito


internacional privado quanto à forma.
Desde a Idade Média se admite que o princípio de que a forma do negócio
jurídico se há de considerar válida se obedeceu à lei do lugar. Poucos eram
os juristas e aplicadores de leis que faziam restrições ao bens regit actum;
por exemplo, se os negócios jurídicos eram concluídos com a cooperação
de oficiais públicos, ou com a autoridade do Estado, ou dependentes de
fonte oficial (H. THÓL, E‟inleitung in das deutsehe Privatrecht, § 83).
Alguns eram ainda menos exigentes, como HAUSS (Du Droit privé qui
regit les étrangcrs en Belgique, 45 s.).

Havia controvérsias a propósito da abrangência ser de tódas as formas ou


só de algumas, bem como sôbre a obrigatoriedade ou a facultatividade da
lez boci actus.

Surgiam divergências no tocante aos próprios fundamentos.

Alguns, como A. VíNNíus, G. PHTLLIPS (Grundsãtze des gemeinen


Dcutschen Privatrechís, 1, 192) e 1<. L. W.

VON GROLMAN (tYber obographische und mystische Testamente, 14),


perseveraram na teoria dos estatutos, para que se evitasse a aplicação da lei
da pessoa

Para outros, quem quer que pratique atos jurídicos tem de sujeitar-se à
soberania do Estado em cujo território se perfaz. Assim, CER. FRIEDR.
VON GLÚCK (Ausfiibrliche Erlduterung der Pandecten, 1, 291), W. A. F.
DANZ

(Handbuch des hcutigen deutschcn Privatrechts, 1, § 53) e outros. Por seu


lado, L. VON BAR (Theorie und Praxis des internationalen Privatrcchts, J,
2.~ ed., 340 s.) só a fundava no costume, na communzs opinio segundo
CINO

DA PISTOlA, ALBERICO DE ROSATE, PETRUS DE BELLAPERTICA,


PAUlo DE CASTRO, RAPH.

FULCOSIUS e PETRUS DE RAvENNA.


A lex boci era tida por inafastável por BARTOIflMEo DE SALICETO,
BALDO DE IJaÁLnIs e HÁRTOLO DE

SAxOFERRATO.

Antes de L. VON BAR, a justificação pelo uso estava em muitos. trro seria
crê-la de origem romana, como pretendeu JoH. STEPH. PÚTTER
(Auserlese Reehtsfdlle aus allen Thcilen, 1, n. 248).

A regra jurídica tornou-se universal, por ser a de respeito a esfera jurídica


de cada território estatal. Todavia, se há concordância no respeito, não na há
no tocante ao conteúdo.

3.CONTEÚDO DA ExPRESSÃO “ACTUM”. Nem quanto àexpressão


“actum”, na regra jurídica bocus regit actum, nem mesmo quanto à
distinção entre forma e conteúdo, é pacífica a doutrina. A. NIEDNER
(Kommentar zum E‟infúhrungsges‟itz,

31) chegou a dizer que nunca o será. A referência explícita à lei do lugar em
que se praticaram os atos estava no Projeto de THEoDoR NIEMEYER
(Vorselddge und Matcrialen zur Kodifilcation des internationalen
Privatrechts, 240 s.), contra o texto de ALBERT GEBHARD. O influxo foi
a opinião de L. voN BAa (Theorie und Praxis des internationalen
Privatrechts, II, 13 5.; Lehrbneh des internationalen Privat- und
Strafrechts, 106 s.), bem como o sistema escolar de Huoo NEUMANN
(Internationales Privatrecht in Form cines Gesetzcntwurfs, 85-

-91), isto é, vontade dos figurantes, domicilio, lugar da aceitação.

No art. 11 da revogada Introdução do Código Civil dizia-se que a forma


extrínseca dos atos jurídicos, públicos ou privados, se regeria segundo a lei
do lugar em que se praticassem. Na Lei de Introdução do Código Civil
(Decreto-lei n. 4.657, de 4 de setembro de 1942), nada se disse, exceto no
tocante à excepcional exigência de forma essencial (art. 9 O, § 1.0) de
modo que temos de primeiro cogitar das controvérsias em tôrno de textos
alusivos à forma.
Depois, da interpretação se não há texto alusivo, pois tem de ser pôsto o
problema de direito internacional privado, diante da atitude omissiva.

Se a lei apenas fala de forma, ou de forma e solenidades, como o Código


Civil espanhol, art. 11, a discussão há de ser sôbre o conteúdo da expressão
“forma”, ou da outra “solenidades”. Se se refere a “forma extrínseca”, não
caberia discussão quanto ao conteúdo da regra jurídica. Tem-se apenas de
indagar quais são as formas extrínsecas e quais as formas intrínsecas. Tal o
que ocorria ao tempo do art. 11 da revogada Introdução ao Código Civil,
com o revogado Código Civil italiano, art. 9, com o venezuelano, art. ~ lª
parte.

Quanto ao Código Civil francês, não havia fórmula geral e o texto do


Projeto refletiu-se na Lei holandesa de 1829, artigo 10. No Código Civil
saxônico, § 9, a lex boci continuou sendo a preferida, bastando a do lugar
dos efeitos. A Lei de Introdução alemã (Einfiihrungsgesetz), art. 11,
inverteu a ordem: a forma de negócio jurídico é determinada pelas leis que
regem a relação jurídica que resulta do negócio jurídico. Basta, todavia, que
se observe a lei do lugar onde o negócio jurídico se conclui. A regra
jurídica, que está na alínea 1, segundo enunciado, não tem aplicação a
negócio jurídico que estabeleça direito sôbre coisa, ou que dele disponha.

Na Inglaterra, a regra jurídica bocus regit actum é conforme o Foreign Wills


Ad de 6 de agôsto de 1861 e a título facultativo.

Na Lei federal suíça de 26 de junho de 1891, art. 24, foi dito: “Les
dispositions de derniêre volonté, les pacts successoraux et les donations à
cause de mort, sont valables quant àla forme, si celle-ci satisfait au droit du
lieu oú l‟acte a été passé ou à celui du canton du domicile lors de la
passation de l‟acte ou au droit du dernier domicile ou à celui du canton
d‟origine du défunt”. O art. 32 estendeu-o às relações internacionais.

Já no Projeto da Convenção da Haia tirou-se a regra jurídica obrigatória e


pôs-se a facultativa.

§ 5.862. DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO


Antes do Código Civil, a regra jurídica que prevalecia na Alemanha era a
da lez boci actus, como principal, permitida a lei in favorem negotii.

Na Lei de Introdução ao Código Civil, o direito brasileiro somente tem hoje


a explicitude do art.

9 O, § 1.0:

“Destinando-se a obrigação a ser executada no Brasil e dependendo de


forma essencial, será esta observada, admitidas as peculiaridades da lei
estrangeira quanto aos requisitos extrínsecos do ato”.

Apesar da omissão da Lei de Introdução ao Código Civil, o princípio bens


regit actum foi acolhido, implicitamente; e não seria de admitir-se que se
desconhecesse o princípio que através dos tempos se assentou. Não se pode
considerar de ordem pública a subordinação da forma à lei brasileira se o
conteúdo é regido pela lei brasileira. O art. 9.~, § 1.”, que abre exceção para
os atos jurídicos de “forma essencial” se a obrigação tem de ser executada
no Brasil, ressalvou “as peculiaridades da lei estrangeira, quanto aos
requisitos extrínsecos do ato”.

4. TESTAMENTO E “LEX LOCI”. Se o testador, de passagem por outro


Estado, testou hologràficamente, como lhe permite a lei pessoal (e.g., se
domicílio no Brasil, cujo sistema jurídico regula o testamento hológrafo),
tem-se de entender que é válido o testamento. O princípio lex boci regit
actum não é absoluto, razão por que os figurantes de contrato podem
escolher a lex contractus (cf. ERNST ZITELMANN, Internationale
Privatrecht, II, 153).

Também vale o testamento hológrafo, permitido pela lei pessoal, se, feito
em Estado que o admite, na feitura se se observaram exigências extrínsecas
da lei local, que a lei pessoal não conhece.

A aplicação da lei pessoal às formas testamentárias não é de grande


extensão. Se o ato testamentário é testamento público, é claro que os
oficiais públicos do Estado da lex boci têm de obedecer às regras jurídicas
locais sôbre tal espécie de forma de testamento. Se o testamento é
testamento cerrado, a aprovação ou ato semelhante somente pode ser com
observância da lei do lugar em que exerce a função a autoridade aprovante
ou conferente.

Se o testamento é hológrafo, a lei pessoal, que o permite, de ordinário não o


vede fora do Estado, porque seria repelir o princípio lez loci regit actum, o
que se chocaria com a prática legislativa hodierna. Se a lex loci o veda, tem-
se de coíisiderar que em primeira plana está a lei pessoal. Dai têrmos escrito
no Tratado dos Testamentos (1, 373 s.) : “Em se tratando de testamento
hológrafo... se a lei pessoal não no veda fora do país e se a leoê frei o
permite ainda quanto às formas da lei do estrangeiro, está visto que valerá
na pátria, no país em que foi feito e nos terceiros. Se a lei do lugar não a
permitir, ou, permitindo-a, vedar o uso da forma estrangeira em seu
território, trava-se o conflito de leis. No estado atual do Direito
internacional privado, só se há de resolver pela validade no Estado da lei
pessoal do testador e nos terceiros Estados que reconheçam a
facultatividade da lex loci.

Se o testamento é conjuntivo e a lei local o permite, podem fazê-los aqueles


cuja lei pessoal o admite, ou cujas leis pessoais o admitem. Se a lei local o
proibe, o único meio é o de fazê-lo em consulado, ou perante agente
diplomático com tal competência.

Tem-se de atender a que a regra jurídica locus regit actum é cogente para os
atos jurídicos em instrumento público e facultativa para osCatos jurídicos
particulares. Para a obrigatoriedade, de que se falou, é preciso que a lei do
lugar haja estabelecido os pressupostos essenciais de forma. Ficam fora os
atos jurídicos que possam ser (ou tenham de ser) concluídos em consulados
ou agências diplomáticas.

A distinção entre formas que o sistema jurídico considera forma (dita


“forma extrínseca”) e formas que o sistema jurídico liga ao direito material.

Se os atos jurídicos em instrumento particular são para efeitos em Estado


estrangeiro, tem-se de indagar qual a atitude do direito estrangeiro, em regra
jurídica de direito internacional privado. A lei brasileira não pode reputar
suficiente o que ela exigiu se o Estado estrangeiro, de que depende a
eficácia, não se satisfaz com isso. O direito brasileiro não pode exigir a
forma que êle reputa necessária para o testamento feito no Brasil se a lei
estrangeira, a que se há de subordinar o domiciliado no estrangeiro, é
menos exigente; ou vice-versa.

O direito estrangeiro, se é o da lei pessoal do decujo, pode retirar o


princípio lex boci regit actum.

5. FORMA ESSENCIAL. A lei que reja a sucessão testamentária é que


pode dizer qual a forma essencial ou quais as formas essenciais do
testamento. Pode ocorrer que de modo nenhum se considere essencial a
única forma da lei sucessoral, ou se considerem essenciais as formas da lei
sucessoral. A essencialidade da forma exigida não afasta, em princípio, a
incidência da loa, boci no tocante aos testamentos fora do Estado da lei
pessoal.

6. FORMA EXTRÍNSECA OU REQUISITO EXTRÍNSECO. Os requisitos


extrínsecos do ato, a que alude o art.

9 o, § 1.0, da Lei de Introdução do Código Civil, são as “formas


extrínsecas”. O que se tem por fito com a referência à natureza extrínseca
da forma foi ressalvar-se, na invocação da bex loci, o que se há de apegar à
lei pessoal.

Assim, o mudo, no direito alemão, fora da Alemanha, pode testar por sinais,
se a lei local o permite (HEINRICE

DERNBrntG, Das biirgerliche Reelzt, V, 65, nota 11), conforme resultou do


Einfiihrungsgesetz, art. 11, alínea

1 a,

2~a parte. No tocante a testamentos de mudo, o direito brasileiro só o


permitiria cerrado, escrito pelo mudo e por êle assinado, observado o artigo
1.642 do Código Civil.
„7. ESPÉCIES DE TESTAMENTO: A) TESTAMENTO PÚBLICO. São
inconfundíveis, para a observância do princípio da loa, loci regit actum, as
espécies de testamento e os meios exteriores pelos quais elas se compõem.
A lei brasileira exige, quanto aos testamentos públicos, que os lavrem
oficiais públicos, e não simples escreventes juramentados; mas, aí, não é da
espécie que se cogita, de modo que o domiciliado no Brasil pode testar por
testamento público perante a autoridade ou pessoa que para isso tenha
competência segundo a lei local. Não é de afastar-se o caso de algum
Estado permitir o testamento público sem ser ditado (e.g., somente copiado
de minuta) e apenas lido por outrem, na presença das testemunhas (cf.
JOSÉ DIAS FERREIRA, Código Civil português anotado, IV, 340).

O testador, nos Estados que têm as duas formas públicas, a judicial e a


notarial, pode escolher qualquer delas.

Pràticamente, para se saber se, em direito internacional privado, há


divergência entre o direito testamentário de dois Estados, o que mais põe
em relêvo a distinção entre a parte intrínseca e a parte extrínseca é questão
de existência: a) ~ Existe, na lei pessoal, o testamento público? Se não
existe, ainda pode surgir a questão de ser de ordem pública a proibição ou a
omissão; mas, mesmo se há vedação, é de indagar-se se é de ordem pública,
de jeito que acompanhe o testador nos Estados estrangeiros. b) Se existe,
rege a forma a leis loci.

No direito inglês, não há o testamento público recebido ou recebido e


aprovado o testamento público. O

testamento. inglês é testamento privado, feito perante duas testemunhas. No


Código Civil francês, o art. 999 fala de poder o Francês testar no
estrangeiro pela forma autêntica estrangeira ou pela forma hológrafa
francesa: “Un Français qui se trouvera en pays étranger, pourra faire ses
dispositions testamentaires par acte, sons signat ure privée, ainsi qu‟il est
prescrit en l‟article 970, ou par acte authentique, avec les formes usitées
dans le lieu oú cet acto sera passé”. Tem-se de admitir que se considere
solene o testamento privado inglês, que é o único (HANS
LEWALD, Questions de Droit international des Succes~ions, Reeveil des
Cours de l‟Académie de Droit International, IX, 96). No propósito de
facilitar a testamentifação dos Franceses, no estrangeiro, a jurisprudência
francesa tem por válido

o testamento do Francês na forma inglêsa (Tribunal do Sena, 11 de março e


6 de dezembro de 1899). Na verdade, há estado de necessidade, e não
atribuição de ser solene.

8. ESPÉCIES DE TESTAMENTO E TESTAMENTO CERRADO. O que


se passa com o testamento cerrado é semelhante ao que se passa com o
testamento público. Pode variar de Estado a Estado o ato de aprovação ou
de certo requisito. Ser o direito de um mais rigoroso ou menos rigoroso do
que o de outro. Na feitura, o testamento segue se de mão própria, ou da mão
alheia a leis loci.

A lei brasileira não o permite ao cego (Código Civil, artigo 1.637), de modo
que os domiciliados no Brasil, que sa acham no estrangeiro, não podem
fazer testamento cerrado. Dá-se o mesmo com quem não sabe ou não pode
ler (art. 1.641). O surdo-mudo tem de escrevê-lo todo e assiná-lo (art.
1.642) -Mais: tem de escrever que aqueles é o seu testamento. São os
requisitos intrínsecos.

9. ESPÉCIES DE TESTAMENTO: c) TESTAMENTO HOLÓGRAFO. O


primeiro problema que surge é o de se saber se a bolograf ia só se liga à
forma, ou a forma e ao conteúdo; se só a forma, se o requisito é intrínseco
ou extrínseco.

Na doutrina, uma das opiniões mais disseminadas e a de que pode fazer


testamento hológrafo no estrangeiro, mesmo se o outro Estado não tem essa
forma testamentária, qualquer pessoa que, conforme a lei pessoal, o possa
fazer. Não valeria o testamento hológraf o feito em Estado estrangeiro, que
o tem, se a lei pessoal não o admite.

A respeito da validade do testamento hológrafo, o Código Civil holandês,


art. 992, e a Lei inglêsa de 6 de agOsto de
1861, conforme a decisão da COrte Inglêsa, a 25 de janeiro de 1898, no
sentido da obediência à leis bocí.

Em todo o caso, é de advertir-se que a lei pessoal pode ter concebido como
de capacidade testamentária a regra jurídica sobre testamento hológrafo
(e.g., não poder testar hologràficamente o menor de is anos. Aí, não poderia
ser observada a leis loci (C. DEMOLOMBE, Cours de Code Napoléon, IV,
483 a.).

Nem tudo na fixação das formas se há de reger pela leis icei; menos ainda,
pela lei ~essoal. Cabe, precipuamente, interpretar a lei.

O direito francês teria de reconhecer aos Estados estrangeiros poderem


excluir da regra jurídica bons regit actum as pessoas que estão sujeitas à lei
pessoal deles, porque estabeleceu a validade do testamento hológrafo do
Francês feito em lugar em que não há tal forma testamentária (FRANZ
KAHN, Gesetzeskollisionen, Jherings Jahrbiieher, 30, 50). Mas a
jurisprudência não foi êsse caminho (DONNEDIEU DE VABRES,
L‟Êvohttion de la Jnrisprudence française en matiêrc de Conflit de Lois,
185 s.) : vale o testamento hológrafo do Francês, feito no estrangeiro, onde
a leis boi o proiba, porém e.g. o do Holandês, que não devia valer, vale,
porque na França o admite a leis boci. Há vários julgados que decretam a
nulidade de testamentos inglêses feitos na França conforme o direito inglês,
porém, no caso Gesting versus Viditz, a Camara Cível da Côrte de
Cassação, a 20 de julho de 1909, reconheceu a facultatividade da regra
jurídica bocus regit actum.

O Código Civil holandês, art. 992, interdiz aos Holandeses qualquer forma
que não seja a forma autêntica local.

Sómente quanto à nomeacao de testamenteiro, ou para pequenos legados a


título particular, se admite a for ma hológraf a. Nulo é o testamento em que
não se respeitou o art. 992. A França considera-o válido se feito na França,
porém há julgados que o têm como nulo. Por exemplo, pela validade, a
Côrte de Orléans, em 1859; pela nulidade, o Tribunal do Sena, a 13 de
agôsto de 1903. Pela nulidade, a jurisprudência belga (E. P. CoNTUZZI,
Diritto ereditario internazionale, 518 s.) e a italiana (P. FEDOZZI,
Successione, Digesto italiano, 22, 825 s.).

Esporâdicamente, o Superior Tribunal Regional de Hamburgo, a 2 de maio


de 1917, por ter o art. 11, alínea 1?,

2a

parte, do Einfiihrungsgesetz alemão, como regra jurídica absoluta de colisão


(Leipziger Zeitsckrift, 11, 1197).

Para a aplicação da regra jurídica neerlandesa, a despeito da leis boei,


tribunais italianos falaram de 50 tratar de limitacão à, capacidade. Ora, em
verdade, o que nela está é exceção nacional ao principio bons regit actum,
com a conseqúência de tornar intrínseco o requisito. Conflito, portanto,
entre regras jurídicas de conflito. Na ausência de tratado, nenhum Estado
renuncia o seu critério de qualificação. Foi o que se formulou na Convenção
da Haia. O

Código de Direito Internacional Privado de Havana, art. 148, considerou de


ordem pública internacional as disposições de classe em que entra a regra
jurídica holandesa, de modo que optoú pela lei local. Não optou,
verdadeiramente, pois foi como se dissesse: “Vim resolver o conflito. Fique
o conflito !“. No art. 150, contradiz-se.

A permanência, em alguns Estados, da teoria dos estatutários, que fazia a


forma testamentária depender da lei da situação dos bens, se concernente a
bens imóveis (o que ocorre no Common Law), criou e cria conflitos; e.g., a
Chxtncery Division of fite High Court decretou a nulidade de testamento
hológraf o francês, na forma do art. 970

do Código Civil francês e feito na França, por haver nêle legado de parte de
um imóvel que o testador tinha em Londres (cf. Pepin versus Bruyêre,
1900; WILLIAMS, Principles of the Law of Personal, 17.a ed., 480). Mas o
testamento do súdito britânico, feito no estrangeiro, se recai sôbre um
leasehold, vale, se de conformidade com o Lord Kingsdown Áet; pois os
leaseholds, pôsto que sejam imóveis, entram na classe do personal est ate
(Stubberfield versus Grassi, 16 de março de 1905; WESTLAKE, Private
International Law,

6 a ed., 213 s.).

Também na Áustria a forma do testamento sôbre imóveis é sujeita à letr rei


sitae (Côrte Suprema de Viena, 15 de junho de 1900).

Cogitemos de casos ocorridos, apenas para exemplos: a) Testamento feito


na Inglaterra por Português na forma hológrafa francesa. Morre,
domiciliado na Alemanha, depois de ter adquirido a nacionalidade francesa.
Não correspondeu à lei do lugar, nem à pessoal. Porém satisfez a lei pessoal
do momento da morte. b) Testamento de Alemão, feito em Nova lorque, na
forma hológraf a alemã. Morreu após ter adquirido a nacionalidade
holandesa, O

testamento satisfez a lei pessoal do testador, mas não a do momento da


morte. Soluções: o Einfiihrungsgesetz alemão, art. 24, 5ª alínea, tem por
válido o ato. Segundo a Lei suíça de 25 de junho de 1891, art. 24, a forma
da feitura e da revogação de disposição de última vontade determina-se
conforme o regime do Estado de que, ao tempo na feitura ou da revogação,
era nacional o testador. Basta, porém, a observância da lei do lugar em que
se fêz. Tal lei suíça é mais completa que a alemã, em sua explicitude, com o
favor testamenti (cf. STAUFFER, Das Internationale Privatrecltt der
Schweiz, 112).

Precisemos.

a) O que toca à unidade da lei sucessoral rege-se pela lei pessoal do


momento da morte do testador.

b)Quanto às formas prôpriamente ditas, respeitada a leis boci (facultativa),


ou a lei pessoal do momento da feitura (se permitida pela própria lei pessoal
de tal momento, porque, para alguns Estados, há a obrigatoriedade da leis
Moi), vale o testamento.
e) Quanto aos casos de qualificação especial pelo Estado da lei pessoal do
momento da feitura, dar validade ao testamento que não era válido seria
conferir à lei do Estado da nova lei pessoal eficácia retroativa. Tem-se de
distinguir a) se a leis fori é de Estado terceiro, b) se a leis fori é a do Estado
da anterior lei pessoal, o) se a leis fori é a do Estado da posterior lei pessoal.
Quanto à primeira espécie, pergunta-se: consulta-se a lei do lugar em que
foi feito o testamento, ou a lei pessoal anterior? A questão passa a ser
dependente das outras. Se há a regra jurídica alemã, o Estado da primeira lei
pessoal abriu mão da sua lei, a favor do testamento. Se não há, o ato foi
nulo, e nulo permanece. Se o fôro fôr o da posterior lei pessoal, o Estado
que abria mão do princípio de nulidade, contra si, com mais forte razão
invoca, a seu favor, a própria regra jurídica. Se não abriu mão, a situação é
mais difícil: uma vez que reconhece a nulidade dos testamentos vedados
pelo Estado da primeira lei pessoal, então é coerente reputá-lo nulo.

O Estado da primeira lei pessoal, que estabelecia a nulidade, pode admitir


mas apenas em regra jurídica excepcional que o Estado da segunda lei
pessoal determine a validade.

O Estado terceiro tem de consultar a solução do Estado da lei pessoal ao


tempo da feitura quanto a ser válido o testamento, e a do Estado da lei
pessoal ao tempo da morte no tocante ao testamento não válido ao tempo
em que se fêz.

O que acima se disse é invocável para o testamento hológrafo que, na


espécie, suscita dúvidas, e para o testamento nuncupativo.

10. TESTAMENTO NUNCUPATIVO. O Código Civil brasileiro, art.


1.629, reconhece três espécies de testamentos ordinarios; e depois aponta as
formas instrumentais de cada uma. Pergunta-se: ~vale o testamento oral
(não público), feito, pela pessoa cuja lei pessoal é a brasileira, em Estado
que o admita? Afirmativamente, A.

WEIss (Traité théorí que et pratique de Droit international privé, IV, 633) e
BUZZATI (L‟Autorità deile Leggi straniere relative allo forme degli atti
civili, 400 s). Negativamente, P. FioRE (Diritto internazionale pnvato, IV.
205) : a questão envolve a da existência, ou não, de um testamento; se
existe, há sucessão testamentâria~ se não existe, são chamados os herdeiros
legítimos (ou os de outro testamento, digamos). O problema toca à
substância do ato jurídico. A capacidade é o principal requisito da
existência e eficácia legal da vontade declarada, porém não é o único.
Assim como é pressuposto intrínseco, para o cego, determinada forma,
também a lei pessoal impõe às pessoas as espécies de testamento que ela
reconhece. Tal o pensamento de P.

FIORE (IV, 207).

O argumento a respeito da herança legítima é fraco. No tocante ao outro


testamento (o que acrescentamos), é forte.

Mas o problema muda de figura, porque se trata de revogação. Pôsto de


parte o problema da revogação por testamento nuncupativo em Estado que
o admita, ao contrário do que se passa no Brasil, cogitemos do testamento
nuncupativo feito no estrangeiro.

Se ambas as leis, a pessoal e a local, não têm o testamento nuncupativo,


parte da questão está eliminada. O

testamento não vaie. Resta a espécie do testamento nuncupativo feito em


Estado que o admite contra a lei pessoal do testador.

Depois de condená-lo, a Itália deu validade ao testamento oral do Italiano


feito no estrangeiro (P. Frrozzí, Successione, Digesto italiano, 22, 825 s.).
No mesmo sentido, a Alemanha (E‟ntsck., VIII, 222). No direito
internacional privado dos dois Estados europeus, o nacional pode testar no
estrangeiro, nuncupativamente, conforme a leis loci.

No direito internacional privado brasileiro, o domiciliado no Brasil não


pode testar, nuncupativamente, no estrangeiro. Tal foi a solução de CLóvís
BEVILÁQUA (Código Çivil comentado, 1, 128), porém com fundamento
na incapacidade, questão vencida (FRANZ KAHN, Gesetzeskollisionen,
Jherings Jahrbiicher, 30, 48; D.
ANZILoTTI, Studi Critici, 253 s.). Só seria regra jurídica de capacidade se
a lei dissesse, por exemplo, que “não pode fazer testamento nuncupativo o
maior de dezoito anos e menor de vinte e um anos 11. “TESTAMENTUM
TEMPORE PESTIS CONDITUM”. Entre algumas legislações existe o
conflito. No Código Civil suíço, art. 506, admite-se a espécie nuncupativa,
o Nottestament, se há circunstâncias extraordinárias, que impeçam o
decujo de testar de outro modo. Trata-se de forma privilegiada, em oposição
às formas ordinárias do direito suíço (testamento público e testamento
hológraf o). O testador declara as suas últimas vontades a duas testemunhas,
a que encarrega de escrever ou de fazer escrever o que ditou. No primeiro
caso, uma delas data o escrito, indicando o lugar, o ano, o mês e o dia,
assina-o, e dando-o à outra, para que o assine. Sem tardança, remete o
escrito à autoridade judiciária, afirmando que o testador lhes fêz as
declarações, parecendo-lhes capaz de dispor e mencionando as
circunstâncias em que as receberam. No segundo caso, prestam tais
declarações à autoridade judiciária (artigo 507). O testamento oral caduca
quatorze dias depois de haver o testador recobrado a liberdade de empregar
as formas ordinárias.

No Código Civil alemão, § 2.252, o prazo é de três meses, se ainda vivo o


testador, contados da feitura.

Surgem duas questões principais de direito internacional privado. A


primeira, concernente ao prazo, e possível entre todos os Estados que
admitem o testamento nuncupativo, mas discrepam quanto ao prazo.
THFODoR

NIEMEYER (Das internationale Prívatrecht des BGB., 115 s.) considerou


aplicável a lex loci: tais prazos, sejam suspensivos, sejam resolutivos, são
imanentes à forma. Diríamos, para melhor se caracterizar a questão e limpar
de dúvidas a resposta: suspensivos ou resolu-tivos êsses prazos, concernem
à espécie de testamento e, admitida que seja, a discordância é apenas
relativa às formas da espécie. O prazo é o daquela forma por que se optou.
Na dúvida, há o princípio do fflvor testamenti.
Restaria o caso, pouco provável, de uma das legislações permissivas
considerar requisito intrínseco, e não extrínseco, o prazo que estatuiu. Dar-
se-ia conflito de qualificação, que só se poderia resolver pela lez fori, se
interessada está na quali-ficação, ou pela qualificação que corresponda à
sua solução, se a do Estado do juiz não fôr interessada.
A segunda questão é a que toca aos Estados que expressamente não
admitem qualquer espécie de testamento tem pore pestis conditum. Se a lei
de tal Estado é interessada, trata-se de admissão ou de não-admissão da
espécie testamentária Se a lei de tal Estado não é interessada e os dois ou
mais Estados em conflito discrepam quanto à êsse ponto, a lex fori, pessoal
ou não, tem de resolver conforme a lei que coincida com a sua. No caso
especial do Brasil, não se poderia dar ganho de causa a Estado que admita o
testamento nuncupativo contra outro que tenha, no conflito de qualificação,
como violadora do requisito intrínseco, ou como contrária à ordem pública,
tal espécie testamentária. Não a proibimos fora, porém não na temos.

Se a lei pessoal não tem o testamento em estado de necessidade, porém não


o reputa assunto de lei exterritorial, o Estado terceiro resolve pela las, loci,
pois não houve conflito. Se oEstado em que se fêz o testamento reconhece
que o assunto escapa à lex loci, o Estado terceiro resolve pela lei pessoal.

No caso de testamento extraordinário, o Estado terceiro deve preferir a


solução da lei pessoal do testador, se vedativa; mas, se a local vedar e a
pessoal admitir, tem de indagar se essa permite a exceção à lez loci, e não se
a lei do Estado em que se fêz o testamento consente na facultatividade da
lei do lugar.

Em boa técnica legislativa, há de haver acolhimento ou maior acolhimento


pelo testamento extraordinário em caso de doença do que pelo nuncupativo
ordinário.

12.TESTAMENTO EM CIRCUNSTÂNCIAS EXTRAORDINÁRIAS.

O testamento em circunstâncias extraordinárias, como o testamento tempore


pestis conditum, é excepcional. Ésse é espécie daquele. São exemplos
principais o do Código Civil alemão e o do Código Civil suíço. Nas
legislações, continuam o testamento marítimo e o militar; e algumas, como
a brasileira, não atendem a que os testamentos em caso de acidente
insujante, como a inundação e o desamparo em matas e rios, são tão
necessários como o testamento marítimo e o militar, meras especificidades
do testamento em circunstâncias extraordinárias. Não se fala no testamento
em viagem aérea, se o aviador ou o viajante não pode escrever, ou não há
tempo, nem testemunhas. Todavia, para o militar-aviador, tem de ser
admitido o testamento militar. Adiante volveremos ao assunto.

13.TESTAMENTOS DE MILITARES, MARINHEIROS EXTRÍNSECOS .


Pode dar-se, mas dificilmente, pela generalidade da admissão do testamento
em caso de batalha, similar dos testamentos romanos discordância das leis
quanto a) à permissão da espécie, ou b) quanto à permissão da
nuncupatividade ou da simplificação da forma escrita ou de outros
requisitos extrínsecos.

Suposto que o conflito de qualificação seja concernente àprópria espécie,


prevalece, se interessada, a lez fori; mas, se

um dos Estados não é o da ler fori, tem-se de distinguir:

prevalece a lei que coincide com a do Estado da ler fori; se nenhuma


coincide, no estado atual do direito internacional privado só o favor
testamenti é aconselhado. Quanto à revogação, há outros princípios e não se
poderia invocar para o ato revocatório o favor testamenti.

Se o conflito concerne à admissão da nuncupatividade, de ordinário a forma


é que está em causa, e não a espécie: a espécie supós o testamento em sua
qualificacão subjetiva (soldados, marítimos) e ocasional (tempo de guerra,
viagem de mar) ; tudo mais é de natureza extrínseca, salvo se um dos
Estados eleva as formalidades à categoria de requisito intrínseco.

Se o discrepar somente recai em particularidades da escrita, o princípio


locus reqit actum é que resolve. Salvo, o que é pouco provável que ocorra,
se um dos Estados faz de alguma delas requisito intrínseco. Aforado no
Brasil tal testamento, a solução é a favor do ato jurídico, porque a ler fori
não exige, quanto à escrita, com caráter intrínseco, essa ou aquela
formalidade. Bem diverso do que se daria com outro Estado que só-mente
admitisse o testamento privilegiado como subespécie do testamento
público, considerada intrínseca, e não forma extrínseca, a presença de
determinada autoridade.
Temos, assim:

a) A respeito do testamento militar, em batalha ou em atos de guerra, a


questão toma aspecto especialíssimo: o Estado terceiro, que reconheceu a
beligerância, não pode pretender que o Estado A respeite a ler lQci do
Estado B: o militar em serviço leva consigo a sua lei pessoal e a lei de sua
milícia; a ler loci é a que resulta dos seus próprios atos (aqui estou, aqui
está o meu Estado). Fato parecido com o dos cônsules.

b) Quanto aos navios de guerra, o intrínseco e o extrínseco obedecem à lei


do Estado a que pertence o navio. A ler loci coincide com a lei pessoal. É
de exterritorialidade que se trata.

Há subespécies: a) No caso de ocupação de Estado estrangeiro, ou de águas


internas, não há exterritorialidade; há perda de posse, talvez definitiva, em
virtude de entrada contra a vontade do outro Estado. b) Se houve
autorização para a entrada, isto é, consentimento do govêrno local, alguns
autores, e com êles ou sem êles, o costume entenderam que as tropas
estrangeiras escapam à jurisdição do Estado local: os próprios delitos e
crimes de direito comum são reprimidos pelo chefe militar, mas, se contra
os habitantes da região, são competentes os juizes locais.

Quanto ao direito de testar dos que fazem parte da tropa, vale o testamento
extraordinário que obedeceu a lei pessoal, ler patriae, ainda quanto ao
extrínseco.

O militar pode testar com alguma das formas ordinárias, observada a ler
loci. A ocupação consentida não torna o ocupante pessoa escapa à lei local,
se essa pessoa se submete ao direito local. A regra é que êle não se submete
à jurisdição civil do território ocupado.

No alto-mar fora das águas territoriais os navios Inercantes só têm uma lei:
a do pavilhão. Nas águas territoriais, a ler boci é a do Estado em que se
acha. Mas, no caso dos testamentos, desde que o testamento se faça a bordo,
vale conforme a lei do pavilhão. Para a forma excepcional, têm de ser
satisfeitos os requisitos legais, e o art. 1.656 do Código Civil somente se
refere a “viagem em alto-mar”; porém, retirados os ferros e tendo partido o
navio, está figurada a viagem de alto-mar. Ou, em geral, se não pode descer
o testador.

14. TESTAMENTO CONJUNTIVO. Excluem tal forma testamentária o


Código Civil francês, art. 968, e as legislações. que nêle se inspiraram (cf.
Código Civil holandês, art. 977, espanhol, arts. 669 e 733; argentino, art.

3.618; brasileiro, artigo 1.630; chileno, art. 781; mexicano, art. 3.246; e
peruano, art. 706).

~ máxima bocus regit actum rege o testamento conjuntivo, ou é assunto


para a lei pessoal? Na jurisprudência francesa há decisões pró e contra a ler
loci, porque, disse-se, a proibição está no Código Civil onde se cogita das

“formas Na doutrina alemã, há quem repute forma (L. VON BAR, Theorw
und Prazis des internationalen Privatrechts, fl, 2a ed., 329; ERNST
ZITELMANN, Internationales Privatrecht, II, 154), e éo que sempre
ocorre.

Contra, o Reichsgericht, a 24 de abril de 1894.

Quando o Brasil permitia o testamento conjuntivo, a Côrte de Cassação de


Florença considerou válido o testamento conjuntivo feito no Brasil, sendo
Italianos os testadores, embora a lei pessoal o proibisse (Código Civil
italiano revogado, artigo 761).

O que rege a admissão ou a repulsa do testamento conjuntivo é a lei


pessoal. Ficam duas questões: a) se os testadores podem testar
conjuntivamente em Estado que o não reconheça, se a lei pessoal tem tal
testamento; b) se, feito no estrangeiro o testamento conjuntivo, por
estrangeiros, a ter fori pode invocar a ordem pública para lhe negar
cumprimento. A questão a) depende, preliminarmente, da forma seguida e
permitida: se testamento público, o oficial público tem de invocar a lei que
o proibe; se testamento particular, o Estado da ler loci, a despeito do que se
lê no Código de Havana, art. 148, não está interessado, pois que se trata de
duas pessoas cuja lei pessoal é outra, ou cujas leis pessoais são outras. A
invocação de ordem pública internacional seria de sérias conseqúências, de
que adiante falaremos.

No caso especial do Código Civil da Venezuela, art. 824, a conjuntividade é


somente forma, de modo que é aceitável a ler boi. Mas seria preciso que as
disposições testamentárias não ofendessem a lei pessoal. Poder-se-ia tratar
de dois testamentos num só. Ao juiz caberia apreciar a espécie, sendo
aconseiliável o favor testamenti. Se o testamento duplo contém
reciprocidade ou correspectividade que ofenda a lei pessoal (se bem que a
lei venezuelana o permita), a esfera da ler boci foi excedida, a
conjuntividade não é só formal, e não se justificaria invocar-se o favor
testamenti.

15. CONTRATO DE HERANÇA. O contrato de herança éregido pela lei


pessoal. Se algo se alega de ordem pública, a questão desloca-se. Se
admissível, a forma é a do actum, se só o Estado estrangeiro o admite. Se
ambos o admitem, a ler boi rege os requisitos extrínsecos, facultativamente.

16. ORDEM PÚBLICA EM MATÉRIA DE FORMA


TESTAMENTÁRIA. A ordem pública é medida interna, invocável contra
quem quer que seja ou contra o que se ache no território do Estado
interessado.

Se dividimos o conceito em ordem pública internacional e ordem pública


interna, temos: a) atos que dependem da feltura ou efeitos no território; b)
atos que seguem a pessott Terminologia, como dissemos no Tratado dos
Testamentos (1, 396), censurável. A regra jurídica bons regit actum é
facultativa, de modo que a proibição, por exemplo, dos contratos de
herança, que se façam entre pessoas não sujeitas à lei brasileira, sem
consequências no regime sucessoral do Brasil, não os põe de parte,
arbitràriamente, por invocação de ordem pública.

Diga-se o mesmo quanto ao testamento conjuntivo, O Código de Havana,


art. 144, incluiu a proIbição do testamento conjuntivo como de ordem
pública internacional, em vez de a reputar, como seria certo, de ordem
pública interna.
A validade do testamento conjuntivo obedece à lei pessoal dos testadores,
ou às leis pessoais dos testadores. A ordem pública não é óbice (Tribunal
Departamental da Haia, 19 de fevereiro de 1924). Nem podia deixar de ser
assim: se de acôrdo com a lei pessoal, como é o caso do Código Civil
alemão, já se cumpriu a parte testamentária do cônjuge premorto, seria
absurdo deixar-se de cumprir a do segundo, que em vida não revogou o que
testara (nem podia revogar, cf. § 2.271, alínea 2,~) e recebera o que herdou
do primeiro falecido.

A interpretação da ler boi, que nada tem com a substância do ato jurídico,
para, com invocação de ordem pública, considerar-se nulo o testamento,
que ou se tornou irrevogável pela morte do primeiro, ou constituiu as
últimas vontades de ambos, seria atentado à liberdade das pessoas, com a
frágil e falsa argUição de ofensa à ordem pública, a favor de tal liberdade.

A proibição de testar hologràficamente, se, em geral, éde ordem pública


internacional, salvo reconhecimento da facultatividade aos estrangeiros, é
conseqúência regular do caráter não-obrigatório da ler boi (lei pessoal
cogente ±

lei local facultativa = permissão).

As formas dos testamentos públicos obedecem, inexcetuadamente, à ler


boci: não como limite à facultatividade da regra jurídica bons regit actum,
porém como princípio de ordem pública internacional. Nos consulados, nos
navios de guerra e outros lugares em que a exterritorialidade existe, a ler é
que provém da permissão estatal ou da exterritorialidade, pois que ocupam
território de outro Estado.

Quando surgiu a legislação soviética, houve quem a reputasse “bloco


legislativo indesejável” (SORéNDORI‟, Was ist heute unter “russisebem”
Recht zu verstehen, Douteche Juristcn-Zeitung, 25, 805 s.). E era a opinião
mais generalizada. Mas seria estender demasiado longe a noção de ordem
pública a rejeicão de toda unia legislação. Se há razão para ser invocada,
tem de ser dita em cada caso. Em Circular n. 194 do Comissário de Justiça
do Povo, de 26 de setembro de 1923, falou-se de inaplicabilidade no
estrangeiro. Mas, ainda nesse caso, haveria a questão do testamento feito na
Rússia com as formalidades soviéticas e a de outro, feito, por exemplo, por
Brasileiro, com as formalidades da lei pessoal. Mesmo ao tempo era que
ainda não se reconhecera o govêrno soviético neo se poderia obrigar o
Brasileiro a não testar: se utilizou a forma da lei pessoal, fê-lo bem, pois a
regra jurídica bocas regit notam é facultativa; se recorreu à forma do direito
soviético, seria solução violenta considerar inválido tal testamento, sem
haver razão do ordem pública. O Estado russo era lã e o Brasileiro, que quis
testar, achava-se lá. O

reconhecimento do govêrno é elemento para a _exterritorialidade, mas seria


rigor político excessivo excluir-se a aplicação da ler boi, maximé se outra
forma seria impossível, ou perigosa, para o Brasileiro ausente. havia,
todavia, um ponto de significação especial: a sucessão pelo Estado soviético
era impossível. Os bens seriam “tens dc ausentes” e o Estado do juiz
recolhe-los-ia. Mas, aqui, incide principio geral de direito sucessoral
internacxonal: o Estado não pode recolher herança em outro Estado, seja a
título de herdeiro, seja como sucessor de bens vagos.

Pode herdar testamentàriamente. Assim decidiu, acertadamente, com o


Uruguai (Govêrno Uruguaio versas Fournier, Sena, 11 dc marco de 1899) ;
mas, por se tratar de testarnento, diferente a solução quanto ao Estado grego
(caso Zappa, na Rumania).

17.ATO PESSOAL DO TESTAMENTO. O testamento é ato


pessoalíssimo. Ninguém o faz por outro; nem representante, legal ou
voluntário, pede fazê-lo em nome do testador, ou pelo testador. O principio
é, por bem dizer, universal. Ainda assim,a possibilidade de conflito de leis
sugere que se ponha a questão: ~a exclusão da representacão (e da
presentação) rege-se pela lei pessoal ou pela ler boi? Noutros têrmos: ~ a
pessoalidade do ato é requisito intrínseco ou requisito extrínseco? A lei
pessoal é que há de dizer se a proibição da representação foi no tocante à
exterioridade da manifestação de vontade, e então refere-se à forma, que a
lei do tempo e a do lugo.r há de reger; ou se proibiu que se tirasse ao ato
mesmo a pessoalidade, e então o extrínseco é regido pela lei do dia da
morte e pela lei pessoal (cf. E. HABICHT, Internationabes Privatreokt, 87).
Por exemplo: segundo os §§ 2.238 e 2.064 do Código Civil alemão, o
testador tem de entregar o escrito para o testamento público, e isso, pai~a o
direito alemão, é forma, de modo que, em Estado cuja legislação permitisse
a entrega por mão de outrem, o Alemão testaria validamente, preferindo a
ler boi (Eiafiihrungsgosetz, art. 11, alínea 2~a, parte 2.~).

A despeito de tal distinção, o Código de Havana, art. 148, considera de


ordem pública internacio nal o princípio que declara ato pessoalíssimo o
testamento. Duplo êrro, porque terri torializou o que não devia ser
territorializado e não atendeu a que, se há a facuitatividade da lex boci e
sendo extrínseco o requisito é sem razão de ser a violência que estabelece a
invalidação do ato em que se optou pela lei pessoal.

18. CAsos DE REENVIO. A doutrina do reenvio arareceu na Inglaterra no


caso Colher versas Rivaz (Côrte de Canterbury, 184; LOP.ENzEN, Cases in
Confucts of Law,

2 a ed., 827 a propósito dê testamento feito na Bélgica

por Inglês, que ali era domiciliado. A lei belga tinha-o por válido; a lei
inglêsa, não; mas a Côrte inglêsa admitiu o reenvio.

Austríaca, domiciliada em Hamburgo, fêz o testamento na forma do Código


Civil alemão, § 2.238, isto é, entregando escrito ao notário, perante 4uas
testemunhas. O pai da herdeira instituída foi uma das testemunhas, o que,
para o sis tema jurídico alemão, é causa de nulidade. A Côrte de Hamburgo
só atendeu ao art. 11 do Einfiihrnngstiesttz; e o Reicltsgericht, a 17 de
dezembro de 1912, lho censurou, por ser a lei que rege a relação jurídica a
que rege a forma; se a lei, de que se trata, ignora a regra jurídica bocus regit
actam, tem de ser aplicada a lei do ato, e não a do lugar. O intuito foi o de
reenviar.

O reenvio, que, em muitas espécies, valida, para reforçar o favor testamenti,


por vêzes o desfaz. No Caso Sanchez, novaiorquino domiciliado em Paris,
com testamento na forma da lei pessoal, o ato jurídico na França foi julgado
nulo, porque havia de seguir a lei francesa (E. POTU, La Question riu
flenvoi eu droit international privé, 62).
O problema consiste no seguinte: se a regra jurídica do Estado A considera
incidente a lei do Estado B ou C, contra o que o Estado B ou o Estado C
estatui, ~deve aplicar-se a lei do Estado B ou C, ou respeitar-se a lei que o
Estado A teve como a aplicável? Noutros têrmos: ~ respeita-se a lei do
Estado A, ou a sua regra de direito internacional privado? O conflito pode
ser positivo ou negativo. Se é positivo, não há outra solução que não seja a
da ler fori, salvo se essa afasta a própria ligação (e.g., Einffthrungsgesetz,
art. 28, se os bens se acham fora da Alemanha; jurisprudência italiana,
quanto a imóveis da sucessão do decujo italiano, fora da Itália). Se
énegativo, o Estado B

ou C ou D (terceiro) atribui ao Estado A competência que êle não tem: há


algo como espécie de direito supranacional (supraestatal) conforme frisa L.
VoN BAR (Rapport, Aunuatre de l‟Institut de Droit international, 1900,
155), contra a regra de direito internacional privado do Estado A.

Adversários da teoria do reenvio vêem nela pretexto para estenderem os


juizes a própria jurisdição (A. PILLET et J.-P. NIEox‟ET, Manuel dc Droit
Internationãl privé, 379). Nos Estados Unidos da América, se J. BEALE (A
Treatise on The Confiict of Laws or Frivate International Law, 77) disse
não existir o reenvio, não é o que se tira do livro Testative Draft, n. 2
Conflict of Laws, do American Law Institut (10).

As Convenções da Haia não admitiram o reenvio. Aliás, se há convenção


internacional, com regras jurídicas de conflito, afasta-se o reenvio.

Os Tribunais italianos resistiram à teoria do reenvio; mas houve exemplos,


e.g., caso Kemot (Côrte de Cassação de Nápoles, 5 de janeiro de 1920) e
caso Savage Landorf (Côrte de Apelação de Florença, 23 de janeiro de
1919).

a) A Côrte inglêsa julgou bem, no caso Colher versus Rivaz; aplicou bem a
regra jurídica locus regit achem, sem no dizer e antes de essa se haver
afirmado. No fundo, in Iavorem testamenti.

b) Admitida, quase universalmente, a regra jurídica bens regit actum como


facultativa, é acertado presumir-se que se optou pela lei da forma válida.
Aqui, não há reenvio; há presunção. Mas, ainda que tal presunção não
exista, o êrro de direito, quanto à forma, pode permitir o julgado vahidante

e) Deve-se sempre reenviar quando a lei estrangeira não diz, claramente,


como se há de resolver a questão.

d) Se, no conflito negativo, o testamento satisfaz a uma das leis, impõe-se a


presunção de que as leis, não o prevendo. admitem a solução, ou a escusa
do error inris.

Donde: se positivo o conflito, a boi fori; se negativo, e nulo para ambas as


leis o testamento, nulo é; se negativo o conflito, e válido para uma delas, há
o favor testamenti, ou a escusa do error inris. Mas, se, nulo para ambas as
leis, pode ser-lhe favorável a facultatividade da regra jurídica bons regit
actum, a lez fori não pode deixar de considerar válido o testamento, a
despeito de não o considerá-lo como tal a lei pessoal (caso de quem tem por
lei pessoal a de Estado sem a regra jurídica bons regit actum ou a interpreta
como obrigatória). Donde a solução: a facultatividade da regra jurídica bons
regit actutn há de ser atendida, por ser de ordem pública internacional; no
Estado do fôro, o testamento podia ser por uma ou por outra lei.

19. FORMA TESTAMENTÁRIA NO DIREITO INGLÊS. A vahidade


do testamento relativo a bens imóveis situados na Inglaterra regula-se, ainda
quanto à forma, pela lei inglêsa. (Pepin versas Bruyêre, 1902). Quanto aos
bens móveis, a lei do domicílio do testador, no momento da morte (In re
Price, 1900).

O testamento do súdito britânico, feito no estrangeiro, ou o seu codicilo, se


o objeto é o personal estate, compreendidos os leaseholds, pode ser
homologado se satisfaz uiha das seguintes formas: a) a da lei do lugar da
feitura; b) a da lei do domicílio do testador no momento de testar; o) a da lei
da parte dos His Majesty‟s Dominions onde o testador tinha o domicílio de
origem (Wills Ad, 1861, art. 1; quanto aos leaseholds, Re Grassé, 1905).

Quanto aos testamentos dos Inglêses feitos no Reino-Unido, qualquer que


tenha sido o domicílio dele ao tempo da feitura ou da morte, vale e é
admitido ao probate se satisfaz os requisitos da lei em vigor na parte do
Reino-Unido em que se fêz (Wills Aet, 1861, art. 2). Donde se tira,
oontrario sensu, que o testamento do estrangeiro, domiciliado no Estado
que lhe dá a lei pessoal, se feito em tal Estado de conformidade com a lei
inglêsa, que não seja suficiente para o Estado estrangeiro, é nulo (Gooris of
von Buseok, 1881), ainda que o domicílio de origem do estrangeiro tenha
sido britânico (Bloxam versus Farre, 1833).

Quanto às formalidades da designação testamentária, appointment, é de


observar-se: o poder de dispor de bens móveis por testamento, conferido
por settbemertt inglês, deve ser em testamento, redigido, seja segundo as
formas da lei do domicilio do testador no momento da morte, mais as
formalidades impostas pelo settlement, se as há, seja segundo as formas
testamentárias do Wills Ad de 1837, art. 9 (D‟Huart versns Harkness, 1865;
In re Price, 1900; Barreto versus Yung, 1900; Be Walker, 1908). No último
caso, será válida a execução do power, ainda que o ato seja nulo como
testamento perante a lei do domicílio do testador (Goods of Hallyburton,
1866; Goods of Hubu, 1896). Cf. Wilbs Aot de 1837, art. 10.

§ 5.863. Direito intertemporal e forma

1.PRINCÍPIO DE DIREITO INTERTEMPORÂL E FORMAS


TES„FAMENTÂRIAS. No direito intertemporal, rege o princípio tempus
regit aotum. Lei do tempo e do lugar rege a forma, o extrínseco do
testamento. Lei da sucessão e lei do dia da morte rege o intrínseco. Os
vícios de vontade escapam àquela; não são forma.

Como em direito to intertemporal, que o cego, o surdo-mudo, isso podem,


saindo do formais intrínsecas.

]nternacional privado, muito há, no direi-é requisito intrínseco. E.g., o


analfabeto, que não são incapazes de testar, nem por lugar da lei pessoal,
escapar a exigências

§ 5.868. DIREITO INTERTEMPORAL E FORMA -Quando a lei veda ao


cego o testamento cerrado e o particular, tal proibição não é limitação da
capacidade testameutária (cf. G. EIÇRRORN, Das Testament, 3? ed., 127),
e sim limitação quanto ao uso da forma. Mas pode ocorrer que o Estado a
qualifique diferentemente e tal é a qualificação por alguns Estados; então,
se não é admissível que se trate de capacidade, forçoso é que se lhe
reconheça o caráter de intrínseco.

Odireito intertemporal tem de afastar-se da solução corrente para outros


casos, pelo exercício que já se supôs do direito de testar. Sendo subjetiva a
razão de mudança, devemos julgar válido o testamento que observou a lei
anterior. À semelhança da regra jurídica sôbre capacidade. Elementos,
como êsse, de subjetividade, que não concernem à capacidade de direito
(sempre regulada pela lei do momento da morte), são como se fôssem
limitações à capacidade de exercício, exceções

portanto do principio anteriormente exposto de se reger o extrínseco pela lei


do tempo do ato e o intrínseco pela lei do tempo da morte.

2. ESPÉCIES DE FORMAS TESTÂMENTÁRIÂS E DIREITO


INTERTEMPORÂL. Adotada pelo testador uma das espécies do
testamento, que a lei do momento permite, só essa lei rege a validade
formal do ato. Não cabe distinguir-se se o tastador podia, ou não, revogá-lo:
usou do seu direito. Mas há forma externa e forma interna. Se, quanto
àquela, é pràticamente pacífica a doutrina, não se dá o mesmo quanto a
essa. Por isso, devemos separar os casos, por exemplo, do testamento
hológrafo, que a lei A permite sem testemunhas e a que a lei B exige cinco,
e os outros, de forma interna, como no direito brasileiro, o do testamento
conjuntivo do direito anterior, que o Código Civil proibiu.

No direito romano, a L. 29, O., de testamentis quemadinodum testamenta


ordinantur, 6, 23, e a Novela 66

estabeleciam a exclusividade da lei do momento da feitura, em se tratando


de forma externa. Na Novela 66, Caput 4, disse-se que deviam regular os
testamentos as leis antigas, porque “neque omnia in nostra potestate sunt,
neo semper aliquis tempus testandi babet”.

A lei antiga foi a imposta pela Ordenança francesa de 1735, art. 50, e outras
leis francesas, pelo § 12 do Patent do Aligemeines Preussisefles Landrecht,
pelos incisos V do Kundmach,ungspatent austríaco e II, § 37, do
Ávitidtdtspatent de 29 de novembro de 1852 (no direito austríaco, sem
distinção entre forma interna e forma externa), pelas Ordenações do
Hannover de 1814, §§ 25 e 72, de Brema, § 17, de Oldenhurgo, § 9, pela
Ordenança transitória prussiana de 1814, § 6, pela Lei holandesa de 1.0 de
outubro de 1883, art. 3, pelas Lei transito -ria estense de 1852, art. 17, e
saxônica de 1863, art. 23, e pela Lei italiana de 1865, art. 23.

Vacilou a jurisprudência francesa. E a belga. A italiana, diante do Código


Civil italiano de 1866, ateve-se a lei do dia da morte do testador (contra, O.
F. GAnA, Teoria delia Retroattivitd deile Leggi, III, 3.~ ed., 336). G§NNER

(Von der rflckwirkenden Rraft eines neuen Gesetzes auf vorbergegangene


Handlungen, Archiv fiir Gesetzgebung, 1, 155) e MAILHER DE CEASsAT
(Traité de Ia Retroactivité des Lois, II, 25) insistiram em impor a lei do
tempo da morte, embora o último deixasse ao juiz apreciar circunstâncias.

3.TESTAMENTO PÚBLICO E TESTAMENTO CERRADO. O oficial


público tem de observar a lei do Estado que lhe determina as funções. O
queé intrínseco rege-se pela lei do tempo. A revogação ou a simples
derrogação de algum artigo de lei, que regulava formalidade essencial (ou
que a criara), pode ter conseqúências graves. Na dúvida, é aconselhável a
satisfação do que se exigia.

A Relação de Lisboa, a 23 de abril de 1873, julgou válido testamento


cerrado, feito antes do primeiro Código Civil português, por pessoa que não
sabia ler, nem escrever. O Código Civil, hoje revogado, se, no art. 1.764,
parágrafo único, proibia o testamento cerrado aos cegos e aos que não
podiam ou não sabiam ler, continha regra jurídica de direito inter-temporal,
tida como satisfatória (art. 1.762). A regra jurídica só se referia às
formalidades externas.

Dai a censura de JosÉ DIAs FERREIRA (Código Civil português anotado,


IV, 182 si.

4.TESTAMENTO PARTICULAR. O testamento particulàr há de ter a


forma da lei do tempo. Na ocasião em que se fêz, fêz-se bem. Por isso, está
feito para hoje e para mais tarde.
§ 5.863. DIREITO INTERTEMPORAL E FORMA São exigências de
forma externa no direito brasileiro: a) ser todo escrito pelo testador; b) ter
cinco testemunhas; e) ser lido perante as testemunhas e por elas assinado.

As formalidades posteriores à própria morto (e.g., abertura, se fechado;


publicidade; afirmativas das testemunhas) são as da lei do ato. Trata-se de
atos complementares, pois no momento das assinaturas está perfeito o
testamento.

5. TESTAMENTO NUNCUPATIVO. O testamento Dura-mente oral não


suscita graves problemas de direito intertemporal. No momento em que
morre o testador, quase sempre não se passou longo tempo. Se passou, não
tem eficácia. Os prazos são sempre muito curtos.

Mas pode ter havido lei nova no lapso exíguo.

A forma exterior é a do momento em que se fêz.

Surge o problema da lei nova que proibe o testamento nuncupativo. Tem-se


de precisar a qualifiçã o, em direito intertemporal, como há a qualificação
em direito internacional privado. A lei pode dizer: “não valem os já feitos”.

Se o testador podia testar por outra espécie, é razoável a regra jurídica de


eficácia imediata. Se não podia, compôs-se o direito adquirido. Testou
como podia e como somente podia. Em todo o caso, tem-se de respeitar a
qualificação pela lei. Se o testador, ao vir a lei nova, não pode testar de
outra maneira, não se lhe pode ferir a liberdade de testar.

6. TESTAMENTO CONJUNTIVO. Antes do Código Civil, a doutrina


admitia o testamento de mão comum.

Perguntou-se: morto o testador após a incidência do Código Civil (digamos,


em 1917) ~valia o testamento? CLóvís BEvIUÁQUA (Parecer, Revista
Jurídica, 16, 74 s.) considerou-o nulo: “O testamento não se considera um
ato perfeito e acabado, senão quando morrer o testador. Até êsse momento
pode ser revogado. E particularmente, o testamento conjuntivo, se não
pudesse ser desfeito pelo testador a qualquer momento, seria um pacto
sucessório, expressamente reprovado pelo direito anterior. Se o testamento
não é um ato perfeito e acabado senão desde a morte do testador, está,
forçosamente, submetido à lei em vigor a êsse tempo e não à que prevalecia
ao tempo da sua facção. A lei respeita o ato perfeito, isto é, o já consumado
segundo a lei vigente ao tempo em que se efetuou. Mas o testamento, de
que se trata, não pode considerar-se consumado, no momento em que foi
redigido. É da sua essência a revogabilidade, porque é um ato mortis causa,
é uma disposição de última vontade, e a última vontade só é possível
determinar quando o testador, com a morte, cesse de querer”, O

êrro vem de C.F. A. KÕPPEN e influiu em CLÓVIS BEVILÁQUA.

Há duas noções que aparecem confundidas: a de revogabilidade, cujos


efeitos são no momento da morte e permite ter-se como sempre refazível o
ato testamentário, e o do regramento legal, que é, quanto à forma e à
capacidade, o do momento da testamentificação. Feito o testamento, não há,
com a lei nova, de ser atingido.

O testamento conjuntivo não é só forma. Se o fôsse, feito antes da lei que o


proibe, valeria ao tempo da morte e depois. Via de regra, é forma e fundo:
contém disposições simultãneas, recíprocas ou correspectivas, o que é
objeto da lei de sucessão, e são apreciáveis no momento da morte do
testador; a forma, o extrínseco, há de reger-se pela lei da feitura, no tempo e
no espaço.

Na jurisprudência brasileira, o Tribunal de Justiça de São Paulo, a 5 de


dezembro de 1919, decidiu pela nulidade do testamento conjuntivo, feito
antes do Código Civil (1916), se na vigência dêsse faleceu o testador. Foi
escusada a critica contra tal decisão, crítica que se baseava em estar perfeito
o testamento no dia da feitura.

Diante de testamento válido conforme a lei do tempo em que se fêz, a


capacidade do testador e o que concerne a circunstâncias subjetivas só
excepcionalmente se rege pela lei antiga.

7. TESTAMENTO DE MILITARES, MARINHEIROS E VIAJANTES DE


ALTO-MAR. Rege o princípio tem pus regit actum: feito, vâlidamente,
continua valendo. É diminuto o interêsse das questões, porque, pela
exigência generalizada nos sistemas jurídicos, de prazo de eficácia assaz
restrito, de ordinário há a caducidade antes de qualquer conflito
intertemporal.

Doutrinàriamente, se, morto o testador, não se esgotou o prazo, não incide a


lei nova. Se, ainda a correr, vivo o testador, a lei nova o encurtou, não se há
de apressar, mesmo na ausência de regra jurídica especial, o prazo que
corria. Mas é de supor-se que tal decurso, o que é o quod plerum que fit, é
exigência só imanente à forma. Se a lei nova proibiu a espécie, não se pode
violar o direito adquirido.

No caso de lei nova, que estende o tempo da eficácia, não se pode dizer que
dela não se beneficiem os testamentos cujo prazo ainda não correu.

8.TESTAMENTO “TEMPORE PESTIS CONDITUM”. Com o testamento


tem pore pestis conditum dá-se o mesmo que se disse sôbre o testamento
nuncupativo e os especiais. Quanto aos requisitos extrínsecos, rege-os a lei
do momento em que se faz (tempus regit actum). A lei nova vedativa
esbarra na circunstância de haver testado o decujo e já não poder obedecer a
nova lei. Tratar-se-ia de efeito retroativo, que se não há de tolerar.

9. CONTRATO DE HERANÇA E DOAÇOES A CAUSA DE MORTE.


Rege a forma do contrato de herança e das doações mortis causa a lei do
tempo em que se concluem. A lei nova não pode, retroativamente, destruir a
eficácia. Nem o contrato de herança nem as doações a causa de morte estão
sujeitos à lei de sucessão, salvo no que o direito sucessório tem de
preponderar. Por outro lado, não há a revogabilidade plena que caracteriza
o testamento. A lex boi rege a forma (II. HABICHT, Die Einwirlcung des
13GB., auf zuvor entstandene Rechtsverhii.ltnisse, g~a ed., 767; F.
AFFOLTER, Das Intertemporale Reckt, II, 340).

10.CONVALESCENÇA E DIREITO INTERTEMPORAL. ,A lei nova


pode convalidar o testamento feito sob a lei anterior e inválido por defeito
de forma? (Afirmativamente, a Ordenança oldemburguesa de 25 de julho de
1814, § 9; A. MAILHER DE CHASSAT, Traité de la Retroactivité des
Lois, II, 27; contra, GRANDMANCHE DE

BEAULIETJ, De l‟Êtendue de l‟Autoritê Lois, 85 5.; J. KALINDERO, De


la Non-retroactivité des Lois. 119; V.

VITAL!, La Forma dei Testamento italiano, 157). A jurisprudência é hostil.

Os principais argumentos são os seguintes: a) Argumento contra a


convalescença formal: o testamento a que faltava formalidade necessária,
era nulo, e nulo há de continuar.

b) Argumento a favor da convalescença: se o testador, que nulamente


testara, sabia-o nulo, mas conheceu a lei nova e achou não ser preciso
(MAILHER DE CHASSAT, II, 29). Réplica ao argumento b) : se o testador
não rompeu o testamento nulo, sabia-o nulo, e não se preocupou com isso,
pois conhecia a lei nova (MERLIN, Répertoire, 273).

A convalescença formal seria de couseqúências profundas; e nas leis novas


só excepcionalmente há a finalidade de trazer à vida: o elemento político (a
técnica legislativa) estatui para o futuro, porque olha o futuro e regra o
futuro).

Por isso:

a) Pode a lei, ao estabelecer algo para o futuro, tratar de atos passados, que
a regra jurídica tempus regil actum submeteu à sua incidência. Por exemplo:
“os testamentos feitos no regime anterior, se nulos por falta de tal
formalidade, convalescerão se os testadores declararem ao juízo competente
que os mantêm”; “os testamentos, feitos no regime anterior e nulos por falta
da finalidade tal, convalescerão se os testa-dores não declararem o contrário
aos oficiais públicos ou não os romperem”. Aí, a lei para GONNER (Von
der rflckwirdenden Kraft eines neuen Gesetzes auf vorhergegangene
Handlungen, Arckiv fijr die Gisetzgebung, 1, 159), MERLIN (Ré pertoire,
273) e 3. KALINDERO (De la ATon-retroactivité des Lois, 119) é
imperativa. Devemôs, porém, frisar que há dispositividade. Trata-se de
princípio geral, que estava no Preussisckes Alígemeines Landrecht e T. D.
MEYER

(Principes sur des Questions transitoires 13) reformulou. Apanha todo o


direito intertemporal Mais: sociológicamente, resulta dos índices (. 2;
portanto, 2 para futuro, pela instabilidade; e 7, de quanto despótico, que
caracteriza a Política).

Surge questão sutil. Se, no intervalo, cai em incapacidade ou


impossibilidade de testar o testador, ~há convalescença? Afirmativamente a
Ordenança prussiana de 1814, V. VITALI (La Forma del testamento
italiano, 188), que afirmou não caber distinguir-se se a incapacidade
começou antes ou depois da lei nova, e F. BIANCrn (Corso elementare di
Codice Civile italiano, 123).

Se a lei sanatória exigia ato positivo para a convalidação e ficar provado


que o testador tinha o animus conservandi e somente por impossibilidade
física ou psíquica não providenciou, ou, depois de haver testado e antes de
extinto o prazo da lei nova, caiu em incapacidade, tudo se reduz a dupla
interpretação: ou o ato positivo seria formalidade formal ad essentiam, que
se não poderia suprir por outras provas da intenção do decujo, ou a prova da
intenção é, por si, um dos meios de prova de revalidação. Se quem testou
tinha, ou não, o intuito de impor como eficaz o testamento, depende, ai, das
provas.

b)Se a lei não exige qualquer ato do testador, por ter considerado contra os
princípios gerais o que a lei anterior estabelecia, valem quaisquer
testamentos a que ela se refira. Tal atitude legislativa é rara.

Para a convalidação dos negócios jurídicos, inclusive a dos testamentos, é


preciso: a) ou que o ato do figurante seja reconhecido pelo sistema jurídico
como suficiente para o efeito; b) ou que tenha corrido o prazo, se pela lei
considerado convalescente. Se o testador revogou apenas a revogação de
um testamento, ou de alguma disposição, não se trata de convalescença, se
o testamento volta a ser eficaz, cf. AUGUST SCHULTZ, Die
Konvalescenz des 13GB., 27.)
Quanto às formas testamentárias, só se pode cogitar de convalescença que
decorra de princípio superior ao que regia o negócio jurídico. Por exemplo:
eram nulos os testamentos que os testadores fizeram em região inundada,
por só figurarem nêles três testemunhas. Diante dos casos que foram
muitos, pode o legislador estatuir, excepcionalmente: “Os testamentos feitos
durante a última inundação, na região tal, ainda que não tenham tido a
assinatura de cinco testemunhas, têm-se por válidos.

O legado, vale êsse (E‟. RITCEN, BitrgerlichE3S Gesetzlntch, ¾543). Se é


certo que se nao aplicam os §§ 145-158 e 305-319, não se pode dizer o
mesmo dos §§ 155 e 157 (E‟. RITGEN, BiirgeYlich~BS Gesetzbtwh, V,
525).

Quanto à alínea 2.8, cumpre advertir-se que os ~§ 2.077 e 2.279 não são
invocaveis com a extensão do § 2.268, relativo ao testamento nuncupativo.
Se, no contrato de herança, os cônjuges, que se instituiram reciprocamefite
herdeiros, dispuseram que, em caso de morte do sobrevivente, a sucessão se
devolveria a terceiro, ou instituiram legado executável em tal tempo, dá-se
aplicação analógica do ~ 2.269 (cf. § 2.280).

Pode ser anulado, por pedido do disponente, o contrato de herança, se feito


por êrro, ou rebns aio atantibus, ou nos mais casos do §§ 2.078 e 2.079.
Mas, para a anulação com fundamento no § 2.079, é preciso que o herdeiro
necessário exista na época em que se quer pedir anulação (§ 2.281, alínea
l.~j. Se o disponenlte, após a morte do outro contratante, quer anular
disposição a favor de terceiro, deve declará-lo ao juízo de sucessão, que o
comunicará ao terceiro (§ 2.281, alínea 2.~). São causas invocáveis os
defeitos de vontade, as mudanças de circunstâncias e a violação das
legítimas. O direito de anulação pelo testador é personalissimo. Exceto no
caso do

§ 2.282, alinea 2.8 não pode ser exercido por intermédio de outrem, nem se
transmite aos herdeiros. Após a morte do testador, só as pessoas
mencionadas no § 2.080 podem pedir anulação do contrato, com
fundamento nos §§
2.078, 2.279 e 2.285 (F. RITGEN, Bitrg crU-cites Gesetzbu.ch, V, 529) . O
credor do disponente não tem qualquer direito de anulação (LUDWIG
SCRTEFNER, Der Erbvertrag nach clern 5GB., 151, nota 12). ~

interessante notar-se. que, no caso de dolo, não é preciso que o outro


figurante conhecesse ou devesse conhecer o dolo do terceiro, para que se
possa pedir a anulação (E. RITOEM, Búrqerliches Gesetzbuoh, V, 528) ;. o
§ 123, alínea 2.8, não se aplica ao contrato de herança. O pedido de
anulação não pode ser feito pelo representante do dísponente. No caso de
capacidade restrita, não precisa do consentimento do representante legal
para o pedido. Se o disponente é incapaz, o representante legal pode pedir a
decretação da nulidade, com aprovação do juízo de tutela. O pedido de anu-
lação deve ser feito por ato judicial ou notarial (§ 2.282). Por parte do
disponente, o prazo para o pedido é de um ano. No caso de anulablidade por
ameaças, começa a correr do momento em que cessa a coação; nos outros
casos, do dia em que se conheceu a causa de anulação. Aplicam-se por
analogia as disposições dos §§ 203 e 206, relativas à prescrição (§ 2.288,
alíneas 1.~ e 2 ª No caso do § 2.282, alínea 2.8, se o representante legal não
pediu em tempo a invalidação, pode pedi-la, pessoalmente, o disponente,
como se não tivesse tido representante legal (alínea 8.~) - Trata-se de prazo
preclusivo. Conta-se segundo os §§ 187, alínea lª e 188, alinea 2?. Se o
dísponente apenas tem capacidade limitada e poderia anular sem
representante legal, corre contra êle o prazo. O § 2.283 somente éinvocável
para a anulação pedida pelo disponeflte pelas outras partes, o prazo
preclusivo é o dos §§ 121 e 124; para as pessoas do § 2.080, o do § 2.082
(E. RITCEN, Búr.qerlichús Gesetzbueh, V, 530) . Mas essas pessoas do §
2.080 não podem, com fundamento nos §§ 2.018 e 2.079, pedir a anulação,
se já extinto o prazo para o disponente (§ 2.285) : se ainda vigora, é outro
prazo que lhes corre (Motive, V, 325)

Só o disponente, pessoalmente, pode ratificar o contrato de herança


anulável. No caso de capacidade restrita, exclui-se a ratificação (§ 2.284) .
O § 144 é aplicável (Protokolle, 1, 886) . Após a ratificação, é inatacável o
contrato de herança, mas a ratificação pode ser atacada. Quanto ao caso do
§ 2.275, alínea 2.8, a opinião é pela irratificabilidade (LUDWIO
SCHIFNER, Der Erbvertttig nach dem SOB., 156, contra I-IEINRICH
WILKE, Erbrecht, nota 2 ao § 2.275).

O contrato de herança não restringe ao dísponente o direito de dispor dos


seus bens por ato jurídico entre vivos (§

2.286). Não era assim antes do Preussisclies Alígemeifles Landrecht, 1, 12,


§ 624, e do Código Civil saxônico. Os

§§ 2.287 e 2.288 prevêem casos de abuso do direito: no caso de doação


lesiva do herdeiro contratual, pode êsse, ao se lhe devolver a herança, exigir
a restituição, segundo as regras jurídicas do enriquecimento injustificado,
ação que prescreve em três anos a partir da abertura da sucessão (§ 2.287).
Se o disponente destruiu, desviou ou prejudicou o objeto de legado
convencional, impossibilitando a prestação, o objeto será substituído pelo
seu valor (§ 2.288, alínea 1?). Se o testador alienou ou gravou o objeto, com
intenção de lesar, o herdeiro é obrigado a buscar-lhe o objeto ou a desonerá-
lo, aplicando-se, por analogia, o § 2.170, alínea 2.8, a tal obrigação. Se a
alienação ou gravação foi feita a título de doação, o beneficiado tem, se não
pode obter a indenização pelo herdeiro, o direito do § 2.287 contra o
donatário (§ 2.288, alínea 2.~). fl preciso notar-se que o § 2.288 não é
simples regra jurídica de interpretação (F. RITGEN, Riirgerliches
Gesetzbuck, 540). Após a morte do outro figurante, pode, por testamento,
em virtude do § 2.297, suscitar a resoIuç~o do contrato de herança. O
contrato de herança, bem como qualquer disposição contratual particular,
pode ser atingido por outro contrato, em que figurem as pessoas que
concluíram aqueles. Mas isso nâo pode dar-se após a morte de uma delas.
Tal contrato só pessoalmente pode ser feito pelo que dispôs da sua sucessão.
No caso de capacidade restrita, não precisa do consentimento do
representante legal. Se a outra parte se acha sob tutela, é de mister a
homologação do tribunal.

Dá-se o mesmo se sob o pátrio poder, quer se trate de contrato passado entre
cônjuges ou entre noivos (§ 2.290, alíneas 1a.. 3ª) A forma é a do contrato
de herança (§ 2.290, alínea 43).
a forma do contrato imposta à resoluçâo: por isso, se o contrato de herança
se fêz em contrato de casamento, então basta a forma dêsse. O contrato de
herança feito entre cônjuges pode ser desfeito por testamento conjuntivo
dêles, aplicáveis, por analogia, as disposições do § 2.290, alínea

3 a (§ 2.292). No § 2.298, o Código Civil

conferiu ao disponente a faculdade de resolução do contrato de herança, se


se reservou tal direito na convenção (§

2.298>. Pergunta-se se não se choca tal dispositivo com o caráter


obrigatório do contrato de herança, mas há, aí, evidentemente, o influxo do
testamento. Não se trata de condição o resolutiva, aliás admissível. N~o
precisa figurar no contrato, pode ser em suplementar. Não se confunde com
a reserva de dispor diferentemente, em declarações posteriores. Também é
possível resolver-se a disposição contratual nos casos em que o beneficiado
perderia a reserva, se é herdeiro com direito a ela, ou se o fosse (§ 2.294, cf.
§§ 2.383-2.385) A doutrina adverte: é preciso que a causa seja posterior ao
contrato de herança; se anterior, não cabe a distinção de ter sido, ou não,
conhecida do disponente (F. RTTGEN, Rurgertiches Gesetzbuoh, V, 548;
LUDwIG

SCHIFFNELI, Der Erbvertrag nack dem BGR., 178). Se era desconhecida,


pode ser usada a ação de anulação fundada nos §§ 2.281 e 2.078, alínea

2 a Se a disposição correspondia à obrigação contraída, perante o


disponente, pelo beneficiado, de prestações periódicas, ou de sustento
daquele, pode ser resolvida se, antes da morte do disponente, fôr anulada a
obrigação (§ 2.295). A resolução só se exerce pessoalmente; para ela, o que
tem capacidade restrita não precisa do consentimento do representante
legal: opera-se por declaração ao outro figurante e faz-se judicial ou
notarial-mente (§ 2.296). Pode fazer-se por testamento, aplicáveis, no caso
do §

2.294, as regras jurídicas do § 2.386, alíneas 2ª~4ªa. (§ 2.297). Mas,


revogado o testamento, revive o contrato de herança. Se, no mesmo
contrato, disposições contratuais forem concluídas pelos dois figurantes, a
invalidade de uma tem como consequência a ineficácia de todo e contrato
(§ 2.298, alínea lª) Trata-se de regra jurídica de interpretação: presume-se,
legalmente, a dependência e correspectividade das disposições. Não se
confundam invalidades como advento de condiçôes, têrmos, repúdios,
morte do beneficiado (LUDwIG SÇHIFFNn, Der Erbvertrag naoh dem
RGR., 188). Também não aplica ao que é disposição unilateral, se bem que
o § 2.298 fale em “ineficácia de todo o contrato”. Se, em contrato da alínea
lª do § 2.298, se reservou a resolução, feita para um, tem o efeito de destruir
todo o contrato, O direito de resolução extingue-se com a morte do outro
contraente. Mas o sobrevivente, se renuncia ao benefício, pode resolver, por
testamento, a sua disposição (§ 2.298, alinea 2.~)

Cada contratante pode, no contrato de herança, dispor tudo que poderia em


testamento. Será como se um testamento fôra. Pode desfazer as disposições,
em contrário do que acontece quanto às disposições contratuais. Se por
outro contrato, ou pelo uso do direito de resolução, se tira eficácia a
contrato de herança, a disposição perde-a no que não se tenha de admitir
que outra era a vontade do disponente (§ 2.299). Os §§ 2.259-2,263 e 2.278

aplicam-se à abertura do contrato de herança, mas as regras jurídicas do §


2.273, partes 23 e , só no caso de depósito (§ 2.800)

4.CONTRATO DEE HERANÇA NO DIREITO suíço. O Contrato de


herança só se faz na forma do testamento público (Código Civil suíço, art.
512, alínea 1?): aos figurantes declaram a vontade, simultâneamente, ao
oficial público; assinam o ato perante êle, na presença de duas testemunhas
(alínea 2.~). A teoria de GUSTAV

ARTMANN não prevaleceu; mas, se bem que não se trate de negócio


duplo (Doppelgesúhdft), de um lado é regido pelas regras jurídicas sôbre
contratos (Código Suíço das Obrigações de 1911, art. 1 s.), e de outro, pelas
das disposições de última vontade: negócio jurídico bilateral para o tempo
da morte (A. ESCHER, Das Erbrecht, Kommentar, III, „72 s.). A
simultaneidade, de que se fala na alínea

2 a do art. 512, não significa que tenham os


figurantes de dizer ao mesmo tempo, mas imediatamente um ao outro (A.
ESCHELI, III, 101), talvez por simples declaração de aceitar (cf. Código
Civil suíço, art. 500), como nos atos entre vivos (P. TUoR, Kommentar, III,
848) . Para o caso de língua estrangeira, procede-se como nos testamentos
públicos. O Código Civil não trata do depósito do contrato de herança: a
doutrina decide que, feito em dois exemplares, pode ficar com os
figurantes; salvo se a legislação cantonal exige que se deposite (E TUOR,
Kommentar, III, 850) . t necessário haver a maioridade (Código Civil suíço,
art. 468) do disponente: 20 anos (arts. 14 e 15), e ser o figurante capaz de
discernímento (art. 16). Excluem-se da capacidade de contrato sucessório,
como disponente, e.g., e louco e oébrio. Se sob tutela, A. ESCRER (Das
Erbrecht, gominentar, III, 26) não admite representação, por se tratar de
assunto sucessório (EUGEN HUEER, System und Gesehichte des Sehw
eizerischen Privatreehts, II, 322).

Também nesse sentido, P.TuoR (Koinmentar, III, 101) Aliás, parece-nos


frágil a opinião contrária de EUGÊNE

CURTI-FORRER (Comnwfltaive, 369), que vê nas marginais dos arts. 498


e 512 distinção explícita entre os testamentos e os contratos de herança. Os
figurantes, por convição escrita (diferença notável em relação ao direito
alemão, § 2.290, e achamos pouco coerente), podem, se querem, resili-lo
(art. 513, alínea

1 ~) Em todo o

caso, a convenção escrita deve ser assinada, ainda que a lei não o diga (1‟.
TUOR, Kommentar, 512) . Se, após a conclusão do contrato de herança, o
herdeiro, ou o legatário, se torna culpado de ato que importaria deserdação,
o disponente pode anular (antilar, anfechten) a instituição ou legado (art.
513, alínea 2Y).

Essa “anulação” (o texto alemão disse “einseitige Aufhebung”, revogaçao


unilateral que é melhor expressão) faz-se numa das formas prescritas para
os testamentos (art. 513, alínea 33)
Se o motivo fôr anterior, há a ação de anulação por êrro (artigo 469), como
por violência, ou dolo (E. TUOR, Kommentar, .351) . A ignorância do
motivo anterior não autoriza a ação do art. 513, alínea 33. Aqueles, a quem
o contrato de herança confere a faculdade de reclamar prestações entre
vivos, pode resili-lo, de acôrdo com o direito das obrigações, se não foram
executadas ou garantidas, como se convencionou, as prestações <art. 514) .

A lei não disse a forma. Se o herdeiro ou legatário não sobrevive ao


disponente, caduca o contrato de herança (artigo 515: “est resilié”,
expressão imprópria; no texto alemão está: “so fãllt der Vertrag dahin”).
Todavia, salvo cláusula em contrário, os herdeiros do premorto podem
reclamar a repetição do enriquecimento ao tempo da morte (art. 515, alínea
23). A alínea 13 é de natureza dispositiva (E. TUOR, Kommentar, V, 358) .
(O art. 516

está fora do lugar, no Código Civil suíço: nada tem com a forma dos atos
para a morte; édireito sôbre conteúdo:

“As liberalidades por testamento ou contrato de herança não se rompem


(“so wird nicht aufgehoben”, “ne sont point annullées”), se, depois, diminui
a faculdade de dispor do seu autor: mas cabe a redução”.)

§ 5.859. Direito constitucional e testamento

1.CRIAÇÀO, ALTER.AÇAo E EXTINÇÂO DE FORMAS


TESTAMENTÁRIAS. As formas testamentárias somente podem ser
criadas ou modificadas, ou extintas, pelo Congresso Nacional. Os Estados
não podem intervir, nem estabelecer nulidade ou presunções legais.
Contudo, podem exigir aos seus juizes que, antes do

“cumpra-se”, procedam a diligências, desde que, com isso, não se invada o


domínio do direito material.

Os Estados-membros não podem modificar regras jurídicas de capacidade,


nas espécies testamentárias, nem alterar ou acrescentar aos arts. 1.650,
1.719 e 1.720 do Código Civil, que trataram das testemunhas nos
testamentos. Se um Estado-membro determina que os escreventes e mais
pessoas dos cartórios não figurem como testemunhas, a infração tem as
consequências disciplinares, porém não a de invalidado. O Código Civil,
em regra, não usou das expressões “tabelião” e “notário”,. como outras leis.
O que êle exige é que seja oficial público, pessoalmente. Trata-se de oficial
com fé pública, oficial que euremàticamente possa portar por fé (art. 1.634),
isto é, oficial cuja afirmativa valha e seja parte integrante de instrumento
público. Não é preciso que seja o oficial público competente para outras
escrituras públicas: pode ser o exclusivo de testamentos ou exclusivo ou
privativo. Se um Estado-membro dá a atribuição ao escrivão da Provedoria
ou das varas cíveis, vale. Pode, até, dizer que tal oficial é o juiz de paz, ou o
substituto, da comarca. Mais: o escrivão da intendência municipal. O que é
essencial é que lhe dê fé pública, a qualidade de oficial público. A lei de
organização judiciária do Estado pode, a respeito, dispor. Mas, aí, para a
função substancial da legislação estadual. Ela cria o oficial que o Código
Civil pressupõe. Só isso. Pode ser que exija outras formalidades aos
testamentos papel selado, pagamento prévio de impôsto; mas isso não
constitui causa de nulidade. Se algum Estado-membro, por exemplo, não
exige que o ato seja pelo próprio oficial, mas por escrevente juramentado,
isso não eiva de nulidade o testamento: tal escrevente, em virtude da
legislação estadual, é oficial púbUco Mas é preciso que a legislação lhe
confira fé pública. A lei que permitisse ao escrevente escrever o testamento,
porém não lhe reconhecesse fé pública, cindiria as funções de escritor do
testamento público, e de certificação, portando por fé, o que se não
compadece com a lei federal. Tudo que se disse sôbre o oficial público, no
tocante ao testamento público, incide no tocante ao testamento cerrado. Os
Estados-membros não podem simplesmente ficar o processo de publicação
ou confirmação do testamento particular.

2.LÍNGUA ESTRANGEIRA E LEGISLAÇÃO ESTADUAL. O


testamento tem de ser escrito em língua nacional (Código Civil, art. 1.632,
parágrafo único). Se um Estado-membro manda que se junte tradução,
devidamente assinada pelo testador e autenticada, cominada a pena de
nulidade. Não há nulidades de atos jurídicos fora do Código Civil. É isso
que leva a afirmar-se ser inoperante a cominação de nulidade. Mas a
legislação estadual pode dizer que faltará fé pública ao oficial quanto a atos
de estrangeiros que saibam escrever se êsses não-escreverem, após o
apanhado do oficial em língua nacional, o que êles declararam, vertido na
própria língua. Éxaminadas as circunstâncias, não é de excluir-se a
possibilidade de ser formalidade essencial, em certos casos. Outra questão é
a dos governos de fato e as nomeações de oficiais.

3.GOVERNOS “DE FACTO” E TESTAMENTOS. Às vêzes, os governos


são, para uns, de facto, e para outros, de iure. Êste énão só o que devia estar
no poder e não está (MOUNTAGTJE BERNARD, Nc7etrality of &reat
fintam during Ameriean civil War, 108), como também o que está no poder
e, embora em situação discutida, devia estar. Surge, então, a questão
jurídica sôbre o direito ao cargo. A própria subida pode não ser normal:
ogovêrno de facto pode ascender normalmente na aparência, por
maquinações; e o de direito ter precisado de insurreições ou revoltas. A
solução que temos de esperar é matéria puramente de direito constitucional:
é, ou não, de qua-estio ius. Respondido isso, parte-se a questão: ato
testamentário praticado perante oficial, nomeado pelo govêrno estadual de
facto, e cabendo a apreciação ao juiz brasileiro, do mesmo Estado-membro,
ou de outro (direito civil e interestadual) ; ato testamentário, praticado
perante o juiz ou oficia] de outra nação, nomeado pelo govêrno de facto
(geral ou local), cabendo a apreciação ao juiz brasileiro (direito
internacional privado) Aqui só nos interessa a primeira parte. Da outra,
adiante se há de tratar. A validade ou udo-validade do ato de nomeação é
preliminar, mas preliminar que pode associar-se a outras. Primeira
distinção: governos gerais e locais. Se a autoridade do govêrno é geral, se
estende por todo país, deu-se substituycão completa do poder, é para o juiz
interno como para govêrno de iure. Assim, revolução unitanista, ou
federalista, com a uniformização das leis de jurisdição, de ofícios públicos,
e respectivas nomeações, que se alastrasse e dominasse o país, nomeando
tabeliães, escrivães, juizes, criaria a figura do govêrno de facto generalizado
e os atos teriam de ser e deveriam ser respeitados. Os testamentos feitos
perante tais oficiais valeriam, sem discussão, e o juiz deve reputá-

los válidos, ainda quando nova revolução reimpusesse o govêrno estável


anterior, o chamado govêrno de jure.
Não coexistiriam. Existiriam, um após outro. A decisão do nôvo govêrno
restaurado que considerar sem efeito as nomeações não pode ter a
consequência de invalidar os testamentos das pessoas que falecerem antes
de vigorar tal solução nova. A regra é que os governos de jure sejam
intolerantes com os de facto: tudo que antes se fêz é ilegal. Há, pois, limite,
algo como constituição superposta aos governos nascidos ou não das
Constituições, que autorizam os juizes a velar pelo interêsse público,
estabelecendo justo critério nas apreciações concretas. Trata-se de análise
de relações, de princípios superiores, de induções, que também se permitem
nas questões de direito intertemporal constitucional.

Se a questão da validade dos testamentos feitos perante oficial nomeado


pelo govêrno de facto tivesse de resolver-se pelos decretos reconhecedores,
ou não, dos atos do govêrno anterior, tôdas as nomeações seriam nulas;
todos os testamentos, nenhuns. É preciso considerar o quantum despótico
da Política (= „7), e reduzi-lo ao do Direito (xx 4).

Seria mais do que injusto: seria aceitar a suspensão da vida de um povo, a


não-testabilidade por ato público. Há limitações que nascem das relações
para com outros países e dos cidadãos com a ordem social (govêrno de
facto, ou não) . Valem as dividas contraídas, quiçá os tratados, as escrituras
entre particulares e os testamentos. Ou o nôvo govêrno diz que valem, e
então tollitur quaestio. Ou nada estabelece, e devem entender-se válidas,
por presunção, as nomeações. Ou diz que não valem. Aqui, o juiz pode
obrigar os próprios governos de facto ao reconhecimento, os dirigentes a
que observem as leis. Tal o procedimento americano, após a guerra de
Secessão.

A justiça paira; as revoluções e governos de facto são fenômenos pauticos.


A Constituição das Repúblicas do Salvador, art. 69, de Honduras, art. 99, da
Venezuela, art. 104, e do Peru, art. 10, declararam nulos os atos dos
governos de facto. Mas revolução geral de ordinário revoga a Constituição,
o que dá no mesmo: há Constituição de facto. Em todo o caso, restaurada a
ordem constitucional, vêm os decretos, e os juizes dêsses países costumam
só considerar válidos os atos que os decretos permitem Essa não é e não
pode ser a solução brasileira. ~ Se o govêrno de facto fôr local? Para o caso
dos testamentos e no sistema federativo do Brasil, o govêrno de todo um
Estado-membro, o govêrno que está, de facto, no Poder, sem coexistir, de
facto com outro, é govêrno geral. Valem, portanto, as soluções que demos
aos casos ocorridos sob govêrno geral. Aos governos locais é inabluível a
coexistência. Tais os das guerras civis. Há atos de um e atos de outro, atos
do vencido e atos do vencedor. que pode ser o de facto como o de‟ iure.
Aliás, o vencedor, com o critério político, considera-se, a si mesmo, de iure.
Se o vencedor discrimina os atos seus que valem e es que não valem,
praticados durante a guerra, cria problemas graves. O govêrno de iure não
poderia ter tal procedimento, O que disputava o poder legal, durante a luta,
reconheceu a soberania de facto coexistente (não é a mesma coisa que lhe
reconhecer a beligerância, que só tem efeitos quanto ao direito penal) : o
juiz interno também deve dar aos atos o valor jurídico e as consequências,
que lhes caberiam, e.g., leis novas de organização judiciária, nomeações de
oficiais públicos. A regra jurídica tem de ser a seguinte: se o vencedor é o
de iure, devem-se considerar válidos todos os atos de conformidade com a
lei e pendente a disputa do podei; se o vencedor é o de facto, desde o dia em
que começou a existir, a co-existir (ex hypothesis). Restam os atos do
govêrno de facto vencido e os do govêrno de inre que foi inteiramente
destruido e para sempre:

a)Atos do govêrno de facto vencido: se o govêrno de iure lhe reconhece os


atos, corta-se a questão; se o govêrno dá regras jurídicas a respeito, cabe ao
direito intertemporal. No Brasil, a questão do govêrno de facto local,
coexistente, com duração e estabilidade, pode provocar a intervenção
federal: o ato explícito do govêrno de iure vencedor, considerando nulos os
atos jurídicos perante oficias nomeados pelo govêrno de facto, duradouro, e
os do próprio executivo federal ou do legislativo, não escapam à apreciação
do juiz. Se houve passagem do cartório ao nôvo oficial, exercício „efetivo,
prática de atos de fé pública, é preciso afirmar-se a validade dos atos
testamentaros perante êle praticados. Se o govêrno legal não reconheceu, de
modo nenhum, a coexistência de facto, ainda que, efetivamente. algumas
cidades ou zonas estivessem sob o poder passageiro dos revolucionários, o
juiz deve em princípio aplicar as leis como se só um govêrno existisse, para
evitar a imprudência de dar ao Direito a mobilidade da Política. Mas: a) Se
o govêrno regional de facto permaneceu, com estabilidade (caso dos
Estados do Sul, na guerra civil americana), cabe a lição do juiz FIELD, no
caso Horn versus Lockhart (1873), que argumentava, decisivamente: “A
existência de estado de insurreição não desatou os laços de sociedade, nem
suprimiu a administração civil e a aplicação regular das leis. Era preciso
manter a ordem, aplicar os regulamentos de polícia, fazer respeitar os
contratos, celebrar os casamentos, regular as sucessões e a transferência dos
bens, como em tempo de paz”. b) Se o govêrno vencedor afirma a
ilegalidade de todos os atos do govêrno de facto, sem os distinguir, ainda
assim o juiz deve entrar na apreciação, reduzindo às necessidades jurídicas
o critério político : as circunstâncias ordinárias da vida e é o caso dos
casamentos e dos atos testamentários não devem sofrer com as mobilidades
do processo político de adaptação social, nem o govêrno salvo caso de
diferença radical que diga com a ordem pública pode querer o prejuízo dos
particulares. Ainda em se tratando de formas testamentárias novas (isso, no
Brasil, não caberia, porque a legislação é federal), cumpriria atender ou
poder alegar que houve atos cuja responsabilidade não assume. Mas o juiz
examina as circunstâncias para verificar se a não-validade é admissível.
Após a guerra da Independência, os tribunais americanos reconheceram o
poder legislador dos Estados-membros a partir de 4 de julho de 1776, e não
do Tratado de 1783.

b)Atos do govêrno de iure vencido. O vencedor, govêrno de facto, vai


considerar-se de iure. Mas as considerações de que os habitantes contavam
com a vitória da situação jurídica contra a situação de facto (ainda que,
politicamente, partidários da revolução) e de que o govêrno federal
interviria pela restauração (o que se supõe, pela Constituição da República)
bastariam para afastar a possível invalidação: seria querer-se que o
fenômeno político negasse o próprio juiz apreciador do caso, negasse o
Direito, fôsse, no passado, desfazer o que juridicamente se estabeleceu: o
sinal de Política é (para o futuro) e não ~ (para o passado) ; por isso mesmo,
as leis não retroagem, e o que está feito fica (Política é 2; Direito, 1), e só
muda para os casos futuros (PONTES

DE MIRANDA, Introdução à Sociologia Geral, 235 s.).


As Constituições estaduais fixam o poder legislativo dos Municípios. O que
êles podem fazer tem as sós consequências que teria, se feito pelo Estado-
membro. De modo que as questões são as mesmas.

§ 5.860. Direito penal e formas testamentárjas

1. TESTAMENTOS E CRIMES. Atos particulares, documentos privados,


ou não, os testamentos, devido à sua significação e importância, são pelas
leis penais considerados, indistintamente, atos públicos. Ficção legal, que o
caráter do ato justifica. Talvez seja resquício da função legislativa que se
exercla‟nos próprios testamentos não públicos. Se bem que hológrafo, o
testamento particular é como a instituição de patrimônio; mas, hoje, o
fundamento está no fato de ser difícil verificar-se a fraude caligráfica
(AMnancIo NEGRI, em P. CoCLroLO, Completo TraLtato di Diritto
Pende, J~, 1.~ parte, a, 521).

2.CRIMES MAIS ENCONTRAVEIS Os crimes encontráveis são os de


falsificação do testamento público e os de falsificação do testamento
particular, que cabem, respectivamente, nos arts. 297 e 298 do Código
Penal. Outros podem ocorrer, como o de falsificação de certidão, quer
ideológica, quer natural, e o de falsa identidade.

§ 5.861. Espécies de testamentos quanto à forma

1.FUNÇÃO JURÍDICA DAS FORMAS TESTAMENTÁRIAS. A forma


é processo técnico. Nos nossos dias, não pode ter caráter ritual, mas sim
próprio à estabilidade específica. Seria inconsequência (nos tempos de hoje,
em que a inteligência tem finura bastante para reconhecer e discernir os
fatos do direito, e para discriminar relações em sua realidade imaterial)
alimentar a superstição dos formalismos obsoletos, que prejudicaram, em
vez de servir à vida. Ora, o Direito, processo social de adaptação, não tem
outro fim que o de servir à existência coletiva e individual. Forma contrária
a êsse fim, é forma contrária ao Direito. Quando a lei escrita, ou a praxe
doutrinária ou judicial, que também são fontes de formas, estabelece, para
determinados atos jurídicos síricto sensu e negócios jurídicos (citação,
interpelação, casamento, adoção, testamento, hipotecas) determinadas
exigências formais, não tem outro fito senão o de pressupor cautelas,
envoltórios, dentro dos quais, conveniente-mente resguardadas as vontades,
se lhes garanta e precise a eficácia. Raro, somente para precisá-la ou
restringi-la: quase sempre, para assegurar-lhe o resultado jurídico que
especifica-mente foi querido.

2.EVOLUÇÃO DAS FORMAS JURÍDICAS. Se examinamos a evolução


que se operou do formalismo romano à mentalidade hodierna, vemos que se
procedeu a verdadeira crítica das funções das formas, sem qualquer
preconcebida antipatia (pois que a vida moderna criou formas novas),
porém no sentido de apreciar a utilidade social e individual do seu emprêgo.
Dai o movimento de diminuição de exigências que apenas atende uma. das
leis evolutivas do Direito. Por isso, no apreciar as formas como processos
técnicos, meios, para fins de segurança jurídica (se garantem, segurança
para os que desejam eficácia aos seus atos de vontade; se restringem,
segurança para os outros)~ o direito contemporâneo, como o dos séculos
passados, ora atenua o rigorismo da forma como elemento, exterior e
sensível, necessário ao ato jurídico, ora reconhece a legitimidade de novos
quadros formais em ~ue se verta e se modele o querer dos homens. De tudo
isso havemos de tirar que o invólucro não deve sacrificar os atos que deve
revestir. Se é certo que às vêzes o requisito formal tem por fim delimitar,
dificilme nte se poderiam, ainda em tais casos, intrometer considerações de
sacrifício do fundo, do ato, de mal compreendida sujeição à forma solene,
seja probatória, seja acauteladora ou normativa (de habilitação, e de
processo, de fiscalização) . Também se tira, não só que as regras jurídicas
sôbre forma são suscetíveis de interpretação, com tôdas as possibilidades
dos modernos critérios de apreciação científica da lei, como, por igual, que
ela não deve ir além do fundamento ou do critério inspirador do processo
técnico, que é a forma. Processo técnico não é fim, é meio.

Por outro lado, não se veda ao direito não-escrito estabelecer cautelas,


exigir formas a determinados atos, às habilitações, aos propósitos de
publicidade e, se a necessidade o inspira àprova de fatos. Não é a lei escrita
a fonte única do direito, nem se abre ao princípio da multiplicidade das
fontes essa exceção relativa às regras jurídicas de exigências formais. Tão-
pouco ficam imunes os textos escritos às apreciações com que a ciência e a
prática procedem a sua adequação aos fatos da vida.

3. IMPFRATIVIDADE E INTERPRETAÇÃO. As formas testamentárias


são de interêsse público; mas isso não quer dizer que se não possam
interpretar os artigos de lei, que fixam os. requisitos essenciais: a) pode a
forma, considerando o efeito~ não ser da máxima importância: quando
forma non est magnae importaníiae, considerato efleciu; b) a exigência
formalística cede, onde cessa a razão de se requerer a forma (quando <-es..

sarei causa forinae adimplendae) ou o fim (juando forma ad aliquem finem


eM constituta); c) quando o que se fêz vale o mesmo (“equipolência”, a que
se referiam os juristas lusitanos) : quando actue factus eandem rim hab ei;
d) quando de-~ monstrativa (ad aliquid demonstrandujn requisita).

Em todo êsses casos, pode adimplir-se pelo equivalente:

tufo enim potesi adimplere por aequipollens. Não são palavras de hoje, são
velhas palavras, que meia-ciência de alguns ou não compreende ou delas se
esqueceu. Outros elaboravam fórmula mais geral, porém, no fundo, a
mesma: nisi tamen sia tutum formam inducens considerei aliquem eflectum,
quja tune si eflectus sequatur omissio formae nau vitiat. (Ou: quando forma
respicit certum eflectum, per aequipollens potesi effectualiter canse qui.) 4.
INTERPRETAÇÃO DAS LEIS SÔBRE FORMAS
TESTAMENTÁRIAS. No caso de o que se teria como testamento não ter
forma, ser imperfeito, não existe o próprio ato. Tal formalismo passou ao
direito português e dominou como princípio. Ainda hoje, atenuado, domina.
A falta da forma deixa não completo, é pois inexistente o ato testamentário
(MANUEL FIGUEIRA DE NEGP.nRos, introductio ad ultimas voluntates
continens omnia necessaria ad confectionem Testamenti, 1, 2, c. 1, n. 4) ;
mas isso não visava dizer, nem visa, que a lei da forma não se interprete. A
lei da forma é lei como as outras leis. Imperativa, sim, mas as leis
imperativas são suscetíveis de interpretação. O que ela diz, e nisso difere de
outras regras jurídicas, é que a falta faz inexistente o ato e o defeito, ainda
mínimo, torna nulo o ato. Mas o que é defeito, di-lo a lei, ou a
interpretação. Se aqueles defeito mínimo é, realmente, defeito, isto é, se tem
aquela consequência, di-lo o entendimento do texto legal. O

entendimento não poderia ser o de absurda interpretação literal. As idéias


modernas, frutos de evolução da ciência, e da técnica, encontram pleno
apoio em velhos mestres de tempos bem mais maduros no apreciar o valor e
o alcance das leis. Na letra legal está consignada a exigência do elemento
exterior e sensivel, da veste mater ial à imaterialidade do querer expresso,
mas, na lição de hoje, como na de ontem, pode satisfazer-se com o igual em
resultados. Se se chega à conclusão de tratar-se de levissirna solenuitas,
então nou est sufficiens ad evertenda suprema defunciorum elogia.

As regras jurídicas sôbre formas testamentárias são bis cogens. Não pode o
testador por vontade sua, declarada ou não, ou por fôrça das circunstâncias,
fugir à observância do que a lei, como forma solene, estatui. Isso não quer
dizer que o íus cogens tenha de ficar sujeito às algemas de inafastável
interpretação literal. Éle é cogens, no que diz, porém não nos meios de se
procurar o que êle diz. Tal verdade da ciência, nem sempre a vemos na
solução dos expositores, desaparelhados para a delicada adequação da lei
aos fatos da vida. (Nem se confunda isso com o favor testamenti, que está
no Código Civil, artigo 1.666: quando se fala de favor testamenti, só se
cogita do conteúdo. O mesmo sucede no Código Civil alemão, § 2.084:

WILHELM MANTEY, Das Erfordernis richtiger Datierung


holographischen Testaments, Gruchois Beitráge, 43, 642). Um dos
fundamentos da exigência formal é não se deixarem dúvidas quanto ao
emprêgo válido das solenidades. Por isso, a interpretação tem de ser restrita
(EMIL JAOOBY, Das cigenhándige Testaríz cmi, 39) .

Interpretação restrita de formas solenes quer dizer interpretação que reduz


ao mínimo. Ora, interpretação com tal propósito limitativo não poderia ser
IIteral: procura o que seja validante dos testamentos, enquafltG êsse
mínimo de exigência não prejudica o critério formal. Por onde se vê,
claramente, que a solução contemporânea, sôbre ser a dos bons espíritos dos
séculos passados, consulta outros princípios de interpretação das leis e das
categorias reais das nulidades, no submeter o texto imperativo aos
depuramentos de crítica esclarecida e sã.

§ 5.862. DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO

879

§ 5.862. Direito internacional privado e formas testamentárias

1.LEI DE INTRODUÇÃO AO CODIGO CIVIL, ART. 10 E §§ 1.0 E 2.0.


As regras jurídicas sôbre a lei que rege a sucessão são de grande relevância
na vida contemporânea. As relações entre os povos são intensas, correntes
imigratórias continuam e há deslocações para outros Estados que aqueles
em que homens e mulheres nasceram. Ora para negócios, ora para serviços,
ora por simples turismo.

Na Lei de Introdução ao Código Civil (Decreto-lei número 4.657, de 4 de


setembro de 1942), estatui o art. 10: “A sucessão por morte ou por ausência
obedece à lei do país em que era domiciliado o defunto ou o desaparecido,
qualquer que seja a natureza e a situação dos bens”. E o § 19: “A vocação
para suceder em bens de estrangeiro situados no Brasil será regulada pela
lei brasileira em benefício do cônjuge brasileiro e dos filhos do casal,
sempre que não lhes seja mais favorável a lei do domicílio”. E o § 2.0: “A
lei do domicílio do herdeiro ou legatário regula a capacidade para suceder”.

Afastou-se a lex patriac, que era a lei pessoal conforme o direito anterior.
Fêz-se estatuto pessoal o do último domicílio do decujo. Se era estrangeiro,
casado com Brasileira e deixou filhos Brasileiros, o estatuto pessoal não era
e não é o da lex patriae, mas sim o da lei brasileira. Não importa onde era
domiciliado o estrangeiro, que morreu casado com Brasileira ou com filhos
Brasileiros.

2.FORMA E “LEX LOCI”. Quanto à forma, há o princípio geral da lex boi.


Ao locus regit actum há exceções, que têm de ser apontadas. Uma delas é
concernente ao testamento conjuntivo, seja simultâneo, recíproco, ou
correspectivo (Código Civil, art. 1.630). Outra, a dos testamentos militares
e marítimos.
O testamento conjuntivo, a despeito de o art. 1.630 do Código Civil se
achar entre as regras jurídicas sôbre formas testamentárias, há de obedecer à
lei pessoal do decujo, porque seria absurdo que, proIbindo o Estado do
estatuto pessoal, o testamento conjuntivo, seja simultâneo, seja recíproco,
ou seja correspectivo, pudessem duas pessoas que estão subordinadas a êsse
estatuto, ou uma das quais está, testar conjuntivamente. Iria Brasileiro ou
iriam Brasileiros para algum Estado onde se não proIbisse a fim de fazer o
testamento que a lei brasileira veda. Não se pode negar o elemento típico,
contenutistico, da regra jurídica que repele o testamento conjuntivo,
qualquer que seja a espécie.

Quanto aos testamentos públicos, é indiscutível que não se pode exigir que
os oficiais públicos de Estados estrangeiros se submetam a lei brasileira, ou
que os oficiais públicos do Brasil se submetam a lei estrangeira, no tocante
à forma. Dá-se o mesmo se o testamento é cerrado, e é levado ao oficial
público para a formalidade que se exige.

Há dois problemas: a) o que é que se entende por forma, que a lei do lugar
tem de reger; b) se é possível preferir-se outra lei, isto é, se a lex boci tem
necessàriamente de reger, ou se há de reger a lei do lugar se outra (a lei do
estatuto pessoal) não se observou. Ali, haveria necessariedade da lez boi.
Aqui, apenas suficiência.

Antes de enfrentarmos as questões, recorramos à história do direito


internacional privado quanto à forma.

Desde a Idade Média se admite que o princípio de que a forma do negócio


jurídico se há de considerar válida se obedeceu à lei do lugar. Poucos eram
os juristas e aplicadores de leis que faziam restrições ao bens regit actum;
por exemplo, se os negócios jurídicos eram concluídos com a cooperação
de oficiais públicos, ou com a autoridade do Estado, ou dependentes de
fonte oficial (H. THÓL, E‟inleitung in das deutsehe Privatrecht, § 83).

Alguns eram ainda menos exigentes, como HAUSS (Du Droit privé qui
regit les étrangcrs en Belgique, 45 s.).
Havia controvérsias a propósito da abrangência ser de tódas as formas ou
só de algumas, bem como sôbre a obrigatoriedade ou a facultatividade da
lez boci actus.

Surgiam divergências no tocante aos próprios fundamentos.

Alguns, como A. VíNNíus, G. PHTLLIPS (Grundsãtze des gemeinen


Dcutschen Privatrechís, 1, 192) e 1<. L. W.

VON GROLMAN (tYber obographische und mystische Testamente, 14),


perseveraram na teoria dos estatutos, para que se evitasse a aplicação da lei
da pessoa.

§ 5.862. DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO

Para outros, quem quer que pratique atos jurídicos tem de sujeitar-se à
soberania do Estado em cujo território se perfaz. Assim, CER. FRIEDR.
VON GLÚCK (Ausfiibrliche Erlduterung der Pandecten, 1, 291), W. A. F.
DANZ

(Handbuch des hcutigen deutschcn Privatrechts, 1, § 53) e outros. Por seu


lado, L. VON BAR (Theorie und Praxis des internationalen Privatrcchts, J,
2.~ ed., 340 s.) só a fundava no costume, na communzs opinio segundo
CINO DA PISTOlA, ALBERICO DE ROSATE, PETRUS DE
BELLAPERTICA, PAUlo DE CASTRO, RAPH.

FULCOSIUS e PETRUS DE RAvENNA. A lex boci era tida por inafastável


por BARTOIflMEo DE SALICETO, BALDO DE IJaÁLnIs e BÁRTOLO
DE SAxOFERRATO.

Antes de L. VON BAR, a justificação pelo uso estava em muitos. trro seria
crê-la de origem romana, como pretendeu JoH. STEPH. PÚTTER
(Auserlese Reehtsfdlle aus allen Thcilen, 1, n. 248).

A regra jurídica tornou-se universal, por ser a de respeito a esfera jurídica


de cada território estatal. Todavia, se há concordância no respeito, não na há
no tocante ao conteúdo.
3.CONTEÚDO DA ExPRESSÃO “ACTUM”. Nem quanto àexpressão
“actum”, na regra jurídica bocus regit actum, nem mesmo quanto à
distinção entre forma e conteúdo, é pacífica a doutrina. A. NIEDNER
(Kommentar zum E‟infúhrungsges‟itz,

31) chegou a dizer que nunca o será. A referência explícita à lei do lugar em
que se praticaram os atos estava no Projeto de THEoDoR NIEMEYER
(Vorselddge und Matcrialen zur Kodifilcation des internationalen
Privatrechts, 240 s.), contra o texto de ALBERT GEBHARD. O influxo foi
a opinião de L. voN BAa (Theorie und Praxis des internationalen
Privatrechts, II, 13 5.; Lehrbneh des internationalen Privat- und
Strafrechts, 106

s.), bem como o sistema escolar de Huoo NEUMANN (Internationales


Privatrecht in Form cines Gesetzcntwurfs, 85--91), isto é, vontade dos
figurantes, domicilio, lugar da aceitação.

No art. 11 da revogada Introdução do Código Civil dizia-se que a forma


extrínseca dos atos jurídicos, públicos ou privados, se regeria segundo a lei
do lugar em que se praticassem. Na Lei de Introdução do Código Civil
(Decreto-lei n. 4.657, de 4 de setembro de 1942), nada se disse, exceto no
tocante à excepcional exigência de forma essencial (art. 9 O, § 1.0) de
modo que temos de primeiro cogitar das controvérsias em tôrno de textos
alusivos à forma. Depois, da interpretação se não há texto alusivo, pois tem
de ser pôsto o problema de direito internacional privado, diante da atitude
omissiva.

Se a lei apenas fala de forma, ou de forma e solenidades, como o Código


Civil espanhol, art. 11, a discussão há de ser sôbre o conteúdo da expressão
“forma”, ou da outra “solenidades”. Se se refere a “forma extrínseca”, não
caberia discussão quanto ao conteúdo da regra jurídica. Tem-se apenas de
indagar quais são as formas extrínsecas e quais as formas intrínsecas. Tal o
que ocorria ao tempo do art. 11 da revogada Introdução ao Código Civil,
com o revogado Código Civil italiano, art. 9, com o venezuelano, art. ~ lª~
parte.
Quanto ao Código Civil francês, não havia fórmula geral e o texto do
Projeto refletiu-se na Lei holandesa de 1829, artigo 10. No Código Civil
saxônico, § 9, a lex boci continuou sendo a preferida, bastando a do lugar
dos efeitos. A Lei de Introdução alemã (Einfiihrungsgesetz), art. 11,
inverteu a ordem: a forma de negócio jurídico é determinada pelas leis que
regem a relação jurídica que resulta do negócio jurídico. Basta, todavia, que
se observe a lei do lugar onde o negócio jurídico se conclui. A regra
jurídica, que está na alínea 1, segundo enunciado, não tem aplicação a
negócio jurídico que estabeleça direito sôbre coisa, ou que dêle disponha.

Na Inglaterra, a regra jurídica bocus regit actum é conforme o Foreign Wills


Ad de 6 de agôsto de 1861 e a título facultativo.

Na Lei federal suíça de 26 de junho de 1891, art. 24, foi dito: “Les
dispositions de derniêre volonté, les pacts successoraux et les donations à
cause de mort, sont valables quant àla forme, si celle-ci satisfait au droit du
lieu oú l‟acte a été passé ou à celui du canton du domicile lors de la
passation de l‟acte ou au droit du dernier domicile ou à celui du canton
d‟origine du défunt”. O art. 32 estendeu-o às relações internacionais.

Já no Projeto da Convenção da Haia tirou-se a regra jurídica obrigatória e


pôs-se a facultativa.

Antes do Código Civil, a regra jurídica que prevalecia na Alemanha era a


da lez boci actus, como principal, permitida a lei in favorem negotii.

Na Lei de Introdução ao Código Civil, o direito brasileiro somente tem hoje


a explicitude do art.

9 O, § 1.0:

“Destinando-se a obrigação a ser executada no Brasil e dependendo de


forma essencial, será esta observada, admitidas as peculiaridades da lei
estrangeira quanto aos requisitos extrínsecos do ato”.

Apesar da omissão da Lei de Introdução ao Código Civil, o princípio bens


regit actum foi acolhido, implicitamente; e não seria de admitir-se que se
desconhecesse o princípio que através dos tempos se assentou.

Não se pode considerar de ordem pública a subordinação da forma à lei


brasileira se o conteúdo é regido pela lei brasileira. O art. 9.~, § 1.”, que
abre exceção para os atos jurídicos de “forma essencial” se a obrigação tem
de ser executada no Brasil, ressalvou “as peculiaridades da lei estrangeira,
quanto aos requisitos extrínsecos do ato”.

4. TESTAMENTO E “LEX LOCI”. Se o testador, de passagem por outro


Estado, testou hologràficamente, como lhe permite a lei pessoal (e.g., se
domicílio no Brasil, cujo sistema jurídico regula o testamento hológrafo),
tem-se de entender que é válido o testamento. O princípio lex boci regit
actum não é absoluto, razão por que os figurantes de contrato podem
escolher a lex contractus (cf. ERNST ZITELMANN, Intc&rnationale
Privatrecht, II, 153). Também vale o testamento hológrafo, permitido pela
lei pessoal, se, feito em Estado que o admite, na feitura se se observaram
exigências extrínsecas da lei local, que a lei pessoal não conhece.

A aplicação da lei pessoal às formas testamentárias não é de grande


extensão. Se o ato testamentário é testamento público, é claro que os
oficiais públicos do Estado da lex boci têm de obedecer às regras jurídicas
locais sôbre tal espécie de forma de testamento. Se o testamento é
testamento cerrado, a aprovação ou ato semelhante somente pode ser com
observância da lei do lugar em que exerce a função a autoridade aprovante
ou conferente.

Se o testamento é hológrafo, a lei pessoal, que o permite, de ordinário não o


vede fora do Estado, porque seria repelir o princípio lez loci regit actum, o
que se chocaria com a prática legislativa hodierna. Se a lez loci o veda, tem-
se de coíisiderar que em primeira plana está a lei pessoal. Dai têrmos escrito
no Tratado dos Testamentos (1, 373 s.) : “Em se tratando de testamento
hológrafo... se a lei pessoal não no veda fora do país e se a leoê frei o
permite ainda quanto às formas da lei do estrangeiro, está visto que valerá
na pátria, no país em que foi feito e nos terceiros. Se a lei do lugar não a
permitir, ou, permitindo-a, vedar o uso da forma estrangeira em seu
território, trava-se o conflito de leis. No estado atual do Direito
internacional privado, só se há de resolver pela validade no Estado da lei
pessoal do testador e nos terceiros Estados que reconheçam a
facultatividade da lez loci.

Se o testamento é conjuntivo e a lei local o permite, podem fazê-los aqueles


cuja lei pessoal o admite, ou cujas leis pessoais o admitem. Se a lei local o
proibe, o único meio é o de fazê-lo em consulado, ou perante agente
diplomático com tal competência.

Tem-se de atender a que a regra jurídica locus regit actum é cogente para os
atos jurídicos em instrumento público e facultativa para os fatos jurídicos
particulares. Para a obrigatoriedade, de que se falou, é preciso que a lei do
lugar haja estabelecido os pressupostos essenciais de forma. Ficam fora os
atos jurídicos que possam ser (ou tenham de ser) concluídos em consulados
ou agências diplomáticas.

A distinção entre formas que o sistema jurídico considera forma (dita


“forma extrínseca”) e formas que o sistema jurídico liga ao direito material.

Se os atos jurídicos em instrumento particular são para efeitos em Estado


estrangeiro, tem-se de indagar qual a atitude do direito estrangeiro, em regra
jurídica de direito internacional privado. A lei brasileira não pode reputar
suficiente o que ela exigiu se o Estado estrangeiro, de que depende a
eficácia, não se satisfaz com isso. O direito brasileiro não pode exigir a
forma que êle reputa necessária para o testamento feito no Brasil se a lei
estrangeira, a que se há de subordinar o domiciliado no estrangeiro, é
menos exigente; ou vice-versa.

O direito estrangeiro, se é o da lei pessoal do decujo, pode retirar o


princípio lex boi regit actum.

5. FORMA ESSENCIAL. A lei que reja a sucessão testamentária é que


pode dizer qual a forma essencial ou quais as formas essenciais do
testamento. Pode ocorrer que de modo nenhum se considere essencial a
única forma da lei sucessoral, ou se considerem essenciais as formas da lei
sucessoral. A essencialidade da forma exigida não afasta, em princípio, a
incidência da loa, boci no tocante aos testamentos fora do Estado da lei
pessoal.

6. FORMA EXTRÍNSECA OU REQUISITO EXTRÍNSECO. Os requisitos


extrínsecos do ato, a que alude o art.

9 o, § 1.0, da Lei de Introdução do Código Civil, são as “formas


extrínsecas”. O que se tem por fito com a referência à natureza extrínseca
da forma foi ressalvar-se, na invocação da bex loci, o que se há de apegar à
lei pessoal.

Assim, o mudo, no direito alemão, fora da Alemanha, pode testar por sinais,
se a lei local o permite (HEINRICE

DERNBrntG, Das biirgerliche Reelzt, V, 65, nota 11), conforme resultou do


Einfiihrungsgesetz, art. 11, alínea

1 a, 2~a parte. No tocante a testamentos de mudo, o direito brasileiro só o


permitiria cerrado, escrito pelo mudo e por êle assinado, observado o artigo
1.642 do Código Civil.

„7. ESPÉCIES DE TESTAMENTO: A) TESTAMENTO PÚBLICO. São


inconfundíveis, para a observância do princípio da loa, loci regit actum, as
espécies de testamento e os meios exteriores pelos quais elas se compõem.
A lei brasileira exige, quanto aos testamentos públicos, que os lavrem
oficiais públicos, e não simples escreventes juramentados; mas, aí, não é da
espécie que se cogita, de modo que o domiciliado no Brasil pode testar por
testamento público perante a autoridade ou pessoa que para isso tenha
competência segundo a lei local. Não é de afastar-se o caso de algum
Estado permitir o testamento público sem ser ditado (e.g., somente copiado
de minuta) e apenas lido por outrem, na presença das testemunhas (cf.
JOSÉ DIAS FERREIRA, Código Civil português anotado, IV, 340).

Otestador, nos Estados que têm as duas formas públicas, a judicial e a


notarial, pode escolher qualquer delas.
Pràticamente, para se saber se, em direito internacional privado, há
divergência entre o direito testamentário de dois Estados, o que mais põe
em relêvo a distinção entre a parte intrínseca e a parte extrínseca é questão
de existência: a) ~ Existe, na lei pessoal, o testamento público? Se não
existe, ainda pode surgir a questão de ser de ordem pública a proibição ou a
omissão; mas, mesmo se há vedação, é de indagar-se se é de ordem pública,
de jeito que acompanhe o testador nos Estados estrangeiros. b) Se existe,
rege a forma a leis lo ci.

No direito inglês, não há o testamento público recebido ou recebido e


aprovado o testamento público. O

testamento. inglês é testamento privado, feito perante duas testemunhas. No


Código Civil francês, o art. 999 fala de poder o Francês testar no
estrangeiro pela forma autêntica estrangeira ou pela forma hológrafa
francesa: “Un Français qui se trouvera en pays étranger, pourra faire ses
dispositions testamentaires par acte, sons signature privée, ainsi qu‟il est
prescrit en l‟article 970, ou par acte authentique, avec les formes usitées
dans le lieu oú cet acto sera passé”. Tem-se de admitir que se considere
solene o testamento privado inglês, que é o único (HANS

LEWALD, Questions de Droit international des Succes~ions, Reeveil des


Cours de l‟Académie de Droit International, IX, 96). No propósito de
facilitar a testamentifação dos Franceses, no estrangeiro, a jurisprudência
francesa tem por válido

o testamento do Francês na forma inglêsa (Tribunal do Sena, 11 de março e


6 de dezembro de 1899). Na verdade, há estado de necessidade, e não
atribuição de ser solene.

8. ESPÉCIES DE TESTAMENTO E TESTAMENTO CERRADO.

O que se passa com o testamento cerrado é semelhante ao que se passa com


o testamento público. Pode variar de Estado a Estado o ato de aprovação ou
de certo requisito. Ser o direito de um mais rigoroso ou menos rigoroso do
que o de outro. Na feitura, o testamento segue se de mão própria, ou da mão
alheia a leis loci.
A lei brasileira não o permite ao cego (Código Civil, artigo 1.637), de modo
que os domiciliados no Brasil, que sa acham no estrangeiro, não podem
fazer testamento cerrado. Dá-se o mesmo com quem não sabe ou não pode
ler (art. 1.641). O surdo-mudo tem de escrevê-lo todo e assiná-lo (art.
1.642) Mais: tem de escrever que aqueles é o seu testamento. São os
requisitos intrínsecos.

9. ESPÉCIES DE TESTAMENTO: c) TESTAMENTO HOLÓGRAFO.

O primeiro problema que surge é o de se saber se a bolografia só se liga à


forma, ou a forma e ao conteúdo; se só a forma, se o requisito é intrínseco
ou extrínseco.

Na doutrina, uma das opiniões mais disseminadas e a de que pode fazer


testamento hológrafo no estrangeiro , mesmo se o outro Estado não tem
essa forma testamentária, qualquer pessoa que, conforme a lei pessoal, o
possa fazer. Não valeria o testamento hológrafo feito em Estado estrangeiro,
que o tem, se a lei pessoal não o admite.

A respeito da validade do testamento hológrafo, o Código Civil holandês,


art. 992, e a Lei inglêsa de 6 de agOsto de 1861, conforme a decisão da
Corte Inglêsa, a 25 de janeiro de 1898, no sentido da obediência à leis bocí.

Em todo o caso, é de advertir-se que a lei pessoal pode ter concebido como
de capacidade testamentária a regra jurídica sObre testamento hológrafo
(e.g., não poder testar hologràficamente o menor de is anos. Aí, não poderia
ser observada a leis loci (C. DEMOLOMBE, Cours de Code Napoléon, IV,
483 a.).

Nem tudo na fixação das formas se há de reger pela leis icei; menos ainda,
pela lei ~essoal. Cabe, precipuamente, interpretar a lei.

O direito francês teria de reconhecer aos Estados estrangeiros poderem


excluir da regra jurídica bons regit actum as pessoas que estão sujeitas à lei
pessoal dêles, porque estabeleceu a validade do testamento hológrafo do
Francês feito em lugar em que não há tal forma testamentária (FRANZ
KAHN, Gesetzeskollisionen, Jherings Jahrbiieher, 30, 50). Mas a
jurisprudência não soauiu êsse caminho (DONNEDIEU DE VABRES,
L‟Êvohttion de la Jnrisprudence française en matiêrc de Conflit de Lois,
185 s.) : vale o testamento hológrafo do Francês, feito no estrangeiro, onde
a leis boi o proiba, porém e.g. o do Holandês, que não devia valer, vale,
porque na França o admite a leis boci. Há vários julgados que decretam a
nulidade de testamentos inglêses feitos na França conforme o direito inglês,
porém, no caso Gesting versus Viditz, a Camara Cível da Côrte de
Cassação, a 20 de julho de 1909, reconheceu a facultatividade da regra
jurídica bocus regit actum.

O Código Civil holandês, art. 992, interdiz aos Holandeses qualquer forma
que não seja a forma autêntica local.

Sómente quanto à nomeacao de testamenteiro, ou para pequenos legados a


título particular, se admite a forma hológraf a. Nulo é o testamento em que
não se respeitou o art. 992. A França considera-o válido se feito na França,
porém há julgados que o têm como nulo. Por exemplo, pela validade, a
Côrte de Orléans, em 1859; pela nulidade, o Tribunal do Sena, a 13 de
agôsto de 1903. Pela nulidade, a jurisprudência belga (E. P. CoNTUZZI,
Diritto ereditario internazionale, 518 s.) e a italiana (P. FEDOZZI,
Successione, Digesto italiano, 22, 825 s.).

Esporâdicamente, o Superior Tribunal Regional de Hamburgo, a 2 de maio


de 1917, por ter o art. 11, alínea 1?,

2 a parte, do Einfiihrungsgesetz alemão, como regra jurídica absoluta de


colisão (Leipziger Zeitsckrift, 11, 1197).

Para a aplicação da regra jurídica neerlandesa, a despeito da leis boei,


tribunais italianos falaram de 50 tratar de limitacão à, capacidade. Ora, em
verdade, o que nela está é exceção nacional ao principio bons regit actum,
com a conseqúência de tornar intrínseco o requisito. Conflito, portanto,
entre regras jurídicas de conflito. Na ausência de tratado, nenhum Estado
renuncia o seu critério de qualificação. Foi o que se formulou na Convenção
da Haia.
O Código de Direito Internacional Privado de Havana, art. 148, considerou
de ordem pública internacional as disposições de classe em que entra a
regra jurídica holandesa, de modo que optoú pela lei local. Não optou,
verdadeiramente, pois foi como se dissesse: “Vim resolver o conflito. Fique
o conflito !“. No art. 150, contradiz-se.

A permanência, em alguns Estados, da teoria dos estatutários, que fazia a


forma testamentária depender da lei da situação dos bens, se concernente a
bens imóveis (o que ocorre no Common Law), criou e cria conflitos; e.g., a
Chxtncery Division of fite High Court decretou a nulidade de testamento
hológraf o francês, na forma do art. 970

do Código Civil francês e feito na França, por haver nêle legado de parte de
um imóvel que o testador tinha em Londres (cf. Pepin versus Bruyêre,
1900; WILLIAMS, Principles of the Law of Personal, 17.a ed., 480). Mas o
testamento do súdito britânico, feito no estrangeiro, se recai sôbre um
leasehold, vale, se de conformidade com o Lord Kingsdown Áet; pois os
leaseholds, pôsto que sejam imóveis, entram na classe do personal est ate
(Stubberfield versus Grassi, 16 de março de 1905; WESTLAKE, Private
International Law,

6 a ed., 213 s.).

Também na Áustria a forma do testamento sôbre imóveis é sujeita à letr rei


sitae (Côrte Suprema de Viena, 15 de junho de 1900).

Cogitemos de casos ocorridos, apenas para exemplos: a) Testamento feito


na Inglaterra por Português na forma hológrafa francesa. Morre,
domiciliado na Alemanha, depois de ter adquirido a nacionalidade francesa.
Não correspondeu à lei do lugar, nem à pessoal. Porém satisfez a lei pessoal
do momento da morte. b) Testamento de Alemão, feito em Nova Iorque, na
forma hológraf a alemã. Morreu após ter adquirido a nacionalidade
holandesa, O testamento satisfez a lei pessoal do testador, mas não a do
momento da morte. Soluções: o Einfiihrungsgesetz alemão, art. 24, g~a
alínea, tem por válido o ato. Segundo a Lei suíça de 25 de junho de 1891,
art. 24, a forma da feitura e da revogação de disposição de última vontade
determina-se conforme o regime do Estado de que, ao tempo na feitura ou
da revogação, era nacional o testador. Basta, porém, a observância da lei do
lugar em que se fêz. Tal lei suíça é mais completa que a alemã, em sua
explicitude, com o favor testamenti (cf. STAUFFER, Das Internationale
Privatrecltt der Schweiz, 112).

Precisemos.

a) O que toca à unidade da lei sucessoral rege-se pela lei pessoal do


momento da morte do testador.

b)Quanto às formas prôpriamente ditas, respeitada a leis boci (facultativa),


ou a lei pessoal do momento da feitura (se permitida pela própria lei pessoal
de tal momento, porque, para alguns Estados, há a obrigatoriedade da leis
Moi), vale o testamento.

e) Quanto aos casos de qualificação especial pelo Estado da lei pessoal do


momento da feitura, dar validade ao testamento que não era válido seria
conferir à lei do Estado da nova lei pessoal eficácia retroativa. Tem-se de
distinguir a) se a leis fori é de Estado terceiro, b) se a leis fori é a do Estado
da anterior lei pessoal, o) se a leis fori é a do Estado da posterior lei pessoal.
Quanto à primeira espécie, pergunta-se: consulta-se a lei do lugar em que
foi feito o testamento, ou a lei pessoal anterior? A questão passa a ser
dependente das outras. Se há a regra jurídica alemã, o Estado da primeira lei
pessoal abriu mão da sua lei, a favor do testamento. Se não há, o ato foi
nulo, e nulo permanece. Se o fôro o da posterior lei pessoal, o Estado que
abria mão do princípio de nulidade, contra si, com mais forte razão invoca,
a seu favor, a própria regra jurídica. Se não abriu mão, a situação é mais
difícil: uma vez que reconhece a nulidade dos testamentos vedados pelo
Estado da primeira lei pessoal, então é coerente reputá-lo nulo.

O Estado da primeira lei pessoal, que estabelecia a nulidade, pode admitir


mas apenas em regra jurídica excepcional que o Estado da segunda lei
pessoal determine a validade.

O Estado terceiro tem de consultar a solução do Estado da lei pessoal ao


tempo da feitura quanto a ser válido o testamento, e a do Estado da lei
pessoal ao tempo da morte no tocante ao testamento não válido ao tempo
em que se fêz.

O que acima se disse é invocável para o testamento hológrafo que, na


espécie, suscita dúvidas, e para o testamento nuncupativo.

10. TESTAMENTO NUNCUPATIVO. O Código Civil brasileiro, art.


1.629, reconhece três espécies de testamentos ordinarios; e depois aponta as
formas instrumentais de cada uma. Pergunta-se: ~vale o testamento oral
(não público), feito, pela pessoa cuja lei pessoal é a brasileira, em Estado
que o admita? Afirmativamente, A.

WEIss (Traité théorí que et pratique de Droit international privé, IV, 633) e
BUZZATI (L‟Autorità deile Leggi straniere relative allo forme degli atti
civili, 400 s). Negativamente, P. FioRE (Diritto internazionale pnvato, IV.

205) : a questão envolve a da existência, ou não, de um testamento; se


existe, há sucessão testamentâria~ se não existe, são chamados os herdeiros
legítimos (ou os de outro testamento, digamos). O problema toca à
substância do ato jurídico. A capacidade é o principal requisito da
existência e eficácia legal da vontade declarada, porém não é o único.
Assim como é pressuposto intrínseco, para o cego, determinada forma,
também a lei pessoal impõe às pessoas as espécies de testamento que ela
reconhece. Tal o pensamento de P.

FIORE (IV, 207).

O argumento a respeito da herança legítima é fraco. No tocante ao outro


testamento (o que acrescentamos), é forte. Mas o problema muda de figura,
porque se trata de revogação. Pôsto de parte o problema da revogação por
testamento nuncupativo em Estado que o admita, ao contrário do que se
passa no Brasil, cogitemos do testamento nuncupativo feito no estrangeiro.

Se ambas as leis, a pessoal e a local, não têm o testamento nuncupativo,


parte da questão está eliminada. O
testamento não vaie. Resta a espécie do testamento nuncupativo feito em
Estado que o admite contra a lei pessoal do testador.

Depois de condená-lo, a Itália deu validade ao testamento oral do Italiano


feito no estrangeiro (P. Frrozzí, Successione, Digesto italiano, 22, 825 s.).
No mesmo sentido, a Alemanha (E‟ntsck., VIII, 222). No direito
internacional privado dos dois Estados europeus, o nacional pode testar no
estrangeiro, nuncupativamente, conforme a leis loci.

No direito internacional privado brasileiro, o domiciliado no Brasil não


pode testar, nuncupativamente, no estrangeiro. Tal foi a solução de CLóvís
BEVILÁQUA (Código Çivil comentado, 1, 128), porém com fundamento
na incapacidade, questão vencida (FRANZ KAHN, Gesetzeskollisionen,
Jherings Jahrbiicher, 30, 48; D. ANZILoTTI, Studi Critici, 253 s.). Só seria
regra jurídica de capacidade se a lei dissesse, por exemplo, que

“não pode fazer testamento nuncupativo o maior de dezoito anos e menor


de vinte e um anos 11. “TESTAMENTUM TEMPORE PESTIS
CONDITUM”. Entre algumas legislações existe o conflito. No Código
Civil suíço, art. 506, admite-se a espécie nuncupativa, o Nottestament, se há
circunstâncias extraordinárias, que impeçam o decujo de testar de outro
modo. Trata-se de forma privilegiada, em oposição às formas ordinárias do
direito suíço (testamento público e testamento hológraf o). O testador
declara as suas últimas vontades a duas testemunhas, a que encarrega de
escrever ou de fazer escrever o que ditou. No primeiro caso, uma delas data
o escrito, indicando o lugar, o ano, o mês e o dia, assina-o, e dando-o à
outra, para que o assine.

Sem tardança, remete o escrito à autoridade judiciária, afirmando que o


testador lhes fêz as declarações, parecendo-lhes capaz de dispor e
mencionando as circunstâncias em que as receberam. No segundo caso,
prestam tais declarações à autoridade judiciária (artigo 507). O testamento
oral caduca quatorze dias depois de haver o testador recobrado a liberdade
de empregar as formas ordinárias.
No Código Civil alemão, § 2.252, o prazo é de três meses, se ainda vivo o
testador, contados da feitura.

Surgem duas questões principais de direito internacional privado. A


primeira, concernente ao prazo, e possível entre todos os Estados que
admitem o testamento nuncupativo, mas discrepam quanto ao prazo.
THFODoR

NIEMEYER (Das internationale Prívatrecht des BGB., 115 s.) considerou


aplicável a lex loci: tais prazos, sejam suspensivos, sejam resolutivos, são
imanentes à forma. Diríamos, para melhor se caracterizar a questão e limpar
de dúvidas a resposta: suspensivos ou resolu-tivos êsses prazos, concernem
à espécie de testamento e, admitida que seja, a discordância é apenas
relativa às formas da espécie. O prazo é o daquela forma por que se optou.
Na dúvida, há o princípio do folvor testamenti.

Restaria o caso, pouco provável, de uma das legislações permissivas


considerar requisito intrínseco, e não extrínseco, o prazo que estatuiu. Dar-
se-ia conflito de qualificação, que só se poderia resolver pela lez fori, se
interessada está na qualificação, ou pela qualificação que corresponda à sua
solução, se a do Estado do juiz não fôr interessada.

A segunda questão é a que toca aos Estados que expressamente não


admitem qualquer espécie de testamento tem pore pestis conditum. Se a lei
de tal Estado é interessada, trata-se de admissão ou de não-admissão da
espécie testamentária Se a lei de tal Estado não é interessada e os dois ou
mais Estados em conflito discrepam quanto à êsse ponto, a lex fori, pessoal
ou não, tem de resolver conforme a lei que coincida com a sua. No caso
especial do Brasil, não se poderia dar ganho de causa a Estado que admita o
testamento nuncupativo contra outro que tenha, no conflito de qualificação,
como violadora do requisito intrínseco, ou como contrária à ordem pública,
tal espécie testamentária. Não a proibimos fora, porém não temos.

Se a lei pessoal não tem o testamento em estado de necessidade, porém não


o reputa assunto de lei exterritorial, o Estado terceiro resolve pela las, loci,
pois não houve conflito. Se O Estado em que se fêz o testamento reconhece
que o assunto escapa à lex loci, o Estado terceiro resolve pela lei pessoal.

No caso de testamento extraordinário, o Estado terceiro deve preferir a


solução da lei pessoal do testador, se vedativa; mas, se a local vedar e a
pessoal admitir, tem de indagar se essa permite a exceção à lez loci, e não se
a lei do Estado em que se fêz o testamento consente na facultatividade da
lei do lugar.

Em boa técnica legislativa, há de haver acolhimento ou maior acolhimento


pelo testamento extraordinário em caso de doença do que pelo nuncupativo
ordinário.

12.TESTAMENTO EM CIRCUNSTÂNCIAS EXTRAORDINÁRIAS.

O testamento em circunstâncias extraordinárias, como o testamento tempore


pestis conditum, é excepcional. Ésse é espécie daquele. São exemplos
principais o do Código Civil alemão e o do Código Civil suíço. Nas
legislações, continuam o testamento marítimo e o militar; e algumas, como
a brasileira, não atendem a que os testamentos em caso de acidente
insujante, como a inundação e o desamparo em matas e rios, são tão
necessários como o testamento marítimo e o militar, meras especificidades
do testamento em circunstâncias extraordinárias. Não se fala no testamento
em viagem aérea, se o aviador ou o viajante não pode escrever, ou não há
tempo, nem testemunhas. Todavia, para o militar-aviador, tem de ser
admitido o testamento militar. Adiante volveremos ao assunto.

13.TESTAMENTOS DE MILITARES, MARINHEIROS E VIAJANTES.


Pode dar-se, mas dificilmente, pela generalidade da admissão do testamento
em caso de batalha, similar dos testamentos romanos discordância das leis
quanto a) à permissão da espécie, ou b) quanto à permissão da
nuncupatividade ou da simplificação da forma escrita ou de outros
requisitos extrínsecos.

Suposto que o conflito de qualificação seja concernente àprópria espécie,


prevalece, se interessada, a lez fori; mas, se um dos Estados não é o da ler
fori, tem-se de distinguir: prevalece a lei que coincide com a do Estado da
ler fori; se nenhuma coincide, no estado atual do direito internacional
privado só o favor testamenti é aconselhado. Quanto à revogação, há outros
princípios e não se poderia invocar para o ato revocatório o favor
testamenti.

Se o conflito concerne à admissão da nuncupatividade, de ordinário a forma


é que está em causa, e não a espécie: a espécie supós o testamento em sua
qualificacão subjetiva (soldados, marítimos) e ocasional (tempo de guerra,
viagem de mar) ; tudo mais é de natureza extrínseca, salvo se um dos
Estados eleva as formalidades à categoria de requisito intrínseco.

Se o discrepar somente recai em particularidades da escrita, o princípio


locus reqit actum é que resolve. Salvo, o que é pouco provável que ocorra,
se um dos Estados faz de alguma delas requisito intrínseco. Aforado no
Brasil tal testamento, a solução é a favor do ato jurídico, porque a ler fori
não exige, quanto à escrita, com caráter intrínseco, essa ou aquela
formalidade. Bem diverso do que se daria com outro Estado que só-mente
admitisse o testamento privilegiado como subespécie do testamento
público, considerada intrínseca, e não forma extrínseca, a presença de
determinada autoridade.

Temos, assim:

a) A respeito do testamento militar, em batalha ou em atos de guerra, a


questão toma aspecto especialíssimo: o Estado terceiro, que reconheceu a
beligerância, não pode pretender que o Estado A respeite a lex loci do
Estado B: o militar em serviço leva consigo a sua lei pessoal e a lei de sua
milícia; a lex loci é a que resulta dos seus próprios atos (aqui estou, aqui
está o meu Estado). Fato parecido com o dos cônsules.

b) Quanto aos navios de guerra, o intrínseco e o extrínseco obedecem à lei


do Estado a que pertence o navio. A ler loci coincide com a lei pessoal. É
de exterritorialidade que se trata.

Há subespécies: a) No caso de ocupação de Estado estrangeiro, ou de águas


internas, não há exterritorialidade; há perda de posse, talvez definitiva, em
virtude de entrada contra a vontade do outro Estado. b) Se houve
autorização para a entrada, isto é, consentimento do govêrno local, alguns
autores, e com êles ou sem êles, o costume entenderam que as tropas
estrangeiras escapam à jurisdição do Estado local: os próprios delitos e
crimes de direito comum são reprimidos pelo chefe militar, mas, se contra
os habitantes da região, são competentes os juizes locais. Quanto ao direito
de testar dos que fazem parte da tropa, vale o testamento extraordinário que
obedeceu a lei pessoal, ler patriae, ainda quanto ao extrínseco.

O militar pode testar com alguma das formas ordinárias, observada a lex
loci. A ocupação consentida não torna o ocupante pessoa escapa à lei local,
se essa pessoa se submete ao direito local. A regra é que êle não se submete
à jurisdição civil do território ocupado.

No alto-mar fora das águas territoriais os navios Inercantes só têm uma lei:
a do pavilhão. Nas águas territoriais, a ler boi é a do Estado em que se acha.
Mas, no caso dos testamentos, desde que o testamento se faça a bordo, vale
conforme a lei do pavilhão. Para a forma excepcional, têm de ser satisfeitos
os requisitos legais, e o art.

1.656 do Código Civil somente se refere a “viagem em alto-mar”; porém,


retirados os ferros e tendo partido o navio, está figurada a viagem de alto-
mar. Ou, em geral, se não pode descer o testador.

14. TESTAMENTO CONJUNTIVO. Excluem tal forma testamentária o


Código Civil francês, art. 968, e as legislações. que nêle se inspiraram (cf.
Código Civil holandês, art. 977, espanhol, arts. 669 e 733; argentino, art.

3.618; brasileiro, artigo 1.630; chileno, art. 781; mexicano, art. 3.246; e
peruano, art. 706).

~ máxima bocus regit actum rege o testamento conjuntivo, ou é assunto


para a lei pessoal? Na jurisprudência francesa há decisões pró e contra a ler
loci, porque, disse-se, a proibição está no Código Civil onde se cogita das

“formas Na doutrina alemã, há quem repute forma (L. VON BAR, Theorw
und Prazis des internationalen Privatrechts, fl, 2a ed., 329; ERNST
ZITELMANN, Internationales Privatrecht, II, 154), e éo que sempre
ocorre. Contra, o Reichsgericht, a 24 de abril de 1894.

Quando o Brasil permitia o testamento conjuntivo, a Côrte de Cassação de


Florença considerou válido o testamento conjuntivo feito no Brasil, sendo
Italianos os testadores, embora a lei pessoal o proibisse (Código Civil
italiano revogado, artigo 761).

O que rege a admissão ou a repulsa do testamento conjuntivo é a lei


pessoal. Ficam duas questões: a) se os testadores podem testar
conjuntivamente em Estado que o não reconheça, se a lei pessoal tem tal
testamento; b) se, feito no estrangeiro o testamento conjuntivo, por
estrangeiros, a ter fori pode invocar a ordem pública para lhe negar
cumprimento. A questão a) depende, preliminarmente, da forma seguida e
permitida: se testamento público, o oficial público tem de invocar a lei que
o proibe; se testamento particular, o Estado da ler loci, a despeito do que se
lê no Código de Havana, art. 148, não está interessado, pois que se trata de
duas pessoas cuja lei pessoal é outra, ou cujas leis pessoais são outras. A
invocação de ordem pública internacional seria de sérias conseqúências, de
que adiante falaremos.

No caso especial do Código Civil da Venezuela, art. 824, a conjuntividade é


somente forma, de modo que é aceitável a ler boi. Mas seria preciso que as
disposições testamentárias não ofendessem a lei pessoal. Poder-se-ia tratar
de dois testamentos num só. Ao juiz caberia apreciar a espécie, sendo
aconselhavel o favor testamenti. Se o testamento duplo contém
reciprocidade ou correspectividade que ofenda a lei pessoal (se bem que a
lei venezuelana o permita), a esfera da ler boi foi excedida, a
conjuntividade não é só formal, e não se justificaria invocar-se o favor
testamenti.

15. CONTRATO DE HERANÇA. O contrato de herança éregido pela lei


pessoal. Se algo se alega de ordem pública, a questão desloca-se. Se
admissível, a forma é a do actum, se só o Estado estrangeiro o admite. Se
ambos o admitem, a ler boi rege os requisitos extrínsecos, facultativamente.
16. ORDEM PÚBLICA EM MATÉRIA DE FORMA
TESTAMENTÁRIA. A ordem pública é medida interna, invocável contra
quem quer que seja ou contra o que se ache no território do Estado
interessado.

Se dividimos o conceito em ordem pública internacional e ordem pública


interna, temos: a) atos que dependem da feltura ou efeitos no território; b)
atos que seguem a pessoa, Terminologia, como dissemos no Tratado dos
Testamentos (1, 396), censurável. A regra jurídica bons regit actum é
facultativa, de modo que a proibição, por exemplo, dos contratos de
herança, que se façam entre pessoas não sujeitas à lei brasileira, sem
consequências no regime sucessoral do Brasil, não os põe de parte,
arbitràriamente, por invocação de ordem pública.

Diga-se o mesmo quanto ao testamento conjuntivo, O Código de Havana,


art. 144, incluiu a proIbição do testamento conjuntivo como de ordem
pública internacional, em vez de a reputar, como seria certo, de ordem
pública interna.

A validade do testamento conjuntivo obedece à lei pessoal dos testadores,


ou às leis pessoais dos testadores. A ordem pública não é óbice (Tribunal
Departamental da Haia, 19 de fevereiro de 1924). Nem podia deixar de ser
assim: se de acôrdo com a lei pessoal, como é o caso do Código Civil
alemão, já se cumpriu a parte testamentária do cônjuge premorto, seria
absurdo deixar-se de cumprir a do segundo, que em vida não revogou o que
testara (nem podia revogar, cf. § 2.271, alínea 2,~) e recebera o que herdou
do primeiro falecido.

A interpretação da ler boi, que nada tem com a substância do ato jurídico,
para, com invocação de ordem pública, considerar-se nulo o testamento,
que ou se tornou irrevogável pela morte do primeiro, ou constituiu as
últimas vontades de ambos, seria atentado à liberdade das pessoas, com a
frágil e falsa argUição de ofensa à ordem pública, a favor de tal liberdade.

A proibição de testar hologràficamente, se, em geral, éde ordem pública


internacional, salvo reconhecimento da facultatividade aos estrangeiros, é
conseqúência regular do caráter não-obrigatório da ler boi (lei pessoal
cogente

± lei local facultativa = permissão).

As formas dos testamentos públicos obedecem, inexcetuadamente, à lex


boi: não como limite à facultatividade da regra jurídica bons regit actum,
porém como princípio de ordem pública internacional. Nos consulados, nos
navios de guerra e outros lugares em que a exterritorialidade existe, a lex é
que provém da permissão estatal ou da exterritorialidade, pois que ocupam
território de outro Estado.

Quando surgiu a legislação soviética, houve quem a reputasse “bloco


legislativo indesejável” (SORéNDORI‟, Was ist heute unter “russisebem”
Recht zu verstehen, Douteche Juristcn-Zeitung, 25, 805 s.). E era a opinião
mais generalizada. Mas seria estender demasiado longe a noção de ordem
pública a rejeicão de tôda unia legislação. Se há razão para ser invocada,
tem de ser dita em cada caso. Em Circular n. 194 do Comissário de Justiça
do Povo, de 26 de setembro de 1923, falou-se de inaplicabilidade no
estrangeiro. Mas, ainda nesse caso, haveria a questão do testamento feito na
Rússia com as formalidades soviéticas e a de outro, feito, por exemplo, por
Brasileiro, com as formalidades da lei pessoal. Mesmo ao tempo era que
ainda não se reconhecera o govêrno soviético neo se poderia obrigar o
Brasileiro a não testar: se utilizou a forma da lei pessoal, fê-lo bem, pois a
regra jurídica bocas regit notam é facultativa; se recorreu à forma do direito
soviético, seria solução violenta considerar inválido tal testamento, sem
haver razão do ordem pública. O Estado russo era lã e o Brasileiro, que quis
testar, achava-se lá.

O reconhecimento do govêrno é elemento para a _exterritorialidade, mas


seria rigor político excessivo excluir-se a aplicação da ler boi, maximé se
outra forma seria impossível, ou perigosa, para o Brasileiro ausente. havia,
todavia, um ponto de significação especial: a sucessão pelo Estado soviético
era impossível. Os bens seriam “tens de ausentes” e o Estado do juiz
recolhe-los-ia. Mas, aqui, incide principio geral de direito sucessoral
internacional: o Estado não pode recolher herança em outro Estado, seja a
título de herdeiro, seja como sucessor de bens vagos. Pode herdar
testamentàriamente. Assim decidiu, acertadamente, com o Uruguai
(Govêrno Uruguaio versas Fournier, Sena, 11 de marco de 1899) ; mas, por
se tratar de testamento, diferente a solução quanto ao Estado grego (caso
Zappa, na Rumania).

17.ATO PESSOAL DO TESTAMENTO. O testamento é ato


pessoalíssimo. Ninguém o faz por outro; nem representante, legal ou
voluntário, pede fazê-lo em nome do testador, ou pelo testador. O principio
é, por bem dizer, universal. Ainda assim,a possibilidade de conflito de leis
sugere que se ponha a questão: ~a exclusão da representacão (e da
presentação) rege-se pela lei pessoal ou pela ler boi? Noutros têrmos: ~ a
pessoalidade do ato é requisito intrínseco ou requisito extrínseco? A lei
pessoal é que há de dizer se a proibição da representação foi no tocante à
exterioridade da manifestação de vontade, e então refere-se à forma, que a
lei do tempo e a do lugo.r há de reger; ou se proibiu que se tirasse ao ato
mesmo a pessoalidade, e então o extrínseco é regido pela lei do dia da
morte e pela lei pessoal (cf. E. HABICHT, Internationabes Privatreokt, 87).
Por exemplo: segundo os

§§ 2.238 e 2.064 do Código Civil alemão, o testador tem de entregar o


escrito para o testamento público, e isso, pai~a o direito alemão, é forma, de
modo que, em Estado cuja legislação permitisse a entrega por mão de
outrem, o Alemão testaria vâlidamente, preferindo a ler boi
(Eiafiihrungsgosetz, art. 11, alínea 2~a, parte 2.~).

A despeito de tal distinção, o Código de Havana, art. 148, considera de


ordem pública internacional o princípio que declara ato pessoalíssimo o
testamento. Duplo êrro, porque terri torializou o que não devia ser
territorializado e não atendeu a que, se há a facuitatividade da ler boi e
sendo extrínseco o requisito é sem razão de ser a violência que estabelece a
invalidação do ato em que se optou pela lei pessoal.

18. CAsos DE REENVIO. A doutrina do reenvio apareceu na Inglaterra no


caso Colher versas Rivaz (Côrte de Canterbury, 184; LOP.ENzEN, Cases in
ConfUcts of Law,
2 a ed., 827 a propósito dê testamento feito na Bélgica

por Inglês, que ali era domiciliado. A lei belga tinha-o por válido; a lei
inglêsa, não; mas a Côrte inglêsa admitiu o reenvio.

Austríaca, domiciliada em Hamburgo, fêz o testamento na forma do Código


Civil alemão, § 2.238, isto é, entregando escrito ao notário, perante duas
testemunhas. O pai da herdeira instituída foi uma das testemunhas, o que,
para o sis tema jurídico alemão, é causa de nulidade. A Côrte de Hamburgo
só atendeu ao art. 11 do Einfiihrnngstiesttz; e o Reicltsgericht, a 17 de
dezembro de 1912, lho censurou, por ser a lei que rege a relação jurídica a
que rege a forma; se a lei, de que se trata, ignora a regra jurídica bocus regit
actam, tem de ser aplicada a lei do ato, e não a do lugar. O intuito foi o de
reenviar.

O reenvio, que, em muitas espécies, valida, para reforçar o favor testamenti,


por vêzes o desfaz. No Caso Sanchez, nova iorquino domiciliado em Paris,
com testamento na forma da lei pessoal, o ato jurídico na França foi julgado
nulo, porque havia de seguir a lei francesa (E. POTU, La Question riu
flenvoi eu droit international privé, 62).

O problema consiste no seguinte: se a regra jurídica do Estado A considera


incidente a lei do Estado B ou C, contra o que o Estado B ou o Estado C
estatui, ~deve aplicar-se a lei do Estado B ou C, ou respeitar-se a lei que o
Estado A teve como a aplicável? Noutros têrmos: ~ respeita-se a lei do
Estado A, ou a sua regra de direito internacional privado? O conflito pode
ser positivo ou negativo. Se é positivo, não há outra solução que não seja a
da ler fori, salvo se essa afasta a própria ligação (e.g., Einffthrungsgesetz,
art. 28, se os bens se acham fora da Alemanha; jurisprudência italiana,
quanto a imóveis da sucessão do decujo italiano, fora da Itália). Se
énegativo, o Estado B ou C ou D (terceiro) atribui ao Estado A competência
que êle não tem: há algo como espécie de direito supranacional
(supraestatal) conforme frisa L. VoN BAR (Rapport, Aunuatre de l‟Institut
de Droit international, 1900, 155), contra a regra de direito internacional
privado do Estado A.
Adversários da teoria do reenvio vêem nela pretexto para estenderem os
juizes a própria jurisdição (A. PILLET

et J.-P. NIEox‟ET, Manuel dc Droit Internationãl privé, 379). Nos Estados


Unidos da América, se J. BEALE (A Treatise on The Confiict of Laws or
Frivate International Law, 77) disse não existir o reenvio, não é o que se
tira do livro Testative Draft, n. 2 Conflict of Laws, do American Law
Institut (10).

As Convenções da Haia não admitiram o reenvio. Aliás, se há convenção


internacional, com regras jurídicas de coiíflito, afasta-se o reenvio.

Os Tribunais italianos resistiram à teoria do reenvio; mas houve exemplos,


e.g., caso Kemot (Côrte de Cassação de Nápoles, 5 de janeiro de 1920) e
caso Savage Landorf (Côrte de Apelação de Florença, 23 de janeiro de
1919).

a) A Côrte inglêsa julgou bem, no caso Colher versus Rivaz; aplicou bem a
regra jurídica locus regit achem, sem no dizer e antes de essa se haver
afirmado. No fundo, in Iavorem testamenti.

b) Admitida, quase universalmente, a regra jurídica bens regit actum como


facultativa, é acertado presumir-se que se optou pela lei da forma válida.
Aqui, não há reenvio; há presunção. Mas, ainda que tal presunção não
exista, o êrro de direito, quanto à forma, pode permitir o julgado vahidante

e) Deve-se sempre reenviar quando a lei estrangeira não diz, claramente,


como se há de resolver a questão.

d) Se, no conflito negativo, o testamento satisfaz a uma das leis, impõe-se a


presunção de que as leis, não o prevendo. admitem a solução, ou a escusa
do error inris.

Donde: se positivo o conflito, a boi fori; se negativo, e nulo para ambas as


leis o testamento, nulo é; se negativo o conflito, e válido para uma delas, há
o favor testamenti, ou a escusa do error inris. Mas, se, nulo para ambas as
leis, pode ser-lhe favorável a facultatividade da regra jurídica bons regit
actum, a lez fori não pode deixar de considerar válido o testamento, a
despeito de não o considerá-lo como tal a lei pessoal (caso de quem tem por
lei pessoal a de Estado sem a regra jurídica bons regit actum ou a interpreta
como obrigatória). Donde a solução: a facultatividade da regra jurídica bons
regit actutn há de ser atendida, por ser de ordem pública internacional; no
Estado do fôro, o testamento podia ser por uma ou por outra lei.

19. FORMA TESTAMENTÁRIA NO DIREITO INGLÊS. A vahidade


do testamento relativo a bens imóveis situados na Inglaterra regula-se, ainda
quanto à forma, pela lei inglêsa. (Pepin versas Bruyêre, 1902). Quanto aos
bens móveis, a lei do domicílio do testador, no momento da morte (In re
Price, 1900).

O testamento do súdito britânico, feito no estrangeiro, ou o seu codicilo, se


o objeto é o personal estate, compreendidos os leaseholds, pode ser
homologado se satisfaz uiha das seguintes formas: a) a da lei do lugar da
feitura; b) a da lei do domicílio do testador no momento de testar; o) a da lei
da parte dos His Majesty‟s Dominions onde o testador tinha o domicílio de
origem (Wills Ad, 1861, art. 1; quanto aos leaseholds, Re Grassé, 1905).

Quanto aos testamentos dos Inglêses feitos no Reino-Unido, qualquer que


tenha sido o domicílio dêle ao tempo da feitura ou da morte, vale e é
admitido ao probate se satisfaz os requisitos da lei em vigor na parte do
Reino-Unido em que se fêz (Wills Aet, 1861, art. 2). Donde se tira, c
ontrario sensu, que o testamento do estrangeiro, domiciliado no Estado que
lhe dá a lei pessoal, se feito em tal Estado de conformidade com a lei
inglêsa, que não seja suficiente para o Estado estrangeiro, é nulo (Gooris of
von Buseok, 1881), ainda que o domicílio de origem do estrangeiro tenha
sido britânico (Bloxam versus Farre, 1833).

Quanto às formalidades da designação testamentária, appointment, é de


observar-se: o poder de dispor de bens móveis por testamento, conferido
por settbemertt inglês, deve ser em testamento, redigido, seja segundo as
formas da lei do domicilio do testador no momento da morte, mais as
formalidades impostas pelo settlement, se as há, seja segundo as formas
testamentárias do Wills Ad de 1837, art. 9 (D‟Huart versns Harkness, 1865;
In re Price, 1900; Barreto versus Yung, 1900; Be Walker, 1908). No último
caso, será válida a execução do power, ainda que o ato seja nulo como
testamento perante a lei do domicílio do testador (Goods of Hallyburton,
1866; Goods of Hubu, 1896). Cf. Wilbs Aot de 1837, art. 10.

§ 5.863. Direito intertemporal e forma

1.PRINCÍPIO DE DIREITO INTERTEMPORÂL E FORMAS


TESTAMENTÂRIAS. No direito intertemporal, rege o princípio tempus
regit aotum. Lei do tempo e do lugar rege a forma, o extrínseco do
testamento. Lei da sucessão e lei do dia da morte rege o intrínseco. Os
vícios de vontade escapam àquela; não são forma.

Como em direito to intertemporal, que o cego, o surdo-mudo, isso podem,


saindo do formais intrínsecas.

Internacional privado, muito há, no direito é requisito intrínseco. E.g., o


analfabeto, que não são incapazes de testar, nem por lugar da lei pessoal,
escapar a exigências Quando a lei veda ao cego o testamento cerrado e o
particular, tal proibição não é limitação da capacidade testamentária (cf. G.
EIÇRRORN, Das Testament, 3? ed., 127), e sim limitação quanto ao uso da
forma. Mas pode ocorrer que o Estado a qualifique diferentemente e tal é a
qualificação por alguns Estados; então, se não é admissível que se trate de
capacidade, forçoso é que se lhe reconheça o caráter de intrínseco.

O direito intertemporal tem de afastar-se da solução corrente para outros


casos, pelo exercício que já se supôs do direito de testar. Sendo subjetiva a
razão de mudança, devemos julgar válido o testamento que observou a lei
anterior. À semelhança da regra jurídica sôbre capacidade. Elementos,
como êsse, de subjetividade, que não concernem à capacidade de direito
(sempre regulada pela lei do momento da morte), são como se fôssem
limitações à capacidade de exercício, exceções

portanto do principio anteriormente exposto de se reger o extrínseco pela lei


do tempo do ato e o intrínseco pela lei do tempo da morte.
2. ESPÉCIES DE FORMAS TESTÁMENTÁRIÂS E DIREITO
INTERTEMPORAL. Adotada pelo testador uma das espécies do
testamento, que a lei do momento permite, só essa lei rege a validade
formal do ato. Não cabe distinguir-se se o testador podia, ou não, revogá-lo:
usou do seu direito. Mas há forma externa e forma interna. Se, quanto
àquela, é pràticamente pacífica a doutrina, não se dá o mesmo quanto a
essa. Por isso, devemos separar os casos, por exemplo, do testamento
hológrafo, que a lei A permite sem testemunhas e a que a lei B exige cinco,
e os outros, de forma interna, como no direito brasileiro, o do testamento
conjuntivo do direito anterior, que o Código Civil proibiu.

No direito romano, a L. 29, O., de testamentis quemadinodum testamenta


ordinantur, 6, 23, e a Novela 66

estabeleciam a exclusividade da lei do momento da feitura, em se tratando


de forma externa. Na Novela 66, Caput 4, disse-se que deviam regular os
testamentos as leis antigas, porque “neque omnia in nostra potestate sunt,
neo semper aliquis tempus testandi babet”.

A lei antiga foi a imposta pela Ordenança francesa de 1735, art. 50, e outras
leis francesas, pelo § 12 do Patent do Aligemeines Preussisefles Landrecht,
pelos incisos V do Kundmach,ungspatent austríaco e II, § 37, do
Ávitidtdtspatent de 29 de novembro de 1852 (no direito austríaco, sem
distinção entre forma interna e forma externa), pelas Ordenações do
Hannover de 1814, §§ 25 e 72, de Brema, § 17, de Oldenhurgo, § 9, pela
Ordenança transitória prussiana de 1814, § 6, pela Lei holandesa de 1.0 de
outubro de 1883, art. 3, pelas Lei transitoria estense de 1852, art. 17, e
saxônica de 1863, art. 23, e pela Lei italiana de 1865, art. 23.

Vacilou a jurisprudência francesa. E a belga. A italiana, diante do Código


Civil italiano de 1866, ateve-se a lei do dia da morte do testador (contra, O.
F. GAnA, Teoria delia Retroattivitd deile Leggi, III, 3.~ ed., 336). G§NNER

(Von der rflckwirkenden Rraft eines neuen Gesetzes auf vorbergegangene


Handlungen, Archiv fiir Gesetzgebung, 1, 155) e MAILHER DE CEASsAT
(Traité de Ia Retroactivité des Lois, II, 25) insistiram em impor a lei do
tempo da morte, embora o último deixasse ao juiz apreciar circunstâncias.

3. TESTAMENTO PÚBLICO E TESTAMENTO CERRADO. O

oficial público tem de observar a lei do Estado que lhe determina as


funções. O que é intrínseco rege-se pela lei do tempo. A revogação ou a
simples derrogação de algum artigo de lei, que regulava formalidade
essencial (ou que a criara), pode ter consequências graves. Na dúvida, é
aconselhável a satisfação do que se exigia.

A Relação de Lisboa, a 23 de abril de 1873, julgou válido testamento


cerrado, feito antes do primeiro Código Civil português, por pessoa que não
sabia ler, nem escrever. O Código Civil, hoje revogado, se, no art. 1.764,
parágrafo único, proibia o testamento cerrado aos cegos e aos que não
podiam ou não sabiam ler, continha regra jurídica de direito inter-temporal,
tida como satisfatória (art. 1.762). A regra jurídica só se referia às
formalidades externas. Dai a censura de JosÉ DIAs FERREIRA (Código
Civil português anotado, IV, 182 si.

4.TESTAMENTO PARTICULAR. O testamento particular há de ter a


forma da lei do tempo. Na ocasião em que se fêz, fêz-se bem. Por isso, está
feito para hoje e para mais tarde.

São exigências de forma externa no direito brasileiro: a) ser todo escrito


pelo testador; b) ter cinco testemunhas; e) ser lido perante as testemunhas e
por elas assinado.

As formalidades posteriores à própria morto (e.g., abertura, se fechado;


publicidade; afirmativas das testemunhas) são as da lei do ato. Trata-se de
atos complementares, pois no momento das assinaturas está perfeito o
testamento.

5. TESTAMENTO NUNCUPATIVO. O testamento Dura-mente oral não


suscita graves problemas de direito intertemporal. No momento em que
morre o testador, quase sempre não se passou longo tempo. Se passou, não
tem eficácia. Os prazos são sempre muito curtos.
Mas pode ter havido lei nova no lapso exíguo.

A forma exterior é a do momento em que se fêz.

Surge o problema da lei nova que proibe o testamento nuncupativo. Tem-se


de precisar a qualifica çdo, em direito intertemporal, como há a qualificação
em direito internacional privado. A lei pode dizer: “não valem os já feitos”.

Se o testador podia testar por outra espécie, é razoável a regra jurídica de


eficácia imediata. Se não podia, compôs-se o direito adquirido. Testou
como podia e como somente podia. Em todo o caso, tem-se de respeitar a
qualificação pela lei. Se o testador, ao vir a lei nova, não pode testar de
outra maneira, não se lhe pode ferir a liberdade de testar.

6. TESTAMENTO CONJUNTIVO. Antes do Código Civil, a doutrina


admitia o testamento de mão comum.

Perguntou-se: morto o testador após a incidência do Código Civil (digamos,


em 1917) ~valia o testamento?

CLOVIS BEVIÁQUA (Parecer, Revista Jurídica, 16, 74 s.) considerou-o


nulo: “O testamento não se considera um ato perfeito e acabado, senão
quando morrer o testador. Até êsse momento pode ser revogado. E

particularmente, o testamento conjuntivo, se não pudesse ser desfeito pelo


testador a qualquer momento, seria um pacto sucessório, expressamente
reprovado pelo direito anterior. Se o testamento não é um ato perfeito e
acabado senão desde a morte do testador, está, forçosamente, submetido à
lei em vigor a êsse tempo e não à que prevalecia ao tempo da sua facção. A
lei respeita o ato perfeito, isto é, o já consumado segundo a lei vigente ao
tempo em que se efetuou. Mas o testamento, de que se trata, não pode
considerar-se consumado, no momento em que foi redigido. É da sua
essência a revogabilidade, porque é um ato mortis causa, é uma disposição
de última vontade, e a última vontade só é possível determinar quando o
testador, com a morte, cesse de querer”, O êrro vem de C.F. A. KÕPPEN e
influiu em CLÓVIS BEVILÁQUA.
Há duas noções que aparecem confundidas: a de revogabilidade, cujos
efeitos são no momento da morte e permite ter-se como sempre refazível o
ato testamentário, e o do regra~ mento legal, que é, quanto à forma e à
capacidade, o do momento da testamentificação. Feito o testamento, não há,
com a lei nova, de ser atingido.

O testamento conjuntivo não é só forma. Se o fôsse, feito antes da lei que o


proibe, valeria ao tempo da morte e depois. Via de regra, é forma e fundo:
contém disposições simultaneas, recíprocas ou correspectivas, o que é
objeto da lei de sucessão, e são apreciáveis no momento da morte do
testador; a forma, o extrínseco, há de reger-se pela lei da feitura, no tempo e
no espaço.

Na jurisprudência brasileira, o Tribunal de Justiça de São Paulo, a 5 de


dezembro de 1919, decidiu pela nulidade do testamento conjuntivo, feito
antes do Código Civil (1916), se na vigência dêsse faleceu o testador. Foi
escusada a critica contra tal decisão, crítica que se baseava em estar perfeito
o testamento no dia da feitura.

Diante de testamento válido conforme a lei do tempo em que se fêz, a


capacidade do testador e o que concerne a circunstâncias subjetivas só
excepcionalmente se rege pela lei antiga.

7. TESTAMENTO DE MILITARES, MARINHEIROS E VIAJANTES DE


ALTO-MAR. Rege o princípio tem pus regit actum: feito, vâlidamente,
continua valendo. É diminuto o interêsse das questões, porque, pela
exigência generalizada nos sistemas jurídicos, de prazo de eficácia assaz
restrito, de ordinário há a caducidade antes de qualquer conflito
intertemporal.

Doutrinàriamente, se, morto o testador, não se esgotou o prazo, não incide a


lei nova. Se, ainda a correr, vivo o testador, a lei nova o encurtou, não se há
de apressar, mesmo na ausência de regra jurídica especial, o prazo que
corria. Mas é de supor-se que tal decurso, o que é o quod plerum que fit, é
exigência só imanente à forma. Se a lei nova proibiu a espécie, não se pode
violar o direito adquirido.
No caso de lei nova, que estende o tempo da eficácia, não se pode dizer que
dela não se beneficiem os testamentos cujo prazo ainda não correu.

8.TESTAMENTO “TEMPORE PESTIS CONDITUM”. Com o testamento


tem pore pestis conditum dá-se o mesmo que se disse sôbre o testamento
nuncupativo e os especiais. Quanto aos requisitos extrínsecos, rege-os a lei
do momento em que se faz (tempus regit actum). A lei nova vedativa
esbarra na circunstância de haver testado o decujo e já não poder obedecer a
nova lei. Tratar-se-ia de efeito retroativo, que se não há de tolerar.

9. CONTRATO DE HERANÇA E DOAÇÕES A CAUSA DE MORTE.


Rege a forma do contrato de herança e das doações mortis causa a lei do
tempo em que se concluem. A lei nova não pode, retroativamente, destruir a
eficácia. Nem o contrato de herança nem as doações a causa de morte estão
sujeitos à lei de sucessão, salvo no que o direito sucessório tem de
preponderar. Por outro lado, não há a revogabilidade plena que caracteriza
o testamento. A lex boi rege a forma (II. HABICHT, Die Einwirlcung des
13GB., auf zuvor entstandene Rechtsverhii.ltnisse, 3ª ed., 767; F.
AFFOLTER, Das Intertemporale Reckt, II, 340).

10.CONVALESCENÇA E DIREITO INTERTEMPORAL. <„,A lei nova


pode convalidar o testamento feito sob a lei anterior e inválido por defeito
de forma? (Afirmativamente, a Ordenança oldemburguesa de 25 de julho de
1814, § 9; A. MAILHER DE CHASSAT, Traité de la Retroactivité des
Lois, II, 27; contra, GRANDMANCHE

DE BEAULIETJ, De l‟Êtendue de l‟Autoritê Lois, 85 5.; J. KALINDERO,


De la Non-retroactivité des Lois. 119; V. VITAL!, La Forma dei Testamento
italiano, 157). A jurisprudência é hostil.

Os principais argumentos são os seguintes: a) Argumento contra a


convalescença formal: o testamento a que faltava formalidade necessária,
era nulo, e nulo há de continuar.

b) Argumento a favor da convalescença: se o testador, que nulamente


testara, sabia-o nulo, mas conheceu a lei nova e achou não ser preciso
(MAILHER DE CHASSAT, II, 29). Réplica ao argumento b) : se o testador
não rompeu o testamento nulo, sabia-o nulo, e não se preocupou com isso,
pois conhecia a lei nova (MERLIN, Répertoire, 273).

A convalescença formal seria de consequências profundas; e nas leis novas


só excepcionalmente há a finalidade de trazer à vida: o elemento político (a
técnica legislativa) estatui para o futuro, porque olha o futuro e regra o
futuro).

Por isso: a) Pode a lei, ao estabelecer algo para o futuro, tratar de atos
passados, que a regra jurídica tempus regil actum submeteu à sua
incidência. Por exemplo: “os testamentos feitos no regime anterior, se nulos
por falta de tal formalidade, convalescerão se os testadores declararem ao
juízo competente que os mantêm”; “os testamentos, feitos no regime
anterior e nulos por falta da finalidade tal, convalescerão se os testadores
não declararem o contrário aos oficiais públicos ou nao os romperem”. Aí, a
lei para GONNER (Von der rflckwirdenden Kraft eines neuen Gesetzes auf
vorhergegangene Handlungen, Arckiv fijr die Gisetzgebung, 1, 159),
MERLIN (Ré pertoire, 273) e 3. KALINDERO (De la ATon-retroactivité
des Lois, 119) é imperativa. Devemôs, porém, frisar que há dispositividade.
Trata-se de princípio geral, que estava no Preussisckes Alígemeines
Landrecht e T. D.

MEYER (Principes sur des Questions transitoires 13) reformulou. Apanha


todo o direito intertemporal Mais: sociológicamente, resulta dos índices (.
2; portanto, 2 para futuro, pela instabilidade; e 7, de quanto despótico, que
caracteriza a Política).

Surge questão sutil. Se, no intervalo, cai em incapacidade ou


impossibilidade de testar o testador, ~há convalescença? Afirmativamente a
Ordenança prussiana de 1814, V. VITALI (La Forma del testamento
italiano, 188), que afirmou nao caber distinguir-se se a incapacidade
começou antes ou depois da lei nova, e F. BIANCrn (Corso elementare di
Codice Civile italiano, 123).

Se a lei sanatória exigia ato positivo para a convalidação e ficar provado


que o testador tinha o animus conservandi e somente por impossibilidade
física ou psíquica não providenciou, ou, depois de haver testado e antes de
extinto o prazo da lei nova, caiu em incapacidade, tudo se reduz a dupla
interpretação: ou o ato positivo seria formalidade formal ad essentiam, que
se não poderia suprir por outras provas da intenção do decujo, ou a prova da
intenção é, por si, um dos meios de prova de revalidação. Se quem testou
tinha, ou não, o intuito de impor como eficaz o testamento, depende, ai, das
provas.

b)Se a lei não exige qualquer ato do testador, por ter considerado contra os
princípios gerais o que a lei anterior estabelecia, valem quaisquer
testamentos a que ela se refira. Tal atitude legislativa é rara.

Para a convalidação dos negócios jurídicos, inclusive a dos testamentos, é


preciso: a) ou que o ato do figurante seja reconhecido pelo sistema jurídico
como suficiente para o efeito; b) ou que tenha corrido o prazo, se pela lei
considerado convalescente. Se o testador revogou apenas a revogação de
um testamento, ou de alguma disposição, não se trata de convalescença, se
o testamento volta a ser eficaz, cf. AUGUST SCHULTZ, Die
Konvalescenz des 13GB., 27.)

Quanto às formas testamentárias, só se pode cogitar de convalescença que


decorra de princípio superior ao que regia o negócio jurídico. Por exemplo:
eram nulos os testamentos que os testadores fizeram em região inundada,
por só figurarem nêles três testemunhas. Diante dos casos que foram
muitos, pode o legislador estatuir, excepcionalmente: “Os testamentos feitos
durante a última inundação, na região tal, ainda que não tenham tido a
assinatura de cinco testemunhas, têm-se por válidos.

Você também pode gostar