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2010 - Curso de Direito Imobiliário - Ed. 9 - HÉRCULES AGHIARIAN
2010 - Curso de Direito Imobiliário - Ed. 9 - HÉRCULES AGHIARIAN
de Direito Imobiliário
Editorial
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Editores
João de Almeida
João Luiz da Silva Almeida
Conselho Editorial
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Folha de Rosto
Hércules Aghiarian
Mestre em Direito Civil pela UGF
Professor em cursos de pós-graduação
Curso de Direito Imobiliário
9ª edição
Revista, ampliada e atualizada até a Lei nº 10.931/2004,
que instituiu novo sistema de incentivo fiscal
para a implementação do Patrimônio de Afetação,
Lei nº 11.196/2005, que instituiu a cessão fiduciária
de quotas de fundo de investimento como
nova modalidade de garantia locatícia,
Lei nº 11.481/2007, que regulamenta a ocupação de imóveis públicos,
com o fim de atender à sua função social
e demais dispositivos processuais reformadores
e a Lei nº 11.795, de 8 de outubro de 2008,
atinente aos consórcios de bens e, no que nos diz mais de perto,
de aquisição de imóveis e a Lei nº 12.112/09, que alterou a Lei do Inquilinato.
Editora Lumen Juris
Rio de Janeiro
2010
Créditos
Como recordado supra, a lei impõe, ao usufrutuário, conservar e manter a coisa disposta em seu
benefício, salvo ajuste, expresso em contrário, em que se inverta em encargo do nu-proprietário arcar
com as despesas ordinárias. Dessa forma, constituir-se-á como possível a extinção do usufruto, do
privilégio, se o beneficiário descumprir com seus deveres e obrigações, entre outras, arcar com os ônus
fiscais e de manutenção que se imponham ao bem.
Nesse sentido, a Terceira Turma do STJ, em que foi Relatora a Ministra Nancy Andrighi em recente
decisão, nessa linha de critério de que quem assume os cômodos arca com os ônus, determinou a extinção
do usufruto – na hipótese vidual –, diante da falta de pagamento, pela usufrutuária, das obrigações
tributárias propter rem, o que levaria à condição de perda do bem, em desfavor do nu-proprietário.[254]
3.3.8. Da modificação do usufruto
Há de se considerar a modificação subjetiva do direito ou objetiva do tempo ou da extensão do
direito. Assim, a pura extinção ou sucessão do direito a outro usufrutuário já privilegiado (nas hipóteses
autorizadas pelos artigos 1.411 e 1.946 do CCB) poderá dar-se por mera averbação junto à matrícula do
imóvel. Quando, entretanto, tratar-se de novo prazo, de extensão de área ou modificação do bem imóvel,
como se transferido para outra acessão edificada, Serpa Lopes, com base em Coviello, estatui que se
tratará de verdadeiro novo registro. Nesse caso, inábil a utilização do instrumento de simples averbação.
Considera, o conceituado mestre, tratar-se de novo usufruto, por atingida sua substância e, assim, exigível
o ato de registro. Mais uma vez, mantivemos o vernáculo da época da memorável edição.
“Considera-se modificação de usufruto o áto que importa numa extensão ou numa limitação da
substância do direito precedentemente constituido, produzindo uma alteração da figura juridica,
como se fôra constituição de um direito nôvo ou uma renuncia parcial (L. Coviello). Assim, por
exemplo, entre o nú proprietário e o usufrutuário estabelece-se uma convenção, por fôrça da qual o
usutruto de uma fazenda fica restrito á uma determinada área ou excetuada uma floresta, etc. Trata-se
de um áto relativo á substância do direito e que, por conseguintes, está sujeito á nova inscrição, e
não a uma simples averbação, pois versa sôbre um direito com nôvo aspecto” (mantivemos, por
puro deleite, a grafia original).[255]
3.3.9. Do imposto de transmissão sobre o usufruto
Como se trata de um direito real constituído, por transmissão, incide a obrigação tributária pelas
alíquotas de negócio oneroso ou gratuito, quer na instituição, quer quando da extinção do usufruto. No
mesmo e similar princípio do fato gerador da aquisição da propriedade. No Rio de Janeiro, considera-se
desmembrado o direito do usufrutuário do nu-proprietário e, assim, pagará o valor correspondente à
metade do valor da propriedade. Consulte-se, para tanto, as normas estaduais e municipais, tratando-se
de negócio gratuito ou oneroso, respectivamente.
3.4. Do uso e da habitação
Essas modalidades de direito real são privativas dos bens imóveis. O primeiro difere do usufruto
por não comportar a percepção dos frutos. Destina-se a qualquer finalidade. A habitação, mais restritiva,
somente comporta a finalidade que lhe dá o nome. Ambos complementam, juntamente com o usufruto, o
tríduo de direitos reais intuitu personae, por natureza.
Dispensam-se comentários, por determinar a lei que se lhes aplicam as regras do usufruto (artigos
1.413 e 1.416 do CCB).
Raro, para não se dizer inocorrente, verificar-se um contrato de uso, mais prestigiado pelo direito
público, em que o Estado, em parcerias, vulgarizou tal modalidade de privilégio na utilização de seus
imóveis dominicais em critérios de contraprestação social. Assim, essa figura é encontrada em livros de
Direito Administrativo, concebendo-se modalidade submetida ao direito sucessório e registrário.
O direito de habitação, por sua vez, continua previsto legalmente em busca de efetividade
normativa, nas situações jurídicas correntes. Em primeiro momento, quanto ao companheiro, nos termos
do parágrafo único do artigo 7º da Lei nº 9.278/96, que estabelece que “dissolvida a união estável por
morte de um dos conviventes, o sobrevivente terá direito real de habitação, enquanto viver ou não
constituir nova união ou casamento, relativamente ao imóvel destinado à residência da família”.[256] Em
segundo, com aparente menor prestígio ou mais restritivo critério de concessão, em favor do cônjuge, o
qual somente fará jus a esse privilégio se o imóvel for o único desta natureza a inventariar. Vale
reproduzir a norma, para facilitação de estudo: “Ao cônjuge sobrevivente, qualquer que seja o regime de
bens, será assegurado, sem prejuízo da participação que lhe caiba na herança, o direito real de habitação
relativamente ao imóvel destinado à residência da família, desde que seja o único daquela natureza a
inventariar” (artigo 1.831 do CCB). É verdade que a isso se acumula a condição de herdeiro, se admitido
tal direito conforme o regime de bens vigentes (inciso I do artigo 1.829 do CCB) e, dessa forma, poder-
se-á considerar o herdeiro como nu-proprietário, submetido ao poder de alienação ou reivindicação, mas
com a sequela e ambulatoriedade do titular da habitação real.
Igualmente, o número 7, do inciso I, do artigo 167 da LRP, dispensa o registro do direito de uso e
habitação, quando decorrentes do direito de família.
3.5. Hipoteca
A hipoteca constitui-se como o primeiro direito real de garantia, previsto no rol do artigo 1.228 do
CCB. Não obstante destinada sua incidência sobre estradas de ferro, aeronaves e navios, sua mais
comum ocorrência se dá em razão de imóveis, submetidos ou não ao regime enfitêutico, haja vista
menção ao domínio útil e direto no artigo 1.473 do CCB, assim como aos direitos de uso especial para
fins de moradia; real de uso; propriedade superficiária, conforme acrescido pela Lei nº 11.481/2007.
Quanto ao direito de superfície, esta obra, quando da edição do CC atual, já preconizava sua
possibilidade, adequados, por óbvio, o crédito e sua exigibilidade ao prazo do direito resolúvel. Mas a
lei insiste em normatizar o que se apreende pelo sentido jurídico comum.
A hipoteca se inicia no momento do contrato por instrumento público. Entretanto, sua eficácia erga
omnes, como crédito preferente, em favor do credor hipotecário, sobre qualquer outro, salvo os
trabalhistas, de alimentos e fiscais, como conhecido, se dá com o registro do título junto ao RI. Da mesma
forma, sua extinção se dará por averbação de documento do credor declarando que nada mais lhe é
devido, não sendo necessário documento de igual natureza.
É requisito de validade da hipoteca a especialização que implica a perfeita individualização do
bem, valor da dívida, prazo e juros. Admitem-se tantas hipotecas quantas comporte o valor do bem,
afinal, a constrição do bem é de garantia, mas a pretensão e o vínculo do credor decorrem do valor da
dívida constituída.
A preferência pelo crédito segue a regra do artigo 186 da LRP, havendo dois ou mais credores
hipotecários, será preferente o que primeiro prenotar seu título. A exceção, entretanto, está disposta nos
artigos 1.495 do CCB e 189 da LRP, que determinam preferência ao primeiro credor, se levar seu título,
em até 30 dias, da prenotação do subsequente. A regra é simples: verificado pelo registrador a existência
de hipoteca anterior, sobrestará o registro da segunda por 30 dias. Se nesses 30 dias o anterior prenotar o
seu, recobrará a preferência.
Enquanto não quitada integralmente a dívida não poderá o devedor exigir a extinção da hipoteca, em
proporção ao valor pago. A hipoteca garantia integral, e o bem, na sua inteireza, garante a obrigação.
Por fim, como rápida pincelada sobre esse vasto instituto, vale recobrar que a hipoteca como direito
real de garantia é direito autônomo em razão de outros. Assim, prevalece a característica da sequela e
ambulatoriedade. Com isso, ressalva a lei de nulidade cláusula que proíba o devedor – proprietário – de
alienar a coisa, sendo, contudo, válida cláusula de antecipação do crédito no caso de alienação (artigo
1.475 do CCB). Por outro lado, cedemos à predominante tendência pretoriana. Diante da usucapião de
imóvel gravado por hipoteca, fica afastada sequela e ambulatoriedade, devendo-se entender que a forma
de aquisição originária estaria a romper com os vínculos da garantia real.[257]
3.6. Anticrese
O saudoso jurista Caio Mário confessou em sua obra que vira um contrato de anticrese ao longo de
sua vida. Contudo, a Lei nº 9.514/97,[258] ao instituir o comentado regime de alienação fiduciária sobre
imóveis, tentou ressuscitar esse instituto. A Lei Civil nº 10.406/02, igualmente, lhe dá crédito de
sobrevida. Entretanto, inútil, ao que parece, o instituto. Entretanto, comente-se que a previsão encontra-se
no artigo 1.506 do CCB. Assim, certo credor poderá obter a posse direta de um imóvel do devedor,
percebendo os frutos para compensação de dívida.
Igualmente, o contrato será levado a registro como forma de eficácia plena e publicidade. E, por sua
vez, será cancelado, por averbação junto à matrícula.
Análise do Decreto-lei nº 58/37
1. Introdução
Sem desejarmos ocupar espaço com repetições desnecessárias, vale lembrar que o Dec.-lei nº
58/37 teve por principal escopo, além de dispor sobre a venda de terrenos para pagamento em
prestações, o de regular o compromisso de compra e venda, ato prévio, anterior ao de compra e venda,
bem como regular a forma de surgimento dos empreendimentos de loteamento rural.[259] Entretanto,
após sua edição, outros diplomas surgiram para perfeccionar esse conflito tão ocorrente entre os cada
vez mais interessados na realização de compromissos de futura aquisição imobiliária.
Assim, adveio o Dec. nº 3.079, de 15.09.38, como texto regulamentador do Dec.-lei nº 58; em
seguida a Lei nº 649, de 11.03.49, dispondo sobre a nova redação do artigo 22 do mesmo Dec.-lei,
estendendo aos imóveis não loteados o direito constante no mesmo artigo 22, ou seja, o direito à
adjudicação compulsória, inclusive os lavrados por instrumento particular; o Dec.-lei nº 745, de
07.08.69, em melhor proteção aos compromissários-compradores, o direito de serem postos em mora,
por interpelação prévia, assegurando-lhes o prazo de 15 dias para purgação da mora, o que veio a salvar
os contratos de sua natureza resolutória liberal, em favor exclusivo dos compromissários-vendedores,
que passavam imediatamente ao direito à reivindicação e liberdade à nova transação; a Lei nº 6.014, de
27.12.73, que disciplinou o procedimento judicial para as ações de adjudicação compulsória; a Lei nº
4.380, estendendo o direito à adjudicatória às cessões de direitos, nos moldes da promessa de compra e
venda; o Dec. nº 271, de 28.02.67, dispondo sobre o loteamento urbano, a responsabilidade do loteador e
a concessão de uso e espaço aéreo; e finalmente, para o presente estudo, a Lei nº 6.766, de 19.12.79, que
veio a regular, incrementando, o desenvolvimento em espaços urbanos, contrariando, em algumas
disposições, em melhor técnica, o rudimentar Dec.-lei nº 58/37.
Salienta Arnaldo Rizzardo, em sua obra mencionada (p. 15), que se encontram revogados os
seguintes artigos do Dec.-lei nº 58, em favor dos constantes na Lei nº 6.766/ 79:
a) os referentes ao processo de loteamento em si, constantes dos arts. 1º ao 4º;
b) os arts. 6º e 7º estariam revogados pelos arts. 23 e 26 da nova lei, vigorando, entretanto, “o
artigo 8º de ambos os diplomas, que impõe a obrigatoriedade do registro do ato constitutivo ou
translativo de direitos reais (registro de escritura pública definitiva, v.g.), embora feito o
registro do loteamento e do contrato”;
c) os arts. 9º, 11, 13 e 14. Estariam, por outro lado, em vigência, os arts. 5º e 8º, os artigos 10, 12,
15/17, e o 22.
Com razão o autor, embora disso se possa observar na leitura do próprio texto legal, onde se nota,
quanto às exigências para registro prévio do projeto de loteamento, melhor e mais acurada disposição
protetiva em favor dos compromissários-adquirentes, que veio regulada pela Lei nº 6.766/79.
É louvável, entrementes, a lembrança da iniciativa favorecedora, protetiva dos compromissários-
compradores, nos moldes da mais moderna legislação de proteção ao consumo, prevendo ora
consequências de crime de fraude para os responsáveis pelos loteamentos (§ 6º do artigo 1º), quando
descrevem benesses paisagísticas inexistentes nas proximidades do imóvel; a formação do compromisso
como negócio válido, para os compromissários compradores, com “o simples trespasse lançado no verso
das duas vias” do termo de vinculação, a que se refere o artigo 11 do Dec.-lei; e, por fim, a possibilidade
de purga da mora, diante do que “convalescerá o compromisso” (§ 2º do artigo 14), que segundo
Theotonio Negrão, em verbete remissivo, no seu Código Civil e legislação civil em vigor, ressalta
aplicável para imóvel urbano loteado, os arts. 19, 32 a 35 da Lei nº 6.766/79, enquanto para imóvel não
loteado, o artigo 22, nota 9, do Dec.-lei nº 45.[260]
Melhor disposição, contudo, encontra-se enxertada no Dec.-lei nº 271/67, no estender o tratamento
dispensado no controle legal dos incorporadores aos loteadores, conforme a redação do artigo 3º, e a
idêntica proteção aos “compradores de lotes, aos condôminos”, porque, como se verá, quanto à
responsabilidade, solidária ou exclusiva, civil ou criminal, encontra-se melhor elaboração nessa lei mais
recente e mais complexa.
Parcelamento do Solo Urbano: O Decreto-lei nº 58/37 e as
Leis nos 6.766/79 e 9.785/99
1. Considerações[261]
Segundo Arnaldo Rizzardo, o Dec.-lei nº 58 se atinha, em sua eficácia, à promessa de imóveis
loteados, enquanto as promessas atinentes a imóveis desmembrados ficam submetidas, ainda, além do
procedimento previsto no artigo 14 do mesmo Dec.-lei, ao Dec. nº 3.079 e Dec.-lei nº 745.[262]
A lacuna, hoje, como se verá, foi preenchida pela Lei nº 6.766/79 ao acolher, com previsão taxativa,
no artigo 1º e seus parágrafos, todo e qualquer ato negocial, compromissado ou definitivo, de
loteamentos decorrentes de parcelamento ou desmembramento.[263]
Restrita, apenas, aos projetos urbanos, isto é, àqueles que tenham destinação econômica e funcional
urbana. O fato de se encerrarem, topograficamente, em área rural, não retirará a natureza urbana, desde
que com finalidade e características urbanas o projeto seja justificado, assim como utilizado segundo os
adequados equipamentos que irão dar-lhe infraestrutura, objeto de posterior análise.
Como se sabe, advém da Carta Magna, artigo 30, o âmbito de competência dos Municípios.
Fortalecimento mais acertado, porque optou o atual diploma, visto serem estes as sedes maiores de toda
a efervescência de fomento da cidadania.
Por essa razão, decorre do Poder Municipal a competência para legislar, em suplementar
complementação: “a legislação federal e a estadual no que couber” (inciso II); legislando “sobre
interesses locais” (inc. I), e promovendo, “no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante
planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano” (inc. VIII).
Tal tarefa, exclusiva em seus limites, subsume, contudo, a necessária integração aos limites
exteriores a que se integram os entes federados, e como elemento autônomo, porém extensivo, do ente
comum maior público. Razão pela qual, se pode dizer que tal competência decorre de atividade
legislativa concorrente, suplementar, quando visto o disposto no artigo 21, da CR/88, que determina,
como competência da União, “instituir diretrizes para o desenvolvimento urbano” (inc. XX), especificada
no artigo 24 em concorrência com os Estados e Distrito Federal. Igualmente, legislar sobre direito
urbanístico, quando observados os limites da mencionada integração uniforme, ressalvada a competência
comum, em seus níveis de interesse e atuação política, protegendo sítios arqueológicos, protegendo o
meio ambiente e combatendo a poluição em qualquer de suas formas. Há também determinação de se
preservarem florestas, a fauna e a flora, promovendo programas de construções de moradias e melhoria
das condições de saneamento básico, como previsto, expressamente, no artigo 23 da mesma norma
fundamental, fins de cooperação que se podem dizer objeto mediato e final da implantação de um
programa, de diretrizes, de parcelamento ordenado do solo urbano, no âmbito de qualidade de vida e
prevenção de conflitos sociais até mesmo de vizinhança.
Dessa forma, integradora no âmbito do território, e extensiva no âmbito do ente componente de
determinado Estado-Membro, é que veio a Lei nº 6.766, de 19.12.1979, dispor sobre o parcelamento do
solo para fins urbanos (artigo 1º), ressalvando aos demais entes públicos (Estados, Distrito Federal e
Municípios) o poder (dever) de estabelecer normas complementares relativas ao parcelamento do solo
municipal adequadas às peculiaridades regionais e locais (parágrafo único).
Para tal fim mediato, como mencionado, na proteção máxima, conjunta, em favor dos diversos
particulares que aderem a projetos de desenvolvimento urbano, na aquisição de sua moradia, ou de seu
lote urbano para edificação, ressalta o legislador o dever fiscal do ente Poder Público, com seu poder de
polícia prévio, de não autorizar o parcelamento sem antes verificar medidas de saneamento das áreas
edificáveis, preservação de outras, ou contenção preventiva de riscos no âmbito da preservação
ecológica, em consonância com o mencionado artigo 23, da CR, a Lei nº 6.766/79.[264]
“Artigo 3º Somente será admitido o parcelamento do solo para fins urbanos em zonas
urbanas, de expansão urbana ou de urbanização específica, assim definidas pelo plano diretor ou
aprovadas por lei municipal.[265]
Parágrafo único. Não será permitido o parcelamento do solo:
I – em terrenos alagadiços e sujeitos a inundações, antes de tomadas as providências para
assegurar o escoamento das águas;
II – em terrenos que tenham sido aterrados com material nocivo à saúde pública, sem que
sejam previamente saneados;
III – em terrenos com declividade igual ou superior a 30 (trinta por cento), salvo se
atendidas exigências específicas das autoridades competentes;
IV – em terrenos onde as condições geológicas não aconselham a edificação;
V – em áreas de preservação ecológica ou naquelas onde a poluição impeça condições
sanitárias suportáveis, até a sua correção.”
De toda sorte, está o Poder Público, inclusive o Ministério Público,[266] legitimado para zelar
quanto aos interesses coletivos dos promissários – compradores, assim como difusos de toda a sociedade
eventualmente atingida.[267] Só não se reconhece, ao Município, a capacidade de representação para
indenizações patrimoniais,[268] em nome dos lesados, nem substituição dos mesmos, com assunção do
quantum, não se tratando de ato negocial, em que haja sub-rogação contratual, ou mesmo, como poder
expropriante.
1.1. Parcelamento do solo, conceito e limites materiais
O conceito de parcelamento do solo é discriminado pela própria lei, visto, primeiramente,
distinguir a ocorrência do fato social (urbano) mais circunscrito ao exclusivo interesse privado
(desmembramento), daquele capaz de afetar o interesse comum, usualmente de pessoas estranhas ao
próprio empreendimento, como mesmo o próprio interesse Municipal, como ente afetado nas áreas de uso
comum viárias, ou vicinais (parcelamento).
A tentativa de distinguir tais limites de afetação já fora objeto do Dec.-lei nº 271/67, ao dispor em
seu artigo 1º:
Artigo 1º [...]
§ 1º Considera-se loteamento urbano a subdivisão de área em lotes destinados à edificação
de qualquer natureza que não se enquadre no disposto no § 2º deste artigo.
§ 2º Considera-se desmembramento a subdivisão de área urbana em lotes para edificação
na qual seja aproveitado o sistema viário oficial da cidade ou vila sem que se abram novas vias
ou logradouros públicos e sem que se prolonguem ou se modifiquem os existentes.
Melhor redação, entretanto, encontrou o legislador na Lei nº 6.766/79, ao determinar como limites
do loteamento e do desmembramento a maior infringência aos interesses coletivos e públicos, como se vê
em sua redação:
Artigo 2º [...]
§ 1º Considera-se loteamento a subdivisão de gleba em lotes destinados a edificação, com
abertura de novas vias de circulação, de logradouros públicos ou prolongamento, modificação ou
ampliação das vias existentes.
§ 2º Considera-se desmembramento a subdivisão de gleba em lotes destinados a edificação,
com aproveitamento do sistema viário existente, desde que não implique na abertura de novas
vias e logradouros públicos, nem no prolongamento, modificação ou ampliação dos já existentes.
Como se pode ver, cotejando ambas as redações do legislador, a nova lei determina com mais apuro
não apenas a distinção entre uma e outra realidade (loteamento e desmembramento), precisando seus
escopos e comprometimentos em face da integração urbanística. Dado que edificação é fato urbano típico
destinado a moradias, comércio e outras necessidades inerentes ao ser social cosmopolita, assim como à
realidade dinâmica de sua mutação e integração. Loteamento requer a antevisão de vias de circulação e
logradouros na exteriorização do interesse social e público, enquanto a noção de desmembramento se
atém mais à certeza de negócio privado, meramente fiscalizado pelo interesse público, em face de suas
normas de posturas e edificação. De toda sorte, ambas são espécies do genérico loteamento.
A Lei nº 9.785/99, entretanto, derrogou o artigo 2º na redação anteriormente mencionada, dispondo,
conceitual e organicamente quanto aos equipamentos:
§ 4º Considera-se lote o terreno servido de infra-estrutura básica, cujas dimensões atendam
aos índices urbanísticos definidos pelo plano diretor ou lei municipal para a zona em que se situe.
§ 5º A infra-estrutura básica dos parcelamentos é constituída pelos equipamentos urbanos de
escoamento das águas pluviais, iluminação pública, esgotamento sanitário, abastecimento de água
potável, energia elétrica pública e domiciliar e vias de circulação.[269]
§ 6º A infra-estrutura básica dos parcelamentos situados nas zonas habitacionais declaradas
por lei como de interesse social (ZHIS) consistirá, no mínimo, de:
I – vias de circulação;
II – escoamento das águas pluviais;
III – rede para o abastecimento de água potável; e
IV – soluções para o esgotamento sanitário e para a energia elétrica domiciliar.
Na oportunidade, não seria demais ressaltar que a incidência da Lei nº 6.766/79 ocorrerá quanto a
projetos que impliquem o “fracionamento do solo urbano para fins de vendas sucessivas, na forma de
terrenos destinados ao público em geral. Envolve a globalidade de uma certa área ou parte dela”.[270]
A ressalva se faz não apenas para afastar de forma incontestável a aplicação desta lei aos simples
processos de extinção de condomínio – artigo 631, CC/16[271] – como a todo e qualquer ato particular,
que não tenha projeção econômica ou de extensão, nos moldes de um empreendimento capaz de alterar as
características urbanísticas e paisagísticas de determinada região.[272] “Absurda a posição que defende
a obrigatoriedade das exigências formuladas pela lei em questão para todas as subdivisões de áreas,
mesmo quando o titular do domínio tenciona alienar uma parte do imóvel urbano” (Idem).
Lamentavelmente, o autor cotejado não informa quem adota tal posição, se doutrinária ou de praxe
cartorial. De toda sorte, passamos a transcrevê-la pela responsabilidade final deste esboço, em face de
seu fim estrito.
Com oportunidade, ainda, esclarece Sérgio do Couto,[273] para quem se caracterizarão tais
desdobramentos como projetos passíveis de regulamentação pela Lei nº 6.766/79, em face de sua
extensão e significação no seio local:
“[...] se tais destaques de porções maiores estabelecerem uma simetria urbana sistemática
ou concorrerem para um adensamento demográfico sobremaneira mais alto que o normal, em
relação ao anteriormente encontrado, caracterizado fica o desmembramento, pois a intentio legis,
em nosso entender, é, exatamente, exercer controle sobre concentrações populacionais
desordenadas ou sem dispor de recursos infra-estruturais urbanos necessários a um mínimo de
qualidade de vida na cidade.”
Não é outra, aliás, a determinação econômica e social da Lei nº 6.766/79, senão a de preservar o
compromisso da função social da propriedade, em face do meio instrumental urbanístico, como
permissivo de melhores condições globais e de vida.
Nisso se compõe, aliás, o fim do chamado direito urbanístico, que para Diogo de Figueiredo “é o
conjunto de técnicas, regras e instrumentos jurídicos, sistematizados e informados por princípios
apropriados, que tenha por fim a disciplina do comportamento humano relacionado aos espaços
habitáveis”.[274] Nenhum particular pode pretender a mutabilidade do plano urbanístico, mas na
hipótese do plano urbanístico esvaziar completamente o conteúdo econômico da propriedade, ou ocorrer
mudanças para modificar ou revisar antecipadamente o planejamento, atingindo-se, assim, faculdades do
particular e trazendo prejuízos especiais, deve o Estado indenizar, respondendo objetivamente. As
licenças enquadram-se entre os atos vinculados, ou seja, elas só podem ser concedidas ou denegadas por
motivos estritamente previstos na legislação urbanística. E, em havendo denegação, deve ser motivado o
ato, apresentando de maneira clara o critério utilizado. Licença é um ato vinculado, unilateral, praticado
no exercício de uma função pública urbanística, constitutivo formal, totalmente submetido ao princípio da
legalidade e ao princípio da função social da propriedade, é que se deve estudar os casos de revisão de
licenças e a possibilidade de indenização do particular.[275]
1.2. Requisitos urbanísticos para loteamento
Com este título o legislador dispôs no capítulo segundo, artigo 4º, alterado pelas Leis nºs 9.875/99 e
10.932/04, os requisitos inafastáveis de implemento dos projetos urbanísticos, segundo sua dimensão e
extensão territorial, o que, vale ressaltar, estará a exigir maior preocupação com a concentração
demográfica e possíveis conflitos decorrentes.
Dispõe a lei no inciso I, do artigo 4º, que as áreas destinadas a sistemas de circulação, a
implantação de equipamento urbano e comunitário, bem como a espaços livres de uso público, serão
proporcionais à densidade de ocupação prevista pelo plano diretor ou aprovada por lei municipal para a
zona em que se situem, à exceção de projetos de loteamento destinados ao parqueamento industrial
(parágrafos 1º a 3º do artigo retromencionado). A concessão da lei decorre da mais específica destinação
do empreendimento, como concentração de moradia integrada à ocupação profissional, o que dispensará
a pura e simples destinação de área residencial genérica, meramente aprazível ou simplesmente para
moradia típica.
Resta identificar os “equipamentos urbanos”, mencionados no inciso I, o que se pode encontrar no §
2º, como os necessários ao desenvolvimento educacional, cultural, de saúde, lazer e similares. Tais
equipamentos, vistos diante do loteamento urbanístico, estarão a delinear espaços a serem utilizados
como escolas, centros sociais de lazer e em algumas realidades, pequenos minimercados e centros de
difusão religiosa, a depender das características e homogeneidade locais.
O legislador não se acanhou, esboçando, afinal, no parágrafo único do artigo 5º, após prever a
capacidade de complementação de áreas non edificandi, isto é, aquelas destinadas à implantação dos
“equipamentos urbanos”, como sendo estes “os equipamentos públicos e abastecimento de água, serviços
de esgotos, energia elétrica, coletas de águas pluviais, rede telefônica e gás canalizado”, tudo dentro de
um limitado ver urbano, em que já se ressaltou, distinguem-se, as noções de limite de interesse público e
social, muito embora, aparentemente esquecido, este último.
Às áreas de uso comum o Estado atribui a natureza de servidão administrativa, sem indenização pela
incorporação ao patrimônio público,[276] a perda comercial dessas áreas, contudo, já deverá estar
compensada, diluída, na alienação dos lotes que compõem o projeto.
Com o receio do ordenamento urbanístico mínimo, nos moldes do desenvolvimento social
planificado, sem aglomerações propiciadoras das conhecidas germinações e servidões forçadas,
condizentes com sérias questões sociais como a simples vaga de automóvel tão típica da vida urbana
hodierna, o legislador delimitou, no inciso II, a área mínima de 125 m2, com frente mínima de 5 m, salvo
quando a legislação estadual ou municipal admitir maiores exigências, ou quando o loteamento se
destinar à urbanização específica ou edificação de conjuntos habitacionais de interesse social,
previamente aprovados pelo Poder Público.
Critica-se a fixação tão tímida quão esdrúxula dos 125 m2, com 5 m de frente, quando sabido que a
mensurada área ditada pelo legislador é justamente aquela capaz de gerar favelização e conflitos.
Contudo, foi pelo menos percuciente, senão despiciendo em outro extremo crítico, a oportunidade de
mencionar tal área como mínima, assim como repetir a atribuição aos Estados e Municípios da
competência para a delimitação. De toda sorte, o Poder Público, através de seus agentes especializados,
fiscalizará a viabilidade, a factibilidade de tais projetos, como fase prejudicial à sua aprovação.
Na preservação da área comum e do acesso aos bens de uso público e comum, o legislador
ressalvou, no inciso III, a necessidade de “se erigir ao longo das águas correntes e dormentes e das faixas
de domínio público das rodovias e ferrovias, será obrigatória a reserva de uma faixa não-edificável de
15 (quinze) metros de cada lado, salvo maiores exigências da legislação específica”, conforme redação
determinada pela Lei nº 10.932/04.
Por fim, ocupa-se a lei em determinar a conexão entre as vias comuns internas de circulação, com as
externas, de uso público, assim como a padronização integrada às características da topografia local, de
modo a não se criarem encravações de acesso bizarro e geradoras de novos encargos para a
municipalidade em reivindicações políticas futuras, prescrevendo que “as vias de loteamento deverão
articular-se com as vias adjacentes ou projetadas” (inc. IV).
Em sua determinação fiscal e protetiva, o legislador desdobrou em dois níveis as fases de
elaboração (aprovação) e publicidade dos empreendimentos em loteamentos urbanos, discriminados,
respectivamente, em sua sucessividade, no Capítulo III e IV – Do projeto de loteamento e do
desmembramento; no Capítulo V – Da aprovação de ambos os projetos; e, finalmente, no Capítulo VI –
Do registro do loteamento e desmembramento. Este último, em termos práticos, subsumindo os seguintes:
Dos contratos e das Disposições Gerais, atinentes, estas últimas, aos poderes do Estado, das partes, e
controle de sua efetividade.
1.3. Dos projetos de loteamento e desmembramento
Como anteriormente se mencionou, a competência e controle dos Estados e Municípios será
suplementar, dispondo dentro de seus âmbitos de interesse a adequação dos projetos às suas diretrizes.
Tais diretrizes deverão estar fixadas, ou, a contrário senso, poderão ser dispensadas em Municípios com
menos de 50.000 habitantes (artigo 8º), e naqueles “cujo plano diretor contiver diretrizes de urbanização
para a zona em que se situe o parcelamento”,[277] tudo, de toda sorte, a ser verificado antes da
elaboração do projeto de loteamento (artigos 6º e 7º), de forma a preservar o interesse municipal, sem
prejuízo do seu desenvolvimento. A Constituição da República, entretanto, dispõe quanto à
obrigatoriedade de plano diretor obrigatório para cidades com mais de 20 mil habitantes, como
instrumento básico da política de desenvolvimento e de expansão urbana (artigo 182, parágrafo 1º).
Caberá, contudo, ao interessado na aprovação do projeto de loteamento discriminar, em seu
requerimento, todos os detalhes de extensão, projeção e delineio a que estará submetido o mesmo
projeto, dentro da realidade de abastecimento de infraestrutura de saneamento e águas pluviais, assim
como o tipo de uso predominante que merecerá a destinação global e todas características, dimensões e
localização das zonas de uso contíguas, de forma a bem delimitar o posicionamento do projeto dentro da
realidade física do Município ou Distrito Federal. Tais limites e detalhes encontram-se discriminados
nos incisos I a VI do artigo 6º e se prestam mais à compreensão de arquitetos e engenheiros, os quais,
também, como agentes ou representantes nomeados pelo Poder Público competente, discriminarão, nas
plantas apresentadas pelo interessado, a realidade viária e física, de forma a adequá-las, o que valerá
como garantia, por quatro anos,[278] que serão mantidas tais características em favor dos interessados
(artigo 7º e parágrafo único).
No âmbito jurídico e menos urbanístico, dispõe a lei a exigência de anexar o interessado, junto ao
requerimento e plantas, a prova da titularidade do domínio, certidão de ônus reais e negativas de tributos
municipais do imóvel objeto do projeto (artigo 9º). A título, entretanto, de atualidade, transcrevemos o
novo texto legal, conforme a norma derrogatória:
Artigo 9º Orientado pelo traçado e diretrizes oficiais, quando houver, o projeto, contendo
desenhos, memorial descritivo e cronograma de execução das obras com duração máxima de
quatro anos, será apresentado à Prefeitura Municipal, ou ao Distrito Federal, quando for o caso,
acompanhado de certidão atualizada da matrícula da gleba, expedida pelo Cartório de Registro
de Imóveis competente, de certidão negativa de tributos municipais e do competente instrumento
de garantia, ressalvado o disposto no § 4º do artigo 18 […]
§ 3º Caso se constate, a qualquer tempo, que a certidão da matrícula apresentada como atual
não tem mais correspondência com os registros e averbações cartorárias do tempo da sua
apresentação, além das conseqüências penais cabíveis, serão consideradas insubsistentes tanto as
diretrizes expedidas anteriormente quando as aprovações conseqüentes.[279]
Para o projeto de desmembramento, considerando a realidade de menor extensão a ser alterada no
espaço interno, propriedade privada, preservando-se as áreas externas viárias (artigo 1º, § 2º), impõe a
lei, apenas, em anexo ao requerimento, a indicação das mesmas vias existentes e dos loteamentos
próximos; a indicação do tipo de uso predominante, de forma a não se admitirem desvios e
descaracterização locais; a indicação da divisão de lotes pretendida (artigo 10 e incisos), em que se nota,
novamente, o mais razoável interesse em se verificar a realidade posta ante o risco possível da
deformação de sua integração. Não obstante, a mesma capacidade unilateral, exclusiva do Município ou
Distrito Federal, como Poder Público, dizer se tal projeto deve ou não ser aprovado, respeitados o
interesse e a vantagem coletiva. Aqui, valores subjetivos, assim como exigências, no que couber, serão
fixados como requisitos urbanísticos para loteamento, constantes do artigo 4º e 5º da mesma lei.
É a seguinte a nova redação do caput do artigo 10, segundo a Lei nº 9.785/99, permanecendo
inalteráveis os seus incisos, que se reproduzem por técnica de complementar utilidade:
“Artigo 10. Para a aprovação de projeto de desmembramento, o interessado apresentará
requerimento à Prefeitura Municipal, ou ao Distrito Federal quando for o caso, acompanhado de
certidão atualizada da matrícula da gleba, expedida pelo Cartório de Registro de Imóveis
competente, ressalvado o disposto no § 4º do artigo 18, e de planta do imóvel a ser desmembrado
contendo:
I – a indicação das vias existentes e dos loteamentos próximos;
II – a indicação do tipo de uso predominante no local;
III – a indicação da divisão de lotes pretendida na área.”
1.4. Da aprovação do projeto
A aprovação, assim como o controle prévio, fiscal incumbirá, observadas as exigências dos arts. 6º
e 7º, ao próprio Município ou Distrito Federal, segundo o artigo 12, ou ainda ao Estado, quando o
loteamento, ou desmembramento, for localizado em áreas de interesse especial, como mananciais, ou ao
patrimônio cultural, histórico, paisagístico e arqueológico, localizar-se em área limítrofe de municípios,
ou venha a estender-se por mais de um Município em áreas metropolitanas, onde, segundo o caput do
artigo 13, “será transferida a competência para a autoridade dos Estados, a quem caberá disciplinar a
aprovação pelos Municípios de loteamentos e desmembramentos”,[280] a aprovação do projeto, assim
como, ainda, quando o loteamento abranger área superior a 1.000.000 m2, com razoável cautela contra
futuras emancipações.
O referido “projeto aprovado deverá ser executado no prazo constante do cronograma de execução,
sob pena de caducidade da aprovação”, conforme passou a dispor o parágrafo único acrescido ao artigo
12, pela Lei nº 9.785/99.
A competência concorrente dos Municípios ou Distrito Federal em face dos Estados encontra-se
ressaltada, mais uma vez, no artigo 15 e parágrafo único, que resguardam o interesse deste último dentro
das “exigências urbanísticas do planejamento municipal”.
Em todo caso, o loteador não poderá alterar as condições externas dos projetos, na forma aprovada,
salvo em razão de caducidade ou desistência desse mesmo empreendedor (artigo 7), em razão de decisão
judicial, ou requerimento do interessado, com anuência do Poder Competente que aprovou o projeto,
enquanto nenhum contrato houver sido realizado em face de um simples terceiro compromissário-
adquirente, ou mesmo a requerimento conjunto de ambas as partes adquirentes, com anuência do órgão
competente (artigo 23). Ressalvando o maior interesse público desenvolvimentista, por parte deste poder,
que poderá negar o cancelamento, “se disto resultar inconveniente para o desenvolvimento urbano ou se
já estiver realizado qualquer melhoramento na área loteada ou adjacências” (§ 1º).
1.5. Fase do registro[281]
Nesse nível se instaura o projeto de forma pública, definitiva, e capaz de estender seus efeitos com
estável certeza em face da pluralidade de matrículas e propriedades imóveis que advirão desses
projetos. Razão pela qual todos os documentos aprovados nos autos do processo administrativo prévio
de “aprovação” serão agora, dentro de 180 dias (sob pena de se ter de obter sua revalidação, junto ao
órgão competente, originário), submetidos a ato de registro imobiliário. Será indispensável a instrução
acompanhada do título de propriedade imóvel, certidão vintenária – capaz de informar a situação das
transmissões enquanto possível alguma ação pessoal (20 anos)[282] –, certidões negativas de tributos de
todos os níveis, ações reais nos últimos dez anos, penas contra o patrimônio e administração pública, de
protestos, pessoais e penais, em nome do loteador, dos últimos dez anos, assim como certidão de ônus
reais do imóvel, cópia do ato de aprovação e declaração do cônjuge do requerente de que autoriza,
consente, no projeto (artigo 18 e incisos), nesse caso reconhecendo ao outro o poder de alienar ou
prometer alienar, no todo ou em parte, as áreas sobre as quais se constituirá o projeto (§ 3º).[283]
Entre as exigências, é digna de nota a apresentação de cópia do contrato-padrão (contrato-tipo),
[284] que servirá de modelo para as futuras adesões, por parte dos compromissários-compradores,
enquanto aderentes aos contratos de promessa de venda, cessão ou promessa de cessão (inc. VI, do artigo
18). O rigor na delimitação e uniformização dos mesmos formulários expõe a cautela do legislador, que,
inclusive, na obrigatoriedade, graciosidade e impessoalidade da consulta de seus conteúdos, no dispor o
artigo 24, afirma: “o processo de loteamento e os contratos depositados em cartório poderão ser
examinados por qualquer pessoa, a qualquer tempo, independentemente do pagamento de custas ou
emolumento, ainda que a título de busca”.
Tão cautelosa a lei em assegurar a certeza do negócio jurídico em novas bases de relação de
consumo (ainda que na anterioridade inexistisse sequer a preocupação com tal realidade) que destina
capítulo inteiro (artigos 25 a 36) aos termos dos contratos, sua execução regular, resolução, resilição ou
rescisão, o que será objeto de análise.
As ações criminais, de responsabilidade pessoal ou protestos, acaso apontadas nas certidões, não
impedirão o registro e autorização do projeto se ficar comprovado que sua irrisoriedade em nada
comprometerá a garantia de sua viabilidade, em especial, em face de terceiros.
Os arts. 16, 18 e 26[285] foram alterados nos seguintes termos pela Lei nº 9.785/99:
Artigo 16. A lei municipal definirá os prazos para que um projeto de parcelamento
apresentado seja aprovado ou rejeitado e para que as obras executadas sejam aceitas ou
recusadas.
§ 1º – Transcorridos os prazos sem a manifestação do Poder Público, o projeto será
considerado rejeitado ou as obras recusadas, assegurada a indenização por eventuais danos
derivados da omissão.
§ 2º – Nos Municípios cuja legislação for omissa, os prazos serão de noventa dias para a
aprovação ou rejeição e de sessenta dias para a aceitação ou recusa fundamentada das obras de
urbanização.
Artigo 18. [...]
I – títulos de propriedade do imóvel ou certidão da matrícula, ressalvado o disposto nos §§
4º e 5º;
V – cópia do ato de aprovação do loteamento e comprovante do termo de verificação pela
Prefeitura Municipal ou pelo Distrito Federal, que incluirão, no mínimo, a execução das vias de
circulação do loteamento, demarcação dos lotes, quadras e logradouros e das obras de escoamento
das águas pluviais ou da aprovação de um cronograma, com a duração máxima de quatro anos,
acompanhado de competente instrumento de garantia para a execução das obras [...]
§ 4º O título de propriedade será dispensado quando se tratar de parcelamento popular,
destinado às classes de menor renda, em imóvel declarado de utilidade pública, com processo de
desapropriação judicial em curso e imissão provisória na posse, desde que promovido pela
União, Estados, Distrito Federal, Municípios ou suas entidades delegadas, autorizadas por lei a
implantar projetos de habitação.
§ 5º No caso de que trata o § 4º, o pedido de registro do parcelamento, além dos documentos
mencionados nos incisos V e VI deste artigo, será instruído com cópias autênticas da decisão que
tenha concedido a imissão provisória na posse, do decreto de desapropriação, do comprovante de
sua publicação na imprensa oficial e, quando formulado por entidades delegadas, da lei de criação
e de seus atos constitutivos.
1.5.1. Novo direito passível de registro junto ao RI
Como por todos sabido, o artigo 167, da Lei nº 6.015/73, tem recebido tratamento restritivo, em seu
rol de títulos registráveis, dada a eficácia decorrente, já comentada, anteriormente, quando do capítulo
dos Direitos Registrais. Entretanto, é de se notar, conforme os §§ 4º e 5º do artigo 18, acima, da lei
reformadora em comento, que passou-se a admitir a imissão provisória na posse, e respectiva cessão e
promessa de cessão, quando concedida à União, Estados, Distrito Federal e Municípios ou suas
entidades delegadas, para execução de parcelamento popular, na finalidade urbana dessa lei, para classes
de baixa renda.
Aqui, então, o interesse social e público sobrepuja, mais uma vez, a segurança, tornando definitivo o
ato provisório, quando autoriza, como irreversível, ao que parece, que a simples imissão provisória
facultará a alteração do registro de matrícula do bem, tornando, assim, hábil para deflagração do
loteamento e correspondente divulgação política de sua destinação e comercialização.
Diante do peculiar projeto de Regularização Fundiária de Interesse Social, trazido pela Lei nº
11.977/09, o legislador impõe ônus, sem esclarecer o modo, ao Registrador de buscar identificar os
proprietários. Primeiramente, identificar, bastaria consulta e certidão obtida do Livro Real. Entretanto,
soubessem os técnicos do legislador a dificuldade fática e concreta de localização e identificação do
domínio dos imóveis rurais. Aliás, decorrente de política de concessões dos próprios órgãos públicos.
No mais, não se pode crer que, pela especialidade da lei em questão, sejam impostos os prazos abaixo
discriminados de quinze dias para qualquer procedimento de regularização e parcelamento, senão para
este de caráter social, assim se diga.
Art. 57. Encaminhado o auto de demarcação urbanística ao registro de imóveis, o oficial deverá
proceder às buscas para identificação do proprietário da área a ser regularizada e de matrículas ou
transcrições que a tenham por objeto.[286]
§ 1º Realizadas as buscas, o oficial do registro de imóveis deverá notificar pessoalmente o
proprietário da área e, por edital, os confrontantes e eventuais interessados para, querendo,
apresentarem, no prazo de 15 (quinze) dias, impugnação à averbação da demarcação urbanística.
§ 2º Se o proprietário não for localizado nos endereços constantes do registro de imóveis ou
naqueles fornecidos pelo poder público, a notificação do proprietário será realizada por edital.
§ 3º São requisitos para a notificação por edital:
I – resumo do auto de demarcação urbanística, com a descrição que permita a identificação da
área a ser demarcada e seu desenho simplificado;
II – publicação do edital, no prazo máximo de 60 (sessenta) dias, uma vez pela imprensa
oficial e uma vez em jornal de grande circulação local; e
III – determinação do prazo de 15 (quinze) dias para apresentação de impugnação à averbação
da demarcação urbanística.
1.6. Da efetivação do projeto
Após o depósito, para registro, o Oficial do Registro Imobiliário, competente na circunscrição em
que se encontre o imóvel destinado ao projeto, mandará publicar, por três dias consecutivos, a notícia da
pretensão do interessado em edital, que dará conta, resumidamente, dos detalhes urbanísticos do mesmo;
assim como, permitirá a qualquer um, em 15 dias da última publicação, impugná-lo, conforme prevê o
artigo 19. Ato contínuo, será, incontinenti, objeto de efetivação de registro (§ 1º). Qualquer loteamento,
segundo a Lei nº 6.015/73, é objeto de registro (conforme o artigo 167, I, 18), isso porque, tal ato é um
fato autônomo, próprio e gerador de diversas situações jurídicas novas.
Entretanto, surgindo oposição ao projeto, a referida impugnação será encaminhada ao juiz
competente acompanhada das manifestações de defesa do interessado e do órgão autorizador do mesmo
projeto, que devem ter sido apresentadas em cinco dias da intimação pelo Oficial. Ouvido o MP, em
prazo idêntico ao dos interessados na defesa do projeto, o juiz decidirá, de plano, se a matéria não
envolver maior indagação quanto à natureza do direito de propriedade, sobre a qualidade real dos que se
afirmam titulares do domínio, sobre a extensão demarcatória do mesmo imóvel, enfim, todas as questões
que extrapolem a limitada competência do juiz de registros públicos, que se aterá em verificar a
regularidade da aplicação da Lei nº 6.766/79, assim como outras disposições de ordem pública e
administrativa, autorizadoras da ação do Órgão ratificador do projeto e do próprio Registro Imobiliário,
como atos vinculados, por excelência (artigo 89, I, b, CODJERJ).
Sob pena de responsabilidade, inclusive criminal (artigo 52, da Lei nº 6.766/79), o Oficial
efetivando, nos termos da lei, o registro, dará notícia à Prefeitura, expedindo certidão, conforme
determina o § 5º do artigo 19 (Idem).
Poderá ocorrer, em alguns casos, que o projeto de loteamento ultrapasse mais de uma circunscrição,
o que demandará tantos registros quantos sejam os Cartórios de Registro de Imóveis competentes, nesses
âmbitos. Assim, dispõe a lei, no artigo 21 da Lei nº 6.766/79, que tantas quantas sejam as circunscrições,
pelas quais se estenda o empreendimento, deverá ser registrado em cada um dos cartórios o mesmo
projeto, aguardando-se, até o último registro, “até que o loteamento seja registrado em todas”. A lei
dispõe que esses registros sejam procedidos de forma sucessiva, porque determina que a cada registro se
dê prova, no ato do depósito subsequente, dos registros anteriores efetivados.
Em caso de denegação por um deles, incumbe a lei que este dê notícia aos demais da frustração do
ato, de forma a uniformizar o tratamento jurídico. Por outro lado, ainda, recomenda a lei, com
razoabilidade, que nenhum lote, isto é, nenhuma unidade individual de propriedade, deverá estender-se a
mais de uma circunscrição, o que não impedirá, em momento posterior, de interesse individual pelo
adquirente de mais de um lote, que possa a acessá-lo, cancelando uma das matrículas. Matéria, contudo,
que se soluciona pela Lei nº 6.015/73 e não pela atual em foco.
Após o registro, as áreas destacadas para constituição de lazer e domínio comum assumem a
natureza de domínio público, passando “a integrar o domínio do Município as vias e praças, os espaços
livres e áreas destinadas a edifícios públicos e outros equipamentos urbanos, constantes do projeto e do
memorial descritivo” (artigo 22).[287] Dessa forma, enfrenta-se a perda de área em reversão ao domínio
público, como típico meio de aquisição de bens públicos, segundo aponta Bandeira de Mello, citando
Gasparini, “quando em decorrência de loteamento e nos termos do artigo 22 da Lei nº 6.766 passam para
o domínio público as áreas destinadas a edifícios públicos e outros equipamentos urbanos constantes do
projeto e do memorial descritivo”.[288]
Conforme ressalva o artigo 37, da mesma lei:
É vedado vender ou prometer vender parcela de loteamento ou desmembramento não
registrado, constituindo-se crime contra a administração pública:
III – fazer, ou veicular em proposta, contrato, prospecto ou comunicação ao público ou a
interessados, afirmação falsa sobre a legalidade de loteamento ou desmembramento do solo para
fins urbanos, ou ocultar fraudulentamente fato a ele relativo.
Parágrafo único: O crime definido neste artigo é qualificado, se cometido:
I – por meio de venda, promessa de venda, reserva de lote ou quaisquer outros instrumentos
que manifestem a intenção de vender lote em loteamento ou desmembramento não registrado no
registro de imóveis competente [...][289]
1.7. Dos contratos
Como já se mencionou, o legislador dispõe, em capítulo único, a delimitação dos contratos que
servirão de instrumentos negociais decorrentes do lançamento do loteamento, ou desmembramento,
confessando, assim, o escopo primeiro do Dec.-lei nº 58/37, aqui embutido no sentido de proteger o
interesse privado de milhares de particulares ufanistas na aquisição da propriedade imóvel, um dos
maiores problemas deste século, não apenas nos grandes centros urbanos, como, hoje, também, no campo,
pela atuação dos sem-terra, antes chamados descamisados. Note-se que a rotulação distingue a causa e a
ansiedade social, transubstanciada em conflituosidade jurídica.
Dessa forma, inicia a lei pela certeza, pela definitividade, dispondo que os contratos que ensejam
direito à adjudicação compulsória serão, por via de consequência, irretratáveis em seus compromissos
de compra e venda, cessão ou promessa de cessão, desde que estejam ainda registrados, o que lhes
conferirá direito real erga omnes (artigo 25). A definitividade aqui, como se vê, é mais em favor dos
aderentes, que passam a ter garantia absoluta de cada parcela na sucessiva execução do contrato.
Lembrando Arnaldo Rizzardo[290] que “sem repercussão prática a cláusula de arrependimento,
como veremos adiante, a não ser nos compromissos concernentes a imóveis não loteados, em vista da
previsão do artigo 22 do Decreto-lei nº 58, não mais poderá ser resolvido o pacto por iniciativa do
loteador e, se impossível o registro, só por vontade do compromissário se resolverá em perdas e danos.
A obrigação de fazer, de passar a escritura, é inquestionável presentemente”, ao que acrescentaríamos
que o legislador elevou à natureza de direito potestativo a pretensão dos adquirentes, quando cumpridas
suas parcelas na execução do contrato, corresponde à imutabilidade negocial.[291]
Segundo o artigo 221, da Lei nº 6.015/73, somente as escrituras públicas se prestarão a registro.
Nesse caso, considerado o pequeno valor, muitas vezes, da propriedade a ser adquirida, ou a realidade
social dos entes privados submetidos à hipótese, o legislador reconheceu, de toda sorte, eficácia aos
títulos de compromisso por escritura ou por instrumento particular, isto é, tanto uns quanto outros,
passíveis de registro.
Cumprirá, entretanto, verificar que o modelo formulário individual seja de idêntico teor àquele
previamente depositado quando do registro do projeto (artigo 26),[292] assim como em três vias,
mencionando a qualificação das partes, a individualização do loteamento e lote e seus dados de registro
(a lei fala, impropriamente, em inscrição – inc. II), descrição do lote e suas confrontações, dos elementos
genéricos do contrato de compra e venda, preço, prazo, forma e local de pagamento, assim como, em se
tratando de contrato preliminar, o valor da importância do sinal. Será ainda objeto de discriminação a
taxa de juros, nunca excedente a 10%, e exigíveis quando da intervenção judicial ou mora superior a três
meses (inc. V), indicação sobre a quem incumbem os encargos de impostos e taxas sobre o lote, e demais
declarações “das restrições urbanísticas convencionais do loteamento” (inc. VII).
Artigo 26. [...]
§ 3º Admite-se, nos parcelamentos populares, a cessão da posse em que estiverem
provisoriamente imitidos a União, Estados, Distrito Federal, Municípios e suas entidades
delegadas, o que poderá ocorrer por instrumento particular, ao qual se atribui, para todos os fins
de direito, caráter de escritura pública, não se aplicando a disposição do inciso II do artigo 134 do
Código Civil.
§ 4º A cessão da posse referida no § 3º, cumpridas as obrigações do cessionário, constitui
crédito contra o expropriante, de aceitação obrigatória em garantia de contratos de
financiamentos habitacionais.
§ 5º Com o registro da sentença que, em processo de desapropriação, fixar o valor da
indenização, a posse referida no § 3º converter-se-á em propriedade e a sua cessão, em
compromisso de compra e venda ou venda e compra, conforme haja obrigações a cumprir ou
estejam elas cumpridas, circunstâncias que, demonstradas ao Registro de Imóveis, serão
averbadas na matrícula relativa ao lote.
§ 6º Os compromissos de compra e venda, as cessões e as promessas de cessão valerão como
título para o registro da propriedade do lote adquirido, quando acompanhados da respectiva prova
de quitação (modificação da Lei nº 9.785/99).
O Conselho Superior da Magistratura, por sua vez, tem entendido que somente no caso de
loteamentos populares poderá ser eficaz o instrumento particular para registro, conforme decisão CSM-
SP, de 19.01.2005, em que foi Relator o Des. Corregedor-Geral de Justiça José Mário Antonio
Cardinale. Ao que se pode inferir da decisão, mesmo estando o bem em valor inferior ao previsto no
artigo 108 do CCB (trinta salários), não se trata na espécie de venda, porém de promessa de venda, e
assim prevalece a norma especial da Lei em comento.[293]
Se entretanto o loteador não cumprir a obrigação de elaborar o contrato de promessa de venda ou de
cessão, e recusar-se infundadamente a fazê-lo, proceder-se-á ao registro do pré-contrato (isto é, do
simples recibo de sinal de pagamento), prosseguindo “as relações entre as partes a serem reguladas pelo
contrato-padrão” (artigo 27), ou seja, aquele depositado quando do registro do projeto.
Essa facilidade de se reconhecer qualquer documento de compromisso como válido encontra-se
ainda explicitada no § 1º do artigo 27, vindo a ser retomada, no âmbito da proteção política, somente na
Lei nº 8.079/90, disposta no seu artigo 48 que determina que “as declarações de vontade constantes de
escritos particulares, recibos e pré-contratos relativos às relações de consumo vinculam o fornecedor,
ensejando inclusive execução específica [...]”. Aqui, a execução específica será a própria validade do
negócio nos termos de sua elaboração, em depósito para registro, ou mesmo simples recibo de reserva de
lote.
“Qualquer ato que demonstre uma intenção inequívoca de negociar com outra parte vale
como meio de provar uma predisposição contratual dos interessados, fato que, embora ainda não
constitua contrato, em sua mais ampla acepção, vale como pré-contrato. Esses atos e fatos devem
ser interpretados restritivamente... Isso gera responsabilidades pré-contratuais para ambos os
interessados no negócio.”[294]
Obviamente que tal validade pressupõe o cumprimento da obrigação por quem o argui, sob pena de
se enfrentar a hipótese de exceção de contrato não cumprido. A impugnação, então fundada, processar-se-
á segundo os arts. 639 e 640 do CPC, segundo dispõem os §§ 2º e 3º do mesmo artigo 27. Conforme
observa Theotonio Negrão, in verbete ao citado parágrafo, a ação observará o procedimento comum,
previsto no artigo 272, e não a ação de adjudicação compulsória. O legislador, por óbvio, se ocupou em
reconhecer a natureza da obrigação como de fazer, mas faltante a prévia consignação, inerente à execução
dos contratos, até porque a impugnação decorre por parte daquele que se recusa a realizar a prestação,
havendo razão escusatória razoável.
A definitividade das relações se repete como tônica do legislador, dispondo que toda e qualquer
alteração ou cancelamento parcial do loteamento registrado, após realizado um simples contrato
particular, impõe a necessidade da anuência expressa desse interessado, em livre acordo, bem como a
aprovação do Órgão Público e averbação posterior, na forma do artigo 246 da LRP (artigo 28).
Com sensível propósito didático, desejando alcançar mais os diversos leigos a que se destina, a lei
dispõe que o sucessor se submete, em igualdade de direitos e obrigações, ao sucedido, em caso de morte
ou sub-rogação, por ato inter vivos, assim como poderá renunciar a essa qualidade de sucessor a título
universal ou individual.
A Lei nº 11.101/05 (que revogou o Dec.-lei nº 7.661, de 21.06.194), que regula a recuperação
judicial, extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária, dispõe quanto aos efeitos a
serem reconhecidos nos contratos realizados pelo falido, no artigo 119, inciso VI, “na promessa de
compra e venda de imóveis, aplicar-se-á a legislação respectiva”.[295] No caso, a legislação respectiva
é o artigo 30, da Lei nº 6.766/79, que exclui da massa os direitos reais decorrentes de contratos de
promessa de compra e venda ou de cessão, desde que registrados, em razão de determinado lote ou lotes,
ainda que haja sentença declaratória da falência ou insolvência do empreendedor, em face do que a
sentença será ineficaz, em pretendendo desconstituir a efetividade do negócio. Complementando o citado
dispositivo, que “incumbirá ao síndico ou administrador dar cumprimento aos referidos contratos”.
Não seria outra a solução de equidade encontrada pelo legislador. Não apenas na esteira teleológica
da própria lei (em sentido material) de falências, que dispõe quanto ao interesse da saúde econômico-
financeira da massa, pouco importando seja ela convertida em espécie, como aliás ressalvava o artigo
76, do Dec.-lei revogado (cujo preceito, não encontra similar literal na lei revogadora),[296] no dispor a
respeito da possibilidade de restituição de bens, ademais, ainda, em analogia extensiva, da Súmula nº
417 do STF, no admitir que “pode ser objeto de restituição, na falência, dinheiro em poder do falido,
recebido em nome de outrem, ou do qual, por lei ou contrato, não tivesse ele a disponibilidade”.
Se o Pretório Excelso admite a proteção preferente do terceiro de boa-fé, quanto mais a daquele
titular de direitos reais, onde resta, como absurdo inevitável, a conversão em hasta pública do bem
apropriado, ainda, o remanescente não quitado. Assim, incumbirá à massa a percepção dos créditos
quanto às parcelas futuras não cumpridas por parte do compromissário comprador.
Na hipótese, entretanto, de falência do adquirente, restará à massa incorporar a seu patrimônio esse
imóvel, ou levá-lo à hasta pública (no caso de insolvência), em via do qual lhe restará dar cumprimento
ao contrato, de forma a acrescer a totalidade do bem, alienando-o, se for o caso, posteriormente.
Não se excluirá do passivo da massa falida, entretanto, o lote que não tenha, antes da decretação da
falência, sido objeto de negócio compromissado ou de venda, submetido, em um caso ou outro, a registro;
salvo tendo havido prenotação anterior, que, como se sabe, antecipa a eficácia do registro.
Dispunha o Dec.-lei nº 7.661/45. Artigo 52. Não produzem efeito relativamente à massa, tenha ou
não o contratante conhecimento do estado econômico do devedor, seja ou não intenção deste fraudar
credores: [...] VII – as inscrições de direitos reais, as transcrições de transferência de propriedade
entre vivos, por título oneroso ou gratuito, ou a averbação relativa a imóveis, realizadas após a
decretação do seqüestro ou a declaração da falência, a menos que tenha havido prenotação anterior;
a falta de inscrição do ônus real dá ao credor o direito de concorrer à massa como quirografário, e a
falta de transcrição dá ao adquirente ação para haver o preço até onde bastar o que se apurar na
venda do imóvel.
Em sentido normativo idêntico, buscamos transcrever o artigo 49 e seu parágrafo 3º, da Lei nº
11.101/05 que estabelece que:
“Estão sujeitos à recuperação judicial todos os créditos existentes na data do pedido, ainda
que não vencidos. [...] Tratando-se de credor titular da posição de proprietário fiduciário de bens
móveis ou imóveis, de arrendador mercantil, de proprietário ou promitente vendedor de imóvel
cujos respectivos contratos contenham cláusula de irrevogabilidade ou irretratabilidade, inclusive
em incorporações imobiliárias, ou de proprietário em contrato de venda com reserva de domínio,
seu crédito não se submeterá aos efeitos da recuperação judicial e prevalecerão os direitos de
propriedade sobre a coisa e as condições contratuais, observada a legislação respectiva, não se
permitindo, contudo, durante o prazo de suspensão a que se refere o § 4º do art. 6º desta Lei, a
venda ou a retirada do estabelecimento do devedor dos bens de capital essenciais a sua atividade
empresarial.”
1.8. Da sub-rogação do contrato
A informalidade como novidade trazida pelo legislador, já pelo Dec.-lei nº 58/37 e aqui
consolidada, no admitir o registro de qualquer documento particular de sinal, desde que imotivadamente
se recuse, o empreendedor, a realizar escritura pública de promessa, leva o legislador, na mesma esteira,
a admitir, tal qual a simplicidade do principal, a exceção em favor do acessório. Autorizando a
transferência, ou “por simples trespasse”, simples endosso, “no verso das vias em poder das partes”
(artigo 31), acrescendo-se, apenas, os detalhes individuadores das partes e da identificação do número
do registro do loteamento. Admitir-se-á, ainda, outro documento particular, qualquer outro instrumento
em separado, inclusive independentemente da anuência do loteador, caso em que, a este, os efeitos não
alcançarão enquanto não cientificado.
Aqui, novamente, se veem minorados os rigores gerais das obrigações e contratos, quando, pela lei
civil comum, somente se admite a sub-rogação do devedor mediante expressa anuência do credor. No
caso, porém, não há comprometimento de qualquer das garantias em favor do credor; o compromissário
vendedor, recebendo o preço, dará quitação impessoal, enfrentando o descumprimento tanto em face de A
quanto de B ou C, porque poderá rescindir o contrato após mora superior a 30 dias de sua exigibilidade,
readquirindo, plenamente, a propriedade imóvel. Solicitando o interessado ao oficial do registro que
proceda ao cancelamento do referido ato (de registro, embora a lei mencione averbação), admitindo-se,
entretanto, a purga da mora, como é óbvio, para aproveitamento do ato negocial em favor daquele
promitente adquirente, no referido trintídio.
Por força do atual artigo 53 do Código de Defesa do Consumidor, tais contratos que importem forma
de execução deferida, por financiamento, desde que ainda tenham sido firmados em data posterior à
edição do mesmo diploma,[297] terão o benefício da restitutio, conforme ali se discrimina, já estudado e
fundamentado, jurisprudencialmente, na presente obra.[298]
Artigo 53. Nos contratos de compra e venda de móveis ou imóveis mediante pagamento em
prestações, bem como nas alienações fiduciárias em garantia, consideram-se nulas de pleno
direito as cláusulas que estabeleçam a perda total das prestações pagas em benefício do credor
que, em razão do inadimplemento, pleitear a resolução do contrato e a retomada do produto
alienado.
A lei, entretanto, é bem precursora, como já diversas vezes realçado. Veja-se que o artigo 35 da
mesma vai dispor que em casos de já se haver superado o pagamento em 1/3 do parcelamento da dívida,
no ato de solicitação do cancelamento, o Oficial, consignando tal ocorrência, vedará o registro em nome
do novo adquirente sem que antes se comprove a restituição das parcelas pagas àquele inadimplente que
teve o contrato rescindido em face de seus interesses, sendo intimado, em 10 dias, para receber. Não
sendo encontrado, será depositado o valor em conta de remuneração em instituição bancária indicada
pela Corregedoria.
Artigo 35. Ocorrendo o cancelamento do registro por inadimplemento do contrato e tendo
havido o pagamento de mais de 1/3 (um terço) do preço ajustado, o oficial do registro de imóveis
mencionará este fato no ato do cancelamento e a quantia paga; somente será efetuado novo
registro relativo ao mesmo lote, se for comprovada a restituição do valor pago pelo vendedor ao
titular do registro cancelado, ou mediante depósito em dinheiro à sua disposição junto ao
registro de imóveis.
Nos limites didáticos a que se propõe a presente, enseja-se realçar que o mesmo não se aplicará
quando a execução se camuflar em leasing (arrendamento mercantil), dada sua natureza locatícia
implícita onde haverá a perda incontinenti de todas as parcelas pagas, por não se tratar de prestações de
financiamento, mas de locação, no que também uniformemente vêm decidindo os nossos tribunais. Em
princípio, é incomum, e até imprópria, a utilização desta modalidade contratual para adaptação à Lei nº
6.766/79, entretanto, nada impeditivo, nada ilegal, em que se afastará, na forma da execução, os limites
da própria lei e daquele artigo 53, dando-se tratamento próprio ao contrato acessório de leasing em
favor do proprietário, que será pessoa diversa do arrendatário.
Igualmente o direito de restituição se limitará a contratos de imóveis loteados, aplicando-se, no caso
de imóveis não loteados, os artigos 412 e 413, do CCB, como lei comum.
1.9. Do especial procedimento de consignação
A lei vai admitir, em caso de injustificada recusa por parte do compromissário-vendedor, que o
oficial do cartório de registro de imóveis faça as vezes de autoridade administrativa para colocá-lo em
mora, reconhecendo-se como efetivamente pago o preço consignado naquele Cartório, o que se fará de
forma efetiva se em 15 dias da intimação não haja impugnação que alegue inadimplência do consignante
(artigo 33). Dispensava-se, dessa forma, muito antes de admitir o CPC, a consignação administrativa,
essa modalidade de depósito em consignação em que o oficial do RI faz as vezes de órgão jurisdicional.
1.10. Do cancelamento do registro do compromisso
Assim como o registro do projeto, o do compromisso de cessão ou promessa de cessão (ou venda,
embora não dito, por óbvio se inclui) somente será cancelado por decisão judicial; por resilição das
partes (transação) a requerimento conjunto de ambos; ou quando houver rescisão comprovada do
contrato, isto é, quando se comprovar a inadimplência de uma das partes.
1.11. Generalidades
Diante da certeza e garantia propugnada pelo legislador, o adquirente poderá sustar o pagamento das
prestações quando verificar que o mesmo empreendimento não se ache registrado, e dará ciência do fato
ao Município ou Distrito Federal para que agilize junto ao responsável a iniciativa a ser despendida
(artigo 38), necessária à regularização.
Eiva de nulidade, o legislador, com a desconstituição das cláusulas que atribuam a “rescisão de
contrato por inadimplemento do adquirente, quando o loteamento não estiver regularmente inscrito”
(artigo 39).
Em último caso, cria a lei responsabilidade solidária entre o Município e o loteador, dispondo que
ante a inatividade deste último despenderá (o Município) esforços para efetivação do projeto,
ressarcindo-se, posteriormente, em face daquele, mediante repetição “integral das importâncias
despendidas, ou a despender, poderá promover judicialmente os procedimentos cautelares necessários
aos fins colimados” (§ 4º, artigo 39), o que não afetará os direitos do adquirente, comprovando o
pagamento integral do preço, caso em que poderá exigir o registro sem necessidade de se elaborar
escritura definitiva (artigo 41). Exceção que se manteve somente, nesse caso, a dispensar o instrumento
prévio.
Para fins de interesse social ou público, isto é, em caso de desapropriação, pouco importará se os
terrenos estão pendentes de relação jurídica ou já estejam compromissados. Em qualquer caso
prevalecerá o interesse do Estado (artigo 43), não dispondo a lei quanto à melhor e mais justa forma de
indenização. Sem dúvida, quanto aos imóveis em negociação, em parcelamento para aquisição da
propriedade imóvel, implica indenizar-se na proporção do direito adquirido e alienado o valor apurado
do bem, indenizando-se, também, proporcionalmente ao tempo e prestação restante, o empreendedor.
O valor da indenização foi mais precisado pelo acrescido parágrafo único ao artigo 43, vindo com a
Lei nº 9.785/99, que dispõe que “o loteador ressarcirá a Prefeitura Municipal ou o Distrito Federal,
quando for o caso, em pecúnia ou em área equivalente, no dobro da diferença entre o total das áreas
públicas exigidas e as efetivamente destinadas”.
Assim, também em caso de desapropriação de áreas para desenvolvimento urbano ou expansão
urbana ressalvar-se-á a preferência dos expropriados para a aquisição de novas unidades (artigo 44),
preferência esta, entretanto, em igualdade de condições econômicas nos termos do princípio de obtenção
de melhor vantagem para a administração, como dispõe a Lei nº 8.666/93, em especial porque a
desapropriação e a oferta de aquisição implicam, previamente, justa indenização e ver-se o expropriado
em igualdade de direitos e obrigações tal qual qualquer outro interessado no âmbito econômico.
Admite a lei, extraordinariamente, legitimidade ao empreendedor, mesmo após comercializados
todos os lotes, assim como aos vizinhos confrontantes, para fiscalizar e “impedir construção em
desacordo com restrições legais ou contratuais” (artigo 45). Impôs a lei, em favor de uma consciência
urbanística coletiva, poder o empreendedor, mesmo tendo loteado os imóveis, ingressar em juízo em
defesa do bem comum, esteja ele circunscrito ao seu empreendimento ou não. Tudo isso em visão
globalizante de afetação coletiva, como anteriormente se comentou sobre a legitimação supletiva do
particular na defesa do interesse coletivo, via embargos de obra nova.
Artigo 45. O loteador, ainda que já tenha vendido todos os lotes, ou os vizinhos, são partes
legítimas para promover ação destinada a impedir construção em desacordo com restrições
legais ou contratuais. (grifo nosso)
Por fim, como digno de nota, dispõe a lei sobre o foro competente, como da situação do loteamento
(artigo 48), sobre questões criminais nos arts. 50 e 52, envolvendo, como se mencionou o responsável,
terceiros que lhe concorram em coautoria ou participação (comissivos próprios) e em especial os agentes
públicos engajados na fiscalização e efetivação do projeto. Apenas, como nova vanguarda protetiva dos
adquirentes (aderentes), se o loteador integrar grupo econômico ou financeiro, vai descortinar, o
legislador, a responsabilidade de “qualquer pessoa física ou jurídica do grupo, beneficiária de qualquer
forma do loteamento ou desmembramento irregular, será solidariamente responsável pelos prejuízos por
ele causados aos compradores de lotes e ao Poder Público”. Igual disposição somente vai ser
reencontrada, mais comumente, no citado Código de Proteção ao Consumidor, que admitiu a teoria
americana da despersonalização da pessoa jurídica, constante do seu artigo 28.
A constituição de empreendimento de loteamento não se confunde com a de condomínio edilício.
Até porque, para esta, há necessidade de solo comum, onde sejam edificadas unidades autônomas. As
figuras, assim, são antinômicas, em princípio, até porque critérios complicadores podem surgir quando
da não alienação de todas as unidades destinadas à edificação, a resvalar-se na constituição de frações
ideais pela edificação de cada adquirente de seu lote, ou mesmo quando todos não façam por edificar, na
inviabilidade de fazer encerrar-se a matrícula de origem, chamada de matrícula mãe.
Entretanto, se bem previsto o projeto de loteamento, em que alteradas as áreas públicas, ou
constituídas áreas públicas, quer para circulação ou equipamentos – como praças – e, desde que não
venham a merecer uso exclusivo dos condôminos adquirentes de lotes, não há porque não se admitir a
figura simbiótica das duas situações jurídicas. Não se descurando, por fim, tal projeto de aprovação pelo
Poder Municipal.
Entretanto, se essa forma permissiva, como parece mais acertada, encontra decisão favorável,
encontra, também, desfavorável. Veja-se, para tanto, as decisões contrárias do Tribunal de Justiça do
Estado de São Paulo, referentes à questão, que nos permitimos reproduzir, em parte, pelo elaborado
estudo que dali se extrai:
Decisão ECGJSP
Data: 27/9/1996 Fonte: 001536/96. Localidade: Campos do Jordão.
Relator: Francisco Eduardo Loureiro
Legislação: Dec.-lei nº 271/67, art. 3º; Lei nº 6.015/73, arts. 176, parágrafo único, II, 3,
213, 225, § 2º; Lei nº 4.591/64, arts. 8º, 43;
Bloqueio de matrícula. Condomínio deitado. Incorporação. Especificação. Loteamento.
Especialidade. Transcrição – antiga. Descrição – imperfeita. Desmembramento. Disponibilidade
– quantitativa – qualitativa. Nulidade.
Ementa:
1. Admite-se descrição imperfeita constante de antigos registros desde que tal descrição
seja mantida na abertura de matrículas, desde que haja elementos mínimos para determinar a
situação do imóvel, e desde que o bem seja alienado ou onerado por inteiro. 2. Gleba maior com
descrição incompleta não pode originar glebas menores com descrições completas sem que haja
anterior processo judicial de retificação. 3. Não se admite a possibilidade de construção e
incorporação de “condomínio deitado” quando não exista vinculação do terreno à construção,
ainda que esta seja apenas projetada ou licenciada na forma da lei. 4. É possível o “loteamento
fechado”, devendo ser aprovado em consonância com a Lei 6.766/79 e os bens de domínio
público somente podem ser destinados ao uso exclusivo dos proprietários dos lotes de terreno por
permissão ou concessão municipais, previstas em lei municipal própria. 5. Para alteração da
especificação do condomínio, exige-se a anuência da totalidade dos condôminos.
e) referindo-se a casas térreas ou assobradadas, o projeto deverá ser aprovado pela
Prefeitura Municipal e o proprietário da totalidade da gleba que tomar a iniciativa da
construção dessas casas será um incorporador e deverá, então, estar submetido às exigências do
art. 32 da Lei 4.591/64 (art. 68 da mesma Lei) (Revista de Direito Imobiliário, v. 14, p. 12,
destaques nossos).
Logo, imprescindível a vinculação do terreno à efetiva construção que nele será erigida e
constituirá a unidade autônoma.
Claro que o terreno pode não conter a edificação no momento da incorporação, como, de
resto, expressa o caput do art. 8º da Lei nº 4.591/64, mas pressupõe, necessariamente, plano,
projeto para construção. Ou, como constou de precedente do Conselho Superior da Magistratura
(aliás citado pela requerente), “daí porque imperativo seja satisfeito o ordenamento jurídico
pertinente, com a vinculação das unidades autônomas às edificações, ainda que apenas
projetadas ou licenciadas na forma da lei” (Apelação Cível 20.439-0/0, Rel. Des. Alves Braga).
[...]
Lembre-se, de resto, o teor do art. 43, inc. IV da Lei nº 4.591/64. Qualquer que seja a
alteração introduzida na incorporação, requer a anuência unânime dos condôminos, como, de
resto, já foi decidido por este Conselho Superior da Magistratura e pelo Supremo Tribunal
Federal (cf. Apelação Cível 17.120-0/9, Rel. Des. Sylvio do Amaral; RE 94.861-9-PR, in Revista
de Direito Imobiliário, nº 09, p. 56-57; RE 89.969-9-RJ, in Revista de Direito Imobiliário, nº 05,
pp. 65-67).
[...]
Mais ainda. O condomínio somente poderá ser instituído na sua inteireza ao final da
averbação da obra da última residência, o que, provavelmente, levando em conta o número de
unidades (251), nunca ocorrerá. Basta que um único adquirente de “lote” não construa sua
residência, para inviabilizar a instituição total do condomínio.
Em resumo: o bloqueio, ao contrário do que argumenta a requerente, não decorre do fato de
ter sido registrado “condomínio deitado”, cuja figura se admite.
A invalidade do registro decorre do fato de não haver relação entre o projeto e as
construções que serão efetivamente erigidas, revelando a real implantação de “condomínio de
solo”, ou de lotes, em manifesta fraude à Lei nº 6.766/79.
[...]
Nosso Colendo Conselho Superior da Magistratura, em inúmeras oportunidades, deixou
assentado que “a instituição da Lei nº 4.591/64, posto que não se aplique somente a edifícios,
tem sua existência subordinada à construção de casas térreas, assobradadas ou de edifícios. Sem
a vinculação do terreno às construções não há condomínio que se sujeite à Lei Especial”
(Apelação Cível 2.349-0, Rel. Bruno Affonso de André; Apelações Cíveis 2.002-0, 2.002, 2.553,
Rel. Des. Bruno de Affonso André; Apelação Cível 2.966-0, Rel. Des. Batalha de Camargo;
Apelação Cível 10.807-0, Rel. Des. Onei Raphael; Apelação Cível 20.439-0/0, Rel. Des. Alves
Braga).
[...]
Como explicam os autorizados registradores Ademar Fioranelli e Jersé Rodrigues da Silva,
“os Cartórios devem estar atentos para os casos comuns que surjam na prática, em que certos
proprietários inescrupulosos, a pretexto de incorporação sob a égide da Lei nº 4.591/64,
pretendem regularizar verdadeiros loteamentos, isto porque a lei de condomínio e incorporações
não admite o terreno divorciado da construção. Ao quererem aplicar o art. 8º da Lei nº 4.591/64,
pretendem, na maioria das vezes, utilizar-se do Decreto-lei nº 271/77, que manda aplicar, no que
couber, àquele diploma aos loteamentos, em afronta à Lei nº 6.766/79, que revogou, pela
superveniência, o aludido Dec.-lei nº 271/67” (Das incorporações, especificação, instituição e
convenção de condomínio, p. 07).
Outro não é o entendimento de Biasi Ruggiero que, em sugestivo artigo, denominado
Condomínio fechado – loteamento burlado, conclui, de modo acertado, que eventual
“condomínio” sem construção, ainda que regrado pelo Dec.-lei nº 271/67, deve obedecer os
ditames da Lei nº 6.766/79 (Revista do Advogado, 18; cf. também Everaldo Augusto Cambler,
Incorporação imobiliária, ensaio de uma teoria geral, RT, p. 257).
Em suma, inviável a tese de que possível é o registro de condomínio especial sem construção.
A defesa de tal ponto de vista, de resto, apenas confirma a efetiva intenção da ora requerente, de
vender lotes como se fossem unidades autônomas.
[...]
Em tese, pode existir o chamado “loteamento fechado”. Deve, porém, ser aprovado em
consonância com a Lei nº 6.766/79 e os espaços públicos (bens de uso comum do povo) ocupados
por vias e logradouros serem destinados ao uso exclusivo dos proprietários dos lotes de terreno
por permissão ou concessão, previstas em lei municipal própria. É o que ocorre nos Municípios
de Valinhos e Campinas citados pela requerente (cf. Elvino Silva Filho, Condomínio deitado e
loteamento fechado, in Revista de Direito Imobiliário, v. 14, pp. 09-19).
O que não se admite é a implantação de tais loteamentos sob o rótulo de “condomínios
especiais”, em manifesta fraude à Lei do Parcelamento do Solo. Não há previsão em nosso direito
positivo, de um tertium genus entre “loteamento fechado” e “condomínio deitado”. Não se admite
que, ao sabor dos interesses do momento, crie-se uma figura jurídica híbrida de loteamento e
condomínio, aplicando, tão-só, a parte de cada lei que atenda à conveniência do empreendedor
(cf. parecer do Juiz Kioitsi Chicuta, in Decisões Administrativas da Corregedoria Geral da Justiça
do Estado de São Paulo, ano de 1989, verbete 78).
Na boa lição de José Afonso da Silva, que bem se ajusta ao caso concreto “vale dizer, tais
‘loteamentos fechados’ juridicamente não existem: não há legislação que os ampare, constituem
uma distorção e uma deformação de duas instituições jurídicas: do aproveitamento condominial
do espaço e do loteamento ou do desmembramento. É mais uma técnica de especulação imobiliária,
sem as limitações, as obrigações e os ônus que o Direito Urbanístico impõe aos arruadores e
loteadores do solo” (Direito urbanístico brasileiro, 2ª ed., Malheiros, pp. 313-314).
Admitir o registro do loteamento como se condomínio fosse significaria aniquilar a Lei do
Parcelamento do Solo Urbano. Não mais haveria controle urbanístico e ver-se-ia privada a
Municipalidade de expressivo espaço público. A médio prazo, estaria comprometido o próprio
sistema viário, uma vez que as cidades estariam totalmente tomadas e cercadas por grandes
“guetos” privados.
Como constou da Apelação Cível 2.349-0, Rel. Des. Bruno Affonso de André, “ressalte-se de
início, que todas as formas de loteamento que têm sido feitas à margem da Lei 6.766/79 acabam
por causar grandes transtornos aos municípios. Os loteamentos fechados que têm se formado no
mais das vezes à revelia das Prefeituras, acabarão, mais cedo ou mais tarde, entravando a expansão
da zona urbana pela impossibilidade de integração das vias internas ao sistema viário do
Município”.
Embora o caso concreto se refira a empreendimento em estância turística e, aparentemente,
distante do centro urbano, o precedente valeria para todo e qualquer parcelamento, inclusive
aqueles populares em grandes cidades. Daí a importância em não se admitir esta forma espúria de
loteamento.
[...]
São Paulo, 22 de setembro de 1996 – Francisco Eduardo Loureiro, Juiz de Direito Auxiliar
da Corregedoria.
Acórdão TJSP
Data: 5/12/2002 Fonte: 1496384/3-00 Localidade: Indaiatuba
Relator: CARLOS RENATO DE AZEVEDO FERREIRA
Legislação: Lei 4.591/64, Lei 6.766/79.
Condomínio especial de casas. Propriedade vertical e horizontal. Urbanização.
Incorporação imobiliária. Loteamento fechado. Aprovação municipal. Vila particular. Ministério
público – ação civil pública.
Ementa:
1) Apelação cível – Ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público – Sentença de
procedência. 2) Condomínio especial de casas – Lei 4.591/64, artigo 8º, alíneas “a”, “c” e “d”.
3) Apelação plena (CPC, 515) – Admissão do pleito de assistência simples formulado por
compromissária compradora – Reexame de todos os temas, inclusive os atinentes às questões
prejudiciais – Rejeitado o pleito recursal de nulidade da sentença por argüição de inexistência
de postulação de tutela declaratória quanto à nulidade do registro de incorporação. 4)
Interpretação do artigo 3º da Lei 7.347/85 – Pólo passivo incompleto em razão da ausência de
todos os adquirentes dos imóveis, dos credores hipotecários e da Municipalidade – Questão
superada em decorrência do provimento recursal. 5) Distinção entre propriedade vertical (CC,
623 e 628), propriedade horizontal (Lei 4.591/64, 1º), condomínio especial horizontal de casas
(Lei 4.591/64, 8º, “a”) e loteamento urbano (Lei 6.766/79). 6) Condomínio especial aprovado
desde 1992 – Incorporação do condomínio registrada previamente no Cartório de Registro de
Imóveis local – Projeto de Incorporação Imobiliária previamente aprovado pela Municipalidade.
7) Proteção constitucional (CF, 5º, XXII e XXIII, 30, I e VIII, 182, §§ 1º, 2º, e 236) buscando a
corporificação de uma forma de urbanização de propriedade privada. 8) Incidência dos
comandos dos artigos 115, 524, 526, 572, 623, 628, 859 e 1.080 do Código Civil e artigos 1º e
252 da Lei 6.015/73. 9) Posicionamentos doutrinários a propósito do tema. 10) Ausência de
ilegalidade no empreendimento imobiliário, pois, a Lei 4.591/64 não prevê área mínima de
construção para o condomínio de casas. 11) Interesse urbanístico do Município preservado em
face do princípio da legalidade (Lei 4.591/64, art. 32) e da autonomia municipal. 12)
Inaplicabilidade da Lei 6.766/79. 13) À unanimidade, admitida a apelação. 14) Por maioria,
vencido o I. Relator Sorteado, deram provimento ao recurso. Acórdão com o 3º Juiz.
[...]
A implantação de um condomínio de casas caracteriza, induvidosamente, uma forma de
urbanização de propriedade privada, com recursos privados, para edificação residencial, para
ser detida pelos aderentes da incorporação em regime de condomínio por unidades autônomas.
11. Essa decisão da apelante incorporadora de implantar um conjunto de edificações
corporificado por um condomínio de casas emergiu, antes de mais nada, da sua condição de
titular do domínio sobre determinada área urbana, sendo certo que o direito de urbanizar e
construir sobre ela é qualidade dessa própria titularidade dominial.
Vale, neste ponto, não só relembrar que o Código Civil brasileiro em seu art. 524 assegura
ao proprietário “[...] o direito de usar, gozar e dispor de seus bens e de reavê-los de quem quer
que injustamente os possua [...]”, no seu art. 526 estabelece que “[...] a propriedade do solo
abrange a que lhe é superior e inferior, em toda altura e profundidade [...]”, e em seu art. 572
preceitua que “[...] o proprietário pode levantar em seu terreno as construções que lhe aprouver,
salvo o direito dos vizinhos e os regulamentos administrativos [...]” (textual).
12. É certo que a visão individualista da propriedade imobiliária agasalhada em nosso
Código Civil, toda ela inspirada no Direito Romano, não se destempera de forma expressiva se
atentarmos para os comandos constitucionais que incidem sobre o tema “propriedade”, seja
como expressão de direito individual (art. 5º, inc. XXII, da CF), seja como expressão de sua
função social (art. 5º, inc. XXIII, da CF), tendo em conta que “[...] a propriedade urbana cumpre
sua função social quando atende as exigências fundamentais expressas no Plano Diretor [...]” –
textual – (CF, 182, § 2º).
13. A decisão do que fazer com dito imóvel situado em Indaiatuba estava nuclearmente na
esfera de sua proprietária, desde que respeitados, após sua decisão, o direito dos vizinhos e os
regulamentos administrativos (CC, 572).
Não há dúvida nos autos que a originária proprietária da área decidiu, no exercício do seu
direito de propriedade, implantar sobre parte da mesma um condomínio de casas nos moldes do art.
8º da Lei 4.591/64.
Não há nessa decisão qualquer ilegalidade, mas, ao contrário, direito assegurado pelo
regime legal que protege o instituto da propriedade no âmbito do Sistema Jurídico Nacional.
Tem-se por atendidas, sem dificuldades pertinência ou interpretação, as normas legais
incidentes sobre uma parte do suporte fático que dá azo ao presente litígio.
14. A implantação do condomínio de casas exigia, nos moldes das normas constitucionais e
infraconstitucionais, a aprovação do respectivo projeto pela Municipalidade de Indaiatuba seja
em função do já citado art. 182, especialmente seu “caput” e §§ 1º e 2º, da CF, seja em razão de
que “[...] Compete aos Municípios [...] I – legislar sobre assuntos de interesse local; [...] VIII –
promover, no que couber adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do
uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano; [...]” – textual – (CF, 30, I e VIII).
[...]
18. Não é possível flagrar, portanto, violação à legislação urbanística na aprovação do
referido projeto pela Municipalidade, nem há dúvida nos autos de que aquele órgão público, no
exercício de sua competência privativa, aprovou a implantação de um condomínio de casas e não
de um loteamento, atendidas as especificidades de infra-estrutura condominial que
empreendimentos do jaez tecnicamente exigem.
Não há fomento, pois, para a posição assumida pelo MP apelado de que, ao propor a ação
civil pública em nome dos interesses difusos estava buscando a proteção do “[...] regular padrão
do desenvolvimento urbano [...]” (literal), porquanto tal tutela legal fora esgotada pela
Municipalidade, repete-se, no exercício de competência privativa.
19. Não impressiona, também, o argumento do MP apelado de que, por razões urbanísticas,
pertenceria ao Município o acervo consubstanciado nos logradouros públicos e respectivos
equipamentos, em razão do registro de um loteamento.
Em primeiro lugar, a aprovação do projeto “in casu” foi para implantação de um
condomínio de casas sobre a área incorporada, sendo certo, ainda, que “[...] as desapropriações
de imóveis urbanos serão feitas com prévia e justa indenização em dinheiro [...]” – literal – (CF,
182, § 3º).
Em segundo lugar, a implantação de um loteamento decorre, também, sempre de ato/fato
voluntário do proprietário, passando, só a partir de então, a incidir os comandos legais que
regulam essa “oferta pública” de lotes para venda à prestação.
Na verdade, a transmissão “ex vi legis” em casos de loteamentos para o patrimônio público
das “[...] vias e praças, os espaços livres e as áreas destinadas a equipamentos urbanos, bem
como os próprios equipamentos (sistema de água, luz etc.) [...]” (literal) se opera sempre que, no
exercício do direito de propriedade, o titular do domínio sobre determinada área decidir
implantar sobre ela um loteamento (vontade do “domino”), decidir aprovar seu projeto nos
órgãos públicos competentes (vontade do “domino”), obter a aprovação do projeto nos ditos
órgãos públicos (acolhimento da vontade do “domino” segundo a legislação urbanística vigente)
e registrar o loteamento (vontade do “domino” segundo as normas reguladoras da oferta pública
de lotes = lei de loteamentos).
Não está na esfera do Poder Público a apropriação, na hipótese de loteamentos, das áreas
privadas, mas comporta atos/fatos desencadeados pelo proprietário que, assim, no exercício dos
seus poderes, para atingir determinado escopo, doa parte de patrimônio seu ao Poder Público.
[...]
No caso presente, as exigências urbanísticas foram supridas pela aprovação pela
Municipalidade de Indaiatuba do projeto do “Condomínio Residencial Village Terras de Indaiá”.
A comercialização das unidades de dito empreendimento, durante sua fase de implantação,
se operou, por seu turno, via proteção do consumidor, corporificada pelo correspondente registro
da sua incorporação no Ofício Imobiliário competente, devidamente instruída pelo projeto
aprovado pela Municipalidade e demais documentos exigidos pelo art. 32 da Lei nº 4.591/64.
23. Não se deu, como apregoado pelo apelado e acolhido na sentença, a ocorrência de
vícios na proposta de comercialização encorpada pelo memorial da incorporação e documentos
que o instruíram.
Não ocorrendo fundamentação ou utilidade legal para o desfecho desta demanda a
declaração de nulidade do ato de registro da incorporação do “Condomínio Residencial Village
Terras de Indaiá” no Ofício Imobiliário competente, pois, “[...] A iniciativa e a responsabilidade
das incorporações imobiliárias caberão ao incorporador, que somente poderá ser: a) o
proprietário do terreno, o promitente comprador, o cessionário deste ou promitente cessionário
com título que satisfaça os requisitos da alínea “a” do art. 32; b) o construtor (Decretos nºs
23.569, de 11.12.33, e 3.995, de 31 de dezembro de 1941, e Decreto-lei nº 8.620, de 10 de janeiro
de 1946) ou corretor de imóveis (Lei nº 4.116, de 27.8.62).” (art. 31, “caput”, da Lei nº 4.591/64)
[...]” (textual).
24. Fácil fica entender, pela interpretação de dispositivos da Lei nº 4.591/64, que pode sim o
incorporador, quando proprietário da área incorporada, tão-só alienar as frações ideais de
terreno, sem se compromissar com a execução por ele da construção do empreendimento
incorporado, circunstância, aliás, flagrada na própria lei quando diz que “[...] Considera-se
incorporador a pessoa física ou jurídica, comerciante ou não, que, embora não efetuando a
construção, compromisse à venda frações ideais de terreno objetivando a vinculação de tais
frações a unidades autônomas [...]” – literal – (Lei nº 4.591/64, 29, “caput”).
Resulta, de conseqüência, que não deve ser confundida a responsabilidade do incorporador
de vincular, na oferta pública corporificada pelo registro da incorporação, as frações ideais de
terreno com as unidades autônomas e, no âmbito interno de cada uma dessas, o regime de
construção de casas, com a execução do empreendimento proposto.
[...]
27. Já a construção das residências (parte interna das unidades autônomas) foi assumida
pelos próprios condôminos, cada um respondendo pela construção e custeio de sua casa, dadas as
singularidades que os condomínios de casas (art. 8º, alíneas “a”, “c” e “d”, da Lei nº 4.591/64)
apresentam em relação aos condomínios de apartamentos, embora em ambos suas unidades sejam
detidas em regime de “propriedade horizontal” ou “por unidades autônomas”.
[...]
29. Deve-se ter presente, também, que, ao contrário dos edifícios de apartamentos ou de
conjuntos comerciais, nos condomínios de casas a fração ideal, que compõe coeficiente
estipulado pelos condôminos para, numa espécie de quinhão, permitir a proporcionalização do
custeio da construção e do uso das coisas de uso comum e fim proveitoso do Condomínio, pode se
realizar:
[...]
42. Imprescindível anotar que o condomínio especial horizontal de casas ora questionado já
obteve um “placet” favorável desta C. Corte por sua E. 8ª Câmara de Direito Público, ao julgar
a apelação cível 122.514-5/4-00, relatada e presidida pelo I. Desembargador TOLEDO SILVA, em
31/01/01, onde se extrai que:
“[...]os fatos narrados na inicial estão fartamente demonstrados pelos documentos anexados
aos autos [...]
Aprovado o projeto de construção pela Prefeitura Municipal nada justifica o indeferimento
do pedido de “habite-se”, sob o fundamento de que os impetrantes devem aguardar a
regularização do loteamento.
Os documentos anexados aos autos demonstram que o Condomínio “Residencial Village
Terras de Indaiá” está registrado no Cartório de Registro de Imóveis da Comarca de Indaiatuba
– matrícula 31766, e nele consta expressamente que, “poderão os condôminos, a seu critério,
desde que submetidas à aprovação pela Prefeitura Municipal de Indaiatuba, através de
substituição de projeto, a alterações e benfeitorias ou aumentos nas unidades autônomas” (fls.
12).
Assim, concluída a obra, e estando ela de acordo com o projeto aprovado, deve a
Administração expedir o “habite-se” [...]” (literal).
43. Enfim, não ficou constatada ilegalidade no empreendimento telado, pois a Lei nº
4.591/64 não estipula a obrigatoriedade de observação de área mínima de construção para o
condomínio de casas.
De outra parte, não há vedação para que o condomínio promova o aumento de área
construída, desde que respeite a convenção condominial e obtenha a aprovação municipal e dos
demais condôminos, acautelando-se, ainda, para que não haja aumento da área do terreno.
Também, os preceitos constitucionais e legais, codificados ou esparsos, incidentes sobre a
hipótese dos autos respaldam a insurgência recursal.
Ainda, a aprovação urbanística exigível teve o “placet” do Alcaide que o emitiu em
observância à autonomia municipal constitucionalmente outorgada.
44. Do exposto, à unanimidade, conhece-se da apelação e, por maioria, dá-se-lhe
provimento, para julgar improcedente a ação civil pública.
Desembargador CARLOS RENATO DE AZEVEDO FERREIRA
Relator designado
DECLARAÇÃO DE VOTO VENCIDO
VOTO 8.541
[...]
Mas sem razão. A circunstância de ter, a lei federal, sido alterada somente derrogaria a
norma municipal se com ela fosse incompatível, o que não ocorre. Houve o fenômeno de recepção
da postura municipal.
No mérito, correta a sentença. No condomínio especial previsto no art. 8º da Lei nº 4.591, de
16 de dezembro de 1964, há vinculação da construção ao terreno ocupado por ela e àquele de sua
utilização exclusiva. No caso em exame, essa vinculação era fictícia, pois previa construções com
área útil de 20 m² (vinte metros quadrados), em áreas de terreno de mais ou menos 500 m²
(quinhentos metros quadrados).
Esta circunstância já era suficiente para demonstrar que a incorporação especial era
impossível, camuflando o parcelamento do solo pelo loteamento da área, sem atender às
exigências da Lei nº 6.766/79, entre as quais a de transferência, para o domínio público, da área
a que alude o art. 22 da mesma lei.
A sentença examinou, ainda, aspectos outros que conduzem à mesma conclusão: a nulidade
do registro da incorporação, motivação que também fica aqui incorporada.
Negava provimento ao recurso.
BORIS KAUFFMANN
Relator vencido
Condomínio
1. Introdução
Segundo a tradicional concepção do Direito das Coisas, condomínio é a comunhão de domínio, ou
seja, é a ocorrência de mais de uma titularidade – senhorio – sobre um mesmo bem, em igualdade de
direitos a ser exercido erga omnes, inclusive, por mais bizarro que possa parecer, intersubjetivamente,
opondo, cada um ao outro, o seu direito a ser exteriorizado na capacidade ditada pela quota de direitos
no todo único.
O tratamento é o mesmo da composse determinado pelo Código Civil (artigo 1.199 do CC),
especializando-se, apenas, o direito certo, registral, de domínio, de propriedade, reconhecido a cada um
dos condôminos. Tal estado de indivisão, necessariamente vista, em face do bem jurídico, comum a todos
os titulares do direito subjetivo de propriedade, caracteriza-o de tal forma que passa a ser identificado,
pela doutrina, como condomínio pro indiviso.
Assistindo observar nesse fenômeno ocorrente algum especial tratamento pelo direito, como faz a
mesma lei ordinária, que dispõe de capítulo próprio para sua previsão. Assim, estabelece o artigo 1.314,
em favor de cada condômino, o direito de livremente usar a coisa conforme seu destino, isto é, segundo
sua idoneidade finalística, já anteriormente mencionada, exercendo sobre a mesma os direitos que
desejar, que puder nos limites da sua qualidade precária em face da existência de outros em igual
situação e status, o que vale dizer, tendo certa a qualidade indivisa do bem.
Em face do direito de propriedade, tanto por si quanto coletivamente, poderá, ainda, exercer o
direito de reivindicá-la de terceiros (artigo 1.314 do CCB) estranhos à comunhão, ou alienar sua quota-
parte, dando-se por obrigação legal na preferência aos demais titulares do domínio, que poderão exercer
seus direitos de prelação,[299] nos seis meses decadenciais da alienação, na forma do artigo 1.504, § 1º,
do CCB, e a ordem de preferência instada no parágrafo único, do mesmo diploma legal, assim como na
solução do artigo 1.302 do CCB.
Ainda, como senhorio que é, poderá, menos que alienar, gravar sua parte, sem que para tanto se
descaracterize a coisa como indivisa. Entretanto, dependerá do consentimento dos demais para “dar
posse, uso, ou gozo da propriedade a estranhos” (artigo 1.314).
Disso se infere que o condomínio comum, civil, tem por qualidade a indivisão, mas por realidade a
certeza individualizada do direito de cada condômino, de cada titular de direitos e obrigações,
compondo, em princípio, verdadeiro contrassenso em face da característica da propriedade, a
exclusividade. Mas todos são exclusivos em seus direitos, exclusivos em seus limites ditados pela parte
ideal, que no silêncio do contrato se admitirá em iguais porções (parágrafo único do artigo 1.315 do
CCB), exclusivos, individual ou coletivamente, em face de terceiros.
Tal realidade, contudo, só tem a oferecer-se como polo potencial de conflitos. Ora entre os
condôminos, ora em face de terceiros, o que faz a lei admiti-la, ante a sua inevitável realidade de
ocorrência – como entre cônjuges, em que também existe a copropriedade, decorrente, p. ex., da meação
–, contudo, estimulando sempre o mais, sua transitoriedade. Daí afirmarmos que menos que tratamento
ocorre pela lei verdadeira tolerância jurídica.
Daí dispor a lei que qualquer condômino, a qualquer tempo, poderá extinguir o condomínio pela sua
simples e individual vontade, ao que todos se submeterão, inclusive alienando-se a terceiro, se nenhum
deles puder ou quiser assumir a indenização em favor dos demais (artigo 1.320 do CCB), estabelecendo
ainda, no parágrafo único, que “podem, porém, os consortes acordar que fique indivisa por tempo não
maior de cinco anos, suscetível de prorrogação ulterior”; quando ademais imposto como condição, via
doação ou testamento, somente por cinco anos se tolerará sua indivisão forçada (artigo 1.320, § 1º, do
CCB).
Disso exposto, extraímos, em síntese, os elementos que caracterizam e definem a realidade da
compropriedade, ou do condomínio, em que a “indivisão é, assim, o estado em que se encontra uma coisa
sobre a qual várias pessoas têm direitos concorrentes”,[300] decorrendo da vontade das partes
(contratual ou testamentária), ou legal – como na meação de muros e cercas, ou até dos bens adquiridos
na constância do casamento, ou levados para ele quando o regime for o da comunhão universal – e
fortuita, pela abertura da sucessão a vários herdeiros, até final partilha, quando se extinguirá. Extingue-
se por fim, por força de lei ou vontade, mas implica, de forma fática, a alienação, a divisão da coisa,
constituindo diversas propriedades individuais e autônomas, nos limites impostos pela municipalidade
em face de seus gabaritos e normas de postura urbanística ou gleba rural.
1.1. Condomínio edilício
O que interessa analisar aqui é o condomínio então regulado pela Lei nº 4.591, de 16 de dezembro
de 1964, decorrente da realidade urbana de desenvolvimento vertical de edificações, racionalizando-se a
concentração de espaços nesses grandes centros, possibilitando a maior exploração sobre um mesmo
solo por mais de um proprietário. O novo CCB, a partir do artigo 1.331, passa a regulamentar essa
modalidade, levantando-se, assim, questão de antinomia. Parece-nos, que o novo CCB substitui o texto da
Lei extravagante acima, uma vez que nesse particular o novo ordenamento traz conteúdo de
especialização sobre a figura jurídica em comento. Torna-se, assim, revogada a lei anterior e, quando
não, restam artigos de eficácia meramente dispositiva.
Em oposição ao condomínio clássico estudado, cuja característica primeira é a precariedade, a
transitoriedade, o condomínio edilício é marcado pela definitividade, pela perpetuidade, e como tal o
direito vai lhe dar tratamento, distinguindo-o, contudo, do chamado condomínio forçado, também
indissolúvel, pela sua realidade física e finalidade, como muros e cercas.
Distingue-se este daquele porque aqui a realidade comum é mais individual, porque a realidade de
condomínio está disposta em planos horizontais, limitando a parte ideal de direitos à materialização dos
espaços comuns sobre ficta realidade – as frações ideais, visualizando-se mais os limites de cada
condômino, de cada proprietário, que permanecem vinculados à simultânea realidade, coexistente, de
direitos e propriedade comum sobre áreas comuns.
Dever-se-iam chamar, então, de condomínios verticais, porque nos centros urbanos crescem para
cima, mas tal observação, tão só jocosa, se dissipa pela realidade da autonomia das unidades ligadas por
um vínculo comum de unidade jurídico-material: a fração ideal sobre a propriedade solo, sobre a qual se
edificam as unidades, e sobre as quais se exerce, necessariamente, o direito de acesso e fruição das áreas
de prazer e garagem ou estacionamento, v.g.
Com toda uma especial realidade jurídica, vem tratada e hoje cada vez mais se apresenta como
focos de conflitos sociais de vizinhança. A lei terminou com a irrelevante questão de o condomínio ser
horizontal ou vertical e hoje o intitula de edilício.
1.2. Concepção legal do condomínio edilício
Dispõe a lei, definindo, por exemplificação, como condomínio em edificações, “as edificações ou
conjuntos de edificações, de um ou mais pavimentos, construídos sob a forma de unidades isoladas entre
si, destinadas a fins residenciais ou não residenciais” (artigo 1º da Lei nº 4.591/64).[301]
A redação, vale consignar, já resulta de aperfeiçoamento, mas dela se extraem alguns elementos
importantes para concepção do condomínio edilício:
a) a realidade desses condomínios pode ser estendida a uma ou a mais de uma edificação, pouco
importando, assim, a concentração em um único prédio edificado, o que admite a constituição
de condomínio especial, em aglomerações tanto de apartamentos quanto de casas, ou ainda de
casas vinculadas, enquanto condomínio, a blocos de apartamentos;
b) as unidades construídas assumem, determinadamente, destinação individual, como tais, isoladas
em sua realidade jurídica, podendo, fisicamente, não serem tão isoladas, assim como ocorre
em edificações pombais destinadas à baixa renda;
c) tanto podem ser destinadas a fins residenciais, como a não residenciais ou mistas.
Como se vê, falta ainda, à própria lei, o êxito de conceituar ou definir de forma satisfatória, ainda
que complementada pela parte final do caput do artigo 1º, onde se prevê, em contraposição à realidade
do condomínio civil simples, da compropriedade, o poderem “ser alienados, no todo ou em parte,
objetivamente considerados, e constituirá, cada unidade, propriedade autônoma, sujeita às limitações
desta lei”.
Repisando. Não é fácil encontrar um conceito razoável, satisfatório, assim como não é fácil definir a
própria concepção de condomínio em edificações, como se verá, senão entendê-lo como realidade
jurídica sui generis (o que sempre equivale a dizer nada).
O novo CCB também deixa de conceituar a figura, entretanto, definindo limites característicos que
não se confrontam com os da lei em comento, artigo 1.331.
1.3. Distinção legal entre aquele condomínio geral e esse condomínio edilício
Não obstante a dificuldade, também não seria suficiente, na imposição do § 1º do artigo 1º,
reconhecer como condomínio edilício aquele existente quando as unidades estiverem, cada uma delas,
“assinaladas por designação especial, numérica ou alfabética, para efeitos de identificação e
discriminação”. Porque nada importará que um grupo, até de posseiros, divida um prédio em cômodos e
atribua a cada um limite identificado de direitos. Tal disposição, convencional, não será apta a
estabelecer a figura jurídica do condomínio pro diviso, permanecendo, perante o Estado e terceiros,
como condomínio pro indiviso.
O § 2º, contudo, lança mais um pouco de luz, ou mais um pouco de elemento componente à
compreensão individualizada do que se possa entender por condomínio especial: “A cada unidade
caberá, como parte inseparável, uma fração ideal do terreno e coisas comuns, expressa sob forma
decimal ou ordinária.”
Tal fração ideal, peculiar e exclusiva dessa modalidade de condomínio é a representação fracionada
da quota-parte dos direitos de cada condômino, em relação ao solo sobre o qual se edificou o
empreendimento, e em relação perpétua em face dos demais condôminos, estabelecendo o limite de
direitos e obrigações. Pode ser arbitrada em razão do valor ou, como é mais usual entre nós e adotou a
legislação, em face da área privativa edificada.[302]
Assim, haverá condomínio edilício não quando haja mais de uma unidade vinculada pela
identificação autônoma a uma mesma realidade de edificação, mas quando tais unidades forem
individualizadas segundo o critério de fração ideal correspondente a cada uma delas, e mais, em nosso
sistema registral, levada tal realidade mensurada e individualizada a constituir um registro particular,
uma matrícula individual para cada direito de propriedade, vinculador de cada uma dessas unidades
autônomas.
Como autônomas, a partir do registro, as propriedades individuais, que terão por comum apenas um
mesmo logradouro e um mesmo imóvel solo, poderão ser livremente alienadas a qualquer um estranho à
comunhão residual sobre os espaços coletivos, ou seja, a qualquer um que não seja condômino, sem que
possa este sentir-se prejudicado, ou pretender, menos ainda, exercer direitos de prelação sobre o bem
alienado.
1.4. A certeza da individualização de cada unidade e sua autonomia
O artigo 1.253 do CCB estatui que tudo plantado ou edificado sobre determinado terreno presume-
se feito pelo proprietário e à sua custa, até que o contrário se prove. Acrescendo-se a isso, a teoria da
exclusividade do domínio como característica essencial da propriedade, e mais a certeza do registro, fica
sem defesa a realidade jurídica múltipla da edificação por planos horizontais.
A questão moderna, entretanto, vindo a exigir maior racionalização de áreas urbanas, trouxe a
necessidade de se reformular a legislação civil, não que se inverta, como lembra Pontes de Miranda, a
realidade principal do solo em relação ao acessório, mas a principalidade e econômica, funcional-urbana
desta sobre aquele, sem se perder a noção de que “no edifício de apartamentos, cada comunheiro é dono
de objeto de direitos, cujas partes indivisas são o terreno e outras partes do edifício, e partes divisas são
o apartamento e outras partes divisas”,[303] o que explica a necessidade ou simples existência de
comunhões de proprietários autônomos, vinculados por um solo comum.
A evolução social e sua concentração veio a exigir de fato esse tratamento, mantidas as
características da propriedade individual, o que, aliás, se mantém. Tal individualização está a requerer,
antes de tudo, o simples acesso livre e certo, no que dispõe a lei, para que cada unidade tenha saída para
a via pública, diretamente ou por processo de passagem comum (portarias, v.g.), sendo sempre tratada
como objeto de propriedade exclusiva, qualquer que seja o número de suas peças e destinação, inclusive
quando constituídos para edifícios-garagens (artigo 2º da Lei nº 4.591/64).
Por consequência, a “alienação de cada unidade, a transferência de direitos pertinentes à sua
aquisição e a constituição de direitos reais sobre ela independerão do consentimento dos condôminos”
(artigo 4º da Lei nº 4.591/64), desde que se comprove, no ato da alienação, que se encontra quites com as
obrigações condominiais, caso em que, não ocorrendo, por declaração do síndico ou administrador, a
vedação legal se impõe não como empecilho à alienação, à capacidade de disposição, mas óbice
cautelar, impeditivo da transferência dos direitos que a ela acompanhem obrigações (parágrafo único). Se
contudo ocorrer tal transferência, não se eximirá o adquirente das obrigações que assumiu com sua
desídia, ou negligência, podendo o condomínio excutir as dívidas no próprio bem, como garantia final, e
este último, lesado, regressivamente em face do alienante.
A nova lei não contradiz a anterior, apenas especializa, exemplifica as hipóteses em que se poderá
considerar, enxergar um condomínio edilício. Assim, o artigo 1.331 do CCB exemplifica quais as partes
que podem ser de propriedade exclusiva e as partes de propriedade comum dos condôminos:
§ 1º As partes suscetíveis de utilização independente, tais como apartamentos, escritórios,
salas, lojas, sobrelojas ou abrigos para veículos, com as respectivas frações ideais no solo e nas
outras partes comuns, sujeitam-se à propriedade exclusiva, podendo ser alienadas e gravadas
livremente por seus proprietários.
§ 2º O solo, a estrutura do prédio, o telhado, a rede geral de distribuição de água, esgoto, gás e
eletricidade, a calefação e refrigeração centrais, e as demais partes comuns, inclusive o acesso
ao logradouro público, são utilizados em comum pelos condôminos, não podendo ser alienados
separadamente, ou divididos.
§ 5º O terraço de cobertura é parte comum, salvo disposição contrária da escritura de
constituição do condomínio.
E como característica da mesma estrutura jurídica, reitera a livre acessibilidade, sendo vedado
privar-se do acesso ao logradouro público qualquer unidade (§ 4º do mesmo artigo 1.331 do CCB);
assim como a noção de fração ideal nesse artigo, finalmente trazendo uma melhor noção dessa concepção
jurídica, como a representatividade proporcional ao valor da unidade imobiliária, o qual se calcula em
relação ao conjunto da edificação.
Em relação à fração ideal, dispunha o texto original editado do CCB que a fração ideal no solo e
nas outras partes comuns é proporcional ao valor da unidade imobiliária, o qual se calcula em relação ao
conjunto da edificação (parágrafo 3º do artigo 1.331 do CCB). Entretanto, recente Lei – nº 10.931/04 –
resolveu alterar a redação para o seguinte: A cada unidade imobiliária caberá, como parte inseparável,
uma fração ideal no solo e nas outras partes comuns, que será identificada em forma decimal ou ordinária
no instrumento de instituição do condomínio.
1.5. Constituição do condomínio
Por mais tormentosa que seja a composição dos múltiplos direitos de propriedade a um único bem,
pelo universo de titulares do domínio, não pode o Estado impor-lhes restrições que não as comuns ao
direito de propriedade, seja terminativo, mediante desapropriação, seja nos limites do interesse público.
Jamais, entretanto, obrigar aos comproprietários a desfazerem-se do direito comum, repita-se, por mais
conflituoso e odiento que lhe pareça como foco de contendas e lides futuras.
Assim, não podendo a lei obrigar a constituição de condomínio especial, porque estaria obrigando a
alienação parcial ou total, resta apenas a vontade particular como fonte de constituição do condomínio,
razão por que a lei prevê que o “condomínio por unidades autônomas instituir-se-á por ato entre vivos ou
por testamento” (artigo 7º da Lei nº 4.591/64). Mas, como implica mais a terceiros que propriamente aos
condôminos tal constituição, inclusive quanto à sua representação e necessidade de um ser que responda
pelo conjunto de condôminos, pelas responsabilidades decorrentes desse ser impessoal, muito embora
não lhe reconhecendo personalidade jurídica, vai exigir, para sua existência e validade, o registro
mediante “inscrição no registro de imóveis, dele constando: a individualização de cada unidade, sua
identificação e discriminação, bem como a fração ideal sobre o terreno e partes comuns, atribuída a cada
unidade, dispensando-se a descrição interna da unidade”.
A questão da regular existência do condomínio exige, como se viu, pressupostos legais para sua
constituição, somente elididos pela boa-fé de terceiros que, muitas vezes, se veem compelidos a dirigir-
se a certas figuras condominiais, legalmente inexistentes, nesse sentido específico. Isso porque, como se
viu, para o surgimento do condomínio edilício há que se fazer existir requisitos materiais de solo comum
e edificação tida como individual, além do registro da convenção, como ato constitutivo normativo. A
tais figuras de aparência tem a jurisprudência atribuído a alcova de condomínio aparente ou irregular,
em especial, para não deixar de reconhecer um polo resultante, em que se espraia a coletivização da
responsabilidade passiva[304] ou mesmo legitimação ativa,[305] inter partes. Muitas vezes, também, tal
figura, haveria de se confundir com grupos de casas ou moradores, mais propriamente identificados como
associação de moradores, sendo, contudo, chamados, informalmente de condomínios.
Novamente, o novo CCB estabelece, no artigo 1.332, que se institui o condomínio edilício por ato
entre vivos ou testamento, registrado no Cartório de Registro de Imóveis, devendo constar daquele ato,
além do disposto em lei especial:
I – a discriminação e individualização das unidades de propriedade exclusiva, estremadas
uma das outras e das partes comuns;
II – a determinação da fração ideal atribuída a cada unidade, relativamente ao terreno e
partes comuns;
III – o fim a que as unidades se destinam.
1.6. Natureza jurídica
“O domínio do imóvel não pertence a uma pessoa jurídica. A reunião dos condôminos é destituída
de personalidade. Falta completamente a affectio societatis. E se um vínculo jurídico os congrega, não
é, certamente, pessoal, mas real, representados os direitos dos condôminos pelos atributos dominiais
sobre a unidade e uma copropriedade indivisa, indissociável daqueles sobre as coisas comuns.”[306]
Por essa razão não se reconhece, inclusive em nível pretoriano, o condomínio como pessoa jurídica,
senão como ser abstrato, impessoal, sui generis, dado que não resulta da unidade dos condôminos, um
ente,[307] outro autônomo e pessoal capaz, por si, de assumir direitos e obrigações, mas senão que estas,
inclusive as dívidas fiscais, são respondidas por cada unidade (artigo 11 da Lei nº 4.591/64)),[308] ou
por cada condômino, individualmente, nos limites de suas frações ideais.[309] Para fins de representação
coletiva, entretanto, assiste, bizarramente, reconhecer legitimidade ativa e passiva ao condomínio,[310]
não obstante, a representação regular caberá ao Síndico, eleito na forma do artigo 1.347 e os poderes na
forma do artigo 1.348, ambos do novo CCB.
São ainda unânimes os autores em reconhecer que, faltando a affectio societatis, não há como se
reconhecer o surgimento da personalidade jurídica, apenas de um ser novo, pessoa nova admitida pela
lei.
Washington de Barros dá notícia de diversas opiniões que se apresentam para solução da
problemática da natureza jurídica do condomínio especial, na tentativa, assim, de melhor enquadrá-lo e
tratá-lo, pelos seus efeitos:
“Diversas teorias tendentes a explicar a natureza jurídica das relações que se estabelecem
entre os proprietários dos vários apartamentos. Butera delas ocupa-se pormenorizadamente.
Limitar-nos-emos a apontá-las, sem discuti-las ou combatê-las.
Mencione-se, em primeiro lugar, teoria denominada acéfala, que nega a existência de
verdadeira propriedade nessa forma de condomínio. Em segundo lugar, cumpre se recorde ponto
de vista do direito francês que inclui tais relações jurídicas no capítulo das servidões. Para o
legislador alemão, elas são compendiadas na parte relativa ao direito de superfície. Para outros,
ainda, ocorre a existência de pessoa coletiva ou jurídica, proveniente da reunião dos vários
proprietários, teoria que veio a ser transição para outra, a da sociedade ou associação de fato.
Entretanto, doutrina mais em voga prefere vislumbrar uma comunidade de direitos, de que são
titulares várias pessoas, incidindo sobre o mesmo objeto.”[311]
De nossa parte entendemos despiciendo maior esforço em vislumbrar a sua natureza jurídica ante o
fato, inquestionável, de sua previsão legal, de uma representação reconhecida e legitimada, assim como
do universo individual de pessoas responsabilizadas, em nível mediato – os condôminos –, quando o
patrimônio comum inexistir ou for de ineficaz economicidade para responder.
Entendemos, entretanto, que a teoria associativa parece ser a mais consentânea e só não prosperou
porque à época de sua formulação não se questionavam, ao menos entre nós, com tanto entusiasmo e
positividade, o reconhecimento dos mais amplos direitos transindividuais, como os coletivos e difusos,
em que se vai reconhecer a personalização extraordinária, pela substituição, em alguns casos, admitindo-
se visualizar, inclusive, um universo concêntrico e corporificado de interesses.
Ganha força, assim, a nebulosa saída pela tipificação de um ente sui generis.
1.7. Áreas comuns e individuais, possibilidade de alienação, integração e
modificação interna e externa
Já objeto de comentário, o condomínio edilício se caracteriza pela coexistência de direitos
individuais (sobre unidades autônomas) e direitos coletivos (exteriorizações individuais sobre áreas de
uso coletivo, nos limites do direito coletivo).
Assim, impõe-se observar, em complemento, que as áreas autônomas são, como tais, individuais
plenas, cerceando-se, contudo, o interesse coletivo condominial que veda, sem autorização decorrente de
assembleia ou convencional, que se modifiquem os padrões das portas das unidades voltadas para áreas
comuns, mesmo que internas, em corredores, que se modifiquem os padrões externos de fachadas ou
janelas,[312] e até que se abra comunicação entre dois prédios, por meio de passagem entre dois
apartamentos pertencentes a um mesmo proprietário.
Também em condomínios horizontais, por áreas comuns de fração ideal, não obstante edificadas em
lotes de casas autônomas pela aparência, inviabilizam, quando existente padrão ou definição de
metragem de lotes no memorial e na convenção consequente, a modificação ou fracionamento externo.
Em matéria de alienação de áreas comuns, em especial por execução decorrente de penhora, ganha
força nos tribunais a tendência de se negar a penhora de áreas comuns. Como recentemente o STJ
inviabilizou a penhora do elevador predial.
Pessoalmente, ainda que nos falte autoridade, não vemos como frustrar o interesse de terceiros que
de boa-fé detenham créditos cuja responsabilidade decorra do condomínio, inviabilizando-se por rigidez
a inalienabilidade de áreas comuns que tenham, pela natureza civil, possibilidade de desmembramento, a
exemplo de plays que poderiam se constituir em unidades autônomas ou áreas remanescentes em
desdobramentos de novas propriedades. Prédios há em que comportaria tornar a casa destinada ao
porteiro em unidade autônoma. Assim se permite quando da vontade unânime da conveniência dos
condôminos.
Não permitir a penhora de elevador, que de certa forma coíbe a ação dos condôminos em buscarem
recursos para indenização devida, pelo simples fato de se lhes impor incômodos, é mais grave do que se
instituir a postura da irresponsabilidade (rectius, de não resposta).[313]
Da mesma forma e espírito o CCB estabelece como deveres dos condôminos, no artigo 1.336 e
quanto à possibilidade de alienação de partes acessórias à propriedade individual, bem como o artigo
1.339, mantém o mesmo tratamento genérico. A Lei nº 10.931/04 alterou a redação do artigo 1.336, no
seu inciso primeiro, encerrando dúvida quanto ao limite de obrigações dos condôminos. Dessa forma,
salvo disposição em contrário na convenção, o limite exteriorizado de porção de direitos, pelo critério
fração ideal, poderá ser afastado pelos condôminos. Assim, nas velhas pendengas de uso exclusivo de
área contígua à cobertura, sem acesso para os demais condôminos, embora não constituindo direito de
propriedade, poderá a convenção determinar que se pague pela área de uso exclusivo, ainda que a fração
ideal reproduza expressão menor de valor. Quanto ao direito de alienar parte acessória de sua unidade
imobiliária a outro que não condômino, fica de regra proibido, só podendo fazê-lo a terceiro se essa
faculdade constar do ato constitutivo do condomínio, e se a ela não se opuser a respectiva assembleia
geral:
Artigo 1.336. São deveres do condômino:
I – contribuir para as despesas do condomínio na proporção das suas frações ideais, salvo
disposição em contrário na convenção (Lei nº 10.931, de 2004);
II – não realizar obras que comprometam a segurança da edificação;
III – não alterar a forma e a cor da fachada, das partes e esquadrias externas;
IV – dar às suas partes a mesma destinação que tem a edificação, e não as utilizar de maneira
prejudicial ao sossego, salubridade e segurança dos possuidores, ou aos bons costumes.
[...]
Artigo 1.339. Os direitos de cada condômino às partes comuns são inseparáveis de sua
propriedade exclusiva; são também inseparáveis das frações ideais correspondentes às unidades
imobiliárias, com as suas partes acessórias.
§ 1º Nos casos deste artigo é proibido alienar ou gravar os bens em separado.
§ 2º É permitido ao condômino alienar parte acessória de sua unidade imobiliária a outro
condômino, só podendo fazê-lo a terceiro se essa faculdade constar do ato constitutivo do
condomínio, e se a ela não se opuser a respectiva assembléia geral.
A “inalterabilidade da fachada por qualquer condômino sem anuência de todos os demais, a regra
do artigo 10, inciso I, da Lei nº 4.591/64, efetivamente, precisa ser mitigada, até porque a utilização do
edifício deve adaptar-se às inovações criadas pelo progresso”,[314] como não se justifica exigir do
condômino que retire o envidraçado de sua varanda.[315]
Admitindo-se, por outro lado, em cada unidade, internamente, demolir paredes ou erguer novas,
desmembrando cômodos ou fundindo-os, bem como abrindo paredes para apartamentos contíguos, ou
escadas pela laje para acesso a outro imóvel superior ou inferior de mesma propriedade, desde que tão
só preservada a segurança estrutural.
“Cada condômino tem o direito de usar e fruir, com exclusividade, de sua unidade
autônoma, segundo suas conveniências e interesses, condicionados, umas e outros, às normas de
boa vizinhança, e poderá usar as partes e coisas comuns de maneira a não causar dano ou
incômodo aos demais condôminos ou moradores, nem obstáculo ou embaraço ao bom uso das
mesmas partes por todos” (artigo 19),[316] aplicando-se mesmo aos simples usuários do imóvel,
porque, como se ressaltou, condômino, para efeitos coletivos, é o ocupante, não necessariamente
o proprietário, distante para efeitos de posse direta e fruição regular (artigo 20).
Modificações de ordem estética de áreas comuns, inclusive pela assunção de obrigações de
dispêndio excepcional em cota condominial extraordinária, poderão ser decididas pela maioria simples
que comparecer à assembleia para esse fim convocada. De outra forma, para alienação ou cerceamento
de direitos coletivos, em favor de um condômino, ou de pessoa estranha ao condomínio, somente
mediante ratificação da unanimidade, porque importará em alienação de parcela individual de fração
ideal de cada proprietário.[317]
Nada impede, entretanto, que um dos condôminos, alienando parte de sua fração-ideal, transporte
para outra unidade a mesma porção, trazendo por anexo de representação maior número de direitos
individuais, desde que o resultado final se contenha no limite da ordem pública. Por exemplo, havendo
unidade com mais de uma vaga de garagem, sendo o mínimo obrigatório uma, poderá, pela transposição
de fração-ideal, alienar vaga condominial excedente, constante enquanto direito acessório da
propriedade. Sem que para tanto possam impedir os demais proprietários, tratando-se de ato jurídico
privado. Óbice poderá haver, entretanto, se a convenção – enquanto ato normativo a que aderem – tornar
defesa tais manobras. O fato, por mais incomum, pode decorrer, não obstante de penhora judicial, quando
sequer a convenção para tanto seria limite, considerando o poder de que se revestem as mesmas decisões
como ato de Estado-juiz.
Nesse sentido, a 5ª Câmara Cível do Tribunal do Estado do Rio de Janeiro, sendo Relator o Des.
Marcus Faver, decidiu por reconhecer cabível a penhora de vaga de garagem, a par de inexistir
delimitação física do referido direito. Isso porque se traduz em bem de valor patrimonial (isto é,
econômica e corpórea por ficção) o direito acessório à vaga excedente ao mínimo exigido pela lei, para
tanto desmembrável por força do mandado de penhora e alienação judicial. Deixando, assim, de ser
considerado bem de família por decorrência de acessoriedade, não obstante limitar a legitimidade para
concorrência na arrematação aos condôminos prediais circunstantes à referida vaga.[318]
De fato, o uso estaria circunscrito aos condôminos, por força do que dispõe o artigo 2º, §§ 1º e 2º,
da Lei nº 4.591/64. Considerando-se mais pleno o direito real de propriedade, somente a condômino
proprietário poder-se-á conceber a adesão desse direito.[319]
1.8. Possibilidade de mais de um condomínio em mesmo empreendimento
A constituição integrada de edificações merece atenção especial do legislador, em face da
composição diferenciada de direitos e obrigações, alguns constituídos em maior número serão capazes de
impor maiores incômodos e maiores violências. Pelo que estabelece a lei, no artigo 8º, o empreendedor
que quiser erigir mais de uma edificação, sobre um imóvel onde não houver edificação, observará:
a) em relação às unidades autônomas que se constituírem em casas térreas ou assobradadas, que
seja discriminada a parte do terreno ocupada pela edificação e também aquela acaso reservada
para utilização exclusiva dessas casas, como jardim e quintal, além da fração ideal do todo do
terreno e de partes comuns, correspondente às unidades;
b) quanto às unidades autônomas que constituírem edifícios de dois ou mais pavimentos, que se
discrimine a parte do terreno ocupada pela edificação, que eventualmente for reservada como
de utilização exclusiva, correspondente às unidades do edifício e ainda à fração ideal do todo
do terreno e de partes comuns correspondente a cada uma das unidades;
c) discrimine as partes do total do terreno que poderão ser utilizadas em comum pelos titulares de
direito sobre os vários tipos de unidades autônomas;
d) discrimine as áreas em que se constituam passagem comum para as vias públicas ou para as
unidades entre si.[320]
A preocupação da lei, como se vê, é a de já no projeto a ser aprovado pela municipalidade, antes de
converter-se em empreendimento de lançamento de incorporação, v.g., ver discriminadas as áreas
individuais e seus limites comuns, de forma a evitar futuros conflitos, sem embargo de se aproveitarem
áreas, inclusive cortadas por logradouros públicos, reunindo-as a posteriori em condomínios especiais.
[321]
Nada impedirá, ainda, a existência de duplo condomínio, nos quais se veja obrigado o condômino a
participar – vale dizer, financeiramente –, porque um, próprio da edificação onde habite, e outro geral,
que englobe os demais blocos, prestigiando o controle de segurança, estacionamentos, manutenção
urbanística, e tantas outras usuais, como clubes privativos.[322]
Aliás, no mesmo sentido, o novo CCB, que dispõe, apenas, que se obtenha a unanimidade das
autorizações dos condôminos; assim, ainda que formalmente revogado o texto da Lei nº 4.591/64, não há
dissonância normativa entre ambos os diplomas:
Artigo 1.343. A construção de outro pavimento, ou, no solo comum, de outro edifício,
destinado a conter novas unidades imobiliárias, depende da aprovação da unanimidade dos
condôminos.
1.9. Usucapião de áreas comuns
Segundo a mais remansosa doutrina, não se concebe que um condômino possa usucapir área comum,
ainda que pela utilização ostensiva e continuada por mais de 20 anos, na forma da usucapião
extraordinário, vendo-se, nisto, violação dos próprios objetivos do condomínio especial.
Porém, dá notícia Caio Mário de exceção em ementa do TJMG,[323] admitindo-se,
excepcionalmente, em uma decisão, o reconhecimento de tal direito, de usucapião por condômino de área
comum.[324] Acresce, contudo, Caio Mário que em favor do terceiro estranho ao condomínio, poderá ser
reconhecido o direito de usucapião, por lhe faltar a limitação convencional normal decorrente do status
comum.
De nossa parte, em que pese d.v., opinião mais autorizada, vemos reconhecido que o direito do
condômino seria, sempre, precário, quando pretendente a violar o direito dos demais, e pelo vício
insuscetível de gerar direitos ad usucapionem pareceria conveniente se admitir, quando do exercício
claro, continuado, exclusivo, ostensivo e superior aos vinte anos exigidos pela lei, necessário
reconhecer-se a renúncia dos demais condôminos em favor daquele então usurpador, contra quem nada
se fez, senão consentiu, em muitas vezes, no permitir-lhe o fechamento e a edificação de muros e até
telhados ou mesmo ambientes fechados, privativos.
Assim, não vemos como suplantar a lei ordinária, quando reconhecida a especialidade desta – Lei
nº 4.591/64, ou do novo CCB, dependendo da opinião que prevaleça – e, nesse sentido, o afastamento da
geral ao caso particular, por questão mesmo de hermenêutica simples, que não se aplicaria a caso
especial mas a caso comum, ocorrente em lugar de relações especiais. Assim, como se reconhece a
coexistência de direitos individuais e coletivos na vida em condomínio, deve-se admitir a ocorrência da
eficácia da lei particular ao caso particular, e da lei geral, ao caso geral, ainda que em lugar-comum de
aparência de especialidade.
A usucapião extraordinária não está a exigir a verificação dos vícios, senão do tempo, da
publicidade e do animus, e nos limites condominiais ninguém poderia aventar clandestinidade, quando
mesmo falta de publicidade, ignorância quanto ao tempo, e falta de animus, pela exteriorização exclusiva
do condômino ad usucapiente, quando não se poderia dizer que, perdurando a comunhão, haja
impedimento para construção do direito exclusivo ad usucapionem. A continuidade da comunhão foi
quebrada quando da exteriorização exclusiva de um dos condôminos, esbulhando o direito dos demais ao
acesso comum da área em conflito de pretensão.[325]
Assim como no tratamento das servidões não aparentes, se torna insuscetível a posse ad
usucapionem naquelas encravadas em área interna privativa (aos demais inacessíveis), de unidade ao
rés-do-chão, ou sob pilotis, insuscetível a defesa pelos demais condôminos, insuscetível, também, por
sua vez, a recusa do direito.
Ao que parece, entretanto, um condômino poderá usucapir área exclusiva do outro se os
pressupostos de tempo, posse contínua e incontestada e, por fim, uso exclusivo, tornarem-se de evidente
conhecimento e ocorrência de todos os condôminos atingidos. O proprietário de um apartamento que
invada a área exclusiva do outro, consideradas ambas propriedades autônomas, poderá adquirir-lhe o
domínio pela usucapião.
2. Da convenção de condomínio
No ato do registro do empreendimento exigirá a lei, entre outros documentos, a apresentação de
esboço da convenção de condomínio. Tão logo deferido o habite-se e individualizadas as unidades junto
ao RI, na designação das matrículas distintas, será esta arquivada, passando a regular os direitos e
deveres dos condôminos, como ato-regra, porque eficaz a todos os que posteriormente venham a aderir,
venham a agrupar-se ao condomínio por ela regido. Daí, a sua natureza normativa,[326] que a distingue,
também, de simples convenção, e portanto chamado de instrumento disciplinar.
Mas disciplinar é pouco, porque a convenção definirá, ainda, a responsabilidade pela representação
e defesa, em juízo ou fora dele, pela fiscalização, e demais órgãos que se quiser criar, dispondo a lei,
quanto a um mínimo essencial necessário, que poderá ser complementado, quanto a questões de simples
posturas e normas de trato social alçadas em nível de conduta-típica, por Regulamento Interno que, como
a palavra diz, regulamentará a convenção. Essa natureza normativa privada encontra amparo na opinião
mais autorizada do Ilustre Desembargador e Professor Murilo de Carvalho que, em 11.05.2000, em voto
na EAp. 1999.005.00510, na Ap. Cível 16.660/98, reiterou posição anterior reconhecendo esse conteúdo
de comando aos Regimentos Internos, usando, ademais, como ilustração, essa nossa obra e posição
assumidas.
Nesse mesmo sentido, ao que parece, a Lei nº 10.406/02, igualmente considerou a eficácia
regulamentadora dos regimentos internos, quando os dispõe no corpo da convenção condominial (artigo
1.334, inciso V, do CCB).
Pela leitura da lei fica claro que a convenção não trará, no seu corpo, o texto regulamentador do
regimento interno, senão a previsão de sua aprovação. Do contrário – ou seja, viesse o regimento interno,
no corpo da convenção – sua modificação dependeria da mesma rigidez (2/3 conforme o artigo 1.332 do
CCB) de aprovação do texto da convenção.
Se não houve incorporação em que se fizesse, à época da edificação, a minuta de convenção, ou se
passou despercebido pelo Oficial do RI, poderão “os proprietários, promitentes compradores,
cessionários ou promitentes-cessionários dos direitos pertinentes à aquisição de unidades autônomas, em
edificações a serem construídas, em construção ou já construídas, elaborar, por escrito, a convenção de
condomínio, e deverão, também, por contrato ou por deliberação, em assembléia, aprovar o regimento
interno da edificação ou conjunto de edificações” (artigo 9º da Lei nº 4.591/64).
Também não haverá convenção para terceiros, enquanto não houver sido submetida a registro junto
ao RI da situação do imóvel, assim como averbadas as suas posteriores e eventuais alterações (parágrafo
único do artigo 1.332 do CCB), considerando-se aprovada, tão logo reúna assinaturas de proprietários
representantes de mais de 2/3 das frações ideais, que se quantificam, sendo válido que somente um deles
reúna, o somatório exigido pela lei.[327]
Por outro lado, os condôminos, ou aqueles submetidos a essa condição, não se eximirão das
obrigações comuns sob argumento de inexistir registro, ou mesmo convenção:[328]
Artigo 1.333. A convenção que constitui o condomínio edilício deve ser subscrita pelos
titulares de, no mínimo, dois terços das frações ideais e torna-se, desde logo, obrigatória para os
titulares de direito sobre as unidades, ou para quantos sobre elas tenham posse ou detenção.
Parágrafo único. Para ser oponível contra terceiros, a convenção do condomínio deverá ser
registrada no Cartório de Registro de Imóveis.
Embora a princípio possa parecer de certa forma discriminatório – para não se usar a expressão em
voga, elitista – pelo critério da lei, direitos e obrigações pela manutenção predial coletiva e outros
genéricos, decorrerão, proporcionalmente, da expressão da mesma fração ideal, no silêncio de
disposição convencional diversa (artigo 1.336, inciso I, do CCB, com alteração da Lei nº 10.931/04).
[329] São direitos e deveres determinados pela quota proporcional (rectius, fração ideal), equiparando-
se aos condôminos, os promitentes compradores e cessionários. Sabidamente, tais obrigações são de
natureza propter rem, já vindo, contudo, pela jurisprudência, a distinguir-se a responsabilidade destes
últimos, desde que constantes do RI, ou sendo-lhes deferida legitimidade, em apresentando seu título e
desejando preservar seu interesse econômico, sobre o bem:
Artigo 1.334. Além das cláusulas referidas no artigo 1.332 e das que os interessados
houverem por bem estipular, a convenção determinará:
I – a quota proporcional e o modo de pagamento das contribuições dos condôminos para
atender às despesas ordinárias e extraordinárias do condomínio;
II – sua forma de administração;
III – a competência das assembléias, forma de sua convocação e quorum exigido para as
deliberações;
IV – as sanções a que estão sujeitos os condôminos, ou possuidores;
V – o regimento interno.
§ 1º A convenção poderá ser feita por escritura pública ou por instrumento particular.
§ 2º São equiparados aos proprietários, para os fins deste artigo, salvo disposição em
contrário, os promitentes compradores e os cessionários de direitos relativos às unidades
autônomas.
Como instrumento mínimo, em seu conteúdo, exige a lei que a convenção preveja: a discriminação
das partes de propriedade exclusiva e as de condomínio, com especificações das diferentes áreas; o
destino das diferentes partes; o modo de usar as coisas e serviços comuns, encargos, forma e proporção
das contribuições dos condôminos para as despesas de custeio e para as extraordinárias; o modo de
escolher o síndico e o conselho consultivo; as atribuições do síndico, além das legais; a definição da
natureza gratuita ou remunerada de suas funções; o modo e o prazo de convocação das assembleias gerais
dos condôminos; ou quorum para os diversos tipos de votações; a forma de contribuição de fundo de
reserva; a forma e o quorum para aprovação do regimento interno, quando não incluídos na própria
convenção. Dispondo, ademais, o artigo 4º da Lei nº 4.591/64 quanto às edificações em mais de um
bloco, ou integradas na forma do artigo 8º, da lei extravagante mencionada, se “disporá quanto a
administração conjunta, e mesmo quanto a formas pelas quais se possam desmembrar e alienar porções
do terreno, inclusive as edificadas”.
Poderá, ademais, a convenção prever outras questões como, inclusive, a da responsabilidade por
avarias, furto e roubo de veículos, toca-fitas e bicicletas, inclusive, isentando-se de resposta
indenizatória, essa é a posição mais recente do saudoso Ministro Aguiar Dias, em pequeno artigo
publicado na ADV.[330]
O ilustre Des. Sérgio Cavalieri, entretanto, em obra, também recente, lançada em estudo apurado da
Responsabilidade Civil, analisa com mais dissecagem a questão da Cláusula de Indenizar, que em fim é
do que se trata a capacidade exonerativa de indenização, acima mencionada, pelos condôminos, em face
de sinistro ocorrido nas dependências das áreas comuns, a bem particular de morador.
Após analisar a questão, com base em estudos que envolvem, inclusive, a opinião do citado Aguiar
Dias, então em posição contrária, acaba concluindo que não se pode admitir a Cláusula de não indenizar,
senão, em relação à violação da obrigação contratual regular, quando a execução do mesmo se dê em
moldes usuais, cautelosos, regulares. Afastando a possibilidade de se contemplar, com a escusa, o dolo, a
culpa, ou em linguagem mais civil, a má-fé.
Trazendo à colação diversos julgados, que admitem a observância da Cláusula, nos limites da
ordem pública (e alguns, entendendo que o afastamento da ordem pública não estaria enfrentado em
questões internas condominiais), acresce, conclusivamente, decisão em que foi relator, onde se
posiciona, em resumo, no sentido da responsabilidade condominial. Isso porque, ainda, no caso, não
obstante se tenham eximido os condôminos, todo aparato de prestação e obrigação se montou em favor da
contratação e assunção, pelo Condomínio, da responsabilidade de guarda e manobra dos veículos por
seus prepostos:
Convencido ainda estou do acerto desses princípios, razão pela qual tenho entendido que,
se o condomínio tem o controle da garagem, exercido através de porteiro encarregado de vigiar e
fiscalizar a entrada e saída de veículos, então ele assume um dever de guarda, dever, esse, que
não pode ser elidido pela cláusula de não indenizar, sob pena de ficar esse dever desnaturado e
afastado o elemento essencial da obrigação.[331]
A violação dos deveres postos pela convenção sujeita o condômino à qualificação, pela lei, de
infrator, sujeitando-o à multa que deverá estar prevista na própria convenção, ou no regimento interno,
sem prejuízo, ademais, da responsabilidade civil e criminal, eventualmente cabível (artigo 21 da Lei nº
4.591/64). A pena-multa, imposta pelo síndico, poderá ser circunstancial ou diária, enquanto não cessar a
violação do direito, muitas vezes decorrente de incômodo por má conduta, ou forma abusiva de ouvir
música, dar festas, ou portar-se com mais urbanidade, asseio e educação, posturas vulgares e expressões
de baixo calão. Fatos mais crescentes, em todos os níveis, mas detestáveis e inconcebíveis, como
violência imposta indiscriminadamente. Por outro lado, também cultos e manifestações religiosas, por
mais veneráveis e tradicionais, não podem coibir o silêncio espiritual alheio, em nível de preservação,
muitas vezes, da pureza das reflexões vizinhas, que podem sentir-se impurificados com cantos e práticas
de exagerada exacerbação.
Por fim, deve-se distinguir entre condomínio edilício, como aquele edificado por propriedades
autônomas sobre área comum, de simplesmente condomínio, figura política despersonalizada de
organização e representação dos proprietários e possuidores das unidades edificadas em condomínios
edilícios.
2.1. Deveres gerais dos condôminos. Proibições
Os encargos condominiais são sempre devidos, proporcionalmente, à fração ideal do terreno,
quando outro critério não conste da Convenção, ou em nova seja alterado o critério.[332] Possuem, tais
encargos natureza propter rem, independente de se dar ou não ao imóvel uso, pessoal (do proprietário)
ou por terceiros. Vale lembrar que as despesas de condomínio decorrente de natureza propter rem, quer
dizer, aquelas que decorrem da situação da coisa, são devidas ainda que da coisa não se faça uso.
Havendo, entretanto, sido alienado ou prometido alienar o bem, condômino será aquele para quem tenha
transferido, pelo negócio de alienação ou promessa, o uso da coisa e sua posse. Isso decorre de conceito
da própria lei, como se viu, para quem, condômino é aquele que esteja na situação da coisa, inserido em
condomínio. Em recente decisão, o STJ firmou-se por enxergar no débito condominial uma obrigação
típica pessoal, isto é, não real. Dessa forma, a dispensar a citação de ambos os cônjuges quando casados
e coabitantes, o que afasta verificar-se hipótese de se considerar, erroneamente, como litisconsórcio
necessário.[333]
Já se tem decidido, em diversos tribunais, inclusive no STJ, em face disso, que ao promitente
comprador, ou cessionário, deve ser imputada a obrigação pessoal, pelas despesas decorrentes do
imóvel, em especial, pelas despesas de condomínio, e não mais ao vendedor ou promitente vendedor,
independente de estes últimos terem ou não registrado seus títulos.[334] Isso pela sua natureza propter
rem e, desde que, o condomínio tenha conhecimento, por qualquer meio formal, da existência das
situações jurídicas novas (promessa ou cessão).
Deve, também, como obrigações secundárias, responder patrimonialmente pelas obras de interesse
integral,[335] não se admitindo a renúncia como forma de exoneração à obrigação por dispostos
privilégios e melhorias comunitárias (artigo 1.336 do CCB). O condômino deve abster-se de alterar a
forma externa da fachada; decorar partes e esquadrias externas com tonalidades ou cores diversas das
empregadas no conjunto da edificação; destinar a unidade à utilização diversa de finalidade do prédio, ou
usá-la de forma nociva ou perigosa ao sossego, à salubridade e à segurança dos demais condôminos;
embargar o uso das partes comuns, com a colocação de vasos de plantas, espelhos e toda sorte de tralhas
em rol comum de elevadores, capazes não apenas de obstar a passagem, como, muitas vezes, agredir às
vistas, à substituição dos velhos anões de jardins e outras estátuas de expressão mais cultural-religiosa,
nem sempre comum a mais de um espírito, a mais de um sentimento.
Por modificações externas se deve entender igualmente as que se façam em condomínio edilícios
edificados em forma de unidades de casa. Havendo padronização das casas, dos muros e de outras
exterioridades, previstas no memorial de incorporação ou na forma de sua aprovação, ratificada em
convenção, somente a regra igualmente da imodificabilidade das fachadas se aplica.
De toda sorte, tais modificações poderão ser relevadas pelos condôminos somente mediante a
aquiescência da unanimidade dos condôminos (artigo 1.351 do CCB, com redação da Lei nº 10.931/04),
desde que não venha, quando externo, a ferir código de posturas e obras de gabaritos municipais, em que
a vontade coletiva se substitui pela do Estado.
Em todos os casos, poderá, ante a ineficácia das advertências e multas, socorrer-se o síndico ou
qualquer dos condôminos do Estado-juiz em busca da tutela cominatória como constrição ao
desfazimento, via ação de rito sumário, ou ainda, diante da falta de pagamento,[336] como obrigação
mais comezinha, das cotas condominiais, impor penalidades de ordem coercitiva.[337] Pelas obrigações
de conversão em solução patrimonial, respondem as próprias unidades, a final, constituindo-se em
obrigações propter rem.[338]
Quanto ao novo CCB, veja-se, no item 1.7 do presente Capítulo, o artigo 1.336, do referido
diploma, onde já transcrevemos os incisos que se referem aos deveres dos condôminos.
2.2. Da Assembleia Geral Ordinária
A cada ano será convocada assembleia geral ordinária dos condôminos, pelo síndico segundo o
procedimento disposto na convenção como prevê o artigo 1.350 e parágrafos do CCB, ou na forma
prevista na convenção, a fim de aprovar o orçamento das despesas, as contribuições dos condôminos e a
prestação de contas, e eventualmente eleger-lhe o substituto e alterar o regimento interno. Se o síndico
não convocar a assembleia, um quarto dos condôminos poderá fazê-lo ou ainda, por fim, qualquer um, se
a assembleia não se reunir, mediante provocação e decisão de juiz de direito.
O não comparecimento à reunião de condomínio não exime o condômino das obrigações votadas e
aprovadas pela maioria, desde que observada a forma da convocação e votação, assim como o quorum
previsto na convenção, em face da existência de um mandato tácito coletivo, pela própria adesão à vida
condominial, coletiva, grupal, por natureza.[339]
A lei civil ordinária é omissa, mas a Lei nº 4.591/64 dispunha que, nos oito dias subsequentes à
reunião, o síndico dará notícia aos demais condôminos das decisões instadas na assembleia, mesmo aos
faltosos, para que se inteirem das suas obrigações e direitos, em face dos votos que serão, salvo
disposição em contrário na convenção, proporcionais à fração ideal. Admite-se, por força do artigo 24,
da Lei nº 8.145/91 (LI), que o locatário vote quanto a despesas ordinárias, no caso de não
comparecimento do condômino-locador. A legitimidade decorre da lei, dispensando-se mandato
expresso, porque se trata de exercício de direito próprio supletivo, uma vez que tais obrigações
importam em oneração imediata, pelo locatário, por força do contrato e do uso do bem sob locação.[340]
Como foi inserido pela Lei nº 8.245/91, a referida faculdade por óbvio que não se faz atingir pela lei
nova, salvo houvesse previsão contrária, nesse sentido.
Exorbitando o poder decisório, ou ferindo a procedimentalidade disposta na convenção, mesmo não
comparecendo à assembleia, qualquer dos condôminos poderá, em juízo, requerer a anulação da mesma
(artigo 27 da Lei nº 4.591/64), não obstante, ser pacífico que, enquanto não anuladas, as decisões
aprovadas são vinculativas.[341]
Problema cada vez mais atual é o conflito entre a noção de plena propriedade pelo condômino no
uso de sua unidade, em face da ação coibitiva, muitas vezes legitimada pela vontade coletiva assemblear,
ser ou não superior àquele conceito tradicional de uso ilimitado da propriedade.
Assim, recentemente um advogado inconformado por não poder permanecer no seu escritório além
de certa hora determinada pela assembleia de condôminos, intentou ação para ver seu direito de uso
pleno enquanto proprietário, de seu escritório, entendendo, entretanto, o Tribunal, que assistia razão
preponderante ao condomínio e não ao proprietário.[342]
A assembleia reunida poderá investir outra pessoa, em lugar do síndico, em poderes de
representação (§ 1º, artigo 1.348 do CCB), ou especialmente convocada para destituir o síndico que
praticar irregularidades, não prestar contas, ou não administrar convenientemente o condomínio.[343]
A destituição do síndico não pode gerar, em princípio, direito indenizatório em seu favor, salvo se o
fizerem por imputada conduta de improbidade. Nesse caso, provada inverídica, haverá de se analisar a
possibilidade de algum dano pessoal. Contudo, a simples quebra de mandato, no curso da investidura,
denota necessária a fundamentação, salvo se modificados os critérios, onde se substituísse a figura de
certa pessoa física, enquanto síndico, por empresa especializada que, além de mera administradora, faça
as vezes de representante.
Salvo quando exigido quorum especial,[344] as deliberações da assembleia serão tomadas, em
primeira convocação, por maioria de votos dos condôminos presentes que representem pelo menos
metade das frações ideais, na proporcionalidade daquelas frações, salvo disposição diversa na
convenção de constituição do condomínio, como por número uniformes de unidades, prática, aliás, já
comum (artigo 1.352).[345]
Será atacável a assembleia que deliberar, ainda que com maioria absoluta de condôminos, se não
foram todos convocados para a mesma assembleia (artigo 1.354), bem como, lhes sendo dado a conhecer
o conteúdo das matérias, se de expressivo interesse geral.
3. Administração do condomínio
Compete a administração do condomínio ao síndico eleito, seja ele pessoa física ou jurídica,
condômino ou estranho (artigo 1.347 do CBB), como terceiros contratados para esse fim, o que hoje se
apresenta bastante usual, na forma de administradores de imóveis. A título gracioso, ou remunerado,
sendo vedada a investidura por mais de dois anos.
Como atribuições do síndico, prevê o artigo 1.348 do CCB, convocar a assembleia dos condôminos;
representar, ativa e passivamente, o condomínio, praticando, em juízo ou fora dele, os atos necessários à
defesa dos interesses comuns; dar imediato conhecimento à assembleia da existência de procedimento
judicial ou administrativo, de interesse do condomínio; cumprir e fazer cumprir a convenção, o regimento
interno e as determinações da assembleia; diligenciar a conservação e a guarda das partes comuns e zelar
pela prestação dos serviços que interessem aos possuidores; elaborar o orçamento da receita e da
despesa relativa a cada ano; cobrar dos condôminos as suas contribuições, bem como impor e cobrar as
multas devidas; prestar contas à assembleia, anualmente e quando exigidas; e realizar o seguro da
edificação.
A convenção poderá estipular o cabimento de recurso, dos atos do síndico, à assembleia, que
funcionará, nesse sentido, como órgão revisor decisório.
Aliás, diante do imenso e constritivo poder que deu a lei ordinária ao síndico na forma de punir o
condômino, imputando-lhe multas de cinco a dez vezes o valor da cota condominial, parece imperioso
que as convenções prevejam um procedimento interno, senão uma tábula de valores, ou de transgressões.
De toda forma, deverá observar um devido processo legal interno, de ampla defesa, a fim de não tornar a
lei em instrumento de imoderada exteriorização de ressentimentos e abusos.
Outras comissões poderão ser constituídas, como comissão fiscal, ou mesmo, algumas,
extraordinárias, investidas pela própria assembleia, como usualmente se procede, para análise de
propostas de serviços e obras em favor do condomínio, fazendo as vezes de uma comissão de licitações,
a exemplo da Lei nº 8.666/93.
A legislação atual não prevê a figura do subsíndico, embora não se pudesse vedar, mas mantém a
figura consultiva e fiscal, na forma do artigo 1.356, e poderá existir no condomínio um conselho fiscal,
composto de três membros, eleitos pela assembleia, por prazo não superior a dois anos, ao qual compete
dar parecer sobre as contas do síndico.
3.1. Da legitimação e meios para cobrança de despesas condominiais devidas
A cobrança de quotas condominiais considera-se a mais comum atuação do síndico, em juízo, em
favor dos condôminos, entretanto o Min. Luiz Fux se posiciona no sentido de legitimar-se qualquer
condômino, quando não o faça o síndico.[346] Bastante razoável a percepção de S. Exa., quando se
verificam os requisitos processuais de interesse e necessidade.[347] Tal posição, aliás, fortalece a
melhor forma de aplicação para o que previa (ou prevê, para muitos), a Lei nº 4.591/64, na parte final do
parágrafo único do artigo 21, onde estatui competir ao síndico a iniciativa do processo e a cobrança da
multa, por via executiva, em benefício do condomínio, e, em caso de omitir-se ele, a qualquer
condômino.
3.2. Dos meios para cobrança. Ação de cobrança. Protesto de documento de dívida
Não é comum o acúmulo de dívidas condominiais por parte dos condôminos, confiantes na
imotivação do síndico, do administrador investido com tais poderes ou, mais ainda remota, a iniciativa
de algum dos condôminos no interesse coletivo, como acima exposto.
Ou, na maioria das vezes, no custo efetivo que isso importa para a contratação de advogado e na
morosidade da efetividade constritiva de uma sentença. Mas o caminho regular se impõe pelo
ajuizamento de ação, eleito o procedimento sumário.
A Lei nº 9.492/97, ao estabelecer em seu artigo 1º o conceito de protesto, dispõe que o mesmo
“prova a inadimplência e o descumprimento de obrigação originada em títulos e outros documentos de
dívida”.
Ora, embora reconhecido que a despesa condominial não importa título executivo de dívida – salvo
entre locador e locatário, por força do contrato existente, este sim, título executivo extrajudicial –, vale
como inquestionável documento de dívida.
Dessa forma, fica admitida a forma de constrição para pagamento, via protesto, de quaisquer que
sejam as parcelas devidas pelo condômino. Para tanto, é necessário que a apresentação para apontamento
do protesto se faça acompanhar, ao menos, da ata da assembleia em que a obrigação se constituiu como
legítima, de planilha que torne líquida a dívida (bastante, nesse caso, o boleto com valor desde que
emitido com timbre do condomínio ou da administradora – melhor seria a cópia da ata averbada em se
tratando de condomínio edilício), da investidura do síndico, do administrador, ou de qualquer
condômino, nesse caso, convém legitimado em assembleia, para fim específico, sob pena de
responsabilidade civil a que se possa submeter o apresentante ou mesmo o tabelionato de protestos.
Para tanto, e com mais autoridade e precisão, recomenda-se a leitura do artigo intitulado “O
protesto de cota condominial”,[348] que encontramos, do Dr. Eduardo Sócrates, apresentado, em forma
de palestra, em simpósio convocado por entidades de síndicos prediais.
A Lei nº 10.710/00, no Estado de São Paulo, pôs, lá, fim a essa discussão e no seu artigo sétimo
assim prevê essa possibilidade de se levar a protesto o crédito decorrente de foro, laudêmio, aluguel ou
renda de imóvel, bem como encargo de condomínio desde que comprovado por contrato escrito.
4. Formas de extinção do condomínio, seguro de incêndio, demolição
e/ou reconstrução obrigatória
Assim, como pela vontade se constitui o condomínio, observados os procedimentos legal-
administrativos, também pela vontade pode se extinguir, alienando, todos os condôminos em favor de um
apenas, que por fusão das unidades, promove a regular instrução administrativa, com o cancelamento das
matrículas, dando baixa na desconstituição das frações ideais, passando a existir, apenas, um imóvel,
ainda que internamente se verifiquem, individualmente, as mesmas unidades anteriores. A hipótese é
muito comum, como quando determinado grupo econômico adquire um edifício e dá-lhe a destinação
integral de sede da empresa, ou mesmo empreendimento hoteleiro, em que passará, inclusive, dito
imóvel, por consequência, a restabelecer uma única inscrição imobiliária.
O fato de uma pessoa figurar na titularidade do bem não constitui, em nada, critério definidor da
extinção do condomínio especial, senão do civil que poderá coexistir. Essencialmente necessário será
que uma ou mais pessoas desconstituam, junto ao RI competente, a existência múltipla de unidades
imóveis num mesmo edifício, ou em um mesmo empreendimento condominial de casas, como se viu,
possível.
Também pelo perecimento da coisa, onde não restará senão a alienação do terreno, quando não
reconstruído, ou ainda por força de desapropriação, passando, não obstante tantos decretos quantas
unidades existissem, a aglutinar, na titularidade do Poder Público um único pro indiviso. No primeiro
caso, pelo perecimento, a copropriedade, se restabelecerá em quota-parte do terreno, faltando o imóvel
edificado, cujas unidades representariam tais quotas, em outro plano, frações ideais.
Por força de lei, poder-se-á admitir a ocorrência da extinção do condomínio, desde que se agasalhe
alguma pretensão de direito material, que leve à inevitável consequência de se deferir a um ou a um
grupo, ainda que seja, a totalidade do imóvel reunificado juridicamente.
Mas, diante da hipótese de vontade inter vivos (como ato negocial, v.g.) ou causa mortis, ou ainda,
por decorrência de fato natural, haverá de se antever, para prover juridicamente, a solução em caso de
comprometimento das estruturas do prédio, avaria esta de causação inescusável para, muitas vezes, senão
a reconstrução, a demolição.
Pelo princípio do aproveitamento econômico, não restaria outro encaminhamento, pelo legislador,
senão o de prever a obrigatoriedade da reconstrução. A hipótese, aparentemente simples, entretanto, traz
algumas complicações, uma vez que impor a reconstrução em coisa coletiva, ainda que convirja com a
vontade de uma maioria, será, inevitavelmente, em alguns casos, a violência da livre disposição de
vontade de um outro número de pessoas (proprietários) que nem sempre, alguns anos depois, reúnem a
mesma condição econômica ou de jovialidade para ingresso em empreendimentos de mais risco e
aborrecimentos.
Mas o que fazer? Socorrer a vontade de alguns que podem e querem reconstruir ou de outros que
não podem e desejam, então, alienar? Alienar, obrigando aqueles outros, que desejam reconstruir,
despender seus recursos na aquisição do remanescente materializado nas frações ideais dos proprietários
desejosos da alienação, descapitalizando-se, com a aquisição, para a reconstrução?
Como se vê, esse emaranhado de estes e aqueles compõe, propositadamente, a esfera de conflitos
em que se degenera, muitas vezes, o comprometimento do imóvel ou parte dele.
Por essa razão, prevendo para prover, o legislador entendeu de estabelecer critérios rígidos que
antes de violar o livre destino de vontade de alguns, deseja, nos princípios do aproveitamento econômico
e da integração edificada urbana, dispor que em caso de sinistro total, ou que destrua mais de dois terços
de uma edificação, os condôminos reunir-se-ão em assembleia especialmente para esse fim convocada, e
deliberarão sobre a sua reconstrução ou venda do terreno e materiais, por quorum mínimo de votos que
representem metade mais um das frações ideais do respectivo terreno (artigo 1.357 do CCB).
Não poderia ser outro, senão o voto, ou seja a decisão coletiva autônoma, própria do sentido
absoluto da propriedade, o critério a nortear alguma solução. Entretanto, poderão ainda assim persistir
alguns conflitos, diante do que, o legislador dispunha nos parágrafos do artigo 14, da Lei nº 4.591/64:
a) sendo inviável a solução de reconstrução, outra assembleia, especificamente convocada,
decidirá, com o mesmo quorum, pelo destino a ser dado ao terreno, aprovando a partilha do
valor do seguro entre os condôminos, sem prejuízo do que receber cada um pelo seguro
facultativo de sua unidade (§ 1º).
No artigo 13 da mesma Lei, antevendo o sinistro, já dispusera o legislador, de forma cogente, a
realização de seguro da edificação ou do conjunto de edificações, discriminadamente, nesse caso,
abrangente de todas as unidades autônomas e das partes comuns contra incêndio ou outro sinistro que
cause destruição no todo ou em parte, computando-se o prêmio nas despesas ordinárias do condomínio.
Esse seguro é obrigação e responsabilidade anual do síndico que o deverá renovar sucessivamente,
devendo ser contratado, inicialmente, dentro dos 120 dias subsequentes à concessão do “habite-se”, sob
pena de o condomínio, ou se não houver diretamente a totalidade dos condôminos (condomínio civil ao
menos existente), arcar com 1/12 do imposto predial, em favor da municipalidade (parágrafo único).
Realizada a reconstrução, a mesma observará, obrigatoriamente, também as mesmas estrutura e
fachada (§ 2º), salvo, se no aproveitamento da desgraça, resolver-se alterar a estrutura externa, aderindo
a ela sacadas ou varandas em mais moderno estilo, o que dependerá, previamente, de avaliação,
autorização e controle municipal e obras e edificações, além de, se alterada a estrutura unitária e suas
frações ideais, proceder-se à averbação retificadora junto à matrícula.
b) na contingência de uma minoria não poder ou não quiser arcar com os dispêndios de
reedificação, não restará outra solução senão reconhecer que “a minoria não poderá ser
obrigada a contribuir para a reedificação, caso em que a maioria poderá adquirir as partes dos
dissidentes, mediante avaliação judicial, feita em vistoria” (§ 3º).
Nesse caso, restará adjudicar à maioria as frações ideais indenizadas da minoria, aderindo-as a
cada fração ideal individual, que incorporará melhores áreas individuais (artigo 15), ou o que é mais
comum, pela distribuição arquitetônica estrutural, novas áreas de uso comum, como destinação para play,
estacionamento, salas de repouso ou saunas, enfim, toda sorte de integração de lazer hoje mais ocorrente,
nas vidas menos privadas.
O mencionado artigo 15 estabelece, em seus parágrafos, o procedimento especial, para a
adjudicação das áreas destruídas à maioria, prevendo a adjudicação liminar, mediante depósito,
contestação em dez dias, caso em que prosseguirá pelo rito ordinário, e mesmo, procedimento incidente
de perícias, reconhecendo, em qualquer caso, que a sentença com força de autoexecutividade, constituirá
título hábil junto ao RI para retificação mencionada, assim como se admitirá no processo acertos
indenizatórios revisados na sentença em face do laudo pericial posteriormente homologado.
Em caso de sinistro, que atinja menos de dois terços, dispõe a lei que o síndico perceberá o valor
do seguro, mandando reconstruir ou reparar as partes danificadas (artigo 16).
Por fim, estabelece a lei nos arts. 17 e 18 que em caso de sinistro, quando necessária a demolição,
em face de desapropriação parcial ou qualquer outra que impeça o uso coletivo normal praticado, a
maioria dos condôminos, representando somatório correspondente a percentual superior a 80% das
frações ideais totais do terreno, decidirá quanto ao destino do prédio remanescente, podendo decidir pela
sua demolição, ou alienação por motivos urbanísticos. Em caso de reconstruí-lo submeter-se-ão às regras
da convenção vigente, assim como, em maior nível, às disposições da própria Lei nº 4.591/64,
restabelecendo os limites urbanísticos pertinentes.[349] À minoria se reserva o direito à indenização,
pelo seu afastamento e assunção ou alienação das suas frações ideais.
Sobre essa matéria o novo CCB assim dispõe, sem conflitar com o presente:
Artigo 1.357. Se a edificação for total ou consideravelmente destruída, ou ameace ruína, os
condôminos deliberarão em assembléia sobre a reconstrução, ou venda, por votos que
representem metade mais uma das frações ideais.
§ 1º Deliberada a reconstrução, poderá o condômino eximir-se do pagamento das despesas
respectivas, alienando os seus direitos a outros condôminos, mediante avaliação judicial.
§ 2º Realizada a venda, em que se preferirá, em condições iguais de oferta, o condômino ao
estranho, será repartido o apurado entre os condôminos, proporcionalmente ao valor das suas
unidades imobiliárias.
Artigo 1.358. Se ocorrer desapropriação, a indenização será repartida na proporção a que
se refere o § 2º do artigo antecedente.
5. Responsabilidade do condomínio e dos condôminos
A responsabilidade civil, prevista no próprio Código Civil (arts. 937 e 938 do CC), é individual de
assunção coletiva.[350] Vale dizer, cada um responde por si, porém o fará, em conjunto, em nome do
condomínio existente, ou seja, por cada condômino, quando não identificada a autoria a se imputar o nexo
de causalidade entre a ação e o dano. Entretanto, muitas vezes, foge à simples teoria do ato ilícito a
imputação da responsabilidade, restando, por força da lei, imputar ao condomínio o ônus da resposta ao
lesado, o que vale dizer ratear pela totalidade dos condôminos a indenização devida.[351] Não sendo
cabível privilegiar, inclusive o próprio lesado, quando condômino em sua cota de responsabilidade
concorrente, apenas revertendo-se em seu favor, a indenização paga pelos demais, ou o síndico pela
representação graciosa.[352]
Tais questões são ocorrentes quando cai do prédio algum objeto que vem a ferir a integridade física
de outro condômino ou transeunte, e não decorre de caso fortuito ou força maior (como avarias por
fenômenos sísmicos, v.g.), ou ainda, quando se avaria carro em sua garagem, reconhecendo-se, por
óbvio, a responsabilidade do empregado garagista (culpa in eligendo) ou do próprio condomínio que
assume a guarda das chaves e faculta a todos o acesso comum em manobras (culpa in vigilando).
Além do fator decorrente de caso fortuito ou força maior, poderá estar previsto na convenção
cláusula de não indenizar, que terá, pela antecedência e consentimento coletivo, eficácia em qualquer
hipótese posterior, nos limites que contempla esse afastamento extraordinário.[353]
Quando ao dever de indenização decorrente de furto de automóvel ou colisão, quando estacionado
ou guardado em seu espaço comum, existem, ao menos três regras básicas que ajudam a solução da
questão:
a) se o condomínio dispõe de guardador ou manobrista, responderá pela indenização
correspondente;
b) se o uso regular depende exclusivamente do proprietário, e este, em última análise, negligencia
quanto ao acesso dos comandos do mesmo auto, permitindo, indiscriminadamente, por
comodidade, que qualquer um dos demais condôminos venham a dirigi-lo, assume por si os
riscos, podendo, quando muito, opor seu direito a quem autorizou o acesso;
c) se na terceira hipótese, empregado do condomínio delibera, a seu juízo próprio manobra do
veículo, responde o condomínio por culpa in vigilando et eligendo, da qual não pode ser
responsável, individualmente, o condômino, concorrente nos limites de sua quota de
participação enquanto sujeito, também, passivo da responsabilidade coletiva.
Quanto a furtos de veículos, somente se responsabilizaria o condomínio se assumisse o
compromisso de guarda e segurança. A jurisprudência, entretanto, não é ainda uniforme quanto à
responsabilidade ou não, silente a convenção.[354]
Como obrigações dos condôminos, o artigo 1.335 do CCB, ao estabelecer os direitos, como usar,
fruir e livremente dispor das suas unidades; usar das partes comuns, conforme a sua destinação, e
contanto que não exclua a utilização dos demais compossuidores; e votar nas deliberações da assembleia
e delas participar, estando quite, acaba por prever a forma de obrigações, de multa, e na forma nova de
punição, que antes deveria ser firmada pelo juízo de valor buscado em ação ordinária, permite a
imposição de multa e cria a figura antissocial do condomínio, admitindo, como penalidades pecuniárias,
como reza o artigo 1.336 do CCB:
§ 1º O condômino que não pagar a sua contribuição ficará sujeito aos juros moratórios
convencionados ou, não sendo previstos, os de um por cento ao mês e multa de até dois por cento
sobre o débito.
§ 2º O condômino, que não cumprir qualquer dos deveres estabelecidos nos incisos II a IV,
pagará a multa prevista no ato constitutivo ou na convenção, não podendo ela ser superior a cinco
vezes o valor de suas contribuições mensais, independentemente das perdas e danos que se
apurarem; não havendo disposição expressa, caberá à assembléia geral, por dois terços no
mínimo dos condôminos restantes, deliberar sobre a cobrança da multa.
Artigo 1.337. O condômino, ou possuidor, que não cumpre reiteradamente com os seus
deveres perante o condomínio poderá, por deliberação de três quartos dos condôminos restantes,
ser constrangido a pagar multa correspondente até ao quíntuplo do valor atribuído à contribuição
para as despesas condominiais, conforme a gravidade das faltas e a reiteração, independentemente
das perdas e danos que se apurem.
Parágrafo único. O condômino ou possuidor que, por seu reiterado comportamento anti-
social, gerar incompatibilidade de convivência com os demais condôminos ou possuidores,
poderá ser constrangido a pagar multa correspondente ao décuplo do valor atribuído à
contribuição para as despesas condominiais, até ulterior deliberação da assembléia.
De toda sorte, observe-se que as penalidades a que a lei circunscreveu imputar-se ao condômino
faltante são as de caráter patrimonial. Dá-se notícia de certo condômino que se viu proibido de usar as
áreas de lazer, por estar em débito condominial pelas cotas mensais. A medida soa discriminatória. É
verdade que abusos há e a aparência, em certas pessoas, é mais importante que a realidade. Mas critérios
são critérios, e se não é possível impedir o condômino faltante, com suas obrigações condominiais de
cunho patrimonial apenas, de usar a garagem ou as áreas comuns como um todo, não se poderia conceber,
sem critério legal, que se lhe proibisse de usar as áreas de lazer. Soa mal, que alguém viva além de suas
posses, mas o Direito tem seus princípios.
Ao condômino faltante com suas obrigações resta ajuizar ação de cobrança, não impedi-lo de usar
as áreas comuns ou outra sorte de constrangimento.
Quanto ao custeio das benfeitorias, dispõe no artigo 1.341 e parágrafos, critérios autorizantes para
sua realização e, assim, se voluptuárias, por dois terços de votos dos condôminos; e, se úteis, por
maioria. Quando reparações urgentes necessárias, como dito, pelo síndico, independente de autorização,
ou por qualquer dos condôminos, no impedimento ou omissão do síndico (parágrafo 1º), sendo
devidamente reembolsado. Em caso de urgentes, mas de valor excessivo, somente após a convocação por
qualquer um de assembleia, especificamente para esse fim (parágrafo 2º). De certo que o legislador não
contemplou a urgência superveniente, a qual não possa ser evitada, sob pena de maiores danos. Nesses
casos, de certo, a imediatidez se impõe autorizadora independentemente de convocação. O bom senso do
administrador dirá aonde ir.
Artigo 1.342. A realização de obras, em partes comuns, em acréscimo às já existentes, a fim
de lhes facilitar ou aumentar a utilização, depende da aprovação de dois terços dos votos dos
condôminos, não sendo permitidas construções, nas partes comuns, suscetíveis de prejudicar a
utilização, por qualquer dos condôminos, das partes próprias, ou comuns.
Artigo 1.344. Ao proprietário do terraço de cobertura incumbem as despesas da sua
conservação, de modo que não haja danos às unidades imobiliárias inferiores.
Artigo 1.345. O adquirente de unidade responde pelos débitos do alienante, em relação ao
condomínio, inclusive multas e juros moratórios.
Decidiu o STJ, pela lavra do Min. Relator Barros Monteiro, diante da natureza propter rem das
despesas condominiais que o adquirente responde, inclusive pelas anteriores à aquisição, devendo, em
face do alienante, buscar-se ressarcir.[355]
5.1. Da prescrição nas relações condominiais
Como não dispõe a lei sobre prazos de natureza decandencial ou prescricional, devem-se aplicar os
prazos comuns. Assim, quanto às obrigações de caráter econômico, de sorte que o artigo 205 do CCB,
que prevê o prazo em dez anos, se aplica ao exercício da pretensão diante de alguns dos condôminos
faltantes. E, sendo de caráter sucessivo, incorrerá diante de cada parcela.
Contudo, em se tratando, extraordinariamente, de casos de usucapião, a ordem legal, da mesma
forma possui critérios e prazos, conforme se encontra no artigo 1.238 e seguintes.
6. Uso de garagens
Dispõe o § 1º do artigo 2º, que “o direito à guarda de veículos nas garagens ou locais a isso
destinados nas edificações ou conjuntos de edificações será tratado como objeto de propriedade
exclusiva, com ressalva das restrições que ao mesmo sejam impostas por instrumentos contratuais
adequados,[356] e será vinculada à unidade habitacional a que corresponder, no caso de não lhe ser
atribuída fração ideal específica de terreno”.
Já se comentou a questão das vagas de garagens em condomínios,[357] assim como o direito de
propriedade autônomo sobre tais vagas, muitas vezes individualizado e mesmo coincidentes dois títulos
de propriedade de um mesmo prédio, de tal ordem estranho, à propriedade imóvel principal, que a ela se
pode atribuir matrícula própria no RI, distinta daquela pertinente aos demais bens imóveis, como em
edifícios-garagens (§ 3º do artigo 1º da Lei nº 4.591/64), ou em prédios mais antigos em que se
comportava, no lançamento, a alienação das unidades independentes da alienação das vagas.
Mas impõe, aqui, nos determos quanto a algumas questões pertinentes neste tópico. A realidade de
condomínio especial tem em si, de peculiar, ainda, que, além da propriedade individual, resta, em
acessório indissolúvel, uma parcela de propriedade comum com os demais condôminos, o que se
justifica pela portaria comum, o espaço do elevador, poços de aeração, play, piscinas, ou simples vagas
de garagens comuns.
Assim, ainda que a vaga decorra de direito acessório da propriedade, como unidade
individualizada, seu uso, subsumir-se-á à realidade conjunta condominial, não se podendo exigir
definição de área de uso exclusivo justamente por que se estaria violando parcela indivisível de direitos
alheios comuns, sobre as áreas comuns. Salvo, entretanto, quando a unanimidade dos condôminos assim
acolherem, por convenção em assembleia ou no próprio termo constitutivo, isso porque de todos se
estará dispondo, quanto ao direito inatingível de parcela comum de propriedade.[358]
Tais espaços comuns têm tratamento civil ordinário, porque sobre tais comunhões, sem embargo da
convenção interna que se possa firmar, há natureza e tratamento de condomínio civil comum, mas pesam,
sobre eles, regras especiais, limitadas quanto ao uso especial. Em tais casos, e não constituindo
propriedade em si o direito à vaga de garagem, não poderá ser transferida a terceiros estranhos ao
condomínio, subsumindo-se no critério de prelação do CC, uma vez que se materializa em área comum,
onde tem subsidiária aplicação aquele diploma legal ordinário, regular-se-á pelo disposto no Código
Civil, no que lhe for aplicável” (artigo 5º da Lei nº 4.591/64).[359]
Isso vale dizer que a cessão ou transferência gratuita ou por alienação do direito à vaga, quando
acessória à propriedade imóvel, será feita, obrigatoriamente, em favor de qualquer outro dos
condôminos, sendo defesa, em favor de terceiros estranhos.[360] Salvo, se consentido pela unanimidade,
em caso de desmembramento e alienação, ou em caso de tolerância convencional, o que, tanto em um
como em outro caso, estaremos, antes, diante de renúncia coletiva ao direito de preferência.
Considerado o direito à vaga, mesmo quando previsto na escritura de compra e venda registrada,
como direito do titular da propriedade, exclusivo e perpétuo, estará limitado a ser transferido a um dos
demais condôminos, por se exteriorizar em área comum. Em caso de negativa autorização de
transferência do uso, a terceiro estranho ao condomínio, restará sem uso a vaga, e nem por isso o
condomínio deverá indenização pela presunção de violação de direito, que inexiste.
Assim, o proprietário que dá o imóvel em locação, dá também a vaga de garagem,[361] não
podendo desmembrá-la se perde, com sua mudança, a qualidade de condômino. Poderá, entretanto,
exercer tal direito, desmembrando da locação essa vaga quanto ao uso, se continuar residente no mesmo
condomínio, em outra unidade.
§ 2º O direito de que trata o § 1º deste artigo poderá ser transferido a outro condômino,
independentemente da alienação da unidade a que corresponder, vedada sua transferência a
pessoas estranhas ao condomínio.
Enfim, dando em locação ou simplesmente cedendo seu imóvel a terceiros, deixa o proprietário de
ser, quanto ao uso fático e imediato da coisa comum, condômino, passando à qualidade de pessoa
estranha ao condomínio.
Optamos por manter esse anexo, ao capítulo, de forma a simplesmente cotejar, quando necessário,
alguma disposição nova ou conflitante, que segundo cremos, como afirmado anteriormente, deverá
prevalecer.
O novo CCB é mais permissivo, ante o interesse particular, em dispor, no artigo 1.338,
simplesmente que, resolvendo o condômino alugar área no abrigo para veículos, preferir-se-á, em
condições iguais, qualquer dos condôminos a estranhos, e, entre todos, os possuidores.
Incorporações Imobiliárias
1. Introdução
O surgimento da lei de incorporações, ou sua principal justificativa, se dá em face da necessidade
de regulamentar a atividade a que dá nome, estabelecer a personalização da pessoa a quem se incumbirá
a qualificação de incorporador, assim como, após individualizá-lo ou personalizá-lo, poder definir seu
limite de responsabilidades, em face dos diversos aderentes aos empreendimentos sob sua coordenação e
iniciativa. Daí, com frequência, vermos nesse diploma excepcional um dos precursores do que se poderia
chamar, hoje, de consumidores, ou simplesmente, aderentes.
Assim, após definir a competência da lei, com eficácia sob todo o território nacional, discrimina,
tímida e evasivamente o parágrafo único do artigo 28, que para efeito da Lei nº 4.591/64 incorporação
imobiliária é toda “atividade exercida com o intuito de promover e realizar a construção, para alienação
total ou parcial, de edificações ou conjunto de edificações compostas de unidades autônomas”.
A imprecisão se dá, uma vez que não discrimina as espécies de pessoas que poderão avocar tal
qualidade, ou se necessitariam de especial formação, a exemplo do que ocorre com os corretores de
imóveis, associados mediante formação sumária nos aspectos técnicos imobiliários. Deixa a lei que a
atividade tipifique o agente, e não o agente tipifique a atividade. Mas a intenção, senão de rigor técnico,
se entende razoável, em face da justificativa de elaboração e aprovação de lei dessa ordem, dado que
antes de sua publicação, dificilmente se podia responsabilizar alguém por determinado empreendimento.
Ora, se eximia o agente promotor, sob alegação de que não assumira a edificação, senão a divulgação, ou
que assumindo a edificação, não respondia jurídica e tecnicamente pelo imóvel solo, sobre o qual se
edificava o empreendimento. Enfim, diante de tanta escusa, diante de tanto dolo não punível por falta de
boa tipificação, personalização em face da competência, ponderou o legislador em, simplesmente, prever
a atividade como discriminadora. Daí se chegar a afirmar que quem, de qualquer forma, concorrer para a
edificação ou sua publicidade e desenvolvimento econômico estará enquadrado e responsabilizado sob
os ditames procedimentais, civis-administrativos-criminais da lei em comento.
Apenas enxergou a lei a necessidade de proteger a contratação mais impessoal, mais volumosa,
quando destaca ser responsável aquele que oferece para alienação, total ou parcial, edificações ou
conjunto de edificações compostas de unidades autônomas, o que faz pressupor a ocorrência de
condomínios horizontais. Deixa de fora, o legislador, aquele particular que adere à oferta de trabalho de
administração e até corretagem, de profissional que se presta à edificação singular ou aquele que
comercializa unidades já edificadas e com habite-se.
Por fim, pode-se extrair que a atividade, para sua caracterização e submissão (repise-se, aos
ditames procedimentais da lei), deverá iniciar-se antes da edificação ou antes de sua conclusão.
Deixando o incorporador para divulgar e dar em oferta as unidades após edificação, não se enquadrará,
também, na hipótese de constrição da presente lei, porque aqui se lê: “promover e realizar a construção,
para alienação.” O que não impede, sob o aspecto jurídico, que antes do próprio lançamento já se
encontre, a totalidade das unidades, prometida em forma de permuta, ou dação em pagamento, como mais
usualmente se utiliza, a par de procedentes críticas.
Trata-se, assim, de contrato típico, como observa Orlando Gomes, porque, não fosse a lei, “seria um
contrato atípico misto se não já tivesse sido definido em lei com espécie contratual nominada”, “se bem
que inexista vínculo jurídico entre os diversos adquirentes das unidades autônomas de um edifício
incorporado, o contrato de incorporação é dos que jamais se celebram com uma só parte, único da mesma
espécie. Sua finalidade exige um feixe de contratos em cada incorporação, todos com cláusulas
uniformes”, concluindo ter as seguintes características: “sinalagmático, simplesmente consensual,
oneroso, forma de execução diferida.”[362]
Minucioso estudo procedeu a registradora e doutoranda Claudia Tutikian, no atentar para a função
social da incorporação imobiliária. Aspecto que, de fato, deve ser enxergado, haja vista o caráter social
de facilitação do uso do solo em equação perfeita com o mais democrático acesso à moradia, ou qual
seja a finalidade, como nos grandes centros urbanos. Lembre-se de que antes da Lei de Incorporações e
Condomínios horizontais se “legalizaram” imóveis de escritório, tidos em condomínios indescritíveis,
em imensos prédios de destinação coletiva, pela matrícula única predial, a inviabilizar desde a
administração até mesmo a melhoria das unidades, o que tem gerado as mais diversas formas de conflito
e desvalorização integral desses imóveis, em falta de controle, a começar por destinação econômica
certa.[363]
1.1. Noção legal e atributiva do incorporador
Mas a noção mais clara, não da atividade e sim do sujeito, qualificado como incorporador, se vai
encontrar no artigo 29, que reza: “Considera-se incorporador a pessoa física ou jurídica, comerciante ou
não, que, embora não efetue a construção, compromisse ou efetive a venda de frações ideais de terreno
objetivando a vinculação de tais frações a unidades autônomas em edificações a serem construídas ou em
construção.”
Mas nem toda pessoa física poderá ser incorporador, uma vez que a atividade envolvendo a
promoção do empreendimento e venda incumbe, forçoso reconhecer, a corretores de imóveis (diante da
legislação que reconhece tal atividade como profissional qualificada), ou responsabilizar-se-á pela
edificação, devendo para tanto ser engenheiro civil, regularmente inscrito e habilitado pelo órgão de
classe (CREA). A simples pessoa física, sem uma ou outra qualificação acima, deverá estar integrada a
um grupo econômico, onde, como sócio de determinada empresa de incorporação ou sob a forma de
“firma individual”, munida de técnicos habilitados, poderá, então, indiretamente, dedicar-se à atividade
que é técnica, essa é a nossa opinião, não obstante a seguir a lei.
Abre, entretanto, a lei, aparentemente em brecha, no artigo 31, na alínea a, quando estabelece que
somente poderá ser incorporador, e a este cabendo a iniciativa e responsabilidade das incorporações:
a) o proprietário do terreno, ou promitente comprador, o cessionário deste ou promitente
cessionário com título que satisfaça os requisitos da alínea a do artigo 32;
b) o construtor, como tal, engenheiro civil, ou corretor de imóveis.
Importa, genérica e amplamente, a atividade de incorporação, aquela que “meramente aceita
propostas para efetivação de tais transações, coordenando e levando a termo a incorporação e
responsabilizando-se, conforme o caso, pela entrega, a certo prazo, preço e determinadas condições, das
obras concluídas” (artigo 29). Considera-se começada a incorporação pela venda, promessa de venda,
cessão ou promessa de cessão de cota ideal de terreno vinculada a projeto de construção, ou o contrato
de construção assinado pelo incorporador, ou por adquirente. A vinculação das partes decorrerá da
simples proposta, da proposição do negócio, através apenas da publicidade; tornando o negócio para o
adquirente, como irrevogável, sem prejuízo de responsabilização do incorporador.
Como se sabe, a simples entrega do contrato padrão já traz, em si, por parte do proponente, sua
vinculação restrita e seu consentimento tácito (CC artigo 427, CDC artigo 30, salvo artigo 430). Não
obstante pessoal o direito do adquirente, desprovido de registro junto ao RI, o seu contrato, gera mesmo,
em face do proponente-empreendedor, negócio irretratável, definitivo, salvo pela ocorrência da própria
inviabilidade do empreendimento ou outra causa justificadora posterior, prevista no contrato. Para
terceiros, entretanto, somente se conceberá com o registro do contrato, com natureza de promessa de
venda, se poderá conceber o direito do adquirente como direito real, seguindo a regra comum da
propriedade imobiliária.
Muitas vezes, ainda, o incorporador não é, como usual ocorrer, pessoa exclusiva na promoção dos
empreendimentos, valendo-se, por contratação, da vontade do dono do terreno onde se lançará a
edificação. Vindo deste último a frustração do negócio, estabeleceria, a lei, a obrigação regressiva, em
favor do incorporador, imputável, ao proprietário pela desistência. Ou seja, no âmbito da
responsabilidade talvez não se visse, no incorporador, a solidariedade que não se presume, senão pelo
ato ilícito. Para tanto, em favor dos adquirentes desavisados, verdadeiros terceiros de boa-fé, em face
das tratativas entre o incorporador e o proprietário do terreno, imputando a lei a solidariedade
responsável, limitando-se, entre ambos, a regressão indenizatória.[364]
Em última sorte, contudo, os aderentes estarão vinculados, irretratavelmente, às frações ideais
correspondentes, posto que a lei iguala o proprietário do terreno a ser edificado ao incorporador, para
proteção daqueles primeiros.
Artigo 29 da Lei nº 4.591/64. Parágrafo único. Presume-se a vinculação entre a alienação
das frações do terreno e o negócio de construção, se, ao ser contratada a venda, ou promessa de
venda ou de cessão das frações de terreno, já houver sido aprovado e estiver em vigor, ou pender
de aprovação de autoridade administrativa, o respectivo projeto de construção, respondendo o
alienante como incorporador.
Prosseguindo, na mesma linha de compromisso em favor do direito e da boa-fé dos adquirentes, vai
ressalvar a lei que a mesma responsabilidade se estende aos proprietários e titulares de direitos
aquisitivos que contratem a construção de edifícios que se destinem a constituição de condomínio,
sempre que, antecipando-se, à conclusão, “iniciarem as alienações antes da conclusão das obras” (artigo
30 da Lei nº 4.591/64).[365]
A ordem protetiva instada pela lei, em favor dos adquirentes, estabelece a solidariedade entre eles,
segundo lição que se colhe: quando “houver mais de um incorporador, todos respondem solidariamente
pelo eventual malogro do empreendimento. Não pode alegar imprevisibilidade, nem inevitabilidade,
quem lança empreendimento açodadamente, sem observância das formalidades legais, e efetua vendas
sem base econômico-financeira necessária à conclusão da obra, mormente quando de grande vulto.”[366]
Por fim, como critério de segurança, certeza, vinculação e publicidade, estabelece a lei duas
circunstâncias necessárias à divulgação de empreendimento regular, sob a vigência da atual lei (§§ do
artigo 31 da mesma lei):
a) quando construtor ou corretor de imóveis, deverá estar investido, formalmente, pelo proprietário
do terreno, ainda que promitente comprador, cessionário ou promitente cessionário, por
mandato outorgado ad negocia, por escritura pública, onde se vincule a certeza de registro
imobiliário consequente, assim como da responsabilidade civil e criminal pela frustração
imotivada do negócio, tudo voltado às frações ideais que se estipulam em favor dos aderentes.
b) manter-se o incorporador, em todas as propostas e propagandas do empreendimento, vinculado
expressamente de forma a ser identificado pessoalmente, impondo-se, ainda, que deva “seu
nome permanecer indicado ostensivamente no local da construção” (§ 2º), assim como, “a
indicação do cartório competente, constará, obrigatoriamente, dos anúncios, impressos,
publicações, propostas, contratos, preliminares ou definitivos, referentes à incorporação, salvo
nos anúncios classificados” (§ 3º, artigo 32).
1.2. Das obrigações e direitos do incorporador
A lei é taxativa em determinar como condição inafastável para o incorporador negociar sobre as
unidades autônomas, arquivar, no cartório competente do registro de imóveis a que esteja vinculado o
terreno edificável, os seguintes documentos (artigo 32 da Lei nº 4.591/64),[367] que ali permanecerão
após análise do oficial de registros (§ 1º):[368]
a) o título de propriedade do terreno, ou da promessa, irrevogável e irretratável, de compra e venda
ou de cessão de direitos ou de permuta, do qual conste cláusula de imissão na posse do
imóvel, desprovidos, tais títulos, de qualquer embaraço a alienações consequentes, assim
como a certeza do direito disponível de propriedade. Precisando-se, inaceitável que tais
direitos venham onerados com estipulações impeditivas de alienação em frações ideais, bem
como autorize, expressamente, o direito à demolição necessário à construção, tudo
devidamente registrado, sob pena de não haver direito real, como já se estudou, tais títulos
permanecerão, ainda, averbados junto ao registro (§ 2º). Em nova redação, o § 2º vai tornar a
consolidar a ideia de irretratabilidade de tais contratos, quando registrados. A expressão
registro, substituindo a expressão averbação, traz consequências distintas, como visto na Lei
nº 6.015/73, deslocando-se a figura do inciso I, para o inciso II, do artigo 167, de maior
encargo financeiro, inclusive.[369]
b) as certidões negativas já estudadas no capítulo dos contratos típicos imobiliários, que
comprovem a inexistência de débitos tributários nos três níveis, previdenciário, quando
responsável por tais recolhimentos e repasses (como empregadores), assim como quaisquer
outros de particulares, no âmbito da execução, que digam, enfim, ainda, da certeza da
propriedade por quem constitua a incorporação ou autorize sua realização;
“A existência de ônus fiscais ou reais, salvo os impeditivos de alienação, não impedem o
registro, que será feito com as devidas ressalvas, mencionando-se, em todos os documentos,
extraídos do registro, a existência e a extensão dos ônus” (§ 5º).
c) envolvendo, aqui, mais complicadores direitos e o interesse público, social, a lei vai exigir a
apresentação, ainda, do histórico da propriedade imóvel, nos últimos 20 anos, acompanhado
de certidão dos respectivos registros, eliminando-se, assim, possíveis pretensões só afastadas
pela prescrição máxima admitida;
d) o projeto de construção devidamente autorizado pela secretaria de obras competente;
e) cálculo das áreas das edificações, discriminando, além da área global, a das partes comuns,
indicando-se a respectiva metragem de área construída para cada tipo de unidade;[370]
f) memorial descritivo das especificações da obra projetada, segundo modelo elaborado,
observadas as normas da ABNT, para os acabamentos das edificações (artigo 53, IV);
g) avaliação do custo global da obra, atualizada à data do arquivamento, discriminando-se o custo
de construção de cada unidade, com autenticação por profissional responsável pela obra;
h) discriminação das frações ideais de terreno, com as unidades autônomas que a elas
corresponderão;
i) minuta da futura convenção de condomínio;
j) declaração em que se defina a parcela do preço equivalente às unidades edificadas que se darão
em pagamento do terreno;
k) certidão passada pelo oficial de notas, informando do inteiro teor da procuração passada, pelo
dono do terreno, ao incorporador, autorizando-lhe lançar o empreendimento, e comprometer-se
com os eventuais promissários-adquirentes;
l) quando houver carência (improrrogável, § 6º, artigo 34), que justifique a análise pelo
incorporador da viabilidade do negócio em face de sua receptividade pelo mercado, tal prazo
deve também, em declaração expressa, ser fixado como documento preparatório, assim como
não será superior ao prazo da validade do projeto (120 dias), e seu cancelamento, também,
será como tal considerado, após averbação junto ao processo, nos termos do artigo 34;
m) considerando o envolvimento financeiro e a administração, usual, pelo incorporador dos
recursos da edificação, prova de sua idoneidade, fornecida por instituição bancária, o que
sabidamente é nada, considerando a nenhuma vinculação responsável dos bancos na
declaração de que seu cliente, até então, goza de prestígio e ilibada reputação.
n) declaração, acompanhada de plantas elucidativas, sobre o número de veículos que a garagem
comporta e os locais destinados à guarda dos mesmos, segundo o Código de Obras vigente e o
gabarito, ali contido, de metragem mínima para vagas e espaços de circulação.
A documentação exigida, prévia para lançamento da incorporação, ensejará, em caso de
inobservância, causa de rescisão indenizável em favor do promissário-adquirente,[371] assim como
contravenção penal, por parte do incorporador, considerado o nível de norma pública que o legislador
atribui a tais providências. “Assim, se aquele que se apresenta como incorporador, e passa a alienar as
unidades, não tem seu nome constante do registro da incorporação, na forma exigida pelo artigo 32 da Lei
nº 4.591/64, está em mora, ipso jure, desde o início a autorizar que o adquirente venha a rescindir o
compromisso de compra e venda, independentemente de qualquer interpelação ou notificação.”[372]
Considerando a precípua finalidade de tornar públicos os atos e a certeza dos mesmos, no princípio
da publicidade inerente a todos os registros de imóveis, em especial dispõe a lei em favor de qualquer
um, que se expeça, por qualquer meio, cópia de todo o processo registrado (§ 4º).
Havendo exigências a serem apresentadas pelos oficiais, quando da recepção e análise da
documentação apresentada, o oficial terá o prazo de quinze dias para apresentá-las, por escrito, ao
apresentante, e outros quinze para fornecer certidão, quando cumpridas e satisfeitas as exigências
procedentes. Aqui também caberá levantamento de dúvida, nos termos do artigo 198 da Lei nº 6.015/73,
já comentado.
À exceção do teor e autenticidade das informações prestadas pelo interessado, o oficial responderá
pela observância estrita da lei, para análise e efetivação do registro, segundo princípios de
responsabilidade administrativa, civil e criminal, nos termos dos parágrafos 8º a 12, da lei, assim como
da Lei nº 8.935/95, que regulamenta o artigo 236 da CR, atinente aos atos notariais. A responsabilidade
do oficial, ou de quem tenha delegado poderes, seguirá a responsabilidade civil do Estado, como
responsável principal, no âmbito patrimonial, sem prejuízo do regresso contra seu agente.
Os registros são válidos por 180 dias (Lei nº 4.864/65), caducando, após esse prazo, quando
nenhuma unidade for dada em negócio, conforme o artigo 33 da Lei nº 4.591/64, o que não impede,
entretanto, revalidação, mediante apresentação de documentação atualizada. Negociar após a caducidade
implica, como se sabe, negociar na ausência do processo de incorporação, o que impõe tipificação de
contravenção penal.
1.3. Obrigações do incorporador pela entrega a prazo certo
A responsabilidade do incorporador é de fim,[373] isto é, pelo resultado; pelo que estabelece o
artigo 43 da Lei nº 4.591/64, as cautelas possíveis em favor dos adquirentes e de sua maior certeza
quanto ao negócio e seu termo, uma vez que toda obrigação deve ter prazo ou condição para sua
perfecção. No caso, considerado o sinalagma decorrente da obrigação, a hipótese em lugar de condição é
de termo (porque se concebendo a futuridade, não se está tratando de álea, para se esperar a incerteza).
[374]
Dessa forma, é obrigação informar aos adquirentes, por escrito, no mínimo em seis meses, o estado
da obra; responder civilmente pela execução da incorporação, devendo indenizar os adquirentes ou
compromissários, dos prejuízos que a estes advierem do fato de não se concluir a edificação ou de se
retardar, sem justificação, a conclusão das obras, cabendo-lhe ação regressiva contra o construtor, se for
o caso e se a este couber a culpa. Em caso de falência do incorporador, pessoa física ou jurídica, e não
ser possível à maioria prosseguir na construção das edificações, os subscritores ou candidatos à
aquisição de unidades serão credores privilegiados pelas quantias que houverem pago ao incorporador,
respondendo subsidiariamente os bens pessoais deste. Ao incorporador é vedado alterar o projeto,
especialmente no que se refere à unidade do adquirente e às partes comuns, modificar as especificações,
ou desviar-se do plano da construção, salvo autorização unânime dos interessados ou exigência legal; não
poderá modificar as condições de pagamento nem reajustar o preço das unidades, ainda no caso de
elevação dos preços dos materiais e da mão de obra, salvo se tiver sido expressamente ajustada a
faculdade de reajustamento, procedendo-se, então, nas condições estipuladas. Se o incorporador, sem
justa causa devidamente comprovada, paralisar as obras por mais de 30 dias, ou retardar-lhes
excessivamente o andamento, poderá o juiz notificá-lo para que no prazo mínimo de 30 dias as reinicie
ou torne a dar-lhes o andamento normal. Desatendida a notificação, poderá o incorporador ser destituído
pela maioria absoluta dos votos dos adquirentes, sem prejuízo da responsabilidade civil ou penal que
couber, sujeito à cobrança executiva das importâncias comprovadamente devidas, facultando-se aos
interessados prosseguir na obra.
1.3.1. Responsabilidade do incorporador supletiva ao patrimônio de afetação
A Lei nº 10.931/04 fez incluir, no artigo 43 da Lei nº 4.591/64, o inciso VII, o qual se refere à
situação jurídica do patrimônio de afetação, o qual, como se sabe, cria um patrimônio à parte do
patrimônio do incorporador, não respondendo por suas obrigações em caso de quebra. Nesse caso – de
insolvência do incorporador e constituído o patrimônio de afetação –, não sendo possível à maioria dos
promitentes condôminos prosseguir na obra, resta à assembleia geral, pelo voto de 2/3 (dois terços) dos
adquirentes, deliberar pela venda do terreno, das acessões e demais bens e direitos integrantes do
patrimônio de afetação, mediante leilão ou qualquer outra forma que resolvam por estabelecer.
O resultado líquido da venda, depois de pagas as dívidas do patrimônio de afetação e deduzida e
entregue ao proprietário do terreno a quantia que lhe couber, nos termos do artigo 40 da mesma Lei, será
distribuído entre os adquirentes, nos limites de seus direitos e integralização de valores, sem dispensar-
se a noção da fração ideal, usualmente representativa de direitos.
Se, entretanto, o valor apurado não se constituir suficiente à indenização dos adquirentes, poderão
estes, como credores privilegiados, segundo a mesma disposição legal, perseguir o patrimônio pessoal
do incorporador, que nesse caso responderá subsidiária e solidariamente.
Ainda segundo a lei, após a concessão do “habite-se” pela autoridade administrativa, tão logo após
a vistoria pela engenharia do Poder Público fiscal – Secretaria Municipal de Obras, o incorporador
deverá requerer a averbação da construção das edificações (artigo 44 da Lei nº 4.591/64), para efeito de
individualização e discriminação das unidades, respondendo perante os adquirentes pelas perdas e danos
que resultem da demora no cumprimento dessa obrigação. As perdas e danos serão apurados pelo juízo,
podendo traduzir valor pela simples demora, ou na medida do lucro cessante, alcançar o equivalente ao
que se estaria pagando por aluguel, quando necessário, ante a demora na imissão. De toda sorte,
sabidamente, na prática, é comum entregar-se tal averbação aos cuidados do próprio adquirente, ou pior,
dar imissão antes de concedido o “habite-se”.
Mas a lei prevê que o incorporador tendo recebido todo o preço ou já estando vinculado a um
contrato de financiamento, senão pior, a duplicatas de origem de emissão autossatisfativa, que o
construtor requeira, em seu lugar, a averbação, sob pena de ficar solidariamente responsável com aquele
por qualquer dos adquirentes de unidade (§ 1º). Por fim, e antevendo o pior, faculta – aliás,
desnecessariamente, a lei – “na omissão do incorporador e do construtor, a averbação poderá ser
requerida por qualquer dos adquirentes de unidade” (§ 2º).
Em caso de falência do incorporador, aplicam-se as regras mencionadas no estudo do Dec. nº 58 e
Lei nº 6.766/79, quando se admite a integralização do valor, pelos adquirentes, da cota do terreno, em
favor da massa, liberando-se dessa forma o interesse patrimonial distinto de ambos.[375]
A expectativa da massa é pelos créditos, é por dinheiro, liquidez, e só dessa forma poderá sanar os
diversos compromissos não cumpridos com os credores, sejam eles privilegiados em seus créditos, ou
não.
Assim, a nosso ver, deve a massa se sub-rogar em lugar do empreendedor, respeitando os contratos
realizados, independente de registro ou não dos diversos contratos. Primeiro, por questões de ordem
legal de preferência, porque em caso de alienação se contemplaria a preferência do atual titular do
negócio jurídico. Segundo, por questões práticas, que menos acarretam à própria massa, dado que a
assunção à massa dos imóveis não dispensa a indenização proporcional das parcelas adquiridas pela
execução do contrato, pelo promitente comprador, nem dispensa o custo de administração das conversões
em recursos de liquidez (via alienação). Por tudo isso, restaria indiferente à massa perceber o valor
remanescente do bem, seja do titular do direito pessoal ou real, seja de terceiro. Terceiro, por questões
sociais que dispensam análise.
1.4. Da efetivação do contrato hábil para concretização do empreendimento
No artigo 35 da Lei nº 4.591/64 estabelece a lei o prazo de 45 dias, a contar do termo final do prazo
de carência, ou na sua ausência, contado da data em que se firmou o primeiro contrato-padrão com
qualquer interessado (§ 1º), para que seja celebrado o “competente contrato relativo à fração ideal de
terreno, e, bem assim, do contrato de construção e da convenção do condomínio”, o prazo, contudo,
hoje, é de 60 dias, segundo dispõe o artigo 13, da Lei nº 4.864/65.
Dentro do prazo de carência, a obrigação do incorporador, pela efetividade do negócio, somente
desaparecerá se este denunciar, dentro do mesmo prazo e nas condições previamente estabelecidas, por
escrito ao registro de imóveis, a não concretização do empreendimento (§ 2º).
Esclarece Caio Mário, quanto à obrigação do incorporador, assim como, solidária, do outorgante
(proprietário do terreno):[376]
O incorporador tem a obrigação de depositar os documentos, de acompanhar a sua
tramitação, de acompanhar as exigências, de observar os prazos. E, vendo frustrado o negócio, é
ainda obrigação sua denunciar a incorporação.
Não estando só, pois que o construtor e o corretor de imóveis podem incorporar sem
domínio, porém, como mandatários do titular de direitos sobre o terreno, a lei devolve ao
outorgante da procuração, nos cinco dias subseqüentes ao escoamento do prazo de carência, o
direito de formalizar a denúncia.
Se não o fizer, associa-se ao incorporador nas conseqüências, ficando solidariamente
responsável com o incorporador pela devolução das quantias por este recebidas.
O incorporador, pelo seu papel preponderante e responsabilidade, se obriga efetivar os contratos,
sob pena de ver autorizados os promissários adquirentes, pela lei, com base em suas simples cartas-
propostas, procederem à averbação junto ao RI, “averbação que conferirá direito real oponível a
terceiros, com o consequente direito à obtenção compulsória do contrato correspondente” (§ 4º, artigo
35). Estipula, ademais, a lei, a multa de 50% (cinquenta porcento) sobre o valor recebido, em favor do
adquirente (§ 5º).
Igualmente caberá ao incorporador, segundo a mesma Lei nº 4.591/64, em trinta dias, o prazo da
denúncia da incorporação, nos termos do artigo 34, restituir, atualizadamente aos promissários
adquirentes as importâncias pagas, acrescidas de juros de 6% ao ano (artigo 36), facultando, a lei,
àqueles a via executiva para cobrança dos valores em restituição.
2. Documentos de ajuste, os pré-contratos
Documentos de ajuste são todos aqueles firmados como manifestação de interesse pela adesão, já
em natureza de pré-contrato, que dá o incorporador àqueles futuros promissários adquirentes. Tais
termos de ajuste deverão mencionar, obrigatoriamente:
a) a natureza do ônus que pese sobre o imóvel objeto de negócio para edificação, indicando-se a sua
natureza, e das condições da liberação (artigo 37);
b) a que título tais imóveis se encontram ocupados, se o caso, e quais as condições de desocupação,
como notícia de sentença de despejo ou de reintegração e se delas cabe ou não recurso,
informações compatíveis com a contemporaneidade da elaboração de tais termos (artigo 38);
c) em caso de a aquisição de tais terrenos envolver pagamento total ou parcial, deverá ainda conter
a parcela que, se houver, será paga em dinheiro e a quota-parte da área das unidades a serem
entregues em pagamento do mesmo, que corresponderá a cada uma das unidades, a qual deverá
ser expressa em metros quadrados, assim como se o alienante ficou ou não sujeito a qualquer
prestação ou encargo (artigo 39).
3. Vínculo de direitos dos adquirentes, em face do alienante, frustrado
o empreendimento
Com se viu, geralmente, o contrato de incorporação envolve mais de duas pessoas, o incorporador
(promotor do negócio), o dono do terreno a ser edificado, construtores, engenheiros, arquitetos e, enfim,
os adquirentes.
Não há, entretanto, aparentemente, vínculo jurídico imediato entre o dono do terreno e o adquirente,
uma vez que tal liame passa, necessariamente, pelo incorporador, sob o aspecto da responsabilidade e do
êxito do empreendimento.
Para não deixar dúvidas, entretanto, entre a existência de vinculação obrigacional entre ambos,
desde que concorrentes para o projeto intentado, dispõe a lei, em péssima quanto truncada redação, que,
frustrado o empreendimento de edificação, sem que para tanto dê causa o adquirente (artigo 40, § 2º, da
Lei nº 4.591/64), consolidar-se-á, no patrimônio do alienante – isto é, o dono do terreno –, a
propriedade, rescindindo-se as cessões ou promessas de cessão de direitos correspondentes à aquisição
do terreno, sem prejuízo de se indenizar os adquirentes pelos valores pagos para aquisição das frações
ideais, inclusive pelos acréscimos que se fizerem – benfeitorias –, podendo buscar regresso em face do
incorporador, protegendo-se o interesse e boa-fé ocorrentes em favor dos adquirentes (artigo 40 e §§,
idem).
Veja-se o que se disse, anteriormente, quanto à irreversibilidade da obrigação em face do
empreendedor, não obstante ainda de natureza meramente real. Parece-nos que aqui se encontra
supedâneo para a tese da definitividade do negócio, inclusive em face da massa quando declarada a
falência do empreendedor, também já analisado. Disso nos convencemos, porque a efetividade da lei é o
desenvolvimento urbano, prestigiando-se a justa indenização.
Veda-se, em contrapartida, poder o alienante – dono do terreno – vir a negociar com terceiros, que
não os adquirentes, a continuidade do empreendimento (§ 3º). Por outro lado, se sub-rogado terceiro em
lugar do alienante, por resolução tácita ou expressa, mas em face da desídia deste, continuará o
interveniente na responsabilidade do que inadimplido, por força do que dispõe o artigo 42 da referida
Lei. Também não é clara a redação, induzindo referir-se ao adquirente, não fosse a falta de sentido por
contrariedade e a parte final da norma mencionando “atribuídos ao inadimplente, com relação à
construção”, não sendo o caso de arcar com a edificação o adquirente.
4. Construção de edificação em condomínio sob modalidade genérica
A construção de imóveis, objeto da incorporação, nos moldes da lei em análise, poderá ser
contratada sob a modalidade prevista de dois regimes, a saber: o da empreitada ou de administração
(artigo 48 da Lei nº 4.591/64), conforme adiante definidos, que poderá estar incluída no contrato com o
incorporador, ou ser contratada diretamente entre os adquirentes e o construtor, fazendo parte integrante e
complementar do contrato o projeto e o memorial descritivo das edificações (artigo 1º), devendo, ainda,
constar do contrato o prazo da entrega das obras e as condições e formas de sua eventual prorrogação
(artigo 2º).
5. Constituição de assembleias para fiscalização e deliberação
Embora não haja a conscientização política, e sequer a prática, facultado o poder de fiscalização
pelos promitentes adquirentes, poderão estes, diante da desídia do incorporador, reunirem-se para
deliberar tanto pelo seu afastamento e substituição quanto em caso de falência deliberarem.
Assim, dispõe a Lei de Incorporação que poderão os contratantes da construção (adquirentes), em
qualquer das modalidades de contratação, inclusive no caso do artigo 43 (entrega a prazo e preço certo),
como ressalva o artigo 49 da Lei nº 4.591/64, reunir-se em assembleia para deliberações, que se
tornarão válidas desde que aprovadas por maioria simples dos votos presentes e desde que respeitem o
limite do direito de propriedade de cada um dos condôminos.
Para validade das assembleias, deverão as mesmas ser convocadas, pelo menos, por 1/3 (um terço)
dos votos dos contratantes, pelo incorporador ou pelo construtor, com menção expressa do assunto a
tratar, admitindo-se, como de praxe, o comparecimento de procurador bastante investido,
especificamente, para o ato, com os poderes correspondentes de manifestação e voto (§ 1º).
A convocação da assembleia deverá ser feita por carta registrada ou protocolada, com antecedência
mínima de 5 dias para a primeira convocação, e mais 3 dias para a segunda, quando não alcance quorum,
podendo ambas as convocações ser feitas no mesmo aviso, dando-se notícia da segunda (§ 2º).
A assembleia instalar-se-á, no mínimo, com metade dos contratantes, em primeira convocação, e
com qualquer número, em segunda, sendo, porém, obrigatória a presença, em qualquer caso, do
incorporador ou do construtor, quando convocantes, e, pelo menos, com metade dos contratantes que a
tenham convocado, se for o caso (§ 3º).
Em tais assembleias, os votos dos contratantes serão proporcionais às respectivas frações ideais de
terreno (§ 4º), como anteriormente estabelecido em regra geral do condomínio especial, na mesma lei.
Aqui também, a assembleia quando realizada com qualquer vício, ou dela resultar decisão que
contrarie a lei, em sentido e norma pública, poderá ser questionada em sede de jurisdição comum.
6. Comissão de representantes
A Lei de Incorporações determina, no artigo 50, que o incorporador faça prever no contrato de
construção, ou que seja eleita em assembleia geral uma Comissão de Representantes, composta de três
membros, pelo menos, escolhidos entre os contratantes, para representá-los junto ao construtor ou no
caso do artigo 43 (entrega da unidade a prazo e preços certos), ao incorporador, em tudo o que interessar
ao bom andamento da incorporação e, em especial, perante terceiros, para praticar os atos resultantes da
aplicação dos arts. 31-A a 31-F (Redação da Lei nº 10.931/04).
Eleita a Comissão, cuja constituição se comprovará com a ata da assembleia, devidamente inscrita
no Registro de Títulos e Documentos, ficará de pleno direito investida dos poderes necessários para
exercer as atribuições e praticar todos os atos que a Lei nº 5.941/64 e o contrato de construção lhe
deferirem, dispensando, a partir daí, outro instrumento especial outorgado pelos contratantes, ou, se for o
caso, pelos que se sub-rogarem nos direitos e obrigações destes (§ 1º).
Entretanto, como que prevendo possível conluio, garante a lei que a assembleia geral poderá
revogar, pela maioria absoluta dos votos dos adquirentes, alterar a composição da Comissão de
Representantes então eleita, e revogar, se assim entendido necessário, qualquer negócio e decisão
praticados, ressalvados os direitos de terceiros quanto aos efeitos já produzidos, a exemplo de serviços e
material de obra contratados (§ 2º, conforme redação da Lei nº 10.931/04).
Considerando os poderes de que se revestem tais membros da Comissão de Representantes, ainda
que somente em manifestação de decisão una, serão definidos e respeitados os limites constantes da Lei
nº 4.591/64. Assim, o contrato deverá discriminar as atribuições da Comissão e dispor sobre os
mandatos de seus membros, sua destituição e a forma de preenchimento das vagas eventuais. Será lícita a
estipulação de que o mandato conferido a qualquer membro, no caso de sub-rogação de seu contrato a
terceiros – como na figura da cessão de direitos da promessa de compra e venda, se tenha por
naturalmente transferido, de pleno direito, ao sub-rogatário, desde que, por óbvio, este último o aceite (§
3º).
Nas incorporações em que o número de promissários adquirentes de unidades for igual ou inferior a
três, a totalidade deles exercerá, em conjunto, as atribuições que essa lei confere à Comissão, aplicando-
se, no que couber, o disposto nos parágrafos anteriores (§ 4º).
Em todas as modalidades de contratos de construção, seja qual for seu regime, deverá constar,
expressamente, se as despesas com ligações de serviços públicos, assim como aqueles explorados
mediante concessão, incumbirão ao incorporador, por absorção no preço do imóvel, ou serão efetuadas à
parte, pelos condôminos, bem como as despesas indispensáveis à instalação, funcionamento e
regulamentação do condomínio (artigo 51). Hoje, igualmente, tais encargos se diluem no próprio
contrato, e se constituem em fase complementar do empreendimento, salvo, como implicitamente está
dito, serviços não essenciais, mas incorporados à realidade social hodierna, que trazem tão somente mais
status, muitas vezes sob a desculpa da essencialidade.
Consagrando o velho princípio da exceptio non adimplenti contratus, cada adquirente só será
imitido na posse de sua unidade se estiver em dia com as obrigações assumidas, inclusive as relativas à
construção, exercendo o construtor e o condomínio, até então, o direito de retenção sobre a respectiva
unidade; no caso do artigo 43, esse direito será exercido pelo incorporador (artigo 52).
Seguirão os contratos as normas da ABNT, quanto ao cálculo, execução de orçamentos, modelos
adequados para formulários de memoriais, enfim, tudo necessário à padronização de maior certeza e
segurança técnica. Assim como os órgãos estaduais classistas de construção civil passaram, por força da
Lei nº 4.591/64, a divulgar, mensalmente, os índices do custo da construção civil, prevendo a lei,
inclusive, sanção para o sindicato que não o fizer (artigo 53).
7. Contratos em espécie de incorporação
Estabelece a lei duas modalidades específicas de contrato para edificação, mediante incorporação:
contratos por empreitada ou por administração.
7.1. Construção por empreitada
Nas incorporações pelo regime de empreitada, poderá ser contratada a edificação a preço fixo ou a
preço reajustável por índices previamente determinados (artigo 55). Na empreitada a preço fixo o preço
da construção será irreajustável, independentemente das variações que sofrer o custo efetivo das obras e
quaisquer que sejam suas causas (§ 1º), o que hoje se torna letra morta, senão pela ausência de tal prática
suicida, por parte dos empresários, ou porque, em auge inflacionário, se estabeleceu que correção
monetária não constitui majoração senão em atualização. Assim, continuaria tendo eficácia a norma
discriminante, se entendido a preço fixo aquele submetido à simples atualização monetária, enquanto a
preço reajustável o disposto no âmbito de revisão dos custos e das comissões. De toda sorte, parece
despiciendo, hoje, o tratamento distinto a uma e outra, que na prática, vê-se inexistir.
Não parece ser, entretanto, esse o entendimento do legislador, quanto à noção de atualização mais
hodierna que à época da elaboração da lei, segundo dispõe que na empreitada a preço reajustável o
preço fixado no contrato será reajustado na forma e nas épocas nele expressamente previstas, em função
da variação dos índices adotados, também previstos obrigatoriamente no contrato (§ 2º), tornando rígida
e histórica a modalidade a preço fixo.
Na modalidade construção por empreitada, a Comissão de Representantes fiscalizará o andamento
da obra e a obediência ao projeto e especificações, exercendo as demais obrigações inerentes à sua
função representativa dos contratantes e fiscalizadora da construção, podendo fiscalizar, também, o
cálculo do reajustamento nos contratos sob regime reajustável (§ 3º).
Diante do espírito de segurança que se quis dar aos promissários adquirentes, dispõe a lei que no
contrato deverá (deveria) ser mencionado o montante do orçamento atualizado da obra, calculado de
acordo com as normas do inciso III, do artigo 53, com base nos custos unitários referidos no artigo 54.
Em toda a publicidade ou propaganda escrita, destinada a promover a venda de incorporação com
construção pelo regime de empreitada reajustável, em que conste preço, serão discriminados
explicitamente o preço da fração ideal do terreno e o preço da construção, com indicação expressa do
critério de reajuste (artigo 56). Embora se tipifique como contravenção o descumprimento da presente
lei, em especial, quanto ao padrão de divulgação dos empreendimentos, se tem como letra morta essa
determinação legal, em verdadeiro caso de desuetudo.[377]
As mesmas indicações deverão constar, ademais, de todos os papéis utilizados para a realização da
incorporação, tais como cartas, propostas, escrituras, contratos e documentos semelhantes (§ 1º), salvo
pela condição de mera chamada e custo da publicidade, em anúncios “classificados” de jornais de livre
circulação (§ 2º).
7.2. Construção por administração
Nas incorporações em que a construção for contratada pelo regime de administração, também
chamado “a preço de custo”, será de responsabilidade dos proprietários ou adquirentes o pagamento do
custo integral da obra, observadas as seguintes disposições (artigo 58):
I – todas as faturas e documentos que comprovem despesas em favor do empreendimento,
como aquisição de material ou pagamento de serviços, serão emitidos em nome do condomínio dos
contratantes da construção.[378]
II – todas as contribuições dos condôminos, para qualquer fim relacionado com a construção,
serão depositadas em contas abertas em nome do condomínio dos contratantes em estabelecimentos
bancários, as quais serão movimentadas pela forma que for fixada no contrato.
No regime de construção por administração, será obrigatório constar do respectivo contrato o
montante do orçamento do custo da obra, elaborado com estrita observância dos critérios e normas
referidos no inciso II, do artigo 53, e a data em que se iniciará efetivamente a obra (artigo 59),
distinguindo a lei, quanto a estimativa, se antes ou depois do término das fundações (§§).
As revisões de estimativa de custo da obra serão efetuadas, pelo menos, semestralmente, em
conjunto pela Comissão de Representantes e pelo construtor. O contrato poderá estipular que, em função
das necessidades da obra, sejam alteráveis os esquemas de contribuições quanto ao total, ao número, ao
valor e à distribuição no tempo das prestações (artigo 60). Havendo majoração de prestações, o novo
esquema deverá ser comunicado aos contratantes, com antecedência mínima de 45 dias da data em que
deverão ser efetuados os depósitos das primeiras prestações alteradas.
8. Dos poderes da comissão de representantes
A Comissão de Representantes terá poderes para, em nome de todos os contratantes (isto é, pelo
condomínio, ou consórcio) e na forma prevista no contrato (artigo 61):
a) examinar os balancetes, organizados pelos construtores, dos recebimentos e despesas do
condomínio dos contratantes, aprovando-os ou impugnando-os, mediante exame da
documentação respectiva, fiscalizando a arrecadação das contribuições destinadas à
construção;
b) fiscalizar as concorrências relativas às compras dos materiais necessários à obra ou aos serviços
a ela pertinentes;
c) contratar, em nome do condomínio, com qualquer condômino, modificações por ele solicitadas
em sua respectiva unidade, a serem administradas pelo construtor, desde que não prejudiquem
as unidades de outro condômino e não estejam em desacordo com o parecer técnico do
construtor, à luz das normas de edificação;
d) exercer as demais obrigações inerentes à representatividade dos contratantes e fiscalizadora da
construção, praticando todos os atos necessários ao funcionamento regular do condomínio.
Infelizmente, a par de tantos mecanismos facultados pela lei insuficientes, é verdade, não se vê outra
coisa senão a administração unilateral, impositiva e exclusiva dos incorporadores, ditando regras e
impondo sua pessoal atuação na manipulação dos recursos e da contratação de bens e serviços, fazendo
crer, aos promissários adquirentes, constituir-se um verdadeiro favor sua atuação. Verdadeira simulação
de administração por condomínio, resultando em incorporação clássica, por empreitada.
Pior, ainda, é a prática que se tem hoje, por comum, de ao mesmo tempo em que se lançam os
empreendimentos, à medida que a edificação vai se erigindo, pela falta de recursos, os incorporadores
dão em caução e garantia as próprias unidades futuras,[379] e em muitos contratos se tem visto,
cerceando, claramente, o adquirente de levar a registro seu contrato quando não impeçam,
contratualmente, de socorrer-se do Poder Judiciário sob pena de rescisão imediata dos contratos. Tais
cláusulas, como se sabe, são tidas por não escritas, mas geram, nas almas leigas, forte carga de
deformação jurídica.[380]
9. Infrações dos adquirentes. Consequências
É lícito estipular no contrato, sem prejuízo de outras sanções, que a falta de pagamento do
adquirente ou contratante, de três prestações do preço da construção, quer estabelecidas inicialmente,
quer alteradas ou criadas posteriormente, quando for o caso, depois de prévia notificação com o prazo de
10 dias para purgação da mora, implique a rescisão do contrato, conforme nele se fixar, ou que, na falta
de pagamento, pelo débito respondam os direitos à respectiva fração ideal de terreno e à parte
construída, adicionada, na forma abaixo estabelecida, se outra forma não fixar o contrato (artigo 63).
[381]
10. Sub-rogação por terceiros mediante execução extrajudicial.
Procedimento
Se, entretanto, o débito não for liquidado no prazo de 10 dias, após solicitação da Comissão de
Representantes, ficará, desde logo, autorizada a efetuar, no prazo que fixar, em leilão público (praça) na
forma do contrato, a venda, promessa de venda ou de cessão, ou a cessão da cota de terreno e
correspondente parte construída, bem como a sub-rogação do contrato de construção (artigo 63, § 1º, da
Lei nº 4.591/64).
Se o maior lanço obtido for inferior ao desembolso efetuado pelo inadimplente, para a cota do
terreno e a construção, assim como somadas as despesas e percentagens pela alienação forçada
expressas, será realizada nova praça, quando será aceito o maior lanço apurado, ainda que inferior
àquele total (§ 2º).
Como última oportunidade ao adquirente faltoso, no prazo de 24 horas após a realização do leilão
final, o condomínio por decisão unânime de assembleia geral, em condições de igualdade com terceiros,
[382] poderá exercer a preferência na aquisição dos bens, caso em que serão adjudicados ao condomínio
(§ 3º).
Do preço que for apurado no leilão, serão deduzidas as quantias em débito, todas as despesas
ocorridas, inclusive honorários de advogado e anúncios em jornais, e mais 5% a título de comissão e
10% de multa compensatória, que reverterão em benefício do condomínio de todos os contratantes, com
exceção do faltoso, ao qual será entregue o saldo, se houver (§ 4º).
Todo esse procedimento deve ser revisado com melhores olhos, em face do que dispõe o artigo 53 e
§ 2º da Lei nº 8.079/91. Se não há financiamento, na obra por administração em condomínio, há, contudo,
forma especial, análoga, de consórcio, previsto então como modalidade protegida pela especialidade.
Assim como pela teleologia recém-introduzida de socorro ao evento da imprevisão, torna-se cada vez
mais abjeta a concepção do lucro fácil, do enriquecimento sem causa. O mesmo raciocínio não se daria,
entretanto, na hipótese de leasing imobiliário, em que a locação é a alma plena do contrato e a
possibilidade de aquisição mera expectativa de direitos, submetida, ainda, a fato resolutório enquanto
executado o contrato. Aliás, a distinção entre contrato de financiamento e leasing é hoje pacificada com
exagerada consonância nos pretórios.
A Comissão de Representantes ficará investida de mandato irrevogável, na vigência do contrato
geral de construção da obra, com poderes necessários para, em nome do condômino inadimplente, efetuar
as citadas transações, podendo para esse fim fixar preços, ajustar condições, sub-rogar o arrematante nos
direitos e obrigações decorrentes do contrato de construção e da cota de terreno e construção; outorgar as
competentes escrituras e contratos, receber preços, dar quitações; imitir o arrematante na posse do
imóvel; transmitir domínio, direito e ação; responder pela evicção; receber citação, propor as ações que
julgar cabíveis; e também dos poderes ad judicia, a serem substabelecidos a advogado legalmente
habilitado (§ 5º).
A morte, falência ou concordata do condômino ou sua dissolução, tratando-se de sociedade, não
revogará o mandato anterior mencionado, o qual poderá ser exercido pela Comissão de Representantes
até a conclusão dos pagamentos devidos, ainda que a unidade pertença a menor de idade (§ 6º). A
violação ao princípio geral civil de que com a morte extingue-se o mandato tem fundamento no interesse
e na representação coletiva.
Os eventuais débitos fiscais ou parafiscais (como da Previdência Social) não obstarão a alienação
extrajudicial. Caso em que, ao condômino, será entregue o saldo, se houver, desde que prove estar quite
com o Fisco e a Previdência Social (quando estiver obrigado a repasse de contribuições), devendo a
Comissão de Representantes, em caso contrário, consignar judicialmente a importância equivalente aos
débitos existentes, dando ciência do fato à entidade credora (§ 7º).
Independentemente das disposições presentes, e como penalidades preliminares, poderá o contrato
de construção estabelecer ainda multas e juros de mora em caso de atraso no depósito das contribuições.
A presente lei deve ser vista em consonância com o Dec. nº 745, de 07.08.69. Embora este último se
destine a terrenos loteados, tem aplicação em prazo mais favorável de notificação em mora ao devedor
(infrator), dando-se a ele quinze dias, segundo entendimento de Niske e Gondo,[383] assim como do
próprio STJ, em decisão colacionada, por ocasião do estudo da compra e venda frustrada, sob a égide da
Lei nº 8.78/90. Tal legislação, vale ressaltar, admitindo um verdadeiro tribunal de exceção para
execução extrajudicial com capacidade de alienação por praça, tem aplicação exclusiva, assim como a
legislação mencionada (Dec. nº 745/69), quando figurar a relação em face de pessoa jurídica credora ou
grupo condominial constituído, como incorporadora ou como financiadora.
Ressalte-se que a evocação do decreto e seu mecanismo de execução forçada extrajudicial somente
se aplica quando o contrato for de financiamento firmado por pessoa jurídica, na qualidade de credora,
isto é, empreendedora; não, como se tem visto, por força inventiva de redação de corretores de imóveis,
como garantia e faculdade de alienante pessoa física, em contrato de venda resolutória, individual.
11. Responsabilidade dos periódicos de publicidade
Tentou a lei dispor de tal ordem de segurança e controle, em favor dos adquirentes, que elucubrou
mecanismo de informações integrais da incorporação, inclusive responsabilizando os órgãos de
informação e publicidade que divulgarem publicidade sem os requisitos exigidos pelo § 3º do artigo 32 e
arts. 56 e 62, da lei, sujeitando-se à multa em importância correspondente ao dobro do preço pago pelo
anunciante, multa essa que se reverte em favor da Municipalidade (artigo 64). Esdrúxulo e inócuo tem se
mostrado esse mecanismo, em especial, porque vai prestigiar a terceiro sem nenhum interesse econômico
ou prejuízo econômico, senão na esfera da representação impessoal do Estado como substituto do
interesse privado, visto ainda a afetação de sua autoridade. Segundo, pela pena desproporcional entre o
resultado danoso e o valor imposto pelo descumprimento.
12. Crime contra a economia popular
Considera crime contra a economia popular, o legislador, promover incorporação, fazendo, em
proposta, contratos, prospectos ou comunicação ao público ou aos interessados, afirmação falsa sobre a
constituição do condomínio, alienação das frações ideais do terreno ou sobre a construção das
edificações, quando se sujeitará, o incorporador, à pena de reclusão de um a quatro anos e multa de cinco
a cinquenta vezes o maior salário-mínimo legal vigente no país (artigo 65).
Aplicando-se os arts. 5º, 6º e 7º da Lei nº 1.521, de 26.12.1951, incorrem na mesma pena (§ 1º):
I – O incorporador, o corretor e o construtor, individuais, bem como os diretores ou gerentes
de empresa coletiva, incorporadora, corretora ou construtora que, em proposta, contrato,
publicidade, prospecto, relatório, parecer, balanço ou comunicação ao público ou aos
condôminos, candidatos ou subscritores de unidades, fizerem afirmação falsa sobre a
constituição do condomínio, alienação das frações ideais ou sobre a construção das edificações.
II – O incorporador, o corretor e o construtor individuais, bem como os diretores ou
gerentes de empresa coletiva, incorporadora, corretora ou construtora que usar, ainda que a
título de empréstimo, em proveito próprio ou de terceiro, bens ou haveres destinados a
incorporação contratada por administração, sem prévia autorização dos interessados.
Considera a lei contravenções relativas à economia popular, puníveis na forma do artigo 10 da Lei
nº 1.521/51 (artigo 66):
I – negociar o incorporador frações individuais de terreno, sem previamente satisfazer às
exigências constantes desta lei;
II – omitir o incorporador, em qualquer documento de ajuste, as indicações a que se referem
os arts. 7º e 38, desta lei;
III – deixar o incorporador, sem justa causa, no prazo do artigo 35, de promover a
celebração do contrato relativo à fração ideal de terreno, do contrato de construção ou da
convenção do condomínio...
V – omitir o incorporador, no contrato, a indicação a que se refere o § 5º do artigo 55, desta
lei;
VI – paralisar o incorporador a obra, por mais de 30 dias, ou retardar-lhe excessivamente o
andamento sem justa causa. Pena – multa de 5 a 20 vezes o maior salário mínimo legal vigente
no país.
No caso de contratos relativos a incorporações, dos quais não participe o incorporador,
responderão solidariamente pelas faltas capituladas nesse artigo o construtor, o corretor, o proprietário
ou titular de direitos aquisitivos do terreno, desde que figurem no contrato com direito regressivo sobre o
incorporador, se as faltas cometidas lhe forem imputáveis (parágrafo único).
13. Disposições finais e transitórias
Os contratos poderão consignar exclusivamente as cláusulas, termos ou condições variáveis ou
específicas (artigo 67). Cláusulas comuns a todos os adquirentes não precisarão figurar expressamente
nos respectivos contratos (§ 1º). No entanto, consignarão obrigatoriamente que as partes contratantes
adotem e se comprometam a cumprir as cláusulas, termos e condições contratuais a que se refere o
parágrafo anterior, sempre transcritas, verbo ad verbum, no respectivo cartório ou ofício, mencionando,
inclusive, o número do livro e das folhas do competente registro (§ 2º), aos adquirentes, ao receberem os
respectivos instrumentos, serão entregues, obrigatoriamente, cópia impressa ou mimeografada,
autenticada, do contrato-padrão, contendo as cláusulas, termos e condições referidas no § 1º desse artigo
ora em comento (§ 3º).
14. Código do consumidor e a lei de incorporações
O incorporador, seja pessoa física ou jurídica, submete-se à Lei nº 8.078/90, em face da oferta à
adquirente final, considerado, nessa forma, consumidor, pelo que dispõe o seu artigo 2º. Assim, além das
evasivas noções de conteúdo contratual, submeter-se-ão tais contratos às normas do artigo 46 e seguintes,
quando cabíveis, contratual e o pessoal, do Código Civil, pelos vícios surgentes após o prazo de
garantia, como resposta pessoal do construtor em solidariedade com o incorporador.
Aplicam-se, também, o que se considera, segundo a lei, prática abusiva, as normas de proteção
contratual, vindo tais contratos como necessariamente vêm sob a forma de formulários para adesão, e
tendo mais que se concebe por cláusula abusiva. A exemplo, de cláusulas abusivas, entendeu o Tribunal
de Justiça de São Paulo, em decisão recente, que “ofende os princípios fundamentais do sistema que
regula o contrato de incorporação a cláusula contratual que transfere o risco próprio do empreendimento
do incorporador ao promitente comprador e assim atenua a responsabilidade daquele, cria desvantagem
exagerada para este e ofende o equilíbrio contratual. Conseqüente nulidade”.[384]
Quanto à rescisão dos contratos, admite-se como direito do adquirente reaver os valores pagos,
descontando-se percentual relativo a despesas de administração do contrato, em favor do incorporador
ou construtor, favorecendo-se, mesmo ainda, com a restituição, quando a edificação decorrer de obra por
administração, caso em que, ou o condomínio assume a indenização assumindo os direitos à unidade, ou
o adquirente aguarda a alienação ressarcindo o que o grupo desembolsar enquanto não transferidos a
terceiros os direitos, se aquele desistente não arcar, nesse ínterim, com as despesas comuns, aplicando a
regra do artigo 53 e/ou 53, § 2º.
15. Os contratos de promessa de compra e venda ou venda resolúvel,
em face do artigo 53 da Lei nº 8.078/90
A Lei evocada trouxe a fixação do marco entre os contratos de ordem privada – de feição paritária –
daqueles predominantes atuais, chamados de adesão, ou de cláusulas gerais, importando vê-los como de
caráter revestido de interesse público, submetidos à rigidez da intervenção estatal e do interesse comum,
portanto capazes de autoqualificarem-se em corolários de ordem pública. Tal nível de normatização
retira, como também sabido, dos entes realizadores dos conteúdos de tais normas, a possibilidade de
afastá-las ou moderá-las, sob pena da sanção máxima: a nulidade absoluta dos atos firmados e seus
efeitos.
É preciso assim, daí partindo-se, considerar a validade de certas cláusulas contratuais quando
inseridas em negócios jurídicos, antes e depois da vigência da referida norma. A consagração da nova
ordem política, entre outros valores, ocorre, enfim, em torno da ficta hipossuficiência genérica, quando
simplesmente subsumido o ente à condição de consumidor ou de aderente, ou quando consagra o efeito da
nulidade a certas normas de eficácia pública, o que queremos enfocar.
Nesse sentido, os contratos de financiamento de compra e venda ou de promessa de compra e venda,
firmados antes do advento do Código do Consumidor, ainda permitem, aos nossos Tribunais,[385]
admitirem como válidas as cláusulas contratuais então redigidas, que consagram a perda total dos valores
pagos em tais contratos de financiamento, quando inadimplentes os compradores ou promitentes
compradores em negócios submetidos e resumidos à cláusula de resolução penal. A chamada cláusula
comissória, justificadora de rescisão automática, como pela inexecução do pagamento. Pouco importando
que o momento posterior venha a permitir-se aventar a ocorrência de fatos de imprevisão.
Entretanto, até aqui, é forçoso reconhecer a coerência de tal solução com o momento, o tempo, em
que se erigiram tais compromissos não alcançados pela norma superveniente, ainda que em outros casos
se vá encontrar vontade política para retrotrair a eficácia de tantas outras normas capazes de alcançar as
relações em curso. O fato é, entretanto, que pela necessidade de proteção de uma certa política
econômica entende-se a vigência da norma excepcional somente para futuro, permitindo equacionarem os
promitentes vendedores, entes virtualmente econômicos e mais fortes, a compensação de futuros e
eventuais riscos, na redimensão de seus preços pelas demais unidades. Talvez assim tenha sido criado o
fundamento ético.
Com mais arrojada visão de justeza da norma à justiça de concorrência das partes, poder-se-ia
evocar, ainda sob aquela época, em favor dos culposos compradores ou promitentes compradores, a
proporcionalidade genérica do artigo 413 do CC (antigo 924 do CCB/16); isso quando encontrados
elementos na forma da concorrência culposa. Do contrário, válida em absoluto a cláusula que facultava
ao promitente vendedor apropriar-se, legal e legitimamente, dos valores pagos pela outra parte ao longo
de anos, quando eventualmente sucumbisse à superveniente impossibilidade de honrar tal avença.
15.1. O advento da Lei nº 8.078/90
Dispõe o artigo 53 da referida lei, um novo momento para tais contratos de financiamento, com o
grifo, que urge, por vício despiciendo, de se ressaltar firmado pelo autor e não pela lei.
A questão que se coloca, a partir da norma, em excerto, resume-se a uma simplicidade decisória
nem sempre encontrada na realidade pretoriana, que praticamente uniformiza a aplicação da regra como
norma automática e absoluta em sua extensão, em sua amplitude. São absolutamente nulas as cláusulas,
firmadas a partir do advento da lei, que estabeleçam a perda das parcelas pagas. Dura lex sed lex.[386]
15.2. Restitutio in integrum
Simplifica-se a divergência decisória, hoje, em filigranas que vão precisar os limites ressarcitórios
in integrum, em benefício que se defere ao comprador ou promitente comprador por meio de
financiamento.[387]
15.3. Restituição parcial[388]
Parcialmente, quando se entende devido, em favor do promitente vendedor, a título de ressarcimento
descontar-se do valor efetivamente pago e corrigido em 10% (dez por cento) do valor do contrato, a
título de compensação pelos custos de fazimento e administração contratual.
No caso de bens imóveis ou, pior, móveis, quando o comprador inadimplente não chegar a ter a
posse efetiva, direta, do bem, por coincidência ou por força do contrato antes da quebra do pagamento e
declaração de resolução unilateral, conforme lhe defere a lei no âmbito do direito potestativo, pleiteará
reaver o que pagou – integralmente, atualizado, ou reduzido em 10%. Nesse caso, a medida se impõe com
razoável justiça, conquanto bastante forte, bastante simplista.[389]
Justa, porque os vendedores se compõem em entes econômicos fortes, e de qualquer forma,
viabilizar-se-á, em seu favor, a possibilidade de nova transação sobre o mesmo bem, em valores atuais
normalmente mais vantajosos, pelas valorizações do mercado imobiliário ou, quanto aos bens móveis,
pela dinamicidade em sua circulação como bens de consumo.
A questão agora que se impõe é a seguinte: se, entretanto, já se deferiu a posse ao promitente
adquirente ou comprador, como compor? Sendo móvel o bem, a deterioração é significativa, e na atual
realidade de consumo, qualquer bem após restituição já é, como tal, de segunda mão, em valor original
imediatamente irrecuperável. Sendo bem imóvel, há também que se considerar a perda do status de
imóvel como de primeira locação. Fato aparentemente mais irrelevante, porque compensado com a
realidade usual de trazer-se para o imóvel maior valorização pela conclusão da obra, habitabilidade
predial, e outros fatores de demanda e investimento imobiliário.
Há que se considerar, entrementes, que a lei, aplicada em sua forma simplória e absoluta, prestigia o
inadimplente em detrimento do investidor, ainda que economicamente forte.
Se a qualquer tempo, o adquirente, desejando, imotivadamente que seja, quebrar o vínculo
obrigacional, poderá resolver a obrigação ressarcindo-se de tudo o que pagou atualizadamente,
restituindo, simplesmente, o bem ao vendedor. E partirá, talvez, para outro empreendimento, onde por
mais alguns novos anos poderá residir, usufruir, gozar do status de precariedade, mas de absoluta
comodidade. No final, valer-se-á do artigo 53 mencionado, e de forma vantajosa, somente arriscar-se-á
em perder o equivalente a outros 10% do valor pago, desproporcionalmente inferiores a qualquer custo
de locação.
Rememorando o texto da lei, a mesma norma estabelece e o STJ ratifica tal proposição teleológica
que “consideram-se nulas de pleno direito as cláusulas que estabeleçam a perda total das prestações
pagas em benefício do credor que, em razão do inadimplemento, pleitear a resolução do contrato e a
retomada do produto alienado”.
Admitir-se que a nulidade se restrinja a perda total, é admitir-se válida a perda que alcance a
realidade parcial, em primeiro momento, em nível de 10%, a título de despesas contratuais.
Sinceramente, nenhum óbice há, assim, em entender-se, sob pena de abusos e do desequilíbrio
contratual desejado pela lei, na linha do princípio de direito natural insculpido no artigo 876 do CC, que
se possa conceber, como regularidade, justiça e justeza hermenêutica, a perda de mais de 10%, quando
razoavelmente justificado.
Qual seria então o limite e a justificativa?
Nenhuma, antes da posse do bem, pelo frustrante adquirente, ou quando a reserva do mesmo, em
favor do virtual inadimplente, o bem não experimenta desvalorização pela sua desatualização.
Proporcional, paritária, mais que os simples e simplórios 10%, quando houver pela reserva, nos
casos dos bens móveis, ou pelo uso, comprometimento da vida útil; ou ainda, pelo ressarcimento da
fruição a título de uso, porque não se pode interpretar os contratos como por presunção benéficos, e
nesse caso, comodato, parece evidente não ser a proposição autorizadora da lei, nem a vontade
intencional dos agentes envolvidos (artigo 112 do CC).
15.4. Composição entre ato negocial e entre pessoas privadas
Já se decidiu alhures que entre particulares a cláusula de perda total das parcelas pagas também não
pode ser aplicada, uma porque entre particulares não há financiamento, mas parcelamento, não sendo a
hipótese da lei; duas, porque o particular estará frustrado no crédito e não na coisa, devendo, por força
de composição justa, pleitear na coisa alienada ou prometida à alienação, ou pretender a excussão da
diferença.
Concluindo:
1) Aplicar a proposição legal, no sentido de se prestigiar a parte mais fraca, é medida equânime, a
par de ainda ser obrigação de adequação normativa. Prestigia-se, assim, o princípio utilitário,
de sopesarem-se os melhores direitos ou menores perdas.
2) Priorizar-se, ademais, à luz do que se fez pela v. decisão do STJ, trazida à colação ilustrativa, é
encontrar maior adequação e aprimoramento da determinação ideal normativa. Contemplando-
se, de sobra, uma forma de mais ampla satisfação.
3) Aventar a possibilidade de se enxergar a realidade e o alcance normativo, em ilação consentânea
à realidade jurídica; permitir-se, além do princípio restituitório ao mais fraco, coibir abusos
ou moderar perdas; admitir-se, buscar o aplicador da lei, em seus limites, o deferir-se justiça
com justeza a ambos os direitos em questão violados é, entretanto, um desafio a requerer maior
reflexão. Seja porque não se pode incentivar o abuso ou a irresponsabilidade por aqueles que
muitas vezes querem assumir níveis acima de sua realidade, seja porque não se pode ver com
olhar simplista, como vilão ordinário, aquele que oferece em livres condições de mercado e
que também enfrenta momentos de retração a obrigação ilimitada de premiar ao inadimplente,
com recursos próprios, em forma de poupança compulsória.
Cremos que não foi este, ou deve deixar de ser, o alcance proposicional normativo, quando se
espraia da lei (“consideram-se nulas de pleno direito as cláusulas que estabeleçam a perda total das
prestações pagas em benefício do credor”), a vedação legal de que se prive, o mais fraco, de ver-se
protegido da lei, pela falta de pressupostos qualificadores para o direito subjetivo supletivo, pela
simples determinação de querer, o adquirente, resolver o contrato, pela resolução do vínculo, autorizado
pela fonte legal (ainda como direito potestativo).
Por fim, não se descure que os artigos 462 a 466 e seguintes do CCB/02 consagram maior força aos
contratos particulares de compra e venda. Assim, mesmo elaborados por instrumentos particulares, se
reunindo requisitos de forma e registrabilidade, e irrevogabilidade, poderão constituir preferência real,
através do registro no RI. Da mesma forma ensejam o exercício do direito de ação para adjudicação
compulsória (artigos 1.417 e 1.418 do CCB).
16. Patrimônio de afetação
Em 04.09.2001 foi criado pela MP nº 2.221 o Patrimônio de Afetação, quando foi alterada a Lei nº
4.591/64, para garantir a efetividade das incorporações imobiliárias, em proteção dos milhares de
aderentes lesados ao longo de lamentáveis quebras empresariais do setor. Então nova figura de direito
real de garantia destinava-se a estimular a constituição de reserva de bens a constituir um patrimônio
autônomo ao do incorporador, objeto de garantia em favor dos promitentes compradores, tornado imune
(esse patrimônio) à insolvência ou falência daqueles. Chamávamos a atenção, à época, para a realidade
de nascer morta em sua efetividade a referida norma; isso porque deixava-se a critério exclusivo do
incorporador a referida submissão do projeto de incorporação ao sistema proposto de garantia. A
previsão um tanto visionária fez-se certa e agora volta o legislador, através da Lei nº 10.931/04, a tentar
empreender mecanismos fiscais de estímulo à implantação do referido meio de garantia. Revoga a MP nº
2.221/04 e incorpora-se ao corpo da Lei nº 4.591/64, como da mesma forma fizera a revogada MP. A Lei
nº 10.931/04, de extensa abrangência, determina alíquotas especiais para tributação dos
empreendimentos que adotem esse novo sistema de garantia de afetação, conforme artigos 1º e 4º.
16.1. Características do patrimônio de afetação
Esse novo sistema de direito real de garantia oferece oportunidade ao incorporador para destacar de
seu patrimônio, ou de terceiros parceiros, um conjunto de bens que será reconhecido como patrimônio
autônomo. Constituído pelos recursos obtidos com a comercialização das futuras unidades, pelas
benfeitorias a serem agregadas a suas receitas, ou mesmo o próprio imóvel sobre o qual venha a ser
edificada a incorporação. Esse patrimônio constituído responderá, quando necessário, por quebras e
outras indenizações surgentes por culpa do incorporador, em favor dos referidos promitentes
compradores, ficando imune, aliás, às responsabilidades pessoais daquele, como se verá.[390]
Infelizmente, o estímulo que faz o legislador, na adesão ao sistema de afetação repete tímida redação
contemplada na MP que se revogou. Afinal, em lugar de a lei estabelecer a obrigatoriedade faculta-a.
Deixa ao incorporador sua implementação como mera opção, haja vista a repetida redação. Deita por
terra a utilidade da garantia criada, uma vez sabido que tais incorporações, como são realizadas,
impõem-se pelo poder econômico das construtoras, apaniguadas com incorporadores, que muitas vezes
se confundem, camuflando-se em simples corretores de imóveis, responsáveis, em linha documental, pelo
lançamento do empreendimento e sua comercialização.
Em lugar algum, salvo, excepcionalmente, nas edificações por verdadeiro condomínio fechado, se
conhece do exercício participativo e fiscal dos promitentes compradores nas decisões e administração
dos construtores e incorporadores. Figuras que se imiscuem em parcerias, em desdobramento ficto.
Fazem crer, muitas vezes, existirem mais de uma pessoa jurídica formal para fins de responsabilidade.
Mesmo nas edificações por condomínios fechados é conhecida a praxe de serem os promitentes
compradores avocados por iniciativa de um determinado profissional que omite sua natureza de
incorporador. Documentalmente, imputa aos condôminos o perfil de o haverem convidado e contratado,
eximindo-se, dessa forma, da prática e responsabilidade da incorporação em sua concepção clássica.
De fato, após alguns fenômenos de quebra, impunha-se realizar algo em favor da boa-fé de tantas
pessoas que canalizam suas economias por anos amealhadas, e as veem perdidas, não se sabe em favor
ou por responsabilidade de quem.
Não era incomum, após anos de pagamento, descobrirem os aderentes promitentes compradores que,
além da quebra, o seu patrimônio estava comprometido com agentes financiadores da edificação,
caucionando os recursos obtidos para implantação e desenvolvimento do projeto.
Como resposta, até mesmo para garantir a credibilidade do mercado, sobretudo diante da edição do
CDC, a precariedade de segurança dos promitentes compradores exigiu dos incorporadores o cuidado,
por parte das abaladas empresas de edificação e comercialização, informar, por ampla publicidade, que
o mesmo se oferecia já alienado em garantia, ou na forma de caução em garantia a certa instituição
financeira.
Nesse caso, os promitentes compradores viam-se impedidos de registrar suas promessas-de-
compra. A falta do registro de suas promessas lhes privava da garantia prevista na comentada Lei nº
4.591/64, que no inciso III do artigo 43 permitia aos adquirentes liquidarem suas obrigações com a
massa, pondo a salvo os direitos adquiridos pela edificação, desde que registrado o contrato, como
forma de encontrar a necessária oponibilidade a terceiros.
De fato, após esses eventos de quebra, em especial um último rumoroso que ainda deixou inúmeros
empreendimentos ao abandono no Rio de Janeiro, surgiu a praxe de se permitir os registros mediante
interveniência das referidas instituições financeiras, que faziam, assim, um múltiplo papel, quais sejam:
(i) o de conceder os respectivos recursos; (ii) o de cercear a boa-fé dos referidos interessados
intervenientes na aquisição dos imóveis; e, por fim, (iii) o de garantir, em nome destes, o atrelamento da
edificação a ser especificada em seus nomes sem perda de sua garantia. Retorna-se, aqui, a um ponto
nodal, as empresas incorporadoras continuariam oferecendo em garantia e fazendo comprometido como
garantia – e perda eventual – o direito alheio, construído a cada metro edificado, imediatamente
submetido à forma de garantia da instituição.
Repetiu o legislador na Lei nº 10.931/04 a fórmula de deixar-se ao alvedrio do incorporador adotar
ou não a constituição do patrimônio de afetação. Deu-lhe incentivos fiscais? Sim, como forma de induzi-
lo à adesão ao novo sistema. Mas ninguém melhor que o empresariado para conhecer meios, legais
inclusive, de utilizar-se de incentivos fiscais, afastando o que não lhes convenha.
Assim, inicia a Lei nº 10.931/04, em seu artigo 1º, facultando o estímulo à adesão a esse “regime
especial de tributação aplicável às incorporações imobiliárias, em caráter opcional e irretratável
enquanto perdurarem direitos de crédito ou obrigações do incorporador junto aos adquirentes dos
imóveis que compõem a incorporação”. Acredita-se que a redução importará de 15% a 7%, atualmente,
se adotado esse sistema, sobre a carga tributária das empresas desse ramo de atividade.
Entretanto, é o artigo acrescido (31-A) que inicia a normatização regulamentadora dessa figura real
de garantia, facultando, “a critério do incorporador, a incorporação poderá ser submetida ao regime da
afetação, pelo qual o terreno e as acessões objeto de incorporação imobiliária, bem como os demais bens
e direitos a ela vinculados, manter-se-ão apartados do patrimônio do incorporador e constituirão
patrimônio de afetação, destinado à consecução da incorporação correspondente e à entrega das unidades
imobiliárias aos respectivos adquirentes”.
Para fins de certeza de sua finalidade de garantia, esses bens constituídos não se comunicarão com o
patrimônio geral do incorporador, assim como de outros patrimônios de afetação, só respondendo por
dívidas e obrigações vinculadas à incorporação respectiva.
Fica implícito que terceiros de boa-fé estejam protegidos desde que provem haver sido instituído o
patrimônio de afetação, quando já existentes obrigações e tal instituição tenha por fim driblar a
expectativa de seus direitos, mesmo que estranhos à incorporação. Contudo, a casualidade dessa
concorrência, entre terceiros e adquirentes – todos em mesmo nível de boa-fé –, tornar-se-á desafio para
os Tribunais estabelecerem a quem atribuir preferência.
Em qualquer caso, como ressalva o parágrafo 2º do citado artigo 31-A, da Lei nº 4.591/64, fica o
incorporador responsável pelos prejuízos que causar ao patrimônio de afetação, quando então responderá
pessoalmente com seus bens.
Ressalve-se: a natureza jurídica de garantia real, do patrimônio de afetação, fica limitada, em sua
finalidade, ao comprometimento exclusivo de operação de crédito, cujo produto seja integralmente
destinado à consecução da edificação correspondente e à entrega das unidades imobiliárias aos
respectivos adquirentes (idem, § 3º).
À medida que cada unidade venha a ser edificada assumirá, incontinente, a natureza de parte
integrante do patrimônio de afetação. Cada unidade corresponderá para o incorporador, quando não
quitada, a um crédito a ser percebido pela integralização dos pagamentos por parte do promitente
adquirente. A expressão desse crédito poderá constituir-se em título cedível, de forma plena ou para fins
de garantia, e não perderá sua vinculação ou natureza de patrimônio de afetação, a ser utilizado para
pagamento ou reembolso das despesas inerentes à incorporação (idem, § 6º). A ideia é que quaisquer
créditos comercializados mantenham sua natureza e finalidade de patrimônio de afetação a garantir a
viabilidade do empreendimento (parágrafo 4º do artigo 31-A da Lei nº 4.591/64).
Na hipótese de serem negociadas em parte algumas unidades, incumbe-se a responsabilidade pelo
pagamento das obrigações próprias das unidades não comercializadas ao incorporador, que, por sua vez,
as repassará ao promitente adquirente das referidas unidades. No parágrafo quinto, a nova lei dispõe tal
solução, para não deixar dúvidas, de que “as quotas de construção correspondentes a acessões
vinculadas a frações ideais serão pagas pelo incorporador até que a responsabilidade pela sua
construção tenha sido assumida por terceiros, nos termos da parte final do § 6º do art. 35”. Esse referido
artigo estabelece, apenas, idêntico dever de individualizar quais adquirentes e unidades estarão
vinculados para fins desse concurso de obrigação condominial; isso quando não for vendida a preço e
prazo certo (artigo 43 da Lei nº 4.591/64), quando ao incorporador permanecerá a obrigação até entrega
final do empreendimento.
“O reembolso do preço de aquisição do terreno somente poderá ser feito quando da alienação das
unidades autônomas, na proporção das respectivas frações ideais, considerando-se tão-somente os
valores efetivamente recebidos pela alienação”, dispõe o artigo sétimo da mesma Lei de Incorporações
em seu comentado artigo 31-A.
A redação continua, em conteúdo de obviedade, a assegurar, ao que parece, o espírito da destinação
autônoma do patrimônio constituído e nesse estilo acaba confundindo a interpretação. Ao contrário do
consagrado brocardo in claris cessat interpretatio, torna-se um desafio imaginar-se estar explicitando
algo que possa ser errôneo. Mas a omissão é mais odiosa e, assim, parece que a implicitude da redação
desse parágrafo sétimo está se referindo ao reembolso do empreendedor, pelo investimento que se
constituiu em afetação.
Imagine-se que o incorporador constituiu o empreendimento em natureza de afetação. O investimento
na aquisição do terreno não poderá ser reavido do patrimônio de afetação constituído. O incorporador
não poderá lançar mão dos valores integralizados indiscriminadamente, mês a mês, pelos diversos
adquirentes das unidades. Mas, considerado que a cada cota de terreno corresponderá uma unidade,
somente poderá reembolsar-se, no investimento que fez na compra do terreno, de cada novo integrante. À
medida que aderirem novos adquirentes e o incorporador lhes cobrar o valor da cota de terreno poderá
se ressarcir do valor que antecipou pelas despesas de tais unidades.
Porém, não se incluem na natureza de garantia por afetação os recursos financeiros que excederem a
importância necessária à conclusão da obra, considerando-se aqueles a receber até sua conclusão e os
necessários à quitação do financiamento para a construção, se houver.
Assim, é preciso definir-se o momento em que cessa a atividade do incorporador e sua
responsabilidade, em que momento podem ser consideradas “sobras de recursos”. O referido inciso I, do
parágrafo oitavo acima do artigo 31-A, reporta-se ao artigo 44, da mesma Lei nº 4.591/64, que por sua
vez considera a concessão do “habite-se” pela autoridade administrativa o momento em que cessa a
responsabilidade do incorporador pelo empreendimento. Resta-lhe apenas requerer averbação da
construção das edificações, para efeito de individualização e discriminação das unidades. Somente se
contemplaria superveniente responsabilidade perante tais adquirentes pela demora na mister constituição
da propriedade junto ao Registro e é nesse momento que a lei considera concluída a atividade do
empreendedor. Somente após o registro (averbação das unidades) poderá desconstituir o patrimônio de
afetação e lançar mão dos valores restantes; afinal, tais bens constituíram-se em função de garantia.
Também se excluem da natureza de patrimônio de afetação, o valor referente ao preço de alienação
da fração ideal de terreno de cada unidade comercializada na incorporação em que a construção seja
contratada sob o regime por empreitada ou por administração.
Não é incomum em regiões urbanas de maior disponibilidade de área edificável – como, no Rio de
Janeiro, a Barra da Tijuca, Recreio e Jacarepaguá –, a realização de empreendimentos de diversos
blocos edificáveis, sobre áreas comuns ou intercaladas, de áreas de logradouros públicos. Nesse último
caso, inclusive com o beneplácito do Poder Público. Apresentam-se, tais empreendimentos, como
condomínio a dar aos logradouros a aparência de área privativa comum do empreendimento.
Edificam-se diversos blocos residenciais que se constituirão em prédios de existência autônoma.
Cada um deles tem uma situação jurídica particular, com autorregulamentação (convenção),
administração e representação por um síndico.
Admite então a lei, no parágrafo nono do artigo 31-A, que se possam constituir patrimônios de
afetação distintos, desde que devidamente previstos no memorial de incorporação; tantos quantos forem
os subconjuntos de casas para as quais esteja prevista a mesma data de conclusão e edifícios de dois ou
mais pavimentos.
Conforme mencionado no início deste estudo, os empreendimentos poderão valer-se de recursos de
terceiros, como entidades de financiamento, para sua viabilidade; como, aliás, de ordinário ocorre. A
complexidade da matéria surge, então, pela coexistência de sistemas de garantias complexos, a
concorrerem os interesses do patrimônio – como entidade distinta, embora despersonalizada – e ademais
o interesse do ente financiador pelos seus recursos, a incidir sobre o empreendimento.
Nesses casos, onde houver no regime de afetação financiamento, a comercialização das unidades de
per se deverá contar com a anuência da instituição financiadora ou deverá ser a ela cientificada, na forma
como disponha o contrato de financiamento firmado com o incorporador (parágrafo 11 do artigo 31-A).
Afinal, haverá múltiplos sistemas reais de garantia a inviabilizarem-se, inclusive no momento da
constituição do vínculo registral.
A complexidade de relações jurídicas concorrentes é grande, na solução da operacionalidade de
interesses do particular hipossuficiente diante do ente financiador e, com certeza, não haverá
simplicidade, mas imbricação, acaso surja a quebra do incorporador. Não se descure da sobre-existência
da lei consumerista, sobretudo do que determina o seu artigo 53, já comentado no capítulo Da restitutio
in integrum, no presente trabalho.
A lei em comento não prevê, como não poderia, pelo desafio inóspito, solução para o conflito final
que envolva os interesses do agente financiador e do ente privado adquirente da unidade. Limita-se a
ressaltar que as relações jurídicas, embora subordinadas pelo fim – o empreendimento e a integridade de
cada interesse em concorrência –, calcadas na autonomia dos contratos e das relações jurídicas, deverão
ser preservadas. Assim, a cessão ou promessa de cessão, enfim, qualquer tipo de transferência de
direitos pelos promitentes adquirentes a terceiros, em nada poderá afetar a base original de cada um dos
contratos firmados com o mencionado agente financeiro.
Nesse sentido, dispõe o parágrafo doze, do artigo 31-A, que a contratação de financiamento e
constituição de garantias, inclusive mediante transmissão para o credor fiduciário,[391] sobre as
unidades imobiliárias integrantes da incorporação, bem como a cessão, plena ou fiduciária, de direitos
creditórios decorrentes da comercialização dessas unidades, não implica a transferência para o credor de
nenhuma das obrigações ou responsabilidades do cedente, do incorporador ou do construtor,
permanecendo estes como únicos responsáveis pelas obrigações e pelos deveres que lhes são imputáveis.
16.2. Do modo de constituição do patrimônio de afetação
Considera-se constituído o patrimônio de afetação, mediante averbação, a qualquer tempo, no
Registro de Imóveis, de termo firmado pelo incorporador, assim como, sendo o caso, pelos titulares de
direitos reais de aquisição sobre o terreno (artigo 31-B).[392] A existência de ônus reais, gravando o
imóvel, não será óbice para a averbação, desde que – complementa a lei – tenham sido constituídos
sobre o imóvel objeto da incorporação, com o fim de garantia do pagamento do preço de sua aquisição
ou do cumprimento de obrigação de construir o empreendimento. Os direitos reais de garantia, a
exemplo, em favor do proprietário originário, onde o incorporador se predispôs a edificar, poderão não
ser pagos, mas contratada permuta de pagamento pela entrega das edificações futuras. Essa garantia,
refere a lei, não será óbice para averbação do patrimônio de afetação, desde que tenha a mesma
finalidade protetiva em favor da conclusão do empreendimento.
16.3. Condomínio edilício e patrimônio de afetação
Preveem os artigos 7º e 8º, da mesma Lei nº 4.591/64, poder-se registrar o desdobramento da
propriedade comum por meio de constituição de frações ideais sobre o terreno indiviso, a fim de
alcançar a individualidade da propriedade. Dessa forma, não haverá memorial de incorporação a ser
registrado, uma vez que não há incorporação na forma clássica, mas por meio de ato negocial ou causa
mortis, como forma de receber, identificando-se cada unidade a ser individualizada.
Pode-se adquirir, por condomínio, entranhada a forma de escritura de aquisição, cessão, doação, ou
qual seja, inclusive testamentária, como meio de receber os ônus de composição de condomínio, na
forma da lei. Se todos os condôminos concordarem ainda, poder-se-á ratificar planta baixa, a ser
submetida à Prefeitura para aprovação e posterior envio ao RI. Enfim, casos há em que a constituição do
condomínio edilício dispensará a figura da incorporação e os requisitos do artigo 32 da mesma Lei de
Incorporações. Nada impedirá, entretanto, pela eventual complexidade, garantirem-se os condôminos,
quando entregue a iniciativa ou partindo de terceiros, às cautelas da afetação do patrimônio em garantia.
Nesses casos, quando não seja exigível o arquivamento do memorial de incorporação, a afetação
será definida em qualquer fase da construção, em instrumento, público ou particular, de instituição de
condomínio, nos termos e com as discriminações de que tratam os artigos 7º e 8º da Lei nº 4.591/64,
mediante averbação da instituição no Registro de Imóveis competente (artigo 31-B da Lei de
Incorporações).
16.4. Da comissão de fiscalização
Segundo o artigo 31-C, a Comissão de Representantes, constituída pelos promitentes compradores,
juntamente com a instituição financiadora da construção poderão nomear, às suas expensas, pessoa física
ou jurídica para fiscalizar e acompanhar o patrimônio de afetação, isto é, sua intangibilidade e
administração comprometida ao fim do empreendimento.
Considerando a limitação de esfera fiscal, ressalta a lei que os nomeantes em nada se tornam
responsáveis pela qualidade da obra, pelo prazo de entrega do imóvel ou por qualquer outra obrigação
pertinente à responsabilidade do incorporador ou do construtor. Mesmo de natureza legal, como no trato
de profissionais contratados, terceiros ou diante do Estado. Igualmente permanece sendo
responsabilidade do incorporador ou construtor a elaboração dos contratos de alienação das unidades
imobiliárias, de construção e de quaisquer outros contratos eventualmente vinculados à necessidade de
conclusão da incorporação (parágrafo primeiro).
A pessoa nomeada – verdadeiro mandatário – deverá agir em prol de seus interesses; aliás, probo e
diligente no interesse de todos os envolvidos no empreendimento. Assim, havida negligência ou conluio
na falta de fiscalização adequada, obtido e reservado o acesso às informações comerciais, tributárias e
de qualquer outra natureza referentes ao patrimônio afetado, responderá pessoalmente pela falta de zelo,
dedicação e sigilo dessas informações (parágrafo segundo do artigo 31-C). Tais informações, por óbvio,
obtidas nos exercícios do múnus, destinam-se à segurança e interesse dos mandantes, não se constituindo
– desnecessário, porém, normatizado ressaltar – quebra de sigilo, quando fornecidas, à própria Comissão
de Representantes, cópia de seu relatório ou parecer (parágrafo terceiro, idem). Pelo preciosismo,
poderia ter seguido a lei e prever que também não se constituirá quebra de sigilo fornecer ao Poder
Público fiscal ou por ordem judicial tais informações.
16.5. Da administração do patrimônio de afetação
Ao incorporador se imputa fazeres próprios de sua atividade, colimando-se na edificação
contratada. Entretanto, em relação ao patrimônio de afetação, a lei lhe impõe deveres próprios, haja vista
que a ele caberá administrar o referido conjunto de bens.
Assim, impõe-lhe a lei, nos incisos do artigo 30-D, promover todos os atos necessários à boa
administração e à preservação do patrimônio de afetação, inclusive mediante adoção de medidas
judiciais, acaso necessárias (respondendo, pessoalmente, pela negligência ou morosidade, ressaltamos);
manter apartados os bens e direitos, objeto de cada incorporação; diligenciar a captação dos recursos
necessários à incorporação e aplicá-los na forma prevista nessa Lei, cuidando de preservar os recursos
necessários à conclusão da obra; entregar à Comissão de Representantes, no mínimo a cada três meses,
demonstrativo do estado da obra e de sua correspondência com o prazo pactuado ou com os recursos
financeiros que integrem o patrimônio de afetação recebidos no período, firmados por profissionais
habilitados, ressalvadas eventuais modificações sugeridas pelo incorporador e aprovadas pela Comissão
de Representantes; manter e movimentar os recursos financeiros do patrimônio de afetação em conta de
depósito, aberta especificamente para tal fim; entregar à Comissão de Representantes balancetes
coincidentes com o trimestre civil, relativos a cada patrimônio de afetação; assegurar à pessoa nomeada
pela Comissão de Representantes livre acesso à obra, bem como aos livros, contratos, movimentação da
conta de depósito exclusiva aqui referida, e quaisquer outros documentos relativos ao patrimônio de
afetação; e, por fim, manter escrituração contábil completa, ainda que esteja desobrigado pela legislação
tributária.
16.6. Dos efeitos da decretação de falência e da assembleia para solução do
patrimônio de afetação
Os efeitos da decretação da falência ou da insolvência civil do incorporador não atingirão os
patrimônios de afetação constituídos, não integrando a massa concursal o terreno, as acessões e demais
bens, direitos creditórios, obrigações e encargos objeto da incorporação (artigo 31-F).
Dessa forma, como providência complementar, nos sessenta dias que se seguirem à decretação da
falência ou da insolvência civil do incorporador, determina a Lei (parágrafo primeiro do artigo 31-F),
para solução de continuidade, que a Comissão de Representantes ou, na sua falta, um sexto dos titulares
de frações ideais, ou, ainda por determinação do juiz da falência, sejam convocados, pessoalmente, todos
os condomínios adquirentes, como condição de validade, para que se instale assembleia geral. Por
maioria simples de presentes, quando poderá ser novamente ratificado o mandato da Comissão de
Representantes, ou nomeada outra. A seguir, por dois terços dos votos dos adquirentes, em primeira
convocação, ou pela maioria absoluta desses votos, em segunda convocação, será instituído por
instrumento público ou particular o condomínio da construção, que deliberará sobre a continuação da
obra ou a liquidação do patrimônio de afetação. Se houver financiamento para construção, a convocação
poderá ser feita pela instituição financiadora, que deverá, nas primeiras hipóteses, ter sido convocada,
pessoalmente, sob pena de invalidade da decisão encontrada na referida assembleia.
Idêntica providência – a de convocação de assembleia – terá lugar, se paralisada a obra, sem justa
causa, como previsto no artigo 43, inciso VI, da mesma Lei de Incorporações.
Em qualquer dessas duas hipóteses, acima, a Comissão de Representantes ficará investida de
mandato irrevogável, sendo válido mesmo depois de concluída a obra, para o fim de firmar com os
adquirentes das unidades autônomas o contrato definitivo a que estiverem obrigados o incorporador, o
titular do domínio e o titular dos direitos aquisitivos do imóvel objeto da incorporação em decorrência
de contratos preliminares. Não se trata de reconhecer personalidade jurídica a essa Comissão, mas de
legitimidade representativa pelo conjunto de condôminos.
Os poderes concedidos à Comissão são específicos, observado o fim de resguardar os direitos e
interesses dos condôminos, pelo que responderão os seus membros diante da ineficácia dos atos que
firmarem, quando em desacordo com o escopo do empreendimento. Nesse sentido, dispõe a lei que o
mandato outorgado à Comissão de Representantes confere poderes plenos, para em nome dos
condôminos transmitir domínio, direito, posse e ação, manifestar a responsabilidade do alienante pela
evicção e imitir os adquirentes na posse das unidades respectivas, caso alguns deles não queiram
continuar no empreendimento, custeando-o (parágrafo quinto do artigo 31-F).
Mais uma vez a redação dada ao dispositivo da lei constitui-se em técnica tímida. Em estilo confuso
estabelece o parágrafo sexto, do mesmo artigo 31-F, que os contratos definitivos serão celebrados mesmo
com os adquirentes que tenham obrigações a cumprir perante o incorporador ou a instituição
financiadora, desde que comprovadamente adimplentes; situação em que a outorga do contrato fica
condicionada à constituição de garantia real sobre o imóvel, para assegurar o pagamento do débito
remanescente.
Ao que tudo indica, o legislador quis ressaltar que qualquer adquirente, mesmo aquele que tenha
pendentes obrigações para com o incorporador – isto é, o que ainda não integralizou os valores devidos
para aquisição das unidades prometidas –, não estará impedido de celebrar contratos com a Comissão de
Representantes. Para tanto, será necessário, apenas, que tais obrigações pendentes, de natureza de trato
sucessivo, estejam sendo adimplidas em seu tempo de pagamento. Ou seja, o adquirente em mora, ou o
inadimplente, não poderá firmar contrato com a Comissão de Representantes. De toda sorte, em face das
obrigações pendentes, e para não colocar em risco o empreendimento, será necessário a esse adquirente
dar garantia, de alguma forma, de que as obrigações pendentes serão adimplidas, quer pelo pagamento
normal, quer através da garantia.
Na hipótese de constituição de Comissão de Representantes, quando do abandono da obra ou de sua
paralisação injustificada (parágrafos primeiro e segundo do artigo 31-F), ficará a Comissão investida de
mandato irrevogável em nome dos adquirentes, e em cumprimento da decisão da assembleia geral, para
deliberar pela liquidação do patrimônio de afetação, podendo efetivar, através de contrato eficaz para
transmissão de direitos reais, a alienação do terreno e das acessões; transmitindo posse, direito, domínio
e ação, responsabilizar-se pela evicção, bem como imitir os futuros adquirentes na posse do terreno e das
acessões (parágrafo sétimo, idem).
A Comissão de Representantes, como mandatária, cumprirá o mandato nos exatos termos e limites
estabelecidos pela deliberação da assembleia geral, assim como prestará contas aos adquirentes,
entregando-lhes o produto líquido da alienação, no prazo de cinco dias do recebimento do preço ou de
cada parcela do preço (parágrafo nono do artigo 31-F), sendo consignados judicialmente, os destinados
aos adquirentes não localizados (parágrafo dez, idem).
16.7. Da assunção do empreendimento pelos promitentes compradores
Caso decidam pela continuação da obra, os adquirentes, promitentes compradores, ficarão
automaticamente sub-rogados nos direitos, nas obrigações e nos encargos relativos à incorporação;
inclusive aqueles relativos ao contrato de financiamento da obra, se houver, perante o agente financeiro
com quem fizera o incorporador o respectivo contrato para obtenção dos recursos (parágrafo onze do
artigo 31-F da Lei nº 4.591/64). Nesse caso, cada um responderá individualmente pelo saldo porventura
existente entre as receitas do empreendimento e o custo da conclusão da incorporação na proporção dos
coeficientes de construção atribuíveis às respectivas unidades, isto é, na proporção da cota de obra
(futura fração ideal); salvo se outro critério de rateio não for deliberado em assembleia geral. A
modificação do critério de custeio exigirá o quorum de dois terços dos votos dos condôminos
adquirentes e, para tanto, será observado o seguinte:
I – os saldos dos preços das frações ideais e acessões integrantes da incorporação que não
tenham sido pagos ao incorporador até a data da decretação da falência ou da insolvência civil
passarão a ser pagos diretamente à Comissão de Representantes, permanecendo o somatório desses
recursos submetido ao sistema de afetação, nos termos do art. 31-A, até o limite necessário à
conclusão da incorporação;
II – para cumprimento do seu encargo de administradora da incorporação, a Comissão de
Representantes ficará investida, por mandato tácito, decorrente da própria lei, em caráter
irrevogável, para, em nome do incorporador ou do condomínio de construção, receber as parcelas
do saldo do preço e dar a respectiva quitação; legitimando-se, ainda, a promover as medidas
extrajudiciais ou judiciais necessárias à cobrança destes valores, praticando todos os atos relativos
ao leilão de que trata o art. 63 ou os atos relativos à consolidação da propriedade e ao leilão de que
tratam os arts. 26 e 27 da Lei nº 9.514, de 20 de novembro de 1997, devendo realizar a garantia e
aplicar na incorporação todo o produto do recebimento do saldo do preço e do leilão;[393]
III – consideram-se receitas do empreendimento os valores das parcelas a receber, vincendas e
vencidas e ainda não pagas, de cada adquirente, correspondentes ao preço de aquisição das
respectivas unidades ou do preço de custeio de construção, bem como os recursos disponíveis que
tenham sido afetados; e
IV – compreendem-se no custo de conclusão da incorporação todo o custeio da construção do
edifício e a averbação da construção das edificações para efeito de individualização e
discriminação das unidades, nos termos do artigo 44, da mesma Lei nº 4.591/64, que determina as
providências conclusivas para averbação e constituição plena da propriedade autônoma edificável.
Considerando que as providências que justificaram a constituição e interveniência da Comissão de
Representantes decorrem da falência ou insolvência do incorporador, os valores restantes, após apurado
saldo positivo entre as receitas da incorporação e o custo da conclusão da incorporação, serão entregues
à massa falida ou disponibilizados ao Juízo da declaração de insolvência (parágrafo treze).
Caso não tenham sido compromissadas pelo incorporador todas as unidades disponíveis no
empreendimento, até sua decretação de falência ou insolvência, a Comissão de Representantes agilizará a
oferta pública de tais unidades a novos aderentes, como forma de obter recursos que possam concorrer
para o fim comum, a edificação edilícia. A lei determina o prazo de sessenta dias após a constituição da
Comissão, para realização do referido leilão público, onde se alienarão as referidas frações ideais e
acessões, sub-rogando-se, os adquirentes, em todos os direitos e obrigações comuns aos demais,
inclusive diante do agente financeiro, caso haja (parágrafo quatorze do mesmo artigo 31-F).
As eventuais vendas realizadas pela Comissão informarão o valor das acessões não pagas pelo
incorporador, assim como o preço da respectiva fração ideal disponibilizada (parágrafo dezesseis, idem
o artigo), sendo assegurada, em igualdade de condições com terceiros, preferência ao proprietário do
terreno, a ser exercida nas vinte e quatro horas seguintes à data designada para a venda. Hipótese em que
este seja pessoa distinta da pessoa do incorporador falido ou insolvente; e, em segundo lugar, ao
condomínio, a ser exercida no prazo de quarenta e oito horas, caso não haja licitantes, desde que
deliberada em assembleia geral, pelo voto da maioria simples dos adquirentes presentes (parágrafo
dezessete do artigo 31-F).
Diante do bom êxito por parte da Comissão, na transmissão onerosa dos direitos disponíveis quanto
às unidades não comercializadas, nos cinco dias seguintes ao recebimento do preço, pago terceiro
aderente, serão adimplidas as seguintes obrigações pendentes, em decorrência do empreendimento: (i)
trabalhistas, previdenciárias e tributárias, vinculadas ao respectivo patrimônio de afetação, observada a
ordem de preferência prevista na legislação, em especial o disposto no art. 186 do Código Tributário
Nacional; (ii) aos adquirentes o reembolso das quantias que tenham adiantado, com recursos próprios,
para pagamento das obrigações acima mencionadas; (iii) à instituição financiadora a quantia que esta
tiver entregue para a construção, salvo se outra forma for convencionada entre as partes interessadas; (iv)
ao condomínio o valor que este tiver desembolsado para construção das acessões de responsabilidade do
incorporador (§ 6º do art. 35 e § 5º do art. 31-A), na proporção do valor obtido na venda; (v) ao
proprietário do terreno nas hipóteses em que este seja pessoa distinta da pessoa do incorporador, o valor
apurado na venda, em proporção ao valor atribuído à fração ideal; e, (vi) à massa falida o saldo que
porventura remanescer.
O incorporador deve assegurar à pessoa nomeada pela Comissão de Representantes, para
fiscalização e acompanhamento do patrimônio de afetação (artigo 31-C), o acesso a todas as informações
necessárias à verificação do montante das obrigações que foram pagas ao incorporador, até a decretação
da falência ou insolvência, e que foram transferidas ou passaram a ser pagas àquela Comissão (§ 12,
inciso I, do art. 31-F), vinculadas ao respectivo patrimônio de afetação (parágrafo dezenove, idem 31-F).
Considerada a natureza do patrimônio de afetação – como garantia constituída em favor dos
adquirentes –, nenhuma pretensão se reconhecerá à Fazenda Pública ou quaisquer outras parafiscais,
como contribuições sociais, v. g., imputáveis ao incorporador falido ou insolvente, quer sobre o lucro
devido, inclusive as decorrentes de outras atividades ou dívidas que não o referido empreendimento.
Tais dívidas – resolveu ressaltar o legislador – não se imputarão aos adquirentes, conforme o texto do
parágrafo vinte do citado artigo 31-F.
16.8. Das obrigações do incorporador em face do patrimônio de afetação
Sem prejuízo das obrigações do incorporador diante de seu papel de empreendedor na edificação,
quanto à matéria de afetação incumbe-lhe, na forma do artigo 31-D da Lei nº 4.591/64:
I – promover todos os atos necessários à boa administração e à preservação do patrimônio de
afetação, inclusive mediante adoção de medidas judiciais;
II – manter apartados os bens e direitos objeto de cada incorporação;
III – diligenciar a captação dos recursos necessários à incorporação e aplicá-los na forma
prevista nesta Lei, cuidando de preservar os recursos necessários à conclusão da obra;
IV – entregar à Comissão de Representantes, no mínimo a cada três meses, demonstrativo do
estado da obra e de sua correspondência com o prazo pactuado ou com os recursos financeiros que
integrem o patrimônio de afetação recebidos no período, firmados por profissionais habilitados,
ressalvadas eventuais modificações sugeridas pelo incorporador e aprovadas pela Comissão de
Representantes;
V – manter e movimentar os recursos financeiros do patrimônio de afetação em conta de
depósito aberta especificamente para tal fim;
VI – entregar à Comissão de Representantes balancetes coincidentes com o trimestre civil,
relativos a cada patrimônio de afetação;
VII – assegurar à pessoa nomeada nos termos do art. 31-C o livre acesso à obra, bem como aos
livros, contratos, movimentação da conta de depósito exclusiva referida no inciso V deste artigo e
quaisquer outros documentos relativos ao patrimônio de afetação; e
VIII – manter escrituração contábil completa, ainda que esteja desobrigado pela legislação
tributária.
16.9. Da extinção do patrimônio de afetação
Já analisada a possibilidade de constituição de Comissão de Representantes para comercialização
das unidades a terceiros, em caso de quebra ou insolvência do incorporador, quando sob regime de
afetação o empreendimento. Da mesma forma, viu-se a possibilidade de os condôminos deliberarem pela
continuidade da obra a seu custo e risco.
De última forma, mantendo o princípio da intangibilidade do patrimônio de afetação, em favor dos
promitentes adquirentes, poderão estes deliberar em assembleia geral pelo voto de 2/3 (dois terços) dos
adquirentes a venda do terreno, das acessões e demais bens e direitos integrantes do patrimônio de
afetação, mediante leilão ou outra forma que estabelecerem. Qualquer que seja a forma, será observada a
distribuição, entre si, na proporção dos recursos que comprovadamente tiverem aportado o resultado
líquido da venda, depois de pagas as dívidas do patrimônio de afetação e deduzido e entregue ao
proprietário do terreno a quantia que lhe couber. Na hipótese, entretanto, de não ser obtida na venda a
reposição dos valores investidos, os adquirentes serão credores privilegiados pelos valores da diferença
não reembolsada no patrimônio pessoal do incorporador (inciso sétimo do artigo 43 da Lei nº 4.591/64),
haja vista a natureza de direito real de garantia e seu fim primeiro, a proteção dos promitentes
compradores.
Prevê o artigo 31-E e seus incisos, como procedimentos preliminares e condicionais para o
cancelamento, as seguintes medidas de caráter registral e negocial: averbação da construção mediante
obtenção de “habite-se”; o registro dos títulos de domínio ou de direito de aquisição em nome dos
respectivos adquirentes; e, quando for o caso, a extinção das obrigações do incorporador perante a
instituição financiadora do empreendimento. Da mesma forma, será necessária a revogação em razão de
denúncia da incorporação, depois de restituídas aos adquirentes as quantias por eles pagas (art. 36), ou
de outras hipóteses previstas em lei; e a liquidação deliberada pela assembleia geral nos termos de
falência do incorporador, observadas as cautelas analisadas no art. 31-F, § 1º.
Considerando-se, contudo, o meio registral em que encontrará existência, validade e eficácia
perante terceiros o patrimônio de afetação, da mesma forma que constituído por averbação junto ao
Registro de Imóveis, seu cancelamento também, em qualquer hipótese, em nível registral, dependerá da
respectiva averbação. Isto é, seja pela conclusão do empreendimento em favor dos adquirentes, seja pela
sua frustração em que se veja extinto o patrimônio de afetação.