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INCLUSÃO ESCOLAR
e suas implicações

“É impossível apoiar-se
no que falta a uma
determinada pessoa, no
que ela não é, mas é
necessário ter, nem que
seja a idéia mais vaga
sobre o que ela possui
e o que ela é”.
(Vygotsky)

Circulação Interna

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APRESENTAÇÃO
Desde seis milhões de anos atrás, quando nós, homens e mulheres, descemos das árvores,
conseguimos criar, com os nossos atuais cerca de 80 a 100 bilhões de neurônios, uma série de avanços
que nos trouxeram uma melhor qualidade de vida material e um aumento de nossa longevidade. Hoje
já é possível sobreviver com um coração artificial; trocamos, se necessário, fígado, rim, pele, ossos;
diminuímos o tempo entre as distâncias com o avião; falamos por telefone com pessoas a milhares de
quilômetros de distância; temos aparelhos para nos esquentar quando está muito frio e para nos aliviar
do calor quando está muito quente. São extraordinárias as conquistas que nosso cérebro conseguiu
produzir.
No entanto, se observarmos o quanto conseguimos avançar nesse período em nossas relações
humanas, poderemos concluir com enorme estarrecimento que em nada, ou praticamente nada,
avançamos no que se refere a aprender a amar, a tolerar que outras pessoas possam ter opiniões,
entendimentos e compreensões diferentes dos nossos. O ciúme, a inveja, os interesses pessoais, a
opressão, a imposição, as guerras, a fome, a miséria, as invasões em outros países, costumes e culturas,
enfim, tendem a dominar - e quase sempre o conseguem - nossas relações. Parece haver uma
associação entre a ignorância, ou seja, a falta de um conhecimento mais científico, e a interpretação
humana que, muitas vezes, mostra-se pautada em fantasias, crenças ou suposições. Para todo
fenômeno com o qual o homem se depara e para o qual não tem, ou não consegue dar, uma explicação
mais técnica ou científica, não raro, move-se todo um exército de interpretações baseadas em crenças
que, quase sempre, podem terminar em tragédias. Ê essa fantástica capacidade do cérebro de criar que
pode também destruir. Para mencionar um caso ilustrativo, lembremos que, em 1496, quando o Papa
Inocêncio VIII, ao redigir uma bula papal, recorreu a Êxodo, cap. 22, ver s. 17 e 181, para justificar a
perseguição aos cristãos e a execução das pessoas com alguma deficiência ou transtorno mental, por
entender em sua época que isso significava uma dita “presença do demônio dentro do homem”,
determinou que, por mais de 200 anos, milhares de pessoas fossem queimadas em praça pública,
enforcadas, afogadas ou condenadas às prisões nos porões dos castelos. Isso em 1496!
Felizmente, muitos avanços científicos puderam nos libertar de várias crenças e, em alguns
casos, mudar um pouco nossa forma de ver e de conviver com o outro. Todavia, hoje, transcorridos
500 anos após essa orientação papal, quando podemos assistir a um ou outro programa de televisão em
que são mostradas filmagens de algumas pessoas passando, supostamente, por “sessões de
descarrego”, em que se busca eliminar a dita “presença do demônio dentro do homem”, podemos
constatar que muito se precisa avançar na área das relações que tangenciam o conhecimento sobre a
vida humana e o modo como se conduzem as religiosidades. Além das crenças religiosas que ora
destacamos, é imprescindível mencionar outras formas de pensar que ainda causam as tragédias da
vida humana neste mundo, como, por exemplo, o entendimento equivocado que muitos sustentam ao
afirmar que pessoas ditas “deficientes” são fardos para o mundo pelo fato de não produzirem bens
materiais e, em alguns casos, significarem um risco de disseminação de uma “doença”.
Mesmo com toda essa visão pessimista, ainda que tentemos ser realistas, continuamos
acreditando que é possível modificar o mundo e a nossa forma de pensar. Várias tentativas técnicas,
científicas, humanistas e humanizadas conseguiram/conseguem levar o próprio homem a perceber de
modo diferente sua relação tanto com o mundo como consigo mesmo, portanto, a compreender que é
possível viver em um mundo mais fraterno, mais tolerante e mais democrático. O problema, dessa
forma, recai no fato de que, ao conseguirmos tantos avanços, criamos modus de distanciamento entre

1 Tradução do hebraico: ver s. 17: “Não deixarás viver a feiticeira” (Bíblia de Jerusalém, p. 138); vers. 18: “Não deixem
viver a feiticeira” (Bíblia Sagrada - Nova Versão Internacional, p. 60).

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as pessoas, cujos efeitos colocam tantas vezes a própria vida humana em risco.
Por outro lado, embora existam tantas crenças desastrosas sobre as pessoas com deficiência ou
transtorno mental, é possível observar, em quase todas as regiões do mundo, uma melhor convivência
entre os seres humanos e uma melhoria nas suas relações, pautadas no respeito e na compreensão
mútua. Hoje já não é mais possível, e muito menos tolerável, discriminar uma pessoa por ela ser índia,
negra, pobre ou por viver com uma deficiência ou algum transtorno mental. Este módulo deseja entrar
num dos mundos dessas relações: a educação. Ele pretende discutir e rever os conceitos inerentes à
díade inclusão-exclusão sob a ótica da educação e delimitar o foco de interesse em torno desse tema.
Discutiremos aqui os indicadores numéricos e as bases socioeconômicas referentes a esses problemas,
bem como procuraremos contextualizar a educação imbricada neles. Além disso, como a exclusão é
uma metacategoria que se subdivide em diferentes categorias, trataremos de alguns temas que
tangenciam o estudo da exclusão: a invisibilidade, a contingência, a autodeterminação, a
vulnerabilidade, a afiliação e a desafiliação, os transtornos comportamentais e a deficiência intelectual.
Esperamos, com isso, poder ampliar a compreensão a respeito da exclusão e delimitar o escopo de
utilização desse conceito em educação, elucidando, assim, o contexto em que a inclusão deve fazer-se
presente.
Uma das formas possíveis de fazer referência ao fato de alguns indivíduos e grupos se
encontrarem fora do circuito das interações sociais - os indigentes, os evadidos da escola, os sem-
moradia, os toxicômanos, os meninos de rua, os jovens infratores, os deficientes físicos e até os
portadores de transtornos mentais - é empregar o termo exclusão. Excluídos, marginalizados,
delinqüentes, discriminados, seja qual for a sua categorização, podem ser considerados cidadãos em
risco social. Fragilizados em sua forma existencial degradante, situam-se num espaço e num tempo
que constituem uma zona de exclusão, isto é, um lugar social que representa a marginalidade profunda
(CASTEL, 1990).
Nos seis capítulos deste módulo, são mostrados vários testemunhos sobre as dificuldades
enfrentadas num trabalho de educação inclusiva, além de apresentarem algumas estratégias bem-
sucedidas de como atingir esse objetivo. Esperamos que este estudo possa contribuir para algumas
reflexões mais eficazes e eficientes sobre essa temática.

A todos, bons estudos!

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SUMÁRIO
CAPÍTULO 1
Exclusão: uma metacategoria nos estudos sobre educação......................................................... 4
Atividade de Síntese.................................................................................................................... 20

CAPÍTULO 2
Políticas inclusivas e possíveis implicações no ambiente escolar............................................... 21
Atividade de Síntese.................................................................................................................... 31

CAPÍTULO 3
A deficiência intelectual e a educação contemporânea - uma
análise dos sentidos da inclusão escolar...................................................................................... 32
Atividade de Síntese.................................................................................................................... 59

CAPÍTULO 4
O papel do professor na educação inclusiva............................................................................... 60

CAPÍTULO 5
A formação de professores.......................................................................................................... 70

CAPÍTULO 6
Perspectivas da inclusão escolar e sua efetivação....................................................................... 77

ATIVIDADES AVALIATIVAS......................................................................................................... 91

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Capítulo 1

EXCLUSÃO: UMA METACATEGORIA NOS ESTUDOS SOBRE EDUCAÇÃO


“Posso admitir que o deficiente seja vítima do destino! Porém não
posso admitir que seja vítima da indiferença!”
John Kennedy

Na contextualização do tema “exclusão na educação”, o pressuposto de que exclusão é uma


metacategoria deriva inicialmente do fato de que, assim como o desemprego, alunos em risco
socioeducacional, minorias, pais adolescentes e menores infratores foram categorias criadas para
facilitar a distinção entre os que são excluídos e os que não o são. Essa distinção aparece ainda como
uma estratégia identificada por Popkewitz e Lindblad1 como CLASSIFICAÇÃO HUMANA, sendo utilizada
para facilitar a inclusão/exclusão desses grupos em relatórios estatísticos educacionais, especialmente
os governamentais. Para esses autores, tais estatísticas são “um campo de práticas culturais que
normaliza, individualiza e divide” de modo a conferir “inteligibilidade aos objetos do mundo”. Desse
modo, “os números governam, então, não como puros números, mas por meio do entrecruzamento dos
discursos paralelos que circulam pelos relatórios para traçar o perfil e inventariar pessoas”. De certa
forma, o uso dessas categorias nesses relatórios tornou-se uma “fabricação de classes de pessoas e
biografias” e uma “prática de governo na construção da inclusão/exclusão”.
Este fenômeno moderno, a classificação pela exclusão, em decorrência das novas formas de
pobreza e marginalização, de certa maneira causou uma banalização do modo de vida dessas pessoas
na sociedade contemporânea.3 Isso porque o uso indiscriminado dessas categorias, como no caso da
exclusão no contexto das políticas sociais e educacionais, por exemplo, criou um FALSO SENTIDO para
o uso da categoria EXCLUSÃO. Esse sentido por vezes aparecia como sinônimo de pobreza, em outras
surgia em oposição à inclusão e aparecia ainda com significado de uma inclusão num sentido de
“situação precária, marginal e instável”4.
Ao analisar a exclusão em números, é importante que se considerem as diversas formas como
os números são interpretados para serem utilizados. Portanto, a legitimação deles é submetida ao ponto
de vista e às formas com que são classificadas, não somente com base em características próprias, mas
também em circunstâncias políticas, sociais e históricas, culturalmente determinadas por aqueles que
lhes atribuem sentido. Temos, como exemplo, o caso de que, em 2007, no Estado do Rio de Janeiro,
foi importante estabelecer o número de alunos e alunas com seis anos de idade prontos para entrarem
na escola em 2008, pois o governo decretou que todas as crianças com essa idade deveriam iniciar sua
escolaridade e que todas as escolas deveriam acolhê-las. Entretanto, no ano anterior, esse dado era
irrelevante para o sistema escolar, atendendo às determinações legais.5
Com base nas análises de Lavinas6, o segundo ponto a ser considerado quando se pensa na
exclusão como uma metacategoria é o fato de que, ao contrário da pobreza que se sustenta por critérios
objetivos - falta de renda, falta de moradia, falta de emprego o conceito de exclusão se pauta sobre
subjetividade, sentimento, vulnerabilidade, ausência, discriminação, desafiliação, entre outros
aspectos. Nessa perspectiva, a exclusão pode ser entendida como um constante processo de “ruptura”,
de rompimento com a situação de estabilidade ou com a situação de instabilidade: a ausência do
ausente, a desafiliação do desafiliado, a exclusão do excluído, a discriminação do discriminado, o
fracasso do fracassado etc. Podemos tomar alguns exemplos: os moradores de uma favela que estão
desempregados, um grupo de meninos em situação de rua discriminados por outro grupo na mesma

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situação por pertencerem a uma facção criminosa rival, ou ainda, um grupo de alunos reprovados mais
de uma vez após múltiplas repetências.
E é embasados nesse complicado cenário sobre como a exclusão se constitui em uma
metacategoria que passamos a defini-la na área da educação. Alguns autores 2 apresentam uma
variedade de definições de exclusão; entretanto, optamos por utilizar neste texto a definição criada por
Castel. Ele propõe uma explicação para essa categoria numa nova perspectiva de compreensão das
áreas da vida social. Segundo ele, existe uma área de integração, na qual o indivíduo está amparado
por um trabalho e mantém laços sociais estáveis que lhe permitem uma identidade profissional e social
Existe uma área de vulnerabilidade, na qual o indivíduo se encontra em situação de precariedade e
instabilidade social, emocional e financeira, em que se situam os desempregados, os endividados, os
sem-moradia. Existe ainda uma área de exclusão, para a qual são transferidos os vulneráveis e até os
integrados, desde que estejam à margem da sociedade, num processo que ele classificou como de
DESAFILIAÇÃO. Esse autor explica que essa é “uma fase extrema do processo de marginalização,
entendido este como um percurso descendente, ao longo do qual se verificam sucessivas rupturas na
relação do indivíduo com a sociedade”8. Para ele, a DESAFILIAÇÃO designa, ao mesmo tempo, a
trajetória e o processo de exclusão, no qual o indivíduo está intrinsecamente engendrado. O autor
ressalta que a categoria exclusão social tem sido utilizada de forma ampla e abrangente e para designar
variadas situações de pobreza. Ele explicita que há uma aliança entre os aspectos da perda ou
iminência da perda dos laços sociais e os fatores econômicos que desencadeiam o processo de
exclusão.
O termo DESAFILIAÇÃO é utilizado por Castel9 em oposição à expressão ZONA DE COESÃO
SOCIAL, que se caracteriza pela área de integração em que os indivíduos estão associados pela
participação ativa e estável em atividades produtivas, evitando situações de insegurança e incertezas
que os levariam ao isolamento e à desvinculação da vida social. Assim, migram para uma ZONA DE
VULNERABILIDADE e como conseqüência são incluídos na ZONA DE EXCLUSÃO.
O uso do termo DESAFILIAÇÃO para designar um processo de exclusão aplicado à educação
capta seu movimento dialético e permite a realização de análises das estruturas educacionais, de poder
e das formas de pertencimento 3 dos integrantes dessas redes. A seguir, analisaremos por meio de um
exemplo da área de educação a aplicabilidade desse termo. A rede pública municipal de ensino do Rio
de Janeiro, em 2007, com o fim das classes de progressão 4, ampliou o ciclo de formação para todo o
ensino fundamental, e este passou a ser formado por 3 grandes ciclos: 1o ciclo de formação: infância (6
a 8 anos), o 2o ciclo de formação: pré-adolescência (9 a 11 anos) e o 3o ciclo de formação: também

2 PAUGAM, 2003; FERRARO e MACHADO, 2002; SARMENTO, 2002; DUBET, 2003 e ESCOREL, 1999.
3 O termo pertencimento é aqui utilizado no sentido de co-membership, significando as formas de organizações formais e
informais em que o indivíduo passa a participar de modo a sentir-se pertencendo ao grupo identitário de reconhecimento
mútuo entre seu membros (conforme anotações de aulas do professor Frederick Erickson feitas pela autora de 1987 a 1992).
Constitui-se ainda pelas relações comunitárias e pelas construções de referências, dos valores e pautas de condutas, pelas
distribuição de poderes que são inerentes à pertença comunitária (SARMENTO, 2002). O termo pertencimento é utilizado ainda
no sentido dado por Escorei (1999, p. 54): “As unidades de pertencimento5 são unidades sociais que constituem os âmbitos de
referências materiais e simbólicas dos indivíduos. Seriam constituídas por um grupo social no qual o indivíduo se percebe
como integrante e identifica como sendo um lugar seu. Nas trocas materiais, simbólicas e afetivas que integram o tecido
relacionai do grupo são estabelecidos vínculos e referências identitárias, em contraposição ao isolamento. E é a partir dessa
unidade de pertencimento de um lugar social que o indivíduo considera como seu, que são percebidas e avaliadas as
experiências sociais. As unidades de pertencimento5 mais gerais da sociedade tendem a configurar-se nos âmbitos da família,
do trabalho e/ou da cidadania. Nas palavras de Telles, uma unidade de pertencimento5 é b espaço moral que constrói uma
noção de ordem para suas vidas e que fornece as referências por onde a experiência na sociedade é avaliada e interpretada
(TELLES, 1990)55
4 As classes de progressão foram criadas pela Portaria n° 2, de 13 de novembro de 2001, da Diretoria do Departamento Geral
de Educação - E-DGED. Surgiram para romper com a repetência da Ia e da 2a séries, abrindo a possibilidade de haver avanço
para etapas seguintes (3a série), reintegrando o aluno no percurso regular. Ela é formada por alunos de vários níveis de
conhecimento e desenvolvimento, de diferentes faixas etárias (9 ou mais) e interesses. A Portaria n° 15 da E-DGED, de 13 de
novembro de 2001, estabeleceu os critérios para organização de classes de progressão, dividindo- as em Classes de Progressão I
e Classes de Progressão II, de acordo com o nível de aproveitamento na leitura e na escrita. Essas classes teriam um número de
30 alunos por turma e incluiriam até 2 alunos com necessidades especiais.

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adolescência (12 a 14 anos). Cada ciclo é composto de 3 períodos de um ano cada (períodos inicial,
intermediário e final).10 O que se observa é que a organização em ciclo cria uma forma de afiliação
entre os alunos por idade, pois visa, entre outros objetivos, à regularização do fluxo escolar e da
defasagem idade/série 5. Entretanto, ele não corrige o estatuto de pertencimento dos alunos que se
encontram defasados em termos de conhecimento e aprendizagem na série, e isso cria problemas tanto
para os alunos quanto para a escola. Esses problemas estão relacionados aos SOBRANTES11, que são
aqueles que se encontram na idade correta em termos do ciclo 6 a 14 anos, mas fora do período de
aprendizagem, isto é, não atingiram os objetivos de aprendizagem para o período, ou ainda, aqueles
não se encontram no limite de idade previsto pelo ciclo ou já ultrapassaram esse limite e encontram-se
com mais de 14 anos. Nesse caso, foram criadas as classes denominadas de PROJETO ESPECIAL
ADOLESCENTES 2007, para os alunos de 14 e 15 anos que não haviam consolidado o processo de
leitura e escrita.12 Nessas classes, esses alunos deveriam receber uma formação de caráter
ACELERATIVO. Ocorre que esse processo leva a uma espécie de DESENCAIXE para FORA DA FAIXA da
estrutura criada para o ciclo.13 E o sistema, “não sabendo o que fazer com esses alunos”, criou uma
14
CLASSE EXTRA, como que EM SUSPENSO. À luz da teoria de Castel , esse grupo pertencente a essa
classe se torna DESAFILIADO do sistema regular de PERTENCIMENTO do ciclo de formação do ensino
fundamental.15 Portanto, o problema de pertencimento à série/ao período/ao ciclo existe, tanto para o
aluno, de modo concreto e objetivo, quanto para a escola, de modo subjetivo e idealizado pela política
pública “do momento”.
Como tentamos demonstrar, descrever a desafiliação é reconstituir o seu percurso no interior
do processo no qual foi construído no grupo de pertencimento. Para descrevermos esse processo de
desafiliação, precisamos não só captar as nuances periféricas, como estudar as formas de
imbricamento dele no contexto social mais amplo no qual é gerado.
A exclusão, como uma metacategoria nos estudos estatísticos relacionados aos níveis de
pobreza e de desigualdade social, não é somente um conceito sociológico nem uma categoria para a
análise sociológica que pode ser aplicada a uma determinada área de estudo como a educação. Ela é
um construto ideológico que “enquadra” “certas pessoas” em certos parâmetros para determinados
fins. Para determiná-las, temos que nos pautar nestes que, embora legitimados socialmente, carecem
de sentido, especialmente, quando relacionados às áreas humanas.
Um dos obstáculos à visualização da exclusão é a forma “natural” de convivência em
sociedade. A naturalização das formas de manifestação - marginalização social, pobreza, miséria,
desemprego - é uma conseqüência de uma sociedade em “crise de sentido”16, como nos propõe a pós-
modernidade.17 Nessa sociedade, a exclusão ocorre quando os laços de convivência sociais se tornam
frágeis e vulneráveis, como diz Bauman18, referindo-se a Robert Castel.
Portanto, essa forma “natural” de percepção das desigualdades sociais, da pobreza, da miséria,
da exclusão são também aquelas que atingem os indivíduos que se encontram fragilizados na “zona de
vulnerabilidade social”. Apesar de eles pensarem estar incluídos socialmente, encontram-se numa
“zona de exclusão”.
Como conseqüência da não-reversão desse quadro, temos constatado o crescimento
desordenado de favelas, o aumento da violência urbana e da população de rua, principalmente nos
grandes centros urbanos. Sujeitos “pobres” permanecem indiferentes perante as políticas públicas de
nosso país. Portanto, podemos afirmar que a exclusão é uma metacategoria, especialmente nos estudos
sobre educação, pois a miséria e a pobreza causam um impacto direto no desempenho e na qualidade

5 “De acordo com o MEC a adequação idade-série para o ensino fundamental obedece a seguinte defasagem: a criança com 9
anos ou mais de idade freqüentando a Ia série; com 10 anos ou mais de idade freqüentando a 2a série; com 11 anos ou mais de
idade freqüentando a 3a série; a criança com 12 anos ou mais de idade freqüentando a 4a série; a criança com 13 anos ou mais de
idade freqüentando a 5a sene, a criança com 14 anos ou mais de idade freqüentando a 6a série; a criança com 15 anos ou mais de
idade freqüentando a 7a série; a criança com 16 anos ou mais de idade freqüentando a 8a série.” (IBGE, 2007).

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da educação de crianças, jovens e adultos.

A EXCLUSÃO EM NÚMEROS

Relatório coordenado por Neri19 intitulado A nova classe média, da Fundação Getúlio Vargas
(FGV), analisou dados originários da pesquisa do IBGE sobre renda per capita, trabalho e emprego
formal e informal no País. O economista, assim como o Presidente Lula, celebrou os números
animadores de queda consecutiva dos índices de miséria e pobreza no Brasil nos últimos sete anos,
ressaltando a diminuição da desigualdade no País. Esses dados passam de uma estagnação total na
última década para um ligeiro movimento de saída dessa estagnação. Se esse ritmo de crescimento
continuar, poderemos visualizar uma sociedade menos excludente num futuro próximo. Por enquanto,
acreditamos que esses dados significam que estamos apenas saindo da estagnação. Como o próprio
Neri20 declarou em entrevista, um dos indicadores desse movimento rumo ao equilíbrio da
desigualdade é o fato de que um maior número de trabalhadores possuem suas carteiras assinadas.
Entretanto, esse ainda é um sonho para o trabalhador pobre. O estudo descrito pelo relatório da
FGV criou uma “Classe E”, usando como critério de classificação a linha de miséria de 135 reais/mês
por pessoa para representar esse segmento social. O documento diz que “A miséria entre abril de 2004,
quando atingia 30,45%, e abril de 2008 passa a 18,39%. Isso corresponde a uma queda de -39% nesse
grupo etário de 15 a 60 anos contra uma queda de -32,11% para a população como um todo”21.
Embora sejam inegáveis as recentes conquistas em relação à melhoria da situação de vida dos pobres
no Brasil, permanecemos com um total de 18,39% da população entre 15 a 60 anos na miséria total,
sem contarmos com as crianças e os idosos.
No entanto, a redução da pobreza que Neri22 detecta no Brasil está ligada a uma abordagem
unidimensional baseada na renda. Concordamos com Costa23 quanto ao fato de que essa abordagem
aponta sempre um número menor de pobres quando “a questão principal na análise da pobreza não é a
quantidade de pobres, mas quem eles são” A autora24 compara a análise unidimensional como esta do
trabalho de Neri com outra multidimensional, realizada em 12 países europeus, que aponta diferentes
conjuntos de pobres, e afirma que somente a análise multidimensional possibilita uma focalização
adequada de quem são os pobres para a adequada formulação de políticas.
Ao se analisar a pobreza no País, considerando a variável renda como uma aproximação das
condições materiais dos indivíduos, é preciso reconhecer que há nessa medida limitações que não
podem ser desconsideradas e que a utilização de outras variáveis é importante para termos um quadro
mais amplo do problema. Nesse sentido, é preciso considerar a pobreza como a privação de uma série
de requisitos mínimos, não apenas relacionados à subsistência, mas também a privações estabelecidas
sempre em comparação às condições sociais vigentes. À “pobreza absoluta” se contrapõe a “pobreza
relativa”, sendo esta entendida em termos das necessidades sociais objetivas ou subjetivas de acordo
com as condições de desenvolvimento de dada sociedade, o que remete a outro processo, o da
exclusão social.25 Certamente, reconhecer a multidimensionalidade da pobreza implica alterar
radicalmente orientações de formulação e de avaliação de políticas públicas. No entanto, vem sendo
utilizada predominantemente a abordagem monetária para a descrição e a análise das políticas sociais
orientadas para a redução da pobreza.
A abordagem da pobreza pelo indicador de renda, porém, enfatiza a sua dimensão monetária e
somente leva em conta seus aspectos materiais, ignorando os culturais. Esses aspectos se referem às
diferenças de poder, que determinam o acesso a recursos, mas, acima de tudo, incorporam formas
precárias e informais de trabalho assim como o trabalho doméstico não remunerado, indispensável à
sobrevivência das famílias, e outros indicadores que podem refletir melhor a pobreza e as diferenças
de bem-estar entre os gêneros. Outra crítica a essa mensuração da pobreza é que ela não considera o

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fato de as pessoas também satisfazerem suas necessidades por meio de recursos não monetários, como
redes comunitárias e apoio familiar. Além disso, a medição da renda familiar per capita apresenta
sérias limitações para capturar as dimensões intrafamiliares da pobreza. Ela falha por ser incapaz de
levar em conta o fato de homens e mulheres experimentarem a pobreza de forma diferente dentro da
mesma família. Isso ocorre porque as famílias são tomadas como unidade de análise e pressupõe-se
que exista uma distribuição equitativa dos recursos entre seus membros. De acordo com essa
mensuração, todos os integrantes da família são igualmente pobres.
Ao se estudarem as relações entre pobreza e exclusão educacional, é preciso entender que a
definição de dimensões de pobreza pode trazer embutida não apenas uma forma de observá-la, mas
também uma maneira de conduzir as conclusões a respeito da sua evolução na sociedade em foco. Por
isso, a priorização de determinadas dimensões de pobreza pode servir de argumento para a utilização
ou não de determinadas políticas públicas em prol de grupos de interesse ou pode suscitar opções
equivocadas.
Estudo de Camargo26 argumenta que os programas sociais brasileiros têm um viés pró-idoso e
anticriança, mostrando que existe reprodução das desigualdades na distribuição de renda no Brasil e
evidenciando que, quando se examinam outras variáveis, multidimensionais, diferentes tipos de
pobreza e de sujeitos pobres aparecem. Em seu estudo, ele afirma que o fato de os gastos do governo
incidirem sobre as aposentadorias e as pensões cria uma desvantagem para os investimentos na
educação de crianças e jovens:
Do total de recursos gastos pelo governo federal com programas sociais, 60% se destinam ao
pagamento de aposentadorias e pensões. Isto representa 12% do PIB do país, o que é o dobro
do que a média dos países que têm proporção de idosos na população similar à do Brasil
(5,85%) gasta com porcentagem de seus respectivos PIB. Por outro lado, 65% destes recursos
são apropriados pelos 40%) mais ricos da população. No outro extremo, o Estado brasileiro
gasta pouco com educação e uma parte substancial desta despesa é apropriada pelos 40% mais
ricos. Concretamente, apenas 3,6% do PIB do país, em 2000, eram gastos com educação
fundamental, enquanto 29,6% da população brasileira tinha naquele ano entre 0 e 14 anos de
idade. O resultado desta estrutura de gastos sociais criou um mecanismo de reprodução da
pobreza ao longo do tempo.27

Afirma ainda em relação à pobreza e à educação:


Como 50% das crianças brasileiras vivem em famílias pobres e, destas, 80% não concluem o
ensino fundamental, aproximadamente 40% dos adultos brasileiros no futuro não terão
completado oito anos de estudos. Dificilmente conseguirão trabalho decente, com
remuneração adequada. Serão os pobres do futuro, ou seja, criamos um sistema no qual
reproduzimos a pobreza de nossa população para financiar o consumo de nossos idosos.28

De acordo com as análises desse autor, os pobres no Brasil são, em sua maioria, as crianças.
Esse dado nos faz lembrar um dos fatores mais discutidos nos meios educacionais na atualidade: a
universalização do acesso à educação básica.
O fato de que tal universalização, iniciada nos anos 1970 e somente concretizada nos anos
19906, não tenha ocorrido de forma coordenada com a qualidade dos processos de ensino e aprendiza-
gem, tem repercutido nos baixos resultados da avaliação do desempenho dos alunos 7 nas escolas
brasileiras e nas avaliações realizadas pelos instrumentos aplicados pelo Ministério da Educação e
Cultura por meio do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Texeira
(MEC/Inep) ou por iniciativas internacionais, como o Programa Internacional de Avaliação de Alunos
(Pisa).
Os estudantes que fracassam na escola, em sua maioria, pertencem aos segmentos sociais mais

6 Pode-se falar de uma expansão lenta, continuada e incompleta da oferta do nível inicial de educação obrigatória definido
como ensino primário de 4 séries até 1971, ensino de primeiro grau de 8 séries até 1996 e ensino fundamental de, no mínimo, 8
anos, que, no entanto, em 2006, passa a ter duração de 9 anos, iniciando-se aos 6 anos de idade.
7 Ao nos referirmos a alunos e professores, estaremos igualmente nos referindo a alunas e professoras, sem distinção ou
preconceito de gênero.

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empobrecidos dos grandes centros urbanos, como o Rio de Janeiro. Eles têm sido marginalizados e as
políticas públicas os atraem a participar de programas de inclusão social e educacional. Isso vem
ocorrendo desde a segunda metade da década de 1990, no contexto mais amplo de programas de
redução da pobreza e de desenvolvimento urbano8 que têm visado melhorar escolas e possibilidades
educativas urbanas, bem como aumentar o desempenho educacional. O governo, nos níveis federal e
estadual, tem implementado políticas públicas e programas assistenciais9, tais como Educação para
Todos, Bolsa-Escola, Bolsa-Família, Projovem e outros programas de políticas compensatórias, como
as classes de progressão, as classes de aceleração, o Projeto Especial Adolescentes 2007 (classes de 14
e 15 anos) e a política de cotas para a universidade.
Nesse contexto, destaca-se a vinculação de políticas assistenciais e compensatórias e sua
relação com a realidade das escolas públicas no dia-a-dia. Faz-se necessário, portanto, compreender
essas políticas com base na perspectiva dos mecanismos sociais que produzem exclusão educacional e
que, em outros termos, constituem parte de uma escola “que não ensina” e que continua aprofundando
desigualdades.
Entretanto, a análise desses programas por pesquisadores e estudiosos aponta que a INCLUSÃO
PROMETIDA acaba sendo INCLUSÃO NA EXCLUSÃO, pois as pessoas a serem incluídas encontram-se
numa zona de VULNERABILIDADE SOCIAL, O que não lhes permite participar com sucesso dos
processos regulares de escolarização.29
Há uma profunda ambigüidade nas políticas de discriminação positiva 10, que muitas vezes
estigmatizam as populações nelas envolvidas. Como salienta Robert Castel30, a característica
conhecida e oficial da verdadeira exclusão é que ela concede uma característica especial para
determinadas categorias da população, ou seja, as exclusões são formas de discriminação negativa 11,
que obedecem às estritas regras de sua construção numa determinada sociedade.
Segundo o IBGE31, embora a defasagem idade-série tenha reduzido no período de 1999 a 2003
entre as crianças de 7 a 14 anos, não foi possível afirmar se tal redução resultou de “programas
específicos de reforço escolar” ou se foi fruto da progressão continuada 12. Em 2006, outra nota do
IBGE comunica que a defasagem idade-série é um dos mais graves problemas do sistema educacional
vigente no país”32. Quanto à Região Sudeste, essa nota declara que, ainda que os números da distorção
idade-série tenham caído pela metade entre 2995 e 2005, o problema persiste, sendo que, no Rio de
Janeiro, esse número atingiu o patamar de 40,5% na 8a série. Embora a taxa de escolarização para o
ensino fundamental na região metropolitana do Rio de Janeiro tenha aumentado para quase a
totalidade dos alunos - 98,1% - em 2005, isso não representou melhoria da qualidade da educação.
Segundo dados do MEC/Inep de 2004/2005, o tempo médio de conclusão da 4a série do ensino

8 O Programa Comunidade Solidária foi criado em 1995, visando ao atendimento da parcela da população que não dispõe
de meios para prover suas necessidades básicas, em especial, ao combate à fome e à pobreza. Esse programa se tornou refe-
rência em torno da qual se criaram outras ações, como o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (Peti), em 1996 , e o
Programa Nacional de Garantia de Renda Mínima (PGRM), em 1997, depois desdobrado, em 2001, em dois programas, o de
Bolsa-Escola, destinado a famílias com renda per capita de meio salário mínimo com crianças entre 6 e 15 anos
frequentando a escola, e o de Bolsa-Alimentação, destinado a famílias com renda per capita de meio salário mínimo com
crianças entre 6 meses e 6 anos de idade. Essas ações governamentais no campo social compõem “uma rede de proteção
social” que tem utilizado o setor educacional para sua viabilização e projeção. Há assim uma ampliação instrumental das
funções da escola mas com um sentido simbólico que permite ao Estado dissimular e ocultar suas ausências e omissões em
relação aos direitos sociais (ALGEBAILE, 2004).
9 Para mais informações sobre políticas públicas e programas assistenciais do governo federal, ver:
<http://www.brasil.gov.br>.
10 Discriminação positiva é uma ação afirmativa com o sentido de estabelecer, ou restabelecer, a igualdade entre indivíduos
ou grupos que se encontram em relações diferentes, ou desiguais, com o objetivo de igualar o ponto de chegada para aqueles
cujo ponto de partida era desigual.
11 Discriminação negativa é a adoção de medidas injustas para com indivíduos ou grupos, criando situações desiguais entre
eles ou que lhes são prejudiciais.
12 O termo PROGRESSÃO CONTINUADA refere-se à organização do ensino fundamental de forma alternativa à seriada. A progressão
continuada é baseada em ciclos, nos quais os estudos teriam um caráter contínuo, sem reprovação do aluno, a não ser em caso
de excesso de faltas no decorrer de cada ciclo (IBGE, 2004, p. 56).

Textos extraídos do livro: Inclusão Escolar e suas Implicações, de José Raimundo Facion. 9
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fundamental era de 5,1 anos e, para a conclusão da 8a série, esse tempo médio se estendia para 10,1
anos.33 Esses dados revelam o fracasso da escola brasileira em oferecer um ensino de qualidade aos
nossos alunos, ou em oferecer um ensino com conhecimentos necessários para completarem o ensino
fundamental, num tempo mínimo razoável, ou seja, com uma defasagem inferior a 2 a 3 anos na série.
Isso apesar de algumas iniciativas de programas de combate ao fracasso escolar, como as de
progressão continuada, que já atingem cerca de 10% da rede pública de ensino dos grandes centros
urbanos, tenham obtido um relativo sucesso.34
Entretanto, as medidas propostas por esses programas e os recursos disponibilizados pelos
governos para sua realização não têm sido suficientes ou adequados para dar suporte às mudanças
pretendidas.35 Esses programas podem ser pensados, ainda, a partir das perspectivas dos Objetivos de
Desenvolvimento do Milênio (ODM) 13. O relatório da FGV, coordenado por Marcelo Cortes Neri36,
sob o título Miséria, Desigualdade e Políticas de Renda: o Real do Lula, enfatiza que o Brasil atingiu
pelo menos 2 dos 8 ODMs traçados em 1990 pela Organização das Nações Unidas (ONU): ACABAR
COM A FOME E A MISÉRIA e EDUCAÇÃO DE QUALIDADE PARA TODOS, O primeiro refere-se à redução da
extrema miséria em 50% em 25 anos. Em 2006, o Brasil anunciou que havia atingido 54,61% de
queda no índice de pobreza, com redução acumulada de 58,54%. O segundo diz respeito ao Projeto
Escola para Todos. Esse bem-sucedido empreendimento do governo federal praticamente
universalizou o acesso à escola pública de ensino fundamental. Além disso, o analfabetismo entre
jovens de 15 a 24 anos de idade, em 2006, reduziu bastante, chegando a 5,8%. Também a média de
anos de estudo da população, outro indicador clássico para mensurar o nível educacional de um país,
vem melhorando ano a ano.
A universalização do acesso sem levar em conta a qualidade de ensino tem gerado baixos
índices de desempenho escolar dos alunos brasileiros, conforme têm mostrado os testes realizados pelo
MEC/ Inep, pelo Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (Saeb) e pela Prova Brasil, bem
como por órgãos internacionais, como o Pisa, ou ainda, por outras instituições independentes, como o
Instituto Ayrton Senna, o Instituto Paulo Montenegro, entre outras.
Quando observamos apenas os resultados da Prova Brasil e do Pisa, por exemplo, vemos que a
Prova Brasil14 foi aplicada pela primeira vez em 41 mil escolas públicas brasileiras, em 2005. O
número de alunos que realizaram a prova foi de 3.395.547. Desses, 1.974.906 pertenciam à 4a série do
ensino fundamental e 1.420.641 eram da 8a série. Os resultados indicaram, numa escala de 0 a 10, que
os alunos obtiveram a nota 4,48 em Português e 4,67 em Matemática. Isso significa que esses alunos
não entendem o que lêem em reportagens de jornais nem o sentido produzido pela pontuação em um
texto escrito. Em Matemática, não sabem ler as horas em relógios de ponteiros nem fazer contas de
multiplicar com 2 algarismos. Os resultados mostram ainda que foram considerados analfabetos os
alunos com notas abaixo de 2,73 em Português. Isso significa que estes não entendem pequenos contos
infantis, histórias em quadrinhos para crianças ou mesmo um simples convite. Em Matemática, os
alunos com notas abaixo de 2,49 não sabem contar e aqueles com notas abaixo de 3,44 não sabem
somar nem subtrair.37
Os resultados divulgados pelo Pisa15 situaram o Brasil entre os últimos colocados, obtendo a
54 posição entre 57 países no teste de Matemática e a 49a posição entre 56 países na prova de leitura.
a

Como resultado global, 46,6% dos alunos brasileiros ficaram no nível 1 (um), numa tabela de 0 (zero)
a 6 (seis) da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), o que pode ser

13 Os 8 ODMs anunciados na década passada são: 1) acabar com a fome e a miséria; 2) educação de qualidade para todos; 3)

igualdade entre sexos e valorização da mulher; 4) reduzir a mortalidade infantil; 5) melhorar a saúde das gestantes; 6) combater
a Aids, a malária e outras doenças; 7) qualidade de vida e respeito ao meio ambiente; 8) todo mundo trabalhando pelo
desenvolvimento.
14 A Prova Brasil foi criada em 2005. Avalia as habilidades em Língua Portuguesa (foco em leitura) e Matemática (foco na
resolução de problemas). Foi aplicada na 4a série e na 8a série do ensino fundamental das escolas públicas (BRASIL, 2008).
15 Para mais informações, consultar: <http://www.inep.gov.br/internacional/pisa/>.

Textos extraídos do livro: Inclusão Escolar e suas Implicações, de José Raimundo Facion. 10
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observado como um desempenho muito abaixo da média.


Um problema a mais que se apresenta no cenário das escolas públicas é a redução do número
de matrículas nos últimos anos. Em 2006, 55,9 milhões de matrículas foram realizadas nas diferentes
modalidades de ensino da educação básica do País.38 Dados do censo escolar divulgado pelo MEC
registraram um decréscimo de número de matrículas nas diferentes modalidades de ensino:
Em relação ao ano de 2005, a matrícula da educação básica em 2006 decresceu 0,9%, o que
corresponde, em números absolutos, a 529.740 alunos. Essa variação negativa não foi em
todas as etapas e modalidades de ensino, cabendo destaques às exceções ocorridas na
educação profissional, na educação de jovens e adultos e na creche.
No que se refere à oferta de vagas da educação infantil (com cerca de 7 milhões de alunos),
foi registrado crescimento negativo de 2,6%. No entanto, as matrículas em creche, que, em
2006, foram na ordem de 1,4 milhões, cresceram 1% em relação ao ano de 2005. Já na pré-
escola, com aproximadamente 5,6 milhões de matrículas, houve um decréscimo de 3,5% em
relação ao ano anterior.
Quanto ao ensino fundamental e ao ensino médio, na modalidade regular, as matrículas de
2006 contabilizam, respectivamente, em torno de 33,3 e 8,9 milhões de alunos, com menos
252.037 alunos (0,8%) no fundamental e 124.482 (1,4%) no ensino médio, quando comparado
às do anterior.39

O decréscimo da matrícula aconteceu em quase todas as regiões do Brasil nas mais


importantes modalidades da educação básica, do ensino fundamental e do ensino médio. As razões
atribuídas pelo Inep para tal fato foram duas: 1) o momento de reorganização pelo qual passa o sistema
de educação básica em todo o Brasil, que compreende alguns aspectos: a proposta de 9 anos para o
ensino fundamental recentemente implementada e a municipalização do ensino que vem ocorrendo
gradativamente em muitos estados da Federação; 2) no ensino fundamental, houve uma queda de 251
898 matrículas e essa queda vem se mantendo desde 2003. Atribui-se a justificativa ao reajuste
realizado pelas políticas e programas compensatórios implantados atualmente nas redes públicas com
vistas à regularização do fluxo escolar para os alunos que se encontram defasados em relação à idade-
série. Embora o Inep tente explicar esses dados, consideramos que pesquisas se fazem necessárias para
um melhor entendimento desse fenômeno, na medida em que continua crescendo no País o número de
crianças e jovens em idade escolar. Em relação ao declínio da matrícula no ensino médio, esse número
representa uma preocupação, já que, com a universalização do ensino fundamental, espera-se que
esses alunos que completam esse nível de escolarização estariam sucessivamente matriculando-se no
nível seguinte, “empurrando” o número de matrículas para cima, o que não está acontecendo. O nú-
mero negativo sinaliza, no mínimo, a ineficácia das políticas públicas de inclusão desses alunos.
Desde os anos 1990, a repetência escolar era apontada por Costa Ribeiro40 como um
importante fator, mais que o abandono/evasão, a contribuir para a exclusão educacional. Fazendo parte
da pauta das discussões das Secretarias de Ensino e das reuniões de pais de alunos, a
repetência/reprovação continua a ser um problema grave no sistema de ensino brasileiro; embora os
números pareçam pequenos, somados ao abandono, eles representaram 21,3% em 2004 e 20,5% em
2005 da população escolar brasileira.
Estudo realizado por Alves, Ortigão e Franco41 concluiu que algumas variáveis afetam as
chances de repetência. Primeiro, pertencer ao gênero masculino é um fator de risco, que aumenta as
chances para a reprovação, assim como a cor declarada da pele (preto ou pardo) ou ainda o baixo nível
socioeconômico, enquanto contam como fatores de proteção, ou como diminuição das chances de
reprovação, o nível elevado da educação dos pais e os recursos educacionais disponíveis em casa ou
ainda o fato de ser branco ou do sexo feminino. Os autores concluem que o “capital econômico não
protege a todos igualmente”, pois o “alto capital econômico aumenta o risco de reprovação de alunos
que se autodeclaram pretos”42. Isto é, ao se autodeclararem pretos ou pardos, os alunos aumentam o
risco de reprovação mesmo para as famílias com boas condições financeiras. O estudo citado mostra
que a questão da cor da pele é um fator a ser considerado nas análises sobre a dinâmica das políticas

Textos extraídos do livro: Inclusão Escolar e suas Implicações, de José Raimundo Facion. 11
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de reprovação e alocação de alunos nas escolas43.


No momento em que as escolas estão questionando a função da repetência e a reprovação, o
estudo mencionado nos leva a refletir sobre o papel da avaliação e sua importância para a análise do
desempenho do aluno quanto à sua aprendizagem e à construção do seu conhecimento. Os processos
de avaliação que têm como base a reprovação têm sido freqüentemente utilizados pela escola até a
atualidade e resultam não só numa perversa maneira de colocar o aluno como o culpado pelo seu mau
desempenho escolar, como também provocam nesse aluno a baixa auto-estima, que muitas vezes o
leva a fracassar mais ainda. As alternativas que o sistema tem encontrado para mudar esse quadro - as
classes de progressão, aceleração, entre outras - não têm sido capazes de reverter essas seqüelas. Elas
se pautam na promoção automática do aluno, muitas vezes desconsiderando a qualidade do ensino.
Esse é um ponto crucial desse sistema.
No Brasil, onde existem 183.987.291 habitantes44, “é considerada analfabeta funcional a
pessoa que, mesmo sabendo ler e escrever, não tem as habilidades de leitura, de escrita e de cálculo
necessárias para viabilizar seu desenvolvimento pessoal e profissional”45. Em nosso país, cultivamos
pouco o hábito da leitura. Essa constatação empírica pode ser verificada por dados estatísticos sobre a
taxa de alfabetização funcional da população brasileira. O Instituto Paulo Montenegro, instituição que
acompanha esse índice desde 2001, com pesquisas especializadas, declarou que 68% da população é
funcionalmente alfabetizada46; informou ainda que a proporção dos brasileiros de 15 a 64 anos
classificados como “analfabetos absolutos” vem caindo ao longo dos anos. E o mesmo ocorreu nos
outros níveis de classificação.
O Instituto apresentou um quadro síntese da evolução dos indicadores dos ALFABETIZADOS
FUNCIONAIS e dos ANALFABETOS FUNCIONAIS entre os anos de 2001 e 2007. Esse quadro
demonstra um número crescente de alfabetizados funcionais. Em 2001-2003, o número de
alfabetizados básicos plenos era de 61%, e, em 2007, de 68%, aumentando em 7%, o que confirma
uma positividade para a evolução da taxa de alfabetização funcional no País. Esse dado não demonstra
ainda a diversidade entre os grupos e as regiões, como também não considera a enorme defasagem
existente entre o nosso país e outros países em desenvolvimento.
E interessante notar que este indicador - alfabetismo funcional - é relativamente novo. Vera
Masagão Ribeiro47 explica que, na década de 1960, o conceito de analfabetismo funcional passou a
figurar no cenário brasileiro. Esse conceito ganhou terreno e, assim, como constatou a autora,
passaram a fazer parte dele, além das pessoas que não tiveram acesso à escola, aquelas que, mesmo
tendo passado pelo processo de escolarização, não foram capazes de desenvolver as “habilidades de
leitura, escrita e cálculos necessárias para viabilizar seu desenvolvimento pessoal e profissional”48. Ser
alfabetizado foi, então, desdobrado para novas categorias, que são, segundo o Indicador de
Alfabetismo Funcional (Inaf), ANALFABETO, ALFABETISMO NÍVEL RUDIMENTAR, ALFABETISMO
NÍVEL BÁSICO e ALFABETISMO PLENO 16.
Entretanto, os indicadores do Inaf sobre alfabetismo são diferentes dos do IBGE. Em 2007, de
acordo com o IBGE, o Brasil, entre os países da América Latina e Caribe, apresentou uma taxa de
11,1% da população urbana de 15 anos ou mais de idade de analfabetos, A Pesquisa Nacional por
Amostra de Domicílios (Pnad)49 compara ainda os dados referentes à taxa de analfabetismo no período
entre 1996 e 2006: em 1996, era de 14,6% e, em 2006, passou para 10,5%, tendo sofrido redução de
quase 30%, o que revela uma tendência à diminuição dos índices de analfabetismo no País. Nesses
indicadores, a população que concentra os índices de analfabetismo está entre as camadas mais pobres,
os mais idosos, aqueles de cor preta e parda e nas localidades menos desenvolvidas. Por esse aspecto,

16 Para considerações a respeito das definições dos termos letramento, alfabetismo e analfabetismo, ver p. 5 do Indicador de Alfabetismo
Funcional - INAF - Brasil - 2007, São Paulo: Instituto Paulo Montenegro, 2007. Disponível em: <http://www.ipm.
org.br/download/inaf00.pdf>.

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permanece a associação entre analfabetismo e condições de desigualdade social e racial que perpetuam
no cenário educacional.
Há ainda no mesmo documento (Síntese de Indicadores Sociais 2006, do IBGE) dados sobre
as taxas de analfabetismo que se mostram ligados também a questões raciais e de renda. Eles
demonstram que, para as pessoas a partir de 15 anos, a taxa alcançou 67,4% entre os pretos e pardos,
enquanto, para os brancos, a taxa chega a 32%. Na distribuição dos analfabetos por faixas etárias, para
as idades compreendidas entre 15 e 24 anos a taxa é de 5,8%; entre 25 e 39 é de 19,0%; entre 40 e 59 é
de 36,4%; entre 60 e 64 é de 9,4%; e para a idade de 65 anos ou mais é de 29,4%. Pela divisão por
renda per capita são analfabetos: 17,9% dos que recebem até ½ salário mínimo e 1,3% daqueles que
recebem mais de 2 salários mínimos.50

Figura 1.1 - Indicadores de analfabetismo das pessoas de 15 anos ou mais de idade -Brasil - 2006

DISTRIBUIÇÃO PERCENTUAL (%)


Por grupos de idade

Por cor ou raça (1)

15 a 24 25 a 39 40 a 49 60 a 64 65 ou mais
anos anos anos anos
Branca

Fonte:IBGE, Pesquisa Nacional por amostra de Domicílios 2006, citado por IBGE, 2007, p. 40.

Por esses dados, é possível perceber que as relações raciais são as mais discrepantes, seguidas
das econômicas. Outro fator considerado nessas análises foi o local de moradia, rural ou urbano,
demonstrando que o acesso aos centros urbanos conta como um fator determinante para o acesso à
educação formal para aqueles que querem alfabetizar-se fora da época regular.
Como dito anteriormente, houve uma ligeira queda nos índices de analfabetismo, mas, se
compararmos os dados estatísticos apresentados sobre os resultados das políticas educacionais,
percebemos que poucas iniciativas diretas foram tomadas pelo governo após o ano 2000 para a
melhoria da educação no País. Entretanto, f) governo brasileiro lançou inúmeras campanhas de cunho
social que indiretamente atingiram a educação: Fome Zero, Projeto Agente Jovem, Programa de
Erradicação do Trabalho Infantil, Bolsa-Família e Bolsa-Escola. Estes dois últimos estão diretamente
condicionados à freqüência do aluno à escola de ensino fundamental. Em muitos casos, o aluno passa
a freqüentar a escola para conseguir alguma renda familiar e possivelmente se coloca nesse programa
do governo como uma MOEDA DE TROCA. Apesar disso, mesmo recebendo recursos de tais programas,
em alguns casos, além de freqüentar a escola, o aluno tem que trabalhar depois das aulas.51 Desse
modo, podemos entender que os pais, a própria criança e o jovem não compreendem a natureza desses
projetos, os quais, entretanto, embora não sejam o ideal, são uma forma de garantir o direito da criança
à educação.52 Ocorre que tal obrigatoriedade de freqüentar a escola não garante aprendizagem, como
demonstramos ao longo deste texto. De acordo com a teoria de Handa e Davis, poderíamos nos

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perguntar se os parcos resultados positivos obtidos pelas políticas educacionais, assim como o baixo
valor do Bolsa-Escola e do Bolsa-Família constituem um atrativo para a população brasileira colocar
seus filhos na escola.
Concluímos até aqui que, embora a pobreza e a miséria possam estar DIMINUINDO no Brasil e
tenhamos atingido a “educação para todos”, isso significa que ficamos MENOS MISERÁVEIS, e não que
as fronteiras da miséria e da pobreza tenham se afastado das portas das nossas escolas. Colocamos
crianças e jovens na escola, mas o difícil está sendo fazê-los permanecer nela com aprendizagens
significativas e dela sair com um domínio de conhecimentos e de habilidades que seja válido para o
exercício da cidadania.

EXCLUSÃO COMO HERANÇA

Uma das características da comunicação entre a escola e a família é a profecia auto-realizadora


que orienta as práticas de alguns professores que não vêem o seu papel como possibilidade de
transformação da realidade escolar para os alunos que ensinam.53 Essa profecia corrobora os baixos
índices brasileiros da educação e faz com que alunos, pais e professores acreditem que, apesar dos
esforços, é muito difícil reverter o quadro de fracasso e exclusão de alunos. Por outro lado, Senna
explica que:
O sentido social da escola - tal como a concebemos ainda hoje - está fortemente associado,
tanto ao dogma da Razão, quanto ao princípio do banimento, ambos solidariamente agregados
como ícones de uma cultura que não tolera as diferenças e se sente ameaçada por elas. Ainda
é muito forte em nosso imaginário o princípio sintetizado no dito popular em que se declara
ser preciso ir à escola para ser gente na vida, aludindo-se, assim, aos não escolarizados como
não-gentes, como sujeitos desprovidos de Razão, como os outros.54

Embora exista uma forte correlação entre o baixo desempenho escolar e a classe social menos
favorecida, as famílias dessa classe insistem em manter as crianças nas escolas, demonstrando assim o
valor que atribuem a essas instituições. Esse fenômeno se apresenta nos resultados da pesquisa
realizada por Hasenbalg e Silva55, segundo os quais “cada vez mais é através da escolarização formal
que as famílias conseguem legar a seus filhos as posições que ocupam na hierarquia social”. Contudo,
os autores afirmam que os recursos educacionais estão no eixo do processo de transmissão
intergeracional das desigualdades. Um outro aspecto evidenciado por Hasenbalg e Silva56 foi a
influência que a escolaridade do chefe de família exerce sobre o acesso à educação e na continuidade
do estudo dos filhos.
Estima-se que, entre os indivíduos com idades variando entre 6 e 19 anos, 12% possuem mais
chances de acesso ao sistema para cada ano adicional de escolaridade do chefe da família. Esse efeito
decai ao longo das transições escolares, reduzindo-se à metade ao se atingir a 8a série do ensino
fundamental.
Um outro estudo que ratifica a idéia de intergeracionalidade como fator de transmissão da
exclusão é a pesquisa de Scalon57 sobre a mobilidade social do brasileiro. A socióloga afirma que os
padrões de mobilidade social no Brasil estão mais para a imobilidade, pois o País tem uma estrutura
social muito fechada e existe uma forte tendência à reprodução de classe. Ela explica ainda que, no
Brasil, a posição social é herança passada de pai para filho e que a elite brasileira criou uma série de
estratégias de reprodução para não cair na escala social Uma das contribuições teóricas da tese de
Scalon58 é a identificação de duas grandes zonas de contenção. A primeira separa o trabalhador rural
do urbano: se, num passado não muito distante, houve uma grande mobilidade da mão-de-obra do
campo para a cidade, o inverso praticamente nunca ocorre. A segunda é a que separa o trabalho
manual do não manual: trabalhadores manuais (marceneiros, pedreiros, estivadores etc.) dificilmente
conseguem progredir para funções não manuais. A autora esclarece que “pessoas com origem neste

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mesmo estrato têm 11 vezes mais chances de permanecer aí do que aquelas com origem nos estratos
manuais têm de mover-se para esta posição”59. O estudo revela, ainda, as dificuldades para pesquisar a
mobilidade social devido à complexidade da realidade brasileira. Para melhor interpretar os dados, a
autora explica que precisou investigar tanto a mobilidade intergeracional, na qual se compara a
posição social do pai com a do filho no momento em que os dois entraram no mercado de trabalho,
como a mobilidade intrageracional, em que se compara o primeiro emprego de uma pessoa com seu
emprego atual, Além da mobilidade total, em que o emprego do pai no momento em que o filho entrou
no mercado de trabalho é comparado com o emprego atual desse filho60.
Assim, de acordo com Scalon,
Os filhos de profissionais têm 130 vezes mais chances de permanecer neste mesmo estrato,
em lugar de descer ao estrato manual não qualificado, do que os filhos de trabalhadores
manuais não qualificados têm de ascender à posição de profissionais. Se considerada a
possibilidade de mobilidade para o estrato de trabalhadores rurais, as chances relativas
atingem a incrível marca de 1.140.61

A autora ainda conclui que, apesar da mobilidade aparente da sociedade brasileira, no fundo a
estrutura social é muito rígida. Para a autora62, nosso problema é a desigualdade de oportunidades que
se processa em todos os níveis: saúde, educação e cidadania.
Os dados analisados por Ferreira e Veloso63 corroboram os de Scalon64, acrescentando ainda
que, em relação aos países desenvolvidos e em desenvolvimento, o Brasil possui o menor grau de
mobilidade intergeracional de educação e que esse grau ainda é menor na Região Nordeste, se
comparado com o do Sudeste.
Os fatores apresentados até aqui nos levam a refletir sobre a possibilidade de superação das
desigualdades inerentes à população brasileira, mesmo como um peso da herança cultural que
carregamos não somente no âmbito familiar, mas também no âmbito social e que atravessa a gerações.
Um outro fator a ser considerado nos estudos sobre mobilidade intergeracional diz respeito à
raça aliada à classe social. Ribeiro65 aponta em seu estudo os trabalhos de Pierson, Costa Pinto,
Fernandes e Hasenbalg, dos quais derivam pelo menos quatro teorias para explicar a relação entre raça
e classe na mobilidade social. A primeira nega que o fator RAÇA se constitua como uma barreira para a
mobilidade ascendente, sendo então o preconceito de raça o fat0r determinante para tal mobilidade. A
segunda aposta que a mobilidade social, propiciada pela expansão da sociedade de classes, fará com
que a discriminação racial retorne e se acirre dentro das classes mais privilegiadas. A terceira vê a
discriminação racial como herança do passado colonial e que, por isso, tende a ser substituída ao longo
do tempo pela discriminação de classe. Já a quarta afirma que, mesmo com a expansão da sociedade
de classes, a raça é ainda fator importante para a estratificação social no Brasil, ou seja, a possibilidade
ou não de haver mobilidade social independe da origem de classe.66
As explicações encontradas por esses autores permanecem no atual cenário das pesquisas
sobre mobilidade intergeracional, no entanto Ribeiro67, em suas investigações, encontra novos
resultados que em parte contrariam todas as explicações dadas até então. Para Ribeiro, na nossa
sociedade a raça se constitui como barreira apenas dentro das classes mais altas, pois, nas classes mais
baixas, independente de serem pretos, brancos ou pardos, todos têm probabilidades semelhantes de
ascender em sua classe.
São diversos os fatores que determinam o modo de vida da nossa sociedade, como também são
diversas as maneiras que os membros dos grupos mais privilegiados encontram para se reproduzirem e
manterem seu status quo. Os preconceitos de classe e de raça se constituem em barreiras que, nos mais
diversos setores da sociedade, favorecem a exclusão e influenciam diretamente na herança cultural
deixada para as gerações futuras.
Tão difícil quanto identificar as origens desses preconceitos é encontrar algo que os justifique.
Contudo, eles permanecem regendo as relações dos indivíduos e deixando para a educação um espaço

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limitado para uma manobra em sentido contrário. O que acaba acontecendo é a perpetuação das
relações de desigualdade, nas quais o sujeito não reconhece sua capacidade para promover mudanças
significativas no seu modo de vida.

CONTINGÊNCIA E AUTODETERMINAÇÃO

Afirmamos, apoiados no pensamento de Kierkegaard, que o ser humano determina-se em sua


possibilidade. Logo, quando abrimos mão da autodeterminação pela contingência, deixamos de
exercer a maior habilidade que temos por sermos humanos, que é a possibilidade. Assim, a
possibilidade é a capacidade inerente ao ser humano de escrever sua história em vez de ser
determinado por ela, obviamente lutando pela satisfação de suas necessidades.68
Definimos contingência como a condição de submissão dos desejos e expectativas de um
indivíduo à sua realidade social. Individual e coletivamente, somos todos lançados a uma contingência
inicial pelo acaso do nascimento, porém, toda vez que vinculamos nossas projeções a essa
contingência inicial, estamos deixando de lado uma possibilidade de transformação social e/ou
individual e nos arremessando diretamente à insatisfação crônica da sociedade, além de nos estarmos
distanciando da atitude de autodeterminação.69 Essa autodeterminação implicaria satisfazer-se com as
expectativas e os desejos na sociedade possível, embora nem todas as nossas necessidades estivessem
satisfeitas. A autodeterminação, portanto, significa manter-se processual e individualmente em estado
de sublimação da contingência inicial, ou ainda, nas palavras de Paulo Freire, seria o inédito viável,
tornado possível de realização através de determinação individual, conscientização e processo de
emancipação cultural. Esse conceito foi explicado por Ana Maria Araújo Freire no livro Pedagogia da
esperança: “O ‘inédito-viável’ é na realidade uma coisa inédita, ainda não claramente conhecida e
vivida, mas sonhada e quando se torna um percebido destacado’ pelos que pensam utopicamente, esses
sabem, então, que o problema não é mais um sonho, que ele pode se tornar realidade”70.
Parte de uma situação de contingência é o indivíduo vivendo uma situação-limite e na
expectativa de um inédito-viável que vá transformar a sua vida e que lhe traga uma nova perspectiva
diante, por exemplo, da pobreza, da miséria, do analfabetismo. A transformação, a superação do limite
a que Paulo Freire se refere é o processo de emancipação cultural promovida por uma “pedagogia
culturalmente sensível”71 que esteja comprometida com a forma mais básica de conscientização
humana, que é a reflexividade sobre sua própria condição no mundo. O tomar consciência da
contingência é visto por diversos autores sob os pontos de vista individual e coletivo, seja como
história de vida ou processo histórico, seja como ideário de liberdade. Um exemplo de situação de
contingência dos jovens nos grandes centros urbanos é o envolvimento com o crime organizado.
Nossas pesquisas sobre fracasso escolar nos últimos 20 anos indicam que a conseqüência mais drástica
do fracasso escolar é a precocidade com que suas vítimas perdem suas vidas.72 Essa constatação foi
mencionada no trecho do posfácio, reproduzido a seguir, escrito por Ermínia Maricato para o livro
Planeta favela, de Mike Davis, que traça um perfil das favelas no mundo e destaca o papel das
políticas públicas na determinação do contingenciamento das vidas dos jovens nos grandes centros
urbanos em que as desigualdades sociais são parte do cotidiano, como é o caso do Rio de Janeiro, de
São Paulo, Recife, entre outras capitais do Brasil.
O recuo nos investimentos em políticas públicas pode ser constatado em cada poro do
cotidiano das cidades; exemplo disso é irresponsabilidade com que a política prisional ou de
menores infratores foi tratada em ambientes de altas taxas de desemprego e desigualdade,
fomentando o crime organizado, único alternativa de renda para muitos jovens de vida curta.73

O jovem morador da favela não raro possui uma trajetória escolar marcada pela exclusão e

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pelas poucas chances de qualificação para o trabalho. Esse perfil é estigmatizado pela proximidade
com que vive o dia-a-dia do crime organizado. Muitas vezes, ele é iniciado ainda criança no trabalho
nessas organizações. Isso é motivado não somente pela contingência de vida, mas também pelo apelo
do mercado, conforme Bourdieu74, para adquirir bens que simbolizam o passaPORTE da modernidade,
segundo Berger e Luckmann75: celulares, iPods, MP3, HDTV, videogames, roupas de marca, entre
outros. Essa e uma tendência das cidades que a educação não tem conseguido transformar. Muitos
jovens excluídos da escola acabam morrendo nas ruas ou nos presídios.
Em pesquisa realizada no Rio de Janeiro por Puggian, Mattos e Borges76, foram entrevistados
jovens EM SITUAÇÃO DE RUA com o objetivo de investigar a trajetória dos jovens ENTRE A RUA E A
ESCOLA, e a situação exemplificada anteriormente foi corroborada. Entre outros resultados, os dados
preliminares desse estudo apontam que a permanência desses jovens nas ruas é em grande parte devido
à não-aceitação pela escola e pela família das contingências que determinam a vida do menor em
situação de rua. Os novos amigos, as gangues, as tribos são mais familiares, mais adequados às novas
formas de vida que a escola ou a família, daí a preferência pelas ruas, pela fluidez, pela inconstância,
pela mobilidade constante. A não-permanência parece mais segura, mais constante que a família. O
endereço incerto parece mais certo que a escola, que a diretora, que a professora. São múltiplas as
histórias de fracasso escolar, de desemprego, de tentativas da informalidade, e o apelo das drogas, do
ilícito, da prostituição é muito grande. É um dinheiro rápido. É um apelo maior do que a estabilidade
do abrigo provisório.
Retornando a Maricato77, ela compara o rápido crescimento das favelas na cidade de São
Paulo17 entre 1970, quando a cidade de São Paulo tinha apenas 1,2% da população morando em
favelas, e 2005 quando essa proporção subiu para 11%. Esse dado revela a contingência de uma
proporção das pessoas na cidade, sendo EMPURRADAS para habitações improvisadas. Muitas vezes, à
procura de emprego, outras em busca de assistência social ou de saúde, somente disponíveis nos
grandes centros urbanos, essas pessoas são contingencia- das a viver em moradias PROVISÓRIAS que,
com o passar do tempo, tornam-se permanentes. Assim se formam os grandes bolsões de pobreza no
entorno das cidades ou dentro delas, como no caso do Rio de Janeiro. O Brasil ocupa hoje o 3o lugar
no mundo, com uma proporção de 36% da população urbana, equivalente a 51,7 milhões de pessoas,
morando em favelas, perdendo somente para a índia e para a China, afirma Davis78. A previsão desse
autor é que o progresso desse tipo de moradia é uma realidade que não vai mudar a curto prazo. Assim
como a moradia, outros setores, como a saúde e o saneamento básico, fazem parte do cenário da
exclusão que contingência o brasileiro. Embora alguns economistas, como Neri, confiem no
movimento da economia rumo a uma sociedade menos desigual ao mesmo tempo afirmam que uma
das barreiras difíceis de serem rompidas é a educação de qualidade. Ele caracteriza como “apagão DA
79
MÃO DE OBRA” a ausência dessa qualificação para o trabalho, Essa caracterização nos permite pensar
que se fazem necessárias políticas públicas educacionais sensíveis que visem à autodeterminação do
povo brasileiro. Desse modo, a EXCLUSÃO pode passar a ter menor importância como uma
metacategoria nos relatórios sócio-político- educacionais do nosso país.

17 Secretaria de Habitação e Desenvolvimento Urbano da Prefeitura Municipal de São Paulo (Sehab), citada por MARICATO, 2006,
p. 215.

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CITAÇÕES POR CAPÍTULO


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ATIVIDADE DE SÍNTESE

Faça um texto falando sobre a realidade da educação brasileira, aborde também a realidade da
educação inclusiva em nosso país.
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Capítulo 2

POLÍTICAS INCLUSIVAS E POSSÍVEIS IMPLICAÇÕES NO AMBIENTE


ESCOLAR
“(…) em vez de se sublinhar a idéia da integração, acompanhada
da concepção de que se devem introduzir medidas adicionais para
responder aos alunos especiais, num sistema educativo que se
mantém, nas suas linhas gerais, inalterado, assistimos a
movimentos que visam a educação inclusiva, cujo objetivo consiste
em reestruturar as escolas, de modo a que respondam às
necessidades de todas as crianças”.
Ainscow

Este capítulo tem por objetivo tecer algumas considerações sobre políticas de inclusão
adotadas na sociedade e suas implicações no ambiente escolar, principalmente quando se trata de
alunos denominados pelo sistema escolar atual de EDUCANDOS COM NECESSIDADES EDUCACIONAIS
ESPECIAIS, especificamente aqueles que apresentam o transtorno autista. Para tanto, serão enfocados,
de forma breve, dois aspectos: o caráter histórico da inclusão e o que se entende por inclusão na
atualidade, passados treze anos desde sua implantação.
Você, com certeza, já percebeu que uma das terminologias mais empregadas hoje, quando se
fala em educação, é o termo INCLUSÃO; principalmente na educação especial. Encontramos referências
à inclusão nas políticas educacionais atuais e em documentos legais, como a Constituição Federal
(1988), a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (1996) e as Diretrizes Nacionais para a
Educação Especial na Educação Básica (2001), com a finalidade de garantir o direito de todos ao
ensino, inclusive aos “portadores de deficiência”, preferencialmente na rede regular.
A formulação teórica dessa legislação aplicada ao ensino brasileiro tem como referência
documentos e organismos políticos, sociais e educacionais mundiais, como a Declaração Universal
dos Direitos Humanos (1948), a Conferência Mundial de Educação para Todos, de Jontiem (1990) e a
Conferência Mundial sobre Educação Especial, de Salamanca (1994).
Pretendemos com este capítulo refletir sobre os destinos e as possibilidades da escola em face
da inserção das políticas inclusivas na realidade brasileira, permeando, sempre que possível, o
princípio da igualdade contido na Constituição Federal de 1988 e suas múltiplas expressões no
cotidiano escolar.

HISTÓRICO DA PROPOSTA DE ESCOLA INCLUSIVA

A busca por uma sociedade igualitária, por um mundo em que os homens gozem de liberdade
de expressão e de crença e possam desfrutar da condição de viverem a salvo do temor e da
necessidade, por um mundo em que o reconhecimento da dignidade inerente a todos os seres humanos
e da igualdade de seus direitos inalienáveis é o fundamento da autonomia, da justiça e da paz mundial,
originou a elaboração da Declaração Universal dos Direitos Humanos1, que representa um movimento

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internacional do qual o Brasil é signatário.


Essa declaração representou um marco na história dos direitos e das garantias individuais e
coletivas do homem no Brasil e no mundo. O que ficou ali tutelado foi adotado na condição de
princípios fundamentais a serem considerados quando da elaboração da Constituição Federal de 1988.
É importante observarmos que o sistema jurídico brasileiro pode ser representado como uma
pirâmide de normas hierarquicamente dispostas, cujo topo é ocupado pela Constituição. Ao regular os
dispositivos mencionados na Declaração Universal dos Direitos Humanos, a Constituição deu máxima
importância à matéria, impedindo que qualquer outra norma ou lei lhe negue a validade.
O art. 5o da Constituição e seus 78 incisos, fundamento do ordenamento jurídico brasileiro,
legitimam a busca por uma sociedade igualitária, idealizada na referida declaração.
Art. 5o Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos
brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à
liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade.2

Salientemos que o princípio da isonomia, acima descrito, prega a igualdade, devendo ser
respeitadas as diferenças de cada um, conforme as regras de eqüidade.
Em obediência a esses princípios, a Constituição dispõe sobre o direito à educação e a forma
pela qual ela deve ser ministrada, avocando para o Estado e a família o dever de garantir aos cidadãos
brasileiros o ensino a que fazem jus.
Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e
incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa,
seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. Vamos fazer uma
pausa para avaliarmos a situação.

Você observa, em nossa realidade escolar a aplicação efetiva dos dois artigos acima
transcritos?

Conforme se lê no preâmbulo da Declaração Mundial sobre Educação para Todos, embora as


nações do mundo tenham afirmado na Declaração Universal dos Direitos Humanos, há mais de 50
anos, que “toda pessoa tem direito à educação” e apesar dos esforços realizados por países do mundo
inteiro para assegurar esse direito a todos, ainda persiste uma realidade muito distante daquela
idealizada.3
Quando tais garantias legais são postas à prova no cotidiano da comunidade, da escola e do
aluno, percebemos que o direito que garante o acesso escolar não é o mesmo que garante o ensino de
qualidade, ou ainda, que a “escola para todos” não é a “escola de todos”. As desigualdades sociais e
econômicas vividas pela população promovem essa diferença, que a proposta da inclusão tenta reduzir
ao estabelecer que os governos devem priorizar uma educação de qualidade, que promova o
desenvolvimento pleno de seus educandos.
Em 1990, a Declaração Mundial sobre Educação para Todos já recomendava medidas que
garantissem “a igualdade de acesso à educação aos portadores de todo e qualquer tipo de deficiência,
como parte integrante do sistema educativo”4. Porém, foi em 1994, com a Declaração de Salamanca,
na Espanha, que o projeto de escola inclusiva foi mais precisamente delineado.
A conferência que deu origem a esse documento trouxe um novo enfoque sobre o sistema
educacional, ocasionando uma atualização no ordenamento jurídico brasileiro por meio de emendas
que modificaram o texto constitucional e possibilitaram inserções importantes na política educativa e
que constam na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (1996), no Plano Nacional de
Educação (2001) e nas Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica (2001).
No geral, tal legislação - cujo estudo é de fundamental importância - determina que o
atendimento aos alunos com necessidades educacionais especiais deve ser prestado

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“preferencialmente” pelo ensino regular na rede pública. Ressalta ainda a necessidade de a escola dar-
lhes o apoio necessário, com a possibilidade de se criarem, de forma “extraordinária”, classes especiais
em escolas regulares e atendimento em escolas especiais públicas ou privadas, sempre que o ensino
público regular não empreender as adaptações necessárias aos educandos.

E, NA PRÁTICA ESCOLAR, COMO OCORRE A EXECUÇÃO DESSAS POLÍTICAS?

Passados treze anos desde a implantação das políticas inclusivas no País, notamos que um
balanço de sua aplicabilidade em nosso contexto educacional começa a ser delineado. Pesquisadores
sustentam a necessidade de efetuar pesquisas que examinem o caráter ideológico da inclusão e sua
materialização no contexto brasileiro.5 A justificativa para tais orientações sustenta-se em análises
realizadas pelos pesquisadores ao se debruçarem sobre a legislação inclusiva e as práticas escolares
dela decorrentes.
Alguns aspectos levantados nesses estudos referem-se ao acesso escolar dos alunos com
necessidades especiais; à insuficiente delimitação dos campos de abrangência do ensino regular e
especial; às contradições identificadas nas leis, em virtude da adoção dos princípios da inclusão sem
um consenso educacional, cultural, social e econômico que os legitimem.
No que se refere ao acesso escolar, os dados da inclusão informam que tem havido um
crescimento constante (cerca de 10% ao ano) do número de alunos matriculados na educação básica no
ensino regular.6
Entretanto, apesar de o Censo Escolar de 2002 demonstrar que desde 1998 o número de alunos
com deficiência incluídos no ensino regular aumentou em aproximadamente 150%, não se confirma a
perspectiva de qualidade preconizada pela inclusão, pois, quando são analisadas as condições
oferecidas pelas escolas e as necessidades dos alunos, verificamos uma escolarização insuficiente e
precária.7

Ou seja, garantir o acesso de alunos com deficiência a classes regulares não


necessariamente garante seu sucesso escolar.

Nesse sentido, torna-se pertinente investigarmos como tem sido o processo de escolarização
do aluno com necessidade especial no que se refere ao acesso ao ensino regular, à permanência na
escola, bem como à natureza dos serviços educacionais oferecidos, para então, “A partir daí, pensar
em que medida se tem promovido a ampliação efetiva de oportunidades educacionais de qualidade
para as pessoas com necessidades educacionais especiais, como responsabilidade da escola pública e
no contexto de amplas reformas educacionais no país”8.
Uma análise dessa perspectiva sob outro ângulo é ainda identificada por Ferreira e Ferreira,
em relação aos dados explanados pelo Censo Escolar/2002 e pelo Plano Nacional de Educação9. Eles
denunciam a existência de um descompasso entre os resultados e as tendências mencionados no
primeiro e as dificuldades enunciadas no segundo10. É notável, assim, que o aumento do número de
alunos na escola não explica a carência de vagas, recursos e atendimentos na educação especial na
rede pública nem o predomínio de estabelecimentos particulares nessa modalidade de ensino, que
detêm, ainda hoje, cerca de quase a metade dos alunos especiais de todo o País.
Á insuficiente delimitação dos campos de abrangência do ensino regular e especial é também
comentada por Ferreira11, ao relatar que, apesar de contemplar o ensino em escolas regulares na rede
pública, a legislação brasileira não define quem é o alunado, onde deve ser desenvolvida sua
escolarização e qual deve ser a relação entre a escola e o atendimento especializado.
Á explicação para tal afirmativa baseia-se na leitura da última definição de alunado constante

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das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica (2001), em que,
ao se utilizar uma linguagem “mais educativa” que não faz “referências as condições de deficiência
dos alunos”, acabou-se por colocar sob uma única denominação todos os alunos, com deficiências ou
não, bastando somente, para serem enquadrados como portadores de necessidades especiais,
apresentar dificuldades na aprendizagem.12

Art. 5° Consideram-se educandos com necessidades educacionais especiais os que, durante o


processo educacional, apresentarem:
I - dificuldades acentuadas de aprendizagem ou limitações no processo de desenvolvimento
que dificultem o acompanhamento das atividades curriculares, compreendidas em dois
grupos:
a) aquelas não vinculadas a uma causa orgânica específica;
b) aquelas relacionadas a condições, disfunções, limitações ou deficiências;
II -dificuldades de comunicação e sinalização diferenciadas dos demais alunos, demandando
a utilização de linguagens e códigos aplicáveis;
III - altas habilidades/superdotação, grande facilidade de aprendizagem que os leve a
dominar rapidamente conceitos, procedimentos e atitudes.13

Fica evidente a inexistência de uma definição que permita traçar limites entre uma necessidade
educativa especial causada por “limitações severas no desenvolvimento” e uma “dificuldade na
aprendizagem de natureza transitória”. Ocorrem, assim, muitas confusões no que se refere à
identificação do alunado da educação especial, que, na verdade, destina-se a alunos que apresentam
“graves limitações” pelo quadro que portam ou que apresentam dificuldades de inserção na rede
regular pelos mais diferentes motivos, afinal, recebem pela política a denominação de alunos que
apresentam “desvio significativo”.

Ora, como distinguir o que é significativo numa definição de alunado tão ampla e
imprecisa? Como essa indefinição afeta o contexto escolar?
Você conhece a rede pública de ensino? Conseguiria aplicar tal classificação? Quais
necessidades você percebe nesse contexto?

A necessidade de se oferecer qualidade aos alunos da rede escolar pública, de se redefinirem


terminologias e de se identificar o alunado da educação especial deixa evidente a premência de se
reformular o projeto de escola inclusiva introduzido em nosso país. O panorama atual mostra que as
contradições geradas pelas leis ocorreram em virtude da adoção dos princípios da inclusão sem um
consenso educacional, cultural, social e econômico que os legitimasse.
Ora, se, apesar da introdução dessas políticas inclusivas, ainda não é possível oferecer um
ensino de qualidade para todos, independentemente de suas diferenças e necessidades, será que
podemos falar de inclusão na forma como foi pensada na Declaração de Salamanca? Esta preconiza
uma modificação estrutural de toda a sociedade, a fim de tornar-se capaz não só de oferecer escolas
para todos, como também de reduzir desigualdades.
Observamos com isso que a inclusão, na sua forma original, propõe uma reformulação social
que parece extrapolar o âmbito escolar, pois demanda alterações que são de ordem governamental.
Há, esta é a verdade, inúmeros pontos obscuros que precisam ser definidos, quando abordamos
a temática da inclusão no ambiente escolar. Um dos pontos refere-se à definição de seu campo de
abrangência: a que se destina a inclusão? Estamos tratando da inclusão de indivíduos excluídos do
sistema escolar por apresentarem necessidades específicas de aprendizagem ou estamos tratando de
políticas sociais que tentam combater a exclusão social por meio da inclusão escolar?
Precisamos, isto é lógico, refletir sobre a construção de um modelo educacional que possa ser
coerente com nossa realidade e que extrapole o universo escolar. É necessário que todas as crianças

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possam estar na escola, sim, mas com a garantia de desfrutar, no âmbito social, de uma vida mais
digna, pois de nada adianta planejar- mos leis e políticas inclusivas voltadas para o ambiente escolar,
se não promovermos no social uma eqüidade econômica capaz de não só levar os alunos para a escola,
mas, principalmente, de reduzir a exclusão a que se acham submetidos inúmeros seres em nossa
sociedade.
Caso contrário, estaremos promovendo a utilização de termos ditos “democráticos” para falar
do óbvio: garantir espaço para as minorias - que em nosso país constituem a maioria. E, assim,
estaremos reproduzindo, com outro nome, um sentido dado pelas elites à educação: a responsabilidade
pelo crescimento dos índices de analfabetismo e exclusão social e educacional em nosso país,
problemas que, na verdade, não são atribuições da escola; não é a escola que irá resolver as mazelas
sociais.
Cruz, ao abordar a efetividade da política de inclusão, destaca o papel e os propósitos da
escola, afirmando que esta possui “funções e objetivos específicos” que jamais devemos esquecer ao
traçarmos qualquer programa educacional:
Ao nos reportarmos à idéia de incluirmos alunos que apresentam necessidades especiais na
rede regular de ensino, não podemos esquecer que a centralidade da questão reside no
processo de educação escolarizada dessas pessoas. É importante ressaltar esta afirmação à
medida que distorções relacionadas à maneira de abordar o tema inclusão podem conduzir à
super valorização da integração social em detrimento da escolarização dos alunos
mencionados. [...] A devida delimitação da responsabilidade a ser assumida pela escola
permite-nos enxergar com mais clareza aquilo que é e que não é nossa função, colaborando
assim para que sejam dirimidas confusões acerca das ambigüidades: assistência social X
14
assistencialismo X educação escolarizada X pseudo-especialização do ensino.

Por conseguinte, observamos que o lugar comum tomado pela legislação impede que sejam
vislumbradas as reais necessidades dos educandos.
No afã de desmontar alguns mitos, crendices e estereótipos, vêm sendo empregados nos
discursos de inclusão alguns conceitos que rapidamente se tornaram lugares-comuns. Destaca-
se, por exemplo, a idéia de que: (1) todas as pessoas apresentam diferenças umas em relação a
outras, fazendo crer que mesmo as mais graves patologias são apenas diferenças quaisquer;
(2) a ocorrência de anomalias faz parte da vida normal das pessoas (a ser diferente é normal”);
(3) a convivência entre o deficiente e o não deficiente, com ênfase no ato de aprenderem
juntos, fazendo crer que o simples fato de estarem juntos é necessariamente bom para todos.
Evidentemente, essas afirmações têm toda uma sustentação dentro de um contexto apropriado,
tornando-se, entretanto, motivo de preocupação quando esses conceitos passam a ser
utilizados de maneira descontextualizada e como se encerrassem em si alguma verdade
incontestável. E aponte-se que alguns dogmas da inclusão vêm sendo construídos.15

Mas, em verdade, a adoção da proposta da inclusão, ao democratizar o ensino, ampliando-o


para todos, acabou por colocar em pauta o funcionamento dos sistemas regular e especial, deflagrando
uma mudança de paradigma - é a escola que deve adequar-se à recepção de todos os alunos, e não os
alunos à escola.
Além disso, apontou diretamente para uma outra necessidade: repensar a prática educativa que
vem sendo efetuada nas escolas brasileiras, tanto no sistema regular quanto no sistema especial. Essas
discussões colocaram em evidência a construção da educação como capaz de educar com sucesso
todas as pessoas, de planejar leis e organizar sistemas escolares adequados a todos, bem como de
promover e fomentar reflexões sobre o papel da escola e do educador nesse contexto.

Que estratégias poderiam ser desencadeadas para oferecer qualidade aos alunos e
repensar a prática educativa?

Certamente que os princípios emanados pelas políticas inclusivas constituem um passo à


frente na conquista de uma sociedade igualitária e de uma escola mais democrática. Todavia, a

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realização total dessas metas está, no momento, distante, pois convivemos com uma realidade de
ensino carente de recursos (materiais e humanos)5 com professores desmotivados por inúmeras causas
(formação inadequada, baixos salários, péssimas condições de trabalho...) e com um crescente número
de alunos que abandonam o ensino escolar ainda nas séries iniciais.
Dessa forma, observamos que existe o risco de o termo inclusão, nesse caso, ser utilizado em
nosso país como mais um instrumento para manipular pessoas e opiniões.
Cabe ressaltar que não negamos a importância da inclusão para a nossa sociedade,
principalmente quando esta se propõe a resgatar direitos inerentes ao ser humano - de ir e vir; de
relacionar-se com os demais; de não ser discriminado; de ter condições iguais de acesso a serviços,
como educação, lazer, moradia e saúde.
Ao longo do capítulo, procuramos explorar a proposta da escola inclusiva no que tem de mais
democrática - promover igualdade em todos os sentidos, com o desafio de contemplar as
singularidades de cada um. A partir de agora, precisamos pensar a respeito de outras questões: Como
garantir um ensino de fato inclusivo? Como efetivar a inclusão? Quais as condições que essa
efetividade implica e exige em nosso contexto?

INCLUSÃO E EFETIVIDADE: ENTRE DESAFIOS E A MODIFICAÇÃO DA SOCIEDADE COMO UMA


NECESSIDADE

Sabemos que a escola para todos não é a escola de todos; as diferenças pessoais, sociais,
econômicas e políticas nos mostram isso todos os dias. Do mesmo modo, colocar todos os alunos na
escola não reduz desigualdades nem é exemplo de cidadania, uma vez que cidadania refere-se a
padrões morais e não educacionais. A escola não é o lugar mais propício para vivenciar igualdades,
muito pelo contrário; a escola que temos hoje tende a ressaltar diferenças, e é lá que elas são mais
ampliadas.
Entretanto, algumas possibilidades podem ser delineadas utilizando-se os princípios
preconizados pelas políticas inclusivas para a construção de um ensino de fato inclusivo,
principalmente quando se entende que a escola e a sociedade devem se adequar às necessidades e às
especificidades de seus alunos.
Se analisarmos as propostas das políticas inclusivas, veremos que estas ressaltam a
necessidade de mudanças de ordem estrutural, que vão do micro ao macroambiente, inserindo nesse
contexto a responsabilidade de todos e não atribuindo somente à escola o mérito pelo sucesso ou
fracasso escolar. Elas cobram, assim, maior envolvimento de quem formula planos educacionais e
políticas públicas.
A descentralização administrativa do ensino, evidenciada pelo repasse de responsabilidades
das esferas federais e estaduais para os municípios na educação básica, pode contribuir com uma
melhor definição de políticas locais inclusivas, por favorecer a autonomia e a execução de
experiências educacionais firmadas no reconhecimento da comunidade, no perfil do educando e na
necessidade de promover mudanças para resolver problemas próprios.
Dessa forma, podemos concluir que a implantação de um ensino que possibilite educar de
forma inclusiva as diversidades impõe a construção de um projeto que não se dará ao acaso nem de
uma hora para outra e que não é uma tarefa individual. Ao contrário, trata-se de um trabalho coletivo,
que envolve discussões e embates entre as mais diferentes esferas (governo, sociedade, escola e
indivíduo), em que seja possível refletir sobre que escola queremos construir e que indivíduos
pretendemos formar. Devemos discutir, ainda, nesse contexto, a inserção na rede regular de ensino de
alunos com graves acometimentos psíquicos - como as pessoas com transtorno autista que, por
apresentarem características e necessidades específicas, requerem, na maioria das vezes, um
atendimento especial.

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ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE O ALUNO COM TRANSTORNO AUTISTA E A INCLUSÃO EM


SISTEMAS ESCOLARES

É possível inserir alunos com transtorno autista no modelo de escola inclusiva


preconizado pela Declaração de Salamanca?

Numa avaliação preliminar, a resposta a esse questionamento pode ser positiva, desde que
saibamos que aluno estamos inserindo, o que é necessário realizar em classe antes de inseri-lo e como
pode ser efetuada essa inserção, pois, dependendo de cada um desses aspectos, talvez cheguemos à
conclusão de que o aluno autista nem possa freqüentar uma sala de aula regular, mas possa estar, pelo
menos por algumas horas, dentro de uma sala especial com alguns outros alunos e um professor à
disposição.
Observamos, nesse sentido, a especificidade que a educação de alunos com autismo sugere,
mostrando o quanto é necessário ser criterioso, quando se trata da inclusão de alunos com
necessidades educacionais especiais, em particular o autismo.
Alguns autores afirmam que, independentemente do nível de dificuldade, todas as crianças
devem ser incluídas na rede regular de ensino, mesmo que em salas especiais. Outros autores
defendem a inserção do aluno em sala regular da escola regular a qualquer custo. [...]
Acreditamos que a inclusão de crianças com necessidades educacionais especiais por
apresentarem autismo deva ser realizada de modo criterioso e bem orientado, que vai variar de
acordo com as possibilidades individuais de cada aluno.16

Parte dessa especificidade pode ser explicada pelo próprio quadro comportamental
evidenciado nas pessoas com autismo, bem como pela demanda de formação de profissionais
qualificados para trabalhar na área.
Ao refletirmos sobre a especificidade de um atendimento educacional de alunos autistas e
sobre a necessidade de formação profissional adequada, percebemos a existência de dificuldades de
ordem teórica, estrutural e política nesse campo. Nos dias atuais, é possível observar a notória
ausência de pesquisas sobre autismo envolvendo escolas públicas, tanto da rede regular como da
especial. Alguns registros de estudos são encontrados na rede privada, alinhados a grupos e
abordagens distintas e voltados para a percepção de familiares de alunos com autismo.17
Esse cenário mostra que inserir alunos com autismo em escolas regulares da rede não parece
ser uma prática comum e muito menos de fácil implantação. O aluno com autismo apresenta
características individuais próprias que podem comprometer, por si sós, a execução de propostas
pedagógicas.
Conhecer como se manifesta o transtorno autista é certamente um primeiro passo para
conhecer o que tratamos e, assim, localizar as dificuldades individuais do aluno, que por ora só
afirmamos.
O transtorno autista está inserido entre os transtornos INVASIVOS do desenvolvimento e é
caracterizado por comprometimentos persistentes nas interações sociais recíprocas, desvios na
comunicação e padrões comportamentais restritos e estereotipados.18 Desse modo, é diagnosticado em
crianças que apresentam inaptidão para estabelecer relações normais com o outro, atraso na aquisição
da linguagem e, quando esta se desenvolve, uma aparente incapacidade de lhe dar valor de
comunicação. Essas crianças manifestam, na maioria dos casos, estereotipias gestuais e uma
necessidade imperiosa de manter imutável seu ambiente material, ainda que dêem provas de uma
memória freqüentemente notável
Esses sintomas costumam aparecer nos três primeiros anos de vida, podendo estar ou não
associados a algum grau de retardo mental Em casos específicos, podem ocorrer atrasos ou regressões

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no desenvolvimento psicomotor, além de perdas de habilidades e/ou funções já adquiridas. É um


transtorno encontrado em pessoas de todo o mundo e em famílias de qualquer configuração racial,
étnica e social19
Até os dias de hoje, não se sabe ao certo o que causa o transtorno autista, no entanto alguns
aspectos determinantes são: fatores psicodinâmicos e familiares, anormalidades orgânicas
neurológicas e biológicas, fatores genéticos, fatores imunológicos, fatores perinatais, achados
neuroanatômicos e bioquímicos.20
Com relação ao atendimento, existem várias estratégias que convergem na tentativa de
diminuir os sintomas comportamentais e auxiliar no desenvolvimento de funções atrasadas ou
inexistentes21 (tais como a linguagem, as formas de expressão emocional e as atividades da vida diária)
que podem ser de base psicoterápica, medicamentosa e educacional Essas formas de atendimento
podem variar de acordo com o caso e com a opção escolhida pelos responsáveis e pelos profissionais
envolvidos.
Algumas crianças com transtorno autista, quando inseridas na escola, tendem a apresentar
dificuldades na linguagem, no relacionamento interpessoal e de comportamento. As referentes à
linguagem podem ser observadas no modo como o aluno se expressa (oralidade, escrita) e recebe a
linguagem (compreensiva) ou em ambas. Muitos desses alunos são não verbais (não emitem palavras,
chegando até a serem confundidos com portadores de outras deficiências, como a surdez); outros
podem utilizar a linguagem de forma incomum, repetindo trechos de frases ouvidas, slogans e sons.22
Na área comportamental e de relacionamento interpessoal, o aluno com autismo pode
demonstrar dificuldade em memorizar seqüências e ocorrências do dia-a-dia ou ainda ter dificuldade
em expressar adequadamente sentimentos aos outros, como dor, tristeza e alegria. As conseqüências
dessas limitações no ensino escolar podem ser desastrosas para o aluno, principalmente quando é
inserido em classes regulares sem um prévio planejamento e monitoramento adequado.

Diante do que foi exposto, você considera que um professor sem formação específica
consiga estabelecer uma condição de aprendizagem em uma classe em que estejam
incluídos alunos com autismo?

A escolarização de alunos autistas, tanto no sistema regular quanto no especial, propõe


desafios constantes ao professor, pois requer que o docente avalie continuamente sua forma de ensinar,
devendo, muitas vezes, reformular planejamentos, adaptar recursos de ensino tradicionais e criar
estratégias pautadas na necessidade do educando.
Disso decorre a exigência de se promoverem na escola condições favoráveis para a recepção e
a educação desses alunos, o que passa pela formação do professor, pela ambientação escolar e pelas
adequações no currículo, aspectos que se constituem, assim, conforme o trecho transcrito abaixo, em
requisitos fundamentais para a escola regular tornar viável a inclusão de alunos com autismo:
Para viabilizar a inclusão na escola regular é indispensável contar com salas de apoio e
professores especializados para que seja realizada com êxito a inclusão desses alunos. Esse
professor especializado não necessita ser exclusivo de uma escola, podendo atender a um
grupo de escolas, mas deve ser especializado e saber realizar avaliações, organizar sistemas de
trabalho, avaliar sua eficiência, avaliar problemas de comportamento e definir estratégias, mas
principalmente deve saber demonstrar, atuando diretamente com a criança, tudo que quer
transmitir ao professor, seja este de uma sala especial ou de uma sala de ensino regular.23

Encontramos esse profissional especializado em nossas escolas?

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O que foi dito ressalta a importância de se promover uma adequada formação de professores
para atuar com alunos com transtorno autista. No entanto, em dissonância com essa afirmativa,
observamos na rede pública uma carência de professores preparados para atuarem com essa clientela.
As capacitações em serviço, bem como as formações na área, são restritas a grupos e/ou instituições
específicas, quase sempre na rede privada.
Nesse sentido, segundo Ferreira e Ferreira, um dos desafios a serem superados na construção
de uma educação inclusiva seria a estruturação de uma política de educação continuada para
professores da educação básica na perspectiva da diversidade.24
O Ministério da Educação e Cultura, por meio da Secretaria de Educação Especial (SEE), em
2003, começou a publicar uma série pedagógica destinada ao ensino de alunos com necessidades
especiais. A área de autismo foi contemplada para o ensino de crianças de zero a seis anos, com
comentários sobre identificação de alunos, avaliação pedagógica e estruturação de uma proposta de
ensino baseada no TEACCH18. Entretanto, não é comentado no texto o que pode ser feito com alunos
adultos que já freqüentam o ensino escolar há alguns anos.

Você conhece o funcionamento da rede pública de ensino em sua região?


Há projetos de inclusão em andamento?

Sabemos ainda que existirá sempre um pequeno grupo que, em razão do grau de
acometimento, não poderá participar da inclusão na rede regular de ensino, necessitando de um
atendimento especial Tal medida, contudo, de acordo com a Declaração de Salamanca, só poderá ser
adotada em caráter excepcional, indicada unicamente para aqueles casos em que fique claramente
demonstrado que a educação em escolas e salas regulares é incapaz de satisfazer as necessidades
pedagógicas e sociais do aluno, ou para casos em que essa não-participação seja indispensável ao bem-
estar da pessoa com deficiência ou das demais.25
Cumpre ressaltar que esse último grupo, embora não participe do sistema regular de ensino,
pode beneficiar-se das conquistas obtidas com a proposta de escola inclusiva, na medida em que a
aproximação desse caso com o das demais pessoas com necessidades educacionais especiais facilita a
inclusão de tal grupo no seio da sociedade e, conseqüentemente, o atendimento de transtornos e
deficiências que historicamente foram negligenciados por conta da marginalização.
À proporção que se aprofundam as discussões sobre a inclusão de pessoas com qualquer tipo
de transtorno ou deficiência, abre-se o leque de possibilidades no que diz respeito ao tratamento a
elas dispensado, buscando-se não apenas mantê-las vivas e em atividade, mas com qualidade de vida,
garantindo-lhes, pelo menos no plano proposicional, iguais condições de acesso a serviços essenciais.
Finalmente, verificamos, ainda, que o exercício da igualdade deveria consistir também em nos
prepararmos para aceitar as diferenças do outro e conviver com elas. Isso não é tarefa fácil, requer
muito além de legislações, capacitações e recursos - requer aceitarmos o desafio de nos confrontarmos
com as diferenças, nossas e do outro, de aceitarmos a responsabilidade de apostar e acreditar nas
possibilidades do aluno diferente que recebemos em nossas escolas. Essa responsabilidade é coletiva e
é uma tarefa de todos nós - educadores, comunidade e governo.

18 TEACCH (Treatment and Education of Autistic and related Communication-han- dicapped CHildren) - Sigla utilizada
mundialmente para caracterizar um método estruturado de ensino, surgido em 1966, nos Estados Unidos, que visa ao
tratamento e à educação de autistas e crianças com défkits relacionados à comunicação.

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CITAÇÕES POR CAPÍTULO

1 DECLARAÇÃO Universal dos Direitos Humanos, 1948. 11 FERREIRA, 2004.


2 BRASIL, 1988. 12 Ibid.
3 DECLARAÇÃO Mundial sobre Educação para Todos, 13 BRASIL, 2001b.
1990. 14 CRUZ, 2003, p. 56-57.
4 Ibid. 15 OMOTE, 2004, p. 7.
5 OMOTE, 2004; FERREIRA, 2004; FERREIRA; 16 ROS DE MELLO, 2003, p. 25.
FERREIRA, 2004; CRUZ, 17 MENDES; NUNES; FERREIRA, 2004.
2003. 18 FACION, 2002.
6 MEC - Censo Escolar 2002, citado por FERREIRA; 19 GAUDERER, 1993; LEBOYER, 1995.
FERREIRA, 2004. 20 KAPLAN; SADOCK; GREBB, 1997.
7 CAETANO, 2002; DECHICHI, 2001; LACERDA; GOES, 21 CINTRA et al„ 2001.
2000; LOPES, 1999, citados por FERREIRA; FERREIRA,
22 STAINBACK; STAINBACK, 1999, p. 112.
2004.
23 ROS DE MELLO, 2003, p. 25.
8 FERREIRA; FERREIRA, 2004, p. 25.
24 FERREIRA; FERREIRA, 2004.
9 BRASIL, 2001a.
25 BRASIL, 1994.
10 FERREIRA; FERREIRA, 2004.

REFERÊNCIAS DO CAPÍTULO

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 05 de outubro de 1988. Rio de Janeiro: Degrau Cultural, 1988.
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ATIVIDADE DE SÍNTESE

Para melhorar seu aprendizado, faça uma síntese das principais ideias contidas neste capítulo.
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Capítulo 3

A DEFICIÊNCIA INTELECTUAL E A EDUCAÇÃO CONTEMPORÂNEA

Uma análise dos sentidos da inclusão escolar


“A escola tem que ser esse lugar em que as crianças tem a
oportunidade de ser elas mesmas e onde as diferenças não são
escondidas, mas destacadas.”
Mantoan

O desafio que nos é colocado pelo tema deste módulo - educação inclusiva particularmente
por este capítulo dirigido à área da deficiência intelectual, implica a revolução dos paradigmas
vigentes no processo de ensino-aprendizagem em nossa época. Extrapola o domínio técnico-teórico
para se inscrever nos campos ético e político, colocando-nos em profunda indagação sobre nossas
práticas diante da fronteira tênue a que nos remete entre o acolhimento e o abandono.

O que significa essa mudança de paradigma?

As formas de pensarmos o conhecimento, na modernidade, levam-nos a entender a deficiência


mental como uma descoberta da ciência moderna, com seus avanços produzidos nos diferentes campos
do saber, fruto do progresso, resultado da evolução. Esse pensa- mento, contudo, cria zonas de
visibilidade que nos possibilitam entender a deficiência como fato da natureza dos homens, descoberta
pelos métodos de investigação científica, impedindo-nos de compreendê-la como efeito das formas de
relação e organização social moderna e contemporânea. Ao analisarmos os progressos que fizemos
com as descobertas de novas técnicas, novos métodos, constatamos também que incrementamos
procedimentos que justificam a separação da educação dos deficientes mentais. Nessas práticas, o
diagnóstico tem sido o fator determinante para a tomada de decisões sobre, antes de qualquer outro
aspecto, onde devemos educar essa criança.
O raciocínio se inverte com a educação inclusiva, segundo a qual a criança deve ser educada
preferencialmente na sala de aula regular, sendo-lhe asseguradas condições metodológicas para que
sua aprendizagem ocorra. Não é mais a criança que deve ser responsabilizada pelos seus déficits, mas
é a escola que precisa estar preparada para educar a todos. É aqui então que nos perguntamos:

Estamos preparados para ensinar a todos; inclusive àqueles que pensam de forma
diferente?

Dessa forma, é adequado conduzirmos nossa reflexão sobre deficiência intelectual e educação
inclusiva de modo a retratar a transformação dos conceitos, inserindo-os no contexto de nossas
práticas e relacionando-os aos discursos dominantes sobre a escola e sobre a criança.

DEFICIÊNCIA INTELECTUAL: O CENÁRIO HISTÓRICO; A TRANSFORMAÇÃO DOS CONCEITOS E AS


PRÁTICAS SOCIAIS

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A análise histórica do conceito de deficiência explicita mais que a evolução de um conceito


científico: traduz também a atitude das diferentes sociedades e culturas para com seus membros.
A obra de Pessotti1 reconstitui essa história, dando-nos caminhos para compreender a
construção do conceito de deficiência mental na história da humanidade, desde as práticas presentes
nas sociedades antigas e medievais, que pregavam a eliminação ou o abandono dos deficientes
mentais, considerados subumanos, passando pelo cristianismo, quando, então, eles ganham alma no
plano teológico marca CARIDADE-CASTIGO define a atitude medieval diante da deficiência. A caridade
protege o deficiente no asilo e também o esconde e o isola; por outro lado, o castigo o protege, é a
forma de salvar sua alma. Com o Renascimento, a ênfase no conhecimento científico torna-se a
principal diretriz dos procedimentos médicos realizado, com aqueles que começam, naquela época, a
ser vistos como doentes. A deficiência passa a ser entendida como uma moléstia física sendo suas
manifestações comportamentais os seus sintomas. Com a doutrina de médicos, anatomistas e juristas,
começa a ser construído um novo conceito de deficiência intelectual, no qual predomina a natureza
organísmica.
No enfoque médico, a deficiência foi conceituada como OLIGOFRENIA (“pouca mente”),
representando um conjunto de sintomas presentes em grupos bastante heterogêneos de anomalias,
provenientes de etiologias orgânicas diversas e sempre relacionadas a déficits irreversíveis da
atividade mental superior. As pessoas com deficiência intelectual eram classificadas pelo grau de
comprometimento de sua atividade mental, sendo consideradas irrecuperáveis e sua deficiência
irreversível. Seu destino eram os asilos e os hospícios. As diferentes patologias incorporadas pelo
quadro de deficiência intelectual eram consideradas gradações de um quadro de degenerescência
familiar e de transmissão genética, constituindo-se, assim, o domínio da teoria eugenista.
Segundo Ceccin2, a virada na informação sobre a deficiência intelectual ocorre quando seus
determinantes são procurados na história das experiências das pessoas com deficiências. Nesse ponto a
história se bifurca. De um lado, surge o organicismo, que marca o fim do dogma teológico na
deficiência Intelectual, capturando-a, no entanto, pela psiquiatrização. De outro lado, o pensamento
médico-pedagógico faz surgir a EDUCAÇÃO ESPECIAL por meio de iniciativas pioneiras como as de
Jean Itard, Edouard Seguin, Esquirol, Maria Montessori, Pestalozzi, Froebel e outros.
O início da história da educação especial influencia os trabalhos de pesquisa da primeira
metade do século XX, norteando os primeiros rumos da educação especial no Brasil. A teoria da
deficiência intelectual é abalada a partir dos progressos da biologia, da psicologia e da genética,
gerando ousadas iniciativas pedagógicas.
A psicologia ganha destaque, nesse cenário, com Alfred Binet, que iniciou a construção de um
conceito psicológico de deficiência intelectual com ênfase na inteligência humana, conferindo grande
expressão ao diagnóstico psicológico e rompendo com a determinação causai entre lesão orgânica e
deficiência intelectual. O conceito parte de um pressuposto da inteligência humana que permite
quantificá-la, tendo como resultado o Q.I. (coeficiente de inteligência), considera- do útil para
classificação e diagnóstico, bem como para prognóstico em termos de educabilidade. Com Binet, a
teoria da deficiência intelectual passa da medicina para a psicologia, o que significa, na história das
nossas práticas, a passagem dos asilos e hospícios à escola, especial ou comum.
Os progressos impostos por diferentes ciências permitiram substituir critérios qualitativos de
classificação - idiota, imbecil, débil - por critérios quantitativos de educabilidade (deficiência mental
severa ou profunda; deficiência moderada ou treinável; deficiência mental leve ou educável) e, mais
tarde, por critérios de avaliação psicopedagógicos baseados no desempenho observado em diversas
situações.
Mesmo assim, a sanha eugenista domina as primeiras décadas do século XX, deixando suas
marcas de segregação e reclusão. Então mesmo que algumas crianças com deficiência intelectual
sejam educáveis, entende-se que é conveniente vigiá-las continuamente e educá-las separadamente.

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Tanto a medicina quanto a psicologia e a pedagogia embaraçam-se em suas propostas de cura. Os


rótulos quantitativos ou os qualitativos servem para decretar o futuro e as oportunidades das pessoas
com deficiência.
Persistem características de um enfoque inatista, que prevê estabilidade no conceito de
deficiência, diminuição ou handicap. A concepção inatista deposita pouca credibilidade na mudança
do quadro patológico, compreendido como fundamentalmente orgânico e inerente à pessoa. Por trás
dessa perspectiva jaz uma concepção determinista, do desenvolvimento, sobre a qual se baseia
qualquer tipo de aprendizagem3. Com relação à deficiência intelectual, os déficits da atividade mental
superior são considerados irreversíveis e imutáveis. Contudo, sob a influência do ambientalismo, as
propostas de intervenção médico-pedagógicas são elaboradas com vistas às possibilidades de
educabilidade e adaptação social.
No Brasil, é possível afirmar que esse período também esteve sob o domínio das vertentes
médico-pedagógicas, subordinadas às práticas médicas, tanto no que diz respeito ao diagnóstico
quanto nu que se refere às práticas pedagógicas e psicopedagógicas, que, embora com ênfase em
princípios psicológicos, mantinham-se dentre de um modelo clínico. Este era dominante, estendendo-
se ao atendimento educacional, em que predominavam a institucionalização e a segregação.
A falta de respostas educacionais dos enfoques dominantes na primeira metade do século XX
faz com que sejam substituídos por outros enfoques psicopedagógicos, como o evolutivo, o
comportamental e o cognitivo, que avançam na segunda metade do século, todos com ênfase na força
do ambiente e da estimulação como forma de recuperação dos déficits com vistas à adaptação social.
A partir da década de 1970, com o principio da normalização e da individualização do ensino,
sob um forte discurso de democratização da escola, começam as preocupações com o fracasso escolar,
principalmente de grupos minoritários.
Nesse período, prevalecem, nas conceituações de documentos oficiais, as referências ao Q.I. e
ao comportamento adaptativo. Os critérios adotados no Brasil para a definição da deficiência mental
inspiram-se na classificação educacional com forte influência da definição norte-americana proposta
pela Associação Americana de Retardo Mental (AAMR), de 1983, a saber:

• caracteriza-se pelo funcionamento intelectual significativamente abaixo da média;


• origina-se no período de desenvolvimento;
• coexiste concomitantemente com limitações em duas ou mais áreas da conduta
adaptativa indicadas a seguir: comunicação, cuidados pessoais, vida no lar, habilidades
sociais, desempenho na comunidade, independência na locomoção, saúde e segurança,
habilidades acadêmicas funcionais, lazer e trabalho.4

Essa concepção estende-se até a década de 1990, mantendo-se o coeficiente de inteligência


(Q.I.) no centro da definição.
Já o denominado sistema 2002, também da AAMR, amplia a definição, dando ênfase a uma
perspectiva funcional da deficiência mental, considerada em cinco dimensões: habilidades intelectuais;
comportamento adaptativo; interações e papéis sociais; saúde e contexto5. Isso significou um avanço
no conceito, embora a perspectiva de inteligência, mesmo depois desse período, pareça ter muito a
avançar, pois o que observamos é que se reafirmam os dois critérios historicamente dominantes na
definição da deficiência intelectual: o CRITÉRIO PSICOMÉTRICO e o CRITÉRIO DO
COMPORTAMENTO ADAPTATIVO. Esses critérios foram indicados durante muitos anos como
elementos para o diagnóstico da deficiência, os quais se refletem na capacidade de aprendizagem e nos
padrões de independência pessoal e responsabilidade social esperados para a idade e o grupo social a
que o indivíduo pertence.
O CRITÉRIO PSICOMÉTRICO refere-se à medição da capacidade geral ou de aptidões específicas

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das pessoas e está refletido nos conceitos de Q.I. e idade mental. Críticas às definições pautadas no
Q.I, dirigem-se aos pressupostos nele contidos de estabilidade e imutabilidade, o que vem sendo
refutado pelos programas de melhoria da inteligência. Além disso, não se fornecem informações de
interesse educativo e prático que ofereçam subsídios para intervir pedagógica ou psicologicamente
com o aluno. Já o CRITÉRIO DO COMPORTAMENTO ADAPTATIVO refere-se à independência pessoal e
social que permita a adaptação do indivíduo a seu grupo familiar, escolar, de amigos, especialmente
em relação à comunicação, à locomoção e aos autocuidados.
As abordagens pelas quais se conceitua a deficiência intelectual passam do enfoque clássico da
medicina organicista para o enfoque psicopedagógico tradicional do Q.I. e das aptidões, incorporando
outros enfoques que contemplam o nível de maturidade psicomotora, o estágio do desenvolvimento
cognitivo, o repertório comportamental, o nível do pensamento conceitual, dependendo da teoria
psicológica utilizada como referencial. Em todos os enfoques, a deficiência é atributo da pessoa,
retratada em sintomas biológicos ou em diferenças em relação à população média. Trata-se de um
subproduto da inteligência, reificada, naturalizada e universalizada como uma entidade com existência
própria. As ações pedagógicas decorrentes desses enfoques elegem como questão central o diagnóstico
dos processos psicológicos do sujeito, como inteligência, memória, atenção e percepção, ou a
descrição e a análise dos comportamentos observáveis.
Os conceitos de inteligência e deficiência colocam ênfase no papel dos especialistas
(psicólogos, fonoaudiólogos, psicopedagogos), presença nuclear no diagnóstico e no tratamento dos
déficits, sem contribuir efetivamente com o planejamento dos programas educativos eficazes. As
práticas educacionais partem do pressuposto de que é preciso reabilitar, como uma precondição ou um
pré-requisito para inserir a pessoa na educação regular.

Diante disso, perguntamos: é possível produzir mudanças nos conceitos de inteligência


humana que nos permitam pensar outras práticas educacionais?

As críticas já tecidas ao conceito psicométrico do Q.I. apontam a necessidade de a inteligência


ser ressignificada. Como afirma Gardner6 em sua teoria das múltiplas inteligências, a inteligência não
se restringe a um fator geral, universal e quantificável e está longe de ser um conceito unitário. Vários
estudos sobre a inteligência humana sugerem a necessidade de incorporarmos outros conceitos às
práticas pedagógicas a fim de superarmos o conceito unitário e determinista do Q.I.
A epistemologia genética de Jean Piaget7 deixa pistas significativas para pensarmos de forma
diferente a inteligência humana, opondo o seu produto ao seu processo. O método utilizado por Jean
Piaget no estudo do desenvolvimento da lógica do pensamento diferencia-se radicalmente daqueles
decorrentes dos estudos de Binet, que deram origem ao conceito psicométrico. A explicação piagetiana
aponta para a troca do organismo com o meio por intermédio da ação física e mental.
A inteligência é processo dinâmico de ação entre o objeto e o sujeito, como já ressaltou Piaget;
múltipla, conforme a teoria de Gardner; mediatizada, como demonstrou L. S. Vygotsky8, e possível de
intervenção e modificação. A educação ocupa-se do que ser mediado à criança no sentido de que a
zona virtual de desenvolvimento tome-se, amanhã, zona real de ação cognitiva, passível portanto, de
análise sociológica, econômica e político-ideológica. Q - ato político-educativo deve ser prospectivo, e
não retrospectivo. Não deve ser baseado na falta, no déficit, no atraso, mas nas diferentes formas de
adaptação possíveis que a criança empreende por meio da mediação dos instrumentos semióticos da
cultura.
Nesse sentido, a avaliação das condições individuais de desenvolvimento intelectual e de
aprendizagem passa pelo crivo da analise crítica e sociopolítica-. Nessa análise entram em jogo o valor
e a natureza atribuídos às diferenças humanas. Quando as diferença explicam-se como capacidades

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naturalmente herdadas, essas capacidades cognitivas individuais são responsáveis pela trajetória
escolar e profissional dos indivíduos. Essa é uma boa forma de mascarar os aspectos macroestruturais
da realidade que costumam estar ocultados nas avaliações que sempre se reportam aos indivíduos, aos
seus déficits cognitivos ou ao seu baixo nível intelectual Em decorrência disso, justifica-se seu destino
escolar e profissional.
Essa constatação leva a pensar que as formas de abordar o diagnóstico da deficiência
intelectual requerem outro tipo de análise. Os modelos clássicos de diagnóstico da psicologia, que
tiveram grande influência dos modelos médicos, não procederam à crítica às concepções de
inteligência e de aprendizagem, reafirmando, assim, praticas deterministas que acabam por marcar o
lugar social dos sujeitos. Classificar a doença, identificar o Q.I. é, em última instância, contribuir com
a construção de sentidos que patologizam o aluno, que contribuem com a criação de rótulos e
estigmas, os quais acabam p compactuar com a segregação e a exclusão escolar.
A partir dessas críticas, diferentes abordagens sobre o desenvolvimento infantil e a
aprendizagem são trazidas pelo CONSTRUTIVISMO e pelo SOCIOINTERACIONISMO, revitalizando as
práticas de ensino-aprendizagem na escola e estendendo-se à educação especial. Essas abordagens
constituem um marco teórico de produção científica e impõem uma total mudança na compreensão
dos processos de aprendizagem, bem como no seu diagnóstico. Elas permitem construir panoramas
curriculares que aproximam mais a educação especial da educação regular, possibilitando aos
programas especializados a discussão voltada aos projetos pedagógicos e não apenas aos programas de
reabilitação. O que antes era analisado como uma “patologia” passa a ser visto como processo de
aquisição de conhecimento que implica construção por parte do sujeito que aprende. As dimensões
longitudinal e social, histórica e cultural, simbólica e concreta, aproximam desenvolvimento e
aprendizagem e revitalizam o campo de estudo dos problemas de aprendizagem, passando de um
modelo clínico-médico para uma dimensão educacional-construtiva que pode compor dialeticamente
uma ação educativa e pedagógica da deficiência intelectual
As metodologias mais clássicas utilizadas na área da deficiência intelectual com base na
psicomotricidade - dominantes na educação especial até a década de 1970 - vão se mesclando aos
modelos construtivistas, inserindo-se, assim, no debate das práticas pedagógicas do ensino regular. Os
programas de prevenção na educação especial representam um salto em relação à barreira entre
educação e saúde, e os programas profissionalizantes apontam a preocupação com a integração no
mundo do trabalho.
Entretanto, o procedimento metodológico dominante para a educação de pessoas com
deficiência intelectual até a década de 1990 é o diagnóstico e a classificação da inteligência,
transcendendo os limites da escola para se configurar em um ato político e social. A classificação
requer medida, portanto remete à escala de valores, fazendo referência à conduta adaptativa, à
sociabilidade, especialmente delimitando atitudes e práticas pedagógicas.
Finalmente, sob uma perspectiva social da deficiência, esse modelo de diagnóstico e
encaminhamento aos serviços especiais é questionado pela simples identificação e conseqüente
rotulação e segregação que produz, embora se responsabilize por integrar ao mesmo tempo em que
segrega.
A psicologia social, a sociologia e a antropologia contribuíram para que a deficiência passasse
a ser analisada como um fenômeno socialmente construído, reafirmando a falta de evidências das
condições limitadoras da maior parte da população considerada deficiente, bem como evidenciando os
processos de estigmatização decorrentes.
A forma de diagnóstico justificável, então, é aquela que se dirige ao ensino, por meio do qual
os dados educacionalmente significativos são levantados, a fim de que contribuam para o
planejamento e a implementação de programas educativos eficazes.
É a partir dessa época (década de 1990) que se produziram movimentos de enorme força, os

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quais impulsionaram uma profunda modificação na concepção da deficiência intelectual e da educação


especial A somatória de fatores que alavancaram tal mudança remete a dois elementos relevantes para
a construção de uma nova abordagem. O primeiro, do ponto de vista conceituai, faz emergir o termo
necessidades educacionais especiais, que vem substituir a tradicional terminologia da deficiência. O
segundo, diretamente ligado às práticas de integração escolar, acarretou mudanças notáveis na
conceitualização do currículo, na formação dos professores, nos métodos de ensino, bem como nas
atitudes e nas responsabilidades das administrações escolares. A ênfase recai nos problemas de apren-
dizagem, nos recursos educacionais e, logo, na capacidade da escola em oferecer uma resposta a suas
demandas. Apesar das inúmeras criticas que a nova terminologia sofreu, é importante reconhecer seu
valor histórico, que permitiu colocar a ênfase nas possibilidades da escola, abrindo caminhos para a
reforma do sistema educacional, no sentido de se dispor ao debate em tomo da inclusão escolar.
O conceito passa das posições individualizantes e das práticas de diagnóstico do Q.I e do
comportamento adaptativo para a análise dos discursos das instituições, seus poderes e seus saberes,
bem como seus efeitos sobre a experiência subjetiva em relação às diferenças. Essa análise, contudo,
retrata um discurso dominante na maior parte das instituições, segundo o qual a deficiência continua
dentro do indivíduo, descontextualizada e sem nexo social9. Esse tipo de análise aprofunda o debate
sobre a inclusão e assinala a revolução de paradigma que ela impõe, diferenciando-se, assim, da
integração.
A integração deposita no indivíduo a responsabilidade pelo seu sucesso, e as práticas
pedagógicas decorrentes implicam o conceito de prontidão, sendo o ensino especializado encarregado
de preparar o aluno para integrar-se no ensino regular. Este, por sua vez, pouco se compromete com o
processo, uma vez que essa prática alimenta a concepção de que a deficiência é um desvio das
habilidades individuais. O aluno deve adaptar-se à escola, e esta deve contemplar as melhores práticas,
professores e equipamentos. Os planos educacionais individualizados (PEI), originalmente
desenvolvidos nas escolas especiais, têm que ser simplesmente transportados para o ensino regular.
A inclusão, todavia, está muito além disso! Ela implica abandonar os paradigmas
individualizantes da deficiência, a visão essencializada das pessoas que a “portam”, bem como o
conceito quantitativo, abstrato e universal de inteligência, que a pressupõe como predeterminada e
imutável. A inclusão deve se colocar ao lado dos debates sobre a exclusão, procurando decifrar as
semióticas dominantes produzidas no intervalo das relações entre saber e poder, sob o efeito das quais
se constituem modos de produção subjetiva, representações identitárias individuais e coletivas que
definem a forma como os sujeitos interpretam o mundo e a si mesmos.
Nesse processo de mudança, a década que encerrou o último milênio gerou impacto com as
conquistas estabelecidas pela Constituição Federal do Brasil em 1988, que ressalta o dever do Estado
com a educação.
A nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, as Políticas Nacionais de Educação
Especial e especialmente a Declaração de Salamanca representaram um marco para as ações em
educação especial, uma vez que reafirmam o direito de todos à educação, inclusive das crianças e dos
jovens que não se encontram no sistema de ensino em função de suas necessidades educacionais
especiais, o que os diferencia da maioria dos alunos.10
Seus efeitos, contudo, geraram uma considerável celeuma para a implementação de novas
práticas. Por um lado, o sistema de ensino encontra-se despreparado para atender a toda a demanda
pressuposta, eximindo-se da busca de soluções e reafirmando práticas de exclusão que, em última
análise, conduzem à perpetuação do sistema de ensino, regular e especial, com fronteiras estanques.
Por outro lado, a educação especial, considerada parte integrante da educação geral, também deve
adotar o princípio de inclusão, que pressupõe que todas as crianças, jovens e adultos com necessidades
educativas especiais devem se beneficiar do ensino, preferencialmente no sistema comum de
educação.

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Você já pensou nos efeitos de risco dessa nova lei?

Constata-se que a instauração dessa nova lei, que pressupõe um outro paradigma - o da
inclusão -, desestabilizou saberes e poderes historicamente constituídos e cristalizados nas práticas pe-
dagógicas tanto da educação especial quanto da educação regular, retratando a força da barra que
historicamente separa normalidade e anormalidade.
Resta, entretanto, perguntar se a tarefa imposta à sociedade - de abrir-se para a diversidade - e
à escola - de superar seu furor normalizador e acolher as diferenças sem discriminá-las - é possível
Abrir as portas para a inclusão não significa simplesmente colocar alunos nas salas de aula do ensino
regular. O debate sobre a inclusão requer aprofundamento ético e político para pensar as diferenças.
Caso contrário, pode cair na desmemória e repetir-se em silenciadas práticas de exclusão.
A educação inclusiva na área da deficiência intelectual é o desafio que se descortina para a
escola do novo milênio. As pessoas a quem essa educação se destina, porém, não podem ser pensadas
como “possuídas” ou “portadoras de deficiência” ou ser fixadas nos rótulos instituídos por suas
identidades especiais. Os princípios envolvidos na tarefa de educar a todos devem ser regidos pela
ética e pela cidadania, com vistas a construir uma escola para todos e um mundo em que todos possam
ocupar um lugar especial
Segundo Ceccin11, “para evitar os perigos à ordem social, defender a sociedade instituída e a
economia política, a rejeição às pessoas com deficiência traduz a sociedade disciplinar, ou seja, a
sociedade da normalização”. Utilizando o conceito de disciplina de Foucault, o autor faz um balanço
do século XX concluindo que o discurso da medicina teve na deficiência intelectual a expressão do
furor normalizador, fazendo a mediação entre a soberania (a ordem do direito, as normas públicas) e a
disciplina (enquadre, seleção, separação normal- anormal). Como única saída à explosão da demanda
disciplinar-normalizadora de solução segregadora, ele propõe ousar acreditar que as pessoas com
deficiência intelectual sejam capazes de aprender também de ensinar a sociedade a capacitar-se com
elas, começando pela análise da radical recusa de escuta que essa sociedade tem nia nifestado para
com as pessoas com deficiência.
Sua proposta, então, é a de que se tensione o discurso da diferença onde ele tende à
segregação, à justificativa orgânica e à distinção de identidades. Instigar essa tensão é fazer emergir
ações, atitudes representações, conceitos que compõem a trama da sociedade disciplinar normalizadora
e operar com suas ressignificações.
A partir da proposta de Ceccin, passamos agora a uma análise da escola, a qual entra em cena
como principal protagonista da inclusão.

A ESCOLA - INSTITUIÇÃO NORMALIZADORA - E A MUDANÇA DE PARADIGMA: DA EXCLUSÃO À


INCLUSÃO

DOS INFRAPODERES HUMANOS AOS SUPERPODERES DA ESCOLA: UM DEBATE


NECESSÁRIO PARA A RESSIGNIFICAÇÃO DAS DIFERENÇAS HUMANAS E PARA O
ENFRENTAMENTO DAS POLÍTICAS DE IDENTIDADES ESPECIAIS NA ESCOLA

A escola representa a primeira instituição a ser incorporada na vida da criança depois da


família. Com seu caráter formal e burocrático, estabelece seus objetivos não apenas no que se refere à
transmissão do conteúdo do ensino, mas em uma constante vigilância das crianças e dos jovens,
organizando, assim, a experiência da vida prática da infância e da juventude. Não se trata da

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organização do conteúdo nem dos cuidados com a transmissão; trata-se, sim, da forma dada à
experiência dessas crianças e jovens e ao sentido que eles têm de si mesmos. A experiência escolar é
algo mais profundo e complexo que o processo de instrução.
A freqüência das crianças e dos jovens na escola adquire uma proporção que atinge quase a
totalidade dos países. É uma espécie de instituição total que, segundo Enguita12, apresenta-se diante
das mudanças e dos jovens como a única coisa séria que há nesse período de suas vidas.
Vários estudos realizados por historiadores e sociólogos da educação denunciam a função da
escola de legitimar a ordem social existente, socializar a força de trabalho de acordo com o lugar a ser
ocupado, estratificar e fragmentar o conjunto dos trabalhadores e reconciliar as pessoas com seu
destino social.
De maneira geral, dos representantes clássicos das ciências sociais aos pensadores atuais,
somos incitados a assumir um distanciamento para repensar a modernidade, a fim de entender o que se
passa em nossos dias, o invisível existente no discurso da educação e a trama disciplinar que constitui
a outra face dos supostos valores liberais e igualitários da escola.
Nesse sentido, Varela13 nos leva a olhar de forma rápida e esclarecedora a lógica de uma série
de mudanças inter-relacionadas entre si e que têm origem no Renascimento. Elas se referem ao campo
dos saberes, às relações entre poderes e saberes específicos, bem como entre eles e os modos de
subjetivação ou os diferentes tipos de identidades sociais que se instituíram.
Para a análise desses processos de mudança, a autora coloca como central a compreensão do
processo de “pedagogização dos conhecimentos”.

Mas o que isso quer dizer?


Com o Renascimento, uma nova concepção de infância é delineada, na qual a separação entre
o mundo do adulto e o mundo da criança é cada vez mais marcada. A criança torna-se uma
preocupação central da sociedade por representar o ser de amanhã, o que impõe aos moralistas e aos
humanistas da época a responsabilidade por gerir o futuro para o qual essa sociedade aponta. Daí a
necessidade n,. pôr em ação formas específicas de educação, dando origem a novas instituições
educacionais. Os saberes são organizados em diferente-, níveis, selecionados e submetidos a censuras
em função de seu caráter moral, evitando qualquer perigo moral para as mentes dos colegiais
Colocam-se em prática alguns procedimentos que gradualmente são aperfeiçoados no sentido de
conferir aos colegiais e aos saberes uma natureza moralizada e moralizante.
O processo de pedagogização dos saberes implicou a instauração de um “aparato disciplinar”
de penalização e moralização dos aluno, que ligou a aquisição da verdade e da virtude à ascese e à
renúncia de si mesmo. A disciplina e a ordem nas salas de aula tornam-se centrais no sistema de
ensino, chegando a eclipsar a própria transmissão de conhecimento.
No final do século XVIII, uma nova transformação, em conexão com esse processo de
pedagogização dos conhecimentos, é denominada por Foucault14 de disciplinarização interna dos
saberes. Sob um novo tipo de análise, ele retrata o múltiplo e imenso combate que se trava no campo
do saber em relação à formação e ao exercício de determinados poderes, o que implicou a
reorganização dos próprios saberes.
A partir dos postulados da economia política no que se refere ao desenvolvimento das forças
produtivas e à necessidade de governar os sujeitos e a população, o Estado empreendeu uma ampla
reorganização dos saberes, servindo-se de diferentes procedimentos. Per meio de instituições e agentes
legitimados (os professores desempenham papel destacado), e em face de saberes plurais, polimorfos:
- locais, pôs em ação uma série de dispositivos com a finalidade de se apropriar dos saberes,
discipliná-los e colocá-los a seu serviço. Uma rede de iniciativas e práticas aliadas à reestruturação do
campo do saber provocaram um desbloqueio epistemológico com a decorrente proliferação de novos
saberes.

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A velha ortodoxia de controle dos conteúdos é substituída por outra de controle mais rígido e
interno, desencadeando a passagem da coerção da verdade à coerção da ciência, da censura dos
enunciados a disciplina inscrita na própria enunciação.
De acordo com a análise de Varela, Foucault avança ao mostrar como a disciplinarização dos
saberes esteve intimamente ligada, a partir do século XVIII, a modos de subjetivação específicos. Para
isso, foi necessário colocar em ação tecnologias disciplinares destinadas a conformar sujeitos dóceis e
úteis ao mesmo tempo. A era disciplinar vai anunciar técnicas de vigilância, como medida preventiva,
para além da escola: prática de tempo integral.
Do ponto de vista econômico, e também político e social, a disciplinarização foi decisiva para
implantar os sistemas de democracia funcional existentes desde então nos países do Ocidente,
permitindo que se pudesse aceitar a rentável ficção de que a sociedade é formada por indivíduos
individualizados, por sujeitos isolados15. Eliminam- se, assim, as relações de poder, os conflitos de
classes, permitindo-se pôr em funcionamento o contrato social. Em decorrência disso, os Estados
aparecem como a expressão da vontade geral.
No século XIX, novas configurações no espaço escolar são delineadas e a correspondência
entre idade e classe vai fixando cada vez mais a perspectiva de separação, assistência individualizada,
classes menores e mais homogêneas.
A disciplina constituir-se-á como um marco entre a escola tradicional autoritária e a escola
moderna democrática, sem deixar para trás as reivindicações morais do humanismo, colocando em
marcha os mecanismos que a sociedade capitalista possui como um de seus pressupostos - o indivíduo
autônomo -, com a finalidade de aumentar o domínio de cada um sobre si mesmo, sobre o próprio
corpo. Trata-se da produção do sujeito individualizado e autoconsciente que somos nós.
Todos os processos que subjazem à pedagogização dos conhecimentos e à disciplinarização
interna dos saberes tentam evitar que os conflitos sociais ocorram; que ocupem o lugar que lhes
corresponde nas instituições acadêmicas, no campo do saber.
Os saberes pedagógicos resultam, em boa parte, da articulação desses processos. As
classificações e as hierarquizações de sujeitos e saberes costumam ser aceitas como algo dado, como
“naturais”. Os dispositivos que pedagogizam as relações e os conhecimento produzidos na escola
levam a divisões e naturalizações que excluem a diferença, produzindo e reproduzindo divisões e
hierarquização que naturalizam saberes, transformando-os em verdades universais. Assim, são
estabelecidos o comportamento certo e o errado, o bom e o mau aluno. Em meio a essa lógica binária,
a diferença é o excluído. O próprio saber do professor é excluído em nome de um saber universal, que
a todos encaixa e submete.
Nesse sentido, a escola, instituição produzida e produtora de uma lógica homogeneizante,
favorece a produção da subjetividade mecânica por meio de uma maquinaria semiótica, revigorando-se
enquanto fábrica de socialização padronizada. Seguindo essa lógica, tudo o que foge à ordem
instituída, que rompe com as classificações maniqueístas, é visto e vivido como desordem.
Dessa forma, consideramos importante resgatar as marcas da cultura ocidental nas instituições
que se engendram na vida escolar, para redimensionar a análise da inclusão escolar. A analise da
constituição da escola ocidental leva-nos a refletir sobre as formas de subjetividade que então são
geradas, colocando o ser humano como co-produtor das amarras a que está submetido. A sociedade da
inteligência terá na escola a maquinação para o agenciamento da subjetividade do homem moderno.
Saberes disciplinares e disciplinarização dos sujeitos são as duas faces de um processo que
atravessa a organização escolar. No momento em que avançamos em direção às sociedades pós-
disciplinares, esse processo continua vigente por meio do currículo escolar.
Nos níveis iniciais do ensino, há o rompimento da organização por matérias fechadas em
direção a unidades temáticas. Contudo, o controle dos saberes e dos sujeitos continua repousando em
códigos psicopedagógicos de seus representantes, que reclamam para si o conhecimento da criança.

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Estabelecem-se, assim, os estágios de desenvolvimento e capacidades cognitivas em função de um


pretendido processo de maturação mental, constituindo-se uma espécie de pós-normalização dos
sujeitos e dos saberes. Os saberes - objeto de transmissão - são sacrificados em favor das destrezas
cognitivas.
Essa racionalidade necessária para corrigir e transformar a realidade da infância, com vistas à
maturidade, à autonomia e à liberdade, instituída por uma temporalidade linear que aponta para o
futuro, acaba por consolidar práticas sociais que subtraem o múltiplo e os conflitos dele decorrentes no
campo da formação e da produção do conhecimento. Tal maturidade requer entrada no
disciplinamento, o que faz com que a cidadania seja entendida como submissão a regras
transcendentais. Segundo a análise de Rocha16, a escola partilhará com outras organizações a tarefa de
acionar o acelerador do tempo social, estruturando-se como mais um território veiculador do sujeito da
moral, tendo nos padrões de normalidade a forma de prevenir o patológico, equalizar as distorções
sociais e, em última instância, preparar o homem para o trabalho.
Nessa intrincada rede de constituição subjetiva, há a produção de um tipo de trabalho ao
mesmo tempo material e subjetivo, presente nas relações familiares, escolares, nos meios de
comunicação de massa, uma sobrecodificação que traz a ilusão da unidade do eu, de um equilíbrio
interior, “fazendo viver o estranhamento como ameaça de desintegração” Essa ilusão de unidade do eu
funciona como defesa da manutenção de si mesmo, como se não fôssemos sempre “diferença” Para
esse homem da moral, o problema, o conflito, a crise “não se constituem em índices de mudanças”,
mas em “sinalização de caos e loucura, desordem”17.

Como poderíamos relacionar essa idéia ao movimento histórico de separação entre o


normal e o anormal?

Ao tratar da polêmica questão da inclusão na escola moderna Veiga-Neto18 refere-se à


construção moderna da normalidade, segundo a qual, sob uma denominação genérica, os anormais
abrigam-se em diferentes identidades, cujos significados se estabelecem discursivamente em processos
atravessados por relações de poder. Dessa dinâmica decorre o caráter instável e flutuante dessas e de
outra; identidades culturais. Assim, é crucial entender que os anormais não são, em si ou
ontologicamente, isto ou aquilo nem se instituem em função do que se poderia chamar um desvio
natural em relação a uma essência normal; trata-se, isto sim, de saber como se efetua a partilha entre o
normal e o anormal. Essa partilha não exprime uma lei da natureza, mas tão-só pode formular a pura
relação do grupo consigo mesmo. Ela é fruto da ampliação e do refinamento dos saberes sobre a
diversidade humana.
Na modernidade, as marcas da anormalidade vêm sendo busca- das em cada corpo, para que
depois lhe seja atribuído um lugar intrincadas grades das classificações dos desvios, das patologias e
das deficiências, das qualidades, das virtudes e dos vícios. O que o autor coloca como novidade, no
entanto, é a inversão da lógica com que o neoliberalismo vem operando nesse processo: a atribuição
de uma marca não propriamente a um corpo, mas a toda uma fração social, para que se diga a
qualquer corpo dessa fração que é normal ou anormal pelo fato de pertencer a essa fração. Ou seja, o
critério de entrada é não apenas o corpo, mas o grupo social ao qual esse corpo é visto como
indissoluvelmente ligado.
Assim, a análise das formas com que a modernidade atribui sentido à diversidade oferece
alternativas que vão da pura e simples negação abstrata dos anormais (como as descritas pelas
diferentes formas de racismo), que tem como resultado as práticas de exclusão radicais, passando por
alternativas como o recurso à proteção lingüística dada por meio de algumas figuras de retórica -
“portadores de deficiência” - ou pela naturalização da relação normal-anormal, o que leva a pensar a
norma em termos naturais e a colocá-la ao entendimento e à administração dos especialistas. O autor

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propõe-se correr o risco de submeter essas questões a uma hipercrítica, contribuindo com reflexões
sobre o caráter ambíguo que as políticas de inclusão podem assumir, em especial ao decidirem se os
anormais podem ou devem se misturar com os normais nas escolas.
Ao desnaturalizar essas questões, ele nos mostra o quanto são contingentes, justamente porque
advêm de relações que são construídas social e discursivamente. As dificuldades enfrentadas não são
de uma suposta natureza das coisas - de alguma propriedade transcendental que presidiria o
funcionamento do mundo -, mas da forma como um arranjo é inventado para colocar em ação a norma
por meio de um crescente e persistente movimento de, ao separar o normal e o anormal, marcar a
distinção entre normalidade e anormalidade. O autor exemplifica com o conceito de nível cognitivo,
que atua como operador do movimento que marca aquela distinção, sendo, portanto, uma invenção, e
não um dado natural.
A lógica da divisão normal-anormal não é diferente da lógica que divide os estudantes por
níveis, aptidões, gênero, idade e classes sociais, que coloca em ação a norma como movimento de
separação entre normal e anormal e que, no fundo, produz, pela própria forma com que é organizado o
currículo na escola moderna, o efeito de fixar “quem somos NÓS e quem são os OUTROS”19.
Para Kassar20, a “concepção de modernidade deixa [...] suas contribuições nos rumos da
educação brasileira, trazendo implicações na forma de entender e promover a educação especial em
nosso país” sob as bases do pensamento liberal, que, aliado ao pensamento positivista, constituem
doutrinas filosóficas
[...] formuladas no decorrer do desenvolvimento das sociedades capitalistas industriais. Tanto
o pensamento liberal quanto o positivismo favoreceram a difusão da idéia de movimento
natural’ da sociedade, dentro de uma concepção de cientificidade e modernidade. Durante os
séculos XVIII e XIX, a valorização do método científico, a partir da exaltação do progresso
das ciências naturais, é incorporada por todos os campos do conhecimento [...].21

A influência (na opinião de Kassar) da visão liberal sobre a organização da sociedade


brasileira pode ser identificada na estrutura dos serviços de educação especial no País e nas decisões
sobre as políticas de atendimento. Grande parte dos atendimentos especializados fica a cargo da
administração privada, particularmente os destinados à população mais comprometida
socioeconomicamente. O setor público tem se ocupado com serviços ligados à rede regular de ensino,
como as classes especiais e as salas de recurso22. A organização desses serviços sustenta-se em
discursos que incorporam os conhecimentos das ciências naturais, cujas marcas estão presentes
também nas explicações sobre a deficiência intelectual, conforme expusemos anteriormente. Portanto,
a organização do sistema, sua divisão instituída historicamente para o atendimento na área da
deficiência intelectual, surge justificada cientificamente na necessidade de separação entre os alunos
normais e os anormais, na pretensão de se organizarem salas homogêneas.
A incorporação do pensamento naturalista às ciências humanas insere-se (reflete e refrata) na
análise da deficiência intelectual e do fracasso escolar de modo geral, retratando o valor do mérito
individual e difundindo a responsabilidade familiar como causa de problemas e de deficiências que se
tornam impeditivos da carreira escolar das crianças. “Na base da crença no movimento natural5 da
sociedade está o pensamento de que, como na natureza, devem triunfar os mais capazes, com o
desenvolvimento de suas potencialidades naturais (sejam elas biológicas ou socialmente herdadas).”23
A sociedade moderna consolida novas formas de organização social. O sistema econômico e
político que passa a triunfar, aliado à consolidação do método científico, engendra outros modos de
interpretação da realidade. Ê também nesse bojo que a liberdade, fundamentada juridicamente, ganha
sentido com base na igualdade, assegurando a proteção de determinados interesses em nome dos
interesses de todos os indivíduos. Nasce também uma outra ordem para explicar as desigualdades.
Essa ordem, inscrita em um ideal de ordem e progresso, acaba por definir um novo modo de conhecer
o ser humano, que o prescreve, que o idealiza e que, quanto mais o investiga, mais se distancia de sua

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vivência cotidiana.
A sociedade regulada e planificada acaba por submeter o ser humano ao mais estrito controle,
trazendo como conseqüência para as ciências humanas uma definição de homem que peca por omiti-
lo, ou uma ciência que o define pela sua ausência.
O que de fato constatamos são os efeitos da lógica homogeneizante presente nos discursos
escolares; nas inúmeras análises que insistem em buscar a deficiência da criança, ou sua falta de
inteligência, onde ela se Iguala a outras - nas fases, nas etapas e nas médias padronizadas, nas notas,
nos quadros patológicos, nas síndromes. São análise que descartam a criança, seu dizer, seu saber, em
favor de um saber que a delimita, que a prescreve para a vida e que a exclui.
Esse modo hegemônico de conhecimento atravessou o século XX de forma soberana,
especialmente na Instituição escolar, e de forma absoluta no trato das desigualdades decorrentes de
diferenças físicas, sensoriais, neurológicas ou sociais, produzindo seus efeitos sobre os corpos que
habitam a escola e fixando, assim, por meio de divisões e hierarquizações de saberes sobre os sujeitos,
as totalidades de normalidade e de anormalidade.

O que fazer então? Há indícios de mudança desse posicionamento?

A análise dos discursos institucionais escolares em sua relação com modos de subjetivação
específicos nos leva a delinear um outro rumo a seguir: encontrar um elemento de análise que permita
captar a singularidade humana que se revela em absoluta vinculação com o coletivo, sem deixar de
lado a complexidade com que se inscreve.
Bakhtin24 nos aponta como caminho a “análise dos sentidos”, a qual diferencia as ciências
humanas das outras ciências. Teorias como essa já nos convenceram de que é preciso restabelecer o
laço entre o homem e a vida e que esse laço só se instaura pela via da linguagem em sua dimensão
polissêmica, em sua potencialidade constitutiva e instauradora dos múltiplos sentidos que constituem a
vivência cotidiana do homem.
A análise dos conceitos de DEFICIÊNCIA INTELECTUAL a que nos propusemos aqui passou,
inicialmente, por sua identificação e reconhecimento em um quadro que se aproxima dos modos
dominantes de produção de conhecimento nas ciências humanas, atrelados , uma visão do ser humano
e da escola que prima por sua exclusão. Nosso desafio resume-se, então, ao compromisso de
desestabilizar sentidos cristalizados no conceito patologizante da deficiência intelectual, abrindo
caminhos para conceber a existência humana de forma singular, o que nos permite pensar a deficiência
intelectual como devir.
Desse modo, investigar o processo histórico da modernidade e a noção de deficiência
intelectual dele decorrente, seu surgimento e sua inserção nas práticas escolares contemporâneas,
coloca-nos diante da complexidade que a tarefa da inclusão nos impõe.
Ao aprofundar esse debate, constatamos que os conceitos e as práticas dominantes estão
respaldados em uma perspectiva que concebe o sujeito com deficiência intelectual de modo a buscar
sua essência, nesse caso, sua inteligência: ele é isto ou aquilo. Sua deficiência corresponde a um
desvio em relação a uma certa essência. As metodologias investem na tarefa de recuperar os déficits,
os desvios; em última instância, de normalizar a vida.
Ao tomar outra perspectiva, somos levados a pensar esses conceitos e essas práticas que
primam por identificar, reconhecer, enquadrar, determinar o outro e, assim, proteger a nós mesmos.
Somos levados a repensar nosso papel e nosso lugar nessas práticas e, por fim, nossa própria
existência, que se dá sempre na relação com o outro, na intersubjetividade. Abre-se, então, o caminho
para a ALTERIDADE.

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O “OUTRO” EM “NÓS": A ALTERIDADE É UMA CONQUISTA

Ao considerarmos a importância da escola na vida da criança, especialmente pelo papel que as


práticas discursivas desse contexto desempenham sobre suas identidades e a dos outros, entender ser
relevante desconstruir o caráter natural desses discursos especialmente no que diz respeito à díade
normalidade-anormalide, evidenciando-a como uma construção discursiva da modernidade. A
complexidade da experiência cotidiana requer permanente problematização em face da crescente
pluralidade de estilos de comportamentos e práticas sociais que alimentam a cultura emergente n?
imbricada rede de relações socioideológicas e intersubjetivas características das relações entre adulto e
criança na escola. A palavra revela o modo como os valores explicitam-se e confrontam-se nesse
conjunto, já que é aí que se dá, portanto, a manifestação do papel mediador da linguagem nos
movimentos da história, da cultura e do lugar que o sujeito ocupa nessa intermediação. A palavra é
também o caminho para se engendrarem as mudanças necessárias para ressignificar transformar
permanentemente a experiência humana no fluxo da história. Quanto mais aumenta a complexidade da
experiência contemporânea subjetiva no espaço escolar, mais o lugar social e discursivo, político e
ideológico ocupado pela criança faz parte de um movimento de construção e de degradação dos
sentidos, a ela atribuídos, nos diferentes campos das experiências de uma dada sociedade.
Na educação moderna, a concepção de sujeito unitário e autônomo circula entre os discursos e
as práticas pedagógicas, sujeito que conhece e é também objeto do conhecimento, sendo isso o que
permite a educação em massa de seres que são tanto objetificados quanto sujeitados. Contudo, a
natureza do ser que interpreta, representa, conhece e domina - sujeito racional, autopresente e
autônomo que ensina ou aprende - é tomada como dado inquestionável a ponto de ser tratada como
natural e invisível. Nesses termos, o poder da “razão moderna” contido nos discursos educacionais
constitui uma espécie de grade interconectada de relações de saber e poder, no interior das quais são
constituídos os sujeitos, simultaneamente, como alvos dos discursos (objetos e invenções) e veículos
de discursos (seus sujeitos e agentes).
A partir de tais regimes de verdade e sob a hegemonia da normalidade, a modernidade
construiu estratégias de regulação e controle da alteridade por meio de uma permanente localização do
lado externo lado interno dos discursos e das práticas institucionais estabelecidas, vigiando suas
fronteiras — “a ética perversa da relação inclusão/ exclusão” — opondo as totalidades de normalidade
por meio de uma lógica binária que procede a sua “imersão e sujeição aos estereótipos; sua fabricação
e sua utilização, para assegurar e garantir as identidades fixas, centradas, homogêneas, estáveis, etc.”25.
Assim, o estereótipo constitui uma das principais estratégias discursivas, que permite um controle
social eficaz, produzindo como efeito uma devastação psíquica sistemática na alteridade.
Isso quer dizer que, quando nossa relação com o outro está “pré- significada” pelos sentidos de
“imaturidade”, “deficiência” ou por outro estereótipo qualquer, passamos a nos relacionar com esse
outro a partir desses sentidos já estabelecidos. Ainda, agimos de forma a não lhe conceder nenhuma
possibilidade de expressão de sua singularidade. Nesse caso, a relação intersubjetiva é interditada, uma
vez que ali nada se encontra além de mim mesmo. Não há alteridade possível.
A profunda familiaridade entre identidade, estereotipia e mesmidade evidencia-se, então,
como estratégia política presente na complexidade da ação discursiva, atuando como forma de
controle da alteridade, como forma de vigilância das fronteiras que delimitam quem somos nós - os
normais - e quem são os outros - os anormais.
Portanto, vale a pena olhar outros campos que podem auxiliar-nos a compreender melhor as
relações de alteridade, as fronteiras entre os territórios próprios e estrangeiros, geográficos ou
simbólicos. A antropologia e, especialmente, os estudos sobre a colonização da América vêm se
mostrando campos privilegiados de visibilidade à questão da alteridade.

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Duschatzky e Skliar26 analisam as formas como a diferença e i diversidade foram anunciadas


pela modernidade, por meio de três versões discursivas sobre a alteridade.
Na PRIMEIRA, O OUTRO é a fonte de todo o mal. Os modos de narrar a alteridade são formas de
tradução - ler o estrangeirismo - ou de representação - denominação e descrição, regulação e controle
do olhar - que diluem os conflitos, delimitando espaços por onde transitar com relativa calma. Nesse
caso, a modernidade inventou a lógica binária e serviu-se dela, denominando de diferentes formas o
componente negativo da relação cultural: marginal, louco, deficiente etc.
O outro torna-se, assim, alguém necessário para justificar o que somos, pois nos permite
nomear a barbárie e nos assegurar de que os bárbaros não somos nós mesmos. O outro funciona, pois,
como portador das falhas sociais. O problema de aprendizagem passa ser do aluno; a deficiência, do
deficiente; a imaturidade e a incoerência, da criança. A forma como a sociedade ocidental representou
seus marginais está relacionada ao retrato de si; logo, a construção da identidade remete ao outro.
Nesse caso, uma questão significativa do discurso colonial é sua relação com o conceito de
fixação na construção e na invenção da alteridade. Fixação e representação paradoxal, pois, ao mesmo
tempo em que supõe rigidez e ordem imutável, supõe também desordem, degeneração, azar. É o caso
do estereótipo, estratégia discursiva que. simultaneamente, funciona como modalidade de
conhecimento e identificação e que vacila entre aquilo que está sempre em um lugar já conhecido e
esperado e algo que deve ser ansiosamente repetido. Assim, a diversidade deve despir-se de suas
marcas de identidade. A alteridade é utilizada para melhor definir o próprio território, que proíbe
formas híbridas de identidade, desautoriza a troca, nega a usurpação do lugar que corresponde à
normalidade.

Como podemos aplicar esse raciocínio à educação?

Na educação, o binarismo oficial levou à homogeneização de uma nação branca que substituiu
a população nativa por migrantes europeus, povoando de oposições binárias o sistema educativo, que
acaba colocando, de um lado, o desejável e o legítimo e, de outro, o ilegítimo.
No sistema educativo, sob a hegemonia da normalidade e da homogeneidade, a divisão entre
ensino regular e especial legitimou esse binarismo. A educação especial deriva dele. Sob a
legitimidade de um saber científico, os deficientes intelectuais são diagnosticados e suas identidades
anormais são reconhecidas e fixadas.
Como conseqüência, esse modo de tratar a alteridade trouxe para a educação formas expressas
ou sub-reptícias de exclusão, todas implicadas na intenção de descartar o componente negativo, o não-
idêntico. As formas segregacionistas de educação para deficientes intelectuais que se constituíram ao
longo da história da educação especial também podem ser entendidas nesse bojo.
Mas esse tipo de análise não parece responder mais aos modos contemporâneos de se pensar a
relação cultural, uma vez que os discursos sobre o direito à diferença e à diversidade vêm cunhando
com torça seu lugar no pensamento moderno e pós-moderno, com a forte presença das diferentes
versões do multiculturalismo, dando visibilidade à pluralidade cultural e colocando em
questionamento a hegemonia da normalidade. E, de fato, as nossas salas de aula parecem confirmar,
em muitas escolas, esse mapa multicultural, que remete ao politicamente correto, na medida em que
conta, no mínimo, com negros, deficientes, crianças de ma e outros considerados pelas políticas de
identidades como tendo identidades especiais.
Esse cenário aponta para o segundo modo de narrar a alteridade - aos outros enquanto sujeitos
plenos de uma marca cultural55 descrito pelas vertentes do multiculturalismo, e leva os autores a se
questionarem se esse novo modo não seria um reflexo profundo da crise da modernidade. “Não será,
então, sua resposta politicamente correta à desigualdade, às exclusões, aos genocídios etc.? Será o
multiculturalismo uma forma elegante que a Modernidade desenvolvei; para confessar sua

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brutalidade colonial?”27
Essas indagações nos levam a outra: as políticas de integração das identidades especiais não
poderiam também ser entendida- como a forma pela qual a escola moderna confessou-se e redimiu-se
de suas práticas de exclusão para com seus alunos inventariados como desviantes ou deficientes?
A idéia multicultural surge como confronto a posições homogeneizantes e em busca dos
direitos plurais, mas traz como problema a concepção das diferenças como entidades fechadas,
essencialmente construídas, que podem estender-se à análise das deficiências. O apelo das políticas
integradoras em relação ao “portador de deficiência” não superou a visão a respeito dos grupos
classificados como deficientes, tampouco seus níveis de classificação.
O terceiro modo de narrar a alteridade aparece como um discurso que reivindica a tolerância:
“o outro como alguém a tolerar” em face da intolerância estabelecida para com a vida humana e para
com a liberdade. Contudo, as formas de tolerância concedidas pela modernidade, como a assimilação
individual e o reconhecimento do grupo, sustentaram-se na igualação, e não na diferença, colocando
em risco a reconstrução dos laços sociais. Portanto, a tolerância não está isenta de ambigüidades. Ela
reaparece no discurso pós-moderno, deixar de mostrar-se paradoxal em seu convite à existência da
indiferença e, ao mesmo tempo, em aceitar os grupos cujas marcas são comportamentos antissociais e
opressivos. Ela debilita as diferenças discursivas e mascara as desigualdades, consagra a ruptura de
toda contaminação e revalida os guetos, ignorando mecanismos pelos quais foram construídos
historicamente. Não põe em questão os modelos sociais de exclusão; no máximo, amplia regras de
urbanidade com a recomendação de tolerar o diferente.
No caso da deficiência intelectual, alguns cenários como esse têm sido relatados com
freqüência. Crianças são colocadas nas salas de aula do ensino regular sem que se saiba o que fazer
com elas; no entanto, diante do apelo de tolerância, contido nos discursos que pregam o politicamente
correto, essas crianças lá permanecem, embora, muitas vezes, o silêncio e a indiferença venham
retratando a incapacidade da escola, dos professores, dos alunos e da sociedade em geral em lidar com
a chamada educação inclusiva.

Ela - a educação inclusiva - pode configurar-se, assim, como naturalização em face do


estranho e como extrema comodidade em face do familiar. Vai sua familiaridade com a
indiferença.
Este é o cenário de risco para a inclusão na área da deficiência intelectual: incluir sem debater
os modelos educacionais vigentes na escola, seus métodos sustentados em teorias psicológicas e
desenvolvimentistas para explicar as diferenças e diversidades humanas e seu sistema de avaliação que
remete seus resultados, cada vez mais, às competências e às habilidades individuais.
Desse modo, a análise da inclusão requer que se compreendam os sentidos contraditórios que
ela abriga, os quais precisam ser explicitados e confrontados. Enquanto lei, retrata um anseio da
sociedade em assegurar maior justiça e igualdade social. Instaura-se como lei a partir de um anseio
social das populações marginalizadas, porém ganha sentidos diferentes nos discursos distintos em que
circula, promovendo práticas também diferenciadas. A sociedade, sensibilizada pelo discurso da
inclusão, contradiz-se na medida em que se repete na massificação de valores que incorpora,
adormecendo diante dos efeitos que produz nas pessoas com deficiências, nas crianças em geral, em
seus próprios filhos.
Por outro lado, a inclusão vem se apresentando como um discurso totalitário, difundido
especialmente nos órgãos oficiais, que, ao interpretarem a lei, estabelecem direções que não
necessariamente vão a favor dos apelos sociais. Em casos extremos, vemos a inclusão interpretada
como obrigatoriedade de matrícula de todos os alunos na rede regular de ensino, configurando-se
crime o seu descumprimento. Nesse sentido, a inclusão pode tornar-se uma verdadeira utopia, apenas o

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ideal ou o ideário político de uma sociedade que convive em seu cotidiano com a violência, o
desemprego, a doença crônica, o desamparo à infância e a mais absoluta indiferença.
O que se conclui, no entanto, é que “o desafio pedagógico que a inclusão nos apresenta é
muito mais amplo do que aquilo que se revela no interior da escola regular. Requer consciência social
e política, mas especialmente uma atitude ética para com esse alunado”28, que ao invés de se sentir
acolhido, pode sentir-se abandonado em uma escola regular que não se encontra preparada para a
inclusão. Nesse ponto, qualquer atitude generalizável é um grande risco. O que pode ser produzido em
nome da inclusão é o retorno às mais sub-reptícia formas de exclusão.
Em nome do politicamente correto, a inclusão pode transfigurar-se como tolerância e
configurar-se como um tipo de sentimento próprio do mundo contemporâneo: a INDIFERENÇA. No
entanto, justificar a retirada da criança do ensino regular em função de seu diagnóstico de deficiência é
condená-la às velhas práticas de exclusão.

Então quais saídas temos?


Sem grandes utopias e sem esquecer o cenário contraditório em que o discurso da inclusão é
enunciado, o que não podemos perder de vista e que qualquer aluno pode aprender,
independentemente de condição, de sua classe social ou de sua deficiência. Essa possibilidade,
contudo, deve ser pensada de forma diferente, não a partir daquilo que uma deficiência determina
como limitação, mas, neste caso em particular, em se tratando de deficiência intelectual, nas diferenças
de abstração do pensamento. Aprender é um ato singular que requer criatividade, investimento e
credibilidade por parte de quem ensina.
A educação torna-se, assim, um bom cenário para nos Indagarmos sobre o quanto temos sido
tolerantes. Nas nossas escolas, as diferenças estão marcadas, há a assimilação, a fotografia é
multicultural, e as crianças com deficiências já compõem esse cenário. Entretanto, a operação
discursiva para fixar as identidades aos estereótipos repete-se como única ancoragem para ser aquilo
que se é - A IDÉIA DO MESMO, diferente de um conceito que possa pensar o sujeito sempre em relação e
em sua autêntica condição e direito de ser diferente, de ser OUTRO.
Á lógica da Identidade, no caso da deficiência intelectual, é a mesma da estereotipia e
funciona para se fixar aquilo que se é, como se não fôssemos sempre diferença. Dessa forma, as
relações estruturam-se e são estruturadas por analogias com o sistema, compondo os estereótipos,
Incompatíveis com movimentos de criação e com modos de subjetivação singularizados. A
homogeneidade produtora de identidades sociais acaba por criar um verdadeiro bloqueio às
transformações.
Eis aqui nosso desafio: enfrentar as políticas de identidade em suas parcerias com as
estereotipias que retratam a lógica dominante na modernidade, a lógica do “dever ser”, que institui
identidades normais e deficientes. É também a lógica que sustenta a própria identidade da educação
especial, constituída para atender aos “portadores de identidades especiais”, que justifica sua
existência a partir da fixação dessas identidades.
Portanto, em face do paradoxo que as políticas de identidades especiais nos colocam - aquilo
que se tem chamado de “politicamente correto” coloca-se o desafio que não podemos perder de vista:
possibilitar que se atravessem, em nossas práticas, linhas de alteridade, garantindo às pessoas um lugar
e um devir que rompam com os vetores de temporalidade e de estabilidade e possibilitem
subjetividade- singularizadas.
A conquista da alteridade resume-se, assim, em não sermos indiferentes ou tolerantes às
diferenças, mas em sermos capazes de estabelecer a distinção entre o que favorece e o que não
favorece a processualidade da vida, ou seja, em pensarmos em produzir outros territórios existenciais,
em que a diversidade seja acolhida e possa ganhar visibilidade.

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EDUCAÇÃO INCLUSIVA OU EDUCAÇÃO PARA TODOS: ESTAMOS PREPARADOS?

Você já pensou sobre onde estão as raízes da exclusão?

Ao pensarmos a inclusão a partir das reflexões que fizemos sobre identidade, alteridade e
exclusão social, constatamos que a exclusão começa muito cedo, antes mesmo de o bebê nascer. Suas
raízes estilo na pobreza, na moradia imprópria, nas doenças crônicas, no longo período de
desemprego. Diante dessas condições, são negados a essas crianças recursos e oportunidades
disponíveis às outras crianças muitas das quais enfrentam outros obstáculos decorrentes de gênero,
religião ou de sua deficiência. Mesmo crescendo em famílias com fortes laços afetivos, preocupadas
em prover-lhes uma vida melhor muitos começam e terminam sua infância em estado de exclusão
social e de baixo rendimento educacional, dando continuidade às condições que viveram desde cedo,
ao experimentar o desemprego, a pobreza e a doença ao longo da vida, por conta disso, a inclusão
requer discussões que não podem ocorrer no vazio social, e a formação dos professores não pode
acontecer sem referência aos contextos sociais em que irão ensinar, muito menos sem a preparação
para as parcerias que a educação especial inclusiva requer, sela com os país, seja com os serviços
especializados na comunidade, como os de saúde e os sociais. Essa talvez seja a mais importante
barreira a ser quebrada, de modo a favorecer o compartilhamento de informações e a superação das
lacunas entre os diferentes serviços e is famílias, muitas vezes responsáveis pela disseminação de
informações equivocadas e estereótipos de todas as naturezas.
Segundo Mittler, a forma de pensarmos a inclusão nos primeiros anos de vida apresenta um
foco estreito de referência às necessidades educacionais especiais desse período como sendo um
assunto para tratar das necessidades de crianças com deficiência. Estreito, na análise do autor, porque,
se queremos garantir que as necessidades das crianças com deficiência sejam contempladas em um
serviço, isso requer pensarmos de forma mais abrangente. Tais necessidades devem ser vistas no
contexto das questões políticas e financeiras referentes aos serviços destinados a todas as crianças,
pois “já passou o tempo de pedir coisas especiais para crianças especiais" precisamente porque faz
muito tempo que não há uma linha divisória clara entre crianças com e sem necessidades especiais”29.
Nesse sentido, o autor sugere que as parcerias no cuidado com a criança e com o
desenvolvimento na primeira infância, tanto para crianças com necessidades educacionais especiais
como para crianças com deficiências, devem considerar os seguintes aspectos:

• detalhes do apoio que será ofertado para garantir que todos os serviços de educação infantil
sejam capazes de identificar e atender as necessidades especiais;
• informação sobre cuidados com as crianças e sobre os serviços de educação infantil
disponíveis na localidade voltados para crianças com necessidades especiais ou com
deficiências (no Brasil, seriam equivalentes aos serviços de apoio dos órgãos públicos);
• planos de parceria para tornar os serviços mais inclusivos;
• detalhes a respeito de qualquer capacitação de especialistas disponíveis na localidade na área
de educação infantil e dc pessoas que atuam no âmbito dos cuidados com a criança com
necessidades educacionais especiais ou com deficiência (incluindo capacitação compartilhada
com outros setores);
• detalhes acerca de orientação e assessoramento disponíveis aos pais e aos profissionais das
áreas de cuidados com a criança (por exemplo, enfermeira, babá etc.) e de educação infantil para
crianças com deficiência ou necessidades educativas especiais.30

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Os programas que atendem aos primeiros anos da infância - maternal, creche ou serviços
especializados de saúde e de assistência social - devem se modificar em face da inclusão.

Como devem ser conduzidas e avaliadas essas mudanças?

Aspectos relevantes para a avaliação dessas mudanças podem ser Indicados, como a
modificação nos métodos dos programas, a fim de responder à presença da diversidade e preparar para
uma educação inclusiva. O planejamento compartilhado entre diferentes centros de serviços
especializados e os serviços de educação também deve ser considerado como indicativo de mudança,
bem como a participação dos pais e a capacitação permanente dos profissionais envolvidos, visando à
redefinição de seus papéis e de suas expectativas, tendo em vista a inclusão no sistema regular de
ensino “sempre que possível”
A escola especial também deve apresentar indicativos de mudança, redefinindo e ampliando
seu papel para desenvolver uma rede de especialistas de apoio. Também devem fazer parte desses
indicativos a implementação de políticas com ênfase em prevenção, a identificação precoce das
crianças em situação de risco e a articulação dos serviços necessários para o atendimento das
necessidades especiais, bem como melhores oportunidades para o desenvolvimento das equipes
multiprofissionais.

E como essas mudanças devem ser conduzidas e avaliadas no ensino fundamental?

Ao seguirmos o mesmo raciocínio sobre as necessidades educativas especiais pensadas em um


contexto mais amplo, também no ensino fundamental, constatamos que os critérios se mantêm, agora
com um maior compromisso em “responder à diversidade das necessidades de aprendizagem dos
alunos” e diante do desafio de “superar barreiras potenciais à aprendizagem e à avaliação tanto do
aluno quanto da turma”31. Por um lado, a educação especial traz uma contribuição para a sala de aula
por meio do PLANO DE EDUCAÇÃO INDIVIDUAL. Por outro, a escola é levada a repensar seus valores,
estabelecendo valores inclusivos e, assim, reestruturando sua organização, seu currículo, seu
planejamento e sua avaliação, de modo a superar suas próprias barreiras para aprender com as
diferenças e aprender a responder às necessidades dos alunos. Com essa reavaliação de valores e
práticas, a criança poderá freqüentar, preferencialmente, a sala aula regular, com apoio apropriado às
suas necessidades especiais o professor deverá ter oportunidade para o desenvolvimento profissional,
recebendo apoio apropriado.
Desse modo, podemos pensar que a “educação para todos” em especial na rede regular de
ensino, requer mudanças que extrapolam o nível técnico para Instaurar seu eco nas práticas Instituídas
no cotidiano, que funcionam como verdadeiros alicerces da cultura escolar ou das formas simbólicas
de relação. O fundamento da prática Inclusiva representa uma expressão de boa prática para todos os
alunos. Ela requer diferenciação do trabalho de sala de aula dentro do programa curricular comum,
ajudando, contudo, a escola a responder às necessidades de todos os alunos. Assim, o projeto político-
pedagógico da escola a posiciona em relação ao seu compromisso com a educação de qualidade para
todos os alunos, definindo em seu currículo opções por práticas heterogêneas e inclusivas.
Isso implica uma reflexão sobre a organização curricular que inclui o tipo de agrupamento, o
número máximo de alunos de uma sala de aula que terá pessoas com necessidades educativas
especiais, em particular com deficiência intelectual, bem como o número máximo de alunos com
problemas semelhantes por turma. Quanto aos objetivos educacionais, deverão ser traçados de forma
que sejam viáveis significativos, visando permitir a esses alunos um ambiente inclusivo de
convivência com seus pares.
No que se refere às metodologias e à organização didática das aulas, podem contemplar

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trabalhos em grupo que despertem valoro de cooperação e respeito e que possibilitem diversificadas
formas de expressão e não apenas a expressão oral e escrita.
Quanto aos conteúdos, todas as oportunidades devem ser ofertadas para que a criança com
diferenças em seus níveis de abstração de pensamento possa aprender. As mudanças que se fizerem
necessárias têm que ser decididas com a participação da equipe da escola e da equipe de apoio
multiprofissional que acompanha a criança, sendo organizadas sem prejuízo ao aluno. Devem partir de
uma criteriosa filiação do aluno e da análise do seu contexto familiar e escolar, identificando
elementos adaptativos necessários para o seu desenvolvimento. Isso pode Implicar a modificação ou
até mesmo a supressão de conteúdos, quando há discrepância entre as necessidades do aluno e as
exigências curriculares.
Trata-se de uma tarefa que não cabe exclusivamente ao professor. Assim, a seleção de
métodos pedagógicos apropriados pode combinar-se com as estratégias individuais de aprendizagem
de uma criança, em um contexto de trabalho de grupo. Desse modo, as diferenças individuais podem
permitir que todas as crianças participem das atividades e progridam em relação ao currículo.
Os princípios de uma APRENDIZAGEM COLABORATIVA devem reger a ética das relações entre
crianças, professores da educação regular e da educação especial e equipe pedagógica da escola, bem
como entre os serviços de apoio especializado. Esse apoio pode estar dentro da escola, como aquele
prestado pelo professor especializado, atuando como educador “itinerante”, ou da sala de recursos,
onde o aluno pode receber apoio individualizado no contraturno escolar. A escola eleve estabelecer
parcerias com outros serviços da comunidade que participam do atendimento aos alunos: serviços de
saúde, escolas e centros de atendimento especializados, entre outros. A colaboração entre esses
serviços e a escola serve como Indicativo da qualidade do processo de educação Inclusiva.
Chegamos, enfim, ao maior obstáculo à Inclusão na área da deficiência intelectual: a
AVALIAÇÃO. Ela pode seguir, de forma coerente, a mesma lógica flexível do plano educacional
individual, permitindo diversificadas formas de expressão e fornecendo indicativos dos processos que
devem ser retomados no plano pedagógico do aluno.
Se os objetivos e os conteúdos curriculares foram traçados para o aluno de forma diferenciada,
respeitando suas possibilidades e o tempo necessário para sua aprendizagem, que pode diferenciar-se
significativamente da de outras crianças, e se o professor pluralizou suas metodologias como meio de
beneficiar a todos os alunos, a avaliação torna-se uma ferramenta fundamental na promoção dos
ajustes necessários para garantir o desenvolvimento educacional do aluno.
Dessa forma, não é o aluno que deve adaptar-se à escola, mas, sim é esta que deve tornar-se
um espaço inclusivo, a fim de cumprir seu papel social e pedagógico na busca pela educação na
diversidade.
A educação inclusiva desafia as formas de exclusão e de discriminação, independentemente de
ter se originado como resposta da sociedade à deficiência, ao gênero ou à raça, à pobreza ou à
desvantagem social. É isso que a diferencia da educação das necessidades especial tal como era
trabalhada no final do último milênio.
No entanto, propor a educação inclusiva sem considerar a realidade de nossas escolas é, no
mínimo, uma atitude generalizável que não condiz com a ética de respeito às diferenças - uma
premissa básica da inclusão.
Neste ponto, algumas reflexões sobre o tema INCLUSÃO NO ENSINO FUNDAMENTAL são
necessárias. Para isso, vamos recorrer a uma pesquisa que desenvolvemos, em co-autoria com
Kafrouni, em escolas públicas do município de Curitiba visando a uma análise do- diferentes
significados que o termo INCLUSÃO vem adquirindo em nossa sociedade, bem como dos efeitos,
explícitos ou implícitos, que vem provocando em nossas práticas em educação. Lançamos alguns
questionamentos sobre os desafios que o processo de inclusão apresenta, tanto em uma dimensão intra-
escolar quanto em uma dimensão social mais ampla.

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Nossa pesquisa foi desenvolvida em escolas da rede pública de ensino do Estado do Paraná
com o objetivo de
compreender as principais necessidades dos profissionais da educação básica em relação à
inclusão de alunos com necessidades especiais na rede regular de ensino, prevista na nova Lei
de Diretrizes e Bases da Educação Nacional Foram feitos estudos de caso em nove escolas por
um período de três meses. [...] Os resultados da pesquisa indicaram que a maioria das escolas
investigadas não têm um projeto específico de inclusão, o que parece acarretar dificuldades
como rigidez curricular, metodológica e avaliativa, bem como falta de esclarecimento sobre
as necessidades educativas especiais. Observou-se também a necessidade de
instrumentalização dos professores para o atendimento de alunos com necessidades especiais.
Constatou-se que a concepção de aluno vigente na escola tende à homogeneização, o que é
incompatível com a inclusão. Assim, ainda é creditada ao aluno com necessidades especiais a
responsabilidade por seu aprendizado nas classes regulares de ensino. Pôde-se concluir que a
implementação da inclusão requer o preparo das escolas e dos profissionais da educação para
esta nova realidade.32

Esses resultados explicitam alguns pontos pertinentes para avaliarmos o processo de inclusão
na escola, pontos que parecem alinhar algumas direções que constituem desafios pedagógicos
permanentes para assegurar condições mínimas de acolhimento a crianças com necessidades
educacionais especiais em espaços escolares que se pretendem inclusivos. São eles:

• o conhecimento interdisciplinar necessário ao processo de inclusão;


• a flexibilização de métodos, de currículos e de processos avaliativos;
• as expectativas geradas pelas representações que circulam no interior da escola em
relação aos alunos com necessidade-, diferenciadas de aprendizagem;
• a possível modificação da forma racional e hegemônica de compreensão da infância;
• as concepções de ensino-aprendizagem centradas em conteúdos acadêmicos;
• a possível incorporação de processos relacionados a valora e atitudes.

A pesquisa constatou que


as escolas sentem-se despreparadas. Foram ouvidos depoimentos em que professores e outros
profissionais manifestavam-se contrariamente à inclusão, visto não terem apoio
governamental nem um estudo prévio para a implantação da proposta; outras vezes as
entrevistas demonstraram que a inclusão atualmente parte mais da iniciativa própria de alguns
professores do que de um projeto coletivo e integrado.33

Ao concluirmos a pesquisa, retornamos à leitura da legislação vigente e constatamos a


previsão para esses aspectos:
A nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei 9.394, de 20.12.1996), no
capítulo V, define educação especial como “modalidade de educação escolar oferecida
preferencialmente na rede regular de ensino, para portadores de necessidades especiais (art.
58). A oferta de educação especial é “dever constitucional do Estado” (art. 58, § 3o). Além
disso, a LDB prevê “currículos, métodos e técnicas, recursos educativos e organização
específicos”para o atendimento adequado de Necessidades Educativas Especiais (art. 59, I) e
professores de ensino regular capacitados para a integração desses educandos nas classes
comuns” (art. 59, III). [...]
O processo de integração [inclusão], entretanto, não é facilmente alcançado apenas através da
instauração de uma lei. Tampouco pode ser concluído rapidamente. Exige uma série de
medidas gradativas de reformulação do ensino que começa pelos já citados currículos e méto-
dos, [capacitação dos professores], e vai além. O atendimento de pessoas com N.E.E. na rede
regular de ensino exige dos seus profissionais conhecimentos produzidos em diferentes áreas
(psicologia, medicina, pedagogia, arquitetura etc.) para gerar um saber interdisciplinar.34

O processo de inclusão exige também a consciência da necessidade de luta por uma sociedade
mais sensível, que deseje conviver com a diversidade e com ela aprender. Quem sabe, a batalha pela
inclusão possa acordar o ser humano do assujeitamento homogeneizante a que se submeteu, criando
condições para a abertura de novos valores.

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Finalmente acreditamos poder responder a nossa pergunta lá do inicio: o que significa


mudança de paradigma no contexto da educação especial?
Mudar o paradigma significa pensar que queremos uma educação especial para todos e um
mundo especial para cada um de nós, em que nosso olhar esteja atravessado pela dignidade e pelo
respeito aos outros e às suas diferenças. Esse é um processo gradativo, que possui como pré-requisitos
ÉTICA e RESPONSABILIDADE.

EDUCAÇÃO E DIFERENÇA: O DESAFIO DE PENSARMOS EM FORMAS SINGULARES DE EXISTÊNCIA

Podemos começar esta parte de nosso diálogo perguntando: Será que estamos preparados
para implodir com o “continuum” da identidade ditos “deficientes intelectuais”?

Um bom desafio para começarmos a responder a essa questão seria pensar se podemos
encontrar outra forma de nomeá-los. Para nos certificarmos disso, podemos nos perguntar também se,
diante de uma criança com diagnóstico clínico de deficiência intelectual sentimo-nos preparados para
conduzir os encaminhamentos necessários, os métodos, o planejamento e a avaliação adequados.
Ao aceitarmos o desafio de estar sob o efeito do novo, precisamos aprender a aprender com a
diferença, para nos lançarmos na aventura inédita de nos descobrirmos na relação, fora das semióticas
dominantes que classificam nossos alunos, que os rotulam e os excluem. Preparamo-nos, então, para
produzir novos territórios existenciais para pensar de outro modo as diferenças; para pensar outros
meios de fazer, de viver.
A luta pela polissemia da expressão é essencial para fugirmos da lógica dominante, para nos
transformarmos não no veículo das semióticas dominantes, mas em alguém que possa aí interceder, fa-
zendo laços com forças que se abrem para o inesperado e possibilitando modos singulares de
subjetividade.
Passamos a relatar, a partir deste ponto, algumas práticas de alfabetização de crianças com
diagnóstico clínico de deficiência mental e que foram encaminhadas para classes especiais.
Escolhemos para essa exemplificação os casos de E. e R., duas adolescentes que freqüentaram
classe especial e estão atualmente integradas ao ensino regular 19.
O caminho metodológico percorrido com E. e R. passa pelas imbricações entre história de
vida, narrativa, relação com o mundo das letras (escola) e experiências de fracasso vividas diante desse
mundo, desse como pelo emocionante reencontro desses sujeitos com esse universo por meio da
literatura, do computador, da arte, o que as levou , a uma releitura do mundo.
O encaminhamento do processo de alfabetização vai ao encontro das discussões que fizemos
anteriormente sobre a deficiência mental, procurando superar o olhar individualizante ou biologizante
sobre as crianças, para compreendê-las no contexto das práticas sociais em que lhes são atribuídos
valores em função de suas diferenças.

19 Os relatos apresentados a seguir são resultado de uma pesquisa desenvolvida no Centro de Psicologia Aplicada da UFPR, o

qual oferece atendimento psicológico à comunidade, recebendo famílias que procuram ajuda em relação à aprendizagem
escolar de seus filhos. O trabalho de intervenção com as crianças é desenvolvido como parte do estágio profissional do Curso de
Psicologia da UFPR e tem como objetivo investigar dificuldades de aprendizagem, desenvolvendo novas formas de diagnóstico
e intervenção psicopedagógica com a criança e a escola, acompanhando-se os processos de aquisição e elaboração de
conhecimentos. Busca compreender as representações que o aluno tem acerca dos obstáculos encontrados em seu processo de
aprendizagem a partir da análise que ele traz das diferentes condições interativas que o compõem. Assim, a construção de uma
metodologia de investigação psicopedagógica e intervenção nos problemas de leitura e escrita dá-se sob uma concepção social
da infância e da aprendizagem. Os resultados parciais dessa pesquisa foram apresentados no II Fórum da Infância e
Adolescência (Pan et al., 1999), e os dados dos casos aqui relatados estão registrados no trabalho monográfico de Rocha (1999).

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Mas vamos à história de E.!

Na época em que foi realizado este trabalho, E. tinha 12 anos de idade e havia sido inserida na
3a série do ensino regular. Repetente da 1a série, na ocasião tinha sido avaliada por médico e
psicólogo, que a diagnosticaram como “deficiente mental leve”, sendo então encaminhada à classe
especial. Depois de seis meses freqüentando essa turma sem nenhum progresso na aquisição da escrita,
encaminharam-na para o Centro de Psicologia Aplicada (CPA) da Universidade Federal do Paraná
(UFPR).
As dificuldades enfrentadas por E. frente ao mundo da escrita refletem aquelas pelas quais
passou desde o nascimento: o baixíssimo poder aquisitivo colocou sua sobrevivência em risco - sua
mãe quase a abortou por fraqueza; permaneceu hospitalizada por baixo peso ao nascer; fruto da
décima primeira gestação da mãe, que chegou a abortar duas vezes, é temporã, sendo que uma
diferença de oito anos a separa de seu irmão mais novo.
As precariedades financeiras da família de E. a tornaram propensa a desenvolver doenças.
Além disso, vivia num ambiente provavelmente pouco salubre e apresentou-se ao CPA, por diversas
vezes, com escassa roupa e calçado impróprio em dias de muito frio. Outras vezes não compareceu aos
encontros marcados com a estagiária por falta de recursos financeiros para o seu deslocamento e de
um acompanhante, tendo dificuldades até mesmo para avisar antecipadamente, por telefone, a
ocorrência de tais impedimentos.
Evidentemente que, num ambiente com tantos problemas, não é de estranhar que os embaraços
de E. sejam não somente com o mundo da leitura, mas também com a leitura do mundo que a cerca e
oprime.
Um contexto desse tipo, no qual a luta pela sobrevivência certamente ocupa lugar central,
promove por si só um distanciamento entre a leitura do mundo e o mundo da leitura. Limitações em
nível de compreensão e de expressão (principalmente em termos de organização do discurso) puderam
também ser percebidas nos pais de E.
Para complicar ainda mais a situação, a chegada à pré-adolescência acentuou esses embaraços.
Acirraram-se cada vez mais os desentendimentos entre a jovem e seus pais (especialmente a mãe)
acerca de suas companhias, sobretudo quanto a uma amizade de infância. A impugnação de tal
amizade, fator importante na inclusão de E., surgiu em decorrência de boatos envolvendo o padrasto
da amiga, violento e alcoólatra, sobre o qual recaía a desconfiança de que teria engravidado a filha
mais velha.
Diante de tudo isso e considerando a forte religiosidade da família da menina, que tinha dois
irmãos catequistas e freqüentava a catequese, tornou-se compreensível a presença constante de
questionamentos acerca do bem e do mal, que por vezes surgiam personificados em Deus e no Diabo
(o capeta), os quais aparecem na temática do livro de pano confeccionado por ela, fruto de um sonho
que tivera.
Apesar disso, era notável a força de vontade de E. para se superar e tentar aprender. Isso ficava
mais evidente quando as dificuldades se acentuavam, o que provavelmente estava associado à sua
própria luta pela sobrevivência. A menina sempre se apresentou motivada para as atividades
ludopedagógicas e somente em relação à escrita é que esse esforço arrefecia, esquivando-se do contato
com qualquer tipo de material gráfico, como se estivesse desistindo de aprender a escrever. Até
meados de 1999, esta era a única atividade que ela evitava aberta e sistematicamente, sempre que se
lhe oportunizava escolher o que fazer: escrever, mesmo que a estagiária se oferecesse para lhe servir
de escriba. Para não frustrá-la ainda mais, uma vez que suas próprias precariedades já o faziam com
bastante freqüência, somente se teve acesso aos escritos da menina por meio de seus cadernos
escolares. Ademais, havia tanto a ser trabalhado em tantos outros aspectos que, de fato, não se

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mostrava imprescindível abordar diretamente a questão. Antes, o que se buscou promover foi o
respeito às demandas daquela jovem, a fim de que ela percebesse a estagiária como aliada em seu
processo de desenvolvimento.
Um dia ela nos contou um sonho, que a estagiária anotou achá-lo muito interessante, pois tinha
todas as características de uma ótima história. Foi proposto, então, que E. “brincasse de escritora
confeccionasse um livro de pano com a história-sonho. Surpreendentemente, ela acabou concordando.
Os aspectos pedagógicos mais interessantes do processo de manufatura desse livro foram as
vivências do rascunho (tanto do desenho quanto da escrita nele contida) como forma de organização
do pensamento e auxílio para a capacidade mnêmica; do erro como parte necessária à construção do
acerto; da contemplação dos prováveis leitores como elementos constitutivos do livro; do exercício da
organização espacial; da capacidade de análise e síntese (para escolher um desenho que se referisse ao
texto e o contemplasse); da capacidade de interpretação (por exemplo, no momento de confeccionar o
desenho da capa, E. pensou em desenhar o capeta dentro da casa, mas compreendeu que, se o fizesse, a
capa ficaria incongruente em relação ao conteúdo do livro, pois as personagens escondiam-se dentro
da casa).
Outros aspectos, contudo, parecem ainda mais dignos de destaque enquanto expressão da
riqueza dessa atividade: o exercício da contemplação estética (para escolher as cores e os materiais,
por exemplo) e, principalmente, a relação afetiva de E. com as personagens. Nesse sentido, com o
desenvolvimento da tarefa, ela passou de uma indistinção quanto a qual das meninas desenhadas a
representava para o oposto disso e, o que é ainda mais precioso, passou a caprichar mais no desenho
da menina que seria ela própria no livro, além de se desenhar, paulatinamente, menos infantilizada. A
bem da verdade, o auto-retrato, que fez a fim de ilustrar para os seus leitores a “autora” da história,
chegou a emocionar pela evidência de quão valorizada se encontrava sua auto-imagem, expressando
satisfação consigo própria.
Cumpre ressaltar que E. se interessou por costurar, também porque suas irmãs e mães o fazem.
Ela se manifestou bastante segura em relação à atividade, o que não era corriqueiro. Houve, porém,
certo momento em que ela se desinteressou da tarefa, mais precisamente quando havia confeccionado
a metade do livro, voltando a motivar-se apenas quando novos materiais (lantejoulas de diversas
formas, fios, olhinhos de boneca) somaram-se às agulhas, aos tecidos, às canetinhas e às tintas. Mas,
quando percebeu que havia outras possibilidades de expressão - diferentes de desenho, pintura e
colagem de tecidos -, recuperou-se definitivamente de seu desânimo, chegando a dizer: “Tava tão bom
fazer o livro hoje!”.
O conteúdo da história reflete as condições de vida dessa jovem, religiosa e sempre dividida
entre o bem e o mal: tinha cunhados “bons”, quando sóbrios, mas “maus”, quando bebiam e batiam em
suas irmãs e sobrinhos; viviam na pobreza, castigo injusto de Deus (nos termos do pai de E.), apesar
de serem religiosos praticantes; sofreram a morte violenta de animais de estimação.
E. achou interessante a idéia de reescrever o livro no computador: “[Escrever] no computador
é bom!”. Nesse momento o computador surgiu
como ferramenta que permite que a criança se torne escritora ou desenhista; ou melhor,
acrescenta novas possibilidades ao seu trabalho, permitindo que um texto ou desenho possa
ser distribuído [...]. Assim, a criança, ao utilizar-se do computador, passa a ver o seu trabalho
como algo muito parecido com a produção do adulto, em que a versão final não tem ares de
projeto, que precisa ser passado a limpo. [...] a tecnologia pertencente ao mundo profissional
do adulto transforma-se em brinquedo, aparelho-jogo, máquina lúdica, decretando a renova-
ção de sua existência.3S

Ante os excelentes resultados de suas empreitadas enquanto escritora e o reconhecimento tanto


em sua casa quanto no contexto escolar, E. encorajou-se a falar de seus sentimentos em relação à
escrita: “Não gosto de escrever [...]. Demora muito [...]. De fazer livro gostei Brincar de escritora é
legal!”

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A escola avaliou que, durante esse período do projeto, E. conseguiu deixar de ser
excessivamente “fechada” para apresentar-se “bem mais participativa e agitada” - no bom sentido:
“Pergunta mais, vai até a mesa dos colegas e ajuda[-os] quando sabe...” Observamos, inclusive, diante
do elogio de um colega, um redespertar para a sua faceta amorosa, adormecida diante das reprimendas
da sua família. Havia indícios de que, paulatinamente, E. começou a desmistificar a produção escrita.
O processo de confecção desse material constituiu um projeto de (re)inserção de E. no mundo
da leitura, porém de forma diferenciada e singular, pois representou não apenas a exercitação
puramente mecânica de habilidades consideradas fracas em crianças com deficiência intelectual, nas
quais a descrença em seus potenciais é o pior investimento. Tratou-se de um processo de resgate de E.
enquanto sujeito de uma história difícil, que teve possibilidade de ser compreendido, escutado.
Apesar de suas precárias condições de sobrevivência, de todas as opressões e de seu
sentimento de quase derrota diante do mundo d, leitura e da escrita, E. conseguiu superar-se e
vislumbrar um possível vôo, livre, ou quase: foi para a sala regular e novos amigos ampliaram sua
interação discursiva. Com isso, confirmamos que a alfabetização pode ser uma experiência de sucesso
e de libertação para muitas crianças, inclusive para aquelas que se apresentam sob efeitos do discurso
de uma “deficiência”.

Agora, vejamos a história de R.!

O segundo caso que vamos relatar retrata uma problemática semelhante. Refere-se a R.;uma
adolescente de 13 anos que freqüento v uma classe especial, passando, na época do nosso trabalho, a
freqüentar a 4a série do ensino regular.
Depois de cursar a pré-escola com cinco e seis anos, iniciou a 1a série do ciclo básico de
alfabetização e foi promovida para a 2a série por estar alfabetizada. Transferida para uma escola
municipal no meio do ano, foi retida nessa série e encaminhada para a classe especiais, onde continuou
a apresentar inúmeras dificuldades escolares. A escola procurou a ajuda do CPA, tendo sido recebida
pelo programa de apoio psicopedagógico.
Na infância, R. foi uma menina de rua. Sua mãe era garota de programa, e seu pai, que dela
cuidava, havia morrido muito cedo. Como passasse a viver na rua, uma conhecida de sua mãe - que
ficara sabendo de um casa que queria adotar uma menina - a encaminhou para essas pessoas, as quais
cuidam dela até hoje e que R. considera como seus pais.
Ao analisarmos a história de R., percebemos que sua vida, desde cedo, foi muito complicada.
Ela quase não queria falar ou escrever sobre isso. Notamos que essa era uma tarefa difícil e que,
quando fazia uma leitura de seu passado, narrando-o e escrevendo sobre ele, apresentava muitos erros
e muitas trocas de letras. Mostramos, a seguir, um texto produzido por ela sobre sua família natural:

Meu trimeiro nacinto


foi tam gostovo saber que eu ia nascer no munbo e a min mãe nem se tocava que tendro a
barriga estava eu também eu não era bagunceira só depois ela sentia um engoo quando meu pai
chegou. Mina mãe foi falar com ele que ela estava grávida. 20

O que observamos nesse texto é que falar de sua difícil história criava-lhe muitos embaraços
com as letras... era uma tarefa muito difícil.
Porém, seus embaraços pareciam bem menores ao falar de como se sentia na época, quando
dizia estar feliz e realizada na sua nova família. Gostava de falar de suas “paqueras” e, quando

20 Meu primeiro nascimento. Foi tão gostoso saber que eu ia nascer no mundo e a minha mãe nem se tocava que dentro da

barriga estava eu. Também, eu não era bagunceira! Só depois ela sentia enjôo... Quando meu pai chegou, minha mãe foi falar
que estava grávida.

Textos extraídos do livro: Inclusão Escolar e suas Implicações, de José Raimundo Facion. 55
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escrevia sobre o amor, sobre meninos, sua produção era bastante diferente, sem erros:

O amor no luar
Se você gosta de luar
Pensa no que eu vou falar
Olha o céu azul
Olha os pássaros cantando
E você será mais feliz
Sabe por que?
Eu amo você
Não vou te esquecer

Percebemos que, para essa jovem, a aprendizagem passou a ser um entretenimento, e a


inspiração provocada pelos seus sentimentos permitia-lhe presentificar-se no ato de ler e escrever, em
forma de expressão poética. Ela escrevia poesias e manifestava interesse em escrever romances.
Foi pensando no interesse de R. por assuntos relacionados à paixão que se colocou como
alternativa o trabalho com filmes. Inicialmente, foi escolhido Titanic e, a partir dele, surgiu o interesse
por produzir um livro sobre o filme. Naquele momento, introduzimos o trabalho com o computador,
pois, partindo-se da conscientização de que a escrita tem a função de dizer alguma coisa para outras
pessoas, o texto tem que se tornar acessível para o leitor.
R. não deixou de expressar as marcas de seu passado, porém pôde narrá-lo com menos
embaraços que antes. Foi por meio da linguagem em sua força constitutiva, que pôde narrar sua
história, reconstruir suas memórias, deparar-se com seus embaraços, refletir, transformar seu presente,
tendo uma nova inspiração diante do mundo da leitura e ampliando seus planos para o futuro. Ao
desembaraçar-se das marcas de seu passado, R. reconstruiu a consciência de si e de seu presente,
vislumbrando, por fim, um futuro, desejos e sonhos, inspiração e motivação, desprendimento.
Retornou ao ensino regular imites para aprender e parecia ter muita pressa, a ponto de a escola indicá-
la para o supletivo, a fim de que recuperasse o “tempo perdido".

Resta a pergunta: teria R. uma deficiência intelectual?

Tanto E. como R., a partir do momento em que entraram na escola, foram marcadas por uma
diferença crucial que separa dos demais os que não conseguem ler ou escrever. Suas trajetórias não se
diferenciam da de muitas crianças que ingressam nas escolas públicas brasileiras. Do fracasso na
alfabetização à busca de especialistas que possam explicá-lo, as duas passaram por um percurso
semelhante: AVALIAÇÃO DIAGNOSTICA E ENCAMINHAMENTO À CLASSE ESPECIAL.
O trabalho realizado na classe especial e o apoio recebido no CPA foram importantes para que
a ambas fossem oportunizadas formas diferenciadas de aprendizagem, rompendo e confrontando com
a forma estabelecida pelas semióticas dominantes na escola acerca de seus destinos.
A entrada na escola e a conseqüente inserção no mundo das letras e dos números nas
sociedades letradas são tratadas de forma tão natural que não conseguimos pensar que seja normal uma
criança não ler ou escrever após seus oito ou nove anos de vida. A aquisição da escrita e o
desenvolvimento das crianças estão construídos de modo tão natural nas expectativas de nossa cultura
letrada que tudo o que foge a essa perspectiva pode parecer anormal. As diferenças que as crianças
apresentam em face do letramento, por deficiências orgânicas ou sociais, acabam por moldar sua
experiência subjetiva n- escola, definindo os sentidos que atribuem à leitura do mundo e d- si mesmas.
E. e R. retratam a dura experiência diante do mundo dv letras. Entretanto, o que as aproxima é a força
investida para romper com aquilo que o futuro parecia lhes prometer, pressuposto em seus

Textos extraídos do livro: Inclusão Escolar e suas Implicações, de José Raimundo Facion. 56
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diagnósticos.
Pessoas como elas evocam a possibilidade de pensarmos um devir nos casos de deficiência
intelectual, o que coloca em questão as semióticas dominantes sobre esses sujeitos e seus efeitos sobre
nossa- práticas. Embora a deficiência intelectual seja considerada no conter das diversidades humanas,
os discursos a seu respeito que circulam na escola regular carregam a marca do imperfeito, fazendo
com que esses indivíduos sejam reduzidos às suas falhas, à sua “falta de inteligência", o que, de
alguma forma, acaba por inscrever-lhes em uma espécie destino predeterminado. É comum que
pessoas com esse tipo de diagnóstico permaneçam nas classes especiais, sem poderem romper com os
efeitos dos discursos que lá as enredam e prescrevem sua trajetória escolar. No entanto, com a história
dessas meninas, deparamo-nos com a construção e a desconstrução dessas formas instituídas,
possibilitando a produção de formas singularizadas de existência.
Os processos de ensino-aprendizagem que ocorrem em sala de aula são muito complexos.
Todos sabemos que uma grande parte das teorias de aprendizagem procura explicar modelos e modos
de ensino universais, dando a falsa ilusão de que podemos ter uma resposta concludente e definitiva à
pergunta: “Como ensinar?”
Por compreender o processo de ensino em sua complexidade, não podemos prescrever formas
de ensinar, tampouco pressupor fórmulas de aprender como chaves do processo ensino-aprendizagem,
ir:- sim fornecer elementos para a análise e a reflexão sobre a prática, permitindo uma melhor
compreensão dos processos que nela intervêm e a consequente avaliação sobre sua pertinência
educativa. Nos dois casos apresentados, a confecção de um livro de tecido, o computador, o vídeo, a
poesia apresentaram-se como recursos metodológicos preciosos para que as meninas encontrassem
meios de expressão diferenciados, que as levaram a resgatar seus laços afetivos, sociais cognitivos
com a leitura e a escrita.
É importante lembrarmos que tanto R. quanto E. receberam apoio especializado na classe
especial e no CPA, para que posteriormente pudessem ser reintegradas no ensino regular. Logo,
algumas perguntas podem surgir com as reflexões trazidas pelo paradigma da inclusão nesses casos:

Por que essas jovens tiveram que percorrer a trajetória de retirada do ensino regular,
para somente depois serem reinseridas? Teriam R. e E. conseguido aprender a ler e
escrever no ensino regular?
Essas perguntas não devem ser respondidas. Elas têm que persistir, inquietando-nos na
avaliação de nossas práticas e impedindo-nos de nos repetirmos na velha lógica: a criança deve ser
preparada fora do ensino regular para reintegrar-se a ele ou deve recuperar-se fora da escola dos danos
por ela provocados?
A pergunta deve persistir, a fim de possibilitar que a soberania da escola seja abalada,
colocando suas práticas em relação à diversidade humana em permanente questionamento, e também a
fim de nos inquietar no sentido de nos impedir de pensar que a inclusão é uma tarefa simples, que deva
ser implementada imediatamente. Ela pode tornar-se perigosa se assumida de forma superficial e
irresponsável, desconsiderando a realidade concreta de nossas escolas e o cotidiano das relações que lá
se estabelecem.

O pressuposto do paradigma da inclusão é o de que todos são capazes de aprender; a


aprendizagem pressupõe interação com o mundo, ambientes estimuladores e não
estereotipados.
O conhecimento depende da riqueza das experiências que forem oferecidas e é incompatível
com o enclausuramento oferecido pelos rótulos que as crianças carregam a partir de seus diagnósticos,
que determinam sua vivência subjetiva na escola e as convidam a ser sempre as mesmas, sob efeito de

Textos extraídos do livro: Inclusão Escolar e suas Implicações, de José Raimundo Facion. 57
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seus estereótipos.
O que as histórias de E. e R. podem produzir como conseqüência em nós é a possibilidade de
olhar a deficiência intelectual enquanto devir. A luta instigante de duas meninas que rompem com a
força dos modos instituídos de compreender a deficiência como déficit como falta de inteligência
permite desestabilizar as semióticas dominantes, viabilizando, com isso, formas singularizadas de
subjetividade, que surgem do atravessamento de linhas de alteridade.

CITAÇÕES POR CAPÍTULO


1. PESSOTTI.1984. 11. VARELA, 1994. p. 121.
2. CECCIN, 1997. 12. FOUCAULT, 1987. 24. Ibid.
3. MARCHESI; PALACIOS; COLL, 13. VARELA, op. cit. 25. Ibid., p. 129.
1995. 14. ROCHA, 2000. 26. CLASER, 2001.
4. AMERICAN ASSOCIATION ON 15. Ibid., p. 196. 27. MITTLER, 2003, p. 59.
MENTAL RETARDATION, 2002. Id. 16. VEIGA-NETO, 2001. 28. Ibid., p. 64.
5. GARDNER, 1994. 17. Ibid., p. 111. 29. Ibld.
6. PIAGET, 1990. 18. KASSAR, 2000, p. 42. 30. KAFROUNI; PAN, 2001.
7. VYGOTSKY, 1987; 1988. 19. Id. 31. Ibid.
NUNES; FERREIRA, 1994. 20. Id. 32. Ibid.
8. BRASIL, 1996; 1994. 21. Ibid., p. 43. 33. NOGUEIRA, 1998, p. 114.
9. CECCIN, 1997, p. 46. 22. BAKHTIN, 1992.
10. ENGUITA, 1989, p. 157. 23. DUSCHATZKY; SKLIAR, 2001,

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ATIVIDADES DE SÍNTESE

1- Faça uma pequena síntese do cenário histórico da deficiência intelectual pelos tempos.
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2- Como o conceito de inteligência influenciou e influencia hoje, nas práticas educacionais?
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3- Quais os principais marcos para as ações em educação especial? Quais mudanças eles trouxeram
para a educação especial?
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4- Você acredita que as escolas hoje estão preparadas para oferecerem a educação especial? O que
ainda é necessário fazer nesse sentido?
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Capítulo 4

O PAPEL DO PROFESSOR NA EDUCAÇÃO INCLUSIVA


Acho uma profissão sacrificada, mas faço porque gosto.
E quando vejo que um aluno aprendeu, compensa todo o esforço.
Gosto de desafios, encaro estes alunos com problemas que recebo
como um desafio a ser vencido. E algumas vezes dá certo...
Profa. C. - 4a série, citada por FONTOURA, 1994

O relato da epígrafe expressa com clareza o que este capítulo pretende abordar, convidando o
aluno a refletir sobre a dura realidade enfrentada pelos professores inseridos no modelo de inclusão. O
exercício do magistério, a cada dia, vem se tornando uma tarefa árdua. Os professores enfrentam todo
tipo de adversidades, desde baixos salários, falta de recursos, até a violência em sala de aula. Esses
fatores incidem diretamente sobre a qualidade de seu trabalho e em sua saúde física e mental. O
movimento de inclusão de alunos com necessidades educativas especiais nas salas de aula vem
agravando esse quadro, pois o professor, diante de demandas às quais nem sempre consegue
responder, ou por lhe faltarem recursos, ou por não estar capacitado para isso, sente-se sobrecarregado,
incapaz e adoece.
A associação entre as condições de trabalho e a ocorrência de doenças físicas e mentais em
profissionais de educação vem sendo estudada desde a segunda metade do século XX. Nesse contexto,
muitas pesquisas têm feitas sobre a influência da síndrome de BURNOUT e o adoecimento progressivo
dos professores.
O burnout é considerado um tipo de stress ocupacional, associado à alterações fisiológicas
decorrentes do stress. Os fatores relacionados à organização do trabalho são determinantes para o seu
desenvolvimento 21. Em razão da grande relevância do tema, vários estudiosos têm se dedicado a ele,
tanto no Brasil quanto no exterior.
Feigin, Talmor e Reiter, na pesquisa Factors relating to regular education teacher burnout in
inclusive education, tiveram como objetivo identificar os fatores ambientais que se relacionam ao
trabalho dos professores inseridos no modelo de inclusão e o desenvolvimento da síndrome de
burnout. Participaram dessa pesquisa 330 professores de uma escola do ensino fundamental. Para a
coleta de dados, foi elaborado um instrumento que continha questões sobre os dados
sociodemográficos, a síndrome de burnout, o Friedmarís burnout questionnaire, de 1995, e
características ambientais típicas dos professores que trabalham com alunos com necessidades educa-
tivas especiais, sendo este último tópico subdividido em quatro características: psicológicas,
organizacionais, estruturais e sociais. Ao final dessa pesquisa, foi constatado que os índices mais
elevados de burnout estavam associados às atitudes adotadas pelos professores em sala de aula, ao
acúmulo de função na escola, ao ato de ministrar as aulas e, por fim, ao elevado número de estudantes
com necessidades educativas especiais. Esses resultados comprovam, segundo os pesquisadores, que a
implantação do modelo de inclusão requer rigor quanto aos fatores relacionados à organização escolar
e à formação dos professores.1
Já Naujorks, em Stress e inclusão: indicadores de stress em professores frente à inclusão de

21 O conjunto de sintomas denominado burnout é considerado um tipo de stress ocupacional por tratar-se de uma síndrome

desencadeada pelas relações geradas no trabalho assistencial (LEVY, 2006; NUNES SOBRINHO, 2002; REINHOLD, 2002).

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alunos com necessidades educacionais especiais, investigou os efeitos da inclusão sobre os


professores que atuam ensino fundamental. Para tanto, foi realizada uma pesquisa com professores
distribuídos em 91 escolas da rede pública do município de Santa Maria - RS. O instrumento usado
para a coleta dos dados foi a versão adaptada e validada do inventário Faculty Stress Index - FSI de
Gmelch e colaboradores. Ao término da análise, a pesquisadora verificou que a falta de preparo dos
professores para o processo de inclusão foi a principal fonte geradora de stress, tendo sido sugerido
que a universidade, juntamente com as escolas, desenvolvessem programas de apoio aos professores,
tais como formação continuada e identificação e controle de sintomas físicos e emocionais.2
Os resultados dessas duas pesquisas apontam para alguns dos fatores que devem ser
arduamente investigados no que concerne ao exercício do magistério nos parâmetros da inclusão,
quais sejam a formação insuficiente do professor e condições de trabalho inadequadas. No entanto,
todos os problemas elencados não justificam, nem poderiam justificar, qualquer argumento contra o
processo inclusivo. Em uma sociedade democrática, solidária e fraterna, não é mais tolerável que a
qualquer ser humano, seja ele índio, pobre, negro, com deficiência etc., seja vetado acesso aos bens
públicos. A inclusão é um fato e não há como retroceder.

O PROFESSOR E O PROCESSO DE INCLUSÃO

Houve um período em que a profissão de docente era considerada um sacerdócio e o fato de


ser professor significava possuir uma identidade carregada de orgulho profissional e gozar de total
prestígio na sociedade. Porém, com as mudanças sociais, políticas e econômicas ocorridas nas últimas
décadas, tudo mudou, alterando significativamente o sistema educativo e o perfil do professor.
Segundo Esteve, as mudanças sociais determinantes para o aumento das tensões sofridas pelos
professores foram:

• a modificação do papel do professor e dos agentes tradicionais de integração social;


• as mudanças sociais em torno de sua figura;
• a incerteza acerca dos objetivos do sistema educacional e da longevidade ou utilidade
do conhecimento;
• a deterioração da imagem do professor.3

Nesse sentido, o professor é diariamente desafiado a corresponder às novas expectativas


projetadas sobre ele, apesar da carência de recursos materiais, das limitações das renovações
pedagógicas e da escassez de material didático, componentes de um quadro gerado pela crise
econômica e pelos cortes orçamentários. Quanto aos professores que atuam com alunos com
necessidades educativas especiais, os problemas se intensificam.4
De acordo com a obra Desafios da educação especial, editada pela Secretaria de Educação
Especial do Ministério da Educação em 1994, a institucionalização da educação especial no Brasil tem
pouco mais de três décadas. O governo federal deu início, a partir da década de 1970, a um processo
de centralização administrativa e coordenação política5. A DECLARAÇÃO DE SALAMANCA, de 1994,
aprovada na Conferência Mundial de Educação Especial, tomando como referência o princípio da
educação para todos, propõe que pessoas com necessidades educativas especiais sejam matriculadas na
escola regular, sedimentando, assim, o propósito do movimento de inclusão, que é a democratização
do ensino, com o objetivo de promover o desenvolvimento progressivo e contínuo da cidadania. No
território brasileiro, os pressupostos da Declaração de Salamanca foram efetivados por meio da nova
Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - LDBEN (1996).6
A partir dessa data, nossas escolas vêm recebendo continuamente alunos considerados normais

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e também aqueles com algum tipo de deficiência, configurando a implantação do modelo de inclusão
no cenário da educação brasileira. Para Glat, “o momento educacional brasileiro é de democratização
da instituição escolar. Nesse contexto a educação inclusiva, que até há bem pouco tempo era
considerada utopia, hoje vem consolidando-se como uma realidade”7.
De fato, o modelo da educação inclusiva é a expressão da democratização escolar e da real
aceitação das diferenças individuais não como obstáculo, e sim como predicado. Porém, a
aproximação do ensino regular ao especial é historicamente complexa, necessitando ser continuamente
investigada a fim de responder às expectativas dessa união.
A trajetória da escolarização de pessoas com transtornos mentais é repleta de ajustes e
direcionamentos, conforme relatado por Facion em seu livro Transtornos invasivos do
desenvolvimento. Esse processo se iniciou no final do século XVII, na França, com a fundação de
instituições especializadas para a educação de surdos e cegos. Em 1777, Pestalozzi democratizou o
ensino, revelando que todos, apesar de apresentarem características diferentes, tinham condições de
aprender. Entretanto, somente entre as décadas de 1960 e 1980 é que surgiram as escolas especiais
reguladas pelos princípios da normalização e da integração.
No Brasil, em 1904, foi desenvolvida a primeira escola desse tipo — Escola de Crianças
Anormais - no Hospício Nacional de Alienados, no Rio de Janeiro. Franco da Rocha, no ano de 1921,
criou o serviço de menores, dando origem ao primeiro núcleo de classes especiais no estado. Já em
1925, Tiago Wurth funda a escola Pestalozzi e, em seguida, surgem a Pestalozzi - Canoas (1926), a
Sociedade Pestalozzi de Minas Gerais (1935) e a Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais -
Apae - RJ (1952). Mas foi somente na decada de 1990 que os princípios da educação inclusiva
ganharam destaque no panorama da educação, com ênfase para dois eventos importantes: a
Conferência Mundial de Educação para Todos (1990) e a Declaração de Salamanca , 1994),
contribuindo para a ampliação das discussões, o avanço de pesquisas e a busca de alternativas.8
Esse discurso de acessibilidade estabelecido pelas políticas de educação passou a constituir as
práticas institucionais e promoveu, segundo Krawczyk e Vieira, profundas transformações nos
objetivos, nas funções e na organização do sistema educacional do Brasil, o que repercutiu num
processo crescente de defasagem das condições de trabalho docente.9
Nesse contexto, o professor vem extrapolando progressivamente o seu caráter de mediador do
processo de conhecimento do aluno, ampliando a sua missão para além da sala de aula, a fim de
garantir uma articulação entre a escola e a comunidade. Ele deve ensinar e participar da gestão e do
planejamento escolar, o que significa uma dedicação mais ampla, a qual se estende às famílias e à
comunidade.
Os professores do ensino regular apontam como principais dificuldades e impasses gerados
pelo atual modelo de inclusão: a eficácia da metodologia aplicada; a falta de recursos e de infra-
estrutura; as péssimas condições de trabalho; as jornadas de trabalho excessivas; os limites da
formação profissional; o número elevado de alunos por sala de aula; os prédios malconservados; o
despreparo para ensinar seus alunos.
Outra dificuldade assinalada pelos professores é a acessibilidade do aluno à sala de aula.
Ercolin aponta a existência de leis as quais obrigam que novos prédios sejam construídos de acordo
com normas adequadas ao acesso de todos, como, por exemplo, com disponibilidade de rampas e
banheiros adaptados. Porém, segundo a autora, esses ajustes são insuficientes, já que não suprem as
necessidades daqueles que não usam cadeiras de rodas, mas apresentam um quadro de paralisia
cerebral, por exemplo, e necessitam de apoio para se sentar, ou mesmo para os que precisam de um
teclado adaptado para que possam escrever.10
Mais um aspecto a ser evidenciado refere-se à falta de informação das escolas, em geral, no
que diz respeito ao atendimento dos alunos com necessidades educativas. Algumas, por falta de
conhecimento entendem que devem atender a todos, independentemente do grau de severidade da sua

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deficiência.
O art. 5o da Resolução n° 95 da Secretaria de Educação do Estado de São Paulo, de
21/11/2000, que dispõe sobre o atendimento de alunos com necessidades educacionais especiais nas
escolas da rede estadual de ensino, propõe que “alunos que apresentarem deficiências com severo grau
de comprometimento, cujas necessidades de recursos e apoio extrapolem, comprovadamente, as
disponibilidades da escola, deverão ser encaminhados às respectivas instituições especializadas
conveniadas com a Secretaria de Educação”11. Quando essas diretrizes não são respeitadas, corre-se o
risco de todos saírem perdendo: o professor, que se vê diante de uma demanda incapaz de ser
respondida, a escola, o aluno e sua família.
Portanto, fica claro que o processo de implantação da educação inclusiva exige arrojo e
coragem, mas também prudência e sensatez, tanto na ação educativa quanto nos estudos e nas
investigações. Sem os devidos ajustes, pode tornar-se fonte de equivocadas atitudes: “[...] se, por um
lado, a Declaração [de Salamanca] afirma o propósito da educação inclusiva, por outro, aponta para o
aprimoramento dos sistemas de ensino, sem o qual o princípio primeiro, de que'[...] toda criança tem
direito fundamental à educação, e deve ser dada a oportunidade de atingir e manter o nível adequado
de aprendizagem, (p. 1)’ não se efetivará.”12

Você percebe esse cuidado por parte dos responsáveis pela implantação da inclusão em
sua região?
Não estaria ocorrendo a pseudo-inclusão, que acaba por prejudicar todo o alunudo?
O que você destacaria como necessário para que de fato haja a inclusão e não a exclusão
maquiada?

Para que verdadeiramente se estabeleça uma educação de qualidade para todos, é fundamental
a participação ativa do professor. O êxito de sua atividade é determinado pelas suas condições de
trabalho, armação, competência pedagógica, habilidades e avaliações periódicas das estratégias
metodológicas utilizadas. Todos esses elementos devem ser levados em consideração para o sucesso
da inclusão.
De modo geral, a formação desses profissionais deixa a desejar, pois, mesmo com a
obrigatoriedade do curso superior para o magistério, da qualificação ou habilitação específicas, obtidas
por meio de cursos de Pedagogia ou de outras alternativas, nota-se que o professor aplica, em sua
prática diária, muito pouco do que aprende, em conseqüência da sobrecarga, da dupla jornada de
trabalho e da falta de recursos e materiais pedagógicos.
Outro dado relevante no que diz respeito a sua formação é que, em cursos, estágios ou
capacitação profissional, esses especialistas aprendem a lidar com métodos, técnicas, diagnósticos e
outras questões centradas na especificidade de uma determinada deficiência, o que limita suas
possibilidades de atuação.
Quanto à formação do professor no que tange à especificação das síndromes apresentadas pela
comunidade escolar, Amaral, ao abordar o presente tema no livro Inclusão educacional, assinala que
“[...] a formação do educador frente às novas propostas de educação inclusiva aponta para, pelo
menos, duas modalidades de capacitação profissional” Uma modalidade é destinada aos educadores do
ensino regular com pouco conhecimento em educação especial e a outra, aos educadores com
especialização em educação especial, o que confere habilidades para o enfrentamento das adversidades
em seu ambiente de trabalho13. Já Bueno, em seu artigo sobre a formação do educador perante as
novas propostas da inclusão, não priorizam esse aspecto e explica que as atenções não devem estar
voltadas para uma oposição entre o professor especialista ou generalista, porque a prática em sala de
aula lhe proporciona essas duas características. As preocupações, segundo ele, devem caminhar na
busca do aprimoramento de novas diretrizes e ações, objetivando eficácia na formação; dirigida ao

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docente.14
Ainda no contexto da formação, é fato que o despreparo dos professores é um fator que vem
colaborando, a cada dia, com o aumento significativo do número de professores que se afastam das
salas de aula por motivos de doença. Malagris, ao relacionar o surgimento do stress entre professores
que atuam na educação inclusiva, alerta para a necessidade de uma formação complexa dirigida a
esses profissionais, já que, segundo ela, o tema da formação profissional é de extrema importância,
pois a sua insuficiência pode ser considerada um elemento significativo para o desenvolvimento do
stress do professor.15
Portanto, formação profissional, equipamentos específicos, acessibilidade, entre outros fatores,
são temas de extrema relevância nesse contexto, porque, entre outros aspectos, a falta de recursos para
administrar situações diversas em sala de aula, como visto anteriormente, está diretamente relacionada
ao surgimento do mal-estar docente.

REFLETINDO SOBRE O FENÔMENO DO STRESS E A SÍNDROME DE BURNOUT - SUAS INFLUÊNCIAS


NA VIDA DO PROFESSOR

Inquietações quanto às condições de trabalho e saúde do docente vêm se tornando objeto de


muitos estudos. Lima desenvolveu uma investigação com o objetivo de identificar os fatores que
contribuem para o afastamento dos professores de seu posto de trabalho. Os resultados da pesquisa
revelaram que os transtornos mentais obtiveram destaque como a segunda causa de afastamento desses
profissionais.16
É de conhecimento geral que no cotidiano escolar existe uma dissociação entre o ideal docente
e a realidade da escola. Para minimizar essa discrepância, o professor tenta superar as péssimas
condições de trabalho por meio de seus esforços físicos e psicológicos. Mas, muitas vezes, apesar de
seu empenho, não alcança seu objetivo, o que o leva ao stress.17
Nos últimos 15 anos, esse mal tem sido tema de muitas pesquisas relacionadas ao universo do
trabalho, pois seus efeitos representam um elevado custo para as empresas, atingindo cerca de US$
120 bilhões na Europa e US$ 60 bilhões na América do Norte. Tais valores estão associados ao
aumento dos custos de assistência médica e aos índices de absenteísmo 22.18
Para termos uma noção aproximada da gravidade do problema, podemos citar o stress, a
síndrome de burnout, os sintomas psicos- somáticos diversos, o absenteísmo* e o abandono da
profissão como alguns dos principais problemas enfrentados pelos professores. Esses fatores
repercutem em prejuízo para esses profissionais, para as instituições de ensino, os alunos e suas
famílias. No caso de alunos com necessidades educativas especiais, observou-se que há intensificação
do quadro sintomatológico do alunado quando em contato com um professor que esteja sofrendo de
sintoma de stress ocupacional.
A palavra STRESS foi empregada inicialmente na área da física, para traduzir o grau de
deformidade sofrido por um material, quando submetido a um esforço ou tensão. O médico
endocrinologista Hans Selye, em 1936, transpôs esse termo para a medicina e a biologia, denominando
o stress de SÍNDROME DE ADAPTAÇÃO.
Segundo a definição de Lipp, o stress é uma reação normal do organismo e indispensável para
a sobrevivência da espécie, caracterizando-se por ser um processo complexo, com componentes psico-
bioquímicos, e que tem seu mecanismo desencadeado em resposta a uma necessidade significativa de
adequação diante de um estímulo estressor. Em doses moderadas, fornece motivação e aumento da

22O termo ABSENTEÍSMO é usado para designar as ausências dos trabalhadores no processo de trabalho, seja por falta, seja por
atraso, devido a algum motivo interveniente. (HOUAISS; VILLAR, MELLO FRANCO, 2001).

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produtividade; em excesso, resulta em destruição e desequilíbrio orgânico, prejudicando a qualidade


de vida. Em alguns casos, os efeitos são alarmantes, atingindo todas as áreas da vida do indivíduo -
social, física e profissional.19
O desenvolvimento do stress ocorre em três fases distintas, denominadas de MODELO
20
TRIFÁSICO: ALERTA, RESISTÊNCIA E ESGOTAMENTO, descritas a seguir.

• Na fase de alerta, por meio de algumas alterações fisiológicas, o organismo se prepara


para o estado de luta ou fuga. As pupilas se dilatam, a visão fica pouco definida, ocorre o
aumento da freqüência cardíaca e da pressão arterial e a produção de adrenalina, o
raciocínio se intensifica e a pessoa torna-se muito ansiosa.
• A fase de resistência surge no caso de o estímulo estressor persistir. Há uma ruptura na
resistência do indivíduo, deixando-o mais suscetível à irritabilidade, à insônia, a mudan-
ças de humor e à diminuição do desejo sexual.
• A terceira e última fase, a exaustão ou esgotamento, dá-se por uma falha dos
mecanismos de adaptação do organismo, podendo ocorrer um retorno à fase de alarme e,
posteriormente, se o estressor permanecer, o organismo pode vir a entrar em falência,
levando o indivíduo à morte. Os sintomas mais freqüentes são falha nos mecanismos de
adaptação, esgotamento fisiológico e falência do organismo.

Lipp acrescentou ao modelo trifásico proposto por Selye em 1936 a fase de quase-exaustão.
Situada entre as fases de resistência e exaustão, caracteriza-se pela instalação de doenças no
organismo. Sem a remoção dos estressores ou o uso de meios de enfrentamento, o stress atinge sua
fase final - a exaustão.21

A SÍNDROME DE BURNOUT

A síndrome de burnout, que também pode ser denominada como “desgaste profissional”,
“síndrome do queimado” e "síndrome do stress do trabalho assistencial” é considerada uma
modalidade de stress ocupacional e acomete profissionais que atuam em atividades assistenciais, como
enfermeiros, médicos e professores. Não existe uma única definição sobre o burnout, mas várias fontes
concordam que a síndrome ocorre em resposta ao stress laboral crônico, não devendo ser confundida
simplesmente com o termo stress.22
Todas as fontes são unânimes em afirmar que a síndrome de burnout é considerada,
atualmente, epidemia mundial, que atinge a esfera da educação, trazendo conseqüências prejudiciais à
saúde do professor, aos alunos, às instituições de ensino e à sociedade em geral Segundo Codo, os
casos de burnout entre os professores norte- americanos e de outros países têm assumido grandes
proporções.23
O burnout foi inicialmente observado em profissionais de saúde responsáveis por trabalhos
assistenciais, caracterizados por uma elevada e prolongada atenção a pessoas em situações de
necessidades especiais ou de dependência.
A síndrome, como foi mencionado anteriormente, apresenta-se sob a forma de stress
recorrente e, no caso dos profissionais de ensino, é deflagrada pelo contato intenso com a demanda
escolar, conduzindo ao enfraquecimento e ao distanciamento emocional do professor em relação às
suas tarefas, aos alunos e aos colegas, culminando em um estado de total isolamento. Sua instalação,
em muitos casos, advém de expectativas profissionais elevadas e não concretizadas, suscitando forte
sentimento de frustração em relação ao trabalho desempenhado. O desenvolvimento da síndrome se dá
em etapas: idealismo, realismo estagnação e frustração, ou quase-burnout, apatia e fênix.24

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O profissional, em seu idealismo, supõe que o seu trabalho possa responder as suas
expectativas. Com o passar do tempo, no entanto, percebe que seus desejos não coadunam com a
realidade, chegando, então, à fase do realismo. Em seguida, o entusiasmo inicial se transforma em
fadiga crônica, caracterizando a fase da estagnação Finalmente, na fase da apatia ou burnout total,
destaca-se o sentimento de menos-valia, culminando com o desejo de abandono da profissão. A fase
fênix nem sempre ocorre, pois o profissional acaba por abandonar a profissão antes de se recuperar.25
Atualmente a definição mais aceita da síndrome de burnout esta baseada na perspectiva
sociopsicológica de Maslach, Jackson e Schwab, de 198626. Os autores descrevem o burnout como um
stress laboral que conduz a um tratamento frio e indiferente com o cliente. Segundo essa leitura,
variáveis socioambientais são importantes para o desenvolvimento da síndrome, que é compreendida
em três dimensões27, a saber:

• Exaustão emocional - É a situação em que os trabalhadores sentem que não podem dar
mais de si mesmos, em nível afetivo. Percebem esgotados os recursos emocionais
próprios e a energia, devido ao contato diário com os problemas.
• Despersonalização - Ocorre o desenvolvimento de sentimentos e atitudes negativas e
de cinismo voltados às pessoas destinatárias do trabalho (usuários/clientes) –
endurecimento afetivo, “coisificação” da relação.

Falta de envolvimento pessoal no trabalho - Existe a tendência de uma “evolução
negativa”, afetando a habilidade para a realização do trabalho e o atendimento ou contato
com as pessoas usuárias do trabalho, bem como com a organização.28

SINTOMAS DA SÍNDROME

McCornnell 23, citado por Guimarães e Cardoso, propõe um esquema de sintomas presentes na
síndrome de burnout que podem ser apresentados pelo indivíduo:

• SINTOMAS FÍSICOS - São similares aos do stress ocupacional. São eles: fadiga, sensação de
exaustão (cansaço crônico), indiferença ou frieza, sensação de baixo rendimento profissional,
freqüentes dores de cabeça, distúrbios gastrintestinais, alterações do sono (insônia) e dificuldades
respiratórias.
• SINTOMAS DE CONDUTA - Revelam-se sob a forma de graves alterações no comportamento que
usualmente afetam os colegas, os alunos e, até mesmo, seus familiares.
• SINTOMAS PSICOLÓGICOS - Podem aparecer mudanças de comportamento, tais como: trabalhar de
forma mais intensa, sentimento de impotência perante as situações da rotina de trabalho, irritabilidade,
falta de atenção, aumento do absenteísmo, sentimento de responsabilidade exagerado, atitude negativa,
rigidez, baixo nível de entusiasmo, consumo de álcool e drogas, como uma forma de minimizar os
efeitos do cansaço e do esgotamento.29

Dada a relevância das condições de trabalho no estudo sobre - saúde do professor e o aumento
de casos de burnout, Codo, em um estudo sobre a organização do trabalho e a saúde dos professor,,
empreendeu uma pesquisa em nível nacional intitulada Pesquisa Nacional de Trabalho, Organização
e Saúde dos Trabalhadores em Educação no Brasil, com o objetivo de investigar a saúde mental e o
trabalho do professor. O estudo envolveu 27 estados brasileiros 1.600 escolas de ensino básico e
52.000 professores. A pesquisa revelou que 25% dos participantes apresentaram índices elevados para

23 NATIONAL COMMISSION ON EXCELLENCE IN EDUCATION, 1983.

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a dimensão “exaustão emocional” e 11% indicaram índice elevado para a dimensão


“despersonalização”, chegando-se à conclusão de que 48%, da população estudada apresentava
burnout30.
Como veremos posteriormente, preocupações referentes às condições de trabalho e à
capacitação do professor não são exclusivamente nossas, uma vez que “[...] situações apontadas como
danosas à saúde das pessoas e que têm se propagado pela profissão docente, lamentavelmente parecem
não ser a realidade apenas de uma localidade específica ou mesmo um país...”31.
A pesquisa Perspectives on teacher burnout and school reform, de Dworkin, analisou o
fenômeno do burnout em professores da escola pública. Tomando como referência a reforma
educacional ocorrida nos Estados Unidos em 1983 - a partir da publicação do documento A nation at
risk pela National Commission on Excellence in Education - e o impacto que causou sobre os
professores, foram analisados os efeitos da síndrome de burnout nas diferentes fases da reforma. 0
instrumento utilizado foi o Maslach burnout inventory (Inventário de burnout de Maslach) - MBI. A
pesquisa concluiu que cada etapa da reforma educacional intensificou o burnout do pr fessor.32
Cromm e Moore, na pesquisa The relationship between teacher bouirnout and student
misbehavior, investigaram a existência de relação entre o desenvolvimento da síndrome de burnout
nos professores e os problemas de conduta dos alunos. A amostra constou de 165 professores,
distribuídos em três Estados do sudeste dos Estados Unidos , Carolina do Norte, Carolina do Sul e
Virgínia. Para a coleta de dados foi utilizado o MBI, de 1986. Os autores concluíram que os problemas
de conduta dos alunos tinham influência na saúde dos professores. O gênero do professor e seu nível
de formação não pareceram contribuir de forma significativa para o desenvolvimento da síndrome.
Mas dados referentes à idade e à experiência do professor se relacionaram a níveis elevados de
despersonalização, indicando a presença do burnout entre essa população.33
Em todo o mundo, os professores inseridos no processo de inclusão sofrem com os efeitos
devastadores do burnout, que os impossibilita de exercer suas funções. Assim, além de terem a saúde
prejudicada pelo cansaço excessivo e propensão a doenças, não se sentem em oí dições de responder
às demandas de seus alunos.34

Você considera esse quadro desanimador?


Independentemente de sua resposta, é bom lembrarmos o que diz Dejours sobre a condição
humana nesse tipo de situação:
Quando a organização do trabalho entra em conflito com o funcionamento psíquico dos
homens, quando estão bloqueadas todas as possibilidades de adaptação entre a organização do
trabalho e o desejo dos sujeitos, então emerge um sofrimento patogênico. Mas como isso tudo
é um processo dinâmico, os sujeitos criam estratégias defensivas para se proteger.35

Apesar do quadro aparentemente desolador, Malagris aponta quatro importantes aspectos


relacionados ao professor e à administração do stress ocupacional:

• desenvolvimento de estratégias e métodos para a melhor condução do stress;


• estímulo ao professor para que separe o trabalho de sua vida pessoal;
• aprimoramento da aptidão de comunicação e colaboração (pois será útil para futuros
contatos com educadores e pais);
• auxílio aos professores para que encontrem caminhos criativos que funcionem como
facilitadores na interação entre os colegas.36

Não existe uma única estratégia de enfrentamento para o burnout porém a conjunção de uma
série de fatores irá auxiliar o professor a lidar com este que é considerado o mal do século.
Um passo importante a adotar nesse sentido diz respeito à implicação do ambiente de trabalho

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no enfrentamento da síndrome. Como a incidência da síndrome de burnout está relacionada ao


ambiente de trabalho, é necessário que as intervenções a serem adotadas no combate a ela objetivem
tanto o profissional quanto a instituição, no sentido de investigar as situações instaladas nesse
ambiente que favorecem o desenvolvimento de sintomas nos professores.
Dentre as medidas a serem adotadas na prevenção da síndrome ou no seu enfrentamento,
podemos destacar ainda a implementação de melhorias nas condições de trabalho docente e a criação
de políticas públicas voltadas para a eficácia da formação docente e para o desenvolvimento de ações
estratégicas que contribuam, efetivamente, para a humanização desse posto de trabalho, sob os
aspectos de saúde, higiene, segurança, bem-estar físico e mental e do meio ambiente.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
O relato das pesquisas e a observação nos levam a concluir que o magistério é uma profissão
de risco, determinante para o surgimento do burnout. Com a ausência de condições ideais para o
exercício de suas funções, o professor é conduzido a um estado de ansiedade constante.
Esse quadro se agrava quando o educador se vê inserido no modelo de inclusão, pois a
carência de recursos financeiros, formação especializada e materiais orientados ao atendimento dos
alunos portadores de necessidades educativas especiais sobrecarrega ainda mais esse profissional,
além de tornar impossível a conclusão dos objetivos da inclusão.
A inclusão, no Brasil, vem se estabelecendo de modo gradativo e contínuo. Porém, é
importante destacar que, por se tratar de um movimento de caráter mundial, é necessário cautela
quanto à aplicação do seu modelo no território nacional Nesse sentido, os pressupostos da inclusão
devem estar consonantes com as diferenças sociais, econômicas e políticas de cada sociedade.
Segundo especialistas no assunto, ainda faltam dados para monitorar o processo de inclusão e
avaliar as reais condições de sua prática sobre os alunos e a comunidade escolar. Críticas contrárias ao
movimento são continuamente relatadas, tais como: pouco entusiasmo pela inclusão; falta de serviços
adequados para estudantes com problemas específicos de aprendizagem; pouca preocupação e
responsabilidade quanto à manutenção dos serviços; falta de formação para o professor que atua na
inclusão educacional, entre outras.37 Todavia, devido aos benefícios significativos que as práticas in-
clusivas podem vir a resultar, tanto ao cotidiano escolar quanto à sociedade em geral, é pertinente
refletir sobre alguns aspectos.
Tomando como base a proposta da escola inclusiva, a educação para todos, o professor deve
ser considerado uma peça fundamental desse movimento, já que é por intermédio de suas ações
educativas que a inclusão pode ser efetivada. Então, torna-se imprescindível aliar a ideologia da
inclusão à prática docente, levando em consideração alguns aspectos, como capacitação profissional,
melhorias das condições de trabalho, aumento de recursos e de infra-estrutura e implantação de ações
políticas proativas que têm como objetivo o bem estar físico e mental dos profissionais de educação. O
estabelecimento dessas prerrogativas irá possibilitar o exercício pleno de suas funções, promovendo
um trabalho de inclusão mais eficaz, com menor risco de erros em conseqüência de uma posição
teórica equivocada e, portanto, distante da realidade.

CITAÇÕES POR CAPÍTULO


1. FEIGIN; TALMOR; REITER, 2005. 15. MALAGRIS, 2002. SCHWAB, 1986.
2. NAUJORKS, 2002. 16. LIMA, 2004. 27. LEVY, 2006; MALAGRIS, 2002;
3. ESTEVE, 1999. 17. NUNES SOBRINHO et al., 2003. CARLOTTO, 2002; CODO, 1999.
4. AMADO, 2000. 18. LEVY, 2006. 28. LEVY, 2006.
5. BRASIL, 1994. 19. LIPP, 2002. 29. GUIMARÃES; CARDOSO,
6. AMARAL, 2001, p. 12. 20. MALAGRIS, 2004. 1999.
7. GLAT, 2001, p. 7. 21. LIPP, op. cit. 30. CODO, 1999.
8. FACION, 2002. 22. BENEVIDES-PEREIRA; 31. LIMA, 2004, p. 12.
9. KRAWCZIK; VIEIRA, 2005. MORENO-JIMÉNEZ, 2003; NUNES 32. DWORKIN, 2001.
10. ERCOLIN, 2003. SOBRINHO, 2002; CODO, 1999. 33. CROOM; MOORE, 2003.
11. SÃO PAULO, 2000. 23. CODO, 1999. 34. MALAGRIS, 2004; NUNES
12. BUENO, 1999, p. 11. 24. MALAGRIS, 2004. SOBRINHO, 2002; LIMA, 2004;
13. AMARAL, 2003, p. 15. 25. MALAGRIS, 2002. CARLGIlO, 2003.
14. BUENO, op. cit. 26. MASLACH; JACKSON; 35. DEJOURS, 1992, p. 10.

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Biblioteca online – sem valor comercial. Proibida a venda e a reprodução.

36. MALAGRIS, 2004. 37. MACMILLAN; GRESHAM; FORNESS, 1996.

REFERÊNCIAS DO CAPÍTULO
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Capítulo 5

A FORMAÇÃO DE PROFESSORES

FORMAÇÃO DO PROFESSOR - UMA RELEITURA


“Ensinar é um exercício de imortalidade. De alguma forma
continuamos a viver naqueles cujos olhos aprenderam a ver o
mundo pela magia da nossa palavra. O professor, assim, não morre
jamais…”
Rubem Alves

No Brasil, assuntos relativos à formação de professores ainda causam muita polêmica nos
meios educacionais. A formação docente é entendida como um processo que tem origem na formação
inicial e prolonga-se durante toda a vida profissional do educador.
Nesse sentido, acreditamos ser de extrema relevância preparar o professor para os novos
desafios da educação. A promoção de uma postura reflexiva e crítica, por meio da apropriação de
conhecimentos proporcionará a esse profissional condições de se posicionar e atuar com
responsabilidade e autonomia, reivindicando uma educação que respeite os ideais de uma sociedade
justa e democrática.
Mesmo que haja pouco consenso em torno desse tema, esperamos que a formação global do
professor priorize o objetivo de alcançar uma prática educativa de qualidade, perseguindo como metas
tanto a preparação técnica nos conteúdos a serem ministrados aos seus alunos como a construção de
novos saberes oriundos de uma permanente consciência crítico-reflexiva sobre os contextos sociais,
políticos e institucionais implicados em seu fazer atual. Trata-se, portanto, de uma mudança no
processo estrutural, que demanda prioridade, tempo e exige, acima de qualquer apoio externo, o
próprio desejo do professor de transformar-se.
Durante muito tempo, a formação de professores centrou-se no aperfeiçoamento de
conhecimentos com base em uma perspectiva técnica e racional Com esse enfoque, a intenção era
formar um profissional com saberes uniformes, que pudesse exercer um ensino nivelador, sem risco de
ruptura com a ideologia dominante. Freire e Shor sabiamente proferiram que “a prática educacional
jamais foi neutra e que é justamente a afirmação da neutralidade da educação o que leva
necessariamente os educadores a se afirmarem como técnicos”1.
Ensinar é, além de tudo, aprender e se comprometer. O professor precisa estar contextualizado
na realidade político-social do seu aluno, questionando-se sempre sobre “como fazer”, “por que fazer”
e “a quem fazer”.
Na concepção de Paulo Freire, ensinar não se restringe apenas à simples transmissão de
saberes prontos e cristalizados, mas, sim, constitui um exercício constante de autonomia, liberdade e
amor ao trabalho.2 Para o autor, o ato de ensinar permite tanto ao professor quanto ao aluno agir
conforme as suas possibilidades e limitações, deixando fluir toda a sua curiosidade, manifestando todo
o potencial da sua criatividade, permitindo-se simultaneamente ser o sujeito que ensina e o sujeito que
aprende. Não podemos deixar de ressaltar aqui a beleza das palavras de Freire quando ele profere:
Se, na experiência de minha formação, que deve ser permanente, começo por aceitar que o
formador é o sujeito em relação a quem me considero o objeto, que ele é o sujeito que me

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forma e eu, o objeto por ele formado, [...] Nesta forma de compreender e de viver o processo
formador, eu, objeto agora, terei possibilidade, amanhã, de me tornar o falso sujeito da
formação” do futuro objeto de meu ato formador. £ preciso que, pelo contrário, desde os
começos do processo, vá ficando cada vez mais claro que, embora diferentes entre si, quem
forma se forma e re-forma ao formar e quem é formado forma-se e forma ao ser formado.3

Esta nova era que marca, no mundo educacional, o retorno à valorização da diversidade
humana requer emergencialmente uma nova forma de ensinar e, também, de ensinar a ensinar, que
demanda uma multiplicidade de respostas educativas coerentes com as diversas necessidades dos
alunos. Para que isso transcorra com coerência e sabedoria, é necessário que haja uma redefinição do
papel da escola e, conseqüentemente, dos professores e dos demais agentes educativos. Estes precisam
estar devidamente preparados para assumir novos valores profissionais que abranjam, além de uma
prática diferenciada, um conhecimento pedagógico, científico e cultural transformado, voltado às
características individuais dos seus alunos.
Analisando histórias de vida de professoras de classes especiais, Müller e Glat constataram
que,
Apesar dessas professoras terem um bom nível acadêmico ficou bastante nítido [...] que a
pouca inserção da educação especial nos cursos deformação, seja a nível [sic] secundário, seja
na graduação, [...] sem dúvida, faz com que os professores sejam “jogados” no mercado de
trabalho bastante despreparados.4

Indo mais além, consideramos fundamental que tanto a escola quanto o professor adotem
processos mais flexíveis, que possibilite mudanças em função do seu próprio contexto e cultura, de
modo a tomar as atitudes e a autonomia desse profissional na sua prática cotidiana tão importantes
quanto o restante dos conteúdos ministrados.
Justificar a necessidade da formação dos profissionais, de acordo com os novos propósitos de
atenção à diversidade e integração, [...] será o eixo fundamental em torno do qual girarão
nossas análises, principalmente se pensarmos que a formação dos profissionais da educação
especial pode ser considerada um espaço de reformulação e reconstrução de todo o processo
de mudança educacional.5

Buscando acompanhar o princípio de uma educação democrática que minimize a injustiça


social, o professor questiona a idéia de ser um mero transmissor de conhecimentos técnicos e
acadêmicos, procurando fundamentar a sua prática em situações singulares e imprevisíveis, em que
tenha a oportunidade de desenvolver sua criatividade para superar situações únicas e incertas, que
retratam com mais realidade sua experiência em sala de aula. Segundo Perrenoud, “A autonomia e a
responsabilidade de um profissional dependem de uma grande capacidade de refletir em e sobre sua
ação. Essa capacidade está no âmago do desenvolvimento permanente, em função da experiência de
competência e dos saberes profissionais”6.
Compactuando com o autor, consideramos que a reflexão do professor sobre a prática docente
está na base das transformações das suas relações pedagógicas e pessoais, com o que ele poderá
ampliar o conhecimento sobre si mesmo e sobre o mundo. A luta por essa dignidade profissional
procura por outras funções bem mais significativas que devem assumir um caráter permanente nesta
reflexão, a saber: PARTICIPAÇÃO efetiva em movimentos sociais; LUTA contra a desigualdade de
direitos; VALORIZAÇÃO da autonomia e de melhores condições na carreira do professor; indignação
contra a exclusão social.
Nesse mesmo enfoque, Weiss afirma que,
Para superar as limitações de uma prática repetitiva, além da discussão sobre a promoção de
um professor reflexivo e crítico, é necessário questionar as possibilidades de exercício de
cidadania, dentro de uma sociedade excludente, por um grupo de pessoas identificadas como
“especiais”, seja por suas características notadamente diferentes, seja porque trabalham ou
convivem com os assim identificados. Dessa forma, a reflexão do professor sobre o seu papel
social deve incluir o que significa ser professor de Educação Especial na nossa sociedade que
separou este grupo, segregando não só os alunos, mas, muito provavelmente, também os
professores.7

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Entendemos, assim, que a formação atual do professor não deve apenas restringir-se a uma
mera atualização científica dos conteúdos formais da pedagogia e da didática, mas, sim, propor-se a
criar espaço-, de participação e reflexão para que esse profissional aprenda a adaptar- se à nova
realidade da inclusão, bem como a lidar com isso e com suas próprias incertezas sobre sua profissão.
Nesse sentido, Alarcão observa que a influência da perspectiva tecnocrata “roubava ao professor o
melhor que ele, como ser humano, pode manifestar: a capacidade de agir pensando [...] Compreendi
que o professor não pode ser um ser isolado na sua escola, mas tem de construir com os seus colegas a
profissionalidade docente”8.
Consternados com a imagem de professores tecnocratas e a ineficácia que essa postura
manifesta, educadores identificaram-se com a proposta de refletirem sobre sua prática com base em
um pensamento mais crítico, segundo o qual a prioridade é colocada na voz do docente, uma vez que é
ele quem melhor pode sinalizar suas necessidades no cotidiano escolar. O entrelaçamento das vozes
desses profissionais, abrangendo uma multiplicidade de idéias, d compartilhar de conhecimentos,
afetos e experiências gerados na prática, cria uma nova concepção de formação de professores: a
FORMAÇÃO CRÍTICO-REFLEXIVA.

O PROFESSOR CRÍTICO-REFLEXIVO

O início dessa nova concepção na formação do professor deu-se na década de 1960, como uma
variante dos grupos operativos criados por Pídion-Rivière. Contudo, foi na década de 1970, por meio
de seu precursor, Donald Schõn, que o conceito sobre a prática reflexiva no ofício do professor foi
desenvolvido com base no pensamento epistemológico e pedagógico de autores como John Dewey,
Lev Vygotsky, Jean Piaget, entre outros.
Pensar Piaget e Vygotsky em posições antagônicas é um engano. Apesar de constatadas
algumas divergências em seus enfoques e conceituações, eles foram os precursores da abordagem
interacionista na questão da aprendizagem humana, rompendo com idéias reducionistas, como o
ambientalismo e o inatismo.
Segundo esses autores, o conhecimento só acontece na interação do sujeito com o seu meio.
Assim, por maior que seja o potencial hereditário do indivíduo, ele não existe por si só; da mesma
forma, o objeto de conhecimento é incapaz de manifestar suas características sem a presença do sujeito
para reconhecê-las. Portanto, sujeito e objeto não se constituem enquanto estruturas isoladas, e sim na
interação entre eles.
O desenvolvimento cognitivo do indivíduo, para Piaget, manifesta-se como processo
adaptativo, produto de uma estrutura cognitiva. Essa estrutura interna, priorizada por esse cientista em
suas pesquisas, é baseada em processos constantes de assimilação, acomodação e adaptação, que têm
suas origens nos movimentos reflexos da criança recém-nascida e evolui, passando por estágios, até
chegar ao raciocínio lógico e formal do adulto. Durante a evolução das estruturas cognitivas, há uma
reorganização das informações recebidas no contato com o meio, originando padrões de pensamento e
comportamentos mais complexos.9
A contribuição de Vygotsky no entender de Oliveira, vem acrescentar uma dimensão cultural e
histórica ao processo de construção do conhecimento. Denominado SOCIOINTERACIONISTA, esse
pensador defendeu a teoria de que uma criança, quando nasce, apesar de ser apenas dotada dos seus
equipamentos biológicos (as funções inferiores), já pertence a uma cultura de origem. Primeiramente
ela se insere na sua cultura familiar, para, em seguida, integrar-se, de uma forma mais ampla, à cultura
do seu grupo social.
Ainda de acordo com Oliveira, para Vygotsky, as origens dos processos mentais superiores,
que caracterizam o funcionamento psicológico tipicamente humano, são encontradas nas relações
sociais que o homem mantém com o mundo. Entretanto, o homem não é entendido como um ser

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passivo, conseqüência dessas relações, mas sim como um ser atuante, que age sobre o mundo, sempre
em relações sociais, e transforma essas ações para que constituam o funcionamento de um plano
interno.10
O pensamento de Piaget e Vygotsky contribuiu para resgatar a figura do professor como
mediador na construção do conhecimento. A idéia de mediação perpassa todo procedimento didático
do professor, na medida em que ele se sensibilize para a compreensão das características individuais
do seu aluno: Como ele é? Como se comporta? O que ele gosta de fazer? Quais são suas reais
dificuldades? Como se sente em relação à escola, à sua família e no relacionamento com os seus
colegas?
Qual a contribuição desses autores para o processo crítico-reflexivo?
A importância das teorias de Piaget e Vygotsky esta no fato de terem oferecido bases para
despertar esse novo olhar em relação à atitude do professor, olhar que encontrou seu direcionamento
em Schõn. Desde então, o conceito de PROFESSOR REFLEXIVO vem sendo discutido e ampliado por
vários autores: Freire e Shor (1986); Zeichner (1997); Nóvoa (1997); Garcia (1997); Gómez (1997);
Gomes e Lima (2002); Contreras (2002); Perrenoud (2002); Pimenta (2002), Sacristán (2002), entre
outros.11
No Brasil, a divulgação dessa idéia aconteceu em meados da década de 1990, por intermédio
de teóricos europeus, principalmente portugueses e espanhóis, que encontraram na teoria de Schõn
uma alternativa para ampliar e transformar as condições da formação dos professores e
conseqüentemente elevar o status da profissão docente. A proposta em questão desenvolveu-se em um
período político pós- ditadura, quando a sociedade vislumbrava uma abertura democrática e o
professor, por sua vez, enxergava uma chance de ver valorizada a sua condição profissional.12
Schõn discordava da idéia de que o saber escolar só poderia ser proveniente de uma
construção científica e que deveria ser usado pelo docente como algo absoluto e irrefutável O autor,
contrariado com essa forma de ensinar, procurou uma alternativa epistemológica para a prática
profissional do professor, defendendo um tipo de saber docente que compreende e valoriza o saber do
seu aluno, de modo a auxiliá-lo a fazer uma junção entre o conhecimento que este evidencia na ação e
o conhecimento que adquire na escola. O autor denominou esse tipo de ensino de reflexão-na-ação.13
Nóvoa, ratificando essa análise, esclarece:
[...] A pedagogia científica tende a legitimar a razão instrumental; os esforços de
racionalização do ensino não se concretizam a partir de uma valorização dos saberes de que os
professores são portadores, mas sim através de um esforço para impor novos saberes ditos
“científicos”. A lógica da racionalidade técnica opõe-se sempre ao desenvolvimento de uma
práxis reflexiva.14

Gómez, por sua vez, analisa a racionalidade técnica como uni do puramente experimental,
oriundo do positivismo, que tem a função de regular as atividades práticas dos professores,
hierarquizando o conhecimento em níveis (ciência básica, ciência aplicada, competência* e atitudes),
de forma a desvalorizar ainda mais a profissão docente £ importante ressaltar que o autor não tem
como objetivo fazer apologias contrárias à racionalidade técnica de toda e qualquer situação educativa;
ele só alerta para o fato de que a atividade do professor não se limita à mera transmissão de
conteúdos.15
Contreras também pertence ao rol dos autores contemporâneos que criticam a racionalidade
técnica como modelo de atuação do professor. Suas razões justificam-se pela presença de casos
práticos inesperados que surgem no cotidiano desse profissional e que não constam em nenhum
manual técnico, exigindo que ele aja com a delicadeza de um artesão e faça uso de sua criatividade no
enfrentamento das situações ambíguas, incertas e conflitantes vivenciadas por ele em sala de aula.16
A alternativa de Schõn para a racionalidade técnica pode ser fundamentada no modelo de
racionalidade prática, como podemos ler em Sacristán e Gómez:
A formação do professor/a se baseará prioritariamente na aprendizagem da prática, para a
prática e a partir da prática. A orientação prática confia na aprendizagem por meio da
experiência com docentes experimentados, como o procedimento mais eficaz e fundamental
na formação do professorado e na aquisição da sabedoria que requer a intervenção criativa e
adaptada às circunstâncias singulares e mutantes da aula.17

Embora cada uma dessas concepções ofereça propostas e destaques diferentes, todas procuram

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emergir da importância da análise e da compreensão desse profissional, quando se depara com


problemas complexos em sala de aula e os supera por meio do improviso, ultrapassando a reação
linear e mecânica provocada pelo cientificismo técnico.
Segundo Schõn, são três os níveis de pensamento que complementam o pensamento prático:
conhecimento-na-ação, reflexão-na-ação e reflexão sobre a reflexão-na-ação.18
Esses três conhecimentos especificados por Schõn foram sintetizados por Gómez19 da seguinte
forma: o CONHECIMENTO-NA-AÇÃO e um saber fazer implícito ao professor, exercitado
constantemente pela experiência. Em casos que fogem à rotina de classe, este necessita buscar em seu
arsenal de conhecimentos e idéias alguma alternativa que se adapte à situação, criando novas
possibilidades de ações a partir da REFLEXÃO-NA-AÇÃO. Um professor que REFLETE-NA-AÇÃO deve,
antes de tudo, permitir-se ser surpreendido com situações inusitadas trazidas pelo seu aluno, deixando-
se levar por um processo de reflexão sobre o que teria conduzido o aluno a pensar daquela maneira.
Segundo defende Schõn,
O professor tem a tarefa de encorajar e reconhecer, e mesmo dar valor à confusão dos seus
alunos. Mas também faz parte das suas incumbências encorajar e dar valor à sua própria
confusão. Se prestar a devida atenção ao que as crianças fazem (o que terá passado na cabeça
daquela miúda para ter pendurado o cordel em forma de laçada?), então o professor também
ficará confuso. E se não ficar, jamais poderá reconhecer o problema que necessita de
explicação.20

Comungando com as palavras de Schõn, Perrenoud explica que


Em primeiro lugar é preciso aceitar algumas perdas: para que os alunos aprendam a se tornar
profissionais reflexivos, é preciso renunciar à atitude de sobrecarregar o currículo da
formação inicial de saberes disciplinares e metodológicos; é preciso reservar tempo e espaço
para resolução de um problema.21

Quanto à REFLEXÃO SOBRE A REFLEXÃO-NA-AÇÃO, significa analisar as características e os


processos da sua própria ação durante o acontecimento imprevisto, para poder reutilizá-los em
situações semelhantes.22 Dessa forma, quando se possibilita ao professor que faça uso das suas
próprias situações de ensino para investigação das transformações em suas práticas, existe a
possibilidade de ura novo espaço no qual “as teorias práticas dos professores (estariam adquirindo)
uma legitimidade que lhes é negada pelo ponto de vista dominante da ciência aplicada”23.
Schõn, apesar de não restringir sua teoria ao ofício do professor procurou encontrar uma nova
epistemologia que pudesse discuti-la e esclarecê-la. Ao sistematizar as técnicas dos grupos de reflexão
na formação docente, observou que seu objetivo maior era propiciar aos integrantes a oportunidade de
viverem a experiência de participar como membros de um grupo e fazer com que esse grupo se
constituísse em um espaço no qual pudessem trocar experiência e elaborar as tensões sofridas pela
prática em sala de aula.24
O autor questionava insistentemente as concepções sobre ensino em que a palavra do professor
reina como verdade absoluta, colocando em segundo plano ou até mesmo ignorando o pensamento e a
expressão do aluno. Ainda de acordo com Schõn, o ditado popular “O homem tem dois ouvidos e uma
só boca para lembrá-lo de que deve escutar mais do que falar” é perfeitamente condizente com a
concepção de professor reflexivo. No entanto, estamos sempre à espera de sermuo escutados e muito
raramente estamos disponíveis para ouvirmos o que o outro quer nos dizer. Como esse é um desejo
individual compartilhado por todos, aprender a conviver e trabalhar em grupo representa, acima de
tudo, aprender a conversar. No caso singular da educação, e preciso ouvir o que os nossos alunos têm a
dizer-nos dialogar e interagir com outros professores e, pela experiência mútua da convivência, crescer
na determinação de sermos melhores profissionais.
A banalização da concepção proposta por Schõn, ou até mesmo um certo modismo em que se
transformou, tem sido alvo de críticas por parte de diversos autores. Uma dessas críticas detém-se
sobre uma visão reducionista relacionada à função do professor dentro de um conceito mais amplo que
é a profissão docente. Pimenta, por exemplo, denuncia que houve uma apropriação indevida e sem
critérios da proposta de Schõn sobre o profissional reflexivo e que é preciso que se faça uma análise
mais apurada e crítica desse conceito para se ter razões para contestá-lo25.
Como observa Contreras26, o uso indiscriminado dessa concepção coincide também com as
reformas dos governos neoliberais, que, num caminho contrário à proposta de Schõn, sugerem o
treinamento do professor para exercer a função de um “técnico reflexivo”, procedendo, assim, de uma

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forma que sempre foi contestada veementemente pelo autor, ou seja, reduzindo a prática profissional
do docente a uma simples aplicação de técnicas. Portanto, desprovida de uma possível dimensão
político-epistemológica, essa nova visão do professor reflexivo só reforçou um conceito que mantém a
profissão na mesma subcategoria em que sempre se encontrou.
Ainda Contreras, com o objetivo de ampliar o conceito de profissional reflexivo, propõe que
este, além de refletir sobre sua ação docente, deva ampliar suas perspectivas a fim de atingir uma
reflexão mais crítica e abrangente sobre sua posição na sociedade. Para o autor, e necessário que o
docente compreenda a influência organizacional no controle da sua autonomia e de sua prática
educativa, muitas vezes interferindo em seus valores e princípios éticos. Em outras palavras, um
componente muito importante na reflexão desse profissional é o seu POSICIONAMENTO CRÍTICO
PERANTE A SUA FUNÇÃO DE PROFESSOR. Somente assim estaria “emancipando - se de tutelas
externas e mostrando sua capacidade de usar sua inteligência para a compreensão e a transformação
social. Tudo isto supõe o desenvolvimento de Uni pensamento crítico”27.
Desse modo, a prática reflexiva não encerraria uma concepção concreta sobre si mesma, mas
serviria de estímulo crítico para superar diversas situações que se perpetuam há muito tempo na
profissão docente, tais como: as condições precárias de trabalho, a falta de valorização do profissional,
a estrutura hierárquica rígida e a completa escassez de autonomia do educador. Em palavras proferidas
ao professor reflexivo, Alarcão ressalta, entre as suas virtudes, a de ser um profissional que
pensa no que faz, que é comprometido com a profissão e se sente autônomo, capaz de tomar
decisões e ter opiniões. Ele é, sobretudo, uma pessoa que atende aos contextos em que
trabalha, os interpreta e adapta a própria atuação a eles. Os contextos educacionais são
extremamente complexos e não há um igual a outro. Eu posso ser obrigado a, numa mesma
escola e até numa mesma turma, utilizar práticas diferentes de acordo com o grupo. Portanto,
se eu não tiver capacidade de analisar, vou me tornar um tecnocrata.28

Para alcançar uma prática reflexiva, a postura de análise sistemática da ação deve se tornar
freqüente e sobretudo adquirir um caráter fundamentalmente crítico, constituindo-se em uma força e
uma forma de identidade profissional. Segundo Perrenoud, “Todos nós refletimos na ação e sobre a
ação, e nem por isso nos tornamos profissionais reflexivos. É preciso estabelecer a distinção entre a
postura reflexiva do profissional e a reflexão episódica de todos nós”29.
Por isso, ao abordarmos a formação do professor que lida com o aluno portador de
necessidades especiais, é necessário ressaltarmos que o processo de qualificação desse profissional
aparece como requisito indispensável à transformação do nosso sistema educacional, c0nio nos sugere
Glat:
A qualificação técnica de boa qualidade dos futuros profissionais, assim como a capacitação
dos profissionais em exercício, deve ser revista no sentido de prepará-los para concretizar o
ideal democrático de oportunizar a educação básica a todos os alunos, quebrando barreiras e
limitações de toda ordem, que geram segregacionismo e discriminações.30

Entre os problemas identificados na atuação docente inclui-se, também, a inexistência de


condições que favoreçam o desenvolvimento de uma competência voltada para a compreensão da
diversidade apresentada pelo alunado com necessidades especiais.31
Falta ao professor reflexão sobre o seu próprio processo de pensamento, sobre o processo de
pensamento de seu aluno e sobre o momento específico da aprendizagem. Somente com a observação
dessas condições, o professor estará preparado para construir uma prática pedagógica adequada à
diversidade em sala de aula.
Podemos depreender disso que a proposta de uma sociedade inclusiva não é uma empreitada
fácil, e que ela só se tornará viável por meio da preocupação, do interesse e da participação de toda a
sociedade, na qual se incluem famílias, escolas, organizações, governo etc.
Partindo desse pressuposto, no rol dos desafios propostos pela inclusão, encontramos a
necessidade de uma modificação estrutural no sistema educacional brasileiro, com um dos focos
voltados para a formação inicial e continuada do professor, especialmente aquele que lida diretamente
com alunos portadores de necessidades especiais. Ou seja, Se por um lado a educação inclusiva exige
que o professor do ensino regular adquira algum tipo de especialização para fazer frente a uma
população que possui características peculiares, por outro, exige que o professor de Educação Especial
amplie suas perspectivas, tradicionalmente centradas nessas características”32.
Desse modo, acreditamos que a prática reflexiva possibilita a constituição de uma rede de

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interações e mediações feitas durante o no período de formação do professor que favorecem desde a
apropriação de conhecimentos técnicos específicos até o exercício contínuo de reflexão crítica sobre o
seu fazer.

CITAÇÕES POR CAPÍTULO

1. FREIRE; SHOR, 1986, p. 86. GOMES; LIMA, 2002; CONTRERAS, 21. PERRENOUD, 2002, p. 44.
2. FREIRE, 1996. 2002; PERRENOUD, 2002; 22. SCHÕN, op. cit.
3. Ibid-, p. 25. PIMENTA, 2002; SACRISTÁN, 2002. 23. ZEICHNER, 1997, p. 126.
4. MÜLLER; GLAT, 1999, p. 29. 12. PIMENTA, 2002. 24. SCHÕN, op. cit.
5. GONZÁLEZ, 2002, p. 242. 13. SCHÕN, 1997. 25. PIMENTA, 2002.
6. PERRENOUD, 2002, p. 13. 14. NÓVOA, 1997. 26. CONTRERAS, 2002.
7. WEISS, 2003. 15. GÓMEZ, 1997. 27. CONTRERAS, 2002, p. 157.
8. ALARCÃO, 2002. 16. CONTRERAS, 2002. 28. ALARCÃO, 2002.
9. PIAGET, 1989. 17. SACRISTÁN; GÓMEZ, 2000, p. 29. PERRENOUD, 2002, p. 13.
10. OLIVEIRA, 2001. 363. 30. GLAT, 2000, p. 19.
11. FREIRE; SHOR, 1986; 18. SCHÕN, 2000. 31. Ibid.
ZEICHNER, 1997; NÓVOA, 1997; 19. GÓMEZ, 1997. 32. BUENO, 1999.
GARCIA, 1997; GÓMEZ, 1997; 20. SCHÕN, 1997, p. 85.

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PARA PENSAR...
Caso você seja professor, procure lembrar-se se em sua formação você pôde ter um embasamento
sobre a educação inclusiva. O que você acredita que seja necessário para tornar a inclusão um tema
constante na formação inicial e continuada de professores?

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Capítulo 6

PERSPECTIVAS DA INCLUSÃO ESCOLAR E SUA EFETIVAÇÃO

Cada um de nós é diferente. Tivemos experiências diferentes.


Recebemos o sol de maneira diferente. Projetamos nossa sombra
de maneira diferente. Por que então não teríamos cores
diferentes?
Buscaglia, 1982

Um conjunto de cores... Uma grande árvore no outono... concentra sua beleza na variedade de
seu colorido. Observamos, perplexos, por uns instantes essa maravilha, buscando entender suas
nuanças. Um amarelo forte, um verde escuro, um alaranjado muito claro podem compor uma intensa
harmonia. Talvez sua beleza esteja concentrada não em excluir, mas em incluir e, então, completar-se
na diversidade. A desigualdade, a diferença pode despertar criticidade ou ousadia; contudo, retrata a
grandiosidade do todo.
Como já vimos no capítulo anterior, a inclusão escolar tem sido um dos temas mais polêmicos
quando o assunto é educação na contemporaneidade. Mesmo entendendo a filosofia inclusiva como
justa e promotora de um contexto escolar melhor para todos, precisamos de muita cautela ao conduzi-
la. O ato de inserir o aluno com necessidades educativas especiais no ensino regular, por si só, seria
uma pseudo-inclusão, o que nos soa, no mínimo, como irresponsabilidade, A inclusão, por mais justa
que seja, requer muita reflexão e preparo do contexto escolar. A singularidade de cada indivíduo
suscita a observância de cada situação em particular.
A polêmica em torno da inclusão no Brasil nos últimos anos se justifica, assim, pela
complexidade do tema, que envolve assuntos sociais, políticos, educacionais, entre outros. Mas,
enquanto teóricos e pesquisadores estão refletindo sobre o “estado da arte”, discutindo terminologias,
as escolas têm recebido em suas salas de aula crianças com necessidades especiais em um fluxo cada
vez mais acentuado. A inclusão escolar vem se efetivando na prática com dificuldades, muito antes de
a legislação vigente formalizar a proposta.

Poderia você identificar pontos de maior divergência entre a teoria e a prática na


educação especial inclusiva?
Pense no contexto escolar de seu município, de seu estado e do Brasil como um todo. Se
você não conhece essa realidade escolar, procure inteirar-se, pois isso seria importante
para o nosso diálogo.

O sistema escolar brasileiro está diante do desafio de alcançar a educação que contemple a
diversidade da condição humana. No anseio de uma inclusão que se efetive na prática de forma
harmoniosa, consideramos necessário procurar conhecer as dificuldades que estão sendo reveladas na
sua operacionalização. Acreditamos que esse é o momento de nos mobilizarmos para que a inclusão
escolar não seja mais uma proposta distante das necessidades reais da população.
Propomos, aqui, uma discussão que abrangerá uma breve retrospectiva sobre a inclusão (ponto
que consideramos fundamental para compreender a situação atual), seguida da análise do resultado de

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algumas pesquisas que envolvem o tema. Finalizaremos com alguns relatos de experiências do
cotidiano nas escolas e sugestões para efetivação da inclusão escolar. Parece-nos urgente encontrar
suporte na realidade para que possamos entender e atender a demanda que se revela na prática
inclusiva.

REFLETINDO SOBRE O PROCESSO INCLUSIVO

De acordo com Sassaki1, o movimento de inclusão começou por volta de 1985 nos países mais
desenvolvidos, tomou impulso na década de 1990 nos países em desenvolvimento e vai configurar-se
fortemente nos primeiros dez anos do século XXI em todos os países.
Fazendo uma reflexão histórica a fim de entender a situação atual, encontramos quatro fases
distintas. A primeira, que corresponde ao período anterior ao século XX, é chamada de “fase da
exclusão na qual a maioria das pessoas com deficiência e outras condições era tida como indigna da
educação escolar”2. Em sociedades antigas, era normal o infanticídio quando se observavam
anormalidades nas crianças3. Durante a Idade Média, a Igreja condenou tais atos, mas, por outro lado,
acalentou a idéia de atribuir a causas sobrenaturais as anormalidades de que padeciam as pessoas. No
século XVII, os deficientes mentais eram totalmente segregados, internados em orfanatos, manicômios
e outros tipos de instituições estatais. No final do século XVIII e princípio do século XIX, iniciou-se o
período da institucionalização especializada em pessoas com necessidades educativas especiais e é a
partir de então que poderíamos considerar ter surgido a EDUCAÇÃO ESPECIAL.
A segunda fase, “chamada de segregação, já no século XX, começou com o atendimento às
pessoas deficientes [com necessidades educativas especiais] dentro de grandes instituições que, entre
outras coisas, propiciavam classes de alfabetização”4. É então que se aplica a divisão do trabalho à
educação e nasce assim uma pedagogia diferente, uma educação especial institucionalizada, baseada
nos níveis de capacidade intelectual e diagnosticada em termos de quociente intelectual. As escolas
especiais multiplicam-se e diferenciam-se em função das diferentes etiologias: cegos, surdos,
deficientes mentais, paralisados cerebrais etc. Esses centros especiais e especializados, separados dos
modulares, com seus programas próprios, técnicos e especialistas, constituíram um subsistema de
educação especial diferenciado dentro do sistema educativo geral. “O sistema educacional ficou com
dois subsistemas funcionando paralelamente e sem ligação [...]: a educação comum e a educação
especial”5
Na segunda metade do século XX, especialmente a partir da década de 1970, a pessoa com
necessidades especiais começou a ter acesso à classe regular desde que se adaptasse sem causar
qualquer transtorno ao contexto escolar. Essa seria a terceira fase, que constitui
a fase da integração, embora a bandeira da integração já tivesse sido defendida a partir do
final dos anos 60. Nesta nova fase, houve uma mudança filosófica em direção à idéia de
educação integrada, ou seja, escolas comuns aceitando crianças ou adolescentes deficientes
nas classes comuns ou, pelo menos, em ambientes o menos restritivo possível Só que se
considerava integrados apenas aqueles estudantes com deficiência que conseguissem adaptar-
se à classe comum como esta se apresentava, portanto sem modificações no sistema. A
educação integrada ou integradora exigia a adaptação dos alunos ao sistema escolar,
excluindo aqueles que não conseguiam adaptar-se ou acompanhar os demais alunos. As leis
sempre tinham o cuidado de ressaltar a condição ‘preferencialmente na rede regular de
ensino’, o que deixava em aberto a possibilidade de manter crianças e adolescentes com
deficiência nas escolas especiais.6

A quarta fase, a de INCLUSÃO, começou a projetar-se no início da década de 1980, quando um


maior número de alunos com deficiência passou a freqüentar classes regulares, pelo menos em meio
turno. Intensificou-se a atenção à necessidade de educar os alunos com necessidades especiais no
ensino regular como conseqüência das insatisfações existentes em relação às modalidades de

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atendimento em educação especial, que, para muitos, contribuíam para a segregação e a


estigmatização dos educandos, além de não darem respostas adequadas às suas necessidades
educacionais e sociais.
Segundo Sassaki,
a semente do paradigma da inclusão foi plantada pela Disabled Peoples International, uma
organização não-governamental criada por líderes com deficiência, quando em seu livreto
Declaração de Princípios, de 1981, definiu o conceito de equiparação de oportunidades [...]; O
processo mediante o qual os sistemas gerais da sociedade, tais como o meio físico, a habitação
e o transporte, os serviços sociais e de saúde, as oportunidades de educação e de trabalho, e a
vida cultural e social, incluídas as instalações esportivas e de recreação, são feitos acessíveis
para todos. Isto inclui a remoção de barreiras que impedem a plena participação das pessoas
deficientes em todas estas áreas, permitindo-lhes assim alcançar uma qualidade de vida igual
à de outras pessoas.

Esse novo paradigma começa a ser disseminado principalmente a partir da Assembléia


Mundial realizada em junho de 1994, na cidade de Salamanca, na Espanha, sob o patrocínio da
Unesco, quando representantes de 92 países e de 25 organizações internacionais reuniram-se para
discutir o processo de inclusão escolar.8
De acordo com Sassaki,
trata-se do mais completo texto sobre inclusão na educação, em cujos parágrafos fica
evidenciado que a educação inclusiva não se refere apenas às pessoas com deficiência e sim a
todas as pessoas, deficientes ou não, que tenham necessidades educacionais especiais em
caráter temporário, intermitente ou permanente. Isso se coaduna com a filosofia da inclusão
na medida em que a inclusão não admite exceções - todas as pessoas devem ser incluídas.9

Como explica Werneck,


a inspiração para o encontro em Salamanca, na Espanha, foi reafirmar o direito de todas as
pessoas à educação, conforme a Declaração Universal de Direitos Humanos, de 1948, e ainda
ratificar o empenho da comunidade internacional em cumprir o estabelecido na Conferência
Mundial sobre Educação para Todos. [...] A Declaração de Salamanca é conseqüência de todo
esse processo, mas a autêntica base do que foi discutido na Espanha estava grifada nas di-
versas declarações das Nações Unidas que culminaram justamente no documento Normas
Uniformes sobre a Igualdade de Oportunidades para as Pessoas com Deficiência. [...] De
acordo com essas normas, os estados são obrigados a garantir que a educação de pessoas com
deficiência seja parte integrante do sistema educativo.10

Segundo essa declaração, a exclusão nas escolas lança as sementes do descontentamento e da


discriminação social. A educação é uma demanda de direitos humanos, e os indivíduos com
necessidades especiais devem fazer parte das escolas, as quais devem modificar seu funcionamento
para incluir todos os alunos.
Acompanhando essa caminhada histórica, salientamos outros movimentos organizados pela
DPI, como a elaboração da Declaração de Madri, aprovada em 23 de março de 2002, que proclamou
2003 como o Ano Europeu das Pessoas com Deficiências. O objetivo maior se centrou na
conscientização da população sobre os direitos de mais de 50 milhões de europeus com deficiência.
Essa declaração tem como preâmbulo a não-discriminação e a ação afirmativa como promotores da
inclusão social.11
Segue com a mesma força e impacto social a aprovação, em outubro de 2002, de mais duas
declarações, a de Caracas e a de Sapporo. A Declaração de Caracas, que destaca o compromisso de
todos em elevar a qualidade de vida de pessoas com deficiências e suas família ainda propõe a
construção de uma rede ibero-americana de organizações não governamentais composta por essas
pessoas. Assim, 2004 foi proclamado o Ano das Pessoas com Deficiência e suas Famílias, em que se
almejou a efetivação de normas sobre a equiparação de oportunidades, convidando-se governos e
parlamentos dos países latino-, americanos a se organizarem em seus territórios.12
A Declaração de Sapporo, organizada e composta apenas por pessoas com alguma necessidade

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especial, registra que, na condição de pessoas com deficiência, elas se opõem a guerras, à violência e a
todas as formas de opressão, além de desejarem construir uma organização unida e forte.13
Todos esses acontecimentos destacam a ampla mobilização mundial de pessoas com
deficiência em busca de seus direitos e de uma melhor qualidade de vida. A inclusão social e
escolar tem servido como alavanca para esse processo. Mas, afinal, qual o foco, o objetivo
central da educação inclusiva?

Segundo Mantoan14, a inclusão questiona as políticas e a organização da educação especial e


regular, bem como tem por objetivo não deixar ninguém de fora do ensino regular, desde os primeiros
anos. A escola inclusiva procura valorizar a diversidade existente no alunado inerente à comunidade
humana, ao mesmo tempo em que busca repensar categorias, representações e determinados rótulos
que enfatizam os déficits em detrimento das potencialidades dos educandos.
Em seu sentido mais amplo, o ensino inclusivo é a prática da inclusão de todos,
independentemente de seu talento, deficiência, origem socioeconômica ou cultural, em escolas e salas
de aula provedoras, em que todas as necessidades dos alunos são satisfeitas.
De acordo com Thompson,
a Lei n° 9.394/96, que estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Brasileira, reforça, nos
arts. 58 e 59, a importância do atendimento educacional a pessoas com necessidades
especiais, ministrado preferencialmente em escolas regulares. Estabelece, também, que sejam
criados serviços de apoio especializado e assegurados currículos, métodos e técnicas, recursos
educativos e organizações específicas para atender às peculiaridades dos alunos. Destaca,
ainda, a necessidade DE CAPACITAR DOCENTES DO ENSINO REGULAR PARA O ATENDIMENTO
ESCOLAR DESTES EDUCANDOS EM CLASSES REGULARES. [...] [No entanto], embora ofereça o
respaldo necessário ao trabalho inclusivo, a legislação, por si só, não opera mudanças.16
Considerando o acima exposto, quais as medidas que você considera necessárias para
implementar a inclusão de pessoas com necessidades especiais no ensino regular deforma
efetiva?

Há uma grande discussão em relação aos termos INCLUSÃO e INTEGRAÇÃO. Para Werneck,
a integração e a inclusão são dois sistemas organizacionais de ensino que têm origem no
princípio de NORMALIZAÇÃO. Normalizar uma pessoa não significa torná-la normal.
Significa dar a ela o direito de ser diferente e ter suas necessidades reconhecidas e atendidas
pela sociedade. Na área da educação, normalizar é oferecer ao aluno com necessidades
especiais recursos profissionais e institucionais adequados para que ele desenvolva seu
potencial como estudante, pessoa e cidadão.17

Segundo Sassaki18, no modelo integrativo, a sociedade praticamente “cruza os braços”,


aceitando receber pessoas com necessidades educativas especiais desde que elas sejam capazes de
moldar-se aos requisitos dos serviços especiais separados, acompanhar os procedimentos tradicionais,
contornar os obstáculos existentes no rnpj0 físico e lidar com as atitudes discriminatórias da sociedade,
resultado de estereótipos, preconceitos e estigmas.
“Na inclusão, o vocábulo integração é abandonado, uma vez que o objetivo é incluir um aluno
ou um grupo de alunos que já foram anteriormente excluídos.”19 Werneck, comentando essa afirmação
de Mantoan, esclarece:
Inclusão é, assim, o termo utilizado por quem defende o sistema CALEIDOSCÓPIO DE
INSERÇÃO. Trata-se de uma metáfora criada por educadores canadenses que têm se
destacado, internacionalmente, como pioneiros da luta pela inclusão. No sistema de
caleidoscópio não existe uma diversificação de atendimento. A criança entrará na escola, na
turma comum do ensino regular, e lá ficará. Caberá à escola encontrar respostas educativas
para as necessidades específicas de cada aluno, quaisquer que sejam elas. Á inclusão não
admite diversificação pela segregação. [...] Tende para uma especialização do ensino para
20
todos.

De acordo com Stainback e Stainback21, o principal objetivo desse processo “está em


oferecer a esses alunos os serviços de que necessitam, mas em ambientes integrados, e em
proporcionar aos professores atualização de suas habilidades”. Estes devem ensinar aquilo de que seus

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alunos necessitam e não o que pensam que eles precisam, pois “não há maior preconceito do que tratar
igualmente aquele que não é igual”22.
Quem ganha também com esse processo são os outros alunos, que irão enriquecer-se por ter a
oportunidade de conviver com o diferente, Nas salas de aula integradas, todas as crianças
desenvolvem-se para cuidar umas das outras e conquistam as atitudes, as habilidades e os valores
necessários para a comunidade apoiar a inclusão de todos os cidadãos.23
A inclusão estabelece, para o sistema educacional, vários desafios: conscientização da
comunidade escolar e da sociedade em geral sobre a nova maneira de entender e educar o alunado;
investimento sério na preparação continuada da equipe escolar; preparação de pessoas especializadas
no tema, em nível de graduação e pós-graduação, para prestar apoio aos professores generalistas;
formação de mestres e doutores, de docentes formadores de professores e outros profissionais para o
atendimento educacional e para o desenvolvimento de pesquisas que possam subsidiar a ação
educativa empreendida; estruturação de métodos, técnicas e recursos de ensino adequados a esse
alunado; adaptação de currículos para atender às necessidades e às especificidades dos alunos em
classes regulares; envolvimento de pais e pessoas da comunidade ampla nesse processo.
Em sua prática profissional, quais são os principais desafios da inclusão? laça uma relação em ordem de
importância. Ao final da leitura deste livro, procure uma alternativa para minimizar a dificuldade ou
transformá-la em um ponto positivo. Lembre-se: a inovação é ferramenta indispensável para mudar
concepções e práticas.

O QUE AS PESQUISAS TÊM REVELADO SOBRE A PRÁTICA DA INCLUSÃO ESCOLAR NO BRASIL?

Os trabalhos e as pesquisas envolvendo a inclusão escolar vêm avançando rapidamente em


função da urgência em atender às solicitações feitas por professores, orientadores e pais.
Contemplando a heterogeneidade da realidade brasileira e a especificidade da prática educativa, os
estudos buscam entender como a inclusão está acontecendo e de que forma podemos melhorar sua
efetivação. Veremos, a seguir, que as pesquisas são bastante contundentes ao retratar a situação.
Edler24, em sua pesquisa, constatou como os professores de ensino especial e regular de todas
as regiões brasileiras entendiam as dificuldades de aprendizagem, além de analisar as grades
curriculares dos cursos de magistério da educação fundamental.
A autora comparou as respostas dadas pelos professores do ensino regular com as dos
professores do ensino especial. Um dos pontos de maior divergência revelou-se quando os docentes
responderam à pergunta “São deficientes mentais ou não?” referindo-se a alunos que “não aprendem”
A grande maioria dos professores do ensino regular demonstrou entender que os alunos que “não
aprendem” têm deficiência mental Os educadores do ensino especial discordaram, afirmando que
alunos podem ter dificuldades de aprendizagem sem serem deficientes mentais. A divergência das
opiniões pode ser explicada, na percepção da pesquisadora, por serem os professores do ensino regular
menos informados e menos experientes em relação às deficiências, enquanto os da educação especial
dominam mais a temática, são mais críticos e “não consideram a deficiência como um rótulo que serve
para explicar qualquer problema dos alunos”25.
Os professores reconhecem que o ensino regular não está bom no dia-a-dia das escolas e, com
isso, acabam, implicitamente, criticando a prática pedagógica. Há constatação de que os currículos dos
cursos de formação de professores na maioria dos estados tratam das dificuldades de aprendizagem e
das deficiências de forma muito restrita e normalmente apenas no último ano do curso, impedindo que
haja maior familiarização com o assunto e justificando, então, o despreparo do professor do ensino
fundamental26
Essa pesquisa comprova o que já imaginávamos saber: a escola não consegue lidar com alunos

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que se afastam de um padrão. Crianças normais que apresentam dificuldades específicas de


aprendizagem são com freqüência rotuladas como deficientes e encaminhadas para escolas especiais.
Os levantamentos de Rocha e Marquesini27 verificaram a posição de professores do ensino
regular e da educação especial de 4 cidades da região norte do Estado do Paraná, envolvendo 141
docentes. Os resultados revelaram que os professores posicionaram-se, em sua maioria, contra a
inclusão do aluno com deficiência mental no ensino regular. Os que mostraram menos resistência
foram aqueles que cursaram em sua formação disciplinas específicas para atender a crianças com
deficiência mental. A conclusão desse estudo propõe a necessidade de capacitação urgente dos
docentes e dos profissionais do sistema educacional
Pardo e Faleiros28 entrevistaram professores de ensino regular que atendiam a alunos com
necessidades especiais e lidavam com a produção acadêmica destes. A análise das respostas dos
professores evidenciou que a escola não fez alterações no seu funcionamento para receber a clientela
com necessidades educativas especiais; que os alunos em situação de inclusão apresentaram melhores
resultados na socialização do que na produção acadêmica; e que, ao final do ano letivo, os professores
acreditavam que os alunos com deficiência mental necessitavam de escola especial
Diante disso, os pesquisadores apontam a necessidade de haver maior número de investigações
direcionadas à forma de intervenção oferecida no processo inclusivo, bem como incentivo à
implantação de condições mais adequadas para a inclusão do aluno com deficiência mental em
ambientes menos segregadores.
Um trabalho realizado na cidade de Marília (SP) por Reganhan e Braga29 discute a inclusão a
partir da escuta de professores do ensino regular que receberam alunos especiais em suas salas de aula.
A discussão dos resultados descreve dados como: os professores na maioria tinham nível superior ou
estavam em fase de conclusão; dos 8 professores, 4 possuíam formação em educação especial, mas
estes também se sentiam inseguros ao atender o aluno com necessidades educativas especiais; os
demais (sem especialização) relataram que a falta de formação dificulta muito o trabalho.
A pesquisa, para essas autoras, permitiu concluir que a inclusão não deve ser algo obrigatório,
isto é, há necessidade de existir interesse dos professores e de toda a escola. Elas explicam que, para os
professores entrevistados, a inclusão é necessária e viável, contudo não deve tornar-se um “devaneio
otimista”, devendo-se, por isso, in- vestir na efetivação de condições mínimas para que aconteça,
Vitaliano30 acompanhou a percepção de professores universitários da área de educação
especial e de professores do ensino fundamental que participam de projetos de inclusão quanto a essa
questão e percebeu que, para a escola ser inclusiva, é fundamental que os professores estejam mais
bem preparados, que haja adaptações curriculares, redução do número de alunos em sala e apoio de
professores especialistas nas áreas específicas.
Uma pesquisa realizada por Silva et. al31, na cidade de Curitiba (PR), em 2004, buscou saber
quais as concepções de professores do ensino regular a respeito da inclusão escolar. Inicialmente foi
feito um levantamento do número de escolas de ensino regular na cidade e ficou constatado que 331
escolas atendiam a crianças especiais nas salas de ensino regular em processo de inclusão. A análise
resultante permite-nos fazer algumas considerações:

• havia mais escolas municipais (42%) com crianças em processo de inclusão do que
particulares (29%) e estaduais (28%);
• a maioria dos professores (68%) possuía formação superior e um grupo considerável
(44%) tinha especialização em ensino médio ou superior;
• muitos professores (76%) entendiam o significado da inclusão como uma
possibilidade de integração da pessoa com necessidades especiais na sociedade (Tabela
1).

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Significado da inclusão Freqüência

Exercício da cidadania 50%


Conviver com as diferenças 49%

Possibilidade de integração com a sociedade 76%


Momento histórico atual 9%

Não sei 1%

Fonte: SILVA et al, 2004.

Assim, ao observarmos a Tabela 1, concluímos que 99% dos professores tinham, embora não a
mesma, uma determinada compreensão do significado da inclusão.
Tabela 2 - Alterações curriculares necessárias
Alterações curriculares necessárias Freqüência

Não responderam 9%

Redução da lição de casa 10%


Avaliação diferenciada 47%

Flexibilidade do planejamento do ensino 48%


Capacitação dos professores 84%
Um professor auxiliar na sala 47%
Apoio pedagógico extracurricular 66%

Fonte: SILVA et al, 2004.

Ao analisarmos os dados da Tabela 2, constatamos que a maioria (95%) acreditava na


necessidade de adaptações do contexto escolar para receber os alunos especiais. Contudo, em resposta
a outra pergunta, os professores afirmaram que grande parte das escolas (66%) não estava fazendo
adaptações. E 85% dos professores salientaram as adaptações curriculares que consideram necessárias.
Em 78% das escolas não estavam sendo feitas alterações curriculares, conforme dados
fornecidos pelos entrevistados. Ao se perguntar aos professores se eles se sentiam preparados para
atender aos alunos com necessidades educativas especiais, 32% deles responderam que acreditavam
estar preparados, mas destacaram o desejo de maior aperfeiçoamento; 42% disseram não se sentir
preparados, embora dispostos a se aperfeiçoarem. Por outro lado, 19% dos professores mencionaram
não estar preparados e não querer aperfeiçoar-se para atender a alunos especiais.

Podemos entender que 61% dos professores afirmaram não se sentir preparados para
receber alunos especiais. Esse fato justifica que 71% dos professores tenham dito que a
inclusão não estava acontecendo de forma harmoniosa na prática.
Quanto aos ganhos (aproveitamento) que os alunos com necessidades educativas especiais
estavam tendo com a inclusão, os professores apontaram que se distribuíam na área social (90%),
seguida das áreas emocional (45%) e cognitiva (26%). Uma das perguntas investigou os benefícios do
processo inclusivo. Verificamos, analisando os dados, que um pequeno número de professores (11%)
achava que o aluno com necessidades educativas especiais se beneficiava; a maioria (55%) achava que
em algumas situações esse aluno ficava prejudicado e que o professor acabava desgastado (40%),
como descreve a tabela a seguir.

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Tabela 3 - Benefícios e prejuízos com o processo inclusivo


Benefícios e prejuízos Freqüência

Não responderam 2%
Todos se beneficiam sempre 23%

Em algumas situações o aluno com NEE fica 55%


prejudicado

O aluno com NEE beneficia-se sempre 11%

Em algumas situações o aluno sem NEE fica 30%


prejudicado

O aluno sem NEE beneficia-se sempre 10%


O professor fica muito desgastado 40%

Fonte: SILVA et al., 2004.

Os dados obtidos nessa pesquisa permitem muitas reflexões que podem ser correlacionadas
com as pesquisas anteriormente apontadas. Pontos positivos são comuns a todos os trabalhos
analisados, como os ganhos sociais para todos e a conscientização dos professores sobre a necessidade
de aperfeiçoamento.
Dessa forma, seria coerente afirmarmos que, em todas as pesquisas, a formação do professor
parece não corresponder às suas necessidades práticas; mesmo aqueles que possuem curso superior
mostram-se inseguros diante da diversidade. Poderíamos entender que é plenamente compreensível a
sensação de insegurança diante do novo e do diferente, no entanto tal despreparo envolve tanto os
aspectos pedagógicos como crenças, valores e sentimentos. Muitos autores, como Mittler e Marques,
entre outros, destacam que o professor é uma pessoa que tem sua história de vida e esta não deve ser
desconsiderada32. Para se alcançar o sucesso em qualquer atividade, há necessidade de disponibilidade
e interesse.
Você acredita que o despreparo do professor é o fato gerador das dificuldades no
processo de inclusão?
Afirmar que somente o professor está despreparado seria simplista. A “escola” necessita
urgentemente de mudanças de postura, formação, procedimentos de ensino, organização etc. Entre o
falar e o fazer, entre o discurso oficial e a ação, existem contradições que requerem a participação de
todos.33 A implantação, na realidade, dessa nova concepção de educação exige profissionais bem
formados, cujo preparo lhes permita levar adiante eficazmente o ensino, tanto no que diz respeito à
diversidade das necessidades educativas, quanto em relação às possíveis variações dessas necessidades
em consonância com os diferentes períodos vitais.

PRATICANDO A INCLUSÃO

Acompanhamos a inclusão de crianças com deficiência mental há alguns anos. Durante esse
percurso, constatamos inúmeras situações que nos despertaram angústias e outras tantas que nos
motivam a acreditar que a inclusão pode ser a solução para uma escola melhor, mais justa, mais
democrática e mais igualitária. É como se estivéssemos diante de uma idéia contraditória. Por um lado,
a inclusão impulsiona o professor a aprimorar-se, a reconhecer sua competência em atender as
diferenças, a melhorar a qualidade de ensino, a diminuir o preconceito, a oportunizar ao aluno especial
o convívio com os demais. Por outro lado, encontramos o despreparo geral (não apenas do professor,

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mas da sociedade como um todo) para o enfrentamento desse processo, podendo acarretar prejuízos
para a criança especial, que sofre diretamente as conseqüências da pseudo-inclusão, bem como para a
escola como um todo.

Mas, será que está claro para todos os envolvidos o objetivo da inclusão escolar? E para
você?
Parece-nos que ainda não está claro para a sociedade o que se quer com a inclusão escolar.
Além dos problemas de ordem política, das legislações, das declarações etc., existe a força dos
movimentos radicais, que hasteiam a bandeira da inclusão ignorando as conseqüências de uma
situação imposta. No entanto, no meio desse turbilhão, temos as escolas, os professores, as crianças e
os pais, que estão tentando acertar o passo.
A observação da realidade pode levar a conclusões importantes. Todas as deficiências têm
suas peculiaridades, contudo sabemos que crianças com deficiência mental ou com distúrbio global do
desenvolvimento necessitariam de uma disponibilidade maior do contexto para a inclusão escolar.
A inclusão da criança com déficit cognitivo em creches, berçários e pré-escolas tem se
efetivado, como um todo, de forma menos problemática, fato explicado pelo nível de cobrança
verificado. Nessa faixa etária, percebemos um otimismo em relação à inclusão; todavia, a partir do
final da educação infantil, com o início da alfabetização, aparecem algumas dificuldades.
Ao acompanharmos crianças maiores (entre a 5a e a 8a séries) que freqüentam o ensino
fundamental em escolas regulares, observamos que, apesar de não vencerem todo o conteúdo
programático, já lêem, escrevem e realizam todas as atividades junto com seus colegas de sala. A situ-
ação parece funcionar como um quebra-cabeça que possui muitas peças a serem encaixadas,
requerendo reflexão, atenção e motivação constantes para que se prossiga com sucesso. Quando a
escola descobre sua capacidade em atender à diversidade, não há limites para a inclusão.
Insistimos que incluir não é simplesmente levar uma criança especial a freqüentar o ensino
regular. A inclusão é uma conquista diária para a escola, para a criança e para seus pais. Todo dia é um
dia novo na inclusão. Poderíamos citar inúmeros exemplos cujas particularidades em comum são
grandes dificuldades e grandes vitórias.
Faremos a seguir alguns comentários sobre a prática inclusiva que vivenciamos. Os exemplos
e as sugestões que se seguem não devem ser considerados como receitas para a inclusão. Estamos
discutindo o respeito à diversidade e por isso não podemos achar que uma fórmula mágica possa ser
aplicada a todos.
O primeiro caso que queremos ressaltar é o de V., uma criança com deficiência mental que
passou a freqüentar o berçário de uma escola privada de ensino regular aos sete meses. Nos dois
primeiros anos, em todas as visitas realizadas à escola, observamos que os funcionários demonstravam
bastante desenvoltura para solucionar as poucas dificuldades que surgiam no processo. V. recebia,
paralelamente, atendimento especializado individual, voltado à estimulação precoce. Apesar de toda a
solicitação do meio (estimulação dos pais, da escola de ensino regular e da escola especial), por
motivos de saúde, essa criança demorou a andar, dando seus primeiros passos por volta dos três anos.
Ao final de cada semestre, as crianças que já andavam, passavam para as turmas de maternal I.
Assim, como V. começou a andar tardiamente, permaneceu no berçário, sempre convivendo com
crianças menores. Com o tempo, passou a mostrar-se apático e a dormir a maior parte do período. Foi
discutida com a escola a possibilidade de transferi-lo para um grupo de maternal, no qual pudesse
conviver com crianças que andavam e falavam. A escola entendeu a necessidade da criança, mas
argumentou que no maternal o ritmo de trabalho era outro.
Ao conversarmos com a professora, ela “aceitou” fazer uma experiência e V. começou a
freqüentar o maternal. No início, apareceram alguns problemas de relacionamento com os colegas, que
o agrediam mordendo, além da dificuldade de locomoção de um ambiente para outro. Sua mãe ficou

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muito angustiada, apesar de entender que alguns transtornos precisariam ser enfrentados. Procuramos,
novamente, conversar com a professora, que, a essa altura, admitiu que era muito difícil atender a
todos. Dois meses depois ela pediu demissão. A escola acabou diminuindo o número de alunos nessa
sala e realizando reuniões semanais com os professores. Hoje, V. está com seis anos e bem integrado
aos seus colegas do maternal II.

CONSIDERAÇÕES

• Para fazermos a inclusão, não basta boa vontade. Há necessidade de adaptações


concretas na escola, mesmo na educação infantil. Nesse caso, a redução de alunos na sala,
além de um trabalho mais próximo de orientação e apoio ao docente, é imprescindível
• É necessário considerar a individualidade da criança. Não pode haver normas e
padrões fixos. Apesar de não andar ou falar, a convivência com as crianças de mesma
idade é muito importante.
• Agressões físicas são comuns em crianças pequenas que têm dificuldade de
comunicação. Orientamos, nesse caso específico, que a professora trabalhasse com
fantoches, livros de história e massa de modelar, abordando limites, respeito etc., além de
promover o reconhecimento de V. como uma criança do maternal e não do berçário.
• O trabalho com todos os professores e profissionais da escola é fundamental A criança
não é aluna do berçário ou do maternal nem da professora X. A criança (qualquer que
seja) é aluna da escola. Na escola inclusiva, todos devem partilhar das dificuldades, das
sugestões e das vitórias. Assim, estarão preparando-se para atender à criança especial.
Hoje é aluna da professora X, amanhã será da professora Y, e esta, por sua vez, já estará
preparada para receber a criança especial, conhecendo suas particularidades e
necessidades. A escola cresce junto com a criança.
• A sensibilidade, a disponibilidade, a história de vida e os sentimentos do professor
precisam ser considerados. Um ótimo profissional pode não ter condições emocionais
para lidar com uma criança especial. Isso precisa ser respeitado e trabalhado. Com o
tempo, essa habilidade pode ser desenvolvida. O professor precisa investir sua energia,
seu olhar em cada um de seus alunos, para que possa haver um ambiente facilitador da
aprendizagem.

Pensamos ser, ainda, necessário salientar alguns pontos. O primeiro deles diz respeito aos pais,
os quais merecem uma atenção tão especial quanto aquela que é dada aos professores. Parece que a
literatura fala pouco desse “pequeno detalhe” na inclusão e na relação da criança especial com o
mundo que a cerca.
Temos observado que os pais são peças-chave nesse processo. Se confiam na escola, podem
ajudar o professor a entender a criança e colaborar de forma definitiva para o processo inclusivo.
Quando os pais aceitam e entendem as limitações de seu filho, podem vibrar com suas vitórias, mesmo
que pequenas. Mas o inverso também é verdadeiro. Se os pais não aceitam as dificuldades da criança,
eles podem sofrer com o preconceito, culpar a escola e o professor pelos fracassos e não enxergar as
conquistas.
Pais que têm filhos especiais passam por algumas fases, que são perfeitamente
compreensíveis. Primeiramente existe o impacto da notícia de que seu filho tem limitações. Depois
vem o luto pelo filho desejado, revolta, medos, angústias, pessimismo, que são vencidos pelo amor
que podem ter pela criança e com a vontade de lutar por ela. Alguns superam as dificuldades com mais
rapidez, outros não conseguem suplantá-las por motivos próprios.34

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Os profissionais não devem julgar os pais, mas ajudá-los, entendê-los e respeitá-los. A escola
precisa buscar estabelecer uma parceria com eles e conscientizá-los em relação às conquistas e aos
insucessos vividos diariamente pelo seu filho, no intuito de encontrar apoio para as mudanças que
forem necessárias.
Outro aspecto que consideramos relevante refere-se à avaliação da criança e à sua passagem
de uma série para outra. A experiência nos tem mostrado que, quando a criança com deficiência
mental está bem adaptada aos colegas, tem amigos na sala, participa de trabalhos em grupo, atividades
de educação física e festas com “sua turma”, é indicado ao final do ano letivo passá-la para a próxima
série junto com os demais.
A sensação de “fazer parte” pode ser a mola propulsora, a motivação para a criança atingir
progressos na aprendizagem e um reforço à auto-estima. Uma criança com deficiência mental não vai
acompanhar cognitivamente o ritmo de seus colegas. Portanto, a sua avaliação deve ser dela com ela
mesma. Se, a partir da avaliação, conclui-se que ela vai beneficiar-se ao repetir a série, isso pode ser
feito, porém devemos considerar que isso não deve ser freqüente. Entretanto, se for reprovada porque
não atingiu os objetivos propostos para “os outros alunos”, estará sendo cometido um terrível engano.
Ela poderá vir a ser uma adolescente no meio de crianças de oito ou nove anos, e outros problemas
além dos de aprendizagem poderão surgir.
Para não haver o risco de a criança especial ficar somente com ganhos afetivos e sociais, a
avaliação deve ser contínua e diversificada. Bimestralmente ou semestralmente, a equipe de
professores com o apoio técnico e os pais devem comparar os rendimentos da criança nesse período de
tempo e verificar se foram satisfatórios. Caso não tenham sido, há necessidade de buscar novas
alternativas pedagógicas e de apoio, diferentes das que já tenham sido utilizadas com essa criança.
Entendemos ser necessário conceber o currículo de uma maneira aberta e flexível, como uma
ferramenta para promover o desenvolvimento mais do que como algo acabado, que deve ser
preservado e transmitido, intacto, às novas gerações. É preciso pensar no que esse aluno necessita para
sua vida, no que é realmente importante que ele aprenda na escola. Não há por que ensinar algo que
será insignificante para esse sujeito; ele, mais do que ninguém, necessita aprender coisas
significativas.
Afirmar que a criança com deficiência mental que está na 7a ou na 8a série do ensino
fundamental assimilou todos os conteúdos curriculares vistos até então seria dissimular a realidade.
Ela precisa, antes de tudo, estar lá junto com seus colegas também adolescentes, ter uma vida social e
emocional. Sua aprendizagem deve seguir seu próprio ritmo. Em função disso, destacamos a
importância de um trabalho conjunto com os pais, avaliando e acompanhando constantemente o
desenvolvimento de seu filho. Assim, poderão acreditar em um futuro em consonância com suas
competências. Mesmo que um adolescente com deficiência mental, porventura, não aprenda a ler e
escrever, terá aprendido na escola a conviver com as pessoas, a relacionar-se, a resolver seus
problemas e a construir sua autonomia. Investir na vida profissional ou em uma atividade que lhe dê
prazer na vida adulta não depende somente da alfabetização.
Acompanhamos vários casos em que crianças com deficiência mental foram retiradas por seus
pais do ensino especial e colocadas no ensino regular sem nenhum tipo de atendimento de apoio à
escola regular. Às vezes, os pais ouvem falar em inclusão e resolvem trocar de escola, pois percebem
que seus filhos estão apresentando bons resultados na escola especial. Na grande maioria desses casos,
os resultados são muito danosos para as crianças. A conseqüência que mais se observa é regressão no
desenvolvimento, como perda do controle dos esfíncteres, problemas de fala, agressividade,
isolamento, depressão, entre outros.

CONSIDERAÇÕES

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• Se uma criança com deficiência mental está apresentando bom desenvolvimento na


escola especial, provavelmente isso vem acontecendo por contar com toda uma infra-
estrutura adequada a ela. Cresceu num ambiente protegido, que respeita suas dificuldades
e seu ritmo de desenvolvimento e está adaptada a ele. Uma mudança deve ser pensada e
planejada para que não se percam os ganhos já alcançados.
• Muitas vezes o desejo de estar em uma escola regular é dos pais e não é discutido com
a criança. Seria muito importante levá-la até a escola nova para um período de adaptação.
Todos ficamos inseguros, quando precisamos mudar de ambiente de trabalho ou de
cidade; o mesmo acontece com a criança especial. Ainda precisamos considerar suas
próprias dificuldades em lidar com seus sentimentos e expressar suas idéias.
• Os profissionais da educação especial podem ser grandes aliados no processo
inclusivo nesses casos. Eles conhecem a criança e sabem como lidar com ela. É
importante não fazer um corte abrupto nesse relacionamento, mas buscar a parceria entre
o ensino especial e o regular, para realizar a inclusão das crianças maiores que cresceram
dentro da escola especial.
• Uma equipe de especialistas que trabalhem juntos e que atendam à criança numa
mesma instituição tende a promover um resultado melhor do que o obtido com atendi-
mentos fragmentados.

Relataremos a seguir uma experiência um pouco distinta da anterior e que produziu grande
aprendizado. É a história de R., um menino que conhecemos quando tinha dois anos e que hoje está
com onze. Sua mãe foi aconselhada pelo pediatra a buscar uma escola especial para uma avaliação
mais detalhada do seu desenvolvimento. Apesar de sua pouca idade, R. apresentava comportamento
muito característico, como, por exemplo, balançar o corpo, não mostrar reações ao toque, apresentar
movimentos estereotipados com as mãos, parecer olhar o vazio, não se interessar por brinquedos etc.
Depois de receber por algum tempo atendimento especializado, sua mãe percebeu alguns
progressos: ele estava mais sociável, falava, apesar de apresentar ecolalia, e parecia ter boa
compreensão. Então, retirou-o do ensino especial e colocou-o no ensino regular, uma pré- escola
pequena que, além de ser próxima do trabalho dela, parecia mais fácil à adaptação por possuir menos
alunos e ter uma direção que se mostrava disponível.
A experiência foi bastante complicada. Em um semestre trocaram três professoras. A diretora
explicou que não sabiam como lidar com a criança. R. aumentou a estereotipia, isolou-se
completamente e começou a auto-agredir-se. A mãe buscou ajuda dizendo que gostaria que seu filho
continuasse no ensino regular, no entanto queria mudar de escola. Procuramos uma escola de ensino
regular maior, que tinha uma estrutura bem organizada e que já atendia a outras crianças especiais.
Antes de R. começar a freqüentar a nova instituição, tivemos três encontros com as
orientadoras, as professoras e a psicóloga da escola. Procuramos explicar as experiências anteriores e
os progressos conseguidos, além de descrevermos a atual situação de R. Nos dois primeiros meses, ele
teve dificuldades de adaptar-se à rotina de uma escola grande, com muitos alunos. Contudo, o
ambiente escolar parecia já acostumado a lidar com as diferenças.
Hoje na 5a série do ensino fundamental, R. participa das aulas, inclusive de Artes e Educação
Física, embora ainda não vá a passeios, teatros e festas que a escola organiza, pois tem dificuldade de
manter o controle do seu comportamento em uma situação muito diferente. Além disso, reconhece as
letras, constrói algumas palavras e escreve seu nome. A experiência nos ensinou a respeitar suas
características individuais.

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CONSIDERAÇÕES

• Precisamos respeitar as características de cada criança. No caso particular de R.,


percebemos que nem sempre aproveitaria tudo o que o contexto inclusivo oferece (festas,
passeios e outros).
• Em alguns casos, há necessidade de conscientização da família de que um trabalho de
terapia individual e familiar precisa ser constante.
• A escola deve ensinar o que o aluno necessita e não o que pensa que deva ser
ensinado. R. precisava, antes de aprender a ler e a escrever, estabelecer uma relação
consigo e com o meio que o cerca. O processo de alfabetização é um ganho secundário,
que poderá vir ou não com o tempo.

A observância de todos esses fatos nos faz pensar: afinal, como a escola poderá
empreender o enfrentamento satisfatório do processo de inclusão?

A inclusão promove mudanças necessárias no sistema educacional, que já não era satisfatório,
tanto na escola de ensino regular quanto na escola de ensino especial. Todos nós devemos estar
disponíveis para enfrentar a situação de inclusão escolar, favorecendo o cultivo de uma filosofia
baseada em princípios democráticos e igualitários, que promovam uma educação de qualidade para
todos os alunos.
Concluímos com a defesa da idéia de que a inclusão escolar deve ser escrita pelas escolas
individualmente para cada um de seus alunos. No entanto, entendemos que existem pontos em comum
que merecem uma reflexão. Destacamos aqui a necessidade de:

• criação de um ambiente acolhedor que acomode a diversidade; isso inclui alunos,


professores e pais;
• estabelecimento de uma rede de apoio para todos os segmentos envolvidos,
favorecendo o respeito às dificuldades de qualquer pessoa (professores, pais ou alunos);
• distribuição de responsabilidades entre governo, sociedade, escola, professores, pais e
alunos;
• busca de uma assistência especializada de apoio constante, tanto para o professor
como para o aluno. Observamos a possibilidade de se estabelecer uma grande parceria
entre a escola especial e a escola de ensino regular, ressaltando que o profissional que vai
prestar assistência deve ter experiência prática na área;
• promoção de uma formação mais abrangente e continuada de todos os profissionais da
escola, incluindo reuniões periódicas com a presença dos pais para que se salientem as
vitórias e as dificuldades das crianças, com a apresentação de sugestões em conjunto para
o aperfeiçoamento do trabalho.

Para finalizar nossa reflexão, citamos as palavras de Stainback e Stainback:


Para que a reforma das escolas obtenha sucesso, estas devem tornar-se claramente
comunidades acolhedoras em que todos os alunos se sintam valorizados, seguros e apoiados.
Se essa característica for negligenciada ou se sua importância for subestimada, os alunos com
necessidades especiais vão continuar a ser segregados e as escolas para todos os alunos não
conseguirão atingir seus objetivos.35

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CITAÇÕES POR CAPÍTULO

1 SASSAKI, 1997. 14 MANTOAN, 1997. 26 EDLER, 1998.


2 SASSAKI, 1998. 15 STAINBACK; STAINBACK, 27 ROCHA; MARQUESINI, 2002.
3 FACION, 2002. 1999; MANTOAN, 2003. 28 PARDO; FALEIROS, 2002.
4 SASSAKI, 1998. 16 THOMPSON, 2004. 29 REGANHAN; BRAGA, 2002.
5 Id. 17 WERNECK, 2000, p. 52. 30 VITALIANO, 2002.
6 SASSAKI, 1997; 1998. 18 SASSAKI, 1997. 31 SILVA et al., 2004.
7 SASSAKI, 2005, p. 20. 19 MANTOAN, 1997, p. 11.
32 MITTLER, 2003; MARQUES,
8 MITTLER, 2003. 20 WERNECK, 2000, p. 52-53.
2001.
9 SASSAKI, 1998. 21 STAINBACK; STAINBACK,
33 MARQUES, 2001.
10 WERNECK, 2000, p. 49. 1999, p. 25.
11 DECLARAÇÃO de Madri, 2002. 22 DELORS et al, 2000, p. 212. 34 BUSCAGLIA, 1997.
12 DECLARAÇÃO de Caracas, 23 STAINBACK; STAINBACK, 35 STAINBACK; STAINBACK,
2002. 1999. 1999, p. 74.
13 DECLARAÇÃO de Sapporo, 24 EDLER, 1998.
2002. 25 Ibid., p. 82.

REFERÊNCIAS DO CAPÍTULO
BRASIL. Coordenadoria Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência - Corde. Declaração de Salamanca e linha de ação
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DECLARAÇÃO de Madri. 2002. Tradução de Romeu Kazumi Sassaki. Disponível em: <http://www.educacaoonline.pro.br>. Acesso em: 14
fev. 2007.
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FACION, J. R. Transtornos invasivos do desenvolvimento associados a graves problemas de comportamento: reflexões sobre o modelo
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Textos extraídos do livro: Inclusão Escolar e suas Implicações, de José Raimundo Facion. 90
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ATIVIDADES AVALIATIVAS
1- Comente sobre a seguinte afirmação:
“[...] não é o aluno que deve adaptar-se à escola, mas, sim é esta que deve tornar-se um espaço
inclusivo, a fim de cumprir seu papel social e pedagógico na busca pela educação na diversidade.”

2- Destaque algumas das possíveis mudanças que a escola deve fazer para atender as necessidades do
aluno com deficiência em termos de currículo, avaliação, estrutura física, formação de professores,
entre outros.

3- Explique o que significa o termo Desafiliação de acordo com Castel e como este termo se aplica à
educação. Procure analisar se os educandos com necessidades educacionais especiais se incluíram ou
se incluem na categoria de desafiliação na educação.

4- Leia o trecho abaixo retirado do 3º Capítulo e descreva qual é e como se dá esta revolução dos
paradigmas vigentes no processo ensino-aprendizagem:

“O desafio que nos é colocado pelo tema deste módulo - educação inclusiva particularmente por este
capítulo dirigido à área da deficiência intelectual, implica a revolução dos paradigmas vigentes no
processo de ensino-aprendizagem em nossa época.”

5- Fale a respeito da síndrome de burnout e aponte suas influências na vida do professor.

6- Faça um texto crítico argumentativo (mínimo 25 linhas) falando sobre como deve ser a formação do
professor para lidar com a inclusão escolar dos alunos com necessidades educacionais especiais.

"Todo e qualquer empreendimento que visa à Inclusão só terá bons


resultados quando o diferente for aceito como parte integrante e
indissolúvel do ser humano." (Rosicler Neto)

BOM DESEMPENHO!

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