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AMOR, SEXO E OUTROS VÍCIOS

O vício no sexo, explica-nos Giddens, tem sido um aspecto bastante emergente nos
últimos anos, resultando, em grande parte, na criação de organizações aos moldes dos
Alcoólicos Anônimos. Nesses tipos de organizações, o vício em sexo é tratado como uma
patologia, de modo que os tratamentos estão alicerçados em métodos do âmbito médico, ainda
que seus mobilizadores não tenham uma formação na área. Denominado como “distúrbio de
desejo sexual hiperativo”, os sujeitos que participam dos encontros precisam, primeiramente,
assumir que estão subordinados aos seus desejos sexuais. Tendo por base essas considerações,
o sociólogo busca mostrar, no presente capítulo, a razão pela qual o vício no sexo têm sido
amplamente discutido na contemporaneidade a partir de uma analise do vício sexual.

Tópico I

Sexo e desejo

Nesse momento, Giddens cita a história de Guerri, uma mulher que, caracterizada
como uma viciada sexo, procurou uma dessas associações com fins no tratamento desse tipo
de vício. O autor ressalta que, na contemporaneidade, não existe uma ligação intrínseca das
mulheres com o amor e dos homens com o sexo; ambos buscam esses elementos do decorrer
de suas vidas e, pontua ainda, que caso essa associação fosse verdadeira, marcaria a
inexistência do vício, já que o sexo seria um aspecto da conduta masculina.
A mulher, segundo Giddens, estaria à procura de uma trajetória sexual diversificada
não com a finalidade de estabelecer um relacionamento romântico, mas para buscar, através
da sexualidade, uma auto-identidade. No caso apresentado pelo autor, a mulher não estava
aderindo a um comportamento sexual vinculado tradicionalmente aos homens para organizar
sua experiência sexual, pois, para ela, o vício sexual expressava uma seria de problemas
psíquicos. Tendo passado por problemas familiares desde a infância, o sexo era, para a
mulher, uma forma de ter controle em uma dimensão de sua vida, ausente em outras. Mas, ao
se “comportar como um homem”, ela estava buscando uma aceitação sexual, mas em um
âmbito em que isso lhe era negado, um ambiente de domínio masculino.

Tópico II

A natureza do vício
Nesse momento, Giddens busca esclarecer a noção de vício e explica que temos, na
nossa experiência cotidiana, diversos tipos de atividades que possuem um caráter contínuo,
que se repetem com uma certa regularidade, servindo para organizar a vida dos indivíduos,
além de reproduzir as instituições sociais. Utilizando-se da diferenciação efetuada Claig
Nakken, Giddens pontua distinções entre os padrões de ação, caracterizados como formas de
agir regulares, responsáveis por organizar a vida, mas que podem ser facilmente modificadas;
o hábito que consiste em modos de agir mais obrigatórios que os anteriores e, possuindo um
caráter psicológico, necessita de um empenho para que seja alterado ou rompido. Já a
compulsão é o comportamento cujo rompimento ou modificação o sujeito julga estar em uma
condição de impossibilidade ou extrema dificuldade. Quando essa ruptura ocorre, o sujeito
vê-se livre da tensão e, quando se vê preso na compulsão, passa por sensações de ausência de
controle sobre o eu e ansiedades diante da não realização.
O vício, por sua vez, possui o aspecto compulsivo da ação, mas são formas de
comportamentos que não se caracterizam como rituais corriqueiros e afetam as mais diversas
dimensões da vida dos sujeitos. A ansiedade ocasionada pelo vício é algo que não se pode
controlar e, no ato de sua realização, é proporcionado uma sensação de conforto efêmero.
Dada essa definição primária, o autor passa a caracterizar o vício de forma mais
específica. Segundo o sociólogo, o vício possui um êxtase, uma experiência que possui
euforia, entusiasmo, algo não proporcionado por situações corriqueiras. Nessas condições, o
sujeito experiência uma situação compensadora, triunfo e libertação. Entretanto, possui
também a dependência que, explica o sociólogo, ocorre quando o sujeito vê-se subjugado a
uma experiência ou conduta e, na necessidade de atingir o estado eufórico proporcionado pelo
vício. Esse elemento estaria associado ao estágio narcotizante, entorpecente do vício e é um
momento em que a ansiedade é atenuada, mas, posteriormente, é substituída por sensações de
vazio e depressão.
O terceiro elemento do vício apontado por Giddens é uma espécie de desligamento em
que o sujeito parece estar “em outro mundo”. Essa condição, proporcionada pelas
experiências de êxtase e dependência transformam-se, de acordo com o autor, em momentos
de desespero devido à ausência de controle diante do vício. Nesse momento, empenho e
intenções do sujeito parecem estar nulas.
Giddens explica que, na maior parte da trajetória do sujeito, ele está dotado de uma
preocupação de cunho reflexivo com sua auto-identidade. Com o vício, o sujeito efetua um
afastamento do eu, e essa sensação, explica-nos, é algo inerente ao sentimento de libertar-se
da ansiedade. A vergonha e o remorso também são elementos característicos do vício, que
podem gerar sensações de pânico e auto-destruição.
O autor fala também do viciado se sentir em uma situação especial e que os vícios
podem ser intercambiáveis, substituíveis e encobrir uns aos outros. Nesse sentido, em termos
psicológicos, o autor afirma que esse caráter intercambiável dos vícios demonstram uma
“incapacidade subjacente para enfrentar certos tipos de ansiedade.”
Por ultimo, Giddens afirma que o vício possui duas tendências, a liberação ou a
contenção e que a perda do eu e a auto aversão não devem ser vistas como uma indulgência.

Tópico III
Vício, reflexividade, autonomia do eu.
Segundo Anthony Giddens, há uma relação entre o vício e o projeto reflexivo do eu,
pois representa um elemento de controle acerca da vida dos sujeitos, um controle que também
se estende ao eu. O autor pontua que em um contexto de declínio da tradição, o projeto do eu
tem sua importância ampliada, pois condutas e hábitos previamente estabelecidos já não
coordenam as ações dos sujeitos com base em uma continuidade com o passado. Desse modo,
os sujeitos são compelidos a adotar um estilo de vida entre os diversos disponíveis, escolhas
que determinarão quem aquele sujeito é, pois essas escolhas é que estruturarão a narrativa
reflexiva do eu.
Essa associação do vício com o projeto reflexivo do eu traz consigo um elemento
emancipatório, algo mascarado na associação do vício às patologias. O vício está intimamente
relacionado às escolhas de estilo de vida e a auto-identidade dos sujeitos, em razão de a
recuperação dos comportamentos caracterizados como tal significarem transformações nas
escolhas dos estilos de vida adotados, além de uma revisão acerca da auto-identidade.
Organizações como alcoólicos anônimos são importantes no sentido de que oferecem uma
ambiente propício para uma reformulação da narrativa do eu.
Essas escolhas, afirma-nos Giddens, acabam, de certa forma, colocando à tona
aspectos do eu. Assim, para que o sujeito possua autonomia pessoal juntamente com uma
segurança ontológica, ele necessita ajustar suas escolhas de estilo de vida à narrativa do eu e,
mais ainda, reestruturá-la com uma certa frequência. O autor explica que os processos de
autorealização situam-se enquanto momentos parciais e confinados e isso explicaria
abrangência dos vícios na contemporaneidade, pois, com a disseminação da reflexividade,
qualquer comportamento pode vir a se tornar um vício.
Mas como o autor caracteriza o vício na contemporaneidade? Eles evidenciam uma
ausência de mobilidade do projeto reflexivo do eu, ou seja, é parte de um projeto não
reelaborado, não revisado e, desse modo, ameaçado em termos de autonomia pessoal e
segurança ontológica. Nas palavras de Giddens, os vícios
São modos de comportamento que penetram à força, talvez de uma maneira
muito importante, naquele projeto, mas recusam-se a ser a ele atrelados.
Nesse sentido, todos são prejudiciais ao indivíduo e é fácil perceber por que
o problema de sua superação é agora tão amplamente admitido na literatura
terapêutica. O vício é uma incapacidade de administrar o futuro, e, sendo
assim, transgride uma das principais ansiedades que os indivíduos têm de
enfrentar reflexivamente. (p. 88)

Sendo um elemento associado à ausência de autonomia pessoal, o vício apresenta-se


como uma ameaça à integridade do eu, principalmente em comportamentos compulsivos mais
acentuados. Nesse sentido, quando o vício é mais aceito socialmente, esses elementos tendem
a abrandar-se, por isso o autor afirma que as normas sociais são relevantes nos impactos
exercidos pelos vícios.

Tópico IV

Implicações para a sexualidade

Giddens prossegue a sua discussão tratando do vício na dimensão do sexo e afirma


que, o comportamento sexual se torna compulsivo quando se torna uma dependência, uma
busca permanente que acaba por despertar no individuo sentimentos como a angustia, a
vergonha e uma espécie e inadequação. Como já mencionado acima, um comportamento,
qualquer que seja ele, vinculado a um vício expressa uma anulação ou enfraquecimento da
autonomia do sujeito, por estar associada a ausência de escolha em termos do projeto
reflexivo do eu. Ele representa ausência de movimento, uma estagnação. Nesse sentido, a
identidade sexual do sujeito é parte relevante da narrativa do eu construída pelo sujeito. O
sexo compulsivo é um comportamento que reduz ou anula a autonomia do sujeito, e esse é um
elemento que, no contexto contemporâneo, tem impactos relevantes para a situação das
mulheres, mais que para os homens.
Segundo Giddens, a forma pela qual a sexualidade compulsiva é vivenciada no mundo
contemporâneo deve ser pensada tendo em vista a forma como o sexo em si passou a ser visto
e experienciado. Na contemporaneidade, as mulheres anseiam por sexo, no sentido de que ele
representa autonomia e realização sexual. Esse fato vincula-se a uma serie de transformações
no que concerne a situação das mulheres e como elementos como a sexo e a reprodução
passaram a ser vistos. Mas essas mudanças, em que a participação das mulheres foi decisiva,
não é algo com o qual as mulheres sabem lidar com facilidade. Apesar das mudanças em
relação ao que pensa e como se vive a dimensão sexual, se conserva o caráter dual de como se
percebem comportamentos sexuais masculinos e femininos. A compulsão sexual feminina se
apresenta de forma distinta da masculina. Porque a compulsão sexual masculina não está
associada a ideias que esse homem seria “perdido”, pois é algo aceito no meio social e digno
até de admiração.

Tópico VI

Sexualidade e desejo

Nesse momento, Giddens discute sobre a ideia de sedução e como ela se modificou
devido, em grande parte, a mudança da situação das mulheres perante os olhos. Desse modo,
os garanhões conquistadores, assim como a própria sedução passaram a ser obsoletas, mas,
por outro lado, na concepção de Giddens, eles são parte integrante da sexualidade na
contemporaneidade.
Isso ocorre, explica ao autor, esses homens buscam uma conquista sexual, que está
envolta de relações de poder. Mas, anteriormente, o homem buscar corromper uma inocência,
uma integridade da mulher considerada virtuosa (em oposição a mulher não vistuosa), algo
que, diante da emergente igualdade sexual feminina, modifica-se. Na contemporaneidade,
mais especificamente no contexto do relacionamento puro, a integridade muda de forma e
passa a ser “um atributo ético que cada parceiro presume no outro.”
O garanhão atual não é alguém que cultiva o prazer sensual, mas uma pessoa que
busca emoções em um mundo de oportunidades sexuais abertas. A emoção da busca
proporciona o êxtase – mas o êxtase tende mais tarde a se transformar em dependência. (p.97)

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