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Mikkel Borch-Jacobsen

S I!!!
Os P a c i e n t e s

DefRÉUD
DE f R6UD
Destinos

ED IÇÕ ES /••

texto fegrafia
Cet ouvrage a bénéficié du soutien des Programmes daide à la publication
de l’Institut français.

Esta obra teve o apoio dos Programas de Apoio à Publicação


do Instituto Francês

Título original: Les Patients de Freud. Destins


Tradução: Hélder Viçoso
Revisão: Gabinete Editorial Texto & Grafia
Grafismo: Cristina Leal
Paginação: Vitor Pedro

© Sciences Humaines Editions, 2O11

Todos os direitos desta edição reservados para


Edições Texto & Grafia, Lda.
Avenida Óscar Monteiro Torres, n,° 55, 2.0 Esq.
1000-217 Lisboa
Telefone: 21 797 70 66
E-mail: texto-grafia@texto-grafia.pt
http://texto-grafia.blogspot.com

Impressão e acabamento: Papelmunde, SMG, Lda.


i.a edição, Julho de 2012

ISBN: 978-989-8285-61-4
Depósito Legal n.° 347149/12

Esta obra está protegida pela lei. Não pode ser reproduzida
no todo ou em parte, qualquer que seja o modo utilizado,
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será passível de procedimento judicial.

O texto deste livro segue as normas do


Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990.
Ín d ic e

Preâmbulo ....................................................... 7

Bertha Pappenheim ..................................... 11


Ernst Fleischl von M arxow............................ 20
Mathilde Schleicher..................................... 28
Fanny Moser.................................................. 31
Anna von Lieben............................................ 37
Pauline Silberstein......................................... 41
Elise Gomperz............................................... 44
Adele Jeiteles.................................................. 49
Ilona Weiss..................................................... 52
Aurelia K ronich..................................... . . 55
Emma E ckstein ............................................ 60
Olga H ö n ig .................................................. 67
Baronesa Marie von Ferstel............................ 71
Margit K rem zir............................................ 75
Ida B a u e r..................................... ............... 76
Anna von Vest............................................... 83
Bruno W alter............................................... 88
Herbert Graf.................................................. 91
Ernst Lanzer.................................................. 96
Elfriede Hirschfeld.........................................ioo
Albert H irs t..................................................105
Barão Viktor von D irsztay............................ iio
Sergius Pankejejf............................................ 118
Bruno Veneziani............................................130
ElmaPdlos..................................................... 137
Loe K a n n ..................................................... 146
KarlM ayreder......................... ..................... 152
Margarethe Csonka ......................................157
Anna F re u d ............................................ 163
Horace F r in k ...............................................172
Carl Liebm an...............................................184

Fon tes................................................................. 19 1
Preâm bu lo

Toda a gente conhece aspersonagens descritaspor Freud nos seus relatos de


casos: «Emmy von N », «Elisabeth von R.», «Dora», o «pequeno Hans»,
o «Homem dos Ratos», o «Homem dos Lobos», a «Jovem Homossexual».
Conhecem-se, porém, as pessoas reais que se ocultavam por trás desses
pseudônimos ilustres: Fanny Moser, Ilona Weiss, Ida Bauer, Herbert
Graf, Ernst Lanzer, Sergius Pankejeff, Margarethe Csonka? Conhecem-
-se, mais em geral, todos ospacientes sobre os quais Freud nunca escreveu
nada, pelo menos diretamente: Pauline Silberstein (que se suicidou
atirando-se do alto do prédio do seu psicanalista), Olga Hönig (mãe do
«pequeno Hans»), Bruno Veneziani (cunhado de ítalo Svevo), Elfriede
Hirschfeld, Albert Hirst, o arquiteto KarlMayreder, o barão Viktor von
Dirsztay, o psicótico Carl Liebman e tantos outros? Acaso se sabe que
o grande chefe de orquestra Bruno Walterfazia parte dos pacientes de
Freud, assim como Adele Jeiteles, mãe de Arthur Koestler? E que Freud
analisou igualmente as suas próprias filhas, Sophie e Anna?
Nas páginas que se seguem, tentei reconstituir as histórias - nalguns
casos, cômicas, geralmente trágicas, mas sempre impressionantes —desses
pacientes, durante muito tempo anônimos e sem rosto. No total, trinta e
um retratos em miniatura, forçosamente incompletos, esboçados a partir
dos documentos hoje acessíveis e sem conjeturar revelações que trarão no
futuro aqueles que, devido à censura exercida pelos Arquivos Freud,
ainda permanecem inacessíveis aos investigadores. Exatamente trinta
e um retratos: fixei apenas os pacientes de Freud sobre os quais temos
desdejá bastantes informaçõespara justificar uma notícia biográfica, por
mais breve que seja. De momento, foram forçosamente excluídos aqueles
de que não conhecemos grande coisa ou conhecemos apenas o nome ou

7
as iniciais. Esta recolha nãopretende, pois, de modo nenhum, ser exaustiva,
mas aspira apenas à representatividade. Por mais parcial que seja, esta
amostra deveria, pelo menos, permitir que ola leitor(a) faça uma ideia
da efetiva prática clínica de Freud, para além dasfabulosas narrativas
que ele próprio extraiu dela.
Cingi-me aospacientes de Freud, sem incluir todos aqueles, numerosos,
que se deitaram no divã de Freudpara, acima de tudo, seformarem em
psicanálise (como Anna Guggenbühl ou Clarence Oberndorf, por exem­
plo) ou por mera curiosidade intelectual (como Alix eJames Strachey ou
Arthur Tansley). Nesteflorilégio, apenas se encontrarão, portanto, pessoas
que iam ver Freud por sintomas que queriam curar ou por dificuldades
existenciais de que não conseguiam libertar-se. Foi por esse motivo que
incluí Anna Freud e Horace Frink, conquanto seja nítido que, nesses
casos, a análise era simultaneamente didática. Ambos requeriam, antes
de mais, cuidados, e é na qualidade de terapia que deve ser avaliado
o tratamento deles, assim como o dos outros pacientes citados.
Enfim, abstive-me, na medida do possível, de ter em conta as interpre­
tações de Freud, que tornam tãofascinantes e interessantes os seus relatos
de casos. Por comparação, as histórias que aqui vão ler são terra-a-terra,
sem brilho. Nenhuma teoria nem comentários: ative-me à superfície
dos factos, documentos e testemunhos disponíveis, sem especular sobre
as motivações ou os inconscientes de uns e de outros. Quem procurar
nestas histórias uma confirmação das históriasfreudianas arrisca-se, por
conseguinte, aficar muito dececionado, pois não encontrará o seu Freud,
mas, em contrapartida, um outro, o Freud dos pacientes e do respetivo
meio social. Não é certo que sejapossível reconciliar esses dois Freuds, nem
essas duas maneiras de contar histórias. Peço, de antemão, desculpa aos
leitores a quem esta abordagem possa desconcertar ou chocar.
No final do livro, ola leitor(a) encontrará a indicação dasfontes em
que me baseei. Algumas são primárias, como dizem os historiadores;
outras, secundárias. A este respeito, declaro a minha dívida para com
aqueles que, desde há cerca de quarenta anos, revolucionaram a nossa
compreensão da psicanálise, ao reconstituírem pacientemente o destino
dessespacientes anônimos ou pseudônimos nos quais Freud dizia basear
as suas teorias: OlaAndersson, Lavinia Edmunds, Henri F. Ellenberger,
Ernst Falzeder, John Forrester, Stefan Goldmann, Albrecht Hirschmül­
ler, Han Israels, David J. Lynn, Patrick J. Mahony, Ulrike May, Karin
Obholzer, Ines Rieder, Paul Roazen, Anthony Stadien, Peter J. Swales,
Diana Voigt, Elizabeth Young-Bruehl. Servi-me, em larga medida, dos
seus trabalhos, sem os quais este não teria muito simplesmente sidopossível.
Também quero agradecer a todos aqueles —por vezes, os mesmos —
que me ajudaram durante a redação deste livrinho e, mais em geral,
durante as minhas próprias pesquisas sobre os pacientes de Freud no
decurso destes últimos quinze anos: Harold P. Blum, Riccardo Cepach,
Frederick Crews, Kurt R. Eisslerf, Ernst Falzeder, John Forrester, Lucy
Freemanf, Stefan Goldmann, Ann-Kathryn Graf, Colin Graf, Albrecht
Hirschmüller, Han Israels, Patrick/. Mahony, Karin Obholzer, Josiane
Praz, Paul Roazen f, Michael Scammell, Sonu Shamdasani, Richard
Skues, PeterJ, Swales, Mia Vieyra eJerome C. Wakefield. Obviamente,
assumo exclusivamente a responsabilidade das afirmações e dos erros
contidos neste livro.
Bertha Pappenheim, Viena, c. 188O.

Bertha Pappenheim, sempre apresentada com o nome de «Anna O.»


como a paciente princeps da psicanálise, nunca foi realmente tratada
pelo próprio Freud, mas pelo seu mentor e amigo Josef Breuer. Po­
rém, a acreditar no que escrevia Freud em 1917, ela pertence de pleno
direito à história da psicanálise: «A descoberta de Breuer [com a sua
paciente «Anna O.»] forma a base do tratamento psicanalítico ainda
nos nossos dias» (i8.a Lição de Introdução à Psicanálise). Quanto
a saber se Bertha Pappenheim pode ser reduzida a «Anna O.», é outra
história, que a seguir se relata.
Filha de judeus, Bertha Pappenheim nasceu a 27 de fevereiro de 1859
em Viena. O pai dela, Siegmund Pappenheim, herdara um negócio de
sementes e era considerado milionário. A mãe, Recha Goldschmidt,
provinha de uma velha família de Frankfurt da qual fazia parte o poeta
Heinrich Heine. A família Pappenheim era estritamente ortodoxa e
Bertha, terceira de quatro filhos, recebeu a educação tradicional de
uma höhere Tochter (nubente de boas famílias): instrução religiosa
(estudo de hebraico e dos textos bíblicos), aprendizagem de línguas
estrangeiras (francês, inglês, italiano), costura, piano, equitação. Moça
alegre e extremamente enérgica, Bertha sufocava nessa vida confinada
que denunciaria mais tarde (1898) no artigo “Sobre a educação da
juventude feminina nas classes superiores”.
Bertha refugiou-se, portanto, primeiro num mundo imaginário
a que chamava o seu «teatro privado», depois na doença. Os primei­
ros sintomas manifestos surgiram no outono de 188o, numa época
em que Bertha tratava do pai que adoecera com uma pleuresia que
se revelaria mortal. Bertha tinha tosse renitente e, no fim do mês

11
de novembro, chamaram Josef Breuer, que conhecia pessoalmente
a família Pappenheim e era o médico habitual das famílias da alta
burguesia judaica de Viena. Ele diagnosticou-lhe histeria. Como se
não esperasse outra coisa, Bertha ficou de cama e desenvolveu «em
rápida sucessão» uma impressionante série de sintomas: dores no lado
esquerdo do occipúcio, perturbações da visão, alucinações, contractu-
ras e anestesias diversas, nevralgia facial (algia do trigémeo), «afasia»
(a partir de março de 1881, só falava em inglês), desdobramento da
personalidade e estados secundários durante os quais adotava um
comportamento caprichoso do qual já não se lembrava a posteriori.
Breuer, que ia vê-la diariamente, notou que o estado dela melhorava
sempre que a deixavam contar, durante as suas «ausências», as tristes
histórias do seu teatro privado - procedimento que ela batizou (em
inglês, forçosamente) talkingcure1 ou ainda chimney sweeping2. O es­
tado de Bertha agravou-se, todavia, após a morte do pai, ocorrida em
5 de abril de 1881. Ela recusava-se a comer e já não contava contos à
maneira de Andersen, mas «tragédias» mórbidas. Tinha, sobretudo,
alucinações negativas: já não via as pessoas à sua volta e só reconhecia
Breuer. Em 15 de abril, Breuer mandou chamar o seu colega psiquia­
tra Richard von Krafft-Ebing para examiná-la. Visivelmente pouco
convencido da autenticidade dos sintomas da paciente (que fingia
ignorar a sua presença), Krafft-Ebing soprou-lhe no rosto o fumo de
um papel queimado, o que provocou uma explosão de cólera da parte
de Bertha, que desatou a bater violentamente em Breuer. Por fim, em
7 de junho, contra a vontade dela, Breuer colocou-a num anexo da
clínica para perturbações nervosas do seu amigo doutor Hermann
Breslauer, em Inzersdorf, onde a acalmou, administrando-lhe fortes
doses de cloral, sedativo seleto nessa época. Por isso, Bertha desen­
volveu cloralmania (habituação ao cloral).
Tendo a paciente sido estabilizada de modo medicamentoso (para
falar claro: ela fora drogada), pôde retomar a talkingcure. Os monólogos
de Bertha tinham mudado. Durante os seus estados secundários, já

1 Ou seja: «cura pela fala» [N. TJ.


2 Isto é: «limpeza de chaminé» [N. T.].
não narrava contos imaginários ou tragédias, mas fazia «relatos das
suas alucinações e do que podia tê-la contrariado no decorrer dos dias
transatos». Quando ela mencionava a contrariedade que estivera na
origem deste ou daquele sintoma, este desaparecia milagrosamente.
Breuer decidiu então eliminar um por um os inúmeros sintomas da
paciente (por exemplo, as 303 ocorrências de uma surdez histérica).
Seguiu-se uma verdadeira maratona terapêutica que culminou, a acre­
ditar no relato de caso publicado treze anos mais tarde por Breuer em
Estudos sobre Histeria, num completo restabelecimento em 7 de junho
de 1882 (aniversário da admissão dela na clínica de Inzersdorf), na
seqüência de uma última narração depuratória durante a qual Bertha
reviveu uma cena à cabeceira do pai que se supunha ter estado na
origem da doença dela. «Imediatamente após esse relato», escreve
Breuer, «ela exprimiu-se em alemão e viu-se, desde então, livre das
inúmeras perturbações que outrora a tinham afetado. Em seguida,
partiu em viagem, mas demorou bastante tempo a conseguir encon­
trar um total equilíbrio psíquico. Depois, gozou de perfeita saúde».
Do mesmo modo, Freud haveria de apresentar (1923) a talking cure
de «Anna O.» como um «grande êxito terapêutico».
Como concluíram as investigações dos historiadores Henri
Ellenberger e Albrecht Hirschmüller, a realidade é completamente
diferente. O tratamento de Bertha Pappenheim fora para Breuer um
autêntico «calvário», tal como mais tarde ele escreveria ao psiquiatra
seu colega August Forel. O tratamento nunca progredira e Breuer
pensara, no outono de 1881, em colocar Bertha noutra clínica, o Sa­
natório Bellevue do psiquiatra Robert Binswanger em Kreuzlingen,
na Suíça. Além disso - pelo que se sabe através de uma carta enviada
por Freud à sua própria noiva, Martha Bernays, em 31 de outubro
de 1883 - , Mathilde Breuer ficara enciumada por causa do interesse
manifestado pelo marido em relação à vistosa paciente dele e pelos
boatos que tinham começado a correr a esse respeito. Quando, em
junho de 1882, Breuer pôs termo ao tratamento, tal não sucedeu, de
modo algum, porque Bertha Pappenheim estivesse restabelecida (em
meados de junho, sofria ainda de uma «ligeira loucura histérica»), mas
porque ele decidira desistir e transferi-la para o Sanatório Bellevue,

13
onde foi admitida em i de julho de 1882, após uma curta «viagem»
a casa dos pais em Karlsruhe.
Fundado em 1857 Por Ludwig Binswanger (avô de Ludwig Bins­
wanger júnior, promotor da «psicanálise existencial»), o Sanatório
Bellevue era uma instituição de renome. Situado num parque idílico à
beira do lago de Constança, o Sanatório acolhia com total discrição, e
a troco de elevada remuneração, a elite dos doentes mentais europeus.
Era um lugar onde, segundo as palavras do romancista vienense Joseph
Roth na obra Radetzkymarsch3, «ricos loucos mimados recebiam
cuidados onerosos e prudentes, e onde o pessoal era tão atencioso
como uma parteira». Havia ali um laranjal, canapés, uma alameda
para jogos de bola, uma cozinha ao ar livre, campos de ténis, uma
sala de música e outra de bilhar. Nas redondezas, podiam também
fazer caminhadas e equitação (Bertha disfrutava disso diariamente).
Os pacientes viviam em confortáveis vivendas dispersas pelo parque.
Quanto a Bertha Pappenheim, dispunha de um apartamento
com dois quartos e estava acompanhada da sua dama de companhia
que falava inglês e francês. Ainda parcialmente «afásica» em alemão,
sofria mais ou menos dos mesmos sintomas de outrora. À cloralmania
acrescia agora a morfinomania resultante dos esforços de Breuer para
mitigar a nevralgia facial de Bertha.
A estada em Kreuzlingen durou quatro meses e trouxe poucos
progressos, quer para a nevralgia, quer para a dependência da mor­
fina. A menção feita no registo de Bellevue no momento da saída de
Bertha em 29 de outubro de 1882 é «apresenta melhoras», mas uma
carta enviada por Bertha a Robert Binswanger em 8 de novembro
contradiz tal otimismo: «No que se refere ao meu estado de saúde,
não há nada de novo nem de bom que eu possa participar-vos. Po­
deis imaginar como uma vida na qual se tem sempre uma injeção
preparada não é digna de inveja.»
Breuer recusou-se a reatar o tratamento de Bertha quando ela
regressou a Viena, no início de janeiro de 1883, após um desvio por
Karlsruhe. Por três vezes, entre 1883 e 1887, Bertha foi readmitida para

3 A Marcha de Radetzky [N. TJ.

14
Sala de exercícios e passatempos artísticos do sanatório Bellevue.

longas estadas na clínica do doutor Breslauer onde já estivera internada


em 1881. O diagnóstico feito pelos médicos era sempre o mesmo («his­
teria»), o que é confirmado pela correspondência entre Freud e Martha
Bernays, sua noiva, a qual tinha efetivamente laços quase familiares com
Bertha (cujo pai era o tutor legal dela após a morte do pai de Martha),
e Freud punha-a regularmente ao corrente do estado da amiga dela, do
qual era informado por Breuer. Em 5 de agosto de 1883, escrevia-lhe
assim: «Bertha está, mais uma vez, no sanatório de Gross-Enzensdorf,
creio [Inzersdorf, de facto]. Breuer fala dela constantemente, diz desejar
que a pobre mulher morra para se livrar do sofrimento. Diz que ela
está completamente destruída e nunca recuperará.» Em duas cartas
à mãe datadas de janeiro e maio de 1887, Martha (que, entretanto,
passara a apelidar-se Freud) escrevia igualmente que a amiga Bertha
continuava a sofrer de alucinações noturnas. Cinco anos após o final
do tratamento de Breuer e de múltiplos internamentos clínicos, Bertha
Pappenheim ainda não estava, portanto, restabelecida.
Em 1888, Bertha mudou-se para Frankfurt, onde residiam, na sua
maioria, os seus familiares maternos. Aí, provavelmente incentivada
pela escritora Anna Ettlinger, sua prima, publicou anonimamente,
sob o título de Kleine Geschichtenfü r K inder, uma recolha de alguns

4 Historinhaspara Crianças [N. TJ.

15
dos contos que narrara a Breuer. Essa ivriting cure parece ter sido
muito mais terapêutica do que a talking cure. Dois anos mais tarde,
Bertha publicou uma segunda recolha de contos, In der Trödelbude5,
sob o pseudônimo de P. Berthold (=Bertha P.). Paralelamente a esses
primeiros ensaios literários, começou a envolver-se nas obras sociais
judaicas de Frankfurt, fazendo sobretudo trabalho de beneficência em
sopas dos pobres para imigrantes da Europa Oriental e num orfanato
feminino do qual se tornou diretora em 1895.
Nisto, Bertha Pappenheim desempenhava o seu papel de notável
da comunidade judaica. Ao contrário do que afirmava bizarramente
Breuer na correspondência com o colega Robert Binswanger, Bertha
nunca deixara de ser devota de um modo muito sincero, concebendo
nitidamente o seu trabalho social como uma mitzvah, uma boa ação.
Foi por isso, aliás, que ela sempre se opôs, nas organizações de que fez
parte, a qualquer remuneração dos respetivos membros. No entanto,
não limitou a sua ação às tradicionais obras de beneficência. Não só
participava nas tarefas práticas, o que não era muito habitual para
uma mulher da alta burguesia, mas pretendia aplicar às obras sociais
judaicas os princípios e os métodos do movimento feminista alemão,
do qual tomou conhecimento, a partir de 1893, através do periódico
Die Frau, de Helene Lange.
Em 1899, traduziu A Vindication ofthe Rights ofWoman: with
Strictures on Political and Moral Subjects (1792), de Mary Wollstone-
craft, e publicou uma peça de teatro intitulada Direito das Mulheres,
na qual criticava a exploração econômica e sexual das mulheres. Em
alguns anos, Bertha Pappenheim passou de neurótica morfinómana
a intelectual e líder do feminismo judaico. Em 1900, escreveu Zur
Judenfrage in Galizien6, livro no qual atribuía à falta de educação
a pobreza dos judeus da Europa Oriental. Em 1902, organizou um
centro de acolhimento para mulheres judias: Weibliche Fürsorge7.
Lançou igualmente uma campanha para denunciar a prostituição e
o tráfico de mulheres nas comunidades judaicas da Rússia e da Europa

5 Na Loja de Ferro-Velho [N. TJ.


6 Sobre a Questão]udaica na Galícia [N. TJ.
7 “Cuidado Feminino” [N. TJ.

16
Oriental, o que lhe valeu ser criticada pelos rabinos que temiam que
a divulgação dessas práticas reforçasse os estereótipos antissemitas.
Bertha Pappenheim não se deixou impressionar (parece, de resto, que
poucas coisas poderiam impressioná-la). Para ela, defender os direitos
das mulheres judias correspondia, pelo contrário, a defender sim­
plesmente o judaísmo, trazendo-as de volta ao seio da comunidade:
o feminismo era, paradoxalmente, uma arma contra a assimilação.
Em 1904, fundou a Federação das Mulheres Judias (Jüdischer
Frauenbund ou JFB), da qual veio a ser presidente e que iria tornar-
-se, sob o seu dinâmico impulso, a principal organização feminina
judaica de língua alemã (que não tinha menos de 50 ooo membros
em 1929). Essa organização abriu centros de formação e orientação
profissional, para incentivar as mulheres a trabalharem e a tornarem-
-se independentes.
À margem do seu trabalho à frente da JFB, que a levou a viajar pela
América do Norte e pela União Soviética, pelos Balcãs e pelo Médio
Oriente, Bertha Pappenheim criou em 1907, em Neu-lsenburg, uma
casa para mães solteiras e filhos «ilegítimos», que considerava como
a obra da sua vida. Arranjou também tempo para traduzir do iídiche
o Tsenerene (uma Bíblia feminina do século xvu incluindo o Penta-
teuco, os Megillot e as Haftarot), o MayseBukh (uma recolha medieval
de contos e histórias talmúdicas dedicada às mulheres) e o famoso
diário de Glückei von Hameln (1646-1724), um dos seus antepassados
remotos. A isso acrescem inúmeros artigos, poemas, contos e peças
para crianças, assim como belíssimas orações (publicadas após a sua
morte em 1936) para confortar as mulheres judias durante o nazismo.
Em 1920, foi recrutada por Franz Rosenzweig e Martin Buber para
ensinar no Freies Jüdisches Lehrhaus, um centro de estudos judaicos
que tinham fundado em Frankfurt, onde ela conviveu com Siegfried
Kracauer, Shmuel Yosef Agnon e Gershom Scholem, entre outros.
Durante esse período, Bertha Pappenheim prosseguia, com o nome
de «Anna O.», uma carreira paralela de Primeira Paciente da psica­
nálise. Publicamente, Freud continuava a apresentar a talking cure
de «Anna O.» como a origem da terapia psicanalítica. Em privado,
confidenciava aos seus discípulos que o tratamento de Breuer fora,

17
de facto, um fiasco, enfeitando tal revelação com uma história ainda
mais sensacional. Em 1910, o seu discípulo Max Eitingon propusera-se
efetivamente interpretar a sintomatologia de «Anna O.» como uma
expressão de fantasmas incestuosos em relação ao pai, nomeadamente
uma gravidez psicológica que ela teria transferido depois para Breuer,
tomado como figura paterna. Freud, que há muito tinha rompido
com Breuer e se irritava quando o invocavam contra ele próprio, re­
tomou essa interpretação por sua conta, acabando, ao longo dos anos,
por apresentá-la como um facto real aos seus ouvintes: após o fim
do tratamento, Breuer teria sido chamado para junto de «Anna O.»
e tê-la-ia encontrado mesmo a meio de um parto histérico, «fim
lógico de uma gravidez imaginária» (Ernest Jones), pela qual ele era
responsável, segundo se supunha. Espantado pela brutal revelação do
carácter sexual da histeria da sua paciente, Breuer teria então fugido
precipitadamente, levando a sua mulher numa segunda viagem de
núpcias a Veneza, onde lhe teria feito, desta vez, um filho bem real.
Com toda a probabilidade, Bertha Pappenheim nunca teve conhe­
cimento desse maldoso enredo, que ficou confinado, durante muito
tempo, ao círculo próximo dos discípulos de Freud. Não há qualquer
dúvida de que ela o teria refutado com horror, assim como rejeitava
totalmente a psicanálise. Segundo o testemunho de Dora Edinger,
colaboradora próxima de Bertha, ela tinha efetivamente «destruído
todos os documentos respeitantes à crise da sua juventude e [tinha]
pedido à família em Viena que não desse nenhuma informação sobre
esse período após a sua morte»: «Bertha nunca falava dele e opunha-se
veementemente a qualquer sugestão de tratamento psicanalítico para
as pessoas que tinha ao seu encargo, para grande surpresa de quem
trabalhava com ela.»
Bertha Pappenheim, que era contra o sionismo e a emigração dos
judeus para fora da Alemanha, só tardiamente compreendeu a gra­
vidade do perigo nazi. Detetaram-lhe um tumor durante o ano de
1935, exatamente antes da promulgação por Hitler das leis raciais de
Nuremberga. Na primavera de 1936, já muito doente, foi convocada
pela Gestapo para responder por declarações anti-hitlerianas proferidas
por uma das suas alunas internas em Neu-Isenburg. No regresso, caiu

18
de cama e nunca mais se levantou. Morreu em Neu-Isenburg a 28 de
maio de 1936, a tempo de escapar aos nazis. No seu testamento, pedia
que aquelas que visitassem a sua campa deixassem uma pedrinha,
«à laia de promessa silenciosa (...) para servir a missão dos deveres e
das alegrias femininas, estoicamente e com coragem».
Em 1953, no primeiro volume da biografia de Freud, Ernest Jones
revelou a identidade de «Anna O.», acrescentando o relato, que ele
colhera do próprio Freud, da pretensa gravidez histérica de Bertha
Pappenheim, cujos familiares ficaram melindrados. Em 20 de junho
de 1954, o jornal Aufbau (dos emigrantes de língua alemã em Nova
Iorque) publicou uma carta de Paul Homburger, executor testamen-
tário de Bertha Pappenheim: «Ainda muito pior do que a revelação
do nome é o facto de o Dr. Jones, na página 225, acrescentar por sua
conta e risco uma narrativa completamente superficial e falaciosa da
vida de Bertha após a suspensão do tratamento do Dr. Breuer. Em
vez de nos esclarecer como é que Bertha ficou enfim curada e, com­
pletamente restabelecida a nível mental, encetou uma nova vida de
trabalho social ativo, dá a impressão de que ela nunca se curou e de
que a atividade social e até a piedade dela eram apenas uma outra fase
do desenvolvimento da doença [...] Quem quer que tenha conhecido
Bertha Pappenheim durante as décadas que se seguiram sentirá do
mesmo modo esta tentativa de interpretação como difamação da parte
de um homem que nunca aprendeu a conhecer B. P. pessoalmente.»

Selo da efígie de Bertha Pappenheim,


da série de benfeitores da Humanidade, 1954 (Alemanha Ocidental).

19
£rnst ‘'Fleischl
von (JA/Iarxow
(1846-1891)

Simon Ernst Fleischl Edler von Marxow nasceu a 5 de agosto de


1846 em Viena, oriundo de uma eminente família judaica que aliava
fortuna e influência. Pai dele, o banqueiro e homem de negócios Carl
Fleischl Edler von Marxow fora nobilitado em 1875. A mãe - Ida
(Marx em solteira) - era uma mulher culta que se rodeava de cientis­
tas, artistas e jornalistas conhecidos, como o arqueólogo Emmanuel
Lõwy e a romancista Marie von Ebner-Eschenbach. Um dos seus
tios, o célebre fisiólogo Johann Nepomuk Czermak, é conhecido,
entre outras coisas, por ter instaurado a utilização do laringoscópio.
Foi, sem dúvida, para seguir o exemplo do tio que Fleischl se
lançou em estudos de medicina, com vista a tornar-se investigador.
Excecionalmente brilhante, fervilhando de ideias originais, obteve
o doutoramento em medicina em 1870, aos 24 anos, tornando-se
assistente de Karl von Rokitansky em anatomopatologia. Todavia,
no ano seguinte, feriu-se durante uma autópsia, sendo necessário
amputarem-lhe o polegar direito que ficara infetado. Daí resultaram
neuromas de amputação extremamente dolorosos que lhe tornavam
a vida insuportável e pelos quais o cirurgião Theodor Billroth o operou
várias vezes sem efeito duradouro. Incapaz de continuar a trabalhar
em anatomopatologia, virou-se para a fisiologia e tornou-se assistente
de Ernst von Brücke no Instituto de Fisiologia. Aí, apesar das dores
persistentes, levou a cabo investigações experimentais sobre a exci­
tabilidade dos nervos e pôde nomeadamente demonstrar que uma
estimulação dos órgãos sensoriais implica variações de potencial elé­
trico na superfície das zonas correspondentes do córtex cerebral, uma
descoberta que mais tarde tornaria possível o eletroencefalograma.

20
ERNST FLEISCHL VON MARXOW

Inventou igualmente diversos instrumentos de medição, tais como


o espetropolarímetro e o hemoglobinómetro.
Fleischl era não só um notável investigador, mas também, segundo
testemunho unânime, uma personalidade excecional. Bonito, char­
moso, espiritual, era um brilhante conversador capaz de dissertar
tanto sobre literatura ou música como acerca dos últimos avanços da
física. Muito próximo do colega Sigmund Exner e de Joseph Breuer,
o seu círculo de amigos abrangia igualmente o escritor Gottfried
Keller, o urologista Anton von Frisch (pai de Karl von Frisch, prê­
mio Nobel), o psiquiatra Heinrich Obersteiner, o compositor Hugo
Wolf, o filólogo Theodor Gomperz, o ginecologista Rudolf Chrobak
e o médico Carl Bettelheim. Por intermédio de Breuer e de Gomperz,
entrara no círculo mundano das abastadas famílias Wertheimstein
e Von Lieben, e ficara temporariamente noivo de Franziska (Franzi)
von Wertheimstein8. Inspirando-se em novas experiências a que se
dedicara o seu tio Czermak, fizera durante um serão em casa da fa­
mília Wertheimstein uma demonstração de hipnose numa galinha
que impressionara a assistência e contribuíra para a renovação do
interesse pelos estados hipnóticos entre os cientistas vienenses no
início dos anos 1880. Com o amigo Obersteiner, dedicara-se também
a experiências hipnóticas em si próprio.
No Instituto de Fisiologia de Brücke, Fleischl travou conhecimento
com um jovem estudante chamado Sigmund Freud, que começara
a trabalhar lá em 1876. Freud admirava muito Fleischl, o qual repre­
sentava para ele uma espécie de ideal, e os dois homens tornaram-se
progressivamente muito chegados, apesar da diferença de idade e
de estatuto. Foi também nessa ocasião que Freud se relacionou com
Joseph Breuer, amigo e médico de Fleischl. Em conjunto, Fleischl e
Breuer apoiavam financeiramente o jovem protegido, que vivia com
muitas dificuldades.
Intimo de Fleischl após a sua saída do Instituto de Fisiologia em
1882, Freud descobriu a tragédia que se escondia por trás do brilho do
seu mentor. Para mitigar as terríveis dores que amiúde o mantinham

8 Ver artigo relativo a Elise Gomperz.

21
a pé durante toda a noite, Fleischl tomava morfina e criara habituação,
como muitos outros na época. Foi nesse contexto que Freud leu, no
final de 1883, um artigo do cirurgião militar Theodor Aschenbrandt
consagrado à cocaína, um alcalóide sintetizado a partir da coca por
Albert Niemann em 1860. Aschenbrandt vertera um pouco de cocaína
na água dada aos seus recrutas bávaros e constatara que os soldados
se tinham tornado inusitadamente resistentes à fadiga e à fome (um
efeito bem conhecido da folha de coca entre os índios do Peru). In­
trigado, Freud tinha-se informado mais ainda e deparara com uma
série de artigos na Detroit Therapeutic Gazette a elogiar os múltiplos
méritos da cocaína, mormente a sua utilidade na desintoxicação dos
morfinómanos. Segundo a Gazette, a cocaína parecia ser verdadei­
ramente uma panaceia universal: «Começa-se a querer experimentar
a coca, quer se esteja ou não habituado ao ópio [morfina]. Um remédio
inofensivo para a melancolia.»
Freud não parece ter-se apercebido de que a Gazette era, na reali­
dade, uma folha promocional do laboratório farmacêutico Parke-Davis
de Detroit, cujo produto principal era, desde 1875, a cocaína (George
S. Davis, um dos dois fundadores da companhia, era o chefe de redação
da Gazette). Desejoso de ligar o seu nome a qualquer grande descoberta
científica que lhe proporcionasse glória e fortuna, Freud arranjou co­
caína no fabricante Merck, em Darmstadt, começando a experimentar
o produto, sob a forma de toma oral, ele próprio e algumas pessoas
chegadas: a noiva, Martha Bernays, Joseph Breuer e a mulher deste,
Mathilde (por causa das enxaquecas), assim como Fleischl. Entusias­
mado com as propriedades euforizantes da cocaína, Freud publicou,
em julho de 1884, um artigo - “Sobre a coca”9 —no qual repetia, no
essencial, os argumentos de venda da Gazette de Parke-Davis. A co­
caína era —anunciava ele - boa para a dispepsia, a caquexia, o enjoo, a
histeria, a neurastenia (a que nos nossos dias chamaríamos depressão),
a melancolia (psicose maníaco-depressiva), as nevralgias faciais (algias
do trigémeo), a asma e a impotência. A cocaína tinha também - sugeria
Freud in fine - propriedades anestésicas que convinha explorar. Foi

9 “Über Coca” [N. TJ.

22
Oque fez imediatamente o seu amigo Carl Koller, que descobriu que
a cocaína podia servir de anestesiante local em oftalmologia, tornando-
-se assim instantaneamente célebre em vez de Freud.
O artigo de Freud continha igualmente uma secção sobre a uti­
lização da cocaína na desintoxicação dos morfinómanos. Freud
baseava-se quase exclusivamente em casos de desmorfinização bem
sucedida invocados pela gazeta publicitária de Parke-Davis, mas afir­
mava também ter ele próprio conseguido desintoxicar um caso desse
gênero. A abstinência correra muito bem. O paciente não caíra em
depressão, «já não estava acamado e podia funcionar normalmente.
Durante os primeiros dias do tratamento, consumiu [oralmente] 3 dg
de cocainum muriaticum\ dez dias depois, estava em condições de
prescindir desse remédio.»
Tal como Carl Koller revelaria em 1928, o paciente em questão
não era outro senão Ernst Fleischl von Marxow. A cura de desinto­
xicação, que começara em 7 de maio de 1884 em colaboração com
Breuer, não se desenrolou exatamente como Freud dizia. Embora
o tratamento com cocaína tenha parecido prometedor durante
os três primeiros dias, Freud escrevia à noiva em 12 de maio: «Com
Fleischl, as coisas estão tão tristes que não posso, de modo nenhum,
regozijar-me dos êxitos da cocaína.» A cocaína, que Fleischl tomava
«continuamente», não o impedia de ter dores extremas e «ataques»
que o deixavam quase inconsciente. Freud acrescentava: «Se tomou
morfina durante um desses ataques, não sei, ele nega, mas não se
pode acreditar num morfinómano, ainda que seja um Ernst Fleischl
[...]» Em 19 de maio, não tendo a cocaína suprimido nem as dores
nem os sintomas de privação, Theodor Billroth, a pedido de Freud,
tentou uma nova operação ao coto da amputação e recomendou
a Fleischl «tomar muita morfina, [...] e ele [Fleischl] recebeu já nem
sabe quantas injeções» (23 de maio de 1884).
A cura de desintoxicação tinha, pois, fracassado completamente.
Freud dedicou-se, porém, à redação do seu artigo sobre a cocaína,
a despeito das reservas de Breuer (em 12 de junho de 1884, escrevia
a Martha Bernays: «Breuer não quer de modo algum que eu diga
minimamente bem dela.»). Entregue ao tipógrafo em 18 de junho e

23
publicado em i de julho, o artigo suscitou imediatamente um grande
interesse nos Estados Unidos, nomeadamente da parte de Parke-Davis
que fez questão de citar numa brochura os interessantes trabalhos
«do Professor Fleischl e do Dr. Sigm. Freud de Viena», que corrobo­
ravam a literatura promocional do laboratório. Parke-Davis ofereceu
igualmente 24 dólares da época a Freud para comparar a cocaína da
companhia com a de Merck, o que ele fez, à maneira de um moderno
«líder de opinião» médica, predizendo um «promissor futuro» para
a cocaína de Parke.
A menção ao «Professor E. Fleischl», que poderá parecer espantosa,
provém do facto de Freud ter publicado anonimamente relatórios e
resumos do seu próprio artigo em diversas revistas médicas americanas,
utilizando o seu prestigiado paciente e «colaborador» como caução
científica. Num artigo publicado em dezembro de 1884 no SaintLouis
Medical and SurgicalJournal, escrevia o seguinte: «O Professor Fleischl
de Viena confirma o facto de o cloridrato de cocaína ter um valor
incomparável no morfinismo quando injetado de modo subcutâneo
(0,05-0,15 gr dissolvidos em água) [...] mas uma abstinência súbita
da morfina requer uma injeção subcutânea de 0,1 gr de cocaína. [...]
em dez dias pode obter-se uma cura radical {radical cure) com uma
injeção de 0,1 gr de cocaína três vezes por dia.»
A dosagem era igual à indicada no artigo inicial, embora o método
de administração fosse diferente (injeção subcutânea em vez de toma
oral). Por trás desse pequeno pormenor, ocultava-se o facto de Fleischl,
apesar da sua «cura radical», não só não ter deixado de injetar-se com
morfina, mas também ter começado a injectar-se com cocaína. Em
12 de julho de 1884, pouco depois da publicação do seu artigo “So­
bre a coca”, Freud contava de passagem à noiva que o amigo tomava
cocaína «regularmente». É evidente - segundo os artigos americanos
de Freud - que Fleischl já tinha passado à seringa em outubro. Que
o tenha feito ou não contra a opinião inicial de Freud, como este de­
fenderia em termos velados no capítulo 2 d’A Interpretação dos Sonhos,
é não menos evidente que Freud tinha retomado por sua conta esse
método de administração com efeitos farmacológicos singularmente
mais acentuados. Em janeiro de 1885, anunciava à noiva que queria

24
ver se podia aliviar as nevralgias faciais injetando cocaína diretamente
no nervo, acrescentando logo em seguida: «E talvez até Fleischl pos­
sa ser ajudado. [...] Se, ao menos, pudesse tirar-lhe as dores.» (7 de
janeiro de 1885). Numa conferência publicada no início de abril de
1885, na qual reafirmava ter desintoxicado um morfinómano dando-
-lhe cocaína, Freud recomendava mesmo explicitamente a injeção:
«Para curas de desintoxicação deste gênero, recomendo sem hesitar
dar cocaína sob a forma de injeções subcutâneas de 0,03-0,05 gr por
dose, sem temer aumentar a dose.»
Como sabe nos nossos dias qualquer toxicodependente, a combinação
de uma upper10 como a cocaína e de um downer11 como a morfina
ou a heroína é uma das mais euforizantes e perigosas (foi por uma
speedball12 dessas que morreram, entre outros, o pintor Jean-Miche
Basquiat e o ator John Belushi), sendo também a combinação que mais
irresistivelmente cria dependência. Uma vez «agarrado», Fleischl não
deixou de aumentar as doses de cocaína para obter o famoso rush13.
No regresso de uma estada na sua residência de férias em St. Gilgen,
em outubro, o seu consumo de cocaína tornara-se tão considerável que
o fabricante Merck lhe pedira que o informasse sobre os efeitos obser­
vados. Em junho do ano seguinte, Freud escreveu a Martha: «Desde
que lhe dei cocaína, ele conseguiu suprimir os desmaios e controlar-se
melhor, embora tenha tomado quantidades tão monstruosas (1800
marcos de cocaína em três meses, o equivalente a um grama diário)
que acabou por desenvolver uma intoxicação crônica» (26 de junho
de 1885). E, no entanto, no seu artigo do mês de abril, Freud afirmava
a propósito do seu paciente morfinómano: «Nenhuma habituação à
cocaína; pelo contrário, uma crescente antipatia pela toma de cocaína.»
Fleischl estava num estado indescritível. Passava constantemente
«do desespero mais profundo à alegria mais exuberante» (10 de abril
de 1885). Breuer, Exner e Freud revezavam-se para passar a noite com
ele. O próprio Freud tomava cocaína para ficar desperto: «As suas

10 Droga estimulante, especialmente anfetamina [N. T.].


11 Neste contexto, narcótico [N. TJ.
12 Mistura potencialmente letal [N. TJ.
13 Efeito intenso, de curta duraçáo [N. TJ.
declarações e explicações a propósito de toda a espécie de coisas
difíceis, [...] as suas múltiplas atividades interrompidas por estados
do mais completo esgotamento aliviados por morfina e cocaína,
tudo isso constitui um conjunto impossível de descrever por escrito»
(21 de maio de 1885). Todos os amigos de Fleischl pressentiam
a aproximação do seu fim, a ponto de Freud, que lhe pedira mais uma
vez ajuda financeira, escrever a Martha: «Talvez ele já não esteja cá
quando tivermos de pensar em pagar-lhe» (10 de março de 1885). Em
junho, Fleischl começou a desenvolver alucinações características da
cocainomania, mas que Freud, na sua ignorância, comparou a um
delirium tremens: Fleischl sentia bichos a rastejarem pela sua pele -
um fenômeno conhecido nos nossos dias pelo nome de «formicação»
ou, mais familiarmente, de coke bugs.
No início de agosto, Fleischl partiu para a residência familiar em St.
Gilgen, acompanhado do irmão mais novo, Paul. Freud escreveu-lhe
de Paris, onde seguia as lições de Jean-Martin Charcot, para pedir-
-lhe dinheiro. Fleischl não respondeu. De regresso a Viena, Freud
encontrou-o com um aspeto «miserável, cadavérico» (carta a Martha
de 5 de abril de 1886): «Diz-se que tem constantemente alucinações
e que não será provavelmente possível continuar muito mais tempo
a deixá-lo viver em sociedade» (7 de abril de 1886). Freud retomou
as suas vigílias noturnas em casa do amigo, pelo menos até ao final
de maio de 1886. Não se sabe se continuou para além dessa data,
porque a correspondência de Freud com Martha foi interrompida
pouco depois por causa do casamento.
Em julho de 1887, Freud publicou uma resposta a Albrecht Erlen-
mayer, especialista em morfinomania que testara a cocaína nos seus
próprios pacientes. Os resultados do estudo de Erlenmayer contradiziam
os de Freud: os pacientes não só não tinham abandonado a morfina,
mas também tinham criado habituação à cocaína. O doutor Freud
- concluía severamente Erlenmayer - lançara um «terceiro flagelo»
sobre a Humanidade, após o álcool e a morfina. Melindrado, Freud
replicou invocando de novo «o resultado espantosamente favorável
da primeira abstinência de morfina por meio de cocaína efetuada
no continente. (Talvez seja bom mencionar aqui que não falo de

26
experiências levadas a cabo em mim próprio, mas de um outro que
aconselhei nessa matéria.)». Quanto aos resultados negativos obtidos
por Erlenmayer, ficavam a dever-se, segundo Freud, ao facto de ele
ter dado injeções de cocaína em vez de administrá-la oralmente como
Freud lhe recomendara - um «sério erro experimental» pago pelos
pacientes de Erlenmayer. Depois disso, Freud olvidou os seus artigos
sobre a cocaína, especialmente aquele em que recomendava a seringa.
Ernst Fleischl von Marxow parece ter vivido os seus últimos anos
à margem da «sociedade». Conseguiu alguma vez desintoxicar-se da
cocaína? Foi o que Freud acabou por afirmar numa carta endereçada
a Josef Meller em 1934: «Após uma espantosamente fácil abstinência
da morfina, ele [Fleischl] tornou-se cocainómano em vez de morfi-
nómano, desenvolveu graves perturbações psíquicas, e ficámos todos
felizes quando mais tarde regressou ao tóxico anterior mais suave.»
Pode, porém, duvidar-se desta versão, porque a alusão a «alucinações»
feita por Freud na carta a Martha de 7 abril de 1886 parece efetiva­
mente indicar que, nessa data, Fleischl se injetava ainda com cocaína
(a morfina não causa esse tipo de efeitos). E depois disso? Numa carta
escrita em 1891 a Franzi von Wertheimstein, ex-noiva de Fleischl,
Breuer parece dizer que, perto do fim, aquele substituíra a morfina
pelo cloral, para mitigar as dores: «Excetuando as dores, Ernst não
estava sequer profundamente infeliz quando, embriagado e parcial­
mente debilitado pelo cloral, perdia completamente a consciência de
tudo e de si próprio. Havia, depois, a luta permanente contra a sua
propensão pela toma excessiva de cloral, na qual recaía constantemen­
te, a aterradora ressaca que ela originava e durava uma semana e, de
novo, a repetição.» Nenhuma alusão à cocaína; imagina-se, porém,
que o farrapo humano em que Fleisch se tornara tenha encontrado
forças para se livrar da influência dela?
Ernst Fleischl von Marxow morreu, enfim, a 22 de outubro de
1891, em Viena. Breuer escreveu a Franzi von Wertheimstein: «Choro
Ernst, como faço há anos, embora não possa dizer que lamento a sua
morte [...]. Todos devemos à Natureza uma morte - mas não estamos
obrigados ao sofrimento nem a esta lastimável decomposição de uma
personalidade tão brilhante.»

27
CM athilde
(Schleicher
( i 862' I 890)

Mathilde Schleicher - informa-nos Freud num relatório médico


redigido em 1899 - provinha «de uma família distinta mas predisposta
a doenças nervosas». O pai, Cölestin Schleicher, era um estimado
pintor de gênero. Sendo música ela própria, tinha sido sempre impres­
sionável e sofria de enxaquecas. A sua «doença nervosa» declarou-se
em fevereiro de 1886. Segundo Freud, o acontecimento desencadeante
fora a quebra da promessa de casamento pelo noivo. Segundo outro
relatório médico (redigido posteriormente pelo Dr. Hanns Kaan),
o noivo, homem «sem carácter», rompera, pelo contrário, porque ela
começara a desenvolver uma depressão e «modificações histéricas
do rosto». Seja como for, caiu num grave estado melancólico que se
caracterizava por autoacusações e ideias delirantes.
Mathilde Schleicher esteve, sem dúvida, entre os primeiros
pacientes de Freud, que acabara de se instalar como «médico dos
nervos» em abril de 1886. Pode supor-se que fora Breuer quem a en­
viara, enquanto médico da família Schleicher, pois foi para ele que
Freud se virou mais tarde, quando Mathilde desenvolveu a doença
nitidamente somática que a mataria. O tratamento, escreveu Freud
no seu relatório, teve uma «evolução variável», em suma: com altos e
baixos. O que se sabe é que o jovem médico dos nervos, a partir de
determinado momento, fez uso da hipnose, sob a forma de sugestão
direta. No seu relatório, o Dr. Kaan nota efetivamente que a paciente
«votava um verdadeiro culto ao médico que a tratara por hipnose
durante a sua afeção melancólica». Na primavera de 1889, chegou
a acreditar-se que o tratamento hipnótico dera frutos. A depressão
atenuou-se progressivamente e, em junho, Mathilde ofereceu ao seu

28
MATHILDE SCHLEICHER

querido médico hipnotizador um belo livro de História - Germania.


Zwei Jahrtausende deutschen Lebens kulturgeschichtlich geschildert14 -
com a seguinte dedicatória: «Ao excelente Dr. Freud, com a minha
lembrança afetuosa. Como prova da mais profunda gratidão e do
mais profundo respeito. Mathilde Schleicher, junho de [i ] 889.»
A trégua foi de curta duração. No mês seguinte, a paciente mergu­
lhou num nítido delírio maníaco. Estava exuberante, agitada, já não
dormia. Falava constantemente da brilhante carreira de concertista
que se abria perante ela e dos milhões que iria ganhar, assinava con­
tratos arriscados. Iria suceder à Bianchi (Bianca Bianchi15, principal
cantora da Ópera de Viena). Fazia grandes planos de casamento.
À mínima contrariedade, caía em violentas convulsões que Freud
julgava «manifestamente de carácter histérico, as quais, de resto,
também se produziram durante a melancolia e se multiplicaram
durante o seu restabelecimento desta».
Freud mandou-a internar, em 29 de outubro de 1889, na clínica
privada do Dr. Wilhelm Svetlin com um diagnóstico de «alteração
cíclica de humor» (que Kraepelin, dez anos mais tarde, denominaria
«psicose maníaco-depressiva»). No seu relatório anexo ao pedido de
internamento, Freud escreveu pudicamente: «Decerto não ocorreu
violação mais grave dos limites a que o seu sexo e a sua educação
deveriam confiná-la, embora aqui e ali ela tenha tentado.» O dossiê
médico guardado na clínica Svetlin era menos pudibundo. Dois dias
depois da entrada de Mathilde na clínica, o médico de serviço ano­
tava: «Ninfomaníaca, rebola-se pelo chão, seminua, a masturbar-se,
chama o Dr. Freud, de quem quer ser escrava.» Uma semana mais
tarde, era para o Dr. Kaan, assistente de Svetlin, que ela transferia
a sua «excitação erótica». Em 12 de novembro, «o delírio maníaco
está quase exclusivamente relacionado com a coisa sexual: pensa estar
grávida, cada defecação é um nascimento, as fezes são o seu bebé,
a «jóia da sua coroa» que ela tenta esconder [do enfermeiro] debaixo
da almofada».

14 Germânia. Dois Milênios de Vida Histórico-Cultural Alemã, de Johannes


Scherr [N. TJ.
15 Soprano coloratura, de seu nome Bertha Schwarz (1855-1947) [N. TJ.

29
OS PACIENTES DE FREUD

Os médicos da clínica parecem ter julgado que o agravamento do


estado da paciente e, especialmente, as suas convulsões se deviam ao
tratamento hipnótico do Dr. Freud (o dossiê nota que ela «simula
convulsões histéricas»). Durante sete meses, administraram a Mathilde
toda a espécie de hipnóticos e sedativos, tal como era usual nessa época
ministrar aos doentes agitados: morfina, hidrato de cloral, brometo,
ópio, haxixe, valeriana, etc. Deram-lhe também ocasionalmente sul-
fonal, hipnótico introduzido no ano anterior por Alfred Kast e que
fora descrito na imprensa médica como completamente inofensivo e
não viciante, ao contrário dos outros produtos. Tendo-se esfumado
o estado maníaco, Mathilde teve alta em 25 de maio de 1890.
«Curada?», perguntava-se o médico da clínica no seu dossiê. Não,
obviamente. Como era de esperar, o ciclo melancólico voltou com maior
intensidade, depressão, apatia e insônia. Serviu-se Freud novamente
da hipnose (passara, entretanto, à hipnose catártica)? Não se sabe.
O que é certo é que ele prescreveu um tratamento com a alternância
de hidrato de cloral e de sulfonal (dois gramas por dia, de duas em
duas semanas), provavelmente para prevenir a insônia. Regressado
de férias no início do mês de setembro, Freud encontrou Mathilde
«anêmica», depois teve vômitos, retenção de urina e dores abdominais.
Retirada por sonda, a urina era estranhamente vermelha. Nem Freud
nem Breuer (chamado em socorro) compreendiam nada daquilo. Em
24 de setembro de 1890, Mathilde Schleicher morreu «plenamente
consciente» com horríveis cãibras abdominais. Foi enterrada dois dias
depois na secção judaica do cemitério central de Viena.
O enigma da sua morte foi resolvido algumas semanas depois,
quando surgiu um artigo assinado por Hermann Breslauer (amigo de
Breuer e um dos médicos de Bertha Pappenheim) que assinalava, pela
primeira vez, os perigos do sulfonal: tomado numa dose demasiado
forte ou durante um longo período, tal produto podia provocar por-
fíria aguda, distinguindo-se o dano do fígado pela cor vermelha da
urina. Porém, o artigo chegou demasiado tarde. Mathilde Schleicher
morrera envenenada pelo medicamento receitado pelo seu médico.
ranny
C M o

(1848-1925)

Fanny Moser era, dizia-se, a mulher mais rica da Europa Central.


Nasceu em 29 de julho de 1848 e pertencia a uma velha família patrícia
suíça - Von Sulzer-Wart - de Winterthur. O seu avô, Johann Heinrich
von Sulzer-Wart, fora nobilitado pelo rei da Baviera, de maneira que
a baronesa Fanny Louise von Sulzer-Wart fazia parte da aristocracia
que evoluía nos principados e grão-ducados germânicos. Aos vinte e
dois anos, casara-se com Heinrich Moser, um industrial riquíssimo
de sessenta e cinco anos. Filho e neto de relojoeiros de Schaffhouse,
Heinrich Moser amealhara uma fortuna colossal vendendo relógios
suíços na Rússia e no resto da Ásia (a sociedade H. Moser & Cia.
ainda existe e os relógios «Moser-Soviet» eram, segundo consta,
muito apreciados pela nomenclatura do bloco soviético). De re­
gresso a Schaffhouse, Moser fundara também uma companhia de
caminhos de ferro e mandara construir um imponente castelo que
dominava o Reno.
O casamento foi feliz, apesar da considerável diferença de idades
entre os cônjuges e das tensões com os filhos do primeiro casamento
de Heinrich Moser. O casal teve duas filhas, Fanny júnior e Mentona
(assim chamada em honra da cidade de Menton, onde Fanny e Hein­
rich gostavam de passar férias). No entanto, na sua correspondência,
Heinrich Moser mencionava a constante «nervosidade» da mulher.
Em 23 de outubro de 1874, apenas quatro dias após o nascimento da
sua segunda filha, Heinrich Moser colapsou, fulminado por uma crise
cardíaca. Deixava à mulher e às filhas a maior parte da sua fortuna.
Furioso, o seu filho Henri espalhou o boato de que Fanny envene­
nara o pai. Uma investigação ilibou-a de qualquer suspeita, depois

31
OS PACIENTES DE FREUD

de o corpo do defunto ter sido exumado duas vezes para autópsia e


análise toxicológica, mas o escândalo fora tal que Fanny Moser foi
permanentemente tratada com desdém pelos meios aristocráticos nos
quais aspirava a evoluir.
Em 1877, vendeu a manufatura de relógios Moser ao industrial
Paul Girard (com a condição de que ele não lhe mudasse o nome) e
viveu, a partir de então, das suas rendas num castelo que adquirira
em Au, perto do lago de Zurique. Aí, estabeleceu uma espécie de
corte paralela, recebendo todo o tipo de distintos convidados vindos
da Europa inteira. Praticava o mecenato e a filantropia, sustentando,
especialmente, a causa antialcoólica defendida por August Forel e
Eugen Bleuler, os dois diretores sucessivos do hospital psiquiátrico
de Burghõlzli, em Zurique. Também dera dez mil francos suíços -
uma quantia considerável nessa época - para a construção de um
hospital psiquiátrico em Schaffhouse. Era conhecida na vizinhança
pelas excentricidades e pelos múltiplos amantes, entre os quais se
encontrava amiúde este ou aquele médico seu. De facto, a «nervosi-
dade» dela tinha-se agravado, provavelmente devido ao ostracismo
a que era votada pelos seus pares, e Fanny consumia, em larga escala,
médicos, psiquiatras e psicoterapeutas. August Forel e Eugen Bleuler,
cujas assinaturas figuram no seu registo de convidados, conheciam-na
enquanto paciente. Quando não tinha a casa cheia de convidados em
Au, Fanny ia tomar águas para as abastadas termas da Europa. Con­
tudo, a «nervosidade» não desaparecia e era sempre preciso consultar
um novo médico, tentar uma nova cura ou uma nova clínica privada.
Na primavera de 1889, depois de ter passado o inverno na estação
balnear de Abbazia16, na costa adriática, Fanny Moser foi com as duas
filhas a Viena para consultar Josef Breuer, muito provavelmente
a conselho de August Forel, que o conhecia bem (tinham estudado
juntos). Estava deprimida, sofria de insônias, dores e tiques diversos.
De dois em dois minutos, o seu rosto adquiria uma expressão esquisita
e ela fazia um gesto como que para repelir um agressor imaginário:
«Não se mexam! Não digam nada! Não me toquem!» Depois de a ter

16Topónimo italiano, correspondente à atual localidade croata de Opatija [N. T.].

32
FANNY MOSER

tratado durante seis semanas, Breuer decidiu enviá-la ao seu jovem


colega e amigo Sigmund Freud. Nas suas memórias, Mentona Mo-
ser recorda-se desse «primeiro assistente» de Breuer: «Era pequeno e
franzino, tinha cabelo preto azeviche, grandes olhos pretos, aspeto
muito jovem e tímido.»
O tratamento começou em i de maio de 1889, no hotel onde
residia Fanny Moser. A primeira decisão de Freud foi enviá-la para
uma clínica privada de Viena, o sanatório Low, onde foi vê-la todos
os dias. Tendo constatado que ela era facilmente hipnotizável (indubi­
tavelmente porque já fora hipnotizada por Forel), decidiu utilizar pela
primeira vez o método recomendado por Pierre Janet, que consiste
em fazer com que o paciente sob hipnose reviva traumas anteriores
e os «apague» por sugestão antes de despertar. Ele obteve logo de
Fanny Moser uma verdadeira avalancha de recordações traumáti­
cas. No espaço de nove dias, de 8 a 17 de maio de 1889, ela relatou
perto de quarenta, indo do mais dramático (assistir à morte súbita
do marido) ao mais trivial (ficar assustada com um sapo). Após sete
semanas de tratamento, Fanny Moser voltou com as filhas para Au,
tendo aparentemente melhorado o seu estado.
No mês seguinte, em 19 de julho de 1889, Freud fez-lhe uma visita
a caminho de Nancy, onde ia ver Hippolyte Bernheim com uma carta
de recomendação de Forel. Foi, sem dúvida, nessa ocasião (e não dois
anos mais tarde, como Freud escreveu, com intuito dissimulado, na
sua história do caso «Senhora Emmy von N., livoniana») que ele teve
de examinar Fanny júnior, a qual sofrerá uma intervenção ginecológica
durante a sua permanência em Viena e estava, desde então, em plena
revolta adolescente, manifestando um comportamento de violenta
rejeição pela mãe (as relações entre Fanny Moser e as filhas deviam ser
permanentemente execráveis). Fanny júnior mostrava, segundo Freud,
«uma desmesurada ambição desconforme com os seus fracos dons».
Considerando que todos os meios-irmãos e irmãs da doente (filhos
de um primeiro matrimônio do Sr. v. N.) tinham acabado paranoi-
cos» (?), ele diagnosticou o início de uma neuropatia. Fanny júnior foi
internada numa clínica. (Em 1893, ela iria encetar estudos e tornar-se
uma distinta zoóloga, antes de escrever um clássico da parapsicologia).

33
Sete meses mais tarde, Freud soube por Breuer que Fanny o respon­
sabilizava - a ele e ao ginecologista que operara a filha em Viena - pela
«doença» dela. Como era costume quando alguém lhe desagradava, ela
cobrira com um pedacinho de papel a assinatura de Freud no registo
onde os seus convidados inscreviam os respetivos nomes. Tendo-se
novamente degradado o seu estado, foi internada por Forel e Breuer
numa clínica onde manifestou uma violenta oposição ao médico que
a tratava por hipnose seguindo as indicações de Freud. Por fim, fugiu
da clínica, com a ajuda de uma amiga. Em 1890, estava de regresso
ao consultório de Freud, não obstante a sua aversão em relação a ele.
Novo tratamento hipnótico de oito semanas, seguido de nova
melhoria muito relativa. Fanny Moser regressava a casa, donde
Freud continuou a receber esporadicamente notícias dela. As tensões
com Fanny júnior, que queria prosseguir estudos científicos contra
a vontade da mãe, provocaram, mais uma vez, uma degradação
do estado de Fanny em 1893. Chamaram o célebre psicoterapeuta
sueco Otto Wetterstrand, amigo de Forel, que veio diretamente de
Estocolmo no final de setembro. Acompanhada da filha mais velha,
Fanny passou o inverno de 1893-1894 em Estocolmo, para fazer
uma cura de «sono prolongado». Este tratamento revolucionário,
lançado por Wetterstrand no princípio dos anos 1890, consistia
em pôr o paciente sob hipnose durante vários dias ou até semanas.
Ao contrário de Freud, Wetterstrand - que tinha, porém, fama de
taumaturgo - teve a maior dificuldade em hipnotizar Fanny, tendo
de tentar repetidas vezes durante várias semanas até conseguir. Visi­
velmente, Fanny fazia subir a parada.
Em 1899, Wetterstrand citaria doze casos de «histeria difícil»
tratados por ele com o auxílio da técnica do sono prolongado. Dez
deles tinham-se restabelecido completamente; um outro não evoluíra
muito; e o último recaíra posteriormente, exigindo novo tratamento.
Tratava-se, muito provavelmente, do caso Fanny Moser. Em setembro
de 1894, aquando de um congresso dos médicos e naturalistas alemães
efetuado em Viena, Freud tivera ocasião de perguntar por Fanny
a Forel. Com Fanny, confidenciara-lhe este, é sempre a mesma coisa:
primeiro, ela abandona os seus sintomas; depois, zanga-se; a seguir,

34
torna a adoecer. Pelo registo dos convidados para o castelo de Au,
sabe-se que Wetterstrand voltou lá em agosto de 1896, obviamente
para mais um tratamento. Quanto a Forel, foi chamado em junho
do ano seguinte.
No final da vida, Fanny apaixonou-se por um homem mais novo
do que ela, o qual aproveitou para lhe extorquir parte da fortuna.
Fanny rompera com as duas filhas, a quem retirara a mesada. Mentona,
que Fanny detestava e lhe pagava na mesmíssima moeda, tornara-se
militante comunista. Em 1918, Fanny Hoppe-Moser tentou, em vão,
pôr a mãe sob tutela. Em 13 de julho, escreveu a Freud - com quem
já entabulara uma relação epistolar a propósito das suas investigações
parapsicológicas - para pedir-lhe que redigisse um relatório oficial
sobre o estado mental da mãe.
Freud fugiu à questão, justificando-se por ter, na altura própria,
tomado o partido da mãe contra a filha: «Foi com grande interesse
que soube que é a pequena Fanny que me suscitava tanta preocupação
e por causa de quem fui chamado a Au pela Senhora Fanny Moser.»
(Aparentemente, apesar do nome dela, Freud não reconhecera,
portanto, a sua correspondente aquando das suas anteriores trocas
epistolares). «Tem razão, nessa época não fiz praticamente nada por
si, não compreendi nada a seu respeito. Imagine, porém, peço-lhe,
que nessa época eu também nada compreendia no caso de sua mãe,
embora ela tenha sido, por duas vezes, minha paciente durante
semanas. [...] Foi precisamente a propósito deste caso e do seu des­
fecho que reconheci que o tratamento por hipnose era um método
que não fazia sentido, nem tinha valor, e que tive a necessidade de
criar a terapia psicanalítica, mais de acordo com a razão.» Afirmação
surpreendente, no mínimo, porquanto, se assim fosse, porque é que
Freud não teria informado disso os leitores dos Estudos sobre Histeria,
publicados cinco anos depois?
De resto, Freud relia o episódio antigo à luz das suas teorias mais
recentes, como se tal pudesse, de qualquer modo, ajudar Fanny Hoppe-
-Moser e a irmã no conflito com a mãe: «A atitude de sua mãe em
relação a si e à sua irmã está longe de ser para mim tão enigmática
quanto é para vós. Posso dar-vos a explicação simples de que ela ora

35
amava carinhosamente ora odiava asperamente os filhos (trata-se da­
quilo a que chamamos ambivalência), e que já assim era nessa altura,
em Viena. Em 1935, Freud insistia, em resposta ao envio por Fanny
Hoppe-Moser do seu livro sobre o ocultismo: «Não posso levar a mal
por não ter ainda perdoado o meu lastimável erro de diagnóstico de
então. Não só me faltava muita experiência, mas também a nossa arte
de ler o que se esconde na alma ainda estava na infância. Dez, talvez
cinco anos mais tarde, não teria deixado de adivinhar que a infeliz
mulher travava um árduo combate contra o seu ódio inconsciente
aos dois filhos e tentava defender-se mediante excessivo carinho.
Tais fantasmas nefastos parecem ter emergido sob forma reelaborada
e determinado o seu comportamento. Porém, nessa época, eu não
percebia nada e acreditei simplesmente nas suas informações.»
Fanny Moser expirara dez anos antes, em 2 de abril de 1925, para
sempre irreconciliada com as duas filhas e ainda riquíssima, apesar
dos milhões sugados pelo amante. As notícias necrológicas homena­
gearam a grande filantropa e patrona das artes, que ajudara a florescer
tantos talentos.

36
c_A*
nna
von J^ieben
(i 8 4 J - iç o o )

Anna von Lieben, baronesa Anna von Todesco de nascimento, pro­


vinha de uma família da aristocracia judaica de Viena. O banqueiro
Eduard von Todesco, seu pai, descendia de Ahron Hirsch Todesco, um
negociante de seda do gueto de Presburgo17 que fizera fortuna no final
do século xviii antes de se instalar em Viena. Do lado da mãe, Sophie,
Anna estava ligada por parentesco a três outras famílias da grande
burguesia judaica vienense: Gomperz, Auspitz e Von Wertheimstein.
A família Todesco levava vida faustosa. Sophie von Todesco recebia
no luxuoso palácio que o marido e ela tinham mandado construir em
frente da nova ópera de Viena (esse palácio continua a existir). Tal
como no salão da sua irmã Josephine von Wertheimstein (Gomperz
em solteira), ali se cruzava a fina flor vienense da política, da finança
e das artes: Johannes Brahms, Franz Liszt, os dois Strauss, os pinto­
res Hans Makart e Franz von Lenbach, o escultor Viktor Tilgner e
muitos outros. Entre os mais chegados, contava-se o filologo Theodor
Gomperz (irmão de Sophie e de Josephine) e a mulher, Elise, o filó­
sofo Franz Brentano, o poeta Hugo von Hofmannsthal, o psiquiatra
Theodor Meynert, o fisiologo Ernst Fleischl von Marxow e Joseph
Breuer, médico das famílias Todesco, Gomperz, Von Wertheimstein e
Auspitz. No verão, quando fazia muito calor em Viena, refugiavam-se
na Vila Todesco, uma vasta e não menos luxuosa casa em Brühl. Por
toda a parte, um exército de criados em uniforme.
Os filhos estavam rodeados de precetoras e tutores. Anna, a exemplo
do irmão e das irmãs, estudou francês e inglês, assim como pintura

17 Antiga designação de Bratislava [N. TJ.

37
e música. Começou muito cedo a pintar e a escrever poemas (uma
recolha foi publicada pelos pais e amigos após a morte dela). Também
precocemente, Anna manifestou sinais de instabilidade psíquica, tal
como, aliás, outros membros da sua família materna (a bisavó Rosa
Auspitz, o tio Theodor Gomperz e a mulher Elise, Josefina Wertheims-
tein e a sua filha Franzi, todos apresentavam sinais de neurose e até
psicose). Desde os dezasseis anos de idade, ela era atormentada por
perturbações «nervosas» de toda a espécie. O seu estado melhorara
um pouco após o casamento, em 1871, com o banqueiro Leopold
von Lieben, assim como durante as cinco vezes em que engravidara,
mas os sintomas tinham regressado rapidamente: nevralgia facial (tal
como Bertha Pappenheim, que ela provavelmente conhecia através de
Theodor e Elise Gomperz), dores nos pés que a retinham no canapé,
enxaquecas, ausências, mudanças bruscas de humor, crises de nervos.
Hugo von Hofmannsthal, que em 1895 começara um Romance da
Vida Interior (nunca terminado) sobre a família Todesco, escrevia que
Anna von Lieben era «animal», «sensível» e «semilouca».
Por falta de movimento e de tanto devorar pratos finos, tornou-se
obesa. Para emagrecer, seguia de vez em quando um regime muito
estrito à base de champanhe e caviar. Era notívaga e nunca ninguém da
família sabia quando ela iria emergir durante o dia. Grande xadrezista,
contratara um jogador profissional para estar constantemente à sua
disposição durante a noite, no caso de ela ter vontade de disputar uma
partida. Acontecia-lhe fazer incursões em lojas de tecidos, obrigando-
-os a permanecer abertos após a hora de encerramento, para poder
satisfazer a paixão por belos panos. Também era morfinómana desde
a adolescência. Saturado, o marido arranjou uma amante.
Depois de ter vivido temporariamente no palácio Todesco, a família
Von Lieben mudou-se, em 1888, para um prédio construído pela família
Auspitz onde vivia igualmente o filósofo Franz Brentano, seu cunhado,
que desposara Ida von Lieben, a irmã mais nova de Leopold. Teve de
se instalar ali um elevador para transportar a corpulência de Anna.
Sito no n.° 6 da Oppolzergasse, o prédio encontrava-se apenas a cinco
minutos do n.° 8 da Maria-Theresien-Strasse, onde morava Freud, o que
era prático quando este era chamado de urgência para acalmar uma

38
erupção de Anna. Em 1887, Freud tornara-se efetivamente o «médico
dos nervos» de Anna von Lieben, sob a supervisão de Breuer. Antes, ela
fora tratada diversas vezes em Paris por Jean-Martin Charcot, o «Na-
poleão das neuroses», e o facto de o jovem Freud o ter mencionado
(ou até ser recomendado por ele?) jogara indubitavelmente a seu favor.
Henriette Motesiczky von Kesseleökeö, filha de Anna, contaria mais
tarde a Kurt Eissler, secretário dos Arquivos Freud, que a mãe apenas
falava em francês sempre que regressava de uma visita a Charcot.
Anna von Lieben tornou-se rapidamente a paciente mais importante
de Freud - a suaprima donna, como ele escreveu numa carta ao amigo
Wilhelm Fliess - , assim como a sua principal fonte de rendimentos.
Anna von Lieben requeria constante atenção, dia e noite, e Freud
estava, por assim dizer, permanentemente de serviço, inclusive du­
rante as férias em que ia visitá-la a Brühl. Durante o outono de 1888,
Freud começou a utilizar a hipnose sob a forma de sugestão direta.
Os resultados foram dececionantes, porquanto os sintomas ressurgiam
sempre. Em julho de 1889, Anna von Lieben acompanhou-o a Nancy
para ser hipnotizada por Hippolyte Bernheim, o grande mestre da
psicoterapia sugestiva; depois disso, parece que foram separadamente
a Paris: ela, para consultar uma vez mais Charcot; ele, para assistir
a um congresso sobre hipnotismo.
De regresso a Viena no outono, Freud tentou fazê-la reviver sistema­
ticamente sob hipnose os diferentes traumas que estariam supostamente
na origem dos seus sintomas. Era o famoso «método catártico» que
Breuer e ele próprio apresentariam alguns anos mais tarde nos Estudos
sobre Histeria18, em que Anna von Lieben é descrita com o nome de
«Cäcilie M.»:«[...] a partir desse momento, ela reviveu, durante cerca de
três anos, todos os traumas da sua vida - há muito esquecidos, acreditava
ela, e, no caso de muitos deles, nunca rememorados - , acompanhados
de terrível sofrimento e do retorno de todos os sintomas que ela tivera.»
Freud, uma ou duas vezes por dia, ia acalmar as crises da paciente,
hipnotizando-a e fazendo com que ela «ab-reagisse» às suas recordações
traumáticas. Tais revivescências, que eram acompanhadas de gritos e

18 Studien über Hysterie (consultar Fontes, na parte final desta obra) [N. TJ.

39
OS PACIENTES DE FREUD

movimentos violentos, deviam ser certamente impressionantes para


o seu círculo familiar. Segundo Henriette Motesiczky, as crianças da
família Von Lieben chamavam der Zauberer a Freud: era o «mágico»
que surgia a qualquer hora do dia e da noite para pôr a mãe delas
em transe e proceder a estranhos rituais. Nos Estudos sobre Histeria,
Freud menciona que lhe acontecia «apressar o fim do acesso pela ad­
ministração de meios artificiais» - uma alusão discreta às injeções de
morfina que lhe dava para satisfazer a dependência. Segundo Henriette
Motesiczky, era aí que residia a explicação para as constantes crises
da mãe e a temporária eficácia das ab-reações provocadas pelo seu
médico: «Vamos lá! A única coisa que ela esperava dele era a morfina.
E provavelmente apreciava quando ele lhe dava bastante.» A famosa
cura catártica era, com efeito, uma cura morfínica.
A família Von Lieben tornou-se cada vez mais cética em relação
a Freud, que, no seu entender, agravava o estado da paciente em vez
de aliviá-la. A Eissler, que lhe perguntava, em 1972, se os membros
da família gostavam efetivamente de Freud, Henriette Moteciczky
respondeu sem rodeios: «Não. [...] Todos o odiávamos. [...] Elas [as
minhas irmãs] diziam sempre: “Ele não lhe faz bem.”» Esse sentimento
era partilhado pelo tio Theodor Gomperz, que observava, por seu
turno, os efeitos da cura hipnótico-catártica de Freud na sua mulher
Elise, podendo pensar-se que comentários do gênero circulavam pelo
meio familiar. No outono de 1893 ou um pouco antes, Leopold von
Lieben decidiu pôr fim ao tratamento de Freud, que se prolongara
por cerca de seis anos e não lograra qualquer melhoria duradoura.
Em 31 de outubro de 1900, Anna von Lieben morreu de paragem
cardíaca no banho. Tinha cinqüenta e três anos. Muito mais tarde,
a pintora expressionista Marie-Louise von Motesiczky, sua neta,
mostrou ao seu analista Paul Federn um diário mantido por Anna
durante o tratamento com Freud. Federn mostrara-o, por sua vez,
a Freud, que «muito se divertira» com isso. Num poema intitulado
“História de Caso”, Anna von Lieben escrevera:
«A juventude que foi enterrada cedo de mais / Tem de ressuscitar
mais uma vez / Mais uma vez inspirar o ar / A fim de soçobrar para
todo o sempre.»

40
^Pauline
tSilberstein
(1871-1891)

Pauline Silberstein era mulher de Eduard Silberstein, amigo de


infância de Freud com quem este trocara abundante correspondência
durante a adolescência. Eduard Silberstein - que conservou pela vida
fora a alcunha «Berganza» que lhe dera o amigo «Cipión»19 (aliás,
Sigmund) - provinha de uma abastada família judaica ortodoxa de
Ia§i, então capital da Romênia. Após estudos de direito em Leipzig
e em Viena, onde seguiu igualmente os cursos de filosofia de Franz
Brentano, instalara-se como banqueiro e como negociante de cereais
em Brãila, outra cidade romena. Numa carta escrita à sua noiva
Martha Bernays em 1884, Freud contava que a amizade com Eduard
se tornara mais distante desde que tentara dissidua-lo de desposar
«uma estúpida jovem rica que o tinham mandado ver. [...] Ele está
disposto a casar-se com ela, para assegurar a sua independência como
comerciante.» Na realidade, Silberstein não dera seguimento a esse
projeto de casamento arranjado. No final dos anos 1880, desposara
Pauline Theiler, uma jovem de Ia§i por quem se apaixonara e que
tinha menos quinze anos do que ele.
No entanto, pouco depois do casamento, Pauline desenvolvera
uma profunda «melancolia». Acompanhada de uma criada que velava
permanentemente por ela, fora a Viena para ser tratada por Freud.
Não se sabe quanto tempo durou nem em que é que consistiu o tra­
tamento (hipnose catártica?), mas a família Silberstein guardou dele
uma recordação perene.

19 Cipión (Cipião) e Berganza são Os protagonistas d’O Colóquio dos Cães (uma
das Novelas Exemplares de Cervantes), guardas do Hospital da Ressurreição de
Valladolid [N. TJ.

41
Numa carta endereçada a Kurt Eissler em 1988, que tentava
convencê-la de que Pauline Silberstein não fora analisada por Freud,
Rosita Braunstein Vieyra, neta de Eduard Silberstein, dava a este
respeito um testemunho muito consistente: «Para os devidos efeitos,
insisto em afirmar que minha Mãe e três primos (todos já falecidos)
falavam do tratamento de Pauline S. pelo DL Freud. Acrescentavam
sempre que infelizmente não fora coroado de êxito. [...] Tenho, pois,
de contestar e afirmar, com o devido respeito, que o Sr. labora em
erro quando conclui que Pauline Silberstein, nascida Theiler, não foi
tratada pelo Dr. Freud. Foi, sim.»
Como Rosita Braunstein Vieyra dissera a Eissler, o tratamento de
Freud tivera funesto resultado. Em 14 de maio de 1891, às 16 e 30,
Pauline Silberstein apresentara-se diante do prédio de Freud no n.° 8
da Maria-Theresien-Strasse, pedindo à criada que ficasse à espera dela
cá em baixo e, depois de subir alguns andares, atirara-se para o rés-do-
-chão. Tinha vinte anos.
No dia seguinte, vários jornais de Viena deram versões contra­
ditórias do acontecimento. Segundo o Neues Wiener Tagblatt, uma
jovem estrangeira que fora a Viena para ser tratada por causa de uma
«grave perturbação nervosa» subira três pisos e precipitara-se de uma
balaustrada. Segundo a Neue Freie Presse., «uma jovem senhora vestida
de maneira elegante» lançara-se do quarto andar para um vão de es­
cada. A Neue Freie Presse acrescentava que, segundo os testemunhos
recolhidos, a «desgraçada» chegara nessa mesma manhã a Viena para
ser tratada por um médico. Isso permitiu que Kurt Eissler e a Walter
Boehlich, editor das cartas de Freud para Eduard Silberstein, afir­
massem que Pauline Silberstein morrera antes mesmo de ter podido
consultar Freud.
A certidão de óbito lavrada pela polícia vienense apresentava,
porém, uma versão completamente diferente dos factos: Pauline
Silberstein, esposa do Dr. Eduard S., comerciante em Brãila, na
Romênia, atirara-se para o pátio do prédio onde morava, no n.° 10
da Maria-Theresien-Strasse. Pauline Silberstein estava alojada, pois,
no prédio contíguo ao de Freud - ou no mesmo, na medida em que
os números 8 e 10 faziam (e continuam a fazer) parte do mesmo

42
grande conjunto: o Sühnhaus construído no terreno em que existira
um teatro destruído por um incêndio. Pode conjeturar-se que Freud
fizera ali uma reserva para o período de duração do tratamento.
Pauline Silberstein repousa agora no cemitério central de Viena:
porta i, grupo 19, fila 57, número 16. Eduard Silberstein tornou
a casar-se, com Anna Sachs. Um dos primeiros gestos desta quando
se mudou para a sua nova casa foi colocar um ramo de flores debaixo
do quadro de Pauline que enfeitava a parede do salão.
Em 22 de abril de 1928, numa carta endereçada à B nai B rith20 de
Brãila a propósito de Eduard Silberstein, que morrera três anos antes,
Freud mencionou resumidamente ter tido em tratamento a mulher
do amigo: «Durante muitos anos, quando era adolescente e jovem,
mantivemos uma amizade íntima e uma camaradagem fraterna [...]
e uma vez tive a ocasião de tratar a primeira mulher dele.» Foi a única
vez que Freud aludiu a Pauline Silberstein.

20 Organização judaica [N. TJ.

43
slise
(jomperz
(1848-1929)

Elise von Sichrovsky era uma amiga de juventude de Anna von


Lieben, cujo meio partilhava (o seu pai dirigia uma companhia de
caminhos de ferro financiada pelo banco Rothschild de Viena).
Em 1869, também passara a ser tia dela ao casar-se com Theodor
Gomperz, que era dezasseis mais velho e a conhecia desde criança.
Entrava assim numa das famílias judaicas mais antigas e distintas de
Viena, que remontava ao início do século xvn. Um dos antepassados
de Theodor Gomperz era Aaron Emmerich Gumperz, um Aufklärer
(homem das Luzes) que fora mestre e amigo de Moses Mendelssohn.
Filho de um banqueiro e, como tal, afortunado, Theodor era um
filósofo e helenista de renome, membro da Academia das Ciências
a partir de 1882 e autor de múltiplas obras eruditas (entre as quais
Traumdeutung und Zauberei11, publicada em 1866, trinta e quatro
anos antes do livro Die Traumdeutung22 de Freud). Em 1879, por
recomendação do seu amigo Franz Brentano, pedira ao jovem Sigmund
Freud que traduzisse o décimo segundo volume das obras completas
de John Stuart Mill, das quais era editor (Elise Gomperz traduzira
outra, Auguste Comte and Positivisni). Depois, os dois homens tiveram
outras ocasiões para cruzar os respetivos caminhos, pois Gomperz
estava muito ligado a Ernst Fleischl von Marxow, e o seu médico de
família não era outro senão Josef Breuer, o incontornável médico de
clínica geral da alta sociedade vienense.

21 Onirocnsia eMagia [N. TJ.


22 A Interpretação dos Sonhos [N. TJ.

44
ELISE GOMPERZ

Embora adotando em privado uma atitude paternalista muito


tradicional, Theodor Gomperz era um ardente defensor dos direitos
das mulheres e, especialmente, do seu direito de acesso aos estudos
superiores. A mulher dele era, aliás, parente da pioneira do feminis­
mo Marianne Hainisch e ajudava-a no seio da Frauenvereinigungfü r
soziale Hilfe25.
Ao entrar para a família Gomperz, Elise ingressava, ao mesmo
tempo, num meio altamente patogênico. Muito devota, a avó de
Theodor, Rosa Auspitz, fora internada depois de ter querido sacrificar
com uma faca os filhos ao Senhor. A irmã de Theodor, Josephine von
Wertheimstein, também estivera num asilo psiquiátrico após um epi­
sódio psicótico, e as suas duas sobrinhas Anna von Lieben e Franziska
(Franzi) von Wertheimstein eram gravemente neuróticas. O próprio
Theodor sofria de depressões e acessos de agitação desenfreada. Fosse
por mimetismo ou por tédio, também Elise desenvolvera bem depressa
perturbações nervosas muito semelhantes às (e contemporâneas das)
das sobrinhas: enxaquecas, mudanças bruscas de humor, dores ciáticas
e nevralgias diversas.
A própria Elise atribuía a sua «nervosidade» às emoções suscitadas
em 1876 por uma crise familiar, quando Ernst Fleischl von Marxow-
que supostamente iria desposar Franzi von Wertheimstein - mudara
bruscamente de opinião e pedira a mão da irmã de Elise, Sophie
von Sichrovsky. Indignada, a família Wertheimstein acusara Elise e
Theodor de terem manobrado a favor de Sophie, fazendo com que
o pobre Fleischl retirasse o pedido de casamento e ficasse solteiro.
Segundo Heinrich Gomperz, filho de Elise, as perturbações nervosas
da mãe manifestaram-se efetivamente muito mais cedo, um ano após
o casamento. Decerto por causa da diferença de idade, as relações
entre os cônjuges não parecem ter sido particularmente apaixonadas.
Dormiam em quartos separados e Theodor adotava em tudo uma
atitude mais paternal do que verdadeiramente amorosa. (Em 1891,
ele teria uma ligação com uma mulher da mesma idade de Elise, que
continuou sob forma epistolar até à sua morte.)

23 Associação Feminina de Assistência Social [N. TJ.

45
Parece que Theodor Gomperz enviou a mulher a Paris, em 1886,
para consultar o grande Charcot, tal como fizera Anna von Lieben
pela mesma altura. Numa carta datada de 23 de agosto de 1886,
endereçada à sua irmã Josephine e à sobrinha Franzi, Gomperz expli­
cava: «Elise sofreu tanto dos nervos ultimamente que me inquietou e
me dei conta de que, no caso dela, também era preciso fazer algo de
permanente. Se se olhar para o nosso círculo familiar, não há muitos
pontos luminosos. Praticamente por toda a parte, no mínimo, ner­
vos irritáveis e excitáveis - a herança da vida urbana e de uma raça
civilizada muito antiga.» (A agitação das grandes cidades era, nessa
época, a explicação proposta pelo americano George Beard para
a «neurastenia» moderna.)
Charcot recomendou Freud, que acabara de instalar-se em abril,
no regresso de um período de estudos com ele em Paris. Em 27 de
agosto, Gomperz escrevia à mulher: «No que se refere a Charcot,
penso que ele queria recomendar que sigas um tratamento. O seu
aluno, Freud, continuá-lo-ia sob a supervisão de Chrobak.» Tal
recomendação surtiu efeito e, em caso afirmativo, quanto tempo
durou o tratamento? Não se sabe nada acerca disso. Seja como for,
está assente que Elise Gomperz seguiu um tratamento catártico com
Freud a partir do final de 1892, após aquilo que Gomperz descreve,
numa carta ao filho, como um «fiasco» da eletroterapia: «Aqui nada
de novo, a não ser que Freud esteve cá ontem e, devido ao fracasso do
tratamento elétrico, prognosticou uma cura por hipnose, o que não
impediu que a Mamã sofresse um ataque igualmente severo, apesar
de ter sido retardado por algumas horas» (23 de outubro de 1892).
O tratamento trouxe melhoras provisórias (Elise conseguia dormir),
mas já em janeiro Gomperz dava conta do seu ceticismo à mulher.
Estava-se numa altura em que também a família Von Lieben começava
a duvidar dos benefícios do novo tratamento catártico promovido
por Freud e Breuer: «Fico feliz por saber que [...] começas a sentir-te
melhor, e só lamento que consultes também Freud à distância [...]
Sempre e somente confidências - não vimos qualquer milagre; nunca
consegui ver outra coisa senão uma crescente deterioração. Todas
as pessoas razoáveis - exceto Freud e Breuer - estão constantemente de

46
prevenção contra a continuação de tais experiências mais que ineficazes
até agora. [...] Parece-me que a hipnose é como um medicamento
descoberto de novo cuja dosagem ainda não foi testada e que, como
outras terapias mais diretamente eficazes, tem o efeito de um veneno
se não for utilizado de maneira apropriada» (8 de janeiro de 1893).
Em abril do mesmo ano, Gomperz voltava à carga numa carta
enviada de Abbazia24 a Elise: «Tenho a firme convicção, de resto
partilhada pelo [cirurgião Theodor] Billroth, de que o tratamento
hipnótico é responsável pela tua hiperestesia. Nunca estiveste tão
irritável e suscetível [...] de modo geral, cada ideia manifesta-se
imediatamente sob a forma de dor, o que é, obviamente, a tendência
natural de todas as ideias, que são, contudo, moderadas e travadas
pelas inibições. A sugestão, que por ora desativa o funcionamento do
aparelho inibitório, parece-me ser (não quero ser injusto) virtualmente
a escola da alucinação.» Todavia, o tratamento continuou, o que parece
indicar que Elise era relativamente autônoma em relação ao marido
- e também muito «teimosa», como a descrevia o filho Heinrich.
Muito mais tarde, numa carta endereçada em 5 de maio de 1931
a um Freud envelhecido, Heinrich Gomperz aludiu a um «segre­
do familiar» que o tratamento catártico desenterrara nessa altura:
«[...] só recentemente é que dei com cartas que escreveu à minha
mãe em 1893, que encontrei no seu legado e me elucidaram sobre
um segredo familiar, que já estava, em todo o caso, prestes a desco­
brir.» Tratar-se-ia da ligação extraconjugal de Theodor? Ou de algum
«amor de transferência» de Elise em relação a Freud? Este respondeu
em 17 de maio: «Penso recordar-me do “segredo familiar” a que se
refere a sua descoberta. [...] Se se tratar verdadeiramente desse epi­
sódio - mas talvez esteja enganado a este respeito - , foi importante
também para mim. Nessa ocasião, passou-se algo que me esclareceu
sobre o valor terapêutico da hipnose e me levou a tentar uma nova
técnica.» Será decerto uma alusão ao episódio evocado por Freud na
sua autobiografia (ou “Autoapresentação”) de 1925: um dia, quando
uma das suas pacientes despertava da hipnose em que ele a fizera cair,

24 Consultar nota 17 [N. TJ.

47
OS PACIENTES DE FREUD

ela pusera-lhe os braços em volta do pescoço, fazendo com que Freud


apreendesse, por conseguinte, «a natureza do elemento místico que
age por detrás da hipnose. Para afastá-lo ou, pelo menos, isolá-lo,
devia largar a hipnose».
A última menção ao tratamento na correspondência de Theodor
Gomperz foi feita em 13 de fevereiro de 1894. Terá durado muito
tempo para além dessa data? Em todo o caso, Elise Gomperz conti­
nuou a manter relações afetuosas com o seu terapeuta. A pedido dele
e de comum acordo com a sua amiga baronesa Marie von Ferstel, ela
intercedeu, no final do ano de 1901, junto do ministro da Educação
(um colega do marido) para apoiar a candidatura de Freud ao cargo
de professor extraordinário. O seu estado não parece ter melhorado
muito, pois Heinrich Gomperz descrevê-la-ia mais tarde como geral­
mente «nervosa» e sujeita a mudanças bruscas de humor.
Theodor Gomperz morreu em 1912. No seu testamento, propu­
nha uma terapia para a sua mulher: «Desejo encarecidamente - de
facto, exijo - que a minha melancólica esposa (cujo sistema nervoso,
por natureza delicado, foi perturbado por medos, doenças, etc., e
causa muita preocupação) deixe, tanto quanto possível, de mostrar
exteriormente um luto carregado e procure distrair-se, divertir-se,
vendo pessoas, indo a concertos, viajando, etc.» Não se sabe se Elise
seguiu este excelente conselho. Expirou em 16 de março de 1929, aos
oitenta e um anos.
(1871-1970)

Adele Jeiteles com o marido Henrik.

Nada se saberia decerto acerca desta ocasional paciente de Freud, se


ela não tivesse sido mãe do romancista e ensaísta Arthur Koestler.
Chamava-se Adele Jeiteles e pertencia a uma das famílias judaicas mais
distintas do Império Austro-Húngaro. Entre os seus antepassados,
contam-se Rabi Loeb ben Simon (um santo homem que viveu em Praga
no século xvii), Judah Loeb (que inventou a palavra Haskalah para
designar as Luzes judaicas) e o romancista de sucesso Julius Seydlitz
(Isaac Jeiteles). Homem de negócios, Israel Jeiteles, avô dela, era um
dos raros judeus autorizado a utilizar a garantia imperial no seu papel
de carta. Por uma entrevista dada por Marie Paneth a Kurt Eissler,
sabe-se também que outro Jeiteles, seu tio, «foi tratado por Freud
devido a psicose melancólica e se suicidou no início dos anos 1900».
Jacob Jeiteles, pai de Adele, era um importador abastado e ela
cresceu na opulência. Falando fluentemente francês e inglês, Adele era
bonita, espirituosa e muito cortejada. Não era neurótica, mas tinha,
de vez em quando, um tique considerado «nervoso». Uma das suas
tias, a pedagoga e feminista Eleonore Jeiteles, conhecia pessoalmen­
te Freud (provavelmente através das suas amigas Therese e Emma
Eckstein) e recomendou a Adele que fosse vê-lo.
Segundo uma entrevista concedida por Adele a Kurt Eissler em
J 953 >a sua visita a Freud teve lugar no início dos anos 1890, tinha
ela uns vinte anos. Parece que, nessa época, Freud já gozava de só­
lida reputação: «Em Viena, é esquisito dizê-lo agora, não o levavam
a sério! [...] Era considerado meio-chanfrado quem fosse a casa do
Dr. Freud. Só lá fui por causa da minha tia.» Quanto às amigas de
Adele, estavam excitadas pela visita dela ao especialista em nervos:

49
«Havia tantas coisas escritas sobre o facto de tudo, os nervos, etc.,
provir da coisa sexual, não é? Tudo isso era naturalmente uma fonte
de divertimento para jovens.»
Adele achou logo Freud antipático. Tinha espessas suíças, que
ela detestava. «Recebeu-me com bastante frieza, examinou-me,
começou a massajar-me aqui [a nuca] e perguntou-me se eu tinha
namorado - ainda me lembro. Fiquei muito chocada. Creio que não
lhe respondi nada bem. Isso eu sei. Cest toutl [em francês no texto].
E depois saí.» Freud mandou-a voltar, mas Adele nada fez. A tia es­
tava «terrivelmente furiosa» com ela e quis saber porque é que Adele
se recusava a voltar ao gabinete do Dr. Freud: «Disse-lhe que achava
que isso não fazia qualquer sentido [...] Tudo, toda esta história era
muito desagradável para mim.»
Mais tarde, Adele acabaria por mudar de opinião acerca da
psicanálise. Mudou-se para Budapeste, onde se casou com Henrik
Kõsztler (um apelido que o filho Arthur trocou por «Koestler», num
dia em que datilografava numa máquina de escrever sem trema25).
Em Budapeste não havia Freud, mas Adele tinha o discípulo dele -
Sándor Ferenczi - que fazia sensação entre as senhoras. Ele tinha uma
«péssima reputação», mas «havia lá uma seita a que chamavam “judias
de Leopoldstad” [bairro judaico de Viena]. Pessoas riquíssimas, que
passavam por todas as sensações». Iam todas tratar-se com Ferenczi
(até a cabeleireira de Adele) e voltavam encantadas.
Para não ficar atrás de ninguém, Adele pôs-se a ler Freud. Travou,
depois, conhecimento com uma jovem que fazia tratamento psicanalí-
tico em Viena, a qual estava apaixonada por um homem da sua idade,
embora os pais não quisessem ouvir falar de casamento e a tivessem
enviado a um psicanalista do círculo de Freud. «Ela ia lá muitas vezes
e o resultado foi suicidar-se.» Paradoxalmente, este desfecho funesto
acabou por convencer Adele do poder da psicanálise: «E então eu disse
para comigo: alguma coisa deve haver com o subconsciente para que ele
lhe tenha dito tantas coisas que a levaram a matar-se, não? [...] Logo,
converti-me verdadeiramente ao freudismo a partir desse momento.»

25 Em alemão no original: Umlaut [N. TJ.

50
O filho de Adele, Arthur Koestler, também se cruzou com Freud.
Visitou-o em Londres no outono de 1938 e obteve dele “Uma Palavra
sobre o Antissemitismo”26 —de facto, uma citação por Freud de um
autor desconhecido - que publicou no Die Zukunft 27, jornal de
imigrantes alemães que ele editava em Paris. Não se sabe se Koestler
mencionou a mãe a Freud, mas isso pode ter acontecido. Segundo o seu
biógrafo Michael Scammell, Koestler mantinha relações execráveis com
ela e, «sob a influência de Freud» e das suas teorias, «responsabilizava
a mãe pelas suas desgraças posteriores». No entanto, conservou nos
seus papéis uma cópia da entrevista que Kurt Eissler efetuara com
ela em Londres em 1953. Quando Michael Scammell encontrou
esse texto e pediu a Eissler autorização para citar passagens dele, este
ameaçou-o com ações judiciais. Felizmente, Scammell passou adiante.

26 “Ein Wort zum Antisemitismus” [N. TJ.


17 O Futuro [N.T.],
Ilona
W eiss
(1867-1944)

Nos Estudos sobre H isteria, Freud atribui-lhe uma partícula - «Eli­


sabeth von R.» - , embora ela se chamasse, na realidade, Ilona Weiss.
Provinha de uma abastada família judaica de Budapeste, onde passara
a infância num grande domínio, antes de se mudar para Viena com
os pais. Max Weiss, seu pai, instalara-se lá como investidor, após ter
dirigido durante muito tempo a empresa de comércio grossista Gersen
Spitzer & Cia. que herdara do próprio pai, Moritz Weiss. Desposara
Emma Schlesinger, mulher notável por quem Ilona nutria grande
admiração. Num memorando redigido em 1953 para os Arquivos
Freud, a filha de Ilona descreve, porém, a avó como «nervosa», assim
como outros membros da família Schlesinger.
Freud foi chamado à cabeceira de Ilona Weiss no outono de 1892,
para examinar as dores nas pernas que lhe dificultavam o andar. Tinha
sido um «médico amigo» - verosimilmente Breuer - que lhe pedira
para a ver, pois suspeitava de histeria, «conquanto não seja percetível
nenhum dos habituais sintomas dessa neurose». Freud determinou que
havia efetivamente uma infiltração reumática dos músculos, embora
a dor gerada fosse exacerbada de maneira propriamente histérica pela
paciente. Decidiu, pois, partir em busca do «segredo» que se escon­
dia por detrás desse sintoma, sem, todavia, usar sistematicamente
a hipnose, como fizera até então. Inspirando-se numa técnica que
observara em casa de Bernheim em 1889, pedia à paciente estendida
diante dele para contar «aquilo de que se lembrasse»; insistia depois
apertando-lhe a fronte quando parecia faltar um elo à narrativa ou
quando ela «resistia» à chamada da recordação. Ilona ficava espon­
taneamente num estado quase hipnótico quando uma lembrança

5*
ILONA WEISS

a afetava mais em particular. Foi, escreveu Freud, a «primeira análise


(Analyse) completa de um caso de histeria».
A família Weiss passara por muitas provações nos anos anteriores.
A mäe de Ilona sofria de uma afeção ocular e de outras perturbações
provavelmente nervosas que exigiam constante atenção. O pai, de
quem Ilona gostava muito, morrera em janeiro de 1888 de uma doença
cardíaca que o deixara acamado durante mais de doze meses. Um
ano mais tarde, Wilma, sua irmá mais velha, casou-se com Edmund
Richetti von Terralba, fidalgote provinciano que não mostrava muita
consideração pela sua família política e se mudou para longe de Viena,
a fim de prosseguir a sua carreira. Josefine, sua outra irmã, casou-se
com um rapaz muito mais ao gosto de Ilona e da mãe, tendo um
filho dele no ano seguinte.
Foi nessa mesma época que despontaram as dores e as perturba­
ções na locomoção de Ilona, que fizeram dela a «doente da família».
Depois, quando estava em tratamento em Gastein com a mãe, a mana
Josefine morreu de doença cardíaca agravada por uma segunda gravi­
dez. Surgiram conflitos de ordem pecuniária entre os dois cunhados,
impelindo o marido de Josefine a distanciar-se da família e a levar com
ele o filho a quem Ilona se afeiçoara muito. Ela ficou, pois, imobilizada
em casa, sozinha, inválida com uma mãe inválida, sem namorado
nem perspetiva de futuro. Tinha motivos para se refugiar na doença.
Freud ia todos os dias a casa da família Weiss para «desenterrar»
as recordações traumáticas de Ilona, não conseguindo, no entanto,
encontrar a chave das dores dela. Um dia, observou como essas dores
se tinham intensificado por ocasião de uma visita do marido de Jose­
fine. A partir de então, tudo se tornava claro: Ilona estava - e sempre
estivera desde o princípio - apaixonada pelo cunhado. Ilona não podia
admitir conscientemente esse amor pelo marido da sua querida irmã, e
punira-se, portanto, infligindo a si própria essas dores, das quais tirava
dissimulado prazer. Quando Freud comunicou tal dedução a Ilona,
a «tomada de consciência da representação recalcada foi pungente».
Em julho de 1893, em véspera de férias, Freud pôs fim ao tratamento,
considerando curada a doente. Breuer (se for efetivamente ele o confrade
em questão) confirmou tal impressão. «No decorrer da primavera de

53
OS PACIENTES DE FREUD

1894», concluiu Freud, «ouvi contar que ela ia a um baile para o qual
poderia fazer-me convidado e não deixei escapar essa ocasião para ir
ver a minha antiga doente deixar-se arrastar numa dança rápida». Em
Viena, até as neuroses culminam em valsa.
Em julho de 1894, Ilona Weiss ficou noiva de Heinrich Gross, sócio
da empresa paterna Alois Gross de Viena. O casamento, que teve lugar
no início de 1895, iria ser muito feliz. Ilona e Heinrich tiveram três
filhas. Segundo o testemunho da mais nova, eles eram feitos um para
o outro, conquanto Heinrich Gross não fosse tão rico como a mulher.
Ilona amava o marido e era completamente dedicada a ele. Não tinha,
contudo, um temperamento fácil: era suscetível, ciumenta, teimosa
(Freud já mencionava essa característica na sua história de caso), exi­
gente, colérica e propensa a mudanças bruscas de humor.
Com ou sem valsa, ela continuava a sofrer dos mesmos males:
«A minha mãe tinha quarenta anos quando nasci, e não consigo
recordar-me de um período em que ela não tenha estado “doente”, de
uma forma ou de outra. Fazia inúmeros tratamentos de toda a espécie,
freqüentava diversas termas, tinha fortes dores com frequência, mas
era muitíssimo ativa e gostava de caminhar. Não sei muito bem em
que é que consistiam os seus males. Tratava-se decerto de reumatismo
e ciática, talvez nevrite, etc., afetando principalmente as pernas, mas
também outras partes do corpo.» Um dos seus médicos considerara-a
como hipocondríaca, mas a filha matizava: «É verdade que ela uti­
lizava os seus males para chamar a atenção; mas não há dúvida de
que sofria muitíssimo.»
Ilona lera o relato de caso que Freud lhe consagrara - bastante bem
para poder citar de cor a sua última frase, muitos anos mais tarde - ,
mas nunca falou disso a ninguém. Só após a morte do marido em
1935 é que contou o caso à filha, rindo-se disso. Freud, dizia ela, «era
apenas um jovem barbudo especialista dos nervos a quem me envia­
ram». «Ele queria convencer-me de que eu estava apaixonada pelo
meu cunhado, mas não se tratava disso, na realidade.» O cunhado
em questão tinha morrido novo, mas Ilona continuara a ser amiga
da sua segunda mulher e das suas duas filhas. Ilona Weiss morreu de
uma hemorragia cerebral em 1944, aos setenta e sete anos.

54
Aurelia Kronich, c. 1893.

Uma vez sem exemplo, a história de Aurelia Kronich transporta-nos


para tão longe quanto possível das valsas e das neuroses vienenses:
a mais de 1700 metros de altitude, num rústico retiro de montanha
alcandorado no Rax, um dos montes mais altos dos Alpes Orientais.
Para começar, eis o relato que Freud faz do caso nos Estudos sobre
Histeria (1895): durante as férias de 189*, tendo subido arduamente
uma montanha alpina, Freud parara para descansar no «refúgio bem
cuidado» que se encontrava perto do cume. (Convém imaginá-lo com
o traje tirolês da sua predileção e o tradicional chapéu de plumas e
armado do seu hd Alpenstock2*) Enquanto contemplava a magnífica
vista que se estendia diante dele, foi abordado pela sobrinha da pro­
prietária do retiro, uma jovem de dezoito anos que dava pelo nome
de «Katharina», a qual, tendo pressentido que esse elegante alpinista
era um doutor da grande urbe, desejava consultá-lo a propósito dos
seus nervos. Usando o dialeto local, confidenciou-lhe que sofria, há
dois anos, de acessos de angústia acompanhados de uma sensação
de sufoco, zumbidos e vertigem, além da visão de um rosto terrífico
e do medo de que alguém a ia agarrar por trás.
Freud compreendeu imediatamente que se tratava de um caso de
«angústia virginal», conceito que acabara de formular dois meses antes
numa carta a Fliess (30 de maio de 1893): esse gênero de angústia
ficava a dever-se ao «terror que suscita num coração virginal a primei­
ra revelação do mundo da sexualidade». Seguro desse diagnóstico,
sugeriu, pois, a «Katharina» que ela devia ter visto ou ouvido, dois

28 Bastão de alpinista [N. TJ.

55
anos antes, algo que a constrangera. «Katharina» confirmou muito
facilmente: nessa época, enquanto estava num outro retiro dirigido
pela tia no monte em frente, surpreendera, de facto, o tio na cama com
a prima, Franziska. Foi então que teve o primeiro acesso de angústia,
sem compreender porquê: «Nesse momento, tinha apenas dezasseis
anos.» Três dias depois, recaíra e tivera de ficar de cama. Dado que
a tia tentava saber porquê, ela narrara-lhe a sua descoberta, fazendo
assim rebentar o escândalo. Após cenas penosas, a tia partira com
os filhos e «Katharina» para assumir a gerência do atual retiro, dei­
xando atrás dela o marido e Franziska, que ficara, entretanto, grávida.
Depois, «Katharina» evocara espontaneamente um outro inci­
dente, ocorrido dois ou três anos antes - quando ela tinha, portanto,
apenas treze ou catorze anos. Dessa vez, fora ela própria que sofrerá
as investidas do tio e o rejeitara firmemente, embora também não
tivesse compreendido do que é que se tratava: «Só muito mais tarde
é que isso se tornou nítido para ela.» Para Freud, o caso estava expli­
cado: a angústia da jovem surgira na altura do segundo incidente,
quando este a fizera perceber retroativamente, chegada a puberdade,
a significação sexual do primeiro incidente, suscitando pela mesma
razão uma aversão imediata. (Dá-se então a primeira ocorrência da
noção de trauma a posteriori., que se tornará pouco depois central em
Freud, no momento da elaboração da chamada «teoria da sedução».)
Depois de ter feito esse relato, «Katharina» pareceu transformada.
A sua expressão já não era de enfado, mas de «alívio e serenidade».
Cumprida a sua missão, o doutor alpinista pôde, pois, voltar a descer
ao vale, no termo daquela que foi, sem dúvida, a terapia mais curta
da história da psicanálise.
Em 1924, Freud acrescentou uma nota à sua encantadora história
de caso, na qual revelava que «Katharina» não era sobrinha mas filha
do estalajadeiro. Isso permitiu-lhe rever o caso à luz da teoria edipiana
que desenvolvera entretanto: «A jovem tinha, portanto, adoecido devido
às tentações (Versuchungen) sexuais que tinham por origem o próprio
pai dela.» Por outras palavras: as investidas paternas despertaram nela
desejos de incesto que fora necessário recalcar. (Reconhecer-se-á de
passagem a clássica reinterpretação da «teoria da sedução» em termos

56
de fantasmas edipianos, com a diferença de que Freud continua aqui
a manter a realidade do atentado paterno.)
Graças às minuciosas investigações do detetive freudiano Peter
Swales, sabe-se agora que o expedito relato de Freud era apenas
parcialmente exato. Apoiado pelos historiadores Gerhard Fichtner,
Albrecht Hirschmüller e Henri Ellenberger, Swales conseguiu iden­
tificar de facto a verdadeira «Katharina» e reconstituir a sua história
nos mais ínfimos pormenores.
Chamada Aurelia Kronich, nascera a 9 de janeiro de 1875. Os pais,
Julius e Gertrude Kronich, moravam em Viena e só em 1884-1885,
quando Aurelia tinha uns dez anos, é que assumiram a gerência
de um hotel-retiro situado no Schneeberg (frente ao monte Rax),
muito freqüentado por turistas vienenses. Aurelia não era, portanto,
a serrana um tanto simplória descrita por Freud. É também muito
provável que ele já a conhecesse, porque passava sempre as férias de
verão em Reichenau, no vale, e fazia regularmente a subida das duas
montanhas contíguas. (Isso explicaria o facto de Aurelia ter sabido
que ele era médico.)
Quanto ao incidente que desencadeou as angústias de Aurelia,
desenrolou-se efetivamente como Freud o relata. O caso era bem
conhecido da família e da vizinhança: Aurelia surpreendera Julius
Kronich na cama com a sua prima de vinte e cinco anos, Barbara
Gõschl, o que provocara enorme escândalo e a rutura da família
Kronich. Publicamente humilhada, Gertrude Kronich mudara-se
com os filhos e assumira a gerência do Erzherzog Otto-Schutzhaus
(refúgio do arquiduque Otto) no Rax, do outro lado do vale. Quanto
a Julius, ficara no hotel-retiro do Schneeberg, instalando-se aí com
a sobrinha Barbara Göschl, de quem teria quatro filhos.
E essencialmente no plano da cronologia que o relato de Freud se
afasta da realidade. Pode-se efetivamente datar com precisão o mo­
mento em que Freud fez uma paragem no abrigo do arquiduque Otto
e recolheu as confidências de Aurelia Kronich: estava-se no início
do mês de agosto de 1893. Ora, o escândalo que levara Aurelia para
0 Rax não tinha dois anos, como escreveu Freud. Era muito recente
~~pouco mais do que nove meses, segundo a reconstrução de Swales.

57
Pode-se, portanto, perceber que Aurelia - através da qual rebentara
o escândalo e a quem o pai ameaçara várias vezes no decurso de
cenas violentas - tenha tido acessos de angústia, sem que seja, por
isso, necessário invocar um improvável terror «virginal» ante a des­
coberta traumática da sexualidade: Aurelia andava pelos dezoito anos
no momento dos factos. De resto, o seu recalcamento não parece ter
sido muito intenso, a julgar pela facilidade com que ela confidenciou
ao doutor esse reveladíssimo segredo, do qual toda a gente na região
(incluindo Freud?) estava ao corrente.
Quanto às investidas incestuosas de Julius Kronich, é de notar
que a filha e a neta de Aurelia, questionadas em Montreal por Henri
Ellenberger, nunca tinham ouvido falar nesse assunto, no qual tinham
muita dificuldade em acreditar. Segundo elas, Aurelia não era pessoa
de segredinhos e teria forçosamente contado tal acontecimento aos
filhos, tanto mais que já não mantinha praticamente ligações com o pai
e a prima. Pressupondo, porém, que esse incidente tenha acontecido
de facto como conta Freud, «dois ou três anos antes» do outro trauma,
Aurelia teria então quinze ou dezasseis anos - idade em que é pouco
verosímil que pudesse ignorar a significação sexual das investidas do
pai. Nessa hipótese, não havia qualquer necessidade de invocar um
efeito traumático diferido e um recalcamento a posteriori: o impacto
ansiógeno de um tal atentado incestuoso só poderia ser muito direto.
Não se pode deixar de pensar que as liberdades tomadas por Freud
com a cronologia se explicam, acima de tudo, pela sua vontade de fazer
reentrar o caso Kronich no âmbito preestabelecido da sua nova teoria
sobre a angústia «virginal» e a repercussão aposteriori do trauma: «Em
todas as análises dos casos de histeria baseadas em traumas sexuais,
descobre-se que certas impressões recebidas numa época pré-sexual e
que não tinham tido qualquer efeito na criança conservam mais tarde
o seu poder traumatizante enquanto recordação, uma vez que a jovem
ou mulher adquiriu a noção da sexualidade.» Porém, na realidade,
os acessos de angústia de Aurelia Kronich eram tão-só uma resposta
- afinal de contas, bastante normal - a acontecimentos perturbadores
que ela não recalcava de modo nenhum fora da sua consciência e cuja
significação forçosamente sempre percebera.

58
Teria Aurelia Kronich verdadeiramente lugar num volume sobre
histeria? Um ou dois anos após a sua análise alpestre, ela apaixonou-se
por Julius Öhm, silesiano de vinte e sete anos. O casamento teve lugar
na igreja de Peyerbach em 26 de setembro de 1895; depois, o casal foi
instalar-se na Hungria. Aurelia e Julius tiveram seis filhos (aos quais
convém juntar vários nados-mortos e abortos espontâneos). Julius
era bom pai e bom marido: Aurelia amava-o com ternura. Era feliz.
Os testemunhos familiares descrevem-na como uma pessoa animada,
sempre alegre e bem-humorada, sem qualquer sinal de perturbações
«nervosas», angústia ou asma - quando muito, uma instabilidade
afetiva durante a menopausa.
No entanto, sentia-se isolada na Hungria (nunca aprendeu a falar
húngaro) e ia todos os verões passar algumas semanas ao refúgio do
arquiduque Otto, que fora recuperado pelo seu irmão Camillo. Em
1926, inaugurou-se um funicular entre o vale e o planalto do Rax,
o que permitiu que Freud regressasse ao local das suas antigas proezas
desportivas e analíticas. Gisela, uma das filhas de Aurelia, lembra-
-se de ter avistado o célebre doutor a andar devagar, apoiado numa
bengala, no caminho que ia do retiro ao vale.
Em 1929, por ocasião da sua estada anual no abrigo familiar, Aurelia
Ohm sentiu-se mal bruscamente. Tinha dores por todo o corpo, e
a sua tez ficou verde. Em vez de enviá-la logo para o hospital no vale,
o marido telefonou a um médico para que viesse ao retiro. Quando ele
chegou no dia seguinte, o estado de Aurelia era crítico. Para mitigar
as dores, o médico injetou-lhe uma forte dose de morfina, que acabou
por matá-la. A certidão de óbito indica que morreu de um ataque
cardíaco em 3 de setembro de 1929. Tinha cinqüenta e quatro anos.
Está enterrada ao lado da mãe, Gertrude, no cemitério de Reichenau.

59
E
E m
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k
sm
t
e
i
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(
5-
8
61924) Emma Eckstein, 1895.

Emma Eckstein era oriunda de uma proeminente família da burguesia


judaica vienense. Albert Eckstein, seu pai, inventara um processo de
fabrico de pergaminho e possuía uma próspera fábrica de papel. Tal
como os seus parentes das famílias Federn e Mayreder, os elementos
da família Eckstein eram decididamente progressistas. Albert Ecks­
tein freqüentava o reformador social Josef Popper-Lynkeus, o físico
positivista Ernst Mach e o zoólogo darwiniano Carl Brühl. Vários
irmãos de Emma, nomeadamente o jornalista e teórico marxista
Gustav Eckstein, eram membros ativos do Partido Social-Democrata
austríaco. A sua irmã Therese Schlesinger-Eckstein fazia parte da
Associação Geral de Mulheres Austríacas e seria uma das primeiras
mulheres a ingressar no Parlamento, em 1918.
Do mesmo modo, Emma estava ligada ao filho do dirigente socia­
lista Karl Kautsky. Estava também envolvida no movimento feminista
austríaco animado pelas suas amigas Rosa Mayreder, Auguste Fickert
e Marie Lang, com quem mantinha assídua correspondência que
atesta as preocupações políticas e sociais dela. Publicou, aliás, vários
artigos na revista Dokumente der Frauen (.Documentos Femininos),
especialmente um ensaio sobre a “A criada enquanto mãe”, no qual se
insurgia Contra a exploração sexual das jovens empregadas domésticas
pelos «senhores» da família.
Diz-se que Emma Eckestein era muito bonita. Também era, des­
de sempre, neurótica, sem que se saiba muito bem do que é que ela
exatamente sofria. Parece ter tido problemas gástricos, dificuldade
em andar e dismenorreias (menstruações dolorosas). Não admira que
tenha ido ter com Freud: a família Eckstein estava ligada à família

60
EMMA ECKSTEIN

Freud, com quem passava amiúde as férias, e Friedrich (Fritz) Ecks­


tein, irmão de Emma, fazia parte do círculo íntimo de Sigmund
(encontravam-se aos sábados à noite na casa de Leopold Königstein
para jogar ao tarot). O tratamento começou em 1892 e continuou,
pelo menos, até ao início de 1897. Freud não cobrava nada, como
deve ser entre amigos. Ia ver Emma à casa familiar onde ela morava
com a mãe, embora toda a gente da família obviamente soubesse
que não se tratava de uma mera visita amigável. Uma sobrinha,
Ada Hirsch, conta como Freud pagava ao seu cocheiro para passear
os filhos enquanto ele próprio tratava a tia Emma (as sessões deviam
provavelmente provocar ruidosas revivescências «catárticas»).
Mais tarde, Freud diria a Albert Hirst (Hirsch), irmão de Ada,
que considerava todos os membros da família Eckstein como neu­
róticos, porque o pai deles sofrerá de neurossífilis (morrera de ataxia
locomotora, derradeiro estádio da sífilis não tratada). Esta convicção
hereditarista, que ele exprimiria também no seu artigo sobre «Dora»,
não impediu, porém, Freud de avançar várias outras etiologias no
decorrer do tratamento, ao sabor das suas teorias do momento.
Parece assim ter estabelecido uma relação entre as dismenorreias de
Emma e a masturbação, uma prática à qual ele atribuía, em geral,
a causa da neurastenia. Partilhava essas opiniões com o seu amigo
Wilhelm Fliess, que elaborara uma teoria da «neurose nasal reflexa»
que parecia aplicar-se eminentemente às perturbações de Emma.
Otorrinolaringologista berlinense, Fliess postulava uma relação
particular entre o nariz e o aparelho genital feminino, e gabava-se de
fazer desaparecer, entre outros sintomas, as dismenorreias, graças à
aplicação de cocaína na mucosa nasal ou, nos casos mais renitentes,
a uma operação dos cornetos do nariz. Freud era, nessa época, um
fervoroso adepto da «terapia nasal» do amigo e prescrevia de bom
grado cocaína aos pacientes, tanto masculinos como femininos, para
toda a espécie de sintomas psicossomáticos e neurasténicos. No caso
de Emma Eckstein, parece ter decidido que se impunha um trata­
mento mais enérgico, pois no final do ano de 1894 pediu a Fliess que
fosse especialmente de Berlim para operar os cornetos da sua paciente
(assim como os seus próprios).

61
A continuação da história é conhecida desde que Max Schur,
médico de Freud, levantou o espesso silêncio que pesava sobre
este episódio num artigo publicado em 1966. A operação teve
lugar em 20 ou 21 de fevereiro de 1895, data após a qual Fliess
regressou a Berlim. A 3 de março, Freud publicou uma recensão
de uma obra do neurologista Paul Julius Moebius, na qual evocava
os «surpreendentes êxitos terapêuticos» obtidos graças à «audaciosa
técnica» do DL Fliess, de Berlim. A realidade era bem diferente.
Duas semanas após a operação, o nariz de Emma estava dorido e
apresentava secreções purulentas que libertavam um cheiro fétido.
A 2 de março, soltara-se um pedaço de osso partido do tamanho de
uma pequena moeda, provocando uma hemorragia maciça. Tendo
ocorrido uma segunda hemorragia dois dias depois, Freud pediu
apressadamente ajuda ao seu amigo otorrinolaringologista Ignaz
Rosanes. Ao limpar a ferida, Rosanes notou um pedaço de fio no
nariz e puxou-o, extraindo consequentemente cerca de meio metro
de gaze fedorenta de que Fliess se esquecera durante a operação.
Jorrou «um mar de sangue», ao ponto de Freud se sentir mal e ter
de deixar precipitadamente o quarto. Quando ele lá voltou depois
de beber um copo de conhaque, Emma saudou-o intrepidamente:
«Então é isto o sexo forte!»
Emma ficou várias semanas entre a vida e a morte, a tal ponto
que Freud a deu momentaneamente como «perdida». A operação
de Fliess deixou-a desfigurada para sempre, com uma cavidade no
local onde o osso do nariz ficara partido. No entanto, nem Emma
nem a família dela parecem ter guardado rancor a Freud ou a Fliess,
cuja reputação de taumaturgo permaneceu intacta em Viena. Breuer
enviou-lhe várias pacientes, entre as quais a sua própria filha Dora.
Em agosto, Freud levou o seu irmão Alexandre a Berlim, para que
Fliess o operasse por causa de uma «neurastenia» (Freud aproveitou
para ser operado pela segunda vez). Quanto a Emma, prosseguiu
a análise com Freud como se nada se tivesse passado.
Era a época em que Freud começava a acossar no inconsciente dos
seus pacientes os traumas sexuais que, segundo se supunha, estariam
na origem dos sintomas histéricos e obsessivos. Emma reaparece a esse

62
propósito no Esboço de Uma Psicologia29, redigido por Freud durante
o outono de 1895. Ela tinha medo de entrar sozinha em lojas, explica
Freud, porque quando tinha oito anos fora objeto de apalpões sexuais
por parte do dono de uma loja. Esta «cena» permanecera sem efeito
até Emma compreender a sua significação na altura da puberdade,
por ocasião de um segundo incidente em que vendedores tinham tro­
çado dela numa loja, provocando, por conseguinte, um recalcamento
patológico do incidente inicial. Emma ilustrava assim o mecanismo
da ação diferida ou a posteriori do trauma postulado por Freud.
Emma Eckstein fazia seguramente parte dos pacientes nos quais
Freud testava nessa época a sua nova «teoria da sedução». Num artigo
publicado em abril de 1896, Freud afirmava que a histeria se devia
a um abuso sexual perpetrado contra uma criança por um adulto,
«infelizmente também, com bastante frequência, por um familiar
chegado», e que conseguira confirmar tal etiologia nos dezoitos casos à
sua disposição. Segundo se sabe através de uma carta enviada a Fliess
em 27 de setembro de 1897, Freud depressa chegara à conclusão de
que, «em todos os casos», era o pai o culpado desses atos perversos.
Tinha, portanto, obtido de Emma a revelação de «cenas» de apalpões
incestuosos da parte do respeitável Albert Eckstein?
O que é certo é que, em janeiro de 1897, Emma se lembrou de
uma cena satânica. Intrigado com a semelhança entre as recordações
de sedução perversa dos seus pacientes e as confissões de comércio
sexual com o Diabo obtidas sob tortura pelos inquisidores, Freud
aventara efetivamente a hipótese «de uma religião do Diabo [...]
cujo rito continua a ser secretamente exercido». Emma confirmara:
«A Eckstein tem uma cena em que o diabo lhe espeta agulhas nos
dedos e, em seguida, um bombom em cada gota de sangue. Quanto
ao sangue, não és absolutamente culpada!» Uma semana mais tarde,
outra confirmação, outra exoneração de Fliess: «Imagina que obtive
uma cena a propósito da circuncisão de uma jovem. O corte de um
pedaço dos pequenos lábios (os quais são ainda mais curtos hoje) e
0 chupar do sangue; depois disso, deram a comer à criança o pedacinho

29 Título do manuscrito: Entwurfeiner Psychologie [N. TJ.

63
de pele. [...] Uma operação que praricaste um dia foi afetada por uma
hemofilia causada da mesma maneira.» As hemorragias que quase
levaram Emma à morte dois anos antes não se deveram, portanto,
a um erro profissional de Fliess, mas à hemofilia histérica causada
pelos comportamentos perversos no seio da família Eckstein.
Emma, que sempre fora mais do que uma mera paciente, tornara-se
agora colaboradora e aluna. Freud enviou-lhe uma paciente, talvez
até várias. Emma Eckstein foi, pois, a primeira psicanalista formada
por Freud. Em dezembro de 1897, ela identificou numa sua paciente
de dezanove anos cenas de sedução pelo pai idênticas às obtidas pelo
seu analista. Imediatamente, Freud voltou a confiar na sua «etiologia
paterna», que abandonara, contudo, três meses antes (Emma não fora
provavelmente posta ao corrente dessas dúvidas confessadas a Fliess).
Segundo opinião unânime, o tratamento de Freud fora um êxito.
De acordo com Albert Hirst, sobrinho de Emma, «era importante
para ele [Freud], na sua prática, ter tido esse grande êxito com essa
jovem conhecida, de uma família proeminente. Era uma mulher
muito bela e, depois de ele ter tido esse grande êxito, levou durante
vários anos uma vida perfeitamente normal». Em outubro de 1900,
Emma publicou uma recensão elogiosa d A ’ Interpretação dos Sonhos
no Arbeiter-Zeitung00, jornal socialista de Victor Adler. Não deixando
de se questionar se todos os sonhos eram sempre realizações de desejo,
como pretendia Freud, ela saudava as «conclusões audaciosas» de um
livro que dava acesso a «regiões até então ocultas da vida da alma» e
fazia prever «belos contributos para a solução de problemas psíquicos».
Quatro anos mais tarde, Emma Eckstein publicou um livrinho
sobrei Questão Sexual na Educação das Crianças31, no qual prevenia
contra os perigos da masturbação, esse «insidioso inimigo da criança»
que «pode ter conseqüências funestas para o desenvolvimento mental
do indivíduo». Não é difícil de ver nessas declarações um eco velado do
diagnóstico feito por Freud e Fliess ao próprio caso dela. Retomando
ideias expressas por Freud pela mesma altura, ela sublinhava igualmente

30 Diário Operário [N. TJ.


31 Die Sexualfrage in der Erziehung des Kindes [N. T.].

64
a relação entre masturbação infantil e atividade fantasmática. Freud,
como se sabe pela sua correspondência com ela, aconselhara-a e
jncentivara-a no decorrer da redação do livro, escrevendo inclusive
uma recensão favorável a ele, que fora recusada pela Neue Freie Presse.
Em 1909, Emma publicou ainda um artigo sobre “A Questão Sexual
na Educação das Crianças” num volume coletivo intitulado Na Fonte
da Vida. Um Livro do Lar para a Educação Sexual32.
De acordo com uma carta escrita por Freud em 30 de novembro
de 1905, parece que Emma fora novamente analisada por ele pouco
tempo antes, pois é aí mencionada uma «interrupção» do tratamento
devido a fricções entre ambos. Emma ficara aparentemente melin-
drada com um reparo de Freud a propósito da transferência que ela
fazia para ele (ou que ele lhe imputava), o que lhe tinha «novamente
inspirado», diz Freud, «respeito pela feminilidade elementar {dem
elementar-frauenzimmerlicheri) com que tenho de me bater constan­
temente». Ignora-se como a feminista Emma reagiu a tal comentário.
A julgar por um jovial e anódino postal enviado por Freud no ano
seguinte, as coisas entre eles tinham-se finalmente recomposto. Freud
pensara em escrever-lhe, porque tinha, segundo ele, sonhado com
ela nessa noite.
Por volta de 1910, Emma fez uma tentativa de suicídio e reatou
o tratamento com Freud. Segundo Albert Hirst, ela estava há muito
tempo apaixonada por um determinado arquiteto vienense (Karl
Mayreder, marido da sua amiga Rosa Mayreder?) e rendera-se final­
mente ao facto de o seu amor ser impossível, daí o colapso. Tinha
novamente dificuldade em andar e estava confinada à cama. Ao
contrário de Freud, ela pensava que as suas dificuldades ambulató­
rias eram de natureza orgânica. Um dia em que a ginecologista sua
amiga Dora Teleky a fora visitar, notara que ela tinha um abcesso
no abdômen e decidiu operá-la, o que provocou um imediato res­
tabelecimento de Emma. Membro de outra distinta família judaica
vienense, Dora Teleky, envolvida no movimento feminista, não era
Uma desconhecida para Freud. Tal como o irmão Ludwig, estivera

32 Am Lebensquell. Ein Hausbuch zur geschlechtlichen Erziehung [N. TJ.

65
OS PACIENTES DE FREUD

entre os seus primeiros ouvintes na Universidade e era casada com


o filho do seu mestre Ernst von Brücke. Freud ficara furioso não só
com Dora, pelo facto de se ter imiscuido no tratamento da amiga,
mas também com Emma. Ainda segundo Hirst, o restabelecimento
desta «confirmara a rejeição por Emma do diagnóstico de Freud
segundo o qual se tratava de um retorno da sua neurose de outrora.
Quando, no dia seguinte, contei isso a Freud, ele estava furibundo.
[...] Retirou-se imediatamente do caso, dizendo: “É o fim de Emma.
Agora, ela nunca mais se restabelecerá.”»
A maldição de Freud cumpriu-se. Expulsa do divã, Emma Ecks­
tein acabou por voltar à cama, de modo definitivo. Passou o resto
da vida enclausurada no seu quarto. Morreu de hemorragia cerebral
em 30 de julho de 1924.
Olm
H öonig
(1877-19??)

Nascida em 2 de outubro de 1877 em Viena, Olga Hönig era


a sexta de sete irmãos. A sua infância foi marcada por uma série de
tragédias. O pai morreu quando ela tinha ainda tenra idade; dois
dos irmãos mataram-se com armas de fogo; e a irmã mais nova, que
padecia de paralisia infantil, fez uma tentativa de suicídio. Duas
das suas irmãs vieram a ser atrizes; uma terceira, Marie Valerie, fez
carreira como pianista.
Olga Hönig chegou ao gabinete de Freud em maio de 1897, enviada
por Breuer, ao que parece. Tinha dezanove anos e sofria, segundo uma
carta de Freud a Fliess datada de 7 de junho, de «ideias obsessivas
quase puras». Nessa época, Freud considerava que a neurose obses­
siva se devia a abuso sexual perpetrado contra a criança com idade
superior a quatro anos, ao contrário da histeria, causada, segundo
ele, por uma «sedução» mais precoce, habitualmente por parte do
pai. O caso Hönig fornecia-lhe uma magnífica confirmação: «Em
conformidade com as minhas hipóteses, as ideias obsessivas remon­
tam a uma idade psíquica mais avançada e não têm necessariamente
relação com o pai, que trata cada vez com mais cuidado a criança à
medida que ela cresce, mas aos irmãos e irmãs um pouco mais velhos
do que ela e que não a consideram ainda como mulher. No caso
presente, o Todo-Poderoso mostrou-se bastante benévolo, fazendo
com que o pai morresse antes de a filha ter onze meses, mas dois dos
irmãos da paciente, um dos quais mais velho três anos do que ela,
deram um tiro na cabeça.»
Em termos claros, Olga tornara-se vítima de uma neurose obsessiva,
porquanto dois dos seus irmãos tinham abusado dela sexualmente.

67
Quando Olga foi contar isso à mãe, esta ficou horrorizada e recusou-
-se a continuar a pagar a análise da filha. Segundo o testemunho
posterior daquele que iria ser seu marido, Max Graf, «esta jovem
[Olga] foi ao encontro do doutor Freud e disse-lhe: “Senhor professor,
infelizmente não posso continuar a cura, já não tenho dinheiro para
isso.” Contou-lhe então a história. Freud respondeu-lhe: “E então,
porque é pobre, não pode continuar o tratamento?” Ela aceitou que
ele a tratasse sem qualquer pagamento. [...] É a forma de caridade
que ele pode praticar e pratica habitualmente, não é?»
Na mesma altura, Olga Hõnig travou conhecimento com um
rapaz quatro anos mais novo. Max Graf acabava de se doutorar
Direito em 1896, mas enveredava por uma carreira de musicólogo
e crítico musical. Era uma mente brilhante que se interessava tanto
por política como por ciências e literatura. Participava regularmente
nas reuniões do grupo literário Jung-Wien e, aos vinte e cinco anos,
publicara já dois livros. Como contaria mais tarde a Kurt Eissler, que
o entrevistou em 1952 para os Arquivos Freud, ele achava-a «muito
interessante, muito bela e cheia de talento. Era, sem dúvida, histérica,
não? Isso não podia eu julgar de modo nenhum enquanto rapaz. Nos
seus momentos de histeria - tratava-se seguramente de histeria - ,
achava-a muito atraente e interessante».
Durante os passeios que faziam juntos todas as noites, Olga con­
tava minuciosamente a Max o desenrolar da sua análise. Max ficava
fascinado. Por fim, ele foi ver Freud, para perguntar se o estado mental
de Olga lhe permitia desposá-la. Freud, que também achava Olga
muito «bonita», incentivou-o vivamente: «Case simplesmente com
ela, e tire prazer disso!» Tendo recebido a bênção de Freud, Olga e
Max casaram-se em 20 de dezembro de 1898, um ano e meio após
o início da análise. Ela tinha vinte e um anos; ele, vinte e cinco.
Max Graf e Freud depressa se tornaram amigos, apesar da diferença
de idades. Graf interessava-se pela psicanálise, na qual via um meio
de explicar o processo criativo, e Freud apreciava o convívio com
esse jovem escritor bem inserido nos meios intelectuais e artísticos
vienenses. Viam-se frequentemente no Kaffeehaus onde Freud ia à
noite após o trabalho, em companhia da sua cunhada Minna Bernays.

68
Freud convidou Graf a participar no pequeno grupo de estudos que
se reunia em casa dele à quarta-feira à noite - o núcleo daquilo que
mais tarde viria a ser a Sociedade Psicanalítica de Viena. Graf encon­
trava lá Alfred Adler, Wilhelm Stekel, Max Kahane e Rudolf Reitler.
Freud, por seu turno, ia muitas vezes jantar com toda a simplicidade
ao pequeno apartamento de Max e Olga, em companhia dos seus
amigos músicos. Lá encontrava, entre outros, o compositor Eduard
Schutt, de cuja música gostava muito.
Não se sabe se Olga continuava em análise com ele e até quando
exatamente. O que se sabe é que o «prazer» prometido por Freud não
existiu: «Prazer, não tive verdadeiramente», comentava mais tarde
Graf com amargura. Desde o início, o casamento fora infeliz. Olga
era insociável, zangava-se com toda a gente, nunca queria sair de casa,
o que era um problema para o marido e as suas ambições mundanas.
Ela tinha ciúmes das atividades intelectuais de Max, chegando ao
ponto de rasgar os manuscritos de alguns dos seus artigos. As coisas
também não corriam muito bem na cama e Olga fazia regularmente
cenas ou ficava deprimida no dia seguinte. Após um ano de calvário,
Graf foi queixar-se a Freud: «“Senhor Professor, este casamento não
funciona!” Ele [Freud] ficou muito surpreendido e fiz uma nova
tentativa. Pensei que a existência de filhos pudesse alterar a situação,
mas nada se modificou. Aguentei, apesar disso, dezoito anos e meio
de casamento, até ao momento em que os filhos passaram a ser sufi­
cientemente crescidos para que eu me pudesse retirar tranquilamente.»
O Professor só podia ter razão. Assim nasceu, em io de abril de
Í903, o pequeno Herbert Graf, mais conhecido na literatura psica­
nalítica pelo nome de «pequeno Hans». A Herbert seguiu-se, em 4 de
outubro de 1906, uma menina chamada Hanna. Olga rejeitou o filho
quando lho apresentaram à nascença, nutrindo, segundo Max Graf,
sentimentos de ciúme feminino em relação a ele. Muito mais tarde,
quando Olga tinha oitenta e dois anos, Herbert Graf relatou a Eissler
que ela nunca perdoou a Freud o facto de ele ter impelido o casal a ter
filhos: «A minha mãe ainda hoje se queixa de que Freud não foi uma
boa coisa na vida dela e ao aconselhar o meu pai a ter filhos, etc., etc.
No fim de contas, isso destruiu mais ou menos o casamento deles.»

69
O casal deve ter pensado que o tratamento de Freud fora incom­
pleto, pois Max Graf reanalisou a mulher algum tempo depois de
ter analisado o filho (1908). Pouco depois, estalou o conflito entre
Freud e Adler. Nessa ocasião, Olga tomou nitidamente o partido de
Adler contra Freud. Em 1959, Herbert Graf ainda se recordava disso:
«A minha mãe [...] não gostava do Professor Freud, porque tinha
a impressão de que os conselhos que ele dera ao meu pai não eram
bons. Era, porém, grande amiga pessoal de Adler.» Questionada no
ano seguinte por Kurt Eissler, Liselotte Graf (Austerlitz em solteira),
esposa de Herbert, corroborou: «A minha sogra rompeu com Freud
e juntou-se a Adler. E, sempre que a vemos, fala ainda de Freud e
Adler. - Kurt Eissler: Mas contra Freud? - Contra Freud!»
Max Graf, que não gostava de conflitos, tentou durante algum
tempo reconciliar Adler e Freud, mas, quando este brutalmente lhe
exigiu que escolhesse o seu campo, deixou a Sociedade Psicanalítica
de Viena, sem, no entanto, se juntar a Adler. Obviamente, não podia
tomar partido sem destruir o seu casamento, o qual continuou, pois,
assim-assim, até os filhos terem idade para que se pudesse encarar ;
o divórcio, declarado em 30 de setembro de 1920. Menos de um mês
mais tarde, a 20 de outubro, Olga voltou a casar-se (com Franz-Josef
Brychta).
Apesar disso, a personalidade dela não parece ter mudado no
essencial. Ainda em i960, a sua nora afirmava a Kurt Eissler que «os
nervos da mãe de Herbert não estão nem nunca estiveram bem».
Herbert estava de acordo com ela: a mãe, dizia ele, «é muito nervosa
e sempre foi uma pessoa nervosa. Estou inteiramente seguro de que
[...] a análise conseguiu fazer estragos. Isso não ajudou absolutamente
nada a minha mãe.»
Quanto à própria Olga, recusou terminantemente deixar-se
entrevistar por Eissler quando este lhe fez o pedido em 1953. Tudo
isso era demasiado doloroso, escreveu-lhe ela numa carta um tanto
incoerente: «Isto não funciona com Freud.» Ela não queria nem falar
disso, nem testemunhar por escrito, com medo de não poder voltar
a dormir. «Freud causou danos entre nós.» E o sono é uma das grandes
bênçãos da existência, acrescentava ela.

70
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e vonCFerstel

(1868-1960)

Marie Thorsch, nascida em Praga a 28 de fevereiro de 1868, era oriun­


da de uma longa linhagem de banqueiros ainda existente (Heinrich
Treichl, neto dela, foi durante muitos anos presidente-diretor-geral
do Creditanstalt austríaco, e os seus dois bisnetos Andreas e Michael
Treichl são hoje importantes agentes da finança internacional). Tal
como Anna von Lieben e Elise Gomperz, ela levava uma vida de luxo:
música, ténis no campo privado dos Torschs no n.° 9 da Richardgas­
se, whist, equitação, caçadas ou partidas de croquet, mundanidades.
Em 1889, casara-se com o barão Erwin von Ferstel, diplomata, filho
do célebre arquiteto Heinrich Freiherr von Ferstel (que construíra
a Votivkirche de Viena, a nova Universidade e vários edifícios da
Ringstrasse). Por seu turno, a sua irmã Melanie casara-se com o irmão
de Erwin, Wolfgang von Ferstel.
Em 27 de setembro de 1899, quando corrigia as provas dM Inter­
pretação dos Sonhos, Freud anunciou ao seu amigo Wilhelm Fliess uma
questão de vulto: «O peixe graúdo (Marie von Ferstel, uma Thorsch
de nascença e, portanto, parente afastada da minha mulher) mordeu
o isco, mas vai continuar a disfrutar de liberdade até ao fim de ou­
tubro, porque [por ora] permanece no campo.» A baronesa fora-lhe
enviada por Breuer, que continuava a enviar-lhe clientes ricos, apesar
da desavença ocorrida entre ambos após a publicação dos Estudos sobre
Histeria. Ela sofria de fobias diversas, bem como de prisão de ventre.
Segundo o neto Heinrich Treichl, essa bela mulher tinha medo do seu
próprio reflexo no espelho e precisava da ajuda da criada de quarto
Loni para se pentear. Era também claustrofóbica e não conseguia
estar num quarto com a porta fechada (fora necessário acrescentar
uma antecâmara aos lavabos, para que ela pudesse utilizá-los sem ter
de ficar fechada). Fazia com frequência cenas altamente desagradáveis
para o marido diplomata, como quando se recusou, em cima da hora,
a assistir a um jantar oferecido em honra do imperador Guilherme II
pelo embaixador austríaco em Berlim.
Não se sabe praticamente nada do tratamento de Freud. Nas suas
memórias, Heinrich Treichl afirma que Freud tinha primeiramente
tentado sem sucesso a hipnose, mas isso parece espantoso, na medida
em que, nessa época, Freud já abandonara esse método em proveito
das associações livres. O que é certo é que o «peixe dourado» depres­
sa se embeiçou pelo pescador de homens da Berggasse. Marie von
Ferstel oferecia-lhe bilhetes para ir ver Don Giovanni a Salzburgo e
convidava a família Freud para a casa dela. No Natal, os filhos de
Freud vestiam-se com especial cuidado para irem retirar as prendas
do pinheiro da família Von Ferstel. No outono de 1901, Marie von
Ferstel aliou-se à amiga Elise Gomperz para montar o cerco ao ca­
valeiro Wilhelm von Ritter, ministro da Educação, a fim de que este
acelerasse a nomeação de Freud para o cargo de «professor extraor­
dinário». Segundo o relato feito por Freud a Fliess e ao seu biógrafo
Ernest Jones, ela obteve do ministro a promessa de que «daria um
cargo de professor ao doutor que a curara» em troca de uma pintura
de Böcklin, Burgruine33, que a sua tia Ernestine (Tini) Thorsch
possuía e que Von Ritter cobiçava para um novo museu de pintura,
a Galeria Moderna. Uma vez feita a doação, Marie von Ferstel foi
à sua sessão, brandindo triunfalmente um telegrama do ministro
a anunciar a nomeação de Freud: «Consegui!»
Na realidade, a nomeação de Freud nada ficara a dever a uma
traficância qualquer. Uma vez alertado Von Ritter por Elise Gom­
perz e oficialmente relançada a candidatura de Freud, o processo
burocrático seguira normalmente o seu curso. É bem verdade que
a baronesa Marie von Ferstel mandou enviar uma pintura ao minis­
tério com uma palavra de acompanhamento, embora se tratasse de
uma obra menor de Emil Orlik (a Tia Tini não fazia qualquer tenção

33 Castelo em Ruínas [N. TJ.

72
de se desfazer do seu quadro, «sobretudo por esse Dr. Freud»). Além
disso, parece efetivamente, segundo o ato de registo da doação, que
o ministro ficara irritado com a intervenção intempestiva da baro­
nesa e a aparência de conflito de interesses que ela criava. A cínica
eXpHcação dada por Freud para justificar a sua nomeação não tinha,
pois, qualquer razão de ser.
Não foi a única vez que a baronesa deu provas de generosidade
em relação ao seu terapeuta, o qual, aliás, a incentivava vivamente
a isso, como conta Heinrich Treichl: «Uma das recomendações [de
Freud] para lutar contra os eternos problemas digestivos dela era a se­
guinte: “Tem de aprender a soltar algo! Deve dar mais dinheiro, por
exemplo”» (vê-se aqui a famosa equivalência simbólica fezes=dinheiro
postulada por Freud). Marie von Ferstel seguiu à letra a recomendação
médica. Segundo a historiadora Renée Gicklhorn, que obtivera essa
informação de uma sobrinha de Marie, esta transferiu para o nome
de Freud a propriedade de uma vivenda que possuía numa estância
de férias perto de Viena. Freud apressou-se a vendê-la.
Isso foi de mais para a família Von Ferstel, que já há um certo
tempo se inquietava com a paixoneta de Marie por Freud. A baronesa
foi colocada sob curatela, de modo que não pôde voltar a pagar pela
sua análise. Pela mesma altura, em 1904-1905, Freud concordou
com a hospitalização de Marie von Ferstel na clínica psiquiátrica
Schlachtensee em Berlim, onde o marido dela fora nomeado, em
1902, cônsul-geral daÁustria-Hungria. Segundo Heinrich Treichl, ela
nunca lhe perdoou esta traição: «Quando a governanta, depois de ter
visitado a instituição, se apercebe bem de que as portas não tinham
puxadores do lado de dentro, elas arrepiaram caminho. De seguida,
a minha avó rompeu definitivamente com Freud.» Queimando o que
tinha adorado, Marie von Ferstel manifestou-se a partir de então por
toda a parte, chamando «charlatão» a Freud. Segundo o seu neto, ela
considerava que «a fixação exclusiva no “sexual” era um erro».
Freud não a tinha visivelmente «curado», ao contrário do que
escrevera a Fliess, porque depois ela foi para Berna tratar-se com Paul
Dubois, que desenvolvera uma psicoterapia «persuasiva» muito em voga
na época. Marie von Ferstel estimava muito Dubois e passava todos

73
OS PACIENTES DE FREUD

os anos algumas semanas em Berna, para prosseguir o tratamento


com ele. O seu livro A Autoeducação34 estava entre as suas leituras
preferidas, ao lado dos Pensamentos de Marco Aurélio e da Dietética
da Alma35 de Feuchtersieben.
Espantosamente, Marie von Ferstel atravessou sem problemas
a guerra. Contudo, embora tenha sido casada com um ariano (Er­
win von Ferstel morrera em 1925), era de origem judaica, correndo,
pois, o grande risco de ser deportada. Como, apesar de tudo, ela se
recusava a emigrar, o filho recorreu a um subterfúgio. Conseguiu
que as criadas da família certificassem que Marie era, na realidade,
fruto de uma ligação ilegítima da avó Anna Thorsch com um ariano,
e requereu um pedido de revisão do parentesco da mãe. Devido à
lentidão da burocracia austríaca, esse procedimento protegeu Marie
durante cerca de cinco anos. Em 1943, foi finalmente convocada pelo
Instituto Antropológico de Viena para proceder à medição do seu
índice cefálico e à avaliação das suas capacidades cognitivas, com vista
a determinar se era ou não de origem judaica. O neto, que a acom­
panhou nesse dia, ainda se recorda da cena: «A monstruosidade das
leis de Nuremberga e o delírio da doutrina racial estavam reduzidos
a um banal procedimento efetuado com um par de instrumentos de
medição. Um chapeleiro não teria tomado medidas de outra forma.
Contudo, neste caso, a alternativa chamava-se Auschwitz.» Alguns
meses mais tarde, Marie e respetivos descendentes foram declarados
deutschblütig36, termo destinado a pessoas de origem simultaneamente
ariana e judaica.
A baronesa Marie von Ferstel, nascida Thorsch, morreu em 20 de
fevereiro de i960. À beira dos noventa e dois anos, não podia sequer
pentear-se sozinha.

34 LÉducation de soi-meme [N. TJ.


35 Zur Diätetik der Seele [N. TJ.
36 Vocábulo que significa «de sangue alemão» [N. TJ.
C JA/Iargit
Kremzir
(c. 1870-1900)

Margit Kremzir - Weiss de Szurda em solteira - era prima de Ilona


Weiss (o pai desta, Max Weiss, era seu tio paterno). Casada, mãe
de dois filhos, fora de Budapeste a Viena em 1900, para consultar
diversos especialistas acerca de dores agudas no estômago. Um deles
era Sigmund Freud, a quem a tinham provavelmente enviado para
verificar se essas dores não eram de
ordem histérica. Em 25 de abril de Statt jeder besonderen Anzeige.
1900, Freud relatou a Fliess: «A pa­ ■ Tom Schmerze gebeugt, geben die Ge­
fertigten in ihrem Namen sowie im Namen
aller übrigen Verwandten Nachricht von dem
ciente que tratei durante catorze dias Hinseheiden ihrer mnigst^filiebten Gattin, be-
ziehungsweise Mutter undTochier, der 'Fiau
e reenviei como um caso de paranóia
enforcou-se depois num quarto de Margit Kremzir
hotel (Sra. Margit Kremzir).» geb. Weiss de Szurda
jährigem Leiden Freitag den 20. April 190D,
Uma breve notícia na Neue Freie Dieselbe verschied in Wien nach lang­

Press de 20 de abril mencionava efe­ und Undet das Leiehenbegängniss Sonntag den
den 22. d. M., 11 Uhr Vormittags, auf dem
Central-Fricdhofe (israei. Abtheilong) statt.
tivamente que, nessa manhã, uma B ares, B u d a p e s t, W ien.
mulher oriunda da Hungria se tinha ; M oris K renusir, ^ ijH §J
als Gatte.
«enforcado num hotel da cidade por Carl Kremzir, Clara Kremzir,
»ls Kinder.
desespero devido ao seu estado de Adolf Weiss de S«t*rda,
Fanny Weiss de S zurda»
impasse». Foi enterrada às onze horas als Ufer».

da manhã de 22 de abril na secção Kranzspenden werden dankend abgeietml


is stilles Seileil -firi ü t a .
judaica do cemitério central de Viena.

75
I
d
^
B

u
er (1882-1945)

Ida Bauer e o irmão Otto, em 189O.

«Dora», a heroína do famoso relato de caso de Freud, chamava-se, na


realidade, Ida Bauer. Nascera em i de novembro de 1882 no n.° 32
da Berggasse em Viena, a alguns passos do prédio onde Freud iria
recebê-la no seu gabinete dezoito anos mais tarde. Filipp Bauer, pai
dela, provinha de uma família judaica assimilada da Boêmia que
fora instalar-se em Viena no final dos anos 1850. Avisado homem de
negócios, fizera fortuna na indústria têxtil e possuía duas fábricas no
território da atual República Checa. A sua mulher Katharina (Käthe)
Gerber era pouco instruída. Tendo sabido, após o casamento, que
Filipp contraíra sífilis na juventude, desenvolvera uma obsessão pela
contaminação e uma mania das limpezas que tornavam particular­
mente penosa a vida familiar. Estava, ao que se diz, mais preocupada
com os seus problemas de prisão de ventre do que com o bem-estar
emocional dos filhos.
Pouco mais velho do que Ida, o seu irmão Otto era uma criança
precoce que, aos nove anos de idade, escrevera uma peça de teatro
sobre Napoleão. Viria a ser um brilhante teórico marxista e um dos
principais líderes do Partido Social-Democrata austríaco no período
entre as duas guerras mundiais. (Segundo o seu biógrafo Otto Leichter,
ele consultara Freud pouco depois do próprio casamento, em 1914, e
o sábio da Berggasse desaconselhara-o a entrar na política, afirmando
que ele não fora feito para isso: «Não tente fazer as pessoas felizes;
elas não querem a felicidade.»)
Em 1888, tinha ele trinta e cinco anos, foi diagnosticada tubercu­
lose a Filipp Bauer. Sob parecer médico, a família Bauer mudou-se
para Merano, abastada estância no Tirol, para procurar um ambiente
76
IDA BAUER

mais puro. Foi lá que, em 1890, Ida teve o seu primeiro ataque de
dispnéia, dificuldade em respirar de carácter asmático que iria depois
incomodá-la de modo regular. Em 1894, tendo a sífilis de Filipp
Bauer atingido o estádio terciário, ele sofreu um episódio confusional
seguido de paralisia temporária. Hans Zellenka, um comerciante de
Merano com quem fizera amizade, aconselhou-o a ir ver Freud, que
prescreveu um tratamento antissifilítico.
De regresso a Merano, Filipp foi tratado pela mulher de Hans
Zellenka, Giuseppina (Peppina). Do mesmo modo que Filipp não se
satisfazia muito ao lado de Käthe, Peppina sofria com as contínuas
infidelidades de Hans. Consolaram-se, pois, um ao outro, enquanto
Käthe Bauer se enclausurava na sua «psicose doméstica» (Freud) e
Hans Zellenka andava atrás de saias na vizinhança. Na primavera de
1896, Hans deitou o olho a Ida, então com treze anos e meio. Depois
de a atrair para a sua loja, beijou-a de surpresa, mas Ida, enojada,
repeliu as investidas dele. No entanto, não contou nada aos pais, e
o embuste familiar prolongou-se, como se nada fosse. A jovem Ida
tratava dos filhos da família Zellenka, Clara e Otto, tornando-se até
confidente de Peppina, que lhe ensinava as coisas da vida e não lhe
escondia nada acerca das infidelidades do marido.
No início do verão de 1898, Ida teve nova crise de asma acompanhada
de tosse e afonia. Filipp levou a filha a casa de Freud, que diagnosticou
imediatamente uma neurose e propôs um «tratamento psíquico». Tendo
abrandado a asma, as coisas ficaram por aí. Ida voltava a partir com
o pai para o lago de Garda, onde fora convidada a passar algum tempo
com a família Zellenka. Hans Zellenka, como era habitual, cortejava
a governanta, enquanto Filipp passava alguns dias de descanso com
Peppina. Ida tinha nessa altura quinze anos (Freud, na sua história de
caso, dá-lhe mais um ano). Um dia, quando passeava ao longo do lago
com Hans, este assediou-a de novo, com as mesmas falinhas mansas que
dirigia à governanta. Perturbada, Ida esbofeteou-o e desatou a correr.
No dia seguinte, já não se sentindo segura em casa da família Zellenka,
decidiu abruptamente voltar a partir com o pai.
De regresso a Merano, contou o caso à mãe. Filipp Bauer não
pôde fazer outra coisa senão pedir explicações a Zellenka, o qual

77
negou tudo, acusando Ida de excitar a mente com livros eróticos e
de ter inventado a cena do lago. Em vez de pôr em causa o delicado
equilíbrio da sua relação a três, Filipp aceitou as explicações de Zel-
lenka, que aproveitou o facto para reiterar as investidas feitas a Ida
por ocasião dos festejos de fim de ano. Revoltada por ter sido assim
sacrificada no altar da tranqüilidade familiar, Ida exigiu, alto e bom
som, que o pai rompesse todas as relações com a família Zellenka e,
em especial, com Peppina. De nada valeu.
Na primavera de 1899, Ida regressou a Viena após a morte da
sua tia preferida, Malvine Friedmann (conhecida de Freud, à qual
este diagnosticara igualmente uma «forma grave de psiconeurose»).
Ela teve aí uma crise de apendicite que originou uma tendência para
arrastar o pé direito que subsistiria pela vida fora. (Isso parece indicar
que se tratava de uma apendicite pélvica, que provoca amiúde esse
gênero de seqüelas na perna direita.) Em 1900, a família Bauer voltou
a instalar-se em Viena, seguida, três semanas depois, pelo inevitável
casal Zellenka. Zangada com o pai, importunada pela mãe, não
tendo ninguém para quem se virar, Ida estava deprimida e já não
comia como deve ser. Escreveu uma nota, encontrada pelos pais, na
qual falava de suicídio. Depois, no decurso de uma violenta discus­
são com o pai a propósito da família Zellenka, perdeu os sentidos.
Contrariado, Filipp Bauer levou-a a Freud, tinha ela dezassete anos,
idade das revoltas adolescentes.
O tratamento começou em meados de outubro de 1900. Fi­
lipp Bauer pretendia manifestamente que Freud curasse a filha da
«doença» e lhe tirasse da cabeça todas essas embaraçosas «ficções»
a respeito do Sr. e da Sra. Zellenka. Freud, honra lhe seja feita, reco­
nheceu o fundamento das acusações de Ida. Contudo, não pôs em
causa o diagnóstico de desarranjo mental feito por Hans Zellenka e
Filipp Bauer. Seja como for, Freud estava convencido, como repete
por duas vezes no seu relato de caso, de que «os descendentes de
sifilíticos eram particularmente propensos a neuropsicoses graves».
Assim, a aversão sentida por Ida quando Hans Zellenka a beijara
de surpresa era manifestamente histérica, pois uma jovem dessa
idade (treze anos e meio) deveria normalmente ter prazer em sentir

78
«a pressão do membro erecto contra o seu corpo»: Ida recalcara o seu
amor por Hans Zellenka e convertera a excitação que sentira no
seu clítoris em repulsa oral. Do mesmo modo, os seus períodos de
afonia correspondiam às ausências de Hans Zellenka e exprimiam
o desgosto de não poder falar com o ente amado. Quanto à tosse de
Ida, exprimia o desejo de sentir na garganta o órgão do pai, objeto de
amor original do qual Hans Zellenka servia de substituto. A dispnéia
asmática mimava o arquejo do pai a copular com a mãe.
Contudo, nenhuma dessas asserções teve a aprovação de Ida.
Dois meses e meio depois do início do tratamento, Freud informou
a jovem de que a «pretensa apendicite» de que ela sofrerá na primavera
de 1899, nove meses após a cena do lago, realizava um fantasma de
parto. Quanto à perna que arrastava desde então, simbolizava ofaux
pas37 (em francês no texto) que ela desejara ardentemente dar/come­
ter: «O seu amor por M. K ... [pseudônimo dado por Freud a Hans
Zellenka] não termina com a cena do lago, esse amor persiste até
hoje - embora inconscientemente para si.» No dia seguinte, 31 de
dezembro de 1900, Ida anunciou polidamente a Freud que aquela
sessão seria a última. Já ouvira quanto bastasse. Segundo Elsa Foges
(filha de Malvina Friedmann que o historiador Anthony Stadien
entrevistou em 1979, tinha ela noventa e sete anos), a sua prima Ida
dissera-lhe na altura do tratamento com Freud: «Ele levanta tantas
questões e eu quero pôr um fim a isso.» Era, escreve Freud, um «ato
de vingança» da parte dela e uma forma de sabotar o tratamento,
«prejudicando-se a si mesma».
Filipp Bauer não se opôs à decisão da filha, pois compreendera
que Freud não estava disposto a tornar-se cúmplice da sua ligação
com Peppina Zellenka. Não tendo a situação mudado, Ida passou
alguns meses difíceis, até ao momento em que lhe surgiu o ensejo
de resolver o problema que Freud não conseguira solucionar. Clara,
a filha do casal Zellenka de quem Ida cuidara, morreu em maio de
1901. No papel de autêntica terapeuta familiar, Ida aproveitou então
uma visita de condolências para obter de Hans e Peppina Zellenka,

37 Expressão traduzível por «passo em falso» ou «lapso» [N. TJ.

79
cada um por sua vez, a confissão da cena do lago e a ligação com
Filipp Bauer. Tendo sido desvendada a verdade, Ida passou bem de
saúde a partir de então. Em outubro, porém, teve um novo episódio
asmático, ao que parece em conseqüência do pavor que sentira no
dia em que vira Hans Zellenka ser atropelado por um carro, quando
ambos se encontraram por acaso na rua.
No ano seguinte, em abril de 1902, foi consultar Freud por causa
de uma nevralgia facial muito dolorosa. Freud teve a satisfação de
constatar que essa «pseudonevralgia», como lhe chamava, começara
quinze dias antes, pouco depois de Ida ter lido no jornal o anúncio
da nomeação dele para o lugar de Professor. Manifestamente, Ida
autopunia-se assim por ter deixado Freud, que servia de substituto
transferenciai de Hans Zellenka que ela esbofeteara tão brutalmente
à beira do lago. «O seu pedido não podia ser levado a sério», mas
Freud prometeu «perdoar-lhe por tê-lo privado da satisfação de a livrar
mais radicalmente do seu mal». Dessa observação pode deduzir-se
que Freud considerava que Ida ainda estava doente, mas que ele não
desejava ajudá-la, dada a forma como ela o rejeitara. Ida bem procu­
rara a sua nevralgia.
Em 6 de dezembro de 1903, Ida Bauer casou-se com Ernst Adler,
engenheiro e compositor que a cortejava há alguns anos (ele é men­
cionado de passagem num dos sonhos de Ida analisados por Freud no
seu relato de caso). Ela tinha vinte e um anos. Filipp Bauer empregou
o genro na empresa familiar e financiou os seus ensaios musicais,
inclusive contratando ocasionalmente uma orquestra para que ele
pudesse mandar tocar uma das suas composições. Em 2 de abril de
1905, Ida teve um filho, Kurt, que viria a ser músico, como o pai. No
período entre as duas guerras mundiais, ele trabalhou, entre outros,
com Max Reinhardt, Toscanini, Solti e um certo Herbert Graf, mais
conhecido no mundo freudiano pelo nome de «pequeno Hans».
Ida Bauer não manifestou qualquer sinal de neurose ou instabilida­
de psíquica na vida adulta. Kurt Eissler, que entrevistara longamente
Elsa Foges e outros familiares de Ida Bauer no início dos anos 1950,
confirmava-o numa carta a Anna Freud: «Parece que a informação
que recebi da prima de Dora há dois anos é correta e que ela nunca

8o
desenvolveu sintomas neuróticos ou psicóticos após o tratamento
com Freud» (20 de agosto de 1952). Ida Adler passava a maior parte
do tempo em mundanidades da alta sociedade. Jogadora de bridge
consumada, tinha como parceira nada mais nada menos do que
peppina Zellenka, com quem passara uma esponja sobre o passado.
Acometida pela doença de Ménière em 1922, foi indicada a Felix
Deutsch, que era também médico pessoal de Fréud e marido da psica­
nalista Helene Deutsch. Nessa ocasião, em missiva à esposa, Deutsch
escreveu que encontrara a «Dora» do Professor e que ela «nada de bom
tem a dizer a respeito da análise» - o que ele evitou repetir no artigo
muito pouco fidedigno que lhe consagrou em 1957, no qual escrevia,
pelo contrário, que ela «dera mostras de grande orgulho por ter sido
objeto de um relato de caso famoso na literatura psiquiátrica».
A empresa familiar foi duramente atingida pela queda do Impé­
rio Austro-Húngaro e pela crise econômica que se seguiu. A família
Adler já não era rica. Ernst Adler, que fora ferido na frente e sofria,
desde então, de perturbações da memória e do equilíbrio, morreu
em 1932. Otto Bauer cuidou da irmã, mas no momento da repres­
são dos social-democratas pela ditadura de Dollfuss, refugiou-se na
Checoslováquia e, depois, em Paris, onde morreu bruscamente em
julho de 1938, tendo direito a exéquias oficiais organizadas pelo go­
verno da Frente Popular. Procurada pelos nazis por causa do irmão,
Ida escondeu-se temporariamente em casa da amiga Peppina, antes
de conseguir escapar da Áustria após a Anschluss38 e de se juntar ao
filho Kurt nos Estados Unidos em 1939. Ida morreu de cancro em
Nova Iorque em 1945.
Prosseguindo a tentativa de patologização cujas conseqüências
ela pagara na juventude, os psicanalistas e respetivos historiadores
empenharam-se em descrever a vida de Ida Bauer como um longo e
desagradável sintoma. Ernest Jones, no segundo volume da biogra­
fia de Freud, pintou o retrato de «uma criatura amarga que punha
sistematicamente a vingança antes do amor: era o mesmo motivo
que a levou a interromper prematuramente o tratamento e a manter

38 Anexação (da Áustria ao Terceiro Reich, em 1938) [N. T.].


OS PACIENTES DE FREUD

diversos sintomas histéricos, tanto físicos como mentais». Quanto


a Felix Deutsch, citava em 1957 uma testemunha anônima segundo
a qual Ida Bauer era «uma das histéricas mais repugnantes» que en­
contrara. O historiador Anthony Stadien, que entrevistou a mulher
dessa testemunha, pôde constatar que não era muito mais fiável do
que Hans Zellenka, a cuja rede familiar pertencia. Apesar disso,
o boato lançado em 1898 ainda corre.

82
l^/ínna
von V est
(1861-1935)

Anna Katharina von Vest, nascida em 25 de novembro de 1861,


pertencia a uma família eminente de Klagenfurt, na Carintia.
O seu avô, Lorenz Edler von Vest, tinha sido o médico privado de
uma das filhas da imperatriz Maria Teresa, a grã-duquesa Mariana.
O seu pai, Johann Edler von Vest, amealhara considerável fortuna
enquanto notário. Em 1857, desposara Natalia Werzer, com quem
teve seis filhos. O casamento não era muito feliz. Melómana,
amante de poesia, Natalia tinha menos dezasseis anos do que
o marido, e as relações com ele (a quem cerimoniosamente chamava
«Senhor Doutor») foram sempre distantes. Natalia consolava-se
com a religião.
A educação dos filhos era estrita. Tal como as suas quatro irmãs,
Anna foi enviada para um estabelecimento religioso mantido pelas
irmãs salesianas. Muito boa aluna, ali aprendeu francês e inglês,
que falava na perfeição. Era igualmente uma pianista muito boa
e tinha talento para o desenho. Depois, no final da adolescência,
tornou-se antirreligiosa e indisciplinada. Tinha um temperamento
difícil e discutia constantemente com a sua irmã mais nova, Cornelia
(«Nelly»), com quem manteve, durante toda a vida, uma relação de
rivalidade, primeiro pela atenção da mãe, depois, já sobre o tarde,
por um homem. Aos vinte anos, deu uma queda na patinagem e
teve uma desilusão amorosa que a afetou de forma duradoura. Em
*885, sofreu uma ablação dos ovários que acabaria mais tarde por se
Mostrar desnecessária. Daí resultou o hirsutismo (pilosidade inde­
vida) que a constrangia muitíssimo e que ela combatia recorrendo
a intervenções cosméticas que lhe desfiguravam o rosto.

V 83
A malfadada ovariectomia também criara dificuldade em andar, que
acabou por tomar a forma de uma paralisia total das pernas. Questiona­
do pelo historiador Stefan Goldmann, um membro da família resumia
assim a seqüência dos acontecimentos: «Em resultado de uma experiência
amorosa infeliz, ela meteu-se na cama e ficou paralisada.» Anna já só se
deslocava em cadeira de rodas e tinha de ser transportada pelas criadas
para descer as escadas. Andava de estância termal em estância balnear
para seguir tratamentos (nomeadamente a hidroterapia do famoso pastor
Kneipp), mas nada resultava, persistiam as suas «dores nervosas».
Em maio de 1903, decidiu ir a Viena consultar Freud. Tinha quarenta
e um anos e estava inválida há duas décadas. Tiveram de transportá-la do
comboio ao hotel, aonde Freud foi vê-la. Uma semana depois, já podia
ir a pé ao gabinete dele. Na semana seguinte, começou a ir ao teatro. De
dia, estava no divã de Freud, à razão de cinqüentas coroas por hora (uma
quantia muito elevada para a época). Freqüentava igualmente cursos
de arte dramática com o ator Ferdinand Gregori (do Burgtheater), que
lhe recomendou, para a voz, comer diariamente uma cenoura. A noite,
evoluía nos salões onde era estimada como pianista e acompanhante de
Lieder. A menina Anna von Vest era snob, e as mundanidades não lhe
desagradavam. Diz-se que as paredes do seu quarto estavam forradas de
fotos e retratos de todas as pessoas famosas que ela encontrava.
O tratamento foi interrompido em meados de julho pelas sacros­
santas férias de Freud, que tratou de apanhar fresco à beira do lago
de Königsee, perto de Berchtesgaden. Anna regressou a Klagenfurt,
onde ficou de novo paralisada. Os membros da sua família começaram
a exprimir abertamente dúvidas acerca da autenticidade da doença
dela. Como se explicava que Anna estivesse inválida em Klagenfurt
e bem de saúde em Viena? Também parece, após os testemunhos
recolhidos por Stefan Goldmann, que a família se questionava sobre
a oportunidade e a duração do tratamento de Freud: «Freud, o médico
judeu de Viena, queria ganhar muito dinheiro.»
Humilhadíssima, Anna pressionou Freud para que aceitasse vê-la
em Königsee. Anna sabia efetivamente que Marie von Ferstel tinha
direito a esse tratamento de favor e estava manifestamente com ciúmes
da baronesa, cujo estatuto social e cuja fortuna eram superiores aos

84
seus. Freud recusou polidamente interromper as férias, sustentando
que a recaída de Anna não era muito importante: «Considero-a defi­
nitivamente restabelecida. Pouco importam os acontecimentos pelos
quais tiver de passar, nunca se esqueça disso» (20 de julho de 1903).
Visto que Anna insistia, Freud fez um bocado de psicanálise epistolar:
«Será que, na sua projeção, o modelo de M. F. [Marie von Ferstel] não
desempenhou um certo papel? Sim, ela costuma vir por uns oito dias,
mas espero que não a tome como modelo noutros aspetos. E que diria
se soubesse que tenho à espera uma segunda paciente, um verdadeiro
e constante objeto de preocupação? Será que lhe aplicaria os seus dois
fantasmas - o da riqueza e o da posição social?» (29 de julho de 1903).
O tratamento recomeçou depois do descanso estivai e durou até
julho de 1904, quando Freud voltou a partir para as suas férias anuais.
Freud decidira pôr fim à análise, situação a que Anna tentou opor-se,
desenvolvendo sintomas, mal regressou a Klagenfurt. De novo, solicitou
a Freud que a recebesse. De novo, Freud declinou o pedido: «Confie
em mim em dois pontos: 1. nunca aconteceu alguém ter recaído de
forma duradoura na sua antiga doença após um tal bem-estar e uma
saúde duramente merecida; 2. trata-se apenas de nostalgia e seria
muito estúpido ceder a isso e vir a Königsee» (17 de agosto de 1904).
Tendo Anna obtido a aprovação da família para se instalar em Viena
após o regresso das férias, Freud felicitou-a, regozijando-se, dizia ele,
por recebê-la «não como paciente, mas como “nobre parte salva da
Humanidade”» (2 de agosto de 1904).
Nos anos seguintes, houve, porém, recaídas - muitas recaídas. Em
dezembro de 1906, deu-se uma nova crise. Freud tentou dissuadir Anna
de voltar a fazer um trecho de análise, desejando-lhe que, no novo
ano, ela «não procurasse salvação nem na doença nem na cura» (20 de
dezembro de 1906). Enfim, sempre que abordei o que teria ficado por
analisar, pude constatar que ainda retém algo, exatamente para não ter
de renunciar» (10 de janeiro de 1907). Anna tentou coagi-lo, enviando-
-lhe dinheiro, que ele começou por recusar, acabando, contudo, por
ceder e mantendo Anna em análise até ao dia 25 de abril do mesmo ano.
Sabe-se que houve ainda um trecho de análise em junho de 1908.
A correspondência entre Freud e Anna von Vest interrompe-se nesse

85
momento, embora o calendário no qual Freud anotava diariamente
os seus pacientes mencione duas outras análises com «Vest» a partir
de 1910. Depois, em 1912, Anna foi para Inglaterra. Em 1904, esta­
va de regresso a Klagenfurt, onde acolheu Martin, filho de Freud.
A guerra trouxe o habitual cortejo de misérias. O cunhado de Anna,
que se ocupava dos negócios da família, morreu em 1915, deixando
atrás de si uma delicada situação financeira. Em 1916-1917, Anna foi
trabalhar como enfermeira para um hospital de guerra em Olmütz,
na Morávia. Quando regressou, tendo sumido a fortuna da família
Von Vest, Anna instalou-se com a mãe e a mana Cornelia no campo,
perto de Klagenfurt, num moinho e numa pequena quinta contígua
cuja exploração supria as necessidades delas. Sabe-se pela correspon­
dência entre Freud e Anna que houve novamente recaídas e pedidos de
ajuda em 1920, 1925 e 1926. Da segunda vez, Freud aceitou retomar
gratuitamente a análise de Anna: «Cara Menina Anna, Uma má
notícia! Continua doente e sem dinheiro, e eu estou tão diminuído
no meu tempo e na minha força de trabalho. Fazer o quê, então? Só
vejo uma saída. Temos de concluir que foi uma má cura que abriu
caminho a uma tal recidiva, e é preciso corrigir isso. Desta vez, não
será necessário falar de dinheiro» (26 de março de 1925).
Esse enésimo trecho de análise começou num sábado, 4 de abril de
1925, às 18 e 30. Não se sabe quanto tempo durou. No ano seguinte,
Freud estava consternado «por saber que sofre de novo» (11 de abril
de 1926). Numa derradeira carta endereçada a Anna von Vest em 14
de novembro de 1926, ele explicava-lhe porque é que ela ainda não
estava restabelecida após todos esses anos: «Lamento muito não ter
conseguido, aquando da sua última tentativa de cura, persuadi-la dos
seus desejos de morte em relação ao seu pai. Porém, é também uma
situação muito difícil para outras filhas cheias de ternura.»
No artigo “Die endliche und die unendliche Analyse”39 (de 1937)5
Freud evoca sob o sigilo do anonimato dois casos em que «obstáculos»
se tinham oposto à «cura pela psicanálise». Um deles é certamente

39 aAnálise Terminável e Interminável” (consultar em Fontes —no final desta


obra - a primeira indicação bibliográfica referente a Anna von Vest) [N. TJ.

86
o de Anna von Vest. Conta Freud que essa paciente fora curada por
uma análise de nove meses de uma paralisia das pernas surgida após
a puberdade e ficara depois bem de saúde, apesar dos dissabores fi­
nanceiros que a tinham obrigado a sustentar a própria família: «Não
me lembro se foram doze ou catorze anos após o fim da cura dela que
profusas hemorragias tornaram necessário um exame ginecológico.
Pôde constatar-se a existência de um mioma e foi praticada a total
extirpação do útero. A partir dessa operação, a paciente tornou a adoe­
cer. [...] Ela mostrou-se inacessível a uma nova tentativa de análise.»
Não se encontra nenhuma menção a essa histerectomia nas cartas
a Anna von Vest, mas o conjunto da passagem não deixa muitas dúvi­
das quanto à identidade da paciente em questão, apesar da imprecisão
alimentada por Freud em torno da cronologia dos acontecimentos. De
facto, Freud acrescentava que sem o «novo trauma» da histerectomia,
que despertara as mesmas perturbações anteriormente recalcadas,
a neurose não teria ressurgido. Ora, a paralisia de Anna von Vest
fora desencadeada pela sua ovariectomia. Trinta anos depois, Freud
atribuía a um «obstáculo» externo aquilo que descrevia como a única
recaída de Anna von Vest na neurose.
Anna von Vest morrera de um tumor no estômago dois anos antes,
a 20 de janeiro de 1935, em Ebenthal, perto de Klagenfurt. Segundo
o testemunho dos seus familiares recolhido por Stefan Goldmann,
Anna atribuía o cancro a Cornelia, sua irmã: «Não morro de uma
úlcera no estômago, mas por causa de Nelly.» Também dizia que devia
ao Professor Freud o facto de ainda ter estado de boa saúde trinta anos.

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)Bruno Walter, Viena, 3o abril 1912.

Bruno Schlesinger, mais conhecido como Bruno Walter, é um dos


grandes Chefes de orquestra do século xx, Com Toscanini, Böhm,
Klemperer, Karajan. Foi também, em 19O6, um dos pacientes mais
inesperados de Freud. Era nessa época chefe de orquestra na Ópera
da Corte Imperial e Real de Viena, onde trabalhava sob a direção
do seu amigo e mentor Gustav Mahler. Estava, como conta nas suas
memórias, num período particularmente feliz da sua vida. Marido e
pai realizado, reconhecido profissionalmente, levava uma existência
burguesa - demasiado burguesa, ao que lhe parecia. O seu corpo
encarregou-se então de o levar a uma angústia mais «faustiana»:
pouco após o nascimento da primeira filha, desenvolveu uma «cãibra
profissional» dolorosa no braço esquerdo que o impedia de dirigir e
tocar piano.
Tratava-se provavelmente de uma contractura ou de uma nevralgia
cervicobraquial (ciática do braço), mas o certo é que as dores não
queriam desaparecer. Walter consultou toda a espécie de especialistas,
experimentou banhos de lama e o magnetismo, nada resultava. Por
fim, como se suspeitava de um elemento psicológico, Walter, decerto
aconselhado pelo amigo Max Graf, decidiu consultar Freud. Esperava
sofrer meses de exploração psíquica para encontrar algum trauma
sexual na sua infância, mas Freud contentou-se em examinar-lhe
o braço (Freud, não nos esqueçamos disso, era neurologista de forma­
ção). Como Walter lhe perguntara se, na sua opinião, a cãibra podia
provir de algum dano sofrido tempos antes, Freud interrompeu-o:
«Nunca esteve na Sicília?» Quando Walter lhe respondeu que não,
Freud explicou que a Sicília era uma magnífica ilha, mais grega do

88
BRUNO WALTER

que a Grécia: «Em suma, era conveniente que eu partisse nessa mes­
ma noite, esquecesse completamente o meu braço e a Ópera, e nada
fizesse durante algumas semanas, a não ser usar os olhos.»
Walter decidiu-se: apanhou um comboio para Gênova e daí um
barco para Nápoles e a Sicília, onde ficou maravilhado com a paisagem
e os templos gregos. Contudo, a cãibra persistia: «No final, a minha
alma e o meu espírito beneficiaram muitíssimo do meu conhecimento
acrescido do helenismo, mas não o meu braço.» Walter tornou a partir,
portanto, para Viena e foi queixar-se a Freud, o qual, imperturbável,
lhe disse que ignorasse a dor e recomeçasse a dirigir. Walter hesitava,
pois acaso podia assumir a responsabilidade de arruinar um concer­
to? Como bom sugestionador, Freud respondeu: «Sou eu que tomo
a responsabilidade disso.» Walter reconciliou-se, pois, passo a passo,
com a direção de orquestra, chegando por instantes a olvidar a dor.
Freud, durante as suas sessões, frisou tal esquecimento, um pouco
como um hipnotizador ordena que um paciente não volte a pensar
na sua dor. A cãibra não desapareceu, apesar disso: «Tentei uma vez
mais dirigir, mas com o mesmo resultado dececionante.»
Foi então que Walter descobriu o livro Zur Diätetik der Seelen
(1838), do médico romântico Feuchtersieben. Nessa pequena obra,
que teve uma repercussão considerável ao longo de todo o século xix,
Feuchtersieben sublinhava o papel da mente em medicina e avançava
receitas a que poderíamos chamar higiene mental para influir no curso
da doença. Walter mergulhou no livro de Feuchtersieben: «Li-o e
estudei-o, abrindo caminho através dos pensamentos expressos nesse
livro brilhante, no qual um médico que era ao mesmo tempo poeta
procurava dar à humanidade sofredora uma via que depois se tornou
praticável.» A pouco e pouco, adaptando a direção de orquestra à sua
desvantagem física, Bruno Walter acabou por recuperar o uso pleno
do seu braço. Depois, nunca mais teve problemas.
Após a publicação das suas memórias, o psicanalista americano Ri­
chard Sterba foi entrevistar Bruno Walter a propósito dessa «obra-prima
de psicoterapia breve» realizada por Freud. No artigo que extraiu daí,

40 Dietética da Alma (consultar nota 36) [N. TJ.

89
OS PACIENTES DE FREUD

Sterba afirmava que Walter, depois de todos esses anos, «continuava


a estar profundamente impressionado com a personalidade de Freud».
Sterba reconhecia decerto que não havia suficiente material clínico
para esclarecer «a dinâmica psíquica da curta neurose profissional de
Bruno Walter». Porém, concluía ele, «o êxito e a catamnese [história
clínica] de quarenta e dois anos provam o resultado terapêutico».
f

Herbert Graf ensaiando com Marian Anderson


Um Baile de Mascaras de Verdi,
em dezembro 1954 no Metro de Nova Iorque.

Herbert Graf nasceu a i o de abril de 1903, em circunstâncias Co­


nhecidas41. A sua infância foi marcada pela música e pela psicanálise.
Max Graf, seu pai, era um reputado musicólogo e crítico musical que
estudara com Hans Richter, Eduard Hanslick e Anton Bruckner. Uma
das suas tias maternas, Marie Valerie Hönig, era pianista concertista.
O padrinho dele chamava-se Gustav Mahler e, em casa, Herbert
cruzava-se com numerosos artistas e músicos amigos do pai: Arnold
Schönberg, Richard Strauss, Bruno Walter, Adolf Loos, Oskar Ko­
koschka e muitos outros. Desde a mais tenra idade, Herbert revelou
pendor musical. Aos dois anos, já cantava melodias vienenses e, para
se divertir, construiu com a maninha Hanna uma maqueta de ópera.
A ópera iria ser o grande caso da vida dele.
Havia, depois, o lado freudiano. Tanto a mãe como o pai de
Herbert eram aficionados42 da psicanálise: ela, enquanto paciente;
ele, enquanto discípulo e correligionário. Após a publicação dos Três
Ensaios sobre a Teoria da Sexualidade43, Freud pediu aos membros
da pequena «Sociedade das Quartas-Feiras» reunida em casa dele
que juntassem dados suscetíveis de corroborar as suas teorias sobre
a sexualidade infantil, e Max Graf informou-o, pois, conscientemente
dos mínimos sinais de atividade erótica em Herbert. No artigo “Zur
sexuellen Aufklärung der Kinder” 44 (de 1907), Freud mencionava
«um menino encantador com quatro anos» cujos pais compreensivos

41 Ver artigo referente a Olga Hönig.


42 Conforme o original, em itálico [N. TJ.
43 Drei Abhandlungen zur Sexualtheorie [N. T.].
44 “Educação Sexual das Crianças” [N. TJ.

91
não reprimiam (e fomentavam decerto ativamente) a expressão da sua
sexualidade. Ora, esse «pequeno Herbert», que não fora «seguramente
exposto a uma tentativa de rapto por parte da sua ama» (uma alusão
à «teoria da sedução» que Freud repudiara entretanto), nutria desde
os três anos de idade um vivo interesse pelo seu «faz-chichi»45. O pe­
queno Herbert, acrescentava Freud, não era, apesar disso, uma exceção
patológica: «Penso simplesmente que, não tendo sido intimidado, ele
não é atormentado por um sentimento de culpa, informando-nos,
pois, ingenuamente sobre os seus processos de pensamentos.»
Sabe-se agora que o ambiente familiar, por mais freudiano e
permissivo que fosse, estava longe de ser idílico. Os pais de Herbert
não se entendiam e a mãe fazia cenas constantemente e entrava em
depressão. Ela cuidava pouco do filho, não deixando de ter um
comportamento sedutor para com ele. E, no entanto, segundo o pai,
Herbert era uma criança muito alegre, sem preocupações: «De facto,
ele não tinha nada de particular, até à fobia.» Num dia em que Max
e Herbert estavam no jardim público, Herbert tivera medo de um
carro puxado por cavalos que estava parado à entrada e não quisera
sair. Herbert ainda não tinha quatro anos. Depois, no início de 1908,
não quis voltar a sair de casa, porque tinha medo de encontrar cavalos.
Foi aquilo a que Freud e Max chamaram a «fobia» de Herbert, que
eles tentaram submeter a uma análise segundo as regras.
Foi a primeira psicanálise infantil da História. Max fazia pergun­
tas ao filho, seguindo as diretivas de Freud, e este reescrevia as notas
que ele lhe enviava, aditando-lhes comentários teóricos da sua lavra.
À parte uma visita ao consultório de Freud no final de março de 1908,
Herbert foi, portanto, analisado essencialmente pelo pai. Segundo
a reconstrução edipiana proposta no artigo “Analyse der Phobie ei­
nes fünfjährigen Knaben”46, escrito a duas mãos por Freud e Graf,
as angústias do «pequeno Hans» (pseudônimo dado ao pequeno
Herbert) estavam ligadas ao ciúme que ele sentia pela maninha,
a desejos hostis em relação ao pai que ele queria substituir junto da

45 Wiwimacher (em alemão), palavra traduzida por widdler (em inglês) ou


fait-pipi (em francês, conforme o original desta obra) [N. TJ.
46 “Análise da Fobia de Um Menino de Cinco Anos” [N. TJ.

92
mãe, assim como ao medo de ser punido com a castração por tais
votos ilícitos. Quanto a Herbert, atribuía mais prosaicamente o seu
medo de cavalos e grandes animais a um acidente de elétrico de que
fora testemunha, durante o qual um cavalo caíra de pernas para o ar
com grande estrépito de relinchos e cascos a bater na calçada. Alguns
anos mais tarde, no início de maio, as suas angústias desapareceram
como tinham surgido, atribuindo Freud à análise o mérito disso. Para
festejar o acontecimento, Freud foi pessoalmente a casa da família
Graf levar a Herbert um belo cavalo de baloiço. «Vereis», predisse
ele, «o rapaz quererá um dia servir na cavalaria.»
Herbert cresceu sem problemas particulares. Não guardava qual­
quer recordação do seu medo de cavalos. Ignorava completamente que
fora analisado pelo pai sob a direção de Freud e imortalizado - com
o nome de «pequeno Hans» - por este. Também não sabia que a mãe
fora analisada por Freud, como comprova a sua exclamação durante
a conversa com Kurt Eissler em 1959: «Não sabia que a minha mãe
tinha feito qualquer tratamento! Nunca soube! Ainda hoje, nada sei
[desse tratamento]!» Só aos dezassete anos, na altura do divórcio dos
pais em 1920, é que Herbert descobriu o segredo familiar. Enquanto
ajudava o pai a encaixotar livros com vista à mudança de casa, abriu
por curiosidade o opúsculo de Freud sobre o «pequeno Hans» e acabou
por reconhecer-se por causa de determinados elementos biográficos
que Freud não tivera o cuidado de dissimular. Cerca de quarenta anos
mais tarde, Herbert Graf ainda ficava abalado com isso. A Eissler, que
tentava levá-lo a dizer que estava orgulhoso por ter sido a primeira
criança no Mundo a ter podido confessar os seus desejos parricidas
ao próprio pai, Herbert Graf respondeu que achava «chocante» tal
publicação e tal «roubo da sua identidade».
Em 1922, quando Herbert encetara os seus estudos, o pai incentivou-
-o a visitar Freud para que este visse aquilo em que se tinha tornado
o «pequeno Hans». Freud estava encantado: diante dele encontrava-
-se a prova viva da inocuidade e da eficácia da psicanálise infantil.
Apressou-se a acrescentar um “Epílogo” à sua história de caso, para
evocar a visita que lhe fizera esse «belo rapaz de dezanove anos» que
não sofria «de nenhuma maleita nem de qualquer inibição».

93
Estimulado pela receção calorosa que Freud fizera ao filho, Max
Graf marcou um encontro para tentar reconciliar-se com ele. Acabava
de se divorciar de Olga Hönig, não tendo, pois, qualquer razão para
estar implicado no conflito entre Freud e Adler (ver artigo sobre Olga
Hönig): «Quando cheguei, ele recebeu-me de maneira muito reservada
e pouco amável. Não consegui levá-lo a uma conversa amigável, como
costumava, e fiz-lhe a seguinte pergunta: “Diga-me com franqueza,
Senhor Professor, o que se passa para ter alterado a tal ponto o tom
e a atitude em relação a mim?” Freud respondeu: «Sim, demitiu-se
da Sociedade Psicanalítica, também não pagou as quotas que devia
e não participou.” [...] Era possível, claro. Mas vi que a conversa não
se desenrolava na antiga base de amizade e despedi-me. Só de tempos
a tempos voltei a encontrar Freud, na rua. Como é natural, saudei-o
sempre educadamente, pois a minha opinião sobre ele não mudara.
Porém, ele olhava-me de soslaio, com um olhar desconfiado.»
Entretanto, Herbert prosseguia simultaneamente estudos de mu-
sicologia, cenografia, composição de arte e canto. Durante a guerra,
vira espetáculos de Max Reinhardt em Berlim, onde passara algum
tempo em casa de uma das suas tias, e decidira fazer pelo teatro mu­
sical aquilo que Reinhardt fizera pelo teatro declamado: iria tornar-se
encenador de ópera. Depois de ter concluído, em 1925, uma tese de
doutoramento em musicologia sobre “Wagner encenador”, assumiu
as funções de cantor e encenador de ópera no Teatro Municipal de.
Münster, na Vestefália. Estava feliz por deixar Viena e tudo aquilo
que a cidade representava para ele: «Deixei um sítio muito deca­
dente. [...] E depois havia o desgosto pessoal por causa do divórcio
dos meus pais. E todos esses retratos de Hofmannsthal, Schönberg
e Freud. De certo modo, nós, jovens, deixámos Viena por oposição
a isso e viemos para a Alemanha por essa razão. [...] Tínhamos uma
espécie de aversão por todo esse mundo. - Kurt Eissler: Incluindo
a psicanálise? - Fazia parte disso.»
Longe de Viena, Herbert Graf encetou uma brilhante carreira
internacional como encenador de ópera que o levou, por fim, aos
Estados Unidos, para onde emigrou em 1934, a fim de escapar ao
nazismo. Trabalhou em Filadélfia, depois no Metropolitan Opera de

94
Nova Iorque e noutros lugares, com os maiores - Toscanini, Bruno
Walter (um velho amigo de Max Graf)? Oskar Kokoschka (outro
amigo de Max), Furtwängler, Solti, Tito Gobbi, Gottlob Frick —e
as maiores: Maria Callas, Elisabeth Schwarzkopf, Irmgard Seefried e
muitas outras. Adquiriu a nacionalidade americana em 1943 e dirigiu
temporariamente as atividades musicais da cadeia de televisão NBC.
Em 1946, foi mesmo a Hollywood dirigir cenas de ópera num filme
da MGM.
O pai e a irmã Hanna, de quem ele gostava muito, também tinham
emigrado para os Estados Unidos. Bela e inteligente, Hanna sem­
pre fora rejeitada pela mãe. Infeliz aos amores, suicidou-se durante
a guerra, sucumbindo, por seu turno, à maldição da família Hõnig.
Quanto a Herbert, casara-se em 1927 e tivera um filho, Werner,
em 1933. Liselotte Austerlitz, sua mulher, parece ter sido alcoólica
(testemunho de Harold P. Blum, diretor dos Arquivos Freud, não
confirmado por Colin Graf, neto de Herbert e Liselotte). Era,
sem dúvida, a tais «dificuldades» que Herbert Graf aludia quando
confidenciou a Eissler: «Tivemos um ou dois anos mais difíceis. Eu
próprio estive então em análise para me ajudar nessa situação. Mas
não gostei nada disso! [...] Sempre tive a sensação de que a psicaná­
lise era a coisa mais maravilhosa do Mundo enquanto pensamento e
ciência. Mas é muito facilmente um... Quero dizer, as mãos daqueles
que a utilizam não são dignas de usá-la.»
Liselotte Graf morreu no início dos anos i960, aparentemente das
seqüelas do seu alcoolismo. Herbert Graf, que voltara a instalar-se
na Europa, tornou a casar-se em 1966, com Margrit Thuering, de
quem teve uma filha, Ann-Kathryn. Esse segundo casamento parece
ter sido muito mais feliz do que o primeiro. Herbert Graf acabou
a sua carreira na Suíça. Morreu de cancro em Genebra, a 6 de abril
de I973- Nunca ingressou na cavalaria.

95
Ernst
ganzer
(1878-1914)

Este paciente de Freud foi alcunhado na literatura psicanalitica com


pseudônimos de toda a espécie («Homem dos Ratos», «Dr. Lorenz»,
«Dr. Langer»), embora o seu verdadeiro nome fosse Ernst Lanzer.
Nascido em 22 de janeiro de 1878 em Viena, pertencia à boa burguesia
judaica da cidade. A mãe dele, Rosa Herlinger, fora adotada pelos
seus primos afastados de apelido Saborsky, entrando assim numa das
grandes famílias de industriais de Viena. O pai, Heinrich Lanzer,
tinha mais dezanove anos do que a mãe. Oriundo de um meio mo­
desto da Silésia, ascendera nitidamente de escalão social ao desposar
Rosa e ao obter um cargo de responsabilidade na empresa Saborsky.
Ernst era o quarto de sete irmãos. Os membros da família Lanzer
não eram particularmente devotos e o ambiente familiar era caloro­
so. Ernst entendia-se muito bem com o pai, um homem generoso e
espontâneo, inclusive um tanto rude. Na adolescência, começou a ter
pensamentos obsessivos que associavam as suas primeiras emoções
eróticas, nomeadamente a masturbação, ao medo de que o pai morresse.
Tornou-se durante uns tempos intensamente religioso, cumprindo
de modo escrupuloso todos os ritos prescritos.
Em 1897, encetou estudos de Direito na Universidade de Viena. No
ano seguinte, uma empregada da família Saborsky suicidou-se depois
de ele ter respondido de maneira evasiva quando ela lhe perguntou
se lhe agradava. Lanzer via confirmar-se a angustiante ideia de que
os pensamentos podem matar. Na mesma altura, apaixonou-se por
Gisela Adler, uma prima pobre e enfermiça que não tinha a sorte
de agradar ao pai dele. Lanzer, de maneira não muito irracional,
começou a pensar que teria dinheiro mais do que suficiente para se

96
J
ERNST LANZER

casar com Gisela quando o pai morresse, o que aconteceu seis meses
depois, em 20 de julho de 1899, originando desde logo um intenso
sentimento de culpa no filho. Lanzer herdou 59 ooo coroas do pai,
mas nem por isso desposou Gisela.
A partir de 1901, as angústias de Lanzer tornaram-se cada vez
mais prementes, constrangendo-o a toda a espécie de rituais - nada
religiosos, desta feita - para impedir a concretização dos horríveis
pensamentos que lhe passavam pela cabeça. Assim, todas as noites
entre a meia-noite e a uma da manhã, ele precisava imperativamente
de abrir a porta do seu apartamento para deixar entrar o fantasma
do pai, após o que contemplava o pénis em ereção num espelho. Ou
então, durante um verão particularmente quente, obrigava-se a correr
sob sol sufocante, não deixando de ser atormentado por pensamentos
suicidas (degolar-se, atirar-se de um precipício). Rezava também de
modo compulsivo, proferindo fórmulas propiciatórias como Gigellsa-
men, que combinava «Gisela» e «ámen» (ou Samm, «esperma», segundo
a interpretação de Freud). Até então um estudante sem problemas, já
não conseguia passar nos exames. Gisela, indubitavelmente cansada
das suas intermináveis tergiversações, rejeitou-o várias vezes, suscitando
um intenso ciúme da parte dele. Em 1906, Ernst seguiu uma cura
de hidroterapia em Munique que lhe fez algum bem, essencialmente
porque foi o ensejo para manter uma ligação com uma jovem do
estabelecimento. Consultou igualmente o psiquiatra Julius Wagner
von Jauregg, que não lhe serviu de grande ajuda.
Em julho de 1907, Lanzer obteve finalmente o doutoramento
em Direito, após dez anos de estudos. Em agosto do mesmo ano,
enquanto participava como oficial de reserva em manobras militares
na Galícia, tornou-se vítima de um verdadeiro delírio que girava em
torno do medo de que um suplício envolvendo ratos fosse infligido
por culpa dele ao pai (falecido, todavia) e à prima querida. Tendo
ficado semidoido através de abracadabrantes «juramentos» obsessivos
que não podia respeitar, regressou a Viena, onde acabou por chegar
a Freud, cuja Psicopatologia da Vida Quotidiana47 lera.

47 Zur Psychopathologie des Alltagslebens [N. TJ.

N97
O tratamento iniciou-se numa terça-feira, i de outubro de 1907, e
durou pouco menos de quatro meses e meio, a que acresceram algu­
mas sessões isoladas. Freud, que tencionava apresentar, três semanas
mais tarde, um relatório sobre “O começo de uma história de doente”
perante os membros da sua «Sociedade das Quartas-Feiras», tomou
notas muito pormenorizadas das sete primeiras sessões. Tendo essas
notas sobrevivido, tal como aquelas, menos sistemáticas, que Freud
apontou nos quatro meses seguintes, pode-se fazer uma ideia bastante
exata do desenrolar da análise de Lanzer.
Ora, basta comparar essas notas com o relato de caso que Freud
publicou um ano mais tarde para constatar neste toda a espécie de
distorções extremamente perturbadoras. Várias vezes, Freud coloca
na boca de Lanzer interpretações que, no entanto, este explicitamente
rejeitara, como, por exemplo, a ideia de que o pai dele desposara a mãe
pelo dinheiro ou de que Ernst corria ao sol para não ser gordo (dick,
em alemão) e matar assim «Dick», um primo de quem tinha ciúmes.
Noutro ponto, Freud apresenta as suas próprias interpretações como
factos provados ou então modifica completamente os dados da análise
para fazê-los coincidir com as suas hipóteses, como quando inventa
na íntegra uma certa empregada dos correios na pequena cidade
perto da qual tinham tido lugar as manobras. Em suma, a brilhante
história de caso de Freud é uma pura construção especulativa a que
os comentários proferidos por Lanzer no divã serviram apenas de
cômodo pretexto.
O tratamento, por si só, parece, contudo, ter ajudado Lanzer.
Segundo o testemunho de uma sobrinha e de dois sobrinhos de
Lanzer, recolhido pelo historiador Anthony Stadien nos anos 1980,
na família era consensual que a sua análise lhe tinha permitido en­
contrar um emprego e casar-se. No início de abril de 1908, Lanzer
começou a trabalhar no escritório de advogados Schick. Em outubro
de 1909, após dez anos de adiamentos, ficou enfim noivo de Gisela
Adler. O casamento foi celebrado em 8 de novembro de 1910 na
grande sinagoga mourisca da Tempelgasse, em Viena.
Um ano após o final do tratamento, Freud escreveu, porém, a Carl
Gustav Jung que encontrara o seu ex-paciente e que «o local a que ele

98
ainda está agarrado (pai e transferência) se revelou distintamente na
conversa» (17 de outubro de 1909), o que parece indicar que Lanzer
não se livrara completamente dos seus sintomas. Sinal de instabili­
dade, Lanzer mudou de emprego ainda quatro vezes antes de aceder
à advocacia, em 1913, e de entrar como associado no escritório de
advogados Heller. Nunca se conhecerá a continuação. Convocado
para a frente militar na qualidade de oficial de reserva em agosto de
1914, Ernst Lanzer foi capturado pelo exército russo a 21 de novembro
e morreu quatro dias depois, provavelmente executado.

99
(1873-19??)

Freud chamava-lhe «grande paciente» e seu «tormento principal»


(Hauptplagej. Ela figura anonimamente em, pelo menos, seis dos
seus artigos e surge sob diversos pseudônimos na sua correspondên­
cia publicada —«Senhora A», nas cartas a Karl Abraham; «Senhora
H», nas cartas ao pastor Pfister; «Senhora C.», nas cartas a Jung; e
«Senhora Gi», nas cartas a Ludwig Binswanger. No entanto, trata-se
efetivamente da mesma pessoa e o seu nome, como revelou o his­
toriador Ernst Falzeder, era Elfriede Hirschfeld. O seu tratamento
prolongou-se por cerca de sete anos e teve sensivelmente 1600 horas,
o que faz dele um dos mais longos de Freud.
Elfriede Hirschfeld nasceu em 1873 e cresceu em Frankfurt. Era
a mais velha de cinco filhas. O pai, de quem ela gostava muito, não
era dotado para os negócios, e a família vivia muitas vezes com difi­
culdades. Enquanto primogênita, Elfriede sentia-se responsável pela
família e desenvolveu uma aguda consciência do dever. Aos dezanove
anos, tinha já rejeitado vários pretendentes quando se apresentou
um primo muito mais velho que fizera fortuna no comércio na
Rússia, com quem aceitou casar-se, para pôr a família ao abrigo de
necessidades, indo ambos para Moscovo. Elfriede aprendeu a amar
o marido, e o casamento foi inicialmente muito harmonioso (Freud
explicita que ela estava «sexualmente satisfeita»). Todavia, o casal não
tinha filhos. Convencida de que era responsável por esse estado de
coisas, Elfriede preparava-se para fazer uma operação ginecológica
com vista a remediar isso, quando o marido lhe confessou que tinha
ficado estéril devido a uma epididimite (infeção do aparelho genital)
contraída na juventude.

ioo
ELFRIEDE HIRSCHFELD

Chocada com essa revelação, Elfriede Hirschfeld começou a desen­


volver sintomas obsessivos que Freud atribuiria mais tarde ao desejo
frustrado de ter um filho do próprio pai. Consciente de ser responsável
pelo estado da mulher, o marido tornou-se momentaneamente débil
na cama, o que não melhorou muito as coisas. Elfriede estava agora
obcecada com a lida doméstica e a higiene corporal. Organizava toda
a espécie de rituais destinados a evitar ceder a tentações imorais ou
sexuais. Em particular, todas as noites atava a coberta da cama aos
lençóis com alfinetes de ama.
Começou então uma longa busca médica que a manteve opor­
tunamente afastada do marido. Durante anos, escreve Freud, ela foi
a «personagem principal» na clínica do Dr. Poensgen, um «instituto
de eletroterapia, cinesioterapia, banhos com agulhas de pinheiro e
água fria» em Nassau, no Palatinado. Num período de dez anos, foi
tratada por Arthur Muthmann, Pierre Janet, Ludwig Binswanger,
Robert Thomsen, Eugen Bleuler, Oskar Pfister e Carl Gustav Jung,
entre outros. Este último acabou por enviá-la a Freud, que começou
por hesitar em tratar esse «caso muito grave de neurose obsessiva».
Como diria em 1921 aos membros do seu «Comité Secreto» (a
guarda avançada dos seus discípulos): «Depois, ignorante, fiquei
bastante curioso e interessado em ganhar dinheiro para começar,
apesar de tudo, uma análise livre de constrangimentos [ou seja, sem
internamento].»
A análise iniciou-se em outubro de 1908. Para os anos 1908-1910,
não há o calendário no qual Freud anotava as suas sessões de análise,
embora saibamos que, a partir de 1910, Elfriede Hirschfeld se esten­
dia no divã nove a doze vezes por semana. Concretamente, isso quer
dizer que ela passava a maior parte do tempo no n.° 19 da Berggasse
e que a fatura dessa análise-maratona foi muito elevada. Dois anos e
meio após o início do tratamento, em maio de 1911, Freud informava
Jung acerca dos progressos da análise de Elfriede Hirschfeld: «Os seus
sintomas agravaram-se muito. Obviamente, isso faz parte do processo
[de análise], mas não há nenhuma certeza de que eu consiga fazê-la
ir mais longe. Cheguei muito perto do seu conflito central, como
mostra a sua reação.» (12 de maio de 1911).

10 1
Duas semanas mais tarde, Freud pediu a Pfister que tratasse
Elfriede Hirschfeld em Zurique durante as suas férias de verão,
o que foi feito. Depois, fez saber a Pfister que desejava «ceder-lhe
esse fardo de modo permanente (ou seja, por alguns anos). Pfister
não devia, sobretudo, incentivar a paciente a voltar a vê-lo. Foi,
porém, o que ela fez: Elfriede Hirschfeld desapareceu de Zurique
sem dar notícias no início de dezembro de 1911 e reapareceu em
Viena pouco antes do Natal. Freud tornou a tratá-la, o que parece
ter melindrado Pfister, motivando um diferendo com Jung.
Elfriede Hirschfeld gostava de se imiscuir nas boas graças de Freud
e nas pequenas intrigas do movimento psicanalítico (o que Freud
descrevia a Ludwig Binswanger como «uma necessidade de relações e
de amizade com pessoas cuja devoção por mim ela conhece»). Elfriede
informou Freud de que tinha ido ver Jung quando estava em Zurique,
aparentemente para se queixar da pouca «simpatia» que Freud lhe
manifestava e para lhe perguntar se era preciso regressar a Viena. Jung
fora bastante imprudente ao dizer-lhe que ela tinha de facto direito
a toda a simpatia do seu terapeuta e que ele lhe exprimia a sua - em
suma, aconselhara-a a ficar em Zurique e a continuar o tratamento
com Pfister e/ou com ele próprio. Freud tomou isso como uma afronta
e pô-lo secamente no seu lugar, prevenindo ambos os colegas contra
as tentações da «simpatia» e da «contratransferência»: «Deve-se antes
permanecer inabordável [com os pacientes] e insistir para receber.»
Esse foi o princípio do conflito histórico entre os dois homens, cuja
origem remonta, pois, à indiscrição de Hirschfeld.
Contudo, o prognóstico de Freud sobre o caso Hirschfeld não se
tinha alterado. Em 2 de janeiro de 1912, escrevia a Pfister: «Não há
nenhuma probabilidade de ela ser curada. [...] pelo menos, a psica­
nálise deveria aprender com o seu caso e tirar partido dele.» A Jung
afirmara, um pouco antes, que era «dever [de Hirschfeld] sacrificar-se
pela ciência» (17 de dezembro de 1911). O tratamento continuou, por­
tanto. Hirschfeld insistia em ser vigiada por enfermeiras vinte e quatro
horas por dia, para que não pudesse cometer os atos imorais em que
pensava. Em junho de 1912, Freud chamou Pfister a Viena durante
uma semana para que ele o ajudasse a «desintoxicá-la» desse hábito.

102
O tratamento terminou em janeiro de 1914... e foi retomado
em junho do mesmo ano, não se sabe por que motivo. Em julho,
foi proposto que a paciente fosse consultar Karl Abraham a Berlim,
o que ela fez. Depois, estalou a guerra, e Hirschfeld decidiu instalar­
-se em Zurique, terra neutra (o marido dela era «estrangeiro», inglês,
ao que parece). No ano seguinte, ela assediou Ludwig Binswanger
com telefonemas para que ele a tratasse, quer em Zurique, quer na
sua clínica em Kreuzlingen: «Mas ela não quer análise», explicitou
Binswanger a Freud (19 de abril de 1915), que lhe respondeu: «Ela tem
uma gravíssima neurose obsessiva, quase completamente analisada,
revelando-se incurável, resistente a todos os esforços em conseqüência
de circunstâncias excecionalmente reais, afirma ainda que depende
de mim. Na realidade, ela escapa-me desde que consegui revelar-lhe
a chave do segredo da sua doença. Analiticamente inutilizável por
quem quer que seja» (24 de abril de 1915). Hirschfeld foi internada - à
força, ao que parece - no Sanatório Bellevue de Binswanger algum
tempo depois. A partir de algumas observações feitas por Binswanger
a Freud na correspondência posterior (8 de novembro de 1921), pode
deduzir-se que ela fora «tratada por compulsão» para se desabituar
dos rituais obsessivos (os métodos utilizados na clínica de Binswanger
nem sempre eram tão suaves como pretende a lenda do fundador da
psicanálise existencial).
Elfriede Hirschfeld tentou voltar a Freud por duas vezes, em 1921
e 1922, mas ele recusou, recomendando um internamento junto de
Binswanger. A situação mudara. Devido à inflação galopante na
Áustria, Freud já só tratava doentes que pudessem pagar em divisas
estrangeiras. Como escreveu a Anna von Vest, «já quase não trato
doentes, mas analiso médicos de Inglaterra, da América, da Suíça,
etc., que querem formar-se em análise. Dessa forma, temos todos
conseguido escapar à miséria da coroa» (3 de julho de 1922). A família
Hirschfeld, por seu turno, tinha perdido uma grande parte da respetiva
fortuna na Rússia, por causa da guerra e da revolução bolchevique.
Elfriede Hirschfeld foi instalar-se com o marido no Sanatório Bel­
levue em novembro de 1921, numa das vivendas do parque onde ela
podia cruzar-se com o bailarino Nijinsky, o historiador de arte Aby

103
OS PACIENTES DE FREUD

Warburg e talvez também, no final da estada, com o seu colega de


análise Bruno Veneziani48. «Sob a pressão da situação material» (Bins­
wanger), o marido dela queria que a desabituassem de certos sintomas
demasiado dispendiosos (tratava-se certamente de prescindir do seu
exército de enfermeiras). Elfriede Hirschfeld recusou ser novamente
submetida por «compulsão», mas Freud, consultado por Binswanger,
recomendou, apesar disso, o uso da força: «Para exprimir a minha
opinião sobre o caso da Senhora Hirschfeld, penso que só se poderá
alcançar algo associando psicanálise e interdição (contracompulsão).
Lamento muito só ter disposto de uma delas nessa época, visto que
a outra só é realizável em internamento» (27 de abril de 1922).
Em 1923, Elfriede Hirschfeld ainda estava no Sanatório Bellevue,
e as coisas não tinham mudado muito: «Não creio que ela tenha
elaborado seja o que for de novo desde que o deixou. O essencial
consiste numa ruminação da análise consigo, girando tudo em torno
do marido» (Binswanger em carta a Freud, 13 de janeiro de 1923).
Parece que a paciente retornou depois disso, em 1924, ao pastor Pfis­
ter. Em junho de 1927, fez uma visita a Freud e transmitiu-lhe uma
mensagem de Pfister, o qual desejava que Freud destruísse cartas dele
relacionadas com uma ligação extraconjugal.
Depois, perde-se o rasto de Elfriede Hirschfeld. O que lhe aconte­
ceu? Em setembro de 1927, Binswanger foi visitar Freud ao Semme­
ring, onde ele passava o verão. No seu diário, Binswanger refere que
Freud «falou do caso Hirschfeld e das razões do fracasso da cura».
Teríamos gostado de saber mais sobre tais razões.

48 Ver artigo referente a Bruno Veneziani.

104
t

i^yílbert
tíir s t
(1887-1974)

Nascido em Viena a 16 de Janeiro de 1887, chamava-se, na realidade,


Albert Joseph Hirsch e só mais tarde, quando emigrou para os Estados
Unidos, é que anglicizou o seu apelido para Hirst. Conhecia Freud
desde a primeira infância, pois a mãe dele, Käthe Hirsch, não era
outra senão a irmã mais velha de Emma Eckstein, que vivia na casa
do lado com a própria mãe. Antes de a família Hirsch se mudar de
Viena para Praga em 1895, Albert e a irmã mais velha, Ada, ficavam
ali muitas vezes e cruzavam-se com Freud quando este ia tratar a tia
Emma. Avisado homem de negócios, o pai de Albert recuperara
a fábrica de papel da família Eckstein depois de Fritz Eckstein, irmão
de Emma, a ter levado à beira da falência. Tal como Albert Eckstein,
seu avô, era um progressista que pagava salários elevados aos em­
pregados. Era também membro do Bnai Brith49, onde encontrava
regularmente Freud.
Albert passou por uma crise de adolescência bastante clássica. Era
inseguro, entrava em pânico antes dos exames, escrevia poemas em
segredo e punha a si próprio insolúveis problemas morais. Também se
masturbava, o que o angustiava e o fazia temer pela sua saúde psíquica
e física (precisamente na época em que a tia Emma prevenia contra tal
prática perigosa). Apaixonou-se perdidamente por uma certa Emmy,
que o tratava com frieza. Por fim, em 1903, fez uma tentativa de suicí­
dio «insincera». Tinha dezasseis anos, idade em que não se sabe o que
se vai ser. Alarmados, os pais mandaram-no passar as férias da Páscoa
em Viena, em casa da tia Emma e da avó, para que fosse ver o amigo

49 Consultar nota 21 [N. TJ.

105
Freud, considerado —nesse círculo familiar —como um génio. Tendo
Albert perfeita consciência de estar na presença de um grande homem,
Freud não o pôs no divã. Mandou-o sentar-se numa cadeira e «adotar
a posição em que se masturbava». Depois, afirmou-lhe que a mastur-
bação não era nociva - asserção espantosa, no mínimo, dado que ele
defendia publicamente o contrário, como se vê ainda na sua “Discus­
são sobre o onanismo” 50, de 1912. (Também se sabe que ele proibia
regularmente outros pacientes de se masturbarem durante a análise, tal
como fez com Mark Brunswick e Carl Liebman.) Para o jovem Alberto,
foi um enorme alívio saber - da boca da autoridade na matéria - que
o seu prazer solitário não o condenava à neurose. Freud deu-lhe ainda
alguns conselhos sensatos, mas estava-se já no fim das férias e Albert
regressou, pois, a Praga. Mais tarde, Hirst consideraria que essa terapia
fora demasiado breve e que «não lhe fizera bem nenhum».
Hirst ambicionava ser advogado e lançar-se na política do lado
socialista, como os seus tios e tias de apelido Eckstein, mas não tra­
balhava o suficiente e teve rapidamente de interromper os estudos
de Direito. Continuava a ter problemas de autoestima, nutria um
complexo de inferioridade em relação aos brilhantes membros da
família Eckstein e a Ada, sua irmã mais velha, pensando que nunca
alcançaria nada. A isso acresciam problemas sexuais que o minavam.
Estava sempre a masturbar-se - demasiado, pensava ele - e, ao con­
trário de todos os seus amigos, não sabia entender-se com mulheres.
Afligia-o, sobretudo, uma «rara e singular forma de impotência»: não
conseguia ejacular numa mulher. Por outro lado, continuava apaixo­
nado por Emmy e aceitara um cargo bem remunerado na empresa
familiar, unicamente na esperança de poder desposá-la. Quando
Emmy e respetiva família o repeliram, o mundo dele desmoronou-se
por completo. Renegara as suas ambições e os seus ideais para nada:
«Perdi o prêmio pelo qual vendi a minha alma.» Tornava a pensar no
suicídio. Por fim, pediu aos pais que o enviassem de novo a Freud.
No outono de 1909, encontrou-se, portanto, em Viena em casa
da tia Emma. Sucedia à sua irmã Ada, que no ano anterior também

50 “Zur Onanie-Diskussion” [N. TJ.

106
fora enviada pelos pais para tratamento com Freud (que pusera fim à
análise quando se dera conta de que ela não fora vê-lo de bom grado).
Hirst já tinha começado a análise quando Emma fez uma tentativa
de suicídio e retomou o tratamento com Freud, o qual, verdadeiro
terapeuta familiar, não hesitava em partilhar com Hirst o conteúdo
das análises da tia e da irmã deste. Recusou, contudo, responder
quando Hirst lhe perguntou se Emma sofrerá um trauma sexual
durante a infância. Todos os elementos da família Eckstein eram
neuróticos, dizia ele, por causa da sífilis do avô materno de Albert.
Hirst via Freud seis vezes por semana, às nove da manhã, de
segunda-feira a sábado. Freud pedia 40 coroas por hora, valor que
Hirst achava «muito elevado para a época» (mas era o pai que pagava).
Segundo ele, Freud estava muito «interessado no dinheiro» (money-
-minded) e falava tão francamente disso como da sexualidade. Num
dia em que Hirst lhe anunciou que tinha de faltar a duas sessões
porque fora convocado pelo exército para um requisito administrativo
na Morávia, Freud questionara-se como gerir a questão dos hono­
rários. Tendo Hirst respondido que lhe parecia normal que Freud
faturasse as duas sessões como de costume, visto que a anulação não
era da sua responsabilidade, Freud felicitara-o pela sua perspicácia e
aconselhara-o vivamente a envolver-se numa carreira comercial, em vez
de enveredar pelo direito ou pela política. O pagamento das sessões
em falta tornou-se depois a regra para Freud e respetivos sucessores.
Hirst preparara-se para a análise, estudando A Interpretação dos
Sonhos51 e O Dito Espirituoso e a Sua Relação com 0 Inconsciente52.
Esperava, pois, que Freud analisasse minuciosamente o seu Édipo e
desenterrasse algum trauma esquecido. O tratamento revestiu, toda­
via, um cariz muito diferente, de facto mais próximo da psicoterapia
«persuasiva» de Paul Dubois - o rival bernense de Freud - do que da
psicanálise. Freud parece ter tentado voltar a incutir autoconfiança
em Hirst, dirigindo-lhe toda a espécie de cumprimentos: Hirst não
tinha de se censurar por ser crítico em relação à tia Emma, pois Freud

51 Consultar nota 23 [N. TJ.


52 Der Witz und seine Beziehung zum Unbewußten (1905) [N. TJ.

107
também era; ele era muito mais inteligente do que a sua irmã Ada; era
perspicaz; escrevia muito bons poemas; as interpretações que dava aos
seus próprios sonhos eram brilhantes^ etc. O analista tratava inclusive
o seu jovem paciente de igual para igual, tomando-o, por exemplo,
por testemunha de que ele antecipara na última frase do artigo “Sobre
a coca” a descoberta das propriedades anestésicas locais da cocaína
pelo seu colega e rival Carl Koller. Confidenciou-lhe também a sua
aversão pelos Estados Unidos e contou-lhe como tivera dificuldade
em encontrar lavabos em Nova Iorque. Hirst sentia-se lisonjeado.
Num dia em que Freud o incensara particularmente, saiu da sessão
«todo aturdido, a andar nas nuvens».
Freud deu-lhe igualmente «instruções». Quando Hirst fora mais
uma vez incapaz de ejacular com uma jovem que tinha encontrado,
Freud, qual moderno sex therapist, dissera-lhe que não desanimasse
e continuasse a tentar. Pouco depois, Hirst conseguira finalmente ter
um coito completo e Freud festejara o acontecimento, passando-lhe
uma receita para um supositório contracetivo vaginal, mais agradá­
vel - segundo ele - do que o tradicional preservativo inglês (a receita
figura agora na Coleção Sigmund Freud da Biblioteca do Congresso
em Washington). Por conseguinte, Hirst fornicava até dez vezes
durante as tardes de domingo que passava no hotel com a donzela,
Freud impeliu-o igualmente a tentar a sua oportunidade com uma
outra jovem, não obstante Hirst a achar menos amável, mas dessa
vez a «instrução» foi menos eficaz e Hirst não conseguiu ejacular.
Na primavera de 1910, o pai de Hirst foi a Viena ver Freud e pedir-
-lhe para pôr termo ao tratamento. (Acaso fora alertado pela família
Eckstein sobre a rutura entre Emma e Freud por causa da operação
de Dora Teleky?) Hirst regressou a Praga e continuou a trabalhar
para o pai. No final de 1911, emigrou para os Estados Unidos, a fim
de assumir um posto na sucursal nova-iorquina da empresa familiar.
(Freud, de quem fora despedir-se, desaconselhara veementemente
a sua ida para os Estados Unidos, sugerindo-lhe que fosse antes para
a América do Sul.)
Em 1913, Hirst desposou Helene, uma amiga de longa data,
com quem teve um filho dois anos mais tarde, apesar de um retorno

108
temporário das suas dificuldades ejaculatórias. O pai morreu pouco
depois do fim da guerra. A empresa familiar não sobrevivera ao colapso
do comércio com a Europa Central, e Hirst encontrou-se, no início
dos anos 1920, numa difícil situação financeira. Passou a considerar-
-se um falhado incapaz de ganhar corretamente a vida, ao contrário
de todos os homens da sua idade. Depois, num dia em que descia
a escadaria do seu prédio, notou subitamente que repetia o velho es­
quema de pensamento que outrora o inibira tanto no domínio sexual.
Decidiu então recomeçar os estudos em Direito, freqüentando
cursos noturnos na New York Law School, persistindo dessa vez.
Tendo sido o primeiro do seu curso em 1925, redigiu para o estado
de Nova Iorque uma lei que protegia os herdeiros de subscritores de
seguros de vida contra os credores, a qual foi depois adotada pela
maioria dos estados americanos. Já advogado de renome, foi eleito
presidente da Liga Americana para a Abolição da Pena de Morte e
participou ativamente na American Civil Liberties Union, concre­
tizando assim o seu velho sonho de combinar o direito e a política.
Publicou um livro (Business Life Insurance and Other Topics), assim
como várias centenas de artigos em revistas jurídicas.
Hirst considerava que só superara realmente a neurose uma dezena
de anos depois da análise com Freud, quando tomara enfim cons­
ciência do seu esquema de pensamento derrotista (da sua distorção
cognitiva, dir-se-ia hoje) e decidira pôr-lhe fim. Mostrava-se, todavia,
reconhecido a Freud por este lhe ter indicado o caminho, voltando
a inspirar-lhe autoconfiança. A admiração de Hirst pela pessoa de
Freud não era, porém, extensiva à psicanálise enquanto terapia: quando
o seu filho Albert Eric fingiu querer fazer uma análise, ele opôs-se
terminantemente a isso.
Em 1938, Hirst regressou a Viena - então ocupada pelos nazis
- para ajudar a família e os amigos a emigrarem para os Estados
Unidos. Em 1941, a sua irmã Ada foi instalar-se em Nova Iorque,
e habituaram-se ambos a almoçar juntos uma vez por semana. Na
autobiografia de Hirst, escrita em 1972, ele considerava que tivera
uma boa vida. Estava grato a Deus, à América e a Freud. Morreu
a 13 de março de 1974, em Nova Iorque.

109
Barão C~Uiktor
von ^Dirsztay
(1884-1935)

Viktor von Dirsztay, retrato pintado


por Oskar Kokoschka, c. 191o.

O escritor expressionista Viktor von Dirsztay era uma figura


familiar nos meios literários e artísticos vienenses. Esteta e boêmio,
era conhecido pelas suas excentricidades. Alguns consideravam-no
um farsante, mas Arthur Schnitzler, no seu diário, descrevia-o antes
como um «personagem muito patusco»: «Dá uma impressão cômica,
gênero letrado, ligeiramente autoirónico, não inteiramente antipático.»
Era também muito rico. O pai dele, Ladislaus (ou Laszlo) Fischl,
provinha de uma família judaica da Hungria e fizera fortuna na
banca, no comércio e nos caminhos de ferro. Fora nobilitado em
1884 e alterara logo o apelido para «Von Dirsztay». Cônsul-geral
imperial da Turquia, comprara um imponente palácio de três anda­
res no bairro diplomático de Viena, para condizer com o seu título.
Theodor Herzl, que lidara com ele no decorrer de negociações com
a administração turca, achava-o «grotesco», «absolutamente cômico».
Na sua autobiografia, o pintor Oskar Kokoschka, que estava muito
ligado a Viktor e beneficiara, em início de carreira, da generosidade
da família Dirsztay, descreve igualmente os pais de Viktor como
«novos ricos» que não percebiam nada das aspirações artísticas do
filho. Ainda segundo Kokoschka, Viktor von Dirsztay tinha vergonha
da própria família. Sofria de uma doença de pele muito incômoda e
«nem Freud, por quem foi tratado durante anos, conseguiu curá-lo,
pois a sua doença provinha do seu desprezo pela família».
O tratamento começou provavelmente no final de 1909 ou até
antes, porquanto Freud menciona, numa carta a Sándor Ferenczi
datada de 3 de dezembro de 1909, que «os pais de Dirsztay estavam
em minha casa e mostraram-se muito positivos a respeito da cura».

110
BARÁO VIK TO R VON DIRSZTAY

Pode deduzir-se daí que eram os pais de Viktor von Dirsztay que
pagavam o tratamento, tendo inclusive sido por instigação deles que
o filho fora consultar Freud. Esse primeiro trecho de análise - houve
outros dois - durou até julho de 1911. Dirsztay deitava-se no divã
até doze vezes por semana, o que faz da sua análise uma das mais
intensivas de Freud.
Paralelamente, Dirsztay publicara em 1909 uma recolha de afo­
rismos e comentários, Streichquartett53. Fizera também infrutuosas
tentativas para publicar textos no jornal satírico Die Fackel5^ e entrara
nessa altura em contacto com o seu editor, Karl Kraus, a quem votava
uma admiração próxima da idolatria. Kraus, um espírito mordaz e
cáustico, não era desconhecido de Freud. Em 1906, Freud pedira
a Kraus que o defendesse contra o seu ex-amigo Fliess, que o acusava
publicamente de ter sido cúmplice do plágio das suas ideias por Otto
Weininger, autor do livro de sucesso Geschlecht und Charakter55.
Inicialmente bastante favorável à psicanálise, Kraus tomara a defesa
de Weininger e de Freud na polêmica. Desde 1907, porém, Kraus
tornara-se cada vez mais crítico e trocista em relação à psicanálise,
o que melindrara Freud. Em janeiro de 1910, Fritz Wittels, um dis­
cípulo de Freud que era até então amigo de Kraus e partilhava com
ele os favores da jovem atriz Irma Karczewska, fez uma comunicação
na «Sociedade das Quartas-Feiras» na qual apresentava Die Fackel
como um sintoma da neurose de Kraus, com a aprovação insistente
de Freud. A guerra entre os dois campos foi abertamente declarada
quando Kraus intentou um processo a Wittels para bloquear a pu­
blicação de um vingativo romance policial no qual aquele expunha
a sua vida privada. Receoso de que esse novo escândalo prejudicasse
a imagem da psicanálise, Freud pediu então a Wittels que renunciasse
ao seu livro, razão pela qual este, furioso por ser desautorizado, deixara
a Sociedade Psicanalítica de Viena.
Pode imaginar-se a repercussão dessa turbulência em Dirsztay, for­
çosamente dividido entre o seu analista e a sua admiração desvairada

53 Quarteto de Cordas [N. T.].


54 O Facho [N. TJ.
55 Sexo e Carácter [N. TJ.
por Kraus. Em 15 de julho de 1911, apenas uma semana após o fim
(provisório) da análise com Freud, escreveu uma carta sombria e
exaltada a Kraus, que acabara de partir de férias para Ostende: «Desejo
hoje - nesta primeira noite na sua ausência cujo efeito paralisante j i
começou a fazer-se sentir, e o intenso sentimento de abandono por todas
as pessoas de espírito (mais que isso: pelo melhor espírito) leva-me
a - manifestar-lhe a minha gratidão pelo mais ínfimo pensamento que
alguma vez teve e a mínima frase que alguma vez escreveu.»
Em setembro e outubro do mesmo ano, Dirsztay publicou aforis­
mos e uma sátira na revista de arte berlinense Der Sturm56>dirigida
por um amigo de Kraus e Kokoschka, Herwarth Waiden. Dirsztay
sustentava financeiramente a revista por instigação de Kokoschka; em
contrapartida, Waiden publicava alguns dos seus textos. Em outu­
bro, Kraus fez saber a Waiden que estava profundamente «chocado»
com o facto de ele se ter deixado comprar assim e aceite publicar
tais «águas residuais»: Dirsztay era «uma pessoa totalmente original
e divertida», mas não sabia escrever. O caso era bastante sério no en­
tender de Kraus para que este anunciasse a Waiden que cortava todos
os laços com ele e a revista. Dirsztay não pôde deixar de saber desse
julgamento devastador da parte do seu ídolo literário, assim como
das suas conseqüências. Quer houvesse ou não uma relação de causa
e efeito, ele parece ter descompensado nesse mesmo mês de outubro
e ficou num hospital psiquiátrico. Nada disso, porém, beliscou a sua
devoção em relação a Kraus.
Em maio de 1913, Dirsztay encetou um segundo trecho de análise
com Freud, que duraria até 31 de dezembro de 1915. No dia a seguir
à sua última sessão com Freud, ele enviou um telegrama a Kraus:
«Estou num estado terrível [...] telefonei-lhe em vão na noite passada.»
Seguiu-se uma longa carta, na qual Dirsztay explicava por que razão
não tinha podido dizer de viva voz todo o bem que pensava do último
número da revista Die Fackel, nem assistir a uma das suas leituras
públicas: «Era uma semana antes do final do meu longo tratamento
de cinco anos, e essa altura era tão crítica que não podia distrair-me

56 A Tempestade [N. TJ.


senão com grande risco. [...] O meu tratamento terminou verdadei­
ramente a partir do início deste ano, sem que até ao momento eu
sa ib a exatamente qual é o resultado. [...] Pertenço de novo à vida,
tendo visto uma forma superior de existência durante a hora em que
lhe escrevi.» Visivelmente, Dirsztay sentia-se culpado por parecer ter
trocado Kraus por Freud, e tentava voltar a cair nas boas graças dele,
agora que a análise estava (provisoriamente) terminada. Mas um obs­
táculo invisível impedia-o de falar diretamente com ele. Freud tinha-o
proibido? Proibia-se ele próprio? Qualquer que seja a resposta, é claro
que Dirsztay oscilava de forma desconfortável entre duas fidelidades.
Durante o verão ou o outono de 1916, Dirsztay teve outro colapso
psíquico e viu-se obrigado a fazer uma cura de repouso. Em dezembro
do mesmo ano, na altura de deixar Viena por um cargo de diretor
literário no teatro Kammerspiele de Munique, enviou outra longa
carta a Kraus na qual fazia mais uma vez alusão às obscuras razões
que o impediam de ir vê-lo: «Muitas vezes procurei o caminho na
sua direção, a fim de lhe dizer adeus e poder falar-lhe uma última
vez antes da minha partida. Após uma longa luta, todavia, tive de
abandonar, pois, creia, a partida seria demasiado difícil para mim [...]
Por mais difícil que seja, não tenciono voltar a Viena durante muito
tempo e, em todo o caso, tenciono tomarprecauções a esse respeito, com
medo de enfraquecer e tornar-me vítima da tentação. Com saudade
e admiração [...]».
Um ano mais tarde, Dirsztay encontra-se no sanatório do DL
Teuscher em Weisser Hirsch, perto de Dresden. Dirigido por um
médico pacifista, esse sanatório servia de refúgio aos artistas e escritores
que simulavam perturbações psíquicas para escaparem às trincheiras.
Dirsztay encontrou ali o seu amigo Kokoschka, que lá redigia peças de
teatro, assim como o poeta expressionista Walter Hasenclever, a quem
ofereceu o seu livro Lob des hohen Verstandes 57, que acabava de ser
publicado na primavera, com ilustrações de Kokoschka, assim como
um exemplar da Psicopatologia da Vida Quotidiana, de Freud, com
a seguinte dedicatória: «Ao meu querido Walter Hasenclever num

57 Louvor da Elevada Inteligência [N. TJ.

113
momento de grande necessidade quando sob tortura decidi, homem
naufragado, passar uma vez mais um período de intenso trabalho
com o Mestre deste livro, em melancólico humor de despedida e em
pleno conhecimento do facto de eu vacilar sempre no escuro e longe
de mim mesmo, seu pobre e fiel vizinho de quarto no sanatório, na
esperança de que pense nele de vez em quando! V. D., 27.10.17».
Dirsztay retomou o tratamento com Freud em 3 de dezembro
de 1917. Esta terceira análise durou dois anos e um quarto, até 3 de
março de 1920. Foi interrompida (?) durante duas semanas por uma
estada de Dirsztay no Cottage-Sanatorium de Rudolf Urbantschitsch.
Durante todo esse tempo, Dirsztay continuou a abster-se de ver Kraus,
Em 1918, escreveu-lhe que o seu estado era «insuportável» e que era
necessário ficar sozinho com o seu infortúnio: «Pode imaginar, meu
caro Senhor Kraus, quanto me custa não ir às suas leituras - os dias
em que se realizam são para mim os mais sombrios!»
Segundo as estimativas de Ulrike May, que reconstituiu minucio­
samente a biografia e o tratamento de Dirsztay, a sua análise em três
trechos foi uma das mais longas de Freud: 1400 horas num cálculo
por baixo. Ignora-se tudo acerca do respetivo conteúdo, a não ser que,
numa carta endereçada ao seü «caro Barão» em junho de 1920, Freud
fazia alusão à «conquista obtida até agora sobre o seu masoquismo».
Queria ele dizer com isso um masoquismo sexual - como aventa
Kurt Eissler numa nota depositada na Biblioteca do Congresso - ou
- como é mais verosímil —um masoquismo moral? Seja como for,
a «conquista» em questão não parece ter feito avançar muito Dirsztay.
Em junho de 1920, ou seja, quatro meses após o fim do tratamento,
ele estava de novo numa clínica privada para perturbações nervosas
em Mariagrün, perto de Graz, donde solicitou a Freud que voltasse
a analisá-lo. Freud declinou o pedido e indicou Dirsztay a Theodor
Reik, decerto porque este se interessava pelo masoquismo e tinha
sensibilidade literária.
Neste caso, também nada se sabe dessa análise, exceto que
o romance que Dirsztay publicou em 1923, Der Unentrinnbarem, é

58 O Incontornável.

114
dedicado «Ao Dr. Theodor Reik com gratidão». O próprio romance
é uma clássica história de duplo, visivelmente inspirada pelo artigo
de Freud sobre “A Inquietante Estranheza” 59: o herói sofre uma
despersonalização e reencontra o seu «si» sob a forma de outro perso­
nagem —o Incontornável - , até ao momento em que este se suicida
e o arrasta na sua morte. Schnitzler, que no seu diário escreveu que
Dirsztay tentava assim «libertar-se» de «um “duplo eu” de há vinte
anos», julgava «snob» e «fracote» o romance.
Dirsztay já não tinha dinheiro, uma vez que o final do Império
Austro-Húngaro provocara a ruína da sua família. Em 1924, despo-
sou Klara Unreich, uma ex-bailarina de trinta e cinco anos. (Antes,
tivera uma ligação com a jornalista de moda Ea von Allesch, o que
causara ciúmes ao amante desta, Hermann Broch.) Aquele a quem
o colega de psicanálise Sergius Pankejeff chamava «barão judeu» já
não era mais do que a sombra de si mesmo: «Ele estava muito gordo
quando o vi no gabinete de consulta [de Freud], estava vestido com
elegância e parecia normal. Mas, logo após a guerra, tinha muito má
cara e estava com uma mulher impossível. Via-se que atingira um
completo estado de deterioração, que por uma razão ou por outra
não curara» (Pankejeff, conversas com Karin Obholzer).
Em 1925, Dirsztay endereçou uma longa carta a Kraus na qual
confidenciava que todas as noites andara de um lado para o outro
diante da sua casa, pois tinha de revelhar-lhe um «terrível segredo»:
«O que tenho a dizer e relatar é, no entanto, tão monstruoso, tão
diferente de tudo o que já teve lugar que é infinitamente difícil trazê-lo
à luz. [...] durante longos anos estive completamente perdido, morto,

sem dar o mínimo sinal de vida a quem quer que seja —relações ou
amigos. Ninguém sabe - nem vivalma desconfia - do que aqui se
passou e convinha que me mantivesse calado - mais morto do que
os mortos na tumba.» O que o mantivera vivo fora o desejo «de trazer
ao conhecimento das pessoas o incompreensível que aqui teve lugar
e notificá-las para que repar(ass)em 0 crime que, ano após ano, foi
publicamente cometido contra mim, todos os dias, a todas as horas.

59 “Das Unheimliche” [N. TJ.

115
E agora pronunciei a palavra: trata-se de um crime —um infame
assassínio de alma que deixaram perpetrar impunemente em relação
a mim com o conhecimento de toda a gente, ano após ano. - Estive
tão enfeitiçado, a minha alma estava tão embaraçada e obcecada que
só há um ano é que opavoroso esclarecimento me chegou e só há pouco
tempo compreendi o que sucedeu! [...] Agora, parece que as minhas
forças estão no fim - já não posso ficar calado - já não quero ficar
enterrado - não posso determinar quando virá o dia em que lhe
falarei como ao Primeiro Homem - mas sinto que já não está longeU
Será, todavia, preciso esperar ainda seis anos para que Dirsztay
revele, enfim, a natureza exata do «assassínio de alma» de que fora
vítima («assassínio de alma» era um termo do delírio do presidente
Schreber, que Dirsztay conhecia forçosamente pelo artigo que Freud
lhe consagrara). Em 1931, Dirsztay endereçou uma carta ao advogado
de Karl Kraus, Dr. Oskar Samek, para se justificar por ter vendido
manuscritos que Kraus lhe oferecera (também vendera um manuscrito
de Richard Strauss e uma carta de Freud, o que originou um bilhete
trocista de Kraus no qual este felicitava - sem o nomear - Dirsztay
por se ter protegido da psicanálise ao vender a «receita» de Freud).
Dirsztay explicava o seu gesto pelo facto de estar doente, viver na
miséria e ter também «de cuidar de uma outra pessoa». A partir de
então, só lhe restava vegetar «até que seja libertado desta vida, então
- como convém que saibais - preparei para o próprio Karl Kraus (sob
a forma de legado) a explicação exata da minha tragédia (<destruídopela
análise) assim como a declaração do meu deslumbramento e amor (a
partir dos últimos quinze anos sensivelmente) - uma admiração que
neste documento descrevi como o único ganho desta vida, a minha,
que foi destruída por um charlatão. (O meu caso está nitidamente
descrito neste documento.)».
O documento em questão não sobreviveu, de modo que temos
de nos cingir às hipóteses acerca da identidade do «charlatão»
responsável pelo inominável «assassínio de alma» sofrido por
Dirsztay. Seria Theodor Reik, que fora efetivamente acusado de
charlatanismo em 1924 e proibido de exercer em fevereiro de 1925,
dois meses antes da carta a Kraus na qual Dirsztay evocava o seu

116
recente «esclarecimento»? Ou o próprio Freud? Ou ambos? O facto
de Dirsztay falar de «análise» e de um crime perpetrado «ano após
ano» e «todos os dias» parece antes indicar que ele incriminava
o processo analítico enquanto tal, o qual o afastara do resto do
mundo e, em particular, de Kraus.
Em 6 de dezembro de 1935, o barão Viktor von Dirsztay decidiu
acabar de vez. A mulher, que estivera várias vezes internada no decur­
so dos anos, acabava precisamente de voltar do hospital psiquiátrico
Steinhof. Abriram o gás. Uma nota deixada na mesa da cozinha dizia:
«Por consentimento.» Os jornais fizeram-se amplamente eco do óbito
desse personagem bem vienense, apaixonado por música e psicanálise.
À respetiva notícia deu o diário Reichspost o seguinte título: «Fim
trágico de um discípulo de Freud». Kraus calou-se, por uma vez.

117
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Sergius Pankejeff e a futura esposa Teresa, 191O.

Freud dera-lhe a alcunha de «Homem dos Lobos», por causa do


conteúdo de um dos seus sonhos, mas ele chamava-se, na realidade,
Sergius (Serguei) Konstantinovitch Pankejeff. Nascido em 6 de janeiro
de 1887 perto de Kherson, na Ucrânia, pertencia a uma família de
grandes proprietários de bens imóveis. Diz-se que o seu avô paterno
era um dos homens mais ricos do Sul da Rússia. O pai, Konstantin
Pankejeff, possuía uma casa palacial em Odessa, uma propriedade no
Sul da Rússia e outra de 13o Ooo hectares numa região selvagem da
atual Bielorrússia, onde a família passava a maior parte dos verões.
Konstantin Pankejeff organizava aí grandes caçadas a lobos e dançava-se
à noite em roda dos despojos (encontram-se na Biblioteca do Congresso
várias fotos do jovem Sergius de pé com a mãe e a irmã diante de uma
pilha de animais mortos).
Konstantin Pankejeff, que era magistrado, fora elevado à categoria de
«nobre», dvorjanine. Era um homem inteligente e culto, que tinha um
gosto muito apurado (possuía dois quadros de Kandinsky do período
pré-abstrato). Editava uma revista liberal, O Correio do Sul, e apoiava
financeiramente o Partido Constitucional Democrático, um movimento
situado à esquerda dos Outubristas. Também sofria de acessos de depressão
profunda que combatia com copázios de álcool que o deixavam a cair
de bêbedo (o psiquiatra e psicanalista russo Moshe Wulff, que o tratara
numa clínica, qualificava-o delicadamente de «dipsómano»). Ficou várias
vezes na clínica de Munique do grande psiquiatra (e adversário de Freud)
Emil Kraepelin, que lhe diagnosticou uma psicose maníaco-depressiva.
Outros membros da família de Pankejeff sofriam igualmente de
perturbações psíquicas. O avô paterno de Sergius morrera alcoólico.

118
SERGIUS PANKEJEFF

A mulher dele, Irina Petrovna, caíra em depressão após a morte da


filha única e parece ter-se suicidado com medicamentos. Pedro, um
dos tios paternos de Sergius, desenvolveu um delírio paranoide e teve
de ser internado antes de acabar a vida como eremita em terras da
Crimeia (Sergius herdou a sua fortuna após a morte dele). Dois pri­
mos maternos, que viviam no palácio com a família Pankejeff, eram
tratados por esquizofrenia por Moshe Wulff. Anna, irmã mais velha
de Sergius, suicidou-se em 1906 no local onde Lermontov morrera
em duelo. Após o suicídio da filha, Konstantin Pankejeff decidiu
honrar a memória dela, fundando um hospital para perturbações
nervosas que tem o seu nome. Quanto à mulher, isolou-se num luto
interminável. Depois, em 1908, Konstantin Pankejeff pôs fim aos
seus dias, tomando uma dose excessiva de veronal.
Pouco depois da morte da irmã, Sergius Pankejeff também come­
çou a sofrer de acessos de depressão, no seu caso acompanhados de
ruminações obsessivas que o tornavam incapaz de tomar decisões.
Em Sampetersburgo, onde estudava Direito, foi ver o neurologista
Vladimir Bechterev, que diagnosticou uma «neurastenia» e tentou,
em vão, «dessugeri-la» sob hipnose (aproveitou também para suge­
rir, de passagem, que o pai de Pankejeff subsidiasse um instituto de
investigações que ele queria fundar). Pankejeff interrompeu os estu­
dos e encetou, desde então, uma existência de «neurótico dourado»,
viajando de especialista em especialista para tentar escapar à sua
melancolia. Ficou na clínica de Kraepelin em março e no outono
de 1908. Kraepelin, que conhecia os seus antecedentes familiares,
diagnosticou um estado maníaco-depressivo hereditário. Pankejeff
foi depois tratado nas clínicas de dois outros adversários de Freud,
Adolf Friedländer (em Frankfurt, inverno de 1908-1909) e Theodor
Ziehen (em Berlim). Depois regressou a casa (em Odessa).
Aquando da sua primeira estada na clínica de Kraepelin, Pankejeff
apaixonara-se por Teresa Keller, uma mulher divorciada e mais velha
do que ele. Teresa tia uma uJL muiner, mas provim** am meio
modesto e não era muito educada. A mãe de Pankejeff, a sua família
e os seus médicos opunham-se firmemente a essa ligação. Paralisado,
Pankejeff não conseguia decidir-se: era preciso romper com Teresa ou

119
voltar para ela (em Munique)? Ele decidiu nada decidir e consultar
o famoso psicoterapeuta (e rival de Freud) Paul Dubois (em Berna).
Leonid Drosnes, o médico pessoal que o acompanhava, ouvira falar
de Freud através de Moshe Wulff e propôs que parassem em Viena
para uma consulta. Freud, decerto encantado por ver chegar ao seu
gabinete um paciente tratado em vão por vários dos seus adversários,
convenceu-o a ficar em casa dele, prometendo-lhe que poderia ir ter
com Teresa após o tratamento (era aquilo a que ele chamava «avanço
rumo à mulher», expressão que magoara muito Pankejeff).
O tratamento começou em fevereiro de 1910. Mais tarde, a psi­
canalista Ruth Mack Brunswick e Ernest Jones (biógrafo de Freud)
afirmariam que Pankejeff estava num estado de total colapso psíquico
quando chegou a casa de Freud, ao ponto de precisar de ser ajudado
pelo seu criado para se vestir. Isso tinha o condão de irritar Panke­
jeff quando idoso: «É um absurdo», declarou ele à jornalista Karin
Obholzer que o questionou a esse respeito nos anos 1970. Numa
«avaliação» da sua análise escrita em 1970 a pedido da psicanalista
Muriel Gardiner, ele escrevia: «O meu estado emocional já melhorou
muito sob a influência do Dr. D[rosnes], da viagem de Odessa a Viena,
etc. Na realidade, o professor Freud nunca me viu num estado de
depressão profunda.» Se ele estava em casa de Freud, era unicamente
para ter autorização médica para tornar a casar com Teresa. Freud
teria decerto concordado com isso, pois rejeitava, no seu relato de
caso, o diagnóstico de estado «maníaco-depressivo» feito por «quem
de direito» (Kraepelin). Para ele, Pankejeff sofria de uma neurose
obsessiva, seqüela de uma anterior «neurose infantil».
A primeira decisão de Freud foi enviar Pankejeff ao Cottage-
-Sanatorium (para perturbações nervosas, de Rudolf Urbantschitsch,
um correligionário da psicanálise), aonde foi visitá-lo durante seis
semanas. A segunda foi proibi-lo de ver Teresa e desposá-la enquanto
ele não lhe desse autorização expressa. (Pelas cartas de Teresa, que
estava grata por isso, sabe-se que Freud permitiu que ela o visitasse
em 1911 e 1912.) Pankejeff não devia ter filhos: quando Teresa ficou
inesperadamente grávida, Freud exigiu que ela abortasse (a operação
tornou-a estéril). Pankejefftambém não estava autorizado a deixar Viena

12o
durante a análise: «Mas recordo-me, quis uma vez ir a Budapeste, um
ou dois dias, mas Freud não me deixou ir [...] “Há muitas mulheres
belas em Budapeste; lá podereis apaixonar-vos por uma delas!” [...]-
Eissler: Porque é que o Professor não queria que ficasse apaixonado?
- Pankejeff: Ora bem, creio que ele pensava que o tratamento não
avançaria mais» (conversa com Kurt Eissler em 30 de julho de 1952).
Pankejeff via Freud seis vezes por semana (às vezes mais), à razão
de 40 coroas por hora. Para dar uma ideia do que representava esse
montante nessa época, Pankejeff explicava a Karin Obholzer que 40
coroas correspondiam a três vezes e meia o preço de um dia num
sanatório de primeira classe, tratamento e médico incluídos (ou seja,
cerca de 1350 euros atuais, se nos basearmos nos preços praticados
num estabelecimento equivalente em Paris): «Muito caro. [...] O in­
conveniente da psicanálise reside certamente no facto de ela poder
apenas entrar em linha de conta para os ricos.» Porém, para Pankejeff,
o dinheiro não contava e, graças a essa «feliz constelação de factos»
(Freud), a análise pôde desenrolar-se «fora do tempo», sem ser limi­
tada por uma «ambição terapêutica de vistas curtas» (ainda Freud).
Confiando nas promessas de Freud, Pankejeff acreditara que tudo seria
rapidamente resolvido, mas efetivamente a análise durou muito mais
tempo do que o previsto - quatro anos e cinco meses, mais exatamente.
Assim, Pankejeff assentou arraiais em Viena com Drosnes e um criado.
Também havia um estudante que Drosnes trouxera da Rússia para dar
clisteres a Pankejeff, que efetivamente sofria de prisão de ventre crônica
desde que Drosnes lhe receitara uma dose excessiva de calomelanos
para remediar um problema de diarréia. (Muito rapidamente, Freud
mandou suspender os clisteres, por causa do seu cariz «homossexual»,
e o estudante ficou sem nada para fazer.) Passava o tempo como podia.
Pankejeff estudava com afinco o seu Direito, com vista a passar nos
exames quando regressasse à Rússia. Tinha também lições de esgrima
com um mestre de armas italiano. A noite, ia ao teatro judaico (com
Teresa, quando esta veio ter com ele a Viena para o fim da análise) ou
jogava às cartas com Drosnes e o estudante até tarde. Drosnes, por
seu turno, assistia às sessões da Sociedade Psicanalítica de Viena (ao
regressar à Rússia, estabelecer-se-ia como psicanalista). Eram bons

12 1
tempos: «Quando estava em tratamento com Freud ia muito bem.
Sentia-me bem. íamos a cafés, ao PrateL Era uma vida agradável»
(conversas com Karin Obholzer).
Do ponto de vista de Freud, em contrapartida, a análise arrastava-
-se: «O paciente [...] entrincheirou-se durante muito tempo numa
atitude de amável indiferença. Ouvia, compreendia - e não deixava
que se aproximassem mais.» A Moshe Wulff, que lhe perguntou, em
1912, como corria a análise de Pankejeff, respondeu Freud: «Mal - e
sabeis porquê? Para mim, o rapaz é tão simpático.» Em outubro de
1913, desejoso de produzir um caso expositivo suscetível de contra­
riar as teses heréticas de Adler e de Jung, Freud acabou, todavia, por
precipitar as coisas e impôs uma data-limite para o tratamento. Ob­
teve num tempo recorde, diz-nos ele, «todo o material que permitia
a resolução das inibições e a interrupção dos sintomas do paciente»,
nomeadamente a famosa «cena primitiva» durante a qual o pequeno
«Homem dos Lobos», com um ano e meio de idade, teria podido
observar do berço os prazeres amorosos dos pais.
Quanto a Pankejeff, não notara nenhuma mudança particular*
Ele também não estava convencido da realidade da «cena primitiva»
postulada por Freud, da qual não tinha qualquer recordação. Assim, em
1930, Ruth Mack Brunswick notava que Pankejeff «tentara convencê-la
de que não existia a realidade que a sua análise lhe impusera» (texto
datilografado, 2 de fevereiro de 1930). Não importa, porém, visto
que Freud considerava que a análise estava terminada e que Pankejeff
podia agora desposar Teresa. A última sessão de análise teve lugar
em 10 de julho de 1914. Freud sugerira que o paciente lhe desse uma
prenda, «para que o sentimento de gratidão não se torne demasiado
forte» (conversas com Karin Obholzer). Pankejeff ofereceu-lhe, pois,
uma estatueta egípcia representando uma princesa, uma verdadeira
peça de museu. Pankejeff planeara viajar em seguida com Teresa,
mas a guerra estalou em 29 de julho e ele teve de voltar para Odessa.
Teresa foi de Munique ter com ele, e casaram-se pouco depois.
O império czarista desabou em fevereiro de 1917. Pankejeff apro-*
veitou a ocasião para se tornar membro do Partido Constitucional
Democrático, tal como o pai. Durante o período conturbado que se

122
seguiu à Revolução de Outubro, Odessa esteve sucessivamente sob
o controlo da República Popular da Ucrânia (aliada aos Impérios
Centrais contra o Exército Vermelho), do exército francês, do Exército
Branco e da República Soviética de Odessa. Em março de 1918, Odessa
foi recuperada pelos Impérios Centrais, em aplicação dos acordos de
Brest-Litovsk concluídos com os bolcheviques. Pankejeff aproveitou
para ir ter com Teresa a Friburgo, onde ela fora acompanhar a agonia
da sua filha Else, vítima de tuberculose.
De caminho, parou em Viena, no final de abril de 1919, para visitar
Freud. O Império Austro-Húngaro estava então em plena decomposição.
Os comunistas marchavam nas ruas de Viena, havia falta de dinheiro,
reinava a fome. Segundo o seu próprio testemunho, Pankejeff estava
nessa altura «profundamente satisfeito com a [sua] condição mental e
afetiva», mas Freud decidiu que a crônica prisão de ventre de Panke­
jeff constituía um resto transferenciai inanalisado, e recomendou um
segundo trecho de análise. Pankejeff não sabia resistir ao Professor.
Foi, pois, com Teresa a Munique enterrar Else e regressou a Viena em
novembro, em vez de voltar a Odessa —que estava agora sob controlo
inglês, devido à derrota dos Impérios Centrais - para se ocupar da
família e dos negócios. Deu-se aquilo a que Pankejeff mais tarde cha­
maria «a catástrofe»: enquanto Freud e ele procuravam as razões da sua
prisão de ventre, o Exército Vermelho entrou em Odessa, em fevereiro
de 1920, e os bolcheviques apreenderam todos os seus bens. «A razão
mandava-me regressar a casa e pôr em ordem os meus negócios. Disse,
portanto, a Freud: “Gostaria de partir para resolver questões de dinheiro.”
Porém, ele respondeu-me: “Não, ficai aqui. Ainda tendes de liquidar
isto e aquilo.” E eu fiquei, e deixei passar o tempo. Quando, depois,
me dirigi aos Ingleses, disseram-me: “Não se concedem mais vistos,
o Exército Vermelho já está em Odessa”» (conversas com Obholzer).
A análise, pela qual Freud não se fez pagar, findou em 17 de março
de 1920. A partir de então, Pankejeff estava sem dinheiro, sem meio
de subsistência (mas sempre com prisão de ventre, conquanto Freud
afirmasse, numa nota acrescentada em 1923 à sua história de caso,
que esse «pedaço de transferência» fora «liquidado em alguns meses
de trabalho»). Freud, que já só recebia pacientes capazes de pagar em

123
divisas estrangeiras, dava-lhe, de vez em quando, alguns dólares ou
libras inglesas para sustentá-lo. Pankejeff rejeitava, contudo, a «fábula»
(termo seu) segundo a qual Freud teria organizado uma coleta anual
entre os analistas para o ajudar a suprir as suas necessidades. De resto,
ele encontrou rapidamente emprego (como jurista numa companhia
de seguros), que manteria até à reforma. Veio a ser especialista em
direito do seguro de responsabilidade civil, matéria sobre a qual
publicou um artigo em 1939.
No início do ano de 1924, Pankejeff, que se preocupava muito com
a sua aparência, começou a alimentar preocupações hipocondríacas
a propósito de pontos negros e pequenas protuberâncias no nariz. Montou
o cerco a um dermatologista recomendado por Freud, o Dr. Ehrmann,
que fez várias intervenções, nenhuma das quais satisfez Pankejeff. En­
tretanto, recebeu, em junho de 1926, uma carta de Freud, o qual lhe
pedia que certificasse por escrito que tivera o seu famoso «sonho com
lobos» quando era criança. Com efeito, Otto Rank acabava de publicar
Das Trauma der Geburt60, no qual pretendia que os cinco a sete lobos
do sonho de Pankejeff reproduziam, de facto, as fotos dos sete discípulos
de Freud pendurados na parede do gabinete dele. Na volta do correio,
Pankejeff confirmou que Rank se enganava e que o seu sonho datava
efetivamente da infância, o que permite que Sándor Ferenczi, num feroz
relatório, torpedeie a tese herética do seu ex-amigo Rank. Nos dias que
se seguiram à carta de Freud, Pankejeff teve uma crise hipocondríaca
aguda. Convencido de que uma eletrólise feita pelo doutor Ehrmann iria
deixá-lo desfigurado para sempre, observava compulsivamente o próprio
nariz num pequeno espelho, para seguir a evolução das cicatrizes.
Freud, que ele foi consultar, recusou voltar a analisá-lo e enviou-
-o à discípula Ruth Mack Brunswick. O tratamento durou quatro
meses, e Mack Brunswick diagnosticou-lhe paranóia. Pankejeff, que
temia acabar como o seu tio Pedro, rejeitou o diagnóstico e decidiu
recuperar: «Então aí, juntei todas as minhas forças para não voltar
a ver-me ao espelho; superei, de uma maneira ou de outra, as minhas
ideias fixas. Isso durou alguns dias. Ao fim de alguns dias, acabara.

60 O Trauma do Nascimento [N. TJ.

124
[...] Creio que alcancei um tão grande êxito com a Senhora Mack
porque me insurgi contra os psicanalistas e tomei eu próprio uma
decisão» (conversas com Obholzer).
Pankejeffnão tinha, contudo, acabado de vez com os psicanalistas. Em
1930, retornou a Mack Brunswick para que ela o ajudasse a decidir (tal
como Freud nessa época) se devia ou não deixar a mulher para se juntar
a uma mais nova que o assediava. Houve ainda outros trechos de análise
com Mack Brunswick durante os anos 1930, provavelmente ocasionados
pelas depressões em que Pankejeff regularmente se afundava. Em 1938,
na altura da Anschluss, Pankejeff atravessou uma crise maior provocada
pelo suicídio da mulher, que estava deprimida há muito tempo e parece
ter sido arrastada pela vaga de suicídios entre os judeus vienenses que
queriam escapar aos nazis (Pankejeff questionava-se, aliás, se ela não
lhe tinha ocultado origens judaicas.) Já não estando Mack Brunswick
em Viena, Pankejeff, num estado de extrema agitação, foi bater à porta
de Muriel Gardiner, uma milionária americana que fizera uma análise
didática com Mack Brunswick e a quem no passado ele dera lições de
russo. Casada com o líder socialista revolucionário Joseph Buttinger,
Gardiner - com o nome de código «Marie» - fazia parte de uma rede
clandestina que ajudava a sair da Áustria os militantes antifascistas. Ela
conseguiu arranjar a Pankejeff um visto para Paris, onde ele foi ter com
Mack Brunswick, no início de agosto, para sessões diárias de análise em
casa da princesa Marie Bonaparte. Daí seguiu Mack Brunswick para
Londres, onde Freud acabava de se instalar com a família. Segundo
o testemunho de Paula Fichtl, fiel criada de quarto de Freud, Pankejeff
foi por três vezes visitar o seu ex-analista: «Tomavam chá juntos e tinham
uma longa conversa. Depois disso, o professor ficava sempre terrivelmente
cansado.» No final de agosto, Pankejeff regressou a Viena relativamente
acalmado. Agora que Teresa já não estava lá, mandou a mãe vir de Praga
para viver com ele. A Segunda Guerra Mundial estalou um ano mais
tarde, em 3 de setembro de 1939.
Em 1946, Gardiner e Pankejeff reataram contacto por intermédio de
um amigo comum, Albin Unterweger. Em Nova Iorque, Ruth Mack

61 Consultar nota 39 [N. TJ.

125
Brunswick, que era morfinómana, acabava de morrer de uma sobre-
dose de opiáceos; a partir de então, Gardiner passava a ser o principal
contacto psicanalítico de Pankejeff, com quem manteve uma volumosa
correspondência até à morte. Ela enviava-lhe roupas e comida dos Es­
tados Unidos (os famosos pacotes CARE62), e Pankejeff agradecia-lhe
pontualmente, com uma caligrafia grande e cuidada, mantendo-a ao
corrente dos mínimos pormenores do seu estado de saúde.
Ele estava menos hipocondríaco do que antes da guerra, mas sempre
com prisão de ventre e sujeito a acessos de depressão e de ruminação
obsessiva. As depressões tornaram-se quase crônicas a partir da sua
passagem à reforma (em maio de 1950) e da morte da mãe (em 1953).
Sentia-se velho e inútil. Em 1951, teve de novo uma crise mais aguda.
Pankejeff, que se deslocara aos arredores de Viena para pintar uma
paisagem, embrenhou-se por engano na zona soviética e foi intercetado
por soldados russos. Foi libertado após quatro dias de interrogatórios,
mas o episódio tinha-o deixado num estado de pânico de ser novamente
detido. Quando Kurt Eissler, secretário dos Arquivos Freud, foi pouco
depois a Viena para o entrevistar, encontrou-o num estado indescritível,
a soluçar e a tremer todo. Eissler explicou-lhe que ele não tinha nada
a temer, porquanto estava na zona aliada, pelo que Pankejeff se acalmou
instantaneamente, tal como na altura da análise com Mack Brunswick.
Eissler habituou-se a vê-lo diariamente durante as suas férias de verão
em Viena para «conversas analíticas» que registou para os Arquivos
Freud durante um certo tempo. Eissler negava agir nessa ocasião na
qualidade de psicanalista, mas o próprio Pankejeff considerava que se
tratava de sessões de análise. Eissler mandou igualmente Pankejeff ser
examinado por um especialista no teste de Rorschach, o psicanalista
Frederick Weil, que diagnosticou uma perturbação ciclotímica - por
outras palavras, um estado maníaco-depressivo, como bem dissera
Kraepelin. Por sua vez, Gardiner enviava regularmente a Pankejeff
«pílulas milagrosas» (Dexamil) que o ajudavam a superar as depressões:
«A minha única consolação, cara Frau Doktor, encontra-se atualmente

62 Acrônimo da organização fundada no pós-guerra como Cooperative for


American Remittances to Europe, cuja designação atual é Cooperative for Assis-
tance and Relief Everywhere [N. TJ.

126
nas suas pílulas, que são a única coisa capaz de melhorar o meu humor»
(Pankejeff em carta a Gardiner, 27 de outubro de i960).
Em 1955, tendo-se agravado de novo o estado de Pankejeff, Eissler
enviou-o ao presidente da Sociedade Psicanalítica de Viena, Alfred von
Winterstein; depois, quando este se reformou em 1957, ao seu sucessor,
Wilhelm Solms-Rödelheim, que o tratou praticamente até ao fim. Win­
terstein e Solms viam Pankejeff uma vez por semana e faziam-se pagar
diretamente pelos Arquivos Freud - na realidade, por Muriel Gardiner,
que ajudava financeiramente Pankejeff por intermédio de Eissler.
Gardiner pagava também os impostos de Pankejeff, e Eissler fazia-
-lhe chegar uma renda mensal (5 ooo xelins austríacos), que servia, no
essencial, para satisfazer as exigências financeiras cada vez mais pre­
mentes de Franziska (Franzi) Bednar, uma mulher com quem Pankejeff
mantinha uma relação neurótica desde o início dos anos 1950. Em
1954, Bednar ameaçara deixar Pankejeff se ele não a desposasse e este,
por fraqueza e indecisão, cedera momentaneamente ao seu ultimato.
Tendo recuperado, ele rompera a promessa de casamento alguns
dias mais tarde, embora se sentisse obrigado a compensar financeira­
mente Bednar, para quem transferiu, por conseguinte, um terço dos
seus rendimentos. Nenhum argumento racional conseguia convencê-
-lo a romper com Bednar, que ameaçava constantemente fazer um
escândalo público se ele deixasse de pagar, de modo que Gardiner e
Eissler acabaram por saldar a fatura. Era preciso proteger o «Homem
dos Lobos», assim como o seu anonimato.
O cordão sanitário criado em torno de Pankejeff não se estendia,
contudo, aos psicanalistas. Richard Sterba, Alfred Lubin e Leo Rangell
vieram de longe para encontrar o «Homem dos Lobos» em carne e
osso. Outros, como Alexander Grinstein, encomendavam-lhe através
de Gardiner quadros representando o seu «sonho com lobos» que ele
executava em série utilizando um decalque. Em breve, todos os membros
da Associação Psicanalítica Internacional quiseram ter um Wolfsbild63
na parede do respetivo salão (Pankejeff bem tentava vender-lhes também
as suas pinturas de paisagens, mas estas tinham menos êxito.)

63 «Retrato de lobo» [N. TJ.

127
Pankejeff sentia-se lisonjeado com toda essa atenção. Considerava-
-se, aliás, mais como um colega dessas pessoas do que como um
«caso». Em 1970, Albin Unterweger relatava a Gardiner que Pan­
kejeff, quando Eissler gravara as suas conversas para os Arquivos
Freud, «ficara um pouco magoado pela atitude do Dr. E[issler].
Parece-me que o nosso amigo tinha nessa altura a impressão de que
era apenas tido como um ex-paciente e não como uma pessoa que
podia, pensava ele, dar à disciplina um contributo positivo» (outubro
de 1970). Com efeito, desde a guerra, Pankejeff escrevia artigos de
inspiração psicanalítica sobre assuntos tão diversos como a liberdade
humana, o marxismo, a arte, Aubrey Beardsley64 ou «Poe, Baudelaire
e Hölderlin». Um desses artigos - “Die Kunst im Lichte der Tie­
fenpsychologie Freuds”65 - surgiu em 1950 e 1951 em dois números
da revista vienense Kunst ins Volk 66, sob o pseudônimo de «Paul
Segrin». Gardiner tentou publicar um outro - [sobre] “Psicanálise e
Livre-Arbítrio” - na revista Psychoanalytic Quarterly, mas os editores
declinaram, a despeito - ou talvez por causa - da identidade do au­
tor. Dececionado pela falta de interesse dos psicanalistas pelos seus
ensaios teóricos, Pankejeff desatou a escrever textos autobiográficos
que Gardiner reuniu em 1971 num volume intitulado The WolfMan
by the Wolf-Man, com prefácio de Anna Freud.
O livro foi um grande êxito, permitindo que Gardiner enviasse
regularmente a Pankejeff substanciais «avanços» sobre receitas que iam
parar inevitavelmente a casa de Franzi Bednar. Intrigada com o livro,
a jornalista vienense Karin Obholzer teimou em encontrar a pessoa
que se escondia por trás do «Homem dos Lobos». Não foi muito difícil
e Pankejeff parece ter ficado encantado por ter sido «descoberto» por
uma pessoa estranha à Associação Psicanalítica Internacional. Tendo
ganho a sua confiança, Obholzer conseguiu convencê-lo a conceder-
-lhe uma série de entrevistas, apesar das pressões exercidas sobre ele
por Eissler, Solms-Rödelheim e Gardiner para que não o fizesse.
Nessas entrevistas publicadas após a morte dele, Pankejeff revelava,

64 Ilustrador e escritor inglês (1872-1898) [N. T.].


65 “A Arte à Luz da Psicologia das Profundezas de Freud” [N. TJ.
66 Arte para o Povo [N. TJ.

128
enfim publicamente, que nunca acreditara na famosa «cena primitiva»
postulada por Freud: «Essa cena primitiva é uma pura construção.
[...] Porém, nunca consegui lembrar-me de nada semelhante. [...] Ele
[Freud] afirma que vi, mas quem vos garante que é verdade? Não se
tratará de uma fantasia da sua lavra?»
Pankejeff também afirmava que não se reconhecia nem na história
de caso de Freud nem no seu livro de memórias editado por Gardiner:
«Foi assim que, em vez de me fazerem bem, os psicanalistas me fizeram
mal. [...] Assim é, como sabeis, a teoria: Freud ter-me-ia curado a cem
por cento. As minhas recordações - o meu livro todo - baseiam-se
nesse pressuposto, razão pela qual a Sra. Gardiner me mandou redigir
as minhas memórias: para mostrar ao mundo como Freud curou um
homem gravemente doente. [...] Nada disso é verdade.» De facto,
apesar de um acompanhamento psicanalítico quase constante em
cerca de sessenta anos, Pankejeff estava ainda sujeito aos mesmos
sintomas: «Na realidade, todo o caso me causa a impressão de uma
catástrofe. Encontro-me no mesmo estado em que estava antes de
iniciar o tratamento com Freud, que já cá não está.» Para Pankejeff,
Freud enganara-se redondamente. Como já dissera a Eissler em 1954,
foi Kraepelin e não Freud quem teve razão quanto ao seu caso: «Ah,
Kraepelin foi o único que compreendeu algo!» (30 de julho de 1954).
Em julho de 1977, um ano após o final das conversas com Obhol-
zer, Pankejeff teve uma crise cardíaca seguida de pneumonia. Solms-
-Rõdelheim resolveu mandá-lo transferir para o hospital psiquiátrico de
Viena, do qual era chefe de serviço, e arranjaram um quarto individual
onde ele pôde ficar após o restabelecimento. Gardiner pagou a uma
enfermeira privada, Sóror Anni, a quem ele se afeiçoou muito. Franzi
Bednar desapareceu da circulação. No entanto, Pankejeff queixava-
-se amargamente de ter sido internado num hospital psiquiátrico em
vez de estar alojado num lar de idosos. Sentia-se abandonado por
Gardiner. Expirou em 7 de maio de 1979 nos braços de Sóror Anni,
aos 92 anos. Franzi Bednar, que ele instituíra herdeira universal,
sobreviveu-lhe dez anos.

129
runo
C~Ueneziani
(1890-1952)

Trieste, quarta cidade do Império Austro-Húngaro. Estamos no outono


de 1914, a guerra está acesa noutros pontos. A cidade e a vida estão
entre parênteses, antes do desmantelamento do império. Um notável
de idade madura chamado Zeno Cosini vai consultar o psicanalista
da cidade, o Dr. S., por vagos sintomas neuróticos e psicossomáticos.
E judeu, casado, tem uma amante, é completamente incompetente
nos negócios e, sobretudo, não consegue desabituar-se do cigarro.
À margem do tratamento, o Dr. S. pede-lhe que redija a sua
autobiografia, a fim de se preparar melhor para as sessões. Zeno
descreve-se, então, de trás para diante, a meio caminho entre a lucidez
e a obcecação mais penosa. Depois, exasperado pelas interpretações
edipianas de S., «esse doutor cretino», decide parar a análise em 3 de
maio de 1915 - e continua a fumar como dantes: «Acabei com a psi­
canálise. Após seis meses inteiros de prática assídua, estou pior do que
antes.» Pouco depois, cura-se a si próprio, «convencendo-se» de que
está bem de saúde e lançando-se com êxito em negócios arriscados.
Furioso, o Dr. S. vinga-se então, publicando as notas autobiográficas
do paciente, que surgem em 1923 sob o título La Coscienza di Zeno.
Zeno Cosini é, obviamente, um personagem fictício, mas parece-
-se - a ponto de se confundir - com o seu criador, o romancista
austro-italiano ítalo Svevo. Tal como Zeno, Svevo - cujo verdadeiro
nome era Ettore (Aron Hector) Schmitz - fazia parte da florescente
comunidade judaica de Trieste (James Joyce, que o freqüentava em
Trieste, inspirou-se nele para o personagem do «judeu não judeu»
Leopold Bloom do Ulisses). Como Zeno, Svevo era casado. Sua
mulher e prima, a bela Livia Veneziani provinha de uma família

13o
BRUNO V EN EZIA N I

judaica convertida ao catolicismo que possuía uma próspera fábrica


de verniz (Joyce inspirou-se nela e na sua longa cabeleira loira para
a Anna Livia Plurabelle de Finnegans Wake). Como Zeno, Svevo
era um homem de negócios, embora muito mais eficaz do que o seu
sósia literário (dirigia com êxito a empresa da família Veneziani).
E, como Zeno, por fim, Svevo era um fumador inveterado que pas­
sava o tempo a disparar sobre o último cigarro 01 ’ultima sigaretta).
Todavia, Svevo nunca estivera no divã. Donde extraía então o seu
conhecimento muito exato e bastante mordaz da psicanálise? De
duas fontes, essencialmente. Em 1908, Svevo fora iniciado nos livros
de Freud por um parente por afinidade, o triestino Edoardo Weiss
(cujo irmão mais novo, Ottocaro, desposara Tenci Schmitz, sobrinha
de Svevo). Weiss, que tinha então dezanove anos, era já um fervente
freudiano e preparava-se para ir estudar medicina em Viena, a fim de
se formar em psicanálise. Viria a ser um dos mais fiéis discípulos de
Freud e o fundador da Sociedade Psicanalítica Italiana. Graças a ele,
Svevo, 0 Suábio, que falava correntemente alemão, pôde, pois, tomar
muito cedo conhecimento das publicações de Freud e, especialmente,
de Über den Traum 67, que ele planeou traduzir em italiano. É muito
provável que tenha sido por seu intermédio que Joyce se iniciou, por
seu turno, na psicanálise.
A outra fonte de informação de Svevo, muito menos livresca, era
o jovem irmão da sua mulher, Bruno Veneziani. Veneziani e Weiss
tinham estado juntos no liceu e eram muito amigos. Inteligente,
cultíssimo, pianista quase profissional, Veneziani fizera estudos de
química (tal como Zeno no romance do seu cunhado). Era também
um grande fumador, como Svevo (e como Freud). Em 1911, Veneziani
e Svevo apostaram em deixar de fumar, com uma condição: o pri­
meiro a ceder pagaria ao outro 13o coroas. Não se sabe quem perdeu
a aposta, mas a verdade é que ambos reacenderam o cigarro. Por outro
lado, Veneziani era assumida e exclusivamente homossexual, tomava
niorfina, assim como outros opiáceos, e levava uma vida dissoluta.
Em 1910, aconselhada por Weiss, a família Veneziani enviou-o ao

67 Sobre 0 Sonho [N.T.].

131
psicanalista vienense Isidor Sadger, que se tinha especializado no
tratamento da «perversão» homossexual, para tratar dos seus vícios.
Não tendo Sadger aparentemente conseguido debelar nem a sua
homossexualidade nem as suas dependências, Bruno Veneziani foi
orientado para Freud que o analisou entre 4 de outubro de 1912 e
31 de maio de 1913, à razão de seis horas por semana.
Segundo Edoardo Weiss, a análise com Freud correra mal. Ve­
neziani terá feito comentários antissemitas que Freud levou muito
a mal. Além disso, Veneziani era demasiado «narcísico» e permanecia
inacessível à influência do analista. Em suma, a transferência não se
fazia como estava previsto. Freud diagnosticou uma paranóia (o que
faz de Veneziani «um caso de paranóia em contradição com a teoria
psicanalítica», visto que ele não recalcava a sua homossexualidade) e
decidiu pôr termo à análise. Segundo a filha de Svevo, Letizia Fonda
Savio, Freud teria explicado a Veneziani: «Posso curar aqueles que
procuram a cura, não aqueles que a recusam.» O próprio Svevo escre­
veria ao jovem jornalista e escritor Valerio Jahier: «Freud em pessoa,
após anos de tratamento que implicaram grandes despesas, mandou
o paciente embora, declarando-o incurável. De facto, admiro Freud,
mas este veredito após tanto tempo de vida perdida deixou-me uma
impressão de desgosto» (Svevo em carta a Jahier, 27 de dezembro
de 1927). O que Svevo repetia um mês mais tarde: «Por descargo
de consciência, quero contar a minha experiência no que concerne
aos resultados da cura psicanalítica. Após anôs de tratamento e de
despesas, o doutor declarou que o sujeito era incurável porque sofria
de uma ligeira paranóia. [...] De qualquer modo, é um diagnóstico
que custou demasiado caro» (Svevo a Jahier, 1 de fevereiro de 1928).
Veneziani foi ver Viktor Tausk, a quem Weiss estava muito ligado
(e que não tinha uma opinião tão negativa de Veneziani), Rudolf
Reitler e, por fim, Karl Abraham a Berlim. Freud pôs Abraham de
sobreaviso: Veneziani era «má rês» (mauvais sujet, em francês), um
«enigma» em quem ninguém conseguia provocar uma mudança.
Abraham não iria decerto contradizer Freud: Veneziani, respondeu
ele, ia «dentro de muito pouco tempo parar o tratamento; é impossível
de atingir o seu narcisismo.»

132
Em 1914, Veneziani regressou finalmente a Trieste. Tal como
Zeno, estava pior do que dantes. Segundo Svevo, «fora psicanalizado
durante dois anos e regressara da cura destruído e tão desprovido de
vontade como antes, mas com a sua debilidade agravada pela convic­
ção de que, sendo como era, não podia agir de outro modo. Foi ele
que me convenceu de quão perigoso é explicar a um homem como
ele é feito, e sempre que o vejo, gosto dele por causa da nossa velha
amizade, mas também com essa nova gratidão» (Estada Londrina 68).
Em 1919, precisamente no ano em que Svevo encetou a redação
dA Consciência de Zeno, Edoardo Weiss propôs a Veneziani colaborar
com ele na tradução italiana das Lições de Introdução à Psicanálise69,
de Freud. Após algum tempo, como conta no seu livro Sigmund Freud
As A Consultant, Weiss deu-se conta de que Veneziani estava sempre
drogado: «O Dr. A. [pseudônimo de Weiss para Veneziani] estava
demasiado perturbado para me prestar a mínima ajuda neste trabalho.
Com a sua permissão, obedeci ao desejo da sua mãe e escrevi a Freud,
a fim de lhe perguntar se ele estava preparado para voltar a tratá-lo.»
(Sabe-se que Veneziani estava nessa altura em Vièna, pois as minutas
da Sociedade Psicanalítica de Viena mencionam a sua presença na
sessão de 7 de abril de 1920. Aparentemente, ele desejava ser membro
da Sociedade.)
Freud respondeu longamente a Weiss em 3 de outubro de 1920:
«Caro Doutor, Fiquei efetivamente surpreendido quando apresen­
tou o DL A. como seu colaborador para a tradução, atendendo
a tudo o que sabia sobre ele. Uma vez que me pede hoje um relató­
rio profissional a seu respeito, não vou hesitar em dar-lhe a minha
opinião. Penso que se trata de um mau caso, particularmente pouco
adaptado a uma análise livre [ou seja, sem internamento]. Faltam-lhe
duas coisas: primeiro, um certo conflito de sofrimento entre o seu
eu e aquilo que as suas pulsões exigem, pois está fundamentalmente
autossatisfeito e apenas sofre do antagonismo de condições externas;
em segundo lugar, falta-lhe um eu de carácter seminormal suscetível

68 “Soggiorno Londinese” [N. TJ.


69 Vorlesungen zur Einfiihrung in die Psychoanalyse [N. TJ.

133
de cooperar com o analista; pelo contrário, esforçar-se-á sempre por
enganar o analista, por enrolá-lo e afastá-lo. Os dois defeitos eqüiva­
lem efetivamente a uma única coisa, a saber: um eu fantasticamente
narcísico e autossatisfeito que é inacessível a qualquer influência e que
infelizmente pode sempre invocar os seus talentos e dons pessoais.
Também sou de opinião que não teria nada a ganhar fazendo um
tratamento comigo ou com qualquer outra pessoa. O seu futuro
será talvez perecer nos seus excessos. [...] Também percebo bem que
a mãe não o queira abandonar à sua sorte sem mais esforços. Trata-
-se, acima de tudo, de um mecanismo neurótico até neste caso, mas
a dinâmica não é favorável a uma mudança. Recomendo, pois, que ele
seja enviado para uma instituição dirigida por uma pessoa muito forte
e terapeuticamente eficaz. Conheço um homem assim na pessoa do
Dr. [Georg] Groddeck em Baden-Baden (Sanatório). [...] Nos casos
mais desfavoráveis, metem as pessoas como o Dr. A. num barco e
mandam-nas com algum dinheiro através do oceano, para a América
do Sul, digamos, deixando-as procurar e encontrar o seu destino.»
A Kurt Eissler, que lhe perguntava no início dos anos 1950 aquilo
que Freud entendia por «encontrar o seu destino», Edoardo Weiss
precisava: «A prisão, o suicídio ou algo de similar. Era a atitude dele
em relação a pacientes deste gênero.» Freud terminava a carta para
Weiss apresentando a fatura: «Se a Sra. A. [Sra. Veneziani] tenciona
pagar por este parecer, que envie ioo liras à Menina Minna Bernays
em Merano [...] (minha cunhada).»
Veneziani foi, pois, enviado para a clínica de Groddeck, onde
ficou por três vezes consecutivas —de 26 de maio a 20 de dezembro
de 1921; de 5 de março a 2 de setembro de 1922; e, por fim, de 19
de maio a 17 de junho de 1923. Veneziani aproveitou para arranjar
um novo amante (com a aprovação de Groddeck). Groddeck evoca
Veneziani ri O Livro do Id 70: «Acabo de falar com um homem de
grande talento, mas que (...) está dividido ao meio em todas as coisas
e tenta dominar a sua dilaceração interna com o auxílio da droga.
[...] E agora, ele não sabe se é homem ou mulher, não conhece o seu

70 Das Buch vom Es (consultar Fontes, na parte final desta obra) [N. TJ.

134
próprio Id.» Todavia, o tratamento com Groddeck não culminou - do
ponto de vista de Weiss - em «nenhum êxito terapêutico».
Svevo, por seu turno, encetara a redação d A Consciência de Zeno
em 1919, lançando-se ao mesmo tempo naquilo a que chamava uma
«autoanálise»: «Foi dessa experiência que emergiu o romance», escreverá
ele mais tarde a Jahier (10 de dezembro de 1927). O mesmo é dizer
que a redação de Zeno foi a «autoanálise» de Svevo. Sabendo como
finda o romance, pode deduzir-se o que Svevo pensava da análise (ou
autoanálise) terapêutica, quer se tratasse da sua, da de Zeno ou da de
Bruno, a qual fracassava tão lamentavelmente no mesmo momento
na vida real. A psicanálise era uma boa matéria para romance, não
uma boa maneira de curar: «Um grande homem, o nosso Freud, mas
mais para os romancistas do que para os pacientes» (Svevo a Jahier,
10 de dezembro de 1927).
O próprio Svevo «curara-se» ao escrever o romance de Zeno, que
compreende que «a saúde reside na convicção de ser saudável» e que
«a dor e o amor, a vida, numa palavra, não deve ser considerada
como uma doença porque nos faz sofrer». Aquilo que Svevo repe­
tia em seu próprio nome a Jahier: «E, de qualquer modo, porquê
querer curar? Devemos verdadeiramente tirar à Humanidade o que
há de melhor nela? Creio firmemente que o verdadeiro êxito que
me trouxe paz reside nesta convicção» (27 de dezembro de 1927).
Uma pessoa está doente pelo facto de se convencer de que está
doente, e a psicanálise não faz mais do que reforçar tal convicção,
descobrindo em todos nós a doença do «pobre Édipo». Quando
Valerio Jahier lhe fez saber que se interessava pela psicanálise (ele e
a mulher, Alice, foram os primeiros pacientes de Marie Bonaparte),
Svevo tentou desencorajá-lo e orientá-lo antes para os médicos da
Escola de Nancy (Bernheim, Coué): «Tente a autossugestão. Não
ria porque é simples. A cura que deve alcançar é também simples.
Eles não vão modificar o seu “ego” pessoal» (27 de dezembro de
1927). E, quando Jahier lhe revelou que já tivera sessenta sessões de
análise com Marie Bonaparte, Svevo retorquiu: «E ainda está vivo?»
(A réplica é involuntariamente cruel: doze anos e muitas sessões
de análise depois, Jahier suicidar-se-ia.)

135
Na verdade, Zeno é, pois, em parte, o próprio Svevo - ou seja,
alguém que, ao contrário do seu cunhado Bruno, nunca se deitara
no divã, nem se deixara convencer de que estava doente. Como
diz Zeno no livro: «A melhor prova de que nunca tive essa doença
[a doença de Edipo] é que nunca me curei dela.» Bruno Veneziani,
em contrapartida, teimou em querer curar-se de si próprio. Após
o tratamento falhado de Groddeck, passou pelo Sanatório Bellevue
de Binswanger, como tantas outras personalidades incomodas da elite
europeia. De regresso a Trieste, foi seguido em «terapia de apoio»
por Edoardo Weiss. Em 1929, aconselhado por Weiss, ingressou
espontaneamente no hospital psiquiátrico San Giovanni de Trieste.
No relatório médico anexo ao seu pedido de admissão, Weiss escrevia
que Veneziani sofria de «uma grave depressão psíquica» e de «insônia
com utilização exagerada de soníferos». Sublinhando que o paciente
não apresentava dissociação psíquica ou alucinações, Weiss explici­
tava que isso devia ter acontecido alguns anos antes, na seqüência de
um consumo excessivo de drogas. Veneziani ficara tão abalado com
o episódio que fizera uma tentativa de suicídio.
Quando, em 1938, Weiss teve de emigrar para escapar às perse­
guições antissemitas, enviou Veneziani ao junguiano Ernst Bernhar.
Veneziani passou de freudiano a junguiano. Traduziu em italiano
Psychologie und Religion, de Jung, e I Ching (O Livro das Mutações),
com um prefácio do mesmo Jung. Em 1952, Bernhard comunicou
a Weiss que o seu velho amigo Bruno morrera de uma crise cardíaca
«provocada por diversos excessos e pelo modo de vida que ele levava».
Há quarenta e um anos que Bruno Veneziani tentava curar tais «exces­
sos», tal como Zeno Cosini (Veneziani Cugino, o primo Veneziani?)
tentara em vão se desabituar do tabaco no divã do DL S[igmund].
Uma pessoa não se cura da vida, dizia Svevo. Ettore Schmitz/
ítalo Svevo morreu, em 13 de setembro de 1928, das seqüelas de um
acidente rodoviário. No seu leito de morte, pediu um cigarro: «Desta
vez», disse ele, «será verdadeiramente o último».
Sima
^Pálos
(1887-1970)

Elma Pálos, nascida em 28 de dezembro de 1887, era a filha primo­


gênita de Géza Pálos e Gizella Altschul Pálos, amante de Sándor Fe­
renczi. As famílias Altschul (Alcsuti) e Ferenczi (Fraenkel) provinham
ambas de Miskolc, uma pequena cidade a nordeste de Budapeste, e
eram muito chegadas. Lajos, irmão mais novo de Sándor Ferenczi,
desposara a filha mais nova de Gizella, Magda, em 1909, e o próprio
Ferenczi mantinha, desde 1904, uma relação com Gizella, embora ela
fosse casada e oito anos mais velha do que ele. Ferenczi teve também
uma aventura com Sarolta, uma das três irmãs de Gizella. Segundo
uma carta de Ferenczi para Freud, é claro que a ligação com Gizella
era acompanhada de uma relação analítica, cama e divã misturados:
«Acredito na possibilidade de pôr em prática a honestidade \|/a [psi-
canalítica] não só entre amigos mas também entre pessoas de sexo
oposto que vivem juntas. A comunidade analítica com a Senhora
G[izella] - tendo de superar por vezes resistências muito fortes - faz
decididamente progressos. [...] o amor dela é mais forte do que
o desprazer suscitado pela análise, e aguenta tal excesso de carga»
(9 de julho de 1910).
Sabem-se poucas coisas sobre a infância de Elma. Ao contrário da
sua irmã Magda, que Ferenczi descrevia como «mundana» e egocên­
trica, Elma era introvertida, altruísta, complicada. Em 3 de janeiro
de 19 11, planeando uma visita a Viena com Gizella e Elma, Ferenczi
perguntou a Freud se podiam aproveitá-la «para solicitar o vosso con­
selho num caso bem difícil (casamento e aventuras amorosas dessa
mesma jovem)». Aparentemente, Elma tinha dificuldade em se decidir
entre dois pretendentes, o que gerava «muita preocupação à pobre

137
Senhora G.». Freud recebeu mãe e filha no mês seguinte. Não ficou
favoralmente impressionado com Elma e diagnosticou de chofre uma
demência precoce (esquizofrenia), o que teve, confessou-lhe Ferenczi,
«um efeito um tanto deprimente» (Ferenczi em carta a Freud, 7 de
fevereiro de 1911). A hesitação «esquizofrênica» de Elma entre os seus
dois pretendentes continuou e Ferenczi resolveu passar a analisá-
-la (ignora-se se foi ela a pedir-lho): «Imagine, decidi seguir a filha
de Gizella (Elma) em tratamento psicanalítico; as crises estavam
a tornar-se completamente insuportáveis. Por enquanto, o trabalho
corre bem, e os efeitos são favoráveis» (Ferenczi, em missiva para
Freud, 14 de julho de 1911).
Em outubro, golpe de teatro: um dos dois pretendentes de Elma
matou-se «a tiro, por causa dela [...]. Pergunto-me como é que as coisas
vão passar-se agora» (Ferenczi em carta a Freud, 18 de outubro de
1911). Pouco tempo depois, em 14 de novembro, Ferenczi confessava
que se produzira nele um «desprendimento libidinal» em relação
a Gizella e que nutria «fantasmas de casamento com Elma (recidiva
de um estado semelhante à primavera).» Esta última confissão parece
indicar que Ferenczi já estava apaixonado por Elma antes de a seguir
em tratamento. Consciente de ter abandonado «a fria superioridade
do analista», Ferenczi invocava as circunstâncias: «Elma tornou-se
particularmente perigosa para mim no momento em que - após
o suicídio do rapaz - tinha absoluta necessidade de alguém que
a apoiasse e ajudasse na sua aflição. Fiz tudo isso demasiado bem»
(3 de dezembro de 1911).
Muitos anos mais tarde, Elma daria a sua própria versão do epi­
sódio a Michael Balint, discípulo e executor literário de Ferenczi:
«Finalmente, após algumas sessões, Sándor levantou-se da cadeira,
sentou-se no divã perto de mim e, muito comovido, abraçou-me toda
e disse-me, com paixão, até que ponto me amava e perguntou-me se eu
podia amá-lo também. Se era verdade ou não, não posso dizê-lo, mas
respondi “sim” e, espero, acreditava nisso. Contámo-lo sem rodeios
à Mamã; ela ficou surpreendida mas, com a sua habitual presença
de espírito, disse que, se as duas pessoas que ela amava mais se iam
casar, só podia estar contente. Estava feliz pelo facto de Sándor poder

138
ter filhos. [...] Já não me lembro de como anunciámos isso ao meu
pobre pai, mas ele, que conhecia a relação entre a Mamã e Sándor,
e sofria por isso, deve ter ficado consternado. Provavelmente, juntou
as mãos estupefacto, deu um risinho tímido, como fazia sempre,
aceitou o seu destino e retirou-se. Foi o que fez durante toda a vida.
Era um homem desarmado, surdo e fraco» (7 de maio de 1966).
Gizella era presa de um debate verdadeiramente corneliano. En­
quanto mulher, sofria por ser traída pelo amante e abandonada pela
filha mais nova. Enquanto mãe, estava disposta a apagar-se para que
a filha fosse feliz. Ferenczi pediu a Freud que escrevesse a Gizella
para a fazer aceitar o seu destino. Freud, que discordava da ideia de
um casamento com Elma, sacrificou-se, apesar de tudo, numa carta
de uma grande brutalidade: «A dura verdade enuncia-se assim: o amor
só existe para a juventude e é necessário renunciar, é preciso, enquan­
to mulher, estar pronta a ver os seus sacrifícios recompensados pela
ingratidão, sem censuras a um ou ao outro; uma fatalidade natural,
como na história de Édipo. A isso acresce, no que diz respeito a ele
[Ferenczi], o facto de a sua homossexualidade exigir imperiosamente
um filho e que ele traga consigo a vingança contra a mãe, oriunda das
mais fortes impressões de infância» (Freud em carta a Gizella Pálos,
17 de dezembro de 1911). Simultânea e contraditoriamente, Freud
exprimia dúvidas sobre a viabilidade de um casamento cujo projeto
resultara, segundo ele, dos fantasmas edipianos dos dois interessados
(destronar a mãe junto do pai, no caso de Elma; substituir a mãe
pela irmã, no caso de Sándor). Era indispensável mais análise antes
de tomar uma decisão.
A mensagem enviada por Freud não era de molde a resolver
o problema de Gizella e envolvia Ferenczi num conflito igualmente
insolúvel. Devia seguir o seu coração e desposar Elma? Ou obedecer
à dura lei freudiana e verificar primeiro pela análise se o seu amor
era autêntico? Em 18 de dezembro, dia de receção da carta de Freud,
Ferenczi parecia decidido a não atender às reservas de Freud. Duas
semanas depois, tendo Elma vacilado brevemente por causa das «tí­
midas objeções» feitas pelo pai em oposição aos seus esponsais, ele
decidiu, pelo contrário, enviá-la a Viena para análise aprofundada por

139
Freud: «A família está ao corrente dos honorários» (Ferenczi em carta
a Freud, i de janeiro de 1912). Freud estava reticente, mas Ferenczi
insistiu: a análise (Freud) devia decidir por ele e por Elma. Ferenczi
acrescentou em post scriptum: «E[lma] não desconfia de que se opõe
ao nosso casamento.»
O tratamento começou em 8 de janeiro de 1912 e durou até 5 de
abril, à razão de uma sessão por dia. Elma estava cheia de boa vontade.
Queria agradar a Sándor e a Freud, a fim de passar vitoriosamente esse
exame do amor do qual dependia a sua felicidade. Freud mantinha
Ferenczi ao corrente da análise e, em troca, este citava as cartas que
Elma enviava para Budapeste, para ele e para a mãe (tem-se por vezes
a impressão de ler uma versão psicanalítica d As Ligações Perigosas71).
Elma, em carta escrita a Gizella: «Diga a Sándor que penso nele
praticamente todo o tempo. Desejo de tal forma vê-lo feliz, e eu com
ele. É verdade que espero muito, muito que tudo acabe bem - mas
hoje o futuro mete-me medo. O meu feitio é tão pouco equilibrado,
reina em mim um caos tão terrível que seria um risco para quem
quer que fosse tomar-me por esposa. Ainda que a análise clarifique
a situação, continuo a ser o que era dantes, e as desgraças podem
recomeçar à mínima circunstância.» Depois: «Querida Mamã, nunca
escreve nada acerca de si. Se concorda com Sándor sobre o facto de
não poderdes viver um sem o outro, então diga-mo sinceramente por
escrito. Enquanto se sentir tão profundamente afetada pela perda de
Sándor, ele não poderá livrar-se interiormente de si e, pelo que a mim
me toca, não poderei aceitar o amor dele de ânimo leve» (citado na
carta enviada por Ferenczi a Freud em 18 de janeiro de 1912).
Longe da vista, longe do coração: na ausência de Elma, Ferenczi
tentava reconciliar-se com Gizella (sem êxito a princípio). Não re­
nunciava, contudo, ao projeto de casamento com Elma: «Trabalho
em algo de difícil de concretizar: certificar-me do amor da Sra. G
em caso de casamento com E[lma].» (carta a Freud, 18 de janeiro
de 1912). Ao mesmo tempo, como bom aluno, dizia esperar «que

71 Les Liaisons dangereuses, romance epistolar (1782) do militar e escritor francês


Pierre Choderlos de Laclos [N. TJ.

14o
consigo [Freud] ela superará uma parte dos seus infantilismos —e,
entre estes, também o fantasma de vir a ser minha mulher» (20 de
janeiro de 1912).
Previsivelmente, a análise de Elma confirmou a opinião inicial de
Freud: «Com Elma, de facto, passam-se coisas. Avançamos. [...] Não
tenho uma ideia elevada do amor que ela lhe tinha até agora; não
sei se resistirá à análise» (Freud em carta a Ferenczi, 1 de fevereiro
de 1912). Duas semanas mais tarde: «No que diz respeito a Elma,
avanço decisivamente. [...] ela insiste muito no seu amor por si, mas
mantenho que é preciso que tudo isso passe primeiro pelo crisol da
cura, e ela aceita» (13 de fevereiro de 1912). Apenas um mês depois
e Freud estava já disposto a recambiar Elma para Budapeste pela
Páscoa: «Para ambos, penso que se trata de se olharem um ao outro
de uma nova maneira, quando ela regressar, e de considerar extinto
todo o passado» (13 de março de 1912).
Não parece que Freud tenha informado a paciente da conclusão
a que a análise chegara. Decerto imaginava ela que passara com êxi­
to o seu exame analítico. Porém, no seu regresso, Ferenczi ateve-se
à linha de conduta traçada por Freud e foi «amigável e gentil, mas
reservado. Manifestamente, E[lma] esperava um acolhimento dife­
rente: reagiu com um mau humor bastante acentuado. [...] ontem,
confessou-me que esta situação era intolerável para ela. Que estava
impaciente, agora, por disfrutar enfim da vida, que dificilmente podia
decidir-se a esperar que eu me decida» (Ferenczi em carta a Freud,
17 de abril de 1912). Gizella, por seu turno, incitava abnegadamente
à união com Elma. De caminho, Ferenczi reencontrava as «moções
libidinais» para com Elma, momentaneamente desviadas na direcção
de Gizella: «A oscilação da minha inclinação entre a Senhora G e
E[lma], entre mãe e irmã, espírito e matéria, continua» (Ferenczi, em
missiva a Freud, 23 de abril de 1912).
Ferenczi passava todas as noites com Gizella e Elma: «Tento, a título
experimental, por assim dizer, a vida a três.» (ibid.). A experiência não
foi conclusiva: Gizella «sofria de forma indizível» e Elma afundou-
-se na depressão. Incapaz de tomar uma decisão num sentido ou no
outro, Ferenczi remeteu-se, pois, uma vez mais, à análise. Retomou

141
o tratamento de Elma, enunciando os termos do contrato: «Disse-lhe
muito nitidamente que não poderia tratar-se de esponsais enquanto
ela não se decidisse a falar abertamente (na análise). Se ela não fosse
capaz disso, eu suspenderia qualquer outra tentativa e daria o caso
por encerrado» (Ferenczi em carta a Freud, 27 de maio de 1912). Elma
aceitou - acaso tinha escolha? Mas também como podia ela respeitar
tal contrato paradoxal? Como fazer reconhecer a autenticidade do seu
amor pelo seu analista, se este via nisso uma mentira transferenciai?
A única maneira de o convencer teria sido fingir que não o amava,
situação a que ela não conseguia decidir-se: «A análise com E[lma]
avança muito, muito devagar; ela esforça-se aparentemente, e aproveita
(a maior do tempo inconscientemente) todas as oportunidades para
fazer obstrução» (Ferenczi em carta a Freud, 10 de junho de 1912).
O próprio Ferenczi tinha muita dificuldade em resistir à tentação do
amor: «Não me libertei ainda (sobretudo no Ics72) de veleidades libi-
dinais e nostálgicas em relação a E[lma], mas controlo com rigor essa
tendência; de resto, ela só se manifesta de tempos a tempos, sobretudo
quando tenho de lhe fazer mal e quando a faço chorar» (18 de julho
de 1912). À distância, Freud incitava Ferenczi a não falhar: «Estou
muito feliz por saber que permanece absolutamente firme diante de
E[lma] e que frustrou as intrigas dela. Se, entretanto, correr bem, isso
só pode funcionar assim» (20 de julho de 1912).
Por fim, em agosto, Ferenczi pôs «escrupulosamente em prática
o plano que viu a luz do dia no Türkenschanzpark» (um parque de
Viena onde Freud e Ferenczi decidiram provavelmente uma estratégia
de saída da análise). Informou Elma de que punha fim ao tratamento
e, por conseguinte, à relação entre eles: «Fiz tudo isso com uma segu­
rança de sonâmbulo, apesar da minha dolorosa perturbação interior.
E[lma] estava desesperada; acompanhei-a a casa e entreguei-a à mãe»

72 «A abreviatura Ics (Ubw, do alemão Unbewusste) designa o inconsciente


sob a sua forma substantiva como sistema; Ics {ubw) é a abreviatura do adje[c]tivo
“inconsciente” (;unbewusst) enquanto qualifica em sentido estrito os conteúdos do
referido sistema» (Jean Laplanche e J. B. Pontalis, sob a direção de Daniel Lagache,
in Vocabulário da Psicanálise, tradução de Pedro Tamen, Lisboa: Editorial Presença,
7-a edição, 1990, p. 205) [N. TJ.

142
(Ferenczi em carta a Freud, 8 de agosto de 1912). Elma escreveu-lhe
uma longa carta, absolutamente pungente: «Terça-feira à noite. Prometo,
S[ándor], não voltar a escrever-te, nem aos domingos, nunca mais.
Mas quero apenas falar-te ainda hoje. Compreendo perfeitamente
que tinha de ser assim. [...] Ignoro aquilo que significam os meus
sentimentos. Sabe-lo decerto melhor do que eu, e foi por isso que
quiseste que nos separássemos. Sei, com toda a certeza, que não virás
buscar-me. E, apesar disso, tenho tanto medo. Esta solidão, que será
agora o meu destino, será mais forte do que eu; sinto quase como se
tudo em mim fosse gelar. Continuarei a ser razoável, mas vou ter frio,
vou arrefecer tanto, que este último recurso, a razão, deveria odiá-lo.
[...] Amo-te como nunca amei nenhum familiar. Sinto-me também
um pouco como tua filha, de tanto desejar que me guies. [...] Longe
de ti, talvez aceda à independência que perdi completamente na
tua presença, mas que não me faz falta nenhuma. [...] Agradeço-te
por tudo; muitas vezes não consigo falar, unicamente porque tenho
a sensação de que vivo em ti, que tudo o que sou se perdeu em ti»
(citado numa carta sem data de Ferenczi para Freud, provavelmente
escrita após a rutura).
Durante o outono, Ferenczi tentou convencer Elma a casar-se
com um industrial vienense de apelido Gratz. Anunciou a Freud que
ela iria vê-lo para ter a «autorização» dele (31 de outubro de 1912):
«Tenha a bondade de explicar-lhe que, no fundo, é também seu
desejo casar-se e que (neuroticamente) ela quer fazê-lo sob a forma
de sacrifício» (5 de novembro de 1912). Porém, com neurose ou não,
Elma não estava disposta a levar o sacrifício até esse ponto: «Natu­
ralmente, o melhor seria casá-la; mas ela cria dificuldades» (Ferenczi
em carta a Freud, 15 de novembro de 1912). Depois, durante o verão
de 1913, Elma encontrou John N. Laurvik, um jornalista e crítico de
arte americano de origem norueguesa que assistia a um congresso
internacional onde ela servia de intérprete. Laurvik era um homem
grande e belo. Em breve, pediu Elma em casamento, o que provo­
cou uma recaída de nostalgia libidinal em Ferenczi (carta a Freud,
7 de julho de 1913). Gizella, por sua vez, sugeria uma vez mais que
ele deveria desposar Elma: «Ela afirma que E[lma] me ama como

143
dantes, mas eu tornei-me cético quanto à sua capacidade de amar»
0ibid.). O casamento teve lugar em Budapeste a 16 de setembro do
ano seguinte; depois da cerimonia, Elma e o marido partiram para
Elizabeth (Nova Jérsia).
O casamento não foi feliz. Laurvik era instável, violento, e Elma
parece ter tido medo dele. Após várias separações, Elma regressou
em 1924 a Budapeste, onde, na sua qualidade de cidadã americana,
trabalhou no consulado americano até à Segunda Guerra Mundial.
Todavia, nunca se divorciou. Durante esse tempo, Freud, em cujo
gabinete Ferenczi fizera vários trechos de análise entre 1914 e 1916,
impelia-o firmemente a desposar Gizella. Inquieta a propósito do
casamento americano da filha, Gizella resistia à ideia, pois não queria
impossibilitar uma eventual união entre Sándor e Elma, no caso de
esta regressar a Budapeste. Afinal, foi o tímido e débil Géza Pálos que
cortou o nó pedindo o divórcio. Cerca de quinze anos após o início
da sua ligação e algumas inextricáveis complicações analíticas, Sándor
Ferenczi desposou, enfim, Gizella Altschul em 1 de março de 1919.
No mesmo dia, Géza Pálos morreu de uma crise cardíaca - a menos
que se tenha matado, não se sabe muito bem. No artigo “Análise
Terminável e Interminável”73, Freud resumiria essa longa história,
dizendo que a análise de Ferenczi tivera «um êxito completo: ele
desposou a mulher amada».
Durante a Segunda Guerra Mundial, Elma Laurvik trabalhou
para o Departamento de Estado americano em Lisboa e em Berna.
Ferenczi morrera de uma anemia perniciosa em 1933, amargo em
relação a Freud. Gizella, a sua irmã Sarolta, Magda e Lajos Ferenczi
permaneceram em Budapeste e encontraram refúgio numa das casas
do famoso diplomata e homem de negócios sueco Raoul Wallenberg
durante a ocupação nazi de 1944-1945. Após a guerra, Elma convi­
dou a mãe e a irmã para viverem com ela em Berna. Gizella morreu
em 1949, aos oitenta e dois anos; em 1955, as duas irmãs decidiram
mudar-se para Nova Iorque, onde John Laurvik, morto em 1953,
deixara um apartamento a Elma.

73 Consultar nota 40 [N. T.].

144
Após todos esses anos, Elma continuava a venerar a memória de
Sándor. Quando Ernest Jones escreveu na sua biografia que Ferenczi
morrera psicótico, ela protestou vivamente junto do seu amigo Mi­
chael Balint: «É horrível afirmar tais coisas acerca de um homem que
morreu e não se pode defender. Haverá alguém para retificar isso?
Escrever-se-á, far-se-á alguma coisa? Quero dizer: publicamente?»
Elma não podia obviamente saber que era Freud, seu ex-analista,
a fonte desse malévolo boato a respeito de Ferenczi... (Após longas
negociações com Jones, Balint publicou uma retificação extremamente
diplomática, que passou completamente despercebida.)
Elma ocupou-se também ativamente - com Balint - da publicação
dos escritos de Ferenczi e, em particular, da sua correspondência com
Freud, apesar das suas imensas reticências. Esperava, disse ela a Balint,
já cá não estar quando essas cartas fossem publicadas. A sua prece foi
atendida. Elma morreu em 4 de dezembro de 1972, seis meses antes
da sua irmã Magda. O primeiro volume da correspondência entre
Freud e Ferenczi, na qual ela ocupa um lugar tão central, só surgiu
vinte anos mais tarde.

145
(1882-1944)

Nascida em 2,7 de fevereiro de 1882 em Haia, Louise (Loe, nome


pronunciado «Lu») Dorothea Kann provinha de uma abastada fa­
mília judaica da Holanda. Anglófila, fora instalar-se em Londres.
Segundo opinião unânime, era bonita, viva, espirituosa, e poucos
homens resistiam ao seu charme - a começar pelos seus analistas.
Sofria de dores abdominais agudas e de cálculos renais pelos quais
se submetera a várias operações e criara habituação à morfina, que
tomava para controlar a dor. Ao que parece, também era frígida e
estava sujeita a mudanças bruscas de humor. Em 1905, foi consultar
Ernest Jones, que era nessa época um jovem psiquiatra debutante
com interesse pela psicanálise. Menos de um ano mais tarde, vi­
viam juntos no apartamento de Loe, a qual se apresentava como
«Senhora Jones».
Em 1908, tendo sido despedido do West End Hospital de
Londres porque, como qualquer bom freudiano, levara um pouco
longe demais o interrogatório sexual de uma paciente, Jones aceita
o cargo de diretor de uma clínica psiquiátrica que acabara de ser
criada em Toronto. Loe seguiu-o contrariada, temendo o purita-
nismo e o provincianismo canadianos. Tinha razão: Toronto não
estava amadurecida para a psicanálise. Muito rapidamente, escan­
dalizados boatos circularam a respeito desse casal ilegítimo, assim
como sobre a má influência do Dr. Jones nas suas pacientes. Dois
maridos queixaram-se publicamente de que a análise pusera contra
eles as respetivas esposas. Em 1911, uma paciente acusou Jones de
ter tido relações sexuais com ela, e uma liga de moralidade exigiu
a sua expulsão do país, conquanto Jones tenha dado 500 dólares à

146
acusadora para a silenciar. Felizmente, a Faculdade de Medicina de
Toronto defendeu Jones. Despeitada, a acusadora pegou num revólver
e disparou contra ele, sem, contudo, o atingir.
Loe estava apavorada e pretendia regressar a Londres. Também
queria que Jones abandonasse a psicanálise, em relação à qual ela
mostrava completo ceticismo. A resposta de Jones consistiu em con­
seguir que Freud a analisasse para curá-la do ceticismo e dos demais
problemas. Loe aceitou, com uma condição: «Ela diz que fará aquilo
que quiserem, desde que não lhe peçam que creia em coisas nas quais
não pode acreditar (ou seja, que lhe imponham ideias contra a vontade
dela)» (Jones em carta a Freud, 17 de outubro de 1911).
O tratamento começou em 16 de junho de 1912, duas semanas
antes das longas férias de verão de Freud, à razão de uma sessão por
dia. Recomeçou verdadeiramente em setembro e Loe alugou um
apartamento onde se instalou com Lina, sua criada de quarto. Jones,
que a acompanhava, foi solicitado por Freud a afastar-se no decorrer
da análise e aproveitou para ir visitar Itália durante os três meses
seguintes. Freud foi imediatamente seduzido por Loe: «Trata-se de
uma judia com uma inteligência superior, profundamente neurótica,
cuja história é fácil de ler. Será para mim uma alegria poder despen­
der muita libido por ela» (Freud em carta a Sándor Ferenczi, 23 de
junho de 1912).
A princípio, o tratamento parecia prometedor. Em novembro,
porém, Loe teve de novo dores abdominais. Um diagnóstico de
pielonefrite (infeção bacteriana das vias urinárias superiores) fora
feito a seu tempo em Londres, mas Freud decidiu que se tratava de
dores histéricas e não quis dar o braço a torcer, mesmo depois de um
exame médico feito em Viena ter confirmado o diagnóstico. Loe,
que não tinha qualquer razão para duvidar do carácter somático das
suas dores, sentia-se «forçada, brutalizada» pela insistência de Freud
em ver nisso um sintoma de ordem neurótica. Jones, que mantinha
Freud ao corrente de todas as confidências epistolares de Loe, relatou
que «ela se queixa amargamente de si, que não tem confiança nela,
não acredita no que ela diz e examina tudo. Loe começa a sentir
o tratamento como um ataque contra a sua personalidade» (13 de

147
novembro de 1912). Esse conflito a respeito do carácter somático ou
psíquico das dores de Loe continuaria até ao fim do tratamento, sem
nunca ser resolvido.
No mês seguinte, as coisas correram novamente melhor. As dores
abdominais de Loe desapareceram e ela pôde reduzir progressivamente
as doses de morfina - pelo menos, foi o que ela disse a Freud, que
decidiu, portanto, enfrentar a sua frigidez. Quando Jones regressou
a Viena no início de janeiro de 1913, Freud recomendou-lhe que evi­
tasse qualquer relação sexual durante a análise. (Freud era useiro e
vezeiro nesse intervencionismo sexual, cujas conseqüências também
foram pagas por Sergius Pankejeff, Maggie Haller, Munroe Meyer e
Edith Banfield Jackson.) Jones respeitou a proibição freudiana, mas
não pôde impedir-se de ir para a cama com Lina, criada de quarto de
Loe, que ficou furiosa, simultaneamente contra Jones e contra a aná­
lise. As doses de morfina aumentaram de novo e Freud teve a maior
dificuldade em dissuadir Loe de suspender o tratamento.
Loe tinha, todavia, uma boa razão para permanecer em Viena.
Acabara de encontrar Herbert «Davy» Jones, um jovem milionário
americano de vinte e cinco anos (ela própria tinha trinta e um).
Davy Jones, cuja família possuía minas de zinco no Wisconsin, tinha
ambições literárias e percorria a velha Europa após ter concluído
os estudos em Princeton. De passagem por Viena, cruzara-se com
Loe e apaixonara-se logo fulminantemente. Um dos seus poemas,
“O Amante Minha!”74, descreve esse deslumbramento:
«O som de passos rápidos: a porta abre-se enorme:
E 0 quarto inteiro fez-se luz quando ela lá entrou.
—Uma beldade? Nunca na vida. Algo de muito mais raro:
Um espírito luminoso e semelhante a uma chama, direito e claro,
Que brilhava através dos olhos risonhos e preenchia 0 ar
Em redor dela: sem dúvida nem medo; —
Um tanto esbaforida, as bochechas brilhantes,
Como se 0 sol e 0 gelo penetrante tivessem entrado
No quarto com ela.»

74 “O Mistress Mine!”

148
Loe meteu «Jones II» na sua cama enquanto Jones I, confuso,
regressava a Londres para se estabelecer como psicanalista. Freud,
habitualmente indiscreto, nada disse a Jones acerca do que se tramava
com o jovem seu homônimo. Jones, que fora acusado de destruir
casamentos, iria aprender à sua custa aquilo que a psicanálise faz
a um casal. Loe estava enamorada.
Em março de 1913, por um curto período, Loe deixou Viena com
o jovem amante e escreveu a Freud para dizer quão feliz estava, ainda
que o orgasmo nem sempre respondesse à chamada. De regresso,
convidou Freud, Otto Rank e Hanns Sachs para jantar com Davy.
Freud estava cada vez mais encantado com a sua paciente: «Afeiçoei-me
extraordinariamente a esta Loe e desenvolvi junto dela um sentimento
muito caloroso com uma completa inibição sexual, como raramente
aconteceu antes (provavelmente por causa da idade)» (Freud em carta
a Ferenczi, 9 de julho de 1913).
Jones ficou finalmente a saber da existência do seu rival quando
estava a caminho de Budapeste para ser analisado por Ferenczi.
Freud e Ferenczi comunicavam regularmente a respeito das suas
duas pacientes, que eram, portanto, analisadas em paralelo por dois
terapeutas ao mesmo tempo. Freud proibiu Loe de ir ver Jones a Bu­
dapeste. Ferenczi, por seu turno, pediu a Freud que não partilhasse
com Loe aquilo que ele lhe dizia a propósito da análise de Jones. Por
fim, Loe e Jones regressaram juntos a Londres, em agosto de 1913,
para instalar Jones na sua própria casa. Antes de começar a análise,
Loe prometera efetivamente a Jones que o sustentaria financeiramente
durante, pelo menos, três anos, enquanto ele angariava clientela em
Londres. Loe aproveitou as férias de Freud para ajudar Jones a mobilar
a casa. Davy Jones, que retornara aos Estados Unidos em maio, veio
vê-la a Londres. Nem um nem o outro sabiam se a ligação deles teria
futuro, e Loe passava por altos e baixos, perguntando-se se tinha
o direito de «estragar uma vida jovem» (Jones em carta a Freud, 18
de agosto de 1913). Pensava até no suicídio. Como seria de esperar,
as doses de morfina aumentaram de novo.
Durante esse tempo, Freud esperava impacientemente por Loe em
Viena, a fim de retomar a análise após as férias e dar-lhe as prendas

149
que comprara para ela em Itália. Porém, Loe achava sempre um
pretexto para adiar a partida - um móvel por comprar, voltas a dar,
uma grande fadiga. Para a castigar, Freud deu a outro paciente
as horas que reservara para Loe, o que provocou a ira da interessada.
No início de dezembro, ela regressou enfim a Viena, onde foi rece­
bida friamente. Freud concedeu-lhe «duas horas por semana para
ajudá-la a luzir na escuridão dos últimos acontecimentos londrinos
e a libertar-se novamente da morfina» (Freud em carta a Jones, 4 de
dezembro de 1913). Freud encontrou-a numa «condição deplorável»
e «quase inacessível» à análise. Ela não compreendia, escreveu Freud
a Jones, «o que nós [sic\ queremos que ela faça ou encontre» (14 de
dezembro de 1913).
No início de janeiro de 1914, Freud pôde, contudo, revelar a Jones
que «Loe acaba de ceder e vai seguir um tratamento quotidiano».
Davy Jones acabava de chegar a Viena, o que tornou muito menos
conflituosa a continuação do tratamento. Em 2 de junho de 1914,
Freud anunciou a Jones que acabara de chegar de Budapeste onde
ele e Otto Rank tinham sido testemunhas do casamento de Loe
com Davy, desempenhando Ferenczi as funções de tradutor (Jones
deve ter apreciado tal gesto do seu analista): «Estou certo de que isto
deve ser duro para si e é também para mim quando torno a pensar
na série de acontecimentos desde a noite no café em Weimar em que
me ofereceu o tratamento dela até ao momento em que assisti ao seu
casamento com outro.»
Logo após o casamento, Loe retomou a análise. Já não restava
muito tempo antes das férias de Freud, o qual concentrou, portanto,
os seus esforços na morfinomania de Loe. Pouco antes do fim do
tratamento, porém, Freud confessou a Jones que a «campanha contra
a morfina» tinha abortado. Em 10 de julho de 1914, dia da última
sessão de Loe, acrescentou: «Amanhã vou dizer adeus a Loe. Ela
restabeleceu-se instantaneamente após ter tomado mais morfina e,
por ora, não vejo qualquer meio para a arrancar dela, que nem sempre
acredita na vPa [Psicanálise], mas é encantadora com todos os seus
defeitos que são mais do que contrabalançados pelas suas excelentes
qualidades. Há luz e sombra.»

15o
Ao fim de 392 horas de tratamento, Loe Kahn, morfinómana pro­
vavelmente frígida, mantinha-se, pois, cética em relação à psicanálise.
Porém, chamava-se agora Senhora Jones - oficialmente.
Estalou a guerra pouco depois do regresso de Loe e Davy a Londres.
Anglófila casada com um americano, ela participou imediatamente
no esforço de guerra contra os Alemães: «Loe está a comprar grandes
quantidades de morfina para enviar aos exércitos no estrangeiro, pois,
quando o stock de morfina se esgotar, só a darão àqueles que são sus­
cetíveis de se restabelecer, enquanto aqueles que não têm esperança
terão de morrer na dor. Não é maravilhosa?» (Jones em carta a Freud,
3 de agosto de 1914). Loe odiava agora tudo o que era alemão e pro­
meteu a si própria nunca mais meter os pés numa casa «germânica»,
incluindo a de Freud. Como, apesar de tudo, continuava a ter afeição
pelo seu ex-analista, no fim da guerra propôs-lhe que fosse morar per­
manentemente em Haia, na casa do seu irmão Kobus, que emigrara
para a Palestina. Freud declinou polidamente, não deixando de lhe
perguntar como é que ela, judia, podia sentir tanto ódio.
Loe manteve-se morfinómana até ao fim da vida. Em 1938,
divorciou-se de Herbert Jones em Reno, no Nevada. Pouco depois,
em maio de 1938, Herbert desposou Olwen Pritchard, galesa de quem
teve dois filhos. No início de 1944, Anna Freud informou Ernest Jones
de que Loe acabara de morrer. Tinha sessenta e dois anos.

151
Karl Mayreder era um dos arquitetos mais em voga em Viena na
viragem do século. Tinha sido aluno do grande construtor vienense
Heinrich von Ferstel, sogro de Marie von Ferstel, e fazia parte da
vanguarda arquitetônica da época (Adolf Loos trabalhou algum
tempo no gabinete dele). Além da sua prática privada, exercia múl­
tiplas funções oficiais na comunidade urbana de Viena e lecionava
na Technische Hochschule, a escola politécnica mais prestigiosa
do Império Austro-Húngaro, da qual se tornou rapidamente reitor
em 1922-1923. Rosa Mayreder, sua mulher, era uma figura de proa
do movimento feminista, especialmente pelos livros Zur Kritik der
Weiblichkeit75 (1905) e Geschlecht und Kultur76 (publicado em 1923,
mas já escrito, no essencial, em 1915).
A família Mayreder estava muito ligada a Friedrich Eckstein e à
irmã deste, Emma, e a rede de amigos deles coincidia por isso com
a de Freud. Fritz Eckstein apresentara-os no final dos anos 1880 a um
círculo de artistas, reformadores e teósofos que se reunia em torno da
carismática militante feminista Marie Lang na Vila Bellevue (uma
residência de veraneio nos arredores de Viena igualmente freqüentada
nessa época por Freud, que aí teve o seu famoso «sonho de Irma»).
O círculo incluía, entre outros, o antropossofista Rudolf Steiner e
o compositor Hugo Wolf, para quem Rosa compôs o libreto da ópera
O Corregedor (Der Corregidor, 1896).

75 Para Uma Crítica da Feminilidade [N. TJ.


76 Sexo e Cultura [N. T.].

152
O casal Mayreder não tinha filhos (Rosa abortara em 1883).
Era, todavia, muito unido, apesar de Rosa ter tido duas ligações
extraconjugais. Karl defendia incondicionalmente Rosa em todos
os seus projetos literários e políticos, pelo que Rosa lhe estava grata.
O casamento deles foi, no entanto, posto à prova a partir de 1912,
quando Karl Mayreder desenvolveu uma grave depressão melancólica
que duraria, com algumas interrupções, até à sua morte em 1935.
O diário íntimo mantido por Rosa Mayreder durante esses anos
rememora lancinantemente a penosa doença de Lino (o diminutivo
que ela utilizava para Carlino, «pequeno Karl»). Qualquer doença,
escrevia ela, é terrível, mas esta minava o próprio alicerce do casamento
deles, pois modificava a «personalidade» do marido e «o amor que ela
inspira». Karl chorava, tinha acessos de angústia, autocensurava-se
de modo delirante. Por instantes, ficava também agitado e tornava-se
agressivo para com ela: «Esta manhã, as crises de agitação de Lino
intensificaram-se até atingirem uma espécie de loucura: ele declama,
zomba, exprime pensamentos suicidas, esconde-se no armário, diz
que queria bater-me para dar largas ao seu ressentimento contra mim»
(6 de novembro de 1912). Não deixando de nutrir regularmente pensa­
mentos de fuga, Rosa ficou ao lado do marido até ao fim, procurando
desesperadamente apoio junto de sucessivos médicos (teve cinqüenta
e nove ao todo, num período de treze anos).
Freud foi o vigésimo quinto. Rosa encontrara na rua Paul Federn,
irmão da sua amiga feminista Else Federn, e instara-o a ir ver Freud,
que era evidentemente conhecido da família Meyreder (em 1906,
Rosa escrevera inclusive uma elogiosa recensão dos Três Ensaios sobre
a Teoria da Sexualidade). Rosa deslocou-se, pois, com Karl a casa de
Freud. O tratamento começou no dia seguinte, 21 de janeiro de 1915,
e duraria apenas dez semanas.
Em 14 de fevereiro, Rosa confidenciava no seu diário que Freud
dissera a Karl que ela não era «a mulher de que ele precisava» e que
«há muito tempo se tinham apossado dele uma frieza e um distancia­
mento em relação a mim: como todos os médicos, entendera-o como
um efeito secundário da sua doença». Depois, Freud fora mais exato:
segundo ele, a doença de Lino eclodira na altura da menopausa de Rosa,

153
quando a esperança de ter descendência se dissipara definitivamente.
Rosa estava indignada por lhe assacarem assim a responsabilidade
pela doença do marido. No decorrer de uma disputa entre eles, fez-
-lhe saber que todos os médicos lhe tinham assegurado que ela podia
dar à luz, apesar do seu aborto espontâneo, e que não tinham tido
filhos muito simplesmente porque ele nunca manifestara o desejo de
ter um. «A sua vida estava de tal forma absorvida pelo trabalho que,
nos momentos de ira, eu lhe dissera várias vezes: “Ainda temos sorte
por não termos filhos, pois, na verdade, eles não teriam tido pai!”»
Quando Karl relatou essa conversa a Freud, este repreendera-o
por ter falado à mulher daquilo que se dizia no sigilo do gabinete.
Pressupunha-se que o tabique entre a análise e o mundo exterior devia
manter-se perfeitamente estanque. Rosa, por seu turno, estava cada vez
mais transtornada devido às imputações de Freud. Pensava em deixar
o marido, «tanto mais que acho intolerável a ideia de que a relação
dele comigo é que deveria, por assim dizer, ser censurada por causa da
doença de Lino. A atração da sexualidade comum [...] vai ser o pivô
da teoria de Freud, pressinto-o, embora ele não tenha aparentemente
exercido qualquer influência sobre este aspeto da vida psíquica de Lino.
Mas porque é que ele também evita interrogar-me a mim? Contenta-
-se com a apresentação unilateral dos factos por um doente? E aquilo
que ele retira da «inconsciência» de Lino poderá substituir aquilo que
só eu sei e vivi? Pouco importa - atingi o limite das minhas forças.»
Karl parece ter referido as queixas de Rosa ao analista, pois este
evitou intervir na vida conjugal deles: «Freud explicou a Lino que eu
estava equivocada acerca da sua posição em matéria de coisas sexuais;
ele nunca aconselhou qualquer paciente a alterar a sua vida sexual, se
o próprio paciente não tiver manifestado esse desejo, na medida em
que nunca dá diretivas sobre a maneira de conduzir a vida.»
Pouco convencida, Rosa foi a casa da amiga Emma Eckstein: «Falei
de novo circunstanciadamente [com ela] de Lino e do tratamento de
Freud.» Freud atribuía agora a falta de confiança de Karl a um conflito
latente com o pai, o hoteleiro Leopold Mayreder - conflito, dizia
Rosa, «do qual nunca ninguém até então notara o mínimo vestígio».
O diário não diz qual foi a reação de Emma Eckstein, mas alguns

154
dias mais tarde, em n de março, o seu irmão Fritz foi visitar Rosa
e aconselhou-a a não deixar Karl com Freud para além da Páscoa.
Visivelmente, a família Eckstein já não estava convencida dos talentos
de terapeuta do seu amigo Sigmund.
Rosa seguiu o conselho de Fritz Eckstein, e o tratamento foi in­
terrompido uma semana antes da Páscoa, em 27 de março de 1915.
No mesmo dia, Freud escreveu ao seu discípulo Karl Abraham: «En­
contrei a confirmação da solução da melancolia num caso que estudei
durante dois meses, embora sem visível êxito terapêutico, o qual, no
entanto, virá provavelmente depois.» Freud alude neste passo ao seu
artigo “Trauer und Melancholie”77, cuja redação começara em feve­
reiro de 1915, precisamente no momento em que atribuía a depressão
melancólica de Karl Mayreder ao resfriamento do seu amor por Rosa.
A tese desse artigo é simples: a melancolia deve-se ao «luto» patológico
por um objeto do qual o sujeito teve de retirar a sua libido e com
o qual se identificou de modo regressivo, dirigindo a partir de então
a si próprio recriminações efetivamente destinadas ao objeto perdi­
do. Eis, pois, a teoria que o caso Mayreder (e só ele, aparentemente)
tinha «confirmado»: Karl Mayreder adoecera no momento em que
retirara o seu amor à mulher, porque ela atingira a menopausa e já
não podia dar-lhe filhos. As censuras com que se recriminava eram,
de facto, destinadas a Rosa.
Esta «solução» para o problema da melancolia não ajudou muito
Mayreder, cujo estado permaneceu inalterado. Em vão consultou
dezenas doutros especialistas ao longo dos anos, entre os quais Alfred
Adler, Paul Federn, o futuro prêmio Nobel de Medicina Julius Wagner
von Jauregg (que recomendou um tratamento hormonal) e Eugen
Steinach (que atribuiu a doença a uma insuficiência das secreções
glandulares). «Cinqüenta médicos», exclamou Rosa em 1927, «e nem
um só diagnóstico correto! Será de admirar que, perante tais “homens
de ciência”, as pessoas se virem para os charlatães?»
Os oráculos de Freud continuaram, contudo, a assombrar o casal
Mayreder durante longos anos. Em 1916, Rosa soube por Mitzi, irmã

77 “Luto e Melancolia” [N. T.].

155
de Karl, que este lhe confidenciara que «Freud considerava o seu (não
reconhecido) ódio a mim como uma das causas da sua doença». Uma
vez mais, Rosa tentou convencer Karl do absurdo da explicação freu­
diana. Freud confundia o efeito da doença (a agressividade de Karl
para com Rosa) com a sua causa: «O erro fundamental de Freud é
confundir a psique do neurótico com a psique sã e utilizar os processos
daquela para explicar esta - em vez de explicar, pelo contrário, a pessoa
doente pelos desvios da pessoa que goza de boa saúde. Freud faz dos
efeitos secundários causas eficientes; além disso, não se dá conta de
que não coloca qualquer barreira à sua genial arte de interpretação.»
Karl não sabia o que responder. «E, contudo, a sugestão da au­
toridade de Freud é sempre tão forte que, a cada objeção [da minha
parte], replica: “Vai falar com ele e refutará tudo da maneira mais
nítida” - do que eu também não duvido, precisamente porque ele é
um dialético da psicologia tão excelente e, além disso, um monómano
do seu sistema.»
Em 5 de julho de 1923, Rosa anotava ainda no seu diário: «”Es-
crevi a minha necrologia”, disse Lino ao pequeno-almoço. E, após
uma pausa, acrescentou: “Tem por título: Morte do marido de Rosa
Mayreder”. A princípio, ri-me, mas logo vi que isso corroborava
a opinião de Freud segundo a qual ele sofre da minha personalidade,
porque ela suprime a sua prerrogativa masculina. [...] Se tivesse de
admiti-lo, seria para mim o martírio derradeiro, a perda completa de
tudo o que tornou preciosa a nossa vida juntos.»
Rosa e Karl Mayreder repousam agora lado a lado no cemitério
central de Viena, unidos na morte como tinham estado em vida, apesar
de todas as dificuldades e dos golpes da sorte. Em 1997, 0 governo
austríaco mandou imprimir uma nota de 500 xelins na qual figuram
ambos, ao pé de uma foto dos participantes na Convenção Federal
das Associações de Mulheres Austríacas de 1911.

156
Margarethe Csonka estava destinada a uma vida de sonho. Arpad
Csonka, pai dela, era o maior importador de petróleo do Império
Austro-Húngaro, assim como um parceiro dos banqueiros Rothschild.
De origem judaica mas convertida ao catolicismo, a família Csonka
fazia parte do ducado Gota austríaco. Muito galante, a mãe de Marga­
rethe não ficava indiferente às atenções dos homens, e murmurava-se
que Paul Csonka, um dos irmãos de Margarethe, era filho ilegítimo
do imperador Francisco José. Margarethe e os três irmãos levavam
a vida descuidada da abastada juventude vienense: mundanidades,
belos carros, castelos e palácios. No verão, encontravam-se em Brioni
ou no Semmering com as famílias Wittgenstein, Ferstel, Von Stürgkh
e Von Ruessler. Todavia, Paul Csonka escaparia a esse mundo, vin-
do a ser um compositor e chefe de orquestra de renome, amigo de
Karajan, Toscanini e Klemperer.
Margarethe sempre se sentira atraída por mulheres. Apaixonava-se
por esta ou por aquela, de modo ideal e platônico. Fascinava-a a be­
leza feminina, não a relação carnal (por isso repelira as investidas da
amiga Christi Kmunke, lésbica assumida). Aos dezassete anos, teve
uma paixão fulminante pela sulfurosa baronesa Leonie von Puttka-
mer. Oriunda da nobreza prussiana, era uma semimundana que se
fazia sustentar por homens, não deixando de se exibir abertamente
com mulheres. No início dos anos 1920, teria uma relação turbulenta
com a bailarina berlinense Anita Berber, sendo acusada pelo marido
desta, David Gessmann, presidente da câmara agrícola austríaca, de
ter tentado envenená-lo (foi absolvida após ter passado algum tempo
na prisão). Margarethe mantinha com Leonie uma verdadeira relação

157
de amor cortês, servindo a sua Dama sem esperar nada em troca. Por
seu turno, Leonie tolerava essa jovem admiradora e levava-a com ela
para cafés e lojas, um pouco como se passeia um cachorrinho.
Os pais de Margarethe, especialmente o pai, inquietavam-se com
essa paixoneta suscetível de atentar contra a boa reputação da filha.
Num dia em que Margarethe e Leonie passeavam de braço dado na
rua, Margarethe avistou o pai a falar com um colega no outro lado do
passeio. No artigo que consagrou ao caso de Margarethe Csonka (“Über
die Psychogenese eines Falles von weiblicher Homosexualität” 78),
Freud escreve que o pai «lhe lançou um olhar furioso», razão pela
qual a jovem, transtornada, «se agarrou ao braço da companheira,
transpôs um parapeito e se precipitou para a via férrea urbana, qüe
passava em baixo». Na realidade, segundo o relato feito mais tarde
por Margarethe Csonka às respetivas biógrafas Diana Voigt e Ines
Rieder, ela separara-se de Leonie logo que avistara o pai e desatara
a correr em sentido contrário para evitar o olhar dele. Numa mirada
furtiva, dera-se, no entanto, conta de que o pai não reparara nela
e estava a subir para um elétrico. Regressou então para junto da
baronesa, mas esta, humilhada pelo facto de a jovem não ter tido
coragem de se mostrar ao lado dela, deu-lhe secamente a entender
que não queria voltar a vê-la. Só nesse momento é que Margarethe
tentara o suicídio, que não fora, portanto, motivado pela vergonha de
ter sido descoberta pelo pai, mas pela vontade de provar à baronesa
a profundidade do seu amor.
Alarmado com a tentativa de suicídio da filha, Arpad Csonka
decidiu enviá-la a Freud para que ele a encarrilhasse em sentido
heterossexual. Freud não lhe prometeu nada, bem ciente de que tal
objetivo tinha poucas probabilidades de ser alcançado, mas aceitou,
apesar de tudo, tratar Margarethe durante algum tempo. Nessa época
de colapso político e econômico, a inflação tornara-se galopante e
Arpad Csonka podia pagar em divisas (dez dólares por hora). Fez
com que Margarethe prometesse não voltar a ver Leonie von Putt-
maker enquanto durasse o tratamento (entretanto, comovida com

78 “Sobre a psicogénese de um caso de homossexualidade feminina” [N. TJ.

158
a tentativa de suicídio da jovem, Leonie aceitara reatar relações com
ela). Margarethe prestou-se ao jogo para agradar ao pai, embora não
fizesse obviamente a mínima tenção de respeitar o contrato que ele
lhe impusera.
Todos os dias, a meio da tarde, Margarethe dirigia-se ao n.° 19 da
Berggasse e submetia-se polidamente ao ritual da análise: «A análise
desenrolou-se, por assim dizer, sem o menor indício de resistência:
a analisanda era muito cooperante do ponto de vista intelectual,
embora sem perder a tranqüilidade de espírito. Num dia em que lhe
expliquei um ponto teórico particularmente importante e que lhe
dizia diretamente respeito, ela deu-me esta réplica pronta, num tom
inimitável - “Ah, mas é muito interessante!” - , como uma senhora
do mundo que se leva a passear a um museu e que examina com o seu
lornhão objetos que lhe são perfeitamente indiferentes.» Depois disso,
Margarethe encontrava-se com a sua querida Leonie num Kaffeehaus,
e as duas amigas riam-se jovialmente às gargalhadas dos impertinentes
oráculos do doutor: Margarethe, afirmava ele, desviara-se dos homens
por despeito, porque o querido pai tinha feito um filho à mãe, que
ela odiava inconscientemente!
A Kurt Eissler, mais tarde, Margarethe contaria como levara Freud
de barco durante o tratamento. Num dia em que tinha inadvertida­
mente mencionado um dos seus encontros ilícitos com Leonie, Mar­
garethe emendara a mão, afirmando descaradamente que se tratava
de um sonho. Freud ficou deslumbrado e ela - que nunca sonhava
- continuara, portanto, a servir-lhe sonhos fabricados por medida,
para ter sossego. Após algum tempo, Freud acabou, no entanto, por
suspeitar que algo não batia certo nesses sonhos demasiado perfei­
tos: «Num determinado momento, pouco depois do início da cura,
a jovem apresentou-me uma série de sonhos que, para serem propria­
mente alterados e redigidos na língua do sonho mais correta, eram,
contudo, fáceis de traduzir sem risco de erro. Porém, o seu conteúdo
interpretado era espantoso. Antecipavam a cura da inversão [sexual]
pelo tratamento, exprimiam a alegria da jovem perante as perspetivas
que se abririam então na sua vida, revelavam o desejo nostálgico de
ser amada por um homem e de ter filhos, e podiam, pois, ser saudados

159
como uma estimulante preparação para a transformação desejada.»
Tais sonhos, prosseguia Freud, eram «falsos ou hipócritas, e o seu
intuito era iludir-me como ela costumava enganar o pai».
Freud não deduziu por isso que fora deliberadamente ludibriado
pela jovem. O bom inconsciente não poderia mentir: segundo ele,
esses sonhos enganosos ficavam a dever-se a uma transferência positiva
para a sua pessoa e ao desejo inconsciente de Margarethe de agradar
ao pai analista. Tal transferência positiva não era, todavia, suficiente
para superar a transferência negativa que a paciente alimentava simul­
taneamente a seu respeito. Ela transferira para ele «a radical rejeição
do homem pela qual estava dominada desde que o pai a dececionara»
e, por conseguinte, resistia secretamente ao tratamento. Freud decidiu,
portanto, pôr fim à análise, para grande alívio de Margarethe. O tra­
tamento fracassara, mas, pelo menos, o material clínico respigado
nessa ocasião iria permitir que o analista escrevesse um brilhante
artigo sobre a psicogénese da homossexualidade feminina.
Quanto a Margarethe, contente por livrar-se da análise, retomou
a sua vida frívola. Depois de Leonie, apaixonou-se por muitas outras
mulheres e até por alguns homens, sempre na mesma base ideal e
estética. A carne dececionava-a na maior parte do tempo. Fez ainda
outras duas tentativas de suicídio, também por razões sentimentais.
Em 1930, casou-se com o barão Eduard von Trautenegg, um vai­
doso fidalgote provinciano mais interessado na fortuna da família
Csonka do que na mulher. A respeitabilidade heterossexual bem valia
o sacrifício, neste caso, uma conversão do marido do catolicismo
ao protestantismo.
Margarethe Csonka não prestou atenção às nuvens que vinham
da Alemanha. Vivia no seu mundo encantado e não se interessava
particularmente por política. Quando o marido, um nostálgico do
Império Austro-Húngaro, se aproximou dos nacional-socialistas,
Margarethe não achou nada que dizer. Embora de origem judaica,
ela própria era espontaneamente antissemita: «Nós não temos nada
a ver com essa gente!» Após a Anschluss 79, os nazis encarregaram-se

79 Consultar nota 39 [N. TJ.

16o
de a esclarecer sobre a realidade da sua situação. O seu casamento
com o ariano Eduard von Trautenegg foi anulado por motivos ra­
ciais e o ex-marido surripiou-lhe os bens e a fortuna. Os seus amigos
judeus ou homossexuais eram detidos e deportados uns atrás dos
outros. A mãe dela juntou-se ao filho em Paris. Paul Csonka e o seu
outro irmão encontraram refúgio em Cuba, como tantos outros
judeus nessa época (Paul assumiu a direção da Ópera Nacional de
Havana e da Orquestra Nacional). Quanto a Margarethe, esperou
até ao último momento para deixar a Áustria. Em agosto de 1940,
usando ousadamente o seu passaporte em nome da baronesa Von
Trautenegg, dirigiu-se para Berlim, donde apanhou um dos últimos
comboios para Moscovo. Após um périplo de cinco meses através da
Rússia, da Manchúria, do Japão, de Honolulu e de San Francisco,
chegou finalmente a Havana, onde o irmão Paulo a acolheu na casa
que mandara construir.
Começou uma longa existência de exilada permanente. Já não
estava bem em lado nenhum. O seu mundo desaparecera, engolido
pela guerra e pelos campos de concentração. Evaporada a fortuna da
família Csonka, Margarethe teve necessidade de trabalhar o resto da
vida como dama de companhia ou precetora de crianças em casa de
famílias abastadas. Em 1947, trocou Cuba pelos Estados Unidos; em
1949, regressou à Europa e, por fim, a Viena. Viveu um grande amor
com uma amiga cujo marido fora assassinado pelos nazis, mas esta
acabou por abandoná-la. Depois, a partir de i960, viveu na Tailân­
dia, em Espanha, novamente nos Estados Unidos, em Espanha (de
novo), no Brasil e, por último, em Viena, onde voltou a instalar-se
em 1973. Morreu no verão de 1999 no lar de idosos do 12.0 bairro de
Viena para onde se retirara, no final de um século que ela atravessara
de uma ponta a outra.
Entretanto, vários investigadores tinham acabado de descobrir
que essa velha senhora viva e distinta não era outra senão o famoso
caso de homossexualidade feminina imortalizado por Freud. Durante
os anos 1990, Diana Voigt e Ines Rieder recolheram a historia da sua
vida de «lésbica no século», extraindo daí um livro abundantemente
documentado e ilustrado que saiu em 2000. Outros, como Kurt Eissler

16 1
OS PACIENTES DE FREUD

ou o psicanalista August Ruhs, interessaram-se, acima de tudo, pela


sua análise com Freud. O problema é que ela não tinha grande coisa
a dizer sobre isso. Um ano antes da sua morte, confidenciava a Ruhs:
nna
«Pois sim! Não apreciei muito o Doutor Freud. Isso também não
contribuiu nada, achei-o um velho desinteressante. [...] Um dia, ele
disse-me: “Ponho-a em contacto com as moções mais recônditas da sua (1895-1982)
alma e, para si, é como se eu lhe lesse algo em voz alta no jornal...”.»
Anna Freud, c. 1915.

Era a mais novinha: nascida a 3 de dezembro de 1895, Anna Freud,


sexto filho de Martha e Sigmund Freud, não fora desejada. Esgotada
pela sexta gravidez, Martha não a amamentou. Mais tarde, Anna
recordar-se-ia de uma infância bastante infeliz. Na economia domés­
tica do n.° 19 da Berggasse, tudo girava em torno de «Sigi»/«Papá»,
e Anna invejava as outras mulheres da família - Martha, Tia Min­
na (Minna Bernays) e, sobretudo, a mana Sophie, mais bonita e
a preferida dos pais (em 1913, Freud evoca numa carta os «ciúmes
E. Ferstel e M. Csonka a bordo de um descapotável. de Sophie» que Anna «sempre» sentira). Anna era uma criança
problemática, incansavelmente reivindicadora e «destemperada».
Tinha também períodos de apatia, durante os quais se sentia triste
e dumm (estúpida). Preocupados com a sua saúde física e psíquica,
os pais enviavam-na regularmente para o campo ou para estâncias
de cura, a fim de repousar e ganhar peso.
Durante as suas fases de abatida «estupidez», Anna refugiava-
-se numa intensa atividade fantasmática e masturbatória. A partir
dos cinco-seis anos de idade, começou a contar a si própria «lindas
histórias» nas quais um rapaz que visivelmente a representava era
«espancado» ou humilhado por um homem mais velho. Estes fantas­
mas de humilhação e fustigação, que continuaram até à idade adulta,
eram habitualmente acompanhados de masturbação, quando não
a substituíam para obter prazer. Anna tinha também sonhos em que
servia ou defendia uma figura paterna: «Sonhei recentemente que eras
um rei e eu uma princesa, que havia pessoas a querer separar-nos no
meio de intrigas políticas. Não era agradável e foi muito perturbador»
(Anna Freud em carta ao pai, 6 de agosto de 1915).

162 16 3
Anna, que começara a assistir às reuniões da Sociedade Psica­
nalítica de Viena a partir dos catorze anos, contava tudo ao pai.
Em janeiro de 1913, numa carta endereçada de Merano, para onde
fora enviada a fim de se ocupar da própria saúde, Anna evocava em
termos velados os sentimentos de culpa que lhe causava «isso» -
por outras palavras, a masturbação, que o pai parece efetivamente
tê-la proibido de praticar ou aconselhado a abandonar: «Se tenho
um dia estúpido (dumm), tudo me parece correr mal; hoje, por
exemplo, não posso compreender como isso pode ser tão estúpido.
Já não quero ter isso, pois quero ser (ou, pelo menos, vir a ser) uma
pessoa razoável, embora nem sempre possa impedir-me de fazê-lo
quando estou só.»
Pelo menos, Anna tornara-se bastante «razoável» em 1914, para
encetar estudos a fim de ser professora primária. Tinha dezoito anos.
Durante o verão, foi a Inglaterra, onde Ernest Jones lhe fez a cor­
te. Alarmado, Freud enviou-lhe uma carta para a prevenir contra
as investidas dele. A Jones escreveu que «ela não espera ser tratada
como mulher, estando ainda afastada dos desejos sexuais e rejeitan­
do bastante o homem. Fica explicitamente entendido entre nós que
ela não deve pensar em casamento ou em preliminares antes de ser
dois ou três anos mais velha» (22 de julho de 1913). Na realidade,
Freud não tinha motivos para se inquietar: Anna estava muito mais
interessada em Loe Kann, a bela ex-amante de Jones (e ex-paciente
muito apreciada por Freud). «Sonho muitas vezes com ela», escreveu
Anna ao pai, «também na noite passada. [...] Sabes que gosto muito
dela». Todavia, estalou a guerra e foi preciso voltar precipitadamente
para Viena, onde Anna passou os quatro anos seguintes a formar-se
como professora primária, não deixando de continuar a interessar-se
pela psicanálise.
Em outubro de 1918, aos vinte e dois anos, Anna encetou uma
análise com o pai. Não era a primeira vez que Freud analisava uma
das filhas, pois parece ter feito o mesmo com Sophie. Porque é que
Anna decidiu deitar-se no divã? Tinha decerto a ideia de se formar
em análise, tencionando aplicá-la à pedagogia, embora seja certo que
também concorreram fatores muito pessoais. No artigo “Ein Kind

164
wird geschlagen” 80, baseado em larga medida na análise de Anna,
Freud fala de um caso «que só exigira análise por causa da sua impo­
tência em tomar decisões; um grosseiro diagnóstico clínico não a teria
classificado de modo algum ou tê-la-ia descartado com a etiqueta de
“psicastenia” (atualmente falaríamos de depressão). Anna —pois é
dela que se trata, muito provavelmente - sentia-se mal na sua pele e
no seu sexo. É certo que não lhe faltavam pretendentes - declarados
ou não (Hans Lampl, August Aichborn, Siegfried Bernfeld, Max
Eitingon) - , mas Anna não conseguia desligar-se do pai e enfrentar
aquilo a que Freud chamava a «genitalidade». Freud dava conta dessa
inquietação à amiga e discípula Lou Andreas-Salomé, não deixando
de revelar-lhe que, caso Anna tivesse de deixá-lo um dia, ele expe­
rimentaria uma sensação de privação «como se tivesse de deixar de
fumar!» (13 de março de 1922).
Em dezembro de 1918 (ou seja, apenas algumas semanas após
o início da análise de Anna), Freud começou a redigir o ensaio
“Ein Kind wird geschlagen”, no qual fornecia a chave edipiana dos
fantasmas masturbatórios da filha: o rapaz espancado era a própria
Anna, e o idoso que o humilhava ou fustigava era o próprio pai, que
a punia no seu fantasma de querer ir para a cama com ele. Ela desejara
sadicamente que o pai batesse noutra criança (Sophie) com quem
ela disputava a posse exclusiva dele, e faltava-lhe agora ter o prazer
masoquista de ser espancada pelo progenitor. (Imagine-se a cena:
o «Papá» a fumar um charuto após a refeição e a oferecer tal inter­
pretação à filha estendida no divã...) Anna retomou a interpretação
por sua conta no ensaio “Schlagephantasie und Tagtraum” 81, que leu
perante a Sociedade Psicanalítica de Viena, em maio de 1922, com
vista a tornar-se psicanalista, mas sem revelar que o caso aí descrito
era, de facto, o seu próprio, analisado não por ela, mas pelo presidente
honorário do júri que iria abonar a sua candidatura.
A análise paterna durara quatro anos. Entretanto, Anna começara
a analisar os rapazes de Sophie após a morte desta em 1920, continuando

80 “Uma criança é espancada” (consultar Fontes, na parte final desta obra) [N. TJ.
81 “Fantasma de ser espancado/a e sonho diurno” [N. TJ.

165
assim a tradição da família Freud na geração seguinte. Em 1923, após
a descoberta do cancro no maxilar de Freud e a primeira operação
cirúrgica deste, Anna prometeu nunca o deixar - promessa que rece­
beu a bênção de Lou Andreas-Salomé, com quem Anna prosseguia
uma espécie de análise paralela desde 1921. Suplantando, a partir
de então, a mãe e a Tia Minna junto do pai, Anna passou a ser a
Antígona de Édipo decadente, numa espécie de remake vienense da
tragédia dos Atridas.
No ano seguinte, Anna regressou ao divã do Papá. Como explicou
a Lou, era de novo atormentada por fantasmas que a deixavam dumm,
como outrora, e sentia «uma intolerância crescente - por vezes tanto
física como mental —no que respeita aos fantasmas de ser espancada
e às respetivas seqüelas [a masturbação] de que não posso privar-me».
Freud aproveitou-se disso para escrever um segundo artigo baseado,
segundo toda a probabilidade, na análise da filha (“Einige psychis­
che Folgen des anatomischen Geschlechtsunterschieds” 82, 1925),
no qual aprofundou a análise do ciúme, que constituía o principal
traço de carácter de Anna. Aquilo que a menina verdadeiramente
inveja é o pénis dos rapazes, que ela «lhes inveja» a partir do mo­
mento em que se dá conta de que não o tem. Voltando ao ensaio
“Ein Kind wird geschlagen” 83, Freud propunha assim ver no rapaz
espancado o clítoris-pénis masturbado durante a fase fálica da me­
nina: «A masturbação do clítoris é uma atividade masculina e [...]
a eliminação da sexualidade clitoridiana é uma condição do desen­
volvimento da feminidade.» Freud acrescentava, de um modo mais
geral, que o Édipo feminino era fruto da substituição pela menina
da sua inveja do pénis pelo desejo de ter um filho - daí, o amor
pelo pai e o ciúme em relação à mãe. E, por fim, isto: «Quando,
mais tarde, essa ligação ao pai soçobra e tem de ser abandonada, ela
pode ceder perante uma identificação com o pai pela qual a filha
retorna ao complexo de masculinidade a que eventualmente se fixa.»
Aquando do Congresso Psicanalítico Internacional realizado em

82 “Algumas conseqüências psicológicas da diferença anatômica entre os sexos”


(Consultar Fontes, na parte final desta obra) [N. TJ.
83 Consultar nota 81 [N. TJ.

166
Bad Homburg em setembro de 1925, Anna leu tal oráculo edipiano
em lugar do pai, bastante doente para proferi-lo ele próprio. Como
todos os oráculos, este estava a concretizar-se.
Nesse ano, um pouco antes, estando Anna ainda no seu divã,
Freud queixara-se de que não conseguia desligá-la dele, ou seja, por
outras palavras, fazê-la sair do Édipo. No fim de março, escrevia
a Anna von Vest: «A pequena não quer casar-se.» E a Lou, em 10 de
maio de 1925: «Tenho medo de que a sua genitalidade suprimida lhe
pregue um dia uma partida. Não posso libertá-la de mim, e ninguém
me ajuda a fazê-lo.» A chegada de Dorothy Burlingham a Viena iria
mudar as coisas, não deixando de confirmar o prognóstico de Freud
acerca do retorno da jovem (sua filha) ao «complexo de masculinidade».
Dorothy Tiffany Burlingham, nascida em 11 de outubro de 1891,
era a filha mais nova do milionário criador das famosas lâmpadas
Tiffany, Louis Comfort Tiffany. Em 1914, casara-se com o cirurgião
Robert Burlingham, filho de um grande advogado nova-iorquino e
cacique do Partido Democrata, Charles Cult Burlingham. O casal
tivera quatro filhos (Bob, Mabbie, Tinky e Mikey), mas depressa se
tornara evidente que Robert Burlingham sofria de psicose maníaco-
-depressiva. Esgotada pelas constantes crises do marido e preocupada
com o equilíbrio psíquico dos filhos, Dorothy decidiu, em 1925, levá-
-los a Viena para mandá-los psicanalisar por Anna Freud. Aquando
de uma conversa preliminar durante o verão de 1925, Anna aceitou
analisar Bob e Maddie (assim como, um pouco mais tarde, Adelaide
Sweetzer, filha de um casal amigo de Dorothy). Arranjou igualmente
para Dorothy uma análise com Theodor Reik. Em setembro, preci­
samente no momento em que Anna lia o texto do pai no Congresso
de Bad Homburg, Dorothy e os filhos foram instalar-se em Viena
na luxuosa casa de um príncipe húngaro.
Anna ficou logo com uma vontade imperiosa de «ter» para ela
a família Burlingham - tanto os filhos como a mãe. As duas mulheres
viam-se constantemente para falar das crianças, tornando-se rapidamente
inseparáveis. Passavam o tempo livre a explorar juntas os arredores de
Viena no Ford modelo T de Dorothy (uma raridade em Viena nesses
tempos de penúria), muitas vezes com o Papá no banco de trás.

167
Anna tinha vergonha da sua possessividade em relação a Dorothy
e aos filhos desta, muito «especialmente diante do Papá», como es­
creveria a Max Eitingon em 5 de fevereiro de 1926. Incapaz de falar
disso diretamente ao pai deitada no divã, instituíra Eitingon como
confidente/analista - situação da qual Eitingon obviamente pusera
Freud ao corrente. Freud estimava muito Dorothy, assim como o cão
que ela lhe oferecera, um chow-chow chamado Lun Yu. Numa carta
a Lou datada de 11 de maio de 1927, qualificava-a bizarramente de
«virgem infeliz», o que parece indicar que identificava na sua mente
essa mãe de quatro filhos com a filha solteira (senão assexuada).
Anna e Dorothy passavam os fins de semana numa casa que alu­
garam em Neuhaus, antes de comprarem em conjunto uma pequena
quinta em Hochrotherd, perto de Viena, com vacas, galinhas e horta.
As famílias Freud e Burlingham também se juntavam nas férias. No
outono de 1929, Dorothy e os quatro filhos mudaram-se para um
apartamento que ficava por cima do apartamento da família Freud
no n.° 19 da Berggasse, o que era muito prático na medida em que
Anna, desde 1927, conseguira que Dorothy trocasse o divã de Reik
pelo do seu pai (Dorothy ficaria lá praticamente até à morte de Freud).
Assim, Dorothy só tinha de descer um piso para a sua sessão diária,
enquanto os filhos se faziam psicanalisar por Anna, ela própria ana­
lisada episodicamente pelo pai. Dorothy também mandou instalar
uma linha telefônica direta entre o seu quarto e o de Anna, para que
pudessem falar à noite. Nesse ambiente familiar-analítico, não admira
que os inconscientes de uns e dos outros tenham comunicado tele­
paticamente. Assim, no ensaio “Traum und Okkultismus” 84, Freud
conta como um dos filhos de Dorothy entregara à mãe uma moeda
de ouro num dia em que ela acabara precisamente de falar ao seu
analista de uma certa moeda de ouro que desempenhara um papel
na infância dela. Como Freud escreveu a Ludwig Binswanger em
11 de janeiro de 1929: «Os nossos laços simbióticos com uma família
americana (sem marido), cujos filhos são seguidos analiticamente
com pulso firme pela minha filha, tornam-se cada vez mais sólidos.»

84 “Sonho e Ocultismo” [N. TJ.

168
Numa total identificação com o pai, Anna ocupava face aos fi­
lhos da família Burlingham simultaneamente a posição de analista e
a posição de autoridade «paterna» e educativa no casal que formava
com Dorothy. Sob a sua égide e em colaboração com Eva Rosenfeld,
uma outra amiga de Anna, Dorothy fundara efetivamente, em 1927,
uma escola privada - privadíssima - para os próprios filhos e outros
pequenos pacientes de Anna, como Ernst Halberstadt-Freud (filho
de Sophie), Adelaide e Harold Sweetzer, Peter Heller ou Victor Ross
(filho de Eva Rosenfeld). Em reação à rígida educação austríaca
da época, aplicavam-se nessa minúscula instituição, denominada
«Escola Caixa de Fósforos», princípios educativos antiautoritários,
sexualmente «esclarecidos» e psicanalíticos. Já adulto (e genro de
Dorothy), Peter Heller faria um balanço mitigado dessa experiência
pedagógica radical a que ele próprio foi sujeito: «Tivemos, na maioria
dos casos, dificuldade em responder às exigências da educação pública,
uma vez que a nossa escola especial foi dissolvida; e alguns, segundo
creio, nunca adquiriram a disciplina necessária para um substancial
contributo profissional.» Heller referiu também que «um aluno mais
velho se suicidara, acontecimento quase nunca mencionado e ainda
menos discutido no seio dessa comunidade educativa liberal e “de
espírito aberto”».
Durante esse tempo, Robert Burlingham, que era um pai e um
marido dedicado quando não atravessava uma das suas crises, ansiava
por rever a mulher e os filhos. Convencido de que Dorothy e os filhos
regressariam aos Estados Unidos quando a análise terminasse, pôs-
-se à procura de uma casa para o regresso deles, mas ao fim de um
certo tempo tivera de se render à evidência de que Dorothy não fazia
qualquer tenção de deixar Viena e a sua nova família. Segundo uma
das suas amigas, Robert «estava terrivelmente triste por momentos,
mas tentava [...] manter a esperança e não se deixar cair em depressão.
[...] Porém, depressa começou a decair de modo muito evidente».
Robert e o pai foram várias vezes a Viena para recuperar os filhos
e retirá-los da influência da família Freud, gerando assim intensos
conflitos entre os quatro pequenos de apelido Burlingham, dilacerados
entre o pai, a mãe e a analista. Robert Burlingham foi, no entanto,

169
persuadido a seguir um tratamento em Budapeste com George S.
Amsden, analista americano recomendado por Ferenczi. Segundo
Elizabeth Young-Bruehl, biógrafa de Anna Freud, «a família Freud
pressionou tanto Amsden como Ferenczi para que fizessem o possí­
vel para manter [Robert] Burlingham em Budapeste e convencê-lo
a não intentar um processo para obter a guarda dos filhos». Por fim,
Dorothy venceu a batalha, e Robert Burlingham só teve direito a ver
os filhos durante as férias - e nunca todos juntos, por medo de que
ele os raptasse. Em maio de 1938, Robert resolveu o problema por
e para toda a gente: atirou-se do 14.0 andar do prédio onde morava
em Nova Iorque.

D. Burlingham e A. Freud em Maresfield Gardens, 1979.

Pouco depois, a 4 de junho de 1938, a família Freud emigrou para


Londres, para o n.° 20 de Maresfield Gardens, no elegante bairro de
Hampstead. Fiel à promessa de nunca abandonar o pai, Anna decidiu
permanecer lá após a morte dele, em companhia de Martha, da Tia
Minna, da leal empregada doméstica Paula Fichtl - e de Dorothy,
como é óbvio. Momentaneamente bloqueada em Nova Iorque pela
guerra, Dorothy tivera efetivamente veleidades amorosas para com
o psicanalista Walter C. Langer (um analisando de Anna), mas, depois
de um episódio epistolar a ter feito temer perder Anna, reinstalara-se

17o
definitivamente com ela em março de 1940: «Sei que a vida sem ti
seria completamente destituída de sentido», declarou-lhe ela numa
carta em tom alarmado.
A partir de então, ambas formaram um casal, prosseguindo juntas
o respetivo trabalho analítico com crianças - primeiro no Children s
Rest Centre, infantário para órfãos de guerra, durante o período de
bombardeamentos da aviação nazi; após a guerra, na famosa Hamps-
tead Child Therapy Clinic. Os quatro filhos da família Burlingham
tinham-se casado entretanto e já não viviam com elas. Quando iam
visitar a mãe, precisavam simultaneamente estender-se no divã de
Anna, que continuava a ser a analista deles (os cônjuges não podiam
residir no n.° 20 de Maresfield Gardens, a fim de respeitarem a se­
paração entre espaço analítico e mundo exterior). Bob Burlingham,
que era, juntamente com o irmão e as irmãs, um dos dez casos nos
quais se baseara a Einführung in die Technik der Kinderanalyse85, de
Anna, esteve em análise com ela durante quarenta e cinco anos, até
à morte. Sofria de ciclos maníaco-depressivos idênticos aos do pai,
mas Anna opunha-se a que tomasse medicamentos. Pereceu aos
cinqüenta e quatro anos. A mana Mabbie, que Anna considerara
como o «mais bem sucedido» dos dez casos do seu livro, suicidou-se
com barbitúricos numa tarde em que estava no n.° 20 de Maresfield
Gardens. Isso não foi impedimento a que, no dia seguinte, Dorothy
analisasse um cliente: «A sessão continua.»
Quando Dorothy faleceu, em 19 de novembro de 1979, Anna
continuou. Até ao fim e tal como nos sonhos de juventude, protegia
Freud, seu pai, dos adversários e contra as ignomínias difundidas
por historiadores da psicanálise como Paul Roazen ou Peter Swales:
«Não era agradável, mas muito perturbante.» Anna morreu em 9 de
outubro de 1982, na seqüência de um ataque cerebral. Antígona
permaneceu virgem e fiel.

85 Introdução à Técnica de Análise de Crianças [N. TJ.

17 1
tíorace
T^rink
(1883-1936)

Contrariamente à maior parte dos pacientes de Freud até ao fim da


Primeira Guerra Mundial, Horace Westlake Frink não era nem judeu,
nem vienense, nem rico. Pertencia a um outro mundo, esse Novo
Mundo que Freud procurava conquistar, não deixando de menospre­
zar cordialmente o seu materialismo e a sua incultura. George Frink,
seu pai, possuía uma modesta fundição em Millerton, uma aldeola
a norte de Nova Iorque. Quando Horace tinha oito anos, a fundição
foi destruída por um incêndio e os pais dele partiram para refazer
a vida no Oeste dos Estados Unidos (Go West, young man), deixando
Horace e o irmão mais novo com os avós maternos em Hillsdale, no
estado de Nova Iorque. Horace nunca mais viveria com os pais. A mãe,
Henrietta Westlake, morreu de tuberculose quando Horace tinha
quinze anos, e o avô, George Westlake, tornou-se o tutor legal dele.
Aluno brilhante e atleta consumado, Frink fez estudos de medicina
na Cornell Medical School de Nova Iorque e obteve o doutoramento
em 1905. Estava destinado à cirurgia, mas uma infeção contraída no
indicador direito durante uma operação em 1907 fez com que não
pudesse voltar a dobrar o dedo, pondo assim termo à sua carreira cirúr­
gica. Regressou em 1908 a Hillsdale, onde o avô acabara de morrer, e
teve aí o seu primeiro episódio de depressão. Uma amiga de infância,
Doris Best, ocupou-se dele. Decerto sob o efeito dessa experiência
pessoal, voltou-se para a psiquiatria e começou a interessar-se pela
hipnose (que aplicou a pacientes na clínica Bellevue de Nova Iorque),
assim como pela psicanálise. Por volta de 1908-1909 (não se conhece
a data exata), foi ver Abraham Arden Brill, tradutor e principal re­
presentante de Freud nos Estados Unidos, e encetou uma psicanálise

172
J
HORACE FRINK

com ele, à razão de uma sessão semanal. O tratamento de Bill con­


sistia essencialmente numa análise dos sonhos de Frink. Em 1910,
tendo-se casado com Doris Best, Frink instalou-se como psicanalista
em Nova Iorque. Membro fundador da New York Psychoanalytic
Society com Brill, Clarence Oberndorf e Abram Kardiner em 1911,
foi eleito presidente dessa associação pela primeira vez em 1913, em
substituição de Brill. Em 1918, publicou Morbid Fears and Compul-
sions86 em colaboração com o jornalista Wilfred Lay. Escrito num
estilo expedito e reader-friendly, tratava-se da primeira apresentação
da psicanálise ao grande público americano. O livro teve muito êxito
e contribuiu de modo decisivo para a popularização da psicanálise
além-Atlântico. Em menos de dez anos, Frink conseguira impor-se
como o psicanalista mais em voga nos Estados Unidos.
A sua vida privada era menos gloriosa. Em 1913, tinha voltado
a fazer um trecho de análise com o seu colega Thaddeus H. Ames,
decerto para resolver problemas conjugais. O seu casamento com
Doris Best não era feliz, mais por causa dele do que dela. Doris
parece, de facto, ter sido muito dedicada a Horace, mas ele próprio
era agressivo para ela e enganava-a. A partir de 1915, recomeçou a ter
episódios depressivos que culminaram em 1916, ano em que nasceu
o seu filho John. Frink nutria pensamentos suicidas, cismava em
deixar a família. Depois, como conta numa autoanamnese redigida
mais tarde em honra de Adolf Meyer, a depressão deu subitamente
lugar à agressividade e a um sentimento de omnipotência.
Era o primeiro sinal de uma oscilação maníaco-depressiva que
duraria cerca de uma década, embora o próprio Frink não se tivesse
apercebido disso nessa época: «Não havia nada que sugerisse que se
tratava de uma manifestação hipomaníaca durante esse mesmo período.
Só quando relacionada com as anteriores depressões leves e o presente
ataque [depressivo] é que despertou a suspeita.» Em 1918, a depressão
reemerge após a publicação de Morbid Fears and Compulsions. Apesar
da receção muito positiva ao seu livro, Frink tinha a impressão de ter
sido ignorado e desenvolvia «dores de cabeça tóxicas» que foi tratar num

86 Compulsões e Medos Mórbidos [N. TJ.

173
rancho no Novo México. (No país dos cowboys., os ranchos substituíam
amiúde vantajosamente as termas e os sanatórios da elite europeia.)
Depois, havia o imbróglio psicanalítico-conjugal. Em 1912, Frink
começara a analisar uma herdeira rica, Angelika (Angie) Bijur, que
Brill lhe enviara. Angelika, que tinha vinte e oito anos nessa altura,
fazia parte da alta sociedade nova-iorquina. Jakob Wertheim, pai
dela, fizera fortuna na indústria do tabaco e presidia à United Cigar
Manufacturer Company, sendo, por outro lado, diretor da General
Motors e da Underwood Typewriter Company. Era também funda­
dor da Federation for the Support of Jewish Philanthropie Societies.
Por seu turno, Maurice Wertheim, irmão de Angelika, criaria um
dos fundos de investimento mais importantes dos Estados Unidos:
Wertheim & Co. Em 1907, Angelika desposara um homem com mais
dez anos do que ela, Abraham Bijur, também descendente de uma
família eminente (o tio dele, Nathan Bijur, tinha assento no Supremo
Tribunal dos Estados Unidos). O casal adotara duas crianças, Eliza­
beth e Dorothy Louise Bijur, mas o casamento não era muito feliz.
Brill conhecia pessoalmente a família Wertheim e preferira encami­
nhar Angelika para Frink, em vez de analisá-la ele próprio. Abraham
Bijur passou também brevemente pelo divã de Frink, antes de continuar
a sua análise com Thaddeus Ames. Os casais Frink e Bijur visitavam-se
à margem das análises. O que tinha de acontecer aconteceu: segundo
o relato feito por Frink a Adolf Meyer, ele apaixonou-se por Angie
em 1917 (durante o seu período hipomaníaco, portanto) e entabulou
uma relação com a sua paciente, a qual descobriu, maravilhada, uma
sexualidade intensa, como contaria, por seu turno, a Meyer: «A ma­
neira de fazer amor do Dr. Frink libertou-me da prisão em que me
tinha fechado.» Em 1920, Angelika declarou a Frink que o amava e
pôs-lhe claramente a questão do divórcio.
Frink hesitava em abandonar a mulher e os dois filhos (a filha
Helen acabara precisamente de nascer nesse mesmo ano). Decidiu,
pois, consultar Freud para que ele o ajudasse a resolver o seu dilema:
amava verdadeiramente Angie? Era a época em que todos os jovens
psiquiatras americanos - Clarence Oberndorf, Thaddeus Ames, Abram
Kardiner, Adolph Stern, Leonard Blumgard - viajavam até Viena para

174
se formarem em casa do mestre. Frink escreveu a Freud em julho de
1920 e este respondeu-lhe que ficaria feliz por recebê-lo no seu divã entre
março e meados de julho do ano seguinte: «O meu preço é o mesmo
para os médicos e para os pacientes habituais, $10 à hora, a pagar não
em coroas austríacas mas na moeda do vosso país. Sabe a que ponto
a nossa condição aqui é desoladora» (carta enviada a Frink em 10 de
outubro de 1920). O dinheiro não era um problema para Frink: Angie,
que esperava impacientemente o oráculo de Freud, pagaria a viagem e
a análise dele. Tinha igualmente prometido custear a análise de Munroe
Meyer, aluno de Frink com quem este tencionava associar-se.
Frink chegou a Viena em 27 de fevereiro de 1921. Freud pedira-
-lhe, em tom de brincadeira, para «trazer consigo um bocadinho de
neurose pessoal à qual a análise possa agarrar-se» (5 de agosto de 1920).
Frink levou-lhe uma psicose. Estava de novo numa fase hipomaníaca
e já não conseguia dormir. Tudo lhe parecia irreal, Viena parecia-lhe
um sonho. Na sua autoanamnese em honra de Adolf Meyer, escreve:
«Estava muito feliz, mais eloquente e cheio de graça do que nunca em
toda a minha vida, embora sempre tenha gostado de rir e tenha um
grande sentido de humor.» Freud estava encantado por encontrar em
Frink um homem espirituoso com quem podia rivalizar em humor:
«O seu sadismo recalcado ressurge sob a forma de um excelente humor
acrimonioso, mas também inofensivo. Nunca me assustou» (20 de
fevereiro de 1922). Num retrato inédito de Freud escrito na mesma
época, Frink insiste longamente neste aspeto: «Ele gosta muito de
rir e é um humorista de talento. [...] Saboreia um dito espirituoso
da mesma maneira que um francês degusta uma garrafa de vinho,
silenciosamente, como perito, contemplativo, com uma consciência
culta de todas as nuances do gosto.»
Visivelmente, Freud e Frink seduziram-se mutuamente. Freud pre­
feria, de longe, o vivo e espiritual (e hipomaníaco) Frink ao «fastidioso»
Adolph Stern ou ao «arrogante» Clarence Oberndorf. Decidiu logo fazer
dele o seu representante nos Estados Unidos, incentivando-o a suplantar
o seu amigo analista Abraham Brill. Como Mark Brunswick (um outro
americano em Viena) confidenciava ao historiador Paul Roazen, Freud
fazia uma «transferência completa» para Frink, o qual não lhe ficava

175
atrás. Ex-hipnoterapeuta, não tinha qualquer dificuldade em reconhecer
Freud como hipnotizador: «Freud sabe como hipnotizar e isso encontra-
-se na sua psicologia.» Mas isso não o impediu de sucumbir ao encanto.
Angelika Bijur escreveria mais tarde a Adolf Meyer que a atitude dele
em relação a Freud «era a de uma criança face a um pai omnisciente,
como mostra a sua aceitação obediente das orientações de Freud.»
Freud, como de costume, diagnosticou em Frink uma homosse­
xualidade recalcada - o que Frink, de maneira igualmente previsível,
negou com firmeza. Freud incitou-o a divorciar-se e a tornar a casar
com Angelika Bijur, para evitar ficar bloqueado numa homosse­
xualidade sublimada. Pressupunha-se que Angelika (que Freud não
conhecia ainda) se divorciasse também. Frink, por seu turno, estava
sempre num estado hipomaníaco: «Passei por tudo isso enquanto
estava nitidamente doente e já não era senhor das minhas faculdades.»
Oscilava entre o amor por Angie e o mais total desinteresse: «Era
como se ela também fizesse parte de um sonho.»
Por fim, após muita hesitação, Frink decidiu «mais ou menos»
seguir o parecer de Freud. Assim, o estado hipomaníaco esfumou-se
de novo. Quando Angelika Bijur foi, de Paris, ao encontro de Frink
no início de julho, encontrou-o «num estado que sei agora ser o da
depressão. Freud dissera-lhe que me chamasse e que ele estaria curado
antes da minha chegada. Quando encontrei Freud, ele aconselhou-me
a divorciar-me porque a minha própria existência estava incompleta
[...] e porque, se eu abandonasse o doutor F. agora, ele nunca mais
voltaria ao normal e tornar-se-ia provavelmente homossexual, ainda
que de uma forma muito dissimulada.»
Com a bênção de Freud, Frink e Angie foram, pois, a Paris para
informar Abraham Bijur da decisão deles. Bijur caiu das nuvens, furi-
bundo. Durante toda a explicação entre ele e Angie, Frink manteve-se
a um canto, como que ausente. Depois, todos regressaram a Nova
Iorque. Mal desceu do barco, Frink anunciou a Doris que queria obter
um «divórcio rápido». Doris estava abatida e furiosa, mas acabou por
conformar-se ao fim de alguns meses. Como diria muito mais tarde
a irmã à sua filha Helen, Doris sabia que o marido sofria de uma
doença mental: «Ela compreendera algo que Freud não percebeu.»

176
Confrontados com os estragos que faziam à sua volta, Frink e
Angelika começaram rapidamente a duvidar da sensatez da sua
decisão. Frink, em particular, questionava-se sobre a veracidade dos
seus sentimentos amorosos para com Angie. No início de setembro,
esta enviou um telegrama «longo e desesperado» para Seefeld, onde
Freud passava as férias, perguntando-lhe se não tinha cometido um
erro e se estava efetivamente seguro de que eles deviam casar-se. Brill,
que se encontrava de visita a Seefeld e conhecia intimamente as partes
em presença, tentou convencer Freud da loucura desse projeto de
casamento. Freud não lhe deu ouvidos e redigiu um telegrama lacô­
nico, pedindo a Brill que o enviasse de Innsbrück: «Não há erro. Seja
gentil e paciente.» Brill executou a tarefa, contrariado. Freud escreveu
também a Frink para confirmar: «Não mudei de opinião a respeito
do vosso caso. [...] Devo ater-me firmemente àquilo que considero
ser a verdade» (12 de setembro de 1921). A carta varreu as hesitações
de Frink, que fez seguir uma cópia para Angelika: «Quero preservar
o original. Os nossos netos terão provavelmente interesse em lê-lo
mais tarde. Estou muito, muito feliz.»
Entretanto, os boatos que circulavam acerca do caso davam que
falar em Nova Iorque, e os colegas de Frink começaram a inquietar-
-se seriamente. Com efeito, Abraham Bijur explodia e ameaçava fazer
escândalo. Escrevera a Freud uma carta aberta que tencionava publicar
em vários jornais nova-iorquinos numa página de publicidade paga, na
qual denunciava a sua transgressão da ética médica: «Dr. Freud: Recen­
temente, [...] dois pacientes, um homem e uma mulher, foram vê-lo e
disseram-lhe claramente que confiariam no seu parecer para saber se
tinham ou não o direito de casar-se. O homem, presentemente casado
com outra mulher, de quem tem dois filhos, está ligado por honra à ética
de uma profissão que exige não tirar qualquer proveito da sua posição
confidencial face aos seus pacientes e à sua família imediata. A mulher
que ele quer desposar agora é uma das suas antigas pacientes. Ele diz que
o Sr. sanciona o seu divórcio da mulher e o seu novo casamento com
a paciente e, no entanto, o Sr. nunca encontrou a esposa nem conhece
os seus sentimentos, interesses e desejos reais. A mulher que esse homem
quer desposar, a sua paciente, é a minha. [...] Como pode emitir uma

177
opinião que destrói o lar e a felicidade de um homem, sem conhecer,
pelo menos, aquele que é vítima disso, para ver se merece tal punição
ou se uma solução melhor pode ser encontrada em conjunto com ele?
[...] Magno Doutor, sois sábio ou charlatão? Doktor, respondei-me com
a verdade. Essa mulher é a minha mulher e eu amo-a.»
A psicanálise nos Estados Unidos não teria decerto sobrevivido a tal
publicação. Thaddeus Ames, que era analista de Abraham Bijur mas
também ex-analista de Frink e analisando de Freud, fez seguir uma
cópia da carta de Bijur para Freud e Ernest Jones, então presidente
da Associação Psicanalítica Internacional. Freud respondeu-lhe a 9 de
outubro de 1921: «Como é analista [Ames e Frink passaram ao mesmo
tempo pelo divã de Freud], confio em que não tenha pensado que
agi como conselheiro em relação a Frink ou à Senhora B[ijur]. Sabe
que dar conselhos e dirigir as pessoas no sentido das nossas próprias
preferências não apaixona os analistas. - Só tive de ler os pensamentos
do meu paciente e achei assim que ele amava a Senhora B., a desejava
ardentemente mas não tinha coragem de admiti-lo. [...] Quando
começou a não confiar nos seus pensamentos, tive de tomar partido
pelos seus desejos recalcados e, deste modo, tornei-me advogado do
seu desejo de se divorciar e de desposar a Senhora B. Durante uma
conversa com ela, senti-me no direito de garantir a intensidade e
a autenticidade da afeição de Frink por ela.» Decerto sob a influên­
cia de Ames, Abraham Bijur parece ter renunciado pouco depois ao
seu plano de carta aberta, pois, numa carta escrita a Frink em 27 de
outubro, Freud dizia-se aliviado por saber que «conseguiu evitar-se
o grande escândalo». A psicanálise americana estava salva.
Na mesma carta de 27 de outubro, Freud acusava a receção de
duas fotos que Frink lhe enviara. Uma mostrava Frink antes da sua
análise; a outra, depois, com menos vinte quilos: «Ora aí está o que
a análise lhe fez!» Freud achava excelente a brincadeira (tinha de
contá-la a Kardiner, que ainda estava em Viena): «O SL é indecente!
Ri-me muito com as suas fotos [...] Regozijo-me com a sua farsa, na
qual vejo um sinal do seu bom humor.»
Deprimido, torturado pela dúvida e o sentimento de culpabili­
dade em relação à mulher e aos filhos, Frink estava, porém, longe

178
de rir. Três semanas mais tarde, Freud sentiu a necessidade de lhe
levantar o moral: «Tanto quanto posso inferir das suas cartas, vejo
que ainda não saiu do albergue nem domina todos os seus segredos.
Posso novamente sugerir que a sua ideia de que a Senhora B. perdeu
uma parte da sua beleza pode traduzir-se no facto de ela ter perdido
uma parte do seu dinheiro. Se for esse o caso, estou certo de que ela
reencontrará o seu encanto e nem o Sr. nem Meyer ficareis a perder
[Angelika Bijur demorara a enviar o dinheiro prometido para a aná­
lise de Munroe Meyer]. A sua queixa de que não consegue conceber
a sua homossexualidade implica que não está ainda consciente do seu
fantasma de me tornar rico. Se as coisas correrem bem, convertamos
esse donativo imaginário numa contribuição real para os Fundos Psi-
canalíticos.» Freud acrescentava: «Os meus cumprimentos à Senhora
B., com o meu pedido de que ela procure evitar repetir a estranhos
que eu a aconselhei a casar consigo com base numa ameaça de co­
lapso nervoso. Isso dá uma falsa ideia do gênero de conselho que é
compatível com a análise e será muito provavelmente utilizado contra
a análise» (17 de novembro de 1921).
Em março, Doris partiu com os filhos para o Novo México e
o Nevada, dois estados que autorizavam o divórcio rápido. Estava
triste, resignada, esgotada: «Espero que estejas melhor», escreveu ela
—de Albuquerque - a Frink. «Parece-me que estou completamente
desnorteada desde que cheguei aqui. Nunca na minha vida quis tanto
que alguém se ocupe de mim...» Angelika também fez uma viagem
a Reno, no Nevada, para pedir o divórcio. Quanto a Frink, andava
cada vez pior. A Brill confidenciou que não amava Angie; exasperado,
Brill replicou: «Pois então, não te cases com ela!»
Para tentar clarificar as coisas, Frink regressou a Viena para fazer
um trecho de análise com Freud, de abril a julho de 1922, sempre
a expensas de Angie. Tinha um sentimento de estranheza (<queer
feelings), como se estivesse envolto em nevoeiro. Angie parecia-lhe
«estranha, como um homem, como um porco». Entretanto, Abraham
Bijur morreu oportunamente com um cancro a 1 de maio de 1922,
deixando caminho livre a Angie, que foi juntar-se a Frink em Viena.
O casal permaneceu na Europa após o termo da análise e assistiu, no

179
final de setembro, ao sétimo Congresso Internacional de Psicanálise,
em Berlim, onde Freud ofereceu galantemente a Angelika uma fo­
tografia dele com uma dedicatória a «Angie Frink, em memória do
seu velho amigo, Sigmund Freud».
No fim de outubro, Frink soube por Doris que o divórcio deles fora
decretado. Frink descompensou e retornou sozinho à casa de Freud.
De novembro ao Natal de 1922, delirava, alucinava no divã, andava
freneticamente às voltas pelo gabinete de Freud, seguindo os motivos do
tapete, confundia a banheira com uma sepultura, passava em sucessão
rápida por toda a gama de emoções, «elação, depressão, ira, medo».
Alarmado, Freud contratou um médico para vigiá-lo durante a noite,
mas sem pôr Angelika ao corrente da situação. Aproveitando-se de
uma recuperação, Freud declarou, a 23 de dezembro, que a análise
estava definitivamente terminada. Angelika Bijur lembrou-se disso
mais tarde, em honra de Adolf Meyer: «Freud disse [...] que ele [Frink]
devia casar-se, ter filhos e ficaria prontamente restabelecido.» Frink
e Angie casaram-se em Paris quatro dias mais tarde e passaram a lua
de mel no Egito até fevereiro de 1923. Oberndorf, que continuava em
análise com Freud, disse-lhe que, a seu ver, o casamento não vingaria,
mas Freud não quis ouvir nada: Frink e Angie entendiam-se bem
sexualmente, logo, isso funcionaria.
Sob a pressão insistente de Freud, Frink foi eleito pela segunda
vez presidente da New York Psychoanalytic Society, quando estava
ainda em lua de mel. A partir de 28 de fevereiro, porém, solicitou
a Freud o regresso a Viena para um quarto trecho de análise. (Freud
concordava, mas o plano não se concretizou.) Como Frink revelaria
na sua autoanamnese, tinha agora sentimentos de ódio e perseguição
em relação a Angelika e não sentia, na maior parte do tempo, qualquer
desejo sexual por ela. Segundo uma carta de Freud de 25 de abril de
1923, parece, contudo, que ele obedecera à injunção de ter filhos e
que Angie ficara grávida: «[...] estava preparado para a novidade, que
me pareceu bastante prometedora. Sabia que não desistiríeis e estou
certo de que ireis vencer enfim. Esperemos que a gravidez corra bem
e conduza a uma feliz conclusão.» (Aborto espontâneo ou voluntário,
essa gravidez não chegou ao seu termo.)

18o
1 X W lV JT .V -.J_ i 1

Na mesma altura, a 26 de abril, Frink soube que Doris apanhara


uma pneumonia e agonizava em Chatham, no estado de Nova Ior­
que. Ela morreu em 4 de maio, sem que tenham autorizado Frink
a falar-lhe. Frink ficou profundamente abalado. Sobrecarregado de
sentimentos de culpa, tornou-se fisicamente violento para com Angie,
a qual escreveu a Freud para informá-lo de que o casamento deles era
um fiasco. Freud respondeu-lhe por telegrama em 1 de junho de 1923:
«Extremamente desolado. O ponto em que fracassastes é o dinheiro.»
Queria ele dizer com isto que Angelika não concretizara o suposto
fantasma do marido de tornar rico Freud? Irritada, Angelika retorquiu
que dera não menos de cem mil dólares (uma quantia extremamente
considerável para a época) a Doris para incitá-la a aceitar o divórcio
sugerido por Freud. Em 5 de junho, Freud telegrafou de volta: «Não
me tinha dado conta da sua contribuição até aqui. Incapaz de julgar
a situação presente.» No entanto, numa carta enviada a Ernest Jones
no ano seguinte, Freud continuou a atribuir o malogro do casamento
à recusa de Angelika em partilhar a fortuna com Frink.
Obviamente, Freud apercebera-se do erro que cometera ao impor
Frink como líder aos psicanalistas nova-iorquinos. No seu regresso
a Nova Iorque, Frink comportara-se como enviado de Freud e incom-
patibilizara-se com todos os colegas pela sua atitude contundente e
desdenhosa. Em maio de 1923, Freud já o censurava pelo seu plano
de «enlouquecer Brill». Não precisou de esperar muito tempo para se
render à evidência de que os colegas de Frink tinham tido razão ao
alertá-lo para o comportamento errático dele (o que não o impediu,
mais tarde, de os responsabilizar em privado pelo colapso de Frink).
Em março de 1924, Brill leu em voz alta na New York Society uma
carta endereçada por Freud a outro analista, na qual afirmava que
Frink não podia continuar a ser presidente, devido à sua «doença
mental». Um novo presidente foi, pois, eleito em seu lugar.
Frink não estava presente na sessão, mas essa desautorização de Freud
abateu-o. Em 9 de maio de 1924, foi acolhido na clínica psiquiátrica
Henry Phipps do Hospital Johns Hopkins em Baltimore, dirigida
pelo grande psiquiatra suíço-americano Adolf Meyer. Frink conhecia
bem Meyer, porque fora seu aluno na Cornell Medical School. Tendo

181
tomado conhecimento de toda a história do seu paciente-colega, como
costumava fazer, Meyer ficou realmente transtornado. A história de
Frink dava-lhe «vontade de vomitar»: «A atitude de Freud foi uma
atitude de encorajamento e de sugestão, nitidamente em contradi­
ção com a sua habitual pretensão de evitar tais fatores.» O relatório
médico formulado pelo seu assistente Friedrich Wertheimer (Fredric
Wertham) mencionava, aliás, que o próprio Frink tinha «dúvidas
acerca da análise e dos conselhos de Freud».
Meyer diagnosticou uma «depressão reativa» (por outras palavras,
provocada por acontecimentos exteriores) sobre um fundo maníaco-
-depressivo constitucional. A Angelika Bijur, que pagava mais uma
vez a estada de Frink e exigia imperiosamente saber se o seu investi­
mento iria ser mais rentável do que fora com Freud, Meyer explicou
que Frink podia restabelecer-se, embora se tratasse de uma verdadeira
doença que levaria tempo (tinha razão, como se verá). Quando, em
junho, Angelika foi autorizada a ver Frink num quarto de hotel de
Baltimore, encöntrou-o ainda mais deprimido e indiferente do que
antes: «Não me manifestou qualquer carinho. [...] O que me disse foi
que descobrira um sofisma fundamental na apresentação por Freud
de um certo problema e que iria examiná-lo (expressão dele), primeiro
publicando (um livro) e mostrando até que ponto as conclusões que
ele [Freud] daí tirava eram errôneas» (carta endereçada a Adolf Meyer
em 24 de junho de 1924).
Em 22 de junho, Frink foi enviado para um rancho no Novo
México donde enviou uma desencantada carta a Meyer: «Devia odiar
praticar novamente a psicanálise depois do que ela me fez. Porém,
é a minha única maneira de ganhar a vida. Estou bastante doente e
deprimido [...]». De regresso à clínica em setembro, Frink soube que
Angelika pedira o divórcio. Estava de novo abatido e sempre a chorar.
Segundo Wertheimer, o paciente ter-lhe-ia dito: «Se ao menos tivesse
ficado com a minha primeira mulher! Se ainda fosse viva, voltaria
para junto dela agora.»
Saído da clínica Phipps em 22 de outubro de 1924, Frink foi
refugiar-se em Nova Iorque em casa do seu amigo e médico assistente
Swepson Brooks, onde fez uma primeira tentativa de suicídio com

182
Veronal e Luminal em 27 de outubro; alguns dias depois, cortou
os pulsos, quando se supunha ter apanhado um barco para França e
cumprido as formalidades do divórcio em Paris. Brooks enviou-o para
a clínica psiquiátrica McLean de Harvard, cujo médico-chefe, Dr.
Frederick Packard, escreveu pouco depois a Meyer, para o informar
de que Frink estava melhor: «Está muito ressentido com Freud. Diz
que Freud não percebe nada de psicoses, que o próprio Freud sabia
isso e nunca deveria ter tentado curá-lo quando estava num estado
psicótico, e que o seu tratamento e os seus conselhos foram comple­
tamente nocivos e contrários aos seus interesses. [_] A mulher dele
está muito melindrada com Freud e, em certo sentido, com Frink»
(carta remetida a Meyer em 2 de dezembro de 1924).
Frink deixou a clínica McLean na primavera de 1925. O divórcio
foi decretado pouco depois. Frink recebeu uma pensão que lhe per­
mitiu viver modestamente com os filhos. Foi instalar-se em Southern
Pines, na Carolina do Norte. Estava completamente restabelecido e
até sereno. Já não falava de Freud ou da psicanálise. Em 1935, casou-
-se com Ruth Frye, uma velha amiga professora.
No início de abril de 1936, sentia-se extraordinariamente feliz e fê-lo
saber a toda a gente à sua volta. Teve uma longa conversa com a filha
Helen, durante a qual lhe disse que a amava e que havia um Deus.
Depois, na segunda-feira, 13 de abril, foi conduzido pelo Dr. Rose à
clínica Pine Bluff. Falava sem parar dentro do carro. Já no hospital,
a sua excitação hipomaníaca agravou-se. Um dos médicos diria mais
tarde à mulher de Frink que ele fora um dos seus pacientes mais difíceis
de controlar. Rasgava as roupas e andava freneticamente de um lado
para o outro. Num sábado, 18 de abril de 1936, caiu subitamente por
terra, sem vida. A mulher achou que o rosto dele estava cansado, tenso.
Tinha estranhamente a boca à banda. A certidão de óbito indica que
Frink sofria de psicose maníaco-depressiva, aterosclerose generalizada
e miocardite crônica. Na sua mesa de cabeceira encontraram um maço
de cartas de amor de Doris, a primeira mulher dele.

183
Carl Liebman nasceu no início do século passado numa das famílias
mais abastadas de Nova Iorque. O pai dele, Julius Liebman, tinha
herdado do seu avô Samuel Liebman a venerável Rheingold Beer
Brewing Company, que produzia uma das cervejas mais populares dos
Estados Unidos (a Rheingold Beer foi durante muito tempo a cerveja
oficial dos Brooklyn Dodgers87). Carl cresceu na vasta e luxuosa
Julius Liebman Mansion que o pai mandara construir na Clinton
Avenue em Brooklyn. Segundo o Dr. Leopold Stieglitz, médico da
família (e, acessoriamente, irmão do fotógrafo e vanguardista Alfred
Stieglitz), Carl sempre fora «diferente»: «Não participava facilmente
em atividades desportivas nem em exercícios atléticos, e tinha medo
de fazer coisas como subir às árvores.» Intelectualmente precoce, era
pouco sociável e não brincava com outras crianças. Chegado à adoles­
cência, também não manifestou qualquer interesse por jovens do sexo
feminino. Desde os doze anos de idade, excitava-se sexualmente ao
ver ou pensar num homem usando um suporte atlético. Satisfazia-se
masturbando-se, embora se censurasse obsessivamente por provocar
um genocídio ao matar os bebés que poderiam ter nascido dos seus
espermatozoides.
Os seus anos de estudo em Yale não foram muito felizes. Ainda
segundo Stieglitz, «os rapazes chamavam-lhe “maricas” e ele confessou-
-me que gostava de observar os corpos nus deles na piscina e que,
nessa altura, tinha sonhos eróticos relacionados com esses rapazes.
Gostava particularmente de usar suporte atlético e observar os rapazes

87 Equipa de basebol (1884-1957) [N. T.].

184
CARL LIEBMAN

quando eles usavam um.» No fim dos estudos, em 1922, desenvolveu


pensamentos paranoides e Stieglitz mandou-o consultar o seu colega
psicanalista Leon Pierce Clark, que notou o fetichismo dele.
Após uma breve análise com Clark, Carl partiu para a Europa.
Queria ser artista. Depois de aterrar em Zurique em 1924, foi consul­
tar o pastor psicanalista Oskar Pfister. Ciente de que estava perante
um caso difícil, Pfister enviou-o para diagnóstico a Eugen Bleuler,
diretor do hospital psiquiátrico de Burghölzli. Durante a conversa
com Bleuler, Carl falou agitadamente da sua compulsão para lavar
as mãos e do medo obsessivo de ser observado pelos transeuntes na rua.
Notando o carácter desconexo dos pensamentos do paciente, Bleuler
excluiu um diagnóstico de neurose obsessiva. A seu ver, tratava-se de
uma «esquizofrenia leve» suscetível de responder a um tratamento
psicanalítico de tipo diretivo: «Ele [Carl Liebman] está num estádio
tão precoce que a psicanálise poderia ainda ser útil, com a condição
de ser conduzida menos como análise e mais como educação. [...]
Por “educação” entendo essencialmente a criação de um interesse por
uma certa forma de trabalho e uma certa organização da vida com
vista a um objetivo» (carta enviada a Pfister em 1924).
Pfister não se sentia à altura da tarefa e perguntou a Freud se ele
queria tratar Liebman. Freud enveredou por um caminho diame­
tralmente oposto ao do seu ex-aliado Bleuler, falando de neurose
obsessiva em vez de esquizofrenia, e começou por descartar-se de
Theodor Reik: «Não se preocupe por causa do jovem americano. Ele
pode ser ajudado. Aqui em Viena, o Dr. Reiki especíalizou-se nesse
gênero de neuroses obsessivas graves» (carta remetida a Pfister em
21 de dezembro de 1924). Ante a insistência de Pfister para que fosse
ele próprio a tratar o paciente, Freud aceitou, a 19 de fevereiro de 1925,
encontrar-se com Carl e Pfister na Páscoa. Todavia, abriu nitidamente
o jogo: «O meu preço é 20 dólares por hora» (o dobro, portanto,
do preço pedido a Frink três anos antes). Essa primeira tomada de
contacto com Carl foi seguida em maio por uma visita a Viena dos
pais dele, Julius e Marie Liebman, vindos especialmente dos Estados
Unidos. Freud contou a Pfister que eles estavam «dispostos a fazer
sacrifícios, o que geralmente indica um mau prognóstico. Não pude
prometer-lhes nada de definitivo, mas apenas mostrar-lhes, de um
modo geral, a minha boa vontade» (io de maio de 1925).
Obviamente, Freud hesitava em tomar a seu cargo este caso
problemático. Em agosto, escrevia a Pfister: «No que diz respeito ao
jovem aspirante, penso que deve deixá-lo arruinar-se» (10 de agosto
de 1925). Depois, mudou de opinião: «Comecei a ter pena do pobre
rapaz» (11 de outubro de 1925). Freud enviou uma carta a Julius e Marie
Liebman para lhes explicar que estava disposto a psicanalisar Carl,
mas que o tratamento seria longo e ele não podia de modo nenhum
garantir-lhes um resultado favorável. Aceitaram as condições dele.
O tratamento iria durar cinco anos, durante os quais Carl Lieb­
man prosseguiu os estudos de pós-graduação na Universidade de
Viena (nunca chegando a concluir o doutoramento). O estado de
Carl deteriorou-se desde o início do tratamento, o que levou Freud a
adotar implicitamente o diagnóstico feito por Bleuler: «Aumentou
a minha crença enquanto médico de que ele está à beira da demência
paranoide. Estava novamente prestes a abandoná-lo, mas há algo de
tocante nele que me impede de fazer isso» (3 de janeiro de 1926).
Freud tinha igualmente medo de que Carl se suicidasse. Quanto ao
agravamento psicótico do paciente, fora provocado por uma inter­
pretação que Freud parece ter feito precocemente no tratamento:
«A grande deterioração [...] estava ligada ao facto de eu lhe ter contado
o segredo aparentemente real da sua neurose. A reação imediata a essa
revelação devia forçosamente ser um aumento enorme da resistência»
(3 de janeiro de 1926).
Sabe-se agora de que «segredo» se tratava: Freud sustentava que
as perturbações de Carl datavam do dia em que este constatara que
a mãe não tinha pénis. Em 1927, Freud mencionou o fetiche de Carl
Liebman no seu artigo sobre “Fetichismo” 88, vendo nele um caso
ambíguo de (de)negação/reconhecimento da castração feminina:
«Em casos muito subtis, foi na própria construção do fetiche que
tanto a negação como a afirmação da castração encontraram aco­
lhimento. Foi o que se passou com um homem cujo fetiche era um

88 “Fetischismus” [N. T.].

186
suporte atlético que ele também podia usar como calção de banho.
Essa peça de vestuário tapava totalmente os órgãos genitais, logo,
a diferença entre eles. A análise mostrou que isso significava, afinal,
que as mulheres eram e não eram castradas, e permitia por acrésci­
mo pressupor a castração do homem, porque todas as possibilidades
podiam perfeitamente dissimular-se por trás do suporte atlético cujo
esboço era a parra de uma estátua vista na infância.»
A revelação deste segredo não gerou, porém, qualquer melhoria
no estado de Carl. Durante cinco anos, ele continuou a manifestar
os mesmos traços de «paranóia» e «esquizofrenia» (cartas enviadas
a Pfister em 14 de setembro de 1926, 11 de abril e 22 de outubro de
1927; a Marie Liebman, em julho de 1928). Em 1927, Freud tentou
forçar as coisas, proibindo em vão que Carl se masturbasse: «O rapaz
é um verdadeiro calvário. Com insistência tento levá-lo deliberada­
mente a resistir à masturbação fetichista, para lhe permitir corroborar
por si mesmo tudo o que discerni a propósito da natureza do fetiche,
mas ele não quer crer que uma tal abstinência tenha esse efeito e seja
essencial para o progresso do tratamento» (carta endereçada a Pfister,
11 de abril de 1927).
Em Nova Iorque, Julius e Marie Liebman começavam a inquietar-
-se seriamente devido à duração do tratamento. Ferenczi, que estava
nos Estados Unidos, relatou, em abril de 1927, que «o Senhor e a Se­
nhora Liebman, pais do seu paciente, já se apresentaram duas vezes
em minha casa para pedirem explicações acerca de algumas frases
das suas missivas. Esforcei-me ao máximo e procurei, acima de tudo,
reconciliá-los com a longa duração da cura» (8 de abril de 1927).
Segundo Marie Liebman, o filho dizia que Freud o autorizara
a encetar uma «autoanálise» à margem do tratamento, o que fizera
com que ele já não saísse do quarto de hotel. Em 1930, Freud atirou
a toalha ao chão e enviou Carl a Ruth Mack Brunswick, aparente­
mente com a esperança de que uma mulher psicanalista fosse melhor
do que ele próprio para fazê-lo renunciar à masturbação fetichista.
A análise com Mack Brunswick foi de curta duração. Carl Liebman
não compreendia porque é que Freud pusera termo à análise, e
refugiou-se na sua psicose. Rompeu todos os laços com os pais e viu

187
Freud pela última vez em 1931. Depois disso, foi para Paris, onde fez
uma breve análise com Otto Rank, o renegado discípulo de Freud.
Como seria de esperar, Rank sugeriu que o trauma inicial de Carl
Liebman não fora a descoberta da castração, como pretendia Freud,
mas o trauma do nascimento.
Pouco convencido e à beira do esgotamento financeiro, Carl de­
cidiu apanhar o barco (em terceira classe) para Nova Iorque, aonde
chegou com 15o dólares no bolso. Os pais acabaram por convencê-
-lo a aceitar uma pequena pensão para tornar-se motorista do pai.
(Os trajetos com ele eram caóticos, porque tinha pânico de matar
uma criança e estava sempre a olhar por cima do ombro para verificar
se atropelara alguma.) Em 1933, perfurou a caixa toráxica com uma
faca de mato na casa de banho dos pais, errando o coração apenas
por um centímetro.
Os pais de Carl enviaram-no de novo para o divã, primeiro
a Abraham Brill, depois a Hermann Nunberg, discípulo vienense de
Freud que acabara de emigrar para os Estados Unidos. Constatando
que Carl Liebman fora analisado por seis vezes, Brill concluiu que «a
análise lhe deu uma compreensão considerável [da sua doença], mas
não modificou absolutamente nada a sua tendência delirante». Brill
ilustrava a sua declaração, notando que o paciente «imaginava que
era seguido por detetives». Brill não sabia que os pais de Carl tinham
mandado seguir o filho constantemente desde a sua partida de Viena.
Em desespero de causa, Julius e Marie Liebman mandaram
internar o filho na clínica psiquiátrica McLean de Harvard, onde
ele ficaria até ao fim da vida. Carl protestou energicamente contra
o internamento numa longa carta com dez páginas, mas o pai
respondeu-lhe que já não havia outra solução: «Para nós, foi difícil
tomar esta decisão e não te consultámos porque sabíamos que não
poderíamos obter o teu consentimento, uma vez que, tendo estado
em análise desde há tantos anos, não acreditas na psiquiatria. Até
os analistas doutores Freud, Mack Brunswick, Brill e Nunberg fo­
ram de opinião que a análise já não podia ajudar-te após nove anos
de experiência, e aqueles que consultámos aqui insistiram que era
perfeitamente justo dar-te tratamento médico.»
Julius Liebman explicava também que a clínica McLean era a me­
lhor possível para Carl. McLean era, de facto, a instituição americana
que mais se aproximava do Sanatório Bellevue da família Binswan­
ger, na Suíça. Aí se encontrava uma clientela rica e distinta, e Carl
Liebman pôde, ao longo dos anos, encontrar lá Scofield Thayer (um
outro malogrado ex-paciente de Freud), Robert Lowell, Anne Sexton
e Sylvia Plath, o matemático John Nash e os músicos Ray Charles e
James Taylor. Em 1935, no momento da admissão de Carl Liebman,
McLean estava a «abrir» o asilo, colocando os pacientes num ambiente
tão confortável e tranquilizador quanto possível.
Carl queria prosseguir um tratamento psicanalítico no hospital,
o que teria sido possível, mas a mãe dele opôs-se a isso: «Se os Drs.
Pfister, Freud, Ruth Mack Brunswick, Brill e Nunberg não ajudaram
com a análise», escrevia ela ao psiquiatra que se ocupava de Carl, «é
efetivamente a prova de que a análise não ajudará. Freud afastou-se
[de Carl], dizendo: «Dei-lhe tudo aquilo de que a análise é capaz,
agora terá de continuar sozinho» (o que Carl Liebman, como temo,
entendeu como uma incitação à sua própria autoanálise escrita)».
Os diferentes psiquiatras que trataram Carl Liebman no decurso
dos anos notaram que ele desenvolvera um intenso sentimento de
culpa a respeito da masturbação, porque Freud lhe proibira a prá­
tica respetiva. Sempre que lhe acontecia ceder, Carl ia confessar-se
ao médico. Encontra-se também no seu dossiê esta nota redigida
em 1935 por um dos seus psiquiatras: «O paciente tem a ideia de
que o início da sua neurose se deveu ao choque que sentiu quando
descobriu que uma mulher não tem pénis. Ele pensa que deve
ter descoberto isso ao observar a mãe. [...] Interrogado sobre a fonte
dessa ideia, diz que era Freud. Reconhece que não pode recordar-se
do choque nem do que quer que lhe esteja associado. No entanto,
acredita que é absolutamente verdade [...] como afirma que, para
uma pessoa se curar, deve ter uma compreensão e um conheci­
mento completo do início das suas perturbações, razão pela qual
continua a estar insatisfeito e doente. Pensa que precisa de analisar
mais a fundo a situação, e foi o que fez nos seus escritos ao longo
de todo o ano aqui.»

189
Carl Liebman foi sujeito ao longo dos anos a todos os tratamentos
psiquiátricos em voga na época: lobotomia, topectomia, convulsivote-
rapia, eletrochoques. Sobreviveu valentemente e, nos anos cinqüenta,
quando a psiquiatria americana se tornou ioo % freudiana, Carl
Liebman teve a sua hora de vingança. Toda a gente do meio sabia
que ele estivera em análise com Freud, e os internos em psiquiatria
de Boston acotovelavam-se para encontrar o «Homem que conheceu
Freud», tal como lhe chamavam. Quando não se remetia ao silêncio,
Liebman contava inesgotavelmente as suas sessões com o mestre de
Viena, de como discutia filosofia com Freud, de como este andava
de um lado para o óutro diante do divã enquanto os seus chow-chows
observavam, de como ele pontuava as suas interpretações com o cha­
ruto, não permitindo que o paciente fumasse (o que vexava Liebman,
que via nisso uma rejeição da sua masculinidade).
Durante muito tempo, Carl Liebman saudou os médicos com
que se cruzava nos corredores com um retumbante «Sou o pénis do
meu pai». Continuava, por outro lado, a analisar-se por escrito, para
recuperar a memória do dia em que tinha visto a mãe nua, como lhe
dissera Freud. Morreu em 1969, sem o ter conseguido.

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Os P a c i e n t e s

DE FR6UD
São muito conhecidas as personagens que Freud descre­
veu nas suas narrativas de casos, tais como: "Elisabeth
von R.", "Dora", o "Homem dos ratos* o "Homem dos
lobos"; mas nada se conhece das pessoas reais que se es­
condem por detrás desses pseudônimos célebres: Ber­
tha Pappenheim, Ilona Weiss, Ida Bauer, Ernst Lanzer,
Sergius Pankejeff*
E que sabemos de todos aqueles pacientes sobre os
quais Freud nunca escreveu nada, òu quase nada: Pauline
Silberstein (que se suicidou atirando-se do cirno do
ímóvel do seu analista), Olga Hönig (a mae do "pe­
queno Hans"), Elfriede Hirschfeld, o arquiteto Karl
Mayreder, Viktor von Dirsztay, a herdeira lésbica M ar­
garethe Csonka, o psicótico Carl Liebman, entre tantos
outros?
Mikkel Borch-Jacobsen reconstitui com precisão as suas
histórias sempre impressionantes e comoventes - algu­
mas com algo de cômico na tragédia imanente de quase
todas. São, no total, trinta e um destinos que muitas
vezes se cruzam, trinta e um retratos de pacientes des­
conhecidos até hoje, que nos ensinam mais sobre a
prática clínica efetiva de Freud do que as suas narrativas
de casos* E, em pano de fundo, todo um mundo que
desapareceu, o da Viena do fim do Império austro-hún-
garo, que revive nostalgicamente diante de nós como um
ultimo passo de valsa.

text(Mrafia

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