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Schilder, H. Cleaning and shaping the root canal. Dent Clin N Amer, v. 18, n. 2, p. 269-296, Apr, 1974.

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LIMPEZA E MODELAGEM DO CANAL RADICULAR

A necessidade do preparo do canal radicular antes do seu


preenchimento com materiais obturadores vem sendo reconhecida como etapa
essencial do tratamento endodôntico. Entretanto, os conceitos a respeito da técnica,
bem como do propósito do preparo do canal têm divergido ao longo do
desenvolvimento da endodontia por parte dos diferentes endodontistas e professores.
No início os canais radiculares eram manipulados com a finalidade de
permitir a colocação de medicamentos no seu interior com a pequena tentativa de
remover completamente o tecido orgânico do sistema de canal radicular. A respeito
das modificações ocorridas através dos anos, muitos métodos mecânicos de preparo
do canal ainda falham com relação à limpeza efetiva do sistema de canal radicular.
Com o tempo, o conceito das modificações dos preparos dos canais para facilitar a
colocação de materiais obturadores foi aceitos por parte dos endodontistas, contudo,
estes métodos continuaram, na sua maioria, a não relacionar a anatomia do canal
radicular bem como a anatomia e a natureza física dos materiais com os quais se
procura obturar.
É paradoxal o fato de que, enquanto os conceitos de preparos cavitários
para dentística foram aceitos universalmente, os conceitos do preparo de canal radicular
permaneceram empíricos e essencialmente ignoraram os requisitos físicos e biológicos
necessários ao sucesso endodôntico.
Através dos anos o preparo do canal radicular vem sendo descrito de
várias formas, incluindo instrumentação, instrumentação biomecânica e instrumentação
químico-mecânica. Cada termo mostra o avanço do tratamento endodôntico e de sua
prática. Assim, por instrumentação do canal radicular entende-se que instrumentos
específicos deveriam ser manipulados no interior do canal a fim de possibilitar a posterior
colocação de medicamentos, bem como de materiais obturadores. A instrumentação
biomecânica implica que o processo deve ser baseado em certos princípios biológicos
com relação à extensão do preparo e entendendimento que a remoção dos
remanescentes pulpares é importante para conseguir o sucesso endodôntico. Já a
instrumentação químico-mecânica reconheceu o fato de que todos estes procedimentos
poderiam ser grandemente facilitados pelo uso de certas substâncias irrigadoras. Assim,
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todos estes conceitos têm um papel significativo para se atingir a moderna prática
endodôntica.
Nenhum destes termos, entretanto, esclarece de modo direto e simples os
atuais objetivos da manipulação do canal radicular, que para se obter um sucesso na
prática endodôntica, o sistema de canal radicular deve ser limpo e modelado, ou seja,
limpo dos seus remanescentes orgânicos e modelado de modo a receber uma
obturação hermética e tridimensional de todo o espaço do canal radicular. É natural o
fato de que cada sistema de canal, assim como cada lesão cariosa, é diferente uma da
outra, e dentro de certa margem, o preparo de dois canais radiculares nunca serão
exatamente iguais assim como dois preparos cavitários não serão exatamente iguais. No
entanto, certos princípios de limpeza e modelagem deverão ser seguidos igualmente em
cada caso.
Limpeza e modelagem se referem à remoção de todo o substrato
orgânico do sistema de canal e, a modelagem a obtenção de uma forma específica
para cada canal a fim de receber uma obturação compacta e permanente. Isto é
obtido com instrumentos específicos, tais como: alargadores, limas e certos instrumentos
rotatórios. Este processo deve ser acompanhado sempre por princípios biológicos claros e
também com o uso de substâncias irrigadoras de grande importância. A limpeza inclui a
remoção de todos os depósitos orgânicos que poderiam servir de substrato para o
desenvolvimento bacteriano, ou então, ser a fonte de uma lesão inflamatória apical
desenvolvida a partir do metabolismo bacteriano no interior do canal com a formação
de enzimas. A modelagem implica no desenvolvimento de uma forma única para cada
canal radicular, relacionada diretamente não apenas ao comprimento de trabalho
como também com a posição e curvatura da cada canal. A forma obtida relaciona-se
não apenas com a anatomia do canal como também ao tipo do material obturador
com o qual será preenchido. Com tudo isto exposto, nota-se que muitos dos canais
radiculares no passado eram instrumentados, no entanto, não eram limpos nem
modelados.
A análise histológica dos insucessos endodônticos mostra a maneira
incorreta com que estes canais foram limpos. É mais comum encontrar em tais canais,
remanescentes de tecido pulpar necrótico ao longo das paredes, mostrando que os
mesmos foram incompletamente limpos.
O autor está convencido que a limpeza e modelagem dos canais
radiculares é a fase mais importante do tratamento endodôntico, embora a assepsia e
obturação não possam ser negligenciadas. O fato é que uma apropriada limpeza e
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modelagem facilitam a esterilização e obturação tridimensional de canal radicular. O


axioma que diz que tudo aquilo que se retira do canal radicular é tão importante quanto
o que se coloca no mesmo deverá ser lembrada por aqueles que praticam a endodontia.
Depósitos tissulares no interior dos canais radiculares possibilita o
crescimento microbiano, dificultando enormemente a esterilização dos canais infectados.
A moderna prática endodôntica reconhece o potencial da esterilização mecânica
através da remoção de microorganismos e seus substratos durante a limpeza e
modelagem. Foi demonstrado que um significativo número de canais resultou em culturas
negativas após apenas a limpeza e modelagem. Para assegurar sua continuidade de
esterilização, alguma forma de medicação intracanal também é necessária. A tentativa
de se esterilizar um canal, mediante a presença de depósitos tissulares infectados é uma
tarefa frustrante requerendo inumeráveis visitas e repetidas aplicações de drogas
potencialmente irritantes. As medicações intracanais ainda são importantes em
endodontia, mas apenas naqueles casos que foram previamente limpos removendo-se
todo o conteúdo orgânico.
Mesmo nos casos em que se tenha tecido necrótico residual não
infectado, o produto de degradação tissular drenando através do forame principal ou
acessórios, desenvolverão lesões nos tecidos de suporte adjacente caso uma completa
obturação do canal não seja obtida.

MECÂNICA DA LIMPEZA E MODELAGEM

Pode ser encarada como a extensão dos princípios de preparo cavitário


em coroas para o interior do sistema de canal. Isto pode ser mais facilmente entendido se
compararmos e extrapolarmos os conceitos da dentística operatória para os canais
radiculares.
O preparo cavitário inclui a remoção total de cárie bem como a obtenção
da forma de resistência adaptada a cada material restaurador. Uma cavidade
preparada para receber amálgama, por exemplo, será tão bem limpa quanto uma para
receber uma incrustração metálica em ouro, mas a forma do preparo será diferente para
cada um destes materiais. Assim também os canais radiculares preparados para receber
uma obturação em guta-percha serão limpos e modelados a fim de se obter formas
diferentes daquelas obtidas para canais que serão obturados com cones de prata. Cada
um destes canais exemplificados será limpo igualmente bem, mas as formas a se atingir
dependerão das propriedades da guta-percha e do cone de prata.
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OBJETIVOS A SE ATINGIR NAS OBTURAÇÕES COM GUTA-PERCHA

Os canais radiculares modelados para receber obturações com guta-percha


deverão apresentar os seguintes requisitos:

1. O preparo do canal radicular deverá ter uma forma afunilada diminuindo


progressivamente em direção ao ápice da raiz.
2. Em concordância com o princípio anterior, cortes transversais da raiz terão os diâmetros
gradativamente menores á medida que se aproxima do ápice radicular.
3. O preparo do canal ocupará não apenas três planos, mas tantos planos quantos os
apresentados pela raiz e pelo canal radicular; assim o preparo do canal radicular
deverá seguir a sua forma original. Este conceito é muito importante e será
detalhadamente descrito nas instruções específicas para o preparo do canal.
4. O forame apical deverá permanecer na sua posição espacial original tanto quanto em
relação ao osso quanto em relação à superfície radicular. O movimento ou
transporte do forame apical é um erro constante nos preparos de canais radiculares,
o que levará constantemente á desconforto crônico ou a falha do tratamento.
5. A abertura apical deverá ser mantida pequena em todos os canais. Orientações á
respeito destes aspectos serão dadas mais à frente, mas isso é mais facilmente obtido
com a experiência clínica.

01. PREPARO AFUNILADO DO CANAL

Esta forma de preparo é necessária para que se possa limpar efetivamente


o sistema de canal radicular bem como permitir a compactação da guta-percha tanto
com condensação lateral como com condensação vertical. Na verdade, esta forma
afunilada faz com que forças direcionadas apicalmente assumam componentes laterais,
enquanto que forças direcionadas lateralmente assumam uma significativa quantidade
de componentes verticais. Ambas as forças deste modo auxiliam no selamento do canal
radicular. Além disso, esta forma de preparo possibilita o contacto total das limas e
alargadores ao longo de toda a superfície do canal, aumentando desta forma a
possibilidade de que todas as superfícies sejam completamente limpas dos
remanescentes pulpares. Se o corpo de canal for deixado paralelo, é extremamente
improvável que as limas entrem em contacto com toda a superfície do canal.
Observações histológicas em dentes humanos extraídos mostram uma percentagem
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alarmantemente alta de material necrótico deixado dentro dos canais radiculares


quando estes não eram adequadamente afunilados. Outro fator é que quando o canal
tem a forma afunilada, aumentamos a efetividade de irrigação fazendo com que um
maior número de canais acessórios possam ser obturados. Isto é conseguido não apenas
pela diminuição física do comprimento destes canais acessórios, como também pelo fato
de que nós removemos o conteúdo de tais canais com o hipoclorito de sódio bem como
da lama dentinária, a qual poderia do contrário, bloquear os orifícios ao longo da parede
do canal principal.
A secção do canal principal na parte apical deverá ser arredondada,
embora nos terço médio e cervical isto possa ou não ser desejado. Depende mais da
forma da raiz que está em tratamento. Dentes com raízes ovóides ou achatadas não
deverão ser desnecessariamente enfraquecidas durante o preparo do canal pela criação
de uma forma arredondada nos terços médio e cervical. Isto está em completo acordo
com os objetivos desejados para a limpeza e modelagem, desde que o material a ser
limpo de tais raízes esteja localizado também num canal radicular de forma ovóide ou
achatado. Incisivos inferiores e raízes mesiais de molares inferiores são um bom exemplo
de caso que isto deve ser observado, já que o preparo final de tais canais deverá ser
ovóide ou elíptico.

02. DIÂMETRO DO CORTE TRANSVERSAL A RAIZ

À medida que se procedem a limpeza e modelagem, deve ser tomado


muito cuidado a fim de que o preparo observado num corte transversal à raiz seja cada
vez mais estreito à medida que se avança em direção apical e mais larga á medida que
recua coronariamente. Como será visto na descrição da técnica clínica, tal preparo
estabelece uma constrição apical adequada para que a guta-percha possa ser
compactada contra este preparo apical com a mínima possibilidade de que se introduza
material inadvertidamente além do forame apical. Mais importante ainda, esta forma de
preparo permite que a guta-percha se deforme sob a pressão de condensação
penetrando em cada antractuozidade, assegurando assim, um tipo de obturação a mais
compacta possível com este material. A forma afunilada do corpo do canal permitirá á
colocação dos instrumentos profundamente dentro deste para transmitir uma pressão
adequada da compactação da guta-percha sem limitações laterais. O contacto dos
instrumentos de condensação nas paredes dos canais que foram mal preparados
impedem a transmissão da força de compactação para dentro desta massa de guta-
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percha, e além de divergir tais forças, pode ser perigoso uma vez que corremos o risco de
termos fraturas radiculares.
Somando-se a isto, vê-se que essa forma progressivamente afunilada do
canal radicular em direção apical é a melhor maneira de se conseguir a remoção de
todos os depósitos orgânicos do sistema de canal radicular, através da ação das limas e
das soluções irrigadoras. A única exceção á este princípio de se estabelecer um
diâmetro progressivamente menor é naqueles casos de reabsorções radiculares internas,
onde se seguirmos à risca este princípio iremos enfraquecer sobremaneira à estrutura
radicular.

3. CANAL CIRÚRGICO E CANAL ORIGINAL

O objetivo de se conseguir um preparo final do canal radicular conforme a


forma e direção do canal original, parece ser a fase mais negligenciada durante a
instrumentação endodôntica na atualidade. A reconstrução de cortes histológicos de
dentes, bem como estudos do sistema de canais radiculares, demonstram claramente ser
reto e raramente nunca seguem às direções das tomadas radiográficas bidimensionais.
Canais que parecem ser retos na radiografia inicial de diagnostico, em geral se curvam
para dentro ou para fora do plano achatado do filme (vestíbulo-lingual). Dentes cujos
canais visivelmente curvam-se para mesial ou distal freqüentemente apresentam
curvaturas adicionais que não estão aparentes nas radiografias convencionais
bidimensionais. Na realidade, o canal radicular é curvo em múltiplos planos, e estas
curvaturas devem ser mantidas durante o preparo. O maior problema recai na porção
apical do canal, onde deve ser tomado o maior cuidado para se manter a curvatura
desta região. Como nas porções média e cervical do canal temos grandes espessuras de
dentina, esta região não é tão crítica à retificação das curvaturas do canal.
Em todos os casos, há dois cuidados a serem observados: (1) A retificação
nos milímetros finais do canal leva a sérios riscos para o êxito do caso. (2) Enquanto que a
retificação do corpo do canal durante a limpeza e modelagem é consciente, teremos
sérios riscos se tentarmos a retificação do canal de modo impetuoso,
indiscriminadamente reto e econômico devido a um acesso coronário inadequado.
Comumente se observa durante procedimentos endodônticos cirúrgicos
bem como em extrações dentárias, obturações de canais que radiograficamente
aparecem dentro dos limites anatômicos da raiz, estão na verdade curtas e têm
adjacentes à raiz lesões periapicais. O número de obturações que extravasaram do canal
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original, mas que não perfuraram a superfície da raiz são muito grandes. O tratamento de
canal radicular, para se ter sucesso, implica no tratamento dos canais radiculares
existentes e não na criação de canais radiculares artificiais. Desta maneira, perfurações
nas raízes que não tem nenhuma relação com a direção original do canal, levam ao
insucesso, embora radiograficamente possa ter uma imagem satisfatória vista aos olhos
de uma pessoa inexperiente.
O terceiro objetivo diz respeito à manutenção da curvatura natural dos
canais radiculares, que deverá ser seguida na obturação com guta-percha. Uma boa
conduta recomendada aos clínicos é a revisão cuidadosa da curvatura natural das raízes
de um grande número de dentes extraídos, bem como da colocação de tais dentes em
soluções corantes, tais como azul de metileno, a fim de observar o padrão da anatomia
dos canais radiculares que ocorre na porção apical. Canais radiculares apropriadamente
preparados deverão manter estas curvaturas apicais, o que poderá ser evidenciado na
radiografia final do caso.

04. POSIÇÃO DO FORAME

Intimamente relacionada ao principio de se preparar o canal radicular de


modo a seguir à sua curvatura original, está o objetivo de se deixar também o forame em
sua posição espacial original, sem o transporte ao longo da superfície radicular. Este ZIP
do forame apical ao longo da superfície radicular é um dos mais comuns e menos
reconhecidos fenômenos durante a instrumentação dos canais e é o responsável por
uma grande percentagem dos canais que não conseguem ser convenientemente seco,
bem como de casos endodônticos crônicos e falhas misteriosas. O transporte do forame
toma duas formas, que seriam, a forma elíptica, também chamada forame em forma de
lagrima, e a perfuração apical da raiz.
Ao posicionarmos alargadores ou limas nos canais curvos, estes
instrumentos sofrerão deformações, entretanto, a sua efetividade de corte será alterada,
dependendo da pressão com que estes são pressionados contatando as diferentes
paredes do canal radicular. As deformações destes instrumentos, somados à memória
elástica do metal, faz-se com que haja um aumento do poder de corte em direção
oposta à curvatura do instrumento, e a redução desta eficiência de corte na direção da
curvatura do canal radicular. Já que o forame apical está geralmente desviado aquém
do ápice radiográfico, a passagem repetida de tais instrumentos tende a alterar a
localização do mesmo alargando em direção contrária à curva natural do canal. Em
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dentes com curvaturas radiculares acentuadas, este forame apical pode até mesmo ser
transportado a 1 mm ou mais durante a instrumentação. Mesmo que se tome muito
cuidado este transporte indesejável do forame ocorre comumente durante o tratamento
até mesmo em incisivos laterais superiores com leves curvaturas, e mais comumente
durante a instrumentação de canais mesio- vestibulares de molares superiores. Nenhuma
raiz está livre desta ocorrência. Assim, caso se crie um forame em forma de lágrima,
teremos a sua porção mais estreita localizada ao lado da posição original do forame e a
mais larga localizada no lado oposto onde os instrumentos mais calibrosos trabalharam.
Acessos coronários inadequados que restringem os cabos bem como o
corpo das limas promove com facilidade o transporte do forame apical, assim como
inadequado preparo do corpo do canal durante procedimentos de limpeza e
modelagem. A embocadura do canal radicular, bem como sua porção média deve ser
corretamente preparada a fim de que os instrumentos possam ser efetivamente
manipulados pela mão do operador, e não por simples mudanças devido a reentrâncias
de dentina e esmalte na porção coronária ou na entrada dos canais.
A maneira mais severa de deslocamento do forame apical é a perfuração
da raiz. Isto ocorre quando temos raspas de dentina ou restos de tecido pulpar
bloqueando a curvatura radicular apical somado a um acesso coronário restrito e a
memória elástica dos instrumentos, bem como uma direção de instrumentação
inadequada.
Para reduzirmos a ocorrência da formação de forames apicais em forma de
lágrima, bem como de pequenas perfurações radiculares, é de grande auxílio que
encurvemos previamente a ponta dos instrumentos a serem utilizados de forma a
imitarmos a curvatura dos canais radiculares.

05. PEQUENA ABERTURA APICAL

Durante os procedimentos de limpeza e modelagem, o forame principal


deverá ser mantido tão pequeno tanto quanto isto for prático. Numerosos estudos
confirmaram que embora os forames apicais não sejam totalmente arredondados, os
canais radiculares tendem a ser mais arredondado nos terços apicais que nos terços
médio e cervical. É improvável que a instrumentação do forame colabore para o
aumento da sua forma arredondada, exceto nos casos pouco comum de canais
verdadeiramente retos. Somando-se a isto, quando preencher os canais radiculares com
guta-percha, é melhor que se estabeleça uma forma que restrinja este material aos
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processos de compactação. Desta forma se tivermos uma abertura apical menor, estes
procedimentos de compactação serão simplificados. Obviamente nos casos de necrose
pulpar, alargamento suficiente deve ser realizado para assegurar a completa limpeza
desta região, mas deve ser evitada a remoção excessiva de dentina apical. O
alargamento desnecessário do forame compromete as fibras periodontais predispondo a
uma inflamação periapical crônica não contribuindo de modo algum para o sucesso do
caso.
O tamanho real do forame preparado varia consideravelmente
dependendo do tamanho deste e da forma do canal original. Somando-se o princípio de
que o forame deve ser mantido tão pequeno quanto isto for prático, tem-se então que o
quanto de preparo a ser realizado dependerá da situação clínica presente. Por exemplo,
dentes permanentes jovens, mesmo com rizogênese incompleta, e dentes com
reabsorções radiculares, provavelmente terão aberturas apicais mais largas após a
limpeza e modelagem. Isto depende muito do julgamento clínico, desde que estes
forames relativamente largos sejam suficientes pequenos para que se possa realizar uma
boa obturação destes casos.
Experiências "in vivo" e '"in vitro" confirmam que uma abertura apical
mínima, equivalente a uma lima nº 3 (# 25) é o desejável para uma obturação com guta-
percha. Oportunamente será demonstrado que a guta-percha poderá ser compactada
dentro de espaços muito pequenos, assim uma boa obturação poderá ser obtida
quando se cria um espaço com uma lima nº 3 (#25) realizado por qualquer dentista.

OBJETIVOS BIOLÓGICOS DA LIMPEZA E MODELAGEM DO CANAL RADICULAR

A consideração biológica básica da limpeza e modelagem é que


granulomas, cistos, abscessos e fístulas resultam de inflamação, infecção ou de tecido
necrótico existente no interior do sistema de canal radicular. Na ausência deste tecido
necrótico nenhuma lesão periapical de origem endodôntica irá se desenvolver. Nos locais
onde tais lesões já ocorreram, o elevado grau de vascularização dos tecidos periapicais
levam a volta da normalidade da região após terem sido removidas às injurias. Os
agentes causadores associados às lesões endodôntiças em desenvolvimento são o
resultado de uma polpa que outrora foi normal, mas que passou por vários estágios de
decomposição no interior do sistema de canal radicular. Este material prontamente
possibilita o desenvolvimento microbiano e metade de todos os dentes que necessitam
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tratamento endodônticos, apresentam canais radiculares infectados. Produtos de


degradação tissulares, necrose resultante de inflamações e toxinas bacterianas, são
todas capazes de produzir lesões no aparato de união e no osso, uma vez que todo
este material drena através do forame principal ou acessórios. Uma vez removidos tais
agentes nocivos, as lesões periapicais cicatrizam. Para que haja a recomposição dos
tecidos de suporte é necessário apenas que se elimine o tecido degenerado e os
microorganismos do interior do canal radicular.
A extração de dentes com patologias periapicais leva a pronta
cicatrização das lesões ósseas porque a extração elimina totalmente o canal radicular, o
tecido necrótico e o dente. No entanto esta extração pode ser evitada através de uma
limpeza e modelagem efetuada de maneira correta neste dente.
Quatro objetivos biológicos da limpeza e modelagem asseguram tanto o
sucesso endodôntico do caso quanto o conforto do paciente durante o tratamento:
01. A instrumentação deve ser confinada aos canais radiculares. Não instrumente
o osso e nem a lesão periapical.
02. Deve se tomar cuidado de modo a evitar o bombeamento de material necrótico
além do forame durante o preparo do canal radicular.
03. Remova todos os depósitos tissulares no interior dos canais radiculares.
04. Tente completar a limpeza e modelagem de um dente com um canal em uma única
consulta, e sempre que possível prepare um canal de cada vez em um dente com
vários canais.
05. Crie um espaço suficiente durante o alargamento do canal para receber a
medicação intracanal e acomodar pequena quantidade de exsudato periapical que
levará a uma inflamação subclínica, subseqüente ao preparo do canal.
A compreensão e seguimento destes princípios biológicos simplificam a
obtenção e maximizam seus benefícios na prática clínica; assim vejamos separadamente
cada um deles.

1. INSTRUMENTAÇÃO CONFINADA AO CANAL RADICULAR. A instrumentação além do


ápice é desnecessária. Pode causar inflamação periapical. Alargar desnecessariamente
e deformar o forame periapical podem causar perfuração do seio maxilar, assoalho nasal
ou canal mandibular. Isto é evitado através do uso de cursores nas limas, do rígido
acompanhamento de radiografias durante o preparo do canal e da experiência do
operador.
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Na primeira metade deste século, principalmente na era da infecção focal,


acreditava-se que as lesões periapicais eram infectadas. Também pensavam que tais
lesões deveriam ser tratadas de maneira isolada para se obter solução. O tratamento
incluía extrações de dentes, curetagem periapical e apicectomias, além de se tentar
chegar à lesão através do canal radicular para tratá-la, usualmente com a utilização de
drogas cáusticas. Os resultados de tais procedimentos eram menos favoráveis que o
tratamento endodôntico.
À medida que se chegou a conclusão que às lesões periapicais eram
raramente infectados e praticamente sempre livres de microorganismos após a
esterilização do canal radicular, ficou-se sem razão para tratar as lesões periapicais de
modo isolado.
A passagem inadvertida de um instrumento fino através do ápice, durante
a odontometria inicial, ou então a passagem menor que 1 mm dentro do ligamento
periodontal durante a limpeza e modelagem não significa um grande irritante para os
tecidos periapicais. No entanto se esta passagem se repetir com vários instrumentos para
dentro das lesões periapicais ou para dentro do osso, iremos produzir uma inflamação
apical e uma quantidade considerável de exsudato, com conseqüente desconforto e
interrupção do tratamento.
A passagem dos instrumentos endodônticos repetidamente trabalhando
além do canal radicular em canais curvos alarga desnecessariamente o forame apical, e
teremos a formação de um forame em forma de lágrima.
A sobreinstrumentação também leva a formação de perfurações do seio
maxilar, cavidade nasal ou canal mandibular. Assim deve se tomar cuidado para evitar a
penetração nestas regiões. A drenagem de material necrótico através do canal palatino
de molares superiores é uma indicação de uma possível perfuração de seio maxilar. Um
sangramento inesperado não associado com uma perfuração radicular óbvia pode
indicar a penetração dentro do canal mandibular ou cavidade nasal. A interrupção
temporária do tratamento poderá ser seguida do término do mesmo de maneira a se
obter sucesso, isso quando os sintomas já desapareceram e uma sobreinstrumentação é
evitada. Para se evitar tais complicações devem-se observar cuidadosamente as
radiografias de diagnóstico, bem como da observação dos cursores colocados nos
instrumentos.
Existem apenas duas circunstâncias que intencionalmente se
sobreinstrumenta o canal radicular. Uma é no caso de abscesso alveolar agudo que não
drena espontaneamente quando se penetra na câmara pulpar e que ainda não está
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adequado para realizar uma incisão para a drenagem. A instrumentação além do ápice
nestes casos onde já há pus na região periapical em geral auxilia o estabelecimento da
drenagem e providencia um alívio imediato de dor do paciente. A outra situação que se
beneficia de uma sobre-instrumentação intencional através do forame apical é quando
se suspeita que uma lesão periapical seja cística. Existem evidências que indicam que o
desenvolvimento de uma inflamação subclínica pode beneficiar levando ao colapso e
regressão do tecido epitelial cístico, evitando-se assim uma intervenção cirúrgica destas
lesões.

02. CUIDAR PARA NÃO SE BOMBEAR MATERIAL NECROTICO PARA ALÉM DO FORAME
APICAL. Muito já foi escrito a respeito deste aspecto, visto que muitas das sensibilidades
pós-operatórias têm sido devido ao bombeamento de material necrótico e de
microorganismos para os tecidos periapicais durante o preparo do canal. Existem
evidências que indicam que a instrumentação ultrapassando o ápice de canais
radiculares infectados resultou em bacteremias transitórias detectáveis, ao passo que,
quando a instrumentação se deu dentro dos limites dos canais radiculares tivemos
culturas sanguíneas negativas durante e após o tratamento.
Hoje em dia, um considerável número de endodontistas promove a
limpeza e modelagem nos casos de polpa necrótica em uma única sessão, trabalhando
ao nível ou próximo ao forame apical. Promovendo-se o controle dos instrumentos de
modo que eles não ultrapassem o forame, vemos que efeitos adversos têm diminuído. Em
996 dentes tratados na Universidade de Boston, na clínica de Endodontia e Dentística no
ano de 1972, observou-se que complicações pós-operatórias ocorreram em menos de
1,1% dos dentes tratados e em menos de 0,5% dos que tiveram seus canais limpos e
modelados. Embora os instrumentos tenham sido controlados de modo a não ultrapassar
o ápice através de um controle radiográfico, não se pode pensar que nenhum material
necrótico e microorganismos não foram depositados além do forame apical. Parece
haver uma relação direta entre as alterações pós-operatórias com a quantidade de
depósitos necróticos que foram inseridos dentro dos tecidos periapicais e uma relação
inversa quando desempenhamos bem a limpeza e modelagem do canal radicular.

03. REMOÇÃO DE TODOS OS DEPÓSITOS TISSULARES DO SISTEMA DE CANAL RADICULAR.


Parece ter o seu significado plenamente evidente. Este material necrótico ou
desorganizado é o maior causador das lesões periapicais e a sua eliminação é crítica
para os sucessos dos procedimentos endodônticos não cirúrgicos. O papel que
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desempenha na patologia endodôntica tem sido descrito e a sua eliminação será


discutida quando forem descritos os procedimentos técnicos da limpeza e modelagem.
Deve-se se dizer que substâncias alcalinas extremamente fortes, bem
como enzimas diluídas têm sido utilizadas para dissolver os depósitos orgânicos dos canais
radiculares. No entanto, não provou ser mais efetivo que a limpeza e modelagem dos
canais radiculares e irrigação com soluções de hipoclorito de sódio entre 3% e 5%, sendo
muito efetiva para remover todos os depósitos orgânicos do sistema de canal radicular.

04. LIMPEZA E MODELAGEM DE DENTES COM ÚNICO CANAL EM UMA SESSÃO. No passado,
as agudizações após a instrumentação do canal radicular eram muito mais freqüentes do
que o são hoje em dia. Sem ser surpresa para nós, a limpeza e modelagem
principalmente de canais com material necrótico foi afetado de uma maneira diferente
do que é hoje. Antigamente, os endodontistas temiam aproximar-se do forame apical de
canais infectados para efetivamente limpá-los sem antes que se fizesse um tratamento
com drogas anti-sépticas, químico cáustico, e um igual número de penetrações parciais
com limas nos terços cervical e médio do canal radicular. Paradoxalmente, eles sempre
tinham as agudizações pós-operatórias que temiam pelo selamento da câmara pulpar
com material séptico dentro dos canais radiculares. Estas drogas irritantes não
trabalhavam no sentido de esterilizar os depósitos infectados, mas na verdade,
contribuíam para haver um aumento da dor pós-operatória.
Autores de renome indicavam a necessidade de uma dúzia ou mais de
visitas para que se pudessem esterilizar efetivamente os canais radiculares, enquanto
outros descreviam procedimentos elaborosos a fim de se lidar com problemas que eram
previstos após a primeira instrumentação de canais infectados. Houve uma época em
que os grandes nomes da endodontia recomendavam a colocação de medicamentos
dentro dos canais radiculares infectados não instrumentados que eram selados apenas
com verniz sob o acesso cavitário, para que desse modo o próprio paciente pudesse
remover o curativo assim que surgissem as dores pós-operatórias previamente
antecipadas. Também era indicado que se obtivesse culturas negativas da câmara
pulpar antes que se iniciasse a instrumentação do canal radicular, o que era uma atitude
completamente equivocada.
O fato de se deixar substratos nos canais radiculares necróticos predispõe a
complicações pós-operatórias. Removendo estes substratos, reduziremos a probabilidade
de infecção bem como o desconforto do paciente. O quanto antes e melhor
removermos esses substratos, mais rapidamente esses canais poderão ser esterilizados e
Schilder, H. Cleaning and shaping the root canal. Dent Clin N Amer, v. 18, n. 2, p. 269-296, Apr, 1974. 14
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obturados e mais efetivo poderá ser o tratamento desse conduto radicular. O substrato
removido do canal radicular não poderá causar problemas entre as sessões do
tratamento.
A limpeza e modelagem de dentes que apresentam múltiplos canais são
mais bem efetuadas quando se prepara cada canal separadamente e completamente
antes de se passar para o próximo canal do mesmo dente. Isto porque cada canal tem
uma forma específica. Esse conceito é muito bem aceito por parte dos estudantes, mas,
por parte daqueles praticantes que já estão acostumados a manipular vários canais ao
mesmo tempo, devem ser novamente treinados para essa nova maneira de trabalhar. O
bom senso e a prática mostram que se uma igual atenção deve ser dada para todos os
canais de um dente multiradicular, não perderemos mais tempo no preparo de um único
canal de cada vez do que se prepararmos dois três ou quatro canais ao mesmo tempo. O
preparo de um único canal numa sessão permite uma completa concentração nos
objetivos mecânicos e biológicos da limpeza e modelagem e os resultados desses
procedimentos serão muito melhores.

05. CRIAR UM ESPAÇO SUFICIENTE DURANTE O ALARGAMENTO DO CANAL PARA RECEBER


MEDICAÇÃO UMA INTRACANAL E PARA A POSSIBILIDADE DE ACOMODAR UM POSSÍVEL
EXSUDATO QUE SE FORME DURANTE O PREPARO. Por muitos anos o motivo do alargamento
do canal era em princípio criar espaço para medicação intracanal. Embora isso ainda
seja um dos motivos, se dá maior ênfase para a limpeza e modelagem a fim de se
conseguir a esterilização dos canais radiculares. O papel das drogas é secundário,
embora elas também auxiliem a desinfecção do canal radicular. Assim elas são utilizadas
como medicação colocada dentro do canal, mas não como antes, onde os canais
radiculares eram completamente preenchidos com as drogas.
Todas estas drogas utilizadas como medicação intracanal são voláteis ou
apresentam baixa tensão superficial ou ambas as propriedades. Canais radiculares
apropriadamente limpos não necessitam ser preenchido por tais medicamentos para que
possam ser tratados. O preenchimento dos canais radiculares com drogas entre as sessões
do tratamento ou preenchimento dos canais insuficientemente alargados leva a
percolação apical do medicamento com inclusive a formação de um exsudato
periapical. Como a maioria das medicações intracanais são irritantes, essa percolação
apical do medicamento é um perigo para a prática endodôntica.
Somando-se a isto, os princípios de se deixar espaço no corpo de um canal
radicular bem preparado a fim de receber pequenas quantidades de exsudato
Schilder, H. Cleaning and shaping the root canal. Dent Clin N Amer, v. 18, n. 2, p. 269-296, Apr, 1974. 15
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periapical que pode se acumular entre as sessões de tratamento, alivia a pressão apical e
previne a percolação além do ápice radicular. Desse modo, um preparado meticuloso
do canal através da remoção de todo substrato orgânico, além de reduzir a quantidade
de medicação necessária entre sessões permite que se use menos, e dessa maneira
menor irritação pelas drogas poderá ocorrer.

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