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Brasília, 06 de abril de 2021

Prezada Senhora Regina

M.D. Prefeita Comunitária da SQSW 302

Assunto: Reiteração de Reclamação relativa ao excesso de ruídos provocados pelo pula-pula


(cama elástica) – Pedido de ciência do problema à Administração Regional do Sudoeste

Conviver é arte de modular a satisfação de desejos e necessidades próprios com o respeito às


necessidades e direitos dos demais conviventes.

Como havíamos pontuado na Reclamação que formulamos em 3/3/21 (abaixo integralmente


reproduzida), ao trazermos à colação lição doutrinária de direito do eminente jurista Sílvio de
S. Venosa, é regra geral e basilar do direito que “ninguém deve prejudicar o próximo
(neminem laedere)” ao conduzir-se pelo mundo, especialmente quando as condutas
praticadas constituem violação de norma formalmente instituída.

Nossa saúde e nossa paz seguem sendo atingidas no dia a dia. Saúde não tem preço e os
cuidados relativos a ela não podem nunca ser postergados.

Trazemos novamente à ponderação de V.S.ª o fato de que o atendimento de nossas


solicitações de retirada e /ou realocação da cama elástica instalada em frente à nossa
residência seria incapaz de prejudicar as crianças (e seus pais) em seu direito ao lazer e à
recreação, haja vista a infinidade de alternativas tanto de equipamentos quanto de locais mais
apropriados nas proximidades para a realização de suas atividades. Nossos pedidos de
realocação do equipamento visam resgatar a nossa tranquilidade e qualidade ambiental - que
já usufruíamos anteriormente (direito adquirido) - e que foram seriamente abaladas pela
instalação do equipamento em frente ao nosso apartamento (imóvel que não pode ser
realocado por razões óbvias, diferentemente das alternativas de instalação de
equipamentos/áreas de lazer e recreação que podem ser desenvolvidas em dezenas de outros
espaços da quadra).

Neste diapasão, insistimos na reinvindicação de uma solução amigável para o problema,


acreditando que essa seja a via menos desgastante e rápida para se chegar a bom termo.

Em face de as razões de direito aqui veiculadas implicarem na possibilidade de


responsabilização das autoridades competentes pela autorização e uso do equipamento,
solicitamos desde já que V. Sª. dê ciência imediata do inteiro teor desta nossa manifestação,
bem como da anterior e seus anexos, à Administradora Regional do Sudoeste, para
conhecimento e providências cabíveis.

Novamente faz-se necessário ponderar acerca das peculiaridades relacionadas à utilização do


brinquedo e as consequências ambientais decorrentes das atividades nele praticadas. Talvez
seja interessante para a reflexão ora proposta descrever detalhadamente as rotinas levadas a
efeito pelos usuários, de modo a tornar mais claro para aqueles que não acompanham
diretamente os usos do equipamento (ou os que não sofrem com isso) avaliar a extensão dos
prejuízos causados a terceiros no entorno em razão dos ruídos produzidos.
O período de utilização se estende por todo o dia até a início da noite, todos os dias da
semana. O equipamento é utilizado de maneira quase contínua por diversos grupos de
crianças de variadas faixas etárias, sob acompanhamento/supervisão de pais ou responsáveis.

A própria natureza da atividade de pular parece estimular a expressão dos praticantes por
meio de gritos – no caso presente tais emissões sonoras são reiteradas e muitas vezes
contínuas (por longos períodos). Não bastassem os gritos das crianças que estão no
brinquedo, as práticas são frequentemente acompanhadas dos gritos de estimulação ou de
aplauso dos acompanhantes, como também do choro de inconformismo/frustração das
crianças que não puderam entrar no jogo naquele momento.

Há um número muito grande de matérias jornalísticas, estudos e artigos científicos (facilmente


localizáveis nos repositórios da internet acessíveis a todos) em que se analisa a intensidade de
ruídos urbanos e suas consequências danosas à saúde humana (e até mesmo à animal).
Apenas a título de exemplo, em matéria publicada no Estadão em 20/02/20
(https://imoveis.estadao.com.br/noticias/quanto-barulho-e-barulho-demais/), faz-se
referência a que o choro de crianças pequenas pode atingir valores superiores a 100 decibéis,
ruído suficiente para ensurdecer as pessoas ou ocasionar crises nervosas/estresse agudo nos
atingidos, segundo estudos técnicos das áreas da fonoaudiologia, psicologia, neurofisiologia.

Cabe perguntar: quantos ruídos dessa natureza e intensidade, que excedem os limites das
normas ambientais aplicáveis, pode uma pessoa normal suportar a cada hora, dia, mês, antes
que registre problemas nervosos sérios ou enlouqueça???? Já demonstramos à exaustão que
o problema por nós enfrentado não é um mero incômodo passageiro e suportável, e sim um
problema grave e com efeitos deletérios à nossa saúde, que vão se agravando na medida em
que as soluções adequadas deixam de ser adotadas por quem de direito.

Registramos o quanto é ruim acordar em um estado de prontidão (típico de traumatizados) em


que a vítima já se põe nervosa ao despertar, como que aguardando o primeiro “disparo” que
vai ativar a irritação que a acompanhará durante todo o dia.

A Senhora nos informou, a título de exemplo de sua atuação, que censurou e advertiu o
vendedor de picolé para que cessasse o uso de equipamento de som para chamar clientes em
razão dessa conduta ser imprópria e proibida por normas ambientais locais, por prejudicar a
paz e o sossego dos moradores. Num exercício de livre imaginação pode-se pensar no que
representaria de perturbação da paz da vizinhança se todos pudessem produzir os ruídos que
bem entendessem nos sopés dos edifícios, como por exemplo, se alguém entendesse ser seu
direito fazer serenatas de diversas horas de duração em todos os dias, impondo a todos o seu
próprio gosto musical e ruídos. Para limitar as condutas impróprias foi que a legislação
ambiental evolui no sentido de conter a emissão de ruídos em qualquer atividade, em área
pública ou privada, que representem a potencialidade de perturbar a paz ou prejudicar a
saúde das pessoas.

Não por outra razão, senão a de preservar a paz e tranquilidade das pessoas em qualquer
horário, a legislação mais recente, a exemplo da de trânsito, traça diretrizes rígidas para a
emissão sonora, tanto que proíbe o som automotivo em volume que ultrapasse o espaço
interno dos veículos, e restringe o uso de buzinas ao mínimo necessário.
Disso decorre que se a autoridade responsável pela instalação e manutenção de
equipamento e/ou obra geradora de violações da paz e tranquilidade dos circunvizinhos
afetados não dispõe de meios eficazes para assegurar a preservação e/ou o regate das
condições ambientais que a lei impõe como meio de preservar a saúde e bem-estar( como
bem maior/mais relevante), tem essa autoridade o dever legal de fazer cessar a atividade
até que encontre os meios adequados para tal. (Vide as disposições do Código Civil e as da Lei
n. 9.605/98 - art. 54 acerca das normas de convivência e da poluição de qualquer natureza).

A questão da poluição ambiental decorrente de ruídos (poluição sonora), em razão das graves
repercussões à saúde, é tão relevante, que as violações aos limites estabelecidos nas normas
de regência, recebeu tratamento de máxima severidade, sendo considerado crime grave,
elastecendo aquela visão antiga de mera perturbação, que caracterizava a transgressão como
mera contravenção de perturbação da paz. O som é considerado uma energia, que gera
impactos físicos constatáveis, tanto aqueles mais óbvios e clássicos (como por exemplo: um
agudo de soprano que é capaz de quebrar cristais; ou o ruído de aviões que podem destruir as
vidraças de edifícios), quanto os mais sutis (pouco visíveis) como os que atingem seres vivos,
causando lesões auditivas, neurológicas e outras.

Deve ficar consignado que a Reclamação de 3/3 foi realizada em desdobramento de inúmeros
contatos informais anteriores que tiveram início após a reativação do uso do equipamento de
lazer (que havia sido interditado por longo período em razão de problemas de
manutenção/segurança).

Cabe também refutar quaisquer alegações ou insinuações de que os ruídos devem ser
suportados pelos circunvizinhos por serem normais, produzidos durante o dia e em área
apropriada e destinada a esse tipo de uso.

A legislação ambiental é mandatória, e não admite escusas ao seu cumprimento, seja pelos
cidadãos, seja pelas autoridades. Assim, qualquer obra, atividade ou intervenção em área
pública (e até mesmo privada) deve respeitar presentemente (“no momento atual”) os
padrões e limites estabelecidos na norma, , impondo inclusive as adaptações e atualizações
necessárias, sob pena de responsabilização de quem os transgrida. Desse modo, o uso do
equipamento em questão está sujeito às limitações aqui apontadas, não podendo ser
justificada a continuidade das transgressões por qualquer razão.

Repise-se a informação relativa ao dever de respeitar os limites de emissão sonora


estabelecidos na legislação para qualquer horário do dia apontados da Reclamação anterior,
de que não existe a tolerância que o senso comum imagina existir para os comportamentos
diurnos.

Da mesma forma, qualquer obra nova só pode ser autorizada pela autoridade pública ante o
asseguramento prévio do cumprimento dos limites impostos pela legislação ambiental, com
imposição de adoção de padrões construtivos/arquitetônicos adequados, sendo que o
desrespeito ao cumprimento das exigências pode acarretar desde a não autorização para
edificar, a interdição da obra, ou até mesmo o embargo de utilização ou a demolição. Registre-
se, em adição, que em relação à alocação de parques e equipamentos de recreação infantil, as
decisões de instalação, além de estarem subordinadas às normas relativas ao ruído aqui
apontadas, devem atender aos requisitos técnicos das NBRs específicas (NBR15926-
Equipamentos de parques de diversão e NBR 14350-1 -Segurança de brinquedos de
playground), que, aparentemente, sequer foram consideradas na decisão de instalar o pula-
pula em nossa quadra.
Segundo Celso Antonio Pacheco Fiorillo, o mais eminente doutrinador da atualidade na área
do direito ambiental, em sua obra Curso de Direito Ambiental Brasileiro - 18ª edição de 2018,
Ed Saraiva (p.340-341):

“O ruído possui natureza jurídica de agente poluente.

(...)

Trata-se, pois, de observar a existência da denominada poluição sonora como “uma


espécie de poluição ambiental que possui o caráter peculiar de nocividade orgânica,
que não produz fumaça, não torna o solo estéril, mas perturba a mente abala o
equilíbrio, deteriorando o meio ambiente social, prejudicando a saúde e o bem-estar”
conforme didaticamente indicado em julgado do Supremo Tribunal Federal (RHC
117465/DF, Rel. Min. Ricardo Lewandodowski, j. 4-2-2014,Órgão Julgador: 2ª Turma).”

Estabelecem os artigos 1.277 e 1.279 do Código Civil:

Do uso anormal da propriedade

Art. 1.277. O proprietário ou o possuidor de um prédio tem o direito de fazer cessar as


interferências prejudiciais à segurança, ao sossego e à saúde dos que o habitam,
provocadas pela utilização de propriedade vizinha.

Parágrafo único. Proíbem-se as interferências considerando-se a natureza da


utilização, a localização do prédio, atendidas as normas que distribuem as edificações
em zonas, e os limites ordinários de tolerância dos moradores da vizinhança.

Art. 1.279. Ainda que por decisão judicial devam ser toleradas as interferências,
poderá o vizinho exigir a sua redução, ou eliminação, quando estas se tornarem
possíveis.

A teor do disposto nas normas acima transcritas, as interferências nocivas ao sossego e à


saúde provocadas por vizinhos podem, sem exceção, ser objeto de cessação coercitiva, posto
que a lei estabelece que até mesmo aquelas que eventualmente pudessem ou devessem ser
toleradas por determinação de decisão judicial, sujeitam-se igualmente à imposição de
redução ou eliminação.

A tutela jurídica do meio ambiente e da saúde humana no que diz respeito à exposição a níveis
excessivos de ruídos é regulada atualmente pela Resolução n. 1/90 do Conselho Nacional do
Meio Ambiente – Conama, que por sua vez adota os padrões estabelecidos pela Associação
Brasileira de Normas Técnicas – ABNT e pela NBR n. 10.152 (cujo teor é relativo ao
estabelecimento de “procedimentos técnicos a serem adotados na execução de medições de
níveis de pressão sonora em ambientes internos a edificações, bem como os valores de
referência para avaliação dos resultados em função da finalidade de uso do ambiente. (...)
valores de referência estabelecidos de acordo com a finalidade de uso do ambiente no local
onde a medição for executada, visando a preservação da saúde e do bem-estar humano.”).
Diz a referida Resolução:

RESOLUÇÃO/Conama/N.º 001 de 08 de março de 1990

Publicada no D.O.U, de 02/04/90, Seção I, Pág. 6.408

O CONSELHO NACIONAL DO MEIO AMBIENTE - CONAMA, no uso das atribuições que


lhe confere o Inciso I, do § 2º, do Art. 8º do seu Regimento Interno, o Art. 1º da Lei
7.804 de I5 de julho de 1989, e

Considerando que os problemas dos níveis excessivos de ruído estão incluídos entre
os sujeitos ao Controle da Poluição de Meio Ambiente;

Considerando que a deterioração da qualidade de vida, causada pela poluição, está


sendo continuamente agravada nos grandes centros urbanos;

Considerando que os critérios e padrões deverão ser abrangentes e de forma a


permitir fácil aplicação em todo o Território Nacional, RESOLVE:

I - A emissão de ruídos, em decorrência de quaisquer atividades industriais,


comerciais, sociais ou recreativas, inclusive as de propaganda política. obedecerá, no
interesse da saúde, do sossego público, aos padrões, critérios e diretrizes
estabelecidos nesta Resolução.

II - São prejudiciais à saúde e ao sossego público, para os fins do item anterior aos
ruídos com níveis superiores aos considerados aceitáveis pela norma NBR 10.152 -
Avaliação do Ruído em Áreas Habitadas visando o conforto da comunidade, da
Associação Brasileira de Normas Técnicas - ABNT.

(...)

Em razão do disposto, as extrapolações dos valores de referência adotados pelas normas de


regência (que é o caso das violações questionadas nesta peça) automaticamente constituem
violações de dever legal, geradoras de prejuízos à saúde a ao sossego dos atingidos, estando
sujeitas a ser corrigidas por meio de coerção administrativa e/ou judicial.

Fiorillo afirma (na mesma obra antes citada, p.360), ao discutir aspectos das repercussões no
direito penal (em especial as da Lei de Crimes Ambientais- Lei n. 9.605/98 - art. 54) de
condutas calcadas em produção excessiva de ruídos:

“(...) o delito em tela é crime de perigo concreto, o que significa dizer que o legislador
não presumiu o perigo, exigindo do acusador a sua prova. A adoção de crimes de
perigo encontra-se em perfeita consonância com o direito ambiental, privilegiando-se
o princípio da prevenção. Dessa forma, a conduta criminosa já estará caracterizada
com a potencialidade do dano, sendo desnecessária para a tipificação a realização do
resultado naturalístico danoso.

Registre-se, ainda, por pertinente, que o STF vem reiteradamente confirmando em suas
decisões a adoção desses parâmetros como critério interpretativo da matéria (vide Fiorillo, p
352).
Cabe advertir que embora seja atribuível responsabilidade aos pais pelas transgressões às
normas referidas em razão dos ruídos aqui registrados (que usam o equipamento de boa-fé,
julgando regular a presença do brinquedo naquele local), como o problema tem origem e
existência em razão da instalação irregular de equipamento de lazer em área pública, com
(“suposta”) autorização da autoridade competente, a eventual responsabilização
(administrativa, civil e/ou penal), por óbvio, recairia sobre o ente público e autoridades
responsáveis, em razão de violarem a legislação ao descuidarem da preservação da qualidade
ambiental nos atos que constituem a instalação e manutenção do equipamento.

Na condição de educadores (pais, avós, professores, terapeutas), sentimos ser nosso dever
suscitar a reflexão de V.S.ª relativa aos danos à saúde que as camas elásticas provocam. Há
vários registros de que tal brinquedo é capaz de causar danos de ordem física e neurológica, a
ponto de existirem advertências médicas contra o uso desse tipo de equipamento, com
recomendações de banimento (vide a título de exemplo a matéria publicada em:
https://institutopensi.org.br/blog-saude-infantil/diretrizes-para-o-uso-da-cama-elastica/) . Em
face dos riscos à saúde que o brinquedo produz, cabe ponderar que eventuais lesões aos
usuários podem resultar em responsabilização dos mantenedores/autoridades autorizadoras,
possibilidade esta que não pode ser afastada pela mera colocação de avisos de advertência
dos riscos apostos no brinquedo, transferindo as responsabilidades do uso aos
usuários/acompanhantes, haja vista ser a decisão de instalação/manutenção que estabelece à
indução de uso.

Cabe reforçar aqui, em finalização, que a competência legal para conceder a autorização de
instalação e uso de equipamento de lazer em área pública, bem como a responsabilidade por
qualquer fato relacionado ao equipamento em questão, s.m.j., é exclusiva e indelegável da
Administração Regional do Sudoeste, sendo sem valor jurídico a atuação nesse sentido da
Prefeitura Comunitária da SQSW 302 (ONG-Entidade da Sociedade Civil – Privada).

Em face de todo o exposto, solicitamos à Vossa Senhoria:

A remoção imediata do equipamento denominado cama elástica (pula-pula) instalado em


frente ao Bloco D desta SQSW 302;

A imediata ciência do inteiro teor desta nossa manifestação, bem como da anterior e seus
anexos, à Administradora Regional do Sudoeste, para conhecimento, acompanhamento e
providências cabíveis.

Notificar-nos acerca de todo e qualquer andamento ou desdobramento relativo à presente


demanda.

Atenciosamente,

Alexandre Wagner Vieira da Rocha e Elayne Aparecida Pereira – moradores do Bloco D

xxxxxxxxxxxxxxxxx

Cópia da Reclamação de 3/3/21

Prezada Senhora Regina


M.D. Prefeita da SQSW 302
Aproveitamos o ensejo do “lockdown” (que impôs a interdição do pula-pula instalado em
frente ao nosso bloco) para retomar as conversas sobre os impactos adversos que tal
brinquedo vem causando à nossa qualidade de vida.
Com a presente carta temos a intenção de apresentar elementos de fato e de direito que
auxiliem na reflexão, discussão e tomada de decisões relativas à instalação e uso desse tipo
de equipamento em nossa quadra, buscando contribuir na busca de uma solução que
estabeleça um melhor gerenciamento dos espaços comuns da quadra residencial, e que
contemple de forma equânime o respeito e a consideração aos diversos direitos e
interesses afetados da forma mais harmoniosa e amigável possível.

Desde já reiteramos o pedido de que sejam adotadas providências imediatas para a


retirada/realocação do equipamento de lazer em questão, haja vista os inconvenientes já
relatados e documentadas a V.S.ª nas conversas realizadas pelo whatsapp, que serão
detalhados e discutidos adiante.
Importante que se inaugure a reflexão ora proposta com as disposições constitucionais pátrias
que parecem ser muito pouco compreendidas nas relações sociais, especialmente às de
vizinhança.

Dispõe o Artigo 5º da Constituição Federal, que trata dos direitos e garantias individuais:
(...)
“X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas,
assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua
violação.
XI - a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem
consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para
prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial.”( Incisos do art. 5º da
Constituição Federal)

A inviolabilidade em questão se estende, por óbvio, a qualquer coisa que invada a casa do
indivíduo, inclusive, o som, que por ser uma espécie de energia, produz impactos físicos
mensuráveis.

Em razão da proteção constitucional à inviolabilidade do lar (por qualquer meio que seja), ao
contrário do que sustenta a crença popular, a emissão de ruído excessivo, capaz de invadir a
esfera privada de outras pessoas causando-lhes perturbações e danos à saúde e ao sossego
não é permitida em nenhum horário do dia ou da noite, não existindo em nosso ordenamento
jurídico qualquer norma que estabeleça o período do dia anterior às 22 horas como limite
usual de liberação ou relativização do dever original e absoluto de não prejudicar outros com
nossas condutas.

Para um melhor esclarecimento do público em geral acerca dos direitos dos cidadãos que
sofrem com a poluição sonora, o Ministério Público Estadual de Pernambuco em parceria com
vários órgãos do governo local e de entidades da sociedade civil, instituiu a campanha
denominada “Som Sim, Barulho Não”, que resultou na produção de uma Cartilha bastante
didática (acessível em
http://www.mppe.mp.br/mppe/attachments/article/1807/Cartilhapoluicaosonoraweb.pdf).
Cópia anexa.
Do capítulo 5 desse documento, destinado a responder as dúvidas mais frequentes acerca do
tema, destacamos, por pertinentes ao que aqui discutimos, as respostas aos seguintes
questionamentos (os grifos são nossos):
3. Até que horas posso fazer barulho?
Em nenhum horário. Pouco importa se é manhã, tarde, noite ou madrugada.
Infelizmente, criou-se uma ideia errada no Brasil de que seria permitido abusar de
sons e ruídos entre as 8h e 22h, como se o sossego e a saúde das pessoas não pudesse
ser atingido neste período. Lembre-se: o objetivo das leis em torno desse assunto é a
proteção do sossego, do trabalho e da saúde, qualquer que seja o horário.
4. Somente sons ou ruídos muito altos geram poluição sonora?
Não. Pequenos ruídos e mesmo sons baixos emitidos, por exemplo, por um rádio em
sua casa, podem ser tão incômodos e nocivos à saúde de terceiros quanto outras
fontes poluidoras mais perceptíveis. Tudo vai depender do contexto em que se acha
inserida a pessoa atingida. Se o som ou ruído que você produz de algum modo alcança
aos ouvidos do seu vizinho, este é quem poderá dizer se é ou não aceitável. A
Constituição Federal diz que o lar é asilo inviolável e a democracia garante a cada um
as suas próprias escolhas. O princípio a ser observado é o de conter o som ou ruído no
próprio ambiente em que ele é gerado.
16. Dentro de minha casa, posso fazer o barulho que eu quiser?
A casa é asilo inviolável do indivíduo, e esta é uma garantia constitucional. Tal
inviolabilidade é absoluta, donde se conclui não ser permitida a transgressão da paz
ou do trabalho alheios. O próprio Código Civil prevê o direito de fazer cessar as
interferências prejudiciais ao sossego provocadas pelo mau uso da propriedade
vizinha, podendo o prejudicado exigir que as interferências sejam reduzidas ou
eliminadas (arts. 1.277 a 1.279). A resposta, portanto, é não.
24. Quem é mais adequado para identificar a poluição sonora?
A vítima é sempre a pessoa mais adequada para revelar o incômodo. Quem provoca
o ruído raramente se apercebe ou se incomoda com ele. O dever de restringir o som
no ambiente é de quem o produz. Quando qualquer som ou ruído invade o espaço
alheio, que obrigação teria o ofendido de suportar isso? Embora não possam ser
vistos, os sons e ruídos podem aborrecer, em maior ou menor grau, dependendo de
uma série de elementos subjetivos e peculiaridades ligados exclusivamente a vítima. E
nunca é demais repetir: a Constituição Federal garante a cada um as suas próprias
escolhas e o lar é o asilo inviolável do indivíduo.

Os subscritores são moradores/proprietários de unidade residencial localizada no Bloco D


(Vivendas Residence) desta quadra, e residem no imóvel desde 2009.
Somos aposentados e vivenciamos rotina de muita permanência em casa, especialmente
nestes tempos de isolamento social em razão da pandemia. As atividades que desenvolvemos
atualmente implicam em constante leitura e produção de textos, o que exige muita
concentração, sendo que perturbações ambientais, especialmente as relativas ao nível de
ruídos por nós percebidos, prejudicam fortemente nossos desempenhos.

Ao longo de todos esses anos de utilização de nosso imóvel sempre desfrutamos de


tranquilidade em razão de sermos privilegiados em poder morar em uma quadra bem
arborizada (uma das razões que nos levaram a adquirir o imóvel), onde os ruídos mais
frequentes costumavam ser os dos pássaros que encantam a área ajardinada localizada
exatamente em frente ao nosso bloco/apartamento, fatores essenciais a que possamos
usufruir de qualidade de ar e do nível de silêncio/ruídos adequados à boa saúde.

De forma eventual e esporádica enfrentamos algumas perturbações do adequado ambiente


sonoro que afetam nossa tranquilidade ( por exemplo, veículos de carga, disparos de alarmes
de veículos, cortadores de grama, o “carro do picolé”, etc.), porém, por serem ocasionais e
muitas vezes necessárias ou inevitáveis, são perfeitamente toleráveis, exigindo, às vezes,
alguma intervenção/reclamação pontual, que, via de regra, soluciona o problema.
Nossa qualidade de vida, infelizmente, vem sendo drasticamente prejudicada de uns tempos
para cá em decorrência da inadequada instalação de equipamento de recreação/lazer infantil
(pula-pula/cama elástica) em meio ao jardim, que, em razão da utilização por variados grupos
etários desde o início da manhã até à noite, com emissão de ruídos em volume excessivo,
frequente e ininterrupto, afetam nossa saúde física (auditiva) e psicológica (stress).
Tal equipamento já havia sido utilizado há algum tempo atrás em outro local na quadra e teve
seu uso descontinuado em razão de grave acidente que vitimou seriamente uma criança
usuária. Não se tem registro de reclamações quanto ao ruído do uso do equipamento naquele
local, porém, o pula-pula estava dentro do parquinho e não estava totalmente entre os
edifícios ( o que certamente fazia com que não houvesse reverberação de som, que
possivelmente se dissipava melhor). No caso presente o equipamento está muito próximo das
janelas dos apartamentos.
Não se tem notícia de que tenha sido feita alguma avaliação/discussão de impacto ambiental
para definir o atual local de instalação do equipamento.

Em nossas avaliações informais (feitas com aplicativo de celular -“decibelímetro”), os gritos


agudos, choros e gritos de estimulação dos pais/acompanhantes (frequentes e contínuos)
resultam em níveis de ruído dentro de casa que ultrapassam frequentemente os 60/70
decibéis, medição que extrapola os limites de todas as normas ambientais brasileiras para
ambientes domésticos. Para que se tenha noção aproximada do que isso representa, os ruídos
registrados aqui equivalem a ruídos superiores aos dos níveis de liquidificadores ou ao do
alarme de marcha a ré do caminhão do lixo, com o agravante da emissão frequente/contínua
por várias horas. Merece ser ressaltado que a própria natureza do brinquedo estimula as
crianças a gritar durante as suas sessões de pula-pula, o que faz com que a emissão de ruídos
em alto volume seja mais frequente e incômoda.
Apesar de ser injusto, indevido e inadequado alterarmos nossas rotinas e nível de fruição de
nossa casa (a que temos direito inalienável, previamente adquirido), já tentamos avaliar se
fechar as janelas (todas as janelas de nosso apartamento, sem exceção, voltadas para o
referido jardim) e usar tampões de ouvido resolveriam o problema, porém, essas iniciativas se
mostraram insuficientes para recuperar um nível de silêncio/tranquilidade adequados,
resultando em afetação de nossas saúdes. (Um único episódio estressante provocado por essa
situação já justificaria a presente reclamação, muito mais justificada está, então, em razão dos
inúmeros episódios vivenciados diariamente).
Deve ser ponderado que vivemos em uma área da cidade de excelente qualidade de vida, e
dispomos de áreas de conforto e lazer ímpares. Nossas quadras e edifícios dispõe de uma
infinidade de espaços e equipamentos de lazer/recreação para usos públicos e privados, além
de contarmos com um parque urbano gigantesco (Bosque do Sudoeste) aqui ao lado. Assim,
nossas crianças (e pais) contam com inúmeras opções para a prática de atividades lúdicas,
sociais e esportivas de todos os tipos em locais muito próximos de suas residências, não sendo
o equipamento aqui questionado opção única ou imprescindível.
Equipamentos de lazer podem ser alocados e realocados em diversos pontos sem que
interfiram ou prejudiquem os moradores na tranquilidade doméstica a que tem direito. Já os
imóveis (exatamente por serem imóveis) não poder ter sua localização alterada para resolver
problemas de poluição sonora.
A tutela jurídica do meio ambiente e da saúde humana no que diz respeito à exposição a níveis
excessivos de ruídos é regulada atualmente pela Resolução n. 1/90 do Conselho Nacional do
Meio Ambiente – Conama, que por sua vez adota os padrões estabelecidos pela Associação
Brasileira de Normas Técnicas – ABNT e pela NBR n. 10.152 (cujo teor é relativo ao
estabelecimento de “procedimentos técnicos a serem adotados na execução de medições de
níveis de pressão sonora em ambientes internos a edificações, bem como os valores de
referência para avaliação dos resultados em função da finalidade de uso do ambiente. (...)
valores de referência estabelecidos de acordo com a finalidade de uso do ambiente no local
onde a medição for executada, visando a preservação da saúde e do bem-estar humano.”).
Diz a referida Resolução:
RESOLUÇÃO/Conama/N.º 001 de 08 de março de 1990
Publicada no D.O.U, de 02/04/90, Seção I, Pág. 6.408
O CONSELHO NACIONAL DO MEIO AMBIENTE - CONAMA, no uso das atribuições que lhe
confere o Inciso I, do § 2º, do Art. 8º do seu Regimento Interno, o Art. lo da Lei 7.804 de I5 de
julho de 1989, e
Considerando que os problemas dos níveis excessivos de ruído estão incluídos entre os sujeitos
ao Controle da Poluição de Meio Ambiente;
Considerando que a deterioração da qualidade de vida, causada pela poluição, está sendo
continuamente agravada nos grandes centros urbanos;
Considerando que os critérios e padrões deverão ser abrangentes e de forma a permitir fácil
aplicação em todo o Território Nacional, RESOLVE:
I - A emissão de ruídos, em decorrência de quaisquer atividades industriais, comerciais, sociais
ou recreativas, inclusive as de propaganda política. obedecerá, no interesse da saúde, do
sossego público, aos padrões, critérios e diretrizes estabelecidos nesta Resolução.
II - São prejudiciais à saúde e ao sossego público, para os fins do item anterior aos ruídos com
níveis superiores aos considerados aceitáveis pela norma NBR 10.152 - Avaliação do Ruído em
Áreas Habitadas visando o conforto da comunidade, da Associação Brasileira de Normas
Técnicas - ABNT.
(...)
Em razão do disposto, as extrapolações dos valores de referência adotados pelas normas de
regência (que é o caso das violações questionadas nesta peça) automaticamente constituem
violações de dever legal, geradoras de prejuízos à saúde a ao sossego dos atingidos, estando
sujeitas a ser corrigidas por meio de coerção administrativa e/ou judicial.
Em 24.11.2017 a ABNT editou uma versão atualizada e ampliada da NBR 10152, na qual
estabelece como limites máximos para exposição a ruídos em ambientes internos de
residências (repetindo os parâmetros já constantes da versão anterior da NR de 1987), o valor
de 35 decibéis (corrigido para 30) para dormitórios, e de 40 decibéis (corrigido para 35) nas
salas de estar, valores muito inferiores àqueles que vimos suportando e questionando.
A título de curiosidade, para que melhor se possa dimensionar o descalabro das interferências
que temos sofrido, cabe mencionar que o valor mais alto a ser admitido em espaços internos
segundo a nova tabela, é o estabelecido para garagens de shopping centers, fixado em 55
decibéis (corrigido para 50). (Vide Tabela Anexa).
Segundo Celso Antonio Pacheco Fiorillo, o mais eminente doutrinador da atualidade na área
do direito ambiental, em sua obra Curso de Direito Ambiental Brasileiro - 18ª edição de 2018,
Ed Saraiva (p.340-341):
”O ruído possui natureza jurídica de agente poluente.
(...)
Trata-se, pois, de observar a existência da denominada poluição sonora como “uma
espécie de poluição ambiental que possui o caráter peculiar de nocividade orgânica,
que não produz fumaça, não torna o solo estéril, mas perturba a mente abala o
equilíbrio, deteriorando o meio ambiente social, prejudicando a saúde e o bemestar”
conforme didaticamente indicado em julgado do Supremo Tribunal Federal
(RHC 117465/DF, Rel. Min. Ricardo Lewandodowski, j. 4-2-2014,Órgão Julgador: 2ª
Turma).”
Em face de sua prejudicialidade o ruído excessivo é combatido pela adoção de medidas
restritivas e repressivas em nosso direito, justificadas especialmente pela necessidade de
preservar a saúde das pessoas.
Embora historicamente o direito de propriedade possua amplo reconhecimento no campo
normativo, vem sofrendo limitações legislativas em decorrência dos avanços civilizatórios com
vistas a conciliar adequadamente o respeito ao seu exercício com o necessário atendimento de
outras necessidades individuais e coletivas que eventualmente colidem com ele, dentre as
quais encontram-se as resultantes das relações de vizinhança.
As disposições normativas que regulam o direito de vizinhança visam evitar e/ou oferecer
caminhos para conciliar conflitos de interesses entre os moradores/ocupantes de imóveis que
mantêm algum tipo de contiguidade. Para alcançar essa finalidade essas regras estabelecem
limitações de direitos voltadas para conter a prática de atos nocivos e/ou prejudiciais à
segurança, ao sossego e à saúde de vizinhos, tendo por pressuposto que condutas antissociais
dessa natureza são ilícitas e, em consequência, passíveis de medidas repressivas em nome e
benefício da paz social.
O professor de direito Sílvio de S. Venosa, em sua obra: Direito civil: responsabilidade civil (7ª
ed.-Atlas-2007, p. 281), leciona acerca desse tema:
“A ilicitude não reside apenas na violação de uma norma ou do ordenamento em geral,
mas principalmente na ofensa ao direito de outrem, em desacordo com a regra geral
pela qual ninguém deve prejudicar o próximo (neminem laedere).”
Estabelecem os artigos 1.277 e 1.279 do Código Civil:
Do uso anormal da propriedade
Art. 1.277. O proprietário ou o possuidor de um prédio tem o direito de fazer cessar as
interferências prejudiciais à segurança, ao sossego e à saúde dos que o habitam, provocadas
pela utilização de propriedade vizinha.
Parágrafo único. Proíbem-se as interferências considerando-se a natureza da utilização, a
localização do prédio, atendidas as normas que distribuem as edificações em zonas, e os
limites ordinários de tolerância dos moradores da vizinhança.
Art. 1.279. Ainda que por decisão judicial devam ser toleradas as interferências, poderá o
vizinho exigir a sua redução, ou eliminação, quando estas se tornarem possíveis.
A teor do disposto nas normas acima transcritas, as interferências nocivas ao sossego e à
saúde provocadas por vizinhos podem, sem exceção, ser objeto de cessação coercitiva, posto
que a lei estabelece que até mesmo aquelas que eventualmente pudessem ou devessem ser
toleradas por determinação de decisão judicial, sujeitam-se igualmente à imposição de
redução ou eliminação.
Decisões, como aquela que definiu o local de instalação do equipamento, que alterem
condições previamente conquistadas/adquiridas (direitos, estados de coisas etc.),
especialmente as que afetam a qualidade de vida ou o estado de saúde de pessoas em uma
coletividade, não podem ser tomadas unilateralmente (por qualquer tipo de autoridade ou por
grupos “auto eleitos” de pessoas que se congregam em torno de algum interesse seu que
consideram legítimo), senão, exclusivamente, por decisões consensuais que envolvam todos os
interessados afetados. Não cabe sequer nenhum tipo de decisão assemblear, posto que esse
tipo de “prática democrática” é incapaz de preservar interesses e direitos de todos os
envolvidos, não gozando, portanto, de legitimidade alguma para deliberar sobre direito
individual e inalienável de outrem. Cada interesse individual afetado é digno de proteção e a
sua violação impõe aos violadores o dever de reparar os danos e responder às outras sanções
que a legislação impõe.
Saúde não tem preço e não podem ser adiados os cuidados necessários à sua preservação.
Assim, pedimos providências dessa Prefeitura Comunitária no sentido de determinar a
imediata suspensão do uso do equipamento em questão e sua remoção do local em que se
encontra atualmente, com a concomitante avaliação da adequação/necessidade de instalação
desse tipo de brinquedo dentro da quadra residencial em qualquer outro local que seja.
Solicitamos que nos seja dado conhecimento das deliberações dessa Prefeitura a respeito dos
pedidos ora formulados em caráter formal e por escrito, para que que tenhamos
conhecimento e registro inequívoco do posicionamento de Vossa Senhoria, para o resguardo
de nossos interesses.
A fim de fomentar um mais amplo esclarecimento dos interessados em construir relações de
vizinhança mais saudáveis e equilibradas, sugerimos que o conteúdo desta manifestação seja
compartilhado com os síndicos e condôminos de nossa quadra.
Atenciosamente,
Alexandre W. V. Rocha e Elayne A. Pereira

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