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A TRANSAÇÃO DA SALA DE CHA:


SEXO IMPESSOAL EM LUGARES PÚBLICOS

L aud H um ph reys

Aí por volta das cinco horas de uma tarde de semana, quatro


homens entram em um banheiro público, no Parque da Cidade.
Um deles usa um bem talhado temo de homem de negócios; um
outro usa tênis, shorts e camiseta; o terceiro ainda está usando
o uniforme cáqui do seu posto de gasolina, e o último, um comer­
ciante, afrouxou a gravata e deixou o seu paletó esporte no carro.
O que levou esses homens a largar a companhia de tantos outros
que a essa hora se dirigem para casa ao longo das estradas? Que
interesse comum traz esses homens, com as suas trajetórias tão
distintas, a esse estabelecimento público?
Eles não vieram até aí pelas razões óbvias, mas sim em busca
de sexo imediato. Muitos homens — casados ou não, com iden­
tidades heterogêneas ou com auto-imagens homossexuais — pro­
se sexo impessoal que afasta os envolvimentos, ensejando
sem responsabilidades. Sejam quais forem as razões —•
sociais, fisiológicas ou psicológicas — que poderiam ser postu­
ladas para essa procura, o fenômeno do sexo impessoal permanece
uma forma comum mas raramente estudada de interação

inúmeros ambientes para a realização desse tipo de ati-


— balcões de cinemas, automóveis, lugares ermos
oferecem as vantagens garantidas a esses homens
As salas de cbá, nome por que são co-
na linguagem da subcultura homossexual,
Sexo I m pesso a l em L u g a r e s P ú b l ic o s 149

tem diversas características que as tornam atrativas como locais


próprios para encontros sexuais sem envolvimentos. . . São aces­
síveis, íacilmente reconhecíveis pelo iniciado e apresentam pequena
visibilidade pública. As salas de chá oferecem assim as vantagens
de um ambiente ao mesmo tempo público e privado. São suficien­
temente disponíveis e reconhecíveis para atrair um grande volume
de parceiros sexuais em potencial, oferecendo oportunidade de ação
rápida com um sem-número de homens. Somadas à privacidade
relativa dessas ambientes, essas características aumentam a impes­
soalidade da interação protegida. . .
Para alguém que deseja participar (ou estudar) dessa ativi­
dade, a primeira coisa a considerar é saber onde isso o c o r r e ...
Tomei-me capaz de identificar as salas de chá mais populares me­
diante a observação de certos aspectos físicos, o mais óbvio dos
quais é o da localização da instalação. Durante as estações quentes,
as salas de chá isoladas de outras instalações do Parque, tais como
os prédios da administração, as lojas, as quadras de tênis, os
parques infantis e as áreas de piquenique, são as mais populares
em termos de atividade desyiante. As mais ativas salas de chá
estudadas se encontravam todas elas isoladas das áreas de recrea­
ção, separadas por pistas ou lagos dos campos de beisebol e das
mesas de piquenique.. . .

O que eles querem e quando o querem

A disponibilidade de instalações re<xmhecíveis nesse sentido


atrai um grande número de homens que desejam, seja qual for a
razão, participar de uma atividade homo-erótica impessoal. A mera
observação é suficiente para conduzir esses participantes, o pesqui­
sador e, talvez, a polícia às salas de chá' em atividade. É muito
mais difícil fazer uma estimativa jpreeisa da proporção da popu­
lação masculina que participa dessa atividade ao longo de um
período representativo de tempo. Mesmo fazendo uso de bons
procedimentos de amostragem seria necessária uma grande equipe
de assistentes para fazer as observações necessárias a um recen­
seamento adequado dessa população flutuante.
Alguns participantes asseguraram que é bastante comum nas
salas de chá que um homem pratique feüatio com até dez outros
no mesmo dia. Eu mesmo assisti pessoalmente a um homoem aten­
der sucessivamente a três outros em meia hora de observação. Um
dos informantes, que cooperou com o pesquisador com um certo
número de entrevistas gravadas, afirmou manter uma média de
três homens por dia durante a estação de movimento.
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Presenciei mesmo a uma certa formação de filas nesse tipo


de serviço. Ao sair desse lugar em um quente sábado de setem­
bro, comentei com um homem que acabava de sair atrás de mim:
*Meio cheio isto aqui, não é? “É mesmo”, respondeu ele, “está
chegando ao ponto em que vamos ter que pegar números e esperar
em fila nesses lugares!”.
Há muitos que freqüentam o mesmo local repetidamente.
Alguns homens vêm a ser conhecidos como participantes regulares,
diários mesmo, dando uma passadinha na mesma sala de chá no
caminho de ida ou de volta do trabalho. Um médico de quase
sessenta anos era tão pontual na sua visita a um determinado
banheiro público que eu comecei a esperá-lo para a nossa conversa
diária. Esse informante afável e vigoroso afirmou que tinha pas­
sado por essa sala durante todas as tardes da semana (exceto às
quintas, seu dia de folga), durante anos, para “resolver o seu
caso”. Um outro informante, um vendedor, de cronograma flexí­
vel, pode aparecer mais do que uma vez por dia — normalmente
no seu ponto favorito. Quando de nossa entrevista formal, esse
homem afirmou ter tido quatro orgasmos nas últimas 24 horas.
Segundo os participantes que eu entrevistei, aqueles que pro­
curam o sexo impessoal nas salas de chá estão relativamente certos
de encontrar a espécie de parceiro que eles desejam. . .

“Você entra na sala de chá. Aí lá você pode encontrar realmente


coisas ótimas. É claro que se trata apenas de sexo rápido, mas,
se você gosta assim, ótimo — lá você encontra. Você pega um e
pronto; logo depois você arranja outro.”

E quando o querem:

“Bem, eu vou lá porque você sempre pode achar alguém para


chupar o seu pau, de manhã, de tarde e de noite. Sei de uma
pòrção de gente que dá uma passada lá no caminho do trabalho
— e durante o dia todo.”

;■£ esse tipo de volume e de variedade que garante às salas de chá


a sua viabilidade enquanto mercados de rápido reabastecimento.. .

Abrigo do Silêncio

H á um outro aspecto dos encontros nas salas de chá que é


" T Refiro-me ao silêncio da interação. %
S e x o Im p e s s o a l em L u g a r e s P ú b lic o s 151

Ao longo da maioria dos encontros homossexuais nos banhei-'


ros públicos, nada é dito. Pode-se passar muitas horas nesses
locais e presenciar dezenas de atos sexuais sem ouvir uma só pa­
lavra. Dos 50 encontros sobre os quais fiz longas anotações,
15 implicaram alguma palavra falada. Dois foram encontros em
que eu procurei aliviar a tensão da legitimação da minha presença
como olheiro dizendo: “Vão em frente que eu tomo conta” Qua­
tro foram observações sussurradas entre parceiros sexuais, tais
como “cuidado” ou “obrigado”. Uma foi uma troca de cumpri­
mentos entre amigos.
As outras oito manifestações verbais foram feitas em alta voz
e de maneira mais discursiva, mas referidas a uma circunstância
emergente e excepcional. Uma vez, quando fomos trancados em
um banheiro público e atacados por um bando de jovens, falamos
em nossa defesa e devido ao medo. Esse acontedménto rompeu
a reserva entre nós e resultou em uma série dé conversas entre os
que compartilharam essa aventura, durante vários dias. Gradual­
mente, essa súbita união se desvaneceu e os ‘epcòntros voltaram
a mergulhar no silêncio. Inicialmente, eu supus que a fala fosse
evitada por medo da incriminação. A desculpa de que as intenções
foram mal interpretadas é muito mais fraca quando as propostas
foram expressas em palavras e não assinaladas p or movimentos do
corpo. À medida que se desenvoltreUf a pesquisa, no entanto, tor­
nou-se evidente que a privacidade jja interação silenciosa visa mais
do que a simples defesa contra a exposição a um mundo hostil.
Mesmo quando um olheiro cuidadoso está garantindo as fronteiras
de um encontro contra quáosquéí intrusões, os participantes se­
xuais tendem a permanecer cm silêncio. Q mecanismo do silêncio
atende a alguma coisa mais do que a necessidade de privacidade.
Como todas as outras características do ambiente da sala âè chá,
serve :xira garantir a anonimidade,, para assegurar a impessoalidade
da ligação sexual.. . . ú
Só um lugar público, como um desses banheiros de jardim,
poderia assegurar a falta de envolvimento pessoal no sexo que
certos homens desejam. O ambiente facilita a necessária modifi­
cação nos participantes pela sua acessibilidade e pela visibilidade
dos homens certos. Nesses ambientes públicos ,além do mais, existe
uma espécie de democracia que é endêmica ao sexo impessoal.
Homens das mais diversas características raciais, sociais, educacio­
nais e físicas se encontram nesses lugares para uma união sexual.
Não. havendo envolvimento, as preferências pessoais tendem a ser,
minimizadas
N
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Padrões de Ação Coletiva

A natureza da atividade sexual apresenta dois graves proble­


mas para os que desejam uma satisfação impessoal. Em primeiro
lugar, excetuada a masturbação, o sexo exige uma ação coletiva e
toda ação coletiva implica comunicação. Sinais de mútua compreen­
são devem ser trocados, as intenções devem ser expressas e a
ação deve ser mantida mediante um recíproco encorajamento. Em
condições normais, essa comunicação é ritualizada naqueles padrões
de palavras e gestos a que chamamos “namorar” e “manter rela­
ções sexuais”. São estabelecidos acordos verbais e as intenções
são assim expressadas. Mesmo quando se comete algum engano
nessas transações, como freqüentemente ocorre, a auto-exposição
e a responsabilidade são subprodutos previsíveis desses rituais. Já
na procura do sexo anônimo e impessoal, no entanto, esses padrões
normais de ação coletiva devem ser evitados.
Um segundo problema emerge do condicionamento cultural do
homem ocidental. Para ele, o sexo é investido de uma série de
significados pessoais: uma relação interpessoal, um amor român­
tico e um infindável catálogo de sentimentos. O sexo sem amor
enfrenta uma condenação tão geral que o ritual essencial da apro­
ximação é quase obscurecido por excrecências que asseguram aos
participantes a manutenção de um nível respeitável de intenções
românticas. Os prelúdios normais da ação sexual reforçam exata­
mente o envolvimento e a abertura que os participantes da sala
de chá desejam evitar. Como as maneiras normais revelam e
envolvem, torna-se necessário um ritual especial para o sexo im­
pessoal.
Tanto a atração quanto o perigo do sexo efêmero são aumen­
tados devido ao fato de os parceiros serem normalmente estranhos
um ao outro. Receber propostas de estranhos seja para atos hete­
rossexuais ou homossexuais é ao mesmo tempo perigoso e exci­
tante, a ponto de só se tomar possível mediante uma ação coor­
denada, que avancem através de estágios de crescente mutualidade.
O ritual especial das salas de chá, portanto, deve ser ao mesmo
tempo não coercitivo e não envolvente.
; '" " H i" t

A Aproximação ' 'v.y

Os passos, fases, ou movimentos em geral que observei noafv


jogos da sala de chá envolvem todos eles movimentos sométicos}
ÍCòmo o silêncio é uma das regras desses encontros, as cstratéjjjjÉttv
jdos participantes exigem algum tipo de movimentação ffsict; U03
Sexo I m pesso a l em L u g a r e s P ú b l ic o s 15>

, gesto com as mãos, movimentos dos olhos, manipulação e ereção j


í do pênis, um movimento de cabeça, uma mudança de postura ou J
a passagem de um lugar para outro.
A chegada ao lugar dos encontros, embora não seja um lance
interno ao jogo, com ele se assemelha. Embora ocorra fora do
círculo de interação, essa aproximação externa pode afetar a ação
sintema. Um automóvel pode dar uma ou duas voltas em tomo
do local, até estacionar finalmente perto do prédio. Em cerca de
úm terço dos casos, segundo meus cálculos, o estacionamento é
feito a uma certa distância do prédio — às vezes a quase cem
metros para os lados*ou para trás — para evitar possíveis associa­
ções do carro com a sala de chá.
A menos que esteja muito apressado (ou interessado em al­
guma pessoa específica que esteja entrando ou que já esteja lá
dentro), o homem esperará normalmente junto do carro durante
cinco minutos ou mais. Enquanto espera, ele examina a situação.
H á carros de polícia por perto? Algum dos outro carros estacio­
nados é conhecido? Alguma das outras pessoas que também estão
esperando parece ser um parceiro desejável? Ele pode ainda ler
um jornal ou ouvir rádio ou até mesmo sair e limpar o pára-brisas,
levantando sempre a cabeça quando passa o outro carro. O obje­
tivo é o de parecer tão natural quanto possível nesse ambiente,
sem deixar de aproveitar a oportunidade para procurar possíveis
parceiros entre as pessoas que passam lentamente nos seus carros.
Algumas vezes ele se dirigirá ao prédio logo atrás de uma
pessoa que tinha estado observando. No caso de achar interes­
sante uma das outras pessoas que estão ali aguardando, ele pode
decidir entrar como um sinal para essa outra pessoa. Se ninguém
mais chega ou sai, ele pode entrar para ver o que está se passando.
Algumas pessoas esperam nos carros quase uma hora, até decta-
rem uma transação que lhes agrada ou acharem que chegou o mo­
mento adequado para entrarem.
Do ponto de vista das pessoas que já se encontram no prédio\
às atitudes das pessoas que estão lá fora são significativas a res­
peito de sua disponibilidade. Quem não está procurando uma
relação homossexual não espera: pára, entra, urina e sai. Alguém
que permanece em seu carro por algum tempo enquanto passam
iihúmeras pessoas, e de repente se dirige ao prédio quando se apro­
xima algum jovem atraente, estará revelando não só as suas pre­
ferências como também o seu desinteresse em manter contatos e o ® /
qupm “não esteja à altura” . . .
A Co leta de D ados

A Colocação
Uma vez dentro do círculo de interação, o
a oportunidade de ter uma visão de conjunto. Bastará atravessar o
local para assenhorear-se da situação. Quando ele se colocajunto
ao mictório ou em alguns dos boxes, ele está dando o . J
/passo da partida. A própria decisão quanto ao lugar ocuj
/ mictório já envolve considerações táticas. Se cada uma das,.,i
\ lações laterais já se encontra ocupada, o que freqüentem
1 ocorre, um recém-chegado que ocupe logo de cara a peça do ce
estará “metendo os pés pelas mãos”. Pode ser que se trate
tipo intrometido que não quer perder nada. Nunca é considera
conveniente que uma pessoa ocupe a peça do centro quando as
duas laterais já estão ocupadas. Ele poderia estar interrompendo,
alguma transação. Mas do que por cortesia, no entanto, o partí-,
cipante tarimbado ocupará uma das peças laterais porque ela lhe
^permite uma maior margem de manobras nos atos subseqüentes.
Se um recém-chegado se mantém junto ao mictório, de modo
a que não se veja a sua frente, e se mantém olhando para baixo,
deve-se supor que se trata de um careta. O fato de não deixar^
que o seu pênis seja visto por outros já o afasta de quaiqj^fj
envolvimento nas atividades do mictório. Essa estratégia, acompa­
nhada por uma saída imediata do recinto, é tudo o que devem
saber sobre o jogo da sala de chá as pessoas que queiram bancar
as caretas . . . . I jj |
Alguém que conheça as regras e deseje participar do jogo, no
^ntanto, se manterá razoavelmente afastado do mictório, deixando
o olhar vagar pelos lados ou pelo teto. A essa altura, ele pode
perceber o olhar de um homem por sobre o tabique do box mais
próximo. O passo seguinte será o do homem que se encontrava
no box (ou qualquer outra pessoa presente) se aproximar da ex­
tremidade oposta do mictório, tomando o cuidado *de deixar uma-
v^istância segura entre si e o outro participante.. . . ;

Os Sinais

. . . Cada movimento durante o encontro é não s5 um


meio de melhorar a posição física de cada um em relação aòt
demais, como também um meio de comunicação.
/ Enquanto que para a maior parte dos passivos a posição è
vital no sentido de informar sobre as suas intenções, cerca de
metade dos eventuais ativos transmitem essa informação na fisse
dos sinais. A estratégia básica utilizada por esses últimos é a d*
\ '
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manipulação do próprio pênis, no que se poderia chamar de uma]


“masturbação desinteressada”. «
“Informante: O que ele [o “passivo” em potencial] está es­
perando é pela manipulação, isto é, por ver se o outro vai se
excitar a si mesmo. Ele vai fingir que está se masturbando e esse
é o sinal esperado.. . .
Entrevistador-. Quer dizer que o sinal de disposição para a
rei ação é o de se excitar a si próprio ou se masturbar?
Informante: Uma pseudomasturbação.”

O participante disposto (sobretudo se pretende fazer o ativo)'Ss


fica a alguns centímetros de distância do mictório, de modo que
o seu pênis possa ser facilmente visto. Começa então a agitá-lo
ou a manipular a cabeça do órgão. Logo que a outra pessoa que
está no mictório percebe esse sinal, também ela iniciará uma au-
tomanipulação erótica. Normalmente, a ereção pode ser visível
em menos de um minuto de manipulação.
É então que entram em cena os olhos. O parceiro empo­
tencial olhará fixamente para o órgão do outro, interrompendo
ocasionalmente essa observação para fixar-se no olhar do outro.
“Esse olhar mútuo entre as pessoas, que se distingue da mera
visão ou observação do outro, significa uma união inteiramente
nova e singular entre eles.” (Georg S im m el).. .
Ao longo de tudo isso, é importante lembrar que a apresen­
tação de uma ereção é, para o ativo, o meio essencial e invariável
de mostrar o interesse na transação. Ninguém será apalpado ou de
alguma outra forma envolvido na transação propriamente sexual
das salas de chá sem ter apresentado esse sinal. Isso se vincula
à regra de não impor a ninguém a vontade de um outro, regra
essa a qual jamais vi uma exceção. Com base nessa observação
prolongada e sistemática, é que duvido da veracidade de qualquer
afirmativa (feita por um detetive ou qualquer outra pessoa) de
ter sido de alguma maneira atacado nesse ambiente, sem ter antes
“manifestado a sua concordância” mediante a exposição de uma
ereção. Por outro lado, qualquer pessoa que esteja familiarizada
com essa estratégia pode ser envolvida na ação, bastando-lhe cum­
pri-la à risca. Nenhuma outra qualidade é exigida para participar
dessa transação.. .
Eventualmente, pode não haver necessidade, para as partes
envolvidas, de trocar sinais nessa parte da transação. Outras pes­
soas no recinto podem fazer sinal para que alguém que esteja espe­
rando entre no box de um passivo. Poderá igualmente ter havido
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alguma conversa fora do prédio ou algum conhecimento anterior


que elimine a necessidade dessa comunicação.. . .

O Sociólogo Como Voyeur

Os métodos empregados neste estudo dos homens que se de­


dicam ao sexo dos banheiros públicos são o resultado de três
premissas éticas: em primeiro lugar, não creio que o cientista
social deva ignorar ou evitar uma área de pesquisa simplesmente
porque seja difícil ou socialmente delicada; em segundo lugar, o
cientista social deveria abordar todo e qualquer aspecto do com­
portamento humano fazendo uso dos meios que menos distorcessem
os fenômenos observados; em terceiro lugar, ele deve proteger os
| seus informantes de qualquer perigo, seja qual for o preço a ser
[ pago por sua proteção.
Como a maioria das prisões por acusação de homossexualismo
decorrem de encontros em banheiros públicos, achei que essa forma
de comportamento sexual representaria um tópico legítimo e
mesmo essencial de pesquisa sociológica. Na nossa sociedade são
as forças de controle social e não o criminologista que determi­
nam o que este irá estudar.
A partir dessa decisão, o problema era o de escolher métodos
que permitissem ao pesquisador garantir um máximo de fidelidade
ao mundo que estivesse estudando. Eu acredito que os métodos
etnográficos sejam os únicos verdadeiramente empíricos para o cien­
tista social. . .

A Preparação para o Trabalho de Campo

Enquanto etnógrafo, a minha primeira tarefa era a de me


familiarizar com a subcultura homossexual. Etevido à minha ex­
periência pastoral, esse círculo não me era totalmente estranho.
Em meu tempo de seminarista, trabalhei durante dois anos em uma
paróquia que veio a ser conhecida no mundo homossexual como a
“paróquia dos homossexuais” de Chicago — um local em que os
homossexuais podiam procurar aconselhamento e onde se encon­
travam padres compreensíveis, boa música e um culto acentuada-
mente estético. Em pouco tempo, travei contato com os paroquia­
nos homossexuais e aprendi a falar a sua língua. . .
Essa parte específica da minha educação foi complementada
no verão de 1953, quando passei três meses em treinamento clí­
nico no hospital psiquiátrico da Universidade Estadual de Iow a. . .
Entre 1955 e 1965 trabalhei em paróquias de Oklahoma, do Co-
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lorado e de Kansas, servindo por duas vezes como capelão episcopal


do campus em tempo parcial. Como eu era considerado compreen­
sivo e não pretendia transformá-los, recebi centenas de homosse­
xuais de todos os tipos para aconselhamento durante aqueles anos.
Minha mulher prestou uma assistência sensível a essa área do meu
apostolado, ajudando-me no aconselhamento aos paroquianos du­
rante inúmeros serões.
O problema, no início da minha pesquisa, apresentava três
aspectos: o de me familiarizar com a literatura sociológica sobre
desvio sexual, o de participar de uma subcultura desviante em
uma cidade estranha em que já não tinha mais deveres pastorais
e só em partes sacerdotais, e o de começar a ouvir os desviantes
sexuais não como um pastor, mas sim como um cientista.

Passando por Desviante

Como qualquer outro grupo desviante, os homossexuais de­


senvolveram defesas contra os estranhos: o segredo sobre a sua
própria identidade, o uso dos olhos e de gestos simbólicos para
comunicação, a relutância em designar os seus lugares de encontro,
a extrema cautela com estranhos e a ida a certos lugares só em
companhia de pessoas conhecidas. Já alertado pelos meus contatos
pastorais e decidido a não usar minhas credenciais profissionais, tive
que entrar nessa subcultura como o faria qualquer novato, entrando
em contato com os informantes na qualidade de mais um homos­
sexual.
Essa entrada não foi difídl de conseguir. Praticamente qual­
quer chofer de táxi pode informar a seus fregueses onde encontrar
um bar homossexual. Pode-se comprar guias sobre esses lugares
de encontro que não custam mais do que cinco dólares. O verda­
deiro problema não é o de estabelecer contato com a subcultura
mas o de fazer esse contato colar. . . ,
. . . Quando se encontra em exame o comportamento humano,
a observação sistemática é o esencial, de modo que eu tinha que
me tomai um observador participante de atos furtivos e criminosos.
O próprio medo e as suspeitas existentes na salas de chá dão
lugar a um papel participante, de sexualidade opcional. Trata-se
do olheiro ( watchqueen na gíria), um homem que fica junto à
porta e às janelas das quais se possa fiscalizar o acesso ao banheiro.
Quando se aproxima alguém ele tosse. E faz sinais de anuência
quando a costa está livre ou ele reconhece como de casa a pessoa
que chega.
158 A C o le ta d e D ados

Esses olheiros se classificam em três tipos principais. O


mais comum deles é o dos que estão esperando por alguém com
quem marcaram um encontro ou que esperam encontrar nesse local,
ou que estão esperando por algum tipo especial de transação ou
por uma chance de participar da ação. Os outros tipos sao o
dos masturbadores, entretidos em seu comportamento auto-erótico
(ou abertamente ou debaixo da roupa) enquanto olham a ativi­
dade sexual, e os voyeurs que parecem obter estímulos e prazer
sexual pela mera observação dos demais. . .
Em termos de aparências, assumi o papel de voyeur, um papel
esplendidamente adequado para os sociólogos e o único dos papéis
de olheiro que não é abertamente sexual.. . . Antes de me ter
chamado a atenção para esse papel um informante prestativo, tentei
o papel do careta e depois o papel de quem está esperando. Na­
quele primeiro papel, eu interrompia a ação e frustrava a minha
pesquisa. No segundo papel — que importava em ficar olhando
para o relógio e caminhando nervosamente entre a porta e a janela
para olhar lá fora — eu não podia me demorar muito sem acabar
sendo convidado para a ação e só podendo fazer uma observação
muito furtiva dos encontros. No fim das contas, os papéis de
voyeur e de quem aguarda são passíveis de serem confundidos e
muitas vezes pensaram que eu estivesse me desempenhando do
segundo.
Na qualidade de olheivo-voyeur, eu podia caminhar pelo re­
cinto à minha vontade, de janela a janela, e olhar tudo o que
se passava sem alarmar os meus informantes e sem perturbar de
alguma forma a ação. Achei esse papel muito mais tranqüilo e
valioso do que os papéis limitados assumidos nos estágios ante­
riores da pesquisa. . .
. . . Depois de elaborar uma ficha para a observação siste­
mática, registrei 50 desses encontros (compreendendo 53 atos se­
xuais) bastante detalhadamente. Esses registros foram comparados
com outros 30 feitos por um informante prestativo que era além
do mais um participante sexual. . .
Embora interesado basicamente no comportamento estigmati­
zado, também me interessava saber alguma coisa sobre os homens
que enfrentavam tantos riscos por alguns momentos de sexo im­
pessoal. Fui capaz de estabelecer um certo número de contatos
fora dos banheiros públicos e, eventualmente, depois de lhes re­
velar o objetivo do meu estudo, obtive cerca de 12 informantes
que contribuíram com centenas de horas de entrevistas. Eu estava
dente no entanto de uma certa distorção em favor das pessoas
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mais comunicativas e mais bem educadas da população dos ba­


nheiros públicos.
Para superar essa distorção, interrompi um certo número de
observações dos encontros e corri até o meu automóvel. Lá, com
o auxílio do meu gravador, anotei uma breve descrição de cada
participante do seu papel sexual no encontro que eu acabava de
observar, o número da sua placa e uma sucinta descrição do seu
carro. Fiz esses registros variarem de parque para parque e cor­
responderem a mudanças de volume anteriormente percebidas para
vários momentos do dia. Consegui assim uma amostragem repre­
sentativa em termos de lugar e de tempo, cobrindo 134 freqüen­
tadores. Após a triagem, sobretudo daqueles que tinham mudado
de endereço ou que dirigiam carros alugados, mas também de duas
pessoas que se encontravam a pé, terminei com uma amostra de
cem homens, todos vistos realmente participando de fellatio. . .
A identificação da amostra foi feita por intermédio dos re­
gistros de licença de automóveis dos Estados em que moravam
os meus informantes. Felizmente, alguns policiais permitiram ama­
velmente que eu tivesse acesso aos registros de licenças sem pedi­
rem para ver os números e sem serem muito inquisitivos a respeito
do tipo de pesquisa de mercado que eu estava realizando. Esses
registros forneciam os nomes e os endereços das pessoas constantes
da amostra, assim como a marca e ano de fabricação dos auto­
móveis lá registrados. Desse modo, eu podia conferir a referência
do registro com as minhas próprias descrições anotadas. Nos dois
únicos casos em que essas descrições eram contraditórias, risquei
os números da amostra. Os nomes e os endereços foram então
conferidos nas listas telefônicas da região metropolitana, de cujos
volumes extraí igualmente dados sobre o estado civil e as ocupa­
ções da maior parte das pessoas. . . .
A essa altura, impôs-se a minha terceira preocupação ética.
Eu já sabia que muitos de meus informantes eram casados e que
todos se encontravam numa posição muito delicada e temerosos
de uma descoberta. Como poderia eu chegar até esses desviantes
encobertos para realizar entrevistas? Ao me fazer passar por des-
viante, eu tinha observado o seu comportamento sexual sem atra­
palhá-los. Agora, competia-me entrevistar esses homens (freqüen­
temente na presença de suas mulheres) sem destruí-los. Feliz­
mente, eu participava de uma outra pesquisa que me colocava em
condições de fazer uso de um projeto de entrevistas para um levan­
tamento sanitário sobre uma amostra aleatória de homens dentro
da comunidade. Com a permissão dos diretores da pesquisa, pude
acrescentar a minha amostra a esse grupo maior (aumentando
A C o le ta d e D ados

assim o seu anonimato) e entrevistá-los como parte desse levan­


tamento para a saúde pública.
. Para impedir que alguma das pessoas pudesse reconhecer o
Iantigo olheiro, modifiquei o meu penteado, minhas roupas e mudei
í-de automóvel. Mesmo correndo o risco de perder alguns infor­
mantes transitórios esperei um ano para realizar as entrevistas, du-
i rante o qual tomei notas sobre as suas residências e as suas vizi-
! nhanças e obtive dados sobre eles a partir dos catálogos da cidade
I e do município.
Tendo tornado aleatória a amostra, completei 50 entrevistas
com participantes das salas de chá a que acrescentei cinqüenta
outras realizadas dentro da amostra do levantamento para a saúde
pública. Este último grupo de controle foi construído de modo
a corresponder com o grupo dos participantes em termos de estado
civil, raça, tipo de atividades e área de residência.
Este estudo resulta portanto de uma confluência de estraté­
gias: observação sistemática e direta, entrevistas aprofundadas com
os informantes disponíveis, uso de dados de arquivo e entrevistas
estruturadas com uma amostra representativa e com um grupo de
controle correspondente. Em cada um dos níveis da pesquisa, só
utilizei as medidas que garantissem a máxima proteção aos meus
Ilf

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