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2 O CONTEXTO SOCIAL DA JUVENTUDE CAMPONESA NO SUDESTE

PARAENSE1

Esse capítulo relata sobre o contexto social dos jovens do campo na região do
Sudeste Paraense, partindo de uma reflexão teórica a cerca da construção social do
conceito de juventude e da situação dos jovens nas comunidades rurais do Sudeste
Paraense, e também, descreve os desafios enfrentados pela juventude do campo diante
das transformações pelas quais vem passando o meio rural e seus efeitos na dinâmica
migratória do campo para a cidade a partir de diferentes dimensões (social, econômico e
cultural) frente à busca por autonomia e melhores condições de vida.

2.1 A JUVENTUDE EM MOVIMENTO NO SUDESTE PARAENSE

JUVENTUDE

Somos jovens, não somos marginais


Estaremos sempre alegres, não desistimos jamais
Queremos ser tratados como pessoas sociais
A nossa juventude se inspira em alegria
Sorriso brilhante no rosto que contagia
Ser rebelde não é nossa sina, as vezes nos trata
Como se não tivéssemos disciplina, como usuário de droga:
maconha, crak e cocaína
Não queremos ser assim, queremos ser diferentes, pois se
erramos, é porque a ajuda se encontrou ausente
A nossa Juventude tem uma visão especial, queremos mostrar
as pessoas, o orgulho do bem e pôr fim no mal
Você que ouve este poema, preste muita atenção, se não houver
juventude, não há multidão, pois somos o princípio de toda organização!!!

(Thiago Pereira Dias, Educando do Curso Técnico em Agropecuária do IFPA/CRMB, 2011)

O poema Juventude de autoria do estudante Thiago Pereira Dias do Curso de


Técnico em Agropecuária Integrado ao Ensino Médio do IFPA/CRMB apresenta uma
auto-percepção do “ser jovem” na sociedade atual. O autor através de seus versos
diretos chama atenção para a necessidade de construirmos novos olhares e percepções,
como também, uma compreensão mais precisa do termo juventude, sobretudo, das
diversas representações e conotações que esta palavra carrega em seu sentido mais
amplo e que de certo modo, torna-se recorrente a generalização pela sociedade. A
categoria jovem do campo/rural/da roça é pouco conhecida, predominando estudos que

1
O texto em questão corresponde ao primeiro capítulo do livro Rompendo Cercas e Construindo Saberes:
a juventude na construção da educação profissional do campo no Sudeste Paraense (Marinho, 2016).
tratam sobre a organização do trabalho com detrimento as demais dimensões da vida
(STROPASOLAS, 2006).
A crítica central construída no poema gira em torno da marginalização e
homogeneização das definições historicamente impressas sobre a juventude, ou seja, a
visão determinista que os jovens estão fadados a seguir uma trajetória semelhante e a
cumprir o mesmo destino, como se uma única forma de representação fosse suficiente
para definir a palavra juventude, sem ao menos hesitar esforço na busca da auto-
percepção de seu significado no contexto social onde foi constituído.
Nesta perspectiva, a juventude é essencialmente plural e diversa, a generalização
não é a concepção mais apropriada para definição desta categoria social, sendo,
portanto, pertinente enfocarmos juventudes ao invés de juventude, já que esse tempo de
vida não é vivido homogeneamente pelos jovens (CARNEIRO, 1998). O recorte de
classe social, gênero, raça, etnia, cultura, território, determina diferentes modos de viver
e de conceber a juventude, de acordo com a autora:
[...] Sem dúvida ao se falar de juventude, hoje, estamos falando de pessoas,
movimentos, mas também estamos falando de identidades, relações sociais, e
a indissociabilidade entre realidade e representação social. [...] Permeada por
definições genéricas, associada a problemas e expectativas, juventude tende a
ser constantemente substantivada, isto é, definida a partir de concepções que
tratam juventude como uma coisa palpável. Ou ainda, adjetivada, a partir de
adjetivos como revolucionária, impulsiva, violenta. Sem que se busque a
auto-percepção e formação de identidades daqueles que são definidos como
jovens. Entre o que é realidade e como apreendemos e reproduzimos esse
real (CASTRO; RODRIGUES, 2005, p. 1-2).

Os jovens compreendidos entre 15 e 242 anos representam mais de um quinto da


população mundial, segundo o relatório da Organização das Nações Unidas (ONU),
porém, a juventude não é tanto uma idade fisiológica, mas um status socioeconômico de
dependência, reunindo faixas de idades diferentes em função do sexo (CARNEIRO,
1998). Estima que em todo o mundo haja mais de um bilhão de jovens espalhados pelos
cinco continentes; nunca foi tão grande o número de jovens, sobretudo, longe de ser
uma categoria uniforme, sendo marcada, ao contrário, pelas disparidades que
caracterizam os próprios países do globo (BARBER-MADDEN, 2010).
Nos primeiros versos o jovem poeta afirma a palavra juventude não como
sinônimo de marginalidade/transgressão e que muitas vezes a compreensão contrária é

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O corte etário de 15-24 anos definido por organismos internacionais como Organização Mundial da
Saúde (OMS) e Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura UNESCO, procura
homogeneizar o conceito de “juventude” a partir de limites mínimos de entrada no mundo do trabalho,
reconhecidos internacionalmente, e limites máximos de término da escolarização formal básica
(CASTRO; RODRIGUES 2005).
imposta pela sociedade, porém, essa é uma classificação pejorativa que trata a juventude
como criminosa, que precisa ser salva, indivíduos ou grupo de indivíduos que
necessitam ser regulados, encaminhados. Esta afirmação traz consigo implicações desde
a dificuldade de se conseguir o primeiro emprego, até a deslegitimação da sua
participação em espaços de representação e decisão (CASTRO; RODRIGUES, 2005).
O poeta prossegue descrevendo que os jovens devem ser tratados e reconhecidos
como sujeitos, em outras palavras, o entendimento que manifestamos a partir desse
verso, diz respeito à necessidade do reconhecimento da juventude enquanto categoria
social, e no caso em questão, está em debate à juventude camponesa. Neste sentido, o
que tem se observado de uma maneira geral é que esses jovens historicamente têm sido
invisibilizados por pesquisas acadêmicas e políticas que insistem no caminho da
homogeneização e da negação da juventude do campo, enquanto sujeitos
(WEISHEIMER, 2005; FREIRE, 2007; WAISELFISZ, 2007).
No desfecho do poema acreditamos que o autor faz um esforço para apresentar a
partir de sua óptica, o papel da juventude na construção da sociedade, afirmando o
protagonismo desses sujeitos, sobretudo, como condição essencial para o processo de
mudanças e transformação social de suas realidades.
Essa reflexão se traduz como contraposição há algumas afirmações naturalizadas
e cristalizadas em nossa sociedade, que insiste em compreender o papel da juventude
apenas como o futuro. Entretanto, vale ressaltar que essa é uma forma de representação
que desqualifica e deslegitima e que trata a juventude como imatura, na perspectiva de
“vir a ser”, na imagem de pessoas em formação, incompletas, sem vivência, sem
experiência, nesta perspectiva Castro; Rodrigues (2005, p. 4), afirma que:
A Concepção de “jovem em formação” fortalece uma concepção
conservadora de juventude [...] Essa seria uma concepção da classe média
que trata a juventude como aqueles que estão em processo de formação e que
ainda não têm responsabilidades, principalmente por não estarem inseridos
no mercado de trabalho. Com isto se exclui o jovem das classes trabalhadoras
da concepção de juventude. Esta é uma contribuição importante para
ampliarmos nosso olhar sobre a juventude, mas, também, para percebermos
como juventude é uma construção social.

Outra forma de compreensão desta representação é através da perspectiva da


construção social do conceito de jovem do campo, como um ator político, que se
materializa a partir da ação protagonizada da juventude nas organizações e
representação dos trabalhadores, como também nos contextos sociais onde estão
inseridos. Embora esta inserção ainda seja vista pelos sindicalistas e militantes “mais
antigos”, como uma perspectiva futura do movimento social, uma das associações
recorrente tem sido a idéia de geração como renovação, neste sentido Castro et al (2009,
p. 4) afirma:

[...] ao analisarmos os documentos mais antigos, não identificamos a


presença da juventude como categoria de articulação política, nem como um
ator político. A categoria juventude parece emergir como uma problemática
específica recentemente, articulada ao problema geracional dos movimentos
(reprodução), mas também aos significados que juventude rural tem
assumido no Brasil. [...] uma imagem de juventude como aqueles que não
tinham experiência, que eram movidos pela “emoção”.

Em outra perspectiva, tem sido bastante comum a associação do conceito de


juventude como uma fase de vida, na perspectiva de um processo de mudança não só
biológico, mas também intelectual (no que diz respeito ao desenvolvimento da
responsabilidade, consciência e caráter), antecedido pelo firmamento do matrimônio.
Essa definição é compartilhada por vários autores que estudam juventude do campo,
com base em Durston (1994, p. 14-15):

[...] A fase juvenil se caracteriza por uma gradual transição até a assunção
plena dos papéis adultos em todas as sociedades, tanto rurais como urbanas.
[...] Pode-se dizer que a juventude dura desde o término da puberdade até a
constituição do casal e de um lar autônomo.

O conceito de juventude tem sido representado também como faixa etária, sendo
compreendido a partir de recortes biológicos da vida, tornando-se bastante comum esta
forma de classificação para a construção de políticas públicas. A juventude entendida
nessa perspectiva traz a tona um caráter reducionista e homogeneizante, deixando
implícita a diversidade que essa categoria social representa, com base em Castro e
Rodrigues (2005, p. 3):

O recorte etário permite pesquisas quantitativas em larga escala e a definição


de públicos-alvo de políticas públicas. No entanto, deve-se observar os
limites destas definições e questionar a naturalização da associação entre
juventude e uma faixa etária específica. [...] O debate, principalmente a partir
das décadas de 1980 e 1990, trouxe o olhar da diversidade. Para além dos
cortes etários, ou apesar deles, não se fala mais em juventude, mas em
juventudes.

Neste sentido, o conceito de juventude necessita ser compreendido para além


dos recortes etários e de outras formas de representações que homogeneíza e traveste a
real diversidade e complexidade que esta categorial social representa. Não há uma única
definição ou uma explicação lógica que seja capaz de representar ou até mesmo
classificar esse fenômeno.
A juventude seja ela do campo ou da cidade deve ser compreendida a partir do
contexto social na qual está inserida e das relações socioculturais locais que são
estabelecidas (CARNEIRO, 1998). Neste sentido, a imersão na pratica social cotidiana
dos jovens parece um bom caminho a ser trilhado para aqueles que desejam uma
compreensão mais real destes sujeitos.

2.2 A MODERNIZAÇÃO CONSERVADORA NO SUDESTE PARAENSE E OS


DESAFIOS DOS JOVENS DO CAMPO

O MIGRANTE

Nasci nesta terra, sofri neste chão,


Sou filho do Nordeste Pernambuco e Maranhão.
Migrei desta terra para outra região
Fomos ao Norte, Buscar para nossas vidas uma outra solução
Encontrei desgraças, nem tudo era como eu pensava então.
Humilharam nossa raça, escravizaram nossa nação,
Maltrataram nossa família, nunca sofri tanta humilhação,
Quando pensei que tava tudo acabado
Não me encontrava mais, tentei achar respostas e conheci
Os Movimentos Sociais.
No meio da grande sociedade vi muita descriminação,
Policia e políticos envolvidos em subornos e corrupção.
Não respeitam a dignidade de um Nordestino,
A procura de um pedaço de chão.
Se você quer saber o fim dessa história,
Essa história não acaba jamais.
Onde houver latifúndio, lá estará os movimentos Sociais,
Para fazer reforma agrária e lutar pela paz.
 
(Thiago Pereira Dias, Estudante do Curso de Técnico em Agropecuária, 2012)

  O poema do estudante Thiago Pereira Dias demonstra os desafios dos migrantes


e o processo de construção da fronteira agrícola do Sudeste Paraense, sendo isto, o
reflexo de uma concepção de desenvolvimento voltada ao interesse do capital
internacional e da “grande empresa agrícola”. Em outra perspectiva, o estudante chama
a atenção para a importância dos movimentos sociais do campo na luta por dignidade e
terra, de modo que estas questões serão aprofundadas ao decorrer deste capítulo.
O meio rural brasileiro tem sido marcado por profundas transformações em sua
estrutura agrária e na lógica de produção, derivadas de antigas políticas fundiárias
aliadas às modernas formas de poder e de estruturação das políticas públicas. Estas
transformações são resultantes da ofensiva do capital no campo, em consonância com
uma forte intervenção do Estado nas políticas de desenvolvimento. As políticas voltadas
ao meio rural sempre visaram à acumulação e a reprodução ampliada do capital, e
consequentemente, pouca importância é dada aos problemas oriundos da concentração
fundiária e das necessidades da imensa massa populacional excluída do acesso á terra
(FERNANDES, 2004).
O período conhecido como modernização conservadora, referente à ditadura
militar (1964-1985), caracterizou-se como um marco na política nacional, cujo, a
intervenção do Estado no desenvolvimento passa a ser o principal instrumento, em uma
tentativa de modernizar e integrar Amazônia ao restante do país, a partir da concessão
de incentivos financeiros, fiscais e fundiários a grandes empresas nacionais e
estrangeiras, para ocuparem o território, como também a implantação de grandes
projetos de infraestrutura: Hidrelétrica de Tucuruí, abertura de rodovias e projetos de
mineração (COSTA, 2000; GUERRA, 2001).
O Estado utilizou-se de toda a sua força e autoridade para implantação de uma
política de integração e segurança nacional, baseada no paradigma da modernização da
agricultura, efetivando um projeto de desenvolvimento urbano-industrial, onde a
modernização; o rompimento com a tradição regional; o privilegio para grupos externos
em detrimento da população local; a degradação humana e ambiental foram
manifestações recorrentes (LOUREIRO, 2009; SCHMINK; WOOD, 2012;
MARQUES, 2013).
Esse modelo de desenvolvimento consistia na subjugação da agricultura a um
ramo da indústria, através da transferência de mão-de-obra provinda do êxodo rural das
famílias que não se adaptavam a esta lógica de produção, como também, pelo
fornecimento de produtos a baixo custo para baratear a produção industrial, outro fato
correspondia ao consumo de insumos industriais por parte dos estabelecimentos,
constituindo um mercado consumidor relevante, sendo esta, uma forma de garantir o
aquecimento da economia a partir da abertura de novos mercados (MOREIRA;
CARMO, 2004).
O processo de reorganização agrícola e fundiário vivenciado durante este
período trouxe mudanças irreversíveis no modo de vida e de produção na região do
Sudeste Paraense3, pois até o início da década de 1960, quando havia pouca intervenção
do Estado, a região era caracterizada por uma economia extrativista de Caucho
(Castilloa ulei), Castanha-do-Pará (Bertholletia excelsa) e diamantes – em geral
dominada por uma oligarquia bastante consolidada – a agricultura era incipiente e

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Para maior aprofundamento (EMMI, 1999; HÉBETTE, 2000; GUERRA, 2001).
voltada para a subsistência e a estrutura fundiária era pouco definida (OLIVEIRA;
VEIGA; TAVARES, 2005).
O desdobramento desta política de desenvolvimento principalmente entre os
anos de 1970 a 1980 atraiu um enorme contingente de migrantes de vários Estados do
Brasil (quase sempre em condição de expropriação em suas regiões de origem) que
vieram para região em busca de melhores condições de vida, seduzidos pelo sonho de
possuir “um pedaço de chão” e pelo emprego nas construções estruturais dos grandes
projetos (Rodovias, Usina Hidrelétrica, estrada de Ferro e outros), garimpos e empresas
agropecuárias de criação de gado extensivo (GUERRA, 2001).
A oferta de trabalho não era suficiente para absorver a grande demanda de
desempregados que chegava constantemente à região, fato este que resultava em taxas
percentuais de acréscimo da população em torno de 17% ao ano, decorrente dos
intensos fluxos migratórios (OLIVEIRA; VEIGA; TAVARES, 2005). Este processo
contribuiu para o engrossamento da fila dos desempregados, cuja situação agravava-se
mais a cada vez que as obras de implantação dos grandes projetos eram concluídas,
fechamento de garimpos e outros, ficando os trabalhadores despossuídos de emprego,
dinheiro e sem condições se quer para o regresso as regiões de origem.
Essa dinâmica modernizadora imposta à região provocou a disputa pelo
território entre “os novos donos da terra”, ou seja, grupos empresariais incentivado pelo
Estado e servidos com toda sua estrutura (policia, judiciário, créditos e outros), em
contraposição, aos moradores da região que detinham a posse da terra e nem sempre de
forma legal/oficial, em geral: agricultores, ribeirinhos, indígenas e outros, resultando em
um curto prazo no agravamento e intensificação dos problemas ambientais, sociais,
fundiários e da violência no campo4 (HÉBETTE, 2004). Esses sujeitos passaram a uma
condição de expropriados, aumentando o número de desempregados e despossuídos de
terra, fato este que reforça o interesse do Estado em apoiar o avanço do capital e a
modernização do campo, segundo Costa (2000, p.83):
[...] O projeto aí privilegiado se chocava com formas de produção pré-
existentes e com o campesinato5 em expansão na fronteira agrícola [...] assim
4
Os dados sobre a violência no campo na região do Sudeste Paraense demonstram que dos 190
trabalhadores assassinadas no processo de luta pela terra no Estado do Pará, cerca de 90% foram
cometidos nessa região. Com relação ao trabalho escravo do ano de 2000 a 2007 forma registrado 80
fazendas em cerca de 4.000 trabalhadores retirados, deste montante 76% registrado no Sudeste do Pará
(PEREIRA, 2013).
5
E uma categoria social, tendo acesso à terra e aos recursos naturais que ela suporta, resolvem seus
problemas reprodutivos – suas necessidades imediatas de consumo e o encaminhamento de projetos que
permitam cumprir adequadamente um ciclo de vida da família – mediante a produção rural, desenvolvida
de tal maneira que não se diferencia o universo dos que decidem sobre a alocação do trabalho dos que se
reafirmando o papel da grande propriedade fundiária na apropriação da
riqueza social e negando o campesinato como um dos fundamentos do
desenvolvimento industrial-capitalista.

Esse contexto de expropriação social impulsionou a organização e o


fortalecimento dos movimentos sociais do campo na região que a partir do processo de
redemocratização em meados de 1980, apoiados principalmente pelas Comunidades
Eclesiais de Base (CEB), os camponeses iniciam um movimento pela retomada dos
Sindicatos dos Trabalhadores Rurais (STR), nos municípios de Marabá, Jacundá, São
João do Araguaia e Itupiranga, pois até aquele momento os STRs viviam um processo
de intervenção em função da ditadura militar (HEBETTE, 2000).
A partir de então a luta dos trabalhadores rurais passa a ter uma maior
representatividade, obtendo um caráter institucional. Além da retomada dos Sindicatos
dos Trabalhadores Rurais (STRs), algumas entidades são criadas - Centro de Estudo e
Pesquisa e Assessoria Sindical e Popular (CEPASP) e os novos Sindicatos dos
Trabalhadores Rurais. Outras instituições reforçam o seu apoio histórico à luta dos
trabalhadores rurais - Comissão Pastoral da Terra (CPT) e outras redirecionam a sua
atuação e descobrem no campesinato do sudeste paraense uma categoria social
emergente e revolucionária - Universidade Federal do Pará (UFPA), Partido dos
Trabalhadores (PT) - (LEROY, 2000).
A partir do enfrentamento do latifúndio e do Estado, iniciou-se o processo de
disputa pela posse da terra. A década de 1990 é marcada por dois acontecimentos
fundamentais para o fortalecimento da luta pela terra: o primeiro consiste na criação do
Movimento Sem Terra (MST) na região e o segundo na reorganização dos Sindicatos
dos Trabalhadores Rurais a partir da criação da Federação dos Trabalhadores Rurais na
Agricultura (FETAGRI), possibilitando novas dinâmicas e estratégicas no
enfrentamento na luta pela terra: manifestações, fechamento de estrada, ocupação de
prédios públicos e outros (MICHELOTTI, 2008).
Essa ação resultou na emergência das representações dos camponeses no cenário
regional, possibilitando maiores articulações em nível nacional, como também, a
atenção do Estado para o atendimento das pautas de reivindicações que consistia não só
no acesso a um pedaço de chão, mas também em políticas públicas que possibilitasse a
permanência na terra: crédito, educação, saúde, estrada e outros (HÉBETTE, 2000). O
resultado deste processo consistiu em uma maior dinâmica na apropriação de terras
pelos trabalhadores que atualmente corresponde a cerca de 55% do espaço agrário da
apropriam do resultado dessa alocação (COSTA, 2000, p. 116-130).
região, que de acordo Michelotte (2007), constituiu o território camponês do Sudeste do
Pará, sendo que, “a unidade espacial se transforma em território camponês quando
compreendemos que a relação social que constrói esse espaço é o trabalho familiar,
associativo, comunitário, cooperativo, para o qual a reprodução da família e da
comunidade é fundamental” (FERNANDES, 2012, p. 744).
De um modo geral a região sudeste do Pará tem sido caracterizada como
fronteira agrícola, podendo ser definida, como um espaço recentemente ocupado e para
o qual ainda hoje se dirigem novos fluxos migratórios e novas atividades econômicas
(COSTA: 2000). Os dados atuais revelam que esta região é composta por 39
municípios, abrange uma área de aproximadamente 297.344.26 km2, com uma
população urbana em torno de 1.149.816 habitantes e uma população rural com
aproximadamente 497.698 habitantes, totalizando 1.719.989 pessoas e uma densidade
demográfica de 5,78 habitantes/km² (BRASIL, 2013).
Os números atuais referentes à quantidade de Projetos de Assentamento no
Sudeste Paraense apontam está localidade como a região do Brasil com a maior
quantidade de Projetos de Assentamento (PA), totalizando um montante de 502 PAs,
94.702 famílias assentadas e uma área de 4.545.710 milhões de ha (INCRA, 2013),
correspondendo a quase 50% total de assentamentos do Estado e aproximadamente 6%
do montante nacional. E também, vale ressaltar a existência na região de outras
categorias que se organizam na lógica da produção familiar: ribeirinhos, indígenas,
acampamentos, áreas de colonização e outros (WANDERLEY, 1999). A expressividade
desses números é o resultado da reação organizada de um enorme contingente de
expropriados em contraposição ao processo histórico autoritário e conservador de
ocupação existente na região.
Desse modo, estes novos migrantes vão compor um cenário conjuntamente com
28 povos indígenas, distribuídos em 46 aldeias onde vivem cerca de 4.300 índios e
índias, totalizando um montante de oito áreas indígenas com equivalente a 2.707.935 há
(CEDI, 1985) que veem sua territorialidade ameaçada, pela disputa em os diversos
atores existentes no território (camponeses, fazendeiros, madeireiros, grileiros,
empresários e outros).
A diversidade sócio-cultural existente entre os camponeses nas comunidades
rurais do Sudeste Paraense têm desafiado o processo produtivo, pois, esta região é
marcada por uma presença massiva de migrantes de outros Estados com poucos
conhecimentos prévios acumulados sobre o agroecossistema local. Outra questão é
ausência de instituições públicas de pesquisa agropecuária que pudessem gerar
tecnologias adequadas à realidade local, em contraposição, há uma predominância de
sistemas de produção, baseados na precoce e intensa pecuarização dos estabelecimentos
familiares, resultante inicialmente da instabilidade da posse da terra e da falta de
infraestrutura de produção, incentivado pela política pública que historicamente
privilegiou a criação de gado como estratégia para garantir a posse da terra e a
modernização do campo (OLIVEIRA; VEIGA; TAVARES, 2005).
Embora, o período atual revele avanços significativos no contexto agrário da
produção camponesa, tanto em níveis regionais, quanto nacionais - democratização do
acesso a terra; aumento na produção agropecuária e na geração de empregos no campo;
diminuição nas taxas de migrações e maior peso da produção familiar na composição
das políticas agrícolas e agrárias – os avanços não correspondem a mudança estruturais
(OLIVEIRA; VEIGA; TAVARES, 2005). Essas conquistas não devem ser encaradas
como universais, pois sofrem variações em contextos e regiões diferentes, e nem
tampouco, podem ser compreendidas como mudanças que conduzem a sustentabilidade
e a transformação social do campo, uma vez que tem sido recorrente a reprodução de
lógicas predatórias do agronegócio em estabelecimentos rurais onde predominam a
produção familiar, colocando em risco a sua reprodução social, econômica e ambiental.
Nesta perspectiva, que se percebe nos últimos anos é uma crise generalizada nos
modos de produção agrícola, incluindo tanto, agroecossistemas tradicionais 6, quanto, o
modelo da agricultura moderna, seja, pela falta de infraestrutura e políticas públicas,
seja, pela pressão do mercado e grandes grupos econômicos (ALTIERI, 2000).
A reprodução da agricultura moderna em novas fronteiras agrícolas tem
contribuído para o processo de desterritorialização das populações tradicionais, “sendo
este o processo de expulsão das famílias de seu território, que vem se intensificando
como resultado da opção política do Estado brasileiro, que, em contradição com o
processo de democratização da sociedade, alia-se ao capital financeiro e às corporações
agroquímicas” (BRITO; ALVES; LOBO, 2012, p. 776).
Os reflexos dessa crise, ou seja, a perpetuação e manutenção desta lógica
produtiva, atrelada a ausência de políticas socais e de infraestrutura no meio rural, tem
6
Em geral características de grupos sociais como: camponeses, extrativistas, quilombolas, indígenas e
outros, que utilizando-se de saberes construídos e experimentados a partir da realidade local, maneja o
ecossistema natural proporcionando poucos impactos e possibilita a sustentabilidade ao longo de várias
gerações. Essas populações possuem como centralidade na lógica de produção o atendimento da
reprodução social, econômica e ambiental de suas famílias ou grupos étnicos sociais, em detrimento da
acumulação de capital (ALTIERI, 2000).
se manifestado diretamente aos jovens do campo como uma força de atração em direção
aos centros urbanos. A juventude camponesa historicamente enfrentou e enfrenta
constantes desafios que de certo modo, dificulta, ou, em determinadas circunstâncias,
inviabiliza a sua permanência nas comunidades rurais. Esses desafios são constituídos
em diferentes dimensões e níveis de intensidade, perpassando as questões sociais,
culturais, produtivas, tecnológicas e outras.
Esta compreensão tem sido compartilhada por diversos estudiosos (CARNEIRO,
2007; ABRAMOVAY, 1998; CASTRO; RODRIGUES, 2005), sobretudo, às
dificuldades enfrentadas pelos jovens no campo, principalmente quanto ao acesso à
escola e trabalho. A juventude tem sido a categoria mais afetada pelas transformações
que o campo vem sofrendo, oriundas do processo econômico que deflagram na
desestabilização da agricultura familiar, com base em Carneiro (1998, p. 97).
[...] A juventude rural salta os olhos como a faixa demográfica que é afetada
de maneira ainda mais drástica por essa dinâmica de diluição das fronteiras
entre os espaços urbanos e rurais, combinada pelo o agravamento da falta de
perspectivas para os que vivem da agricultura.

Neste sentido, estudos e pesquisas construídos nacionalmente e no Estado do


Pará (ABRAMOVAY, 1998; CASTRO; RODRIGUES, 2005; FREIRE, 2007;
MARINHO, 2007) fornecem indícios de que a permanência do jovem no campo se
torna mais ameaçada principalmente quando o mesmo almeja um nível de ensino em
descompasso com o ofertado na comunidade, e também, quando a renda auferida no
estabelecimento familiar é inferior ao montante necessário para garantir a execução do
seu projeto de vida.
Os jovens do campo em sua maioria vivem um constante antagonismo, divididos
entre a possibilidade de trilharem projetos mais individualizados na cidade, expresso na
vontade de “melhorar a qualidade de vida sua e da família”, de “ser alguém na vida” e a
vontade de continuar residindo no local de origem, principalmente pela relação com a
família e o sentimento de pertencimento a localidade, já que a família é o espaço
privilegiado de sociabilidade nas chamadas “sociedades tradicionais” (MARINHO,
2007).
Esses jovens cultivam laços que os prendem a cultura de origem, mas ao mesmo
tempo vislumbram a cidade como uma possibilidade de construírem seus projetos de
vida, sobretudo, atraídos pela modernidade ou impulsionados pelas dificuldades oriunda
da baixa renda e da penosidade do trabalho na roça, o que tem gerado poucas
perspectivas para a permanência no local de origem (CARNEIRO, 1998).
Porém, tem sido comum a associação e/ou até mesmo o condicionamento da
permanência ou êxodo rural dos jovens - dependendo da perspectiva de análise - há
questões estritamente ligadas a precarização das estruturas sociais (saúde, educação,
lazer e outros) nas comunidades rurais, ou seja, como se o acesso às políticas sociais
fosse o fator único desta determinação.
A intenção não casual deste item é apresentar a existência de outros fatores
articulados a diferentes dimensões (social, econômica e ambiental) que produzem efeito
direto sobre o processo de permanência do jovem no campo. Esses fatores tem resultado
na diminuição da perspectiva de futuro para a juventude dentro do contexto do campo, e
por outro lado, estimulado a idealização da cidade como um espaço de possibilidade
para a materialização do projeto de vida desses jovens (CARNEIRO, 1998; CASTRO;
RODRIGUES, 2005; FREIRE, 2007; MARINHO, 2007).

2.2.1 Os Indicadores Sociais da Juventude no Campo


No meio rural do Pará, sobretudo no Sudeste Paraense ocorrem índices
elevados de pobreza e falta de perspectivas socioeconômicas 7, sendo precárias as
condições de atendimento às necessidades básicas das populações locais, fato este, que
tem dificultado a permanência das famílias e dos jovens nas comunidades rurais.
Um bom exemplo desta situação é expresso pelo Relatório de
Desenvolvimento Juvenil do Brasil elaborado pela Organização das Nações Unidas para
a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO) no ano de 2003, apontava que o Pará em 19º
lugar no Índice de Desenvolvimento Juvenil 8 (IDJ), ou seja, com um dos mais baixos
índices do país e no ano de 2007 a situação piora, o Pará passa para 23° lugar, ficando
atrás de quatro Estados do Nordeste (WAISELFISZ, 2007).
Os dados nacionais do Censo Demográfico (2010) indicam que a população
existente no Brasil corresponde a 190.755.799 pessoas, sendo que deste total 15,6% da
7
O Índice de Desenvolvimento Humano é IDH: 0,694 (PNUD, 2010), inferior ao IDH do Estado do Pará
0,755. O Produto Interno Bruto corresponde a R$ 38.700.559,00 e a renda per capta de R$ 23.002,00
(BRASIL, 2011) demonstrando uma grande concentração de riqueza, pois 10 % das famílias vivem sem
apresentar renda fixa alguma cerca de 55% da população possuem renda variando menos que 1 salário
mínimo ate um salário - Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, atualizado no ano de
2010, provindos do censo de 2000, do Programa Orçamentário Familiar – (BRASIL, 2010).
8
O índice de Desenvolvimento Juvenil (IDJ) contempla três indicadores: Educação, Saúde e Renda. A
Educação é integrada por três indicadores: alfabetização, escolarização adequada e qualidade do ensino.
A Saúde integra dois indicadores: mortalidade por causas internas e mortalidade por causas violentas. A
Renda contempla fundamentalmente a renda familiar per capita. A baixa posição do Pará no IDJ é
expressão das desiguais oportunidades que vivenciam os sujeitos do campo, sobretudo quanto à
escolarização (WAISELFISZ, 2007).
população residem no campo (29.830,007). E quando nos referimos ao número de
pessoas não alfabetizadas com mais de 15 anos no Brasil esse montante é de
aproximadamente 13.933.173 de pessoas, o que representa em torno de 9,5% da
população nacional, de acordo com esse total, 4.935,448 estão localizadas no meio rural
o que corresponde a 35,4% do total do número de não alfabetizados. Em outra
perspectiva podemos afirma que 23% dos habitantes do meio rural não são
alfabetizados, enquanto que essa proporção no meio urbano é de 6,5%. Neste sentido, os
dados apontam que a escassez de política pública de escolarização, tem ocorrido no
campo e na cidade, porém com maior agravamento no meio rural.
Em 2009, a análise do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) sobre
os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) revelou que a
escolaridade média da população de 15 anos ou mais residente no campo é de 4 anos,
contra  8,6 anos no meio urbano. Esse número reforça a existência de um grande
contingente de pessoas que estudaram no máximo até o final do I seguimento do ensino
fundamental (1° ao 5° ano).
Os dados nacionais sofrem variações na medida em que são relacionados a
contextos sociais específicos. O índice de jovens não alfabetizados no campo no Estado
do Pará na faixa etária de 15 a 24 anos é superior à média nacional e da região Norte,
cuja concentração mais elevada está entre os homens, embora o índice de analfabetismo
nessa faixa etária tenha diminuído de 5,1%, em 2001, para 2,4%, no ano 2006, o Pará
ainda tem o segundo maior número de pessoas que não sabem nem ler nem escrever da
região Norte, ficando atrás apenas do Acre (WAISELFISZ, 2007).
Os dados sobre a situação da educação no meio rural na Região Norte revelam
que o Pará tem um índice de distorção série idade no ensino fundamental maior que a
média do país, sendo que o Pará detém o 2º pior índice da região Norte: 61,2%. Os
dados revelam que a taxa de reprovação na 1ª série é altíssima, sobretudo no meio rural
(INEP, 2007).
Os índices referentes ao Ensino Médio (EM) são esclarecedores quanto à
necessidade de uma atenção especial da política pública para juventude do campo no
Norte do país. Considerando-se os dados da faixa etária de 15 a 17 anos, apenas 12,9%
ingressaram nesse nível de ensino. Na região Norte, de um contingente de 929.456
jovens nessa faixa etária, apenas 6.684 está no EM, ou seja, menos de 1%, o que
evidencia a urgência de investimentos na escolarização de jovens do campo em nível de
ensino fundamental e médio (INEP, 2007).
Neste sentido, apesar da defasagem temporal dos dados apresentados sobre o
Ensino Médio no Norte do Brasil acreditamos que pouca coisa mudou no que consiste a
melhora na qualidade e no acesso, tomando como referência o Estado do Pará tem
prevalecido nos últimos anos à oferta do Sistema Modular de Ensino (SOME) como
política de Ensino Médio para o meio rural, sobretudo, com a reprodução do mesmo
currículo descontextualizado marcado por uma fragmentação oriundo do sistema
modular (OLIVEIRA, 2010). Em outra perspectiva, a defasagem dos dados sobre o
ensino médio no campo no Estado do Pará revela a pouca quantidade de pesquisa sobre
esta temática, resultando na dificuldade de encontrar informações mais atuais sobre esta
questão.
No Brasil o percentual maior nessa população que se desloca do campo para
cidade, tem se concentrado entre jovens na faixa de 15 a 19 anos (CARNEIRO, 2007).
E parte significativa dessa juventude vai à busca de outras possibilidades de formação
em virtude da ausência de uma educação que possa dar respostas as suas necessidades
de inserção no mundo do trabalho (MARINHO, 2007). Em geral, na maioria das
comunidades rurais do Brasil é recorrente a ausência de escolas e de nível de
escolaridade compatível com a demanda local, predominando escolas do 1° ao 5° ano,
obrigando os jovens que deixarem suas comunidades e suas famílias para continuar os
estudos, fato este que pode ser observado no gráfico abaixo:

100 91.96

80 66.8
60
40
18.43
20 6.98 4.34 3.1
0

Gráfico 01: Percentual de Atendimento por Modalidades de Ensino no Campo.


Fonte: Censo Escolar INEP/2011; IBGE/2010.
*O ensino fundamental apresentado corresponde às séries de 1° ao 9° ano.

O gráfico acima demonstra a situação da oferta de educação nas comunidades


rurais do Brasil, com base nos dados é posssivel perceber que há poucas creches nesses
espaços, sendo estas, estruturas que poderiam facilitar a vida das famílias em que as
mulheres possuem algum tipo de atividade fora do estabelecimento e os filhos estão na
fase inicial de desenvolvimento necessitando de “maiores cuidados”, possibilitando uma
maior diversidade de renda e autonomia para as mulheres frente a dependência
financeira, como também, situações onde a atividade desenvolvida dentro do
estabelecimento familiar são intensivas, demandantes de uma alta quantidade de força
de trabalho.
Outra questão diz respeito a baixa incidência da oferta pré escolar no campo,
esta situação tem levado as crianças a iniciaram sua vida estudantil já no ensino
fundamental, saltando etapas importante para o desenvolvimemento cognitivo, como
também o fato de iniciarem a vida escolar tardiamente, uma vez que, a maioria das
escolas só permitem o ingresso neste nível após os sete anos de idade (HAGE, 2005).
E com relação ao ensino fundamental o gráfico aponta que a oferta deste nível
de escolaridade é a mais presente nas comunidades rurais, mas, os dados apresentado
não faz distinção entre o I seguimento (1° ao 5° ano) e o II seguimento (6° ao 9° ano),
porém as informações sobre a oferta do ensino fundamental no Sudeste Paraense aponta
que apenas 27% das escolas localizadas no campo atuam no II seguimento (INEPE,
2007). Neste sentido, os dados demostram que as políticas educacionais no campo
priorizam o atendimento escolar apenas até o 5º ano do ensino fundamental e ausência
da oferta do II segmento poderá resultar na precoce mobilidade espacial dos jovens em
direção a vilas pólos e aos centros urbanos (MARINHO, 2013).
A educação de jovens e adultos aparece como a modalidade de ensino menos
ofertada no campo e sua importância se dá principalmente devido ao grande índice de
analfabetismo no meio rural que corresponde a aproximadamente 23% da população do
campo (PNAD, 2009), como também a baixa escolaridade que assola a população do
campo em nível nacional, pois de acordo com dados do PNAD (2009) 2.751.095 jovens
com idade entre 15 a 29 anos não concluíram o ensino fundamental.
A situação da oferta do ensino médio nas comunidade rurais demonstra o grau
de exclusão que o campo tem sido submetido, pois de acordo com o gráfico este nível
de escolaridade está presente em aproximdamente 20% das escolas no Brasil e no
Sudeste Paraense este valor chega apenas a 3% do total de escola (INEPE, 2007),
sobretudo, o reflexo desta política educacional tem influenciado diretamente a busca da
juventude por formação, cujo destino tem sido os centros urbanos, e em geral essa
mobilidade espacial poderá marcar uma incisão definitiva com o campo (MARINHO,
2007).
No que se refere ao número de escolas existentes no campo há 76.229 unidades
com 6.293,885 estudantes matriculados (INEP, 2011). No entanto, nos últimos 5 anos
foram fechadas 13.691 escolas no campo (MEC/PRONACAMPO, 2012), do total de
escolas existentes, 58.473 (76,71%) são escolas que tem de 15 até 100 estudantes e
percentual de 33,1% matriculas e 17.756 (23,29%) são escolas com mais de 100
estudantes e percentual de (66,9%) matrículas. 54.405 (72%) escolas funcionam com
turmas multisseriadas9, representando 1.436,667 educandos matriculados (22,8%).
Com relação ao nível de escolaridade dos educadores as pesquisas têm apontado
que há 342.845 professores atuando em escolas no meio rural, sendo que apenas
182.528 (56%) possuem formação superior. Do total de professores que não possui
formação superior que equivale a 160.317, ou seja, 46,76%, 156.190 (97%) possuem
apenas o Ensino Médio e 4.127 (3%) apenas o Ensino Fundamental
(MEC/PRONACAMPO, 2012), fato este que nos mostra a existência de uma demanda
significativa por formação em nível superior de professores.
Os dados apresentados nesse item demonstram que a população do campo
historicamente sempre esteve à margem das políticas de Estado, como também, refém
de uma concepção de desenvolvimento que assume a cidade como sobreposição ao
campo (SOBRINHO, 2013).
A ausência e a má qualidade das escolas localizadas no campo, como também a
descontextualização do currículo a realidade do campo têm contribuído para a expulsão
de um grande contingente humano em direção aos centros urbanos, na expectativa de
encontrar melhores condições e perspectivas de vida. Essa mobilidade espacial contribui
para diminuição do vínculo com a terra, o mesmo acontece com a coesão da unidade
familiar, aumentando a despesa e principalmente diminuindo a força de trabalho da
família, segundo Diouf (2000, p.58).
A emigração massiva e crescente dos jovens rurais dos países em via de
desenvolvimento para as cidades, em busca de uma vida melhor, é uma
tendência preocupante. Ela está na origem de graves problemas sociais,
econômicos, políticos e ecológicos. [...] a deserção dos jovens rurais
compromete seriamente a garantia e melhoria dos sistemas de produção nas
comunidades rurais.

9
Para aprofundamento sobre a temática ler: Educação do Campo na Amazônia: retratos de realidades das
escolas multisseriadas no Pará (HAGE, 2005).
Esta situação tem sido o reflexo das políticas de desenvolvimento que
historicamente foram direcionadas ao campo, cujas conseqüências aumentaram o estado
de pobreza no meio rural, pois a modificação do perfil técnico e econômico da nossa
agricultura se fez com exclusão de uma parcela importante dos camponeses, gerando
concentração de terras e de renda, como também tornando os conflitos agrários e a
violência cada vez mais latente (MOREIRA; CARMO, 2004).
Os estudos de Stedile (2011) mostram que na última década, 835 mil jovens
brasileiros deixaram o campo em busca de oportunidades nas áreas urbanas, tendo como
referência os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2000 e
2010), segundo ele o êxodo da juventude se explica pela falta de oportunidades, sendo
assim, uma ação necessária para garantir o acesso à educação em todos os níveis, sem
deixar de considerar as realidades locais.
Em outro trecho, o autor afirma que essa mobilidade espacial campo-cidade 10
tem acontecido em diferentes proporções nas distintas regiões do país, porém, o mesmo
não apresenta uma reflexão profunda a cerca das disparidades regionais, com base em
Stedile (2011, p. 1).
[...] A migração da juventude para as cidades não aconteceu em todos os
estados brasileiros. O Pará, por exemplo, teve acréscimo de 53,5 mil jovens
na sua população rural. Em proporção, Roraima foi a unidade da federação
que mais aumentou sua participação de jovens no campo, com acréscimo de
24%.
Entretanto, durante a produção deste estudo não encontramos nenhuma pesquisa
que pudesse fundamentar ou até mesmo refletir os dados apresentado por Stedile,
porém, mesmo com a ausência de um estudo aprofundado sobre a questão, acreditamos
que o aumento no número de jovens no meio rural no Estado do Pará, como também em
outros Estados da região Norte, não está relacionado com a diminuição progressiva da
mobilidade espacial do jovem do campo em direção à cidade.
Em outra perspectiva, esse aumento tem ocorrido em função do crescimento do
número de comunidades rurais, pois, nos últimos anos temos testemunhado uma
ampliação considerável na criação de acampamentos que tem resultado em novos
Projetos de Assentamentos11 da Reforma Agrária. Os dados do Serviço de Informação
10
O termo mobilidade espacial campo-cidade é utilizado neste trabalho para representar a trajetória dos
jovens do campo em direção aos centros urbanos principalmente quando está relação não representa uma
situação permanente, ou seja, quando não há uma ruptura definitiva com o campo, sobretudo, no caso
contrario é mais apropriado a utilização do termo migração (MARINHO, 2007).
11
O assentamento é a expressão concreta da territorialização do movimento (de luta pela terra). Não é
somente o lugar da produção, mas também o lugar da realização da vida. [...] E a vida, para esses
camponeses, como se verifica em seus relatos, não é somente ter comida, ter casa, mas uma vida plena,
uma vida cheia de significados, na qual aquilo que eles crêem tem possibilidade de continuar sendo
na Reforma Agrária (SIPRA, 2013) afirmam que atualmente existem 1082 PAs no
Estado do Pará, totalizando aproximadamente 234 mil famílias e que durante os anos de
2000 a 2013 foram criados 729, ou seja, aproximadamente 70% do numero total de PAs
existentes atualmente. O que ainda hoje tem atraído um enorme contingente de
migrantes ou pessoas desempregadas da região em busca de uma “posse de terra”.
Neste sentido, os dados acima demonstram a relação estabelecida entre o
crescimento do numero de jovens no meio rural e a criação de assentamentos na região,
ou seja, os novos PAs tem proporcionado um balanço positivo entre a quantidade de
jovens que entra e a quantidade de jovens que deixa as comunidades rurais.
Esta relação desmitifica a questão da permanência dos jovens do campo no
Estado do Pará, ou seja, o aumento da quantidade de jovens não necessariamente
significa melhoras nas condições sociais da juventude em suas comunidades rurais ou a
diminuição da mobilidade espacial em direção aos centros urbanos. Porém, a futura
diminuição na criação de assentamento resultará possivelmente na redução do número
de jovens existentes no meio rural.
No entanto, esta afirmação não desconsidera e nem desqualifica a importância
que a criação de assentamentos tem representado para a redução da desigualdade social
e a diminuição da pobreza no Brasil. Este processo historicamente tem se fundamentado
no conflito entre a territorialidade capitalista (Concebe a terra como mercadoria) e a
territorialidade camponesa (Concebe a terra como base para a reprodução da família e
de seu modo de vida específico), o que tem gerado na atualidade novas dinâmicas
sociais, como o processo de “recampesinização” que se verifica a partir do retorno dos
camponeses a terra possibilitado por sua luta como sem-terra, marcado por conflitos,
ambiguidades e contradições, com base em Maques (2002, p. 10):
[...] Esse processo representa um movimento em sentido oposto ao processo
de proletarização em curso no campo e que nega o poder incondicional e
avassalador deste, demonstrando que a possibilidade de recriação camponesa
não se esgota com a expropriação e migração destas pessoas para a cidade.

Os jovens que permanecem na terra, provavelmente serão os futuros herdeiros


no processo de sucessão do lote, e desde cedo possuem uma série de atribuições e
responsabilidades, fato este que dificulta a continuidade da escolarização (MARINHO,
2007). Um fator preocupante entre esses jovens é o elevado índice de evasão escolar,
cujo, o principal motivo do abandono da escola é a incompatibilidade dos estudos com
respeitado e existindo: sua cultura, sua autonomia, sua visão de mundo, sua capacidade de crescer a partir
de suas próprias potencialidades, enfim seu universo simbólico. (SIMONETTI, 1999, p.70-71).
as atividades realizadas no lote, pois das escolas localizadas no campo na região do
Sudeste Paraense 92% não adotam o calendário agrícola previsto em Lei12 e nem
desenvolve currículo articulado a realizada do campo (INEPE, 2007).
A incidência de jovens fora das escolas está relacionada à ausência de nível de
escolaridade “mais elevado”, ou seja, compatível com a demanda existente dentro das
comunidades rurais (MARINHO, 2007). Neste sentido, esta é uma realidade também
presente em nível nacional que pode ser comprovada quando relacionamos o número de
jovens entre 15 e 29 anos ao nível de escolarização cursado.
Os dados demonstram que 2.751,095 jovens não conseguiram concluir o ensino
fundamental e que destes 942.679 estudaram até o 5º ano e 1.808,416 até o 9º ano
(PNAD, 2009). Porém, uma grande preocupação relacionada a esse contexto é que este
abandono poderá representar a incisão definitiva no processo de escolarização dos
sujeitos do campo.
A política educacional no meio rural de uma forma geral não têm se
preocupado em desenvolver uma proposta pedagógica que assegure a permanência da
juventude na escola, e que atenda aos anseios dos processos sócios produtivos das
famílias camponesas, de modo, a contribuir com o melhoramento do sistema de
produção e, por conseguinte estimular a permanência da juventude no campo,
proporcionar a segurança alimentar e a geração de renda, bem como, a manutenção da
coesão da unidade familiar. Outro fato deve-se a situação deficitária da infraestrutura
existente nessas unidades de ensino13.
O modelo de educação ofertado no campo corresponde ao da escola “rural”
referenciado em uma visão urbanocêntrica e etnocêntrica resultou na negação da
diversidade, das culturas, das diferentes formas e modos de vida, assim como dos
conhecimentos e saberes das populações do campo (CALDART; MOLINA, 2004;
FERNANDES; MOLINA, 2004; SILVA, 2006).
O reflexo deste descaso tem contribuído para transformar o campo em um
espaço cada vez mais envelhecido, ou seja, com pouca presença de jovens, fato este, que
tem preocupado e mobilizado estudiosos e movimentos sociais a fim de compreender as

12
Lei de Diretrizes e Bases (LDB) 9394/96, em seus artigos 23 e 28.
13
De acordo com os dados do Ministério da Educação no ano de 2012,  90% dessas escolas – um total de
68.651 unidades – não têm internet. A taxa de estabelecimentos sem energia elétrica é de 15% (11.413
escolas), enquanto 10,4% não contam com água potável (7.950) e 14,7% não apresentam esgoto sanitário
(11.214). Além disso, apenas 11% das escolas do campo têm biblioteca, 1,1% contam com laboratório de
ciências (MANDELLI, 2012, p. 2).
perspectivas para continuidade do campesinato, como também as possibilidades de
reprodução social, ambiental e econômica das famílias camponesas (MARINHO, 2007).

2.2.2 A Penosidade do Trabalho no Campo e a Necessidade da Geração de Renda


A lógica de produção camponesa14 está constituída na organização familiar a
partir de suas diferentes dimensões (trabalho, consumo, renda, sucessão da terra e
outros), fato este que tem sido caracterizado como uma forma de economia não salarial,
pois é provinda do trabalho da família. A unidade de produção familiar na agricultura é
considerada diferente da unidade de produção da agricultura capitalista porque a
propriedade familiar não se organiza sobre a extração e apropriação do trabalho alheio,
a mais-valia15, a fonte do trabalho para a produção é o próprio proprietário dos meios de
produção (WANDERLEY, 1998).
A organização familiar é a única ou a principal forma de trabalho, sendo,
portanto, o ponto de partida e chegada do processo produtivo, ou seja, ao mesmo tempo
em que se configura como uma unidade produção/trabalho a família também é uma
unidade de consumo (COSTA, 1995). É a partir de sua necessidade que se organiza o
processo produtivo, cujo, objetivo central está condicionado à garantia da existência
material e simbólica familiar, sobretudo, a continuidade da tradição camponesa e o
processo de sucessão da terra (CHAYANOV, 1923; MARINHO, 2007).
A conquista da terra para as famílias camponesas é marcada por um conjunto de
representações e significados e assume um sentido duplo: a terra como um patrimônio,
ou seja, a garantia da segurança referente à reprodução social, econômica e ambiental da
família, o que resulta futuramente no processo de sucessão da terra e na continuidade da
tradição familiar camponesa (COSTA, 1995). E também, a terra como sinônimo de
libertação do trabalho para terceiros, o que representa a autonomia das famílias e o fato
de não necessitarem trabalhar mais para ninguém (CASTRO; RODRIGUES, 2005).
Essa relação estreita e cultural com a terra são questões que possibilitam e
justificam mesmo em condições desfavoráveis (falta de infraestrutura social e produtiva,
preço baixo dos produtos agropecuários, baixa produção, falta de assistência técnica e
outros) a permanência na propriedade familiar, somado a outras questões como: o

14
Para maiores informações: Chayanov (1923); Abramovay (1992) e Costa (1995).
15
A relação essencial ao capital é a de compra e venda de força de trabalho porque é através desta relação
que o capital se valoriza. O lucro é trabalho não pago, é produto da exploração do trabalhador assalariado.
A relação -capital é essencialmente uma relação de exploração (SINGER, 1987, p.29).
predomínio do trabalho não assalariado e absorção de forças marginais 16 ao longo do
processo produtivo (SCHMITZ e MOTA, 2007).
A relação da juventude com a terra está ligada principalmente a tradição familiar
camponesa e a forma de conquista da propriedade, esta afinidade tende a se tornar mais
fortalecida quando os jovens participam do processo de luta pela posse da terra
(CASTRO; RODRIGUES, 2005). Porém, um dos fatores que tem sido constantemente
associado à busca de novas possibilidades nos centros urbanos pelos jovens, diz respeito
ao alto grau de penosidade do trabalho no campo e a baixa geração de renda no
estabelecimento familiar, fato este que coloca “em xeque” a consolidação do projeto de
vida dos jovens dentro da comunidade rural (ABRAMOVAY, 1998).
A penosidade do trabalho familiar é uma referência de análise para muitos
estudiosos que buscam a compreensão do funcionamento da lógica de produção familiar
na agricultura ou lógica de produção camponesa (CHAYANOV, 1923; TEPICHT,
1973; ARCHETTI, 1974; VEIGA, 1991; ABRAMOVAY, 1992; COSTA, 1995). Ela se
relaciona diretamente a quantidade de mão de obra empregada a determinado processo
produtivo a fim de atingir a necessidade de reprodução da família, pois, o que de fato
determina o trabalho aplicado, é a necessidade e não a disponibilidade de força de
trabalho (COSTA, 1995).
A necessidade corresponde às condições idealizadas para garantir a reprodução
social e econômica familiar, uma vez que esta demanda é decorrente das estratégias,
táticas e do projeto de vida dos distintos grupos familiares, articulado ao contexto social
e econômico local, como também a relação equilibrada entre o trabalho e o consumo no
interior da unidade familiar (LIMA, 1992).
Outra perspectiva para a compreensão da penosidade do trabalho está
relacionada ao tipo de atividade realizada dentro da unidade produção, pois em geral os
estabelecimentos familiares possuem uma característica de “trabalho manual árduo”
(GUANZIROLI, 1999). Porém, é preciso levar em consideração a diversidade de
situações, pois, o universo da produção familiar no meio rural no Brasil é extremamente
heterogêneo e inclui, desde famílias muito pobres até famílias com grande dotação de
recursos. Os estudos de Lamarche17 (1998) identificam quatro lógicas ou modelos
16
Correspondem as forças de trabalho que eventualmente são desconsideradas no caso do acesso a um
emprego formal, ou seja, pessoas com baixa escolaridade, idade inferior ao permitida por lei, como
também pessoas em idade avançada e outros (SCHMITZ; MOTA, 2007).
17
Estudo realizado por uma equipe internacional de pesquisadores coordenada por Hugues Lamarche e
constituída por representantes de cada país pesquisado, deu origem a publicação de dois volumes
denominados “A agricultura familiar: uma realidade multiforme” e “A agricultura familiar: do mito à
teóricos de funcionamento das unidades de produção a partir de uma interação entre
laços familiares e grau de dependência em relação ao exterior, assim definidos:
Empresa; Empresa Familiar; Agricultura Familiar Moderna e Agricultura Camponesa
ou de Subsistência.
É comum entre os estudos sobre inovação tecnológica na agricultura familiar a
associação do grau de penosidade do trabalho ao acesso a tecnologia, sendo está uma
relação que é apresentada de forma inversamente proporcional, ou seja, quanto maior e
mais intenso for o acesso à tecnologia, menor é a penosidade do trabalho, sobretudo,
este acesso possui uma relação estreita com o nível de capitalização e a integração ao
mercado da unidade familiar (GUANZIROLI, 1999). Neste sentido, constantes têm sido
as reflexões que apontam o acesso a tecnologias adaptadas a realidade local e a
organização social, como ferramentas estratégicas que podem diminuir a penosidade do
trabalho e agregar valor a produção (ABROMOVAY, 1998; GUANZIROLLI, 2011).
Em outra perspectiva, a relação entre a penosidade do trabalho e a necessidade
de renda nas comunidades rurais se configura como um fator de ordem socioeconômico,
que tem orientado a mobilidade espacial dos jovens do campo em direção à cidade,
podendo estar estritamente ligado ao aumento do custo de oportunidade 18 da mão de
obra existente na localidade de origem.
O custo de oportunidade corresponde à relação racional entre a renda e a
penosidade do trabalho na unidade familiar em detrimento da possibilidade de
remuneração resultante da venda da força de trabalho exterior a esta unidade (COSTA,
1995; LIMA, 1992; ABRAMOVAY, 1998), sobretudo, esta relação tende a se tornar
mais desfavorável na medida em que a ofensiva do capital começa a adentrar no

realidade” em 1993 e 1998 respectivamente. Os dois volumes apresentam os resultados de um estudo


comparativo realizado no Brasil, França, Canadá, Polônia e Tunísia sobre a realidade da produção
familiar.
18
[...] Quando o esforço familiar passa a ser comparado com o custo de oportunidade oferecido pelo
mercado de trabalho e, as necessidades básicas, podem ser supridas com a venda da força de trabalho. O
custo de oportunidade do trabalho torna-se um parâmetro importante nas decisões produtivas da unidade
de produção familiar e põe abaixo a determinação subjetiva das opções econômicas da família
(ABRAMOVAY, 1998a, p.96). [...] Da mesma forma, a compra de trabalho por parte da família
camponesa torna-se possível, constituindo um elemento externo à família na obtenção de seu equilíbrio
econômico (ABRAMOVAY, 1998a, p. 93).
território camponês, seja pelo avanço do agronegócio19, ou seja, pela implantação de
“projetos de desenvolvimento” (GEHLEN e RIELLA, 2004).
Um exemplo concreto existente na região do Sudeste Paraense referente a esses
projetos pode ser observado na indústria da mineração, cuja prática expropriadora tem
contribuído diretamente na desterritorialização das famílias camponesa a partir da
desapropriação e aquisição de suas propriedades, como também o agravamento
desenfreado dos problemas socioambientais, impostos pelo voraz aumento das
estratégias de acumulação de capital, os estudos de Congilio (2013, p. 1) apontam
situações semelhantes:
A indústria mineradora e a siderurgia respondem na região por duas grandes
frentes de atividades predadoras: a atividade industrial das siderúrgicas,
alimentada pelo ferro e pelo carvão, leva, por um lado, a uma intensa
atividade madeireira e devastação da floresta nativa. Por outro lado, a
mineração de lavra tem poluído rios e nascentes e, ao mesmo tempo em que
expulsa levas camponesas, comunidades indígenas e ribeirinhas de suas
terras, atrai trabalhadores desempregados de outras regiões, contribuindo para
uma acelerada e caótica urbanização.

A outra face desta moeda está relacionada à geração de empregos diretos no


processo de implantação e expansão de parques industriais, construção de usinas
hidrelétricas e outros, por muitas vezes visto pela sociedade como sinônimo de
progresso e modernização, resultando em geral na criação de subempregos temporários
e degradantes, o que tem atraído um enorme contingente de pessoas do campo,
principalmente jovens em busca de novas perspectivas e oportunidades, como também
migrantes de outros Estados e regiões a procura de terra e trabalho.
Os últimos indicadores do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística revelam
que em 30 anos, considerando apenas o município de Marabá, houve um aumento
populacional de cerca de 650%, provocado pela atração dos diversos setores produtivos
aí instalados e, entre os quais se destaca a Companhia VALE e suas diversas áreas de
extração e beneficiamento de minérios. Com origens das mais diversas localidades,
grande parte dessa população é de despossuídos de terra e trabalho, compõe uma massa
de força de trabalho extremamente precarizada e ocupa bairros periféricos insalubres,

19
O termo agronegócio, de uso relativamente recente em nosso país, guarda correspondência com a noção
de agribusiness, cunhada pelos professores norte-americanos John Davis e Ray Goldberg nos anos 1950,
no âmbito da área de administração. O termo foi criado para expressar as relações econômicas (mercantis,
financeiras e tecnológicas) entre o setor agropecuário e aqueles situados na esfera industrial (tanto de
produtos destinados à agricultura quanto de processamento daqueles com origem no setor), comercial e de
serviços. Para os introdutores do termo, tratava-se de criar uma proposta de análise sistêmica que
superasse os limites da abordagem setorial então predominante (LEITE; MEDEIROS, 2012, p 81).
totalmente ausentes de políticas sociais que provenham seus moradores de um mínimo
de dignidade (CRUZ NETO, 2010; GUEDES, 2012; CONGILIO, 2013).
Os estudos de Homma (2005) apontam que nas últimas décadas houve uma
diminuição absoluta e relativa da população rural, o que tem demandado a necessidade
de intensificar e aumentar a produção de alimentos para atender a demanda dos centros
urbanos, “a redução absoluta da população rural no Pará atingiu aproximadamente
trezentas mil pessoas entre os dois últimos censos demográficos” (HOMMA, p. 126,
2005).
Essa redução pode estar diretamente ligada ao aumento do custo de oportunidade
da mão de obra no campo, tornando-se mais lucrativa a sua venda. Outro fator resultante
desta relação é a inviabilização das atividades com menor produção e produtividade,
fato este que tem aumentado o grau de especialização das atividades agropecuária e dos
sistemas de produção e diminuído a diversificação produtiva dentro dos
estabelecimentos agrícolas, como também proporcionado um maior atrelamento das
unidades familiares de produção ao mercado. Neste sentido, tem sido freqüente nas
comunidades rurais da região uma trajetória de produção marcada por uma precoce e
extensiva pecuarização e uma diminuição da autossuficiência e da diversificação
produtiva (HURTIENNE, 2005; OLIVEIRA; VEIGA; TAVARES, 2005).
A perspectiva da elevação dos salários a partir do aumento no custo de
oportunidade pode levar a um maior assalariamento e subemprego no setor agrícola,
inviabilizando atividades intensivas em mão de obra da produção familiar, ou seja,
podendo diminuir atividades produtivas que tradicionalmente foram destinadas para o
auto-consumo familiar (HOMMA, 2005).
A mobilidade espacial dos jovens em direção à cidade nos remete a constantes
desafios que assolam a unidade familiar resultado de um processo que desestabiliza a
coesão familiar e a organização do trabalho, diminui a possibilidade de diversificação
da produção e de investimento no estabelecimento rural, resultando em um alto grau de
exploração da mão de obra familiar entre os membros que permanecem na terra. Esta
situação reforça o fato de que a organização produtiva da unidade familiar está em
função da quantidade de pessoas em condições de trabalho em relação à demanda de
consumo da família (COSTA, 1995).
Este processo é gerador de vários desconfortos para a família causando inúmeras
conseqüências, como: a diminuição do vinculo do jovem com a família e a terra, fato
este que em determinadas circunstâncias poderá levar a uma ruptura definitiva com a
comunidade rural, como também, aumenta as despesas domesticas referente à
manutenção de um membro fora da propriedade e um possível comprometimento da
continuidade da tradição camponesa ceifado pela venda da propriedade familiar
(MARINHO, 2007).
Entretanto, as informações apresentadas neste item demonstram que a
necessidade de geração da renda é uma questão inerente para a permanência da
juventude em suas comunidades rurais, seja ela provinda da produção agropecuária ou
do emprego dentro da comunidade (ecoturismo, escola, agroindústria e outros), somado
a busca pela diminuição da penosidade do trabalho, cujo caminho mais provável está
relacionada ao acesso a tecnologias adaptadas e a organização social (STEDILE, 2011).
Porém, é exatamente a busca do emprego fora da comunidade que mais tem demarcado
a incisão definitiva na relação do jovem com o campo (CASTRO et al, 2009), e muito
das vezes expondo os mesmo a uma condição de vida sub humana nos centros urbanos.
Autores como Stedile (2011) incorporam a essas questões a necessidade do
acesso a terra para a juventude, uma vez que, em geral os estabelecimentos familiares
possuem dificuldade em garantir o sustento para novos grupos de família que surgem no
processo de evolução familiar, pois, à medida que os filhos vão atingindo a fase adulta e
constituindo família, “a terra” vai ficando pequena para garantir o sustento de todos.
Estudos realizados por Castro et al (2009) apontam duas grandes dificuldades de
acesso a terra impostas aos jovens do campo no Brasil: a primeira é referente à ausência
de políticas públicas efetivas que garantam o acesso à juventude a terra e a ineficiência
e imediatismo dos projetos de reforma agrária que não prevêem as segundas gerações e
reprodução das famílias; a segunda refere-se às dificuldades de atuar de forma
compartilhada na terra dos pais, o que caracterizaria sua dificuldade de sentir-se
proprietário e/ ou responsável junto com seus pais. O acesso a terra para a juventude
está longe de ser uma realidade concreta, “sem a distribuição de terras, a educação não é
suficiente para manter a população com idade entre 15 e 24 anos no local de origem e
também é preciso garantir renda, seja através de oportunidades de emprego ou de
trabalhar com a produção” (STEDILE, 2011, p. 1).
Essa demanda social recorrentemente tem sido transformada em pauta de
reivindicação pelos movimentos sociais de campo, e em outro sentido, fornece indícios
que relevam o interesse da juventude em permanecer no campo, porém, sob outras bases
e contextos. Neste sentido, a formação escolar contextualizada e o acesso a terra para a
juventude, articulado a alternativa de geração de renda, pode ser um eficaz instrumento
para estimular e garantir a permanência do jovem na escola e na comunidade,
sobretudo, ações que possibilitem uma organização coletiva. Nesta perspectiva, parece
estratégico que a economia solidária possa compor a mais nova matriz tecnológica da
educação do campo.

2.2.3 A Cultura Camponesa e o Processo de Sucessão da Terra


A cultura camponesa é fruto da diversidade de situações e diferentes
temporalidades que constituem o campesinato enquanto classe. É a diversidade o
fundamento da vida camponesa, seja nas suas formas de se relacionar e de se apropriar
da natureza, seja internamente na sua unidade de produção, sobretudo, é a
materialização da conquista histórica da sua permanência no local, autores como Tardin
afirmam a existência de uma relação equilibrada com a natureza-comunidade, um
enraizamento étnico e social, uma constante produção e reprodução de culturas com
suas peculiaridades locais e regionais, com base neste autor:

[...] Em se tratando do campesinato, ele se constitui a partir de uma


diversidade de sujeitos sociais históricos que se forjaram culturalmente numa
íntima relação familiar, comunitária e com a natureza, demarcando
territorialidades com as transformações necessárias à sua reprodução material
e espiritual, gerando uma miríade de expressões particulares que, ao mesmo
tempo, respaldam em elementos societários gerais, marcando sua
humanização e humanizando a natureza, em um intricado complexo de
agroecossistemas (Tardin, 2012, p. 181).

A cultura camponesa é marcada por uma forte tradição oral que tem resistido ao
tempo e a tecnologia, a oralidade é por sua vez o principal instrumento de manutenção e
reprodução cultural aliado ao trabalho enquanto forma de conhecimento e sociabilidade
(CARVALHO, 2005). O trabalho familiar na cultura camponesa é organizado de forma
geral levando em consideração a faixa etária e a divisão sexual (COSTA, 1995).
Historicamente as mulheres vêm provando que a diferença entre os sexos é mais
cultural do que biológica, principalmente pelo fato de as mesmas exercerem atividades
profissionais semelhantes às que os homens exercem, com desempenho similar ou até
mesmo melhor. Porém, vivemos em uma sociedade dicotomizada pela relação homem-
mulher, mas a Antropologia tem feito um esforço em demonstrar que muitas atividades
atribuídas às mulheres em uma cultura podem ser atribuídas aos homens em outra, com
base, em Laraia, “[...] o comportamento dos indivíduos depende de um aprendizado de
uma cultura, um menino e uma menina agem diferentemente não só em função dos seus
hormônios, mas em decorrência de uma educação diferenciada [...]” (LARAIA, 1986, p.
20).
A organização sexual do trabalho na cultura camponesa tem atribuído aos
homens e os filhos mais velhos do sexo masculino as atividades consideradas “mais
penosas” no que consiste o esforço físico e conhecimento técnico (preparo de área para
cultivos, roço de pasto, manejo do gado e outras), em geral o cuidado das atividades
onde há o interesse comercial. E com relação às mulheres e os filhos mais jovens são
destinado às atividades produtivas no entorno da casa de morada (a lida com a horta,
pomar e os pequenos animais), e as atividades coletivas de manutenção da lavoura e
também os afazeres domésticos (WOORTMANN; WOORTMANN, 1997).
As atividades exercidas na esfera doméstica podem ser consideradas essenciais
para a reprodução da espécie humana, porém, são atividades desvalorizadas
socialmente, sendo desempenhadas quase exclusivamente por mulheres, “muitas vezes,
o trabalho que a mulher exerce na roça não é considerado trabalho propriamente dito e
sim apenas um auxílio ao trabalho do homem,” (COSTA; KATO 2004, p.11).
A noção de trabalho como categoria subjetiva e o processo de trabalho marcam
distinções de gênero, sendo que, geralmente, no meio rural, no contexto da agricultura, a
categoria trabalho só se aplica ao homem (WOORTMANN; WOORTMANN, 1997).
Esse tipo de situação gera a negação do direito as filhas à herança da terra, pois,
em geral a sucessão da propriedade familiar tem sido transmitida aos filhos homens que
possuem mais identidade com as atividades produtivas, ou seja, o que mais contribuíram
para a reprodução do estabelecimento agrícola, sendo bastante recorrente em contexto
onde propriedade é pequena, de modo que, o seu fracionamento poderia comprometer a
sustentabilidade da terra. Mas por outro lado, esse “herdeiro da terra” tem poucas
oportunidades para estudar, na maioria das vezes estudando apenas até o nível de ensino
existente na comunidade (CARNEIRO, 1998). É valido ressaltar que esse tipo de
situação não é uma regra universal podendo existir diferentes formas e estratégia de
sucessão deste patrimônio familiar.
Um possível resultado desta relação no caso das mulheres é ao firmamento do
matrimônio precocemente, no que consiste a idade, seja pela influência da cultura
camponesa, como pela inexistência de poucas oportunidades e perspectivas para elas
nas comunidades rurais. Outro caminho percorrido pelas jovens tem sido a busca nos
centros urbanos por novas oportunidades, segundo Abramovay; Camarano (1999), nas
últimas décadas ocorreu no Brasil um intenso esvaziamento no campo, principalmente
de jovens em busca de melhores oportunidades de trabalho, com predominância da
migração feminina para centros urbanos. Estas são duas faces de uma realidade que vem
acarretando o envelhecimento da população e a masculinização do meio rural. Em 1991,
o número de rapazes na faixa de 15 a 19 anos é superior em 13% ao número de moças e,
na faixa de 20 a 24 anos, 12% superior. Mais recentemente, este processo de
“masculinização do meio rural” vem atingindo não apenas o meio rural, mas também os
pequenos municípios do interior (ABRAMOVAY, 1998).
Nesta perspectiva, a oportunidade de estudar fora é dada ao filho que não tem
afinidade com as atividades produtivas e principalmente para as filhas, garantindo-os
uma formação para que os mesmos possam seguir projetos “mais individuais”, como
arrumar um emprego e, por conseguinte ajudar a família que está no lote, ou seja, o
estudo nesse caso é visto como uma espécie de herança e ao mesmo tempo um
investimento camponês (CARNEIRO, 1998).
A mobilidade isolada dos jovens para a cidade não necessariamente implicará
na migração definitiva da família para os centros urbanos, mas de certa forma aliada a
um conjunto de fatores (falta de mão-de-obra, dificuldade de escoar a produção, falta de
mercado, problemas de saúde, condicionantes ecológicos motivados pela queda na
fertilidade do solo dificultando a produção e etc.) é um agravante que influenciará
consideravelmente a migração em direção à cidade. Porém, a mobilidade do jovem
rural, pode ser uma estratégia importante na garantia da reprodução social e econômica
da família, desde que ela corresponda a um projeto familiar (MARINHO, 2007).
Outra dimensão da cultura camponesa corresponde à autoridade paternalista,
marcada por uma forte centralidade no processo de gestão e decisão no genitor da
família (COSTA; KATO, 2004). Essa relação é geradora de “uma certa condição de
subordinação” dos jovens perante a autoridade dos pais, principalmente no que consiste
a figura paterna, o que tem configurado a mobilidade espacial dos jovens em direção
aos centros urbanos, também como uma busca por autonomia, o que faz desse processo
de relação campo-cidade não somente uma tragédia anunciada, mas um processo
natural.

2.2.4 A Juventude do Campo na Cidade e os Riscos Sociais

A mobilidade espacial da juventude do campo aos centros urbanos traz no seu


bojo alguns desafios que são externos à unidade familiar, esses desafios possuem um
caráter individual e envolve diretamente o jovem que parte em direção a cidade,
sobretudo, refere-se às condições que a juventude do campo é submetida decorrente do
processo de mobilidade espacial, podendo ocasionar em determinados contextos uma
real situação de vulnerabilidade social existentes nas cidades. No intuito de clarear esta
reflexão organizamos os desafios exposto a partir de duas questões:
A primeira corresponde à busca pelo emprego, sendo esta uma crise de dimensão
global, pois, em todo o mundo, há 197 milhões de pessoas jovens desocupadas, uma alta
de 4 milhões em relação a 2011, levando a taxa de desemprego a 5,9%, a estimativa é
que esse percentual chegue a 6% em 2014, e se mantenha no mesmo nível pelos
próximos cinco anos (ERNST, 2012). Os dados da Organização Internacional do
Trabalho (OIT) do ano de 2012 aponta que a situação é mais preocupante entre os
jovens na faixa etária de 15 a 24 anos, o desemprego chega a 12,6% e deve seguir
crescendo até 2017, Sendo provável que a desaceleração da economia mundial
“empurre” outro meio milhão de jovens para o desemprego em 2014 em todo o mundo
(ERNST, 2012).
Outra preocupação referente à situação do desemprego corresponde ao fato de
que cada vez mais jovens ficam desempregados por longo tempo, cerca de 35% dos
jovens desempregados nas economias avançadas ficaram sem emprego durante seis
meses ou mais, como consequência, um número crescente deles perde a motivação e se
retira do mercado laboral, afirma o relatório “Tendências Mundiais de Emprego
(ERNST, 2012).
Em outra perspectiva, estudos em nível nacional apontam que os jovens têm
ocupado condições desfavoráveis de trabalho frente às possibilidades exercidas pelos
adultos e ainda ocupam trabalhos mais precários e mal remunerados, em sua maioria
informal, e sem contar com a grande quantidade de jovens nos centros urbanos que
estão sem trabalho por falta de emprego os dados apresentado por Castro et al (2009, p.
8-9) confirma essa tendência:
[...] Entre os dados mais importantes estão que 60% da juventude trabalham
ou estão procurando trabalho. Desses 60% dos jovens ocupados estão na
linha de pobreza, em famílias de renda per capta de até um salário mínimo;
90% dos jovens de 14 e 15 ocupados hoje estão em condição de trabalho
precária ou informais; os jovens de famílias mais pobres se inserem mais
cedo e em piores condições de trabalho. Quase 40% dos jovens exercem
jornadas de mais de 44 horas. E 40% dos acidentes de trabalho ocorrem com
os jovens. O trabalho doméstico é a principal ocupação das jovens mulheres e
apenas 3% têm carteira assinada.

Um motivo que pode ser atribuído a esta situação é o fato de que há uma
imagem construída sob o jovem, a de que este, não é experiente para ocupar cargos no
mercado de trabalho, adiando cada vez mais a inserção no primeiro emprego, seja ele do
campo, ou, da cidade, como também a baixa qualificação profissional que assolam os
jovens (CARNEIRO, 1998).
O segundo fator demandante de atenção consiste na violência que
recorrentemente têm vitimado os jovens. Os estudos de Waiselfisz (2013) a respeito do
Mapa da Violência Homicídios e Juventude20 apontam que no ano de 2011 o país
possuía aproximadamente 34,5 milhões de jovens na faixa dos 15 aos 24 anos de idade,
esse quantitativo representava 18,0% do total dos 192,3 milhões de habitantes que o
IBGE projetava para o país naquele período. Os dados demonstram que em menos de 20
anos a taxa de homicídio de jovens cresceu 26%, passando de 42,4 assassinatos a cada
100 mil jovens, para 53,4, embora o autor afirme que ainda há uma grande limitação
com relação à exatidão destes índices, devido à ocorrência de inúmeros sepultamentos
sem o competente registro, determinando uma redução do número de óbitos declarados
devido, sobretudo, com predomínio nas regiões Norte e Nordeste (WAISELFISZ,
2013).
A pesquisa mostra que nas últimas décadas houve mudanças na característica da
mortalidade dos jovens, denominada pelo autor de "novos padrões da mortalidade
juvenil", sendo que há cinco décadas as mortes naturais eram responsáveis pelo maior
percentual de mortalidade e a partir da década de 1980 a violência (homicídio e acidente
de transito) passa ser responsável por 50% das causas de morte, chegando ao ano de
2011 há mais de 70% e com um aumento de 28% no número de suicídio.
Entretanto, há uma situação de violência generalizada, presenciada nos últimos
dez anos, a qual está marcada por uma dinâmica regional concentrada principalmente
nos Estados do Norte e Nordeste, enquanto os dados nacionais registrando um aumento
de 1,7% no número de homicídio de jovens, a região amazônica dispara como o
território mais violento com um acréscimo de mais de 121% e o Estado do Pará segue a
mesma trajetória com um aumento de 232%, apresentando um índice de violência
crescente, tanto na capital, quanto no interior (WAISELFISZ, 2013).
A pesquisa aponta os cem municípios do Brasil com maior recorrência de
homicídios de jovens, sendo que 11 deles são localizados no Estado do Pará, o que
demonstra que a concentração da violência neste Estado, enquanto que cerca de 50%

20
Foi utilizado para definição da categoria jovem os indivíduos com idade entre 15 a 24 anos
(WAISELFISZ, 2013).
dos municípios nacionais não registram nenhum homicídio de jovens entre os anos de
2009 - 2011 e no ano de 2011 esta projeção chegou a 70% dos municípios.
Esses dados fornecem indicio de que há um tipo de violência que é centralizada
em algumas regiões e localidades, cerca de 70 municípios registraram um número de
homicídio superior a 100 jovens a cada 100 mil habitantes jovens.
No ano 2000 a violência passa a ter outro tipo de dinâmica migrando da capital
para os interiores, não só para metrópoles, mas para municípios de pequeno porte, os
dados de 2003 a 2011 registram queda no número de homicídios em nível nacional de
6%, nas capitais uma diminuição de aproximadamente 20%, enquanto que os interiores
apresentam um aumento de 23%. Há municípios que apresentam indícios de extermínio
de sua juventude, mais de 300 jovens a cada 100 mil habitantes jovens, localizados na
região Nordeste (WAISELFISZ, 2013).
A pesquisa demonstrou que a violência nos município tem ocorrido em
contextos diferenciados, totalizando sete situações: Novos polos de desenvolvimento;
Municípios com domínio territorial de quadrilhas, milícias e/ou trafico; “Currais
políticos” tradicionais do coronelismo e pistolagem; Municípios de turismo predatório
localizados, principalmente, na orla marítima que atrai turismo flutuante de finais de
semana altamente predatórios; Municípios de zona de fronteira, dominadas por grandes
interesses e estruturas do contrabando de armas, de produtos, de pirataria e/ou, também,
rotas do trafico; Novos pólos de desenvolvimento tornam-se áreas atrativas de
população e de investimentos que, diante da limitada e deficitária presença dos poderes
públicos, principalmente na área de segurança, convertem-se também em pólos atrativos
da criminalidade e da violência. E por fim, o que de fato mais se aproxima da realidade
do Sudeste Paraense municípios do arco do desmatamento amazônico, palco de
interesses políticos e econômicos em torno de mega empreendimentos agrícolas que
movimentam madeireiras ilegais, processos de grilagem de terras, de extermínio de
populações indígenas e de trabalho escravo (WAISELFISZ, 2013).
Neste sentido, outros fatores podem ser adicionados a estas questões como:
acirramento dos conflitos agrários, uma vez que os setores agropecuários e do
agronegócio se instalaram violentamente nas áreas rurais, provocando a expulsão dos
camponeses para os perímetros urbanos, tendo uma maior recorrência sobre os jovens
do campo.
A distribuição dos homicídios de jovens quando levamos em conta o gênero das
vítimas, não é nem equitativa, nem igualitária. O estudo aponta um desequilíbrio em
relação ao número de homicídios em proporção a homens e mulheres, pois 92% dos
homicídios são relacionados aos indivíduos do sexo masculino, enquanto que 8% ao
sexo feminino, prevalecendo neste ultimo caso a violência doméstica. Em setembro de
2006 entra em vigor a lei Maria da Penha, aumentando o rigor das punições da violência
contra as mulheres no âmbito doméstico. Mas essa queda acentuada só dura um ano: a
partir de 2008, as taxas tendem a subir novamente, recuperando e até superando níveis
anteriores (WAISELFISZ, 2013).
E com relação ao fator cor/raça os dados apontam que cerca 80% dos
homicídios estão relacionados aos indivíduos negros, o que alarma mais ainda é a
tendência crescente dessa mortalidade seletiva, onde, jovens, negros são as principais
vitimas. Em geral a violência homicida tem se manifestado com mais recorrência na
periferia dos centros urbanos, não há registros oficiais sobre a contribuição dos jovens
oriundos do campo na composição do elevado índice de homicídio juvenil, porém as
circunstâncias que os mesmos chegam às cidades fazem deles “vítimas em potencial”. O
processo cruel de dissolução das fronteiras campo/cidade tem reservado ao campo o
status de extensão das periferias dos centros urbanos.
Os jovens do campo têm trilhado três possibilidades a procura de sua autonomia:
ser herdeiro no processo de sucessão da terra, conseguir outro lote e partir para a cidade
em busca de estudo e/ou trabalho, sendo que este último parece ser o destino mais
recorrente, porém a mobilidade espacial dos jovens do campo em direção à cidade, em
geral, têm os colocado em uma situação de vulnerabilidade frente aos riscos sociais, já
relatados nos parágrafos acima.
A vulnerabilidade social dos jovens do campo na cidade ou a violência associada
a esse tipo de situação, na maioria dos casos pode ser resultado da ausência de renda,
cujo princípio prove da baixa qualificação profissional, fato este que tem impedido sua
inserção de forma justa e digna no mundo do trabalho. Neste sentido, frente aos dilemas
e dificuldades inerentes ao contexto que ocorre a mobilidade espacial (insuficiência da
terra em prover o sustento de toda família, penosidade do trabalho, autoridade paterna e
outros), a formação para a juventude do campo deve ser compreendida como um
instrumento de transformação social, empoderamento e humanização, necessária tanto
para os jovens que irão permanecer no campo, quanto para aqueles que escolheram a
cidade como o espaço para materialização de seu projeto de futuro.
As experiências de formação destinadas aos jovens do campo devem ser
concebidas a partir da situação real da juventude em suas comunidades rurais, e não
apenas ser um privilégio dos jovens que querem e pode permanecer no campo,
sobretudo, devem estar longe de juízo de valores que criminalizam e marginalizam os
jovens que deixam o campo em busca da cidade, cujo, algumas situações esta
mobilidade está a quem dos desejos dos jovens.
Em outra perspectiva, estar no campo é mais que uma questão geográfica é
também uma questão ideológica, porém a mobilidade espacial para a cidade não
necessariamente é uma situação definitiva. Neste sentido, a construção de uma nova
identidade (CARNEIRO, 1998) ou a constituição de novos vínculos sociais
(FLORENTINO, 2000), não impõe uma ruptura com a cultura de origem, desse modo,
as fronteiras que separam o campo da cidade são mais abstratas do que concretas, sendo
apenas uma representação do espaço.

2.2.5 Novas Relações da Juventude no Campo: participação e organização social

A permanência da juventude no campo tem despertado a atenção de diferentes


atores e organizações, sobretudo, da comunidade acadêmica, movimentos sociais do
campo e do poder público. O reflexo deste interesse nos últimos anos é diretamente
proporcional ao crescimento no número de eventos, no qual, a juventude
camponesa/rural é a temática em destaque (Encontros, Seminários, Conferências e
outros), como também, a criação de ações e estruturas organizativas (comitês,
secretárias, diretorias e outros) referentes à organização da juventude, dentro dos
espaços de representação dos trabalhadores rurais, tanto nos movimentos sindicais,
quanto nos movimentos sociais (CASTRO ET AL, 2009).
Neste sentido, tem sido comum para as organizações dos trabalhadores rurais a
institucionalização desta representação, a partir da adoção do regime de cotas
garantindo uma quantidade mínima obrigatória de jovens na composição de cada
estrutura organizativa de direção, “a política da cota da obrigatoriedade de 20% de
participação de jovens nas instâncias deliberativas foi aprovada no IX Congresso da
Confederação Nacional dos trabalhadores na Agricultura (CONTAG) em 2006”
(CASTRO ET AL, 2009, p 3).
O surgimento e crescimento destas ações e eventos parecem, de certo modo,
proporcional ao aumento no número da produção acadêmica referente à juventude do
campo, um levantamento temático acerca da produção acadêmica brasileira referente a
esta temática, realizada no período de 1990 a 2004, conclui que a “migração e a
invisibilidade” da juventude rural são as duas questões mais marcantes nos estudos. O
levantamento reforçou, ainda, a pouca produção acadêmica, sobre o tema no Brasil:
menos de quatro trabalhos por ano, no período analisado, sendo que 86% dos trabalhos
se concentraram entre 2001 e 2004 (CASTRO; RODRIGUES, 2005).
Em uma prematura análise, o conjunto de informações acima nos leva a pensar
sobre uma possível relação entre a participação da juventude do campo nos espaços de
representação\organização dos trabalhadores e a permanência dos jovens nas
comunidades rurais. Neste sentido, consideramos prematura a afirmação integral dessa
relação, porém esse envolvimento poderá trazer novas perspectivas para os jovens que
assumem enquanto projeto de vida a permanência no campo, ou, ainda para os jovens
que vislumbram a cidade, como o espaço social para sua futura vida, a permanência no
campo ressurge também como uma possibilidade a ser considerada.
Em outras palavras a luta da juventude do campo tem se constituído por uma
dupla batalha, de um lado, por reconhecimento e respeito no meio social a qual estão
inseridos (família e comunidade) e do outro, por condições sociais que garanta sua
permanência no campo ou reprodução do seu projeto de vida na cidade.

2.2.6 A Educação do Campo e as Perspectivas para Juventude

Ao longo do capítulo foram apresentados vários desafios em torno da


permanência da juventude nas comunidades rurais, como também, os riscos sociais
oferecidos na migração rumo às cidades. O acesso a educação foi apontado como um
fator essencial neste processo, embora que a educação ofertada tradicionalmente no
meio rural tenha sido pouco eficaz. A luta por uma educação de qualidade e
contextualizada, construída nas práticas sociais do campo, como alternativa ao projeto
hegemônico de desenvolvimento rural têm sido as principais pautas de reivindicações
dos movimentos sociais do campo.
Esse processo de organização de caráter nacional vigente nas ultimas duas
décadas tem sido reconhecido como Movimento de Educação do Campo 21, embora,
várias experiências de educação destinada em atender os interesses sociais e produtivos
dos agricultores tenham surgido no Brasil desde os anos 1960, como por exemplo: a

21
A Educação do Campo nasceu primeiro como Educação Básica do Campo no contexto de preparação
da I Conferência Nacional por uma Educação Básica do Campo, realizada em Luziânia, Goiás, de 27 a 30
de julho 1998. Passou a ser chamada Educação do Campo a partir das discussões do Seminário Nacional
realizado em Brasília de 26 a 29 de novembro 2002, decisão posteriormente reafirmada nos debates da II
Conferência Nacional, realizada em julho de 2004 (ARROYO; CALDART; MOLINA, 2009).
Escolas Família Agrícolas, seguidas pelas Casas Familiares Rurais e outras, sobretudo,
esse movimento tem se constituído da parceira de um conjunto de entidades
representadas por Movimentos Sociais e sindicais do Campo, Universidades,
Instituições Governamentais, prefeituras, Organizações Não Governamentais e outros
(MOLINA; FREITAS, 2011).
A Educação do Campo22 afirma o campo como um espaço de possibilidade,
reprodução social e sustentabilidade, com foco na compreensão dos processos culturais,
nas relações de trabalho vivenciado na prática cotidiana e na manutenção da identidade
como elemento essencial do processo formativo, em contraposição, as concepções que
historicamente condicionaram o campo dos camponeses como lugar do atraso. Neste
sentido, a Educação do campo “constitui-se como luta social pelo acesso dos
trabalhadores do campo à educação feita por eles mesmos e não apenas em seu nome. A
Educação do Campo não é para nem apenas com, mas sim, dos camponeses, expressão
legítima de uma pedagogia do oprimido” (CALDART, 2012, p.159-160).
Em outra perspectiva, a permanência da juventude no campo historicamente
sempre esteve associada à baixa escolaridade, ou seja, os jovens com menos
oportunidade de estudo, sendo esta uma concepção que atrela o trabalho do campo a
uma atividade grosseira destinada a reprodução social de uma lógica de produção que
desobriga a necessidade de qualificação (ABRAMOVAY, 2003). Mas, com base em
Castro et al (2009) o que tem se percebido neste contexto atual é que a formação
contextualizada para os jovens agricultores atuarem em suas propriedades ou
comunidades rurais, tem sido uma questão cada vez mais emergente e recorrente no
discurso dos jovens, familiares, movimentos sociais e a academia, de acordo com
Caldart (2010, p. 83):
Ademais, é preciso construir um projeto político-pedagógico que supere a
falsa antinomia entre preparar, principalmente a juventude, para ficar ou para
sair do campo. A educação não deve ser pensada como definidora desta
decisão, porque de fato não é. Ficar ou sair não é algo a ser julgado como
bom ou ruim em si mesmo. É preciso que se eduque aos trabalhadores do
campo para que tenham condições de escolha; e para que ficando ou saindo
possam atuar na construção de um projeto social com mais dignidade e
justiça para todos. O movimento dialético entre particularidade e
universalidade é o que deve orientar o trabalho pedagógico, onde quer que
ele aconteça.

Neste sentido, uma educação de qualidade, comprometida com o processo de


transformação social das comunidades rurais e protagonizada pelos trabalhadores do
22
Para maiores aprofundamento , ver o texto “Educação do campo: políticas, práticas pedagógicas e
produção científica” de Souza (2008).
campo e suas organizações é um elemento essencial e estratégico para a construção de
novas possibilidades no meio rural, em contraposição, as distintas experiências de
educação destinada à classe trabalhadora do campo que historicamente reproduziram
uma concepção autoritária, assistencialista e minimalista, sendo, esta reflexão o nosso
próximo desafio.

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