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PARAENSE1
Esse capítulo relata sobre o contexto social dos jovens do campo na região do
Sudeste Paraense, partindo de uma reflexão teórica a cerca da construção social do
conceito de juventude e da situação dos jovens nas comunidades rurais do Sudeste
Paraense, e também, descreve os desafios enfrentados pela juventude do campo diante
das transformações pelas quais vem passando o meio rural e seus efeitos na dinâmica
migratória do campo para a cidade a partir de diferentes dimensões (social, econômico e
cultural) frente à busca por autonomia e melhores condições de vida.
JUVENTUDE
1
O texto em questão corresponde ao primeiro capítulo do livro Rompendo Cercas e Construindo Saberes:
a juventude na construção da educação profissional do campo no Sudeste Paraense (Marinho, 2016).
tratam sobre a organização do trabalho com detrimento as demais dimensões da vida
(STROPASOLAS, 2006).
A crítica central construída no poema gira em torno da marginalização e
homogeneização das definições historicamente impressas sobre a juventude, ou seja, a
visão determinista que os jovens estão fadados a seguir uma trajetória semelhante e a
cumprir o mesmo destino, como se uma única forma de representação fosse suficiente
para definir a palavra juventude, sem ao menos hesitar esforço na busca da auto-
percepção de seu significado no contexto social onde foi constituído.
Nesta perspectiva, a juventude é essencialmente plural e diversa, a generalização
não é a concepção mais apropriada para definição desta categoria social, sendo,
portanto, pertinente enfocarmos juventudes ao invés de juventude, já que esse tempo de
vida não é vivido homogeneamente pelos jovens (CARNEIRO, 1998). O recorte de
classe social, gênero, raça, etnia, cultura, território, determina diferentes modos de viver
e de conceber a juventude, de acordo com a autora:
[...] Sem dúvida ao se falar de juventude, hoje, estamos falando de pessoas,
movimentos, mas também estamos falando de identidades, relações sociais, e
a indissociabilidade entre realidade e representação social. [...] Permeada por
definições genéricas, associada a problemas e expectativas, juventude tende a
ser constantemente substantivada, isto é, definida a partir de concepções que
tratam juventude como uma coisa palpável. Ou ainda, adjetivada, a partir de
adjetivos como revolucionária, impulsiva, violenta. Sem que se busque a
auto-percepção e formação de identidades daqueles que são definidos como
jovens. Entre o que é realidade e como apreendemos e reproduzimos esse
real (CASTRO; RODRIGUES, 2005, p. 1-2).
2
O corte etário de 15-24 anos definido por organismos internacionais como Organização Mundial da
Saúde (OMS) e Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura UNESCO, procura
homogeneizar o conceito de “juventude” a partir de limites mínimos de entrada no mundo do trabalho,
reconhecidos internacionalmente, e limites máximos de término da escolarização formal básica
(CASTRO; RODRIGUES 2005).
imposta pela sociedade, porém, essa é uma classificação pejorativa que trata a juventude
como criminosa, que precisa ser salva, indivíduos ou grupo de indivíduos que
necessitam ser regulados, encaminhados. Esta afirmação traz consigo implicações desde
a dificuldade de se conseguir o primeiro emprego, até a deslegitimação da sua
participação em espaços de representação e decisão (CASTRO; RODRIGUES, 2005).
O poeta prossegue descrevendo que os jovens devem ser tratados e reconhecidos
como sujeitos, em outras palavras, o entendimento que manifestamos a partir desse
verso, diz respeito à necessidade do reconhecimento da juventude enquanto categoria
social, e no caso em questão, está em debate à juventude camponesa. Neste sentido, o
que tem se observado de uma maneira geral é que esses jovens historicamente têm sido
invisibilizados por pesquisas acadêmicas e políticas que insistem no caminho da
homogeneização e da negação da juventude do campo, enquanto sujeitos
(WEISHEIMER, 2005; FREIRE, 2007; WAISELFISZ, 2007).
No desfecho do poema acreditamos que o autor faz um esforço para apresentar a
partir de sua óptica, o papel da juventude na construção da sociedade, afirmando o
protagonismo desses sujeitos, sobretudo, como condição essencial para o processo de
mudanças e transformação social de suas realidades.
Essa reflexão se traduz como contraposição há algumas afirmações naturalizadas
e cristalizadas em nossa sociedade, que insiste em compreender o papel da juventude
apenas como o futuro. Entretanto, vale ressaltar que essa é uma forma de representação
que desqualifica e deslegitima e que trata a juventude como imatura, na perspectiva de
“vir a ser”, na imagem de pessoas em formação, incompletas, sem vivência, sem
experiência, nesta perspectiva Castro; Rodrigues (2005, p. 4), afirma que:
A Concepção de “jovem em formação” fortalece uma concepção
conservadora de juventude [...] Essa seria uma concepção da classe média
que trata a juventude como aqueles que estão em processo de formação e que
ainda não têm responsabilidades, principalmente por não estarem inseridos
no mercado de trabalho. Com isto se exclui o jovem das classes trabalhadoras
da concepção de juventude. Esta é uma contribuição importante para
ampliarmos nosso olhar sobre a juventude, mas, também, para percebermos
como juventude é uma construção social.
[...] A fase juvenil se caracteriza por uma gradual transição até a assunção
plena dos papéis adultos em todas as sociedades, tanto rurais como urbanas.
[...] Pode-se dizer que a juventude dura desde o término da puberdade até a
constituição do casal e de um lar autônomo.
O conceito de juventude tem sido representado também como faixa etária, sendo
compreendido a partir de recortes biológicos da vida, tornando-se bastante comum esta
forma de classificação para a construção de políticas públicas. A juventude entendida
nessa perspectiva traz a tona um caráter reducionista e homogeneizante, deixando
implícita a diversidade que essa categoria social representa, com base em Castro e
Rodrigues (2005, p. 3):
O MIGRANTE
3
Para maior aprofundamento (EMMI, 1999; HÉBETTE, 2000; GUERRA, 2001).
voltada para a subsistência e a estrutura fundiária era pouco definida (OLIVEIRA;
VEIGA; TAVARES, 2005).
O desdobramento desta política de desenvolvimento principalmente entre os
anos de 1970 a 1980 atraiu um enorme contingente de migrantes de vários Estados do
Brasil (quase sempre em condição de expropriação em suas regiões de origem) que
vieram para região em busca de melhores condições de vida, seduzidos pelo sonho de
possuir “um pedaço de chão” e pelo emprego nas construções estruturais dos grandes
projetos (Rodovias, Usina Hidrelétrica, estrada de Ferro e outros), garimpos e empresas
agropecuárias de criação de gado extensivo (GUERRA, 2001).
A oferta de trabalho não era suficiente para absorver a grande demanda de
desempregados que chegava constantemente à região, fato este que resultava em taxas
percentuais de acréscimo da população em torno de 17% ao ano, decorrente dos
intensos fluxos migratórios (OLIVEIRA; VEIGA; TAVARES, 2005). Este processo
contribuiu para o engrossamento da fila dos desempregados, cuja situação agravava-se
mais a cada vez que as obras de implantação dos grandes projetos eram concluídas,
fechamento de garimpos e outros, ficando os trabalhadores despossuídos de emprego,
dinheiro e sem condições se quer para o regresso as regiões de origem.
Essa dinâmica modernizadora imposta à região provocou a disputa pelo
território entre “os novos donos da terra”, ou seja, grupos empresariais incentivado pelo
Estado e servidos com toda sua estrutura (policia, judiciário, créditos e outros), em
contraposição, aos moradores da região que detinham a posse da terra e nem sempre de
forma legal/oficial, em geral: agricultores, ribeirinhos, indígenas e outros, resultando em
um curto prazo no agravamento e intensificação dos problemas ambientais, sociais,
fundiários e da violência no campo4 (HÉBETTE, 2004). Esses sujeitos passaram a uma
condição de expropriados, aumentando o número de desempregados e despossuídos de
terra, fato este que reforça o interesse do Estado em apoiar o avanço do capital e a
modernização do campo, segundo Costa (2000, p.83):
[...] O projeto aí privilegiado se chocava com formas de produção pré-
existentes e com o campesinato5 em expansão na fronteira agrícola [...] assim
4
Os dados sobre a violência no campo na região do Sudeste Paraense demonstram que dos 190
trabalhadores assassinadas no processo de luta pela terra no Estado do Pará, cerca de 90% foram
cometidos nessa região. Com relação ao trabalho escravo do ano de 2000 a 2007 forma registrado 80
fazendas em cerca de 4.000 trabalhadores retirados, deste montante 76% registrado no Sudeste do Pará
(PEREIRA, 2013).
5
E uma categoria social, tendo acesso à terra e aos recursos naturais que ela suporta, resolvem seus
problemas reprodutivos – suas necessidades imediatas de consumo e o encaminhamento de projetos que
permitam cumprir adequadamente um ciclo de vida da família – mediante a produção rural, desenvolvida
de tal maneira que não se diferencia o universo dos que decidem sobre a alocação do trabalho dos que se
reafirmando o papel da grande propriedade fundiária na apropriação da
riqueza social e negando o campesinato como um dos fundamentos do
desenvolvimento industrial-capitalista.
100 91.96
80 66.8
60
40
18.43
20 6.98 4.34 3.1
0
9
Para aprofundamento sobre a temática ler: Educação do Campo na Amazônia: retratos de realidades das
escolas multisseriadas no Pará (HAGE, 2005).
Esta situação tem sido o reflexo das políticas de desenvolvimento que
historicamente foram direcionadas ao campo, cujas conseqüências aumentaram o estado
de pobreza no meio rural, pois a modificação do perfil técnico e econômico da nossa
agricultura se fez com exclusão de uma parcela importante dos camponeses, gerando
concentração de terras e de renda, como também tornando os conflitos agrários e a
violência cada vez mais latente (MOREIRA; CARMO, 2004).
Os estudos de Stedile (2011) mostram que na última década, 835 mil jovens
brasileiros deixaram o campo em busca de oportunidades nas áreas urbanas, tendo como
referência os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2000 e
2010), segundo ele o êxodo da juventude se explica pela falta de oportunidades, sendo
assim, uma ação necessária para garantir o acesso à educação em todos os níveis, sem
deixar de considerar as realidades locais.
Em outro trecho, o autor afirma que essa mobilidade espacial campo-cidade 10
tem acontecido em diferentes proporções nas distintas regiões do país, porém, o mesmo
não apresenta uma reflexão profunda a cerca das disparidades regionais, com base em
Stedile (2011, p. 1).
[...] A migração da juventude para as cidades não aconteceu em todos os
estados brasileiros. O Pará, por exemplo, teve acréscimo de 53,5 mil jovens
na sua população rural. Em proporção, Roraima foi a unidade da federação
que mais aumentou sua participação de jovens no campo, com acréscimo de
24%.
Entretanto, durante a produção deste estudo não encontramos nenhuma pesquisa
que pudesse fundamentar ou até mesmo refletir os dados apresentado por Stedile,
porém, mesmo com a ausência de um estudo aprofundado sobre a questão, acreditamos
que o aumento no número de jovens no meio rural no Estado do Pará, como também em
outros Estados da região Norte, não está relacionado com a diminuição progressiva da
mobilidade espacial do jovem do campo em direção à cidade.
Em outra perspectiva, esse aumento tem ocorrido em função do crescimento do
número de comunidades rurais, pois, nos últimos anos temos testemunhado uma
ampliação considerável na criação de acampamentos que tem resultado em novos
Projetos de Assentamentos11 da Reforma Agrária. Os dados do Serviço de Informação
10
O termo mobilidade espacial campo-cidade é utilizado neste trabalho para representar a trajetória dos
jovens do campo em direção aos centros urbanos principalmente quando está relação não representa uma
situação permanente, ou seja, quando não há uma ruptura definitiva com o campo, sobretudo, no caso
contrario é mais apropriado a utilização do termo migração (MARINHO, 2007).
11
O assentamento é a expressão concreta da territorialização do movimento (de luta pela terra). Não é
somente o lugar da produção, mas também o lugar da realização da vida. [...] E a vida, para esses
camponeses, como se verifica em seus relatos, não é somente ter comida, ter casa, mas uma vida plena,
uma vida cheia de significados, na qual aquilo que eles crêem tem possibilidade de continuar sendo
na Reforma Agrária (SIPRA, 2013) afirmam que atualmente existem 1082 PAs no
Estado do Pará, totalizando aproximadamente 234 mil famílias e que durante os anos de
2000 a 2013 foram criados 729, ou seja, aproximadamente 70% do numero total de PAs
existentes atualmente. O que ainda hoje tem atraído um enorme contingente de
migrantes ou pessoas desempregadas da região em busca de uma “posse de terra”.
Neste sentido, os dados acima demonstram a relação estabelecida entre o
crescimento do numero de jovens no meio rural e a criação de assentamentos na região,
ou seja, os novos PAs tem proporcionado um balanço positivo entre a quantidade de
jovens que entra e a quantidade de jovens que deixa as comunidades rurais.
Esta relação desmitifica a questão da permanência dos jovens do campo no
Estado do Pará, ou seja, o aumento da quantidade de jovens não necessariamente
significa melhoras nas condições sociais da juventude em suas comunidades rurais ou a
diminuição da mobilidade espacial em direção aos centros urbanos. Porém, a futura
diminuição na criação de assentamento resultará possivelmente na redução do número
de jovens existentes no meio rural.
No entanto, esta afirmação não desconsidera e nem desqualifica a importância
que a criação de assentamentos tem representado para a redução da desigualdade social
e a diminuição da pobreza no Brasil. Este processo historicamente tem se fundamentado
no conflito entre a territorialidade capitalista (Concebe a terra como mercadoria) e a
territorialidade camponesa (Concebe a terra como base para a reprodução da família e
de seu modo de vida específico), o que tem gerado na atualidade novas dinâmicas
sociais, como o processo de “recampesinização” que se verifica a partir do retorno dos
camponeses a terra possibilitado por sua luta como sem-terra, marcado por conflitos,
ambiguidades e contradições, com base em Maques (2002, p. 10):
[...] Esse processo representa um movimento em sentido oposto ao processo
de proletarização em curso no campo e que nega o poder incondicional e
avassalador deste, demonstrando que a possibilidade de recriação camponesa
não se esgota com a expropriação e migração destas pessoas para a cidade.
12
Lei de Diretrizes e Bases (LDB) 9394/96, em seus artigos 23 e 28.
13
De acordo com os dados do Ministério da Educação no ano de 2012, 90% dessas escolas – um total de
68.651 unidades – não têm internet. A taxa de estabelecimentos sem energia elétrica é de 15% (11.413
escolas), enquanto 10,4% não contam com água potável (7.950) e 14,7% não apresentam esgoto sanitário
(11.214). Além disso, apenas 11% das escolas do campo têm biblioteca, 1,1% contam com laboratório de
ciências (MANDELLI, 2012, p. 2).
perspectivas para continuidade do campesinato, como também as possibilidades de
reprodução social, ambiental e econômica das famílias camponesas (MARINHO, 2007).
14
Para maiores informações: Chayanov (1923); Abramovay (1992) e Costa (1995).
15
A relação essencial ao capital é a de compra e venda de força de trabalho porque é através desta relação
que o capital se valoriza. O lucro é trabalho não pago, é produto da exploração do trabalhador assalariado.
A relação -capital é essencialmente uma relação de exploração (SINGER, 1987, p.29).
predomínio do trabalho não assalariado e absorção de forças marginais 16 ao longo do
processo produtivo (SCHMITZ e MOTA, 2007).
A relação da juventude com a terra está ligada principalmente a tradição familiar
camponesa e a forma de conquista da propriedade, esta afinidade tende a se tornar mais
fortalecida quando os jovens participam do processo de luta pela posse da terra
(CASTRO; RODRIGUES, 2005). Porém, um dos fatores que tem sido constantemente
associado à busca de novas possibilidades nos centros urbanos pelos jovens, diz respeito
ao alto grau de penosidade do trabalho no campo e a baixa geração de renda no
estabelecimento familiar, fato este que coloca “em xeque” a consolidação do projeto de
vida dos jovens dentro da comunidade rural (ABRAMOVAY, 1998).
A penosidade do trabalho familiar é uma referência de análise para muitos
estudiosos que buscam a compreensão do funcionamento da lógica de produção familiar
na agricultura ou lógica de produção camponesa (CHAYANOV, 1923; TEPICHT,
1973; ARCHETTI, 1974; VEIGA, 1991; ABRAMOVAY, 1992; COSTA, 1995). Ela se
relaciona diretamente a quantidade de mão de obra empregada a determinado processo
produtivo a fim de atingir a necessidade de reprodução da família, pois, o que de fato
determina o trabalho aplicado, é a necessidade e não a disponibilidade de força de
trabalho (COSTA, 1995).
A necessidade corresponde às condições idealizadas para garantir a reprodução
social e econômica familiar, uma vez que esta demanda é decorrente das estratégias,
táticas e do projeto de vida dos distintos grupos familiares, articulado ao contexto social
e econômico local, como também a relação equilibrada entre o trabalho e o consumo no
interior da unidade familiar (LIMA, 1992).
Outra perspectiva para a compreensão da penosidade do trabalho está
relacionada ao tipo de atividade realizada dentro da unidade produção, pois em geral os
estabelecimentos familiares possuem uma característica de “trabalho manual árduo”
(GUANZIROLI, 1999). Porém, é preciso levar em consideração a diversidade de
situações, pois, o universo da produção familiar no meio rural no Brasil é extremamente
heterogêneo e inclui, desde famílias muito pobres até famílias com grande dotação de
recursos. Os estudos de Lamarche17 (1998) identificam quatro lógicas ou modelos
16
Correspondem as forças de trabalho que eventualmente são desconsideradas no caso do acesso a um
emprego formal, ou seja, pessoas com baixa escolaridade, idade inferior ao permitida por lei, como
também pessoas em idade avançada e outros (SCHMITZ; MOTA, 2007).
17
Estudo realizado por uma equipe internacional de pesquisadores coordenada por Hugues Lamarche e
constituída por representantes de cada país pesquisado, deu origem a publicação de dois volumes
denominados “A agricultura familiar: uma realidade multiforme” e “A agricultura familiar: do mito à
teóricos de funcionamento das unidades de produção a partir de uma interação entre
laços familiares e grau de dependência em relação ao exterior, assim definidos:
Empresa; Empresa Familiar; Agricultura Familiar Moderna e Agricultura Camponesa
ou de Subsistência.
É comum entre os estudos sobre inovação tecnológica na agricultura familiar a
associação do grau de penosidade do trabalho ao acesso a tecnologia, sendo está uma
relação que é apresentada de forma inversamente proporcional, ou seja, quanto maior e
mais intenso for o acesso à tecnologia, menor é a penosidade do trabalho, sobretudo,
este acesso possui uma relação estreita com o nível de capitalização e a integração ao
mercado da unidade familiar (GUANZIROLI, 1999). Neste sentido, constantes têm sido
as reflexões que apontam o acesso a tecnologias adaptadas a realidade local e a
organização social, como ferramentas estratégicas que podem diminuir a penosidade do
trabalho e agregar valor a produção (ABROMOVAY, 1998; GUANZIROLLI, 2011).
Em outra perspectiva, a relação entre a penosidade do trabalho e a necessidade
de renda nas comunidades rurais se configura como um fator de ordem socioeconômico,
que tem orientado a mobilidade espacial dos jovens do campo em direção à cidade,
podendo estar estritamente ligado ao aumento do custo de oportunidade 18 da mão de
obra existente na localidade de origem.
O custo de oportunidade corresponde à relação racional entre a renda e a
penosidade do trabalho na unidade familiar em detrimento da possibilidade de
remuneração resultante da venda da força de trabalho exterior a esta unidade (COSTA,
1995; LIMA, 1992; ABRAMOVAY, 1998), sobretudo, esta relação tende a se tornar
mais desfavorável na medida em que a ofensiva do capital começa a adentrar no
19
O termo agronegócio, de uso relativamente recente em nosso país, guarda correspondência com a noção
de agribusiness, cunhada pelos professores norte-americanos John Davis e Ray Goldberg nos anos 1950,
no âmbito da área de administração. O termo foi criado para expressar as relações econômicas (mercantis,
financeiras e tecnológicas) entre o setor agropecuário e aqueles situados na esfera industrial (tanto de
produtos destinados à agricultura quanto de processamento daqueles com origem no setor), comercial e de
serviços. Para os introdutores do termo, tratava-se de criar uma proposta de análise sistêmica que
superasse os limites da abordagem setorial então predominante (LEITE; MEDEIROS, 2012, p 81).
totalmente ausentes de políticas sociais que provenham seus moradores de um mínimo
de dignidade (CRUZ NETO, 2010; GUEDES, 2012; CONGILIO, 2013).
Os estudos de Homma (2005) apontam que nas últimas décadas houve uma
diminuição absoluta e relativa da população rural, o que tem demandado a necessidade
de intensificar e aumentar a produção de alimentos para atender a demanda dos centros
urbanos, “a redução absoluta da população rural no Pará atingiu aproximadamente
trezentas mil pessoas entre os dois últimos censos demográficos” (HOMMA, p. 126,
2005).
Essa redução pode estar diretamente ligada ao aumento do custo de oportunidade
da mão de obra no campo, tornando-se mais lucrativa a sua venda. Outro fator resultante
desta relação é a inviabilização das atividades com menor produção e produtividade,
fato este que tem aumentado o grau de especialização das atividades agropecuária e dos
sistemas de produção e diminuído a diversificação produtiva dentro dos
estabelecimentos agrícolas, como também proporcionado um maior atrelamento das
unidades familiares de produção ao mercado. Neste sentido, tem sido freqüente nas
comunidades rurais da região uma trajetória de produção marcada por uma precoce e
extensiva pecuarização e uma diminuição da autossuficiência e da diversificação
produtiva (HURTIENNE, 2005; OLIVEIRA; VEIGA; TAVARES, 2005).
A perspectiva da elevação dos salários a partir do aumento no custo de
oportunidade pode levar a um maior assalariamento e subemprego no setor agrícola,
inviabilizando atividades intensivas em mão de obra da produção familiar, ou seja,
podendo diminuir atividades produtivas que tradicionalmente foram destinadas para o
auto-consumo familiar (HOMMA, 2005).
A mobilidade espacial dos jovens em direção à cidade nos remete a constantes
desafios que assolam a unidade familiar resultado de um processo que desestabiliza a
coesão familiar e a organização do trabalho, diminui a possibilidade de diversificação
da produção e de investimento no estabelecimento rural, resultando em um alto grau de
exploração da mão de obra familiar entre os membros que permanecem na terra. Esta
situação reforça o fato de que a organização produtiva da unidade familiar está em
função da quantidade de pessoas em condições de trabalho em relação à demanda de
consumo da família (COSTA, 1995).
Este processo é gerador de vários desconfortos para a família causando inúmeras
conseqüências, como: a diminuição do vinculo do jovem com a família e a terra, fato
este que em determinadas circunstâncias poderá levar a uma ruptura definitiva com a
comunidade rural, como também, aumenta as despesas domesticas referente à
manutenção de um membro fora da propriedade e um possível comprometimento da
continuidade da tradição camponesa ceifado pela venda da propriedade familiar
(MARINHO, 2007).
Entretanto, as informações apresentadas neste item demonstram que a
necessidade de geração da renda é uma questão inerente para a permanência da
juventude em suas comunidades rurais, seja ela provinda da produção agropecuária ou
do emprego dentro da comunidade (ecoturismo, escola, agroindústria e outros), somado
a busca pela diminuição da penosidade do trabalho, cujo caminho mais provável está
relacionada ao acesso a tecnologias adaptadas e a organização social (STEDILE, 2011).
Porém, é exatamente a busca do emprego fora da comunidade que mais tem demarcado
a incisão definitiva na relação do jovem com o campo (CASTRO et al, 2009), e muito
das vezes expondo os mesmo a uma condição de vida sub humana nos centros urbanos.
Autores como Stedile (2011) incorporam a essas questões a necessidade do
acesso a terra para a juventude, uma vez que, em geral os estabelecimentos familiares
possuem dificuldade em garantir o sustento para novos grupos de família que surgem no
processo de evolução familiar, pois, à medida que os filhos vão atingindo a fase adulta e
constituindo família, “a terra” vai ficando pequena para garantir o sustento de todos.
Estudos realizados por Castro et al (2009) apontam duas grandes dificuldades de
acesso a terra impostas aos jovens do campo no Brasil: a primeira é referente à ausência
de políticas públicas efetivas que garantam o acesso à juventude a terra e a ineficiência
e imediatismo dos projetos de reforma agrária que não prevêem as segundas gerações e
reprodução das famílias; a segunda refere-se às dificuldades de atuar de forma
compartilhada na terra dos pais, o que caracterizaria sua dificuldade de sentir-se
proprietário e/ ou responsável junto com seus pais. O acesso a terra para a juventude
está longe de ser uma realidade concreta, “sem a distribuição de terras, a educação não é
suficiente para manter a população com idade entre 15 e 24 anos no local de origem e
também é preciso garantir renda, seja através de oportunidades de emprego ou de
trabalhar com a produção” (STEDILE, 2011, p. 1).
Essa demanda social recorrentemente tem sido transformada em pauta de
reivindicação pelos movimentos sociais de campo, e em outro sentido, fornece indícios
que relevam o interesse da juventude em permanecer no campo, porém, sob outras bases
e contextos. Neste sentido, a formação escolar contextualizada e o acesso a terra para a
juventude, articulado a alternativa de geração de renda, pode ser um eficaz instrumento
para estimular e garantir a permanência do jovem na escola e na comunidade,
sobretudo, ações que possibilitem uma organização coletiva. Nesta perspectiva, parece
estratégico que a economia solidária possa compor a mais nova matriz tecnológica da
educação do campo.
A cultura camponesa é marcada por uma forte tradição oral que tem resistido ao
tempo e a tecnologia, a oralidade é por sua vez o principal instrumento de manutenção e
reprodução cultural aliado ao trabalho enquanto forma de conhecimento e sociabilidade
(CARVALHO, 2005). O trabalho familiar na cultura camponesa é organizado de forma
geral levando em consideração a faixa etária e a divisão sexual (COSTA, 1995).
Historicamente as mulheres vêm provando que a diferença entre os sexos é mais
cultural do que biológica, principalmente pelo fato de as mesmas exercerem atividades
profissionais semelhantes às que os homens exercem, com desempenho similar ou até
mesmo melhor. Porém, vivemos em uma sociedade dicotomizada pela relação homem-
mulher, mas a Antropologia tem feito um esforço em demonstrar que muitas atividades
atribuídas às mulheres em uma cultura podem ser atribuídas aos homens em outra, com
base, em Laraia, “[...] o comportamento dos indivíduos depende de um aprendizado de
uma cultura, um menino e uma menina agem diferentemente não só em função dos seus
hormônios, mas em decorrência de uma educação diferenciada [...]” (LARAIA, 1986, p.
20).
A organização sexual do trabalho na cultura camponesa tem atribuído aos
homens e os filhos mais velhos do sexo masculino as atividades consideradas “mais
penosas” no que consiste o esforço físico e conhecimento técnico (preparo de área para
cultivos, roço de pasto, manejo do gado e outras), em geral o cuidado das atividades
onde há o interesse comercial. E com relação às mulheres e os filhos mais jovens são
destinado às atividades produtivas no entorno da casa de morada (a lida com a horta,
pomar e os pequenos animais), e as atividades coletivas de manutenção da lavoura e
também os afazeres domésticos (WOORTMANN; WOORTMANN, 1997).
As atividades exercidas na esfera doméstica podem ser consideradas essenciais
para a reprodução da espécie humana, porém, são atividades desvalorizadas
socialmente, sendo desempenhadas quase exclusivamente por mulheres, “muitas vezes,
o trabalho que a mulher exerce na roça não é considerado trabalho propriamente dito e
sim apenas um auxílio ao trabalho do homem,” (COSTA; KATO 2004, p.11).
A noção de trabalho como categoria subjetiva e o processo de trabalho marcam
distinções de gênero, sendo que, geralmente, no meio rural, no contexto da agricultura, a
categoria trabalho só se aplica ao homem (WOORTMANN; WOORTMANN, 1997).
Esse tipo de situação gera a negação do direito as filhas à herança da terra, pois,
em geral a sucessão da propriedade familiar tem sido transmitida aos filhos homens que
possuem mais identidade com as atividades produtivas, ou seja, o que mais contribuíram
para a reprodução do estabelecimento agrícola, sendo bastante recorrente em contexto
onde propriedade é pequena, de modo que, o seu fracionamento poderia comprometer a
sustentabilidade da terra. Mas por outro lado, esse “herdeiro da terra” tem poucas
oportunidades para estudar, na maioria das vezes estudando apenas até o nível de ensino
existente na comunidade (CARNEIRO, 1998). É valido ressaltar que esse tipo de
situação não é uma regra universal podendo existir diferentes formas e estratégia de
sucessão deste patrimônio familiar.
Um possível resultado desta relação no caso das mulheres é ao firmamento do
matrimônio precocemente, no que consiste a idade, seja pela influência da cultura
camponesa, como pela inexistência de poucas oportunidades e perspectivas para elas
nas comunidades rurais. Outro caminho percorrido pelas jovens tem sido a busca nos
centros urbanos por novas oportunidades, segundo Abramovay; Camarano (1999), nas
últimas décadas ocorreu no Brasil um intenso esvaziamento no campo, principalmente
de jovens em busca de melhores oportunidades de trabalho, com predominância da
migração feminina para centros urbanos. Estas são duas faces de uma realidade que vem
acarretando o envelhecimento da população e a masculinização do meio rural. Em 1991,
o número de rapazes na faixa de 15 a 19 anos é superior em 13% ao número de moças e,
na faixa de 20 a 24 anos, 12% superior. Mais recentemente, este processo de
“masculinização do meio rural” vem atingindo não apenas o meio rural, mas também os
pequenos municípios do interior (ABRAMOVAY, 1998).
Nesta perspectiva, a oportunidade de estudar fora é dada ao filho que não tem
afinidade com as atividades produtivas e principalmente para as filhas, garantindo-os
uma formação para que os mesmos possam seguir projetos “mais individuais”, como
arrumar um emprego e, por conseguinte ajudar a família que está no lote, ou seja, o
estudo nesse caso é visto como uma espécie de herança e ao mesmo tempo um
investimento camponês (CARNEIRO, 1998).
A mobilidade isolada dos jovens para a cidade não necessariamente implicará
na migração definitiva da família para os centros urbanos, mas de certa forma aliada a
um conjunto de fatores (falta de mão-de-obra, dificuldade de escoar a produção, falta de
mercado, problemas de saúde, condicionantes ecológicos motivados pela queda na
fertilidade do solo dificultando a produção e etc.) é um agravante que influenciará
consideravelmente a migração em direção à cidade. Porém, a mobilidade do jovem
rural, pode ser uma estratégia importante na garantia da reprodução social e econômica
da família, desde que ela corresponda a um projeto familiar (MARINHO, 2007).
Outra dimensão da cultura camponesa corresponde à autoridade paternalista,
marcada por uma forte centralidade no processo de gestão e decisão no genitor da
família (COSTA; KATO, 2004). Essa relação é geradora de “uma certa condição de
subordinação” dos jovens perante a autoridade dos pais, principalmente no que consiste
a figura paterna, o que tem configurado a mobilidade espacial dos jovens em direção
aos centros urbanos, também como uma busca por autonomia, o que faz desse processo
de relação campo-cidade não somente uma tragédia anunciada, mas um processo
natural.
Um motivo que pode ser atribuído a esta situação é o fato de que há uma
imagem construída sob o jovem, a de que este, não é experiente para ocupar cargos no
mercado de trabalho, adiando cada vez mais a inserção no primeiro emprego, seja ele do
campo, ou, da cidade, como também a baixa qualificação profissional que assolam os
jovens (CARNEIRO, 1998).
O segundo fator demandante de atenção consiste na violência que
recorrentemente têm vitimado os jovens. Os estudos de Waiselfisz (2013) a respeito do
Mapa da Violência Homicídios e Juventude20 apontam que no ano de 2011 o país
possuía aproximadamente 34,5 milhões de jovens na faixa dos 15 aos 24 anos de idade,
esse quantitativo representava 18,0% do total dos 192,3 milhões de habitantes que o
IBGE projetava para o país naquele período. Os dados demonstram que em menos de 20
anos a taxa de homicídio de jovens cresceu 26%, passando de 42,4 assassinatos a cada
100 mil jovens, para 53,4, embora o autor afirme que ainda há uma grande limitação
com relação à exatidão destes índices, devido à ocorrência de inúmeros sepultamentos
sem o competente registro, determinando uma redução do número de óbitos declarados
devido, sobretudo, com predomínio nas regiões Norte e Nordeste (WAISELFISZ,
2013).
A pesquisa mostra que nas últimas décadas houve mudanças na característica da
mortalidade dos jovens, denominada pelo autor de "novos padrões da mortalidade
juvenil", sendo que há cinco décadas as mortes naturais eram responsáveis pelo maior
percentual de mortalidade e a partir da década de 1980 a violência (homicídio e acidente
de transito) passa ser responsável por 50% das causas de morte, chegando ao ano de
2011 há mais de 70% e com um aumento de 28% no número de suicídio.
Entretanto, há uma situação de violência generalizada, presenciada nos últimos
dez anos, a qual está marcada por uma dinâmica regional concentrada principalmente
nos Estados do Norte e Nordeste, enquanto os dados nacionais registrando um aumento
de 1,7% no número de homicídio de jovens, a região amazônica dispara como o
território mais violento com um acréscimo de mais de 121% e o Estado do Pará segue a
mesma trajetória com um aumento de 232%, apresentando um índice de violência
crescente, tanto na capital, quanto no interior (WAISELFISZ, 2013).
A pesquisa aponta os cem municípios do Brasil com maior recorrência de
homicídios de jovens, sendo que 11 deles são localizados no Estado do Pará, o que
demonstra que a concentração da violência neste Estado, enquanto que cerca de 50%
20
Foi utilizado para definição da categoria jovem os indivíduos com idade entre 15 a 24 anos
(WAISELFISZ, 2013).
dos municípios nacionais não registram nenhum homicídio de jovens entre os anos de
2009 - 2011 e no ano de 2011 esta projeção chegou a 70% dos municípios.
Esses dados fornecem indicio de que há um tipo de violência que é centralizada
em algumas regiões e localidades, cerca de 70 municípios registraram um número de
homicídio superior a 100 jovens a cada 100 mil habitantes jovens.
No ano 2000 a violência passa a ter outro tipo de dinâmica migrando da capital
para os interiores, não só para metrópoles, mas para municípios de pequeno porte, os
dados de 2003 a 2011 registram queda no número de homicídios em nível nacional de
6%, nas capitais uma diminuição de aproximadamente 20%, enquanto que os interiores
apresentam um aumento de 23%. Há municípios que apresentam indícios de extermínio
de sua juventude, mais de 300 jovens a cada 100 mil habitantes jovens, localizados na
região Nordeste (WAISELFISZ, 2013).
A pesquisa demonstrou que a violência nos município tem ocorrido em
contextos diferenciados, totalizando sete situações: Novos polos de desenvolvimento;
Municípios com domínio territorial de quadrilhas, milícias e/ou trafico; “Currais
políticos” tradicionais do coronelismo e pistolagem; Municípios de turismo predatório
localizados, principalmente, na orla marítima que atrai turismo flutuante de finais de
semana altamente predatórios; Municípios de zona de fronteira, dominadas por grandes
interesses e estruturas do contrabando de armas, de produtos, de pirataria e/ou, também,
rotas do trafico; Novos pólos de desenvolvimento tornam-se áreas atrativas de
população e de investimentos que, diante da limitada e deficitária presença dos poderes
públicos, principalmente na área de segurança, convertem-se também em pólos atrativos
da criminalidade e da violência. E por fim, o que de fato mais se aproxima da realidade
do Sudeste Paraense municípios do arco do desmatamento amazônico, palco de
interesses políticos e econômicos em torno de mega empreendimentos agrícolas que
movimentam madeireiras ilegais, processos de grilagem de terras, de extermínio de
populações indígenas e de trabalho escravo (WAISELFISZ, 2013).
Neste sentido, outros fatores podem ser adicionados a estas questões como:
acirramento dos conflitos agrários, uma vez que os setores agropecuários e do
agronegócio se instalaram violentamente nas áreas rurais, provocando a expulsão dos
camponeses para os perímetros urbanos, tendo uma maior recorrência sobre os jovens
do campo.
A distribuição dos homicídios de jovens quando levamos em conta o gênero das
vítimas, não é nem equitativa, nem igualitária. O estudo aponta um desequilíbrio em
relação ao número de homicídios em proporção a homens e mulheres, pois 92% dos
homicídios são relacionados aos indivíduos do sexo masculino, enquanto que 8% ao
sexo feminino, prevalecendo neste ultimo caso a violência doméstica. Em setembro de
2006 entra em vigor a lei Maria da Penha, aumentando o rigor das punições da violência
contra as mulheres no âmbito doméstico. Mas essa queda acentuada só dura um ano: a
partir de 2008, as taxas tendem a subir novamente, recuperando e até superando níveis
anteriores (WAISELFISZ, 2013).
E com relação ao fator cor/raça os dados apontam que cerca 80% dos
homicídios estão relacionados aos indivíduos negros, o que alarma mais ainda é a
tendência crescente dessa mortalidade seletiva, onde, jovens, negros são as principais
vitimas. Em geral a violência homicida tem se manifestado com mais recorrência na
periferia dos centros urbanos, não há registros oficiais sobre a contribuição dos jovens
oriundos do campo na composição do elevado índice de homicídio juvenil, porém as
circunstâncias que os mesmos chegam às cidades fazem deles “vítimas em potencial”. O
processo cruel de dissolução das fronteiras campo/cidade tem reservado ao campo o
status de extensão das periferias dos centros urbanos.
Os jovens do campo têm trilhado três possibilidades a procura de sua autonomia:
ser herdeiro no processo de sucessão da terra, conseguir outro lote e partir para a cidade
em busca de estudo e/ou trabalho, sendo que este último parece ser o destino mais
recorrente, porém a mobilidade espacial dos jovens do campo em direção à cidade, em
geral, têm os colocado em uma situação de vulnerabilidade frente aos riscos sociais, já
relatados nos parágrafos acima.
A vulnerabilidade social dos jovens do campo na cidade ou a violência associada
a esse tipo de situação, na maioria dos casos pode ser resultado da ausência de renda,
cujo princípio prove da baixa qualificação profissional, fato este que tem impedido sua
inserção de forma justa e digna no mundo do trabalho. Neste sentido, frente aos dilemas
e dificuldades inerentes ao contexto que ocorre a mobilidade espacial (insuficiência da
terra em prover o sustento de toda família, penosidade do trabalho, autoridade paterna e
outros), a formação para a juventude do campo deve ser compreendida como um
instrumento de transformação social, empoderamento e humanização, necessária tanto
para os jovens que irão permanecer no campo, quanto para aqueles que escolheram a
cidade como o espaço para materialização de seu projeto de futuro.
As experiências de formação destinadas aos jovens do campo devem ser
concebidas a partir da situação real da juventude em suas comunidades rurais, e não
apenas ser um privilégio dos jovens que querem e pode permanecer no campo,
sobretudo, devem estar longe de juízo de valores que criminalizam e marginalizam os
jovens que deixam o campo em busca da cidade, cujo, algumas situações esta
mobilidade está a quem dos desejos dos jovens.
Em outra perspectiva, estar no campo é mais que uma questão geográfica é
também uma questão ideológica, porém a mobilidade espacial para a cidade não
necessariamente é uma situação definitiva. Neste sentido, a construção de uma nova
identidade (CARNEIRO, 1998) ou a constituição de novos vínculos sociais
(FLORENTINO, 2000), não impõe uma ruptura com a cultura de origem, desse modo,
as fronteiras que separam o campo da cidade são mais abstratas do que concretas, sendo
apenas uma representação do espaço.
21
A Educação do Campo nasceu primeiro como Educação Básica do Campo no contexto de preparação
da I Conferência Nacional por uma Educação Básica do Campo, realizada em Luziânia, Goiás, de 27 a 30
de julho 1998. Passou a ser chamada Educação do Campo a partir das discussões do Seminário Nacional
realizado em Brasília de 26 a 29 de novembro 2002, decisão posteriormente reafirmada nos debates da II
Conferência Nacional, realizada em julho de 2004 (ARROYO; CALDART; MOLINA, 2009).
Escolas Família Agrícolas, seguidas pelas Casas Familiares Rurais e outras, sobretudo,
esse movimento tem se constituído da parceira de um conjunto de entidades
representadas por Movimentos Sociais e sindicais do Campo, Universidades,
Instituições Governamentais, prefeituras, Organizações Não Governamentais e outros
(MOLINA; FREITAS, 2011).
A Educação do Campo22 afirma o campo como um espaço de possibilidade,
reprodução social e sustentabilidade, com foco na compreensão dos processos culturais,
nas relações de trabalho vivenciado na prática cotidiana e na manutenção da identidade
como elemento essencial do processo formativo, em contraposição, as concepções que
historicamente condicionaram o campo dos camponeses como lugar do atraso. Neste
sentido, a Educação do campo “constitui-se como luta social pelo acesso dos
trabalhadores do campo à educação feita por eles mesmos e não apenas em seu nome. A
Educação do Campo não é para nem apenas com, mas sim, dos camponeses, expressão
legítima de uma pedagogia do oprimido” (CALDART, 2012, p.159-160).
Em outra perspectiva, a permanência da juventude no campo historicamente
sempre esteve associada à baixa escolaridade, ou seja, os jovens com menos
oportunidade de estudo, sendo esta uma concepção que atrela o trabalho do campo a
uma atividade grosseira destinada a reprodução social de uma lógica de produção que
desobriga a necessidade de qualificação (ABRAMOVAY, 2003). Mas, com base em
Castro et al (2009) o que tem se percebido neste contexto atual é que a formação
contextualizada para os jovens agricultores atuarem em suas propriedades ou
comunidades rurais, tem sido uma questão cada vez mais emergente e recorrente no
discurso dos jovens, familiares, movimentos sociais e a academia, de acordo com
Caldart (2010, p. 83):
Ademais, é preciso construir um projeto político-pedagógico que supere a
falsa antinomia entre preparar, principalmente a juventude, para ficar ou para
sair do campo. A educação não deve ser pensada como definidora desta
decisão, porque de fato não é. Ficar ou sair não é algo a ser julgado como
bom ou ruim em si mesmo. É preciso que se eduque aos trabalhadores do
campo para que tenham condições de escolha; e para que ficando ou saindo
possam atuar na construção de um projeto social com mais dignidade e
justiça para todos. O movimento dialético entre particularidade e
universalidade é o que deve orientar o trabalho pedagógico, onde quer que
ele aconteça.