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FUNDAÇÃO UNIVERSITÁRIA IBEROAMERICANA

MESTRADO EM RESOLUÇÃO DE CONFLITOS E MEDIAÇÃO

DD091 – TEORIA DO CONFLITO. CONCEITO E ANÁLISE DO CONFLITO.

CASO PRÁTICO. HISTÓRIA DE UMA GUERRA

RENATA GONÇALVES COSTA E SILVA

GOIÂNIA – GOIÁS

2020
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CONSIDERAÇÃOES INICIAIS

Este trabalho tem por finalidade estudar, analisar e responder o


Caso Prático “História de uma Guerra”, proposto na disciplina DD091 – Teoria do
Conflito. Conceito e Análise do Conflito do Curso de Mestrado em Mediação de
Conflitos e Arbitragem da Fundação Universitária Iberoamericana, que trata do
conflito Iraque-Estados Unidos.

De acordo com a atividade proposta no Caso Prático, o


presente trabalho abordará os seguintes tópicos:

a) Análise do conflito Iraque – Estados Unidos e do funcionamento de ambos os


países, a parir da perspectiva de paz e de violência;
b) Análise do conflito Iraque-Estados Unidos pela perspectiva de Burton e de
Galtung;
c) Descrição do ciclo do conflito entre os dois países; e,
d) Considerações Finais.

1. ANÁLISE DO CONFLITO IRAQUE-ESTADOS UNIDOS


E DO FUNCIONAMENTO DE AMBOS OS PAÍSES, A PARTIR
DA PERSPECTIVA DA PAZ E DA VIOLÊNCIA

O Iraque é um país que sofre, desde a desintegração do


Império Otomano, com uma divisão religiosa entre sunitas e xiitas, que são
interpretações diferentes da religião muçulmana, e étnica, de ambos com os curdos,
que constituem uma etnia a parte e vivem em um território autônomo dentro do
Iraque.

Os xiitas, considerados mais tradicionalistas, acreditam que o


sucessor de Maomé seria seu primo, esposo de sua filha Fátima. Também acreditam
3

que a Revelação acabou com a Morte de Maomé, porém, para os xiitas, seguir
apenas o Alcorão não seria suficiente, sendo necessária a figura dos imãs, que são
uma espécie de guia espiritual (representantes de Deus na Terra)1.

Os sunitas, por sua vez, considerados mais ortodoxos,


acreditam que Maomé não teria dito quem deveria ser o seu sucessor “califa” e que
a Revelação acabou com a morte de Maomé, sendo que, a partir de então, dever-se-
ia viver de acordo com o Alcorão. Os sunitas também acreditam no Estado e na
Religião como uma única força2.

o Iraque, de maioria sunita, passa por uma transição ao xiismo


há aproximadamente setenta anos3. Após a invasão americana no Iraque e a queda
de Saddam Hussein, em 2003, o Iraque passou a ser o primeiro país árabe a ter um
governo majoritariamente xiita.

A forçada troca de poder, apoiada pela Coalizão dos Estados


Unidos, mostrou-se uma oportunidade para que o autodenominado Estado Islâmico
Iraquiano, um braço da Al-Qaeda (responsável pelos ataques de 11 de setembro),
hoje chamado Estado Islâmico do Iraque e da Síria (abreviação ISIS em inglês) se
apresentasse como um Estado aos sunitas, inconformados com a migração do
governo para os xiitas.

A soberania do país tem sido, desde então, fortemente afetada


pela oposição dos sunitas ao governo xiita imposto pelos norte-americanos,
discordância essa que é altamente instigada pelo Estado Islâmico, que luta contra o
governo iraquiano e que acredita que o os Estados Unidos, vistos como um dos
responsáveis pela queda dos sunitas do governo, apoiava e era cúmplice de uma

1
Considerações extraídas do artigo “A expansão do Estado Islâmico no Iraque e na Síria”, por Carolina
Cristina Cordeiro Fernandino, disponível em : A expansão do Estado Islâmico no Iraque e na ... - PUC Minas
seer.pucminas.br › fronteira › article › viewFile
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v. nota 1.
3
v. nota 1.
4

suposta conspiração do país vizinho xiita Irã, para transformar o Iraque em um


Estado xiita, o que justificaria, para o EII, um JIHAD defensivo4.

Por outro lado, os Estados Unidos representam, desde o final


da Segunda Guerra Mundial, a maior expressividade da cultura cristã ocidental, e,
por isso, tendem a enxergar a si mesmos como o padrão ideal ser seguido pelo resto
do mundo (em alguns casos, imposto), especialmente pelos países econômica e
militarmente inferiores. Essa visão reduz a empatia realista dos Estados Unidos com
o Iraque, mantendo estereótipos negativos e imagens diabólicas do inimigo,
olvidando as diversidades e as qualidades positivas do outro, resultando na
desumanização do outro.

Weber (op. cit., p. 46) resume brilhantemente a ética


protestante, que, salvo melhor juízo, pode ser facilmente aplicada como a régua
balizadora das ações dos Estados Unidos no conflito com Iraque: ganhar dinheiro e
sempre mais dinheiro, exclusivamente como fim em si mesmo, que, em
comparação com a “felicidade” do indivíduo ou sua “utilidade”, aparece em todo caso
como inteiramente transcendente e simplesmente irracional. Nessa perspectiva, o
ser humano é visto em função do ganho como finalidade de vida, não mais o
ganho em função do ser humano, como meio destinado a satisfazer suas
necessidades materiais. Essa inversão de ordem, por assim dizer, “natural” das
coisas, observada por Max Weber no final do século XIX e início do século XX,
encontra-se profundamente enraizada na cultura norte-americana até os dias atuais.

A cultura do ganho como um fim em si mesmo, cuja balança


sempre pende para o ganho econômico financeiro, e não para o bem-estar humano,
pode ser definida como uma das principais características de funcionamento dos
Estados Unidos dentro do contexto de seu conflito com o Iraque, da qual as demais
são derivadas, que fundamentam a cultura bélica de dominação norte americana, no
caso do Iraque, para o controle do petróleo.

4
v. nota 1.
5

Destarte, considerando o poderio do Estado Islâmico, que,


atualmente, domina grande parte do petróleo, inclusive no Iraque e na Síria,
possuindo campos de petróleo que produzem cerca de 80 mil barris por dia, com
lucro aproximado de US$ 8,4 milhões por dia, além do controle dos silos de
alimentos do governo do Iraque no Norte e do Nordeste5, não é de se surpreender
que os Estados Unidos, dentro da ética do ganho financeiro como um fim em si só,
olvidasse das consequências humanas, sociais e econômicas que suas investidas
bélicas trariam à população iraquiana, notadamente a população civil, para tentar
abocanhar uma fatia de tão elevado faturamento.

A defesa da democracia e de outros ideais humanitários (jus ad


bellum que autorizaria o direito de guerra), considerando o jus in bello do conflito,
com as perdas de centenas de milhares de vidas, incluindo pessoas não
combatentes, escolas e hospitais, escancaram os motivos econômicos dos ataques
estadunidenses ao Iraque, reverberando o que Max Weber chamou de hipocrisia
das virtudes do americanismo6.

Apesar das enormes diferenças entre os Estados Unidos e o


Iraque, pode-se afirmar que, para ambos, a política adotada não considera a
concepção mais atual e completa da paz, como uma ausência de violência e de
injustiça social, mas tão somente a paz negativa7, como a ausência de violência, ou
de guerra propriamente dita, sendo que, no que tange aos Estados Unidos, pode-se
afirmar que esse conceito, dentro do estudo em foco, é aplicado principalmente na
sua política externa, enquanto que no Iraque tal conceito permeia tanto das relações
de política interna, quanto externa.

5
Informação extraída do artigo A expansão do Estado Islâmico no Iraque e na ... - PUC Minas
seer.pucminas.br › fronteira › article › viewFile

6
Max Weber (2004, p;.46) fala ainda da HIPOCRISIA das virtudes do americanismo: advertências morais de
caráter utilitário:: basta parecer honesto, pontual, pois da simples aparência já são úteis ao indivíduo (no caso,
ao Estado).

7
A paz negativa, ou seja, a que limita o conceito de paz à ausência de guerra entre os Estados, de herança
greco-romana, está profundamente alicerçado na cultura ocidental, da qual os Estados Unidos representam um
dos maiores exponentes representativos.
6

A paz negativa, ou seja, a que limita o conceito de paz à


ausência de guerra entre os Estados, de herança greco-romana, está
profundamente alicerçado na cultura ocidental, da qual os Estados Unidos
representam um dos maiores exponentes representativos.

Nesse sistema que adota o conceito de paz negativa, reina o


que os cientistas políticos chamam de anarquia internacional, caracterizada pela
ausência de leis e de normas regulatórias das relações dos Estados soberanos que
a compõem, o que permite que os Estados mais fortes, no caso, os Estados da
Coalizão dos Estados Unidos e seus apoiadores, imponham-se em desfavor dos
mais fracos, no caso, do Iraque, já desgastado por conflitos internos.

O conceito positivo de paz, por outro lado, expande o


entendimento do conceito paz para aquém das fronteiras de cada país, de forma que
esta esteja relacionada não apenas às relações internacionais, mas também nas
relações internas.

Galtung8 trouxe uma grande contribuição com o conceito


positivo de paz, ao inaugurar o conceito de violência estrutural9, como a submissão,
a pressão e a exploração são casos de violência estrutural, dentro da qual encaixa-
se perfeitamente as ações estadunidenses, autorizadas pela ONU ou não, no
Iraque nos período entre os conflitos armados propriamente ditos, como, por
exemplo, a violação à soberania iraquiana, a tomada dos portos de exportação de
petróleo e a imposição de um governo xiita em um país de maioria sunita, dentre
outros.

Quanto ao Iraque, pode-se afirmar que, além de não serem


implementadas medidas para uma cultura de paz, as políticas adotadas apontam
para mais que uma violência cultural10, mas para uma verdadeira cultura de

8
Material Didatico, pagna 6.
9
Para Galtung, violência estrutural ocorre quando vários coletivos estão numa mesma estrutura, o que faz com
que uns saiam melhor preparados que outros, a uns beneficiando e a outros prejudicando.
10
Galtung define Violência cultural como os aspectos da cultura, esfera simbólica da nossa existência,
exemplificada pela religião, ideologia linguagem e a arte, que podem ser utilizadas para justificar ou legitimar
a violência, tanto em sua forma estrutural como da direta, sujas a violência direta e a estrutural.
7

violência11, surgida da rivalidade interna entre curdos, sunitas e xiitas, onde cada
grupo enxerga o outro como inimigo, pelo Governo do Terror de Saddam Hussein,
pelas mazelas socioeconômicas de sua população, e, finalmente, pela crença dos
sunitas no ideal da “guerra santa” JIHAD, que inflaciona a rivalidade local e promove
a manutenção e a expansão da cultura de violência.

As sanções impostas pela ONU ao Iraque, na época do regime


do ditador Saddam Hussein, como o controle, pelos Estados Unidos e pelo Reino
Unido, do único porto para exportação de petróleo (cidade de Bassora), que
beneficiou empresas da Rússia e da China, elevaram a dívida externa do Iraque e
mergulharam o país em uma extrema pobreza, fomentando ainda mais a
instabilidade interna entre cursos, xiitas e sunitas.

Uma das mais importantes sanções estabelecidas pela ONU


em desfavor do Iraque foi a perda da autonomia sobre a venda do petróleo, pois,
conforme informações obtidas no Portal do Itamaraty12, a receita do Iraque com a
venda de petróleo passou a ser financeiramente administrada sob o regime de
sanções, sob a justificativa de evitar o desvio de receita para o rearmamento ilegal
do Iraque. Foi criado o programa "Petróleo por Alimentos", através do qual se
autorizam as exportações iraquianas de petróleo e se administra a utilização da
receita para fins humanitários, com vistas a melhora a condição de vida da
população.

Os parágrafos anteriores deixam explícitas as verdadeiras


razões da guerra travada contra o Iraque, que ultrapassam a alegada preocupação
com uma suposta corrida armamentista do Iraque, especialmente pela tomada do
controle do único porto iraquiano de exportação de petróleo e da retirada da
autonomia financeira da administração das receitas de petróleo, vez que as ações

11
Cultura de violência – possuem um conjunto de aspectos tão violentos, amplos e diversos impregnando todo o
espectro cultural. Nessa cultura, a violência é vista como meio para alcançar poder, segurança, riqueza
prestigio, autoestima e estima no grupo e dominação social.
8

do Iraque, sob o governo de Saddam Hussein, eram vistas como uma ameaça
econômica ao preço e ao abastecimento do petróleo.

Galtung (2006, p. 155) alerta que, por trás desse tipo de


conflito internacional, há, entremeado, outro conflito, entre Cristandade e Islã,
espreitando no horizonte, muito mais antigo, cuja origem remonta às primeiras
Cruzadas.

Há de se fazer um paralelo também entre a relação histórico


dos dois países e o conceito negativo de paz, vez que, nessa perspectiva, a paz
apresenta-se apenas como períodos de tempo, circunstanciais, entre as múltiplas
guerras – que seriam o estado normal de uma sociedade internacional sem lei nem
ordem, olvidando os aspectos positivos da paz.

Ao impor ao Iraque duras sanções econômicas, que impediram


a população local de ter acesso aos bens da vida essenciais para a manutenção da
vida e à dignidade humana, houve a prática de violência contra o Iraque e sua
população, notadamente pelos duros embargos economicos impostos pela ONU,
antes mesmo de ter deflagrado a guerra em si.

Nesse sentido, pode-se afirmar que, apesar da existência de


períodos de guerra não declarada entre os Estados Unidos e Iraque, não houve,
desde 1979, no conceito atual, PAZ entre os dois países, pois a violência mostrou-se
e ainda se mostra uma constante.

2. ANÁLISE DO CONFLITO IRAQUE - ESTADOS UNIDOS


DESDE A PERSPEECTIVA DE BURTON E GALTUNG

2.1. ANÁLISE DO CONFLITO IRAQUE – ESTADOS UNIDOS


SOB A PERSPECTIVA DE JOHAN GALTUNG

O exame da ideia de paz, sob a ótica de Johan Galtung, deve


levar em conta que a palavra “paz” poder ser, em síntese, definida como a ausência
9

de violência, do que derroga a necessidade de definição de violência. Por isso, uma


conceituação ampliada da violência carreta uma concepção igualmente ampla da
paz.

Para Galtung, violência pode ser definida como o que aumenta


a distância entre o potencial de um indivíduo e o efetivo, bem como tudo o que cria
obstáculos para a redução dessa distância.

Seguindo a análise do material em estudo, Johan Galtung cita


seis dimensões da violência: violência física e psicológica, violência deliberada e não
deliberada, violência manifesta e latente, o enfoque negativo e a aproximação
positiva das ações (violentas), existência ou inexistência de um objeto que receba o
dano, e finalmente, a existência ou inexistência de um sujeito ativo da violência
(violência direta e indireta/estrutural).

Salta aos olhos que o conflito Iraque – Estados Unidos


conseguiu abarcar, considerando todo o seu desenrolar, praticamente todas as
dimensões da violência trazidas por Galtung.

A violência física, direta e deliberada, com um objeto de dano


definido, é facilmente identificada nos conflitos bélicos e nos bombardeios das
Operações Desert Storm e Desert Fox no Iraque, nos quais os Estados Unidos e
aliados rapidamente dominaram, pela força, o pequeno país de cultura árabe.

A violência psicológica encontra guarida na imposição de um


governo xiita em um país de maioria sunita, bem como na supressão da soberania
do Iraque após a queda de Saddam Hussein, dentre outros.

O período compreendido entre a repreensão do Conselho de


Segurança da ONU, por meio da Resolução nº 678, de 29/11/1991, ao governo
iraquiano de Saddam Hussein pela invasão do Kwait, para que as tropas iraquianas
fossem retiradas do Iraque, e o início das operações militares da Coalizão dos
Estados Unidos, Reino Unido e França, em 17 de janeiro de 1992 e a rápida
10

ofensiva militar Desert Storm, em 24 e 28 de fevereiro daquele ano, encaixa-se


perfeitamente no conceito de violência física, direta e latente, com enfoque negativo
e aproximação das ações violentas.

O mesmo raciocínio se aplica ao período, no final nos anos 90,


que começou com a saída dos inspetores das Nações Unidas, que tinham por
objetivo fiscalizar o cumprimento do Iraque dos termos de desarmamento do cessar
fogo que marcou o fim da Guerra do Golfo, e terminou com as novas investidas
militares estadunidenses no território iraquiano – Operação Desert Fox de 1998.

A última dimensão da violência, a existência ou não de um


sujeito ativo (agente) da violência, merece destaque, pois dessa dimensão foi
extraído o conceito de violência indireta ou estrutural, assim chamada porque está
edificada dentro da estrutura em que está inserida, e cujas consequências não
podem ser atribuídas a pessoas ou agentes certos, por não haver uma pessoa que
danifique diretamente a outra. A violência estrutural tem sido amplamente
relacionada à injustiça social.

Nessa perspectiva, considerando o conflito Iraque – Estados


Unidos, destacam-se as consequências sofridas pela população civil do Iraque em
razão de seu conflito com os Estados Unidos, seja no que atine às suas baixas
quando dos bombardeios no país13 - violência direta, seja nas mazelas econômicas
e nas injustiças sociais deixadas como herança pela guerra – violência indireta ou
estrutural – injustiça social.

Por pertinente, destaca-se que a injustiça social, ou violência


estrutural, segundo Galtung, é a que decorre da negativa de acesso ao tudo que for
necessário para a manutenção da vida e da dignidade humanas.

Nesse sentido, os embargos econômicos impostos pela ONU,


por meio da Resolução nº 678, que resultaram e uma substancial majoração da
dívida externa do Iraque e mergulharam o país em uma extrema pobreza,
13
Na Operação Desert Storm (1993), estimam-se 40 mil baixas iraquianas, e na operação Desert Fox (2003) são
estimadas de 400 mil a 1 milhão de mortes, inclusive de civis
11

fomentando ainda mais a instabilidade interna entre curdos, xiitas e sunitas, podem
ser, sem dificuldades, fontes diretas de violência indireta ou estrutural à população
civil do Iraque, pois impediram que essa tivesse acesso aos bens da vida
necessários a uma vida digna e plena.

Galtung (2006, p.11) divide as metas humanas em duas


grandes vertentes: as que tem por objeto a satisfação das necessidades básicas,
cuja negação constitui violência, sendo que, por isso, são inegociáveis; e as demais,
que são negociáveis, vinculadas a objetivos e a valores. As palavras do autor
(Galtung, 2006,p.11):

Os valores podem ser escolhidos por nós e a escolha dos valore faz
parte da nossa liberdade. Os valores tornam-se parte das nossas
identidades; possui exatamente esses valores é, em si mesmo,
valorizado.

Porém, as necessidades básicas são diferentes. Você não escolhe


suas necessidades básicas; as necessidades básicas escolhem
você. É a satisfação delas que torna você possível. Se você descarta
suas próprias necessidades básicas, ou de outros, está se
condenando, ou a outros, a uma vida não digna dos seres humanos.
Está praticando violência.

Ao impor ao Iraque duras sanções econômicas, que impediram


a população local de ter acesso aos bens da vida essenciais para a manutenção da
vida e à dignidade humana, praticou os Estados Unidos violência antes mesmo de
ter deflagrado a guerra em si.

Nesse sentido, pode-se afirmar que, apesar da existência de


períodos de guerra não declarada entre os Estados Unidos e Iraque, não houve,
desde 1979, no conceito atual, PAZ entre os dois países, pois a violência mostrou-se
uma constante.

Dentro do contexto da relação histórica Estados Unidos e


Iraque, destaca-se ainda a dimensão da violência manifesta e latente, pois,
considerando que a violência é latente quando o contexto é tão instável que o nível
12

de realização efetiva não está suficientemente protegido, conclui-se , dentro dessa


concepção, o período entre guerras entre os países não pode ser considerado
pacífico, pois, além da violência estrutural pela injustiça social, a sombra da violência
latente nunca deixou de parar sobre a região, repelindo os ares pacíficos da ampla e
verdadeira paz.

Por outro lado, dentro do triângulo do conflito de Galtung:


atitude (emotiva e cognitiva), comportamento (polarização e comportamentos
destrutivos) e a situação do conflito, percebe-se que, no conflito Iraque Estados
Unidos, ressalta a hostilidade da relação entre os dois países, da qual os Estados
Unidos sobrepuja-se ostensivamente, seja obstando e degradando o potencial de
crescimento econômico e de desenvolvimento, por meio das sanções financeiras e
econômicas que, embora impostas pela ONU, beneficiou os Estados Unidos, fruto
do desequilíbrio das relações entre os Estados Unidos e o Iraque, sendo que esse
fez uso de sua supremacia econômica e militar para impor seus interesses
petrolíferos e dominar a região, na maioria das vezes, com a autorização da
Organização das Nações Unidas e com o apoio de outras grandes potências, como
o Reino Unido e a França.

A diferença entre os graus de percepção do conflito entre os


países também se mostra monumental, vez que a violência estrutural presente no
Iraque, amplificadas pelas sanções econômicas, limitam a capacidade da população
local de perceber quão profunda é a violência à qual estão submetidos, vez que a
abstinência das necessidades básicas, por implicarem em risco à própria
sobrevivência, exaure os esforços do indivíduo e do grupo que flagela.

A distância física, a baixa mortalidade americana nos conflitos


e a visão desumanizada do inimigo, por sua vez, são, entre tantas, algumas das
causas que reduziu o grau de percepção do conflito entre os norte-americanos,
inobstante a existência de populares que não coadunavam com os conflitos armados
empreendidos pelo seu governo.
13

2.2. ANÁLISE DO CONFLITO IRAQUE-ESTADOS UNIDOS


SOB A PERSPECTIVA DE JOHN BURTON

Para Burton, primeiramente é necessário esclarecer a noção de


conflito. Ele distingue entre o Conflict Settlement (enfoques tradicionais do conflito) e
o Conflict Resolution (enfoque que aprofunda a natureza do conflito – conflitos sobre
valores fundamentais).

Burton distingue três tipos de motivação humanas:


necessidades, valores e interesses.

Necessidades são impulsos fundamentais compartilhados por


todos os organismos desenvolvidos. São necessários à vida. As necessidades
humanas, notadamente da população iraquiana, foram, ao longo dos anos em que
se sucederam os diversos conflitos, constantemente negligenciadas e vilipendiadas,
seja por meio de ataques diretos, seja pelo rigoroso embargo econômico imposto ao
país, que o afundou em uma severa crise econômica, dificultando e impedindo o
acesso aos bens da vida essenciais para a manutenção da vida e da dignidade
humana.

Valores, por sua vez, são motivações culturalmente


especificadas. No caso em estudo, do Conflito Iraque-Estados, destacam-se, não
somente as diferenças culturais e religiosas Ocidente versus Oriente e Cristãos
versus Muçulmanos, como também os conflitos internos, de origem religiosa e
étnico-cultural, entre xiitas, sunitas e curdos.

Interesses são aspirações sociais, políticas e econômicas dos


indivíduos e dos grupos, relacionando-se com as funções sociais e com os bens
materiais, que, no caso em estudo, podem ser resumidos, basicamente, aos
interesses pelo domínio das reservas de petróleo e pela busca do controle
econômico da sua importação.
14

Outro ponto de destaque no enfoque de Burton é o que aduz


ao conceito de prevenção, que teria por objetivo eliminar as fontes do conflito, o que,
no caso da relação Iraque-Estados Unidos, considerando a variada gama de
motivações envolvidas, seria tarefa de difícil concretização, especialmente quando
considerados os aspectos econômico-culturais dos Estados Unidos e geográfico-
religiosos do Iraque, vez que seriam necessárias alterações substanciais das
instituições e das estruturas de ambos os países14.

Por outro lado, caso fossem desenvolvidas as alterações


estruturais, políticas e econômicas necessárias, o que, todavia, não foi o que
ocorreu, poderia ter havido a resolução do conflito, que, conforme visão de Burton,
ocorrer quando o resultado final satisfaz completamente a necessidade de todas as
partes envolvidas.

Ambos os autores – Burton e Galtung – enfatizam que a


negação das necessidades humanas é a causa central dos conflitos e que a solução
dos conflitos depende da satisfação das necessidades e que, em alguns contextos,
podem ser necessárias mudanças estruturais.

3. DESCRIÇÃO DO CICLO DO CONFLITO ENTRE


ESTADOS UNIDOS E IRAQUE

3.1. BREVE RELATO HISTÓRICO DA RELAÇÃO IRAQUE-


ESTADOS UNIDOS

A Relação Estados Unidos e Iraque nem sempre foi conflituosa,


embora seja notória a existência de contenciosidade entre os dois países há
décadas, o que leva à conclusão prematura de que tais Estados sempre foram
inimigos declarados.

14
Na proposta de Burton, diferentemente da Disputa, na qual os assuntos de divergência são
negociáveis e o compromisso possível, nos Conflitos, que relacionam-se às necessidades humanas,
não são negociáveis, em razão de seu poder destrutivo contra pessoas, propriedades e sistemas, e
cuja resolução depende de profundas mudanças estruturais,políticas e de instituições .
15

Todavia, o desenrolar histórico da relação entre os dois países


é um importante exemplo de conflito destrutivo causado, de um lado, pela ausência
da cultura de paz e pelo desejo de Dominação dos Estados Unidos, e, do outro lado,
da violência estrutural do Iraque.

A análise da ascensão e da queda de Saddam Hussein é


essencial para o entendimento do conflito Iraque-Estados Unidos, vez que os
desdobramentos de seu governo do Terror explicam, inclusive, os conflitos surgidos
após a sua morte, vez que, em sua maioria, são consequências das instabilidades
surgidas e fomentadas durante o governo de Saddam Hussein.

Saddam Hussein, muçulmano sunita, nasceu em 28 de abril de


1937, em uma aldeia do Iraque chamada Ouija, situada a 170 km de Bagdá. Afilia-se
ao Partido Baas (de ideais laicos e nacionalistas) aos 18 anos, mas apenas após
1958 consegue chamar a atenção dos dirigentes do Partido, quando comete seu
primeiro assassinato político15, o que lhe garantiu uma das dez posições em uma
tentativa de golpe político, que tinha por missão assassinar o então primeiro-ministro
Abdel Karim Qassem, golpe esse cujo fracasso resultou na fuga de Saddam para a
Síria (Damasco) e para o Egito (Cairo), onde cursou Direito.

Quando seu Partido consegue derrubar o primeiro-ministro,


Saddam volta para o Iraque e passa a ocupar o cargo de “investigador” no novo
governo do Partido Baas (ou Bahas). Escalando no poder ao longo dos anos, em
1979 Saddam afasta o então líder, o Coronel Al-Bakr (que era seu tio), e chega à
chefia do Estado, impondo seu partido como único e onipresente, afastando-se,
igualmente, da ideologia do Partido e centrando seus esforços governamentais em
seu fascínio pelo poder e na inspiração do terror pelo seu nome e pela sua figura
representativa16.

15
Saddam Hussein assassinou, em 1958, um militante comunista com um tiro na cabeça.

16
Considerações extraídas de : https://www.publico.pt/2006/12/30/mundo/noticia/saddam-hussein-ascensao-e-
queda-de-um-ditador-1281115
16

Nessa época, Saddam Hussein era visto como um amigo do


Ocidente, merecendo destaque o apoio recebido do governo dos Estados Unidos na
Guerra por ele travada contra seu vizinho xiita Irã, que teve origem quando o
Ayatolah Khomeini derrubou o Xá do Irã. Para travar uma revolução semelhante dm
Bagdah, Saddam Hussein mandou executar Mohamed Bakr al-Sadr, chefe do
partido xiita al-Dawa, ordenou a deportação de trinta mil iraquianos de origem
iraniana, e invadiu a vizinha República Islâmica. As Monarquias Árabes do Golfo
ofereceram à Saddam milhares de milhões de dólares e os Estados Unidos
forneceram dados de satélite que obrigaram Khomeini a aceitar um cessar-fogo17.

O conflito com o Irã perdurou até o ano de 1988, ano em que


Saddam Hussein matou cinco mil curdos na cidade de Halabja, com armas químicas
adquiridas dos Estados Unidos. A essa época, ele ainda era um protegido do
Ocidente18.

A partir de 1989, porém, o Kwait começou a exercer pressões


sobre o Iraque para que a sua soberania fosse reconhecida, o que era
contundentemente rejeitado por Saddam Hussein, que ainda defendia que faria jus
ao aumento de sua cota de petróleo, razão pela qual, em meados de 1990, Saddam
tentou apoderar-se de duas ilhas do Emirado do Kwait e do campo de petróleo de
Rumailah, sendo que, no último minuto, optou por uma invasão total19.

A ONU considerou ilegítima a conduta de Saddam Hussein e


exigiu a imediata retirada das forças iraquianas no Kwait. O Iraque, todavia, recusou-
se a cumprir as exigências da Organização das Nações Unidas, que acabou por
impor um embargo comercial e financeiro contra o Iraque, além de um bloqueio
militar 20, e autorizou a deflagração da Guerra do Golfo, por meio da Resolução nº
678, de 1990.

17
v. nota 5.
18
v. nota 5.
19
v. nota 5.
20
informação extraída de: http://www.itamaraty.gov.br/pt-BR/component/content/article?id=10612:notas-para-
exposicao-do-ministro-celso-lafer-na-comissao-de-relacoes-exteriores-e-defesa-nacional-do-senado-federal-
17

Era o início do fim da relação cooperativa entre os Estados


Unidos e o Iraque, a partir de então, a relação entre os dois países ficou marcada
por sucessivos conflitos.

A Resolução 678 (1990) do Conselho de Segurança das


Nações Unidas, de 29 de novembro de 1990, denominada "Resolução de Poderes
de Guerra", autorizou os "Estados Membros cooperantes com o Governo do Kuwait"
a "usar todos os meios necessários", para implementar não só a Resolução 660
(1990), de 2 de agosto de 1990, que exigia a retirada das forças iraquianas do
território do Kuwait até 15 de janeiro de 1991, mas também todas as resoluções
subsequentes relevantes e restaurar a paz e a segurança na área21.

No dia 17 de janeiro, uma coalizão de cerca de vinte países,


baseada na Arábia Saudita e liderada pelas forças dos Estados Unidos, Reino Unido
e França, iniciou as operações militares com o bombardeio dos territórios do Iraque
e do Kuwait. Uma rápida ofensiva terrestre, que ficou conhecida como Operação
Tempestade no Deserto (Desert Storm), entre os dias 24 e 28 de fevereiro, pôs fim
ao conflito. Após a aceitação pelo Governo do Iraque das condições de cessar-fogo -
notadamente a destruição pelo Iraque de suas armas químicas e biológicas e de
seus mísseis de médio e longo alcance - as operações militares foram oficialmente
encerradas em 11 de abril de 199122.

Estimam-se que, nesse rápido, aproximadamente 40 mil vidas


iraquianas foram perdidas, incluindo a população civil.

De acordo com o Portal do Itamaraty, após a expulsão das


tropas iraquianas e o término da Guerra do Golfo, a Resolução 687 (1991), de 3 de
abril de 1991, chamada "Resolução de Cessar-Fogo" definiu as exigências

conjunta-com-a-comissao-de-relacoes-exteriores-e-defesa-nacional-da-camara-dos-deputados-20-de-
novembro-de-2002
21
v. nota 20.
22
v. nota 20..
18

requeridas para a declaração de uma cessação das hostilidades. O cessar-fogo


entre o Iraque e as forças da coalizão entrou em vigor em 8 de abril de 1991,
quando o Governo iraquiano aceitou formalmente os termos da resolução, que,
aliás, governa até hoje o relacionamento entre o Iraque e a comunidade
internacional23.

Ainda de acordo com o Portal do Itamaraty, as dificuldades


criadas pelo Governo iraquiano à condução dos trabalhos dos inspetores da
Comissão Especial das Nações Unidas (UNSCOM) e da Agência Internacional de
Energia Atômica (AIEA), nos anos 90, contrariavam as resoluções adotadas no
Conselho de Segurança, que determinavam a necessidade de plena cooperação do
Iraque com as Nações Unidas, que atingiram seu clímax em 1998, quando ocorre a
retirada dos inspetores da UNSCOM e os EUA e o Reino Unido bombardeiam
Badgá24.

De acordo com o Diretor da Comissão Especial das Nações


Unidas, existiam dúvidas sobre o progresso do desarmamento ao qual Saddam
Hussein havia se comprometido após a Guerra do Golfo, diante dos Estados Unidos,
alegando Preempção e autodefesa e, amparando-se, mais uma vez, na Resolução
678/1991 do Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas, usaram,
novamente, desta vez apenas com o apoio do Reino Unido, a força militar contra o
Iraque, para bombardear instalações militares iraquianas onde, alegavam os norte-
americanos, seriam fabricadas armas químicas (Operação Desert Fox).

A operação foi apoiada apenas pelo Reio Unido, sendo que os


demais membros do Conselho de Segurança da ONU não aceitaram as medidas
bélicas tomadas pelos Estados Unidos contra o Iraque. Ataque de escolas e
Hospitais.

Após o ataque de 11 de Setembro de 2001 em território norte-


americano, teve início a maior ofensiva contra o Terrorismo e, no ano de 2003, os
Estados Unidos invadem novamente o Iraque, usando armas de destruição em
23
v. nota 20.
24
v. nota 20.
19

massa. Um dos objetivos era a eliminação do regime de Saddam Hussein, um dos


maiores violadores de direitos humanos e que oferecia refúgio para terroristas.

Novamente, vidas de não combatentes foram colocadas em


risco. Destaca-se a ausência de proporcionalidade ou de prudência nos ataques
empenhados pelos estadunidenses no território iraquiano, o que deixou evidente que
os Estados Unidos não faziam uma guerra justa, tampouco uma intervenção
humanitária, especialmente pelo elevado número de mortes de civis.

Estudos da Organização Mundial de Saúde estimam que houve


uma baixa iraquiana na ordem de 400.000 mortes e o OR Business estima uma
perda de aproximadamente um milhão de vidas.

Após a derrocada de Saddam e de sua morte, os Estados


Unidos proclamaram a sua vitória, pois o Iraque não conseguiu evitar a ocupação
estadudinense, a queda da Capital e a expulsão do Bahatista (sunita – Partido Baal).

A Coalização dos Estados Unidos demorou para conseguir


uma relativa estabilidade. Houve a reorganização do exército da polícia, mas não
houve garantia de proteção civil e razão da incerteza política, econômica e social.

De acordo com o Portal do Itamaraty, após a expulsão das


tropas iraquianas e o término da Guerra do Golfo, a Resolução 687 (1991), de 3 de
abril de 1991, chamada "Resolução de Cessar-Fogo" definiu as exigências
requeridas para a declaração de uma cessação das hostilidades. O cessar-fogo
entre o Iraque e as forças da coalizão entrou em vigor em 8 de abril de 1991,
quando o Governo iraquiano aceitou formalmente os termos da resolução, que,
aliás, governa até hoje o relacionamento entre o Iraque e a comunidade
internacional25.

25
v. nota 20.
20

Após a invasão americana no Iraque e a queda de Saddam


Hussein, em 2003, o Iraque passou a ser o primeiro país árabe a ter um governo
majoritariamente xiita.

No ano de invasão dos Estado Unidos no Iraque de 2003, o


Estado Islâmico Iraquiano (um ramo da Al-Qaeda, hoje denominado Estado Islâmico
do Iraque e da Síria - ISIS, tem por objetivo conquistar o poder e proclamar o
califado) apresentou-se como um Estado aos sunitas. O Estado Islâmico acreditava
que o país vizinho, Irã, desejava transformar o Iraque em um Estado xiita, tendo os
Estados Unidos como cúmplices, o que justificaria um JIHAD defensivo26.

No mesmo ano de 2003, sob o pretexto de que Saddam


Hussein possuía armas de destruição em massa e apoiava a Al-Qaeda (também
sunita), os americanos e os britânicos iniciaram outra guerra para derrubá-lo27.

No ano de 2009, o Presidente norte-americado Barack Obama


enunciou o encerramento das operações estadunidense no Iraque, que finalizou em
2011, com a retirada de todas as tropas americanas.

Todavia, as ações do novo Estado Islâmico resultaram em um


novo bombardeio norte-americano no Iraque, primeiro com drones não tripulados até
a autorização de ataques aéreos para proteger o pessoal americano e impedir o
genocídio as minorias religiosas perseguidas pelos jihadistas no Estado Islâmico.

O governo do Iraque enfrenta forte oposição local desde a


queda de Saddam Hussein, tendo sua soberania afetada pelo fato de que a
população não aceita o governo xiita imposto pelos norte-americanos, discordância
que é altamente instigada pelo Estado Islâmico, que luta contra o governo iraquiano.

26
v. nota 5.
27
v. nota 16.
21

3.2. OS CICLOS DO CONFLITO IRAQUE-ESTADOS


UNIDOS

Ante o narrado nas linhas pretéritas, cotejam-se os fatos


históricos com os ciclos e fases da Dinâmica do Conflito Iraque-Estados Unidos.

A primeira fase do Ciclo do Conflito tem origem nas atitudes e


nas crenças sobre o conflito, que afetam a forma com que se responde a um conflito,
relacionando-se com as experiências e com os aspectos culturais internalizados.

No caso do conflito Iraque-Estados Unidos, destaca-se o perfil


violento de Saddam Hussein, que apenas conseguiu galgar posições em seu Partido
após ter cometido um homicídio político, bem como no histórico de sucessivos
golpes políticos que sofreu o país, um dos quais levou ao poder o indigitado ditador.

Já depois da queda de Saddam, representou o Estado


Islâmico, que professa a fé muçulmana sunita, outro ponto crucial para o desenrolar
dos conflitos que se sucederam, pois estes, além de pregarem a doutrina da Guerra
Santa “JIHAD” e intencionarem constituir o Califado como um Estado religioso
muçulmano, por meio do terror, enxergam os Estados Unidos e seus aliados, não
somente como “infiéis”, como também como verdadeiros cúmplices, que estariam
auxiliando os xiitas a impedir o seu avanço e a dominá-los.

Tudo isso, somado à constate disputa interna entre xiitas,


sunitas e curdos, mostrou-se terra fértil que os Estados Unidos, país que viu nas
duas Grandes Guerras um meio rápido e efetivo de crescimento econômico, logo
vislumbrasse uma oportunidade de, por meio da dominação bélica, e, considerando
as grandes reservas petrolíferas da região, impor seu poderio para controlar a
economia iraquiana e sub-rogar-se nos lucros com as reservas de petróleo da
região.

Destarte, pode-se concluir que ambos os países possuem um


aspecto cultural forte de crenças e atitudes que levam a respostas de enfrentamento
22

por meio de conflitos destrutivos e violentos., que desaguaram nos conflitos


propriamente ditos (segunda fase – o conflito), com incursões bélicas dos Estados
Unidos e aliados, por diversas vezes no território iraquiano, além dos embargos
econômicos e da dominação política sobre o Iraque.

A resposta dos Estados Unidos foram as efetivas, rápidas e


letais operações militares, em especial a Operação Desert Fox, de janeiro de 1991, a
Operação Desert Storm, de 1998 (terceira fase – a resposta), que impuseram seu
poderio bélico para uma completa dominação do Iraque (quarta fase – o resultado),
reforçando o sistema de crenças e de atitudes de ambos os lados, pois a dominação
estadunidense sobre o Iraque permitiu que os Estados Unidos e seus parceiros
pudessem se beneficiar com as exportações de petróleo local.

Do lado do Iraque e de sua população dominada, o resultado


dos conflitos corroborou com a visão dos Estados Unidos e seus aliados como
“infiéis” e inimigos da fé muçulmana. Para os sunitas iraquianos, especialmente os
do Estado Islâmico, o resultado dos conflitos também confirmou a sua ideia de que o
Ocidente quer dominá-los, que apoia os xiitas e que busca impedir o avanço da
implantação do Califado, crença confirmada pelo fato de que a Coalização dos
Estados Unidos terem apoiado o governo xiita no Iraque, levado ao poder após a
queda do ditador Saddam Hussein.

3.3. A DINÂMICA DO CONFLITO IRAQUE – ESTADOS


UNIDOS

O conflito começa com uma evolução de táticas suaves para


táticas rígidas, sendo que as partes consideram que qualquer mudança para uma
abordagem mais suave poderia ser interpretada como fragilidade. Essa é a
intensificação ou escalada da dinâmica do conflito.

Dentro do contexto do conflito Iraque-Estados Unidos, a


intensificação ou escalada, de táticas menos rigorosas para mais rigorosas, é
23

facilmente percebida quando se analisam, por exemplo, os fatos que antecederam a


Guerra do Golfo.

No início de 1990, o Iraque não reconhece a soberania do seu


vizinho Kwait, e o invade, motivado, principalmente, pelo domínio das reservas de
petróleo da região. Essa invasão foi considerada ilegítima pela ONU, que exigiu que
o Iraque retirasse suas tropas Kwait.

Como o Iraque não obedeceu, o Conselho de Segurança da


Organização das Nações Unidas impôs-lhe uma séria de embargos comerciais e
econômico-financeiros, além de um bloqueio militar. Mantida a recalcitrância do
Iraque, o Conselho de Segurança da ONU acabou por autorizar a deflagração da
Guerra do Golfo, por meio da Resolução nº 678, de 1990.

Portanto, sinteticamente, temos a seguinte escalada, onde se


vê que o uso de táticas mais suaves foi cedendo ao uso das táticas mais agressivas,
até que se chegou ao ápice com a autorização da deflagração da Guerra do Golfo:
1 - exigência/pedido da ONU para que o Iraque retirasse suas tropas do Kwait;
2 – embargos comerciais , econômicos e financeiros e bloqueio militar; e, finalmente
3 – autorização da deflagração da Guerra do Golfo.

Já a escalada dos fatos que desencadearam nos bombardeios


americanos no Iraque de 1998 tiveram início, de acordo com as informações obtidas,
no descumprimento, pelo Iraque, dos termos de cessar-fogo, firmados após a Guerra
do Golfo. Apesar das advertências, houve notícias de que o Iraque não estaria
cooperando, especialmente quanto ao compromisso de desarmamento. As
divergências foram se intensificando até o ponto em que houve a retirada dos
inspetores responsáveis por aferir se o Iraque estava cumprindo o desarmamento,
culminando em outro ataque militar dos Estados Unidos contra o Iraque, que
bombardearam instalações militares iraquianas onde estariam sendo fabricadas
armas químicas (Operação Desert Fox).
24

No processo de intensificação ou escalada dos conflitos, é


comum que se verifique, igualmente, uma ampliação dos assuntos, dos problemas
(substituição de problemas específicos por genéricos) e das pessoas envolvidas,
com o surgimento de uma forte polarização. Nesse cenário, o cerne principal passa
do problema para a pessoa/inimigo em si.

Outro aspecto importante dentro da dinâmica dos conflitos


ocorre com a alteração da motivação, pois, na medida em que o conflito se
intensifica, a motivação, que tende a começar como individualista, cede à motivação
competitiva, na qual apenas interessa a derrota alheia, ainda que isso importe em
prejuízo próprio.

Veja-se que, no caso do Conflito Iraque - Estados Unidos, o


problema inicial (invasão do Kwait) foi sendo ampliado, de forma que, tanto no
desenrolar da Guerra do Golfo, como nos conflitos seguintes, não havia resquício
motivacional algum dos fatos que originaram a contenda, com exceção, por lógico,
do interesse no petróleo. Verificou-se também uma importante ampliação dos
sujeitos, com os Estados Unidos buscando seus aliados, bem como o Iraque, que,
todavia, não logrou muito êxito nesse mister.

A polarização intensifica-se, o problema passa a ser o que cada


envolvido representa, e a motivação passa a ser a sua eliminação. A guerra de
Cristãos contra Muçulmanos, Jesus contra Maomé, Ocidente contra Oriente.

Na dinâmica do conflito, após o período de intensificação,


ocorre o estancamento, que é quando o conflito encontra um ponto máximo de
intensidade. No caso do Iraque, as razões para estancamento de suas estratégias
foram o fracasso das táticas competitivas e o esgotamento de recursos, que eram
escassos, especialmente em razão dos embargos comerciais impostos ela ONU.

Os Estados Unidos, por sua vez, inobstante o poderio


econômico e militar, viu o estancamento da intensidade de suas táticas
principalmente, pela perda do apoio internacional, merecendo destaque o fato de
25

que a sua segunda investida militar no Iraque, em 1998, contou com o suporte
apenas do Reino Unido, e não foi acatada pelo Conselho de Segurança das Nações
Unidas

Os conflitos, dentro da sua dinâmica, tendem, na maioria das


vezes, a entrarem em uma fase de diminuição, que ocorre quando as partes
evolvidas percebem que o conflito chegou a um estágio intolerável.

A retirada das tropas americanas do território do Iraque em


2011 pode ser vista como o ponto chave da diminuição do conflito, haja vista que,
desde então, não se tem notícias de ataques bélicos dos Estados Unidos contra o
Iraque.

Todavia, deve-se ter em mente que não houve, de fato, a


resolução do conflito, pois envolve a superação das suas causas e essas,
principalmente as de fundo religioso, continuam vívidas, assim como permanece
presente a violência e ameaça de violência, direta e indireta, diuturnamente
implementadas e fomentadas pelas ações terroristas do ISIS (autoproclamado
Estado Islâmico do Iraque e da Síria), que há tantas décadas vem assolando a
população iraquiana.
26

REFERÊNCIAS

GALTUNG, Johan. Transcender e Transformar: uma introdução ao trabalho de


conflitos; tradução de Antônio Carlos da Silva Rosa. São Paulo: Palas Athena,
200.evista dos Tribunais: São Paulo, 2002.

LAMBERT, Jean-Marie. Curso de Direito Internacional Público. Volume II – Fontes e


Sujeitos. 3ª edição. Goiânia: Leart Livraria e Distribuidora, 2003.

WEBER, Max, 1864-920. A ética protestante e o “espírito” do capitalismo; tradução


de José Marcos Mariani de Macedo, revisão técnica, edição, e apresentação de
Antônio Flávio Pierucci. São Paulo: Companhia das Letras, 2004.

Materiais disponíveis na Rede Mundial de Computadores:

A expansão do Estado Islâmico no Iraque e na ... - PUC Minas


seer.pucminas.br › fronteira › article › viewFile

https://www.publico.pt/2006/12/30/mundo/noticia/saddam-hussein-ascensao-e-queda-de-um-ditador-
1281115

http://www.itamaraty.gov.br/pt-BR/component/content/article?id=10612:notas-para-exposicao-do-
ministro-celso-lafer-na-comissao-de-relacoes-exteriores-e-defesa-nacional-do-senado-federal-
conjunta-com-a-comissao-de-relacoes-exteriores-e-defesa-nacional-da-camara-dos-deputados-20-de-
novembro-de-2002

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