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Rafael Mansor Vichi

Professor Fernando Binder

Ao tratar sobre a prática do cantochão, Palisca afirma que é uma prática ainda em
uso, que vem de uma tradição antiquíssima mas que em alguns lugares se mantém viva.
Isso faz com que historiadores precisem ser cautelosos na análise dessa forma de música,
pois a função social que ela desempenha hoje em dia não necessariamente será a que teve
na sua origem. A Igreja controla essa tradição, e essa estética sofreu várias alterações ao
longo do tempo, de acordo com as diferentes posições que os inúmeros papas tiveram com
relação à prática musical litúrgica. Massin afirma que é muito comum que se use o termo
gregoriano para se referir a todo e qualquer tipo de cantochão, porém, o Gregoriano é
apenas uma ramificação de uma tradição litúrgica, padronizada pelo papa Gregório I. Cada
província possuía suas influências e suas especificidades dentro dos monastérios, muitas
delas com características da tradição árabe, como por exemplo o canto moçárabe. Não
havia ainda então uma unificação na prática religiosa, assim é imprudente generalizar todas
essas diferentes tradições.
Nesse processo de padronização das práticas musicais litúrgicas é que se começou
a pensar em notação musical, no registro das melodias para a manutenção da tradição. Os
neumas eram símbolos usados para grafar a música, de maneira rudimentar e não
padronizada, pois em cada lugar se usava códigos diferentes para a notação.Massin diz
que, apesar da invenção da notação, os monges já tinham a noção de que a matéria
musical vai além do seu registro, de que é impossível escrever um som na sua totalidade,
mas apenas fazer referência a ele. A escrita musical não desempenhava a função central
na prática musical, era uma maneira de ajudar os cantores a decorar as melodias a partir da
compreensão do desenho melódico a partir de uma referência visual. hoje em dia a nossa
relação com a partitura é bem diferente, a prática da música erudita quase que depende
exclusivamente da leitura, é raro ver, nesse âmbito, alguém tocar algo de cor.
Mesmo antes da notação, algumas melodias eram conservadas de maneira a
aparecerem posteriormente em diversos registros com poucas alterações entre eles. Isso se
dá por conta da maneira como as melodias são criadas, a partir de fórmulas pré
estabelecidas e seguem alguns padrões melódicos, assim fica mais fácil de a tradição se
manter apesar das distâncias no tempo e no espaço. Palisca afirma que a prática da
improvisação também era recorrente nos monastérios, haviam algumas tradições mais
estáveis e as que usavam mais do recurso do improviso.
As primeiras notações eram como se fossem cifras, cada nota tinha uma letra
correspondente, e as letras eram dispostas de maneira a descrever o desenho melódico do
trecho musical. Guido D’Arezzo apresentou grandes avanços na teoria da notação musical,
pois ele era um educador musical e procurava facilitar o processo de aprendizagem de
solfejo entre os seus aprendizes. Ele classificava os intervalos de tom e semitom, e usava
de diferentes cores para designar as notas musicais. Quatro linhas coloridas para medir as
diferenças de alturas, antes disso os intervalos não eram especificados tão claramente. Foi
essa prática que deu origem à pauta, em primeiro momento com 4 linhas e posteriormente
como a conhecemos hoje. Outra contribuição do educador foi a criação de nomes
específicos para as notas musicais, provenientes dos primeiros versos de um poema para
São João Batista, em que a melodia vai subindo de grau em grau, e os nomes das notas
vêm sempre da primeira sílaba de cada verso. Não havia nesse tipo de notação a presença
de figuras rítmicas que expressassem um ritmo de maneira exata e cravada, como temos
em nossa notação atual, o que havia eram alguns símbolos que prolongavam as notas,
indicavam melismas e ligavam uma nota na outra, entre outros. Como essa prática musical
era exclusivamente oral, o ritmo das melodias obedecia à prósodia e ao ritmo da oratória,
de acordo com a articulação de cada sílaba do texto.
Há algumas convenções acerca das características do estilo cantochão: este pode
ser antifonal (coros cantando alternadamente), responsorial (coro responde um solista) e
directo (sem alternância). Sua melodia pode ser silábica, ou seja, uma nota por sílaba, ou
pode ser melismática, com grandes contornos melódicos para uma sílaba só. Vale ressaltar
que essa distinção está diretamente interligada ao sentido da canção, há momentos em que
o texto pede algo mais marcado assim como pode pedir algo mais lírico e melismático.

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