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Interpretação de texto modernista - O quinze

Essa obra, escrita quando a autora tinha 18 anos, conta a história de Chico Bento,
sua mulher e cinco filhos, retirantes da terrível seca de 1915.

[...] De tarde, quando caminhavam com muita fome, tinham passado por uma roça
abandonada, com um pau de maniva aqui, outro além, ainda enterrados no chão. 
Josias, que vinha atrás, distanciou-se. [...] 
Ele então foi ficando para trás, entrou na roça, escavacou com um pauzinho o chão,
numa cova, onde um tronco de manipeba apontava; dificultosamente, ferindo-se,
conseguiu topar com uma raiz, cortada ao meio pela enxada. 
Batendo de encontro a uma pedra, trabalhosamente, arrancou-lhe mais ou menos a
casca; e enterrou os dentes na polpa amarela, fibrosa, que já ia virando pau num dos
extremos. 
Avidamente roeu todo o pedaço amargo e seco, até que os dentes rangeram na fibra
dura. 
[...]
Quando se juntou ao grupo que já estava arranchado, a mãe, inquieta desde que lhe
dera pela falta, o interpelou: 
— Que foi, Josias? Você anda abestado, ou isso é ruindade? Que foi que andou
fazendo? [...] 
Ele contou a história da manipeba. Cordulina levantou-se, assustada: 
— Meu filho! Pelo amor de Deus! Você comeu mandioca crua? 
Assombrado, e sentindo a dor mais forte, o pequeno começou a chorar. Cordulina,
aturdida, topando no madeirame do chão, andou até ao terreiro limpo, procurando na
terra varrida umas folhas para um chá. [...] 
E enquanto fazia o chá, gritava, num pranto, para o marido [...]. 
A criança era só osso e pele: o relevo do ventre inchado formava quase um aleijão
naquela magreza, esticando o couro seco de defunto, empretecido e malcheiroso. 
Quando o pai chegou trazendo consigo uma negra velha rezadeira, Josias,
inconsciente, já com o cirro da morte, sibilava, mal podendo com a respiração
estertorosa. 
A velha olhou o doente, abanou o pixaim enfarinhado: 
— Tem mais jeito não... Esse já é de Nosso Senhor... [...] 
Lá se tinha ficado o Josias, na sua cova à beira da estrada, com uma cruz de dois paus
amarrados, feita pelo pai. 
Ficou em paz. Não tinha mais que chorar de fome, estrada afora. Não tinha mais
alguns anos de miséria à frente da vida, para cair depois no mesmo buraco, à sombra
da mesma cruz. [...] 

Rachel de Queiroz. O quinze. Rio de Janeiro: José Olympio, 1973, pp. 64-71.
1. Assinale a única alternativa que não interpreta corretamente o texto de Rachel
de Queiroz. 

a) Esquecidos nos sertões, os personagens vivem de acordo com a própria sorte. 


b) Prestes a morrer, Josias só pode contar com o auxílio de uma rezadeira, o que indica
a fervorosa fé dos sertanejos. 
c) Os personagens não dispõem de mínimos recursos para enfrentar seus problemas. 
d) O narrador expõe os fatos diretamente, como se estivesse documentando o que vê,
sem exteriorizar 

2. Pode-se afirmar que o narrador não acredita na possibilidade de os


personagens alterarem sua condição de miséria e sofrimento? Justifique com uma
passagem do texto. 

Sim. “Não tinha mais alguns anos de miséria à frente da vida, para cair depois no
mesmo buraco, à sombra da mesma cruz.”

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