Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Michael Horton - O Deus Da Promessa - Introdução À Teologia Da Aliança
Michael Horton - O Deus Da Promessa - Introdução À Teologia Da Aliança
Michael Horton
Introdução à Teologia da Aliança
Michael Horton
O Deus da Promessa
Michael Horton
O Deus da Promessa © 2010, Editora Cultura Cristã. © 2006 by Michael Horton. Original
mente publicado em inglês com o título God o f Promise pela Baker Academic, uma divisão
do Baker Publishing Group, Grand Rapids, Michigan, 49516, USA. Todos os direitos são
reservados.
Ia edição-2 0 1 0
3.000 exemplares
Conselho Editorial
Adão Carlos do Nascimento
Ageu Cirilo de Magalhães Jr
Cláudio Marra (presidente)
Fabiano Almeida de Oliveira
Francisco Solano Portela Neto
Heber Carlos de Campos Júnior
Jôer Corrêa Batista Produção Editorial
Jailto Lima Tradução
Mauro Fernando Meister Elizabeth Stowell Charles Gomes
Tarcízio José de Freitas de Carvalho Revisão
Valdeci da Silva Santos Claudete Agua de Melo
Davi Miguel Manço
Heloísa Cavallari
Editoração
Carla Daniela Araújo
Capa
Leia Design
37 Horton, Michael
H9391h O Deus da promessa / Michael Horton; [tradução
Elizabeth Stowell Charles Gomes]. - São Paulo: Cultura Cristã,
2010.
160 p.; 16x23 cm
Título original: God of Promise
ISBN 978-85-7622-307-8
s
1. - Teologia da Aliança I. Título
A g r a d e c im e n t o s 5
A G r a n d e I d é ia ? 7
D e u s e as R el a ç õ e s E st r a n g eir a s 19
U ma H ist ó r ia d e D u a s M ães 29
U m a N o v a A lia n ç a 41
D a E s c r i t u r a p a r a o S is te m a : O C e r n e d a
T e o l o g ia d a A l ia n ç a 61
P r o v i d ê n c ia e A lia n ç a : G r a ç a C o m u m 87
O Povo d a A lia nç a 101
S in ais e S e l o s d a A lia nça 107
O b e d iê n c ia d a N o va A lia nça 133
N o tas 151
A g r a d e c im e n t o s
A G r a n d e I d é ia ?
Q u e D ife r e n ç a I sso F a z ?
Primeiro, como espero deixar claro nos primeiros capítulos, essa
estrutura pactuai pode ser vista surgindo naturalmente da leitura comum das
Escrituras desde o Gênesis até o Apocalipse. Quando começamos com um
dogma central, é fácil pilhar as Escrituras para tanto e em seguida descartá-
las, sem precisar mais das próprias Escrituras, mas apenas da dedução lógica,
para estabelecer tudo o mais como conseqüência. Quantas vezes temos
ouvido debates importantes sobre ensinamento bíblico descartado com um
dar de ombros e as palavras: “Vocês têm os seus versículos e nós temos os
nossos”, como se a própria Bíblia fosse intencionalmente inconsistente ou
contraditória? Para o cristão, todos os versículos são “nossos versículos”.
Nossa interpretação de dado ponto tem de ser demonstrada não somente
conforme é ensinado nesta ou naquela passagem, mas como coerente
com todo o ensino da Escritura. A Escritura é internamente coerente,
não contraditória, mas nem sempre saberemos como resolver perguntas
complicadas que surgem de diversos ensinamentos. Temos de ter uma
estrutura que a própria Escritura nos fornece; de outro modo serviremos
aos caprichos de nossas próprias suposições sobre o que deve ou não deve
ser verdade, dado o nosso ponto de partida. No desenrolar dos primeiros
capítulos, espera-se que o leitor obtenha novo senso de maravilha quanto à
unidade pactuai que sustenta a diversidade na Escritura.
Segundo, reconhecer a estrutura pactuai da Escritura unifica o que de
outro modo seria dividido ou confuso demais nos nossos dias. Por exemplo,
em muito da teologia acadêmica, como também do pietismo popular, Deus
e a criação são separados ou são confundidos. Em outras palavras, Deus
é visto como sendo tão completamente além de nós que não o podemos
conhecer ou ter relacionamento pessoal com ele. As pessoas não sabem
relacionar Deus ao mundo que ele criou. Algumas expulsam Deus de seu
próprio domínio, como no deísmo, em que seus seguidores reconhecem a
existência de Deus, mas negam o seu envolvimento pessoal com o mundo.
Assim, Deus é muitas vezes percebido como uma força impessoal ou um
12 O D eus d a P rom essa
pedras vivas que constituem um templo espiritual, uma família, e assim por
diante. Contudo, hoje muitos cristãos são tentados a reagir ao individualismo
enfatizando de tal modo o aspecto corporativo que minimizam seriamente a
importância atribuída pelas Escrituras ao relacionamento pessoal com Deus
que tem de ser aceito e praticado por cada indivíduo dentro da aliança.
Como juntamos os aspectos individuais e corporativos da nossa teologia
e prática em face dessas circunstâncias? Somente, como argumentarei,
ao recuperarmos, não um conceito ou uma idéia, e sim um contexto de
aliança concreto e prático, dentro do qual o eu não seja mais soberano e
ensimesmado; ou perdido na multidão da comunidade, mas liberto para
pertencer a Deus e um ao outro.
Relacionado a tudo isso está a oposição entre corpo e alma que
muitas vezes é encontrada no pietismo popular. A salvação é muitas vezes
concebida em termos de libertação deste mundo e entrada em outro mundo
superior, por ser espiritual e não físico. Esse conceito, no entanto, está longe
do entendimento bíblico de salvação, que confessa sua fé na ressurreição
do corpo e a vida futura - não separada do nosso corpo e da criação física
ao nosso redor, mas com ambos! Essa é a boa nova que Paulo anuncia
em Romanos 8.18-24: só seremos plenamente salvos quando nossos corpos
forem ressuscitados e toda a criação se juntar a nós quando se libertar dos
efeitos da queda.
Muito da fé e da prática cristã também tende a divorciar o reino de
Deus dos reinos deste mundo, ou confundi-lo com eles. Divorciar o reino
de Deus dos reinos deste mudo é deixar de reconhecer que toda a criação,
especialmente todos os seres humanos, já está em relação com Deus como
criador e juiz na aliança da criação. Estamos todos jungidos eticamente em
responsabilidade mútua. Cada pessoa, cristã ou não-cristã, porta a imagem
de Deus, e podemos trabalhar lado a lado com não-cristãos para cumprir
o mandado escriturístico de amar ao próximo. Portanto, devemos levar
a sério este mundo, porque partilhamos com o não-cristão essa imagem
de Deus e participamos com eles de chamados seculares, assim como
de empreendimentos culturais comuns. Ao mesmo tempo, a queda no
Éden marca a quebra dessa aliança, e desde então a humanidade tem se
desenvolvido segundo duas linhas distintas: aqueles que constroem cidades
e aqueles que chamam pelo nome do Senhor (Gn 4.17-26). Essas duas linhas
se cruzam no cristão como indivíduo, pois ele é um cidadão dos dois reinos.
Porém, os dois reinos são distintos. A aliança da criação não é a mesma que
a aliança da graça, e o mundo não é a igreja. O reino de Deus não progride
pela realização cultural e sim por resgate divino. A teologia da aliança une
de modo maravilhoso esses compromissos cruciais sem confundi-los.
14 O D e u s da P r o m es s a
imitássemos. Mas muitos cristãos não sabem o que fazer com essa parte
de sua Bíblia. A Escritura deve ser compreendida como um só livro do
Gênesis ao Apocalipse? Há uma trama? Relacionado a isso, há um só povo?
Ou o Antigo Testamento nos dá um plano de salvação para um povo (Israel)
enquanto o Novo Testamento dá um plano de salvação diferente para um
povo diferente (a igreja)?
A teologia da aliança começa com continuidade e não descontinuidade,
não por um preconceito a priori, mas porque a Escritura se move da
promessa para o cumprimento, não de um programa distinto a outro e de
volta ao primeiro. Ao mesmo tempo, a teologia da aliança reconhece na
própria Escritura uma distinção entre tipos específicos de alianças. Algumas
exigem obediência sem vacilar como condição de seu cumprimento, como
a aliança feita pelo povo no Sinai.
Ler, por exemplo, Deuteronômio, como se fossem princípios eternos
de bênção e maldição, é confundir essa aliança sobre uma entidade nacional
geopolítica (ou seja, a nação de Israel) com o plano eterno de redenção
que foi desenvolvido na promessa incondicional de Deus com Abraão e
cumprido em Cristo. E também, a teologia pactuai nos ajuda a entender
tanto a continuidade quanto a descontinuidade quando lemos a Escritura.
Isso nos ajuda a ver a continuidade básica entre a antiga e a nova aliança em
termos de uma só aliança de graça que corre através de tudo, como também
a descontinuidade dentro até do Antigo Testamento, quando se trata de uma
promessa divina unilateral e um arranjo dependente da obediência pessoal
a tudo o que Deus ordena.
A teologia da aliança também nos ajuda a colocar em harmonia o
relacionamento tantas vezes ambíguo entre Palavra e sacramento. Ao longo
de toda a história dos tratados da aliança de Deus, um pronunciamento
verbal da aliança, incluindo suas bênção e maldições, é proclamado, selado
e ratificado por rituais públicos e visíveis. Hoje, diversas tradições cristãs
se dividem entre a orientação centrada na Palavra e orientação centrada nos
sacramentos. Algumas igrejas parecem, pelo menos na prática, agir como
se elas poderiam passar bem sem o batismo e a ceia do Senhor desde que
mantenham a pregação (e talvez um bom coral!). Já outras igrejas parecem -
novamente, na prática se nem sempre na teoria - assumir que o negócio real
é o espetáculo do próprio sacramento. Em vez disso, precisamos reafirmar
em nossos dias que a pregação e os sacramentos, a renovação verbal da
aliança e a confirmação visual da nossa participação nela, são inseparáveis.
Essa interdependência mútua entre Palavra e sacramento é confirmada não
por teorias sobre o que achamos útil na igreja, mas apelando ao contexto
escriturístico em que ambos surgem como “cortar uma aliança”.
A G r a n d e I d é ia 17
Devido a isso, o temor constante que assombra o mundo pagão, o medo da arbitrariedade e
dos caprichos da Divindade, é excluído. Com esse Deus, os homens sabem imediatamente
onde se encontram; é criada uma atmosfera de segurança e confiança, na qual eles
encontram força para uma entrega voluntária à vontade de Deus e coragem cheia de
alegria para enfrentar os problemas da vida (...) Desse modo, a História adquire um valor
que não possuía nas religiões das antigas civilizações (...) Sua visão da atividade divina
era aprisionada firmemente nas formas de pensamento da sua mitologia da natureza.
Em Israel, por outro lado, o conhecimento do Deus do pacto e do seu ato de redenção
despertou a capacidade de entender e apresentar o processo histórico, no início apenas
numa estrutura limitada do destino nacional, mas mais tarde também universalmente como
o efeito de uma vontade divina.8
D e u s e as R ela ç õ es E st r a n g e ir a s
A B íblia e a L ei I n t e r n a c io n a l
Um dos exemplos dignos de nota da providência de Deus está no
surgimento do tratado internacional. Isso é notável não apenas porque criou
a base para a justiça e a segurança num mundo de trapaceiros, bandidos
e vigilantes que se parecem com personagens de filmes do Velho Oeste
na televisão, mas também porque foi um contexto adequado para o
relacionamento que Deus estabeleceria com Israel. Antes que uma única
palavra da Bíblia fosse escrita, o antigo Oriente Próximo já tinha uma versão
secular de aliança em forma de tratados entre suseranos e vassalos.2 Um
suserano era um grande rei, como um imperador, enquanto o vassalo era o
que hoje chamaríamos de “estado submisso”. A relação entre o suserano e o
vassalo era como a de um cavaleiro feudal com os seus rendeiros na Idade
Média, o Palácio de Buckingham com Nairobi ou Hongcong durante a era
do colonialismo, ou Moscou com seus estados satélites na União Soviética.
O magistral Law and Covenant in Israel and the Ancient Near East
[Lei e Aliança em Israel e no Antigo Oriente Próximo], de George E. Men-
denhall destaca os surpreendentes paralelos entre os tratados antigos (espe
cialmente os hititas) e a estrutura pactuai do pensamento e prática do Anti
go Testamento.3 O estudioso do Oriente Próximo, Delbert Hillers também
comenta as semelhanças: “A expressão que se tomou comum é ‘tratado de
20 O D eu s da P rom essa
que fosse o caráter dos estados gerados pelos tratados antigos no Oriente
Próximo, certamente não era isso.
Quais eram, então, as características distintas desse tipo de tratado?
Um século antes da conquista de Canaã, os tratados hititas incluíam diversos
elementos típicos.5
Primeiro, havia o preâmbulo (“assim (diz) NN (nome), o grande rei,
rei da terra Hatti, filho de NN... o valoroso”), identificando quem fez o
tratado.
O segundo elemento era o prólogo histórico. Isso não era apenas
enfeite; justificava tudo o que se seguia. Dada a história - digamos que o
suserano tinha salvado a nação menor de um exército invasor - o que se
podia esperar, a não ser a aceitação calorosa de um povo grato? Ao contar a
história do que aconteceu, o suserano mostrava que o rei menor não estava
em posição de negociar. O rei menor e seu povo tinham sido tratados com
misericórdia e não tinham o direito de exigir nada do grande rei.
Os prólogos históricos mantinham assentados firmemente os tratados.
Como tratados seculares, não eram nada parecidos com os mitos religiosos
que os antigos contavam, por exemplo, sobre a criação do mundo. A religião
desse povo era cíclica e mitológica, mas a sua política tinha pé firme na
História. Não é de admirar que quando Deus tomou esse tema de tratado
para o seu relacionamento com Israel, o caráter totalmente histórico formou
tanto a vida religiosa quanto a vida política do povo. Não havia um reinado
irracional de mito por um lado (religião) e um reinado racional de História
e política (vida cotidiana) do outro. Pelo contrário, Deus era o soberano de
toda a vida e ancorava essa reivindicação total na História, não no mito ou
em princípios gerais de verdade e moralidade. Ele disse: “Eu sou o Senhor,
teu Deus, que te tirei da terra do Egito, da casa da servidão. Não terás
outros deuses diante de mim” (Ex 20.2,3). Era porque certas coisas tinham
acontecido que Israel era grato a Deus e tinha obrigações para com ele.
Um terceiro elemento dos tratados antigos eram as estipulações. Ve
mos isso em todos os tratados hititas, como também no sumário da aliança
do Sinai que acabamos de citar: “Eu... te tirei da terra do Egito, da casa da
servidão... [Portanto] não terás... farás...” As estipulações, ou os termos do
tratado, eram expostos. Os que guardavam as estipulações eram guardado
res da aliança; aqueles que as violavam eram quebradores da aliança. Nesse
ponto dos antigos tratados, havia também um apelo a testemunhas, que en
volvia chamar as respectivas divindades. Ambos os lados chamavam pelo
deus do céu e das montanhas e rios sagrados, para testemunhar o juramento
e testificar contra qualquer dos lados no caso de transgressão.
22 O D eu s da P rom essa
A lia nç a s B íblicas
Nas religiões e filosofias pagãs, os seres humanos eram vistos muitas
vezes, pelo menos no aspecto intelectual ou espiritual, como uma centelha
da essência divina. Muitas vezes, uma raça em especial era identificada
com a divindade, e o rei, visto como uma encarnação de uma figura divina.
Com Israel, o caso era totalmente diferente. O Deus soberano, criador e
senhor de todas as coisas era totalmente distinto de sua criação. Nenhuma
parte da natureza ou do conhecimento de Deus coincidia com a criatura, em
nenhum ponto. Isso é dizer que Deus é transcendente. Portanto, qualquer
relacionamento que se possa ter com esse Deus, seria diferente de um rela
cionamento natural - ou seja, o relacionamento não podia ser explicado em
termos de, digamos, uma essência espiritual comum partilhada pelo Cria
dor e por uma criatura. De acordo com a Bíblia, esse relacionamento - uma
24 O D eu s d a P rom essa
Tanto nas narrativas de Gênesis 15 el7 quanto nas referências posteriores a essa aliança,
é claramente declarado, ou está implícito, que o próprio Yahweh é quem jura quanto a
certas promessas que serão cumpridas no futuro. Nem sempre é observado que não são
impostas obrigações sobre Abraão. A circuncisão não foi originalmente uma obrigação,
mas um sinal da aliança, como o arco íris de Gênesis 9. Ele tem o propósito de identificar
o(s) beneficiário(s) da aliança, como também dar indicação concreta de que existe uma
aliança. É para a proteção daquele que recebe a promessa, talvez como a marca de Caim
em Gênesis 4. A aliança de Moisés, por outro lado, é quase o oposto exato. Ela impõe
obrigações específicas sobre as tribos sem forçar Yahweh a obrigações específicas, embora
não seja necessário dizer que o relacionamento de aliança em si pressupunha a proteção e
o apoio de Yahweh para Israel.13
foi a fonte do “sentimento de História” que é um enigma tão grande na literatura israelita.
Talvez ainda mais importante seja o fato de que o que hoje chamamos de “História” e “lei”
estavam jungidos numa unidade orgânica desde os primórdios do próprio Israel. Como o
culto era pelo menos ligado à proclamação da aliança, ou sua renovação, podemos ver
que no Israel primitivo, a história, o culto e a “lei” eram inseparáveis, e que a história da
religião israelita não é história do surgimento gradativo de novos conceitos teológicos, mas
da separação e recombinação desses três elementos característicos da religião israelita, em
contraste com as religiões mitológicas de seus vizinhos pagãos.16
28 O D eu s da P ro m essa
P ai M o isé s , M ã e H ag ar
Os leitores judeus da alegoria de Paulo em Gálatas 4 bem que pode
riam pensar que ele estivesse mal-informado. Todos que prestassem aten
ção às lições do sabá saberiam que Sara foi mãe de Isaque (portanto, dos
judeus), enquanto Hagar foi mãe de Ismael (portanto, do povo que hoje se
chama árabe). Além do mais, o Monte Sinai foi a casa da liberdade, tão
determinante para a identidade judaica quanto a Declaração da Indepen
dência o é para os norte-americanos. Será que Paulo estava confuso quanto
aos detalhes fundamentais da história do seu próprio povo? Isso é bastante
improvável, pois ele era um escriba altamente treinado na mais estimada
tradição dos fariseus.
U m a H is t ó r ia d e D u a s M ã e s 31
Observe que não existe obrigação formal da parte de Yahweh [em Êx 20], assim como o
rei hitita não jurava realizar alguma coisa num tratado com um vassalo. A boa vontade
de Yahweh é implícita; foi ele quem os tirou graciosamente da casa da escravidão. Ele
continuará a ser leal e bondoso, pois é ele “O que guarda fidelidade a milhares de gerações
aos que me amam e guardam meus mandamentos”. Mas ele não jura nada?
P ai A br a ã o , M ãe S ar a
Em que diferiam as alianças abraâmica e sinaítica? Talvez a fonte
mais importante para a primeira seja Gênesis 15. Os antigos tratados do
Oriente Próximo envolviam numerosas cerimônias para se fazer um pacto,
e encontramos muitas destas na prática de Israel também. “A forma mais
amplamente comprovada de jurar uma aliança, porém, envolvia cortar um
animal em pedaços”, comenta Hillers.
O homem que fazia o juramento é identificado com o animal morto. “Assim como o
bezerro está cortado, que Matiel seja cortado” é o modo em que isso é colocado no texto de
um tratado aramaico do século 8= a.C., e um documento anterior descreve uma cerimônia
semelhante: “Abba-An jura a Yarim-Lim o juramento dos deuses e cortou o pescoço de
um cordeiro, (dizendo): ‘Se eu tomar de volta o que eu lhe dei...’” Entre os israelitas
parece que um modo comum de identificar as partes era cortar o animal e passar entre
as partes dele [ver Jr 34.18]. Dessa cerimônia deriva a expressão hebraica para fazer um
tratado, karat berií, “cortar um tratado”.4
Como a aliança com Noé, a com Abraão compromete somente a Deus. Deus obriga
a si mesmo a dar Canaã para Abraão, “a terra dos amorreus”. O que toma esse antigo
relato estranhamente impressionante é o modo ousado como retrata Yahweh como
jurando a Abraão... Isso compartilha com o Sinai apenas o nome “aliança”; os papéis dos
participantes são marcadamente diferentes.10
A circuncisão é o “sinal da aliança entre mim e vós” [Gn 17.11]. É uma marca para
identificar aqueles que partilham da promessa que Deus faz e funciona como o arco-íris
para fazer com que Deus se lembre dos seus. É claro que quem não tiver esse sinal não
recebe a sua parte, mas isso não é um mandamento como os do Decálogo. O cenário e a
função são totalmente diferentes. Quando Paulo contrasta a lei com a promessa e declara
“Deus deu a Abraão por meio da promessa”, temos de admitir que ele está certo... Seria
ir longe demais dizer que esse tipo de aliança representa uma idéia religiosa oposta ao
pacto do Sinai. Como vimos, uma aliança como a relatada em Êxodo 20 coloca obrigações
apenas sobre os sujeitos; no entanto, assume-se que o Senhor também agirá de modo justo e
reto. Não se trata de um instrumento para o estabelecimento de uma tirania. Inversamente,
U ma H is t ó r ia d e D u a s M ã e s 35
mesmo que uma aliança como a feita com Abraão não delineie como Abraão deverá se
comportar, é pressuposto no relacionamento - o de ter Yahweh como Deus - que Abraão
continuará a confiar em Deus e andar retamente diante dele. No entanto, a ênfase em cada
uma dessas duas alianças é tão diferente que elas chegam quase a ser opostas."
A aliança do Sinai oferecia pouca base para otimismo, mas alguma esperança provinha da
promessa a Abraão: “Quando estiveres em angústia, e todas estas coisas te sobrevierem
nos últimos dias, e te voltares para o Senhor, teu Deus, e lhe atenderes a voz, então, o
Senhor, teu Deus, não te desamparará, porquanto é Deus misericordioso, nem te destruirá,
nem se esquecerá da aliança que jurou a teus pais” (Dt 4.30,3 l).l!
O termo sakar, “galardão”, é usado para a devida recompensa aos que conduziram uma
campanha militar. Em Ezequiel 29.19 se refere ao despojo do Egito que o Senhor dá
a Nabucodonosor como pagamento para o exército (cf. Is 40.10; 62.11). A imagem de
Gênesis 15.1 é do Grande Rei honrando a notável exibição de obediência à aliança, da
parte de Abraão, dando como recompensa uma concessão real especial que compense
qualquer enriquecimento do qual ele abriu mão nas mãos do rei de Sodoma por amor da
fidelidade a Yahweh, seu Senhor.13
de Deus e de seu povo. Como as alianças com Noé e Abraão, a aliança com
Davi é nada mais que condicional ou temporária. Em 2 Samuel 23.1-5, Deus
promete estabelecer “uma aliança eterna” com Davi e sua semente, mesmo
sabendo que eles pecarão e corromperão o seu santo monte. Novamente,
isso se assemelha à aliança com Noé, em que Deus jura unilateralmente não
destruir mais com dilúvio, mesmo sabendo que “era continuamente mau
todo desígnio do seu coração” (Gn 6.5).
Quando concluímos o capítulo anterior, a divisão entre os dois tipos
de aliança tinha começado a se abrir com a chegada de Davi como rei. Essa
divisão já estava presente com Abraão, conforme vimos, mas agora, com o
surgimento de Davi,
a tradição da aliança com Abraão se tomou o modelo de uma aliança entre Yahweh e Davi,
em que Yahweh prometeu manter no trono a linhagem davídica (2Sm 23.5). Yahweh se
comprometeu, exatamente como nas alianças com Abraão e com Noé, e, portanto, Israel
não podia fugir da responsabilidade para com o rei. A aliança com Abraão foi a “profecia”
e a feita com Davi foi o “cumprimento”... A tradição legal mosaica não podia ser mais
atraente para Salomão do que foi para Paulo.15
O rei [Josias] juntamente com o povo entrou em aliança (diante do Senhor, isto é, com
Yahweh como testemunha, não como parte da aliança) para guardar os mandamentos do
Senhor... Ela deu a Josias e à liderança religiosa a compreensão de que eles tinham estado
vivendo numa ilusão ao achar que Yahweh tinha irrevogavelmente se comprometido a
preservar a nação na aliança davídica-abraâmica. Moisés foi redescoberto depois de estar
dormente por quase três séculos e meio.16
A harmonização das duas tradições de alianças significava que grande ênfase tinha de ser
colocada sobre o perdão divino, e isso se toma o fundamento da nova aliança predita por
Jeremias... A nova aliança do Cristianismo obviamente continuou a tradição da aliança
abraãmica-davídica com sua ênfase no Messias, Filho de Davi. Paulo usa a aliança de
Abraão para mostrar a validade temporária da aliança mosaica; porém, apesar disso, a
estrutura básica da religião do Novo Testamento é, na verdade, como a igreja primitiva
mantinha constantemente, a continuidade da religião mosaica.19
Essa aliança é tal que até mesmo cometer o mal não pode quebrá-la. A nação poderá sofrer
se o rei for mau, pois Deus os castigará como um pai fustiga um filho errante. Mas mesmo
nesse caso o juramento de Deus permanecerá! Não poderia haver evidência mais clara
do grande abismo entre isso e a intenção da aliança do Sinai, na qual a ênfase está sobre
a responsabilidade de Israel. Aqui a declaração, sem dúvida formada pela experiência de
Israel do que Davi fez com Urias, das apostasias de Salomão, e assim em diante, atestam
que Deus está preso à sua promessa não importa o que aconteça. Ao mesmo tempo,
embora isso contraste fortemente com o Sinai, existe uma transferência do modelo mais
antigo de aliança. Se a aliança mais antiga falava de bênçãos pela obediência e maldição
pela desobediência de toda Israel, esta aliança agora marca o fato de que a história de Israel
será, daqui em diante, determinada pelo caráter do seu rei.21
U ma N ova A liança
As “D u a s A lia n ç a s ” n o s P r o f e t a s
Mesmo quando o termo aliança não aparece, ele é o pano de fundo.
Por exemplo, o verbo yada (“conhecer”) faz parte da linguagem formal
do tratado e pertence de modo proeminente ao padrão literário que os
estudiosos chamam de “processo da aliança” que é encontrado nos Profetas.
De fato, os Profetas são acima de tudo advogados da aliança, representando
as reivindicações de Deus ao povo, e vice-versa.
Conhecer somente a Yahweh tem o seu correlato nos tratados
seculares em que era esperado que o vassalo evitasse quaisquer outros
envolvimentos com outros suseranos. Estava implícito que o vassalo
reconhecesse legalmente o suserano como seu superior, não simplesmente
que tomasse conhecimento disso como item de informação da existência
do tratado. Quando Israel reconhece somente a Yahweh como único Deus,
Yahweh reconhece Israel como o seu único povo. A palavra de Deus a Israel
por intermédio de Amós foi: “De todas as famílias da terra, somente a vós
outros vos escolhi; portanto, eu vos punirei por todas as vossas iniqüidades”
(3.2). (A mudança de Amós, do discurso íntimo de segunda pessoa para o
42 O D e u s d a P r o m essa
Abraão e Davi nada têm a dizer sobre a questão. Seus erros pessoais
(amplamente documentados) são incapazes de impedir os propósitos de
Deus. Eles têm de simplesmente crer na promessa.
J u d a ísm o d o S e g u n d o T em plo
Com referência ao período entre os Testamentos Antigo e Novo,
quando o templo de Herodes substituiu a estrutura original de Salomão, o
Judaísmo do Segundo Templo é o contexto no qual uma rica variedade de
expectativas quanto ao final dos tempos surgia. Foi a época em que foi dito
a uma virgem que ela conceberia e daria à luz um salvador. É impossível
tratar todo o espectro da fé judaica do período do Segundo Templo.
Porém, analisaremos rapidamente a teologia de aliança dos essênios como
uma ponte para a nossa discussão dos conceitos desenvolvidos no Novo
Testamento.
Contemporâneos dos fariseus e saduceus, os essênios, centrados em
Qumran, foram destruídos quando se revoltaram contra Roma em 68 d.C.
As primeiras descobertas nas cavernas foram feitas em 1947. Qumran usava
aliança (berit) “com frequência cinco vezes maior do que os escritores do
novo Testamento” e até mesmo usaram o termo nova aliança.7 O Manual
de Disciplina é a constituição da comunidade do Qumran, e embora inicie
com a exigência de que a congregação seja repreendida pelos seus pecados
e peça o perdão divino, entrar em aliança parece claramente uma questão
de obediência pessoal:
Ele jurará por juramento que, enquanto viver, voltará para a Lei de Moisés conforme tudo
o que ele ordenou, de todo o coração e alma... Quando alguém entrar em aliança para fazer
conforme esses preceitos, e se unir à santa assembléia, eles juntamente investigarão seu
espírito, com respeito ao conhecimento que têm da Lei e sua obediência a ela... segundo o
seu conhecimento e as suas obras.8
O Novo T e s t a m e n t o
Num raro caso de referência explícita a uma “aliança”, nosso Senhor
chama seu próprio sacrifício - e, como seu sinal e selo, a ceia no cenáculo
- de “meu sangue, o sangue da [nova] aliança, derramado em favor de
muitos, para remissão de pecados” (Mt 26.28). O Novo Testamento dá um
testemunho consistente à crença de que a identidade de pertencer a Deus
- ou seja, a herança - está centrada em Cristo e não no Sinai. É por isso
que a “nova aliança” inaugurada pelo sacrifício de Cristo olha para trás
através de Jeremias 31 até Davi e Abraão. Em Hebreus lemos que essa
é não como a antiga aliança, porque está centrada no Filho e não num
servo da casa de Deus, uma melhor aliança, promulgada sobre melhores
promessas (ver Hb 8). O escritor diz da profecia de Jeremias: “Quando ele
diz Nova, toma antiquada a primeira. Ora, aquilo que se toma antiquado
e envelhecido está prestes a desaparecer” (Hb 8.13, ver também 9.11-23).
Toda a atenção muda de Israel, o grupo do Sinai que fez o juramento, para
Cristo, a semente de Abraão e Filho de Davi. O sistema sacrifical da antiga
aliança nunca tirou os pecados, mas apenas lembrava os adoradores de suas
transgressões, enquanto o sacrifício de Cristo é perfeito e tira o pecado para
sempre, conduzindo todos os adoradores para além do véu que separava a
glória de Deus do povo no Santo dos Santos.
Em Hebreus 10.28,29, o escritor faz um forte contraste entre esse
entendimento mais antigo da aliança (Sinai) com o novo. Assim como
as bênçãos de estar em Cristo são maiores do que estar em Moisés, as
maldições são maiores para aqueles que ainda colocam sua fé nas sombras
da lei em vez de nas promessas o evangelho. Como Paulo, então, o autor
de Hebreus contrasta a aliança tipológica da lei (Sinai) com a aliança da
promessa (Abraão). Conquanto a antiga aliança tenha passado, a aliança
abraâmica não passou:
Pois, quando Deus fez a promessa a Abraão, visto que não tinha ninguém superior por
quem jurar, jurou por si mesmo, dizendo: Certamente, te abençoarei e te multiplicarei. E
assim, depois de esperar com paciência, obteve Abraão a promessa. Pois os homens juram
pelo que lhes é superior, e o juramento, servindo de garantia, para eles, é o fim de toda
48 O D eu s da P rom essa
contenda. Por isso, Deus, quando quis mostrar mais firmemente aos herdeiros da promessa
a imutabilidade do seu propósito, se interpôs com juramento, para que, mediante duas
coisas imutáveis, nas quais é impossível que Deus minta, forte alento tenhamos nós que já
corremos para o refugio, a fim de lançar mão da esperança proposta;
Hebreus 6.13-18
foi dramaticamente dissolvida diante dele numa visão (At 10.9-16; 11.1-
18). Foi por intermédio de Jeremias que Deus disse, quanto à nova aliança,
que não seria: “conforme a aliança que fiz com seus pais, no dia em que os
tomei pela mão, para os tirar da terra do Egito” (Jr 31.31,32).
Uma das coisas realmente marcantes sobre esse entendimento da
pessoa e obra de Cristo à luz da aliança é que o Senhor da aliança também
é o Servo da aliança. O Filho é Deus, o mesmo que falou e a criação passou
a existir. De fato, Jesus Cristo é o Verbo por meio de quem todas as coisas
foram feitas (Jo 1.3). Ele é também o ser divino que fala com a humanidade
ao dar o mandamento no Jardim do Éden e novamente no Monte Sinai.
Foram suas as palavras que abalaram a montanha e encheram de pavor os
ouvintes. Contudo, esse mesmo Deus que falou o mandamento assumiu
a carne humana e desceu do monte para tomar o lugar de seus ouvintes
embaixo. Enquanto Adão e Eva, como também Israel, responderam:“Tudo
isso faremos” e, no entanto, falharam de modo miserável, Jesus se toma
não apenas o fiel na palavra, como também o ouvinte fiel e praticante da
Palavra de Deus. Ele não só ordenou como Senhor da aliança, mas também
respondeu em fidelidade como Servo da aliança - em nosso lugar. Não é de
admirar que Cristo seja tudo nesse novo relacionamento de aliança!
A lia nç a v e r su s T e st a m e n t o ?
Uma das maneiras mais fáceis de explicar a diferença entre alianças
condicionais (de suserania) e de promessas (de doação) tem sido tratar
o Antigo e o Novo Testamentos em termos de anterior e posterior,
respectivamente. Se os escritores do Novo Testamento queriam manter
a idéia de “aliança”, teriam empregado a palavra grega synthêkê em vez
de diathêkê, pois o anterior se refere a um acordo bilateral. Os escritores
do Novo Testamento rejeitaram totalmente o berit (aliança) do Antigo
Testamento: diathêkê não é realmente uma tradução de berit, mas um
conceito totalmente diferente. Um contrato bilateral é feito entre duas partes
vivas, enquanto um testamento (última vontade) é passado aos herdeiros
com a morte do benfeitor. Ao investigar a relação entre a Ultima Ceia e a
“nova aliança”, Delbert Hillers adota exatamente essa posição:
No uso das palavras “sangue da aliança” por Moisés, o sangue ajuda a tomar efetiva a
maldição; o povo é identificado com a vítima, cujo destino será o mesmo se pecarem. As
palavras eucarísticas na verdade identificam Jesus com seus discípulos - observe que em
todas as versões, num ou noutro ponto, “por vós”, “por amor de vós” ou frases parecidas
são empregadas - mas a ênfase não está em colocá-los sob uma maldição e sim num
sacrifício feito em favor deles. Assim, embora haja um eco verbal do pacto do Sinai, a
ligação conceituai real é com a nova aliança de perdão da qual Jeremias falou.9
50 O D e u s da P rom essa
O uso comum não é o que deve determinar essa questão, mas o uso
específico no qual os escritores bíblicos colocam as palavras. A relação de
berit com diathêkê não é óbvia a princípio.
Não é que Abraão não tenha obrigações na relação de aliança. Ele já havia recebido a
ordem de sair da terra de seus pais (Gn 12.1 ss.). Mais tarde lhe será requerido administrar
o selo da circuncisão a todos os seus descendentes machos (Gn 17.10,14). Mas como a
aliança é formalmente instituída em Gênesis 15, o Senhor dramatiza o caráter gracioso
da relação da aliança, sendo ele o único a passar por entre as partes. A aliança será
cumprida porque Deus assume para si plena responsabilidade em cumpri-la.21
É verdade que nosso Senhor estabelece uma ligação entre a sua morte e a inauguração da
nova diathêkê. Mas isso não nos impede de ver a diathêkê como um testamento ativado pela
morte. A verdadeira interpretação da Ceia do Senhor é que é uma refeição de sacrifício,
para a qual a sua morte forma o sacrifício. Se, portanto, a nova diathêkê está ligada à
morte de Jesus, essa ligação terá que ser vista no sentido de sacrifício, ou seja, a morte
é assumida como dando à luz a diathêkê na mesma qualidade e pela mesma razão que a
toma fator central do sacramento. E portanto provável, a priori que a diathêkê aparece
como algo inaugurado por um sacrifício e que não é um “testamento”, mas sim uma
“disposição religiosa” ou uma “aliança”. O paralelo óbvio em que Jesus coloca o sangue
da nova diathêkê com o de Êxodo 24, onde nada mais é que o sangue do sacrifício que
inaugurou o berit do Sinai também requer essa interpretação. E quando é dito do sangue
que ele é exponencial da morte que é huper pollon, “em favor de muitos”, isso gera um
pensamento totalmente incompatível com testamento, pois o testador não morre em favor
dos seus herdeiros ou com intenção de beneficiá-los, enquanto a intenção benevolente da
morte de uma pessoa se encaixa admiravelmente no círculo de idéias sacrificais.23
Paulo fala das duas diathêkai contrastantes, ou seja, dois grandes sistemas religiosos
operando por diversos métodos e com resultados opostos, uma sendo a diathêké-Hagai,
associada geograficamente com o Monte Sinai, a outra uma diathêkê-Sara, tendo seu
centro na Jerusalém celeste. Há uma diferença entre isso e 2 Coríntios 3, quanto a que
ali o antigo e o novo foram contrastados no seu caráter original da vontade de Deus e do
caráter dado por Deus, enquanto aqui em Gálatas a diathêkê sinaítica-Hagar é o velho
sistema conforme foi pervertido pelo judaísmo. Mas o modo comparativo de tratar a idéia
é o mesmo em ambas as passagens e nos dois casos é igualmente responsável pela sua
introdução.28
U m a N o v a A l ia n ç a 55
no Sermão do Monte de Jesus, ele pronuncia bênção sobre aqueles que não
podem circuncidar o próprio coração (Mt 5.1-11). De fato, Jesus não cancela
a lei, mas a apóia: a base para a aceitação continua sendo a justiça perfeita
(v.20). A questão é se essa justiça é inerente a nós ou imputada a nós - e uma
coisa que a interpretação de Jesus da lei deixa clara é que se for a primeira,
estaremos totalmente sem esperança (vs. 21-48).
É somente na nova aliança como realização da aliança de Abraão e
Davi que essa libertação da prisão do pecado e da culpa realmente acontece.
“Mas o que a lei não podia fazer, Deus o fez ao mandar o seu Filho...”. Tão
expressamente a antiga aliança é identificada (no maior contraste) nesse
ponto com Moisés que Paulo pôde dizer: “se vos deixardes circuncidar,
Cristo de nada vos aproveitará” (G1 5.2).
Fica claro por meio de muitas outras passagens que Paulo não quis
dizer que a circuncisão não beneficiasse os santos que estavam sob a antiga
aliança, muito menos que o batismo não beneficie agora os santos sob a
nova. Pelo contrário, ele está advertindo seus opositores cuja confiança
na circuncisão nada mais é que a ponta do iceberg de sua confiança nas
sombras da lei que - no significado que dão para ela - eles se excluíram da
promessa que a própria circuncisão foi inaugurada para representar e selar.
É difícil imaginar uma distorção mais irônica da intenção original da
circuncisão do que a empregada pelos hereges gálatas. Que a circuncisão é
apenas representação da confiança nas obras, não só está atestado em Gálatas
como também em Romanos 4, onde “obras da lei” e simplesmente “obras”
são justapostas com “fé” e “promessa”. Abraão não só foi justificado antes
de ser circuncidado; ele foi justificado sem as obras, enquanto ainda em si
mesmo era injusto. O ponto não é que Deus apenas justifica os incircuncisos,
mas que Deus justifica os ímpios. Se a justificação fosse apenas questão de
circuncisão ou não circuncisão, Paulo jamais teria insultado seus leitores
deixando implícito que eles não entendiam que estar bem diante de Deus
vem pela fé e não pelas obras (Rm 10). O que alguns ouvintes de Paulo
contestavam, é se Deus justifica os ímpios na qualidade de ímpios, com
base na justiça de outro.
Podemos afirmar, então, quanto à aliança de Abraão, que ela não foi
de maneira alguma uma aliança bilateral de suserania.
Foi uma berit de disposição no sentido mais restrito, com intenção exclusiva da parte de
Deus de se comprometer do modo mais forte possível à sua própria promessa, de modo a
tomá-la inalteravelmente certa. Foi para nada mais do que traduzir fielmente a importância
da berit na forma do pensamento de seus leitores e para que eles entendessem que Paulo
diz que Deus fez com Abraão um diathêké testamental.30
U m a N ova A l ia n ç a 57
C o n c l u sõ e s
Poucos têm feito mais para destacar a arquitetura de aliança da Es
critura do que o estudioso do Antigo Testamento Walther Eichrodt. Porém,
ele falhou, como muitos dos estudiosos bíblicos e teológicos, em reconhe
cer os diversos modos como aliança é usada nas Escrituras. O estudioso
católico-romano Dennis J. McCarthy critica Eichrodt e outros exatamen
te nesse aspecto: “As relações históricas e as diferenças ideológicas das
alianças abraâmica, mosaica e davidica são atenuadas pela necessidade de
subordinar todo o material do Antigo Testamento à única aliança do Monte
58 O D e u s d a P rom essa
T r ê s A l ia nç a s B íblica s q u e se S o brepõ em
Às vezes, a teologia da aliança é chamada de teologia federal por
sua ênfase na solidariedade em um cabeça representativo. Um sistema
representativo de governo é denominado “federal” e a Escritura nos
conclama a ver-nos não simplesmente como indivíduos, e sim como quem
está, ou “em Adão” ou “em Cristo”.
Nessa teologia reformada (federal) surgiu um amplo consenso com
respeito à existência na Escritura de três alianças distintas: a aliança da
redenção (pactum salutis), a aliança da criação (foederus naturae) e a
aliança da graça (foederus gratiae).' As outras alianças na Escritura (as
feitas com Noé, Abraão, Moisés e Davi) estão agrupadas sob esses arranjos
mais amplos. Na distinção entre a aliança de obras e a aliança da graça,
reconheceremos as conclusões de nossos capítulos anteriores sobre lei e
evangelho, condicionalidade e incondicionalidade, herança por desempenho
62 O D eu s d a P rom essa
1. A A l ia n ç a d a R e d e n ç ã o
Quase todas as alianças bíblicas são pactos históricos feitos por Deus
com suas criaturas. A aliança da redenção, porém, é um pacto eterno entre
as pessoas da Trindade. O Pai elege um povo no Filho, como seu mediador,
que será levado à fé salvadora por meio do Espírito. Assim, a aliança feita
pela Trindade na eternidade já leva em conta a queda da raça humana.
Escolhidos dentre a massa condenada da humanidade, os eleitos não são
melhores ou mais bem qualificados que o restante. Deus simplesmente
escolheu, de acordo com a sua própria liberdade, demonstrar a sua justiça e
a sua misericórdia, e a aliança da redenção é o ato de abertura desse drama
da redenção.
Já podemos ver como uma estrutura pactuai desafia a idéia de um
déspota solitário. O Pai elege um povo no Filho por meio do Espírito.
Nossa salvação, portanto, surge primeiro pela solidariedade das pessoas da
divindade. A alegria de dar e receber, experimentadas pelo Pai, pelo Filho
e pelo Espírito Santo derrama-se, por assim dizer, sobre o relacionamento
Criador-criatura. Na aliança da redenção, o amor do Pai e do Espírito pelo
Filho é demonstrado na dádiva de um povo que o terá como sua cabeça viva.
Ao mesmo tempo, o amor do filho pelo Pai e pelo Espírito é demonstrado
pelo seu compromisso de redimir essa família a um grande custo pessoal.
E por isso que não devemos procurar o decreto secreto de Deus da
predestinação ou tentar encontrar evidência dela em nós mesmos, mas,
como insistia Calvino, ver Cristo como o “espelho” de nossa eleição. A
predestinação de Deus nos é escondida, mas Cristo não é. O desvendar
do mistério oculto em eras passadas, a pessoa e a obra de Cristo, toma-se
o único testemunho confiável da nossa eleição. Aqueles que confiam em
Cristo pertencem a Cristo e são eleitos em Cristo.
Até aqui ofereci algumas definições, mas ainda não apresentei qualquer
defesa bíblica. Essa aliança da redenção é produzida por especulação
teológica ou por cuidadosa interpretação bíblica?
Em resposta a essa pergunta, devemos observar primeiro que alguns
teólogos reformados contemporâneos sugerem que a Escritura é silenciosa
sobre essa aliança eterna. Contudo, esses mesmos escritores afirmam a
doutrina reformada tradicional da eleição: Deus escolheu muitos da raça
D a E s c r i t u r a p a r a o S is te m a : O C e r n e d a T e o l o g ia d a A l ia n ç a 63
Mas afirmar o papel da redenção nos conselhos eternos de Deus não é o mesmo que propor
a existência de uma aliança pré-criação entre Pai e Filho. Um sentido de artificialidade
tempera o esforço de estruturar em termos pactuais os mistérios dos conselhos eternos de
Deus. A Escritura simplesmente não diz muito sobre o formato pré-criação dos decretos
de Deus. Falar concretamente sobre uma “aliança” intertrinitariana [sic] com termos
e condições entre Pai e Filho, mutuamente aprovados antes da fundação do mundo, é
estender os limites da evidência das Escrituras além do que é próprio.2
64 O D eu s da P rom essa
A distância entre Deus e a criatura é tão grande que, embora as criaturas racionais
lhe devam obediência como seu Criador, nunca poderiam fruir nada dele, como bem-
aventurança e recompensa, senão por voluntária condescendência da parte de Deus, a qual
agradou a ele expressar por meio de um pacto. O primeiro pacto feito com o homem era
um pacto de obras; nesse pacto foi a vida prometida a Adão e, nele, à sua posteridade, sob
a condição de perfeita e pessoal obediência. Tendo-se o homem tomado, pela sua queda,
incapaz de ter vida por meio desse pacto, o Senhor dignou-se a fazer um segundo pacto,
geralmente chamado de pacto da graça; nesse pacto da graça ele livremente oferece aos
pecadores a vida e a salvação por meio de Jesus Cristo, exigindo deles a fé nele, para que
sejam salvos, e prometendo o seu Santo Espírito a todos os que estão ordenados para a
vida, a fim de dispô-los e habilitá-los a crer.
2. A A l ia n ç a d a C r ia ç ã o ( O b r a s )
Fundamentada na própria criação, a aliança feita inicialmente entre
Deus e seu vice-rei foi chamada aliança da criação, da natureza, da lei e
das obras. Todos esses termos são apropriados, como demonstro adiante.
A aliança pressupõe um servo humano justo e santo totalmente capaz
de cumprir as estipulações da lei de Deus. Promete bênção com base na
obediência e maldição no caso de transgressão. Ele pertence à humanidade
em estado de natureza imaculada, não em estado de graça. Porém, escolhi
usar o termo aliança da criação porque é o termo menos controvertido e
mais amplamente útil.
Se a aliança da redenção permanece controvertida, a chamada
aliança da criação çomo aliança de obras o é mais ainda, especialmente
na teologia reformada contemporânea. Permitirei que alguns representantes
mais exemplares da tradição definam a posição. De acordo com Johannes
Cocceius (1603-1669):
o homem que vem para o palco do mundo com a imagem de Deus, existe sob uma lei e
uma aliança, e uma aliança de obras. . . . Quando dizemos ainda que aquele que porta a
imagem de Deus, dada na criação, foi estabelecido sob a aliança de Deus, não queremos
dizer que ele tenha direito à comunhão e amizade de Deus, mas que se encontra num
estado em que deve pedir o direito à comunhão e à amizade de Deus e tomá-la estável, de
modo a ter a oferta da amizade de Deus se ele obedecer à sua lei.5
Calvino e seus intérpretes que vieram depois não pode ser sustentado. Ou
seja, as linhas amplas do pensamento do reformador foram refinadas e
desenvolvidas e não distorcidas pelos seus sucessores teológicos. De fato,
os arquitetos da teologia federal reconheciam claramente que sua aliança de
obras-graça surgiu de seu compromisso anterior, com a distinção entre lei e
evangelho. Já na primeira página do seu Comentário sobre o Catecismo de
Heidelberg, Zacarias Ursinus (principal autor do Catecismo de Heidelberg
e teólogo federal formativo) declara: “A doutrina da igreja é toda a doutrina
incorrupta da lei e do evangelho concernente ao Deus verdadeiro, juntamente
com a sua vontade, as suas obras e o seu culto”.9
A doutrina da igreja consiste de duas partes: a Lei e o Evangelho, nas quais temos
compreendido a soma e substância das sagradas Escrituras... Portanto, a lei e o evangelho
são as principais e gerais divisões das Escrituras sagradas, e compreendem toda a doutrina
nelas contida... pois a lei é nosso tutor, que nos conduz a Cristo, constrangendo-nos a
correr para ele, e mostrando-nos o que é a justiça, o que ele fez e agora oferece a nós. O
evangelho, porém, declaradamente trata da pessoa, do ofício e dos benefícios de Cristo.
Temos, portanto, na lei e no evangelho, toda a Escritura compreendendo a doutrina revelada
do céu para nossa salvação... A lei prescreve e ordena o que deve ser feito, e proíbe o que
deve ser evitado, enquanto o evangelho anuncia a livre remissão dos pecados, por meio de
Cristo e por amor de Cristo... A lei é conhecida a partir da natureza; o evangelho é revelado
divinamente... A lei promete vida sob condição de perfeita obediência; o evangelho, sob
condição de fé em Cristo e o início de uma nova obediência.10
Ainda que esse ponto de vista não seja representativo de uma teologia
federal plenamente desenvolvida, Calvino afirma os fatores principais da
aliança da criação.21 Em inúmeros outros lugares, Calvino se refere a Cristo
como tendo “merecido” a salvação para o seu povo por sua obediência,
enfatizando mais uma vez a satisfação da lei como pré-requisito necessário
para a vida eterna.22
De maneira nenhuma essas alianças distintas (redenção, criação,
graça) devem ser vistas em termos cronológicos. Essa é a tendência das
abordagens pelas quais o Antigo Testamento é identificado como “lei” e o
Novo como “evangelho”. Nem devem os princípios de “lei” e “promessa” -
quando aplicados à aliança original da criação, ou sua republicação no Sinai
- receber apenas conotação negativa e positiva, respectivamente, como se
fossem categorias estáticas de condenação e justificação. Na criação (e na
instituição da teocracia no Sinai), a lei como base para o relacionamento
divino-humano é totalmente positiva. Na verdade, essa republicação da lei
é em si mesma graciosa, mesmo que os princípios das duas alianças (obras
e graça) sejam fundamentalmente diferentes.
O erro está em interpretar a polêmica de Paulo contra a “lei” (em
contraste com “promessa”) como (1) um problema com a “lei” per se (p.
ex., Bultmann, Kasemann, et al.) e, portanto, (2) ler em todos os relatos de
alianças de lei a acusação de “legalismo”. Ninguém será justificado “pelas
obras da lei”, de acordo com Paulo, não porque não houvesse arranjo em
que isso fosse possível (ou seja, na criação), mas porque desde a queda (que
a história de Israel recapitula) toda a humanidade (incluindo Israel) está
agora “em Adão”. O problema direto não é estar sob a lei, mas ser achado
“em Adão”, um transgressor da lei. Mas pode alguém ser sentenciado
legitimamente sob uma lei a não ser que as estipulações e sanções estivessem
claramente presentes e entendidas? E isso pode ser visto como outra coisa
senão uma aliança?
Os teólogos federais fundamentaram exegeticamente essa idéia de
duas maneiras: primeiro, ligando a definição de “aliança” com os detalhes
admissivelmente escassos da narrativa de Gênesis; segundo, observando
as referências a um arranjo natural desse tipo em diversas passagens
subseqüentes.
Quanto à primeira maneira, é argumentado que toda aliança na
Escritura é constituída por uma série de fórmulas, mais notavelmente,
juramentos feitos por ambas as partes com estipulações e sanções
(bênçãos e maldições). Esses elementos parecem estar presentes, ainda
que implicitamente, na narrativa da criação. Adão foi criado em estado de
integridade, com a capacidade de render a Deus total obediência, assim
70 O D e u s da P rom essa
Hebreus 2.14,15 (Visto, pois, que os filhos têm participação comum de carne e sangue,
destes também ele, igualmente, participou, para que, por sua morte, destruísse aquele que
tem o poder da morte, a saber, o diabo)... Se você disser que o apóstolo fala de uma aliança
não no Paraíso, mas uma aliança no Sinai, é fácil a resposta, que o apóstolo fala da aliança
no Paraíso na medida em que ela é renovada e reativada com Israel no Sinai, no Decálogo,
que continha a prova da aliança de obras.“
São muitos os sinônimos da aliança de obras no Novo Testamento: Romanos 3.27 (Onde,
pois, a jactância? Foi de todo excluída. Por que lei? Das obras? Não; pelo contrário, pela
lei da fé); Gálatas 2.16 (sabendo, contudo, que o homem não é justificado por obras da lei,
e sim mediante a fé em Cristo Jesus... pois, por obras da lei, ninguém será justificado).27
Deve-se reconhecer, porém, que o propósito final de Paulo em toda essa discussão é
distanciar o verdadeiro evangelho de Cristo de qualquer semelhança com o falso evangelho
dos judaizantes. Sua discussão enfoca a lei como isolada da promessa e seu cumprimento
em Cristo. A lei sob Moisés nunca foi feita para funcionar à parte da promessa. Separada
de sua dimensão de promessa, que encontrou cumprimento em Cristo, a lei jamais poderia
fornecer um caminho para tomar justos os pecadores.39
Mas não é o caso de que, para Paulo, a “lei” nunca podia oferecer
caminho para tomar justos os pecadores, mesmo quando ligada à sua
dimensão de promessa? Não é o caso de que “o que fora impossível à lei”
por causa do pecado humano, “isso fez Deus enviando o seu próprio Filho”
(Rm 8.3)?
Portanto, Robertson é cético quanto à defesa de M. G. Kline da
visão federal clássica, que identificava a aliança nacional de Israel (Sinai)
com a lei (na verdade, a republicação da aliança da criação), e a eleição
pessoal e salvação com a aliança da graça (Abraão). Mais uma vez, a
posição de Kline não é idiossincrática. É não somente uma elaboração
de um significativo consenso reformado do passado, como também é
76 O D e u s d a P r o m essa
A aliança com Noé enfatiza a íntima inter-relação das alianças criativa e redentora. Muito
do elo de Deus com Noé inclui uma renovação das provisões da criação, até mesmo
refletindo de perto a linguagem do pacto original. A referência a “aves... gado... todo réptil
D a E s c r i t u r a p a r a o S is te m a : O C e r n e d a T e o l o g ia d a A l ia n ç a 77
que rasteja”, de Gênesis 6.20 e 8.17, compara-se à descrição semelhante em Gênesis 1.24,
25, 30. A ordem de Deus a Noé “Sede fecundos, multiplicai e enchei a terra” (Gn 9.1,7),
reflete a ordem idêntica dada na criação (Gn 1.28).43
Israel se tomou povo de Deus, não por laço natural, mas por sua experiência de redenção
do Egito que foi entendida como um ato de favor divino... De acordo com Êxodo 19.1-6,
a existência de Israel como possessão especial é condicionada à sua obediência à aliança.
A posição de Israel não foi estabelecida com base em sua obediência, mas um desrespeito
pelas obrigações da aliança poderia colocar em dúvida essa relação.49
sobre a promessa, mas que tudo quanto for destacado quanto ao ministério
de Moisés se relaciona ao terreno, nacional, temporal, transitório, sombra,
pedagógico - e que isso é administrado pela lei (prefigurando o verdadeiro
Israel) e não pela promessa. Ainda assim, o próprio fato de que o verdadeiro
Israel, no entanto, cumpre “tudo que está escrito na lei” demonstra que
crentes como indivíduos e sua semente - mesmo durante a época teocrática
- herdam a vida eterna de acordo com uma aliança de graça. O fato de Israel
quebrar a aliança, assim como Davi e seus descendentes, não pode anular a
promessa de Deus a Abraão e sua semente (e nele, todos nós).
Mesmo N. T. Wright, crítico das tendências reformadas nos estudos
paulinos, observa a distinção necessária entre mandamentos e promessas.
“Como tradições posteriores colocam, Abraão será o meio de Deus desfazer
o pecado de Adão.”53
Com exceção de [Gn] 35.1 ls, ecoado em 48.3s, o mandamento (“sê fecundo...”) se tomou
uma promessa (“Eu vos farei frutificar...”). No capítulo 17 é acrescentada a palavra
“extraordinariamente”. Mais importante, a possessão da terra de Canaã, e a supremacia
sobre os inimigos, tomaram o lugar do domínio sobre a natureza em 1.28. Poderíamos
resumir esse aspecto de Gênesis dizendo: os filhos de Abraão são a verdadeira humanidade
de Deus e sua terra natal é o novo Éden.54
3. A A l ia n ç a d a G r a ç a
A terceira aliança no esquema federal é a aliança da graça. Uma vez
que o segundo Adão tenha cumprido com sucesso essa aliança (“E a favor
deles eu me santifico a mim mesmo, para que eles também sejam santificados
82 O D eu s d a P rom essa
Rollock já demonstra como a obra do Mediador com respeito à aliança da graça nada mais
foi que o cumprimento nele da aliança das obras quebrada em Adão. “Portanto, Cristo
nosso Mediador, se sujeitou à aliança das obras, e para a lei por amor de nós, e cumpriu
a condição da aliança de obras em sua vida santa e boa... também passando sob aquela
maldição que ameaçava o homem na aliança das obras, se a condição de obras boas e
santas não fosse cumprida... Portanto, vemos dois aspectos de Cristo, a saber, ao cumprir e
sofrer, sujeito à aliança de obras, e nos dois aspectos ele a cumpriu com perfeição, isso por
amor de nós, pois ele se tomou nosso Mediador (Rollock, Works, I, 52s)”.59
É dito que “a promessa foi feita para a Semente”; no entanto, a promessa foi feita para
nós, e de novo, no entanto, a aliança é feita com Abraão: como pode tudo isso manter-se
unido? Resposta: As promessas feitas à Semente, ou seja, ao próprio Cristo, são estas:
Serás sacerdote para sempre; dar-te-ei o reino de Davi; sentarás no trono; serás príncipe
da paz, e o governo estará sobre teus ombros; serás igualmente profeta para meu povo...
São essas as promessas feitas para a Semente. As promessas feitas a nós, embora sejam
da mesma aliança, diferem neste respeito: a parte ativa é entregue ao Messias, à própria
Semente, mas a passiva consiste nas promessas feitas a nós: vós sereis ensinados; vós vos
tomareis profetas; tereis vossos pecados perdoados... Assim, essa promessa é feita a nós.
Como é feita a promessa a Abraão? “Em ti serão benditas todas as nações da terra”. O
significado é que elas são todas promessas derivativas. As promessas originais e primárias
foram feitas a Jesus Cristo.60
D a E s c r i t u r a p a r a o S is te m a : O C e r n e d a T e o l o g ia d a A l ia n ç a 85
Se gozarmos de união com Cristo, não somente nós mesmos, mas até mesmo as nossas obras
são justas aos olhos de Deus. Essa doutrina da justificação das obras (que foi desenvolvida
na igreja reformada) é de grande importância para a ética. Ela deixa claro que a pessoa que
pertence a Cristo não precisa ser presa de remorso continuo. Pelo contrário, ela pode fazer
o seu trabalho diário com confiança e alegria.63
Quando a obra do Espírito por meio da lei e do evangelho leva à verdadeira conversão,
nessa conversão o desejo por esse ideal perdido da aliança parece uma parte essencial.
[Nós] podemos também explicar por que os teólogos mais antigos nem sempre distinguiam
claramente entre a aliança das obras e a aliança do Sinai. No Sinai não foi a lei “nua” que
foi dada, mas um reflexo revivido da aliança de obras, por assim dizer, em benefício da
aliança da graça permanente no Sinai.65
P r o v id ê n c ia e A lia nç a
G r a ç a C om u m
U m P acto N ão-R ed en t o r ?
Depois da queda, Deus poderia ter legitimamente repudiado a sua
criação, não fosse o acordo eterno e incondicional da Trindade em favor
da redenção de um povo. Deus prometeu incondicionalmente sua graça
comum a toda a criação, tanto no chamado deste novo povo que ele mesmo
havia escolhido, quanto no tratamento do restante da humanidade hostil a
seus propósitos.
A aliança mais claramente relacionada com a graça comum é o que
Deus fez comNoé. Como vimos em capítulos anteriores, essa aliança divina
tem um sentido unilateral, tal como foi com Adão e Eva depois da queda,
ou a aliança com Abraão ou com Davi. Apesar do fato de que eles e seus
descendentes continuariam a pecar, Deus mantém o seu juramento até o
final. Sentindo o doce aroma do sacrifício oferecido por Noé, após sair da
arca, o Senhor prometeu:
Não tomarei a amaldiçoar a terra por causa do homem, porque é mau o desígnio íntimo do
homem desde a sua mocidade; nem tornarei a ferir todo vivente, como fiz.
P r o v id ê n c ia e A lia in ç a : G r aç a C om um 89
vez, que a humanidade foi criada como uma analogia de Deus, em todos os
pontos. Porém, depois da queda, a humanidade, por natureza, não é mais
santa, e não pode fazer acontecer o reino universal de Deus por meio do
labor cultural. Toda a criação, por causa de Adão, está sob uma maldição
comum. Todos, crentes e descrentes, experimentam a vida como sendo
difícil, dolorosa, decepcionante e, finalmente, a morte. Mas será isso tudo o
que existe após a queda: uma maldição comum?
A leste do Éden, Adão e Eva constroem uma igreja e também um
estado, uma civilização, embora o seu início seja pequeno. Não existe mais
uma aliança com uma só comissão. Conquanto ainda esteja em vigor (“Sede
fecundos e multiplicai; enchei a terra e cultivai”), o mandato cultural da
aliança da criação não leva ao paraíso e sim somente a bênçãos temporais.
Agora, uma nova aliança é estabelecida, a qual não é baseada no desempenho
humano: é a promessa divina unilateral de enviar o Messias que esmagaria
a cabeça da serpente e acabaria com a maldição, não só em relação às
conseqüências temporais, mas, também, em relação às conseqüências
eternas, mais sérias. O sagrado e o secular se encontram na família de Adão
e Eva, tal como em nossas famílias cristãs, hoje. Conquanto a nossa vocação
secular não seja nem salvadora, nem pecadora, nem santa, nem desonrada,
e estamos ombro a ombro com não cristãos gozando as bênçãos comuns de
Deus sobre nosso trabalho, ainda pertencemos à aliança da graça em que
bênçãos eternas são nossas em união com Cristo. A família, num aspecto
geral, é o bloco de construção da nossa comunidade secular, enquanto a
família cristã é o bloco de construção também da comunidade da aliança.
As duas cidades - a cidade do Homem e a Cidade de Deus - se cruzam aqui.
Elas não se fundem, como no Éden, mas são juntamente afirmadas. Seu
trabalho comum goza a bênção comum de Deus apesar da maldição comum
- mas não trará o céu para a terra.
A história se complica um pouco, porém, com a geração seguinte.
Mesmo dentro do lar da aliança, Abel adora a Deus por meio do sacrifício
prescrito por Deus (que prefigura Cristo), enquanto Caim escolhe a sua
própria maneira de adoração, que é rejeitada por Deus. O resultado é a
primeira guerra religiosa: a Cidade de Deus versus a Cidade do Homem.
O que é realmente notável, aqui, é que, até mesmo após a traição de Caim
contra Deus e o assassinato do próprio irmão, Deus não o varreu da face
da terra. Em vez de julgar imediatamente a Caim, Deus o “marcou” com
o sinal da maldição, dando-lhe salvo-conduto em sua expulsão e exílio,
como “fugitivo e errante pela terra” (Gn 4.12). “O Senhor, porém, lhe disse:
Assim, qualquer que matar a Caim será vingado sete vezes” (v. 15).
Essa suspensão da execução permite que Caim construa uma cidade.
Na verdade, a última metade desse capítulo alista a família de Caim,
P r o v id ê n c ia e A lia in ç a : G r aç a C om um 91
incluindo alguns dos mais notáveis pioneiros da cultura, desde as artes até as
ciências. No entanto, trata-se de uma cidade orgulhosa, cruel e vingativa. O
capítulo termina com um anúncio de nascimento: “Tomou Adão a coabitar
com sua mulher; e ela deu à luz um filho, a quem pôs o nome de Sete;
porque, disse ela, Deus me concedeu outro descendente em lugar de Abel,
que Caim matou. A Sete nasceu-lhe também um filho, ao qual pôs o nome
de Enos; daí se começou a invocar o nome do Senhor” (Gn 4.25,26).
Assim, começamos a história com uma criação, uma aliança, um povo,
um mandato, uma cidade. Depois da queda, há uma aliança da criação (com
seu mandato cultural ainda vigorando para todas as pessoas, com a lei dessa
aliança universalmente inscrita na consciência) e uma aliança da graça (com
seu evangelho publicamente anunciado aos transgressores), uma Cidade
dos Homens (secular, mas mesmo na sua rejeição de Deus, mantida pela
mão graciosa de Deus, por enquanto) e uma Cidade de Deus (santa, mas
mesmo na sua aceitação por Deus, compartilhando da maldição do mundo
caído). Assim como a falha em distinguir a aliança da lei da aliança da
promessa leva a muita confusão no nosso entendimento da salvação, surgem
problemas tremendos quando deixamos de distinguir adequadamente entre
o cuidado geral de Deus pela ordem secular e seu cuidado especial pela
redenção de seu povo.
O fundamentalismo religioso tende a ver o mundo dividido simples
mente entre crentes e incrédulos. Os primeiros são benditos, amados por
Deus, santos, fazedores do bem, enquanto os segundos são amaldiçoados,
odiados por Deus, não-santos e fazedores do mal. As vezes, isso é levado
ao extremo: os crentes são pessoas boas, e suas causas morais, políticas e
doutrinárias são sempre certas, sempre justificadas, e jamais poderão ser
questionadas. A não ser que a cultura seja controlada pelo programa deles,
ela é simplesmente ímpia e indigna do apoio dos crentes. Essa perspectiva
ignora o fato de que, segundo a Escritura, todos nós - crentes e descrentes,
juntos - estamos simultaneamente sob uma maldição comum e uma graça
comum.
O liberalismo religioso tende a ver o mundo simplesmente como uma
comunidade abençoada. Ignorando as distinções bíblicas entre os que estão
dentro e os que estão fora da comunidade da aliança, essa abordagem não
pode levar a sério a maldição comum, porque não leva a sério o pecado. E
uma religião positiva, progressista. Na verdade, para o liberalismo, ninguém
está sob juízo divino, e todo mundo goza as mais ricas bênçãos de Deus.
Além do mais, essa bênção não é somente resultado da graça comum de
Deus, mas de sua graça salvadora. Não vivemos a leste do Éden. A causa
santa de construir o reino de Deus e eliminar o sofrimento do mundo não
foi abortada pela queda. Tudo é santo.
92 O D eus da P rom essa
incrédulos aqui e agora seja uma verdade eterna: ou um severo juízo entre
ovelhas e cabritos ou uma aceitação benigna de todos sob a bandeira “Deus
é amor”. No entanto, temos visto que o Novo Testamento nos leva a uma
sutileza maior. Entre as categorias de “salvos” e “perdidos” está a graça
comum de Deus.
O que acontece “a leste do Éden” é o seguinte: a cultura não é mais
sagrada, mas secular, mas o secular não é literalmente “sem Deus”, um
âmbito além da preocupação e do envolvimento de Deus. Mesmo as
pessoas hostis ao Deus revelado na sua Palavra podem discernir entre o
certo e o errado, pois foram criadas à imagem de Deus e a lei está escrita na
consciência delas, com a constituição original do seu ser sobrevivendo em
sua memória como a fragrância de um vidro de perfume vazio.
A lia n ç a e E sc a to lo g ia
O último quarto do século 19 testemunhou o choque de duas
escatologias, ou visões de História e destino da criação. Uma estava
arraigada no triunfalismo característico do protestantismo anglo-americano
desde a vitória sobre a armada espanhola em 1589 e produziu a confiança
audaz dos puritanos da Nova Inglaterra. Finalmente ela foi secularizada
na cultura americana em termos de generalizada confiança em seu futuro
como “a nação redentora” de Deus com o seu próprio destino sagrado. A
outra estava arraigada na desilusão que veio com a falha na materialização
do sonho de progresso gradual da sociedade. A maioria dos protestantes
americanos antes da Primeira Guerra mundial acreditava que Jesus voltaria
após uma era dourada de missões e melhorias sociais que se espalhassem
dos Estados Unidos para o resto do mundo. Depois que a “guerra para dar
fim a todas as guerras” não conseguiu atingir o seu objetivo, ocorreu uma
mudança gigantesca nas expectativas escatológicas. Agora é mais fácil
acreditar que Jesus voltará antes de ser possível qualquer era dourada e, de
fato, até a volta de Cristo, as coisas deverão ficar progressivamente piores.
Pós-milenismo e pré-milenismo são os termos mais usados hoje para
descrever essas duas abordagens distintas. O termo milenismo diz respeito
à crença numa era dourada, literalmente, de mil anos. De um lado, o pré-
milenismo ensina que Jesus teria de voltar antes do milênio, enquanto, de
outro lado, o pós-milenismo diz que ele vai voltar no final desse período.
Então, como era a maioria dos cristãos antes da rivalidade entre pré
e pós-milenistas? Essas classificações datam de apenas pouco mais de
um século, mas a visão da maioria dos cristãos, desde Agostinho, é que
os “últimos tempos” se referem ao período entre a primeira e a segunda
vinda de Cristo e que agora estamos vivendo numa era simultaneamente
94 O D e u s d a P r o m e ssa
Esse era o mito por trás das Cruzadas, da Inquisição e, até mesmo,
das instituições americanas tais como a da escravatura e da doutrina de
“destino manifesto”, a qual forneceu a justificação narrativa para o
morticínio dos ameríndios. Não é necessário dizer mais para entender que a
confusão dos dois reinos tem grande parcela de culpa quanto às atrocidades
cometidas em nome de Deus e de seu Messias. No século 19, a maioria dos
protestantes estava otimista. O surgimento de sociedades de temperança era
um dos muitos movimentos organizados em volta da visão de uma América
cristianizada. No último quarto do século, os evangélicos Josiah Strong
e D. L. Moody representavam a crescente divisão entre o pós-milenismo
triunfalista e os pré-milenistas pessimistas. “Os reinos deste mundo não
terão se tomado os reinos de nosso Senhor até que o poder do dinheiro
tenha se cristianizado”, opinou Strong.1Muito antes das polarizações entre
conservadores e liberais, o evangelicalismo norte-americano lutou pelo
evangelho social, como se observa no seguinte comentário do pregador
evangélico do século 19, Horace Bushnell, citado por Strong:
O talento já foi cristianizado em larga escala. O poder político dos estados e reinos há
muito tem sido presumido ser, e agora finalmente é, exercido de fato, pelo menos quanto à
aceitação do seu ofício de manter a segurança e a liberdade pessoal. A arquitetura, as artes,
as constituições, as escolas e a erudição têm sido amplamente cristianizadas. Mas o poder
do dinheiro, que é um dos mais operantes e maiores entre todos, está apenas começando
a ser vencido, ainda que haja sinais promissores de final entrega completa a Cristo e aos
usos de seu Reino... Quando chegar esse dia, será, por assim dizer, a manhã de uma nova
criação. Não seria agora o tempo de esse dia raiar?2
Esses são os dois amores:... o primeiro é social, o segundo, egoísta; o primeiro leva em
consideração o bem comum por amor de uma sociedade celestial, o segundo se agarra
a um controle egoísta de afazeres sociais por amor do domínio arrogante; o primeiro é
submisso a Deus, o segundo tenta competir com Deus; o primeiro é quieto, o segundo,
inquieto; o primeiro é pacífico, o segundo cria problemas; o primeiro prefere a verdade
aos louvores daqueles que estão no erro, o segundo é ávido de elogios, onde quer que
possam ser obtidos... Assim, duas cidades foram formadas por dois amores: a terrena, pelo
amor do ego, até mesmo desprezando a Deus; a celestial pelo amor de Deus, até mesmo
mortificando o ego.4
E então? Negaremos haver fulgido a verdade aos jurisconsultos antigos, que, com
equidade tão grande, estabeleceram a ordem política e a instituição jurídica? Diremos
haverem sido cegos os filósofos tanto em sua apurada contemplação da natureza, quanto
em [sua] engenhosa descrição?... Diremos que são insanos aqueles que desenvolveram a
medicina, tendo devotado o seu labor em nosso benefício? O que devemos dizer de todas
as ciências matemáticas? Devemos considerá-las delírios de dementes?... Esses homens
que a Escritura chama de “homens naturais”, foram, na verdade, agudos e profundos na
sua investigação das coisas terrenas. Vamos, portanto, aprender pelo seu exemplo quantos
dons o Senhor deixou na natureza humana mesmo depois que ela foi despojada de sua
verdadeira perfeição.7
Essa distinção, contudo, não nos leva a considerar toda a natureza do governo como algo
poluído, que nada tem a ver com homens cristãos. E isso que certos fanáticos que se
deleitam na licenciosidade desenfreada gritam e se gabam... Como já ressaltamos, essa
espécie de governo é distinta daquele Reino de Cristo espiritual e interior, de modo que
temos de saber que eles não são divergentes.8
Deus era confundida cora justiça moral, social e política, o que minava a
civilidade entre cristão e não cristão e solapava o evangelho. Assim, escreve
Calvino: “Quão maldoso e odiento para com o bem-estar público seria um
homem que se ofende com tal diversidade, que está perfeitamente adaptada
para manter a observação da lei de Deus! Pois a declaração de alguns, de
que a lei de Deus dada por Moisés é desonrada quando ab-rogada, e são
preferidas a ela novas leis, é totalmente vã”.10Afinal de contas, diz Calvino:
“É fato que a lei de Deus, que chamamos de lei moral, nada mais é do que
testemunho da lei natural e da consciência que Deus gravou nas mentes
dos homens”.11 Até mesmo os descrentes podem governar de modo justo e
com prudência, como Paulo indica sob as circunstâncias mais pagãs de seu
tempo (Rm 13.1-7).
Calvino diferia de Lutero e de seus presbíteros e colegas reformados
principalmente quanto à prática da teoria de dois reinos. Conquanto uma
nação não precise ser governada por reis cristãos ou leis cristãs para que
seja terrenamente justa, e a convicção cristã não exija necessariamente um
determinado conjunto de políticas, os crentes, como indivíduos, são simul
taneamente membros dos reinos celeste e terrestre e não podem se divorciar
de sua dupla cidadania. Começamos a discernir, nas atitudes reformadas,
uma maior interação entre os dois reinos. Embora ambos sejam claramente
distintos, talvez haja, na teologia reformada, maior ênfase sobre a continui
dade da criação e redenção. A imagem de Deus na humanidade pecadora
foi desfigurada, mas não perdida. Conquanto a atividade cultural jamais
poderá ser redentora, os redimidos verão a criação e a atividade cultural
com óculos novos. O enorme interesse pelas atividades culturais produzido
pela tradição reformada nunca foi visto totalmente separado da cidadania
celestial, mas como parte da concretização do seu cuidado pelo próximo.
Certamente existe uma tensão na posição reformada, a de ver toda a
vida sob o reinado de Deus e, no entanto, afirmar que “ainda não vemos
todas as coisas sujeitas a Cristo”. Alguns erram no lado do triunfalismo (uma
escatologia realizada demais que enfatiza o “já”) enquanto outros erram no
lado do pessimismo (uma escatologia superidealizada que enfatiza o “ainda
não”). Porém, se os calvinistas não devem suportar a tirania, também não têm
liberdade de tomar a justiça nas próprias mãos ou exercer o juízo reservado
para o Rei dos reis, no último dia. Eles não devem procurar, mediante o
reinado do poder, impor suas convicções distintamente cristãs sobre a
sociedade por meio do reinado do poder, tal como Roma e os anabatistas
radicais tentaram fazer. Pelo contrário, devem seguir sua dupla cidadania,
de acordo com as políticas distintas de cada reino. A Bíblia funciona como
constituição para o povo da aliança, não para o estado secular.
100 O D e u s da P r o m e s s a
O Povo d a A liança
U m P ovo o u D o is ?
O pré-milenismo dispensacionalista, geralmente associado a certo
tipo de protestantismo conservador, apesar de recentes revisões, considera
axiomática a distinção entre Israel e igreja. Conquanto muitos de seus
representantes tenham se afastado de uma posição extremista que considera
os israelitas da antiga aliança como salvos pelas obras, em contraste com a
salvação pela graça na nova aliança, essa forte descontinuidade entre duas
alianças e dois povos distintos no plano de Deus permanece firme em seu
lugar.1Os acadêmicos entre os protestantes tradicionais argumentam, cada
vez mais, que Deus tem dois planos distintos para Israel e para a igreja.2
Embora operem com teologias amplamente divergentes, esse princípio de
separar Israel da igreja, permitindo a cada um sua própria aliança com Deus,
parece ser uma posição majoritária no protestantismo contemporâneo.
Tanto os dispensacionalistas quanto os teólogos tradicionais
empregam uma crítica semelhante ao ensinamento cristão tradicional que,
muitas vezes, são referidas com rótulos como “teologia da substituição” ou
“superposição” (ou seja, a igreja suplantou ou tomou o lugar da nação de
Israel no plano de Deus).
Sem focalizar as visões rivais e suas críticas do superposicionismo,
meu objetivo, neste capitulo, é expor uma posição aliancista que, espero,
evite os extremos tanto da teologia da substituição quanto a idéia de dois
povos com dois planos de salvação distintos.
Até aqui, tenho tentado ressaltar que, desde o início, Israel conhecia
duas alianças distintas. A aliança do Sinai, em que as pessoas juraram fazer
“tudo conforme está escrito na lei”, requeria obediência absoluta e total:
102 O D e u s d a P r o m essa
D e u s C o r t o u R e l a ç õ e s com I sr a e l ?
Essa visão desafia tanto o superposicionismo quanto a teologia
de “dois povos” das discussões recentes. Ela desafia o primeiro porque,
em vez de ver a igreja como substituta, considera-a como realização de
Israel. Paulo, em Romanos 9-11, se esforça para destacar diversos pontos
nessa linha de pensamento, sob o tema geral de que Deus não falhou em
nenhuma de suas promessas a Israel. Primeiro, Paulo diz que em todo o
tempo Deus exerceu a sua prerrogativa soberana de eleger a quem quer e
de desprezar outros, até mesmo dentro de Israel (p. ex., Isaque e Ismael,
Jacó e Esaú). Segundo, ele diz que Deus cegou temporariamente Israel para
O Povo d a A l i a n ç a 103
A lia n ç a e C â n o n e
Já vimos, no capítulo 1, como as escrituras hebraicas (particularmente
a Torá) correspondem aos antigos tratados do Oriente Próximo. Isso é
verdadeiro não somente quanto ao conteúdo (prólogo histórico, estipulações,
sanções) como também quanto à forma cerimonial: a identificação das
tábuas do tratado com o próprio tratado, os rituais solenes de cortar as
carnes e maldições pela violação do tratado, e a colocação das tábuas nos
templos de cada parte, chamando os deuses e a natureza como testemunha
de seus decretos.
Esses paralelos claros com os tratados antigos podem ser encontrados
em seções do Pentateuco que formam o material mais concentrado do
cânone sinaítico (Êx 25.16,21; 40.20; Dt 4.2; 10.2; 31.9-13; cf. Dt 27; Js
8.30-35).
Conquanto a estrutura básica dos tratados não pudesse ser alterada,
ocorreriam diversas renovações, levando em conta tanto mudanças históricas
quanto continuidade. Escreve Kline:
A compatibilidade legal desses dois aspectos, o etemo e o mutável, deve ter residido
num reconhecimento da distinção entre a aliança tributária fundamental do vassalo ao
grande rei (ou a situação mútua pacífica dos parceiros a um tratado de paridade) que era
teoricamente e idealmente permanente, e os detalhes precisos, como definições de limites
e especificações de tributos, etc. que eram sujeitos a alterações.3
C â n o n e e aliança são m u t u a m e n t e d e t e r m in a n t e s .
Escrita para dissuadir os judeus convertidos de voltarem para o
judaísmo durante a perseguição contra os cristãos, a Epístola aos Hebreus
está prenhe de contrastes entre a aliança terrena (antiga aliança) e a celeste
(a nova aliança), um modelo de que trataremos depois, em outro capítulo.
Há um aspecto temporário, transitório, até mesmo desvanecente, da
antiga economia que cede à nova aliança e suas promessas, seu mediador,
sacerdócio, templo, sacrifício e pátria melhores. Diz Steven McKenzie:
“O que controla a obediência de Israel à aliança em Deuteronômio é nada
menos que a sua posição como povo escolhido de Deus e sua sobrevivência
na terra prometida”.8Certamente o legado original da terra era um presente,
mas Israel tinha de mantê-lo por fidelidade. Para tomar emprestada a famosa
definição de E. P. Sanders do nomismo pactuai, eles entraram pela graça, mas
permaneceram pela obediência. McKenzie acrescenta: “A desobediência
resultaria na perda da terra e expulsão do povo (8.19,20; 11.16,17). As
cerimônias dos montes Ebal e Gerizim descritas no final de Deuteronômio
(27-29) expõem as alternativas: bênçãos pela obediência, maldição
inefável pela desobediência”.9 Como é diferente desse nominalismo pactuai
a expectação que vem da nova aliança, em cumprimento das promessas
reais das alianças abraâmica e davídica: “Porque não chegastes ao monte
palpável” (Hb 12,18; edição rev. e corrigida). E por causa disso, todas
as nações não se dirigem ao Sinai, mas a Sião, para a sua parte na nova
criação, na grande parada das criaturas dos reinos diante do Criador no
sábado eterno.
C a p ít u l o 8
S in a is e S elos da A l ia n ç a
Fiel é esta palavra: Se já morremos com ele, também viveremos com ele;
se perseveramos, também com ele reinaremos;
se o negamos, ele, por sua vez, nos negará;
se somos infiéis, ele permanece fiel,
pois de maneira nenhuma pode negar-se a si mesmo.
2 Timóteo 2.11-13
A P resen ç a d e D e u s com o T r a ta d o (V e r b o ) e R a t i
fica çã o (S a cr a m en to )
Quando ouviram a voz [qol\ do Senhor Deus, que andava no jardim pela viração do dia,
esconderam-se da presença \panim, face] do Senhor Deus, o homem e sua mulher, por
entre as árvores do jardim. E chamou o Senhor Deus ao homem e lhe perguntou: Onde
estás? Ele respondeu: Ouvi a tua voz [qot\ no jardim, e, porque estava nu, tive medo, e
me escondi.
Gênesis 3.8-10
Essa foi a primeira, mas certamente não última vez, que a presença
de Deus viria tanto como má notícia como boas-novas. Para quem está em
boas relações com Deus, sua presença é uma bênção. Colocar-se nas mãos
salvadoras e protetoras de Deus é encontrar segurança. De outra maneira:
“Horrível coisa é cair nas mãos do Deus vivo” (Hb 10.31).
Deus está em todo lugar - ele é onipresente. Portanto, quando falamos
de Deus em termos de estar “perto” ou “longe”, estamos falamos do nosso
relacionamento com ele. Tal como viam claramente os reformadores, a
questão da presença de Deus não é abstrata, como implícita na pergunta
filosófica que começamos a fazer quando ainda crianças: “Mamãe, onde
está Deus?”. A questão, pelo contrário, é muito concreta, especialmente
S in a is e S e l o s d a A l ia n ç a 109
porque o nosso problema é concreto: Onde está Deus para mim, para nós,
dado o estado em que me encontro (no pecado e na morte)? Antes da queda,
Adão e Eva tinham prazer na proximidade de Deus. Depois da queda,
temeram o som de seus passos.
Sempre que Israel quis impor a sua vontade sobre a graciosa
proximidade de Deus, enquanto desprezava a vontade dele, o resultado
era a idolatria: finalmente um deus que estaria próximo sem que inspirasse
temor e ameaça de juízo ante a violação da aliança! Reconhecemos o forte
contraste entre o comportamento dos israelitas quando Deus lhes falou e
quando eles fabricaram uma imagem de Yahweh. No primeiro caso, estavam
cheios de terror (Êx 20.18-21). Eles ficaram em pé, a distância, e clamaram
pela mediação de Moisés. Como nos informa o escritor de Hebreus, era
“o clangor da trombeta, e ao som de palavras tais, que quantos o ouviram
suplicaram que não se lhes falasse mais, pois já não suportavam o que lhes
era ordenado” (Hb 12.19,20). Mas, na presença do bezerro de ouro, “o povo
assentou-se para comer e beber e levantou-se para divertir-se” (Êx 32.6).
Após o episódio do bezerro de ouro e a intercessão efetiva do patriarca
em favor do povo para que Deus não os destruísse, Moisés pede a presença
de Deus - ou seja, a sua própria glória, a shequiná, para que acompanhe,
defenda e conduza a Israel.
Disse Moisés ao S e n h o r: T u m e dizes: Faze subir este povo, porém não me deste saber a
quem hás de enviar comigo; contudo, disseste: Conheço-te pelo teu nome; também achaste
graça aos meus olhos. Agora, pois, se achei graça aos teus olhos, rogo-te que me faças
saber neste momento o teu caminho, para que eu te conheça e ache graça aos teus olhos; e
considera que esta nação é teu povo. Respondeu-lhe: A minha presença irá contigo, e eu te
darei descanso. Então, lhe disse Moisés: Se a tua presença não vai comigo, não nos faças
subir deste lugar. Pois como se há de saber que achamos graça aos teus olhos, eu e o teu
povo? Não é, porventura, em andares conosco, de maneira que somos separados, eu e o teu
povo, de todos os povos da terra?
Disse o S e n h o r a Moisés: Farei também isto que disseste; porque achaste graça a o s meus
olhos, e eu te conheço pelo teu nome. Então, ele disse: Rogo-te que me mostres a tua
glória. Respondeu-lhe: Farei passar toda a minha bondade diante de ti e te proclamarei o
nome do S e n h o r: terei misericórdia de quem eu tiver misericórdia e me compadecerei de
quem eu me compadecer. E acrescentou: N ã o me poderás ver a face, porquanto homem
nenhum verá a minha face e viverá. Disse mais o S e n h o r: eis aqui um lugar junto a mim; e
tu estarás sobre a penha. Quando passar a minha glória, eu te porei numa fenda da penha e
com a mão te cobrirei, até que eu tenha passado. Depois, em tirando eu a mão, tu me verás
pelas costas; mas a minha face não se verá.
Êxodo 33.12-23
confirmação de que ele de fato encontrara favor aos olhos de Deus e de que
isso continuaria. Não pediu somente para si mesmo: “considera que esta
nação é teu povo” (v. 13). A resposta de Yahweh: “A minha presença [panim,
face] irá contigo, e eu te darei descanso” (v. 14), reafirma o juramento divino
da aliança com Abraão, Isaque e Jacó. A eleição de Moisés e de Israel, bem
como sua separação, seriam vazias sem esta presença: “Pois como se há de
saber que achamos graça aos teus olhos, eu e o teu povo?” (v. 16a). Não é
a justiça deles, mas a presença de Yahweh que é identificada como marca
distinta entre Israel e as nações (v. 16b).
Depois de Yahweh reafirmar a sua presença prometida, Moises apro
veita a oportunidade para obter maior intimidade com o Senhor da aliança.
O que se destaca nessa segunda metade da perícope é a impossibilidade de
o homem ver a face de Deus - contudo, Deus condescende voluntariamente
em se revelar de modo seguro para seres humanos. Essa revelação, ou seja,
a forma que a presença de Deus é dada a conhecer a Moisés, é um anúncio
- um sermão, por assim dizer. Deus não mostrará a sua majestosa glória
(seu rosto, panim no sentido de plena presença), mas apenas suas costas.
Quando vê as costas de Deus, a salvo da radiação da shequiná, é como se
Moisés ouvisse a proclamação da bondade de Deus. Ver Deus como ele é
em toda a sua glória - deus nudos - era tudo o que Moisés pedia, mas é
a revelação adequada da bondade e da graça de Deus que é o melhor para
Moisés e para o povo, porque a plena presença de Deus é devastadora para
criaturas finitas, e aterradora, para a consciência de criaturas pecadoras.
Yahweh marcará a sua presença teofanica com palavras, nuvem de glória,
arca da aliança, tabernáculo e templo, mas jamais mostrará a sua face (plena
presença) a criaturas em seu estado atual.
A bênção araônica: “o Senhor faça resplandecer o rosto sobre ti” (Nm
6.25), é equivalente às frases em que está aninhada: “O Senhor te abençoe
e te guarde” (v.24) e “o Senhor sobre ti levante o rosto \panim] e te dê a
paz” (v. 26). “Assim, [os sacerdotes] porão o meu nome sobre os filhos
de Israel, e eu os abençoarei” (v. 27) O pedido da revelação da bondade
de Deus encontra a mesma resposta no Salmo 4.6: “Há muitos que dizem:
Quem nos dará a conhecer o bem? Senhor, levanta sobre nós a luz do teu
rosto”. O rosto de Deus é sua presença, e essa presença é compreendida
pelos israelitas como indício do seu favor para com eles. Isso é ainda mais
demonstrado no fato de que, quando o “semblante” ou “rosto” não estiver
“levantado” ou “iluminado”, o povo fica cheio de medo: “O rosto do Senhor
está contra os que praticam o mal, para lhes extirpar da terra a memória”.
Por outro lado, “Perto está o Senhor dos que têm o coração quebrantado
e salva os de espírito oprimido” (SI 34.16,18; repetido em IPe 3.10-12).
S in a is e S e l o s d a A l ia n ç a 111
...porque aprouve a Deus que, nele, residisse toda a plenitude e que, havendo feito a paz
pelo sangue da sua cruz, por meio dele, reconciliasse consigo mesmo todas as coisas, quer
sobre a terra, quer nos céus. E a vós outros também que, outrora, éreis estranhos e inimigos
no entendimento pelas vossas obras malignas, agora, porém, vos reconciliou no corpo da
sua carne, mediante a sua morte, para apresentar-vos perante ele santos, inculpáveis e
irrepreensíveis.
Versículos 19-22
uma afiada espada de dois gumes. O seu rosto brilhava como o sol na sua
força” (Ap 1.16). Na árvore da vida, alimentada pelo rio da vida: “Nunca
mais haverá qualquer maldição. Nela, estará o trono de Deus e do Cordeiro.
Os seus servos o servirão, contemplarão a sua face, e na sua fronte está o
nome dele” (Ap 22.3,4).
Todos os termos que encontramos acima: o nome (chamar pelo
nome, receber o nome), a palavra, a proclamação, a promessa, a presença,
o testemunho divino envolvido na face de Deus, e assim por diante, fazem
parte do vocabulário da aliança e não da metafísica. Pertencem à História
e não a formas eternas, e são extraídas analogicamente do mundo da
diplomacia internacional do antigo Oriente Próximo. Na Palavra de ordem
e promessa, descobrimos quem somos: a lei diz que estamos, por natureza,
“sob o pecado”; o evangelho diz que estamos “em Cristo”, pela fé. Esta é
a Palavra da Aliança, mas em ambos os Testamentos, o Antigo e o Novo,
aprendemos também sobre os sinais e selos da aliança que ratificam o
tratado da paz.
C o r t a r um a A l ia n ç a : C ir c u n c isã o e B atism o
Especialmente dado que o Antigo e o Novo Testamento descrevem
a circuncisão/batismo e a Páscoa/Ceia do Senhor como sinais e selos
da aliança, faremos uma breve consideração da relação entre aliança e
sacramento. Primeiro, em Gênesis 15, a aliança de Deus com Abraão é
instaurada com o que poderia nos parecer inicialmente apenas um estranho
ritual. Antes do próprio ritual, Deus proclamou seu juramento de aliança:
uma promessa decididamente unilateral. Apesar do fato de Gênesis 15 ser
uma narrativa da lavratura de uma aliança e não a aliança em si mesma, a
estrutura formal ainda está presente.
Fica claro que o objetivo do ritual “de corte” prestes a ser feito é o
de confirmar o pacto e dirimir as dúvidas de Abrão a respeito da promessa
falada por Yahweh. “À promessa feita a Abraão, Deus acrescentou uma
segunda coisa imutável (Hb 6.17,18)”, observa Kline.3 Mesmo depois de
mostrar a Abrão as estrelas, indicando os inumeráveis herdeiros que viriam
do ventre estéril de Sara, a fé do patriarca ainda vacila: “Perguntou-lhe
Abrão: Senhor Deus, como saberei que hei de possuí-la?” (Gn 15.8). Então,
Deus passa a ordenar o estranho ritual: os animais são cortados ao meio, e as
metades colocadas em lados opostos do que parece ser um corredor. Abrão
fez conforme foi ordenado e Deus confirmou o seu juramento com a visão
do divino Cumpridor de Promessas passando por entre as partes. Conforme
já vimos, esse ritual seria bastante conhecido no antigo Oriente Próximo,
S in a is e S e l o s d a A l ia n ç a 113
Esse carneiro não é trazido do rebanho para sacrifício, não é trazido para um festival
garitu nem para um festival kinitu, não é trazido [como rito] para um homem doente nem
como matança... É para ser feito um tratado de Ashumirari, rei da Assíria, com Mati’ilu,
que ele é trazido. Se Mati’ilu [pecar] contra o tratado jurado pelos deuses, como este
carneiro é trazido do rebanho e ao seu rebanho não tomará [e ficará] em sua cabeça, assim
Mati’ilu e seus filhos [seus nobres] o povo da terra serão levados para longe de sua terra
e não voltarão a ficar à cabeça de sua terra. Esta cabeça não é a cabeça de um carneiro, é
a cabeça de Mati’ilu, a cabeça de seus filhos, seus nobres, o povo de sua terra. Se esses
nomeados pecarem contra este tratado, como a cabeça do carneiro é cortada, sua perna
colocada na boca, assim será cortada a cabeça dos nomeados... Este ombro não é o ombro
do carneiro, é o ombro de quem for nomeado, o ombro de seus filhos, nobres, o povo de
sua terra. Se Mati’ilu pecar contra este tratado, como o ombro do cordeiro é arrancado,
assim será o ombro do nomeado, seus filhos, seus nobres, o povo de sua terra arrancado
[...] (Col l.lOss).4
Essa interpretação encontra forte apoio nas palavras de Jeremias. Ao recordar a deslealdade
de Israel para com a aliança, o profeta lembra o ritual pelo qual passaram entre as partes do
bezerro (ver Jr 34.18). Pela sua transgressão, chamaram sobre si as maldições da aliança.
Assim, podem esperar que os próprios corpos sejam desmembrados. Seus cadáveres
“servirão de pasto às aves dos céus e aos animais da terra” (Jr 34.20)... A frase “laço de
sangue” concorda idealmente com a ênfase bíblica de que “sem derramamento de sangue,
114 O D e u s da P rom essa
não há remissão” (Hb 9.22)... A vida está no sangue (Lv 17.11) e o derramamento de
sangue representa um julgamento sobre a vida.7
Havia chegado a hora em que, aqui, no mesmo rio Jordão em que Yahweh havia declarado
por meio de uma provação que a terra prometida pertencia a Israel - Deus requeria dos
israelitas que confessassem sua rejeição da bênção do reino e culpabilidade ante a ira
vindoura. Entretanto, a proclamação de João Batista era de “boas-novas” (“evangelho”) ao
povo (Lc 3.18), pois convidava o arrependido a antecipar o juízo messiânico por meio de
uma provação simbólica no Jordão, assegurando para si mesmos de antemão o veredicto
de remissão dos pecados em relação ao juízo vindouro.15
116 O D e u s da P rom essa
João chamava a atenção para a grande diferença; o seu próprio batismo era apenas um
símbolo, enquanto aquele que viria batizaria os homens num ato real, com os próprios
elementos do poder divino... por meio do seu batismo, Jesus se consagrava à morte
sacrifical do ato judicial da cruz...: “Tenho, porém, um batismo com o qual hei de ser
batizado” (Lc 12.50, cf. Mc 10.38).17
O que o apóstolo queria dizer quando disse que os pais foram batizados em Moisés, ao
passar sob a nuvem e pelo mar, foi que o Senhor os levou, por meio desses elementos, a
uma provação pela qual os declarava aceitos como povo servo de sua aliança, e assim, sob
a autoridade de Moisés, seu vice-regente mediador.24
Por outro lado, sem fé, esse batismo não confere o que é por ele
significado.33 Ainda assim, a fé não é o que toma efetivo o batismo; Deus é
quem faz isso. “O batismo é o meio na mão de Deus, o lugar onde ele fala e
age. Por outro lado, este último exclui qualquer sugestão de que o batismo
seja algo em si mesmo e impute a salvação ex opere operato.”34
ceia enquanto está destruindo o corpo de Cristo que é a igreja. “Assim, pois,
irmãos meus, quando vos reunis para comer, esperai uns pelos outros. Se
alguém tem fome, coma em casa, a fim de não vos reunirdes para juízo”
(vs. 33,34).
Sempre que houver uma discussão sobre a unidade no Novo
Testamento, os sacramentos estarão próximos: “um só Senhor, uma só fé,
um só batismo” (Ef 4.5); “Pois todos vós sois filhos de Deus mediante a fé
em Cristo Jesus; porque todos quantos fostes batizados em Cristo de Cristo
vos revestistes. Dessarte, não pode haver judeu nem grego; nem escravo
nem liberto; nem homem nem mulher; porque todos vós sois um em Cristo
Jesus” (G1 3.26-28); “Porque nós, embora muitos, somos unicamente um
pão, um só corpo; porque todos participamos do único pão” (ICo 10.17).
Por essa razão, “Ninguém busque o seu próprio interesse e sim o de outrem”
(v 24). “Porque, assim como o corpo é um e tem muitos membros, e todos
os membros, sendo muitos, constituem um só corpo, assim também com
respeito a Cristo. Pois, em um só Espírito, todos nós fomos batizados em
um corpo, quer judeus, quer gregos, quer escravos, quer livres. E a todos
nós foi dado beber de um só Espírito” (ICo 12.12,13).
Assim, a Ceia do Senhor é uma refeição de aliança. Isso significa
que, conquanto seja primeiramente uma ratificação do pacto de Deus para
conosco, também ratifica a nossa aliança com Deus e com o próximo. Ela
tem dimensões verticais e horizontais. Nela, recebemos o corpo e o sangue
de Cristo e somos unidos como corpo de Cristo. Ao recebermos a Cabeça
Viva, pelo Espírito, somos feitos um só povo. Dado que o pão e o vinho
significam participação (koinõnia) em Cristo, eles também nos ligam numa
koinõnia uns aos outros. Não se pode tratar a Ceia do Senhor de modo
individualista, mas somente como refeição da aliança. Aqui, as divisões
hierárquicas entre pobres e ricos, escravos e livres, judeus e gentios, homens
e mulheres são suspensas na medida em que as regras da “era presente” são
sobrepujadas pelas exigências melodiosas da “era do porvir”.
O fato de que a Ceia do Senhor seja uma refeição de aliança tem
tremendas implicações práticas, como reconheciam os reformadores. Na
verdade, Martin Bucer (reformador de Estrasburgo) escreveu muito sobre a
relação entre a Ceia do Senhor e as obrigações comunitárias dos ricos e dos
pobres. Em nossos próprios dias, Karl Deddens observa:
Temos aqui a raiz da obra diaconal. O espírito festivo com que celebramos a ceia do
Senhor é também uma ocasião para nós, segundo o Dia do Senhor 38, do Catecismo de
Heidelberg, demonstrarmos compaixão pelos pobres. Falando de maneira ideal, deve ser
possível aos diáconos conduzir seu trabalho de prover para os pobres da congregação
apenas do ofertório [da Comunhão]. Esse ideal se tomaria realidade se o caráter festivo da
Ceia do Senhor fosse plenamente expresso em nossos cultos.35
124 O D e u s d a P r o m es s a
Bucer estava certo: como a nossa conduta em relação uns aos outros
poderia ser melhorada se fossemos um povo eucaristicamente orientado?
Haveria igrejas de diferentes segmentos sociais que não levassem em conta
uma a outra, sendo batizadas no capitalismo em vez de em Cristo? Em um
partido político em vez de em Cristo? No racismo em vez de em Cristo?
Cristianismo de cultura em vez de Cristo? Em muitos aspectos, hoje as
igrejas ocidentais são divididas por linhas socioeconômicas, raciais, políticas
e de gerações tanto quanto na igreja de Corinto. Por ser primariamente o
lugar objetivo onde Deus encontra e abençoa o seu povo, a Ceia do Senhor
acaba se tomando também ocasião em que a sociedade celeste sobre a terra,
uma colônia do reino de Cristo, recuse-se a suspender sua intrusão cada
vez maior no reino do pecado e da morte. A Palavra, o batismo e a Ceia do
Senhor formam uma única ilha de unidade divinamente criada, separada das
rivalidades divisoras deste mundo. Aqui, há um lugar onde todos são um em
Cristo. O que os une não é o estilo musical, a constituição socioeconômica
ou racial da comunidade, idade ou orientação política. Aqui, no banco da
igreja, na fonte do batismo e à mesa da comunhão, só existe uma divisão
importante: entre Cristo e os ídolos.
O problema com a versão pietista da Ceia do Senhor é, portanto,
que, na obsessão pela piedade interior do indivíduo, perde-se muito da
importância do banquete como refeição sagrada que realmente nos une a
Cristo e uns aos outros. Em vez de ver a Ceia do Senhor primeiramente
como ação salvadora de Deus e, depois, como nossa comunhão uns com
os outros, em Cristo, passamos a vê-la como apenas outra oportunidade
de sermos ameaçados com a lei. Em vez de celebrar um antegosto do
banquete das bodas do Cordeiro no Monte Sião, ainda trememos ao pé do
Monte Sinai. Não é de admirar, portanto, que haja um interesse reduzido na
freqüência da comunhão.
É interessante que o Sínodo de Dort, em 1578, concluísse: “No dia em
que se celebra a Ceia do Senhor, será útil ensinar a respeito dos sacramentos
e especialmente sobre o caráter misterioso da Ceia do Senhor...”. Karl
Deddens acrescenta:
Se a Ceia do Senhor fosse celebrada com mais freqüência, não veríamos essa mudança
como acomodação aos “sacramentalistas” que querem enfatizar menos o serviço da
Palavra; pelo contrário, veríamos isso como o cumprimento da ordem de Cristo... Há quem
diga: “Mas a congregação não está pedindo comunhão mais freqüente!” Isso pode ser
verdade, mas essa consideração não pode ser determinante. Em vez disso, devemos ser
estimulados a refletir mais.36
inclui a adoção de pecadores na família real. Nada que fizermos - por mais
importante que seja para a vida cristã - poderá comunicar ou confirmar
as promessas de Deus. Só Deus pode fazê-lo, e é por isso que ele instituiu
a pregação do evangelho e os sacramentos como o seu modus operandi.
Se o lugar dos sacramentos for enfraquecido no culto público, não será
de admirar que encontremos o povo de Deus recorrendo a si mesmo e a
seus próprios métodos para a saúde espiritual. Nosso Senhor da Aliança
não somente sabe do que precisamos: ele também proveu para nossas
necessidades no serviço litúrgico que ele mesmo ordenou. John Murray
insiste corretamente:
Participamos do corpo e sangue de Cristo por meio da ordenança. Assim, vemos que
o destaque está sobre a fidelidade de Deus... Temos de manter em vista que a salvação
é mais do que seu início. Os sacramentos são meios pelos quais devemos crescer na
salvação aperfeiçoada para o último tempo. É fácil dar lugar a uma espiritualidade espúria,
considerando os sacramentos apenas como ritualismo externo, não necessário ao modo
mais elevado de dedicação. Devemos cuidar para não substituir a obediência por um
sentimento falso.™
O Q u e F azem o s S a c r a m e n t o s ?
Vezes demais, o debate sobre a eficácia dos sacramentos é confundido
com o debate filosófico entre “espírito” e “matéria”. Como podem coisas
materiais como pão e água transmitir graça invisível? Roma respondeu:
aniquilando a coisa material e substituindo-a pela espiritual. No outro
extremo, memorialistas (na tradição do reformador Ulrich Zuínglio)
simplesmente concluíram que seria impossível uma coisa material transmitir
uma realidade espiritual. Portanto, o batismo tem de ser o sinal da promessa
do crente, de ser discípulo fiel (ou a promessa dos pais de criar os filhos com
fidelidade), e a ceia deve ser uma reconsagração para atingir esse objetivo.
Porém, se pensarmos em termos de aliança e não filosóficos, veremos
que essa é a ilustração errada, desde o início. A água batismal e o pão e
vinho da ceia, ligados à Palavra pelo Espírito, estão ligados à realidade
celestial que significam e selam, assim como o derramamento de sangue
e as refeições pactuais, na cosmovisão do Oriente Próximo. Aqui, não há
contraste entre espírito e matéria - se houvesse, a encarnação também não
teria valor salvífico. O rei assírio sabia que quando colocava suas mãos
na cabeça do cordeiro e dizia: “Esta não é a cabeça de um carneiro, mas a
cabeça de Mati’ilu”, ele não estava fazendo uma declaração metafísica sobre
mudança de substancia, nem reduzindo o ato a uma lição prática viva. Antes,
ele estava certificando, no próprio ato, as bênçãos e maldições enumeradas
no tratado. A cabeça do carneiro tinha passado por uma mudança na sua
“consagração” - não de transmutação de substância, mas mudança de um
S in a is e S e l o s d a A l ia n ç a 127
uso para outro. Ela tinha se tomado, por assim dizer, uma cabeça “federal”,
representando o corpo político ligado a Mati’ilu. A aliança fora selada.
Além do mais, a graça não é uma substância impessoal, mas um
atributo pessoal. Não é um tônico espiritual que possa ser passado de uma
pessoa a outra, mas a própria ação e atitude de Deus, demonstrada àqueles
que merecem justamente o oposto. Muita confusão sobre os sacramentos
poderá ser dissipada se pensarmos em termos de um rei que mostra favor
em vez de em termos de uma substância comunicada.
Portanto, diferente da visão de Zuínglio, o contraste não é entre a
substância material e a espiritual (a primeira fraca demais para representar
a segunda), mas entre “o presente século”, em que nossas consciências
permanecem constantemente assediadas, e o fato de Cristo ter ascendido à
destra do Pai, e a “era por vir”, que alvorece parcialmente na ressurreição
de Cristo, e a descida do Espírito Santo - o outro Advogado (paraklètos, Jo
14.16). O papel do Espírito, conforme descreveu Jesus, também se encontra
em forma de um processo de aliança: convencer e converter (Jo 16.8-15). O
Espírito Santo enviado do Cristo assunto leva os crentes à comunhão com o
Redentor que está fisicamente ausente (Jo 14.26; 16.13). “Ele me glorificará,
porque há de receber do que é meu e vo-lo há de anunciar” (16.14). Dizer
que essa comunhão com Cristo é espiritual não é fazer oposição à matéria,
mas fazê-la submeter-se ao Espírito Santo como a Pessoa divina enviada
desde a consumação do sábado até a era presente, para fazer dos novos
crentes da aliança participantes da nova criação semi-realizada. A presença
do Deus Trino entre seu povo em nosso tempo é realmente um adventus,
uma presença futura, uma presença na ausência e ausência na presença.
O pão é consagrado e, assim, separado por palavras, diz Calvino, mas
as palavras não são dirigidas ao pão e sim pronunciadas para benefício dos
ouvintes. “Esta é a conversão mencionada pelos antigos doutores da igreja...
Em suma, a consagração nada mais é que um testemunho solene pelo qual
o Senhor nos designa um sinal terreno e corruptível para um uso espiritual.
Isso não pode ocorrer a não ser que o seu mandamento e promessa sejam
ouvidos distintamente para a edificação da fé.”41 Assim, Calvino recusa o
falso dilema de aniquilar o sinal pelo significado (Trento), confundi-los
(Lutero) ou separá-los (Zuínglio).
Um sacramento consiste num sinal visível, com o qual é ligado à coisa significada,
a qual é sua realidade... Agora, porém, devo acrescentar que não é um sinal vazio ou
sem significado este que nos é apresentado, mas aqueles que recebem a promessa pela
fé são realmente feitos participantes de sua carne e sangue. Pois em vão teria o Senhor
ordenado ao seu povo comer do pão, declarando que é seu corpo, se o efeito não fosse
verdadeiramente acrescentado à representação.42
128 O D eu s d a P rom essa
Cremos que o bom Deus, sabedor de nossa imperfeição e fraqueza, ordenou os sacramentos
para selar suas promessas, prometer sua boa vontade e graça para conosco, e também
alimentar e sustentar a nossa fé. Acrescentou-os à Palavra do evangelho para mais bem
representar aos nossos sentidos externos o que ele nos capacita a entender por sua Palavra,
bem como o que ele faz interiormente em nosso coração, confirmando-nos a salvação que
nos dá. Pois são sinais visíveis e selos de algo interno e invisível, pelos quais Deus opera
em nós pelo poder do Espírito Santo. Não são sinais vazios, para nos enganar, pois sua
verdade é Jesus Cristo, sem quem eles nada seriam.54
Isto, porém, é certo: que a cerimônia, realizada por preceito de Deus no uso dos
sacramentos, foi ratificada no céu e que, daí em diante, o pão e o vinho no ato sagrado
são transformados quanto à qualidade, uma vez que eles são feitos verdadeiros símbolos
do corpo e sangue do Senhor - algo pelo qual eles obtêm, não de sua própria natureza
nem pela virtude do pronunciamento de certas palavras, mas por designação do Filho de
Deus... Contudo, nem a transubstanciação nem o que chamam de verdadeira conjunção
ou transfusão ou consubstanciação devem ser consideradas, mas a conjunção relativa ou
sacramental do sinal e da coisa... O corpo de Cristo não tem de estar presente na terra, para
que sejamos participantes de Cristo; pelo contrário, em virtude do Espírito Santo e pela fé,
nós ascendemos (até ele) no céu e ali o abraçamos para que possamos nos sentar com ele
nos lugares celestiais.55
Se ele não estiver real e verdadeiramente presente, o sacramento não terá beneficio ou valor
real para nós. Não bastará dizer que a presença é apenas espiritual, pois essa expressão é
ambígua. Se isso significa que a presença de Cristo não é algo objetivo, mas simplesmente
uma compreensão mental ou idéia de Cristo subjetivamente presente em nossa consciência,
então a expressão é falsa. Cristo, como fato objetivo, está realmente presente e ativo no
sacramento, tal como estão o pão e o vinho ou o ministro e os colegas comungantes. Se
isso significa que Cristo só está presente na medida em que é representado pelo Espírito
Santo, também isso não será inteiramente verdadeiro, porque Cristo é uma Pessoa e o
Espírito Santo, outra, e é Cristo quem está pessoalmente presente... Não bastará dizer que
a divindade de Cristo está presente enquanto sua humanidade está ausente, porque é toda
a Pessoa divina-humana, indivisível, de Cristo, que está presente.57
Não é apenas uma lembrança subjetiva, mas uma manifestação ativa do significado
contínuo e atual da morte de Cristo. “Proclamar” essas coisas tem um significado de
declaração profética... Tudo é direcionado não só ao passado, mas também ao futuro. É a
proclamação de que na morte de Cristo, a nova e eterna aliança da graça entrou em vigor,
ainda que num sentido provisional e não consumado.5’
132 O D eu s da P ro m essa
O b e d iê n c ia da N ova A lia nç a
U sar a L e i d e M o d o L e g ít im o
Muita discussão sobre o papel da lei na nova aliança começa de
maneira errada, por uma falha em fazer distinções importantes. Como
resultado, é fácil para as diferentes partes tomarem partido simplesmente
a favor ou contra o uso normativo da lei para cristãos. Quais são algumas
dessas distinções que precisamos reconhecer?
• Primeiro, é importante ter em mente a diferença entre a própria lei
e uma aliança de lei.
Historicamente,osexegetastêmentendido(ameuver,justificadamente)
“lei” e “evangelho” em dois níveis: (1) o princípio da lei (cumprimento
pessoal de suas estipulações) distinto do princípio da promessa/evangelho;
e (2) a antiga aliança (promessa) com relação à nova aliança (cumprimento).
Pode-se dizer, portanto, que o evangelho é revelado na “lei”, tomada como o
Pentateuco do Antigo Testamento, enquanto afirma que lei (mandamentos)
e promessas são distintas, a ponto de se oporem fortemente quando chega à
questão de nossa justificação diante de Deus.
A “lei”, como simples princípio, refere-se a qualquer coisa que Deus
ordene. Qualquer coisa que venha da parte de Deus em termos imperativos
(coisa a fazer ou não fazer) é lei. Pode estar na forma dos Dez Mandamentos,
nas especificações complicadas dos móveis do templo, no ensino de Jesus
sobre divórcio e novo casamento, ou nas instruções para se viver no
Espírito, em Gálatas 5.16-24. O Antigo e o Novo Testamento não diferem
quanto a emissão de mandamentos, e assim não podemos simplesmente
considerar o primeiro como lei e, o segundo, como promessa. Do ponto de
vista bíblico, nada há de errado com os mandamentos; eles são expressões
do próprio caráter moral de Deus. O que as Escrituras querem demonstrar
não é que não haja leis normativas para os cristãos, mas que não há modo
pelo qual, sendo quem somos, possamos nos tomar herdeiros do reino de
O b e d iê n c ia d a N o v a A l ia n ç a 135
Todo homem esteja sujeito às autoridades superiores; porque não há autoridade que não
proceda de Deus; e as autoridades que existem foram por ele instituídas.
De modo que aquele que se opõe à autoridade resiste à ordenação de Deus; e os que
resistem trarão sobre si mesmos a condenação. Porque os magistrados não são para temor,
quando se faz o bem, e sim quando se faz o mal. Queres tu não temer a autoridade? Faze
o bem e terás louvor dela. (vs. 1-3)
A lia nç a e C o n d ic io n a l id a d e
Ancorada na aliança da redenção - o pacto eterno entre as pessoas
da Trindade - a promessa, identificada com Abraão, Davi e a nova aliança,
é, em sua essência, imutável, inviolável e sem referência à obediência ou
desobediência de agentes humanos à parte da obediência do nosso Mediador,
Jesus Cristo. Nessa aliança eterna, somos beneficiários, mas não parceiros.
Deus salvará os seus eleitos, vencendo todo obstáculo em seu caminho,
incluindo nós mesmos. Contudo, a aliança da graça em sua administração
envolve condições. É uma aliança feita com os crentes e seus filhos. Nem
todos envolvidos na aliança da graça são eleitos: o Israel de baixo é maior
do que o Israel de cima. Alguns israelitas ouviram o evangelho no deserto
e responderam em fé, enquanto outros, não o aceitaram - e o escritor de
Hebreus usa o fato como advertência aos herdeiros da mesma aliança da
graça, no Novo Testamento (Hb 4.1-11).
O Novo Testamento coloca diante de nós uma ampla exposição de
condições para a salvação final. Não apenas o arrependimento e a fé iniciais,
mas também a perseverança numa vida de arrependimento e fé demonstrada
em termos do amor a Deus e ao próximo faz parte da santidade sem a qual
ninguém verá o Senhor (Hb 12.14). Essa santidade não é simplesmente
definitiva - isto é, não pertence somente à nossa justificação, a qual é justiça
imputada e não conferida - mas à nossa santificação, aquela renovação
interior operada pelo Espírito.
Jesus deixou bem claro que, no último dia, as ovelhas serão separadas
dos cabritos segundo as marcas visíveis de sua profissão de fé interior (Mt
25). É importante, porém, lembrar que as ovelhas, no texto, não parecem
conscientes de que alimentaram os famintos, vestiram os nus e cuidaram
dos pobres e dos que estão presos, enquanto os cabritos insistem que eles
fizeram isso. A santidade, definida em termos do amor a Deus e ao próximo
é geralmente percebida pelos outros e não por nós mesmos. No entanto, é
condição indispensável para a nossa glorificação: ninguém se assentará no
banquete celestial, se não tiver se iniciado, por mais imperfeitamente que
seja, nos caminhos nova obediência. Existem aqueles que “uma vez foram
iluminados [batizados], e provaram o dom celestial [a Ceia do Senhor], e se
tomaram participantes do Espírito Santo, e provaram a boa palavra de Deus
e os poderes do mundo vindouro” que, não obstante, caem (Hb 6.4,5).
Essas observações não comprometeriam seriamente as boas-novas
da promessa incondicional que nos empenhamos para destacar na aliança
das obras? Essa pergunta é muito importante, especialmente porque parece
haver muita confusão em nossos dias quanto à maneira de receber essas
O b e d iê n c ia d a N ova A l ia n ç a 141
novo coração que se compraz na lei de Deus, e ninguém que despreze a lei
de Deus entrará nos seu santo lugar.
Segundo, temos de distinguir entre condições numa aliança de lei e
condições numa aliança da promessa. A lei podia ordenar, mas não podia
conceder o que ela mesma exigia. Não era esse o seu propósito (G13.21). Ela
podia apenas declarar justos diante de Deus aqueles que a cumpriam. Falar
de termos condicionais numa aliança de lei é, portanto, seguir a fórmula:
“Faze isto e viverás; falhe nisto e certamente morrerás”. Aqui a lei promete
bênção pelo cumprimento das estipulações da aliança.
Numa aliança de promessa, porém, as coisas são radicalmente
diferentes. Os requisitos da lei não mudam, mas muda a base para a aceitação.
Em Jeremias 31, Deus jura unilateralmente que substituirá o nosso coração
de pedra por um coração de carne, e que inscreverá nele a sua lei, para que
tenhamos prazer nos seus mandamentos - mas até isso é resultado de ele
nos ter perdoado de todos os pecados com base somente em sua graça.
Tudo o que Deus requer nessa aliança também é concedido por Deus! Não
é o caso de Deus simplesmente prometer o perdão dos nossos pecados,
deixando-nos por nós mesmos, para resolução dos problemas de corações
empedernidos e de caminhos rebeldes. A salvação por ele prometida e
provida é total, nada deixando para realizarmos por nossa própria força.
Não apenas a justificação, mas a regeneração, a santificação e tudo mais
que é requerido para a nossa glorificação também foram incluídos nessa
promessa incondicional.
Portanto, a aliança da graça é incondicional com respeito à sua base,
repousando sobre a eterna aliança da redenção. Assim como Abraão e seus
herdeiros desviados, e Davi e seus filhos notoriamente maus (a maçã não
cai longe da árvore) não podiam impedir que Deus cumprisse o seu plano
de redenção em seu favor, também a aliança eterna de redenção de Deus
será realizada em cada um dos eleitos, a despeito de todos os obstáculos.
Nenhuma de suas ovelhas se perderá; todas perseverarão até o final. Agora,
uma condição como “todo aquele que perseverar até o fim será salvo” vem a
nós, não como ameaça - uma condição que de alguma maneira nós teremos
de cumprir, se quisermos ter esperança de alcançar a nossa salvação - mas
como condição, que entendemos que o próprio Deus operará por nós e em
nós, conforme seu bom prazer (Fp 2.13).
No entanto, nem todos que pertencem à comunidade da aliança perse
verarão até o final. Alguns são como joio entre o trigo, sementes que caíram
em terreno rochoso ou foram sufocadas pelas ervas daninhas. Alguns ramos
não produzem frutos e têm de ser cortados. Novamente, isso só deverá ser
ameaça para aqueles que caem, os que, como Esaú, abrem mão do direito
O b e d iê n c ia d a N o v a A l ia n ç a 143
O Q u e a L e i A in d a N ã o P o d e F a z e r
Quando reduzimos o evangelho a apenas o perdão dos pecados,
perdemos a “altura e profundidade” do que Deus realizou por nós, na
nova aliança. Podemos, de um lado, ignorar as exigências que continuam
colocadas sobre nós e, de outro, ignorar as boas-novas libertadoras de que
a santificação, afinal, não depende de nós. Muitos crentes confessam que
a justificação e o perdão dos pecados são somente pela graça e somente
mediante a fé em Cristo, assumindo que isso se refere ao ato inicial. “Somos
salvos” pela graça, mas depois, a vida cristã é uma questão de entrar e
sair da bênção eterna de Deus com base no desempenho. Paulo tinha algo
semelhante em mente quando, em Gálatas 3.2,3, escreveu: “Quero apenas
saber isto de vós: recebestes o Espírito pelas obras da lei ou pela pregação
da fé? Sois assim insensatos que, tendo começado no Espírito, estejais,
agora, vos aperfeiçoando na carne?”.
Esse problema surge facilmente - tanto na forma do antinomianismo
(isto é, a crença de que somos livres de todas as obrigações para com a lei)
quanto na forma de legalismo (ou seja, a lei como meio de se alcançar a vida)
- exatamente onde começamos a falar do terceiro uso da lei - a lei como
diretriz para o comportamento cristão. Nenhum crente acredita realmente
que a vida cristã seja inteiramente sem norma alguma. De fato, embora eu
144 O D eus da P rom essa
Ora, visto que a lei tem sombra dos bens vindouros, não a imagem real das coisas, nunca
jamais pode tomar perfeitos os ofertantes, com os mesmos sacrifícios que, ano após
ano, perpetuamente, eles oferecem. Doutra sorte, não teriam cessado de ser oferecidos,
146 O D eu s d a P rom essa
porquanto os que prestam culto, tendo sido purificados uma vez por todas, não mais teriam
consciência de pecados? Entretanto, nesses sacrifícios faz-se recordação de pecados todos
os anos, porque é impossível que o sangue de touros e de bodes remova pecados.
Agora, pois, já nenhuma condenação há para os que estão em Cristo Jesus... Porquanto o
que fora impossível à lei, no que estava enferma pela carne, isso fez Deus enviando o seu
próprio Filho em semelhança de carne pecaminosa e no tocante ao pecado; e, com efeito,
condenou Deus, na carne, o pecado, a fim de que o preceito da lei se cumprisse em nós,
que não andamos segundo a carne, mas segundo o Espirito.
Romanos 8.1-4
O próprio Deus fez por nós o que a lei não poderia fazer. A lei ordena,
mas somente Deus pode salvar.
Não são apenas boas-novas para o recém-convertido, mas também
para o crente maduro. Como disse John Murray: “A lei não pode fazer na
santificação mais do que fez na justificação”.7Não é tarefa da lei (mesmo
de acordo com o seu terceiro uso) capacitar-nos para a santidade, assim
como não é sua tarefa a de nos ressuscitar dos mortos e nos colocar diante
de Deus em primeiro lugar. A única fonte de poder e vida na caminhada
cristã é a mesma que era no princípio: as boas-novas de que Deus fez
148 O D eu s d a P rom essa
o que a lei (e nossa obediência) jamais poderia ter feito. Assim, sempre
respondemos à lei (em seu terceiro uso) como quem foi salvo, está sendo
salvo e será salvo, de acordo com a promessa de Deus, em uma aliança
de graça. Dado que estamos em Cristo, a lei de Deus, como expressão de
seu justo veredicto sobre a nossa vida, concorda com o evangelho dando
a sentença: “Inocente”. Agora, reconhecendo que estamos justificados
diante de Deus, essa mesma lei designa o nosso curso, revelando a vontade
imutável de Deus, com cuja obediência ele se deleita mais do que com
sacrifícios. O perdão é grande, mas a obediência é maior. Uma oferta pela
culpa é necessária para a remissão dos pecados, mas uma oferta de gratidão
é algo em que Deus se compraz acima de tudo o mais. É por causa das
misericórdias de Deus (o indicativo) que oferecemos a nós mesmos em
sacrifícios vivos a Deus (Rm 12.1,2).
Então, as boas-novas são que, se você estiver em Cristo, é uma
nova criatura. O indicativo (ou seja, as boas-novas do que Deus fez - as
misericórdias de Deus) dirige os imperativos (i. é, a lei em seu terceiro uso).
Você não herda o perdão e a justificação somente pela graça para que a
santificação seja determinada por uma aliança de lei. Preserva-se a ironia: a
aliança da lei conduz à condenação, enquanto a aliança da promessa conduz
à obediência requerida na lei, a qual ela mesma não podia produzir. Por
outro lado, se você vive em rebeldia aberta contra as promessas de Deus
e não tem prazer interior em sua lei, a herança não lhe pertence, mesmo
que você seja membro visível da comunidade da aliança. O evangelho é
maior do que podemos imaginar, e o julgamento é mais severo para os que
rejeitam a sua realidade.
Uma ilustração ajudará a juntar os fios. Imagine um veleiro novo,
com todos os instrumentos mais modernos. Equipado com tecnologia de
satélite, o veleiro pode planejar o curso até o destino. Pode dar o sinal de
alarme quando sai da rota coordenada. Dependendo desses instrumentos
impressionantes, você vai a mar aberto com o mastro a pleno pano até que,
em dado momento, vem a calmaria e você fica parado. O rádio avisa a
proximidade de repentina tempestade a leste. Marinheiros colegas fornecem
conselhos pelo rádio, mas apesar de toda a informação dada pelo próprio
sistema de navegação e os conselhos dos colegas, você percebe que, sem
vento, não pode voltar até o lugar seguro. Então, você fica ali, parado, com
a melhor tecnologia, mas incapaz de se mover na direção do porto.
Muitas vezes, a vida cristã é parecida com isso. Deslizamos pela
baía com vela aberta, cheios de prazer, sabendo que os nossos pecados são
perdoados e que estamos de bem com Deus. Um novo amor nos enche de
gratidão pelo Redentor, e ansiamos para seguir o curso que ele determinou
em sua Palavra. No entanto, quando entramos em mar aberto, encontramos
O b e d iê n c ia d a N o v a A l ia n ç a 149
C a p ít u l o 1
A G rande I d é ia ?
1 G. E. Mendenhall, Law and Covenant in Israel and the Ancient Near East (Pittsburgh: the
Biblical Colloquium. 1955), 24.
2 Meredith G. Kline, The Structure o f Biblical Authority (Grand Rapids: Eerdmans, 1975), 25.
3 Ibid., 27.
4 Ibid., 57.
5 Ibid., 79.
6Walther Eichrodt, Theology o f the Old Testament, trad, de J. A. Baker (Filadélfia: Westminster,
1951), 1:36.
7 Ibid., 37.
8 Ibid., 38, 42. Gerhard Von Rad escreve de modo semelhante, argumentando que a história
salvadora canônica recebe suas divisões de tempo por meio de sua teologia de aliança: “Pontos
focais na ação divina se destacam agora de partes da História que são de caráter mais épicas, e
como resultado da divisão, relacionamentos perfeitamente definidos entre as diversas épocas,
das quais os antigos resumos não davam indicações, são agora claras. Os momentos decisivos
mais marcantes desse tipo são a formação de alianças por Yahweh” (Gerhard Von Rad, Old
Testament Theology, trad, de D. M .G. Stalker [Nova York: Harper, 1962], 1:129).
9 Eichrodt escreve: “Esse tipo de religião popular em que a divindade demonstra apenas o
mais alto aspecto da autoconsciência nacional, o ‘gênio’ nacional ou o mistério nas forças da
natureza peculiares a um determinado país, foi vencido principalmente pelo conceito de aliança.
A religião de Israel é assim marcada como ‘religião da eleição’, usando essa frase para indicar
que é a eleição divina que a toma o oposto exato das religiões da natureza” (Eichrodt, Theology
o f the Old Testament, 1: 43).
10 N.T. Wright, The Climax o f the Covenant: Christ and the Law in Pauline Theology
(Edimburgo: T.& T. Clark, 1991), xi.
C a p ít u l o 2
D e u s e a s R e l a ç õ e s E s t r a n g e ir a s
1Meredith G. Kline, The Treaty o f the Great King (Grand Rapids: Eerdmans, 1963).
2 Para as ligações com os “tratados de suserania” do antigo Oriente Próximo, ver ibid.
3 Mendenhall, Law and Covenant.
4 Delbert R. Hillers, Covenant: The History o f a Biblical Idea (Baltimore: Johns Hopkins
University Press, 1969), 30. Apelarei para este ponto em minha discussão sobre o modo em
que o pacto une as dimensões legais e relacionais, contra a tendência nas teologias modernas
de colocá-los em oposição (geralmente com uma clara preferência pela última). A comparação
com o feudalismo tem enormes implicações, por exemplo, para as críticas comuns das teorias
de expiação de Anselmo, que, embora abertas às críticas, agora podem estar abertas para uma
reavaliação (cf. Kline, Treaty o f the Great King).
5 O Hethitische Staatsvertraege, de Viktor Korosec (Leipzig, s.d., 1931) se tomou uma fonte
principal de comparação dos tratados hititas, baseado na descoberta dos arquivos da antiga capital
O D e u s d a P r o m es s a
de tratados hititas datados dos séculos 14 e 15 a.C. (um século antes da conquista de Canaã).
Como Delbert Hillers tanto atualiza como expande (além de Mendenhall) os “elementos” de
Korosec do que seja o tratado suserano, seguiremos o seu relato.
6 Hillers, Covenant, 34.
7Ibid., 35.
8 Ibid.
9 Eichrodt, Theology o f the Old Testament, 1:37.
10 Hillers, Covenant, 7.
" Ibid., 24.
12 Ver Meredith G. Kline, Treaty o f the Great King (Grand Rapids: Eerdmans, 2963), 65, 125.
13 Mendenhall, Law and Covenant, 36.
14 Ibid., 38.
15 Ibid., 39.
16Ibid., 44.
17 Ibid., 45.
18 Ibid., 40n 38.
C a p ít u l o 3
A H is t ó r ia d e D u a s M ã e s
1 Hillers, Covenant, 7.
2 Ibid., 52.
3 Ibid., 54.
4 Ibid., 40, 41.
5 Ibid., 41.
6 Dennis J. McCarthy, S.J., Treaty and Covenant: A Study in the Ancient Oriental Documents
and in the Old Testament (Roma: Imprensa do Instituto Bíblico, 1963), 52-55.
7 Hillers, Covenant, 105.
8 Ibid., 101-2.
9 Ibid., 102.
10 Ibid., 103.
11 Ibid., 104-5.
12 Ibid.
13Meredith G. Kline, Kingdom Prologue, vol. 3 (South Hamilton, MA: edição do autor, 1986), 57.
14 Ibid., 325.
15 Mendenhall, Law and Covenant, 46.
16 Ibid., 47. Porém, sobre a “marca de Caim” há boas razões para reconhecer isso como uma
“marca” verbal e política, e não um sinal visível.
17 Ibid., 48.
18 Aqui o conceito de “duas alianças” é totalmente diferente das duas alianças que temos em
mente. De acordo com esse ponto de vista popular em igrejas protestantes e católicas romanas
em nossos dias, Deus está numa aliança com os judeus de um modo, e em aliança com os gentios
de outro. Cada aliança tem suas próprias estipulações e condições, advertências e bênçãos. Em
contraste, o Novo Testamento deixa claro que a nova aliança tomou obsoleta a antiga. Não é
que a igreja tenha tomado o lugar de Israel, mas que Israel se expande para incluir os gentios.
Para defesa desse ponto de vista de “duas alianças”, veja Krister Stendahl, Paul Among Jews
and Gentiles (Minneapolis: Augsburg, 1977) e Lloyd Gaston, Paul and the Torah (Vancouver:
University of British Columbia Press, 1991).
19 Mendenhall, Law and Covenant, 49.
20 Hillers, Covenant, 110.
21 Ibid., 112.
22 Ibid., 117-18.
23 Steven L. McKenzie, Covenant (St. Louis: Chalice, 2000) 66.
N otas 153
C a p ít u l o 4
U m a N o v a A l ia n ç a
C a p ít u l o 5
D a E s c r it u r a p a r a o S is t e m a
1 Ver, por exemplo, Charles Hodge, Systematic Theology, vol. 2 (Nova York: Scribner,
Armstrong and Co., 1872), 117-22, 354-70; Louis Berkhof, Systematic Theology (Grand
Rapids: Eerdmans, 1941), 211-18,260-88.
2 Robertson, Christ o f the Covenants, 54.
3Ibid.
4 Vos, Redemptive History and Biblical Interpretation, 245.
5 Johannes Cocceius, Summ. Theol. 22.1 in Heinrich Heppe, Reformed Dogmatics, rev. e org.
por Ernst Bizer, trad, por G. T. Thompson (Londres: Wakeman Great (reedição da ed. de 1950);
copyright Harper Collins), 281; cf. Herman Witsius, 1.2.1: “A aliança de obras é a concordância
entre Deus e Adão, criado à imagem de Deus, para ser cabeça e príncipe de toda a raça humana,
pela qual Deus prometeu a ele vida eterna e felicidade se ele obedecesse mais perfeitamente a
todos os seus preceitos, e acrescentando a ameaça da morte, caso ele pecasse no mínimo de
talhe, enquanto Adão aceitasse essa condição” (Heppe, Reformed Dogmatics, 283). Os termos
eram que “ele, por essa santidade natural, justiça e bondade possuiria um estado de vida de bem-
aventurança” (Eglin, De foedere gratiae, 2.10, Heppe, Reformed Dogmatics, 283). Relata He
ppe: “De acordo com isso, a aliança das obras retinha as seguintes quatro ligações (Wyttenhach
Tent.2, 571): ‘O ato pelo qual a primeira parte exige algo de uma segunda parte é denominado
stipulatio; o ato pelo qual ela designa bem a ela,promissio; enquanto o ato pelo qual a segunda
parte assume para si suprir o que foi exigido pela primeira é denominado adstipulatio, e onde
pede uma promessa, restipulatio. Assim, em qualquer aliança há quatro atos, dois pertencentes
à parte que inicia o contrato, e dois ao que aceita a aliança oferecida. Na aliança de Deus com
o primeiro homem, todos os quatro atos de aliança são discemíveis. No que Deus exigiu do
homem uma guarda perfeita da lei, temos discernido o stipulatio nisso, e no que ele prometeu
ao homem a vida no céu e já conferiu a maior alegria neste mundo, discernimos opromissio. Por
outro lado, enquanto o homem procurava guardar a lei de Deus, era-lhe dado adstipulatio para
a exigência de Deus. Se ele tivesse persistido nisso sem interrupção, no final, poderia ter pedido
uma boa promessa de Deus, de modo que o restipulatio teria acontecido’” (295).
6 Citado in Heppe, Reformed Dogmatics, 283.
7 Agostinho, Cidade de Deus (liv.16, cap. 28), org. por David Knowles, trad, de Henry
Bettenson (Nova York: Penguin Books, 1972), 688-89. Ele fala da “origem que é comum a
toda a humanidade, pois todos quebraram a aliança de Deus naquele homem, em quem todos
pecaram”. Há várias alianças, “Mas a primeira aliança, feita com o primeiro homem, certamente
é esta: ‘No dia que dela comerdes, certamente morrereis’... Pois a aliança [maldição] desde o
princípio é ‘certamente morrereis’. Agora, ao ver que foi dada uma lei mais explícita mais tarde,
e o apóstolo diz, ‘Onde não há lei, não há transgressão’, como o salmo pode ser verdadeiro
quando lemos ‘Contei todos os pecadores sobre a terra como transgressores da lei’? Só pode
ser verdade assumindo que os que estão atados por qualquer pecado são culpados pela quebra
de alguma lei”. Assim, até os infantes são “reconhecidos como quebradores da Lei que foi dada
no paraíso” . Ele passa a distinguir claramente essa aliança da aliança feita graciosamente com
Abraão.
8 Irineu até mesmo distingue entre “uma economia de lei/obras” e uma “aliança do evangelho”
(Contra Heresias, liv. 4, cap. 25, de The Ante-Nicene Fathers, org. por Alexander Roberts e
James Donaldson (reed. Grand Rapids: Eerdmans, 1989) 5.16.3, p. 554; 4.13.1, p. 24; 4.15.1;
4.16.3 pp. 25-26.
9Zacharias Ursinus, Commentary on the Heidelberg Catechism (Phillipsburg, N.J.: Presbyterian
and Reformed, 1985, da Segunda Edição Americana de 1852), 1.
10 Ibid., 2-3.
" Teodoro Beza, The Christian Faith, trad, de James Clark (East Essex, Inglaterra: Focus
Christian Ministries Trust, 1992), 41ss.
12William Perkins, The Art o f Prophesying (Edimburgo: Banner o f Truth, 1996), 54.
N otas 155
13 Louis Berkhof, Systematic Theology (Grand Rapids: Eerdmans, 1941), 612: “A lei e o
Evangelho na Palavra de Deus. As igrejas da Reforma desde o início distinguiam entre a lei e
o evangelho como as duas partes da Palavra de Deus como meio de graça. Essa distinção não
era vista como idêntica àquela entre o Antigo e o Novo Testamento, mas foi considerada uma
distinção que se aplica aos dois Testamentos. Existe lei e evangelho no Antigo Testamento e
existe lei e evangelho no Novo. A lei inclui tudo na Escritura que é revelação da vontade de
Deus na forma de mandamento ou proibição, enquanto o evangelho abarca tudo, quer esteja
no Antigo ou no Novo Testamento, que pertença à obra da reconciliação e proclama o amor de
Deus que busca e redime, em Jesus Cristo. Cada uma dessas duas partes tem sua própria função
na economia da graça”.
J. Van Brugen em seu Annotations on the Heidelberg Catechism (Neerlandia, AB: Inheritance
Publications, 1998) é ainda mais claro quanto a isso: “O catecismo, assim, menciona o
evangelho e deliberadamente não fala da ‘Palavra de Deus’, porque a Lei não opera a fé. A Lei
(lei e evangelho são as duas partes da Palavra que podem ser destacadas) julga; ela não chama
uma pessoa para Deus e não opera a confiança nele. O evangelho é que faz isso” (170).
14Vos, Redemptive History andBiblical Interpretation, 243ss.
15 Ibid., 235.
16 Ibid., 237 incluindo n. 4.
17 Ibid., 243.
18Ibid., 244.
19Ibid., 245.
20 Ibid., 246.
21 João Calvino, Institutes o f the Christian Religion, org. por John T. McNeill, trad. de Ford
Lewis Battles (Filadélfia: Westminster, 1960), 1.15.8: “Nessa integridade o homem, pelo livre-
arbítrio, tinha o poder, se assim quisesse, de obter a vida eterna. Aqui estaria fora de propósito
levantar a questão da predestinação secreta de Deus porque o nosso assunto presente não é o
que pode acontecer ou não, mas como era a natureza do homem. Assim, Adão poderia ter se
firmado, se quisesse, sendo que caiu unicamente por sua livre vontade... Contudo, sua escolha
do bem e do mal era livre, e não só isso, mas a mais alta retidão estava em sua mente e vontade,
todas as partes orgânicas eram corretamente compostas para a obediência, até que, ao destruir
a si mesmo, ele corrompeu suas próprias bênçãos. Daí a grande obscuridade enfrentada pelos
filósofos, pois buscavam nas ruínas por um edifício, e em fragmentos espalhados, uma estrutura
bem tecida. Eles tinham este princípio, que o homem não seria animal racional a não ser que
possuísse livre-arbítrio entre o bem e o mal; entrou também em suas mentes que a distinção
entre virtudes e vícios seria apagada se o homem não ordenasse sua vida pelos seus próprios
planos. Bem arrazoado, até aqui - se não tivesse havido uma mudança no homem. Mas como
isso estava escondido deles, não é de admirar que confundam céu e terra!”.
22 Ibid.”Porém, por sua obediência, Cristo realmente adquiriu e mereceu graça por nós com seu
Pai. Muitas passagens da Escritura certamente e firmemente atestam a isso. Considero lugar-
comum que, se Cristo fez a satisfação pelos pecados, se ele pagou a penalidade por nós devida,
se ele apaziguou a Deus pela sua obediência.... então ele adquiriu a salvação por nós pela sua
justiça, que é o mesmo que merecê-la... Daí ser absurdo colocar o merecimento de Cristo
contra a misericórdia de Deus” (2.17.1,3, ênfase acrescentada).
A Confissão Belga diz que Adão “transgrediu o mandamento da vida” (Art. 14), terminologia
que era empregada na teologia de aliança que surgia (especialmente por Bullinger e Mártir)
como intercambiável com “aliança de obras”. No Artigo 22, lê-se: “Cremos que para nós
adquirirmos o verdadeiro conhecimento deste grande mistério, o Espírito Santo acende em
nossos corações uma verdadeira fé que aceita Jesus Cristo com todos os seus méritos, e os toma
dele próprio, e não busca qualquer coisa senão a ele”. Artigo 23: Portanto dizemos justamente
com Paulo que somos justificados ‘pela fé somente’ ou pela fé sem o auxílio de obras. Porém,
não estamos dizendo que é a própria fé que nos justifica - pois a fé é apenas o instrumento pelo
qual recebemos Cristo, a nossa justiça. Mas Jesus Cristo é nossa justiça ao tomar acessíveis
a nós todos os seus méritos e todas as santas obras que ele fez por nós em nosso lugar. “São
os méritos de Cristo, não a nossa obediência - nem mesmo nossa fé, que é a base para nossa
salvação. De fato, se tivéssemos de aparecer diante de Deus dependendo - por menos que seja
- de nós mesmos ou outra criatura, estaríamos perdidos” (ênfase acrescentada).
O D e u s d a P r o m e ssa
23 Essa abordagem também rejeita a posição muitas vezes tomada no último meio século de
colocar o, assim chamado, relacional contra as categorias legais do relacionamento divino-
humano. “Aliança” é um relacionamento inerentemente legal.
24 Ademais, à luz de estudos recentes de antigos tratados do Oriente Próximo, podemos afirmar
com Meredith Kline que o arranjo da narrativa de Gênesis possui todos os elementos de
uma aliança. Estão presentes não somente as formulações de estipulações e sanções, como
reconheciam os teólogos mais antigos; outros elementos agora reconhecidos como partes dessas
alianças, como o preâmbulo e o prólogo histórico, também estão presentes (ver Meredith Kline,
Kingdom Prologue [vol. 1, South Hamilton, MA: edição do autor, 1986], 1:13. De fato, não
pode haver dúvida de que Gênesis 1 e 2 constituem tal preâmbulo (“No princípio criou Deus
os céus e a terra”) e prólogo da narrativa, ambos contextualizando e justificando os termos do
tratado que se segue. Essa aliança é “produzida por palavras divinas e atos de compromisso, e
estava sujeita às sanções de bênção e maldição divinos definitivos... Descrita em termos de uma
variedade de alianças internacionais conhecidas no tempo em que o livro de Gênesis foi escrito,
a Aliança da Criação, foi assim, uma aliança entre suserano e vassalo, mais a proposta de uma
concessão especial ao vassalo por serviços leais”. Para os elementos distintivos da formulação
de tratados, ver também Klauss Baltzer, The Covenant Formulary (Filadélfia: Fortress, 1971).
25 Conquanto esse paralelo seja feito por um grande número de autores, é dada uma descrição
completa e análise in Herman Witsius (1636-1708), The Economy o f the Covenants (Escondido,
CA: The den Dulk Christian Foundation, 1990). Para um resumo mais contemporâneo, ver
Charles Hodge, Systematic Theology (Grand Rapids: Eerdmans, 1946): “Além desse caráter
evangélico que inquestionavelmente pertence à aliança mosaica (‘pertencer a’ não é o mesmo
que ‘equivale a’) ele é apresentado em dois outros aspectos na Palavra de Deus. Primeiro, era
uma aliança nacional com o povo hebreu. Nessa visão, as partes eram Deus e o povo de Israel;
a promessa era segurança nacional e prosperidade na terra; a condição era obediência do povo
como nação à lei mosaica, e o mediador era Moisés. Nesse aspecto era uma aliança legal que
dizia, “Fazei isso e vivereis”. Segundo, ela continha, como também o Novo Testamento, uma
proclamação renovada da aliança de obras” (2:375).
26 Peter Van Mastricht, Theologia Theoretico-Practica, vol. 3 (Editio nova, Utrecht e
Amsterdã, 1725; reed. Morgan, PA: Soli Deo Gloria, 2002), xii, 23, citado in Heppe, Reformed
Dogmatics, 290.
27 Ibid., 289-90.
28 Os luteranos e os reformados concordavam ao rejeitar a visão sociniana de que a imagem
consiste somente no domínio e inocência moral e não sabedoria, justiça e santidade (ver, p.
ex., Francis Turretin, Institutes o f Elentic Theology, trad. George M. Giger, org. por James
Dennison Jr., vol. 1 [Phillipsburg, NJ: Presbyterian and Reformed, 1992), 467. Contrários a
Roma, eles afirmam que a humanidade foi criada em estado de justiça e não apenas num estado
“neutro”, e juntamente afirmam que esse estado original era natural e não um dom sobrenatural
(ver, p. ex., John Theodore Mueller, Christian Dogmatics (St. Louis: Concordia, 1934], 206).
29 Heppe, Reformed Dogmatics, 290.
30 Ibid., 294.
31 Ibid., 295.
32 Ibid., 286.
33 Ibid., 287.
34 O quarto Evangelho, em especial, destaca o “cumprimento de toda justiça”, que é central
para a missão de Jesus. O próprio Jesus usa a linguagem de um segundo Adão vitorioso, leal e
obediente servo da aliança, que veio “não para fazer a minha própria vontade, e sim a vontade
daquele que me enviou” (Jo 6.38), que pode dizer ao final dessa provação obediente: “Eu te
glorifiquei na terra, consumando a obra que me confiaste para fazer” (Jo 17.4). As conhecidas
palavras da cruz “Está consumado” (Jo 19.30) tomam significado novo, como também o rasgar
do véu do templo, pelo qual a humanidade agora é convidada a entrar na terra do sabá e comer
da Arvore da Vida.
35 Vos, Redemptive History and Biblical Interpretation, 193.
36 A. Cohen, The Twelve Prophets, Hebrew Text, English Translation and Commentary
(Londres: Soncino, 1948), 12, citado in Robertson, Christ o f the Covenants, 60.
N otas 157
37 Ibid., 25.
38 Ibid., 56.
39 Ibid., 59, ênfase acrescentada.
40 Meredith G. Kline, By Oath Consigned (Grand Rapids: Eerdmans, 1968), 23, citado in
Robertson, Christ o f the Covenants, 60.
41 Robertson, Christ o f the Covenants, 61.
42 Ibid., 67.
43Ibid„ 110.
«Ibid., 113.
45 Ibid.
46 Meredith G. Kline, “Genesis” in New Bible Commentary Revised, org. por D. Guthrie e J.A.
Motyer (Grand Rapids: Eerdmans, 1970), 90, citado in Robertson, Christ o f the Covenants,
125.
47 Ibid., 124-25.
48 Ibid., 171.
49 Brevard S. Childs, Biblical Theology o f the Old and New Testaments: Theological Reflection
on the Christian Bible (Minneapolis: Fortress Press, 1993), 138.
50Robertson, Christ o f the Covenants, 171. Esta é exatamente a razâo proposta por E. P. Sanders
(em Paul and Palestinian Judaism [Minneapolis: Augsburg Fortress, 1977]) e outros para
considerar o judaísmo como “nomismo pactuai” em que a graça de Deus e a fidelidade humana
cooperam para atingir as bênçãos prometidas.
51 Ibid., 174.
52 Ibid., 175.
53 N. T.Wright, The Climax o f the Covenant: Christ and the Law in Pauline Theology
(Edimburgo: T.&T.Clark, 1991), 21. Ele cita Genesis Rabbah 14.6.
54 Ibid, 23.
55 Robertson, Christ o f the Covenants, 73.
56 Karl Barth, Gottingen Dogmatics, org. por Hannelotte Reiffen, trad, por G.W. Bromiley
(Grand Rapids: Eerdmans, 1990), 1.27.3.
57 Ibid., e a introdução de Daniel L. Migliore, xxxviii.
58 Ibid., 248.
59 Rollock, Works, 1.52ss., citado in Vos, Redemptive History and Biblical Interpretation,
249.
60 John Preston, The New Covenant (ed. de 1639), 374-75, citado in Vos, Redemptive History
and Biblical Interpretation, 250.
61Embora as elaborações da teologia da aliança exatamente deste modo esperariam por quatorze
séculos, Irineu já refletia muitos dos motivos hermenêuticos que a fundamentam. Por exemplo,
sua ênfase em “toda a economia da salvação” seguindo de perto o fluxo da história da redenção e
não concentrando sobre noções especulativas (veja Origenes), corresponde aos teólogos federais.
Ele fala da justificação pela fé de Abraão antes da circuncisão e sua subseqüente circuncisão
como testemunho ao fato de que ele era pai tanto de crentes gentios quanto também judeus,
que pertencem a uma aliança em Cristo. Ele até mesmo fala da aliança mosaica entre Abraão e
Cristo “Mas a circuncisão e a lei das obras ocupou o período intermediário” (Contra Heresias,
liv. 4, cap. 25, em The Ante-Nicene Fathers, org. por Alexander Roberts e James Donaldson
[reed. Grand Rapids: Eerdmans, 1989], 495-96). O modelo de promessa e cumprimento lança a
base para uma hermenêutica de aliança. “Se uma pessoa ler a Escritura com atenção, encontrará
nela um relato de Cristo e sombras do novo chamado (vocationis). Pois Cristo é o tesouro
que foi escondido no campo, ou seja, neste mundo (pois o campo é o mundo); mas o tesouro
escondido nas Escrituras é Cristo, pois ele foi apontado por meio de parábolas e tipos” (496).
Assim, ele fala do “êxodo típico” e “nosso verdadeiro êxodo” (502). Estávamos “em Adão” na
transgressão (5.16.3. 544). Como perdemos a vida por meio de uma árvore, “recebemos nova
vida pela dispensação de uma árvore [ou seja, a cruz de Cristo]” (5.17.3, 545). Nada disso
sugere que a recapitulação e a teologia federal sejam toscamente equivalentes, mas representa
áreas significativas de concordância em potencial. Cf. Ligon Duncan, The Covenant Idea o f
Irenaeus o f Lyons (Greenville, SC: Reformed Academic Press, 1998); cf. Everett Ferguson,
O D eu s da P rom essa
“The Covenant Idea in the Second Century” em Texts and Testaments: Essays on the Early
Church Fathers, org. por W. E. March (San Antonio: Trinity University Press, 1980).
62 Vos, Redemptive History and Biblical Interpretation, 252.
63 Wilhelm Niesel, Reformed Symbolics: A Comparison o f Catholicism, Orthodoxy and
Protestantism, trad, de David Lewis (Edimburgo e Londres: Oliver and Boyd, 1962) 217,220-
21. Vale a pena observar aqui que, nas reflexões de Calvino sobre o relacionamento de lei e
evangelho sob a graça, há operante (como em outros lugares) uma dialética. As vezes, por “lei”,
Calvino tinha em mente a velha aliança em geral (ou seja, a economia mosaica), em cujo caso o
modelo era sombra/promessa/infância se movendo para a realidade/cumprimento/maturidade.
Noutros lugares, (às vezes dentro da mesma seção), a “lei” significa nuda lex, a categoria
genérica de mandamento contra a promessa. Muitos intérpretes contemporâneos de Calvino,
nesse ponto, deixam de apreciar essa dialética e tendem ao reducionismo, ou separando demais
Calvino de Lutero, ou deixando de observar suas nuanças diferentes. Ver Michael Horton,
“Calvin and Law-Gospel Hermeneutic”, Pro Ecclesia, 6 (1997): 27-42; cf. Michael Horton,
“Law, Gospel and Covenant”, Westminster Theological Journal 64, no. 2 (2002), 279-87.
64 Vos, Redemptive History and Biblical Interpretation, 254.
65 Ibid., 255.
66 Ibid., 256. Na dogmática luterana, “tudo depende dessa justificação, que pode ser perdida, de
modo que o crente só chega a ver um pouco da glória da graça e vive para cada dia, por assim
dizer. A visão de aliança é o contrário. A pessoa é primeiramente unida a Cristo, o Mediador
da aliança, por uma união mística, encontrando seu reconhecimento consciente na fé. Por essa
união com Cristo, tudo o que está em Cristo é dado simultaneamente”.
C a p ít u l o 6
P r o v i d ê n c ia e A l ia n ç a
1Horace Bushnell, citado por Josiah Strong, “Our Country”, in William G. McLoughlin (org.).
The American Evangelicals, 1800-1900: An Anthology (Gloucester, MA: Peter Smith, 1976)
196.
2 Ibid.
3 D. L. Moody citado in George M. Marsden, Fundamentalism and American Culture (Nova
York: Oxford University Press, 1980), 38.
4 Agostinho, Cidade de Deus, citado in Vernon J. Bourke (org.). The Essential Augustine
(Indianápolis: Hacket, 1983), 201.
5 Ibid., 222.
6 Ibid., 208.
7 Calvino, Institutos, 2.2.15.
8 Ibid., 4.20.1-2.
’ Ibid.
10 Calvino, Instituías, 4.20.16.
11 Ibid.
C a p ít u l o 7
O Povo da A l ia n ç a
1 Essa continua sendo a diferença crucial entre teologia da aliança e até mesmo o que
chamamos de “dispensacionalismo progressivo”. Ver Robert Saucy, The Case fo r Progressive
Dispensationalism (Grand Rapids: Zondervan, 1993).
2 Ver nota acima de Stendahl e Gaston (cap 3, nota 18).
3 Kline, Structure o f Biblical Authority, 16.
N otas 159
4 Ibid, 272.
3 Excerto do tratado de Tudhaliyas IV com Ulmi-Teshub, citado in Kline em Structure o f
Biblical Authority, 29.
6 Kline, Structure o f Biblical Authority, 14. Este volume examina a relação entre cânone e
aliança.
7 Kline, Structure o f Biblical Authority, 14.
8 McKenzie, Covenant, 273.
9 Ibid., 274.
C a p ít u l o 8
S in a is e S e l o s d a A l ia n ç a
39 Ibid., 427.
40 John Murray, Collected Writings (Edimburgo: Banner of Truth, 1977), 2:368-69.
41 João Calvino, Commentary on a Harmony o f the Evangelists, trad. William Pringle, reprint
(Grand rapids'. Baker, 1996), 3: 206.
42 Ibid., 207, 209, ênfase acrescida.
43 Ibid., 210.
44 Ibid., 211.
45 Ibid., 213.
46 Murray, Colected Writtings, 379.
47 Calvino, Commentary, 214.
48 Ibid.
49 Ibid., 215.
50 Ibid.
51 Murray, Collected Writings, 368.
52 Ibid., 375.
53 Johannes Wollebius, in Reformed Dogmatics: J. Wollebius, G. Voetius, F. Turretin, trad, e
org. de John W. Beardslee III (Nova York: Oxford University Press, 1965), 134.
54 Confissão Belga, Art. 33, Ecumenical Creeds and Reformed Confessions (Grand Rapids:
CRC Publications, 1988), 111.
55 Beza, Christian Faith, 50-57.
56 Ibid.
57 A. A. Hodge, Evangelical Theology: A Course o f Popular Lectures (Edimburgo: Banner of
Truth, 1976), 355.
58 Ibid., 356.
59 Ridderbos, Paul, 422.
“ Ibid., 423.
61 Geerhardus Vos, Redemptive History and Interpretation, 125.
C a p ít u l o 9
N o v a O b e d i ê n c ia d a A l ia n ç a
“As ideias estã o bem com pactad as neste m agistral levantam ento
da m oldura pactuai da a utorrevelação de Deus na Escritura e, para o
estu dan te sério, trata-se de um vencedor.”
J.l. Packer
Professor de Teologia, Regent College
Teologia da Aliança
S
€DITORR CUITURR CRISTÃ 9 6 0
www.editoraculturacrista.com.br