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ENGENHARIA DE MANUTENÇÃO AERONÁUTICA

Sistemas Elétricos e Comandos de Voo

Teoria de Voo

Prof.: Adriano Henrique Oliveira de Carvalho


Introdução:

O curso de sistemas elétricos e comandos de voo visa apresentar de forma sucinta e


integrada as principais filosofias e conceitos aplicáveis a estes sistemas. Para um bom
entendimento, é necessário um nivelamento de alguns conceitos básicos de física e
engenharia.

Depois disso podemos apresentar os sistemas, sempre tendo em vista o histórico do


desenvolvimento tecnológico, as soluções dos principais fabricantes, as exigências de
certificação e as condições de contorno e características de desempenho das aeronaves.

Não é intenção do curso formar projetistas ou


especialistas nestes sistemas, mas sim apresentar os
conceitos e soluções mais comuns, trazendo um
entendimento inicial que propicia uma base para estudos
posteriores. O bom senso técnico deve ser construído
sobre esta base.

Ao longo de minha experiência com o desenvolvimento e


teste de aeronaves por 17 anos pude observar que a visão
do conjunto é fundamental para se avançar na solução de
problemas ou lidar com os cenários inesperados que
surgem frequentemente no trabalho de engenharia.
Espero que esta base sirva como ferramenta para estes
momentos.

Como este curso é aberto, tanto para engenheiros do setor


aeroespacial, como para outros engenheiros, sempre vale
pedir paciência aos que já sabem alguns tópicos nas fases
de base e
nivelamento e
calma aos que
estão
começando,
quando
estivermos
nos conceitos
mais
Experiências em Desenvolvimento de Produto e Ensaios em Vôo (fonte Fotos do autor)

avançados.

Partilhar de experiência e conhecimento é a principal ferramenta para o desenvolvimento


profissional. Um bom estudo a todos e bem-vindos a bordo!
Aula 1 - Propriedades básicas
Para entendermos adequadamente o
contexto dos comandos de voo de uma
aeronave, é importante entendermos
que há uma base sobre a qual os
conceitos são construídos na aviação.
Devemos pensar a aeronave a partir
das propriedades do ar que a envolve.
Então analisamos os escoamentos em
torno das superfícies. Como
consequência disto, e somando os
efeitos inerciais, temos a análise das
forças agindo sobre aeronave e
sistemas. Por fim, uma abordagem da
energia nos possibilita entender de
uma forma completa ordenando
causas e efeitos e construindo um
Análise Aeronáutica Básica entendimento coeso do conjunto.
(fonte Google Images)

Atmosfera Padrão:

Se observarmos a atmosfera terrestre, podemos perceber


que o ar é mantido em torno da superfície da terra pela sua
força gravitacional. Por isso temos a composição básica da
atmosfera, já que apenas moléculas acima de um
determinado
peso serão
mantidas junto
ao nosso
Composição Atmosférica planeta. Assim
(fonte Google Images)
sendo, a
composição básica de nossa atmosfera é de
21% de Oxigênio, 78% de Nitrogênio e 1% de
demais elementos.

Também podemos perceber que as camadas


de ar exercem seu peso umas sobre as outras,
ou seja as camadas mais baixas “cedem” e são
compactadas pelas camadas acima destas.
Como efeito, temos que a densidade do ar e a Compactação Atmosférica sob o próprio peso
(fonte Google Images)
pressão variam decrescendo com a altura. Este
efeito é sentido quando escalamos montanhas altas, onde o ar se torna sensivelmente
rarefeito. A nível do mar, portanto, convenciona-se dizer que a pressão é de uma atmosfera.
Variação de Pressão Atmosférica com Altura

(fonte Google Images)

Mas não há sentido estrito nisso, visto que, dependendo de condições de temperatura e
umidade, temos variações no valor desta
pressão e densidade. Com efeito,
considerando que o vapor d’agua é
composto de H2O, molécula que é mais
leve que N2 e que O2 respectivamente
(visto que o hidrogênio é um átomo simples
– um próton e um elétron, sendo muito
leve). Ou seja, em dias úmidos e chuvosos,
a atmosfera está mais leve, menos densa
e a pressão atmosférica cai. Da mesma
forma, se aquecermos qualquer gás, ele
expande e diminui sua densidade, ou seja,
em dias quentes também há uma
tendência à redução de densidade
atmosférica bem como de queda de
pressão.

Os efeitos são, portanto, interligados e há


variação de condições de contorno que
trazem variação na pressão atmosférica.
Uma análise média nos mostra que a
atmosfera pode ser quantificada como
mostrado na figura ao lado, onde
percebemos variações com a altitude,
Camadas Atmosféricas e suas Altitudes
incluindo separações em faixas distintas (fonte Google Images)
com comportamentos peculiares, e ainda uma variação destas faixas e suas altitudes
dependendo da latitude em que nos encontramos.

Há consequências diretas destas características. As propriedades básicas do ar, pressão,


densidade e temperatura variam com a altitude, e como consequência da variação de
temperatura, também a velocidade do som no ar, muda com a altura. Assim sendo, a figura
abaixo representa as curvas de variação destas propriedades.

Propriedades do Ar de acordo com Altitudes


(fonte Google images)

Como estas propriedades são fundamentais para a aeronáutica, temos a necessidade da


criação de um padrão, que veio como iniciativa da ICAO – International Civil Aviation
Organization (International Standard ISO 2533 de 1975). Este padrão foi batizado de
International Standard atmosphere - ISA, e estabelece as condições normais de pressão e
temperatura, CNTP como sendo, 1atm = 1013.25mBar, (ou 29.95inHg – 14.7psi) para
pressão, 15°C para temperatura e 1.225Kg/m3 de densidade (considera-se o ar seco), o
que nos dá também a velocidade do som de cerca de 340m/s. A partir deste cenário, os
dados foram tabulados para as várias altitudes até a Mesosfera.

Tabulação da Atmosfera Padrão até a Estratosfera (fonte Google Images)

Cada vez que as condições padrão não são encontradas, considera-se o desvio destas
condições, em temperatura (ISA+10, ISA-20 ex.: para 25°C ou -5°C) bem como ajustes em
pressão (QNH 1017, para ajuste de 1017mBar por exemplo).
O modelo de atmosfera padrão segue um equacionamento matemático para temperatura,
pressão e densidade, que pode ser observado na tabela a seguir.

Equacionamento da Atmosfera Padrão (fonte Google images)

Portanto, quando define-se um envelope de operação para uma aeronave, considera-se a


atmosfera padrão e seus desvios como auxílio para se estabelecer os limites de altitude,
temperatura, e consequentemente as questões relativas a limites de pressão e densidade,
que afetam bastante a efetividade dos comandos de voo, principalmente no que diz respeito
às características aerodinâmicas em diferentes condições de “Reynolds e Mach”.
Aula 2 – Características de Escoamento

Reynolds e Mach – Parâmetros de Similaridade

Sabemos que aeronaves se apresentam em uma infinidade de configurações e


características, que podem variar de acordo com sua aplicação, porte, desempenho e
mercado. Mas vale ressaltar que o voo é uma atividade muito desafiadora, e restritiva por
natureza. Assim sendo, as condições de contorno para a definição de uma aeronave têm
sua base nos fenômenos e características da física, e em especial da aerodinâmica em
questão.

A fim de se facilitar os estudos científicos e sistematizar os projetos, pode-se sintetizar as


características aerodinâmicas de um determinado escoamento a partir da utilização de dois
números adimensionais, batizados em homenagem aos estudiosos que se destacaram
neste campo do conhecimento. São eles o número de Reynolds e o número de Mach.

Efeitos de Mach e Reynolds no Escoamento em torno de um Cilindro (fonte: Google images)

Estes parâmetros ditam as características do escoamento


e são exatamente os parâmetros mantidos sob controle
em testes de túnel de vento, bem como simulações de
CFD – Computational Fluid Dynamics. A
representatividade em Reynolds e Mach é o que garante
que um experimento em escala reduzida num túnel de
vento irá duplicar ou se aproximar o suficiente de uma
condição real na aeronave, garantindo assim esta etapa
do projeto e

Experimentos em Túnel de vento duplicando Reynolds e Mach (fonte Google images)


desenvolvimento da aeronave. Por isso estes parâmetros são também chamados de
parâmetros de similaridade.

Número de Reynolds:

Quando um corpo se desloca em um fluido, há uma


tendência do fluido em “aderir, ou roçar” contra a
superfície deste corpo. É uma característica física
que guarda relação com as tensões de cisalhamento
entre o corpo e o fluido, bem como entre camadas do
fluido, já que o contato do corpo com o meio vai
sendo transmitido camada a camada do fluido.
Escoamento em torno de uma aeronave Ou seja, estas características são influenciadas
(fonte: Google images)
pelos seguintes fatores:

 Rugosidade, ou aspereza da superfície do corpo;


 Dimensões e forma do corpo;
 Densidade do fluido;
 Velocidade do deslocamento;
 Viscosidade do fluido;

Escoamentos em torno de uma nadadora, um passarinho e uma libélula (fonte: Google Images)
Podemos usar uma analogia para entender a importância
do número de Reynolds nos escoamentos. Pela forma,
superfície das penas, tamanho e velocidade de um
passarinho em voo, podemos observar, vendo as linhas de
corrente do escoamento, que a ave “sente” o ar como
sentimos a água quando nadamos. Entretanto, ao
observarmos uma libélula, vemos que, pela relação de tamanho do inseto e fluido, e dada
a velocidade, elas “sentem” o ar como se nadássemos em uma piscina de mel.

É também observando o número de Reynolds que podemos calcular os pontos de transição


entre escoamentos laminares e turbulentos.

Zonas de transição do escoamento em uma placa plana (fonte: Google images)


Esta transição acontece em números de Reynolds
específicos. Podemos ver no desenho ao lado que o
escoamento se torna turbulento em Reynolds entre
aproximadamente 104 e 105.

Também é devido aos efeitos viscosos que temos a esteira


de turbulência (vórtices) após a passagem do corpo pelo
fluido. Esta esteira é uma das geradoras do arrasto, e é

Escoamentos Laminares e Turbulentos


(fonte Google images)
exatamente devido a uma maior
eficiência em relação a estes efeitos
viscosos, que formatos
aerodinâmicos tendem a gerar menos
arrasto (ou resistência) ao
escoamento, pois devido a este
conjunto de fatores, o escoamento
permanece mais tempo “colado” à
superfície do corpo, conforme
podemos perceber pela figura
seguinte.
Arrastos de fricção e de pressão (fonte Google images)
Pode-se então sintetizar dizendo-se que o número
de Reynolds relaciona as forças inerciais e viscosas, sendo calculado conforme relação
abaixo:

𝑓𝑜𝑟ç𝑎𝑠 𝑖𝑛𝑒𝑟𝑐𝑖𝑎𝑖𝑠 𝜌𝑣𝐿 𝑣𝐿 Onde:


𝑅𝑒 = = = ρ - densidade do fluido [Kg/m3]
𝑓𝑜𝑟ç𝑎𝑠 𝑣𝑖𝑠𝑐𝑜𝑠𝑎𝑠 µ 𝜗 v - velocidade do escoamento [m/s]
L - comprimento característico do corpo [m]
µ - viscosidade dinâmica [Ns2/m]
ϑ - viscosidade do fluido [m2/s]

Dito isso, percebemos que o número de Reynolds é fundamental para determinação das
forças e efetividade das superfícies de comando de voo, dado que sua atuação é
aerodinâmica. Em resumo, efeitos viscosos são dimensionados pela determinação do
número de Reynolds do escoamento tratado.
Número de Mach:

Além dos efeitos de viscosidade, temos que considerar os efeitos de compressibilidade.


Quando um corpo se desloca em um fluido, a velocidade com que o fluido responde à
perturbação do corpo é a velocidade do som nesse meio.

Colocando de forma mais simples, o som é igual à compressão do fluido propagando-se.


Desta maneira, quando um corpo ocupa um lugar no fluido, o fluido tem que “sair” para abrir
espaço para o corpo. Ele sai na velocidade do som. Se o corpo se movimenta em uma
velocidade muito alta, apreciável em relação à velocidade do som, o fluido encontrará
dificuldade em “sair da frente” do corpo, acabando por se “acumular” em torno deste corpo,
que terá que arrastar junto uma faixa de fluido comprimido.

Ondas de choque hipersônicas e supersônicas (fonte Google images)

Este é o efeito de compressibilidade, que quando o escoamento é transônico ou


supersônico, gera ondas de choque em torno do corpo como mostrado na figura acima.

As ondas de choque
podem ser sentidas no
solo pois uma onda de
alta pressão é um ruído
ou estrondo, semelhante
ao trovão. Elas são
chamadas “sonic boom”
e são mostradas na
figura ao lado:

A velocidade do som
depende do tipo de meio
(no nosso caso o meio é
fluido e é o ar), e da
temperatura deste meio,
e pode ser Sonic Boom em vôo supersônico (fonte Google images)
equacionada da seguinte forma:

𝑉 Onde: para o ar à CNTP:


𝑀 = M – Mach γ – razão entre calores específicos [1.4]
𝑎 V – Velocidade [m/s] R – constante universal dos gases [287 J/Kg K]
a – velocidade do som T – temperatura absoluta [K]
Sendo:
(∞ - não perturbado)

𝑎= 𝛾𝑅𝑇

A característica de Mach do escoamento deve ser observada, também, considerando-se


que um escoamento em torno de um perfil aerodinâmico, tal como o mostrado na figura
abaixo, com seus elementos constituintes.

Perfil Aerodinâmico Típico (fonte Google images)

Quando este perfil se move no ar, as moléculas


que passam sob o intradorso e sobre o
extradorso se aceleram (aceleração mais
intensa no extradorso). Consequentemente,
tem-se que, para escoamentos lentos, todo o
perfil se encontra subsônico. A uma
determinada velocidade, equivale o chamado
Mach crítico, onde o primeiro ponto do
extradorso atinge a velocidade do som. A partir
daí, forma-se uma onda de choque no
extradorso, antes da qual o escoamento é
supersônico e depois da qual ele é subsônico.
Em seguida o mesmo acontecerá para o
intradorso (que via de regra, estará a uma
velocidade um pouco menor que o extradorso).
Acelerando-se um pouco mais, todo o perfil fica
em regime supersônico e há uma onda de
choque no bordo de fuga. Por fim, acelerando-
se mais, desenvolvem-se duas ondas de
choque, uma à frente do bordo de ataque e
outra após o bordo de fuga (correspondentes à
entrada e saída do fluido no regime
supersônico). Desenvolvimento de Efeitos de Compressibilidade
(fonte Google images)
Assim sendo, convenciona-se dividir o escoamento aproximadamente nos seguintes
regimes:
Regime Subsônico Transônico Sônico Supersônico Hipersônico Alto-Hipersônico

Mach <0.8 0.8 a 1.2 1.0 1.2 a 5.0 5.0 a 10.0 Acima de 10.0
Regimes de Escoamento segundo a compressibilidade

A formação das ondas de choque ao longo do perfil pode, em especial, afetar a efetividade
dos comandos de voo, já que em regime transônico há a perturbação e descolamento do
escoamento nas regiões do bordo de fuga, onde se encontram a maioria das superfícies de
comando de voo.

Também o Mach característico


do voo da aeronave acaba por
definir sua geometria básica,
como podemos perceber pela
figura ao lado, demonstrando as
silhuetas de diversas aeronaves
com voos em velocidades
bastante distintas, o que traz
uma grande variabilidade de
desenhos em especial das asas.
Variabilidade de Conceitos devido ao Envelope de Velocidades
(fonte Google images)

Regimes e características:

Em resumo, podemos considerar a tabela abaixo para sintetizar os parâmetros de


similaridade para os efeitos de viscosidade e compressibilidade:

Viscosidade Compressibilidade
Analogia a um: Analogia a uma:
Característica
“adesivo ou cola” “mola ou elástico”

Parâmetro Reynolds – (Re) Mach – (M)

𝑑𝑒𝑛𝑠𝑖𝑑𝑎𝑑𝑒 𝑣𝑒𝑙𝑜𝑐𝑖𝑑𝑎𝑑𝑒 𝐶𝑜𝑚𝑝𝑟𝑖𝑚𝑒𝑛𝑡𝑜 𝑣𝑒𝑙𝑜𝑐𝑖𝑑𝑎𝑑𝑒 𝑑𝑒 𝑒𝑠𝑐𝑜𝑎𝑚𝑒𝑛𝑡𝑜


Definição
𝑐𝑜𝑒𝑓𝑖𝑐𝑖𝑒𝑛𝑡𝑒 𝑑𝑒 𝑣𝑖𝑠𝑐𝑜𝑠𝑖𝑑𝑎𝑑𝑒 𝑣𝑒𝑙𝑜𝑐𝑖𝑑𝑎𝑑𝑒 𝑑𝑜 𝑠𝑜𝑚

𝝆𝒗𝑳 𝑽
Equação
µ 𝒂
Forças aerodinâmicas dependem de Re e M
Para um experimento/cálculo válido os números de Reynolds e Mach devem se encaixar nas
condições de voo
Características Básicas de Escoamentos Aerodinâmicos
Os cálculos de são então definidos em diversos regimes que podem ser divididos conforme
as características de incompressível, invíscido, irrotacional e estacionário, até
supersônicos, viscosos rotacionais e dinâmicos. Não é intenção que a partir deste curso se
formem aerodinamicistas, especialistas em mecânica de voo ou afins, mas é importante
que os conceitos sejam apresentados para o entendimento das soluções de projeto de
acordo com os regimes de voo e peculiaridades de cada tipo de aeronave.
Aula 3 – Conceitos Básicos

Parametrização e classificação são palavras chave nos estudos de engenharia. A fim de


melhor sistematizar o estudo aerodinâmico, algumas convenções são usualmente
adotadas. Vejamos algumas.

Introdução aos Aerofólios

Os aerofólios são constituídos a partir de um perfil


aerodinâmico. Historicamente, os primeiros estudos foram
feitos a partir de medidas de asas de aves, o que levou ao
desenvolvimento de perfis aerodinâmicos de pouca
espessura. Durante a primeira guerra mundial, estudos
mostraram que um perfil mais espesso apresentava uma
Evolução dos perfis aerodinâmicos
(fonte Google images)

série de vantagens, dentre as


quais destacamos: Melhor
Rendimento Aerodinâmico, ou
seja, geração de mais Componentes de um perfil aerodinâmico e sistemas que este acomoda
(fonte Google images)
sustentação com menos
arrasto; Espaço interno possibilitando uma estrutura mais rígida e limpa da asa.
Adicionalmente o espaço possibilitou a migração dos tanques de combustível para o interior
da asa, melhorando a integração dos sistemas na aeronave como um todo.

Escoamento, Forças e Momentos

As forças e momentos exercidos pelo escoamento do ar em torno do perfil acontecem


devido às interações dentro da chamada camada limite. Nela o escoamento se desenvolve,
desde a velocidade nula até a velocidade final do escoamento. Este escoamento pode
transicionar de laminar a turbulento e mesmo experimentar um descolamento do perfil, a
partir de onde se desenvolve uma esteira de turbulência.

Camada limite do escoamento em torno de um perfil aerodinâmico


(fonte Google images)
Tipicamente Composição de forças em um escoamento aerodinâmico
um escoamento em torno do perfil tem (fonte Google images)
um ângulo de ataque entre as linhas de corrente do fluxo de ar, ou seja, a direção do
escoamento, e a linha de corda (linha que liga o bordo de ataque ao bordo de fuga) do
perfil. Isto gera uma resultante aerodinâmica que pode ser decomposta entre sustentação,
para equilibrar o peso e arrasto, que deve ser contraposto pela tração.

Esta resultante aerodinâmica


pode ser apresentada em
qualquer ponto do perfil, desde
que considerado um momento
aerodinâmico, presente
devido à distribuição de
pressões ao longo do perfil.
Posicionamento das forças e momentos resultantes Existe, portanto, um ponto
(fonte Google images)
onde este momento é nulo, ou
seja, o momento do carregamento de forças aerodinâmicas do bordo de ataque até este
ponto se iguala ao momento do carregamento do ponto até o bordo de fuga. Este ponto é
o Centro de Pressão, e sua posição ao
longo da corda varia com o ângulo de
ataque.

Existe ainda outro ponto notável. Se


representarmos as forças num ponto à
cerca de um quarto de corda, haverá um
Momento não varia com alfa no Centro Aerodinâmico
(fonte Google images)

momento resultante, mas este é


aproximadamente constante com o ângulo
de ataque (α - alfa). Este é chamado de
centro aerodinâmico.

Distribuição de Pressões

Esta variação da
Variação do posição do Centro de Pressão com Alfa distribuição de
(fonte Google images)
pressões ao longo da
corda do perfil
Carregamento Aerodinâmico ao longo do perfil e sua aerodinâmico de
variação com o ângulo de ataque
(fonte Google images) acordo com o ângulo
de ataque será um fator fundamental para a estabilidade do
escoamento em torno do perfil, sendo determinante para o
ponto de descolamento do escoamento. Como sabemos,
dependendo do ângulo de ataque, o ponto do centro de
pressão muda, assim como mudam as características do carregamento aerodinâmico do
perfil, podendo este apresentar variações mais suaves ou mais abruptas, sendo, portanto,
mais ou menos estável, respectivamente.

Sustentação e Arrasto

Podemos perceber, com toda esta análise, que um determinado perfil terá uma geometria
adequada, que irá gerar um carregamento aerodinâmico que poderá ser otimizado para
determinado ângulo de ataque, onde terá a máxima razão entre sustentação e arrasto.
Nesta condição procura-se definir o cruzeiro da aeronave. Para manutenção do equilíbrio
de forças, haverá uma determinada velocidade para o voo em cruzeiro, que deseja-se, seja
a mais veloz possível, ou seja a um ângulo de ataque baixo.

Quando há necessidade de
manutenção do voo a velocidades
mais baixas, por exemplo em
pousos e decolagens, aumenta-se
o ângulo de ataque, para se
garantir o equilíbrio de forças, mas
isso altera o carregamento
aerodinâmico, deslocando-se o
centro de pressão para frente e
tornando o escoamento mais
instável e propenso ao
Relação entre Sustentação, Arrasto e ângulo de ataque descolamento, em uma situação
(fonte Google images)
conhecida como estol (stall).
Nesta condição o descolamento provoca uma súbita redução de sustentação e aumento de
arrasto, e a perda de eficiência aerodinâmica leva ao desequilíbrio das forças e a perda de
sustentabilidade do voo. O ângulo de ataque no qual se dá o estol é chamado de alfa crítico,
e o processo pode ser revertido pela redução do ângulo de ataque.
Aula 4 - Asas

O estudo dos perfis aerodinâmicos é o primeiro passo na maneira tradicional de se estudar


o escoamento em torno de uma aeronave. Mas
precisamos ter em mente que esta é uma
abordagem bidimensional e teórica. Como a asa
não é infinita e devido à variação de sua
geometria ao longo da envergadura, deve-se
refinar esta abordagem.

Introdução às Asas Tridimensionais x


Linhas de corrente em um escoamento em torno da asa
(fonte Google images)
As asas e
empenagens são componentes tridimensionais e as
variações de escoamento, forças e momentos ao
longo da envergadura devem ser consideradas.

Distribuição de Pressões

O carregamento aerodinâmico apresenta uma


variação, reduzindo o valor das pressões a medida
em que se aproxima
das pontas de asa.
Se a asa for afilada,
ou seja, a corda na
ponta for menor que
a corda na raiz, este
efeito ainda é mais
perceptível.

Vórtices de Ponta

Adicionalmente,
como a pressão no
extradorso é menor Efeitos de tridimensionalidade no
que a do intradorso, carregamento e escoamento
(fonte Google images)
o escoamento
tende a passar da
“parte de baixo para a parte de cima” nas pontas das asas.
Vorticidade de ponta de asa e sidewash
(fonte Google images) Isto gera um vórtice de ponta de asa e um escoamento
lateral (sidewash) ao longo da envergadura.
Todos esses efeitos provocam perdas de
eficiência, e consequentemente o
rendimento de uma asa tridimensional é um
pouco pior que o do caso bidimensional (asa
infinita) teórico.

Winglets

A fim de se
reduzir as perdas
resultantes desta
vorticidade de
ponta de asa,
Comparação entre asa infinita e finita ou seja
escoamento bidimensional e tridimensional algumas soluções
(fonte Google images) são usuais tais
como o uso de Winglets,
nas mais diversas
geometrias

Enflechamento
Winglets são a solução mais usual para reduzir as
perdas por vorticidade nas pontas de asas
Aeronaves que voam a (fonte Google images)
velocidades transônicas
frequentemente utilizam o Enflechamento das asas como solução para atrasar a passagem
para o regime supersônico.

Assim como no caso do afilamento, o Enflechamento também altera as características de


carregamento aerodinâmico, gerando um
escoamento lateral (sidewash) tendo efeito
na estabilidade do escoamento e
consequentemente nas características de
estol.

Efeitos do enflechamento na distribuição de sustentação e estol Sidewash devido ao Enflechamento


(fonte Google images) (fonte Google images)
A curva de coeficiente de sustentação por ângulo de ataque (CL X α) em asas enflechadas
é menos íngreme.

Efeitos do Enflechamento
(fonte Google images)

Em geral, asas com planta retangular ou elíptica tem


distribuição de pressões mais regular e apresentam um
estol mais dócil e com início na raiz e desenvolvimento
para as pontas. Asas afiladas ou enflechadas
apresentam um estol mais abrupto e com
desenvolvimento das pontas para a raiz. Isto é problema
pois os ailerons em geral se encontram na ponta das
asas e o estol gera uma esteira de turbulência resultante
do descolamento do escoamento que acaba por
prejudicar a autoridade de comando em rolamento, e isso justamente na hora em que esta
autoridade é necessária, exatamente para contrapor tendências de rolamento oriundas das
assimetrias do estol.

Torção

Para solucionar este problema, é comum a utilização de torção da asa ao longo da


envergadura, que pode ser geométrica ou aerodinâmica. Na geométrica, se reduz o ângulo
de incidência do perfil da raiz para a ponta. Na torção aerodinâmica, usam-se perfis mais
resistentes ao aumento do ângulo de ataque nas pontas das asas.

Adicionalmente podem-se instalar geradores de vórtice na região dos ailerons, para


energizar a camada limite e atrasar o descolamento do escoamento.
Torção geométrica e aerodinâmica de asas
(fonte Google images)

A ideia é a mesma: atrasar o estol na ponta de asa, mantendo a eficiência dos ailerons e a
autoridade de rolamento. Assim sedo, esta torção é do tipo “wash out” que é a redução do
alfa crítico nas pontas de asa (o contrário seria o “wash in” e não tem aplicação prática).

Stall ou Estol

O Stall ou Estol, é, portanto, um fenômeno com o qual temos que conviver e preparar a
aeronave para apresentar características benignas nesta condição (há vários requisitos de
certificação para garantir isto).

Desenvolvimento do estol com o aumento do ângulo de ataque


(fonte Google images)
Deve-se estar atento a algumas
características geométricas da aeronave,
que vão definir a dinâmica deste estol.

Primeiramente consideremos o equilíbrio


básico de forças da aeronave. Podemos
observar que a asa gera uma sustentação
para cima e por questões de estabilidade,
o centro de gravidade está à frente do
centro aerodinâmico, ou seja, o momento
resultante é picador. Para contrapô-lo, a
empenagem gera uma sustentação para
baixo, que pode ser comandada com a
aplicação dos profundores, alterando este
equilíbrio e aumentando ou reduzindo o
ângulo de ataque da aeronave. Ou seja,
eficiência dos profundores é fundamental Equilíbrio de forças e momentos na aeronave
(fonte Google images)
para abaixar o nariz e retirar o avião da
condição de estol.

Não apenas isso,


mas o ângulo de
ataque da
empenagem é
Downwash dependente do
(fonte Google images)
efeito da esteira
das asas, o
chamado downwash. Desta forma podemos observar que a eficiência dos profundores está
diretamente relacionada à qualidade do
escoamento que a asa propicia à cauda.

Acontece que o descolamento da camada limite


e consequente turbilhonamento e esteira do
estol podem perturbar por completo o
escoamento nos profundores, neutralizando sua
autoridade para abaixar o nariz e retirar a
aeronave da condição de estol. Diz-se que o
profundor foi “sombreado” e que a aeronave está
em condição de “deep Stall”. Para mitigar este
efeito é comum se instalar ventral fins na cauda
Deep Stall
do avião. (fonte Google images)
Adicionalmente, algo que pode agravar a
propensão a um deep Stall é o fato de que,
no estol inicial, a aeronave perde
sustentação e o peso faz com que ela
comece a afundar, havendo portanto uma
recomposição das velocidades, causando
um vento relativo em ângulo mais acentuado,
ou seja, um súbito aumento do alfa local, que
pode agravar o stall. Também o súbito
deslocamento adiante do centro de pressão
traz uma tendência momentânea de nariz
para cima (pitch up), que pode levar a um
departure para atitudes (ϴ teta) muito
agressivas.

Como podemos ver, o Stall pode ser


Recomposição de velocidades durante
o estol levando ao deep stallagravado por diversos fatores, e por isso,
(fonte Google images) quando aproxima-se pela primeira vez
dessas condições em uma aeronave nova, deve-se fazer um approach gradual e utilizar-se
de dispositivos de segurança tais como o para cauda.

Ressaltamos também os efeitos da linha de tração.


Dependendo do posicionamento do motor/motores em
relação à linha média longitudinal e ao CG do avião,
podemos ter um momento cabrador ou picador oriundo da
tração. Caso seja picador, será restaurador em relação ao
estol. Se for cabrador, será um fator agravante.

Esta diferença é
claramente observada
quando comparamos as
características de estol
de aeronaves comerciais
com os motores sob as Motores sob a asa e na cauda
Efeito da linha de tração
(fonte Google images) asas (tração cabradora) (fonte Google images)

ou na cauda (picadora).

A geometria da cauda também é


importante, sendo que caudas em “T”
são mais propensas a deep stall em
comparação com caudas
Geometria da cauda convencionais, e lembrando que os
(fonte Google images) ventrais fins ajudam na recuperação de
um deep stall.

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