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As sensações e

as emoções
na arquitectura

José Pedro Oliveira Araújo


Tese de doutoramento / 2015

Director:
Professor Doutor Arquitecto José Antonio Franco Taboada

Departamento de Representação
e Teoria Arquitectónica

Universidade da Corunha
1
Os processos psicológicos através dos quais o homem interage Os processos psicológicos através dos quais o homem inter
com o meio ambiente e o meio Arquitectónico com o meio ambiente e o meio Arquitectón

Informação Rodapé
Agradecimentos

"Cada um que passa na nossa vida passa sozinho, pois cada pessoa é única, e
nenhuma substitui outra. Cada um que passa na nossa vida passa sozinho, mas
não vai só, nem nos deixa sós. Leva um pouco de nós mesmos, deixa um pouco
de si mesmo. Há os que levam muito; mas não há os que não levam nada. Há os
que deixam muito; mas não há os que não deixam nada. Esta é a maior
responsabilidade de nossa vida e a prova evidente que duas almas não se
encontram ao acaso." Antoine de Saint-Exupéry

Apesar do processo solitário inerente ao trabalho de investigação, a realização desta


tese de doutoramento, não teria sido possível sem o contributo, apoio e incentivo de
várias pessoas, às quais estarei eternamente grato.
Ao Professor Doutor José António Franco Taboada, orientador da dissertação, o meu
mais profundo agradecimento pelo total apoio, incentivo e generosidade na partilha
do seu saber.
Ao Professor Doutor Harry Francis Mallgrave, prestigiado professor do Illinois Institute
of Technology, pela amabilidade com que me recebeu em Chicago e pelos valiosos
conselhos e sugestões bibliográficas.
Ao Professor Doutor Eduardo Sá, prestigiado professor de Psicologia da
Universidade de Coimbra, pelas suas sugestões e críticas construtivas.
Ao Professor Doutor Armando Nogueira, pela disponibilidade, apoio e por me ter
aconselhado a realização deste trabalho numa instituição de tão elevada qualidade e
exigência.
Aos meus amigos Carlos Umbelino, Luís Serguilha, Alexandre A.R.Costa e João
Andrade, pelas nossas conversas e todo apoio que me deram.
Aos Amigos de sempre, pelo apoio que sempre me deram, pelos longos desabafos e
pela partilha de bons e menos bons momentos ao longo desta caminhada.
Aos Amigos que fiz, pela forma como me acolheram e integraram, pela companhia e
pelo carinho que sempre demonstraram.
À Minha Família, pelo apoio incondicional, pela força e estímulo quando o cansaço
parecia querer vencer-me. A distância não nos separou. Uniu. A distância não nos
enfraqueceu. Fortaleceu.
Aos meus Pais por tudo que sou.
Obrigado pelo vosso amor e carinho.

As Sensações e as Emoções na Arquitectura 3


Capítulo I - O Processo Evolutivo entre a Arquitectura e o Meio

4 As Sensações e as Emoções na Arquitectura


Resumo

Resumo
O tema “As sensações e as emoções na Arquitectura”, aponta para a existência de
um fenómeno cíclico dinâmico-contagiante que se deu entre o meio e o sujeito, a sua
expressão e sua forma de comunicação ao longo do processo evolutivo da
Arquitectura, que determinaram o aparecimento dos movimentos arquitectónicos.
Uma espécie de desdobramentos que aconteceram ao longo do processo criativo,
enquanto expressão ideológica onde se formaram valores éticos e estéticos e, a obra
construída mais voltada para a parte do utilizador e a sua interacção com o meio, que
constituíu a seguinte periodização histórica: A Idade Antiga, a Era da Emoção à
Razão; A Idade Média, a Era da Razão; a Idade Moderna, a Era da Razão à Emoção;
A Idade Contemporânea, a Era da Emoção à Sensação.
Fazer esta viagem pelo mundo sensorial e emocional aproximando-nos às ciências
do foro neuropsicofisiológico, no momento em que estão acontecer os grandes
avanços do conhecimento do homem e novas preocupações relativamente à
descompensação do nosso hemisfério cerebral emocional. Permitindo-nos lançar
novos elementos para os debates e quem sabe para a descoberta de novos caminhos
para o futuro da Arquitectura, que muito bem se poderiam pautar por uma nova Era,
a da Sensação à Emoção.

Resumo
O tema proposto "As Sensacións e Emocións na Arquitectura", apunta a existencia
dun fenómeno cíclico dinámico-contagiante que se deu entre o medio eo suxeito, a
súa expresión ea súa forma de comunicación ao longo de todo o proceso evolutivo
da arquitectura, que determinaron a aparición dos movementos arquitectónicos.
Unha especie de desdobramentos que pasou ao longo do proceso creativo, mentres
expresión ideolóxica onde se formaron valores éticos e estéticos e, a obra
construída máis volta para a parte do usuario e, a súa interacción co medio, que
constituíron a seguinte periodización histórica: A Idade Antiga- A Era da Emoción á
Razón; A Idade Media - A Era da Razón; A Idade Moderna – A Era da Razón á
Emoción; A Idade Contemporánea - A Era da Emoción á Sensación.
Facer esta viaxe a través do mundo sensorial e emocional aproximándose nos ás
ciencias do foro neuropsicofisiológico, no momento en que están a ocorrer os grandes
avances do coñecemento do home coas Neurociências, permítenos publicar novos
elementos para os debates e quen sabe para o descubrimento dos novos camiños
para o futuro da Arquitectura, que ben se poderían pautar entre os valores da Razón-
Sensación-Emoción, para unha maior responsabilidade social, universalidade e
Interdisciplinaridade.

As Sensações e as Emoções na Arquitectura 5


Resumo

Sumario
El tema propuesto "Las sensaciones y las emociones en la arquitectura", apunta a la
existencia de un fenómeno cíclico dinámico contagioso que se produjo entre el medio
y el sujeto, su expresión y su forma de comunicación a lo largo del proceso evolutivo
de la arquitectura, que condujo a la aparición de movimientos arquitectónicos. Un tipo
de acontecimientos que tuvieron lugar durante el proceso creativo, mientras que la
expresión ideológica de la que se formaron valores éticos y estéticos y la obra
construida más centrado en el usuario y su interacción con el medio ambiente, que
constituyó la siguiente periodización histórica: La Edad Antiga, la Era de la Emoción
a la Razón; La Edad Media, la Era de la Emoción; La Edad Contemporánea, la Era
de la Razón a la Emoción; La Edad Contemporánea, la Era de la Emoción a la
Sensación.
Hacer este viaje por el mundo sensorial y emocional traernos a las ciencias del foro
neuropsicofisiológico, en el momento en que están sucediendo grandes avances del
conocimiento del hombre con las Neurociencias nos permite introducir nuevos
elementos a la discusión y tal vez descubrir nuevos caminos para el futuro de la
arquitectura, que bien podrían ser guiados entre los valores de la Razón-Sensación-
Emoción para una mayor responsabilidad social, universalidad y interdisciplinariedad.

Abstract
The proposed theme "Feelings and Emotions in architecture," points to the existence
of a dynamic-contagious cyclical phenomenon that occurred between the medium and
the subject,its expression and its form of communication throughout the evolutionary
process of architecture, which led to the appearance of architectural movements. A
kind of turning points that took place during the creative process, while ideological
expression from which they graduated ethical and aesthetic values and the work built
more focused on the user and their interaction with the environment,that constituted
the following historical periodization: The Ancient Age – The Age of Emotion to Reason;
The Middle Ages - The Age of Reason; The Modern Age - The Age of Reason to the
emotion; The Contemporary Age - The Age of emotion to feel.
Make this trip through the sensory and emotional world bringing us to the neuro
psycho physiological, at the moment that are taking place large man's knowledge
advances with Neuroscience, allowing us to introduce new elements to the discussion
and perhaps to discover new paths for the future of architecture, that well could be
guided between the values of Reason-Feel-Emotion for greater social responsibility,
universality and interdisciplinarity.

6 As Sensações e as Emoções na Arquitectura


Prefácio

Prefácio
O processo Arquitectónico, pelas circunstâncias mais diversas e históricas,
teve o seu rumo, o seu caminho de encontro a um ideal, que parecendo
inatingível continua caminhando, sustentado e motivado pela utopia dos
homens.
“O caminho faz-se caminhando...”, também representa, para mim, uma certa
forma de estar na vida constituindo na circunstância, de forma alusiva ao
conhecido poema “no hay camino, se hace camino al andar” do Sevilhano
António Machado, uma inspiração para a dissertação a que me proponho.
O poema representou, pois, um lema e uma motivação extra nesta minha
caminhada. O Poeta e Filósofo pertencente ao Modernismo, que ao longo da
sua obra, estímulou o diálogo entre a Filosofia e a Poesia, entre a Política e a
Arte, encontrou no espírito criativo o verdadeiro paradigma cognitivo a partir
do qual, se deu a capacidade da Arte em dar as respostas ao seu tempo.
Na circunstância, a presente dissertação é o resultado de uma longa viagem
pelo mundo dialético das sensações e das emoções na Arquitectura, pelas
principais zonas de reacção do planeta como Roma, Florença, Londres, Paris,
Viena, Chicago, Nova Iorque, entre outras, onde tive oportunidade de
estabelecer o contacto in loco com investigadores e algumas das principais
obras de Arquitectura.

As Sensações e as Emoções na Arquitectura 7


Prefácio

A caminhada não foi fácil por variadas razões, contudo penso ter recolhido os
elementos necessários para o desenvolvimento dessa ambiciosa tarefa que
foi querer abordar estes assuntos de grande complexidade do tema a que me
propus. Porque as sensações e as emoções são uma constante no nosso
quotidiano, seja quando fazemos Poesia, Música, Teatro, Cinema, Pintura,
Escultura, Design, Arquitectura ou em qualquer outro tipo de manifestação
artística, atingem o seu expoente, tanto na sensibilidade do artista como no
efeito contagiante que a obra exerce na contaminação do homem e, por
consequência, no espaço que o rodeia.

“...projectar, planear, desenhar, não deverão traduzir-se para


o Arquitecto na criação de formas vazias de sentido, impostas
por capricho da moda ou por capricho de qualquer outra
natureza. As formas que ele criará deverão resultar, antes de
um equilíbrio sábio entre a sua visão pessoal e a
circunstância que o envolve e para tanto deverá ele conhecê-
la intensamente, tão intensamente que conhecer e ser se
confundem...” Távora, 2006, contracapa

Esta temática não deverá ser vista como um mero assunto inerente à profissão
ou ao seu objecto, mas sim pela consciencialização da importância que este
assunto deverá ter em todos nós, tanto pela responsabilidade que lhe está
inerente como, quanto mais não seja, para sensibilizar os menos atentos à
importância que a obra e o artista têm no mundo.

8 As Sensações e as Emoções na Arquitectura


Prefácio

A Arquitectura, na realidade, é muito mais profunda do que à partida se possa


imaginar, aproximando-se mais de uma fonte inesgotável de conhecimentos
tão interessantes que dão a motivação necessária para levar a cabo esta
investigação, onde tive oportunidade de reflectir sobre o seu contagiante
envolvimento entre o meio, o sujeito, a expressão e a comunicação.
O homem, este complexo e incrível ser, na caminhada do devir, nunca deixou
de ser um mistério para todos nós e, em particular, para aqueles que se
interessaram por este tema, desde os filósofos antigos passando pelo
aparecimento da Psicologia, até aos nossos dias com os filósofos
contemporâneos que ainda pensam estas questões com algum grau de
subjectividade, por não parecer ser possível a descoberta de uma verdade
exacta.

01. Agora, Maddalena Abakanowicz, Chicago, fonte própria, 2012

As Sensações e as Emoções na Arquitectura 9


Prefácio

10 As Sensações e as Emoções na Arquitectura


Índice

Índice

Introdução.......................................................................................17

Capítulo I “O Processo Evolutivo entre a Arquitectura e o Meio”

1.1 O processo evolutivo entre a Arquitectura e o Meio……….28

1.1.2 A Idade Antiga. A Era da Emoção à Razão


1.1.2.1 A civilização Mesopotâmica……………………………..….…33
1.1.2.2 A civilização Egípcia……………………………………….…...34
1.1.2.3 A civilização Inca e Maia……………………………...….........37
1.1.2.4 O Budismo e o Induísmo………………………......................38
1.1.2.5 A Grécia Clássica……………………………………………....41
1.1.2.6 A Construção da Razão………………………………….........42
1.1.2.7 A Roma Clássica.…………………………………...……...…..49
1.1.2.8 O Ciclo de Contágio da Idade Antiga.
A Era da Emoção à Razão…………………………………..54

1.1.3 A Idade Média. A Era da Razão.


1.1.3.1 O Cristianismo………………....…………………………….…57
1.1.3.2 O Bizantino.………………………………………… ………….61
1.1.3.3 O Islamismo…………………………………………..……...…63
1.1.3.4 O Românico…………………………………………..…….…..66
1.1.3.5 O Gótico…………………………………………………..…..…70
1.1.3.6 O ciclo de contágio da Idade Média.
A Era da Razão……………………………………………...…74

As Sensações e as Emoções na Arquitectura 11


Índice

1.1.4 A Idade Moderna. A Era da Razão à Emoção


1.1.4.1 O Renascimento……………………………………….........…77
1.1.4.2 O Barroco……………..………………………………..…….…88
1.1.4.3 Racionalismo e Empirismo………….……………...…………99
1.1.4.4 O Neoclássico…………………………..…………...…….....109
1.1.4.5 Da Razão à Glória da Emoção……………………………..111
1.1.4.5.1 Os Arquitectos visionários franceses……………….……111
1.1.4.5.2 O Pré-romantismo……………………………………….…113
1.1.4.5.3 O Pré-historicismo………………………………..…...……119
1.1.4.5.4 Os avanços neuropsicofisiológicos na Arquitectura…....124
1.1.4.6 Romantismo e Historicismo…….…………………....……..130
1.1.4.7 O Ciclo de Contágio da Idade Moderna.
A Era da Razão à Emoção…………………………………...136

1.1.5 A Idade Contemporânea. A Era da Emoção à Sensação


1.1.5.1 O Modernismo………………………………..…………….…139
1.1.5.1.1 Arts and Crafts e Arte Nova…………..………….……..…141
1.1.5.1.2 O Funcionalismo……………………………………...….…145
1.1.5.1.3 De Stijl e Bauhaus…………………………………….……149
1.1.5.1.4 Funcionalismo e Organicismo…………………....…….…153
1.1.5.1.5 Arquitectura Orgânica – Frank Lloyd Wtight………….…155
1.1.5.1.6 Arquitectura Orgânica – Alvar Aalto…………………...…170
1.1.5.1.7 International Style – Mies van der Rohe………………....175
1.1.5.1.8 O Funcionalismo Estético – Le Corbusier………….……185
1.1.5.1.9 Expressionismo, Cubismo, Futurismo e Construtivismo.197
1.1.5.1.10 Poesia e Introspecção…………………………………....201
1.1.5.2 O Pós-modernismo……………………………..…….……...205
1.1.5.2.1 High-Tech………....………………………….……………..206
1.1.5.2.2 O Desconstrutivismo…………………………………….…211
1.1.5.3 Movimentos Ecológicos…………………………………...…216
1.1.5.4 Movimentos neuropsicofisiológicos……………….………..224
1.1.5.5 O Ciclo de Contágio da Idade Contemporânea.
A Era da Emoção à Sensação………………………………229
1.1.6 As Quatro Épocas do Pensamento………………..….………230

12 As Sensações e as Emoções na Arquitectura


Índice

Capítulo II – “Com a Necessidade de Sobrivência do Homem…”

2.1 O Meio. Os Processos Psicológicos através dos


quais o Homem Interage com o Meio………………………..……236
2.1.1 O Homem e o Meio……………………………………..…….…238
2.1.2 O Homem, o Espaço e a Arquitectura………………………...241
2.1.3 O Homem e a Cidade………………………………………...…262

2.2 O Sujeito. A Utilidade dos Processos Neuropsicofisiológicos


no Sujeito Criativo……………..……………………….……………279
2.2.1 O Arquitecto, Personalidade e Linguagem…………………..285
2.2.2 Teorias da Personalidade………………………………...……290
2.2.2.1 Teorias Psicodinâmicas……………………………………...293
2.2.2.2 Teorias Humanistas……………………………..…………...297
2.2.2.3 Teorias Disposicionais…………………………………….…300
2.2.2.4 Teorias da Aprendizagem……………………………………302
2.2.3 A Imaginação, Memória e Consciência………………………304
2.2.3.1 A Imaginação………………………………………………….304
2.2.3.2 A Memória………………………………………………..……307
2.2.3.3 A Consciência…………………………………………………309
2.2.4 A Motivação na Criação………………………………..………311
2.2.5 A Utilidade da Inteligência Emocional……………………..…314

2.3 A Expressão. A Relação que o Sujeito e o Desenho


Estabelecem na Arquitectura…………………………………...…325
2.3.1 O Desenho como Forma Simbólica do Pensamento….…….327
2.3.1.1 A Visão…………………………………………………………327
2.3.1.2 Olho, Cérebro e a Mão………………………………….……329
2.3.1.3 Da Percepção ao Desenho……………………………….….331
2.3.1.4 A Sensibilidade do Desenho……………………………....…333
2.3.2 O Desenho como Ordem no Pensamento Arquitectónico…..335
2.3.3 Relação entre Desenhar e Pensar Arquitectura……….….…337
2.3.4 O Desenho no Actual Ensino de Arquitectura……….…….…345

As Sensações e as Emoções na Arquitectura 13


Índice

2.4 A Comunicação. Os Materiais na Concepção Arquitectónica


como Veículo Transmissor de Sensações…………………...…359
2.4.1 Indutores de Reação na Arquitectura…………...…….………364
2.4.1.1 Estímulos Visuais………………………………….……..……368
2.4.1.1.1 A cor……………………………………………………..……369
2.4.1.1.2 Influência, Simbolismo e Significado………….……..……373
2.4.1.1.3 Caracterização……………………………………...….……376
2.4.1.1.4 Padrão……………………………………………….….……378
2.4.1.1.5 Transparência………………………………………….……379
2.4.1.2 Estímulos Tácteis……………………………….………..……381
2.4.1.2.1 Textura………………………………………………….……383
2.4.1.2.2 Temperatura…………………………………...……….……386
2.4.1.2.3 Solidez……………………………………….………….……386
2.4.1.3 Estímulos Acústicos…………………………….……….……387
2.4.1.3.1 Isolamento Acústico……………………………..……….…389
2.4.1.3.2 Absorção Sonora………………………………………....…389
2.4.1.3.3 Frequência de Ressonância………………….………....…390
2.4.1.4 Estímulos Olfactivos…………………………….………….…391

Conclusão…………………………………………………………….….…395

Bibliografia…………………………………………………………………407

Anexos…………………………………………………………………..……...….419

14 As Sensações e as Emoções na Arquitectura


Introdução

INTRODUÇÃO

As Sensações e as Emoções na Arquitectura 15


Introdução

16 As Sensações e as Emoções na Arquitectura


Introdução

Introdução
“ As Sensações e as Emoções na Arquitectura” são uma temática, de tal forma
abrangente, que a investigação mais exaustiva poderia levar a uma verdadeira
enciclopédia de Arquitectura. Contudo interessou, particularmente, notar a
existência de um fenómeno cíclico dinâmico-contagiante que se deu entre o
meio e o sujeito, a sua expressão e sua forma de comunicação ao longo de
todo o processo evolutivo da Arquitectura, que determinaram o aparecimento
dos movimentos arquitectónicos.
Podemos constatar ao longo da história dos movimentos de Arquitectura, a
existência de uma espécie de desdobramentos entre o mundo das sensações
e das emoções em todo o processo criativo, enquanto expressão ideológica
duma determinada classe onde se formaram valores éticos e estéticos e, a
obra construída, mais voltada para a parte do utilizador e a sua interacção com
o meio. Os movimentos tiveram na Filosofia, fundamentos que relacionaram
os problemas da existência do homem ao conhecimento da verdade da mente
à linguagem, sempre uma utilidade vital em todas as outras ciências, como foi
o caso da Arquitectura, onde constituiu a base de muitas ideologias e
movimentos arquitectónicos. Os grandes mestres da Filosofia compreendendo
a grandeza multisensorial da arte na representação dos valores do homem,
pelo seu contágio, construíram valores de ordem estética representativos das
suas doutrinas ao longo da sua história.

As Sensações e as Emoções na Arquitectura 17


Introdução

Como foi o caso da influência que os filósofos racionalistas tiveram na prática


arquitectural que se assistiu na Arquitectura moderna, onde através das
teorias da razão encontraram a construção do pensamento, e a Arquitectura
com as teorias do pensamento, encontrou a construção da razão.
O tema proposto foi dividido em dois capítulos. Começará por explicar a forma
como se processaram os desdobramentos cíclicos pela via da dialéctica que
apresentamos ao longo do período mais relevante do processo evolutivo entre
a Arquitectura e o meio.
Neste contexto, identificamos quatro momentos onde se deram as principais
mudanças de ciclo através desta viagem pelo mundo das sensações e
emoções na Arquitectura, que coincidem com periodização histórica: A Idade
Antiga, a Era da Emoção à Razão; A Idade Média, a Era da Razão; a Idade
Moderna, a Era da Razão à Emoção; A Idade Contemporânea, a Era da
Emoção à Sensação.
No segundo capítulo iremos demonstrar a forma como se deu esse processo
de contágio que aqui falamos, que dividimos em quatro fases: o meio, o
sujeito, a expressão e a comunicação.
Sabemos que os nossos sentidos tiveram o seu desenvolvimento a partir do
momento que a nossa espécie teve necessidade de responder às suas
necessidades primárias de sobrevivência e de adaptação à natureza, que
através da interacção com o meio ambiente, retirou das sensações, as
informações necessárias para a construção da sua percepção do espaço.

18 As Sensações e as Emoções na Arquitectura


Introdução

O homem serviu-se da matéria para se abrigar, para se aquecer, para crescer,


desenvolvendo em si próprio todo um processo de acção-reacção emocional,
construíndo-se ao longo dos tempos uma relação de inter-dependência entre
as sensações e as emoções tal que parecia não ser possível a sua separação.
Deste modo, começamos por falar do meio e dos processos psicológicos
através dos quais o homem interagiu, passando pelo sujeito recorrendo às
teorias do foro neuropsicofisiológico para compreendermos a influência que a
identidade do Arquitecto tem na sua obra, relativamente à sua expressão.
Designadamente, quando o sujeito e o desenho estabelecem na Arquitectura
a forma de comunicação e expressão do seu pensamento como a experiência
do devir e a preeminência que os recentes estudos acerca das emoções
devem ter, na consciencialização dos futuros Arquitectos e no futuro da
Arquitectura, através dos materiais na concepção arquitectónica como veículo
transmissor de sensações.
O homem desde a idade da caverna encontrou no desenho, muito antes da
escrita, o seu principal veículo transmissor do pensamento, a sua forma de
exprimir, comunicar ideias e transferir as suas emoções através das imagens.
Desde as gravuras de Lascaux, passando pela arte egípcia até aos dias de
hoje, que foi possível com o desenho, enquanto expressão do pensamento do
homem, contar a sua história e percebermos a evolução do seu próprio
desenvolvimento cognitivo.

As Sensações e as Emoções na Arquitectura 19


Introdução

O interesse sobre as grandes questões da espécie humana despertou, a partir


da Filosofia e da Medicina, avanços científicos sobre o conhecimento da
mente humana e foi com o estudo psíquico enquanto fenómeno da natureza
que surgiu a Psicologia. Emergindo a partir do final do século XIX com os
estudos acerca do comportamento humano, primeiro pelos aspectos de ordem
biológica, cultural, psicológica e neurológica, e depois, para uma abordagem
do mundo exterior tendo em conta o ambiente natural, físico e construído.
Foi com o aparecimento da psicologia ambiental a partir das primeiras
abordagens ecológicas dos anos sessenta, por força da necessidade de criar
um corpo que se preocupasse com as questões da complexidade da
interacção homem-espaço com as novas necessidades do mundo, que se
tornou inevitável a aproximação da Psicologia à Arquitectura.
Nesse sentido, falaremos da influência que a personalidade dos Arquitectos
tiveram nas suas obras, que pelos seus trajetos e circunstâncias de vida muito
diferentes entre grandes nomes da Arquitectura, desde a infância à
maturidade, pelos percursos mais ou menos marcantes, se tornaram
personalidades especiais, dotadas de uma criatividade e de uma sensibilidade
fora do comum.
A compreensão do nosso aparelho psíquico assumiu particular interesse na
compreensão do nosso processo criativo, podendo retirar-se dos recentes
estudos sobre a inteligência emocional, a informação necessária para
percebermos a complexidade que as sensações e as emoções têm em tudo
aquilo que somos e em tudo o que fazemos.

20 As Sensações e as Emoções na Arquitectura


Introdução

Perceber a relação entre o sujeito e o desenho não se restringiu apenas aos


aspectos conceptuais, passou por compreender a essência do desenho, na
qual se pode encontrar as qualidades sensíveis da consciência e do
conhecimento do sujeito, identificando-se todo um processo cognitivo que não
podia passar despercebido.
O desenho enquanto linguagem de expressão artística assumiu na
Arquitectura a grandiosidade que o transformou na sua gramática, o
instrumento auxiliar da concepção do projecto, mas fundamentalmente no
principal veículo reprodutor do pensamento do Arquitecto. O desenho dá lugar
ao conhecimento, à precisão, ao sentimento e às emoções do artista,
transformando num espaço físico toda a expressão corporal do criador.
Assistindo-se nos últimos anos, mais do que nunca, a novas preocupações
acerca das vivências do homem actual e do futuro, que se revelam influentes
na personalidade do individuo e se reflectem nos problemas actuais do nosso
planeta.
Verificaremos também a importância da Era Moderna pela revolução que se
deu no pensamento humano, originando grande desenvolvimento da
humanidade, através dos vários movimentos filosóficos e arquitectónicos,
resultado e consequência que a cultura e a personalidade do individuo tiveram
ao longo dos tempos.
O passado deixou-nos a história visual da Arquitectura marcada por
desdobramentos cíclicos onde prevaleceram as afirmações de poder e
políticas que estreitariam psicologicamente o meio habitat, através das suas
obras pela via dos materiais.

As Sensações e as Emoções na Arquitectura 21


Introdução

Constataremos que a Arquitectura através do desenho expressou as emoções


do Arquitecto e através dos materiais as sensações da sua obra. No entanto
existe uma diferença entre a obra do Arquitecto e a obra de Arquitectura.
Os grandes mestres da Arquitectura que iremos destacar ao longo do trabalho
assim a entenderam, mas será que as futuras gerações com a crise de valores
que se assiste, perceberão o que é realmente a Arquitectura? Tonar-se-á
necessário que a obra comunique com o mundo exterior, produza sensações
e emoções, não pelo que a matéria oferece em “si”, mas sim pelo resultado
que a obra oferece “para”.
O homem sempre sentiu uma atracção muito grande pelo contacto com o céu,
com o sagrado, como se o céu e a terra se pudessem aproximar. Desde as
montanhas cósmicas dos Zigurates da Mesopotânia e a Idade Média, onde se
materializaram estupendas catedrais, ao Novo Mundo com os seus fantásticos
arranha-céus como forma de expressão de uma nova civilização, que
continuamos cada vez mais seduzidos pelo infinito oculto. Mas, teremos
esquecido a terra, o solo que pisamos?!

02. Torres de Bolonha, 1109-1119, Bolonha, Itália,


fonte própria, 2015

22 As Sensações e as Emoções na Arquitectura


Capítulo I - O Processo Evolutivo entre a Arquitectura e o Meio

CAPÍTULO I
O Processo evolutivo entre a
Arquitectura e o Meio

As Sensações e as Emoções na Arquitectura 23


Capítulo I - O Processo Evolutivo entre a Arquitectura e o Meio

24 As Sensações e as Emoções na Arquitectura


Capítulo I - O Processo Evolutivo entre a Arquitectura e o Meio

1.1
O PROCESSO EVOLUTIVO ENTRE A

ARQUITECTURA
E O MEIO
As Sensações e as Emoções na Arquitectura 25
Capítulo I - O Processo Evolutivo entre a Arquitectura e o Meio

26 As Sensações e as Emoções na Arquitectura


Capítulo I - O Processo Evolutivo entre a Arquitectura e o Meio

03.Cronograma do capítulo
3. Gronograma doI capítulo I

As Sensações e as Emoções na Arquitectura 27


Capítulo I - O Processo Evolutivo entre a Arquitectura e o Meio

1.1 O processo evolutivo entre a Arquitectura e o meio


O cérebro emocional, o hemisfério que comandou o homem primordial,
deixou marcas expressivas do prolongamento do seu espírito humano,
através das sensibilidades, dos modos de ser, de agir e de pensar da Idade
Pré-Histórica, prolongando-se com o aparecimento das primeiras
civilizações desde do nomadismo ao sedentarismo, já na Idade Antiga.
A forma de linguagem, que antecedeu a escrita, desempenhou um papel
vital de comunicação e informação através do desenho, como forma de
expressão visual para comunicar ideias, como foram as descobertas das
cavernas de Lascaux, no sudoeste da França, onde ficaram legados
verdadeiros testemunhos da expressão visual deste período nas demais
expressões estéticas, elementos que identificam factores psicológicos do
homem pré-histórico, bem representativas daquela que podemos chamar
a verdadeira Era da Emoção, onde predominava o domínio do homem
sobre o mundo animal.
O processo construtivo começou assim, neste período com as
necessidades primárias de abrigo do homem, alargando-se às primeiras
civilizações da Idade Antiga, aos enigmas de ordem espiritual e material,
onde através da matéria se deram significados de natureza religiosa e
sagrada aos edifícios, na teia divínica cósmica da monumentalidade dos
templos e dos santuários.

28 As Sensações e as Emoções na Arquitectura


Capítulo I - O Processo Evolutivo entre a Arquitectura e o Meio

A origem de todo o processo evolutivo entre a Arquitectura e o meio, que se


acentuou a partir do materialismo histórico-dialéctico, resultou de certa forma
desse fluxo de emoções que foi gerado a partir das acções do homem na
contaminação do meio ambiente e o meio arquitectónico. Pela via dos
materiais, as formas arquitectónicas geraram sensações e emoções que
contagiaram o homem pela via das suas sensações viscerais, intrínsecas ao
seu corpo, e assim sucessivamente. Numa reciprocidade que compreende um
fenómeno de natureza físico-neuropsicofisiologica que não só moldou os
seres humanos como também os animais, a sociedade, a nossa cultura e a
própria natureza. Desta forma, se contribuiu para o nosso desenvolvimento
intelectual, concretamente o do hemisfério racional do nosso cérebro, a partir
do momento que se deu o aparecimento da escrita, do alfabeto e da
matemática que amplificou as nossas capacidades cognitivas, potenciando as
faculdades mentais do homem que antes ainda não estavam ao seu alcance.
A Arte da construção passou a ser vista como um gesto divino primordial para
a criação do mundo e coube ao Arquitecto, da época, aprofundar o
conhecimento nas áreas da Metafísica, Ontologia, Cosmologia e Ciências
Naturais, na expressão da carga simbólica que estas tinham que ter na
Arquitectura. A passagem da Era da Emoção para a Era da Razão, que
decorreu durante a Idade Antiga, viria confirmar-se quando se anunciaram as
primeiras Leis entre a Fé e a Razão, com a Bíblia, e acabaria por se consagrar
com o Cristianismo e todas as correntes filosóficas racionalistas durante a
Idade Média, com as repercursões que isso teve na Arquitectura.

As Sensações e as Emoções na Arquitectura 29


Capítulo I - O Processo Evolutivo entre a Arquitectura e o Meio

Manifestamente quando a Arquitectura encontrou no pensamento da época a


construção da Razão.
A Era da Razão que havia dominado praticamente até ao final da Idade
Moderna, encontrou sinais de mudança logo a começar pela ascenção das
sensações de espiritualidade introduzidas pelo Gótico, numa clara tentativa
de elevar as nossas emoções, no final da Idade Média. Seguindo-se com as
sensações de harmonia espacial do Renascimento e da libertação espacial
conferida pelo Barroco, anunciando-se gradualmente aquela que viria a
significar a Era da Razão à Emoção que se deu durante a Idade Moderna e
que culminaria com o aparecimento do romantismo e o historicismo, onde
finalmente se encontrou a construção da Emoção.
Já na Idade Contemporânea, com o aparecimento das novas tecnologias,
desencadearam-se múltiplos processos mentais que originaram grandes
avanços arquitectónicos, mas também conflitos de ordem ética e estética que
acabaram por se manifestar pelos mais diversos movimentos arquitectónicos
que ocorreram durante o século XX. Acentuando-se nos últimos anos um certo
distanciamento da terra e do homem, a partir do momento que deixamos que
as tecnologias de informação tomassem conta das nossas vidas e que as
Neurociências apontam para um certo desequilíbrio dos nossos hemisférios
cerebrais que, de certa maneira, acabou por contagiar a própria Aquitectura,
agora muito mais sensacional, resultante do aceleramento da competitividade
onde a lei dos mercados impera, razão pela qual denominamos a passagem
deste período como a Era da Emoção à Sensação.

30 As Sensações e as Emoções na Arquitectura


Capítulo I - O Processo Evolutivo entre a Arquitectura e o Meio

conseguir transmiti-la, marcando a diferença numa determinado época ou


espaço, é outra, completamente diferente

1.1.2
DA EMOÇÃO À

RAZÃO
As Sensações e as Emoções na Arquitectura 31
Capítulo I - O Processo Evolutivo entre a Arquitectura e o Meio

32 As Sensações e as Emoções na Arquitectura


Capítulo I - O Processo Evolutivo entre a Arquitectura e o Meio

1.1.2 A Idade Antiga. Da Emoção à Razão


A Idade Antiga estendeu-se desde a invenção da escrita até à queda do
Império Romano do Ocidente, onde dominaram os enigmas que
caracterizavam a condição humana de ordem mítica e religiosa dos
mesopotâmicos e egípcios, de forte apelo às tradições e ao sobrenatural, os
conhecimentos orientais pela sua grande sabedoria e a busca dos gregos pela
perfeição, o retorno da natureza humana até á fundação do Cristianismo.

1.1.2.1 A civilização Mesopotâmica


A Mesopotâmia situada entre o rio Tigre e o Eufrates deu origem às primeiras
civilizações da humanidade, dando-se as primeiras transições do nomadismo
para o sedentarismo, pelas ricas condições climatéricas e pelos seus terrenos
férteis, levando à fixação dos sumérios naquela região para desenvolver a
prática da agricultura e pecuária.
A Mesopotâmia foi berço de outras importantes civilizações como os assírios,
babilónios, israelitas, fenícios e persas.
Mas, foi entre 4200 e 4000 a.C. que os sumérios, considerados por muitos das
civilizações mais antigas, construíram as primeiras cidades, inventaram as
primeiras formas de escrita, o alfabeto, a matemática e a roda. As cidades
desenvolveram-se em torno dos seus templos e conectaram com a população
sensações de forte espiritualidade com o divino
Os Zigurates da Mesopotâmia continham a forma primordial triangular que
04: Zigurate de Ur, Mesopotâmia, construído por Nammu e constituído por quatro
níveis, foi restaurado 1500 anos mais tarde por Nabónido e provavelmente tivera pareciam aludir à misteriosa Trindade presente em quase todas as religiões.
mais três níveis, 99, Mesopotâmia e o antigo médio oriente, Atlas cultural do
mundo, 2000.

As Sensações e as Emoções na Arquitectura 33


Capítulo I - O Processo Evolutivo entre a Arquitectura e o Meio

Erguidos pelos sumérios, foram construídos em tijolos de barro e ao contrário


das pirâmides do Egipto, deram a possibilidade de se chegar fisicamente ao
seu ponto mais alto, através da grande escalinata que culminava no templo,
como foi o caso do Ziguratede Ur, construído por Ur-Nammu, fundador da
terceira dinastia de Ur em 2112-2095 a.C.
A partir da Bíblia, consagraram-se Leis entre a fé e a razão. Os seus textos
sobre a existência do homem na Terra narrada pelos judaicos, viriam mais
tarde a ter um valor religioso e sagrado para o Cristianismo.

1.1.2.2 A civilização Egípcia


Posteriormente ao estádio pré-histórico, o período onde se deu a maior
expressão gráfica, 3000 a.C. aconteceu no Egipto pelo sedentarismo, com o
aparecimento de pequenas civilizações sociais mais evoluídas, que
acabariam, através das suas técnicas, por influênciar todo o mundo,
mantendo-se até hoje como uma das mais intactas. A arte do Antigo Egipto é
dotada de uma beleza sem igual, densa de simbolismos e apresentado
desenho de escrita, hieróglifos.
Na concretização destas obras eram utilizadas técnicas muito próprias, onde
é evidenciado um traçado energético, massas de cores lisas e uma grande e
dedicada segurança no progresso do desenho, respeitando as convenções
egípcias - rosto de perfil e olhos de frente.As preocupações com as questões
da natureza e do homem dos antigos egípcios, antes da cultura grega, onde a
medicina física e psíquica do Homem, apoiada em conceitos de natureza
05. Mastaba de Sakarah, a base é rectangular e não quadrada como as
mágica e intuitiva, ficava nas mãos de sacerdotes e feiticeiros. pirâmides posteriores, com seis enormes degraus têm cerca de 62 m, foi
idealizada por Imhotep, 26, Egipto, Taschen, 2003.

34 As Sensações e as Emoções na Arquitectura


Capítulo I - O Processo Evolutivo entre a Arquitectura e o Meio

“Os Egípcios também inventaram o calendário, dividindo o dia em


vinte e quatro horas e o ano em 365 dias. Resolveram alguns
problemas matemáticos e redigiram listas de doenças com as
respectivas terapias. Os seus conhecimentos foram transmitidos e
evoluíram por intermédio dos Gregos e dos Romanos. Mas o seu
ideal de equidade e rectidão, exemplar no plano da vida social, é
pelo menos igualmente importante.” Marie and Hagen, 2003, 220

Culturalmente riquíssimos tinham uma organização social e política complexa


pela influência da religião e interpretação do universo como se pode constatar
ao longo das mais variadas produções artísticas deixadas para a história.
A sua Arquitectura foi marcada essencialmente por obras sacras conforme a
história demonstra, onde a religião serviu as necessidades mais profundas da
alma humana, concedendo um sentido superior à existência, providenciando
um consolo face à morte, perspectivando uma vida no além, de um
renascimento ou de uma ressurreição.
Os Egípcios, acreditavam que os deuses interferiam na vida humana e na vida
após a morte e que esta seria mais importante que a presente, tendo por isso
como principal desígnio a glorificação dos deuses e do rei defunto, através
dos templos e túmulos grandiosos, caracterizados pela sua grande solidez e
durabilidade num sentimento de mistério e eternidade.
As pirâmides construídas ao longo da margem do rio Nilo como a primeira
mastaba trapezoidal de Sakarah, construída em 2650 a.C. um pouco a sul do
Cairo e idealizada por Imhotep a pedido do Faraó Djoser, até à misteriosa tría-

As Sensações e as Emoções na Arquitectura 35


Capítulo I - O Processo Evolutivo entre a Arquitectura e o Meio

de em Gizé, Quéops, Quéfren e Miquerinos, construídas cerca de 2250 a.C.,


segundo os egiptólogos, pretendiam imortalizar os Faraós, os seus filhos,
sacerdotes e as pessoas ligadas ao governo.
Porém, a misteriosa complexidade estrutural, a sua precisão geométrica, com
a constatação da existência da equação áurea e do triângulo dourado, onde
os cantos da grande pirâmide representavam personagens do zodíaco, touro,
leão, escorpião e aquário, é vista por alguns investigadores como um relógio
astronómico.
Para além do simbólico, não deixa de ser impressionante ter-se constatado a
existência de uma intencionalidade técnica, ligada à forma piramidal pela
energia magnética que conferiu no espaço interior, com o poder de conservar
e mumificar. Os enigmas das datas proféticas de origem desconhecida e
sobrenatural que se encontram nas gravações das paredes interiores são,
ainda hoje, um mistério não solucionado.
Segundo os últimos avanços ciêntíficos, as semelhanças entre os
impressionantes sistemas construtivos usados em épocas diferentes,
resistentes a terramotos, a partir das pirâmides de Gizé, no cruzamento em
Petra na Jordãnia, Ur na Mesopotânia, Persepolis no Irão, Mohenjo Daro no
Paquistão, Khadzhuraho na Índia, Sukotay na Tailândia, Vihear no Comboja,
passando na Ilha de Páscoa e no Machu Pichu no Perú e depois no Mali com
a misteriosa terra dos Dogon, em Tassili N’ajjer na Argélia, onde Marte
representa Deus, apontam para uma misteriosa linha em torno da terra tão
longa como o equador, sugerindo um anterior eixo na terra, que importa
reflectir.
06. Pirâmides de Gizé, 2250 a.C, 30, Egipto, Taschen, 2003.

.
36 As Sensações e as Emoções na Arquitectura
Capítulo I - O Processo Evolutivo entre a Arquitectura e o Meio

Parece existir um misterioso equilíbrio cósmico ainda por desvendar, contudo


interessa assinalar a importância que o mundo transcendental teve, já naquela
época, para os avanços cognitivos do homem, com todas as grandes
contribuições que isso trouxe para a geometria e matemática, a partir do
Egipto para a Arquitectura Clássica, para as proporções de ouro na Grécia
com o Partenon e para muitas das catedrais da Idade Média.

1.1.2.3 A civilização Inca e Maia


O homem em contacto com o mundo exterior assimilou informação e
desenvolveu as suas faculdades cognitivas e a partir do momento que teve
que ultrapassar novas etapas, as suas respostas tornaram-se cada vez menos
emocionais, menos imediatas, passando por isso a ser mais reflexivas,
tornando-se cada vez mais racionais.
Este fenómeno que está relacionado com a evolução da nossa espécie
humana variou em função de várias circunstâncias, no entanto, os maiores
avanços técnicos, independentemente das zonas mais ou menos ricas em
matéria-prima, deram-se nas regiões cujas condições climatérico-geográficas
se apresentavam mais difíceis.
Foi o caso do Machu Picchu, construído entre 1450 e 1540 a.C., pertencente
ao Império da América pré-colombiana, considerada a grande obra da
Arquitectura da civilização Inca, pelos impressionantes avanços construtivos,
geométricos aliados aos notáveis sistemas hidráulicos de irrigação, que
resultaram da organização social deste Império, essencialmente de regadio.
07. Machu Picchu, 1450-1540 a.C, A imagem pretende ilustrar os impressionantes avanços
construtivos, designadamente os da engenharia civil, hidráulica e geométricos do povo Inca,
fonte: imagem cedida por Nuno Gonçalves, 2015

As Sensações e as Emoções na Arquitectura 37


Capítulo I - O Processo Evolutivo entre a Arquitectura e o Meio

Assim como, a civilização Maia, 1000 a.C., que se notabilizara pelo único
sistema de língua escrita do Novo Mundo, na cultura pré-colômbiana sistemas
astronômicos e matemáticos que se reflectiam no desenvolvimento da sua
Arquitectura até à chegada dos espanhóis, estendendo-se ao sul do Mexico.
A pirâmide Kukulcán em Chichén-Itza, que se estima ter sido fundada em 450
a.C, constituíu um dos exemplos mais notáveis da civilização Maia, onde pode
ser admirado o extraordinário compromisso entre a composição e o espaço
arquitectónico. Contando com motivos que simbolizam os números utilizados
no calendário solar agrícola e o calendário sagrado, onde cada uma das suas
faces se alinha com os pontos cardeais.
Tal como a grande pirâmide de Gizé, constatou-se a mesma precisão
geométrica, que através do seu alinhamento permitiu observar diversos
fenómenos como é o caso das serpentes esculpidas que guarnecem a
escadaria norte quando se parecem mover, através da luz e da sombra
durante os equinócios da primavera e outono.

1.1.2.4 O Budismo e o Induismo


Se em certas civilizações de assistia o desenvolvimento cognitivo pela via da
técnica, outras se notabilizaram pela via do pensamento a pensar as grandes
questões do homem, como aconteceu no oriente. Onde não podia deixar de
referir a importância que Filósofos como Confúcio na China (século V a.C.) e
Siddhartha Gautama (século IV a.C.) na Índia, viriam a ter, como duas das
personagens mais marcantes e influentes da história da Ásia.

08. A pirâmide Kukulcán em Chichén-Itza, México, fonte própria, 2008


.

38 As Sensações e as Emoções na Arquitectura


Capítulo I - O Processo Evolutivo entre a Arquitectura e o Meio

O Confucionismo tornar-se-ía um código de conduta que orientava as relações


entre as pessoas, a vida pública e a vida privada, segundo princípios de
rectidão seguida de dois conceitos da doutrina confuciana o Li, quanto à
autodisciplina através das cerimónias, etiqueta e bons costumes e o Jen
quanto à generosidade através das benovolências, cortesia e gentileza, onde
a harmonia, a paz e a justiça ficariam asseguradas se todos praticassem o Li
e o Jen.
Os seus conhecimentos de grande sabedoria, desenvolveram os muito
antigos princípios orientais acerca da relação de harmonia entre o homem e a
natureza, conduzindo por caminhos diferentes uma linha de pensamento com
influência tal, que o primeiro contribuíra políticamente para a unificação
cultural da China e o segundo para o desenvolvimento da Filosofia Budista,
na Ásia, com grandes contributos para a religião e para a Arquitectura Hindu.
O Templo de Confúcio de Qufu, construído na sua cidade natal, é o maior e o
mais famoso. As suas lições espalharam-se por todo o oriente, tendo um efeito
duradouro e profundo sobre a cultura chinesa. Os Templos confucianos
constituíram um marco e irradiaram toda a tranquilidade e sabedoria da China
milenar. Estes princípios base de harmonia e de bem-estar tiveram as suas
primeiras abordagens há mais de 4000 anos, tendo influenciado a concepção
e cultura espacial em todo o oriente podendo destacar-se o Feng Shui, que
ainda hoje inspira alguns Arquitectos mais isotéricos. Esta arte antiga promove
a vitalidade dos espaços, através das sensações de espiritualidade,
sentimento de paz e tranquilidade, retirando de certos tipos de vibrações

09. Templo de Confúcio de Qufu, 478 a.C, Shandong, China, fonte: presentes nesses ambientes, benefícios para o corpo e para a mente.
chinesetimeschool.com, 2012

As Sensações e as Emoções na Arquitectura 39


Capítulo I - O Processo Evolutivo entre a Arquitectura e o Meio

Siddhartha Gautama, considerado o “Supremo Buda” e o mestre iluminado


que compreendeu as causas e o caminho para elíminar o sofrimento humano.
Foi através de uma nova concepção ética que teve como base os
ensinamentos hindus e dos antecessores budistas que designavam pelo
Dharma, pregou que era possível acabar com o sofrimento atigindo o estado
total de plenitude, designado pelos budistas de Nirvana, com a eliminação do
desejo através da conduta de valores e pensamentos puros.
Siddhartha expandiu a doutrina do nordeste da Índia para toda a Ásia,
contribuindo para que se pusesse termo aos sacrifícios sangrentos do rigor
ritualista do antigo sistema Védico como o único meio para a salvação. Hoje,
os seus principais representantes são os monges tibetanos que têm como
máxima autoridade Dalai Lama, considerados na reencarnação de Buda.
O budismo impôs-se, desta forma, na evolução do hinduismo pela via da
merisicórdia divina, estando muito na origem da renovação de religião hindu
que daria lugar à criação de novos edifícios de cultos talhados em rochas de
pedra, essencialmente santuários, locais de reunião, túmulos e centros de
peregrinação.
A Arquitectura Hindu manifestava assim a forte espiritualidade da sua religião
e dos ritos através dos seus monumentos mais admiráveis com os mais
variados templos e santuários que se ergueram por toda a India, cujos
fundamentos religiosos e ideológicos consistiam na explicação das causas do
mundo entre o tempo e a eternidade, entre a mudança e a perfeição. Os
edifícios mais antigos da Índia remontam a 2000 a.C. e eram em tijolo.
10. O Grande stupa de Sanchi, rodeado de uma cerca Vedika, séc.III e I a.C,
fonte; 23, A Índia Hindu, Taschen, 2002

40 As Sensações e as Emoções na Arquitectura


Capítulo I - O Processo Evolutivo entre a Arquitectura e o Meio

A influência do período Budista na Arquitectura Hindu aconteceu por volta do


séculoII a.C., podendo constatar-se a influência das culturas mesopotâmicas
e da Grécia clássica. O Hinduismo, uma das religiões mais antigas do mundo,
não teve um fundador conhecido. No entanto, a capacidade de agregação das
suas crenças e princípios, permitiu o cruzamento de valores, filosofias e
crenças de outros povos e culturas asiáticas, que acabou por reproduzir todo
esse “ecletismo” em muitos monumentos na India.
As filosofias hinduístas e budistas viriam a inspirar muitos filósofos ao longo
da história como foi o caso de Shopenhauer que introduziu estes pensamentos
na metafísica alemã já na Idade Moderna.

1.1.2.5 A Grécia Clássica


Os gregos foram mais longe e entre o pensamento e a técnica, conceberam a
Arquitectura quase sob a forma de ciência, difundiram um estilo arquitectónico
seguido de regras objectivas, análogas às leis da natureza, como se
convencionou com a designação da ordem dórica, jónica e coríntia e regras
de natureza matemáticas inteligíveis. No entanto, as preocupações de linhas
agradáveis à vista já remontavam aos tempos do uso da simetria na arte
primitiva pela consciência que o homem já tinha da simetria do seu corpo.
Por seu turno, os gregos, procuraram a busca da harmonia e homogeneidade
mediante as proporções, assegurando que as dimensões fossem
aritmeticamente simples e que os coeficientes numéricos entre as partes do
edifício fossem os mesmos e estivessem relacionados entre si de modo
directo.
11. Entablamento do Parténon restaurado por Alexis Paccard,1845-1846,
fonte: Paris-Rome-Athenes, 167, E.N.S. de Belas Artes, Paris, 1983

As Sensações e as Emoções na Arquitectura 41


Capítulo I - O Processo Evolutivo entre a Arquitectura e o Meio

Assim, a importância da escala humana nos edifícios aludia ao ideal da Grécia


clássica que defendia a liberdade do indivíduo, onde o acesso ao
conhecimento era livre, num mundo voltado para a emancipação do homem
originando, de certa forma, o aparecimento de massa crítica motivada pela
liberdade de expressão e por uma certa democracia instalada. Com efeito, os
templos gregos caracterizaram-se pela sua lacuna na forma como ignoraram
o espaço interior, dando primazia à escala como forma de glorificar o homem.
O Partenon, construído entre os anos 447 e 432 a.C., que pela sua grande
imponência alude ao carácter escultórico que as construções gregas
impunham, compreendida por muitos com admiração como manifestou Le
Corbusier e desprezada por outros, como foi o caso de Frank Lloyd Wright.

1.1.2.6 A construção da Razão 12. Fachada do Parténon restaurado por Alexis Paccard,1845-1846, fonte: Paris-Rome-
Athenes, 165, E.N.S.de Belas Artes, Paris, 1983
Após o período mitológico onde Apólo era o Deus da arte, da poesia e música,
sucedeu-se o período pré-socrático, onde se destacaríam a metafísica da
Escola Jónica de Heráclito de Éfeso, a cosmologia pitagórica e a maiêutica
socrática e, por fim, as importantes considerações estéticas de Platão e de
Aristóteles. As suas doutrinas, os avanços da Geometria e os conhecimentos
sobre os fenómenos psicológicos contribuíram decisivamente para a evolução
da Filosofia, Biologia, Antropologia, Psicologia e da própria Arquitectura.
Heráclito, conhecido pelo pai da dialéctica, foi criticado por desprezar a plebe,
muito pela sua personalidade solitária, independente e desprendida de bens
materiais. Fundou a teoria do nomismo dinâmico, onde tudo era movimento
constante e nada permanecia estático.

42 As Sensações e as Emoções na Arquitectura


Capítulo I - O Processo Evolutivo entre a Arquitectura e o Meio

Para Heráclito (535-475 a.C.), tudo se transforma continuadamente. O ser e o


não ser está relacionado com o princípio do devir, na razão eterna que rege e
governa todas as coisas que estão submetidas à transformação, onde a Lei
imanente ao fogo consiste na universalidade do cosmos. Considerado por
muitos uma personagem trágica, viria influênciar o pensamento nietzschiano
a partir da questão do vir-a-ser. Foi um pensador muito à frente do seu tempo,
inspirando ainda, muitos contemporâneos, como é o caso de Gilles Deleuze.
O pensamento heracliano constitui para nós particular inspiração se tivermos
em conta a estrutura da presente dissertação pela forma como pretendemos
interrelacionar todo o conhecimento, fluir e fundamentar o processo de
desenvolvimento da Arquitectura neste ciclo contagiante entre as sensações
e as emoções, entre o meio e o sujeito, entre a expressão e a comunicação.
Não poderíamos passar o período pré-socrático sem falarmos de Pitágoras,
fundador da escola de pensamento grego, baseado nos conhecimentos que
extraiu da sua longa estadia no Egipto, fundamentou-se em provas dedutivas
físicas e matemáticas, onde o número era o princípio de todas as coisas,
contribuíu para a aplicação da matemática na Filosofia, para o
desenvolvimento ciêntifico e o primeiro a definir caminhos para a estética.
Para Pitágoras (571-497 a.C.), os conhecimentos gregos derivavam da grande
sabedoria encontrada nos templos egípcios e da Mesopotânia, lugares que
permaneciam vivos e proporcionavam conhecimentos acerca dos mistérios da
vida e do universo, onde o filósofo de Samos a partir de Esparta iniciou a sua
grande caminhada passando pelas maiores cidades e templos do mundo
antigo durante 40 anos até voltar à sua terra natal.

As Sensações e as Emoções na Arquitectura 43


Capítulo I - O Processo Evolutivo entre a Arquitectura e o Meio

A escola Pitagórica defendia que todas as coisas tinham um número, onde


tudo que tem uma medida está em harmonia e está dotado de razão, propondo
uma teoria estática isolada de movimento, designando Deus pelo número um,
representa o ponto, a matéria pelo número dois representava a linha, o três, o
quatro e o cinco a justiça e o número doze o universo, proveniente da
multiplicação de três por quatro.
Concebiam que o universo era composto por três mundos que se encaixavam
uns nos outros através dos quatro elementos da natureza, terra, água, ar e
fogo, de onde resultariam doze esferas concêntricas sob o domínio de um
Deus inalcançável, retirando a influência desta aplicação do número doze dos
egípcios. Na harmonia dos quatro elementos reside o cosmos pitagórico, o
sistema do mundo, representado pelo formalismo dos sólidos regulares, pelo
emprego das linhas e das medidas. Fazem distinção da linha recta e a
quebrada, preferindo esta por ter um começo e um fim. Elegem figuras
considerando a pirâmide e o cubo perfeitos, glorificando-as, onde a aritmética
passa à geometria. Pitágoras viria a ter grande influência em Platão.
As concepções estéticas pitagóricas viriam a ser aplicadas em diversas
épocas, em que os espaços físicos e humanos estavam de acordo com o
simbolo Universal, dando significado à relação entre o homem e Deus,
defendendo que o intelecto era o caminho para o conhecimento e para a
distinção entre o mundo sensível e o inteligível.
Mas, o primeiro filósofo a formular uma teoria da arte e Arquitectura, seria
Sócrates, defendendo que a forma é inseparável da função, reafirmando que
o conceito do bom é belo e inclui o belo dentro da esfera do útil.

44 As Sensações e as Emoções na Arquitectura


Capítulo I - O Processo Evolutivo entre a Arquitectura e o Meio

Sócrates (469-399 a.C.), um dos mais importantes na Filosofia ocidental,


enunciava a tese fundamental do funcionalismo moderno,numa perspectiva
em que a estética baseada no usuário, onde a virtude é a beleza do homem e
a utilidade a beleza dos objectos, cabendo ao usuário o juízo de valor da obra.
O conceito de belo ideal fundamenta-se na arte como manifestação sensível
da razão, onde só o bom é belo e universalmente positivo.
A arte pré-helénica teve como criadores as civilizações que entre 3000 e 1400
a.C. se desenvolveram ao longo do mar Egeu. Esta arte transpareceu frescura
original e criativa, isto quer no campo da arquitectura, quer na pintura e
cerâmica. Do século VIII ao VI a.C., a inovação do gosto pelo desenho de
representação da figura humana, associada a uma estilização decorativa
próxima da asiática, é trazida pelas escolas da chamada “Idade Média Grega”.
Durante o período clássico grego (500-300 a.C.), ocorre uma mudança do
desenho com composições naturalistas de grandes imagens e beleza,
originalidade e movimentos, que relevam o domínio expressivo e espontâneo
de linhas pintadas a pincel, sugerindo a 3ª dimensão. As pinturas são
executadas sobre um fundo negro, fazendo com que as figuras sobressaiam,
assim como os seu elementos interiores.
Sócrates, surge numa época dominada pelos sofistas, um grupo de mestres
que atraíam jovens cobrando taxas para os educar, através de discursos
muitas vezes enganadores, passavam a ideia de falar a verdade. Defendia
que o melhor caminho para se chegar ao conhecimento era através do
pensamento, deixando na história um vasto registo de frases e pensamentos
que ainda hoje nos são familiares, «só sei que nada sei».

As Sensações e as Emoções na Arquitectura 45


Capítulo I - O Processo Evolutivo entre a Arquitectura e o Meio

Em detrimento do papel da escrita atribuía maior importância ao diálogo na


procura do saber, pretendendo não apenas despertar consciências para as
questões do saber mas também ajudá-las a pensar. A maiêutica de socrátes
consistia assim no conceito moral e estético, que fazia a fusão da beleza e o
bem, associando este ideal moral e beleza à alma helénica, no entanto a
beleza em si, só existe enquanto útil,onde as coisas feias podem ser belas se
forem utéis, tornando-se no fundador da estética utilitária. Sócrates, constituíu
uma ameaça e incómodo para os sofistas tendo, por isso, sido perseguido e
levado à morte. Mas Platão, o seu discípulo, viria imortalizá-lo.
Platão (428-348 a.C.), Filósofo, Matemático e Pintor, que frequentara o meio
artístico manifestara em toda a sua metafísica uma visão estética. Depois da
teoria do útil socrática, volta às preocupações pitagóricas, referindo que só o
que é vantajoso e nos dá prazer pode significar o belo, o que é eficaz pode
não ser suficiente.

“A vista e o ouvido são explicados no seu privilégio pelo seu


elemento inteligível; e toda a teoria metafísica das artes está
fundada num elemento de prazer e num elemento de
ordem.” Bayer, 1978, 45

Platão defendia que o corpo e a natureza eram as manifestações da essência


do ideal. A alma estava separada do corpo, considerando-a um mistério que
apenas nele habita e dirige a matéria.

46 As Sensações e as Emoções na Arquitectura


Capítulo I - O Processo Evolutivo entre a Arquitectura e o Meio

Mas existiam três almas, a sensitiva, a espiritual e a racional que


representavam as emoções, a vontade e o pensamento, submetendo a alma
sensitiva e espiritual à racional, na medida em que as emoções corrompiam o
nosso raciocínio devendo o ser humano, por isso, tirar partido da razão.
Segundo Georg Lukács (1885-1971), Platão foi o primeiro a desenvolver
filosoficamente a concepção da arte como reprodução da realidade, sendo da
opinião de que a forma artistica clássica e completa deve ignorar a essência
da realidade. Critica o problema da imitação da natureza na arte quanto à
capacidade criativa, mas não se trata de uma crítica ao naturalismo. Lukács, 1968,
p 124

Para Platão, o belo é identificado com o bem, a verdade e a perfeição. A


beleza existe separada do mundo sensível. Nesse sentido, critica a arte que
se limita a copiar a natureza, o mundo sensível que afasta o homem da beleza
do mundo das ideias.
O mundo material só é compreensível através das ideias, mas esta afirmação
levanta um problema já que, a existência do mundo das ideias, não é
suficiente. É necessário um conhecimento das ideias incorpóreas que
antecedem o conhecimento proveniente dos sentidos que, por sua vez,
alcançam o corpóreo.
Já Aristóteles (384-322 a.C.), Filósofo grego, considerado por muitos “o pai”
da Psicologia, aluno de Platão, tinha uma posição diferente, referindo que o
mundo das ideias não tinham existência em si, o que era importante era a
realidade, atribuindo ao belo e o bem valor Metafísico, não os concebendo
numa categoria que se possa por em prática, pois para ele a arte era técnica.

As Sensações e as Emoções na Arquitectura 47


Capítulo I - O Processo Evolutivo entre a Arquitectura e o Meio

Aristóteles era um naturalista, interessou-se pelas sensações e a inteligência,


abordando a imaginação, juízos, raciocínio e memória, considerando que as
operações psíquicas constituíam funções dos órgãos materiais. A alma estava
dependente do corpo e a sua existência estava ligada à essência, onde a alma
era a forma do corpo e, por isso, racional e responsável pelo pensamento
abstrato pelo livre-arbitrio.
Aristóteles concebe a arte como uma criação do homem, onde o belo não
pode ser desligado de si, separando a beleza da arte, deixando o estranho ou
o surpreendente converter-se no principal objectivo da criação artística, ou
seja, a beleza da obra é a sua proporção, simetria, ordem e equilíbrio.
Aristóteles associou a arte à imitação da natureza.

“A Poética de Aristóteles muitas vezes chegou a determinar os


cânones de vários estilos, principalmente os de inspiração
clássica: classicismos e neoclassicismos diversos. (…) Assim, se
Aristóteles não pensou as artes tal como as entendemos hoje, em
contrapartida ele foi decisivo para o que entendemos hoje como
arte. Muitas das clivagens, dos valores das categorias e dos
princípios das teorias estéticas modernas e contemporâneas têm
origem nas especulações de Aristóteles sobre a poesia épica,
sobre a música e sobre a poesia dramática.” Santoro, 2007, 3

Platão e Aristóteles tiveram, de facto, uma larga influência nas teorias das
configurações e ideias estéticas da arte e da Arquitectura Ocidental.

48 As Sensações e as Emoções na Arquitectura


Capítulo I - O Processo Evolutivo entre a Arquitectura e o Meio

Platão concebeu os seus princípios numa harmonia correspondente ao


número inteiro, em que a aritmética cede o lugar à geometria, princípios que
viriam influenciar Euclides (330-275 a.C.), conhecido pelo pai da Geometria.
Aristóteles viria a conceber a metafísica crítica através da teoria das ideias
como método e instrumento do pensamento para o conhecimento, rejeitando
o movimento mecânico como forma de evidenciar o bem e a virtude.
Os ensinamentos de Platão e Aristóteles haviam ecoado, tendo influenciado
nos novos adventos que procuravam uma estética moderna e, no caso
concreto, o da Arquitectura pretendia-se que fosse mais cosmopolita, à
medida do império conquistado por Alexandre (365-323a.C.).
Associava-se de modo contrastante, a razão e o misticismo, numa espécie de
passado e futuro que se confundem, entre a barbárie e a nobreza de um
classicismo racionalista, despertando a Arquitectura helenística para novas
regras, quer no emprego de materiais como na policromia e na
monumentalidade. Rivalizando-a com um passado de envergadura
monumental, onde beneficiara da herança clássica, tais como as três ordens
canónicas da Grécia, a linearidade e os ângulos rectos, conceitos que
procuraram conservar.

1.1.2.7 A Roma Clássica


Roma atrai para a sua órbita política toda a zona mediterrânica adoptando a
cultura grega para o seu império, e foram sobretudo os ensinamentos de
Platão e em parte os de Aristoteles que fizeram com que os conhecimentos
13. Arco de Tito, dedicado à conquista de Jerusalém pelo helenísticos entrassem na vida intelectual romana até ao século I a.C..
imperador Tito Flávio, 67 d.C., fonte própria, 2005

As Sensações e as Emoções na Arquitectura 49


Capítulo I - O Processo Evolutivo entre a Arquitectura e o Meio

Enquanto a Civilização Grega se espalhava, na Península Itálica surgia a


Civilização Etrusca. Inspirados por tradições orientais, marcaram as bases do
nascimento da Arte Romana.
O vigor expressivo dos desenhos, a esquematização acentuada dos
elementos decorativos é exaltado, tanto na cerâmica como na pintura mural.
Os temas mais retratados são cenas de dança e animais fantasticamente
estilizados com grande poder inventivo.
Pelo século I d.C., os morais romanos de origem grega atingem o apogeu,
marcados por uma abundante produção e evolução técnica, comportando uma
decoração arquitectural de fantasia temática mitológica. A arte grega helenista
herda técnicas especiais de construção e uma interpretação das formas de
decoração reveladoras de um velho atavismo latino e etrusco. E esta
associação foi realizada pelos Romanos. A representação da figura humana,
no início da era cristã, comportava várias opiniões. Era pelos baixos-relevos e
pela decoração floral e abstracta dos capitéis das igrejas que a riqueza da
escultura era reconhecida. Mas as estátuas não eram bem aceites,
contrariamente à pintura.
Já na Arquitectura, enquanto os projectistas gregos trabalhavam dentro dos
conceitos tradicionais, impondo limites às suas experiências através de
conceitos determinados pela sua cultura arquitectónica, os romanos
consideravam essas regras exteriores e complementares sentindo-se, por
isso, mais livres, aceitando essas novas metodologias mas não as adoptando
em absoluto.
14. Templo de Antonino e Faustina, 141 d.C. Vestígios do Império
Romano, foi transformado na Igreja de San Lorenzo in Miranda no
séc. XI, Roma, Itália, fonte própria, 2005.

50 As Sensações e as Emoções na Arquitectura


Capítulo I - O Processo Evolutivo entre a Arquitectura e o Meio

As construções romanas caracterizaram-se primeiro pelo seu aspecto robusto,


com o emprego do arco e da abóbada, herdados dos etruscos que viviam no
norte de Itália e, depois, com a introdução das ordens dórica, jônica e coríntia
que correspondiam às colunas e porporções dos templos gregos.
Foi o caso do Coliseu de Roma, iniciado por Vespasiano em 68 d.C.,
inaugurado pelo seu filho Tito em 81 d.C., ampliado e concluído pelo seu irmão
mais novo Domiciano em 96 d.C. Representava a força e todo o poder austero
da civilização Romana e é um dos melhores exemplos de Engenharia e de
15. Coliseu de Roma, 96 dC., fonte própria, 2005
Arquitetura Romana.
O coliseu de Roma apresenta uma planta elíptica e foi construído em mármore
travertino, ladrilho e tufo e é composto por arcadas com o emprego de colunas
dóricas, jónicas e coríntias, que diferenciam o nível do pavimento.
Considerando apenas como simples instrumentos, como foram os casos da
adaptação das colunas e dos entablamentos aos seus edifícios, os romanos
deram grande importância ao espaço interior manifestando-se de maneira
grandiosa em muitos monumentos do império
Como afirma Bruno Zevi, os romanos não tinham o sensível requinte dos
escultores-arquitectos gregos, mas tinham o gênio dos construtores-
arquitectos, que é no fundo o importante para a Arquitectura. Zevi, 2009, 67
Vitrúvio (século I a.C.), filósofo, teórico e historiador de arte, que viveu no
século I a.C., foi engenheiro militar romano ao serviço do Imperador Júlio
César (100-44 a.C.) e na sua reforma deixou como legado o tratado "De
Architectura", oferecido ao Imperador Augusto (63-14 d.C.), com dez volumes.
16. Vista interior do coliseu de Roma, 96 dC., fonte própria, 2005

As Sensações e as Emoções na Arquitectura 51


Capítulo I - O Processo Evolutivo entre a Arquitectura e o Meio

No momento em que a prática construtiva romana se ia destacando em


relação à grega, no seu tratado pode expôr ideias, resultante de uma visão e
preocupação política próprias da formação militar, bem caracterizadoras da
sua personalidade.
O tratado de Arquitectura surge com a chegada dos conhecimentos
helenísticos, coíncidindo com o fim da República em Roma. Era constituído
por dez livros, aludindo ao número ideal pitagórico e tornara-se o único tratado
europeu do período greco-romano, que serviria de inspiração a diversos textos
sobre Hidráulica, Engenharia, Arquitetura e Urbanismo ao longo dos anos,
desde o Renascimento.

“Segundo Vitrúvio, a arquitectura nasce da fábrica e da ratiocinatio


(1,1,1). A primeira consiste na experiência que o arquitecto vai
adquirindo com o acto de construir. A segunda é a teoria que se
vai constituindo como resultado da prática. Fundamenta estas
afirmações com um raciocínio que nos espanta, pois antecipa em
dois mil anos um modelo operatório de análise, que hoje é
fundamental na epistomologia das várias ciências: a interacção
entre o significado e significante.” Maciel, 2006,18

Vitrúvio, trata nos seus primeiros sete livros os problemas relacionados com o
aedificatio, apresentando conceitos de Arquitectura ligados à economia social
e política, à importância que a obra tinha como testemunho histórico e
manifestação artística representativa da vida e do homem.

52 As Sensações e as Emoções na Arquitectura


Capítulo I - O Processo Evolutivo entre a Arquitectura e o Meio

Falou na importância dos materiais e técnicas da sua utilização, das tipologias


gregas, da Arquitectura pública e sublinhou a importância da experiência do
Arquitecto aliado ao saber e aos valores da honestidade, resultado da sua
preocupação ciêntifica e deontológica. Nos restantes três livros, aproveitando
os conhecimentos que retirara da sua vida militar, tratou as questões
relacionadas com a hidráulica, gnomónica e mecânica.
Assim, os romanos que foram contagiados pela cultura grega, adoptando os
princípios da Arquitectura helenística, sobretudo na decoração dos edifícios
com a influência da técnica que tinham recebido dos Etruscos e a
monumentalidade dos orientais, enriqueceriam o seu espólio artistico e
pasaríam por sua vez também a contagiar a todo o império.
Como se constatara nas obras de Apolodoro de Damasco (65-125 d.C.), um
dos arquitectos mais representativos do Império romano desde Trajano (53-
117 d.C.) ao início do governo de Imperador Adriano (76-138 d.C.), que se
demarcaria pelo seu estilo, reconhecidamente influênciado pela Arquitectura
grega e oriental, pela forma como as fundia.

17. Coluna de Trajano, Apolodoro de Damasco, 113 dC, fonte própria, 2005

As Sensações e as Emoções na Arquitectura 53


Capítulo I - O Processo Evolutivo entre a Arquitectura e o Meio

1.1.2.8 O ciclo de contágio da Idade Antiga – Da Emoção à Razão

18. O gráfico pretende representar a existência de um contágio no ciclo na Idade Antiga – Da Emoção à Razão, através do
mundo das sensações e das emoções, entre o meio e o sujeito, entre a expressão e a comunicação.

54 As Sensações e as Emoções na Arquitectura


Capítulo I - O Processo Evolutivo entre a Arquitectura e o Meio

1.1.3
A ERA DA
RAZÃO
As Sensações e as Emoções na Arquitectura 55
Capítulo I - O Processo Evolutivo entre a Arquitectura e o Meio

56 As Sensações e as Emoções na Arquitectura


Capítulo I - O Processo Evolutivo entre a Arquitectura e o Meio

1.1.3 A Idade Média. A Era da Razão

A Idade Média, período intermédio da divisão clássica da história ocidental


essencialmente marcado pela história da Europa o século V, com as invasões
bárbaras sobre o Império Romano do Ocidente até ao século XV. Caracteriza-
se pelo enfraquecimento comercial e com o declínio da cultura pagã clássica
até ao Renascimento. Os pensadores judaicos, cristãos e muçulmanos
preocuparam-se em conjugar a Filosofia grega e romana com a ortodoxia
religiosa.

1.1.3.1 O Cristianismo
O Cristianismo, proíbido em Roma durante cerca de 300 anos, desde os
tempos de César Augusto (63-14 d.C.), acabou por ser integrado como religião
legal com Constantino (272-337 d.C.) em 330 d.C..
As primeiras manifestações do Cristianismo em Roma deram-se de uma forma
secreta e muito tímida, através da construção da Arquitectura Paleocristã no
final do século III até ao século VI, primeiro com as catacumbas e cemitérios
e só mais tarde com as basílicas. Teve origem no mediterrâneo Oriental e
expandiu rapidamente a sua influência no mundo, tornando-se no século IV a
religião dominante do Império Romano durante a Idade Média. Cristianizando
a maior parte da Europa, uma pequena minoria no oriente médio, norte de
África e algumas partes da Índia.

As Sensações e as Emoções na Arquitectura 57


Capítulo I - O Processo Evolutivo entre a Arquitectura e o Meio

.O Cristianismo é uma religião centrada na vida e na fé cristã, onde toda a


essência assenta em Jesus Cristo, Filho de Deus e Salvador.

“Na verdade foi a filosofia cristã (Filon, Plotino, Paulo, etc.), a


Escolástica e mais especificamente a Teologia Católica (Tertuliano,
etc.) que acabaram por hipostasiar o termo «Pessoa».
Este destaque não diz respeito a todo o «corpus» lógico-filosófico do
saber teológico, mas ao grande Mistério da divindade: a «Santíssima
Trindade». É neste âmbito que a verdadeira identidade-unidade da
Pessoa se vai impor na fórmula «três em um». Três Pessoas numa só:
Pai, Filho e Espírito Santo.” Martinho, 2010, 33

O Cristianismo viria a adoptar a junção dos princípios arquitectónicos gregos e


romanos não porque contemplassem a autonomia grega ou a cenografia
romana, mas porque encontraram na sua união a forma perfeita representativa
dos seus ideais. Aliava a escala humana dos gregos à consciência do espaço
interior romano, aceitando a escala humana na relação que os gregos
estabeleciam entre a coluna e a estatura do homem, glorificando esse carácter
através dos princípios da humanidade do Cristianismo, desencadeando assim
a revolução do espaço latino.
Mais tarde, a Filosofia de Santo Agostinho (354-430 d.C), tornar-se-ía
fundamental na relação entre a fé cristã e o estudo da natureza, reconhecendo
a importância do conhecimento, mas defendendo a fé em Cristo, como sendo
mais importante no restauro da condição da razão humana.

58 As Sensações e as Emoções na Arquitectura


Capítulo I - O Processo Evolutivo entre a Arquitectura e o Meio

Santo Agostinho viria a ser decisivo para a entrada do pensamento grego no


Cristianismo e, posteriormente, pelo contágio que o seu discurso exerceu na
tradição intelectual europeia ao ser retomado ao longo da história da Filosofia
pelas mais diversas correntes. Santo Agostinho, nasceu na idade média no
norte de África, na cidade de Tegaste, na época uma província romana, hoje
Argélia. Foi Escritor,Teólogo, Filósofo e uma das figuras intelectuais mais
importantes do desenvolvimento do Cristianismo no Ocidente.
Após ter leccionado Retórica, parte para Roma e depois para Milão.
Decepcionado com o maniqueismo e com o cepticismo da nova Academia,
descobre Plotino nos sermões neplatónicos de Ambrósio, bispo de Milão.
Muito devido a Simpliciano, o padre que ordenara Ambrósio, convertera-se ao
Cristianismo regressando ao Norte de áfrica em 391 para uma vida de celibato
vindo a ser o Bispo de Hipona anos mais tarde, criando uma comunidade de
discípulos, falecendo aos 75 anos.
Santo Agostinho absorvera das obras de Platão e de Plotino os princípios de
um mundo imaterial de formas e de um bem que estavam na origem dum
criador espiritual como a causa de todas as coisas, onde só Deus é real.

“Contrariamente à filosofia grega, a evolução do indíviduo é uma das


questões mais importantes do pensamento cristão. O Cristianismo,
convertendo a salvação individual na única coisa em jogo na existência,
põe a tónica na históricidade do eu. O eu existencial só pode pensar-
se no tempo e a vida terrestre é a dimensão temporal em que se opera
a conversão de que depende a salvação.” Baraquin e Laffite, 2000, 14

As Sensações e as Emoções na Arquitectura 59


Capítulo I - O Processo Evolutivo entre a Arquitectura e o Meio

Assim, mais tarde, a sua filosofia daria o suporte racional que o Cristianismo
necessitava com a substância doutrinária para orientar a educação,
preparando-a estratégicamente para os novos tempos, numa época em que a
cultura helenística havia entrado em decadência e o paganismo continuava
vivo na Europa e nas regiões vizinhas, encontrando assim a melhor forma de
demonstrar aos indecisos que a conversão ao Cristianismo não era
incompatível.
Santo Agostinho desenvolveu o conceito de igreja como a cidade espiritual de
Deus, influenciando determinantemente a visão do homem medieval e, assim,
contribuir também para as primeiras conquistas da Arquitectura cristã.

Na altura em que se assistia ao princípio da queda do Império Romano,


acentuado pela decadência das estruturas políticas, económicas e sociais,
coincidindo com o período filosófico menos activo e também menos
extrovertido, mas muito mais reflexivo, repercurtir-se-ía de diversas maneiras
na Arquitectura.
Através dos novos métodos construtivos que aligeiraram-se os encargos das
construções, proporcionando maior liberdade na concepção.
A reconstrução do Panteão de Roma viria a ser um dos primeiros exemplos
com a adopção de novas soluções técnicas construtivas como foi o caso da
construção da grande cúpula, tornaria-se mais tarde num passo decisivo para
a afirmação da actividade construtiva do Cristianismo.

19. Panteão de Roma, 118-128 d.C., Marco Agripa, fonte própria, 2005

60 As Sensações e as Emoções na Arquitectura


Capítulo I - O Processo Evolutivo entre a Arquitectura e o Meio

O Panteão que tinha sido construído em 27 a.C. pelo General do Império


Romano Marco Agripa (63-12 a.C) que mais tarde revelara competências para
a Arquietcura, foi destruído por um incêndio em 80 d.C., sendo totalmente
reconstruído em 125 d.C., no tempo de Adriano, pelo Arquitecto Apolodoro de
Damasco (60-130 d.C).

1.1.3.2 O Bizantino
Com a queda do Império Romano Ocidental ocorrido em 476 d.C., as atenções
viraram-se para Bizâncio, cidade da antiga Grécia, fundada em 600 a.C. pelo
rei Bizas, hoje Istambul, foi conquistada em 330 d.C. pelo Imperador
Constantino e passaria a designar-se por Constantinopla.
Pertencente ao Império Romano Oriental, fora fortemente Cristianizada e
embora o Império se encontrasse em declíneo territorial durara mais de 1000
anos, muito graças à mudança do centro do Impêrio pela importância que
Constantinopla entretanto adquirira.
A Arquitectura cortesã e palaciana, associada ao ambiente cosmopolita da
cidade, devido à sua importância política dominante, era muito rica e com a
entrada dos romanos e agora com os novos protótipos da religião cristã dar-
se-ía aqui a oportunidade para os novos desenvolvimentos da Arquitectura
Romana.
Foram os construtores justinianos com os seus contributos baseados nas
experiências da antiguidade aliados a uma ideologia cristã, que se
desenvolveram novas técnicas construtivas arrojadas.

20. Cúpula do Panteão de Roma, fonte própria, 2005

As Sensações e as Emoções na Arquitectura 61


Capítulo I - O Processo Evolutivo entre a Arquitectura e o Meio

Surgiram novas formas e tipologias de cúpulas, dando-se uma viragem


ideológica, onde a existência cristã encontrou novos princípios esquemáticos,
com a introdução nos edifícios de um esquema central como forma de
afirmação representativa do ideal do Cristianismo, contudo absorvera
influências desse povo e do contágio deixado pela arte Oriental.
A cultura oriental serviria de modelo à cristiandade ao longo de toda a Alta
Idade Média.
A igreja de Santa Sofia construída pelo Imperador Justiniano em 532 d.C.
tornar-se-ía famosa pela sua imponente cúpula, que desafiara as leis da
natureza, ficando conhecida pelo ícone da Arquitectura bizantina, constituindo
um marco miliário histórico da Arquitectura.
Segundo Benevolo, a Igreja de Santa Sofia acenta no dualismo da
Arquitectura Bizantina relacionado com o contraste entre a imanência e
transcendência, entre o mundo sensível e mundo inteligível da cultura oriental
que, ainda que discutido do ponto de vista teológico e filosófico, surge na
arquitectura com perfeito equilíbrio. Benevolo, 2007, 87
Caracterizando-se por ser um organismo auto-suficiente salienta-se o
equilíbrio dos espaços interiores num espirito de calma contemplação,
reflectindo o período tardo-romano na insistência dos espaços fechados, não
se sentindo elementos de composição interna no exterior, afirma-se pela sua
unidade, de silhueta delicada, de forma independente.

21. Santa Sofia, Istambul, 532-537 d.C. fonte: imagem cedida por Manuel Serra, 2012.

62 As Sensações e as Emoções na Arquitectura


Capítulo I - O Processo Evolutivo entre a Arquitectura e o Meio

1.1.3.3 O Islamismo
Não podiamos passar do bizantismo para o românico sem referir a passagem
entre o século VIII para o século X. Tempos que serviram de preparação e
estiveram na origem da transição para a Arquitectura Românica, com a
negação gradual da concepção Bizantina. Muito pelo aparecimento do
Islamismo a partir do século VII.
Instituído por Maomé (570-632 dC.), com os ensinamentos do Corão, deu-se
início à expansão Muçulmana, vindo a derrubar o Império de Bizâncio e da
Pérsia, apoderando-se de muitos outros territórios como o Egipto e, mais
tarde, o Norte de África, Secília, Península Ibérica até ao Sul de França.
Assim, contagiaram esses territórios com os contributos das formas
arquitectónicas provenientes da civilização islâmica. Os árabes eram
sobretudo um povo nómada, dividido em várias tribos, residiam nos desertos
e estavam cercados pelos bizantinos a norte e pelos persas a este, e de uma
dessas tribos surgiu Maomé.
Maomé, mercador abastado e conhecido pelo confiável, numa viagem ao
deserto por volta dos quarenta anos transformar-se-ia radicalmente, com a
conexão que estabelecera com o divino, absorvendo a missão de entregar a
mensagem de Deus ao seu povo, criando um código de ética para os
muçulmanos onde todos deveriam submeter-se ao Corão. Diferentemente de
Jesus que é considerado a reencarnação da divindade, Maomé é visto como
um profeta, que dera origem ao Islamismo.
22. A Grande Mesquita de Samarra, 848-852, mandada construír pelo
califa al-Mutawakil, fonte: 131, Islão, Taschen, 2002

As Sensações e as Emoções na Arquitectura 63


Capítulo I - O Processo Evolutivo entre a Arquitectura e o Meio

O Islão que consistia na submissão e resignação a Deus, comprometendo-se


a obdecer à vontade de Deus, transformar-se-ia na segunda religião a seguir
ao Cristianismo, expandindo-se à India e à Indonésia, sendo hoje uma das
forças mais poderosas em todo o mundo.
A reconhecida capacidade de assimilação das outras culturas da sociedade
islâmica, como foram o caso das influências da cultura helénica, romana,
egípcia, bizantina, visigótica e berbere, foi uma das características
encontradas na Arquitectura Islâmica. A forma como absorveu, incorporou e
refundiu a tradição clássica, utilizando as diferentes técnicas inovadoras,
criações decorativas e arquitectónicas dessas regiões, contribuiram para o
desenvolvimento da própria Arquitectura, contagiando e inspirando por esse
mundo fora.
A Arquitectura Islâmica desempenhou assim, um papel central como a forma
de servir as necessidades da religião e a vida sócio-económica, surgindo
vários edifícios com fins religiosos como mesquitas e santuários e, ainda dos
palácios, que se demarcariam pela beleza e originalidade das colunas, dos
arcos e das cúpulas, começando pelo Norte de África, Ásia até à Europa.
Foi o caso da mesquita maior Al-Moharrem, do Arquitecto Ahmad sso
(séculoXII), mandada construir pelo califa Almóade Abu Yaqub em 1172, onde
se viria a instalar mais tarde, no período renascentista, a catedral de Sevilha,
uma das maiores do mundo e que hoje narra a história de uns dos melhores
exemplos entre a fusão dos estilos islâmico, românico, gótico e renascentista.

23. Portada Islamica com o seu característico arco cego, Catedral de


Sevilha, Corresponde ao período Islâmico onde se instalou a antiga
mesquita fonte própria, 2012

64 As Sensações e as Emoções na Arquitectura


Capítulo I - O Processo Evolutivo entre a Arquitectura e o Meio

Os muçulmanos tinham realmente conquistado extensos territórios e a difusão


da cultura islâmica deu-se com a prioridade da construção de mesquitas,
inspiradas na casa do profeta Maomé, como foi o grande impacto que se
verificou a partir do sul de Espanha, tendo-se desenvolvdo por muitos anos e,
mais tarde, estado na origem da arte mudéjar.
A arte mudéjar que se desenvolvera entre os séculos XII e XV, com a
reconsquista cristã dos territórios, representou uma reacção ao período
islâmico peninsular que se tentou afirmar contra os estilos europeus sem
entrar em ruptura que recebera do estilo e das técnicas da Arqitecura Islâmica.
O dominio Islâmico marcou tão profundamente a cultura espanhola que a
transição mais tarde exercida pelos cristãos, percebendo o peso da sua
herança, inteligentemente, não quiseram retirar a sua importância,
transformando a arte médujar num caso único de reencorporação das duas
religiões.
A arte mudéjar foi um fenómeno exclusivamente ibérico que se viria
caracterizar essencialmente, pela incorporação das influências de elementos
cristãos e muçulmanos, que apesar de apresentar alguma diferenças de
região para região viria acabar também por irradiar e contagiar as colónias
espanholas do continente americano.
Caracterizou-se, fundamentalmente, pela forte componente decorativa e a
utilização do tijolo, face à qualidade e baixo preço dos mestres de origem
muçulmana, onde adoptar-se-iam elementos construtivos cristãos e
muçulmanos. Originando-se assim, o movimento mais representativo da Ar-

24. Catedral de Sevilha, minarete quadrado Cairuão, torre da


Giralda período Islâmico, fonte própria, 2012

As Sensações e as Emoções na Arquitectura 65


Capítulo I - O Processo Evolutivo entre a Arquitectura e o Meio

quitectura medieval espanhola com o seu foco mais importante na zona da


Andaluzia, com a construção de palácios, igrejas, sinagogas e mesquitas,
numa fusão representativa de um período de convivência e transição entre as
sensações de espiritualidade muçulmana e cristã.

1.1.3.4 O Românico
Com a queda do Império Romano, 476 d.C., a igreja Cristã que ocupara o
vazio social e político deixado por esse grande império, viria pelas mãos do
papa Gregório VII (1020-1085 d.C.), a reforçar a crença dos fiéis através da
representação de episódios Bíblicos, forçando o desenvolvimento da arte
europeia, na tentativa de afirmar o poder do papado sobre todos os poderes,
empreendendo um movimento de regulação que visava alargar o seu contágio
a toda a Europa Central. Assim, a Arquitectura Românica que surgiu na
europa no século X, esteve directamente relacionada com a problemática da
Alta Idade Média, resultando da reforma gregoriana, onde a arte se colocaria 25. Monte de Saint Michel, séc. XI, França, fonte própria, 2014

ao serviço de um ideal unificador dos territórios cristãos.

“Como para o cristão toda a criação muda de súbito o seu aspecto, por
ser justamente criado por Deus, não existindo por si só; como todos os
valores terrenos se transformam porque, de absolutos, passam a
relativos, o ambiente natural a artificial que rodeia o homem apresenta-
se assim como um todo contínuo, onde cada forma é parecível e todas
as formas estão unidas entre si e com o homem, que as compreende e
modifica.” Benevolo, 2007, 91
26. Igreja Românica de Rates, séc. XVI, Póvoa de Varzim, Portugal, fonte própria,2015

66 As Sensações e as Emoções na Arquitectura


Capítulo I - O Processo Evolutivo entre a Arquitectura e o Meio

Estamos perante um período de uma grande variedade de experiências,


motivadas pelo cristão persuadido pela questão que o sistema unitário
depende da acção criadora que o sustenta, com vista à prosperidade material
e renovação espiritual, não se reconhecendo limite para a sua liberdade de
intervenção, o que viria a acontecer um pouco por toda a Europa.
A concepção foi-se tornando mais difícil, fazendo repensar todo o mundo da
Arquitectura. Mas apesar das crenças romanas terem sido abandonadas,
outros aspectos do passado clássico foram revividos, como o realismo, não
27. Mosteiro de Santa Eulália de Arnoso, séc. XVII, V. N. de Famalicão, sendo esse, no entanto, o objectivo dos artistas medievais, que preferiam
fonte própria, 2012
imagens simbólicas, representativas das intemporais verdades teológicas.
Surge assim o Românico como o primeiro grande estilo europeu, claramente
cristão, que começara paulatinamente a partir da Itália, França, Alemanha e
depois, assim que os monges de Cluny começaram a exercer a sua influência,
também na Península Ibérica.
Uma série de acontecimentos de ordem económico-cultural e crescimento
demográfico determinaram o aumento exponêncial de construções, que
contribuiram e possibilitaram a renovação e a expansão da cultura europeia
aproveitando a difusão do cristianismo e a reconquista da Península Ibérica.
O caminho medieval de peregrinação de S.Tiago que começara a ter cada vez
mais devotos, despertara grande interesse estratégico sobre a sua integração
nas normas do papado, estiveram na origem da romanização no sul da
europa.
Os Mosteiros construídos na época visigótica em estilo românico, que se
caracterizaram por construções formadas pela nave e os arcos em meio ponto
28. Portal de tímpano vazado do Mosteiro de Santa Eulália de Arnoso,
séc. XVII, V. N. de Famalicão, fonte própria, 2012

As Sensações e as Emoções na Arquitectura 67


Capítulo I - O Processo Evolutivo entre a Arquitectura e o Meio

adossados às paredes laterais e a capela-mor coberta por abóbada cilíndrica


foram exemplo disso mesmo.
A Arquitectura Românica caracterizou-se sobretudo pela sua
monumentalidade austera e robusta, utilizando abódabas de pedra, pilares
maciços, paredes grossas impenetráveis e janelas minúsculas, que tinham
como objecitivo principal oferecer protecção aos ataques dos exercitos
inimigos.
Se por um lado se assistiam a sucessivas experiências da Arquitectura cristã,
um pouco por toda a Europa, por outro, depois de um período da Filosofia
voltado para a resignação, a intuição e a revelação divina, a Idade Média cristã
chegou a um ponto de tensão ideológica que levou à inversão quase total 29. Catedral Saint Maurice, séc.XI-XVI, Angers,
França, transição do Românico para o Gótico, fonte
desses princípios. No século XIII, surge São Tomás de Aquino (1225-1274 própria, 2014

d.C), Filósofo italiano e Teólogo dominicano, que, influenciado pelo


pensamento de Santo Agostinho, sintetizou o cristianismo com a sua visão
mais aristotélica do mundo, tornando-se o principal representante da
Escolástica, deixando a base filosófica para a Teologia.
Estavamos no período final da Idade Média e na transição de uma sociedade
agrária para um modo de produção numa sociedade mais orientada para as
cidades e a actividade comercial, os novos avanços tecnológicos
influênciariam a vida das pessoas em geral.
A Filosofia de Aristóteles respondia melhor aos novos tempos do que o
neoplatonismo. A partir daí a igreja passaria a ter, pela fusão entre a teologia
e a filosofia, uma síntese definitiva, numa orientação comum rumo a Deus,
pela fé e a razão. 30. Abadia dos homens, 1063, Caen, França,
exemplo da transição do Românico para o
Gótico, fonte própria, 2014.

68 As Sensações e as Emoções na Arquitectura


Capítulo I - O Processo Evolutivo entre a Arquitectura e o Meio

Não por se tratar de adotar princípios opostos a Santo Agostinho que se


inspirara no idealismo de Platão, mas para trazer para a Igreja uma visão que
não concebia um Deus criador nem a vida após a morte.

“Mas a teologia natural não substitui a teologia revelada: esta ensina-


nos muito mais sobre Deus do que a razão. A filosofia deve estar ao
serviço da teologia, ou seja, deve reconhecer-se uma hierarquia das
suas verdades respectivas, e as verdades da fé constituem uma
finalidade para a razão naquilo que esta tem de melhor.” Baraquin e Laffite,
2000, 375

Assim, a doutrina de São Tomás de Aquino defendia o equilíbrio entre razão


e fé dando origem ao Tomismo, como o princípio de exclusão e junção entre
as duas correntes. A realidade material era considerada a fonte primordial de
conhecimento científico, enquanto no ser humano havia uma alma única
intrinsecamente unida ao corpo.

“A essência determina a existência, tal como a forma determina a


matéria: o tomismo é um essencialismo – todas as coisas têm a sua
natureza predeterminada que devem seguir o melhor possível.”
Baraquin e Laffite, 2000, 376

São Tomás de Aquino defendia a existência de dois tipos de conhecimento: o


sensível, captado pelos sentidos e o intelectivo, dado pela razão. O primeiro
só conhece a realidade com o contacto directo e, o segundo, o alcance da
31. Catedral da Sé de Braga, Séc. XVI, Diogo Sousa, Braga, Portugal, exemplo da transição essência das coisas através da ciência.
do Românico para o Gótico, fonte própria, 2013

As Sensações e as Emoções na Arquitectura 69


Capítulo I - O Processo Evolutivo entre a Arquitectura e o Meio

Formulara, ainda, uma terceira teoria sobre a existência de três almas: a alma
vital, a alma vegetativa e a alma racional, em que as duas primeiras seriam as
responsáveis pela busca do que é belo e tentador, evitando o que era feio e
mau, resultando daqui o processo do desejo e aversão, e, à alma racional,
caberia a função de agir de acordo ou não com a emoção provocada.
No período em que a Arquitectura Românica já tinha amadurecido e que o
Tomismo apelava à necessidade do equilibrio entre o mundo sensível dado
pelos sentidos e o intelectivo dado pela razão. A Arquitectura Cristã começou
a configurar paulatinamente estes conceitos, dando-se a tansição do
Românico para o gótico, com a valorização da luz nas Catedrais.

1.1.3.5 O Gótico 32. Abadia de Saint-Denis, 1140-1345, 33. Catedral de Notre-Dame, 1163-1345
Paris, fonte própria, 2013. Paris,fonte própria, 2013.
O segundo momento da histórica artística medieval dar-se-ia, portanto, com o
aparecimento do gótico em França, que constituíria o amadurecimento
resultante da contribuição Românica, apontando para o estatuto unitário
desejado na cultura arquitectónica europeia. Como de resto, aconteceria com
a Escolática a partir do século XI, chegando a todos os países europeus até à
primeira metade do século XI. O Gótico tornar-se-ía um instrumento poderoso
no seio da sociedade, passando a ter uma nova abordagem no que diz
respeito às sensações de espiritualidade na sua verdadeira escensão.
Os primeiros grandes contributos para que se desse a transição aconteceram
com a construção da Abadia de Saint Denis em Paris em 1140, com a
introdução de elementos que se tornariam característicos da Arquitectura
Gótica, tais como o arco quebrado e o arcobotante. 34. Interior da Abadia de Saint-Denis, 1140- 35. Catedral de Santo Estevão, 1147,
1345, Paris, fonte própria, 2013. Viena, Austria, fonte própria, 2009

70 As Sensações e as Emoções na Arquitectura


Capítulo I - O Processo Evolutivo entre a Arquitectura e o Meio

Acredita-se que alguns desses elementos tiveram origem no arco quebrado


da Arquitectura Islâmica primitiva. A coerência como foram utilizados este
conjunto de elementos diferentes constituíriam uma inovação inédita para a
Arquitectura. O arco quebrado possibilitaria a elevação estrutural dos
elementos construtivos permitindo a elevação das aberturas e do espaço
interior, numa clara tentativa de elevar as sensações espaciais.
O Gótico, nome que terá sido dado mais tarde por Geogio Vasari nos seus
tratados para definir o período que antecedeu o Renascimento, sobre o ponto
de vista construtivo dá continuidade ao Românico. A Arquitectura torna-se
mais leve, substiuíndo a robustez e o aspecto maciço, ligado à terra do
Românico, por uma aparente tentativa de negar as forças da gravidade
36. Notre-Dame, Paris, fonte própria, 2013. 37. Catedral de Rouen, 1145-1506,
França, fonte própria, 2014 através da redução da espessura das paredes que se interligam no esqueleto
estrutural, que pela sua delicadeza e elegância apontava na direcção dos
céus.
A Catedral Notre-Dame de Paris por ser uma das primeiras catedrais mais
representativas deste período, apesar de poder-se ainda sentir uma maior
proximidade com a Arquitectura Românica pela sua robustez, viria a
representar o marco mais importante no inicio do gótico, respondedo ás mais
altas aspirações daquilo que a igreja e alta sociedade pretendiam.
Neste período, por muito que os construtores cristãos tentassem evitar
associar os problemas da arquitectura às teorias absolutas, por a
considerarem uma actividade de projecto com inúmeras possibilidades de
ordem empírica, podemos sentir ao longo desse tempo também a importância
que a evolução do pensamento teve na arquitectura ao longo da Idade Média.
38. Catedral de Bayeuux, Séc. XI- 39. Catedral de Chartres, 1194-1220
XV, França, fonte própria, 2014 França, fonte própria, 2014

As Sensações e as Emoções na Arquitectura 71


Capítulo I - O Processo Evolutivo entre a Arquitectura e o Meio

O conceito espacial gótico parece pela primeira vez entrar em polêmica com
a escala humana da história eclesiástica cristã pela introdução de um novo
estado de espírito de desequilíbrio e atingira maiores proporções no Gótico
italiano e inglês com as suas diferenciações e contrastes entre as várias
escolas.
Surgia portanto, um novo significado relativamente à escala humana, que
demarcar-se-ia da Arquitectura Românica, não apenas no que diz respeito às
proporções entre o edifício e o homem, mas de ordem causa-efeito, pela
introdução de sensações de desequilíbrio relativamente ao estado de espírito
e afecto do utilizador, relacionada com a dialéctica entre o poder temporal e
espiritual.
A Filosofia Escolástica viria a encontrar neste método dialéctico a forma de 40. Catedral de Milão, Milão, 1386-1813, fonte própria, 1995
desenvolvimento do conhecimento que provassse a verdade da revelação
divina, onde ao Arquitectura Gótica se tornaria o reflexo do pensamento
teológico e filosófico medieval dominante.
O Gótico prolongar-se-ia mais tarde por toda a França, tendo sido depois
exportado pelos construtores e artesãos de forma contagiante, com a
construção de numerosos edifícios religiosos, militares e civis por toda a
Europa, tornando-se a pouco a pouco cada vez mais belo e mais
sensacionalista, como foi o caso do Mosteiro e Santa Maria Vitória em
Portugal, num Gótico tardio com o estilo Manuelino, este exclusivamente
português. Mais tarde voltaria assistir-se por todo o lado variadas reproduções
que se deram através do neo-gótico primeiro no período maneirista como foi
o caso da Catedral de Milão e depois no período historicista. 41. Catedral de São Vito, 1344 Praga, 42. Abadia de Westminster, Londres,
República Checa, fonte própria, 2006 Inglaterra, fonte própria, 2011

72 As Sensações e as Emoções na Arquitectura


Capítulo I - O Processo Evolutivo entre a Arquitectura e o Meio

43. Palácio Ducal, Veneza, Gótico veneziano, 1309-1424, imagem cedida por Marco Silva 44. Mosteiro da Batalha, 1386-1517, A. Domingues, Portugal, fonte própria, 2010

45.Palácio da Justiça de Rouen, 1499, Gótico tardio, Rouen, França, fonte própria, 2011 46. Catedral de Orleães, 1601-1829, 47.Interior da basílica do M.Jerónimos, 1502,
França, fonte própria, 2011 estilo Manuelino, J. Castilho e D. Boitaca,
Lisboa, Portugal, fonte própria, 2011

As Sensações e as Emoções na Arquitectura 73


Capítulo I - O Processo Evolutivo entre a Arquitectura e o Meio

1.1.3.6 O ciclo de contágio da Idade Média – A Era da Razão

48. O gráfico pretende representar a existência de um ciclo de contágio na Idade Média – A Era da Razão, que se deu
através do mundo das sensações e das emoções, entre o meio e o sujeito, entre a expressão e a comunicação.

74 As Sensações e as Emoções na Arquitectura


Capítulo I - O Processo Evolutivo entre a Arquitectura e o Meio

1.1.4
DA RAZÃO À
EMOÇÃO
As Sensações e as Emoções na Arquitectura 75
Capítulo I - O Processo Evolutivo entre a Arquitectura e o Meio

76 As Sensações e as Emoções na Arquitectura


Capítulo I - O Processo Evolutivo entre a Arquitectura e o Meio

1.1.4 A Idade Moderna. Da Era da Razão à Emoção


A Idade Moderna, período específico de transição da história ocidental,
considerada uma época de “revolução social”, com o gótico que se estendera
até 1500, encerraria um capítulo da história da arte, estando na origem do
Renascimento intelectual e artístico onde se realizaram grandes descobertas
e se atingiu o expoente da Razão. Pode considerar-se um período de grande
inovação pela forma como emergiu uma nova geração de pensadores que
puseram em causa os conceitos medievais da ordem do universo e da
sociedade dentro de um processo que nos levara ao triunfo da Emoção com
o Romantismo e o Historicismo.

1.1.4.1 O Renascimento

Assim, a Arquitectura do Renascimento voltar-se-ia para a antiguidade por


encontrar, nos elementos da linguagem antiga, razões casuísticas entre as
ordens e as estruturas da construção, não se tratando propriamente o
problema de se recuperar um estilo pela imitação, mas pela recuperação de
uma corrente de pensamento e o seu modo de ver o mundo.
Com o aparecimento de um novo Humanismo em Itália nascia um novo
espírito de descoberta através das ciências, recuperando a dissertação sobre
a história e a teoria da construção de Vitrúbio na Arquitectura através do
tratado de Alberti, resultando numa sintonia com a Pintura e a Escultura numa
espécie de fusão das artes com as humanidades, como a Filosofia, a Retórica
e a Poesia.
49. Sepultura de Leon Battista Alberti, Igreja da Santa
Cruz, Florença, fonte própria, 2015

As Sensações e as Emoções na Arquitectura 77


Capítulo I - O Processo Evolutivo entre a Arquitectura e o Meio

“Os artistas de Florença constituíam uma comunidade viva e


actuante, capaz de gerar o debate apaixonado sobre os temas
da poesia e da ciência, como das técnicas de representação ou
teoria da proporção e ritmo para a beleza das suas proporções.”
Tavares, 2004, 164

Surgiam assim os novos Humanistas. Defendiam que as ciências naturais


deviam abstrair-se dos dogmas e dos problemas da natureza,
fundamentando-se nos problemas do intelecto e da experiência racional,
dando origem ao final da unidade, até aí vigente, entre a fé e o conhecimento,
libertando-se de certa forma da igreja, abrindo o caminho para a laicização da
vida.
Alberti (1404-1472) viria a desempenhar um papel crucial no que diz respeito
às questões humanistas servindo a Igreja, a Arquitectura, a Poesia, a Filosofia
e as Artes com o seu Tratado de Arquitectura De Re Aedificatori, lançando as
bases para a constituição de um novo estilo. Leon Battista Alberti, Filósofo e
Teórico de arte, nasceu em Génova em 1404. Personificou o ideal
renascentista do «uomo universale», num Humanismo capaz em vários
campos de actividade. Pertencente a uma família de grandes mercadores e
banqueiros de Florença, estudou Direito canônico na Universidade de
Bolonha. Foi marcado pelo falecimento de seu pai e por algumas ocorrências
dramáticas que aconteceram na sua vida. Orfão, sem dinheiro, sentiu-se
desapoiado pela família, num sentimento de isolamento tal, que via o seu
futuro ameaçado numa universidade de elite.
50. Igreja Santa Maria Novella, Leon Battista Alberti, Florença,
fonte própria, 2015

78 As Sensações e as Emoções na Arquitectura


Capítulo I - O Processo Evolutivo entre a Arquitectura e o Meio

Contudo, o seu instinto de sobrevivênvia persistente, motivado pela força da


necessidade, faria dele um homem revigorado conseguindo apesar de todas
as dificuldades ultrapassar os obstáculos e obter a sua formatura em direito
canônico, retirando da aprendizagem da literatura greco-romana valores
essências que o levaram a reflectir sobre as questões do homem.
Aproveitando a mudança do panorama político em Florença, deu-se a feliz
coincidência, de vir a ser designado prior numa das diocéses dos arredores
de Florença, beneficiando dos previlégios eclisiásticos vitalícios. As suas
condições económicas melhorariam significativamente. Foi o tempo em que
os interesses de Alberti se viraram para a ciência e para a arte, escrevendo
sobre Geometria e Matemática e dedicando-se aos estudos da Física óptica e
das proporções da Geometria Euclidiana.
Em 1432 viria a ser designado secretário do cardeal chefe da cúria pontíficia
em Roma e, dois anos depois, devido aos seus conhecimentos da
jurisprudência, passou a pertencer à corte do Papa Eugénio IV (1383-1447).
Neste período escreveu a sua primeira obra literária humanista.

“Mas é um trabalho de interpretação sociológica com sentido


rigorosamente científico, colocando a questão da organização familiar
como base da estruturação da sociedade urbana e senhorial, tendo
como fundo o patriciado republicano da Roma antiga.” Tavares, 2004, 32

Alberti, muito pelo que passou e aprendeu ao longo do seu percurso,


demonstrara assim ser uma das primeiras personalidades da história, através
51. Palácio Rucellai, 1446-1451 Leon Battista Alberti, Florença, fonte própria, 2015

As Sensações e as Emoções na Arquitectura 79


Capítulo I - O Processo Evolutivo entre a Arquitectura e o Meio

das suas interpretações dos problemas relacionados com a influência entre o


meio, a vida social e a vida familiar, a retirar as consequências necessárias
para a formação dos seus conceitos acerca do comportamento colectivo na
procura do equilíbrio das relações humanas.
A aproximação às artes de Alberti aconteceria pela influência que a ambiência
artística da cidade exerceu na sua personalidade, estimulando tanto o seu
espírito criador como a consciência da importância que a Arquitectura,
Escultura e Pintura representavam na vida e no homem. Encontrara na
amizade que tinha com Filippo Brunelleschi (1377-1446) e Donato Donatello
(1386-1466), os interesses comuns necessários para que se desse, sobre
essa influência, um novo ciclo começando a pintar e um ano depois a escrever
os seus primeiros tratados artísticos. Primeiro o De pictura em 1435 e o De
52. Basílica de San Lourenzo, 1419-1460, Filippo Brunelleschi, Florença, fonte própria, 2015
statua por volta de 1440.
Segundo Bruno Zevi, o arquitecto Filippo Brunelleschi introduz uma visão
nova, uma reflexão matemática desenvolvida sobre a métrica Românica e
Gótica, buscando uma lei, uma disciplina contra a infinitude e dispersão Gótica
e a causalidade do Românico. A igreja de San Lourenzo que não se distinguira
muito de todas as razões construtivas de algumas igrejas românicas, verificar-
se-ia nela toda uma relação métrica espacial matemática onde se pode
observar em poucos segundos todo o espaço, de tal forma, que podemos
possuir facilmente a sua lei, reflectindo todo o intelectualismo e o humanismo
do século XV. Tratando-se, por isso, de uma inovação radical sob o ponto de
vista psicológico e espiritual, onde o edifício deixa de possuir o homem, que
aprendendo a lei simples do espaço, possui o segredo do edifício. Zevi 2009 p 97
53. Composição modular dos elementos da fachada do Palácio Pitti, 1458, Filippo Brunelleschi,
Florença, fonte própria, 2015

80 As Sensações e as Emoções na Arquitectura


Capítulo I - O Processo Evolutivo entre a Arquitectura e o Meio

Filippo Brunelleschi, que começara a sua vida como ourives e, mais tarde,
como Arquitecto e Escultor, entrou para a história da Arquitectura quando fora
escolhido em deterimento do seu rival de sempre Lorenzo Ghiberti (1378-
1455), para continuar a obra da autoria de Arnolfo di Cambio (1240-1310),
com a construção da cúpula da Catedral de Santa Maria del Fiori em Florença.
A Cúpula de Bruneleschi destacar-se-ía pelas suas dimensões, sobre uma
enorme base, que apesar de ser octogonal foi inspirada no modelo do Panteão
de Roma, tornando-se a primeira em estilo Renascentista.
Ficando aqui bem vincada a intencionalidade do Arquitecto em romper com o
Gótico tradicional conseguindo, no seu conjunto, sensações de uma harmonia
espacial de extrema inteligibilidade pela genialidade das suas proporções.
Por influência de Brunelleschi e Donatello, os tratados de Alberti viriam
54.Catedral Santa Maria del Fiori, 1296-1436, Arnoldo Di Cambio,
Francesco Talenti, com a cúpula de Brunelleschi, Florença, fonte representar os fundamentos teóricos, baseados na representação do ideal
própria, 2015
divino, na tentativa de aproximar o ser humano pela harmonia à ordem divina
da criação do Universo. Encontrou na geometria a forma da humanização do
espaço, permitindo que as leis da perspectiva interferissem nas entidades
visuais e garantindo que a beleza do rosto e dos membros ficassem
perfeitamente proporcionados.
Alberti afirmara que a pintura era a primeira das artes pois dispunha do
desenho como base da estruturação perfeita da forma projectada colocando-
se, a partir daqui, mais próximo da Arquitectura.
Sob influência de Vitrúvio, escreveria o seu último tratado artístico De re
aedificatoria, presenteando os seus 10 livros ao Papa Nicolas V (1397-1455)
em 1452, obra essa que teve como referência a arte da Antiguidade.
55.Cúpula da Capela Pazzi, integrada na Igreja da Santa Cruz,
Filippo Brunelleschi, Florença, fonte própria, 2015

As Sensações e as Emoções na Arquitectura 81


Capítulo I - O Processo Evolutivo entre a Arquitectura e o Meio

Baseando-se na música dos números e na harmonia das proporções,


concebeu o seu modelo de edifício como um todo, em perfeita sintonia com
todos os seus elementos. Ficou conhecido como o Tratado da teoria da
Arquitectura, depois de Vitrúvio, tentando pôr em prática, nos 20 anos
seguintes, através das suas experiênias arquitectónicas.
Enquanto Alerti foi conhecido pela forma como afectou as superfícies dos seus
edifícios, Brunelleschi ficaria conhecido pela mesma forma de matemática e
geometria da forma como afectou os espaços interiores, razão pela qual se
tornaram nos maiores representantes da Era da Razão que caracterizou o
Renascimento.
Os Arquitectos deste período passam a raciocinar e a fundamentar a sua obra
segundo métodos e processos humanos que aludem aos princípios do Templo
grego pelo equilíbrio e serenidade semelhantes.
O caso do Palácio Bartolini, entre muitos outros, que se seguiram em Florença
não sendo, por acaso, que Frank Lloyd Wright sempre se mostrou hostil em
relação à Arquitectura Renascentista.
Também neste período, Michelozzo Michelozzi (1396-1472), aprendiz de
Donatello, integrado no movimento dos produtores renascentistas, via o seu
talento inventivo e criador de formas simples, reconhecido pelos Medicis,
atingindo o seu ponto mais alto, enquanto Arquitecto, quando lhe fora dada
preferência, em deterimento do projecto de Brunelleschi, a construção do
Palácio Médicis. Esta obra assumiu-se como uma referência do paradigma da
Arquitectura do renascimento, que serviu de inspiração para muitos
Arquitectos. 56. Palácio de Medicis, 1444-1484,Michelozzo Michelozzi, Florença, fonte
própria, 2015

82 As Sensações e as Emoções na Arquitectura


Capítulo I - O Processo Evolutivo entre a Arquitectura e o Meio

Assistiu-se, portanto, durante o período da Renascença, a uma tentativa de


envolvimento intelectual envolta de uma Arquitectura mais voltada para os
espaços interiores, mais intelectiva e mais humanista, onde se acentuou o
maior controlo do homem pelo espaço arquitectónico, estreitando-se e
integrando-se a relação do pensamento, da matemática e da geometria, da
Arte e Poesia à criação.

“ …a grande conquista italiana do século XV é levar o mesmo


sentido que vive no templo grego para o campo dos espaços
interiores, e mais precisamente traduzir em termos de espaço a
métrica que no período românico e gótico forma eminentemente
planimétrica.” Zevi, 2009, 98
57.Basílica de São Pedro, Bramante, 1499, Roma, Itália, fonte própria, 2007

O Renascimento italiano prolongar-se-ia até ao século XVI através das mais


diversas obras de grandes génios que as enriqueceram pelos mais variados
motivos decorativos e volumétricos, onde se pode destacar Bramante não só
pela importância das suas obras mas também pela notável influência que
exerceu em artistas como Miguel Ângelo (1475-1564) e Rafael (1483-1520).
A Nova Basílica de S. Pedro, uma das maiores igrejas do Cristianismo,
inicialmente projectada por Bramante, em Roma em 1499, que recebera
posteriormente as contribuições de Rafael e Miguel Ângelo no início do século
XVI, culmina no eixo central da Praça de São Pedro, projectada mais tarde
por Gian Lorenzo Bernini (1598-1680), reflectindo a vontade de encenação
barroca e a sua relação urbanística entre a Arquitectura e o espaço livre.
58.Cúpula da Basílica de São Pedro, Miguel 59.Baldaquin, Gian Lorenzo Bernini, Roma,
Angelo, Roma, Italia, fonte própria, 2007 Italia, fonte própria, 2007

As Sensações e as Emoções na Arquitectura 83


Capítulo I - O Processo Evolutivo entre a Arquitectura e o Meio

60. Vista panorâmica do Vaticano, Roma, Itália, fonte própria, 2007

84 As Sensações e as Emoções na Arquitectura


Capítulo I - O Processo Evolutivo entre a Arquitectura e o Meio

Uma nova geração de Pensadores, Filósofos, Cientistas, Pintores, Escultores,


Arquitectos, motivados pela sedução de invenção e sede de conhecimento,
acelerariam a evolução da ciência e do pensamento do período
Renascentista.

Desde os tempos da navegação, com a investigação do movimento dos


astros, a partir do século XI, com os estudos rigorosos de medição e previsão,
que se foram relacionando as Leis da Matemática com as Leis da Geometria,
fornecendo os conhecimentos necessários para que aparecessem novos
conceitos. Muito pela ideia de universalidade da igreja romana, o
Renascimento italiano depressa contagiara todas as nações europeias, como
61. Praça de Vosges, antiga Praça Real, estilo renascentista francês tardio,
autor desconhecido, fonte própria, 2014
foi o caso da França, através de Francisco I, depois da França recuperar a
guerra com a Inglaterra.
O ainda jovem rei Francisco I (1494-1547) não esconderia a sua paixão pelo
estilo renascentista italiano e amiúde empreendeu uma espécie de renovação
cultural que promeveria a reformulação arquitectónica com os arquitectos da
corte a absorverem o maneirismo italiano, segundo os princípios da cultura
francesa, apesar de se sentir para além da arte renascentista, uma certa
influência do Gótico tardio.
Progressivamente se desenvolveu um certo maneirismo francês como foi o
caso do movimento de artistas que deram origem à escola de Fontainebleau,
os principais importadores da arte renascentista italiana, encerraria após o
reinado de Luis XIV (1638-1715) com um estilo renascentista tardio bem mais
classicista.
62.Château de Sceaux, estilo renascentista francês tardio, Claude e
Charls Perrault, Antoine Lepautre, André Le Nôtre, fonte própria, 2014

As Sensações e as Emoções na Arquitectura 85


Capítulo I - O Processo Evolutivo entre a Arquitectura e o Meio

63.Castelo de Chenonceaux, 1514-1522, Philibert Delorme França, fonte própria, 2014 64. Castelo de Chantilly,1358-1882, Honoré Daumet, André Le Nôtre,
França fonte própria, 2007

65. Castelo de Chambord, 1519-1547, julga~se ter sido Leonardo da Vinci o responsável pelo desenho inicial e 66. Palácio de Fontainebleau,na França, 1522-1540, fonte própria, 2014
segundo estudos de Domenico da Cartona, França, fonte própria, 2014

86 As Sensações e as Emoções na Arquitectura


Capítulo I - O Processo Evolutivo entre a Arquitectura e o Meio

Foi neste contexto que Leonardo da Vinci (1452-1519), possivelmente uma


das personalidades mais dotadas do Renascimento, pelos seus diversos
talentos e pelas suas significativas experiências, foi dos que mais contribuíra
para a reabilitação da matemática, onde a sua teorização voltada para as artes
baseada, em parte, sob pontos de vista holísticos da ciência, fizeram dele um
percursor dos modernos sistemas teóricos.

Não deixa de ser interessante constatar que foi a partir dos estudos
resultantes das suas preocupações anatómicas, através dos desenhos do
corpo humano, que Leonardo da VInci desenvolvera o seu interesse pela
Arquitectura, reconhecendo a dependência das proporções humanas, muito
provavelmente inspiradas pelos tratados de Vitrúvio e Alberti.

O ambiente altamente competitivo de Florença contribuíra para que o nível


artístico fosse elevado, instalando-se grande rivalidade entre os artistas, como
foi o caso de Leonardo da da Vinci, com a sua visão aristotélica valorizando a
investigação científica, ao contrário do ainda jovem Miguel Ângelo que pela
via das suas obras ligadas à subjectividade da Filosofia de Platão, muito
ligadas ao neoplatonismo da época, o levaria à glória em Roma,
independentemente da incomparável genialidade destes dois artistas.

Miguel Ângelo, que desenvolvera a sua carreira entre o Renascimento e o


Maneirismo viria a ser assim uma personalidade fundamental pela forma como
sintetizou a influência da Antiguidade clássica, do primeiro Renascimento dos
ideais do Humanismo e do Neoplatonismo.
67. David de Miguel Angelo, Florença,
fonte própria, 2015

As Sensações e as Emoções na Arquitectura 87


Capítulo I - O Processo Evolutivo entre a Arquitectura e o Meio

Muito embora, não pudesse abandonar os princípios quinhentistas enquanto


Arquitecto da «Minerva Medica», abriria o caminho ao espaço Barroco, muito
por um certo tipo de conflito pessoal e pela forma como se manifestara através
das suas obras com a necessidade de fragmentar e alargar, podendo-se sentir
a sua vontade de transmitir e romper com a espacialidade estática
institucionalizada dando, por isso, início à libertação espacial.

1.1.4.2 O Barroco
O Barroco surge no período da Contra-Reforma iniciada pelo Teólogo
germânico Martinho Lutero (1483-1546), figura central da Reforma
Protestante, que se levantou contra os dogmas do catolicismo romano. Depois
de todas as conhecidas dificuldades de aceitação, viria a ser introduzida pela
igreja católica mais tarde após o Concílio de Trento em 1545, pela
necessidade de se renovar, devido ao avanço das igrejas protestantes,
promovendo assim, novas ordens religiosas e uma nova estética que a
aproximasse ao novo mundo. Depois do Gótico pela introdução de um novo
estado de espírito dinâmico de desequilíbrio com a elevação das sensações
espaciais mas que não passou das directrizes bidimensionais, a passar pelo
Renascimento com a tentativa de aproximar o ser humano, pela via das leis
geométricas, que fomulariam a ideia de harmonia à ordem divina da criação
do Universo como forma de humanização do espaço, dar-se-ía o segundo
momento da passagem da Era da Razão à Emoção com o dinamismo do
Barroco e toda a experiência plástica e volumétrica em movimento.

68. Igreja Sant’Andrea, 1590-1650, Giacomo della Porta e Carlo Rainaldi,


Roma Itália, fonte própria, 2007

88 As Sensações e as Emoções na Arquitectura


Capítulo I - O Processo Evolutivo entre a Arquitectura e o Meio

Segundo Bruno Zevi, o Barroco dá assim início à libertação mental, assumindo


um significado psicológico que transcende a Arquitectura dos séculos XVII e
XVIII, para um estado de espírito de liberdade originado pela necessidade de
romper com os preconceitos intelectuais e formais instalados com a crise de
solidez estática do espaço fechado de Roma, acabando com as regras
tratadistas, a geometria elementar e da estaticidade, à libertação da simetria
e da antítese entre os espaços interior e exterior. Zevi 2009, p114.
O Barroco libertou uma multiplicidade de possibilidades arquitectónicas
proporcionando, a muitos arquitectos seguidores, grande fantasia nas suas
obras, destacando-se as paredes de formas onduladas e decoradas, fachadas
de formas côncava e convexa e portas coroadas com frontões triangulares ou
curvos, proporcionando todo um movimento e toda uma nova situação na
formação de sensações, em volta dum espaço elíptico, definitivamente
antieuclidiano.
A transição entre a crise instalada pelas produções do Barroco face ao
Renascimento, após as transformações da primeira metade do século XVI, foi
denominada como o período do Maneirismo caracterizando-se pelo seu
carácter dualista arquitectónico, entre o classicismo de Bramante e o estilo
Barroco.
Numa altura em que o Barroco atingira a sua magnificência e seu modelo
perfeito, passou a ser referência para os futuros Arquitectos considerando-se,
por isso, um período de negação da espontaneidade individual por se
basearem na imitação dos grandes mestres, que aconteceu mais ou menos
entre a morte de Miguel Angelo e a aparição de Bernini.
69. Catedral de San Pietro, 1592, 70. Interior da Catedral de San Pietro,
Bolonha, fonte própria, 2007 1592 Bolonha, fonte própria, 2007

As Sensações e as Emoções na Arquitectura 89


Capítulo I - O Processo Evolutivo entre a Arquitectura e o Meio

A Igreja de Santa Maria Maggiore em Roma, que passou por um longo


processo de transformação desde a torre romana do tempo do Papa Livório,
352-366, pela reedificação paleo-cristã do tempo de Papa Sisto III, 432-440 e
a remodelação do tecto ao estilo renascentista, terminaria o seu longo
processo de construção e reconstrução com a remodelação de ordem plástica
da fachada ao estilo Barroco, reconfigurando a riquíssima mescla de estilos
que reproduz bem o que a basílica representou na sua existência histórica.
Contudo, o entendimento do Barroco não se circunscreve apenas a estes
aspectos de ordem plástica arquitectónica e libertação do conformismo
classicista pela coragem, fantasia e efeitos cenográficos. Significou,
principalmente, entender o espaço, o movimento e as suas interpenetrações
que nada tem em comum com o dinamismo e bidimensionalidade do Gótico.
Podemos dizer que o Barroco, teve no passado como tem hoje, todo um
significado psicológico pleno de intencionalidade, pela forma como criou e cria 71. Igreja Santa Maria Maggiore, séc.V-XVIII, Roma, fonte própria, 2007

quando visitamos uma determinada obra de referência deste período e através


de toda a sua monumentalidade retirarmos, em certa medida, sensações de
aprisionamento pelos nossos sentidos, visual, auditivo e o olfactivo, que
estimulam as nossas emoções criando-se uma certa afectividade a esses
ambientes arquitectónicos.
Enquanto se vivia a experiência Maneirista italiana, França e Inglaterra já
tinham aceitado o classicismo. Contudo alguns arquitectos como Alessandro
Galilei (1691-1737) autor da fachada da basílica de san Giovanni em Roma,
procuraravam já nesta altura uma certa reacção ao Barroco preparando, de
certa forma, o caminho para o neoclassicismo.
72.Fachada da Basilica de San Giovanni in Laterano, Alessandro
Galilei,Roma,fonte própria, 2007

90 As Sensações e as Emoções na Arquitectura


Capítulo I - O Processo Evolutivo entre a Arquitectura e o Meio

Em França, assistia-se a um certo cansaço de estilo nos palácios, onde


conjugavam o tijolo e a pedra. Marie de Médicis, mãe de LuisXIII, seduzida
pelo encanto que o estilo de Florença lhe evocava, com uma ornamentação
em pedra, como o Palácio de Pitti de Brunelleshi, encomenda a construção do
Palácio de Luxemburgo ao Arquitecto da família real, Salomon de Brosse. Esta
73. Palácio de Luxemburgo, Salomon de Brosse, Jean-François Chalgrin, resistência que se assistia ao estilo renascentista, como também foi o caso do
Alphonse de Gisors, Paris, fonte própria, 2013
Palácio de Vaux le Vicomte por Louis Le Vau, caracterizaria o que viria a ser
o primeiro Barroco francês de influência dos renascentistas italianos.
O Barroco em França, que teve as suas principais referências em Paris e
Versalhes, mais do que um simples movimento artístico, aconteceu durante
dois séculos num contexto socio-cultural riquíssimo pleno de avanços ao nível
do conhecimento desde da Filosofia à Física, que permitiram alargar os
horizontes do pensamento da época. O Barroco que teve como desígnio
promover a actualização da igreja com uma nova estética que envolvesse
especialmente as pessoas, passaria a expressar através da monumentalidade
potênciada pelo movimento das suas formas, jogos de luz, sombras e de todos
74. Capela Sainte Ursule de la Sorbonne, 1635-1642, Jacques Lemercier, elementos decorativos e por todo o lado místico e religioso, toda uma exibição
Paris, França, fonte própria, 2014
de grandeza do poder.
As monarquias absolutistas encontraram no Barroco o representante perfeito
da sua afirmação, criando-se desde novas artérias, praças, jardins, edifícios
religiosos e civis aos grandes palácios, levando-se a criatividade ao exagero,
do sensacionalismo à busca do infinito, do fantástico ao cenográfico como
foram o caso das brilhantes reproduções dos jardins de André Le Notre e dos
grandes Palácios onde salientamos Versalhes.
75.Palácio de Vaux le Vicomte, 1658-1661, Louis Le Vau, jardins de André
Le Nôtre, fonte própria, 2014

As Sensações e as Emoções na Arquitectura 91


Capítulo I - O Processo Evolutivo entre a Arquitectura e o Meio

76. Jardins do Palácio de Versalhes, 1660, André Le Nôtre, Versalhes, 77. Palácio de Versalhes, 1678, Jules Hardouin-Mansart, Versalhes,
França, fonte própria, 2014 França, fonte própria, 2014

78. Vista aérea do Palácio de,Versalhes, 1632, França, fonte própria, 2014

92 As Sensações e as Emoções na Arquitectura


Capítulo I - O Processo Evolutivo entre a Arquitectura e o Meio

79. Palácio de Versalhes, 1660, Jules Hardouin-Mansart e 80. Palácio de Versalhes, 1678, Orangerie, Jules Hardouin-Mansart, Versalhes,
Charles Brun, Galerie des Glaces, Versalhes, França, fonte França, fonte própria, 2014
própria, 2014

81. Palácio de Versalhes, 1678,, Jules Hardouin-Mansart, Versalhes, França, fonte própria, 2014

As Sensações e as Emoções na Arquitectura 93


Capítulo I - O Processo Evolutivo entre a Arquitectura e o Meio

Já num período mais avançado do Barroco em França, o classicismo viria dar


definitivamente um novo rumo e foi já no reinado de Luis XIV que se procurou
aumentar o prestígio das artes que contribuíssem para a glorificação do reino.
Bernini que tinha sido convidado por Louis XIV e chegara mesmo a apresentar
um estudo para fachada oriental do Louvre, porém não conseguiu
corresponder às expectativas reais pela curvatura dinâmica da fachada, por
não corresponder aos ideais franceses que estavam vinculados a um tipo de
classicismo majestoso.
Foi com o cartesiano Claude Perrault (1613-1688), Médico Fisiologista, que 82. Colunata da fachada nascente do Louvre, 1667-1670, Claude
Perrault, fonte própria, 2014
se destacaria mais tarde como Arquitecto, quando questionara a validade das
proporções vitruvianas através das anotações críticas na excelente tradução
da obra de Vitrúvio que tinha sido convidado a fazer pelo rei e com o trabalho
de Julien-David Le Roy que foi bem recebido por Luis XIV, que manifestar-se-
iam os primeiros fundamentos para a descoberta de uma nova autoridade à
Arquitectura francesa.
Claude Perrault viria portanto a ser o primeiro a determinar a fórmula do
sublime classicismo tão desejado e a convite do rei desenvolver os seus
conceitos apresentando uma solução que, fundamentalmente, se baseava na
elevação da colunata bem ao estilo dos tempos dos imperadores romanos.
Correspondendo totalmente às melhores expectativas de Louis XIV, tendo
ficado para a história, como o primeiro exemplo classicista do barroco francês
que triunfara sobre a tradição do Barroco papal marcando uma viragem no
panorama da Arquitectura da época.

83. Saint-Louis des Invalides, 1671-1678, Jules Hardouin-Mansart, o


primeiro Arquitecto de Louis XIV, fonte própria, 2015

94 As Sensações e as Emoções na Arquitectura


Capítulo I - O Processo Evolutivo entre a Arquitectura e o Meio

Os conceitos de François Blondel (1705-1774) que se tinham tornado doutrina


da Acádemie até final do século XVIII, encontrariam agora forte oposição em
Claude Perrault, promovendo uma leitura mais racionalista e mais desinibida
dos exemplos do passado. Enquanto Blondel defendera que a beleza emerge
com base nos princípios das ideias imutáveis, onde a liberdade do arquitecto
se circunscreve às regras postuladas do passado, Perrault defendia que a
beleza da Arquitectura apenas era possível através da experiência, onde a
liberdade do Arquitecto, na utilização das formas clássicas sem ter que seguir
um modelo absoluto, era essêncial.
Na segunda metade do século XVII, a Arquitectura que tinha adoptado
essencialmente o modelo clássico italiano, encontrara assim em Claude
84. As ruínas dos mais belos monumentos da Grécia, Julian-David Le Roy, fonte: Paris-
Rome-Athenes, 24 , Escola Nacional Superior de Belas Artes, Paris, 1983 Perault e Julien-David Le Roy, novos caminhos.
Le Roy, ainda estudante na academia Francesa em Roma, entusiasmado pela
viagem dos pintores Stuart James (1713-1788) e Revett Nicholas (1720-1804)
a Atenas, financiados por uma sociedade de diletantes de Londres com o
objectivo reproduzir os monumentos clássicos, decidiu aventurar-se por sua
conta e risco, passando três meses a desenhar muitos dos monumentos
clássicos originais. Mais tarde, quando regressara a Paris, Le Roy recebera
apoios técnicos e financeiros para publicar o seu livro “Ruínas dos mais belos
monumentos da Grécia”. Tendo sensibilizado toda a comunidade artística
europeia, através das suas ilustrações precisas da arquitectura clássica grega,
onde se pode constatar um estilo visivelmente diferente do classicismo
italiano, pela diferença de proporções, fundamentalmente caracterizada pela

85. As ruínas dos mais belos monumentos da Grécia, Julian-David Le Roy, fonte:
sua maior simplicidade.
catalogue.drouot.com, 2012

As Sensações e as Emoções na Arquitectura 95


Capítulo I - O Processo Evolutivo entre a Arquitectura e o Meio

Convidado pela Académie royale d’architecture, viria a ser professor adjunto


de Jacques-François Blondel. Argumentara que as proporções do classicismo
grego variaram ao longo do tempo pela constante procura da beleza
arquitectónica, identificando-se mais com a posição de Claude Perrault. Le
Roy lançara assim o debate greco-romano acerca das proporções defendendo
um “caminho de reconciliação” entre os dois campos concorrentes.
O Barroco da Europa Central, que encontrara as suas fontes nas obras dos
italianos Guarini (1624-1684) e Borromini (1599-1667), foi a partir das
primeiras audiências com projectos dos Arquitectos italianos Canevale, Caratti
e Martinelli, por volta de meados do século XVII, que surgiram as primeiras
obras, primeiro em Viena e Praga e depois no sul da Alemanha. Os Arquitectos
alemães passariam progressivamente a suplantar os italianos e foram Johann
Fischer (1692-1766), que vivera em Itália e Johann Hildebrandt (1668-1745),
aí residente e filho de uma italiana, que dariam lugar a uma nova geração de
Arquitectos do Barroco nos países de língua alemã.
Era tempo de ordenar e sistematizar os resultados obtidos deste período como
forma de estabilização da cultura arquitectónica, por força da tensão entre as
tendências opostas marcadas pelas regras do classismo aproximadas pelo
Renascimento e às transgressões das produções do período Barroco.
Atentos aos prestigiados arquitectos italianos procuraram a experiência de
Andrea Palladio (1508-1580), que constituíra a síntese do alto idealismo social
do seu tempo e as suas tipologias construtivas características.
A cognição cultural palladiana foi influenciada por aquilo que ele considerava
ser as proporções divinas e a harmonia como as relacionara na obra. 86.Hofkirche, 1738-1751, Gaetano Chiaveri, Dresden,
imagem cedida por Marco Silva, 2014

96 As Sensações e as Emoções na Arquitectura


Capítulo I - O Processo Evolutivo entre a Arquitectura e o Meio

87. Igreja de S. Carlos Borromeu, 1716-1737, Viena, Johann 88. Interior da Igreja de S. Carlos 89. Igreja de Santissima Trindade, 1701-1733,
Fischer, fonte própria, 2011 Borromeu, 1716-1737, Viena, Johann Viena, Gabriele Montani, Johann Hildebrandt,
Fischer, fonte própria, 2011 fonte própria, 2011

90. Palácio de Schönbrunn, 1638-1643, Viena, Johann Fischer, fonte própria, 2011

As Sensações e as Emoções na Arquitectura 97


Capítulo I - O Processo Evolutivo entre a Arquitectura e o Meio

Na segunda metade do século XVII surgiram os tratados de Serílio, de Vignola


e de Palladio com as indicações numéricas e geométricas necessárias para
as futuras aplicações caracterizados por uma grande ambivalência, como
forma de codificar o ideal do classicismo, mas sem a rigidez dos cânones
teóricos do passado, impulsionando assim, as premissas necessárias para o
seu desenvolvimento em toda a Europa e mais tarde no mundo inteiro,
devendo-se sobretudo ao talento de Palladio pela ideia de universalidade, com
forte incidência em Inglaterra e nas suas colónias, como se pode observar no
exemplo da Clarke house em Chicago.
Assistiu-se neste período a grandes mudanças ao nível arquitectónico e
ciêntifico que viriam a ser determinantemente influenciadoras nas novas
correntes filosóficas um pouco por toda a Europa. Por esta altura, em
Inglaterra, o Filósofo e Político Francis Bacon (1561-1626) estaria na origem
duma nova prática ciêntifica, conhecida pelo método da indução, que tinha a
finalidade de servir o homem e dar-lhe poder sobre a natureza, onde os factos
não dependem do raciocínio silogístico aristotélico, mas sim da observação e
da experimentação, contrastando com os pensadores medievais que se
submetiam aos modelos tradicionais acerca do funcionamento do mundo. Esta
abordagem manifestar-se-ia de forma evidente no seguimento das
descobertas de Galileu (1564-1642), personalidade fundamental na revolução
científica no início do séculoXVII, constituíndo um corte com o método
aristotélico e a cosmologia neoplatónica, onde colocava a terra no centro da
órbita. Teoria que os escolásticos consolidaram através das suas visões
metafísicas acerca da posição do homem, a criação e Deus. 91. Clarke house, 1836, South Indiana Av, Chicao Illinois,
s.a., fonte própria, 2012

98 As Sensações e as Emoções na Arquitectura


Capítulo I - O Processo Evolutivo entre a Arquitectura e o Meio

Galileu através dum telescópio, fabricado por ele, pode concluir nas suas
observações que a Terra se estava a mover à volta do Sol e com base nisto e
noutras experiências deu consistência ao modelo heliocêntrico proposto por
Copérnico 70 anos antes, demonstrando que a Igreja e os antigos se tinham
enganado, dando o impulso necessário para o novo espírito crítico.
Ressuscitando a visão mecânica sobre a natureza do Universo, insurgindo-se
vários movimentos contra a igreja e assim contribuíndo para a diminuição do
poder escolástico.

1.1.4.3 Racionalismo e do Empirismo


Assim, o verdadeiro impacto no pensamento filosófico aconteceria depois dos
avanços introduzidos na arte e na ciência do Renascimento, com o ser
humano e o mundo natural, em vez de Deus e o outro mundo, a ser o centro
de todas as investigações no início do século XVII com o aparecimento de
uma geração de novos Filósofos, tais como Descartes, Espinosa e Kant.
O francês, René Descartes (1596-1650), Filósofo, Físico e Matemático, no
início do século XVII, inspirado pelas obras cientifícas de Galileu, viria a tornar-
se, num dos pensadores mais importantes da história, considerado, por
muitos, “o pai” do racionalismo e da Filosofia moderna. Descartes, defendeu
que a dúvida era o primeiro passo para chegar ao conhecimento, só podendo
existir aquilo que puder ser provado. Descartes, procurava provar a existência
do próprio Eu – “Penso, logo, existo”, pondo em causa as suas sensações da
realidade externa e do seu próprio corpo como forma de conhecer o mundo e
comprovar o conhecimento.
92. René Descartes, Museu do Palácio de Versalhes, França,
fonte própria, 2014

As Sensações e as Emoções na Arquitectura 99


Capítulo I - O Processo Evolutivo entre a Arquitectura e o Meio

A dúvida cartesiana dera início a uma nova Era da ciência na Filosofia pela
introdução de métodos quantitativos mais rigorosos.As investigações de
Descartes permitiram soltar o corpo da alma, numa dualidade entre a
substância corporal, onde o mundo material opera de forma mecânica, e o da
substância pensante, também chamado consciência, do mundo imaterial,
indivisível e, portanto, sagrado do corpo. Segundo Harry Mallgrave, hoje, as
neurociências têm muito a dizer sobre esta dualidade ciêntifíca. Mallgrave, 2011, 28
Para Descartes, a explicação da natureza das emoções residiam nos aspectos
meditativos de nós mesmos, na nossa alma, que intimamente ligada ao nosso
corpo podia gerar diversas reacções como o aceleramento cardíaco, como
quando choramos ou coramos. Defendia que as emoções não podiam ser
controladas na totalidade pelo raciocínio, mas podiam ser reguladas pelo
pensamento verdadeiro.

“Daí que Descartes pense que há necessidade de uma casuística


para evitar os erros provocados pelas perturbações da alma, um
exame de consciência que corrija esta e conduza ao pensamento
purificado de emoções, de modo a que decorra na mente um
raciocínio tão perfeito e rigoroso como a meditação filosófica ou as
cadeias das deduções geométricas. Quando a emoção se apodera
da razão, entramos na confusão das paixões. Esta não deriva dos
humores ou temperamentos (Galeno), nem do pecado original
(Santo Agostinho), mas dos preconceitos e encontros que geram os
hábitos (comportamento irracional).” Martinho, 2010, 41

100 As Sensações e as Emoções na Arquitectura


Capítulo I - O Processo Evolutivo entre a Arquitectura e o Meio

Os conceitos filosóficos de Descartes romperam com o medievalismo, dando


origem a uma nova base intelectual e social, culminando no século XVIII com
o Iluminismo numa nova Era da razão, despertada por alguns filósofos e
matemáticos como Bento Espinosa e Isaac Newton (1643-1727) que, com os
seus avanços filosóficos e cientifícos, contribuiram para alimentar o optimismo
dos pensadores Iluministas em relação ao progresso científico e social. Pode-
se considerar a partir daí o desenvolvimento de duas tendências filosóficas
opostas, uma de ordem racionalista e outra de ordem empírica, onde Espinosa
e Leibniz são referências da primeira e Locke, Berkeley e Hume da segunda.
Bento Espinosa (1632-1677) nasceu na cidade de Amesterdão em 1632,
Filósofo, oriundo duma família judaica portuguesa, sendo considerado um dos
grandes filósofos racionalistas do século XVII da Filosofia moderna,
juntamente com Descartes. O discurso filosófico de Espinosa tem muito em
comum com a doutrina estóica, onde os pensamentos acerca das emoções e
dos seus efeitos se encontravam nos primórdios da história das ideias e foram
aceites pelos Estoicos, que desejavam encontrar a cura para a alma através
do controlo das emoções. Esta abordagem representou a importância da
compreensão das emoções até aos dias de hoje. A doutrina Estoica ensinava
que o caminho para ultrapassar as emoções destrutivas era através do
controlo emocional, defendendo que, só um pensador no domínio da
imparcialidade pode compreender a razão universal. Para o Estoicismo, os
princípios fundamentais dos seus ensinamentos assentavam na melhoria da
ética e da moral do indivíduo, bem como a aceitação dos outros homens,
mesmo os escravos, porque todos são fruto da natureza.

As Sensações e as Emoções na Arquitectura 101


Capítulo I - O Processo Evolutivo entre a Arquitectura e o Meio

Mas o discurso de Espinosa difere num aspecto importante. Rejeita a


afirmação de que a razão pode vencer a emoção, defendendo que uma
emoção pode ser superada simplesmente por uma emoção maior. Espinosa
fazia a separação entre as emoções activas e passivas, sendo as primeiras
compreendidas racionalmente e segundas as que não o são.
O grande avanço do discurso ético de Espinosa foi o facto da razão não se
opor aos afetos, a própria razão é um afeto, uma espécie de anseio em criar
ocasiões de alegria na vida e de evitar circunstâncias que causam tristeza.
Mas este desejo-razão não depende da livre decisão da mente, mas de
paixões que fogem ao controlo do indivíduo, que não se podem ridicularizar
nem reprovar.
O Alemão Gottfried Leibniz (1846-1716) na segunda metade do século XVII
foi também um dos primeiros Filósofos racionalistas da Era Moderna. Defendia
que o universo era constituído por um número infinito de substâncias e
afirmava que cada substância verdadeira era soberana de todo o resto.
Compara a sincronização entre a mente e o corpo, defendendo que
funcionavam de maneira independente, mas que estavam programadas para
funcionar em simultâneo.
Aqui a descoberta do microscópio pareceu dar consistência ao seu raciocínio
de que cada elemento da matéria percepcionada era um corpo dentro do qual
vivem outros organismos.
Leibniz afirmara a existência apenas da percepção de cada mente ou mónada,
onde todos somos um, ligados entre si, evoluindo e trabalhando para a
expansão do todo, do universo infinito, como a origem da evolução.

102 As Sensações e as Emoções na Arquitectura


Capítulo I - O Processo Evolutivo entre a Arquitectura e o Meio

Depois do estudo da compreensão do movimento dos astros nos finais da


Idade Média, Leibniz desenvolvera uma nova compreensão do movimento,
que assenta na matemática e na psicologia transcendental da percepção,
consideradas nos princípios do neo-barroco.
Essa aplicação iria influênciar, mais tarde, os filósofos modernos nas
concepções sobre o espaço-tempo e a sua aplicação na Arquitectura, não
deixando de ser curioso encontrar na igreja neo-barroca de São Sulplício em
Paris, o gnómon astronómico encontrado no cruzamento do transepto,
conhecido pelo merediano de Paris que foi instalado nesse período para
calcular ao parâmetros da órbitra em torno da Terra.
Leibniz chegara a colaborar com Claude Perrault, que permitira aproximar a
Arquitectura com um cepticismo semelhante para com a teoria do
Renascimento. Se muitas vezes na origem do pensamento a Filosofia
influenciara os destinos da Arquitectura, esta, por seu turno, também
influênciara os destinos do pensamento, como é exemplo desta relação que
se estabelecera entre estes dois grandes mestres.
Assim, constatou-se a existência de um crescente processo de secularização
entre o mundo das ideias e das artes e vice-versa, que se reflecte nos
costumes e na vida político-social.
O distanciamento cada vez maior entre a instância divina e o mundo teológico
metafísico verificado durante este período, motivado pelo avanço da ciência
com Newton e o Empirismo Inglês, onde só a partir das sensações a alma
produz ideias, a promoção da experiência do sensível é absolutamente
93. A igreja se São Sulpício, 1648-1870, Christophe Gamard, Louis le Vau necessária.
Giovanni Niccolò Servandoni, o seu interior abriga um sistema de
determinação astronômica dos equinócios, Henry Sully, Paris, fonte própria,
2014
As Sensações e as Emoções na Arquitectura 103
Capítulo I - O Processo Evolutivo entre a Arquitectura e o Meio

Em rejeição ao novo movimento cientifíco proclamado pelos racionalistas,


surgiu assim, o Empirismo através dos pensadores britânicos, pondo em
causa a construção dos sistemas e da Matemática, defendendo que o nosso
conhecimento é adquirido pela experiência e que nos chegava pelos sentidos.
E com esta rejeição, sobretudo dos que estavam ligados à Igreja, se abriu o
caminho para o Liberalismo moderno e a novos ideais políticos.
John Locke (1632-1704), seria o primeiro dos grandes Filósofos empirístas e
tinha como principal desígnio determinar os limites do conhecimento humano.
Influenciado por Robert Boyle (1627-1691) com a teoria «corpuscular» da
matéria, que remontava às questões dos atomistas antigos relacionadas com
a composição do universo, onde as qualidades da percepção como: a cor, o
cheiro e o som são produzidas pela forma de partículas muito pequenas que
não se vêem mas que se organizam entre si. Locke defendia que a percepção
era o resultado do impacto dos objectos físicos nos nossos órgãos sensoriais,
cujas sensações reflectiam a imagem da realidade, onde só era possível o
conhecimento a partir das coisas observáveis dos objectos e não daquilo que
eles são. Para Locke a matéria está na base da nossa percepção e na origem
das nossas sensações, mas que não pode ser retirado directamente.
George Berkeley (1685-1753), levaria a abordagem de Locke ao seu extremo,
porém constatou uma contradição que poria em causa o seu Empirismo, pelo
facto de, se todos os conhecimentos são percepcionados a partir da
experiência, não podemos conhecer aquilo que não podemos percepcionar,
concluindo que a matéria não existe e que só podemos obter conhecimento
através das nossas experiências conscientes.

104 As Sensações e as Emoções na Arquitectura


Capítulo I - O Processo Evolutivo entre a Arquitectura e o Meio

Berkeley, acreditava que os nossos conceitos eram reproduções das nossas


experiências sensoriais e são essas cópias ou reproduções que nos indicam
aquilo que ainda não faz parte da nossa experiência, não se podendo assim,
formar um conceito ou uma opinião daquilo que ainda não vivemos ou
experimentamos.
Já o escocês David Hume (1711-1776) fortemente influenciado por Locke e
Berkeley, opôs-se particularmente a Descartes e às filosofias que
consideravam o espírito humano do ponto teológico e metafísico, abrindo o
caminho ao método experimental dos fenómenos mentais.
Hume aplicara os princípios de Newton que dera continuidade aos estudos de
Galileu acerca da importância da acelaração em dinâmica. Encontrando nas
suas Leis do movimento e da inércia os fundamentos importantes para a
explicação dos processos dos fenómenos naturais e dos processos mentais.
David Hume, ao contrário de Berkeley, defendia ser possível podermos formar
conceitos a partir das coisas que não percepcionamos pela indução, ou seja,
a partir da recombinação das ideias simples na mente podiam ser criadas
ideias complexas.
No entanto, senão conseguíssemos encontrar impressões simples nunca
poderíamos ter uma ideia genuína. Concluíu que o homem era muito mais um
ser sensitivo do que racional e no seu discurso concebeu a Filosofia como
uma ciência indutiva da natureza humana. Hume defendia que não havia nada
na nossa mente que não fosse resultante dum conjunto de sensações
transformadas, introduzindo na estética fundamentos que se revelariam
capitais entre a dialéctica do belo e do útil.

As Sensações e as Emoções na Arquitectura 105


Capítulo I - O Processo Evolutivo entre a Arquitectura e o Meio

Os sentidos eram a principal fonte do nosso conhecimento e dividia o


conteúdo da mente em duas categorias, as «impressões» como percepções
que retiramos do exterior que afectam os nossos sentidos e o mundo das
«ideias», menos claras que as «impressões», como aqueles conceitos ou
pensamentos que já não conseguimos percepcionar.
Na ordem do pensamento filosófico da época, o classicismo Renascentista e
Barroco fizeram assim o seu caminho entre o Racionalismo e o Empirismo. A
arte e a força de cada um traduziram esse espírito dualista.
Surgiram tendências de Arquitectura diferentes, durante o século XVII, uns
pela via da continuidade dos ideais renascentistas italianos se misturem com
os ideais do Barroco, outros que pela via do Barroco faziam a transição para
o Neoclassico e, por outro lado, outros ainda que tinham vontade de
começarem a definir princípios teóricos que estabelecessem um novo rumo
para a Arquitectura, ideia que partiram por parte de alguns arquitectos
franceses. Estes contributos ideológicos acabariam por criar um efeito de
contágio nas diversas reproduções estilísticas um pouco por toda a Europa.
No momento em que o Barroco se libertara da Arquitectura religiosa, surgiriam
assim as primeiras experiências anticlássicas, como foram os casos do
movimento Barroco da Europa Central e o Rococó a partir de França até à
Península ibérica. Este, caracterizado por levar ao exagero as componentes
decorativas do Barroco na tentativa de realizar experiência da procura do
prazer e o meio do alcance da felicidade, surgiu primeiro em França e depois
noutros países como Portugal e em Espanha pela via do Churrigueirismo.
94. Santuário do Bom Jesus, Séc.XVIII, transição do estilo Barroco para
neoclássico, Braga, Portugal, fonte própria, 2009

106 As Sensações e as Emoções na Arquitectura


Capítulo I - O Processo Evolutivo entre a Arquitectura e o Meio

95. Igreja da Falperra, Séc.XVIII Braga, André Soares, fonte própria, 2012

96. Igreja Dominicana de Santo Estêvão, Churriguera, fonte própria, 2005 97. Catedral de Santiago de Compostela, Estilo Obradoiro, Fernando de Casas y
Novoa, Galiza, fonte própria, 1996

As Sensações e as Emoções na Arquitectura 107


Capítulo I - O Processo Evolutivo entre a Arquitectura e o Meio

A Contestação Vitruviana que viria a ser codificada por Cordemoy (1655-


1714), na segunda metade do século XVII, com a substituição dos atributos
da ortodoxia da Arquitectura vitruviana por princípios de ordem, distribuição e
conveniência, que se baseavam na proporção correcta do clássico, a sua
correcta disposição e a sua adequação, interpretada pelo naturalista, abade e
teórico de Arquitectura Marc-Antoine Laugier (1713-1769), propondo o ideal
arquitectónico da “cabana primitiva”. Apelando ao primeiro abrigo pré-histórico
para restaurar a simplicidade da Arquitectura através dos seus ensaios que
pretendiam justificar a importância idealista e racional num conjunto de ideias
de renovação moral pela escrita do Iluminismo. Ambos procuraram a
eliminação dos excessos do Barroco e do Rococó, propondo a utilização de
termos universalisantes e racionais para a Arquitectura, retomando sobre a
beleza ou o belo. O discurso de Laugier da simplicidade básica da “cabana
primitiva” é fortemente influenciado por Jean-Jacques Rosseau (1712-1778),
um dos filósofos importantes do Iluminismo e um percursor do romantismo, 98. Igreja de Sainte-Geneviève, Jacques-Germain, Souffot,
1764-1790, Paris, França, fonte própria, 2013
quando discursou acerca das questões da simplicidade primitiva do homem.
Depois da chamada de atenção da Academia de Arquitectura contra as
excentricidades dos Arquitectos, pedia-se um estilo mais instititucionalizado
como foi o caso da Escola Militar, anunciando-se a saída da Arquitectura sacra
de tradição Barroca em busca de um movimento que repercutisse um certo
estilo à «francesa». Harmonizando o Barroco ao classicismo pleno de
intencionalidades humanistas, como foi o caso da Sainte Geneviève de
Soufflot (1713-1780), em Paris, bem na linha de pensamento e teorias de
Laugier com os elementos de construção e decoração aparentes.
99. Escola Militar, 1752, Jacques-Ange Gabriel (1698-1782), Etienne-Louis,
Bollée, Alexandre-Théodore Brongniart, fonte própria, 2015

108 As Sensações e as Emoções na Arquitectura


Capítulo I - O Processo Evolutivo entre a Arquitectura e o Meio

1.1.4.4 O Neoclassico
O final do século XVIII foi marcado por grandes mudanças ao nível político e
social, com as descobertas arqueológicas que forneceram dados novos sobre
o passado. Os arquitectos reagiram a esta realidade, alguns adoptando uma
visão mais classicista e outros mais romântica. A Arquitectura continuada pelo
Palladianismo em França, nos países anglo-saxónicos e um pouco por toda a
Europa passara a denominar-se por neoclassicismo. Constituíu uma reacção
100. Museu Britânico, 1847, Londres, Sir Robert Smirke, fonte própria, 2011
aos excessos do Barroco e do Rococo, procurando a pureza, o equilíbrio e a
simplicidade que se tinham perdido na Arquitectura, demarcando-se pelo
formalismo e linearidade dos edifícios. O Museu Británico, em Londres, ou a
Assembleia Nacional e a Igreja da Madalena em Paris, caracterizaram-se pelo
revivalismo grego, onde a linguagem exterior exprime a função e a história do
edifício, as colunas deixam de ser simplesmente decorativas e passam a ser
integralmente adoptadas estruturalmente no edifício, já nas Galerias Vitor
101. Assembleia Nacional Francesa, Séc XVIII, Paris, fonte própria, 2013 Emanuel II em Milão ainda se sentia a influência do Barroco.
Este período carregado de acontecimentos viu também representados os
feitos vitoriosos das monarquias e dos impérios na Arquitectura. Destacando-
se os notáveis símbolos históricos comemorativos das vitóras de Napoleão
Bonaparte, bem ao estilo imperial romano, designadamente a coluna da Praça
Vendôme que evoca a coluna de Trajano, comemorativa da Vitória de
Napoleão na Aústria, o Arco do Carrosel inspirado no Arco de Constantino
situado no eixo entre o Louvre e o Palácio das Tulherias, culminando no
imponente Arco do Triunfo, ambos ilustrativos das vitórias napoleónicas.
102. Igreja de la Madeleine, 1777, Paris, Contant d’Ivry, fonte própria, 2013

As Sensações e as Emoções na Arquitectura 109


Capítulo I - O Processo Evolutivo entre a Arquitectura e o Meio

103. Arco de Triunfo, 1806, Jean-François-Thérèse Chalgrin,


Paris, fonte própria, 2013

104. A. T. do Carrosel, 1809, Charles Percier e Pierre 105. Galerias Vitor Emanuel II, 1895-1877, Milão, Giuseppe Mengoni, 106. Coluna da P. Vandôme, 1806, Jacques Gondouin
Fontaine, Paris, fonte própria, 2015 fonte própria, 1995 et Jean-Baptiste Lepère, Paris, fonte própria, 2015

110 As Sensações e as Emoções na Arquitectura


Capítulo I - O Processo Evolutivo entre a Arquitectura e o Meio

1.1.4.5 Da Razão à glória da Emoção

1.1.4.5.1 Os Arquitectos visionários franceses


Na fase em que as maiores reproduções do estilo à francesa parecia
responder aos valores afirmativos de grandeza e prestígio do poder
absolutista, segundo as interpretações de alguns grandes arquitectos do
século XVII.
A Arquitectura civil por conveniências de ordenamento territorial e de
económia, social e de segurança, tornara-se alvo de experimentação e de
oportunidade para outros arquitectos visionários desse tempo.
Foram o caso de Étienne-Louis Boullée (1728-1799) e Claude Nicolas Ledoux
(1736-1806), Arquitectos conhecidos por serem ambos utópicos, pela forma
como combinavam a Filosofia dos iluministas, das leis anunciadas por Isaac
107. Rotunda de la Villette,1786-1792, Claude-Nicolas Ledoux, Paris, fonte própria, 2013
Newton e o amor pela geometria através de formas simples de grande escala,
que acumulassem grandes massas.
A atitude projectual era reveladora de uma sensibilidade tal, que podemos
dizer que a Utopia não se prendia tanto pelos aspectos arquitectónicos em si,
mas muito mais pelos aspectos sociais. Foram raras as oportunidades para a
execução dessas obras.
No entanto, apesar de ser considerado polémico para a época, delatado de
megalómano ao ponto de o acusarem de reduzir a Arquitectura a uma vulgar
Geometria, Ledoux, pelas suas ideias inovadoras, deixara a sua marca em
Paris, sendo hoje considerado um dos grandes Arquitectos do seu tempo.
108. Barreira do Inferno, 1784-1787, Claude-Nicolas Ledoux, Paris, fonte própria, 2013

As Sensações e as Emoções na Arquitectura 111


Capítulo I - O Processo Evolutivo entre a Arquitectura e o Meio

A dualidade que se vivia entre os discursos racionalistas pelo carácter


Iluminista baseados na razão e a valorização da emoção dos empiristas que
relacionaram o sublime e o belo, iria ser sintetizada com as contribuições
deste grupo de Arquitectos visionários lançando os dados para uma
hermenêutica arquitectónica.
A geração de Arquitectos franceses apelidados de “visionários”, que acabaram
por contribuir para a síntese dos dois princípios básicos, o de carácter
Iluminista baseado na razão e o que relaciona o sublime e o belo de Edmund
Burke, ligando o sublime com o Racionalismo, onde a emoção é mais forte do
que o espírito humano pode suportar devido ao sentimento relacionado com o
poder e o belo com o Empirismo das experiências sinuosas.
Segundo Mallgrave, a formulação de Burke, alguns anos mais tarde, sobre o
processo fisiológico de Le Roy, perde-se quando as colunas são
alternadamente redondas ou quadradas porque a vibração nervosa na
“primeira coluna rodada aparece assim que é formada”. Mallgrave, 2012, 44
Uma longa parede nua não pode produzir o mesmo efeito, porque o olho não 109. Barreira do trono,1787, C.N. Ledoux, Paris, fonte própria, 2013

tem nada a interromper o seu processo visual ao longo da superfície não


sendo, por isso, que deixa de ser sublime, só que neste caso o princípio de
emoção surge a partir da sensação de infinito, em vez de vastidão.
Este princípio resume a visão psico-fisiológica da estética de Burke, que ainda
é bastante válida, onde as emoções humanas surgem da transformação
corporal ou neurológica de percepções.

110. Rotunda de Chartres, C. N. Ledoux, Paris, fonte própria, 2013

112 As Sensações e as Emoções na Arquitectura


Capítulo I - O Processo Evolutivo entre a Arquitectura e o Meio

1.1.4.5.2 O Pré-romantismo
Podemos constatar a influência que o Iluminismo teve em França com um
movimento cultural de elite de intelectuais conhecidos como Voltaire e
Rosseau, que promoveram os intercâmbios intelectuais necessários, no
espírito da nova ciência, para a reforma da sociedade. Lutando contra os
abusos da igreja e do estado instalando-se, assim, a pressão social pela
procura da igualdade que levou à revolução Francesa dando-se, de seguida,
o período que daria lugar ao romantismo e ao alcance da emoção.
O Filósofo Irlandês Edmund Burke (1729-1797), na altura, parte do Império
Britânico, pôs em causa as ligações entre a revolução e a filosofia de Rosseau
por temer que com o aumento do ateísmo em França se abriria a porta à
tirania. Para Burke, os sentimentos instintivos eram bem mais importantes
para o espírito de coesão social do que propriamente a razão abstrata.
Defendia que a beleza não era o único valor estético, pois o sentimento seria
mais que o belo, que designava por sublime, conceitos que iriam exercer
grande influência em Immanuel Kant.Burke está, por isso, muito ligado ao pré-
romantismo que se assistiu em Inglaterra, primeiro pela influência que exerceu
nos irmãos Robert (1728-1792) e James Adam (1732-1794), Arquitectos que
se destacaram por um tipo de Arquitectura “sentimental”, conhecida pelo
“estilo Adam”, com uso de efeitos e ornamentos novos que tinham como
sentido evocar os sentimentos. Depois, com as diferentes teorias de Uvedale
Price (1747-1829) e Payne Knight (1750-1824) acerca do pitoresco dando-se
aqui também uma importante evolução na arte do paisagismo.

As Sensações e as Emoções na Arquitectura 113


Capítulo I - O Processo Evolutivo entre a Arquitectura e o Meio

Na Alemanha com o aparecimento de Imanuel Kant (1724-1804), influenciado


por Hume, que viria a ser o último grande Filósofo da Era Moderna,
determinaria a síntese do idealismo transcendental onde imperava a forma do
raciocínio dedutivo de Descartes e Leibniz e o empirismo de Hume, Locke e
Berkeley.
O filósofo Alemão Immanuel Kant, retomara a importância de Hipócrates,
(460-377 a.C.), com a teoria dos temperamentos, da “Escola de Cós”,
considerado, por muitos, o “Pai da Medicina”. Relacionou a teoria cósmica
com a saúde das pessoas, no que diz respeito à compreensão do organismo
e da personalidade na teoria dos quatro “humores” (sangue, bílis preta, bílis
amarela e linfa), era a proporção em que se encontravam no organismo,
estando na causa das diferentes personalidades e na origem de quatro
diferentes temperamentos: sanguíneo (sangue), melancólico (bílis preta),
colérico (bílis amarela) e fleumático (linfa).
Teoria que viria a ser difundida por muitos anos, pelo Médico e Filósofo grego-
romano Cláudio Galeno (129-199 d.C.) defendendo que o equilíbrio da saúde
e da personalidade dependia do equilíbrio dos quatro temperamentos. As suas
teorias influenciaram a Medicina em todo o ocidente por mais de um milénio.
Assim, em meados do séculoXVIII, Immanuel Kant, realçaria e pormenorizaria
os quatro temperamentos base, numa etapa decisiva para a maturação do
pensamento científico psiquiátrico do criador da Filosofia transcendental.
Para Kant, o sujeito é a personalidade, mas este conceito não define o homem
na sua totalidade. O conceito de personalidade deve ser determinado pelo da
autonomia e pelo da subordinação, e não pode ser pensado sem eles.

114 As Sensações e as Emoções na Arquitectura


Capítulo I - O Processo Evolutivo entre a Arquitectura e o Meio

Kant, afirmara que apesar da origem do conhecimento ser a experiência,


existem certas condições, a priori, para que as impressões sensíveis se
convertam em conhecimento fazendo assim uma concessão ao racionalismo.
Porém, segundo Kant, esta concessão não poderia ser levada ao extremo,
pois «todo o conhecimento das coisas proveniente só do puro entendimento
ou da razão pura não passa de ilusão; só na experiência há verdade» Kant apud

Pascal, 1999,. 45

Segundo Consiglieri, a definição de espaço metafísico de kant, não admite


experiência das sensações e das coisas externas, mas sim um espaço
constituído por partes de espaços, não como conceito geral, mas como
fundamento de toda a intuição espacial possível. Consiglieri, 50, 2007

“As duas fontes do conhecimento são a sensibilidade e o


entendimento. A sensibilidade é a forma como somos afectados
pelos objectos da intuição. A sensação, matéria da nossa
intuição sensível, é a impressão do objecto na sensibilidade. É
o dado e, como tal, é pura diversidade a que as formas a priori
da nossa intuição sensível, o espaço e o tempo, conferem
unidade. Espaço e tempo não são, portanto, nem propriedade
de coisas nem conceitos formados por abstracção, mas os
quadros necessários de toda a intuição sensível sem os quais
nenhum objecto nos é dado.” Baraquin e Laffite, 2000, 212

As Sensações e as Emoções na Arquitectura 115


Capítulo I - O Processo Evolutivo entre a Arquitectura e o Meio

Designando assim, pelo princípio da “intencionalidade”, que não existe dentro


do objecto, mas que reside dentro no nosso cérebro e é reponsável pelos
nossos sentimentos agradáveis ou desagradáveis, sendo por isso
fundamental para o gosto e assim nos projectos de uma obra.
Deste modo, na terceira parte da sua obra “A crítica do Juízo”, na sua análise
sobre a matéria, Kant estava interessado em como certas “ideias estéticas”
permitiam a mente fazer julgamentos. Se a nossa compreensão do mundo
sensível requer as formas de espaço e tempo, também a nossa mente deve
trazer algo para o acto de julgamento estético.
No entanto, segundo Mallgrave, esta ideia já havia sido tratada com a intensão
dos primeiros filósofos do romantismo e inspiram Immanuel Kant através do
seu princípio de intencionalidade quando definiu a Arquitectura como «a arte
de projectar e construir formas belas, sem o modelo definitivo da natureza,
mas livremente, a partir de uma ideia adequada e original da mente humana»
Mallgrave, 2011, 56

A Filosofia de Kant que fez a divisão das faculdades mentais entre a


compreensão, razão prática e apreciação, deu início a uma nova Era,
assinalando que a Natureza dá regra à Arte, influenciando determinantemente
as investigações posteriores com grande relevo para as questões da estética,
durante grande parte do século XIX.
O discurso de Kant viria numa fase inicial a ser tratado por um grupo de
filósofos ligados ao romantismo alemão, talvez na Europa aquele que foi
considerado como um verdadeiro movimento, como foram os casos de
Friedrich Shlegel (1772-1829) e Friedrich Schelling (1777-1854).

116 As Sensações e as Emoções na Arquitectura


Capítulo I - O Processo Evolutivo entre a Arquitectura e o Meio

Segundo Mallgrave, o Filósofo e poeta Shlegel, da primeira fase do


romantismo alemão, inspirado pelo princípio da intencionalidade estética de
Kant, que define a Arquitectura como «a arte de projectar e construír formas
belas, sem o modelo definitivo da natureza, a partir da ideia adequada e ori-
ginal da mente humana», constatava a necessidade da arquitectura aspirar a
uma «aparência de intenção». Através de uma geometria regular das simetrias
de um mundo cristalino, bem como a proporcionalidade e equilíbrio do mundo
orgânico, numa satisfação aparente de um propósito a que Schlegel diz ser
na «mediação extraordináriamente feliz de demandas corporais e espirituais»,
onde encontramos o princípio de intencionalidade. Mallgrave, 2011, 57
Já para Friedrich Shelling, o princípio de intencionalidade Kantiano deveria ser
superado, tornando a aparência independente da necessidade, onde a
Arquitectura deve ser livre e uma bela arte na medida em que se torna a
expressão das ideias e a imagem do universo e do absoluto.
Deste modo, estabelecera três níveis ascendentes, através dos quais as
formas da Arquitectura podem aproximar alegoricamente a natureza. Primeiro
pela forma directa de imitação de formas naturais como foram os casos dos
ornamentos da Arquitectura Gótica, seguindo-se pela imitação das formas
superiores da natureza do corpo humano que ocorreu durante o período do
Renascimento. Acabando no seu nível mais alto através da sua caracterização
famosa da Arquitectura como “música congelada”. No caso da Arquitectura
aparece como a arte menos elevada por ser a que depende mais da matéria
corpórea para se representar.

As Sensações e as Emoções na Arquitectura 117


Capítulo I - O Processo Evolutivo entre a Arquitectura e o Meio

No entanto, Hegel (1770-1831) iria hierarquizar três momentos de auto-


superação na arte reveladores do seu sistema filosófico da totalidade, ou seja
primeiro com o da procura através do simbolismo, onde a matéria superou a
ideia, seguindo-se o do atingir, com o classicismo, que encontrou o equilíbrio
da matéria com a ideia, e por último, o da ideia como verdadeira ideia do belo,
o romantismo com a supremacia da ideia sobre a matéria, associando aqui o
111. Parque de Sanssouci, com o Palácio ao fundo em estilo Rocócó de 1747,
romantismo ao Gótico pela superação ao clássico. Postdam, Alemanha, imagem cedida por Marco Silva, 2014

Segundo Rezende, o movimento da estética teve na modernidade o seu ponto


mais alto em Hegel, que demarca um ponto fundamental na análise da arte
antiga. Junto a Kant, com a antinomia do gosto e chegando a Nietzsche, na
invenção do gosto como belo, Hegel compõe a saída filosófica de sua
juventude na harmonia da estética de Schelling, integra o conjunto das
determinações da nova disciplina: a estética. Rezende, 2009, 12
Assim, a Filosofia de kant viria a ser invertida com Hegel, que refere que o
objetivo da estética não reside no domínio do belo, mas sim, no domínio da
beleza artística. Quanto mais o espírito estiver acima da natureza e dos seus
fenómenos, mais a beleza artística se eleva acima da beleza natural.
A Arquitectura alemã aderira assim ao Neoclassicismo mais tarde, por volta
de 1900, no entanto demarcara-se-ía pela fuga da realidade opressiva pós-
napoliónica, fundindo o romantismo com o classicismo bem demonstrado
grandes jardins harmonizados com os edifícios Neoclássicos como foi do
Parque de Sanssouci entre o Palácio de Sanssouci e Palácio do Laranjal em
Postdam. Os jardins ingleses constituíram aí, o centro impulsionador do
Romantismo Europeu entre os finais do século XVIII e o início do século XIX.
112. Palácio Laranjal, integrado no Parque de Sanssouci, Friedrich Stüler e Ludwig
Hesse, Postdam, Alemanha, 1900, imagem cedida por Marco Silva, 2014

118 As Sensações e as Emoções na Arquitectura


Capítulo I - O Processo Evolutivo entre a Arquitectura e o Meio

1.1.4.5.3 O Pré-historicismo
O Filósofo Alemão, Arthur Schopenhauer (1788-1860), em oposição ao
optimismo do seu contemporâneo Hegel, como defensor dos fundamentos de
Kant quanto à forma de ler o mundo através dos nossos cérebros, no entanto,
era muito crítico em relação à terra epistomologica kantiniana, relativamente
ao mundo numenal que estava para além do nosso conhecimento.
Segundo Mallgrave, o fracasso de Kant em recorrer aos novos conhecimentos
fornecidos pela Fisiologia levam Schopenhauer, a argumentar na sua tese de
doutoramento, sobre o processo neurológico do cérebro e as sensações como
forma e significado, que não se tratava da incapacidade de Kant em distinguir
“sensação” da “transformação poderosa” que ocorre durante a percepção,
pois esta função não era apenas dada pelas extremidades dos nossos nervos,
mas de uma estrutura complexa e misteriosa do cérebro.
A visão, por exemplo, não é um simples acto, pois o cérebro inverte a imagem,
cria uma percepção única a partir de uma sensação duplamente experiente,
construi a terceira dimensão, e a eles adiciona a distânciapara completar o
espaço. Mallgrave, 2011, 58
Na sua obra principal “O mundo como vontade e representação”, composta
por quatro livros, publicada em 1818, começa pela teoria do conhecimento,
onde o mundo só é dado à percepção como representação, submetida ao
princípio da razão kantiano com a destinção do mundo fenomenal do mundo
numenal, dado pela Filosofia da natureza, onde o mundo como representação
é a objectividade da vontade submetida ao princípio da razão.

As Sensações e as Emoções na Arquitectura 119


Capítulo I - O Processo Evolutivo entre a Arquitectura e o Meio

No entanto, encontra no mundo como representação um segundo ponto de


vista relacionado com a metafísica do belo platoniano, independente do
princípio da razão que passa pelas forças básicas da natureza, pelo mundo
orgânico e pelas formas de vida primitivas e avançadas, até chegar ao grau
de subjectividade mais alto, o ser humano.
Esta parte, constituiu especial interesse para a arte, a qual permite o
conhecimento independente do princípio da razão através da contemplação
estética, podendo comunicar ideias mais elevadas e, no caso da Arquitectura,
independentemente de Schopenhauer a achar a menor das artes, referiu-se a
ela no seu sentido artístico, abstraindo-se do sentido utilitário, que devia estar
ao serviço da verdade.
É conhecida influência da cultura Indu em Schopenhauer, mais ainda quando
sabemos do entendimento que tinha com o seu amigo Goethe (1749-1832)
sobre Arquitectura como “música petrificada”.
Schopenhauer, refere-se em relação à Arquitectura pelos limites da sua
reprodução ficarem muito aquém das outras artes, pois, muito embora esteja
sujeita à contemplação, ela é colocada apenas à frente do observador.
Podemos verificar que toda a contemplação e intuição da civilização Induísta
ficou bem patente ao longo da história através representação da sua
Arquitectura petrificada com a variedade de santuários de um valor expressivo
impressionante e sem intencionalidade funcional, característicos de uma
sociedade que ficou polarizada pela fé, inspirando Schopenhauer nas suas
formulações arquitectónicas e mais tarde o próprio Frank Lloyd Wright.

113. Os ratha talhados na rocha, Mahabalipuram, 630-650 d.C, fonte: 20, A


Índia Hindu, Taschen, 2002

120 As Sensações e as Emoções na Arquitectura


Capítulo I - O Processo Evolutivo entre a Arquitectura e o Meio

Distingue dois tipos de Arquitectura, o simples abrigo necessariamente


atrelado à “vontade” e ao da “bela arte”, pelo interesse da sua finalidade
estética, afirmando que a bela Arquitectura só poderá existir se a luta entre a
gravidade e a rigidez da matéria for equilibrada e o princípio da
intencionalidade de Kant for atingido.
Schopenhauer termina a sua tese filosófica no seu quarto livro, onde o
resultado dessas etapas em crescente complexidade deram lugar à ética, com
a ideia da objectivação adequada da vontade, onde cada um concretiza a
vontade de forma mais completa e detalhada. Defende que todos podem ter
acesso ao conhecimento através da “vontade”, considerando-a uma força
impessoal que controla todas as coisas, incluindo nós mesmos.
Assim, o único elemento permanente e invariável do espírito era a “vontade”,
aquele que lhe dá sentido e unidade e que está na base da essência do
homem, baseando-se no princípio fundamental da natureza, independente da
representação, que não se submete às leis da razão.
As formas racionais da consciência não passam de aparências, de uma mera
superfície da mente, pois não se conhece o seu o interior, aquele que é dado
pelo insconsciente. Na busca constante pela insatisfação e necessidade,
reside a “vontade” em atravessar as barreiras e percorrer os caminhos
sinuosos e dolorosos da vida na procura de prazer e mais prazer, num sistema
consecutivo e infinito da vida entre a dor e o prazer, onde a libertação maior
se dá através das artes, atingindo-se o grau mais elevado na música, que
afasta o indivíduo da “vontade”, pois enquanto contempla não deseja nem
sofre.

As Sensações e as Emoções na Arquitectura 121


Capítulo I - O Processo Evolutivo entre a Arquitectura e o Meio

Friedrich Nietzsche (1844-1900), Filólogo e influente Filósofo alemão ateu, do


século XIX, fortemente influenciado por Schopenhauer, transforma a
“vontade” schopenhaueriana em “vontade em potência”, quando trata a
passagem de um certo niilismo passsivo do seu mestre para um niilismo
activo, quando afirmara que “vontade e vida” eram a mesma coisa e que a
“vontade”, enquanto essência de tudo, era para ele a vontade de dominar.
Assim, o temor em relação ao sofrimento que podia ser atenuado através do
sublime na contemplação artística, não convencera Nietzsche, que assumiu a
dor como sendo necessária à vida.
Nietzshe criticava o idealismo metafísico e os valores morais que o
condicionam, insurgindo-se contra a religião de compaixão do Cristianismo,
por estar em contradição com as emoções fortificantes, as que elevam a
energia do sentimento vital, pois a piedade exerce uma acção depressiva.
Nietzche, 2011, 20

Pretendeu com o seu discurso ser de certa forma desmascarador de


preconceitos e ilusões do homem, daquilo que se esconde dos valores
universalmente aceites, dos ideais que serviram a civilização e nortearam a
história, acreditando que todos os tipos de fracasso deveriam ser bem-vindos
para o sucesso e vistos como desafios a serem superados, defendendo que
aquilo que não nos destrói, só nos pode fortalecer.
Nietzsche, ao contrário de Kant, defende que o mundo não tem ordem,
estrutura, forma e inteligência, as coisas acontecem ao acaso e somente a
arte pode transformar a desordem do mundo e tornar aceitável, tudo aquilo
que há de mau e problemático na vida.

122 As Sensações e as Emoções na Arquitectura


Capítulo I - O Processo Evolutivo entre a Arquitectura e o Meio

A base racional da moral era uma ilusão e, por isso, descartou a noção de
homem racional. O mundo não é ordem e racionalidade, mas desordem e
irracionalidade, não era portanto Deus e razão, mas sim a vida que actua ao
acaso e que se está dispersar e a transformar num constante devir.
A aproximação de Nietzsche à Filosofia de Schopenhauer através da
“vontade” como essência, muito embora não tenha sido valorizada naquele
período, abriu espaço à sua discussão nos últimos filósofos contemporâneos,
tendo mais tarde, em Heidegger (1889-1976) o seu maior representante.
Friedrich Schinkel (1781-1841), o Arquitecto mais destacado do neo-
classicismo na Alemanha, projectou os mais importantes edifícios da época,
estampando a imagem de Berlim, fortalecida após a vitória sobre Napoleão.
Influenciado pelo seu mestre Friedrich Gilly (1772-1800), pela literatura de
Goethe e pela reformulação do problema da Arquitectura de Schopenhauer,
herdou o gosto pela Antiguidade cássica, pelo neo-gótico e pelo romantismo,
projectando simultaneamente nos três estilos.
Segundo Mallgrave, Schinkel acrescentou uma leitura mais tectónica, além da
“apresentação do ideal”, ele delínea a intencionalidade arquitectónica através
das categorias de “distribuição espacial”, “construção” e a sua simbolização
adequada através do “ornamento”. Contrariamente a Schlegel rejeita a tese
de que a Arquitectura deve continuar a imitar os protótipos encontrados nos
templos gregos. Também foi evidente por volta de 1820, como ele se
familiarizou com as ideias de Schopenhauer, pela interpretação de uma
Arquitectura mais animada e ausente de referências históricas, com a

114. Altes Museum, Berlim (1823-30), Karl Friedrich Schinkel,


introdução de maiores valores emocionais e simbólicos. Mallgrave, 2011, 62
fonte: smb.museum, 2012

As Sensações e as Emoções na Arquitectura 123


Capítulo I - O Processo Evolutivo entre a Arquitectura e o Meio

Valores que se repercurtiriam nas obras de Schinkel, que adicionou à


articulação estrutural tectónica novos valores éticos e estéticos, numa espécie
de fusão entre arte e poética de construír, com o reforço de novas sensações
através da ornamentação e da beleza e harmonia das proporções, como se
pode constatar, por exemplo, no Altes Museum em Berlim, através das
narrativas alusivas à mitologia cultural da raça humana.
A noção de tectónica de Schinkel, que morrera relativamente cedo, viria a ser
retomada pelo seu discípulo Carl Bötticher (1806-1889), que tentou continuar
e estabelecer uma nova compreensão para a construção do ponto de vista
construtivo, onde propôs novas noções para interpretar a Arquitectura.
No entanto, Bötticher limita-se à Arquitectura grega e aos seus ornamentos,
sem a ambição de criar uma nova teoria para a Arquitectura.

1.1.4.5.4 Os avanços neuropsicofisiológicos na Arquitectura


Alguns anos mais tarde, Gottfried Semper (1803-1879), o seu contemporâneo
através do seu manual de estética prática Der Stil, tenta fundamentar a origem
da Arquitectura a partir da evolução histórica dos materiais e técnicas
utilizadas nos ornamentos através das quatro artes primitivas, a têxtil, a
cerâmica, a tectónica e a estereotomia, como forma de anunciar uma
Arquitectura coerente através dos materiais e a relação que estabelecem com
a forma artística dos objectos. Entretanto, na Alemanha, Gottfried Semper,
contribuíra para o debate intelectual alemão, levantando o problema sobre que
estilo se devia construir, introduzindo a discussão da possibilidade de um novo
estilo genuinamente moderno, ainda que de uma forma muito primária.
115. Burgplatz, Museus da história Natural e história da
Arte, Viena, Gottfried Semper, fonte própria, 2012

124 As Sensações e as Emoções na Arquitectura


Capítulo I - O Processo Evolutivo entre a Arquitectura e o Meio

Semper foi um dos Arquitectos alemães mais importantes do século XIX e um


grande repercussionista do positivismo na concepção da arte, muito pelo seu
grande interesse das questões relacionadas com a evolução histórica.
Gottfried Semper esteve sempre ligado à gerência de museus e às ciências
naturais e, muito pela sua personalidade panteísta, foi o Arquitecto teatral de
Richard Wagner (1813-1883) em Viena onde projectou a Burgplatz, entre
outras obras como a Ópera de Dresden. Semper que se mudara em 1855 para
Londres para dirigir a Escola Politécnica de Arquitectura, encontrara-se com o
seu conterrâneo Poeta e Filósofo hegeliano Friedrich Theodor Vischer.
Vischer, autor de Estética ou ciência do belo (1846-1857), aludira a Hegel,
demonstrando que a arte era a dicotomia entre uma ideia e a sua
manifestação, sendo a negação da ideia o processo originador da experiência
estética. Inicialmente influenciado por Bötticher, definiu a Arquitectura como
uma “arte simbólica”. Viria a chegar mais tarde a uma nova formulação do
problema, muito pela influência da amizade que, entretanto, estabelecera com
Semper, com a ideia fisiológica de que o nosso cérebro não só interpreta
criação artística simbólicamente mas também emocionalmente.
Como refere Mallgrave, Vischer observou ainda, que as linhas verticais
elevam o espírito humano, as linhas horizontais ampliam-no, enquanto que as
linhas curvas se movem, mais energicamente do que as rectas. Explicando o
impulso do cérebro para a reconfiguração simbólica e emocional do mundo
como um “sentimento unificador e contracionista”, como “panteísta” (animista),
ou seja, a vontade de lermos as nossas emoções nas formas do mundo
sensual. Mallgrave, 2011, 77
116. The Burgtheater, 1888, Viena, Gottfried Semper, fonte própria, 2011

As Sensações e as Emoções na Arquitectura 125


Capítulo I - O Processo Evolutivo entre a Arquitectura e o Meio

Friedrich Vischer, deixaria o legado ao seu filho Robert, que com a sua tese
de doutoramento “Sobre o sentimento da forma visual” daria o passo decisivo
para a introdução do conceito Einfühlung, por outras palavras, a introdução ao
sentimento, aquilo que está para além da nossa transposição emocional
quando contemplamos a obra de arte e o tipo de resposta sentimental que se
pode retirar dela, aquilo que se pode traduzir na forma de “empatia”.
Robert Vischer, tal como o seu pai, tentou encontrar a explicação para essa
transposição emocional baseando-se em argumentos fisiológicos e
neurológicos, concluindo que a chave para a experiência através da arte
estava na nossa imaginação, através da qual o artista ou o arquitecto pode
intensificar o nível de empatia, trazendo algo de novo para sujeito utilizador
que passa a espectador neurológico.
A noção de Einfühlung, teve imensa popularidade entre psicólogos e artistas
alemães, mas foi com o Filósofo e Historiador de Arquitectura Heinrich
Wölfflin, em 1886, através da sua tese de doutoramento “Prolegómenos para
uma Psicologia da Arquitectura”, que se abriram perspectivas para a
abstração formal e os caminhos para a modernidade.
Wölfflin (1864-1945) estabelecera uma analogia com a música, na convicção
que a Arquitectura tinha a capacidade de expressão, tal como a música,
através dos sons expressivos, razão pela qual também estabelece uma
relação com o nosso próprio corpo. Esta teoria permitiu superar os discursos
filosóficos de kantianos, neokantianos e as premissas Shopenhauerianas,
originando grandes avanços no conhecimento ao nível da Fisiologia e da
Psicologia, estando agora por isso, muito na actualidade das Neurociências.

126 As Sensações e as Emoções na Arquitectura


Capítulo I - O Processo Evolutivo entre a Arquitectura e o Meio

Assim, o cultivo neurológico da imagem arquitectónica que se assistiu por


parte dos Teóricos e Arquitectos alemães neste período, desencadearía um
cansaço estilistíco, que se esgotou nas repetições das formas antigas,
conforme manifestara o Arquitecto Adolf Göller (1846-1902), com o estudo que
elaborara em 1888 acerca da “Origem dos estilos arquitectónicos”
manifestando o seu pessimismo quanto ao futuro da Arquitectura.
Contudo, foi com o Arquitecto e Historiador Cornélio Gurllit (1850-1938),
despertado pela leitura dos estudos de Göller, que se daria o impulso
necessário para os novos caminhos para a Arquitectura Moderna, com a
introdução do conceito de eliminação da forma histórico- estilística.
As reflexões de Robert vischer, Wölfflin, e Goller conduziam a explosão do
foro fisio-psicológico, mas foram os estudos do Filósofo e Psicólogo Friedrich
Herbart acerca da Filosofia do espírito que estiveram na origem das suas
primeiras abordagens psicológicas da forma. Encontraram no Fisiologista
Hermann Helmholtz (1821-1894) o seu principal percursor com as suas
experiências ligadas às sensações dos sons musicais. As preocupações de
Helmholtz relacionadas com o funcionamento do organismo, estiveram na
origem das primeiras teorias da sensação e percepção do som, da percepção
visual e espacial, dando um forte contributo para a aproximação da Fisiologia
à Psicologia. Mas, seria com o seu assistente Wilhelm Wundt (1832-1920),
também fisiologista, que aconteceram as primeiras experiências psicológicas
através do seu laboratório experimental, onde se dedicou à investigação
ciêntifica da mente e do corpo com base na Lei Mecânica Newtoniana,
estudando o comportamento dos corpos em movimento.

As Sensações e as Emoções na Arquitectura 127


Capítulo I - O Processo Evolutivo entre a Arquitectura e o Meio

No entanto, tinha sido Gustav Fechner (1801-1887) o primeiro a aplicar


métodos experimentais na estética, muito embora não passassem de uns
ensaios rudimentares.
Essas experiências foram desenvolvidas mais tarde no laboratório de Wundt
com os estudos científicos das reacções fisiológicas, acerca das impressões
que o sujeito retira dos objectos exteriores.
A partir das experiências de Wundt sairiam os principais estudos das
sensações e da percepção e os primeiros registos das variações físicas entre
a alteração da respiração e da pulsação na observação do sentimento e da
emoção, estando muito na origem das mais variadas ramificações da
Psicologia.
O termo ‘Psicologia’, que remonta ao século XVI com a introdução da palavra
por Rodolfo Goclénio, só a partir de meados do século XIX é que a disciplina
começa a fazer sentido, deixando de ser uma reflexão filosófica para passar a
ser cada vez mais um estudo do foro psicológico do fenómeno da natureza.
O conhecimento científico da mente humana também evoluiu, com o
aparecimento da psicologia, tendo como objecto de ciência a evolução da
espécie desde os tempos ancestrais comuns aos humanos, símios, macacos
e lêmures, mais concretamente com o aparecimento do Homo-sapiens até aos
dias de hoje, através o naturalista Inglês, Charles Darwin (1809-1882), em
meados do século XIX. Darwin viria a ser a principal referência da biologia
moderna, foi também, um dos fundadores da Psicologia com um importante
estudo sobre as emoções na nossa própria sobrevivência.

128 As Sensações e as Emoções na Arquitectura


Capítulo I - O Processo Evolutivo entre a Arquitectura e o Meio

“A perspectiva de Darwin, assim, é que as emoções possuem uma


qualidade primitiva. Constituem elos com o nosso passado, quer com
o passado da nossa espécie, quer com a nossa história individual.
Não se encontram completamente sob controlo voluntário. Embora
pareçam ajudar à comunicação entre as pessoas, também indicam
as nossas origens animais e infantis.” Oatley and Jenkins, 2002, 24

No entanto, o termo ‘Psicologia’, emerge como ciência autónoma só a partir


do final do século XIX, com Ernst Weber (1795-1878), Gustav Fechner e
Wilhelm Wundt, responsáveis pelo aparecimento da Psicologia experimental,
com o estudo do comportamento humano, dos processos mentais e da sua
inter-relação.
Estando na origem das novas tendências que se estruturaram ao longo do
século XX, tais como: o Estruturalismo, o Funcionalismo, o Behaviorismo, a
Gestalt e a Psicanálise.
Contudo, foi com Isidore Auguste Comte (1798-1857), Filósofo francês,
considerado o fundador da Sociologia e do positivismo, que surgiram as
primeiras reacções ao discurso transcendental idealista alemão e ao
romantismo, que só através do conhecimento ciêntifico se encontra a verdade.
Para Comte, a explicação dos fenómenos naturais e sociais não se podiam
resumir a um só princípio, abandonando as considerações das causas em
Deus ou da própria natureza, defendendo por isso, o conhecimento dos
fenómenos através das ciências, usando a observação, experimentação,
comparação e classificação como métodos.

As Sensações e as Emoções na Arquitectura 129


Capítulo I - O Processo Evolutivo entre a Arquitectura e o Meio

A doutrina do positivismo de Comte sobre o conhecimento e a natureza do


pensamento científico exerceu grande influência nos mais variados círculos,
incorporando-se noutras correntes que procuraram valorizar as ciências
naturais e suas aplicações práticas, onde o positivismo constitui uma das
linhas de pensa¬mento característico que se desenvolveu na Europa durante
o século XIX.
Os ideiais de unidade dos campos científicos defendidos por Comte, não
foram acolhidas com entusiasmo por parte dos idealistas neokantistas
alemães, onde Marburgo e Baden renovavam a discussão em volta da
natureza do homem, relativamente à História, ao espírito, à sociedade e à
cultura.

1.1.4.6 Historicismo e Romantismo


Se, por um lado, a síntese do período Iluminista anunciada para uma
hermenêutica na Arquitectura entre as linhas da razão e a emoção proposta
pelos Arquitectos visionários franceses, inspirados pelo sublime e o belo de
Burke a somar o apelo para uma “Arquitectura sentimental” dos irmãos
ingleses Robert e James Adam se parecia anunciar a entrada do Romanttismo
na Arquitectura, por outro lado, o Arquitecto Alemão Schinkel com o reforço
de novas sensações através da ornamentação nas suas obras e mais tarde
com os fundamentos de Semper no Der Stil, baseados na evolução histórica
dos materiais, das técnicas construtivas e a forma artística dos objectos,
dariam um forte impulso para o aparecimento da Arquitectura historicista.

130 As Sensações e as Emoções na Arquitectura


Capítulo I - O Processo Evolutivo entre a Arquitectura e o Meio

Isto tudo, somado à nova Teoria proposta por Friedrich Vicher o conceito de
Einfühlung, apelando à arte e o tipo de resposta sentimental que se pode
retirar dela através da “empatia” da obra, chegaríamos à glória da Emoção na
Arquitectura.
Uma nova corrente de cientistas inspirados por estes conceitos novos
chegariam a avanços de ordem neuropsicofisiológica pela via das sensações
e percepção, concretamente, com a observação dos sentimentos
relativamente aos espaços arquitectónicos, que viriam a ser determinantes no
futuro da Arquitectura.
O conhecimento científico do homem avançou de uma abordagem
intrapsíquica nas mais diversas variantes, a começar pelos aspectos de
natureza biológica e cultural, psicológica e neurológica, emocionais e
racionais, para uma abordagem externa, tendo em conta factores como o
ambiente natural, físico e construído.
O século XIX foi uma época de mudanças revolucionárias. Após a segunda
grande guerra mundial, a Arquitectura conheceu grandes transformações
políticas, sociais e tecnológicas.
Com a revolução industrial e o aparecimento da máquina a vapor,
impulsionada pelo aparecimento do comboio ampliaria toda uma rede de
transportes que interligara a Europa, resultando conexões que levaram aos
grandes avanços da Era Moderna. Motivando, assim, o desenvolvimento dos
conhecimentos científicos, da História e da Arqueologia, que viriam a ser
determinantes para a investigação da arquitectura.

As Sensações e as Emoções na Arquitectura 131


Capítulo I - O Processo Evolutivo entre a Arquitectura e o Meio

A monumentalidade espalhada pelo mundo passou a estar acessível, como


foram os casos da Grécia, Roma, Sicília e dos estilos Românico, Gótico,
Renascimento e Barroco, resultando numa visão da arquitectura diferente,
encarada com outro respeito. Muito embora, o neoclássico procurasse ao
longo dos tempos alcançar o equilíbrio na Arquitectura estava contudo muito
agarrado a certos valores e a muitas limitações, desvanecendo-se pouco a
pouco com o surgimento das ideias progressistas.
A viragem na Arquitectura iria acontecer assim neste período e foi a partir do
romantismo que se manifestar-se-íam os primeros sinais na Inglaterra e na
Alemanha.
Londres vivia neste período um grande desenvolvimento económico, bem
reflectido nos riquíssimos edifícios de revestimentos fantasiosos onde o 117. Big Ben Tower, 1860, Palácio de Westminster,
estilo neogótico, Charles Barry, fonte própria, 2011
neogótico, o neoclássico e o exótico pareciam dominar o património
arquitectónico. Se neste período os monumentos neoclássicos alemães
procuravavam reforçar o ideal grego no país, o panorama da Arquitectura
inglesa como o Palácio de Westminster em Londres de Charles Barry (1795-
1860), que recriava o Gótico do século XV, reforçava-se a moral da integridade
inglesa dos finais do século XIX.

O período romântico procurou assim chegar pela via de todo o revivalismo e


ecletismo do historicismo às pessoas apelando à estimulação dos sentidos,
cuja criatividade passa a deixar de parte as regras do neoclássico, preferindo
mesmo até uma certa irregularidade, que começava com o emprego de
materiais industriais como o ferro, o aço e o tijolo vidrado.
118. Palácio de Westminster, estilo neogótico, Séc. XIX, Charles Barry, fonte própria, 2011

132 As Sensações e as Emoções na Arquitectura


Capítulo I - O Processo Evolutivo entre a Arquitectura e o Meio

A evolução histórica da arquitectura passaria a estar ao alcance de todos os


arquitectos, originando uma preocupação maior na conservação e restauro
dos edifícios, oferecendo uma panóplia de estilos que se podiam servir nos
seus projectos.
Este período acabaria por ficar marcado por um certo revivalismo com a
reformulação dos estilos do passado, como foram o caso do neoromânico, do
neogótico, do neorenascentista, do neobarroco ou ainda do neobizantino, que
alimentariam a liberdade criativa dos Arquitectos.
Com as trocas entre as conexões que se estabeleceram com as colónias a

119. Gare d’Orsay (Musée d’Orsay), 1900, Victor Laloux, Reanaud Bardon, Pierre Colbac,
Arquitectura passou a fluir contagiando estilisticamente o meio, surgindo
Jean-Paul Philippon, Gae Alenti, ACT architecture, estilo neobarroco, fonte própria, 2013
edifícios de estilos provenientes de todo o mundo, que levaría ao
aparecimento do movimento eclético na Arquitectura em meados do século
XIX um pouco por toda a Europa.
A visão unificadora, planimétrica e ordenadora para o desenvolvimento de
Paris que já tinha sido uma preocupação constante desde os reinados
absolutistas, com a procura da monumentalidade e afirmação do poder, iria
ter continuidade em Napoleão III (1808-1873) através de Haussmann, com a
criação de grandes artérias, jardins e grandes praças, dotadas de planos
urbanísticos que permitiram explanar toda uma imagem de grandeza e da
dimensão da autoridade.
O Barão George-Eugène Haussmann (1809-1891), nomeado Perfeito do
Sena pelo novo imperador Napoleão III daria, assim, continuidade à expansão
parisiense, cabendo-lhe a responsabilidade da reforma urbana de Paris que
acabaria por transformar Paris na Capital da Europa oitocentista.
120. Hotel de Ville de Paris, 1873,Théodore Balu, Pierre Joseph Eduard
Deperthes, Domenico de Cortona, estilo neorenascentista, fonte própria, 2013

As Sensações e as Emoções na Arquitectura 133


Capítulo I - O Processo Evolutivo entre a Arquitectura e o Meio

121. Palácio Garnier ou Ópera de Paris, estilo neobarroco, Charles 122. Interior da Igreja de Santa Clotilde, 123. Igreja de Santa Clotilde, 1846, Franz
Garnier, fonte própria, 2013 Franz Christian Gau, Théodore Ballu Christian Gau, Théodore Ballu estilo
estilo neogótico, fonte própria, 2015 neogótico, fonte própria, 2015

124. Basílica de Sacré-Coeur, 1875-1914, neoromânico-bizantino, Paul 125. Bolsa do Comércio, estilo neo-clássico, Henri Blondel,
Abadie, Honoré Daumet, Charles Laisné, Henri Rauline, Lucien Magne, Paris, fonte própria, 2013
Louis- Jean Houlot, fonte própria, 2013

134 As Sensações e as Emoções na Arquitectura


Capítulo I - O Processo Evolutivo entre a Arquitectura e o Meio

Haussmann, apoiado pelos Arquitectos das Belas Artes, ordena a demolição


de grande parte do tecido medieval para dar lugar às conhecidas grandes
avenidas do plano axial em volta do Arco de Triunfo, que foi construído para
comemorar as vitórias de Napoleão Bonaparte. Haussemann planeou a
cidade e mandou construir vários edifícios públicos, como foi o caso da Ópera
de Paris do Arquitecto Charles Garnier (1825-1898), que se tornou uma
referência da Escola de Belas Artes parisiense e da Arquitectura Historicista.
126. Interior da Grande Central Terminal de 127. Grande Central Terminal de Nova O movimento romântico que surgiu em França como uma espécie de reacção
Nova Iorque, 1903, EUA, fonte própria, 2012 Iorque, 1903, EUA, fonte própria, 2012
anti-racionalista após a revolução francesa e o avanço da industrialização,
assistia a uma burguesia cada vez mais seduzida pelos mais recentes
progressos, começando-se a dominar um certo elitismo na sociedade que
originou grandes desigualdades sociais. Instalando-se, um panorama de
grande desilusão nas pessoas, provocando tempos de introspecção entre
escritores como Vitor Hugo (1802-1885) e artistas como Eugène Delacroix
(1798-1863), ficando interiorizado um certo sentimento de isolamento da alma
128. Museu Nacional da Ameica Indiana, 129. Art instituto of Chicago, 1879, e a valorização do passado histórico, principalmente dos tempos da Idade
Nova Iorque, EUA, fonte própria, 2012 Chicago, EUA, fonte própria, 2012
Média.
A Arquitectura americana, por seu turno, por ser mais recente estava livre de
tradições artísticas. Introduzira os estilos europeus com o desenvolvimento
económico, como aconteceu na Europa, apesar de também ter passado por
algumas crises ao nível do estilo a adoptar na Arquitectura. No entanto, com
o historicismo até ao século XX, inclusivé, limitaram-se a copiar os modelos
da arquitectura europeia, importando correntes historicistas, não genuínas, o
que acabaría por facilitar o “salto” para uma arquitectura moderna, funcional.
130. Museu da História Natural de Nova 131. Arco triunfal,1895, Nova
Iorque, 1877, EUA, fonte própria, 2012 Iorque, EUA, fonte própria, 2012

As Sensações e as Emoções na Arquitectura 135


Capítulo I - O Processo Evolutivo entre a Arquitectura e o Meio

1.1.4.7 O ciclo de contágio da Idade Moderna – A Era da Razão à Emoção

132. O gráfico pretende representar a existência de um ciclo de contágio na Idade Moderna – A Era da Razão à Emoção.
Que se deu através do mundo das sensações e das emoções, entre o meio e o sujeito, entre a expressão e a comunicação.

136 As Sensações e as Emoções na Arquitectura


Capítulo I - O Processo Evolutivo entre a Arquitectura e o Meio

1.1.5
DA EMOÇÃO À

SENSAÇÃO
As Sensações e as Emoções na Arquitectura 137
Capítulo I - O Processo Evolutivo entre a Arquitectura e o Meio

138 As Sensações e as Emoções na Arquitectura


Capítulo I - O Processo Evolutivo entre a Arquitectura e o Meio

1.1.5 A Idade Contemporânea – Da Emoção à Sensação


A Idade Contemporânea depois dos movimentos romantistas e historicistas
em torno das mais variadas reproduções arquitectónicas que culminariam na
revisão de novos métodos técnicos e científicos, entre os valores da Emoção,
Razão e Sensação, que agora amplificados pelos movimentos que lhe
seguiram passariam a expressar as noções do progresso da ciência e a
caracterizar esse período, o da Era da Emoção à Sensação.
A Torre Eiffel, da autoria do Engenheiro Gustave Eiffel (1832-1923) parecia
anunciar os novos caminhos para uma nova Era, para o conhecimento do
mundo e do progresso social, para a mudança do pensamento Ocidental, para
o acelarameno das mudanças políticas, sociais e tecnológicas.

1.1.5.1 O Modernismo
A base da Arquitectura moderna deu-se assim com os novos métodos que
possibilitaram novas formas de contrução, que recorrendo à sua história deu
origem a um novo conceito de historicismo no final do século XIX, com a
introdução do ferro nos edifícios, mantendo os padrões clássicos. Teve o seu
expoente em Viollet-le-Duc que defendia que o estilo emergiria a partir das
novas técnicas de construção, tornando-se uma figura incontornável no
racionalismo construtivo.
Segundo Gregotti, esta ideia de racionalidade acabou por ver
instrumentalizada as suas técnicas que ficaram condicionadas às pressões
dos fenómenos de urbanismo e com a rentabilidade económica dos edifícios.
133. Torre Eiffel,1887-1900, Paris, Gustave Eiffel,
fonte própria, 2014

As Sensações e as Emoções na Arquitectura 139


Capítulo I - O Processo Evolutivo entre a Arquitectura e o Meio

Porém, Viollet-le Duc propunha não só uma perspectiva projectual mas


também uma interpretação de toda a história da Arquitectura. Gregotti, 2004, 131
Viollet-Le-Duc (1814-1879), pertencia ao racionalismo francês mas, ao
contrário de Laugier, valorizava a Arquitectura medieval, apresentando
elementos para uma Arquitectura mais ‘honesta’ com materiais e métodos
construtivos mais autênticos, acreditando que com o recurso a esse passado
contribuiria para a descoberta de um novo estilo. Aludira às ideias de John
Ruskin que dizia que a Arquitectura deveria reflectir a sua época, quanto muito
conservá-la, repudiando todo tipo de restauro, dizendo em analogia que
também não se ressuscitam os mortos. Le Duc acrescentara que o restauro
deveria ser feito quando as outras possibilidades estivessem esgotadas. O
Poeta inglês Ruskin (1819-1900), havia marcado o meio artístico com os seus
ensaios escritos sobre a arte e a Arquitectura, referindo-se uma certa
sensibilidade subjectiva entre a emoção e a razão como reacção ao
classicismo.
A visão medievalista instalaria uma certa desilusão no panorama
arquitectónico, não correspondendo à transformação que o desenvolvimento
económico da época exigia, pela incapacidade de sair dos padrões, um pouco
conservadores e de controlar os problemas sociais. A Arquitectura moderna
surgiu na segunda metade do século XIX, no entanto, foi nos inícios do século
XX que os arquitectos começaram a aproveitar todas as potencialidades dos
novos materiais como o ferro, o aço, o vidro, o alumínio, mas sobretudo o
betão, que possibilitou a criação de novas formas e testar um conjunto de
experiências construtivas que caracterizaram a arquitectura desse século. 134. Restauro da Notre Dame, 1844,
Eugene Violet~le~Duc,

Paris, fonte própria, 2013


140 As Sensações e as Emoções na Arquitectura
Capítulo I - O Processo Evolutivo entre a Arquitectura e o Meio

1.1.5.1.1 Arts-and-Crafts e Arte Nova


As exigências da sociedade, provocadas pela aceleração da vida quotidiana
e a destruição causada pela 1ª Guerra Mundial, causaram um crescimento
urbano mais intenso e, por consequência, a necessidade de reconstruir as
cidades, levando à adopção de novas soluções urbanísticas, tendo em conta
a total desadequação da arquitectura clássica e burguesa tradicional,
relativamente às novas realidades.
Estabeleceu-se, assim, uma relação íntima entre a Arquitectura e o
Urbanismo, manifestando-se um corte com o passado. Com a rejeição das
formas mais tradicionais, surgiram novas possibilidades expressivas,
marcadas pela crença ilimitada do progresso.
O movimento Arts-and-Crafts, na Inglaterra, na segunda metade do século
XIX, apresentava o artesanato criativo como alternativa à mecanização e à
produção em massa e pregava o fim da distinção entre o artesão e o artista.
Foi influenciado pelas ideias do romântico escritor John Ruskin e os seus
ensaios sobre a Arquitectura, liderado pelo socialista e medievalista escritor e
pintor William Morris (1834-1896) e pelo Arquitecto Philip Webb (1831-1915).
Este movimento, viria a durar pouco tempo, mas o suficiente para explicar a
influência decisiva que exerceu no movimento francês Art Nouveau, inspirado
pela natureza, por muitos considerado como uma das raízes do modernismo
no design gráfico, no desenho industrial e na arquitectura, abrindo-se um novo
caminho na estética dos materiais, até então, desconhecida.

135. Sinagoga Rua Pavée, 1913-1914, Hector Guimard, Paris,


fonte própria, 2013

As Sensações e as Emoções na Arquitectura 141


Capítulo I - O Processo Evolutivo entre a Arquitectura e o Meio

O seu carácter inovador, relativamente ao historicismo, teve em Victor Horta


(1861-1947), um dos primeiros Arquitectos a utilizar os metais em edifícios
domésticos na Bélgica, onde se julga ter nascido a Arte Nova com o seu
trabalho da casa Tassel em Bruxelas, que foi o reflexo de uma época
caracterizada pelo progresso e por uma burguesia com fortes tradições
artesanais.
Vitor Horta, Hector Guimard (1867-1942), Antoni Gaudi (1852-1926), Josef
Hoffmann (1870-1956), Henry Van de Velde (1863-1957) e Rennie Mackintosh
(1868-1928), viriam a ser os principais condutores do protagonismo que o
estilo assumiu por toda a Europa, no final do século XIX.
136. Metro Monceau, 1902, H. Guimard, Paris, fonte própria, 2013
Na obra de Gaudi parecemos chegar ao expoente da Emoção.
Se alguma vez pensarmos na existência de uma Arquitectura emocional ela
acontece em Gaudi, dada pela sua intuição mais pura, num acto de criação
mágico que transforma a obra numa Arquitectura verdadeiramente
sensacional pela forma como ela nos toca sensorialmente.

137. Casa Milà, 1906-1910,Gaudi, Barcelona, fonte própria, 2013

142 As Sensações e as Emoções na Arquitectura


Capítulo I - O Processo Evolutivo entre a Arquitectura e o Meio

Paralelamente à Bélgica e à França, a Arte Nova na Áustria foi designada pelo


movimento artístico Secessão Vienense, numa iniciativa de protesto contra as
normas tradicionais tendo em Otto Wagner um papel decisivo na transição da
arte nova, sendo gradualmente simplificada, para uma Arquitectura moderna
mais funcionalista, deixando antever uma nova evolução, no período que se
seguiu à primeira grande guerra mundial.
Otto Wagner (1841-1918), no seu livro Modern Architextur fornecera os
elementos necessários para que nascesse uma nova forma de fazer
Arquitectura onde o estilo estava intimamente ligado com a forma construída,
privilegiando a linha horizontal e a superfície lisa, mais próxima do que a
modernidade assm exigia, lançando os dados para que dali nascesse uma
nova arte austríaca. O movimento teve outros percursores tais como Joseph
Olbrich (1867-1908), Josef Hoffmann.
Nos EUA, por outro lado, o movimento internacional art déco ganhava
expressão e foi, de certa forma, uma mistura de vários estilos e movimentos,
tais como o construtivismo, o cubismo, o modernismo, a bauhaus, a art
nouveau e o futurismo.
A art déco foi meramente decorativa e, de certa forma, eclética, afectando a
arquitectura, o design interior e o desenho industrial, assim como as artes
visuais, a moda, a pintura, as artes gráficas e o cinema, tendo como principais
protagonistas os arquitectos William van Alen (1883-1954) e Shreve, Lamb &
Harmon.

As Sensações e as Emoções na Arquitectura 143


Capítulo I - O Processo Evolutivo entre a Arquitectura e o Meio

138.Ed. de habitação, Majolikahaus, 139.Ed. habitação, Majolikahaus,


1898-1899, Viena, fonte própria, 2011 1898-1899, Viena, fonte própria, 2011

140. Lceu Italiano Leonardo da Vinci,1899-1900, Jules 141. Estação de karlsplatz, 1894-1899, Viena, Otto Wagner,fonte 142. Chrysler Building, 1930-31, William van
Laviratte, Paris, fonte própria, 2015 própria, 2011 Alen, Nova Iorque, fonte própria, 2012

144 As Sensações e as Emoções na Arquitectura


Capítulo I - O Processo Evolutivo entre a Arquitectura e o Meio

1.1.5.1.2 O Funcionalismo
Pouco a pouco os novos materiais iriam assumir clarividência, desde os
edifícios historicistas que foram deixando penetrar no seu interior certas
intervenções em ferro, passando pelas obras-primas da arquitectura,
realizadas na sua generalidade por engenheiros, como foi o caso da Torre
Eiffel, até à Arquitectura do betão que viria a ser desenvolvida por Auguste
Perret.

“Para além da instância ética da propriedade dos meios usados,


Perret estabelece uma verdadeira hierarquia na composição, um novo
modo de chegar ao valor, também ao nível da leitura crítica, através
da racionalidade da estrutura e seu uso como princípio estético.”
Gregotti, 2004, 133

Auguste Perret (1874-1954), Professor de Arquitectura de uma linha


racionalista que consistia numa ordem arquitectural de um novo classicismo
estrutural qe introduzira o uso do betão, possibilitou uma arquitectura
completamente inovadora com a utilização de novas formas aliadas à
economia na construção.
Após a destruição de Le Havre, durante na segunda grande guerra mundial,
Perret foi convidado a planear e reedificar a cidade, tendo oportunidade de
desenvolver a sua obra de maior referência que se tornaria no exemplo mais
coerente da Arquitectura Moderna da escola do classicismo estrutural
francesa.

143. Casa e atelier de Auguste Perret, 1931-1933, Auguste


& Gustave Perret, Paris, fonte própria, 2013

As Sensações e as Emoções na Arquitectura 145


Capítulo I - O Processo Evolutivo entre a Arquitectura e o Meio

50. Casa e atelier de Auguste Perret, 1931-1933,


Auguste & Gustave Perret, Paris, fonte própria, 2013

50. Igreja Saint Joseph, Auguste Perret, Le 50. Interior da igreja Saint Joseph , Auguste Perret, Le Havre,
Havre, fonte própria, 2014 fonte própria, 2014

144. Edificio, 25 bis Rue Franklin, 1902, Auguste & 145. Edifícios de apartamentos resultantes do plano de reconstrução da cidade de Le
Gustave Perret, Paris, fonte própria, 2013 Havre por Auguste Perret, fonte própria, 2014

146 As Sensações e as Emoções na Arquitectura


Capítulo I - O Processo Evolutivo entre a Arquitectura e o Meio

Já nos Estados Unidos, região rica em matérias-primas e, por isso, uma zona
privilegiada para o desenvolvimento da indústria, a forte imigração proveniente
da Europa de populações em busca do “sonho americano”, provocaria um
aumento populacional exponencial junto aos grandes centros urbanos, como
foi o caso de Chicago.
Em 1871, um incêndio arrasaria, quase por completo, a cidade, tornando
fundamental a reconstrução desta de forma rápida e eficaz. O receio de um
novo desastre natural fez com que Chicago se defendesse com novos
conceitos arquitectónicos, ao nível dos métodos construtivos e das
acessibilidades, originando mudanças radicais do ponto de vista urbanístico
com o plano quadrangular que transformaria a antiga cidade numa grande
área metropolitana em permanente expansão.
A primeira geração desta vanguarda que trabalhou nas primeiras obras após
o incêndio e foi apelidada com o termo “Escola de Chicago”, tendo como
pioneiro o engenheiro e arquitecto William Le Baron Jenney, natural do estado
de Massachusetts que havia sido formado juntamente com o seu colega de
curso Gustave Eiffel em Paris. Le Baron Jenney (1832-1907) está por isso, na
origem desse movimento artístico, uma das primeiras manifestações da
Arquitectura moderna, onde empregara quatro ainda jovens que se tornariam,
mais tarde, grandes referências do panorama da Arquitectura de Chicago,
Louis Sullivan (1856-1924), William Holabird (1854-1923), Daniel Burnham
(1846-1912) e Martin Roche (1853-1927).
Os americanos mais distanciados do conservadorismo europeu absorveram
os conhecimentos arquitectónicos e científicos com todo o distanciamento.
146. Edifício Fuller (Flatiron), 1902, Nova Iorque, Daniel
Burnham, fonte própria, 2012

As Sensações e as Emoções na Arquitectura 147


Capítulo I - O Processo Evolutivo entre a Arquitectura e o Meio

O contágio Ocidental deu-se, inevitavelmente, influenciando a Arquitectura


Americana, no entanto, de uma forma muito mais desapegada do classicismo
europeu, trilhando a sua própria caminhada arquitectónica entre os novos
conceitos de Emoção, a Razão e Sensação.
Nos finais do século XIX, esta escola, foi preponderante no desenvolvimento
da cidade ao nível do urbanismo e da Arquitectura, construíndo em Chicago
um conjunto de edifícios de escritórios de grande altura com novas soluções
tipológicas, estruturais, construtivas e morfológicas, de raíz funcionalista,
simbolizando o próprio desenvolvimento económico da cidade.
A “Escola de Chicago” seria influenciada pelos movimentos modernistas da
148. Auditorium Building, 1887-1889, Adler & Sullivan,
Escola de arte de Glasgow sob a liderança de Charles Rennie Mackintosh com Chicago Illinois, fonte própria, 2012

as novas interpretações da Art Nouveau na decoração de interiores e pelo


movimento de protesto de artistas de Viena, contra as correntes artísticas
tradicionalistas, denominado pela “Secessão austríaca”, liderado por Gustav
Klimt (1862-1918), com o forte carácter da Art Noveau e depois com Koloman
Moser (1868-1918) com a procura de uma arte mais simétrica, mais simples e
geometrizada. A sustentação dos edifícios tinha por base uma rede metálica
equilibrada com precisão, solidificada e protegida contra o fogo. Le Baron
Jenney foi o primeiro a executar essa proeza da engenharia, muito por
influência dos conhecimentos que adquirira durante a sua estadia em França.
Burnham realizara projectos de grande qualidade como o Fuller Building em
Nova Iorque, mas a personalidade que melhor simbolizou a inovação
arquitectónica na cidade americana de Chicago, após o incêndio que destruiu
grande parte desta, foi Louis Sullivan. 147. Congress Plaza Hotel, 1907, C. Warren, Holabird e Roche,
Chicago Illinois, fonte própria, 2012

148 As Sensações e as Emoções na Arquitectura


Capítulo I - O Processo Evolutivo entre a Arquitectura e o Meio

Com o afastamento relativamente à arte nova na Europa, para Adolf Loos


(1870-1933), a arquitectura é a composição espacial consolidada. Os espaços
dos edifícios tornaram-se mais práticos, funcionais e mais abertos, condições
necessárias para a sua habitabilidade e conforto, renegando a ornamentação
como sendo um crime.

“Somos contra todo o individualismo artístico e contra a anarquia na


arquitectura e na decoração interior. Somos contra toda a característica
sentimental-populista, contra todo o folclorismo e contra todo o
nacionalimo poético-romântico. Opomo-nos com veemência à sedução
exercida sobre o nosso público (maioritariamente leigo) com vista às
dispendiosas construções modernas e às decorações interiores
luxuosas, sem qualquer sentido quanto à sua função.” Loos, 2004, 269

1.1.5.1.3 De Stijl e Bauhaus


Um dos grandes percursores da simplificação das formas foi igualmente o
holandês Hendrik Petrus Berlage (1856-1934), cujos princípios se baseavam
no neoplatonismo da Idade Média da filosofia de Santo Agostinho, exercendo
influência directa não só no movimento De Stijl, mas também em Arquitectos
alemães Peter Behrens (1868-1940) e Ludwig Mies van der Rohe (1886-
1969). Entre os colaboradores do movimento De Stijl estavam Doesburg
(1883-1931), Piet Mondrian (1888-1964) e Gerrit Rietvield (1888-1964),
surgindo através deste, o único exemplo construído, a casa Schröder, projecto

148. Edifício de habitação e comércio, Viena,


que rompeu radicalmente os pressupostos da Arquitectura tradicional.
1911, Adolf Loos,, fonte própria, 2011

As Sensações e as Emoções na Arquitectura 149


Capítulo I - O Processo Evolutivo entre a Arquitectura e o Meio

A Arquitectura do século XX trilhara os seus caminhos pelo mundo da


Psicologia, com contribuições orientadas para a actividade projectual nas mais
diferentes orientações e análises de ordem mental e comportamental
baseadas na experiência neuropsicofisiológica, através das novas
formulações visualistas, estudos das cores e dos padrões, a partir do
aparecimento da Psicologia da Gestalt de Fritz Perls e Cristian vom Ehrenfels,
e mais tarde com o aparecimento da Bauhaus.

Estas novas correntes estiveram relacionadas primeiro com o aparecimento


da genética de Jean Piaget (1896-1980) com as novas formulações sobre o
raciocínio, causalidade, tempo, espaço e o movimento a partir de estudos da
evolução da infância e que passaram a pertencer ao domínio da Psicologia da
mente e do ego, onde se destacaram depois Sigmund Freud e Carl
Jung.Freud (1856-1939), o pai da psicanálise, afirmava que o pensamento era
desenvolvido no acesso à consciência por processos diferenciados,
relacionando o sistema cerebral com o campo da semântica, onde a mente
desenvolve o pensamento baseado num sistema complexo enredado de
imagens. Já, Jung (1875-1961), convivendo durante um curto período de
tempo com um certo encantamento pelas ideias de Sigmund Freud, não
conseguira disfarçar algumas diferenças fundamentais, acerca do fenómeno
de extroversão e introversão, optando por aquele que se centra na própria
pessoa, não sendo sinónimo de egoísmo, mas porque o mundo exterior o
incomoda e ele o evita, teorizou sobre o insconsciente colectivo, lançando os
elementos para o ponto de partida para a análise da personalidade.
149. Maquete da casa Rietveld Schroder, Gerrit Rietveld,
Ultreque,1924,
Vitoria and Albert Museum, in London, fonte própria, 2011
150 As Sensações e as Emoções na Arquitectura
Capítulo I - O Processo Evolutivo entre a Arquitectura e o Meio

Muito embora Freud ou Jung não tenham formulado princípios estéticos, as


suas contribuições do foro neuropsicofisiológico não escaparam às novas
teorias arquitectónicas, como foi o caso da relação que se estabeleceu mais
tarde entre o processo criativo e a psicanálise com a interpretação dos sonhos
com Freud e das ideias do pensamento colectivo de Jung.

Estes desdobramentos do foro neuropsicofisiológico vinculados com a


fenomenologia tiveram na Psicologia da Gestalt uma influência vital e
contribuições que foram muito importantes para a Arquitectura e para as artes
plásticas. Estando muito na origem dos primeiros trabalhos sobre a
percepção, sobre os espaços interiores e os espaços urbanos que consistiram
em estudos da dinâmica da forma.

Com a evolução dos tempos tornou-se imperioso impor um tipo de construção


em série, mais económica, simplificando-se os volumes, predominando linhas
rectas e sólidos geométricos, paredes lisas e coberturas planas.

Surgindo assim, o funcionalismo racionalista, o chamado “estilo internacional”,


o primeiro dos movimentos em torno dos arquitectos alemães Peter Behrens
e Walter Gropius (1883-1969).

Groupius inspirara a associação de artesãos ingleses e alemães, formada


pelos arquitectos Hermann Muthesius (1861-1927) e Henry van de Velde e a
Deutcher Werkbund, que pregava o renascimento das artes industriais a partir
de uma colaboração entre designer’s e engenheiros, apoiados na máxima de
Gropius que dizia que a forma seguia a função e de que todo o ornamento
deveria ser abolido.

As Sensações e as Emoções na Arquitectura 151


Capítulo I - O Processo Evolutivo entre a Arquitectura e o Meio

Walter Gropius que viria ser o fundador da Bauhaus, a ainda famosa escola
alemã de design, artes plásticas e Arquitectura. Decidiu criar um novo estilo
arquitectónico que reflectisse a nova época, não obrigando o uso dos metais
na Arquitectura e no Design, eram apenas sugeridos como forma de
insdustrialização das artes resultando, por isso, objectos em vários metais,
desenhados pelos alunos da escola.

Deu o impulso na criação de bens de consumo primava pela funcionalidade,


pelo custo reduzido e pela orientação para a produção em série. Viria a ser
sucedido por Hannes Meyer (1889-1954) e Ludwig Mies van der Rohe.

“A ideia de funcionalidade ganha, com a contribuição da Bauhaus, um


significado ainda mais amplo. Trata-se de construir uma metodologia da
arquitetura que, face aos problemas, tenda à suspensão de todo prejuízo
histórico e estilístico e se dedique à instauração de vínculos «funcionais» entre
necessidades da sociedade dos homens e soluções arquitectónicas.”Gregotti,
2004, 135

A Bauhaus fez assim, a síntese de movimentos como o Arts & Crafts, Art
Nouveau, a Deutscher Werkbund e o racionalismo dos artistas e intelectuais
europeus como forma de reacção à irracionalidade da 1ª. Guerra Mundial. No
entanto, a influência do seu caráter geométrico recebera-a de movimentos
como o cubismo, o construtivismo, o De Stijl e das teorias da Gestalt.

150. Entrada antiga Bauhaus, 6, Bauhaus Taschen, 2006

152 As Sensações e as Emoções na Arquitectura


Capítulo I - O Processo Evolutivo entre a Arquitectura e o Meio

1.1.5.1.4 Funcionalismo e Organicismo


Louis Sullivan viria a ser o interveniente mais importante e fundamental, sobre
o qual a “Escola de Chicago” se ergueria, libertando-a de certos conceitos.
Já Henry Hobson Richardson (1838-1886), formado em Paris, diferenciou-se
pela sua formalidade de influência neo-romântica.
Louis Sullivan, que também frequentara a Escola das Belas Artes em Paris,
entre 1874 e 1876, quando regressou começara a trabalhar na empresa
“Dankmar Addler” na qual se tornara mais tarde sócio, passando a denominar-
se “Adler & Sullivan”, tendo como um dos primeiros projectos o Auditorium
Building, em Chicago, um edifício de estrutura metálica revestido a alvenaria.
151. Glessner House, 1887, Henry Richardson, Chicago, fonte própria, 2012
Sullivan, que defendia que a forma deve seguir a função, tornar-se-ía o autor
de uma das fórmulas mais emblemáticas da Arquitectura Moderna.
Fazia parte da geração de Arquitectos que pretendiam um corte com a
tradição europeia, renunciando a composição predominantemente horizontal
e criar um estilo especificamente americano.
Uma revolução formal que deveria ser acompanhada pelas novas técnicas
construtivas a que se assistia, no momento, com a utilização do ferro, que
permitiram elevar os edifícios.
A Arquitectura funcionalista e organicista foi influenciada pelos vanguardistas
Viollet-Le-Duc e Göttfried Semper. Louis Sullivan abriu, assim, o caminho à
funcionalidade, como ponto de partida para a produção industrial e anunciara
o organicismo pela grande expressividade que empregava na ornamentação
152. Reliance Building, 1895, Burnham e 153. Carson Pirie Scott & C. Building, 1899, dos materiais alusivos à natureza.
Root, Chicago, fonte própria, 2012 Louis Sullivan, Chicago, fonte própria, 2012

As Sensações e as Emoções na Arquitectura 153


Capítulo I - O Processo Evolutivo entre a Arquitectura e o Meio

A Arquitectura funcionalista e organicista que tinha sido influenciada pelos


vanguardistas Viollet-Le-Duc e Göttfried Semper, abriria o caminho à
funcionalidade de Sullivan, como ponto de partida para a produção industrial.
Contagiando toda uma geração de Arquitectos como Richard E. Schmidt
(1865-1958) e Frank Lloyd Wright. Destacando-se muito em especial Wright,
que ali se iniciára como arquitecto tornando-se, mais tarde, num dos grandes
arquitectos da história da arquitectura moderna. Entre os Arquitectos da
“Escola de Chicago” Sullivan, destacar-se-ia também pela sua vasta obra
escrita. 154. Louis Sullivan, 1892, Chicago Illinois, fonte própria, 2012

“A função de um edifício é que deve determinar sua forma, assim


como o carvalho expressa a função de carvalho e o pinheiro, a
de pinheiro”. Não se limita já à simples correspondência entre
problemas e soluções (entre meios e uso dos meios,
necessidade e sua satisfação), mas converte a lógica interna da
155. Rookery Building, 1888, 156. Albert Madlener House,
obra num parâmetro fundamental de juízo, compromete-se o fato Burnham, remodelado por F.L. Wright, 1902, Richard E. Schmidt,
Chicago, fonte própria, 2012 Chicago Illinois, fonte própria,
expressivo mesmo com sua significação determinante, 2012

rompendo todo o vínculo com a estética naturalista.” Louis Sullivan

escrevia em sua Autobiography of an idea, Gregotti, 2004, 133 e 135

Muito devido ao boom imobiliário, o crescimento da cidade que se


complementara entre o crescimento vertical verificado no centro e crescimento
horizontal do subúrbio, via-se expandido pela via-férrea nas extensas áreas
industriais, equipamentos e zonas residenciais como o Oak Park, onde
aconteceram, mais tarde, os primeiros projectos de Frank Lloyd Wright.
157. Albert F. Madlener House, 1902, Richard E. Schmidt,
Chicago Illinois, fonte própria, 2012

154 As Sensações e as Emoções na Arquitectura


Capítulo I - O Processo Evolutivo entre a Arquitectura e o Meio

1.1.5.1.5 Arquitectura Orgânica - Frank Lloyd Wright


Frank Lloyd Wrigth, nasceu a 8 de Junho de 1867, numa pequena cidade
agrícola de Richland Center, nos Estados Unidos. Oriundo de uma família
pobre, teve uma educação idiossincrática por influência dos seus pais que
eram pessoas obstinadas, com interesses muito próprios. Frank viveu uma
infância algo tempestuosa, devido ao matrimónio infeliz dos seus pais que
terminaria em divórcio. O seu pai, originário de Massachusetts, era uma
158.Robert P. Parker House, 1892, 159. Charles E. RobertsHouse, 1879-1896, pessoa afável e desempenhou várias profissões, foi pastor, músico, advogado
Frank Lloyd Wright, fonte própria, 2012 Frank Lloyd Wright, fonte própria, 2012
ocasional e político. No entanto, nunca conseguiu conservar um emprego
durante muito tempo, não ganhando dinheiro suficiente para satisfazer as altas
aspirações da sua esposa. Embora fosse um pai distante, compartilharia com
os seus filhos o seu gosto pela música.

“O meu pai ensinou-me que compor uma sinfonia é como


construir um edifício, e vi que os compositores e arquitectos
utilizam o mesmo pensamento para compor ou projectar. Para
me inspirar, sentava-me a escutar Bethoven que, também foi um
grande Arquitecto. Ambos tipo de mente são parecidas porque
compõem e constroem, desenham e projectam.” Wright,

www.youtube.com, 2012

A mãe de Frank, descendente de famílias Galesas, era professora. Como não


era feliz ao lado do seu marido, concentrava todas as atenções no seu filho,
superprotegendo-o, preocupada com a sua educação.
160. Thomas H. Gale House, 1892, Frank Lloyd Wright, fonte própria, 2012

As Sensações e as Emoções na Arquitectura 155


Capítulo I - O Processo Evolutivo entre a Arquitectura e o Meio

Procurava estimulá-lo com jogos de blocos com que Frank brincara


durante muito tempo, tendo sido decisivo na formação das combinações
geométricas e composições tridimensionais. Influenciando de tal forma a
sua personalidade que se pode perceber nas suas obras pelas suas
conjugações geométricas.

“Wright afirmava que tinha sido a sua mãe que determinara a sua
profissão, que, enquanto estava grávida, determinou que a
criança iria ser um rapaz, que cresceria para se tornar um grande
arquitecto. Ela educou o filho na sua primeira infância com base
nesta convicção.” Pfeiffer, 2004, p8

Aos catorze anos os seus pais separaram-se. A mãe de Frank estava infeliz
há algum tempo com a inabilidade do marido para sustentar a família e pediu-
lhe que se afastasse, divorciando-se em 1885. William deixou Wisconsin após
161. Walter H. Gale House, 1893, Frank Lloyd Wright, fonte própria, 2012
o divórcio e Frank nunca mais encontrou o seu pai. Por volta dessa altura, a
sua mãe entendeu que chegara o momento de introduzir outra experiência na
sua educação e decidiu mandar o seu filho trabalhar numa quinta da sua
família, nas proximidades, durante os períodos de verão.

“Essas experiências da sua infância criaram profundos valores e


memórias de natureza tão forte, por vezes tão comoventes e
extenuantes, que a sua memória, 54 anos mais tarde, o lembrou
a considerar esses anos como os formativos da sua vida.” Pfeiffer,

2004, p8
162. Francis J. Woolley House, 1893, 163. George W. Furbeck House, 1897,
Frank Lloyd Wright, fonte própria, 2012 Frank Lloyd Wright, fonte própria, 2012

156 As Sensações e as Emoções na Arquitectura


Capítulo I - O Processo Evolutivo entre a Arquitectura e o Meio

Após a sua infância e adolescência, Wright foi admitido na University of


Wisconsin School of Engineering como aluno especial, no entanto,
abandonaria o curso sem se ter graduado, rumando a Chicago para seguir a
vida de Arquitecto.
Na fase em que a cidade estava a ser reconstruída, após o grande incêndio
eu aí se registou, trabalhou no escritório de Arquitectura de Joseph Silsbee
(1848-1913), de onde sairia um ano depois, para trabalhar na empresa Adler
& Sullivan, como aprendiz.
Casou-se em 1889 com a sua primeira mulher, filha de um empresário rico,
contribuindo para o aumento do seu status social, tornando-o mais conhecido,
tendo ficado, mais tarde, responsável por todo o trabalho residencial da
164.Frank Lloyd Wright House, Home and Studio, 1889-1898,
Frank Lloyd Wright, fonte própria, 2012 empresa.
Louis Sullivan viria a descobrir, sete anos mais tarde, que Wright aceitava
encomendas privadas. Incompatibilizando-se com o seu patrão, despediu-se,
estabelecendo-se por conta própria, em sua casa, situada em Oak Park.
Em 1901, Wright já contava com cerca de cinquenta projectos, na sua maioria
moradias, passando a “casa da pradaria” a representar um tipo de concepção
residencial marcante nos dez anos seguintes.
Caracterizando-se pelas linhas horizontais de proporcionalidade baixa
associadas ao solo, cornijas salientes e espaços interiores abertos num
sistema de “planta aberta” que originou uma linguagem arquitectónica
completamente nova.
165. Nathan G.Moore House, 1895-1923, 166. Peter A. Beachy House, 1906,
Frank Lloyd Wright, fonte própria, 2012 Frank Lloyd Wright, fonte própria, 2012

As Sensações e as Emoções na Arquitectura 157


Capítulo I - O Processo Evolutivo entre a Arquitectura e o Meio

Verificando-se desde o seu primeiro projecto a preocupação e o respeito


pelos materiais naturais, fazendo da pedra, do tijolo e da madeira os seus
materiais arquitectónicos de eleição.

“Eu amo a pradaria por instinto pela sua grande simplicidade


– as árvores, as pequenas flores, o céu propriamente dito,
emocionante pelo contraste. Vi que uma elevação na pradaria
era suficiente para que parecesse muito mais alta – cada 167. Willian G. Fricke House, 1901, Frank Lloyd Wright, fonte própria, 2012
pormenor deve ser realçado para se tornar intensamente
significante, a largura torna-se menos importante…Eu tive
uma ideia de que os planos horizontais nas construções
pertencem ao chão. Comecei a pôr essa ideia em prática.”
Wright, Pfeiffer, 2004, 9

A Arquitectura de Wright, independentemente de toda a sua sensibilidade


inata que lhe era reconhecida, com experiência vivida em Oak Park, 168. Rollin Furbeck House, 1897, Frank 169. George W. Smith House, 1898,
Lloyd Wright, fonte própria, 2012 Frank Lloyd Wright, fonte própria, 2012
concretamente, com os seus primeiros projectos para os mais variados
clientes, proporciornaram-lhe todo um enriquecimento intelectual e um
olhar sobre a Arquitectura único que a tornara distinta.
A sua vivência acumulada pelas sucessivas experiências que absorvera,
a sua educação e todas as vivências do passado, acumularam em si uma
forma de projectar única que o levara à glória, como podemos confirmar e
avaliar pela evolução da sua obra.
170. Frank W. Thomas House, 1901, Frank Lloyd Wright, fonte própria, 2012

158 As Sensações e as Emoções na Arquitectura


Capítulo I - O Processo Evolutivo entre a Arquitectura e o Meio

171. Unity Temple, 1905, Frank Lloyd Wright, fonte própria, 2012 172. Unity Temple, 1905, Frank Lloyd Wright, fonte própria, 2012

173. Edward R.Hills/Decaro House, 1906-1977, Frank 174. Willian E. Martin House, 1903, Frank Lloyd Wright, fonte própria, 2012
Lloyd Wright, fonte própria, 2012

As Sensações e as Emoções na Arquitectura 159


Capítulo I - O Processo Evolutivo entre a Arquitectura e o Meio

175. Thomas H. Gale House, 1909, Frank Lloyd Wright, fonte 176. Arthur B. Heurtley House, 1902, Frank Lloyd Wright, fonte própria, 2012
própria, 2012

177. Francisco Terrace, 1977, Frank Lloyd Wright, fonte própria, 2012 178. Francisco Terrace, 1977, Frank Lloyd Wright, fonte
própria, 2012

160 As Sensações e as Emoções na Arquitectura


Capítulo I - O Processo Evolutivo entre a Arquitectura e o Meio

Em 1911, após deixar a sua mulher, Wright começou a construir a sua casa
de verão em Teliesin East, sobre o topo do monte favorito da infância, muito
motivado pelo seu novo relacionamento com ex-mulher de um cliente seu,
Mamah Borthwick, agora com o seu nome de solteira. Mudariam para Teliesin,
após o Natal de 1911.
A sua ligação a Teliesin durou para o resto da sua vida e, com a compra das
terras envolventes, ampliaria a sua propriedade. Nas décadas seguintes a sua
casa passaria a ser um tipo de estúdio experimental, pelas sucessivas
transformações que lhe ia fazendo, convidando artistas a permanecer e a
trabalhar com ele.
Daria início à construção da sua residência de inverno em 1937, migrando
entre as duas todos os anos. Wright acreditava que a mudança trazia
novidade, aperfeiçoamento e novas perspectivas, numa contínua evolução.

“Do início ao fim, ao longo de toda a obra de Frank Lloyd Wright,


um importante elemento mantém-se constante, prevalece sobre
todas as outras considerações, mantém-se, de facto, sempre a
primeira consideração: os valores humanos. Wright chamava-lhe
frequentemente “Humanidade”. Desde simples habitações até
vastos centros cívicos, desde fábricas a catedrais, desde quintas
a escolas, onde quer que o homem seja colocado em relação
aos edifícios de Wright, o homem é ostensivamente colocado no
centro.” Pfeiffer, 2004,14

179, 180.Interiores Museu Guggenheim, Frank Lloyd Wright,Nova


Iorque, fonte própria, 2012

As Sensações e as Emoções na Arquitectura 161


Capítulo I - O Processo Evolutivo entre a Arquitectura e o Meio

Em Taliesin foram projectados alguns dos seus maiores projectos, tais como,
a Fallingwater e o Museu Guggenheim, entre muitas outras, e em 1940, com
a sua terceira esposa, criaram a Frank Lloyd Wright Foundation, que ainda
existe, e que detém os arquivos de Wright.

Em 1935 na cidade de Nova Iorque, Frank Lloyd Wright apresentava


publicamente o seu plano para a cidade ideal Broadacre City, onde
manifestara as primeiras preocupações ecológicas, como reacção aos
problemas sociais da época, onde a cidade industrial é assunto do dia,
apresentando um modelo de estrutura urbana em que a paisagem natural sai
valorizada, alienando o homem da artificialidade, baseando-se na Arquitectura
orgânica.

181,182. Museu Guggenheim, 1956-1959, Frank Lloyd Wright,Nova Iorque, fonte própria, 2012

162 As Sensações e as Emoções na Arquitectura


Capítulo I - O Processo Evolutivo entre a Arquitectura e o Meio

A Casa da cascata ou Casa Kaufmann, nome de família do seu proprietário é


considerada uma das casas mais famosas do mundo. Projectada por Frank
Lloyd Wright, ergueu-se sobre uma queda de água em Bear Run, na
Pensilvânia, EUA, tirando partido dos elementos naturais do local como parte
constituinte da sua composição tratando-se, sem dúvida alguma, numa das
suas obras primas.

“O que esta construção alcança, com talvez mais drama do


que qualquer outra residência privada, é a colocação do
homem em relação à natureza. Este importante aspecto do
homem e da paisagem estava profundamente enraizado em
Wright.” Pfeiffer, 2004, 53

Na Casa da Cascata sabemos que o Wright estabeleceu aqui uma relação


forte com o lugar, que de resto podemos sentir in loco através dos estímulos
externos que recebemos do ambiente que a rodeia. A magia deste lugar
silencioso acontece quando o homem, na sua solidão, o contempla
absorvendo os sons das árvores que se tocam ao sabor do vento e das quedas
de água que cavaqueiam com as rochas e quando fecharmos os olhos e
inspiramos o olfacto mais genuíno, o da natureza. Não nos sentimos sozinhos.
Fazemos parte dela. As varandas arrojadas de betão armado, proporcionadas
pela horizontalidade das grandes consolas de betão sobre as quedas de água,
parecem exultar sensações únicas num mistério onde a obra através da forma
abraça a natureza e a natureza através do som comunica com a obra.
183. Casa da Cascata ou Casa Edgar J. Kaufmann,
1939,Pensilvania, Frank Lloyd Wright, fonte própria, 2012

As Sensações e as Emoções na Arquitectura 163


Capítulo I - O Processo Evolutivo entre a Arquitectura e o Meio

Os muros de pedra fazem o enquadramento com as rochas do local, criando


uma atmosfera em perfeita sintonia, onde as rochas parecem erguer-se
através dos volumes da obra que se acentuam mais verticalmente. Foi a partir
da forma como as obras de Frank Lloyd Wright comunicavam com o lugar,
deste modo excepcional como o penetrava ligando a natureza, que a
Arquitectura americana, passou a ganhar maior respeito pelos europeus.

“A totalidade do pavimento do chão é de pedra, assim como as


paredes, e os trabalhos em madeira são de nogueira,
executados com uma excelente qualidade. Um passeio
semicircular coberto une a casa principal à casa de hóspedes
num ponto mais elevado da colina.” Pfeiffer, 2004, 53
184. Aspecto da famosa lareira da Casa da Cascata ou Casa Edgar J.
A ligação ao lugar é sentida na obra no seu todo. O espaço interior comunica Kaufmann, 1939,Pensilvania, Frank Lloyd Wright, fonte própria, 2012

com o exterior através das superfícies interpenetrantes dos grandes


envidraçados que ligam à natureza e o exterior que comunica através da
continuidade das suas rochas pelo solo, no interior, terminando na lareira,
elemento central unificador da família que, por sua vez, também liga à obra e
à natureza.

“Os efeitos provocados pela luz salpicada, pela folhagem do entorno,


pela água caíndo e pela sensação de liberdade horizontal para todos
os lados davam uma imagem exata das famosas máximas de Wright
sobre a integração da Arquitectura com a natureza. Havia a sensação
de uma ordem vital e mutável provocada pelos deslocamentos do
contexto e dos elementos, definindo novas relações.” Curtis, 2008, 311
185. Casa da Cascata ou Casa Edgar J. Kaufmann, 1939,Pensilvania, Frank
Lloyd Wright, fonte própria, 2012

164 As Sensações e as Emoções na Arquitectura


Capítulo I - O Processo Evolutivo entre a Arquitectura e o Meio

186. Casa da Cascata ou Casa Edgar J. Kaufmann, 1939,Pensilvania, Frank Lloyd Wright, fonte própria, 2012

As Sensações e as Emoções na Arquitectura 165


Capítulo I - O Processo Evolutivo entre a Arquitectura e o Meio

187, 188, 189. Casa da Cascata ou Casa Edgar J. Kaufmann, 1939,Pensilvania, Frank Lloyd Wright, fonte própria, 2012

166 As Sensações e as Emoções na Arquitectura


Capítulo I - O Processo Evolutivo entre a Arquitectura e o Meio

A capacidade de comunicar através da obra é revelador da autênticidade de


Wright nos seus projectos, por terem muito a ver consigo próprio, com as suas
raízes, com os seus valores, com a sua personalidade e com a sua
sensibilidade.
A partir do funcionalismo e organicismo que recebera de Sullivan, do rigor
geométrico das suas composições volumétricas e o contacto com o campo
que herdara da sua infância, pelas sucessivas experiências de trabalho com
diversos clientes e o contacto que estabelecera com a cultura oriental, de
grande espiritualidade, que alargara os seus conhecimentos.
190. Robie house, 1922, Chicago Ilinois, Frank Lloyd Wright, fonte própria, 2012
Estimulara a sua sensibilidade projectual de tal forma, que o próprio dizia, que
a Arquitectura tinha o dever de transmitir a felicidade. Nestes termos,
queremos permitirmo-nos afirmar que a sua obra começa a partir da Razão,
acontece com toda a Emoção do organicismo e termina com toda a Sensação
de ordem espiritual que ela nos transmite. Se os materiais naturais estavam
esquecidos, o betão, o aço e o vidro pareciam ser usados de forma
desadequada.
Foi sobretudo, Wright com a utilização do tijolo cerâmico, pedra e outros
materiais, recorrendo ao aço combinado com betão que alcançara o
compromisso da Arquitectura orgânica entre a liberdade das formas e o seu
enquadramento com a natureza, sendo ele, o grande impulsionador duma
Arquitectura inteiramente nova para o século XX. A verdade dos materiais e
das formas puras da Arquitectura tradicional japonesa foram
determinantemente influenciadoras nos conceitos orgânicos de Wright como
foi o caso da Robie House e outras obras deste período.
191. Robie house, 1922, Chicago Ilinois, Frank Lloyd Wright, fonte própria, 2012

As Sensações e as Emoções na Arquitectura 167


Capítulo I - O Processo Evolutivo entre a Arquitectura e o Meio

Frank Lloyd Wright morre a 9 de Abril de 1959 tendo deixado obras fantásticas
que marcaram e influenciaram gerações por esse mundo fora, escreveu livros,
muitos artigos e foi um orador popular nos Estados Unidos. Wright foi um dos
Arquitectos mais importantes do século XX, tornando-se no principal
representante da Arquitectura orgânica, muito por influência da sua vida de
infância ligado à natureza.
Pode-se afirmar que Wright dedicou à Arquitectura a sua própria vida, pela
sua total entrega à causa, sentindo desde a sua infância uma queda natural
para tal, muito por influência da sua mãe. Wright, teve uma vida repleta de
sucessos profissionais e pessoais, numa caminhada que nem sempre foi fácil,
pelos acontecimentos dramáticos que maracaram a sua vida e a sua própria
personalidade. Frank Lloyd Wright espalhou a sua Arquitectura pelo mundo,
contribuindo muito para a mudança do panorama Arquitectónico mundial.
Designou os seus edifícios como “Arquitectura orgânica”, uma expressão que
foi iniciada pelo seu mestre Louis Sullivan, cuja grande influência não poderia 192. Robie house, 1922, Chicago Ilinois, Frank Lloyd Wright, fonte própria, 2012

deixar de ser referida como se pode constatar na Chaenley-Persky House e


em muitos dos detalhes das suas obras.
A Arquitectura orgânica critica o funcionalismo racionalista que, entretanto,
entrara em crise, insurgindo-se contra o conceito da casa “máquina de
habitar”, a frieza e despersonalização, contra “muros de cimento armado”
disfarçados pelas múltiplas janelas, a excessiva abertura ao exterior, retirando
a necessária sensação de conforto, bem como a excessiva repetição das
formas, propondo uma arquitectura enquadrada com o meio envolvente.

193. Robie house, 1922, Chicago Ilinois, Frank Lloyd Wright, fonte própria, 2012

168 As Sensações e as Emoções na Arquitectura


Capítulo I - O Processo Evolutivo entre a Arquitectura e o Meio

Frank Lloyd Wright viria influênciar arquitectos em todo o mundo, como foram
os casos de Rudolph Schindler (1887-1953), Richard Neutra (1892-1970) e
Alvar Aalto.
O Arquitecto austríaco Richard Neutra que ainda trabalhara dois anos em
Berlim com o expressionista Erich Mendelsohn, imigrara para os EUA em
1923. Seduzido pela energia do país e pela Arquitectura de Frank Lloyd
Wright, com quem chegara a trabalhar, mudara-se para a Califórnia pouco
tempo depois. Tendo-se decepcionado em parte pela Arquitectura
ornamentada do seu mestre, o que o levaria a mudar-se para trabalhar com
Rudolph Schindler, estabeleceu-se mais tarde por conta própria. Richard
194. Casa Kaufman, 1947, Palm Springs, Califórnia,
Richard Neutra, p57, Taschen, 2004 Neutra que seria convidado a projectar uma casa de saúde para o Dr. Philip
Lovell em Newport Beach, que se destacara pelas suas características do
Estilo Internacional dos anos 30, obteve grande reconhecimento pelas suas
inovações, exercendo uma influência decisiva na sua carreira. As suas
preocupações com o bem-estar psico-fisiológico procuraram nas suas obras
arquitectónicas e escritas, conhecidas pelo chamado “biorrealismo”, a
associação da forma arquitectónica à saúde geral do sistema nervoso.
Segundo Mallgrave, esta visão de Neutra está em parte relacionada com a
publicação do livro sobre a percepção visual do Viennense Friederich Hayek
publicado em 1952, mas também pela curiosa posição idêntica que mantém
com o Psicólogo canadiano Donald O. Hebb, de que a actividade neurológica
do cérebro não pode estar dissociada do ambiente físico em que ela ocorre,
onde Neutra argumenta bastante preocupado, que o Arquitecto que ignora
este facto coloca o futuro da raça humana em perigo. Mallgrave, 2011, p104
195. Casa Kaufman, 1947, Palm Springs, Califórnia,
Richard Neutra, p57, Taschen, 2004

As Sensações e as Emoções na Arquitectura 169


Capítulo I - O Processo Evolutivo entre a Arquitectura e o Meio

1.1.5.1.6 Arquitectura Orgânica – Alvar Aalto


O movimento orgânico tinha-se estendido à Europa, com o arquitecto
Finlandês Alvar Aalto, como um dos primeiros, mais influentes e mais
brilhantes percursores da arquitectura do movimento moderno escandinavo,
marcando a história com uma obra exemplar, reveladora de uma identidade
única e cuja vertente orgânica da arquitectura moderna, da primeira metade
do século XX, o celebrizara como um dos grandes mestres de todos os
tempos.
Hugo Alvar Henrik Aalto nasceu a 3 de Fevereiro de 1898, na aldeia de
Kuortane no Sul da Bótnia oriental, onde passou a sua infância. Oriundo de
uma família típica burguesa, foi a primeira criança da família e que viria a ter
mais dois irmãos e uma irmã. Viveu numa casa de madeira e partilhava com
a sua família o amor pela natureza, pelas florestas e campos, num ambiente
familiar que apregoava tradições humanísticas ocidentais ligadas aos valores
clássicos renascentistas, e que foram decisivos no seu desenvolvimento
intelectual.
Aos cinco anos, Alvar mudou-se para Jyvaskyla, situada na Finlândia central,
cidade que era conhecida por “Atenas da Finlândia”, cuja beleza da paisagem
e dos lagos viriam a influenciar na decisão de fixarem aí o seu local de
residência, mas também pelo facto de se identificar com a cultura Finlandesa
e de existir nesta cidade um importante núcleo escolar que defendia o grande
respeito pela natureza.

196. Cadeira, Alvar Aalto, Exposição de mobiliário, MOMA,


Nova Iorque, fonte própria, 2012

170 As Sensações e as Emoções na Arquitectura


Capítulo I - O Processo Evolutivo entre a Arquitectura e o Meio

Assim, ingressou no curso de Arquitectura no Instituto Superior Técnico de


Helsínquia. Aalto era um estudante charmoso, muito popular entre as alunas,
sempre muito participativo nas diversas acções e festas da escola, tendo sido
detido, cerca de duas semanas, por ter sido suspeito de pertencer ao
“movimento de caçadores”, e, nessa altura, com a guerra civil os seus estudos
tiveram que ser interrompidos.
Alvar Aalto terminou o curso em 1921 e começou a trabalhar por conta própria
em Helsínquia. Contudo não teve um bom arranque e regressou a Jyvaskyla
onde fundou o seu novo atelier.
Em 1923, começou a trabalhar com a Arquitecta Aino Marsino (1894-1949),
aquela que viria a ser a sua futura mulher e que exerceu uma influência muito
importante na sua carreira, pela cumplicidade que os unia. Neste período, fez
uma viagem à Suécia onde conheceu Gunnar Asplund (1885-1940) Arquitecto
sueco, de quem se tornou amigo, cujas obras pareciam juntar a Arquitectura
vernacular com o clássico, foi um dos catalisadores do movimento romântico
na Suêcia. Aalto viria a manifestar nas suas obras seguintes, durante alguns
anos, a influência de Asplund passando, em 1927, definitivamente a projectar
segundo o Classicismo romântico.
Alvar Aalto desenvolvera projectos, realizara várias viagens e participara em
exposições e conferências, fazendo amigos por todo o mundo, tendo em 1943,
sido eleito presidente da Associação de Arquitectos Finlandesa.
A Casa de Verão em Muuratsalo, na Finlândia, surge no ano seguinte ao
casamento de Alvar e Elissa Aalto, em 1953, fazendo dela o escritório de
verão, para lazer e experiências arquitetônicas.
197. Câmara Municipal de Säynätsalo, Aalto, Taschen,56, 2005

As Sensações e as Emoções na Arquitectura 171


Capítulo I - O Processo Evolutivo entre a Arquitectura e o Meio

A casa experimental de Alvar Aalto demonstra o espírito inovador do


arquitecto para a época, pelo tratamento mais variado da composição dos
materiais, aludindo à importância dos estímulos na Arquitectura, com um
simples aproveitando de materiais de outras obras.

“Tanto o ambiente fisico como o intellectual maracaram


significativamente o jovem Alvar. Natureza e cultura não eram
nunca antagónicas para ele, mas sim elementos complementares
de cada; Sua vida foi passada entre cidadãos de diferentes
profissões: funcionários, comerciantes, professores, mestres de
escola, artesãos e camponeses, que constituíam uma comunidade
harmónica, donde cada qual disfrutava de uma grande liberdade
individual. E na sua maturidade, Aalto recordava satisfeito sua
infância e adolescência, relatando um sem fim de episódios que
glorificaram as condições de vida em que estes transcurriam.”
Leyene and Cecilia, 1997, 15

Na Arquitectura de Alvar Aalto coabita uma dialética com a natureza, onde


Arquitetura e o Design são partes inseparáveis de um todo, devendo-se muito
à relação peculiar dos filandeses e sua cultura com o meio natural.
O contraste dos materiais resultava de aplicação das práticas da construção
vernacular numa nova composição da Arquitectura, cujos sistemas
construtivos e a utilização dos materiais eram mostrados com toda a verdade.
O conhecimento dos grandes mestres do movimento moderno internacional
era notório, mantendo por isso na sua essência essa lealdade.
198. Fachada exterior Muuratsalo, Finlândia, Aalto, Taschen, 72, 2005

172 As Sensações e as Emoções na Arquitectura


Capítulo I - O Processo Evolutivo entre a Arquitectura e o Meio

Os materiais, os sistemas de contrução e a utilização dos materiais eram


mostrados com toda a verdade e o conhecimento dos grandes mestres do
movimento moderno internacional era notório, mantendo na sua essência
essa lealdade.

“Arquitectura moderna não significa o uso de novos materiais


imaturos; o importante é aperfeiçoar os materiais numa
direcção mais humana.” Alvar Aalto citado por Lahti, 2005

As preocupações de Alvar Aalto com o aproveitamento das potencialidades


da luz natural foram notórias em muitas das suas obras, elaborando vários
estudos sobre a distribuição de raios solares de onde destacamos o Sanatório
para Tuberculosos em Paimio, na Finlândia.
Podemos dizer que a base da sensibilidade presente na sua formação
intelectual, deveu-se muito à familiaridade e a experiências territoriais, bem
patente nas suas obras, pelas formas orgânicas e pela utilização de materiais
naturais, que assim enriqueceu a linguagem formal das suas obras, através
dos pormenores construtivos de origem artesanal, com a utilização de
materiais nobres como a madeira e a pedra, tornando-se num dos Arquitectos
mais marcantes para as gerações futuras.
Alvar Aalto passava para a sua Arquitectura muito de si, toda uma parte
emocional ligada ao sentimento de si sobre as coisas, que se reflectiria na sua
obra. Podemos verificar ao longo história da Arquitectura Moderna a
importância de Alvar Aalto, pela influência que exerceu e ainda exerce em
arquitectos tão importantes como Siza Vieira.
199. Sanatório para Tuberculosos, Paimio. Finlândia, Alvar Aalto, 1932, 9, Dinalivro, 2002

As Sensações e as Emoções na Arquitectura 173


Capítulo I - O Processo Evolutivo entre a Arquitectura e o Meio

Siza Vieira absorveu muito a partir de Alvar Aalto. A sua própria linguagem,
com forte tradição construtiva portuguesa, onde o brilhantismo como utiliza a
luz, resulta em sensações enérgicas combinadas com o movimento provocado
pelos jogos das sombras, numa espécie de convívio entre a melancolia e
solidão, da utilização das cores neutras e a energia da metafísica, onde impera
a imaterialidade.
200. Boa Nova – Casa de Chã, Leça, 1953, Portugal, Siza Vieira, fonte própria, 2013
Os movimentos nórdicos tiveram, ainda, expressão com Arne Jacobsen
(1902-1971) na Dinamarca, Eliel (1873-1950) e Eero Saarinem (1910-1961)
na Finlândia e Erik Gunnar Asplund (1885-1940) na Suécia. Eero Sararinem,
filho do Arquitecto finlandês Eliel Saarinem, de quem recebera uma grande
influênca, produto do movimento moderno, imigrara para os EUA em 1923.
Segundo Barreiros Duarte no terminal da TWA em Nova Iorque, Eero
Saarinem procurou através da plasticidade do betão expressar a sua visão
arquitectónica, aproximando-se das formas que se têm explorado nos dias de
hoje como a fita de Moëbius e os desdobramentos contínuos. Duarte, 2011, 37
“Cada Era deve criar a sua própria arquitectura a partir da sua
“A ideia dum projecto que altera a realidade dirigindo o própria tecnologia, uma arquitectura que expresse o seu próprio
Zeitgeist, o espírito da época.” Eero Saarinen, citado por Serraino, 2006
pensamento e saber para uma finalidade específica, muda o
seu próprio estatuto interno.…As referências a ideais e
ausências, comprometidas com o pensamento de Nietzsche,
contém um paradoxo. O vazio da ausência constitui a casa
vazia pronta a ser ocupada por um elemento exterior. A
ausência na presença é igual às coisas que são reprimidas,
destruídas ou que estão em falta.” Duarte, 2011, 37
201 e 202. Terminal TWA, Nova Iorque, EUA, Eero Saarinem, fonte própria, 2012

174 As Sensações e as Emoções na Arquitectura


Capítulo I - O Processo Evolutivo entre a Arquitectura e o Meio

1.1.5.1.7 International Style - Mies van der Rohe


Apesar das mais recentes contribuições de Frank Lloyd Wright, a Arquitectura
da nova Era não parecia desligar-se dos valores primordiais da composição
harmoniosa do classicismo greco-romano, verificando-se mesmo nas
propostas racionalistas e funcionalistas de Arquitectos como Walter Groupius,
Mies van der Rohe ou Le Corbusier, grande preocupação na continuidade de
aplicações racionais como as modelações, as proporções e o ritmo que
desenvolveram.
Contudo, um dos principais aspectos que demarcaria a Arquitectura moderna
do neoclassicismo seria o distanciamento das normas clássicas tradicionais
através da negação da ornamentação.
O racionalismo do movimento moderno reflectia o novo homem, um ser livre
que se afastava dos elementos tradicionais. Foi através de Mies van der Rohe,
que a arquitectura passaria a ser mais simplista e transparente, como ele
próprio referia, uma Arquitectura de “Pele e osso”.
A concepção dos espaços envolvia uma profunda depuração da forma,
voltada sempre às necessidades impostas pelo lugar, segundo o preceito do
minimalismo, como consequência da desmaterialização.

“A perfeição técnica dos detalhes viria apenas a apoiar este


sentimento de vazio do espaço, que segundo Mies, deveria ser
preenchido pela vida.” Albuquerque, dw.de, 2012

203. Chicago Federal Center, 1964-174, Mies van der


Rohe, Chicago Illinois,, fonte própria, 2012

As Sensações e as Emoções na Arquitectura 175


Capítulo I - O Processo Evolutivo entre a Arquitectura e o Meio

Ludwing Mies van der Rohe, nascido em 1886 em Aachen, na Alemanha,


fronteira com a Holanda, era o mais novo de cinco irmãos de uma família
pouco abastada.
O seu pai tinha uma empresa de cantaria e Mies passou parte da sua infância
e adolescência entre as lápides e igrejas, adquirindo aí experiência prática
muito importante para o resto da sua vida profissional.
Frequentou a escola da catedral de Aix-la-Chapelle, construída por Carlos
Magno, no entanto, não concretizou aí qualquer curso. Tornou-se aprendiz da
arte da cantaria, onde aprendeu muito com o seu pai, desenvolvendo ainda,
capacidades de desenho numa empresa especializada em estuques
decorativos.

“Mies teria saído de Aix-la-Chapelle com a crença fundamental


numa arquitectura de carácter permanente em que a forma do
edifício tinha uma função simbólica e duradoura, e não uma
função programática imediata.” Zimmerman, 2006, 7

Em 1905, com 19 anos de idade, reconhecido pelo seu talento,


recomendaram-no a desenvolver as suas capacidades em Berlim pois Mies,
pelos conhecimentos que tinha adquirido na construção e pelas competências
que adquiriu ao nível do desenho, facilmente se destacaria entre os jovens
universitários aspirantes a Arquitectos. Enquanto, empregar-se-ia como
desenhador no atelier do Arquitecto Bruno Paul (1874-1968).
204. Long Grove House, Rental houses, Chicago Illinois, Mies
van der Rohe, fonte própria, 2012

176 As Sensações e as Emoções na Arquitectura


Capítulo I - O Processo Evolutivo entre a Arquitectura e o Meio

“A Berlim da viragem do século estava num processo de


despertar artístico desencadeado pelo novo século, pelo
desenrolar dos acontecimentos em França e Inglaterra e pela
influência de Friedrich Nietzsche. Os artistas intelectuais
progressistas trabalhavam para abandonar o precedente
histórico em favor do «novo», muitas vezes entendido como
residindo na esteticização da vida quotidiana.” Zimmerman, 2006, 8

Mies van der Rohe corresponde à encomenda com um projecto bastante


amadurecido e detalhado ao nível construtivo, onde viria anos mais tarde a
ser reconhecido e publicado. Os honorários resultantes do projecto serviram
para fazer uma grande viagem pela Itália onde ficaria impressionado pelos
palácios e as villas de Palladio, recebendo daqui contributos influentes.
Em 1908, viria a ser convidado para trabalhar com o Arquitecto Peter
Behrens, valorizando assim a sua formação durante aquele período de três
anos, reconhecendo ao Arquitecto holandês, nas suas obras um espírito de
“honestidade” quanto às estruturas como elemento de expressão dos
edifícios.
No entanto, Mies van der Rohe que não combinara com o formalismo de
Behrens com quem trabalhara durante três anos, procurou a influência do
Arquitecto holandês Hendrik Berlage, outro percursor do movimento
modernista, com quem viria a encontrar-se em Amesterdão, e muito por essa
influência viria mais tarde a ser professor na Bauhaus, onde chegou ao cargo
de director.
205. Edifício Seagram, 1954-1958, Mies van der Rohe,
Nova Iorque, fonte própria, 2012

As Sensações e as Emoções na Arquitectura 177


Capítulo I - O Processo Evolutivo entre a Arquitectura e o Meio

Mies van der Rohe começaria a trabalhar por conta própria em 1912, casando-
se no ano seguinte com Ada Bruhn, filha de um industrial muito rico, o que lhe
possibilitaria um equilíbrio financeiro importante no exercício dos primeiros
anos da profissão.
Conquistou e desenvolveu vários projectos particulares para clientes
abastados durante esse período, terminando o seu trabalho com o
recrutamento para as tropas alemãs na 1ª guerra mundial.
Regressou da guerra em 1918, deparando-se com uma sociedade em
revolução política e cultural, com o aparecimento de várias correntes
filosóficas que fizeram Mies romper com o passado e pensasse numa
Arquitectura do futuro.

“Em 1921, Mies dissolveu o casamento, embora ele e Ada Mies


nunca se tenham divorciado. Também mudou o nome para «Mies
van der Rohe» contrariando as associações negativas da palavra
alemã mies («miserável»). A junção das palavras «van der Rohe»
significava, por um lado, a adopção do nome de solteira da mãe,
«Rohe», e por outro a palavra alemã «roh» entendida como «puro»
ou «não adulterado». A adição talvez apontasse para uma forma
elementar de edifício e construção que Mies se esforçava por
conseguir - à semelhança de muitos outros intelectuais europeus,
como Arthur Moeller van der Bruck e Le Corbusier, Mies criou a sua
imagem pública através da autodenominação.”Zimmerman, 2007, 10

206. Keck-Gottschalk-Keck Apartments, 1937, Chicago


Illinois, Mies van der Rohe, fonte própria, 2012

178 As Sensações e as Emoções na Arquitectura


Capítulo I - O Processo Evolutivo entre a Arquitectura e o Meio

“Em 1921 e 1924, Mies desenhou cinco projectos que nunca chegaram
a concretizar-se. A posteridade lembrou-os como os célebres «cinco
projectos». Na verdade, foram estes cinco exercícios conceptuais que o
catapultaram para o topo da hierarquia da avant-garde. O primeiro, um
arranha-céus de vidro para um terreno na Friedrichstrasse, no centro de
Berlim, foi um dos projectos mais radicais de toda a sua carreira. (…)
Mies exigia, em 1923, uma nova atitude em relação à construção,
caracterizada pela «autenticidade absoluta e rejeição de toda a fraude
formal.» Isto, contudo, não significava a adesão ao racionalismo
estrutural como equivalente da verdade construída.” Zimmerman, 2007, 10,11
Mies considerara o período mais significativo da sua carreira, onde se abriram
novos caminhos, distanciando-se do materialismo do ínicio da década, em por
uma postura idealista que o levara a uma nova linguagem arquitectónica. Mais
tarde, Mies atingiria o auge da sua carreira na Alemanha, sendo convidado
para projectar o pavilhão alemão para a Feira Mundial de Barcelona em 1929,
chegando depois, ao cargo de director da Bauhaus, em Dessau, em 1930.
“Em abril de 1932, os nazistas fecharam a Bauhaus. Mies a transferiu,
com financiamento do próprio bolso, para um galpão industrial em
Berlim-Steglitz. Em julho de 1933, ela foi novamente fechada pelos
nazistas, que a consideravam “bolchevismo cultural”.Mies não se
considerava uma pessoa politizada. É interessante seu comentário
sobre um colega que havia trabalhado para os nazistas: ”Não o
desprezo por ser nazista, mas por ser mau arquitecto.” Albuquerque, Dw.de,

2012

207. Ed.Escritórios, Chicago Illinois, Mies van der Rohe, fonte própria, 2012

As Sensações e as Emoções na Arquitectura 179


Capítulo I - O Processo Evolutivo entre a Arquitectura e o Meio

A década 30 não foi fácil para Mies van der Rohe, atravessando um período
crítico na sua profissão, vivia muito dos rendimentos dos móveis que tinha
projectado. Através do trabalho exposto no Museu da Arte Moderna de Nova
Iorque, exposição intitulada pela “Arquitectura internacional”, tornou-se
conhecido, sendo convidado para fazer o projecto duma casa em 1937, tendo
emigrando para os EUA em 1938.
Quando aceitou o convite para dirigir o Instituto de Tecnologia de Illinois, em
Chicago, foi recebido por Frank Lloyd Wright na sua tomada de posse, este
acusaria-o mais tarde de ter fundado um novo classicismo nos EUA. Mas,
apesar dalgumas polémicas à volta da sua obra, Mies tornou-se numa
celebridade dos EUA pelas inovações que acrescentou à sua Arquitectura.

“Sua obra tornou-se mais estática, sem o jogo de diferenças que


enriquecia a sua arquitectura anterior. Terminada em 1969, ano da
morte de Mies, a Neue Nationalgalerie de Berlim, seu único projeto
construído na Alemanha após a Segunda Guerra, comprova este
classicismo, embora apresente a mesma conquista espacial de
seus projectos anteriores, principal característica da obra de <mies
van der Rohe." Albuquerque, Dw.de, 2012

Mies emigrara para os EUA, na altura em que os ses projecos tinham atingido
a sua maturidade criativa, fazendo uso do aço e do vidro, definindo espaços
austeros, transmitindo elegância e cosmopolitismo, ímpondo uma linguagem
racional que pudesse guiar o processo de projecto arquitectónico.
208. Mesa minimalista, Mies van der Rohe Exposição de
mobiliário, MOMA, , Nova Iorque, fonte própria, 2012

180 As Sensações e as Emoções na Arquitectura


Capítulo I - O Processo Evolutivo entre a Arquitectura e o Meio

A Casa Farnsworth, nome do seu primeiro proprietário, também conhecida


pela famosa casa de vidro de Mies van der Rohe, encontra-se localizada em
Plano, no Illinois, nos EUA. Construída em meados de 40, esta caixa de vidro
eleva-se do solo através de oito pilares de aço, parecendo flutuar sobre o
relvado como se não o quisesse ferir, deixando-o seguir sublimemente através
da permeabilidade, que também se faz sentir através da transparência das
grandes superfícies envidraçadas.

“O vidro é um elemento muito importante nos trabalhos de Mies. Um


bom exemplo de suas criações com este material é a casa
Farnsworth, também chamada de casa de vidro, localizada nos
EUA. Aplicando diversos conceitos no projeto, a casa traz
transparência - pelo vidro, fluidez de espaços, linhas mínimas e a
sensação de que sua estrutura flutua.” westwing.com.br, 2012

O sereno rectângulo vagueia na paisagem, onde o natural e o construído se


encontram subtilmente. Mies van der Rohe reflecte nesta sua obra todo o seu
desejo de paz e harmonia. Sem dúvida, que aqui mora o sossego em
comunhão com a natureza.

“A natureza circundante é assim contemplada, sentida e


experimentada na sua força natural – da violência das cores e
tempestades outonais, à tranquilidade de uma alvorada de verão.”
Safran, 2000,81

209. Farnsworth House, 1951, Plano, Chicago Illinois,


Mies van der Rohe, fonte própria, 2012

As Sensações e as Emoções na Arquitectura 181


Capítulo I - O Processo Evolutivo entre a Arquitectura e o Meio

210, 211, 212. Farnsworth House, 1951, Plano, Chicago Illinois, Mies van der Rohe, fonte própria, 2012

182 As Sensações e as Emoções na Arquitectura


Capítulo I - O Processo Evolutivo entre a Arquitectura e o Meio

Tratando-se de uma casa pensada para o fim-de-semana percebe-se a


intenção de Mies, quando o interior parece corresponder através da grande
leveza dos materiais e da sua conjugação, o reforço que o Arquitecto parece
fazer, para que a vida neste espaço seja plena de emoções terrenas, onde o
homem pode encontrar o seu equilíbrio emocional oferecido pela natureza
através da transparência dos grandes vãos, conquistando assim a sua
liberdade e tranquilidade.

“Mies explicou os princípios do pavilhão de vidro, conforme


aplicados na casa Farnsworth: «Também a natureza deverá viver a
sua vida própria. Temos de ter todo o cuidado em não a perturbar
com a cor das nossas casas e com a decoração do interior. Contudo,
deveríamos tentar levar a natureza, as casas e os seres humanos a
uma unidade mais elevada. Se se observar a natureza através das
paredes de vidro da Casa Farnsworth, esta ganha um significado
mais profundo e vista a partir do exterior. Desse modo, diz-se mais
sobre a natureza – torna-se parte de um todo mais vasto.»” Zimmerman,
2006, 63

Mies inspirou profundamente diversos artistas do século XX, desde a


Arquitectura, Design, Pintura até à Música. O Minimalismo representa hoje
ainda, um movimento activo contando com nomes importantes do panorama
da Arquitectura internacional como é o caso deTadao Ando.
213, 214, 215. Farnsworth House, 1951, em baixo vista interior, Mies van der
Rohe Plano, Chicago Illinois, , fonte própria, 2012

As Sensações e as Emoções na Arquitectura 183


Capítulo I - O Processo Evolutivo entre a Arquitectura e o Meio

216. Apartamentos Lake Shore Drive, Chicago Illinois, Mies van der Rohe, fonte própria, 2012

217. .Crown Hall, Illinois Institute Technology, 1939, Chicago Illinois, Mies van der Rohe, fonte própria, 2012 218. Espaço de contemplação,1995, UNESCO, Paris, Tadao ando, fonte própria,
2013

184 As Sensações e as Emoções na Arquitectura


Capítulo I - O Processo Evolutivo entre a Arquitectura e o Meio

1.1.5.1.8 O Funcionalismo estético – Le Corbusier


Por esta altura começavam a surgir algumas influências de Arquitectura
industrial americana na Europa, encontrando maior protagonismo no
arquitecto Albert Kahn (1869-1942), com as obras para as fábricas de
automóveis do Industrial Henry Ford.
O betão, inicialmente utilizado em edifícios industriais e noutras construções
do género funcional, viria, pouco a pouco, a conquistar os projectos
arquitectónicos tradicionais, como foi o caso de Auguste Perret (1874-1954)
com um edifício de apartamentos em Paris.
Ao mesmo tempo que decorriam as experiências da Bauhaus, Le Corbusier,
que trabalhou durante algum tempo com Auguste Perret, empenhou-se em
converter a Arquitectura em betão armado, por constatar a importância que o
material tinha naquele contexto crescente da industrialização, pela sua
natureza maleável, económica e durabilidade.
Charles-Édouard Jeanneret-Gris (1887-1965), conhecido como Le Corbusier,
nasceu a 6 de Outubro de 1887 em La Chaux-de-Fonds, na Romandia, Suiça,
tendo-se mais tarde naturalizado francês. Oriundo de uma família calvinista, a
sua infância assentar-se-ia na formação moral da distinção entre os valores
do mal e do bem. Muito cedo mostrou grande talento para o desenho, de modo
que aos catorze anos, muito por influência dos avós que eram gravadores
ligados à relojoaria, foi colocado na Escola de Arte de La Chaux-de-Fonds
fundada no século XIX, importante na formação de gravadores e
trabalhadores da indústria de relógios.
219.Vista exterior de detalhe do maciço de betão da escada da
residência universitária da CIUP, Paris, fonte própria, 2013

As Sensações e as Emoções na Arquitectura 185


Capítulo I - O Processo Evolutivo entre a Arquitectura e o Meio

“A interacção entre a indústria e as artes visuais que a cidade


realiza será uma constante da actividade de Jeanneret. Este meio
crê nas virtudes pedagógicas da forma geometrizada, essencial
no método Frobel, método que Jeanneret conhecia desde a
infância, à semelhança do jovem Frank Loyd Wright, 20 anos
antes.” Cohen, 2006, 7

Os professores tiveram um papel importante na sua orientação e o seu mestre


L’Éplattenier (1874-1946), consciente das suas capacidades, encorajou-o a
frequentar os cursos da nova secção de pintura mural e escultura, muito pelo
interesse que Jeanneret já manifestava pela Arquitectura, familiarizando-o e
influenciando-o com as reflexões incendiadoras de John Ruskin.

Formou-se, assim, nos estudos artísticos em 1905 aos dezassete anos,


realizando a sua primeira obra “a casa Fallet” com o Arquitecto Rene
Chapallaz (1881-1976), obra essa que se identifica com o estilo helvético
dominante, onde se pode presenciar os temas naturais que aparecem em
muitos desenhos de Jeanneret, omnipresentes nesta casa através dos seus
ornamentos.

Com os honorários daqui resultantes, levado pelo entusiamo que sentia e por
uma curiosidade determinada em conquistar novos mundos, aos dezoito anos,
começou um percurso que o levou para Itália, passando por Budapeste e
Viena até Paris, onde ficara a trabalhar durante quinze meses com August
Perret.
220. Residência universitária da CIUP, “Maison du Brésil”, Paris,
fonte própria, 2013

186 As Sensações e as Emoções na Arquitectura


Capítulo I - O Processo Evolutivo entre a Arquitectura e o Meio

“Em Paris, onde habita numa mansarda do cais Saint-Michel,


Jeanneret lê, em 1908, Assim Falava Zaratustra, de Friedrich
Nietsche, mas também A Vida de Jesus, de Ernest Renan, e Os
Grandes Iniciados, de Édouard Schuré, que celebra os profetas, e que
lhe fora oferecido por L’Eplattenier. O imperativo de Nietzsche, “Torna-
te naquilo que és!”, terá para ele um valor de movimento.” Cohen, 2006, 8

Mais tarde, viria a ser convidado pela Escola de Arte em La Chaux-de-Fonds


a realizar uma viagem para a Alemanha, para estudar o movimento das artes
aplicadas nesse país durante cerca de um ano, trabalhando alguns meses no
atelier do berleniense Peter Behrens, com quem trocou alguns conhecimentos
sobre a razão do ouro e, de seguida, com Heinrich Tessenow (1876-1950) em
Dresden, onde conheceu o classicismo rigoroso.

As sucessivas viagens e experiências, os conhecimentos que ía adquirindo e


o interesse pela história pareciam instalar em Jeanneret uma certa inquietação
pela descoberta do conhecimento Arquitetónico, numa atitude, de certo modo,
insaciável de querer aprender mais e reflectir sobre a Arquitectura. Viria,
ainda, a realizar uma viagem de sete meses, passando pela Hungria,
Roménia, Bulgária, Instambul, Atenas e Roma e por um famoso antiquário de
Berna, Auguste Klipstein (1801-1894), regressando à sua terra natal por
alguns anos, ficando a convite de L’Éplatenier à frente dos cursos da Escola
de Arte, durante um curto período da sua vida, pois aos trinta anos mudar-se-
ia definitivamente para Paris, em 1917.
221.Maquete da Villa Stein-de Monzie,
Garches,FrançaMaquete em mdf e madeira, made by
Richard Armiger, Vitoria and Albert Museu in London, fonte
própria, 2011
As Sensações e as Emoções na Arquitectura 187
Capítulo I - O Processo Evolutivo entre a Arquitectura e o Meio

Com Auguste Perret, conheceu Amedée Ozenfant (1886-1966), pintor crítico


de arte e jornalista, envolvido no movimento de renovação de arte francesa,
viria a compartilhar ideias e interesses comuns fundamentais, significando
para Jeanneret a sua iniciação à pintura e à entrada no meio Parisiense.

“Do futuro Le Corbusier, sabemos que as viagens de juventude


tinham deixado marcas indeléveis fundamentalmente no que se
refere às arquitecturas grega e romana, que serão paradigmas
recorrentes na sua produção e na sua atividade doutrinária durante
as décadas seguintes.” Ozenfant e Jeanneret, 2005, 10

Motivado pelos conhecimentos e pelo fascínio que foi adquirindo através das
sucessivas experiências e viagens, foi crescendo o seu entusiasmo, com
influência decisiva na sua forma de pensar a Arquitectura, vindo a colaborar
activamente com Ozenfant na revista “L’Esprit Nouveau” através de muitos
artigos sobre a arte e Arquitectura, e o primeiro texto Depois do Cubismo
constituiu, escrito no final da 2ª Guerra Mundial, o manifesto da fundação do
purismo.

Com a revista ‘L’Esprit Nouveau’, Ozenfant e Jeanneret comentaram a


actualidade política, artística e científica. Jeanneret lançou a base teórica da
sua concepção de Arquitectura e urbanismo modernos e desde a primeira
publicação viria a adoptar o pseudónimo Le corbusier, que foi buscar ao seu
avô materno (Lecobérsier).

222. Casa do Pintor Ozenfant, Le Corbusier, Paris, fonte


própria, 2013

188 As Sensações e as Emoções na Arquitectura


Capítulo I - O Processo Evolutivo entre a Arquitectura e o Meio

Em 1922, iniciou com o seu primo Pierre Jeanneret (1896-1967) a luta por uma
Arquitectura que expressasse a sua época e não a reprodução de épocas
passadas, reunindo no seu estúdio vários jovens de muitas nacionalidades, que
viriam tornar-se grandes Arquitectos nos seus países, lançando em 1923 o livro
da sua autoria “Vers une architecture”, com as bases para o movimento moderno
com características funcionalistas.

223.Maison La Roche – Jeanneret, Le Corbusier, Paris, fonte própria, 2013


“Poucos arquitectos terão conseguido condensar tão bem as
esperanças e as desilusões da era industrial como Le Corbusier, e
poucos terão escandalizado tanto os seus contemporâneos, com a
excepção, sem dúvida, de uma fase de Adolf Loos e de Frank Loyd
Wright durante toda a sua vida. Sarcasmos e calúnias acompanharam
durante grande parte da sua vida um dos raros arquitectos de que o
público sabe o nome.” Cohen, 2006,

Durante a década de 1920 propôs numerosos projectos urbanísticos e edifícios


residenciais, no entanto, só pode construir algumas moradias unifamiliares nas
proximidades de Paris, que tiveram grande importância pela concretização dos
seus cinco postulados sobre a nova Arquitectura, ou seja: Os blocos elevados
sobre pilares, planta livre, fachada livre independente da estrutura, janelas
longitudinais e coberturas planas e ajardinadas.

224. Maison La Roche – Jeanneret, Le 225. Maison La Roche – Jeanneret, Le


Corbusier, Paris, fonte própria, 2013 Corbusier, Paris, fonte própria, 2013
As Sensações e as Emoções na Arquitectura 189
Capítulo I - O Processo Evolutivo entre a Arquitectura e o Meio

226, 227, 228. Maison La Roche – Jeanneret, Le Corbusier, Paris, fonte própria, 2013

190 As Sensações e as Emoções na Arquitectura


Capítulo I - O Processo Evolutivo entre a Arquitectura e o Meio

229, 230, 231, 232, 233. Maison La Roche – Jeanneret, Le Corbusier, Paris, fonte própria, 2013

As Sensações e as Emoções na Arquitectura 191


Capítulo I - O Processo Evolutivo entre a Arquitectura e o Meio

234, 235. Ville Savoye, Le Corbusier, Poissy, fonte própria, 2013

192 As Sensações e as Emoções na Arquitectura


Capítulo I - O Processo Evolutivo entre a Arquitectura e o Meio

236, 237, 239, 240, 241. Ville Savoye, Le Corbusier, Poissy, fonte própria, 2013

As Sensações e as Emoções na Arquitectura 193


Capítulo I - O Processo Evolutivo entre a Arquitectura e o Meio

“Le Corbusier, na sua famosa declaração dizia que as casas eram


“máquinas para viver”. Esta casa evoca o design funcional
transatlântico, mas também as proporções clássicas de século XVI
das villas de Palladio. Os planos contínuos das paredes brancas,
sugerem eficiência e pureza, enquanto o terraço aberto foi
destinado para a vida saudável ao ar livre” in the wall of the exhibition of

architecture Vitoria and Albert Museu in London, fonte própria, 2011 242. ”Armé du Salut, Cité de Refuge”, Le Corbusier,
Paris, fonte própria, 2013

Le Corbusier era um comunicador nato. Facilmente prendia a atenção das


pessoas pela sua capacidade de persuasão e expressão. Foi convidado para
moderador dos Congressos Internacionais de Arquitectura Moderna entre
1928-1956. Em 1945, depois de fazer inúmeros estudos de urbanismo, como
para as cidades de Moscovo, Argel, Montevideu, São Paulo, Buenos Aires,
Rio de Janeiro, Barcelona, Genebra e Estocolmo, a maior parte deles
irrealizáveis mas mobilizadores, dedicara-se a projectos menores, a 243. Residência universitária da “Cité Internatiomale
Universitaire de Paris”, Paris, fonte própria, 2013
encomendas limitadas.
O contacto com a cultura clássica parisiense foi determinante e de tal forma
influenciadora em Le corbusier, que o enriquecera culturalmente, estando
muito na origem no modo como reintrepretou o clássico com a alteração da
sua tipologia, referência espacial e ideologia, que o levaria a transformar a sua
metodologia de trabalho.

244. Interior residência universitária da “Cité


Internatiomale Universitaire de Paris”, Paris, fonte
própria, 2013própria, 2011
194 As Sensações e as Emoções na Arquitectura
Capítulo I - O Processo Evolutivo entre a Arquitectura e o Meio

Como referia Niemeyer, o betão armado exigia um vocabulário diferente, uma


liberdade de formas plásticas que o caracterizasse, onde o arquiteto acabou
por impor as suas fantasias. As formas rígidas e repetidas das estruturas
metálicas tão bem harmonizadas iam perderdendo o sentido e a arquitetura
tornara-se mais livre e criativa. Niemeyer in Conversa de Arquitecto, 1993, 35
Le Corbusier viria a ser um dos arquitectos mais influentes do século XX.
Desenvolveu as ideias do funcionalismo estético, retomando a ideia de que a
casa deveria ser concebida como uma «máquina de habitar». As suas
habitações eram demasiado frias e impessoais pela sua racionalidade e não
foram, de um modo geral, bem aceites por aqueles que se tornaram seus
habitantes, sendo também, alvo de fortes críticas por parte de alguns
arquitectos.

“Enquanto as teorias evolutivas e funcionalistas se baseavam em


analogias com processos naturais, havia uma linha de pensamento
paralela que descendia do Romantismo e dos escritos de Ruskin, de
acordo com a qual a natureza era considerada como sendo a
evidência física da criação e das leis de Deus e que, portanto, era
uma fonte primária de inspiração e reflexão moral. Vestígios dessa
visão podem ser encontrados nos pensamentos de diversos grandes
arquitectos do século vinte, especialmente Frank Lloyd Wright, Le
Corbusier e Alvar Aalto, os quais, muito mais de que meros
“materialistas, tinham uma visão idealizada da “natureza”, como
reacção à mecanização banal.” Curtis, 2008, 29
245. Edifício de apartamentos, Le Corbusier e Piere
Jeanneret, Fundação Le Corbusier, Paris, fonte própria,
2013
As Sensações e as Emoções na Arquitectura 195
Capítulo I - O Processo Evolutivo entre a Arquitectura e o Meio

Nesta fase da sua vida interessa-se pela escultura rompendo, de certa forma,
com a estética técnica, que ultrapassa a análise dos engenheiros. É neste
período que desenvolve o sistema de ‘proporções’ universal, o “Modulor”,
baseado no número de ouro e na escala humana, dimensionando todos os
seus projectos nessa escala até 1965.

“A harmonia é representada pela regra de ouro, que referencia


geometricamente o valor compositivo das fachadas dos edifícios e
da sua organização em planta, numa síntese do homem com o
universo. Com as dimensões relacionadas com as medidas do
homem, as séries constituem sequências matemáticas utilizadas
sobretido por Le Corbusier no seu Modulor. Assim, representam-se
cosmogonias que recuperam as relações como o universo e com o 246. Cadeira, Le Corbusier, Fundação Le Corbusier,
Paris, fonte própria, 2013
homem, estando subjacente a harmonia de qualquer composição
arquitectónica.” Duarte, 2011, 29

Le corbusier, Arquitecto, Urbanista, Designer, Pintor, Escultor e Escritor, foi


considerado muito antes de qualquer outro, o Arquitecto global, o grande génio
que revolucionou e influenciou a Arquitectura moderna do ínicio do Século XX.
Morreu a 27 de Agosto de 1965 na província dos Alpes Costa Azul, na França.

247. Cadeira, Le Corbusier, Exposição de mobiliário,


MOMA, Nova Iorque, fonte própria, 2012

196 As Sensações e as Emoções na Arquitectura


Capítulo I - O Processo Evolutivo entre a Arquitectura e o Meio

1.1.5.1.9 O Expressionismo, Cubismo, Futurismo e Construtivismo


No decorrer dos movimentos funcionalistas, surgiam outros movimentos
espalhados um pouco por toda a Europa, verificando-se nestas variantes
várias influências que se sobrepunham umas às outras, resultando num
percurso de experimentação extremamente interessante.
Foi o caso do expressionismo, como outra variante da Arquitectura,
exprimindo-se pelos seus materiais como princípio de uma Arquitectura
utópica, destacando-se um grupo de Arquitectos da escola de Amesterdão,
cujos projectos irradiavam fantasia, os arquitectos Bruno Taut (1880-1938),
Erich Mendelsohn (1887-1953), autores de múltiplos desenhos fantásticos e
248. Torre Einstein, Erich Mendelsohn, 1921,
Potsdam, fonte:homepage.mac.com, 2010 projectos imaginários em aço e vidro.A torre Einstein em Potsdam, Berlim,
construído em 1921 pelo Arquitecto judeu Erich Mendelsohn é uma das
principais referências do expressionismo europeu. Tendo sido concebida para
as experiências científicas de Einstein (1879-1955).
Também em Praga, ressurgiu o cubismo na arquitectura, por um grupo de
intelectuais cuja influência estereométrica de Otto Wagner daria lugar a uma
modelação plástica das formas básicas dos objectos desmontados e
compostos, dando a impressão de uma escultura habitável, evidenciando-se,
com especial relevo, o Arquitecto Josef Gocár (1880-1945).
O cubismo, inventado por Matisse, em 1908, tentou contrariar o
impressionismo através da criação dos volumes num espírito geométrico,
onde dominavam as cores, tendo como maior percursor Pablo Picasso (1881-
249. O exemplo mais conhecido da Arquitectura cubista
em Praga, o primeiro edificio cubista da europa,
1973), onde Le Corbusier se inspirara na sua fase cubista.
Josef Gocár, 1911, fonte própria, 2010

As Sensações e as Emoções na Arquitectura 197


Capítulo I - O Processo Evolutivo entre a Arquitectura e o Meio

Mas, as características mais representativas da Arquitectura cubista foram as


fachadas multifacetadas, que resultaram numa desmultiplicação visual do
espaço, fundamentalmente, pelo efeito interpenetrante conseguido através da
relação do interior com o exterior, sentindo-se a valorização do espaço interior
e do exterior na estrutura dos edifícios.
Em Itália, surgia o futurismo, movimento artístico fundado pelo Poeta, Escritor
e propagandista Filippo Marinetti (1876-1944), através dos seus manifestos,
onde evidenciava o valor do exercício da palavra em liberdade.
O futurismo representava a euforia em volta de uma necessidade de sensação
de triunfo e de poder, pretendendo revolucionar totalmente a arte, a literatura
e a música da sua época utilizando os novos meios da propaganda e da
agitação de massas, referindo-se à decomposição da evolução do movimento
e à expressão dinâmica inerente à velocidade. O futurismo glorificou o
nacionalismo, levando a colaboração dos seus protagonistas com o fascismo.
Os projectos não passariam de visões e actos experimentalistas, pois nunca
chegaram a ser realizados. O representante principal foi Antonio Sant’Elia
(1888-1916). Estas visões futuristas da Arquitectura constituída por arranha-
céus e centrais eléctricas monumentais, conduziram ao afastamento do
historicismo, permitindo estabelecer uma ligação com a vanguarda russa, com
as tendências modernas, contribuindo para uma arquitectura racionalista.
A arquitectura racionalista do construtivismo russo era rigorosamente
construída segundo as leis lógicas da razão, influenciada pela obra de Le
Corbusier, com especial destaque para os arquitectos Giuseppe Terragni
(1904-1943) e Alberto Sartoris (1901-1998). 250. Antonio Sant’Elia, A cidade nova 1914, p110 Arquitectura Moderna
desde 1900, William Curtis, 2008

198 As Sensações e as Emoções na Arquitectura


Capítulo I - O Processo Evolutivo entre a Arquitectura e o Meio

O construtivismo russo surgiu com as alterações políticas revolucionárias da


união soviética, como um movimento estético-político que viria a ter forte
influência na arquitectura e na arte ocidental. A negação da "arte pura"
procurava contrariar a ideia de que a arte é um elemento especial da criação
humana, separada do mundo quotidiano. As novas conquistas do novo estado
operário deveriam inspirar-se nas oportunidades da industrialização, servindo
objectivos sociais e a construção de um mundo socialista.
O termo, arte construtivista, foi introduzido pela primeira vez por Kasimir
Malevich (1879-1935) e depois com Rodchenko (1891-1956), um dos artistas
mais versáteis do construtivismo a emergir após a revolução bolchevique. No
entanto, o movimento do construtivismo que esteve activo até 1934, teve como
principais protagonistas Konstantin Melnikov (1890-1974), Lissitzky (1890-
1941), Vladimir Tatlin (1885-1953) e Ivan Leonidon (1902-1959). Interessando
aqui aludir a grande influência que a estética Marxista teve neste movimento.
O Marxismo teve origem na Filosofia de Hegel, Professor da Universidade de
Jena, cujos conceitos acabariam por influênciar Karl Marx, quando se
encontrava ali a fazer o doutoramento, principalmente no que diz respeito à
filosofia do processo histórico e à concepção dialéctica de Hegel. Porém, após
estabelecer contacto com as concepções do humanista Ludwing Feuerbach
(1804-1872), mantivera a progressão dialéctica histórica eliminando, no
entanto, o espírito do mundo hegeliano pela acção concreta do mundo
material dos homens. Substituíndo o mundo das ideias pela materialidade no
movimento histórico, estando na origem da transição do idealismo Alemão
251. Shabolovka Radio Tower, 1922, Moscovo, Vladimir Shukhov, para aquele que viria a ser conhecido pelo materialismo histórico de Marx.
foto by Richard Pare, 2007, in exposicion The Lost Vanguard: Sovier
Modernist Architecture, 1922-32, Chicago Illinois, fonte própria, 2012

As Sensações e as Emoções na Arquitectura 199


Capítulo I - O Processo Evolutivo entre a Arquitectura e o Meio

O interesse da arte em Karl Marx (1818-1883) vinha dos tempos da sua


formação académica em Direito e Filosofia, da sua paixão pela literatura e a
estética, sob influência de Schlegel com os seus cursos de literatura antiga.
Mas foi mais tarde, através de Hegel e Feuerbach que Marx retirou as suas
principais influências nas suas incursões na estética que valoriza o carácter
humanista e a sua relação com a realidade, onde a questão essencial da arte
se centra no homem e na vida humana. O ponto essencial da arte marxista
foca-se portanto na vida política e não na liberdade de expressão individual “Na estética marxista são as condições de vida que
do artista, fazendo com que a arte ficasse ao serviço do marxismo. O determinam os sentimentos, e os sentimentos não
são, eles próprios, senão os reflexos da nossa vida
marxismo que mais tarde inspirara Lenin esteve na origem do leninismo. O
económica.” Bayer, 1961, 437
marxismo-leninismo viu na arte o meio para o conhecimento e a interpretação
ideológica, onde a criação serve a verdade através da representação dos mais
variados aspectos da realidade humana. Influênciando determinantemente a
Arquitectura soviética daquele período que, inspirada pelas conquistas do
novo Estado Operário, viu nas novas oportunidades oferecidas pela máquina
e pelo mundo da industrialização o desenvolvimento dos seus objetivos
sociais e da construção de um mundo socialista. Mais tarde, já no tempo de
Estaline (1878~1953), surigiriam alguns movimentos utópicos contra o
realismo solcialista, primeiro por alguns romancistas e estetas e, depois, com
o artista contemporâneo Russo Kandinsky (1866-1944) que imigrara para a
Alemanha e mais tarde para a França, onde se radicaliza, aquele que havia já
pressentido a importância do poder espiritual das formas, como tinha sido
evidente na sua obra Do Espiritual na Arte em 1911.
252. Palace of the Press, 1932, Moscovo, Semen Pen, foto de Richard Pare, 2007, in
exposicion The Lost Vanguard: Sovier Modernist Architecture, 1922-32, Chicago Illinois,
fonte própria, 2012

200 As Sensações e as Emoções na Arquitectura


Capítulo I - O Processo Evolutivo entre a Arquitectura e o Meio

1.1.5.1.10 Poesia e Introspecção


Outros nomes mais actuais, como por exemplo Oscar Niemeyer (1907-2012),
considerado um dos nomes mais influentes na arquitectura moderna
internacional e pioneiro na exploração das possibilidades construtivas e
plásticas do betão armado, abriu os caminhos para a evolução da arquitectura
brasileira, revelando uma habilidade na forma como inter-relacionava a
arquitectura e a poesia.

“Não é o ângulo reto que me atrai nem a linha reta dura,


inflexível, criada pelo homem. O que me atrai é a curva livre e
sensual, a curva que encontro nas montanhas do meu país,
no curso sinuoso dos seus rios, nas ondas do mar, no corpo
da mulher preferida. De curvas é feito o universo, o universo
curvo de Einstein.” Niemeyer, torre-oscar-niemeyer.fgv.br, 2011

Louis Isadore Kahn (1901-1974) é, também, um dos grandes nomes da


arquitectura mundial, foi considerado um mestre no tratamento da luz e na
forma como a modelava nas suas formas geométricas simples e básicas. A
sua obra é caracterizada por uma grande heterogeneidade, também
conhecida pela construção do silêncio.
Nas obras de Niemeyer e Kahn havia um desafio que lhes era comum, o da
transformação de um lugar que não existe, onde o espaço passa a ter a ideia
de lugar, numa clara sintonia com o discurso de Heidegger.
253. Catedral São Sebastião, Rio de Janeiro, 1979, Oscar
Niemeyer, fonte própria, 2011

As Sensações e as Emoções na Arquitectura 201


Capítulo I - O Processo Evolutivo entre a Arquitectura e o Meio

“Sinto que os materiais naturais têm um modo particular de


se misturarem entre si. Há algo na forma como a natureza
cria o material - em certo sentido, é como se houvesse uma
espécie de simpatia entre os materiais, como uma cruz -,
uma simpatia entre os materiais e a natureza (…) como se
ticessemos uma colecção de materiais e colocássemos em
cima de uma mesa, como se misturarassem entre si.”
Entrevista com Marshall Meyers Kahn citado por Juárez, 2006, 207

Como refere Montaner, esta atitude pode estar relacionada com a


254. Edifício do Partido Comunista Francês, 1965-1971, Oscar Niemeyer,
metáfora proposta por Heidegger quando se referia a uma ponte que Paris, fonte própria, 2011

ao transformar a paisagem, fornecendo um “lugar” pela união das


margens do rio, originava um lugar que até aí não existia. Montaner, 1997,

41

O Filósofo alemão Martin Heidegger (1889-1976), cujo pensamento


está ainda no centro dos debates contemporâneos, reedita Platão,
pela Metafísica, altura em que o homem tomara consciência que
deixara de ser especulação.
Como referem Baraquin e Laffite, Heidegger pretende reavivar a antiga
questão do Ser a partir da distinção essencial entre o ente, realidade
tal como se apresenta, que existe empiricamente, e o Ser, misteriosa
origem da presença de todo o ente. Onde só os poetas conseguiram
fazer sentir esta relação. Baraquin e Laffite, 2000, 184

255. Louis Kahn, Salk Institute, 1962, p523, Arquitectura Moderna


desde 1900, William Curtis, 2008

202 As Sensações e as Emoções na Arquitectura


Capítulo I - O Processo Evolutivo entre a Arquitectura e o Meio

A influência da Ontologia de Heidegger em Kahn também parece evidente no


seu discurso quando este afirmara:

“Eu não conheço melhor serviço que um arquiteto possa


prestar, como profissional, do que o de compreender que todo
edifício deve servir à instituição do homem, quer seja ela a
instituição do estado, quer a da casa, ou da aprendizagem, da
saúde, ou do lazer.” Kahn, 2002, 21 e 22

Heidegger é sem dúvida um dos filósofos fundamentais do século XX e o que


mais contribuiu para a Ontologia da Arquitectura, devendo-se muito pela sua
visão crítica quanto à forma como o movimento moderno pareceu tratar o
gravíssimo problema da falta de alojamento, após a segunda Guerra Mundial,
parecendo preocuparem-se mais com soluções estéticas do que com pessoas
que iam viver aqueles espaços.
Contudo, não oferece à Arquitectura nenhum manual de deveres de ontologia,
mas levanta questões acerca da essência da mesma, do que está para além
da estética, para além das metodologias do projecto, lançando assim um novo
desafio, fazendo de certa forma repensar, acerca do que realmente é a
Arquitectura.
Os conceitos, como o habitar ou o de poetar viriam despertar nos Arquitectos
grande interesse, como foi o caso de Norberg-Schulz (1926-2000) e agora em
Peter Zumthor.

As Sensações e as Emoções na Arquitectura 203


Capítulo I - O Processo Evolutivo entre a Arquitectura e o Meio

Martin Heidegger, terá sido influênciado pelo seu mestre, o fundador da


fenomenologia Edmund Husserl, aquele que propôs um método de
investigação para a Filosofia que consistia no estudo dos fenómenos da mente
no encontro da verdade da razão e iría estar na origem dos fundamentos
franceses Jean-Paul Sartre (1905-1980) e Merleau-Ponty (1908-1961 e, mais
tarde, Jacques Derrida (1930-2004).
A fenomenologia surgiu numa altura em que grande parte de filósofos e
cientistas pretendiam a eliminação da Metafísica.
Merleau-Ponty, por sua vez, viria a tratar a Fenomenologia da percepção no
seu livro publicado em 1945, tratando-se sobretudo de uma crítica à psicologia
comportamental, seguindo em parte as mesmas linhas critícas da Gestalt e a
fisiologia holística de Kurt Godstein (1878-1965).
Segundo Mallgrave, para Merleau-Ponty, o nosso mundo psicológico
desdobra-se em três “ordens dialéticas, onde os fundamentos da Gestalt
constiuem a dialética com o mundo físico em que vivemos, mas que ao mesmo
tempo, é transformado num fim maior, pela intencionalidade que trazemos
para os nossos actos, onde o corpo fenomenal “não é um mosaico apenas
das sensações visuais e tácteis”, mas sim gestos e atitudes embuídas de
significado. Terminando com a terceira ordem de nível cultural, onde refere a
“ordem humana”, onde estamos continuamente a criar novos ambientes com
os nossos livros, Música Arquitectura e linguagem.” Mallgrave, p110, 2011
Husserl, Heidegger e Merleau-Ponty, que foram os principais catalisadores da
reflexão sobre o conceito de lugar, viriam ter seguimento em Norberg-Schulz
que se opôs a toda a teoria da mobilidade.

204 As Sensações e as Emoções na Arquitectura


Capítulo I - O Processo Evolutivo entre a Arquitectura e o Meio

1.1.5.2 O Pós-modernismo
Os finais dos anos cinquenta, com as técnicas construtivas cada vez mais
aperfeiçoadas, os edifícios eram construídos com grande durabilidade,
devendo-se muito à força da industrialização e ao grande desenvolvimento
tecnológico. As transformações que se deram na vida das pessoas, de tal
forma tornou a sociedade cada vez mais expectante e consumista, seduzida
pela ânsia de tudo quanto era novidade que era lançada pela teia do poder
económico.

“O modernismo purgou a autoridade defunta, reorganizou os


fundamentos de disciplina e estabeleceu novas liberdades para o futuro.”
Curtis, 2008, 685

O movimento pós-modernismo defendia a liberdade total de reflectir sobre a


arquitectura e punha em causa o conhecimento passado. O mundo está em
constante transformação e ninguém poderá estabelecer condições exactas,
tudo é posto em causa. Destacando-se Robert Venturi, Charles Moore (1925-
1993) como fundadores do pós-modernismo. Esta transição que já havia sido
iniciada nos finais dos anos cinquenta, período arquitectónico em que se daria
o primeiro passo para que grande parte da Arquitectura passasse a
desenvolver um carácter cada vez mais sensacionalista. Correspondendo ao
desejo dos mercados, onde a estética passara a confundir-se entre as ideias
do mundo artístistico e as políticas de consumo em nome dos interesses
financeiros, vindo a acentuar-se até aos dias de hoje.
256.Charles Moore, plazza d’Italia, New Orleans, 1979, 85, História da Arquitectura
Contemporânea, H.F. Ullmann, 2008

As Sensações e as Emoções na Arquitectura 205


Capítulo I - O Processo Evolutivo entre a Arquitectura e o Meio

Assim, novas liberdades de expressão, sem vínculo a questões


arquitectónicas, geraram um certo clima de gratuitidade, acelerando uma certa
banalização da forma.
Segundo Victor Consiglieri, o que se pretende aqui é transformar uma
mercadoria individualista onde o objecto nos é dado pela emoção da
sensação, e não um objecto construído em série harmónica dentro das
proporções do passado. Consiglieri, 2007, 40

1.1.5.2.1 O High-Tech
A sociedade foi-se transformando com o desenvolvimento tecnológico, a
liberdade e a transformação do conhecimento, certos indivíduos traçaram o
seu próprio caminho sem referências fixas e filosofias tradicionais.
O movimento High-Tech foi uma das correntes da Arquitectura que surgiriam
por volta dos anos sessenta, utilizando-se materiais de tecnologia avançada
nas construções e que se assumiam como elementos arquitectónicos. Surgiu
pela primeira vez através de James Stirling (1926-1992) com o edifício da
Biblioteca da Faculdade de História da Universidade de Cambridge.
Emergindo nos anos setenta como um sub-estilo do movimento pós-
modernista. Surgiria, a partir de um grupo inglês denominado por Archigram,
quando começaram a projectar imagens neofuturistas com influência da era
espacial, inspirados pelas visões poéticas dos metabolistas japoneses,
quando propuseram o desenvolvimento de megaestruturas que fizessem face
à superpopulação japonesa.

257. Centre Le Pompidou, Paris, 1977, Renzo Piano e


Richard Rogers, fonte própria, 2014

206 As Sensações e as Emoções na Arquitectura


Capítulo I - O Processo Evolutivo entre a Arquitectura e o Meio

Esta corrente arquitectónica parece ser o reflexo do momento de maior


afirmação e elevação histórica da forma de construção que se vive, resultando
na imposição cenográfica da expressão do poder e da superação da
tecnológica em relação ao homem. Os seus protagonistas são ainda hoje
James Stirling, Richard Rogers, Renzo Piano, Norman foster, Jean Nouvel e
Santiago Calatrava. Um exemplo famoso do High-Tech foi o centro Le
Pompidou em Paris, projectado por Richard Rogers e Renzo Piano,
caracterizando a arrojada expressão deste movimento, onde a fachada é
composta por uma complexa exaltação de materiais metálicos assumidos
através das estruturas de aço, canalizações e condutas de ar.
No entanto, Piano ao contrário das preocupações teóricas de Richard Rogers
foi buscar qualidades às formas do passado, podendo definir-se as suas obras
como sobriamente tecnológicas. É o caso da ampliação das instalações do Art
Institute of Chicago.

“Piano recupera para as grandes infraestruturas o espírito do


pequeno artesanato que oferece cuidadosamente os pormenores
de um objecto precioso. Em todos os seus projectos a tecnologia
destina-se a matizar a luz, a valorizar o contexto e a possibilitar a
integração na natureza. Depois de ter concebido edifícios cuja
tecnologia constituía um método e um fim em si, o arquitecto
genovês evolui para obras com técnicas de construção
inovadoras, que são apenas a ferramenta para conseguir
espaços confortáveis, viáveis e ecológicos.” Kliczkowski, 2003, 7
258. Lloys’s building i The City, London, Richard Rogers Architects, fonte
própria, 2011

As Sensações e as Emoções na Arquitectura 207


Capítulo I - O Processo Evolutivo entre a Arquitectura e o Meio

Renzo Piano tenta reeditar a tradição da construção e a lealdade aos materiais


nas suas obras pela via da tecnologia, aproximando-a ao homem, defendendo
que a modernidade não tem que se afastar da humanidade, mas sim dar
resposta às suas necessidades pela sua eficácia e optimização que
proporciona.
A tecnologia constitui assim, o método para se atingir um fim em si,
funcionando apenas como ferramenta ou instrumento ao serviço do homem
para seu maior conforto e comodidade, com todos os benefícios ecológicos
que pode acrescentar no meio ambiente e à sustentabilidade dos edifícios.
Norman Foster, um dos Arquitectos contemporâneos mais influentes dos
nossos tempos, faz também parte deste grupo de arquitectos mais 259. Centre Le Pompidou, Paris, 1977, Renzo Piano e Richard Rogers, fonte própria, 2014

representantivos do movimento que elevou o tecnicismo das construções a


uma característica estilística. A Arquitectura de Norman Foster simboliza o
poder económico e são a expressão máxima do poder da alta tecnologia a
todos os níveis, desde o processo de montagem, as formas aerodinâmicas,
domótica e eficiência energética.
“Uma atenção ao pormenor, ou um fascínio pelas novas
tecnologias evidenciam-se em quase todos os projectos de Foster,
mas pode asseverar-se que o seu estilo genuíno não é tanto uma
questão de aparências como, preferencialmente, de método. E
esse método depende dos requesitos de um local mas também é
algo que tenta ultrapassar as necessidades expressas pelo cliente,
tentando atingir maneiras mais eficazes de lidar com as
preocupações sociais, ecológicas ou financeiras.” Jodidio, 1997, 7 9260. Art Institute of Chicago, Chicago Illinois, Renzo Piano, fonte própria, 2012

208 As Sensações e as Emoções na Arquitectura


Capítulo I - O Processo Evolutivo entre a Arquitectura e o Meio

A imagem da Arquitectura passaria assim, a direccionar-se ao consumidor


final com uma nova estética desligada do passado e voltada para a vivência
do presente, encontrando no grande desenvolvimento dos meios de
comunicação o seu principal veículo para a sua comercialização, despertando-
a para uma nova sociedade de consumo, pela força do poder económico.

Como refere Vitor Consiglieri, com a evolução económica que se assistiu


durante a Guerra Fria, as sensações da Arquitectura passaram a funcionar
como regra de apreciação valorizando os sistemas metafísicos mais
acentuadamente transcendentalistas, consolidando os estudos que trataram
a inteligência emocional em substituição da racionalidade materialista. Consiglieri,
2007, 52

Deste modo, os problemas adicionados às alterações do pensamento e


comportamento do homem vieram contribuir para que novas concepções
filosóficas aparecessem e fizessem a síntese da arte, da ciência e das
filosofias de Kant, Leibniz e Nietzche, em volta do mundo das sensações e
emoções ao nível da sua topologia simbólica e do mundo das coisas e do Ser.

261 Hearst Tower, Nova Iorque, Norman Foster, fonte própria, 2012

As Sensações e as Emoções na Arquitectura 209


Capítulo I - O Processo Evolutivo entre a Arquitectura e o Meio

263. Museu du Quai Branly, 1999-2008, Jean Novel, Paris, ,fonte própria, 2011

264. Metropol Parasol, 2005-2011, Jürgen Mayer-Hermann, Sevila, ,fonte própria, 2011

262. 30 St. Mary Axe, Foste and Partners,fonte própria, 2011 265. Estação do Oriente, Lisboa, Santiago Calatrava, p118, Calatrava, fonte própria,
2012
210 As Sensações e as Emoções na Arquitectura
Capítulo I - O Processo Evolutivo entre a Arquitectura e o Meio

1.1.5.2.2 O Desconstrutivismo
Os Filósofos franceses, Derrida, Foucault (1926-1984) e Deleuze (1925-
1995), a partir da grande revolução popular francesa de Maio de 1968, contra
o capitalismo, puseram em causa as políticas clássicas com novas
concepções, cada um á sua maneira.

Para Jacques Derrida tudo se tornou ambíguo, saturado pelo excesso de


sentido, questionando a regulamentação e disciplina generalizada da vida,
que Michel Foucault chamava de sociedade governalizada e Gilles Deleuze
apelidava de sociedade de controlo.

Entendiam que uma verdadeira concepção política passaría pela sua


capacidade de criar e inventar soluções, apontando, a arte e a literatura no
caminho da felicidade como mudança e renovação. Defendem que não
devermos ficar reféns da esperança de mudanças políticas, por forma de
evitarmos decepções e desilusões, a que o Psicanalista francês Jacques
Lacan apelidava de “inesperança” onde podemos viver sem esperança.

Mas foram, sobretudo as concepções de Gilles Deleuze, que havia sido


marcado nas suas considerações pelos cursos de Filosofia do seu tio Henri
Bergson (1859-1941), autor do método da intuição e muito influenciado pelo
Escritor romancista francês de origem judaica Marcel Proust (1871~1922), que
o tornaram um dos filósofos mais importantes da actualidade.

As Sensações e as Emoções na Arquitectura 211


Capítulo I - O Processo Evolutivo entre a Arquitectura e o Meio

O trabalho de Bergson, que se centrou na viagem do tempo de uma vida


perdida que se perlongaria pela metafísica, levantando o problema do
aparecimento da máquina que condenou a modernidade, através dos seus
estudos da Arquitecura da antiguidade clássica contribuíra para a investigação
das formas das imagens de natureza euclidiana.

Assim, a estética fenomenológica de Proust, que derivou também do inglês


John Ruskin pela influência que nele exerceu, procura dar à arte, expressão
artística pela captação das impressões sensíveis, da memória involuntária
onde residem os espíritos ocultos, considerando-as parte da essência da arte
e do conhecimento.

A inspiração que o movimento impressionista teve em Proust, quando este


explora exaustivamente nas impressões, os signos que os objectos contêm
na captação do sensível, volta o seu discurso para o futuro, aquilo que
considera ser movimento constante, numa espécie de recuperação do tempo
perdido.

Daí que, como refere Consiglieri, o método deleuziano consiste no ser real do
cérebro, com um novo conhecimento do Ser e do pensamento ligado à
natureza, onde as construções dos objectos artisticos têm por base as teorias
da sensação e da emoção psicológicas de sensibilidade transcendental. Onde
a sensibilidade forma a ideia pela conjugação do ser com a estrutura
transcendental e com o tempo. Consiglieri, 2007, p125

266, 267, 268.Tschumi’s Follies Parque La Villette, Bernhard Tschumi,


Paris, fonte própria, 2011

212 As Sensações e as Emoções na Arquitectura


Capítulo I - O Processo Evolutivo entre a Arquitectura e o Meio

O pensamento interpretativo deleuziano inspirou a corrente desconstrutivista


arquitectónica, que procurou imprimir uma certa utopia mediante as suas
formas, distanciadoras e fora do vulgar, podendo observar-se actualmente nas
obras de alguns dos seus percursionistas mais notáveis, tais como Bernard
Tschumi, Frank Gehry e Peter Eisenman, este bem mais conceptualista, como
pode comprovar através dos seus procedimentos teóricos.

Abriram-se assim, novos caminhos para a arquitectura com a expressão da


desorientação da sociedade, reflectida e visualizada através de novas formas
arquitectónicas, pelos fragmentos e pelas inteligíveis intersecções mais
surpreendentes dos volumes, dos eixos e das paredes inclinadas.

Segundo Barreiros Duarte, assistimos a diagramas, dobras, e formas de


grande complexidade que incorporam relações caóticas e descontinuidades
exploradas como base conceptual na arquitectura, referindo-se a obras
recentes de Frank Gehry e Peter Eisenman, com a deformação da forma dos
objectos, que ampliara enormemente a imaginação, fundamentando-se nas
269. The Dancing House, Praga, Frank Gehry, 1996, fonte própria, 2010
relações espaço-tempo. Duarte, 2011, 34

A representação da vida em movimento constante, os valores não estruturais,


a intuição, a moldagem das sensações pela forma, alusiva à forma como a
vida actual nos transformou, bem como, a perda do rigor científico e dos
valores da natureza, parecem aqui representar bem as incertezas do mundo,
do pensamento e do caos.

270. Pavillion Millennium Park, Chicago Illinois, Frank Ghery, fonte própria, 2012

As Sensações e as Emoções na Arquitectura 213


Capítulo I - O Processo Evolutivo entre a Arquitectura e o Meio

271. The Beekman Tower, Nova Iorque, Frank Ghery, 272. Fundação Louis Vuitton, Frank Ghery, Paris, fonte própria, 2012 273. The Beekman Tower, Nova Iorque, Frank Ghery, fonte
fonte própria, 2012 própria, 2012

214 As Sensações e as Emoções na Arquitectura


Capítulo I - O Processo Evolutivo entre a Arquitectura e o Meio

Segundo Barreiros Duarte, Peter Eisenman em «O Fim do Clássico», substitui


os sistemas codificados da ordem clássica greco-romana e do modernismo,
por uma estrutura decorrente da tradição judaica, privilegiando o método, a
abstração, o processo generativo e o engendramento da forma. Em que as
deformações e metamorfoses temporalizadas encontradas na sua estrutura
conceptual, decorreu de uma génese de apocalipse que reflectiu o trauma do
povo judeu que resultou do Holcausto. Referindo-se aos arquitectos
desconstrutivistas, dominantemente judeus, que encontraram nas expressões
dramáticas referenciadas ao niilismo e à angústia, o carácter simbólico do
vazio da ausência, expresso pelo Arquitecto Daniel Libeskind no Museu
Judaico em Berlim. Duarte, 2011, 13
Com o desconstrutivismo assiste-se, portanto, à metaforização da vida
quotidiana pela representação do mundo do caus, como nunca havia sido
sentido na Arquitectura, despertando-a para uma forma de comunicação mais
elevada daquilo que a expressão artística tem para oferecer. Pretendem
assim, despertar e monumentalizar, lembrando aos menos atentos e às
gerações futuras, que o caos que se assistiu nos últimos anos desde o
holocausto, existiu, existe e marcará a sua presença através das obras desta
corrente arquitectónica, na história da humanidade.A teia metafórica da
representação arquitectónica, desde o divino cósmico, depois com o clássico
e as suas transições históricas até ao fim do mesmo anunciado por Peter
Eisenmann com o desconstrutivismo, onde impera a recusa dos ângulos
rectos e dos volumes puros, interconectou-se num fluxo de experiências que
274. Vista interior de edifício da Cidade da cultura, Arquitecto Peter
Eisenman, visita de estudo promovida pelo Departamento de ampliaram largamente o exercício da Arquitectura.
representação e teoria arquitectónica da Universidade da Corunha
à futura Cidade da Cultura, Galiza, Espanha, fonte própria, 2009
As Sensações e as Emoções na Arquitectura 215
Capítulo I - O Processo Evolutivo entre a Arquitectura e o Meio

1.1.5.3 Movimentos ecológicos


O século XX, onde se deu o mais intenso fluxo de acontecimentos de todos
os tempos, com os problemas ambientais, os avanços tecnológicos, o avanço
da medicina e o prolongamento da expectativa de vida face aos avanços dos
meios de comunicação, despertaram uma complexidade tal que se repercutiu
na complexidade da função de reflectir nos dias de hoje, estando a reflectir-se
na Arquitectura a problemática da identidade antropológica e sociológica.
O conhecimento científico do homem que avançara para as questões de
ordem psicológica e neurológica, emocional e racional, no ambiente natural,
físico e construído, desenvolvera também preocupações relacionadas com o
comportamento do indivíduo e a sua interacção com o meio, numa relação de
contágio recíproca, onde o sujeito não só retirou as sensações e se
desenvolveu, mas também, o alterou através das suas acções.
Como refere Henrique Muga, nos dias de hoje, assiste-se, cada vez mais, a
uma certa integração da mente com as questões relacionadas com o
comportamento humano. Altman e Rogoff (1987) retrataram esta evolução
com base nos grandes modelos da história da Psicologia: o modelo dos
«traços, o interaccionista, o organísmico-sistémico e o modelo transacional.
Muga, 2005, 13

As teorias acerca da personalidade desenvolvidas por Eysenk (1916-1997) e


Cattell (1905-1998), a partir de meados do século XX, constituíam um conjunto
de traços relativamente às tendências de reacção e da introversão-
extroversão, enquadrando-se neste modelo a psicanálise.

216 As Sensações e as Emoções na Arquitectura


Capítulo I - O Processo Evolutivo entre a Arquitectura e o Meio

Para Sigmund Freud, pai da psicanálise, o processo de pensamento é a


associação de complexos de sensações que se dá através da energia, que
fluindo no sistema nervoso pelo sistema de neurónios, torna possível o
fenómeno representacional psíquico. Aqui, os processos criativos do
Surrealismo e depois o do Desconstrutivismo, retiraram grandes influências
pela valorização do insconsciente, do mundo dos sonhos e do mundo da
alucinação das suas representações.
Já no modelo interaccionista, segundo as teorias Behavioristas, desenvolvidas
por Pavlov (1849-1936), Watson (1878-1958) e Skinner (1904-1990) nos finais
do século XIX, a psicologia era um ramo objectivo e experimental das ciências
naturais, prevendo e controlando o comportamento do indivíduo. Assim, os
comportamentos do indivíduo reagem a um estímulo externo através do seu
condicionamento, com efeito reactivo ou operativo, dependendo da situação.
Esta teoria viria a ser questionada, pelos próprios seguidores evoluindo-se da
relação estímulo-resposta para uma orientação mais cognitivista, numa
relação de estímulo-organismo-resposta.
Nestes termos, com o organísmico-sistémico surge um modelo não linear mas
circular, pela influência da relação de causa-efeito, onde as pessoas e o meio
se inter-relacionam numa influência recíproca, modelo que tem herança na
Gestalt.
“A aprendizagem é, portanto, o resultado de um
acontecimento psicológico que engloba a acção voluntária e
a sua interacção com o meio conhecido, apelidado de «meio
psicológico».” Barracho e Dias, 2010, 77

As Sensações e as Emoções na Arquitectura 217


Capítulo I - O Processo Evolutivo entre a Arquitectura e o Meio

Neste modelo enquadram-se as teorias do desenvolvimento cognitivo de


Piaget nos anos trinta e, mais recentemente, a teoria ecológica do
desenvolvimento humano de Bronfenbrenner, bem como a teoria psicológica
de James Gibson. Estes entendiam que a relação do ser humano com o
ambiente forma ciclos ininterruptos entre a acção, a percepção e a acção,
onde o desenvolvimento humano acontece.
A teoria de Lewin (1890-1947), no final do século XIX, referindo-se às
variações do comportamento humano condicionadas pela tensão entre as
percepções em si mesmas e pelo ambiente psicológico onde se inseriam,
acentuou-se com os novos desenvolvimentos da psicologia ecológica, pelos
seu discípulos Roger Barker (1903-1990) e Herbert Wright (1907-1990), a
partir dos anos quarenta, elegendo assim como objecto de estudo as relações
interdependentes entre as acções das pessoas e os cenários onde essas
acções acontecem.
Nos anos sessenta, os humanistas Carl Rogers (1902-1987) e Abraham
Maslow (1908-1970) tiveram influência no modelo transaccional, onde
encontramos um contexto psicológico-ambiental, que não separa pessoas,
processos nem contextos, mas de um modelo que se centra nas totalidades,
no qual a vida é inovação e mudança constantes.
A sociedade ocidental deparou-se assim, nos últimos anos, com uma nova
preocupação com questões ambientais, que começou a tomar forma no
princípio dos anos sessenta, com novos discursos preocupados com o meio
ambiente, mais concretamente, após a segunda grande guerra mundial.

218 As Sensações e as Emoções na Arquitectura


Capítulo I - O Processo Evolutivo entre a Arquitectura e o Meio

Em todo o caso, o que acontece é que, com o aumento demográfico e as


alterações ambientais abismais dos últimos anos, constituíram uma das
principais ameaças do nosso planeta com consequências sociais e
económicas desastrosas.
Como referem Veitch e Arkklin, se outrora apenas existiam cerca de dez
milhões de pessoas no nosso planeta, hoje aproximamo-nos rapidamente dos
seis biliões e a tendência é para quadruplicar a cada setenta anos. Veitch e Arkklin,
1995, 230

A partir da abordagem das teorias ecológicas e, na circunstância, as


necessidades do mundo actual perante a ausência de um corpo teórico que
se preocupasse com as questões do homem e a sua relação com o ambiente,
surge a psicologia ambiental.
Assim, a partir dos anos sessenta surgiu um movimento mais entusiástico com
o aparecimento de vários autores e grupos nas mais variadas acções
concentradas no estudo do comportamento do homem em relação ao
ambiente, com as preocupações ao nível do urbanismo, do controlo
populacional, dos níveis de poluição atmosférica, sononora, catástrofes
ambientais e com o uso das energias alternativas.
O Norueguês Christian Norberg-Schulz, Arquitecto, teórico e historiador,
desempenhou recentemente um papel importante neste novo interesse dos
Arquitectos pela psicologia, baseando-se na percepção e na semiologia, onde
a Arquitectura não é vista só como arte, mas também pela importância que
tem na dimensão social e cultural, inspirando, assim, muitos dos actuais
investigadores sobre esta temática.

As Sensações e as Emoções na Arquitectura 219


Capítulo I - O Processo Evolutivo entre a Arquitectura e o Meio

Norberg-Schulz foi um dos primeiros teóricos a basear os seus fundamentos


em Martin Heidegger e na sua obra, contra a corrente modernista procura de
certa forma, humanizar a própria Arquitectura, fazendo apelo à experiência
sensorial do espaço.
Para Schulz o lugar é mais do que um simples espaço, pois nele o homem
manifesta o seu modo de viver dando-lhe significado. A estrutura de um lugar
é constituída por duas categorias: o espaço (terra) e o caráter (céu), que
permitirão ao homem a capacidade de habitar.
Segundo Henrique Muga, a Arquitectura de Schulz é parte integrante do
ambiente, que tem missão de ordenar e melhorar as nossas relações com o
mesmo, onde a totalidade arquitectónica se estrutura em torno das relações
entre três dimensões básicas: a técnica, a forma e o uso. Muga, 2005, 21
Na circunstância desta problemática e por influência de certas orientações
científico-humanas, a Arquitectura começaria a acolher a partir daí, com mais
entusiasmo, o interesse pela psicologia e todas as movimentações
ambientais, com uma orientação mais voltada para as ciências humanas,
verificando-se uma preocupação maior em conhecer o homem enquanto
utilizador, relativamente ao espaço a que se propõe criar.
No início dos anos 90, surgiram os primeiros edifícios com grandes
preocupações de eficiência, sustentabilidade, multifuncionalidade,
desempenho estrutural, mudando o foco de crítica que girava à volta de um
desconstrutivismo, que parecia esquecer-se dos problemas reais do mundo
actual. Pois, os problemas do mundo globalizado e a preservação do meio
ambiente obrigam a procura de alternativas mais eficazes para a arquitectura.

220 As Sensações e as Emoções na Arquitectura


Capítulo I - O Processo Evolutivo entre a Arquitectura e o Meio

A Arquitectura parece ter uma maior preocupação pelo discurso programático.


Nesse sentido, a arquitectura contemporânea procura dar resposta a esta
problemática, destacando-se os arquitectos contemporâneos, entre outros
quais Richard Meier, Rem Koolhaas e Zaha Hadid.
Para Rem Koolhaas, a forma é a sequência inevitável de um conjunto de
circunstâncias entre o programa e a função. A estética final do edifício é como
que o resultado de uma película que ao longo das cenas vai contando uma
história, e no caminhar do edifício se vão retirando as experiências das
sensações num constante movimento de cenas de suspense emocionantes,
completamente afastadas dos padrões normalizados.
A sua infância marcada pela influência da experiência caótica da guerra e do
pós-guerra com os problemas sociais aguçaram a sua sensibilidade para as
artes e o seu espírito crítico tanto nas suas posições teóricas como
arquitectónicas revelando grandes preocupações humanistas, muitas vezes
ironizadas nos seus edifícios.
275. Edifício do Canal de Televisão TF1, Richard Meier, Paris, fonte própria, 2013 Muito por ter frequentado a academia de cinema holandesa, verifica-se a
influência desta passsagem nos seus edifícios, pela forma como manifesta em
passar uma determinada mensagem ao longo da trama da sequência de
cenários que porporciona, tal como acontece no cinema. Sempre numa lógica
de experimentação arquitectónica e de soluções construtivas.
Para Rem Koolhaas o objecto final é todo um processo resultante daquilo que
se foi transformando através do seu subconsciente, muitas vezes difícil de
explicar pela sua grande ambiguidade.

276. Architectural Installation Zaha Hadid,, Pais, fonte própria, 2013

As Sensações e as Emoções na Arquitectura 221


Capítulo I - O Processo Evolutivo entre a Arquitectura e o Meio

Como refere Kliczkowsski, mais do que a regulação e o controlo, Koolhaas


pretende criar novos espaços experimentais, onde possa aplicar uma grande
variedade de lógicas construtivas, sendo a sua arquitectura muitas vezes um
feixe de contradições e tensões explícitas.Kliczkowski, 2003, 6 e 7
A Casa da Música no Porto pelo seu carácter afirmativo, como se uma nave
espacial ali aterrasse e conquistasse um lugar que por si já existia mas que
acolheu com aceitação e admiração. Koolhaas inspirou-se na trama que
caracteriza o Porto, observando-se nos apontamentos que fez no seu interior
do edifício como os azulejos tradicionais. A excelência da acústica conferida
espacialmente da sala principal é genial, não passa despercebida, torna-a
ímpar e fora dos padrões normalizados. Aqui, as sensações que retiramos do
momento em que assistimos a um concerto e as emoções que exteriorizamos
atingem a sua verdadeira plenitude. Estamos certos de que as sensações e 277. Casa da Música, Porto, Rem Koolhaas, fonte própria, 2013

as emoções atingem o seu máximo expoente em áreas particularmente


sensíveis como a Música ou Poesia pela via mais directa que é estabelecida
entre o emissor e o receptor. No entanto, Rem Koolhaas parece tentar inverter
a lógica pela forma sensível como trata os espaços, conferindo cenários
sensacionais ao utilizador, valorizando e protegendo todas as restantes artes,
como que a sua Arquitectura representasse ser a mãe progenitora de todas
as artes. Através da monumentalidade, a Arquitectura contou a nossa história
e ao longo dos tempos também se foi tornando mais sensacional e emocional,
tanto pelos avanços tecnológicos como pela forma como incorporou as outras
artes nos espaços arquitectónicos, que, sem a criação dos mesmos o mundo
das artes não seria o mesmo.
278. Casa da Música, Porto, Rem Koolhaas, fonte própria, 2013

222 As Sensações e as Emoções na Arquitectura


Capítulo I - O Processo Evolutivo entre a Arquitectura e o Meio

279, 280, 281. Train Station, Chicago Illinois, Rem Koolhaas, fonte
própria, 2012

As Sensações e as Emoções na Arquitectura 223


Capítulo I - O Processo Evolutivo entre a Arquitectura e o Meio

1.1.5.4 Movimentos neuropsicofisiológicos


As novas manifestações em volta da problemática do estado actual de crise
económica e da crise de valores da sociedade tem suscitado particular
interesse no campo das neurociências, resultando progressos notáveis que
poderão ser essenciais para a determinação dos novos caminhos do homem,
e, como tal, da própria Arquitectura.Inspirado por estes assuntos, o Professor
Harry Francis Mallgrave da Escola de Arquitectura de Chicago do Illinois
Institute of Technology e autor de mais de vinte livros de Arquitectura, prestara
grande contributo no seu mais recente livro “O cérebro do Arquitecto”, com
reflexões importantes para o futuro da Arquitectura. Mallgrave tornou-se no
primeiro Arquitecto que temos conhecimento a fazer a aproximação da
Arquitectura às Neurociências, pretendendo com os seus mais recentes
estudos despertar para um campo de investigação que tem conhecido
grandes avanços tecnológicos através dos mais recentes dispositivos de
imagem, que têm proporcionado descobertas incríveis acerca do nosso
cérebro. Segundo Mallgrave, as neurociências não sugerem uma teoria mas
podem oferecer algo mais, pela capacidade de poder responder sobre as
questões básicas relacionadas com a pessoa. Lembrando que Neutra já dizia
que nos devíamos concentrar na pessoa e não centrarmos apenas sobre as
coisas formais. Mallgrave sugere ainda uma reformulação dos conceitos
ecológicos para uma ecologia mais humana, que abrace a complexidade do
organismo humano e a comunidade, considerando contudo que são apenas
primeiras ideias e os primeiros passos neste processo. Mallgrave, p5, 2011 282. Harry Francis Mallgrave Phd, Após conversa com o
prestigiado Professor de Arquitectura do Instituto
tecnológico do Illinois, Chicago, fonte própria, 2012

224 As Sensações e as Emoções na Arquitectura


Capítulo I - O Processo Evolutivo entre a Arquitectura e o Meio

António Damásio, Professor da University of Southerm Califórnia, que estuda


as questões relacionadas com o cérebro humano há mais de trinta anos, fez
reflexões importantes sobre as antigas e as mais recentes descobertas
cientificas relacionadas com a mente. Apresenta concepções de grande
utilidade para a reconfiguração dos sentimentos e da consciência, que
poderão ter grande utilidade nas futuras concepções dos valores ideológicos,
onde nós arquitectos não podemos ficar indeferentes.
Segundo Damásio, a consciência desenvolveu-se ao longo da evolução até à
sua versão humana e se isso não tivesse acontecido, a humanidade também
não se tería desenvolvido. Damásio, p21, 2010
Atribui à Homeostase, processo adaptativo através do qual o organismo
garante as condições internas necessárias para a vida, o princípio da
regulação do universo, onde os processos fisiológicos do corpo humano são
os responsáveis por nos manter em estado de equilíbrio e harmonia.

“A mente consciente emerge na história da regulação da vida. A


regulação da vida, um processo dinâmico conhecido como
homeostase, tem ínico em criaturas vivas unicelulares, tal como uma
célula bacteriana ou uma simples ameba, que não têm cérebro mas
são capazes de um feroz e eficiente comportamento adaptativo. (…)
A homeostase, dando um salto extraordinário, alarga-se ao espaço
sociocultural. Os sistemas judiciais, as organizações económicas e
políticas, a arte, a medicina e a tecnologia são exemplos dos novos
dispositivos de regulação.” Damásio, p46, 2010

As Sensações e as Emoções na Arquitectura 225


Capítulo I - O Processo Evolutivo entre a Arquitectura e o Meio

Segundo Damásio, a partir da interacção do corpo com o ambiente, ocorrem


alterações nos órgãos sensoriais do corpo, como os olhos, os ouvidos e a
pele, onde o cérebro, indirectamente, adquire forma e representação,
mapeando no seu interior as alterações que recebe do mundo exterior. Damásio,
p60, 2010

Ora, daqui resulta a consistência do sistema ciclíco que apresentamos nesta


dissertação, dividindindo em quatro capítulos quatro factores chave, que se
interligam e se contagiam neste processo entre, o meio, o sujeito, a linguagem
e a comunicação.
Nesta linha de pesamento, podemos sugerir para reflexão o trabalho do
escultor Inglês Antony Gormley, que compreendendo a grandeza
neurofisiológica corporal parece apelar às nossas consciências a utilidade
destas questões. Gormley, entregou o seu próprio corpo ao manifesto, à sua
própria obra, onde muitos dos moldes dos seus trabalhos são retirados do seu
próprio corpo, não o tratando como um objecto, mas como o lugar onde todos
vivemos, na tentativa, de o materializar para o outro lado das nossas
aparências. Relacionando a natureza contagiante com o meio pela forma
como o contempla nas suas obras. Gormley, teve recentemente uma
experiência com o Arquitecto Inglês David Chipperfield, com um projecto para
o Centro de Arte Kivik na Suécia, cuja filosofia conceptual pretendeu
evidenciar a natureza contemplativa do corpo e da mente com a paisagem de
tal maneira que o facto de só permitirem a entrada de uma pessoa de cada
vez demonstra a intencionalidade da obra.

283. Centro de Arte Kivik na Suécia, Antony Gormley e David Chipperfield


,Fonte:en.wikipedia.org, 2013

226 As Sensações e as Emoções na Arquitectura


Capítulo I - O Processo Evolutivo entre a Arquitectura e o Meio

Os últimos avanços das ciências têm eliminado muitos mistérios da nossa


existência, com explicações fundamentadas nas experiências mais recentes,
através das tecnologias mais avançadas dos nossos tempos, estando a
caminhar-se para um novo ciclo que irá explodir exponencialmente num futuro
próximo, a avaliar pelos recentes avanços das Bio e Nanotecnologias.
“Para os antigos, as forças da Natureza eram um mistério eterno a temer e a
venerar, motivo pelo qual criaram os deuses da mitologia para atribuírem
sentido ao mundo que os rodeava. Os antigos rezavam aos deuses na
expectativa de que estes se apiedassem e lhes concedessem o que mais
ardentemente desejavam. Presentemente, tornámo-nos coreógrafos da
Natureza, capazes de, aqui e ali, dar um jeito nas suas leis. Em 2100, porém,
teremos feito a transição, tornando-nos senhores da Natureza.” Kaku, 29, 2011
O discurso pode parecer megalómano, mas há cinquenta anos atrás não
pareciam ser possíveis muitas coisas a que hoje em dia temos acesso.
Estamos perante um dos nomes incontornáveis da Física da actualidade.
Michio Kaku, Professor de Física Teórica da Universidade de Nova Iorque,
defende que o futuro passará pela manipulação de objectos com o poder da
nossa mente, os computadores interpretarem os nossos pensamentos,
satisfazendo os nossos desejos.
Dizendo que, a Biotecnologia criará corpos perfeitos e aumentará a duração
das nossas vidas, que a Nanotecnologia poderá transformar um objecto num
outro, ou até criar algo do nada. Moveremo-nos em veículos aerodinâmicos
que se erguerão no ar sem grande esforço. Kaku, 30, 2011

As Sensações e as Emoções na Arquitectura 227


Capítulo I - O Processo Evolutivo entre a Arquitectura e o Meio

Se por um lado, a Física aponta caminhos para uma grande revolução


tecnológica, próxima do que poderá significar ainda que de forma alegórica a
Era do cérebro digital, por outro lado, as preocupações das Neurociências
sobre as questões relacionadas com os problemas do homem actual,
designadamente com os recentes estudos dos fenómenos
neuropsicofisiológicos, parecem lançar elementos que até agora não
dispunhamos.
E nós arquitectos?! Estaremos preparados para o Futuro?!

284. O Fulereno C60, Instalação de Leo Villareal em Madison Square Park, Nova iorque, tema
importante da investigação da Nanotecnologia, fonte própria, 2012

228 As Sensações e as Emoções na Arquitectura


Capítulo I - O Processo Evolutivo entre a Arquitectura e o Meio

1.1.5.5 O ciclo de contágio da Idade Contemporânea – A Era da Emoção à Sensação

285. O gráfico pretende representar a existência de um ciclo de contágio na Idade Contemporânea, entre o mundo das sensações e das
emoções, entre o meio e o sujeito, entre a expressão e a comunicação.

As Sensações e as Emoções na Arquitectura 229


Capítulo I - O Processo Evolutivo entre a Arquitectura e o Meio

1.1.6 As quatro épocas do pensamento

286. As quatro épocas do pensamento

230 As Sensações e as Emoções na Arquitectura


Capítulo II - Com a necessidade de sobrevivência do Homem…

CAPÍTULO II
Com a necessidade de sobrevivência
do Homem…

As Sensações e as Emoções na Arquitectura 231


Capítulo II - Com a necessidade de sobrevivência do Homem…

232 As Sensações e as Emoções na Arquitectura


Capítulo II - Com a necessidade de sobrevivência do Homem…

2.1
OS PROCESSOS
PSICOLÓGICOS ATRAVÉS
DOS QUAIS O HOMEM
INTERAGE COM O MEIO

As Sensações e as Emoções na Arquitectura 233


Capítulo II - Com a necessidade de sobrevivência do Homem…

234 As Sensações e as Emoções na Arquitectura


Capítulo II - Com a necessidade de sobrevivência do Homem…

287. Cronograma do capítulo II

As Sensações e as Emoções na Arquitectura 235


Capítulo II - Com a necessidade de sobrevivência do Homem…

2.1 Os processos psicológicos através os quais o homem interage com


o meio
A Arquitectura poderia hoje, assumir um papel muito mais activo em certas
questões políticas e sociais, ou não fosse uma das actividades mais antigas.
Trata-se pois, de uma ciência multidisciplinar que deverá ter sempre por base
quase todas as ciências desde a Física, a Matemática, a Geografia, a História,
a Antropologia, a Sociologia, a Política, a Filosofia, a Fisiologia e, nos últimos
tempos, cada vez mais os fenómenos do âmbito neuropsifisiológico.
Como tal, não poderiamos deixar de falar na consequência do processo
psicológico, através do qual o homem interage com o ambiente no que diz
respeito à percepção e satisfação do índividuo que, enquanto utilizador do
objecto arquitectónico, assimila sensações e se transforma a si próprio.
A complexidade da interacção homem-espaço tornou inevitável a
aproximação da Psicologia à Arquitectura, originando a união destes
conhecimentos no encontro dum ambiente mais humanizado.
Foi o aparecimento da Psicologia ambiental, enquanto vertente
multidisciplinar, que possibilitou o intercâmbio de conhecimentos, conceitos e
experiências, resultando num enriquecimento mútuo destas duas grandes
ciências.
Os estímulos geram sensações que provocam sentimentos, mexem com
emoções, dão origem às inspirações que alimentam o ser criativo. As ideias
surgem e aparecem as obras que mudam o ambiente e o espaço que muda o
homem.

236 As Sensações e as Emoções na Arquitectura


Capítulo II - Com a necessidade de sobrevivência do Homem…

“O Homem e a arquitectura são partes de um todo dinâmico


e indivisível e, tendo a consciência dos princípios da
incompletude e do inacabamento do conhecimento, que nos
lançamos na missão de tentar uma aproximação ao
hometectus.” Muga, 2005, 25

Este ciclo é constante e evolui. A partir da interacção do homem com o meio


ambiente, deu-se a forma de desenvolvimento da humanidade ao longo dos
séculos. Influênciando-a século após século, ano após ano, dia após dia, nas
mais variadas vertentes, estando os mais diversos estímulos sempre na sua
origem.
A certeza do interesse que esta temática tem na actualidade, deu-nos a
motivação necessária para fazer esta caminhada, exemplo da utilidade que
certos estímulos têm no que fazemos, e no caso concreto, se tornou numa
condição essencial para este trabalho de investigação.

As Sensações e as Emoções na Arquitectura 237


Capítulo II - Com a necessidade de sobrevivência do Homem…

2.1.1 O Homem e o Meio


A relação entre o homem e o meio que fazemos aqui, pretende aproximar-se
ao espaço que nos envolve, entre o meio ambiente e o meio arquitectónico,
sobre aquilo que nos contagia e contagiamos, sobre a Arquitectura que
contamina o comportamento humano e este, por sua vez, também contamina
a Arquitectura, numa espécie de relação simbiótica, fetal, de contaminação
contínua e evolutiva. Com o processo evolutivo da Arquitectura entre o homem
e o meio pretendemos demonstrar a existência de um fenómeno ciclíco,
contaminante, que se deu entre a dialéctica do mundo das sensações e das
emoções, a partir do meio e do sujeito, a sua expressão e a sua forma de
comunicação, gerando dinámicas e contágios que determinaram a evolução
da terra, do homem, das tecnologias e da própria Arquitectura pela sua
capacidade de transformação do mundo real.

288. O desdobramento das Idades

238 As Sensações e as Emoções na Arquitectura


Capítulo II - Com a necessidade de sobrevivência do Homem…

Porém, não pretendemos com isto querer encerrar ou muito menos querer
circunscrever este fenómeno evolutivo ao sistema ciclíco de que falamos, pois
estamos certos de todo um processo transversal a todo o conhecimento, a
começar pela complexidade do mundo transcendental, da física quântica a
partir de Albert Einstein (1879-1955) e as suas mais variadas reintrepretações
como a teoria do caos e o sistema fractal ad infinitum ao holomovimento de
David Bohm (1917-1992), onde tudo se interrelaciona.
Interessou-nos, de facto, entender os processos psicológicos através dos
quais o homem interagiu com o meio, onde a Arquitectura desempenhou na
evolução da humanidade um papel determinante, desde do mundo da
representação da realidade e os demais movimentos arquitectónicos, que se
afirmaram num determinado tempo e espaço e permitiram documentar a
história da humanidade, até mais variadas circunstâncias de adaptabilidade,
de ordem social, filosófica, antropológica, política, climatérica e cultural.
Sem querermos levar o assunto às profundezas da Física, interessa apenas
aludir o fenómeno que falamos à termodinâmica, pela troca de matéria e
energia entre sistemas e ambientes, que se foi criando e formando entre o
homem e o meio, gerando um movimento cíclico de acção-reacção, que se foi
289. Evolução da taxa populacional ao longo das Idades
repetindo e diferenciando com a progressão do conhecimento, e assim
desenvolvendo o campo neuropsicofisiológico. Com o aceleramento da
densidade populacional mundial, com os avanços tecnológicos e uma série de
acontecimentos políticos e sociais que marcaram os últimos anos, deram
origem a um mundo de incertezas, em constante mudança, onde a perda da
ideia de lugar foi-se acentuando cada vez mais

As Sensações e as Emoções na Arquitectura 239


Capítulo II - Com a necessidade de sobrevivência do Homem…

Os novos fluxos da globalização resultantes de um cada vez mais emergente


sistema económico global, estão a originar inevitavelmente, uma população
cada vez mais flutuante, por força da necessidade de sobrevivência, como
aconteceu desde o primeiro homem, com a diferença que o meio mudou, é
flutuante e está em constante movimento, onde a terra parece ficar cada vez
mais distante, conforme podemos verificar na ilustração gráfica,
comparativamente com o aumento exponencial da densidade média da
população mundial.

290. Os fluxos da Globalização e a terra

240 As Sensações e as Emoções na Arquitectura


Capítulo II - Com a necessidade de sobrevivência do Homem…

2.1.2 O Homem, o espaço e a Arquitectura

A curiosidade acerca do que representa o espaço já vem desde a antiguidade,


pelo fascínio do homem pelo horizonte, pelo inatingível ou por aquilo que
estava para além disso, alimentada pela sede de conquista de novos mundos,
pelo sentido inato de apropriação e territorialidade.
As condições primordiais humanas de necessidade de abrigo e defesa fizeram
com que o homem das cabernas encontrasse na própria natureza o seu lugar
de eleição e de protecção e, à medida que a foi apropriando, exteriorizou a
sua forma de viver fazendo com que o espaço fosse construído e habitado
numa interacção recíproca de vivência-influência.
Pela importância que teve na investigação dos princípios essenciais de cada
ciência, a filosofia adquiriu ao longo dos tempos um lugar de destaque,
esforçando-se por generalizar, reflectir e explicar os complexos processos do
conhecimento e do relacionamento do homem com o mundo.
A compreensão do espaço e da sua existência, sempre suscitaram um grande
interesse por parte de muitos pensadores, como Platão e Aristóteles, seus
primeiros visionários. Platão (428-348 a.C.) referia-se ao espaço como algo
vazio, que podia ser receptor de todas as coisas, mas que só se tornaria
perceptível, através da luz, das superfícies e da forma. Relacionando-se, por
um lado, com as ideias de vazio dos Atomistas que, defendiam a existência
duma infinidade de partículas no espaço vazio e infinito e, por outro, com
Zenão de Eleia (490-430 a.C.), para o qual o lugar estava contido noutro lugar
e, assim, até ao infinito.
291. O Homem das cavernas, Museu da História Natural de Nova Iorque, EUA.
fonte própria, 2012

As Sensações e as Emoções na Arquitectura 241


Capítulo II - Com a necessidade de sobrevivência do Homem…

Arístoteles (384-322 a.C.), por sua vez, defendia que o espaço era um lugar,
onde residia o limite de cada corpo, no qual o corpo está contido.
Já na Idade Moderna, Descartes (1506-1650) defendia que o espaço era uma
espécie de prolongamento próprio corpo. No entanto, foi a partir das teorias
de Newton e depois com a Teoria da Relatividade de Einstein (1643-1727),
que se deu a verdadeira transformação no mundo do conhecimento. O
pensamento filosófico contemporâneo convertera-se à ciência e o conceito de
espaço deixara de se fazer pela via de preposições imediatas, passando a ser
tão real que estava em toda a parte, no tecido dos cosmos e em tudo o que
sobra, aqui considerado o espaço vazio, alterando-se assim decisivamente
todos os debates filosóficos. Os primeiros ensaios metafísicos ainda muito
cépticos começaram em David Hume (1711-1776), mas foram os conceitos
de Kant (1724-1804) que se apresentaram mais consistentes, onde o espaço
não era dado pela experiência, mas sim pela intuição pura a priori da
sensibilidade dada pela estrutura do espaço-tempo, incluíndo a substância,
onde as coisas surgem pela matéria numa relação de causa efeito. Depois,
Hegel (1770-1831) defendeu um conceito integral entre o espaço e o tempo
onde não se podia dissociar os temas da Filosofia do Espírito, trazendo os
conceitos de Kant sobre a intuição sensível, ou seja, enquanto sujeitos que
nos orientamos de modo a priori no espaço e no tempo, estabelecemos
diferenças qualitativas entre as quatro dimensões de espaço temporais na sua
totalidade e nas suas respectivas direções, tais como, a altura, largura e
profundidade num sistema de coordenadas originariamente orientadas pelo
nosso corpo, onde o futuro é objetivamente diferente do passado.

242 As Sensações e as Emoções na Arquitectura


Capítulo II - Com a necessidade de sobrevivência do Homem…

No entanto, segundo Távora, quando falamos da organização do espaço em


duas ou três dimensões, estamos a reduzir o conceito à sua forma mais
convencional, que não deixa de ser útil em determinados casos mas que não
corresponde à realidade. De modo que só a quarta dimensão dada pelo
tempo, que derivou da Teoria da Relatividade com a sua noção de «espaço-
tempo» nos pode dar a sua verdadeira grandeza. Távora, 2006, 11
Já a relação entre homem e espaço em Heidegger (1889-1976), nada mais é
do que um habitar, levando à ideia do lugar que acolhe com naturalidade a
ideia da terra e do céu, onde o espaço e o sentido de edificar se pertencem e
assim se edificam lugares, se formam e se articulam os espaços.
Heidegger integrava assim num conceito de metafísica da subjectividade
como o sujeito se interrelaciona com o objecto e como o homem o manipula,
onde o efeito contrário também acontece.
Na verdade sabemos hoje que a complexidade da organização do espaço é
muito mais ampla do que aquilo que se possa imaginar à partida, tendo-se
dado neste período um passo gigantesco que foi de certa forma o de
ultrapassar os conceitos preconcebidos do mundo das ideias.
O espaço que passara durante muito tempo ao lado das ciências sociais, com
a crescente preocupação com o meio ambiente, o conceito “espaço” passou
a ser apreendido, mais tarde, como meio psicológico para a descoberta dos
mais variados factores sociais e comportamentais, através de todos os
processos experimentais e das diversas teorias, passando a ser uma matéria
nova a ser tratada na Psicologia.

As Sensações e as Emoções na Arquitectura 243


Capítulo II - Com a necessidade de sobrevivência do Homem…

Contudo, também sabemos, que foi a partir do aparecimento da Sociologia no


século XVIII com Auguste Conte (1798-1857), quando começara a tratar dos
fenómenos sociais analisando o comportamento humano no meio social,
voltando-se para o estudo da sociedade, o meio onde está inserida e a sua
cultura, que levara às primeiras preocupações de ordem psicológica.
O conhecimento sociológico, de acordo com a realidade de cada cultura e
sociedade, pretendeu provocar uma mudança de mentalidades,
fundamentando-se em experiências reais, sempre ajustadas a cada realidade
social, numa perspectiva de melhoria de determinados comportamentos
humanos, sempre num horizonte de vida em grupo.
Nesse sentido, o conceito de espaço público ou espaço comum ganhou aqui
particular importância, por estar relacionado com os meios de comunicação
das massas populacionais, sendo objecto de instrumentalização por esta
ciência, na compreensão das situações que a vida quotidiana se confronta.

“A sociologia fornece categorias mentais, representações,


preconceitos, maneiras de pensar, de agir, de sentir,
desenvolvendo nos indivíduos necessidades de vária
ordem, gestos, sentimentos e comportamentos que
exigiram o condicionamento do seu organismo, destinados
a adaptá-los a um determinado ambiente sócio-cultural.”
Barracho e Dias, 2010, 5

244 As Sensações e as Emoções na Arquitectura


Capítulo II - Com a necessidade de sobrevivência do Homem…

A Sociologia representa hoje um papel crucial na determinação das grandes


linhas estratégicas por parte das políticas sociais, originando ações com
grandes implicações na transformação da sociedade, do espaço e, por
consequência, do ambiente arquitectónico, quer pelas transformações
económicas, políticas e culturais, quer pelo sentido de apropriação do homem,
que sempre estiveram na origem dos grandes conflitos da história.
O processo de humanização teve na forma de adaptação à vida terrestre, com
as suas condicionantes naturais, a principal explicação para a evolução da
espécie. Desde os antepassados, o género Homo, com a necessidade de
comunicar foi construindo, transformando e gerindo os espaços numa
interacção de comunicação entre a espécie, pela linguagem, imagens e
conceitos, desencadeando para além do espaço físico, um lugar para um
espaço social, cultural e, por consequência, um espaço histórico.

“A evolução do homem foi marcada pelo desenvolvimento dos


«receptores à distância»: a vista e o ouvido: Foi assim que se
lhe tornou possível criar as artes que fazem apelo a estes dois
sentidos, excluindo virtualmente todos os outros. A poesia, a
pintura, a música, a escultura, a arquitectura e a dança são
artes que dependem essencialmente, se não exclusivamente,
da vista e do ouvido. O mesmo acontece com os sistemas de
comunicação que o homem elaborou.” Hall, 1986, 54

As Sensações e as Emoções na Arquitectura 245


Capítulo II - Com a necessidade de sobrevivência do Homem…

É aqui que começa a histórica relativamente recente da Antropologia,


adquirindo a categoria de ciência no início do século XVIII com as
classificações de Carolus Linnaeus (1707-1778), que tinha por objecto de
estudo as raças humanas e, mais tarde, com Charles Darwin (1809-1882),
com o estudo da humanidade e a sua evolução no espaço e no tempo. Este
processo implicou um exercício de competências cerebrais na consciência
espacial e temporal, dando origem à personalidade do indivíduo e à
construção de valores e a sua fixação.

“Os edifícios de construção humana são um exemplo de


organização fixa. Igualmente, o seu modo de agrupamento bem
como o seu modo de partição interna correspondem também a
estruturas características determinadas pela cultura.” Hall, 1986, 121

A formação dos pequenos núcleos, das pequenas e grandes comunidades


decorreram de processos degenerativos distintos mas de alta complexidade,
onde os indivíduos absorveram os estímulos dados pelo meio, aprenderam a
viver em sociedade, desevolveram os costumes e os seus valores culturais
das mais diversas formas, que variaram entre os povos por motivos de ordem
territorial, sócio-económica ou climática. Ainda que, por vezes, relativizada por
alguns, a antropologia desempenha actualmente um papel fundamental na
análise e reflexão sobre a sociedade actual. Em busca da perfeição num
processo que está em permanente construção, que, parecendo utópico, torna-
se necessário na aproximação das diferentes culturas e etnias entre os povos.

246 As Sensações e as Emoções na Arquitectura


Capítulo II - Com a necessidade de sobrevivência do Homem…

Trata pois, do interesse de harmonizar certos choques culturais numa


adaptabilidade que é difícil, mas que não podemos acreditar ser impossível,
num mundo cada vez mais globalizado, onde o respeito pelas diferenças deve
ser a base de tudo.

“Os espaços tornam-se locais quando estão ligados a


pessoas, ganham significado psicológico e implicam o
decurso de actividades. Exercendo assim influência no
comportamento humano. O espaço, sendo um modelo social
na organização da sua atividade, condiciona o
relacionamento entre o homem e o ambiente.” Altman e Rogoff, 1987,

Se o conceito de espaço físico é reduzido ao volume vazio, e um espaço


concreto devidamente delimitado, homogéneo e quantificável, o espaço
perceptivo remete-nos para a experiência dos objectos e das pessoas no que
diz respeito à utilização do espaço físico, cabendo ao espaço cognitivo, a
experiência da vivência desse mesmo espaço e a imagem com que ficamos
dele.
O processo que fez com que o espaço através da Arquitectura, fosse
territorializado, referenciado, delimitado, com as suas diferentes concepções
de ordem climatérica, social e cultural, criou as condições necessárias de
vivência, influência, experiência e comunicação, entre a Arquitectura, natureza
e o homem, numa espécie de contaminação continua entre o espaço e o
tempo.

As Sensações e as Emoções na Arquitectura 247


Capítulo II - Com a necessidade de sobrevivência do Homem…

“O Espaço arquitectural faz parte da arquitetura e da


própria natureza, que também a envolve e limita. Entre
duas montanhas ele está presente e nas suas formas de
íntegra como um elemento de composição paisagística.”
Niemeyer, 1993, 19

No entanto, o espaço não era nem nunca será, um elemento que se possa
tocar, mas sim algo que se pode sentir. Só damos conta da sua existência
quando está delimitado, pela própria natureza ou pelas formas
arquitectónicas, comunicando assim com o homem. Foi a partir da teoria
Einfühlung ou teoria da empatia em analogia à simpatia estética que se deu
no período romântico alemão, iniciada por Fredrich (1844-1900) e Vischer
(1847-1933) e mais tarde adoptada por Theodor Lipps (1851-1914), que se
deu a introdução dos sentimentos nas interpretações arquitectónicas,
reconhecida dentro da Filosofia e a fenomenologia do espaço e da percepção.
Teoria que derivou da formalidade kantiana da experiência estética e a sua
relação estreita com o objecto e dos elementos dados pela estética
experimental de ordem psicológica de Gustav Theodor Fechner (1801-1887).
Tornar-se-ía naquilo que o teórico de arte alemão Wilhelm Worringer (1881-
1965) designou por Psicologia do estilo.
A experiência estética resultava do contágio que começava na criação
artística, que num momento do estado de espírito criador, era dado ao nível
da sua intuição mais pura, passando um pouco de si e da sua própria
personalidade para as formas arquitectónicas.

248 As Sensações e as Emoções na Arquitectura


Capítulo II - Com a necessidade de sobrevivência do Homem…

Comunicando assim, sentimentos de diversa ordem espiritual, que podem


variar de receptor para receptor, concedendo desta forma qualidades
humanas à Arquitectura, humanizando-a.

“Olhando as formas arquitectônicas, nós vibramos em simpatia


simbólica com elas, porque suscitam reações em nosso corpo
e em nosso espírito. Partindo dessas considerações, a
simpatia simbolista tentou reduzir a arte a uma ciência: um
edifício não seria mais do que uma máquina apta a produzir
certas reações humanas predeterminadas.” Zevi, 2009, 161

Como referia Bruno Zevi (1918-2000), atribuem-se significações específicas


aos elementos geométricos, que remetem para vários tipos de sentimentos,
onde as linhas horizontais transmitem sentimentos de calma e tranquilidade,
as linhas verticais extâse e sublime, as linhas rectas de rigidez e força, as
linhas curvas a hesitação e flexibilidade e o círculo o equilíbrio. As fomas
helicoidais por seu lado, podem nos dar sensações desprendimento,
enquanto, que a as cúbicas transmitem-nos sensações de segurança. Zevi, 2009,
161, 162

O espaço começa por ser delimitado geometricamente, desde a sua visão


mais primária da primeira dimensão com o traçado de uma simples linha sem
que haja especificação da forma. Depois, com a bidimensionalidade da
imposição da distância, da orientação e da possibilidade de definirem coisas
grandes ou pequenas, redondas ou angulares, termina com toda a mobilidade
da tridimensionalidade. Caracterizando-se pela relação Espaço-Tempo, onde

As Sensações e as Emoções na Arquitectura 249


Capítulo II - Com a necessidade de sobrevivência do Homem…

acontecem as quatro dimensões, uma espécie de processo de codificação


visual da totalidade. Assim, a Arquitectura acontece, delimita os nossos
espaços e contagia-nos sensorialmente, pelos mais variados tipos de
sensações de ordem visual, táctil, auditiva, olfactiva, de ordem térmica ou de
ordem especificamente espacial como equilíbrio, lateralidade e profundidade.
As sensações do espaço dão-se na nossa rede neural e à medida que o
experimentamos retiramos mais informações da realidade das coisas e, como
tal, vamos imprimindo holograficamente as respostas emocionais entre o
espaço e o tempo, resultantes das respostas químicas do corpo,
desencadeando mudanças constantes em nós mesmos.
A Teoria da Gestalt, conhecida pela teoria da psicologia da forma, foi ensinada
pelo Filósofo Christian Ehrenfelds (1859-1932) em Viena, com as formulações
do raciocínio, causalidade, tempo, espaço e movimento a partir das
psicologias da mente e do ego, com destaque para a psicanálise. Já no
princípio do século XX, viria a ser assumida e desenvolvida pelas escolas
alemãs, tendo como seus representantes Wolfgang Kohler (1887-1967) e Kurt
Koffka (1886-1941), reagindo assim, às teorias contemporâneas
associacionistas que se baseavam na experiência.Também por influência de
Kant, em que os elementos por nós recebidos estão organizados de forma a
fazerem sentido e não apenas através da associação com o que conhecemos,
a Gestalt defendia que o cérebro é todo um sistema dinâmico com princípios
operacionais próprios, que organiza os estímulos recebidos pelos sentidos
num determinado momento pela proximidade, continuidade, simplicidade,
semelhança, preenchimento, unidade e figura/fundo.

250 As Sensações e as Emoções na Arquitectura


Capítulo II - Com a necessidade de sobrevivência do Homem…

Lei da semelhança, em que os


objectos tendem a agrupar-se pela
correspondência da cor, forma e
tamanho.

A Lei da proximidade, em que os


elementos, pela sua proximidade se
agrupam entre si, fazendo uma
unidade.

A Lei da continuidade, em que os


elementos, pelo seu alinhamento
proporcionam um inter-relacionamento
harmónico entre eles.

A Lei do completamento, em que os


elementos se completam pela forma
como a nossa mente interpreta
determinada imagem.

292. Baseado no esquema, fonte: design.blog.br, 2011

As Sensações e as Emoções na Arquitectura 251


Capítulo II - Com a necessidade de sobrevivência do Homem…

Para a Gestalt, a percepção é todo um processo organizacional de


informações sensoriais, onde os fenómenos não são transparentes e,
portanto, daí não se poderem tirar conclusões certas. As teorias da Gestalt
estão interrelacionadas com as vivências reflexivas da fenomenologia
apresentando-se como uma das suas características.
Tiveram grande amplitude na Arquitectura com o movimento artístico da
Bauhaus, pela forma como aplicavam estes princípios nas suas obras. Hoje,
os conceitos gestaltistas são utilizados com frequência em diversas áreas, tais
como o design e o webdesign, podendo ter ainda um papel importante para
os Arquitectos na caracterização e percepção espacial.
Edmund Husserl (1859-1938), por muitos considerado o pai da
fenomenologia, inspirado pela teoria Einfühung, formulara a percepção como
experiência essencial para a apreensão do objecto, opondo-se aos juízos de
valor, imaginação e memória, por entender que modificavam o modo original,
apresentando uma filosofia de auto-reflexão, que se dava pela via do que a
intuição oferece, afastando todas as ideias pré-estabelecidas.
Propôs uma ciência da subjectividade que tinha por objectivo o estudo do
próprio fenómeno, das coisas em si mesmas e não aquilo que estava escrito
sobre elas, centrando-se em todo o fenómeno psíquico que era submetido à
consciência do sujeito que permitia configurar a sua intencionalidade.
Hurssel foi influenciado pelas teorias de Franz Brentano (1838-1917), que
havia sido seu Professor, representou a corrente filosófica de reacção à
Metafísica e dera início aos primeiros conceitos de ordem fenomenológica.

252 As Sensações e as Emoções na Arquitectura


Capítulo II - Com a necessidade de sobrevivência do Homem…

Mais tarde, o psicólogo James Gibson (1904-1979), em oposição aos


princípios da Gestalt, surge nos anos cinquenta com um novo modelo teórico
centrado no meio, defendendo que a percepção está inerente ao nosso padrão
de estimulação, não necessitando de outros processos para a sua
compreensão por parte de quem os observa. As propriedades ambientais são
compreendidas como entidades numa determinada circunstância ecológica de
variáveis que se interrelacionam.
Segundo Muga, Gibson considera que a percepção existe,
independentemente do ambiente, para que seja sentida suficientemente e de
forma verdadeira. Argumentando “que a percepção é o resultado directo que
nos chega da estimulação” por força da energia que o próprio ambiente
proporciona às pessoas, pelas radiações da luz, pela vibração do som ou pela
temperatura. Muga, 2005, 75
Esta imensidão de energia pode ser compreendida pelo meio, que permite a
capacidade dos organismos se movimentarem, ver, cheirar e ouvir, pelas
substâncias que têm necessidade de ser distinguidas e pelas superfícies que
separam as substâncias do meio, com a característica de poder mudar ou
manter os planos, texturas, luzes e sombras. Para Gibson, a informação
ambiental não se organiza a partir das sensações recebidas pelo ambiente,
mas pelas propriedades informativas dos objectos.
Já as teorias construtivistas tentaram explicar como a inteligência humana se
desenvolve, pressupondo que todo o conhecimento é determinado pelas
acções entre o indivíduo e o ambiente.

As Sensações e as Emoções na Arquitectura 253


Capítulo II - Com a necessidade de sobrevivência do Homem…

A inteligência do homem constrói-se na resposta aos estímulos externos e,


agindo sobre eles, organiza o seu próprio conhecimento. O fenómeno da
passagem didáctica do conhecimento para a sua construção não acontece
rapidamente. Esta teoria estava ligada à corrente cognitivista e à abordagem
de Piaget (1896-1980), para quem o equilíbrio oscilava entre dois pólos, a
assimilação e a acomodação, como motores de aprendizagem, originando a
adaptação intelectual, organização, crescimento e mudança.
As teorias de Piaget, bem como, de Ausunbel (1918-2008), Vygostsy (1896-
1934) e Bruner, contribuíram para o construtivismo e a aprendizagem. Dentro
do modelo construtivista podemos também verificar algumas teorias, tais
como: a teoria probabilística, a teoria transaccional, a teoria da percepção
indirecta e a teoria do pensamento visual.
A teoria probabilística surgiu na década de sessenta por Egon Brunswick
(1903-1955), partindo da ideia que a informação sensorial vinda do ambiente
não estava perfeitamente correlacionada com o ambiente real, sendo que esta
ambivalência na percepção faz com que o receptor realize estímulos
probabilísticos sobre a situação real. Brunswick sustentava que os estímulos
variavam de acordo com a sua validade ecológica, quanto à capacidade dos
estímulos fornecerem uma representação mais ou menos genuína do
ambiente real. Na teoria transaccional, segundo Adelbert Ames (1835-1933),
o indivíduo interpreta o ambiente com base em princípios adquiridos pela
experiência ambiental, concluindo-se, portanto, que os juízos de percepção
formados são subjectivos.

254 As Sensações e as Emoções na Arquitectura


Capítulo II - Com a necessidade de sobrevivência do Homem…

Esta teoria ajuda a perceber a importância das experiências pessoais na


percepção ambiental, bem como o facto de diferentes pessoas
percepcionarem os sítios de formas diferentes. A teoria de percepção Indirecta
surgiu nos anos setenta, por J. Hochberg e referia-se à percepção como uma
actividade numa forma de memória que adaptava esquemas a amostras do
mundo. Por exemplo, quando um Arquitecto analisa um determinado edifício,
provavelmente caracteriza-o pelo estilo ou pela época de forma diferente das
pessoas em geral. A teoria do pensamento visual que foi desenvolvida
recentemente pelo psicólogo alemão Rudolf Arnheim (1904-2007), sustenta
que não existe percepção sem pensamento, não sendo portanto, possível
recorrer a imagens perceptivas por algo eminentemente visual, ou seja, para
que exista percepção será necessário compreender as relações e a estruturas
dos objectos.
Já as Neurociências baseiam-se nas imagens holográficas para observar
como o nosso cérebro guarda as informações e como a nossa memória
funciona, do tempo da intuição à concepção. Um espaço só existe realmente
quando percebido e vivido, o que implica uma estreita relação entre o espaço
e o tempo. A experiência espacial requer, inevitavelmente, a participação da
dimensão temporal.

“A primeira síntese do tempo, embora seja originária, não deixa de


ser intemporal. Ela constitui o tempo como presente, mas como
presente passa. O tempo não sai do presente, mas o presente não
para de se mover por saltos que se intrincam uns nos outros.”
Deleuze, 155, 2000
293. Os cinco sentidos, fotomontagem

As Sensações e as Emoções na Arquitectura 255


Capítulo II - Com a necessidade de sobrevivência do Homem…

É o tempo que torna possível a percepção do espaço em todas as suas


dimensões. Apercebemo-nos do espaço com todo o nosso corpo e alma e
somos, assim, tocados. O que nos toca, perturba ou comove exprime-se em
emoções, um processo físico-químico de apreensão da realidade. O espaço
transmite-nos sentido de protecção, orientação e sentimentos.

“A história do mundo em geral é o desenvolvimento do


espaço no tempo, assim como a natureza é o
desenvolvimento da ideia no espaço.” Hegel, 2008, 123

Os estudos apontam para a existência de três aspectos a ter em conta na sua


compreensão, ou seja, a existência de um espaço físico, um espaço
perceptivo e um espaço cognitivo. A arquitectura deve, então, incluindo o
mundo sensorial humano, ser capaz de produzir reacções, sensações e de
despertar os sentidos de qualquer pessoa. Deve ser pensada como contentor
de experiências sensoriais, a fim de responder às necessidades do homem,
através das suas características físicas, expressivas e espirituais. Com os
nossos sentidos e nervos sensoriais podemos perceber estas propriedades e
experimentar diferentes sensações nos espaços que visitamos.

“Linhas, planos, volumes, proporções, forma e textura inter-


relacionam-se, criando uma unidade que nos proverá de
sensações psíquicas, espirituais de um acto emocional. Este
registo psíquico de realidades é o conceito do espaço
arquitectónico.” in El color en Arquitectura 17

256 As Sensações e as Emoções na Arquitectura


Capítulo II - Com a necessidade de sobrevivência do Homem…

As sensações, como resposta à percepção física da realidade, resultam de


uma série de mensagens registadas pelos nossos órgãos sensoriais. Estes
são, simultaneamente, receptores e emissores e determinantes na relação
que o homem tem com o seu meio ambiente. Edward T. Hall (1914-2009) dizia
que o aparelho sensorial é composto por duas categorias de receptores: os
“receptores à distância”, nomeadamente, os olhos, os ouvidos e o nariz e os
“receptores imediatos”, como a pele e os músculos. O sentido da visão, sem
dúvida o mais completo, é a nossa maior fonte de informação. No entanto, a
apreciação de um espaço não se limita ao campo da visão. A primeira
percepção de espaço é global, mas devemos sempre que possível
aproximarmo-nos. O tacto, o olfacto e a audição, aliados à visão, aumentam a
riqueza das nossas impressões sensoriais. Sendo próprio de cada indivíduo,
os sentimentos vão transmitir distintas mensagens, resultando em distintas
percepções e interpretações da realidade.
Pode-se, assim, dizer que a percepção de um espaço não é universal, difere
de pessoa para pessoa, consoante a sua maneira de captar a realidade. Para
fazer uma avaliação correcta desta percepção, temos de considerar a
diversidade que caracteriza os indivíduos na sua experiência do espaço,
sendo que a personalidade, a vivência, as experiências, as culturas e até as
memórias de cada indivíduo e a relação que com ele estabelece, revelam a
sua cultura e as percepções que dela adquiriu. A percepção pode também ser
diferente para o próprio indivíduo consoante o seu estado de espírito e a sua
condição emocional em cada momento.

As Sensações e as Emoções na Arquitectura 257


Capítulo II - Com a necessidade de sobrevivência do Homem…

Temperamentos e humores tendem a influenciar o modo como cada indivíduo


responde a cada experiência.

“Na experiência da arte tem lugar um peculiar intercâmbio; eu


empresto as minhas emoções e associações ao espaço e o
espaço empresta-me a sua aura, que atrai e emancipa as
minhas percepções e idéias. Uma obra de Arquitectura não se
experimenta como uma série de imagens retinianas isoladas,
mas em sua essência material, corpórea e espiritual totalmente
integrada.
Oferece formas e superficies agradáveis moldadas pelo tacto
do olho e de outros sentidos, mas também incorpora e integra
estruturas físicas e mentais ortogando à nossa experiência
existencial uma coerência e uma transcendência reforçadas”
Pallasmaa, 2010, 11

A percepção do espaço é, desta forma, completa. Os estímulos físicos,


emitidos pelos órgãos sensoriais, associados à personalidade, experiência,
cultura e memória de cada indivíduo, possibilitam uma estreita relação entre o
Homem e a matéria. Percebido o espaço, o indivíduo interpreta-o, dá-lhe um
significado e apropria-se dele. As grandes teorias da percepção do ambiente
têm tido um papel fundamental no estudo da interrelação homem-ambiente,
tanto pela interpretação do processo perceptivo como pela consciencialização
das várias realidades ambientais.

258 As Sensações e as Emoções na Arquitectura


Capítulo II - Com a necessidade de sobrevivência do Homem…

Além do mais, apresentam-se especialmente úteis na compreensão dos


processos cognitivos, no que diz respeito à memória, pensamento e
afectividade, pela necessidade de se ter que desenvolver elementos de
natureza científica, ética e estética no estímulo de acções voltadas para a
conservação da natureza e para a sobrevivência da própria humanidade.
Nós, homens, enquanto seres activos no mundo real, recolhemos sensações
de formas muito diferentes e variáveis, quer pela nossa personalidade, pela
nossa cultura, pela forma como nos movimentamos no espaço e como
mudamos os ângulos visuais.

“Tal como é, tal o homem organiza o seu espaço; a um


indivíduo e a uma sociedade em equilíbrio correspondem
um espaço harmónico; a um indivíduo e a uma sociedade
em desequilíbrio corresponde a desarmonia do espaço
organizado. A forma criada pelo homem é prolongamento
dele – com as suas qualidades e com os seus defeitos.”
Távora, 2006, 73

Estas teorias para as quais nós Arquitectos devemos estar familiarizados são
de extrema utilidade, no entanto, certamente que cada caso será um caso.
Na nossa prática, deveremos saber avaliar, tirar as nossas próprias
conclusões e com a sensibilidade que nos é própria retirar os elementos
necessários para a construção do nosso pensamento arquitectónico.

As Sensações e as Emoções na Arquitectura 259


Capítulo II - Com a necessidade de sobrevivência do Homem…

Devolvendo através da nossa obra, esses conhecimentos que não retirarão


nada de nós mesmos, mas que pelo contrário levarão a todo um
desenvolvimento projectual lógico e coeso, que começa no conhecimento, na
nossa experiência, passando pela percepção do local de intervenção, pelo
sentimento que é gerado naquele momento e termina na obra, em volta de
todo um discurso programático e uma filosofia da intervenção coerente.
Nunca a interdisciplinaridade foi tão sentida e necessária como agora, na
resolução dos problemas da actualidade que afectam o mundo e o homem.
Pertencendo a todas as ciências a responsabilidade de se interligarem,
através dos conceitos de ecologia social, universalidade e transversalidade,
na procura da resolução dos complexos problemas da degradação humano-
ambiental.
Numa dimensão mais alargada, do contexto que esta temática representa
para os que se preocupam com os problemas dos conflitos entre povos que
vivemos na actualidade, nós Arquitectos, pela força das acções que também
exercemos no meio, seja pela via do planeamento, seja pela via da
Arquitectura, deontologicamente, pelo respeito dos outros e pelo direito a que
todos assiste, temos também o dever de estarmos atentos e de sabermos
interpretar esses sinais.
A Arquitectura como é natural, deverá oferecer o seu contributo e
desempenhar um papel muito mais pró-activo, pelo seu peso na história, pela
sua componente directamente ligada às questões do homem e do ambiente.

260 As Sensações e as Emoções na Arquitectura


Capítulo II - Com a necessidade de sobrevivência do Homem…

Deverá mesmo, interpretar todas estas questões com um olhar sócio-


antropológico, compatibilizando-as sempre que tivermos oportunidade nas
nossas acções, sem deixar nunca de parte os princípios arquitectónicos que
defendemos.
Segundo Souto Moura, a Arquitectura deverá no futuro socorrer-se de outras
disciplinas e trabalhar em conjunto, uma vez que não é uma arte autónoma.
Está ligada à economia, à cultura, aos conflitos e às vicissitudes. E por isso,
os Arquitectos vão ter que construir uma nova disciplina. Souto Moura, Agência Lusa,

17 de Julho de 2015.

Diríamos mesmo, que muito provavelmente, poderão ter que se desmultiplicar


por áreas de especialização muito mais abrangentes que as actuais e voltar-
se também para as áreas do foro neuropsicofisiológico duma forma
coordenada e interdisciplinar, numa linha programática que deverá ter de base
a fusão de conhecimentos que se mostrem fundamentais e determinantes
para fazer face aos difíceis caminhos que se avizinham.
Presentemente, no momento em que parecemos viver um contexto
arquitectónico algo expectante, dalguma forma resignado ao escasso peso
que actualmente representamos nas estruturas de decisão, atrevemo-nos a
dizer ou a sugerir que talvez seja este o momento de fazer algo, pôr tudo em
causa, a própria estrutura programática que nos suporta desde o sistema de
ensino à nossa prática profissional.

As Sensações e as Emoções na Arquitectura 261


Capítulo II - Com a necessidade de sobrevivência do Homem…

2.1.3. O homem e a cidade


Sabemos que a identidade (clássica) da cidade resultou da sua história por
acção directa de todos os que nela participaram, que duma forma mais ou
menos colectiva conduziu a um desenvolvimento económico-social que se
reflectiu no seu tecido urbano, determinando características em função das
diferentes culturas.
Esse processo foi-se alterando ao longo da sua história, quando o homem
começou a sentir necessidade de se organizar socialmente, a partir da
revolução industrial à chamada Era da globalização com o aparecimento das
novas tecnologias que nos levou ao mundo digital, o mundo da
hiperconectividade, onde aconteceram as maiores transformações do nosso
tempo.
Mas, como poderemos explicar a sua evolução no futuro, estando nós hoje
certos que as sociedades em geral estão mais voltadas para si, onde
predomina o individualismo egoísta, quase exacerbado, muito pouco
recomendável à vivência comunitária que a cidade, em princípio, propõe?
O ritmo que a vida das pessoas atingiu, quer pela estimulação das tecnologias
de informação e de comunicação, cujo acesso se democratizou, quer pelo
mundo da competição profissional em que vivemos cada vez mais exigente,
acentuado por uma conjuntura de crise preocupante, provocou o
distanciamento físico entre as pessoas e, por consequência, o afastamento da
cidade.

294. Petronas Twin Towers, Malásia, fotografia cedida por Marco silva, 2014

262 As Sensações e as Emoções na Arquitectura


Capítulo II - Com a necessidade de sobrevivência do Homem…

Com a propagação das redes sociais as pessoas passaram a ter um acesso


facilitado entre elas embora de uma forma remota, criando-se uma espécie de
neosedentarismo que as acomoda na sua zona de conforto, originando de
certa maneira o afastando das pessoas da vivência urbana.
As tecnologias aceleraram o desenvolvimento contaminante do capitalismo
industrial que se propagara e desmultiplicara pelas mais diversas redes
multinacionais levando, de algum modo, à igualização da sociedade, quase
que forçada, sem se atender previamente às diferenças normais de ordem
sócio-cultural.
Assistindo-se a uma espécie de formatação de uma sociedade que se deixara
seduzir pelo mundo do consumo, que a levara a sérios problemas sociais,
económicos e éticos, associados a uma crise de identidade, que põe em causa
todo o lado positivo que a globalização poderia oferecer relativamente a uma
sociedade mais unida, participativa e civilizada.
Mas, se é verdade que a sociedade em geral está mais fechada em relação
ao meio onde se insere, não deixa de ser sintomático constatar um factor
essencial para nós que defendemos uma ideia de universalidade, o facto de
ao mesmo tempo verificarmos uma certa convergência entre as diferentes
culturas, hoje mais próximas nos hábitos e costumes que, de há alguns anos
a esta parte, eram impensáveis.
Ora, poder-se-á retirar daqui um indício positivo, que nos leva a acreditar e a
ter esperança que a verdadeira globalidade ainda poderá ser possível no
futuro.

295. Vista para a Torre Donald Trump, Chicago, EUA, fonte própria, 2012

As Sensações e as Emoções na Arquitectura 263


Capítulo II - Com a necessidade de sobrevivência do Homem…

Numa perspectiva mais optimista do que aquela que os meios de


comunicação normalmente fazem passar, queremos pensar que o processo
de globalização ainda está a acontecer, é um processo que contínua em
construção que tem ainda um longo caminho a percorrer ao encontro da sua
verdadeira planetariedade.

“A globalização, como conceito, refere-se tanto à


compressão do mundo como à intensificação da consciência
do mundo como um todo.” Robertson, citado por Steger, 2006, 19

No entanto, estamos em crer que, para que o verdadeiro sistema global


aconteça será necessário tempo, mas que se trate de um tempo de mudança
a todos níveis, tendo na consciencialização dos valores essenciais da
humanidade, com todas as preocupações de ordem ambiental e social a via
para a verdadeira globalidade, para a nossa planetariedade ou universalidade.
Interessa pois, aprender com o passado, mas sobretudo encarar o futuro com
esperança e a coragem necessária.
Defendermos um crescimento sustentado e planeado muito para além do
sistema político, económico e financeiro, que não sejam fruto ou resultado de
valores individualistas e do mundo da competitividade a que temos assistido,
que estiveram e estão muito na origem dos útimos acontecimentos, no que
concerne ao agravamento do fosso entre as classes sociais e
fundamentalismos religiosos.

264 As Sensações e as Emoções na Arquitectura


Capítulo II - Com a necessidade de sobrevivência do Homem…

Não temos dúvidas que o desenvolvimento económico é absolutamente


necessário, no entanto, a forma manipuladora como parece ser gerido, afasta-
se de certos valores realmente fundamentais entre as diferentes sociedades
e culturas, que são absolutamente determinantes para a relação do homem
com o meio e, no caso concreto, pela importância que a mesma representa
hoje e representará amanhã na sociedade, a vivência em harmonia com a
cidade.
Sem querermos generalizar assistimos, por vezes, a um certo delírio em volta
de uma Arquitectura de encenação, que não gostaríamos de ver associada ao
“ A cidade e o meu corpo
‘novo-riquismo’, ou que a mesma o representasse, tão pouco a megalomania
complementam-se e definem-se um
das suas formas espelhar algum tipo de gratuitidade conceptual. A utopia do
ao outro. Habito na cidade e a cidade
homem passou a estar ao seu alcance, num mundo onde a lei dos mais fortes
habita em mim” Pallasmaa, 2010, 42
impera.
Fica um certo vazio quando percebemos a existência de certos
sensacionalismos arquitectónicos que, paradoxalmente, põe em causa a sua
significação no que toca ao acto que une o significante ao significado em si,
quando a suposta reprodução das suas sensações e emoções não acontece
ou deixa muito a desejar.
Desviando a Arquitectura da sua verdadeira essência, para uma espécie de
manipulação dos nossos sentidos visuais que nos apelam ao mundo do
consumismo, apostando-se muitas vezes na sensacionalização de uma
Arquitectura com um fim comercial, que importa a todo o custo contrariar.

As Sensações e as Emoções na Arquitectura 265


Capítulo II - Com a necessidade de sobrevivência do Homem…

“A inumanidade da Arquitectura e da cidade


contemporâneas pode entender-se como uma
consequência de uma negligência do corpo e da mente,
assim como um desequilíbrio do nosso sistema
sensorial. Por exemplo, as crescentes experiências de
alienação, distanciamento e solidão no mundo
tecnológico actual podem estar relacionadas com uma
certa patologia dos sentidos.” Pallasmaa, 2010,18

Ao mesmo tempo, também não deixa de ser inquietante a forma como estão
a ocorrer as mais recentes transformações ao nível da matéria e do que esta,
pela sua própria natureza, pode deixar de proporcionar, ao nível sensorial,
algo que tem merecido já algumas preocupações pelos que se interessam
pelas ciências do foro neuropsicofisiológico, no que concerne ao nível da
comunicação entre a obra e o sujeito utilizador.
O desenvolvimento económico é inevitávelmente necessário, tanto pela
agilização e optimização dos meios, como dos recursos naturais, mas a forma
insustentada como tem sido gerido, deixou a sociedade em geral numa
situação muito difícil, influenciando determinantemente a vivência do meio e
deste com o homem, numa teia que parece incontrolável e que deriva de um
sistema em crise que provocou um decréscimo da nossa felicidade e
consequente perda de esperança.

296. Vista noturna da cidade de Nova Iorque, EUA, fonte própria, 2012

266 As Sensações e as Emoções na Arquitectura


Capítulo II - Com a necessidade de sobrevivência do Homem…

Se, por um lado, são notórias as fragilidades da fruição e utilização do espaço


ao nível individual e colectivo e a vivência da cidade já não é o que era, temos
os outros aspectos preocupantes de ordem ambiental que se têm vindo a
acentuar, tais como os crescentes níveis de poluição resultantes do
crescimento demográfico, do progresso económico e da própria globalização,
que ocorrem sobretudo nas megacidades.

“Benavides (1991) sintetiza vários factores que se


conjugam como causa mais estrutural da crise urbana:
diminuição da qualidade ambiental (poluição, escassez de
espaços, ruídos, deterioração e abandono); insuficiente,
deteriorado ou encarecido parque habitacional; escassez
de terreno para a actividade industrial; envelhecimento
dos edifícios de escritórios, que encarece e/ou dificulta a
adaptação a novas tecnologias; insuficientes sistemas de
transporte intraurbano e de acesso ao centro;
congestionamento; inadequado sistema de apoio social;
criminalidade e insegurança.” Muga, 2005, 206

A problemática da cidade já não é de agora. Os problemas de poluição


começaram no século XIX com a revolução industrial aos quais de juntaram
problemas de outra natureza, tais como, a falta de higiene, segurança,
epidemias, etc.

As Sensações e as Emoções na Arquitectura 267


Capítulo II - Com a necessidade de sobrevivência do Homem…

O homem que começara por viver em harmonia com a natureza e passara


então a dominá-la passou a confrontar-se com problemas de sua degradação
da qualidade de vida.
Criaram-se grandes infraestruturas, alargaram-se as redes viárias, acelerou-
se o crescimento imobiliário, dotaram-se as cidades de equipamentos,
parques, espaços verdes, toda uma nova dinâmica atractiva que ao longo dos
tempos acabaram por ser vítimas do seu próprio desenvolvimento, muito por
não se acautelar os altos índices populacionais que se viriam a instalar.
Apareceram problemas complexos ao nível do tráfego com todas as
consequências que isso trouxe ao nível ambiental com o aumento dos índices
de poluição para níveis verdadeiramente preocupantes. Acentuaram-se os
problemas de diferenciamento e consequentes desigualdades que
amplificaram discrepâncias e conflitos sociais verdadeiramente alarmantes.
Já no início do século XX, a escola de Chicago, fundada por Robert Park,
constituiu uma posição bastante crítica relativamente aos problemas da
cidade, adoptando posições objectivas quanto à transposição da sociologia do
exercício da conceptualização da cidade para o estudo de grupos sociais
concretos. Grafmeyer e Authier, os sociólogos da Escola de Chicago,
definiram os primeiros princípios para que se desse a aproximação ecológica
necessária que prestasse particular atenção aos efeitos do meio ambiente.
Representando hoje, a ecologia urbana, uma ampla perspectiva para o estudo
das cidades concebido como um ambiente tanto material como humano.
Grafmeyer e Authier, 2011, 28

297. Vista aérea noturna da cidade de Chicago, EUA, fonte própria, 2012

268 As Sensações e as Emoções na Arquitectura


Capítulo II - Com a necessidade de sobrevivência do Homem…

No entanto, essas preocupações não se revelariam suficientes. As grandes


cidades americanas e, no caso particular de Chicago, viría a servir de
‘laboratório’, onde se empreenderam novos conceitos ao nível do tecido
urbano, com a criação das malhas que compartimentaram os diferentes
espaços e se qualificaram as zonas residências por grupos étnicos e sociais,
inspiradas numa espécie de haussamanização através do plano director que
foi dirigido por Burnham, cujo objectivo foi transformar Chicago numa espécie
de Paris das pradarias.
Esta lógica que inspirara o modelo de crescimento urbano de muitas das
cidades americanas, originou contrastes inéditos à vivência daquelas cidades
que acabariam por torná-las reféns dessa diferenciação étnico-cultural, pela
forma como se impuseram as concentrações dos grupos minoritários,
prejudicando a sua integração social na vivência da cidade.
Contudo, não podemos circunscrever este problema unicamente às cidades
americanas, trata-se de um erro histórico pela forma como se abstraíram os
problemas de ordem sócio-cultural, que tiveram o seu desenvolvimento e
originaram os embaraços sociais que hoje conhecemos em muitas das
grandes cidades.
Veja-se, por exemplo, quando passamos nas zonas quase proibitivas mais a
Sul de Chicago ou Bronx em Nova Iorque, Brixton e Hackney em Londres e
as zonas mais a Norte de Paris, onde sentimos os mais diferentes tipos de
sensações de insegurança, muito pelas altas taxas de desemprego e
criminalidade.

298. Vista parcial da cidade de Londres, Inglaterra, fonte própria, 2010

As Sensações e as Emoções na Arquitectura 269


Capítulo II - Com a necessidade de sobrevivência do Homem…

No entanto, cidades como Chicago, Nova Iorque, Londres ou Paris, cidades


do mundo, cidades intensas a todos os níveis, cuja circunstância geográfica
as potenciou ao nível financeiro, político e cultural, são incontornavelmente
cidades cosmopolitas e multiculturais, cidades atractivas mas, sobretudo,
importantes destinos no que toca à procura de emprego, negócios e
investigação científica.
Não podemos deste modo, colocar em causa o que de bom foi feito ao nível
da história do planemanto, concretamente na dinâmica que foi criada em volta
destas cidades, tornando-as especialmente atractivas.
Tratam-se pois, de processos contínuos que tiveram o seu desenvolvimento
natural face ao conhecimento do seu tempo, que servirão como casos de
estudo, análise e reflexão para o futuro.

“Para resolver os problemas urbanos de tal envergadura,


além dos especialistas tradicionais – urbanistas, arquitectos,
engenheiros de todas as formações, técnicos da
administração da circulação e dos transportes, professores,
juristas, assistentes sociais e especialistas de economia
política – temos também necessidade de especialistas de um
tipo novo. Psicólogos, antropólogos e etnólogos raramente
fazem parte, ao contrário do que sería desejável, das
comissões de urbanismo enquanto membros permanentes.”
Hall, 1986, 191

299. Vista parcial da cidade de Paris, França, fonte própria, 2015

270 As Sensações e as Emoções na Arquitectura


Capítulo II - Com a necessidade de sobrevivência do Homem…

Diríamos mesmo, no contexto do que temos vindo a defender que,


independentemente de toda esta multidiscilplinariedade que hoje sabemos ser
fundamental, a Arquitectura no que toca ao planeamento urbano, pela
aproximação à Psicologia Ambiental e mais recentemente às ciências do foro
neuropsicofisiologico, poderá representar no futuro um papel decisivo e muito
mais activo ao nível político-social.
Não queremos portanto, acentuar um panorama pessimista, nem associarmo-
nos aos que passam constantemente uma visão pessimista do futuro do
mundo, muito menos compactuar com a ideia de um caos permanente sem
solução, por pensarmos que os dias de hoje nos obrigam a ser mais positivos
para encontrar em nós mesmos as forças necessárias, que nos façam
caminhar ao encontro de um mundo melhor.
Estamos certos que a organização do espaço influência, ajuda a resolver, a
melhorar ou agravar, mas os grupos também se organizam entre si.
Consideremos o exemplo das favelas do Rio de Janeiro, com os seus
conhecidos problemas sociais de variada ordem e de difícil resolução, mas
que fazendo parte da cultura e do desenho urbano da cidade, foram
assumidas, estando a decorrer no presente, medidas positivas para a melhoria
das infraestruturas, condições de salubridade e segurança, sem abdicarem
das necessárias medidas no combate contra o tráfico de drogas e de armas.
A favela da Rocinha, uma das maiores do Brasil, é uma favela muito específica
e muito diferente das outras, pela forte presença da comunidade do nordeste
do Brasil, na sua maioria pessoas que trabalham para a classe média, na
construção civil, restaurantes da cidade e comércio em geral, sendo, por isso,
300. Favela da Rocinha, Rio de Janeiro, Brasil, fonte própria, 2010

As Sensações e as Emoções na Arquitectura 271


Capítulo II - Com a necessidade de sobrevivência do Homem…

uma favela menos conflituosa, fazendo nos últimos anos parte do roteiro
turístico da cidade.
Ao longo dos anos, as favelas foram atingindo grande expressão paisagística,
enraizando culturas diferentes e rivalidades entre as comunidades, tornando-
se num dos problemas sociológicos mais preocupantes do Rio de Janeiro.
No caso de Luanda, após a Guerra Civil Angolana, registou nas últimas
décadas um crescimento populacional bastante acentuado, provocando um
aumento de escassez de habitações, problemas de saneamento, tráfego
rodoviário, emprego e o aumento de criminalidade.
Com o final da guerra civil em 2002, Angola tornou-se numa das economias
de maior crescimento e mais atractivas a nível mundial assistindo-se, por isso,
a uma rápida aceleração do sector da construção, onde emergiram
construções dispersas e desordenadas, com falta de regulamentação e
planeamento. No entanto, nos últimos anos, o Governo central tem
evidenciado acções importantes e ambiciosas na reconstrução nacional, com
a reabilitação de estradas, infraestruturas, realçando-se o forte investimento
ao nível da habitação social. Contudo, a complexidade do contexto Angolano
não é fácil e, por isso, deverá merecer uma maior sensibilidade e profundidade
ao nível do planeamento do ordenamento territorial, através da
interdisciplinariedade dos especialistas competentes.
Nós Arquitectos, não podemos ficar alheios aos problemas do mundo, sob
pena de no futuro podermos correr o risco de não sabermos muito bem o que
realmente representamos na sociedade.
301. Vista aérea parcial da cidade de Luanda, Angola, fonte própria, 2009

272 As Sensações e as Emoções na Arquitectura


Capítulo II - Com a necessidade de sobrevivência do Homem…

Estamos certos que têm sido feitos grandes progressos, desde as últimas
teorias aos mais recentes movimentos arquitectónicos de ordem ecológico-
ambiental, que se têm batido e esforçado para essa maior consciencialização.
No entanto, muito gostaríamos com esta dissertação, tornarmo-nos úteis e
deixarmos também o nosso contributo, fazendo apelo a uma maior
sensibilização para os problemas da sociedade, para uma Arquitectura mais
reflexiva. Ou seja, uma Arquitectura de maior responsabilidade ambiental por
aquilo que nos pode acrescentar ao nível sensorial e de maior
responsabilidade social pelo que nos pode trazer ao nível emocional.
Uma Arquitectura voltada para a sua totalidade como essência, que se
aproxime da terra e do homem, que tire pois, o maior partido dos avanços
tecnológicos, das recentes melhorias significativas da gestão dos recursos
naturais, da maior sensibilização ecológica dos últimos anos e se aproxime
mais dos nossos verdadeiros problemas.
Pela nossa história, pela nossa formação, pelo nosso conhecimento e
experiência, alargando o nosso campo de acção, poderemos assumir no
futuro uma papel importante tanto na consciencialização que podemos exercer
ao nível dos poderes de decisão, como na pedagogia do cidadão e da
sociedade em geral para um ambiente mais humanizado e ecológico.
Contributos esses, que poderão ser extremamente úteis na definição das
novas linhas estratégicas da reestruturação necessária, no interesse comum,
de uma maior harmonização e universalização da sociedade. Os tempos são
mais sensíveis.

As Sensações e as Emoções na Arquitectura 273


Capítulo II - Com a necessidade de sobrevivência do Homem…

Cada vez mais é necessário lidar melhor com o nosso espaço, com o nosso
planeta, quase como se tratasse de uma bola de sabão molhada nas nossas
mãos pois, ao mínimo descuido, poderá revelar-se fatal em tão delicado
momento. Acreditamos que muitas das soluções dos problemas estão no que
as coisas contêm dentro de si mesmas, cabendo-nos a nós saber interpretar
e transformar. É por isso urgente, repensarmos a cidade como um todo, como
um sistema complexo, realmente multicultural, onde sejam redefinidas novas
estratégias sob pena dos seus problemas atingirem dimensões incontroláveis.
Senão tivermos essa capacidade de nos reinventarmos, então encontremos
nos bons exemplos que a história nos oferece e aproveitemos tudo que nos
for útil retirar para a construção de novos caminhos.Vejamos por exemplo, o
caso do complexo habitacional da Marina City em Chicago, cujas
preocupações urbanas e de conforto dos seus moradores estiveram de mãos
dadas, nomeadamente quanto à integração de um conjunto de serviços, tais
como, bares, supermercados, equipamentos desportivos e galerias, que
potênciam a experiência comunitária e quanto à incorporação de zonas de
estacionamento ao ar livre integradas no próprio edifício, aliviando o espaço
público.
Segundo Edward T. Hall, Urbanistas e Arquitectos deveriam potenciar
experiências que proporcionassem o alojamento de comunidades inteiras com
serviços integrados, referindo-se ao caso de Marina City como modelo de
espaços integrados, bem definido, sem a intervenção desastrosa de
corredores, isto apesar de considerar as áreas dos apartamentos algo
exíguas. Hall, !986, 201 302. Marina Ctiy Building, 1964, Bertrand Goldberg & associates, Chicago, USA,
fonte própria, 2012

274 As Sensações e as Emoções na Arquitectura


Capítulo II - Com a necessidade de sobrevivência do Homem…

Independentemente de se tratar de um empreendimento pensado para uma


determinada casta social, aqui importará assinalar e reflectir sobre o conceito,
comprovadamente eficaz ao nível da qualidade de vida urbana.
Os problemas da cidade varíam muito em função da sua condição geográfica,
topográfica, da sua escala relativamente à densidade populacional, das
condições económicas e sócio-culturais, pelo que não podemos generalizar.
As cidades são todas diferentes, têm a sua própria personalidade resultante
dos seus próprios processos de crescimento e desenvolvimento. No entanto,
nem todas apresentam preocupações a este nível.
Vejamos os casos das cidades do Norte da Europa, tais como Viena, Zurique,
Munique ou ainda Copenhaga, que lideram presentemente o ranking
relativamente à melhor qualidade de vida urbana, onde se pode depreender
do ambiente económico mais estável e com as mais baixas taxas de
desemprego, não apresentam cuidados especiais.
Importa também salientar, os importantes esforços realizados em países
menos desenvolvidos como foi o caso de Portugal, onde foram agilizados
processos urbanísticos e estratégias de desenvolvimento que minimizaram e
resolveram muitos dos problemas do passado que se prenderam com a falta
de infraestruturas básicas e de mobilidade.
Apesar de ser conhecido o impacto da crise conjuntural, para muitos de ordem
estrutural, ficam minimizados pela forma como foram ultrapassados muitos
dos problemas de outrora, pelos níveis de qualidade de vida conseguidos ao
nível da vivência urbana, como são os casos de Lisboa, Porto ou Braga.

303. Vista parcial da cidade de Lisboa, Portugal, fonte própria, 2010

As Sensações e as Emoções na Arquitectura 275


Capítulo II - Com a necessidade de sobrevivência do Homem…

Hoje, importantes destinos turísticos, reconhecidos a nível mundial como


verdadeiros casos de sucesso, representativos da força de um povo que tem
resistido às regras da austeridade, que não poderíamos deixar de assinalar.
Surgiram recentemente, novos conceitos para a criação das chamadas
cidades inteligentes, que podem revelar-se de extrema utilidade e relançar
uma nova esperança.
Estamos a falar das Smart cities / Smart citizens, cujos modelos começaram
a ser testados em pequenas e médias cidades, podendo num futuro próximo
chegar às grandes cidades, no entanto, estamos conscientes do investimento
que isso importará implicar.
Conferindo a possibilidade pela via da tecnologia digital, no que toca à
optimização do espaço urbano torná-lo mais apetecível, através da
incorporação das tecnologias de informação, que originarão melhorias
significativas a todos os níveis, desde os recursos económicos, sociais,
culturais aos ambientais.
Acrescentando avanços a todos níveis da gestão público-privada, segurança,
sustentabilidade dos edifícios, eficiência ao nível dos transportes, eficiência
energética e conforto.
Contudo importa assinalar, a relação que não pode ser descurada com os
assuntos do foro neuropsicofisiológico que temos vindo a falar, onde os
Arquitectos pelas mais recentes aproximações podem aqui desempenhar um
papel determinante e ter uma excelente oportunidade para mudar o actual
panorama da Arquitectura.

276 As Sensações e as Emoções na Arquitectura


Capítulo II - Com a necessidade de sobrevivência do Homem…

2.2
A UTILIDADE DOS
PROCESSOS
NEUROPSICOFISIOLÓGICOS
NO SUJEITO CRIATIVO

As Sensações e as Emoções na Arquitectura 277


Capítulo II - Com a necessidade de sobrevivência do Homem…

278 As Sensações e as Emoções na Arquitectura


Capítulo II - Com a necessidade de sobrevivência do Homem…

2.2. A utilidade dos processos neuropsicofisiológicos no sujeito criativo


Na nossa interacção escolar, enquanto estudantes de Arquitectura, pudemos
constatar, através dos trabalhos dos nossos colegas, diferentes formas de
pensar e abordar o mesmo programa de projecto, pelos mais variados
discursos e linguagens conceptuais, muito devido à grande liberdade de
expressão que a própria universidade fomentava no curso de Arquitectura.
Desde então, apercebemo-nos, pelas diferentes abordagens dos trabalhos,
que estes reflectiam a identidade do aluno e que a concepção projectual
estabelecia uma relação de interdependência com a sua própria
personalidade.
Desde cedo, que estas questões relacionadas com a importância da
identidade na obra, como reflexo da personalidade do próprio criador, nos
despertaram um grande interesse.
A partir daí, passamos a compreender que, independentemente de todas as
premissas envolvidas no projecto, existia um dado incontornável que
representava uma influência determinante na identidade da obra.

“No entanto, a identidade-unidade psíquica do ser falante


é uma ficção, pois não se encontra em nenhum “proto-self”,
nem numa substância anímica, nem num Eu nuclear. Esta
identidade-unidade funda-se na linguagem.”Martinho,2010, 10

As Sensações e as Emoções na Arquitectura 279


Capítulo II - Com a necessidade de sobrevivência do Homem…

É muito comum olharmos para uma obra e a identificarmos ou


associarmos a um determinado autor ou a uma determinada
linguagem arquitectónica. Mas isto não seria possível se não fosse o
caso de existir uma linha de pensamento proveniente de uma
determinada personalidade ou de uma determinada corrente teórica
que, independentemente da ideia de colectivo, foi certamente
influenciada por uma determinada personalidade.
Todos nós temos uma identidade e, por muito que nos queiramos
abstrair, existe sempre algo que nos é pessoal, resultado de todo um
percurso mais ou menos vivido, muitas vezes influenciado por
vivências, mas que, com certeza, determinará uma identidade própria.
Assim, tal como a escrita pode reflectir a nossa personalidade, esta
também pode sentir-se no modo como desenhamos ou projectamos
algo.

“A obra conta-nos, expressa-nos a personalidade do seu


criador na própria rede da sua existência, o artista vive na
obra como um traçado concreto e muito pessoal de acção. Da
obra de arte transpiram completamente a personalidade e a
espiritualidade originais do artista, que, antes de se
manifestarem no assunto e no tema, se manifestaram no
irrepetível e pessoalismo modo de formá-la” Eco, 2006 16

280 As Sensações e as Emoções na Arquitectura


Capítulo II - Com a necessidade de sobrevivência do Homem…

No entanto, cada caso é um caso, existe sempre uma origem,


independentemente, da nossa identidade estar mais ou menos presente. A
intenção do que queremos transmitir é que pode ser diferente.
É o resultado de todo um processo que passará pela percepção do local de
intervenção, o seu enquadramento e o sentimento gerado naquele momento
no inconsciente do autor, para o estudo preliminar, assimilando e
estabelecendo uma relação entre o cérebro e a mão, que desenhando,
chegará a um conceito e, assim, determina uma filosofia de intervenção para
o projecto de arquitectura.

“O nosso intelecto é uma faculdade de conceitos, isto é, um


intelecto discursivo, no qual são contingentes a espécie e as
diferenças do particular que lhe é dado pela natureza, e que
pode ser reconduzido a seus conceitos. Já que, no entanto,
ao conhecimento pertence também a intuição, e já que uma
faculdade da intuição perfeitamente espontânea seria uma
faculdade de conhecer distinta e de todo independente da
sensibilidade, pode-se também conhecer um intelecto
intuitivo” Kant, 1995, 77

Não poderia deixar passar ao lado a importância deste assunto na temática


deste trabalho, pela grande influência que a personalidade do Arquitecto,
enquanto criador na transmissão da sua atitude criativa, exerce na obra e, por
consequência, a influência que exerce nas pessoas e no mundo.

As Sensações e as Emoções na Arquitectura 281


Capítulo II - Com a necessidade de sobrevivência do Homem…

Em conversa sobre a temática com o Professor Mallgrave referia que,


independentemente das análises tradicionais da Arquitectura, existe o termo
‘emoção’ no sentido biológico do processo, em que o cérebro calcula ou
determina o valor do estímulo, referenciando o trabalho dos neurocientistas
Jaak Panksepp e António Damásio. Remetendo-nos para o consciente, a
nossa experiência emocional, que naturalmente está em oposição à forma
tradicional da análise conceptual da teoria da Arquitectura na qual a emoção
foi inteiramente removida das considerações arquitectónicas. Apontando
como exemplo dois edifícios em Berlim, a National Gallery de Mies van der
Rohe e o Philharmonic Hall de Hans Scharoun, conceptualmente muito
diferentes sendo, no entanto, de dois arquitectos que na juventude tinham a
mesma visão modernista.
Dizendo que, se esta explicação tivesse que ser dada há muitos anos atrás,
diríamos estar perante uma situação de duas personalidades diferentes ou dir-
se-ía que esses arquitectos trabalharam com hemisférios diferentes do
cérebro, um o emocional e o outro o racional. Mas hoje, com tudo que
sabemos do nosso cérebro, nenhuma destas explicações é suficiente. Muito
provavelmente não o iremos descobrir nos próximos tempos. Conversa sobre a

temática com o Professor Harry Francia Mallgrave no Instituto Tecnológico do Illinois, Outrubro de 2012

Tudo parece apontar realmente para um fenómeno de grande complexidade,


que nos leva a acreditar no que temos vindo a defender, relativamente à
existência de um processo dinâmico-contagiante entre mundo das sensações
e das emoções, entre o meio e o sujeito, onde tudo se interrelaciona e tudo se
contamina.

282 As Sensações e as Emoções na Arquitectura


Capítulo II - Com a necessidade de sobrevivência do Homem…

“Podemos dizer que a individualidade é uma marca do


homem e se forma a partir de um conjunto de fatores como
a genética, o meio em que vivem ou mesmo
acontecimentos durante sua vida. O homem trás consigo
marcas e potencialidades desde o seu nascimento e que
dentro de certos limites poderão ser influenciados por
diversos fatores. Esse conjunto de características herdadas
e adquiridas irão formar a personalidade do indivíduo que
será própria de cada ser, e determinante no rumo que sua
vida irá tomar, suas decisões e até mesmo a profissão que
irá seguir (Allport, 1966).” Allport, citado por Pain, Pereira and Villis, 2006

Ao longo das nossas vidas, confrontamo-nos com diferentes estímulos


emocionais, tais como a tristeza ou a alegria, a depressão ou a euforia, vividos
ao longo das diferentes fases do nosso percurso. Umas vezes, por carência
ou excesso de afectividade, outras por maiores ou menores oportunidades, ou
até por dificuldades ou pelo aparecimento de certos obstáculos na vida.
Essas variações emocionais não só acontecem num determinado momento
interferindo positivamente ou negativamente no rendimento da nossa vida
quotidiana, como também podem alterar o processo a construtivo da nossa
própria personalidade tendo, por isso, que darmos relevo à importância que
as emoções têm na própria formação da personalidade.

As Sensações e as Emoções na Arquitectura 283


Capítulo II - Com a necessidade de sobrevivência do Homem…

“Ao enfrentarmos uma obra de arte projectamos as nossas


emoções e sensações sobre a obra. Tem lugar um curioso
intercâmbio: prestamos as nossas emoções à obra, apesar da
obra nos prestar a sua autoridade e a sua áurea. Finalmente,
encontramo-nos em nós mesmos na obra. A ideia de
“identificação projectiva” de Melanie Klein propõe que, na
verdade, toda a interacção humana implica a projecção de
fragmentos do eu sobre outra pessoa” Pallasmaa, 2010, 66 e 67

Deste modo, tornou-se assim, fundamental abordar os assuntos do


foro neuropsicofisiológico, tentando compreender a razão pela qual a
personalidade de alguns dos mais importantes arquitectos
contagiaram a sua própria obra e como tal o panorama da Arquitectura.

“O estudo desses processos psíquicos nos leva


necessariamente ao plano da pessoa, do homem como
indíviduo social real: que faz, pensa e sente e é neste plano
que nos deparamos com a personalidade.Tomando a
personalidade como objecto de uma ciência interdisciplinar
que congrega, a partir dos prossupostos filosóficos do
materialismo histórico-dialético, a psicobiologia, a sociologia, a
antropologia e a psicologia” (Sève, 1979, p. 419-420) Martins, 2004, 83 e 9

284 As Sensações e as Emoções na Arquitectura


Capítulo II - Com a necessidade de sobrevivência do Homem…

2.2.1. Arquitecto, Personalidade e Linguagem

Para entendermos a obra do Arquitecto, é importante conhecermos a sua


linguagem arquitectónica, o seu pensamento. Mas muito mais esclarecidos
ficaremos se tentarmos descobrir a essência destas personagens, do que está
para além das suas obras, do que está e do que esteve para além da
construção das suas próprias personalidades, que através de histórias
diferentes de vida, desde os seus primeiros passos de crianças, da educação
familiar e da cultura e meio ambiente onde estavam inseridos, os conduziram
a ver o mundo duma forma muito própria e marcante e se tornaram imortais
304. Frank Lloyd Wright, (1867-1959) na história mundial da Arquitectura
fonte: en.wikipedia.org, 2011
Nesse sentido, ainda que sucintamente, procuramos demonstrar através dos
dados bibliográficos recolhidos explanados no primeiro capítulo, os momentos
mais significativos da construção da personalidade de alguns dos mais
importantes Arquitectos que marcaram a História da Arquitectura.

“Quando examinamos a história das grandes descobertas,


dos principais inventos, podemos comprovar que quase
sempre umas e outros surgiram na base de enormes
experiências previamente acumuladas. Toda a fantasia parte
precisamente desta experiência acumulada: quanto mais rica
esta for, mantendo-se iguais as restantes circunstâncias,
mais abundante deverá ser a fantasia.” Vygotsky, 2009, 17
305. Alvar Aalto (1898-1976),
Fonte: scandinavia-designs.com.br, 2012

As Sensações e as Emoções na Arquitectura 285


Capítulo II - Com a necessidade de sobrevivência do Homem…

Os processos de desenvolvimento intelectual, embora muito diferentes entre


eles, pelos seus variados contextos, desde os primeiros passos às vivências
de infância, do meio ambiente às sucessivas experiências que foram
acumulando até à maturidade, conduziram-nos a uma determinada linha de
pensamento, a uma identidade própria e, como tal, a uma determinada
linguagem.

“As imagens que se têm na cabeça vêm de onde? do mais


fundo de nós; às vezes vem-me à cabeça, não sei de onde
é que ela aparece mas vem, da nossa experiência, de
dentro de nós, completamente completa, com paisagem,
encenação e tudo” diz Paula Rego.” Dias, 1992, 306.Ludwig Mies van der Rohe (1886-1969)
, fonte: wikipedia.org, 2012

No primeiro capítulo, procuramos dar especial relevo a quatro dos grandes


génios da Arquitectura mundial que, através da sua linguagem arquitectónica,
influenciaram gerações e gerações de Arquitectos. Foram eles Frank Lloyd
Wright, Le Corbusier, Mies Van Der Rohe e Alvar Aalto.
Para o caso, tornou-se por isso, fundamental, conhecer as suas histórias,
desde a compreensão da importância das influências que a educação familiar
e o meio ambiente exerceram nas suas vidas, que por este ou por aquele
motivo determinaram as suas vocações pelos caminhos da Arquitectura.
Interessante foi verificar, através das suas maiores ou menores vivências,
como com acontecimentos marcantes se tornaram personagens especiais,
dotadas de uma criatividade e de uma sensibilidade fora do comum. 307. Le Corbusier (1887-1965)
Fonte: infoescola.com, 2012

286 As Sensações e as Emoções na Arquitectura


Capítulo II - Com a necessidade de sobrevivência do Homem…

Pudemos constatar pelas demais biografias de grandes Arquitectos que


tratamos, um ponto incontornável: a forma como as vivências da infância
acabaram por traçar os diferentes caminhos de cada um e, por consequência,
o modo como influenciaram as suas próprias personalidades e as suas obras.
Independentemente dos trajectos e vivências, mais ou menos difíceis, muitas
vezes associadas, por esta ou por aquela razão, ao erro, parece-me na
circunstância, um factor natural no nosso processo de crescimento, tão
importante e tão decisivo, nas nossas reflexões e experiências, na
consolidação de um conhecimento sobre as coisas e, por consequência, no
avanço do homem.
Se fosse possível traçarmos o nosso caminho de acordo com as nossas
vocações naturais e sem grandes obstáculos, desde os nossos primeiros
tempos de vida, com muita probabilidade, estaríamos todos a fazer aquilo que
gostaríamos, com um nível de desempenho mais produtivo. Mas será que, por
essa razão, estaríamos mais preparados para a vida?
O processo de crescimento do nosso intelecto está directamente ligado com
o nosso desenvolvimento psicomotor, desde os primeiros meses de vida, às
nossas vivências de infância e juventude, num interrelacionamento associado
à educação parental que, independentemente de ser mais ou menos
apropriado, não se discutem as suas melhores intenções, dependendo muito
dos seus maiores ou menores recursos, grau de cultura e o meio em que estão
inseridos, factores decisivos na formação da personalidade do indivíduo.

As Sensações e as Emoções na Arquitectura 287


Capítulo II - Com a necessidade de sobrevivência do Homem…

“Poderíamos formulá-la nos seguintes temos: a actividade


criadora da imaginação encontra-se em relação directa com a
riqueza e a variedade da experiência acumulada pelo homem,
uma vez que esta experiência é o material com que a fantasia
erige os seus edifícios. Quanto mais rica for a experiência
humana, tanto mais abundante será o material de que a
imaginação dispõe. É por isso – pelo facto de a sua experiência
ser menor – que a imaginação da criança é mais pobre do que
a do adulto.” Vygotsky, 2009, 17

É caso para dizer que, quanto maior forem as vivências e as experiências dos
artistas, mais fantásticas se tornarão as suas obras.

No entanto, a construção da nossa personalidade, independentemente da sua


complexidade e dos vários pontos de vista através dos quais formamos o
nosso pensamento, determinará uma identidade própria e quando passamos
à acção esta transforma-se em linguagem.
Os Arquitectos, enquanto sujeitos activos no espaço, passam para fora de si,
através da sua linguagem Arquitectónica, um pouco da sua identidade, da sua
personalidade.
Segundo Heidegger, é através da obra que se conhece o artista, sendo este
a origem da obra de arte e esta a origem do artista, numa relação recíproca,
onde obra e artista não se sustentam isoladamente, e só através de um
terceiro, o artista e obra de arte vão buscar o seu nome, graças à arte. Heidegger,
2010, 11

288 As Sensações e as Emoções na Arquitectura


Capítulo II - Com a necessidade de sobrevivência do Homem…

Hegel refere que o conteúdo da obra e a sua eficácia é resultante da


experiência que o indivíduo faz de si mesmo na experiência de sua vida na
sociedade e da sua existência como parte e momento do desenvolvimento da
humanidade, como síntese dos seus conhecimentos concentrado. Hegel, Lukács,

1968, 291,292

“Assim a elevação da subjetividade receptiva no


particular reproduz um processo de elevação análogo ao
que ocorre na personalidade criadora. E é evidente, a
este respeito, que o nível de representação atingido na
individualidade da obra de arte constitui a base para a
sua eficácia. Com justeza, Hegel viu no conceito phatos
aquele nível sentimental-espiritual-moral ao qual a
representação da obra deve elevar-se a fim de exercer
um autêntico efeito estético: a particularidade da
individualidade da obra determina a tendência à
particularidade no ato estético do desfrute da arte.” Lukács,
1968, 291,292

É comum comentarmos, quando observamos uma determinada obra sem


conhecermos o autor, que se trata de uma obra deste ou daquele autor,
familiarizando-a com este, através das suas características de construção, da
concepção volumétrica, das suas linhas, da sua linguagem. Ora, isto não seria
possível se não existissem identidade e linguagens próprias entre os
Arquitectos.

As Sensações e as Emoções na Arquitectura 289


Capítulo II - Com a necessidade de sobrevivência do Homem…

2.2.2. Teorias da personalidade


Não queremos com estas teorias parecer estarmo-nos a desviar do tema,
muito pelo contrário. Importa aqui assinalar a sua utilidade para nós que
queremos fazer a aproximação da Arquitectura ao sujeito enquanto criador e
utilizador do espaço arquitectónico, aprofundando e alargando o nosso
conhecimento às questões relacionadas com o homem.
Ao familiarizarmo-nos com as noções gerais das teorias da personalidade,
permite-nos recolher novos elementos que se podem revelar extremamente
úteis para as nossas futuras análises, ainda mais quando insistimos na
necessidade da interdisciplinariedade da Arquitectura.
Ainda que, de uma forma muito resumida, ao relacionarmo-nos com estas
teorias do foro neuropsicofisiológico, permite-nos lançar novos dados,
situarmo-nos, termos referências que nos permitam futuros desenvolvimentos
para compreendermos melhor o homem, ganharmos consciência de nós
mesmos, reflectir e pensar no nosso posicionamento perante os nossos
clientes e a sociedade. Alargando-se o conhecimento da Arquitectura a esta
temática aumentam-se as nossas possibilidades de interpretação e
compreensão do indivíduo, que certamente terá reflexos na nossa postura e
abordagem arquitectónica. O aprofundamento desses estudos farão de nós
Arquitectos mais atentos, um pouco mais ‘psicólogos’ relativamente à
interpretação dos programas, sejam eles de carácter mais individual ou de
carácter mais colectivo, no objectivo de uma Arquitectura mais sensível ao
homem, para uma Arquitectura com maior responsabilidade social.

290 As Sensações e as Emoções na Arquitectura


Capítulo II - Com a necessidade de sobrevivência do Homem…

No caso concreto, o do estudo da personalidade trata-se de um processo


gradual, bastante complexo e único, que varia de pessoa para pessoa.
Todos nós temos tendência de formar as nossas próprias opiniões
relativamente ao outro atrevendo-nos, muitas vezes, a formular opiniões
próprias e julgamentos sobre esta ou aquela pessoa, muitas vezes totalmente
desajustadas da realidade. Razão pela qual este assunto recai, na maioria das
vezes, como parte da psicologia do senso comum nos seus mais diversos
significados, tanto por processos bastante subjectivos, a partir de um
determinado comportamento, como pela formação do conhecimento que se
adquiriu acerca duma pessoa. Pense-se, por exemplo, quando se diz que
determinada pessoa tem uma “personalidade forte”.
Na nossa vida quotidiana, podemo-nos aperceber da grande diversidade de
aparências físicas, de carácter e de personalidade do ser humano, tornando-
se quase impossível fazer uma avaliação exacta acerca da caracterização de
uma determinada pessoa.
As várias teorias ajudaram a caracterizar a personalidade das pessoas através
desses estudos científicos do comportamento humano. No seu uso científico,
o termo personalidade distancia-se da psicologia do senso comum na procura
de um modelo teórico de personalidade. A importância deste tema, como já
foi referido, estimulou a imaginação de filósofos e pensadores desde a
antiguidade, com as concepções propostas pelos grandes estudiosos
clássicos, Hipócrates (460.370 a.C), Platão e Aristóteles, passando pelos mais
diversos pensadores, tais como Aquino (1225-1274), Comte e Nietzche (1225-
1274).

As Sensações e as Emoções na Arquitectura 291


Capítulo II - Com a necessidade de sobrevivência do Homem…

Assim se deram os caminhos iniciais da psicologia e das teorias da


personalidade, onde se deve realçar a importância que Darwin teve, em
meados do século XIX, no impulso da psicologia da personalidade.

“O conceito personalidade, em seu sentido literal, aparece desde


suas origens associado à noção de pessoa. Pessoa, termo
derivado do latim persona, que significa máscara caracterizadora
do personagem teatral, designa, na abrangência do termo, o
homem em suas relações com o mundo. Essa abrangência, por
sua vez, estende-se aos estudos sobre personalidade, que, em
sua maioria, apresentam-se em acentuada conformidade com
concepções idealistas, impregnados por significados abstratos e
psicologizantes.” Martins, 2004, 83

Muitos pensadores surgiram e o tema continua bastante actual, com os mais


diversos discursos, nesta busca do conhecimento sensorial, ficando com a
consciência de se tratar duma matéria complexa, pela simples razão de se
tratar dum mundo invisível, de não vermos os pensamentos e de sermos todos
diferentes, mas certos do quão estimulante é o sentido da construção do
nosso próprio pensamento. Os teóricos da personalidade baseavam-se
fundamentalmente na experiência clínica, enquanto que os psicólogos
experimentais inspirados pelas ciências naturais, nas suas experiências
laboratoriais. As teorias da personalidade ocuparam um papel determinante
no desenvolvimento da psicologia, interessando por isso fazer uma breve
explanação acerca das grandes teorias.

292 As Sensações e as Emoções na Arquitectura


Capítulo II - Com a necessidade de sobrevivência do Homem…

2.2.2.1 Teorias Psicodinâmicas


As teorias psicodinâmicas tinham como principal desígnio o estudo e a
resolução dos conflitos psicológicos que ocorreram, geralmente, na infância.
Enfatizam a interação entre as motivações do consciente e do subconsciente,
fundamentando que o nosso equilíbrio é estabelecido por instâncias psíquicas
que determinariam a nossa personalidade, explicando como um determinado
indivíduo constitui a sua personalidade e, por isso, se aproxima, por exemplo,
de uma determinada profissão.
As teorias psicodinâmicas estudam o comportamento resultante das forças
psicológicas que interagem dentro do indivíduo.
O conceito original foi desenvolvido por Sigmund Freud (1856-1939),
reportando-se aos impulsos sexuais e agressivos, sugerindo que os processos
psicológicos eram fluxos de psicoenergia do nosso cérebro, estabelecendo
uma psicodinâmica na base da líbido.
Outros teóricos consideraram-na enraizada na dificuldade do indivíduo em
lidar com sua dependência. No entanto, todos compartilham a ideia que esses
processos inconscientes demarcam primariamente a personalidade e podem
ser melhor compreendidos dentro do contexto de desenvolvimento do ciclo
vital.
Freud, o pai da psicanálise, afirmava que o pensamento era desenvolvido no
acesso à consciência, através de processos diferenciados, relacionando o
sistema cerebral com o campo da semântica, onde a mente desenvolve o
pensamento baseado num sistema complexo enredado de imagens.

As Sensações e as Emoções na Arquitectura 293


Capítulo II - Com a necessidade de sobrevivência do Homem…

A psicanálise, que surgiu no final do século XIX, cujo campo clínico e de


investigação teórica é independente da psicologia, constitui-se um método
científico que procura estudar os nossos conflitos psíquicos.
Procura a compreensão, a descoberta das nossas necessidades, complexos,
traumas e tudo o que perturba o equilíbrio emocional do indivíduo, visando
uma reeducação afectiva, sempre na consciência da origem do problema, no
encontro de soluções e na busca do melhor caminho para as nossas vidas.
O fenómeno está relacionado com o nosso sistema nervoso, um processo
fisiológico cerebral, através do qual a informação parte dos nossos neurónios
terminando na região motoro-sensorial, resultando em alterações nas células
centrais, que darão origem à formação de representações imagéticas que
originam sensações. Através dos nossos sentimentos acontecem processos
de descargas de energia que originam emoções.

“A noção de aparelho psíquico com instâncias


caracterizadas (Id, Ego, e Super-Ego) pressupõe uma
actividade energética dos processos de recalque,
construção e reconstrução dinâmicas que se revelam na
pulsão sexual. Esta está presente desde o nascimento e
traduz-se na busca do prazer, combinando-se ou
opondo-se às pulsões de conservação. O aparelho
psíquico não é, pois exclusivamente constituído por
manifestações conscientes.” Barracho e Dias, 2010, 67

294 As Sensações e as Emoções na Arquitectura


Capítulo II - Com a necessidade de sobrevivência do Homem…

Freud realçava a importância da líbido no desejo, como principal motivador


dos nossos impulsos e instintos à conquista ou à posse do objecto. Carl
Gustav (1875-1961) Jung, discípulo de Freud e de Adler (1870-1937), viria a
ser médico psiquiatra, tornando-se no fundador da psicologia analítica,
também conhecida por psicologia Junguiniana. Convivendo durante um curto
período de tempo com um certo encantamento pelas ideias de Sigmund
Freud, não conseguia disfarçar algumas diferenças fundamentais. Se, por um
lado, Jung não aceitava a insistência de Freud de que as causas dos conflitos
psíquicos estavam relacionadas com traumas de ordem sexual, por outro,
Freud não admitia o interesse de Jung pelos fenómenos espirituais e pela
forma como os considerava válidos como alvo de estudo.
Enquanto que, para Freud, as dificuldades resultavam dos obstáculos que se
levantam em nós, naquilo que desejamos, na perspectiva de Alfred Adler, tudo
assenta nas dificuldades em que o indivíduo se experimenta, na sua definição
em relação aos outros e ao mundo, onde se autoanalisa, faz comparações, se
defende e hesita. Esta dicotomia daria origem ao esboço da teoria de Jung,
para o qual a análise Freudiana correspondia à extroversão, pela
espontaneidade e naturalidade, obedecendo aos seus impulsos e indo ao
encontro dos outros, num fenómeno de extroversão. Em oposição, a análise
Adleriana adaptava-se melhor ao introvertido, naquele que se centra na
própria pessoa, não sendo sinónimo de egoísmo, mas porque o mundo
exterior o incomoda e ele o evita. Esta ambiguidade da tipologia Junguiana,
acerca do fenómeno de extroversão e introversão, constituiu um ponto de
partida para a análise da personalidade.

As Sensações e as Emoções na Arquitectura 295


Capítulo II - Com a necessidade de sobrevivência do Homem…

Erikson (1902-1994), tendo iniciado a sua carreira como artista plástico, viria
a tornar-se o psiquiatra responsável pela teoria de desenvolvimento
Psicossocial, em meados do século XX, por influência da filha de Freud
quando o convidou a leccionar em Viena na escola de pacientes submetidos
à psicanálise. Sem negar Freud sobre a teoria psícossexual, criticava o facto,
da psicanálise não tratar as interacções do indivíduo com o meio, privilegiando
apenas os aspectos patológicos e defensivos da personalidade. Para Erikson,
as sociedades criam mecanismos institucionais que originam o
desenvolvimento da personalidade, variando de cultura para cultura,
considerando que o desenvolvimento da personalidade do indivíduo é
constituído por etapas, momentos de opção e integração.

“As etapas e as crises sucessivas têm uma relação


específica com um dos vários elementos básicos da
sociedade porque, evoluem em conjunto. Antes que a
criança se possa tornar um genitor biológico, passa por ser
um agente de trabalho e auto-promoção social. Ao sublimar
as suas pulsões sexuais, aprende a produzir coisas. As
necessidades a nível da libido, assim como as mudanças
operadas pela consciencialização (relativa) da situação
edipiana, vão permitir a criação de espaço para habilidades
e para outro tipo de tarefas” Barracho e Dias, 2010, 70

296 As Sensações e as Emoções na Arquitectura


Capítulo II - Com a necessidade de sobrevivência do Homem…

2.2.2.2 Teorias Humanistas


A psicologia Humanista surgiu na década de cinquenta, ganhando força nos
anos sessenta e setenta como reacção às outras práticas psicoterapêuticas
com uma espécie de visão optimista acerca da personalidade de crescimento
e auto-cura do organismo, com o enfoque humanizador do aparelho psíquico.
Considerava que a terapia podia criar condições de crescimento no sentido da
auto-realização do indivíduo, ensinando que o ser humano possui em si uma
força própria, que o conduz no desenvolvimento da sua personalidade. Força
essa que, por outras circunstâncias adversas, também podia ficar impedida
por factores externos. A psicologia humanista procura uma certa humanização
da psique, tendo em conta que o homem é detentor da sua liberdade e poder
de escolha enquanto dominador do seu processo de crescimento. Teve uma
influência importante da Psicologia da Gestalt pela sua visão holística, onde
tudo está interrelacionado. Maslow (1908-1970) foi o primeiro teórico a
desenvolver a teoria humanista na psicologia, baseando-se nos pressupostos
básicos referentes à motivação, adoptando a abordagem holística, a ideia de
que a pessoa é motivada como um todo, e não apenas com uma parte dela,
classificando as necessidades por ordem de prioridades: fisiológicas, de
segurança, amor e pertença, estima e auto-realização. A teoria da motivação
de Maslow é fundamentada pela conhecida pirâmide das necessidades, onde
cada um tem que ultrapassar uma hierarquia de necessidades para atingir a
sua auto-realização. Na sua obra, Maslow refere quinze características para a
auto-realização, sendo para ele, a criatividade um aspecto primordial.

As Sensações e as Emoções na Arquitectura 297


Capítulo II - Com a necessidade de sobrevivência do Homem…

“As necessidades de auto-realização incluem auto-satisfação, a


realização de todo o seu potencial e o desejo de tornarem-se
criativos no sentido pleno da palavra (Maslow,1970). Quem alcança
o nível de auto-realização torna-se plenamente humano,
satisfazendo necessidades que os outros apenas vislumbram ou que
realmente nunca chegam a ver. São pessoas espontâneas no
mesmo sentido que os animais e as crianças o são, ou seja,
expressam suas necessidades humanas básicas e não permitem
que sejam suprimidas pela cultura.” Feist e Feist, 2008, 282

45. Pirâmide de Maslow, fonte:forum.tribalwars.com.br, 2011

298 As Sensações e as Emoções na Arquitectura


Capítulo II - Com a necessidade de sobrevivência do Homem…

As raízes da psicologia existencial remontam ao final do séc.XIX com os


filósofos europeus Soren Kierkegaard (1813-1855) e Friedrich Nietzche, entre
outros, sendo que, os primeiros psicólogos existenciais também foram
europeus. Começando a difundir-se da Europa para os Estados Unidos, teve
em Rollo May (1909-1994), o psicólogo americano mais activo a partir dos
anos quarenta. May diferenciou-se dos outros psicólogos humanistas pelos
conceitos inspiradores dos filosófos contemporâneos Kierkegaard e Nietzsche
que ajudaram a popularizar o existencialismo durante o séc. XX.
Desde a literatura com Jean-Paul Sartre (1905-1980) ao “mundo da Arte, pelas
obras de Cézanne (1839-1906), Matisse (1869-1954) e Picasso (1881-1973),
cujas pinturas romperam as barreiras do realismo e demonstraram a liberdade
do ser no lugar da liberdade do fazer (May,1981).” Feist e Feist, 2008, 343

“Para May, muitas pessoas careciam de coragem para


enfrentar seu próprio destino, e, para fugir dele, abriam mão
de grande parte de sua liberdade. Tendo renegado sua
liberdade, afastavam-se, da mesma forma, de suas
responsabilidades. Por não serem capazes de fazer suas
escolhas, perdiam de vista quem eram e desenvolviam um
senso de insignificância e alienação. Por outro lado, as
pessoas saudáveis desafiavam seu destino, celebravam a sua
liberdade e viviam de modo autêntico com as outras pessoas
e consigo mesmas. Reconheciam a inevitabilidade da morte e
tinham a coragem de viver no presente.” Feist e Feist, 2008, 340

As Sensações e as Emoções na Arquitectura 299


Capítulo II - Com a necessidade de sobrevivência do Homem…

Muito embora existam interpretações diferentes entre os vários intervenientes


da Filosofia e da Psicologia, vários pontos comuns coincidem entre esses
pensadores existenciais. Para eles, a existência é prioritária à essência,
opõem-se à divisão entre o sujeito e objecto. As pessoas procuram algum
sentido para as suas vidas, sendo cada um de nós responsável pelo que é e
por aquilo em que se tornam. Sustentando, ainda, que grande parte das
teorias desumanizam as pessoas e as transformam em objectos.

2.2.2.3 Teorias Disposicionais


Colocar as pessoas em categorias de personalidade é uma forma de
descrever as disposições da personalidade. O maior desafio das teorias
disposicionais da personalidade consiste em procurar descrever e identificar
as pessoas pelos traços primários, dividindo uma determinada personalidade
em componentes específicos numa perspectiva duradoura ao longo da vida,
através das mais variadas situações.
Os grandes teóricos desta abordagem defendem que todos os indivíduos são
detentores de diferentes traços de personalidade, podendo variar entre eles
quanto ao grau em que está presente.
Allport (1897-1967), ao longo da sua vida profissional, procurou diferenciar os
traços comuns dos individuais, pois os traços comuns apenas apresentavam
as características gerais das pessoas, sem dúvida importantes, para os
estudos que realizam comparações entre as pessoas numa determinada
cultura.

300 As Sensações e as Emoções na Arquitectura


Capítulo II - Com a necessidade de sobrevivência do Homem…

No entanto, para Allport, as disposições pessoais tinham maior importância


por se tratar de estudar acerca de um único indivíduo, permitindo a descrição
da pessoa em termos de características individuais.

“Allport transmitia a ideia de que o comportamento era tão


expressivo quanto adaptativo. As pessoas não apenas se
ajustariam a seus novos ambientes, mas também
refletiriam sobre eles e interagiriam com esses ambientes
de forma a fazer com que o ambiente se ajustasse a elas.”
Feist e Feist, 2008, 374

Já Hans Eysenck (1916-1997) apresentava fortes elementos psicométricos e


biológicos, considerando contudo que não eram suficientes para avaliar a
estrutura da personalidade humana a menos que tivessem sido demonstrados
pela via de elementos de natureza biológica. Eysenck estabeleceu uma
hierarquia da organização comportamental em quatro níveis: no nível mais
baixo os comportamentos específicos, que podem ou não ser característicos
de uma pessoa; no segundo, as cognições habituais, respostas que se
repetem sob condições similares; no terceiro nível, Eysenck definia os traços
como as tendências da personalidade. No entanto, concentrar-se-ia no quarto
nível, o dos tipos, ou dos super-fatores. Eysenck extraiu apenas três factores
gerais, que consistiam nas três dimensões da personalidade: na extroversão,
no neuroticismo e no psicoticismo, apesar de não excluir outras dimensões
que posteriormente poderiam ser adicionadas.

As Sensações e as Emoções na Arquitectura 301


Capítulo II - Com a necessidade de sobrevivência do Homem…

2.2.2.4 Teorias da Aprendizagem


As teorias da aprendizagem tratam de explicar os processos de aprendizagem
com base na construção do conhecimento, nas metodologias, nas técnicas de
ensino, na atualização dos conteúdos e na relação do professor com os
alunos, e na descoberta da função social da escola, numa permanente
interação com o meio ambiente.
As teorias sobre aprendizagem, com maior destaque na educação
contemporânea, são a de Jean Piaget (1896-1980) e a de Lev Vygotsky (1896-
1934). Tratam-se de teorias fundamentadas em pressupostos filosóficos,
procurando explicar, através das mais variadas situações, como os indivíduos
aprendem e expressam o seu desenvolvimento mental e, como se estruturam
os modelos institucionais numa interação entre o organismo e o ambiente.
As teorias Behavioristas da aprendizagem fazem uma interpretação
sistemática duma determinada área do conhecimento com uma maneira muito
particular de ver as coisas, tendo como base examinar os eventos
observáveis, numa tentativa de reinterpretar sistematicamente e organizar os
conhecimentos necessários sobre a aprendizagem.
Os princípios do Behaviorismo tiveram raízes nos trabalhos pioneiros de John
B. Watson (1878-1958) e nos do russo Ivan P. Pavlov (1849-1936). No
entanto, a teoria viria a ser da responsabilidade de Burrhus Frederic Skinner
(1904-1990), que se tornou o representante mais importante desta corrente
comportamental.

302 As Sensações e as Emoções na Arquitectura


Capítulo II - Com a necessidade de sobrevivência do Homem…

George Kelly (1905-1967) foi dos teóricos da personalidade que se diferenciou


de todas as outas teorias. Designaram-na como “metateoria”, acima de todas
as outras teorias, designadamente, as de ordem cognitiva, comportamental,
existêncial e fenomenológica.

“Kelly partia de pressuposto de que o universo realmente


existe e que funciona como uma unidade integral, com todas
as suas partes interagindo de forma precisa umas com as
outras. Além disso, o universo está constantemente em
mudança, então o tempo todo está acontecendo alguma coisa.
Somando a esse pressuposto básico está a noção de que os
pensamentos das pessoas existem realmente e que elas se
esforçam para dar sentido a seu mundo continuamente em
mudança. Pessoas diferentes interpretam a realidade de
formas diferentes e a mesma pessoa é capaz de mudar sua
visão do mundo.” Feist e Feist, 2008, 541

Por outras palavras, as pessoas têm sempre diferentes formas e


interpretações de ver o universo e estão sujeitas a reflexões e revisões. Kelly
referia-se a este pressuposto como um alternativismo construtivo.

“Os eventos que enfrentamos hoje estão sujeitos a uma


variedade de construções tão grande quanto a nossa
inteligência possa inventar.” Kelly, 1970, 1

As Sensações e as Emoções na Arquitectura 303


Capítulo II - Com a necessidade de sobrevivência do Homem…

2.2.3. Imaginação, Memória e Consciência


2.2.3.1 A Imaginação
Imaginar é uma forma de inteligência e de compreensão que nos abre uma
área de actividade específica, a artística, cujos meios de aferição tendem mais
para a afectividade e a sensibilidade do que para o raciocínio lógico.
Contudo, na inteligência da sensibilidade existe sempre um suporte racional,
demonstrado que toda a actividade racional, lógica e cognitiva tem subjacente
uma aproximação afectiva sem a qual não é possível pensar inteligentemente.

“É nesse momento de imaginação e fantasia que a


solução aparece e nela o arquitecto se detém
entusiasmado como alguém que encontrou um diamante
e o examina com a esperança de ser verdadeiro e,
lapidado, transformar-se numa bela pedra preciosa.”
Niemeyer, 1993, 9

A imaginação é uma actividade mental distinta da representação e da


memória, embora de algum modo ligada às duas: a representação é uma
apresentação das imagens enviadas aos nossos sentidos, enquanto a
memória permite recordar essas representações e as suas combinações para
que se possa imaginar. A representação é necessária a fim de facilitar
diversos modos de ordenação das apresentações. Sem as representações
que tornam possível a imaginação, não seria possível o conhecimento
308. Exposição “The Science of evolution”Museu da História Natural”,
Nova Iorque, fonte própria, 2012

304 As Sensações e as Emoções na Arquitectura


Capítulo II - Com a necessidade de sobrevivência do Homem…

“Pretende-se que a imaginação seja faculdade de formar


imagens. Ela é antes a faculdade de deformar as imagens
fornecidas pela percepção, é sobretudo a faculdade de
nos libertar das primeiras imagens, de mudar as imagens.
Se não houvesse mudança de imagens, união inesperada
“Que bom haver realidade, de imagens, não havia imaginação, não havia acção

a luz o calor o cheiro imaginante (…). O vocábulo fundamental que


corresponde à imaginação não é imagem, é imaginário. O
e estas pedras tão pequenas
valor de uma imagem mede-se pela extensão da sua
a desenharem-se em chão.
auréola imaginária. Graças ao imaginário a imaginação é
Que felicidade
essencialmente aberta, evasiva. Ele é, no psiquismo
o mundo não ser apenas
humano, a própria experiência da abertura, a experiência
o nevoeiro da novidade.” Gaston Bachelard, Láir et les songes
da minha imaginação!”
Ferreira, 1876, 77

Pela imaginação o homem abandona o real e abre-se à novidade e ao sonho.


Segundo Sagan, imaginação leva-nos muitas vezes a mundos que nunca
existiram. Porém, sem ela não iríamos a parte alguma”. Sagan, 1995, 122
O ponto de partida é a realidade factual, que a nossa percepção nos permite
conhecer, e que se apresenta como base para a imaginação operar.
Segundo Lev Vygotsky, a imaginação tem quatro graus de combinações
diferentes entre união de fantasia e de realidade.

As Sensações e as Emoções na Arquitectura 305


Capítulo II - Com a necessidade de sobrevivência do Homem…

Na primeira forma apoia-se na experiência. “ A fantasia não se opõe à


memória, mas apoia-se nela e dispõe os seus dados em combinações sempre
novas. A actividade combinatória do cérebro baseia-se, bem vistas as coisas,
no facto de o cérebro conservar marcas das excitações anteriores, e toda a
novidade desta função se reduz ao simples facto de que, dispondo das marcas
dessas excitações, o cérebro as combina em posições diferentes daquelas em
que se encontravam na realidade.” Vygotsky, 2009,18
Na segunda forma, a experiência não se apoia na fantasia, ou seja, “não se
efectua entre elementos de construção fantástica e a realidade, mas entre
produtos preparados da fantasia e determinados fenómenos complexos da
realidades (...) Esta não se limita a reproduzir o que assimilei de experiências
passadas, mas cria, a partir delas, novas combinações.” Vygotsky, 2009,19
A terceira forma baseia-se na conjunção emocional, que, se por um lado, “os
sentimentos influenciam a imaginação, no outro caso é, pelo contrário, a
imaginação que exerce a sua influência sobre os sentimentos. Poderia
chamar-se a este fenómeno lei da representação emocional da
realidade...”Vygotsky, 2009, 23
Na quarta forma de relação entre fantasia e realidade,“A sua essência consiste
em que o edifício erigido pela fantasia pode representar qualquer coisa de
completamente novo, de não existente na experiência do homem, e qualquer
coisa que não é também semelhante a nenhum outro objecto real; mas ao
receber uma forma nova, ao assumir uma nova encarnação material, esta
imagem “cristalizada”, convertida em objecto, começa a existir realmente no
mundo e a exercer a sua influência sobre os outros objectos.” Vygotsky, 2009, 24

306 As Sensações e as Emoções na Arquitectura


Capítulo II - Com a necessidade de sobrevivência do Homem…

2.2.3.2 A Memória
A memória, pela sua capacidade de adquirir, armazenar e recuperar a
informação que os estímulos do ambiente nos proporcionam, é fundamental
na concretização do nosso pensamento.
Na concepção arquitectónica, em particular, as funções da memória, pela sua
importância na concepção, assumem um papel decisivo no bom desempenho
do Arquitecto.

“Temos uma capacidade inata para recordar e imaginar


lugares. A percepção, a memória e a imaginação estão em
constante interacção; o domínio da presença funde-se em
imagens de memória e fantasia.” Pallasmaa, 2010, 68

Trata-se de um processo cognitivo que captura conhecimento ou imagens,


pela capacidade que o consciente e subconsciente têm em assimilar esses
dados, podendo variar de pessoa para pessoa, de acordo com a sua maior ou
menor energia mental, sendo determinante na tomada de decisões e, no caso
concreto, no aparecimento de novas ideias. Até meados do século XX,
questionava-se se as funções da memória estariam localizadas numa zona
específica do cérebro, acreditando-se mesmo que estariam distribuídas no
seu todo. Nos anos quarenta Wilder Penfield viria demonstrar, através dos
seus processos da memória que, estavam localizados em zonas específicas,
pela resposta que obteve em mais de mil pacientes.

As Sensações e as Emoções na Arquitectura 307


Capítulo II - Com a necessidade de sobrevivência do Homem…

Pode-se afirmar que a memória é a segunda grande função do cérebro, sendo


um objecto de estudo extremamente complexo, dados os diferentes tipos de
memória existentes, pelos diferentes tipos de inteligência, e pela capacidade
de relacionar de cada um, nos diferentes modos de transmissão. Assim,
assistimos a várias classificações de memória, quanto aos processos
cognitivos conscientes, tais como a persistência da memória, a fiabilidade, a
integração, a degradação e a reconstrução da informação, nos diferentes tipos
de memória:
- A memória instantânea trata a informação recebida no imediato, onde se
encontra a memória que utilizamos no dia-a-dia, na nossa rotina ou no nosso
trabalho. Esta memória dura poucos segundos, sendo os factos esquecidos
após pouco tempo, não deixando sequer traços.
- A memória a curto prazo, que se alimenta da informação que se passou na
memória instantânea, dependendo do tempo e da capacidade de cada
indivíduo, dura alguns segundos ou minutos e tem a capacidade de lembrar
um determinado evento recente.
- Na memória a médio prazo encontramos a informação que retemos há mais
tempo, não reflectindo, no entanto, com precisão a natureza do seu conteúdo.
Esta memória pode durar dias, meses, ou anos, e tem a capacidade de
recordar o nome ou idade de alguém.
- A memória a longo prazo está na base do carácter e não nos conhecimentos,
dominando princípios gerais, tais como a justiça, a igualdade, a liberdade, o
respeito e a educação, com reflexo no próprio desenvolvimento da
personalidade.

308 As Sensações e as Emoções na Arquitectura


Capítulo II - Com a necessidade de sobrevivência do Homem…

2.2.3.3 A Consciência
Encontrarmos uma definição para a consciência não parece tarefa fácil, se
tivermos na circunstância a multiciplidade de significados que a própria
palavra nos faz lembrar. É comum utilizarmos o termo quando nos
encontramos em estado de vigilância, reflexão ou concentração, na
focalização do estado da consciência, onde a atenção se torna crucial para o
seu bom desempenho.

“Sem ela, ou seja, sem uma mente dotada de subjectividade,


não poderíamos saber que existimos, e muito menos quem
somos e aquilo em que pensamos. Se a subjectividade não
tivesse surgido, mesmo que de forma muito modesta ao ínicio,
em seres vivos muito mais simples do que nós, a memória e
o raciocíonio provavelmente não se teriam expandido de
forma tão prodigiosa como se veio a verificar, e o caminho
evolutivo para a linguagem e para a elaborada versão humana
da consciência que agora detemos não teria sido aberto. A
criatividade não se teria desenvolvido. Não teria havido
música, nem pintura, nem literatura.” Damásio, 2010, 20

O estado de consciência está em constante mudança e depende das


características pessoais, ambientais e dos nossos próprios ritmos biológicos,
num acto de adaptabilidade recíproca, na circunstância que também o
ambiente estrutura o conteúdo da consciência.

As Sensações e as Emoções na Arquitectura 309


Capítulo II - Com a necessidade de sobrevivência do Homem…

“A consciência resulta da relação do sujeito com o meio


ambiente, distinguindo-se pelo eu, o não eu, do sujeito e do
objecto. Isto define a sensação e o sentimento, num
pressuposto intelectual de uma imagem para uma
realidade. Estes confrontos resultam de aspectos de juízos
humanos, ao explicar os processos cerebrais interligados
ao sensorial.” Consiglieri, 2007, 212

Mas, segundo Damásio, a consciência não se resume a imagens mentais.


Tem a ver com uma organização de conteúdos mentais centrada no
organismo que produz e motiva esses conteúdos. É mais do que uma mente
que se organiza sob a influência de um organismo vivo e activo. Uma mente
capaz de ter noção da existência desse organismo vivo e activo.
O cérebro é capaz de criar padrões neurais que organizam as experiências
vividas sob a forma de imagens, mas orientar essas imagens na perspectiva
do organismo é outra parte notável do processo. Damásio, 2010, 21
A consciência e a percepção estão intimamente relacionadas pela
necessidade que uma e outra estabelecem entre si, quer na comparação entre
o presente e o passado, quer pela retenção de hábitos ou novas informações
que a aprendizagem exige, ou mesmo pelas actividades correntes que
dependem da capacidade de recordar.

310 As Sensações e as Emoções na Arquitectura


Capítulo II - Com a necessidade de sobrevivência do Homem…

2.2.4. A motivação na criação


Os grandes níveis de competitividade existentes nos nossos dias são de tal
forma acentuados, que é comum depararmo-nos com estados de espírito
inconstantes no nosso quotidiano. Os sucessivos acontecimentos positivos e
negativos e a influência que exercem nos nossos índices de confiança,
implicam um fator de maior ou menor motivação. Todos nós temos bons e
maus momentos! A vida é assim mesmo, não é constante, é feita de altos e
baixos. Se entendermos esta lógica natural da vida saberemos defender-nos
e se ultrapassarmos esses obstáculos, saíremos mais fortes e muito mais
motivados.
Termos consciência da importância que a motivação tem para o bom
desempenho das nossa funções enquanto sujeitos criativos, é um passo
importante para sabermos encontrar em nós mesmos os nossos melhores
momentos de inspiração para a nossa melhor produção criativa. Contudo os
mais recentes estudos ligados às neurociências e à inteligência emocional,
revelam-nos curiosidades de grande utilidade.

“Espinosa recomendava que lutássemos contra as


emoções negativas com emoções ainda mais fortes mas
positivas, conseguidas através do raciocínio e do esforço
intelectual. A noção de que o subjugar das paixões devia
depender de emoções guiadas pela razão, e não pela razão
pura” Damásio, 2003, 26

As Sensações e as Emoções na Arquitectura 311


Capítulo II - Com a necessidade de sobrevivência do Homem…

Quando estamos realmente inspirados, o prazer que sentimos no acto criativo


acentua-se, deparamo-nos conosco num estado emocional tão profundo que
tudo parece vibrar em nós e as ideias fluem, saiem, e a obra acontece.

“Às vezes penso: os nossos sentimentos são como uma


espécie de esparguete em aço, em que cada segmento está
totalmente imiscuído no todo mas ao mesmo tempo é
distintamente apercebível. Outras vezes penso: não, os nossos
sentimentos são como uma floresta de esparguete de aço em
que cada segmento emerge só parcialmente distinto. Na ponta
de cada uma dessas varas vibra uma formação algo
rendilhada, consequência dos constantes tremores de cada
segmento, e assim, quando alguém está sob o império de
funda emoção, tudo nele treme e na floresta tudo vibra e essas
extremidades rendilhadas formam rapidíssimos desenhos,
imiscuindo-se uns nos outros, e o total é uma combinação de
vibrações que se sobrepõem e explicam a confusão que se
encontra no indivíduo sob império da emoção.” Hatherly,

asfolhasardem.wordpress.com, 2011

Segundo Damásio a emoção e as suas reações estão alinhadas com o corpo,


enquanto, que os sentimentos estão relacionadoscom a mente. Damásio, 2003, 21
Contudo, não somos todos iguais, depende muito do nível de envolvimento,
da maior ou menor pressão a que o sujeito está submetido, tendo em conta o

312 As Sensações e as Emoções na Arquitectura


Capítulo II - Com a necessidade de sobrevivência do Homem…

ambiente e a cultura onde estiver inserido, bem como o quotidiano dos


diferentes povos, entre os vários continentes, países ou regiões, com ritmos
de vida e níveis de stresse muito característicos. Não podemos comparar o
ritmo de vida na Europa com um continente Africano ou Sul-Americano, assim
como não podemos comparar o quotidiano de uma cidade como Londres com
o Rio de Janeiro e, se baixarmos a escala, também podemos verificar que a
vida das pessoas das regiões litorais é diferente das regiões interiores. A
motivação resulta de um estado interno de uma determinada necessidade e,
na sua emergência, desperta, um comportamento na procura do cumprimento
dessa mesma necessidade. Pode resumir-se apenas a uma necessidade
básica de sobrevivência, pelo facto de pretender satisfazer uma necessidade
de se sentir amado ou aceite numa determinada situação, bem como a
procura de novos estímulos, novas experiências ou a necessidade de atingir
objectivos com vista à ascenção profissional. Mas no caso concreto, ao nível
da criação ou qualquer outra actividade intelectual, a motivação é
absolutamente essêncial, para a sua produtividade.
Segundo Consiglieri, existem dois níveis principais de experiência, o do
carácter intelectual que está subdividido em perçepção vulgar e percepção
imaginativa. e o do carácter “físico”, relacionado com os nossos prazeres
fisiológicos, referindo que os psicólogos consideram experiência e a
percepção inseparáveis. A percepção vulgar limita-se à realidade e aos
conceitos de ver e acreditar, enquanto, que a percepção imaginativa não é
uma atitude só do olhar, mas também um método mental onde se conjugam a
introspecção e um raciocínio próprio da nossa experiência.”Consiglieri, 1994, 209

As Sensações e as Emoções na Arquitectura 313


Capítulo II - Com a necessidade de sobrevivência do Homem…

2.2.5. A utilidade da inteligência emocional


A abordagem acerca do aparelho psíquico assume particular importância,
tanto pela compreensão do nosso processo fisiológico cerebral, que está na
base das nossas ideias, do nosso processo criativo, das nossas sensações e
emoções, como pela consciência do quão determinante é na influência que
exerce em tudo que fazemos e, por consequência, de quem tira partido delas.
Nos últimos tempos assiste-se a uma certa inépcia emocional (desde o
desespero das famílias), uma inquietação generalizada nas sociedades, uma
raiva e desespero crescentes (sofrimento, abandono, esquecimento) até à
violência num caminho que parece levar-nos a um certo abismo.
Porém, esta insegurança que se está a generalizar na sociedade, está a
motivar, através dos mais recentes avanços dos neurocientistas, o
aparecimento de novas descobertas acerca do mundo emocional, que
poderão, a médio-longo prazo, ser extremamente importantes na nossa
adaptação aos novos tempos.

“Os sentimentos de prazer, ou de dor, ou de toda e qualquer


qualidade entre dor e prazer, os sentimentos de toda e qualquer
emoção ou dos diversos estados que se relacionam com uma
qualquer emoção, são a mais universal das melodias, uma
canção que só descansa quando chega o sono, e que se torna
num verdadeiro hino quando a alegria nos ocupa ou se desfaz
em lúgubre requiem quando a tristeza invade.” Damásio, 2003, 17

314 As Sensações e as Emoções na Arquitectura


Capítulo II - Com a necessidade de sobrevivência do Homem…

Os sentimentos da vida mental foram desprezados pela pesquiza ao longo


dos anos, ficando as emoções por explorar. Hoje a ciência parece dar a devida
importância a estas questões através dos vários cientistas contemporâneos,
apesar do quão irracional se possa à partida supor, isto na abordagem mais
simples. Aos olhos do senso comum, parece, até, haver um certo tipo de
aproximação na relação entre o cérebro e o coração humano.

No entanto, segundo Golleman a ciência situa as emoções como fazendo


parte da racionalidade não se opondo a ela. Goleman, 2002, 63

“Visto que as bases biológicas das emoções apresentam


efeitos que são muitas vezes poderosos, mas vagamente
especificados, pareceu imperativo aos artistas desde os
princípios do tempo registado articular e exprimir emoções
de forma criativa na sua individualidade. Assim, dá-se
intencionalidade às emoções. As emoções emergem quando
nos confrontamos com problemas, incertezas na vida,
quando não sabemos como agir. Elas dizem-nos que está a
acontecer algo a que devemos prestar atenção. Muitas vezes
exigem uma resposta criativa. Aquilo que os artistas fazem é
trazer a estes sentimentos vagos, os conflitos com outros e
com o próprio eu, as incertezas que representam, a
consciência, dando-lhes conteúdo e particularidade,
expressando-os como obras de arte.” Oatley and Jenkins, 1998, 434

As Sensações e as Emoções na Arquitectura 315


Capítulo II - Com a necessidade de sobrevivência do Homem…

Constatamos a importância que a infância teve na construção da


personalidade dos grandes mestres, que marcaram a história da Arquitectura
mundial, ocorridas numa determinada época, muito diferente da que
atravessamos, onde o ritmo alucinante de competitividade, que hoje vivemos,
parece aglutinar e absorver o curso natural da humanidade.
Interrogar-nos acerca de como serão os Arquitectos e as correntes
Arquitectónicas do futuro, parece tão pertinente quanto esta incógnita quase
indecifrável, deixando-nos algo receosos em volta de um certo mistério, que
chega a ser quase desolador, se tivermos em linha de conta a perda dos
valores do homem, que se tem vindo a assistir progressivamente.

“Ao que tudo indica, o homem do século XXI será menos


criativo do que o homem do século XX. Há um clima no ar
que denuncia que os homens do futuro serão mais cultos,
mas, ao mesmo tempo, mais frágeis emocionalmente,
terão mais informação, contudo serão menos íntimos da
sabedoria.” Cury, 1998, 18

A sociedade actual parece flutuar num certo abismo, sem saber muito bem
para onde caminha, verificando-se um certo adormecimento, quase
hipnotizante, que parece levar as pessoas a refugiarem-se num mundo
presente de ilusões.

316 As Sensações e as Emoções na Arquitectura


Capítulo II - Com a necessidade de sobrevivência do Homem…

Vivendo o dia-a-dia absorvendo os estímulos por convite da tentação dos mais


variados meios, a começar pelos meios de comunicação, por vezes in-sociais,
caindo-se na vivência de um mundo de ilusões e, por consequência, de
desilusões, por pensarmos que só se desilude quem se ilude, resultando,
assim, numa impotência generalizada, quase enraizada.
Segundo Cury, vivemos mundo onde o pensamento foi padronizado, o
consumismo tornou-se numa droga, a estética controla o comportamento e os
interesses financeiros ocupam excessivamente as nossas vidas. As pessoas
procuram o prazer imediato, têm pouco interesse em mudar o estilo de vida e
reagir aos problemas do mundo, muito menos em investigar os mistérios que
norteiam a capacidade de pensar. Cury, 1998, 10

“Isto é particularmente surpreendente quando pensamos


que as sociedades avançadas cultivam os sentimentos
com álcool ou drogas ilícitas, medicamentos, boa e má
cozinha, sexo real e virtual, toda a espécie de consumos
e práticas sociais e religiosas cuja única finalidade é o bem
estar. Tratamos dos nossos sentimentos com pílulas,
bebidas, exercícios físicos e espirituais, mas nem o
público nem a ciência fazem uma ideia clara sobre o que
são os sentimentos do ponto de vista biológico.” Damásio,

2003, 18

Segundo António Damásio, os estudos relacionados com a biologia dos


sentimentos e das emoções, irão contribuir no futuro para a descoberta de
tratamentos para as principais casas do sofrimento humano,bem como levar

As Sensações e as Emoções na Arquitectura 317


Capítulo II - Com a necessidade de sobrevivência do Homem…

à compreensão dos nossos sentimentos, como funcionam e o seu verdaeiro


significado. Caminhos esses que se tornarão indispensáveis para os seres
humanos, tendo em conta o espectaclar progresso qe se tem vindo a fazer
nas ciências sociais, cognitivas e da Biologia. Damásio, 2003, 22

Com as ressonâncias magnéticas as neurociências conseguiram observar


com mais precisão o funcionamento do cérebro. E através dos sucessivos
anos de experiências e de acumulação de provas das mais variadas
interacções emocionais, os últimos avanços das neurociências, do estudo
científico do nosso sistema nervoso e da sua interdisciplinaridade com campos
(como, a química, engenharia, informática, linguística, medicina, filosofia e
física) parecem, por fim, indicar novos caminhos, através de métodos
psicoterapeutas inovadores, bastante promissores, que podem conduzir a
novas gerações mais equilibradas emocionalmente.
O cérebro humano é constituído por dois hemisférios cerebrais, o lado
cognitivo e o lado emocional, e a velocidade entre os dois é muito diferente.
O cérebro emocional é bem mais lento. É um cérebro que vem de hà milhões
de anos, enquanto o cérebro cognitivo é muito mais rápido.
Hoje, com a quantidade de informação que assimilamos de uma forma tão
rápida, não dando tempo para o lado emocional reagir, assiste-se a um certo
desacompanhamento entre os dois hemisférios, fenómeno esse, que pode
tornar-se perigoso, sobretudo se isto acontecer na idade da infância, pelos
danos que pode causar na sua formação, cabendo aos pais e professores
terem especiais atenções neste domínio.

318 As Sensações e as Emoções na Arquitectura


Capítulo II - Com a necessidade de sobrevivência do Homem…

O bom desenvolvimento psicomotor é fundamental para o sucesso da criança,


sendo por isso muito importante o seu acompanhamento. Isto numa
perspectiva assente nos recentes estudos, acerca da inteligência emocional
na educação de ensinar e orientar as crianças a lidar com as emoções.
Como diz o ditado, “o mal ataca-se pela raíz”, razão pela qual pensarmos que
se deve começar pela educação, isto, no sentido da consolidação do
conhecimento estar na base do nosso crescimento, como a essência de quase
tudo.
Os nossos filhos, logo nos primeiros anos escolares, por força do ritmo que as
instituições de ensino hoje imprimem e pelas circunstâncias da vida actual
onde na competitividade avassaladora apenas vingam os bons, começam
desde muito cedo a lidar com a pressão, muito provocada pelos objectivos a
que essas instituições estão obrigadas, originando um avanço rápido entre as
etapas psico-motoras das crianças.
Em conversa com o prestigiado psicólogo, Professor Eduardo Sá, referia-se à
necessidade de se repensar o actual sistema de ensino por ser demasiado
exigente com os alunos, afirmando que “escola demais faz mal às crianças”,
passando a ideia aos pais e à escola a necessidade de se adotarem medidas
para que a criança sejam mais felizes e equilibradas, motivando-as, opondo-
se ao actual sistema que mais parecem “empresas de serviços” para os filhos,
que niglegencia as necessidades básicas da criança, quando esquecem que
“ menos exercício físico e menos recreio significa pior atenção” e como tal pior
desempenho escolar.” Conversa com o Professor Eduardo Sá, 2014

As Sensações e as Emoções na Arquitectura 319


Capítulo II - Com a necessidade de sobrevivência do Homem…

Ficando a sensação das crianças saírem prejudicadas de tudo isto, e de não


se estar a avaliar muito bem as consequências deste facto por se estar a
contrariar aquilo que é a ordem natural do nosso crescimento, constituído
pelas várias etapas do desenvolvimento psico-motor. Hoje, é possível
diagnosticar e tratar, através da psicologia do desenvolvimento a vida
emocional das crianças, avaliando as suas capacidades e potencialidades,
descobrindo as suas carências ao nível do seu desenvolvimento psico-motor,
através de métodos que têm tido um avanço extremamente considerável nos
Estados Unidos e que se têm propagado através de vários especialistas por
todo o mundo, na perspectiva de poder proporcionar e conduzir os nossos
filhos às suas reais capacidades intelectuais, que lhes serão necessárias no
alcance do sucesso pessoal e profissional.

“E essas aptidões, como vamos ver, podem ser ensinadas às


crianças, proporcionando-lhes uma melhor oportunidade de
empregar qualquer potencial intelectual que lhes tenha dado
a loteria genética. Além dessa possibilidade, surge um
premente imperativo moral. Estes são tempos em que o tecido
social parece esgaçar-se com uma rapidez cada vez maior,
em que o egoísmo, a violência e a mesquinhez de espírito
parecem estar a fazer apodrecer a bondade de nossas vidas
comunitárias. Aqui, a defesa da importância da inteligência
emocional depende da ligação entre sentimento, caráter e
instintos morais. Goleman, 2001, 3

320 As Sensações e as Emoções na Arquitectura


Capítulo II - Com a necessidade de sobrevivência do Homem…

Estes estudos acerca da complexidade do funcionamento da mente humana


são, de certa forma, um estímulo desencadeador de correntes que parecem
vir a contrariar uma certa estagnação, que está generalizada na sociedade.

Através dos séculos, o homem tem vindo a encontrar


alguns dos códigos ou chaves escondidas pela natureza.
Dizemos “tenho” um piano. Porém, não se trata de ter, de
uma posse. É o cérebro que “tem” todo o reportório de
sentimentos. O cérebro é o que decide, em cada
momento, que sentimento enviará ao sujeito e com que
intensidade. Esse é o significado do computador
emocional.” Jáuregui, 2001,10

Com isto não quisemos desviar da temática afecta à Arquitectura, mas sim
ampliar e apelar à utilidade que estes assuntos devem ter na aproximação de
nós mesmos enquanto Arquitecto às questões do homem, retirando
ensinamentos que possam contrinuir para o nosso exercício profissional e
contribuir para o debate ao nível do panorama geral da Arquitectura, a
começar nas instituições de ensino, nos primeiros passos na construção do
nosso intelecto à descoberta das suas verdadeiras aptidões, na reavaliação
dos actuais métodos de ensino até à nossa conduta e posicionamento no
mundo enquanto Arquitectos.

As Sensações e as Emoções na Arquitectura 321


Capítulo II - Com a necessidade de sobrevivência do Homem…

Deste modo, os recentes estudos acerca da inteligência emocional, com maior


incidência nos últimos dez anos, têm vindo a fornecer para a descoberta do
sujeito cognitivo elementos de extrema utilidade que poderão ser
fundamentais para a recondução da nova Era e as consequências que podem
vir a ter ao nível da influência nas vivências do homem do futuro e, assim, nos
Arquiectos da amanhã.

“A inteligência emocional tem quatro domínios –


autoconsciência, autodomínio, consciência social,
gestão das relações – e cada um deles proporciona
um conjunto de aptidões fundamentais à liderança
com ressonância.” Goleman, 2002, 49

Nestes termos, parece-me lógico que nós Arquitectos, independentemente do


lado racional inerente ao próprio projecto, por dependermos e estarmos
expostos a um certo estado de eminência emocional no processo criativo, que
nos é muito peculiar, de tal forma activo e sensível, saibamos estar atentos a
estas questões tão importantes e tão actuais, quer pela evolução da
Arquitectura, quer pela responsabilidade social que nos está associada.

322 As Sensações e as Emoções na Arquitectura


Capítulo II - Com a necessidade de sobrevivência do Homem…

2.3
A RELAÇÃO QUE O
SUJEITO E O DESENHO
ESTABELECEM NA
ARQUITECTURA

As Sensações e as Emoções na Arquitectura 323


Capítulo II - Com a necessidade de sobrevivência do Homem…

A RELAÇÃO QUE O SUJEITO


E O DESENHO ESTABELECE
NA ARQUITECTURA

324 As Sensações e as Emoções na Arquitectura


Capítulo II - Com a necessidade de sobrevivência do Homem…

2.3. A relação que o sujeito e o desenho estabelecem na Arquitectura


O desenho, enquanto modo artístico de expressão do sujeito, pode aproximar-
se da linguagem que pretende exprimir e comunicar ideias, intenções ou
sentimentos e, nesse sentido, a expressão de uma imagem desse
pensamento, estabelece uma determinada identidade de um indivíduo que
assim também comunica através da sua obra.

“A arte, de que o belo é o meio de expressão, cria um


universo estético diferente do mundo real. Procurámos
mostrar que perante esse universo eram possíveis duas
posições que não se excluem uma da outra: a do
contemplador e a do artista. No fim de contas, parece-nos
evidente que é o artista que está no centro de todo este
vasto problema humano, porque sem artista para o criar,
não haveria mundo artístico, e poranto não haveria
contemplador.” Bayer, 1995, 399

Veja-se a sua importância na Psicologia. Através do desenho de uma criança


é possível analisar o seu carácter, mais ou menos temperamental, a sua
personalidade e descobrir as suas carências. É possível, ainda, reconhecer
as fases pelas quais a criança está a passar, desde as suas dificuldades aos
seus pontos mais positivos. Trata-se, portanto, de um processo de
comunicação genial que permite falar sobre algo e de si próprio.

As Sensações e as Emoções na Arquitectura 325


Capítulo II - Com a necessidade de sobrevivência do Homem…

O processo de criação desenvolve-se em etapas construídas mentalmente,


passando por sucessivas metamorfoses até atingir a sua forma final,
dialogando consigo mesmo, utilizando o desenho para visualizar e avaliar a
evolução das formas. A mão vai “determinando” e o cérebro vai ampliando a
capacidade da mão numa interdependência recíproca e dialéctica. Assim,
como a linguagem escrita e falada, o desenho, enquanto linguagem de
expressão gráfica, também possui a sua gramática para poder ser bem
entendido. Esta gramática presente tanto como instrumento auxiliar na
concepção do projecto, como de tradução das soluções geradas pelo
Arquitecto, torna-se fundamental. É por isso que para entender e analisar o
pensamento de um Arquitecto associado a um determinado movimento ou
corrente de arquitectura, se torna necessário analisar a sua obra, observando
os seus desenhos e todo o processo conceptual. No entanto, parece-nos
evidente que não se pode resumir apenas o trabalho do Arquitecto ao
desenho. Existe um papel fundamental na conduta social, cultural, económica
e política em todo o processo, quer pela resposta a um determinado programa
que, normalmente, é estabelecido, quer pela responsabilidade provocada pelo
impacto que uma determinada obra poderá ter devendo, por isso, prestar o
melhor serviço, onde quer que seja solicitado, tanto nas existências como nas
obras a construir. O desenho é, simplesmente, o ponto de partida, a génese
de toda a obra. É, essencialmente, um acto de humanidade que pareceu
florescer desde as pinturas rupestres até aos nossos dias, comunicando e
contando histórias entre as várias épocas, revelando a evolução do
pensamento e do crescimento intelectual, ao longo dos tempos.

326 As Sensações e as Emoções na Arquitectura


Capítulo II - Com a necessidade de sobrevivência do Homem…

2.3.1. O desenho como forma simbólica do pensamento

2.3.1.1 A visão
Conta a história do homem que a visão foi o último dos sentidos a ser
desenvolvido, e com o avançar dos tempos, aquele que mais se especializou,
tornando-se o mais preponderante na assimilação de informação do mundo
exterior, através das fibras nervosas que chegam ao cérebro, onde a luz é o
estímulo sensibilizador.

“Quando se fala de visão não se fala apenas da capacidade


de olhar – essa espantosa capacidade que nos permite
registar as sensações e percepções visuais. Nós podemos
passar dias seguidos numa certa rua, sensíveis visualmente
ao seu aspecto global, sem tomar consciência de muitos
sinais e características particulares dessa parte do meio
urbano. De certa maneira podemos então dizer que o nosso
olhar funcionou ao nível das sensações, e mesmo das
percepções, mas que não tivemos uma consciência visual
profunda de lugar. Ver é mais do que isso, ver é ir ao
encontro das coisas; é a coordenação consciente dos
diferentes olhares, das diferentes sensações, das diferentes
percepções, das próprias memórias que informam os actos
e as escolhas. Ver é escolher e é julgar. Ver é compreender.”
Sousa, in Desenho IV, s.d.

309. Auto-Retrato, Leonardo da Vinci, 1512,


fonte: Frère, Jean-Claude in Leonardo da Vinci, 2001, 180

As Sensações e as Emoções na Arquitectura 327


Capítulo II - Com a necessidade de sobrevivência do Homem…

A visão é o elemento sensorial mais poderoso que nós possuímos. Na


ausência dos restantes, ele, por si só, dá-nos a informação necessária para
que possamos compor o espaço próximo e o mais longínquo.Nas actividades
quotidianas a observação fortalece a nossa habilidade de desenhar, sendo
que, desenhar revigora a nossa visão real e imaginária.

“Como um dedo invisível movemo-nos através do espaço que


nos circunda, transportemo-nos para lugares distantes onde as
coisas se encontram, tocamos, agarramos, esquadrinhamos
suas superfícies, traçamos seus contornos, exploramos suas
texturas. O acto de perceber formas é uma ocupação
eminentemente activa.” Arnheim, 2007, 36

310. Diagrama de Joan Costa, in La esquemática, Paidós, Barcelona, 1998

328 As Sensações e as Emoções na Arquitectura


Capítulo II - Com a necessidade de sobrevivência do Homem…

2.3.1.2 O olho, o cérebro e a mão

O diagrama simbólico (em latim) de Robert Fludd (1574-1637) procura fazer


uma representação do homem e da percepção sensorial do mundo exterior
com os mecanismos da memória e da imaginação.
É na visão e no campo lógico e sensorial que a imaginação molda o desejo de
realizar, tomando a mão como ferramenta, produtiva. Porém, é certo que o
homem se recorre destes mecanismos em diferentes situações e contextos.

“A actividade do desenho não se dissocia do que vemos


ou pensamos acerca do assunto representado. Não
podemos desenhar um objecto ou uma cena, a menos que
os vejamos como modelo, ou que seja suficientemente
familiar para que se possa recriá-los de memória ou pela
imaginação. A proficiência no desenho deve ser
acompanhada pelo conhecimento e pela compreensão do
que ambicionamos representar graficamente.” Ching, 1998, 3

No desenho de um registo gráfico real, como por exemplo uma paisagem, é


no olho que todo o processo tem origem. Assim sendo, os dados visuais
recebidos pelos olhos são processados, manipulados e filtrados pela mente,
a qual numa dinâmica procura pôr estrutura e significado. Criada a imagem na
mente, é esta que tentamos representar no desenho.

311. O cérebro segundo fludd, Fonte: fr.wikipedia.org/wiki/, 2010

As Sensações e as Emoções na Arquitectura 329


Capítulo II - Com a necessidade de sobrevivência do Homem…

Na utilização do desenho como forma experimental e descodificador da mente


criativa, o processo entre os três elementos, olho, cérebro e mão, ganha uma
outra complexidade. Agora a mão passa a ser uma extensão do cérebro e os
desenhos.

“…são divagações do pensamento que se encontra


no cérebro para as folhas de papel, uma espécie de
pensar fora da cabeça.” Rodrigues, 2000, 193

O olho é o receptor da realidade, doando ao cérebro imagens que este


classifica e cria como modelo interno da realidade, associando-a a
determinada forma e ou contexto.
A imaginação recorre-se dessas imagens guardadas no cérebro,
recombinando experiências passadas a afim, de criar novas imagens,
remetendo para a criação da visualização de possibilidades direccionadas
para o futuro e analisar, especulando, as consequências da nossa opção.
É o desenho que torna visíveis as ideias do que ainda só existe na nossa
mente.

312. Padrão de movimento dos olhos de uma pessoa ao observar a figura,


extraída da pesquisa de Alfred L. Yarbus,
fonte:lseverino.net, 2011

330 As Sensações e as Emoções na Arquitectura


Capítulo II - Com a necessidade de sobrevivência do Homem…

2.3.1.3 Da percepção ao desenho


A capacidade de imitar com a mão aquilo que imaginamos com a mente é
possível porque os mecanismos perceptivos a informam. O acto do desenho,
pela multiplicidade dos seus significados, revela-se num momento informado
por diversos estados de conhecimento, assim como por complexas qualidades
sensíveis. A interacção destes dois núcleos, dificilmente separáveis,
complexifica o acto criativo.

“Quem desenha sempre se desenha: se torna fulcro do


campo representado, o seu centro, que represente a
realidade exterior, quer o desenvolvimento das próprias
ideias.” Carneiro, 1994, 3

Por outro lado, aquilo que está contido nos vários sentidos, nos grafismos
desse objecto, começa a ser percebido sem que jamais a identidade do
próprio observador seja passiva nesse reconhecimento.
Cada observador transporta consigo a possibilidade de ler esse desenho de
uma maneira única. A sua matriz pessoal permitir-lhe-á sentir e perceber o
objecto de um modo particular e único, como vivência e matriz própria da
percepção. Não se pode pensar que a visão que temos do mundo seja
determinada, exclusivamente pela simples absorção das impressões que o
mundo nos oferece, como se a percepção fosse uma cópia exacta e passiva
daquilo que captamos.

As Sensações e as Emoções na Arquitectura 331


Capítulo II - Com a necessidade de sobrevivência do Homem…

Conclui-se que o homem não é um receptor passivo do mundo, mas um ser


que intervém activamente no fenómeno da percepção. A percepção do mundo
é, neste sentido, uma construção do mundo.
O desenho é a possibilidade de entender e especular o real, de construir o
conhecimento participando na compreensão do mundo.
A mão, ao desenhar uma linha livre, imprime-lhe uma intensidade que tem a
ver com a força com que a linha foi traçada, a tremura ou a segurança da linha
vai ficar registada na forma da própria linha.
Dependendo do objecto riscante e do suporte, essa linha vai ficar ainda mais
subjectiva. Qualquer registo, por mais incipiente que seja, transporta em si a
possibilidade de despertar no observador um sentir particular, referido ao
percepcionar desse mesmo registo.
Por outro lado, o observador, como entidade não passiva ou neutra, vai
também perceber essa linha, conforme a sua própria sensibilidade e
subjectividade. Pode-se concluir que até o elemento mais simples e iniciático
(uma linha) contém quer informação inconsciente sobre quem a desenhou,
quer o sentido que quem a desenhou lhe quis dar.
Contém, ainda, a capacidade de estabelecer uma interacção determinada
ente o seu sentido e o sentido de quem a observa.
Um desenho resulta das combinações dos diversos elementos gráficos e da
respectiva informação que eles veiculam, tanto pelas características próprias
como pela mobilização de quem desenha, ou ainda pelo envolvimento de
quem o percepciona.

332 As Sensações e as Emoções na Arquitectura


Capítulo II - Com a necessidade de sobrevivência do Homem…

Constitui-se, deste modo, como um elemento unitário que, embora composto


por diferentes partes, faz com que estas participem num todo e interfiram no
conteúdo da mensagem.
Por vezes o momento do desenho é influenciado por aspectos externos ao
acto e ao sujeito - uma atitude, uma teoria, um modo de estar, uma corrente
filosófica qualquer ou até um desenvolvimento específico de uma escola -
aspectos que se tornam indissociáveis e que transparecem quer na sua
elaboração quer no seu olhar.
O desenho, pela complexidade de significados que suporta, permite-nos
compreender o desenvolvimento cultural e intelectual do homem.
As diferenças entre um simples risco dos nossos antepassados e um risco
actual justificam-se pela desigualdade da construção conceptual
correspondente.É esta construção que o desenho suporta, que o legitima e
que pode eventualmente distinguir duas atitudes semelhantes.

2.3.1.4 A sensibilidade do desenho


A consciência de que o desenho é uma espécie de fio condutor que liga o
plano ideal, seja ele espiritual ou intelectual, ao plano do concreto seja o já
realizado ou por realizar, desenvolvendo-se no meio experimental que vai
desde o uso como ferramenta até às experiências mais sensíveis, passando
pela pura emoção estática, permitindo legitimar uma imagem que ultrapassa
o pensamento, tornando-se processo de um projecto nascente.
Entender o desenho, enquanto fenómeno, implica perceber a sua dimensão,
identificar as entidades que nele participam e a importância da sua correlação.

As Sensações e as Emoções na Arquitectura 333


Capítulo II - Com a necessidade de sobrevivência do Homem…

Percebe-se que abordagem ao desenho não se pode restringir aos aspectos


unicamente conceptuais e torna-se evidente a existência de qualidades
sensíveis inerentes ao objecto plástico e que participam na totalidade do
objecto desenhado.
Estes tipos de conhecimentos subjectivos revelam por vezes, muito da
essência do desenho. São qualidades não esquematizáveis que conferem ao
objecto plástico alguma indefinição, mas que resultam numa mais-valia
estética, beneficiando a sua unicidade enquanto objecto e,
consequentemente, a sua especificidade enquanto interrogação.
As qualidades sensíveis enquanto “linguagem” da sensibilidade são
entendidas através dos estados de consciência e do conhecimento subjectivo:
percepções, emoções, pensamentos, memórias, intenções e sonhos.
Adquire importância, portanto, a distinção entre as características inteligíveis
e as sensíveis. O inteligente existe na medida em que as coisas são
verdadeiras, objecto do pensamento, da inteligência e da razão.
O sensível afirma-se como objecto dos sentidos e, portanto, matéria de
opinião. Só as ideias, porque existem no mundo inteligível, são reais e gozam
de existência autónoma.
As coisas, à semelhança de sombras projectadas no fundo da caverna, só
existem enquanto participam das ideias.
As sombras projectadas devem o seu ser aos objectos que são transportados
no exterior da caverna e de igual modo, as coisas do mundo sensível tem a
sua essência ou fundamento nos arquétipos inteligíveis.

334 As Sensações e as Emoções na Arquitectura


Capítulo II - Com a necessidade de sobrevivência do Homem…

2.3.2. O desenho como ordem do pensamento arquitectónico

“Uma vez que uma impressão é registada pelo lápis, fica


para sempre metida, registada, inscrita. A câmara é uma
ferramenta para indolentes, que usam uma máquina
para ver por eles. Ser o próprio a desenhar, traçar linha,
trabalhar os volumes, organizar a superfície… tudo isto
implica olhar, depois observar e, finalmente talvez,
descobrir, e é então que a inspiração aparece.”Le
Corbusier,1973, 20

Desde o primeiro momento em que o arquitecto toma conhecimento do seu


próximo trabalho, também o seu cérebro, em conjunto com o seu imaginário,
entra em produção criativa, num jogo sequencial de especulações sobre o futuro
projecto.
Com a absorção dos contidos do lugar e do programa inerente, o desenho torna-
se na expressão do pensamento do Arquitecto. Desenhado para si, o autor
pensa ao mesmo tempo que esquissa.
É um método de diálogo entre si e ao fazê-lo apresenta ao pensamento o
desenrolar da ideia, o que nos faz concluir que o Arquitecto deste processo não
está a representar, mas sim a representar-se, mostrando a si próprio aquilo que
é o seu pensamento.

313. casa de vidro numa encosta, esboço, 1934,


fonte: Zimmerman, Claire, in mies van der rohe, 2006, 4

As Sensações e as Emoções na Arquitectura 335


Capítulo II - Com a necessidade de sobrevivência do Homem…

Os frutos deste diálogo individual são desenhos onde a representação da ideia


está inserida. De certo modo é bem mais que isso, a ideia é o desenho e
existem variadíssimas maneiras de esta ser exibida, exteriorizada.
O procedimento de organização do pensamento perante a ideia, por vezes,
leva à realização de desenhos que não são de certa forma descritivos. O seu
carácter esquemático torna-os numa espécie de redacção de pensamentos
ou de organograma.
Acontece no desenvolvimento de um estudo, a folha que utilizamos chegar ao
final completamente “riscada”, com histórias de discussão entre a criatividade
e a lógica, onde a sobreposição de uma representação lógica dá lugar ao
entendimento e ao avanço ou abandono da ideia.

314. Esquisso de Oscar Niemeyer, Casa das canôas,


fonte: archdaily.com.br, 2012

336 As Sensações e as Emoções na Arquitectura


Capítulo II - Com a necessidade de sobrevivência do Homem…

2.3.3. Relação entre desenhar e pensar Arquitectura


O desenho permite a sua existência em mudança, condição de mutabilidade,
algo que existe apenas no plano da mente e que, por sucessivas
aproximações, se identifica na profundidade do papel.
O desenho, em Arquitectura, revela essa estruturação essencial sobre a qual
se sobrepõe pistas, decisões sobre decisões, numa sequência de formações
e informações gradualmente aprofundadas e esclarecidas.
Desenvolvem-se, deste modo, estudos sequentes até uma síntese formal que
configure as ideias e as experimentações processadas nos movimentos do
desenho.
O esquisso, enquanto representação/construção conjectural, reflecte essa
natureza construtiva e os propósitos que motivam o desenho reconstroem-se,
readaptam-se durante o desenho – espaço e tempo da reflexão. Deste modo,
o desenho acompanha a velocidade infinita do próprio pensar e os
movimentos corporais surpreendem e despertam a actividade cerebral.

“O pensamento não depende de um cérebro feito de


conexões e de integrações orgânicas: segundo a
fenomenologia ele dependeria de relações do homem
com o mundo – com as quais ele concorda
necessariamente porque se antecipa a elas.” Deleuze, 1992,

183

As Sensações e as Emoções na Arquitectura 337


Capítulo II - Com a necessidade de sobrevivência do Homem…

“A emoção é muito importante na


Arquitectura. Você tem que sentir o que está
a fazer e não ser tão racional que acabou por
Os movimentos corporais complementam-se nos movimentos cerebrais e resolver todos os problemas. Sem a emoção
algo está faltando” Siza Vieira, Entrevista, Dezembro
juntos fortificam o pensar, “o desenho faz-se à velocidade da mente e o único de 2014, fonte:dezeen.com

travão é o próprio corpo” Pelayo, 2002, 30


Verifica-se, com frequência, que o tempo do desenho não serve a velocidade
do pensamento (o desenho ainda não está concluído e o pensamento já
procura outra direcção). É necessário optimizar os tempos e as necessidades
de parte-a-parte, indispensáveis à operatividade do desenho ou então que o
pensamento não adquiriu a maturidade que o desenho confere.
Neste sentido, é essencial perceber as contribuições necessárias ao equilíbrio
e complementaridade do pensar arquitectura.
O desenho do projecto suporta um raciocínio que é o da Arquitectura. A
complexidade lógica do desenho assim o determina demonstrando todo o
raciocínio elaborado pelo desenhador. Sobre que propósitos assenta este
pensar? A que motivações corresponde?
O exercício de um desenho projectual ultrapassa amplamente a vontade
comunicativa e informativa para se demonstrar enquanto formação e
possibilidade do auto-reconhecimento. Assiste-se à valorização e otpimização
do pensar na construção de percursos intelectuais dentro da matéria
esboçada. Verifica-se a construção de uma consciência teórica e crítica sobre
a realidade, especialmente a Arquitectura.

315. Esquisso de Siza Vieira, Igreja de Marco de Canaveses, 1990-


1997, interior, fonte:Edições 70, 2009
338 As Sensações e as Emoções na Arquitectura
Capítulo II - Com a necessidade de sobrevivência do Homem…

Pelo desenho, o Arquitecto torna existente (entenda-se existência objectual,


pois o divagar da mente existe independentemente do desenho, contudo o
desenho corporiza esse estado essencial) o divagar da imaginação na
concretização dos projectos e das utopias concebidas. É um poeta, um
visionário, e o papel é o suporte da sua imaginação.
O desenho permite ao Arquitecto a liberdade de inventar uma linguagem
gráfica capaz de exprimir o seu sentir. Uma linguagem próxima do pensar, que
evidencie palavras, emoções e estados de espírito. Uma liberdade construtora
da ‘autonomia’ e da capacidade em eleger os próprios fins, visualizá-los,
justificar a sua decisão e ter energia para os concretizar.
316. Alçado da fachada do Partenon, estado actual, por Alexis Paccard
em 1846, ENSBA Paris, 1983, 164 Embora o pensar arquitectónico se estabeleça privilegiadamente nos
desenhos informais, a sua comunicação deverá submeter-se a uma
representação rigorosa.
Em Arquitectura a representação do espaço recorre a códigos rigorosos
(plantas, cortes e alçados) amplamente aceites, contudo estas
representações normativas demonstram-se, por vezes, insuficientes ou até
ultrapassadas perante a representação arquitectónica.
Destacamos o trabalho realizado por Alexis Paccard (1813-1867), Arquitecto
317. Planta do Partenon, estado actual, por Alexis Paccard em 1846, da Escola Nacional das Belas Artes de Parid com o estudo do Partenon na
ENSBA Paris, 1983, 164
Acrópole de Atenas que lhe valeu uma medalha na Exposição Universal de
1855
Para a Arquitectura, enquanto construção com sentido, e, consequentemente,
com controlo formal deliberado, sempre interessou o desenho como objecto

318. Corte do Partenon, estado actual, por Alexis Paccard em 1846,


intermédio entre ideias e a sua concretização.
ENSBA Paris, 1983, 164

As Sensações e as Emoções na Arquitectura 339


Capítulo II - Com a necessidade de sobrevivência do Homem…

A relação entre o plano ideal e o desenho, é desde logo, expressa em Vitrúvio


(Ichnographia, Ortographia e Scaenographia, respectivamente planta, alçado
e representação perspectiva).
As plantas são, ainda hoje, elementos fundamentais para o desenho
arquitectónico. Expressam uma representação abstracta completamente fora
de todas as experiências visuais do edifício, contudo são elementos
importantes na determinação do valor artístico da obra arquitectónica.
A planta possibilita a existência de diversos níveis de informação relacionados
num plano horizontal abstracto. A horizontalidade da sua extensão é o
319. Planta do 1º piso, Casa Tugendhat, Brno, Mies Van der Rohe,
resultado dos percursos e movimentações do homem e estabelece a relação Blau, 2000, 69

entre espaços contíguos e a relação interior/exterior é esclarecida nas suas


variantes
O corte (todos os desenhos são cortes; a representação que neles se encontra
implica uma postura incisiva e atenta e só deste modo uma planta, um alçado
ou um esquisso representam cortes – físicos e, essencialmente conceptuais),
elemento de inter-relação, de expansão e continuidade vertical permite
relacionar partes que no plano ideal são complementares e que na construção
existem separados. É um elemento fundamental que verifica e confirma a
disposição em planta.
O corte permite estabelecer a unidade e que o seu carácter incisivo não
separa, não isola, mas possibilita a terceira dimensão, permitindo conhecer o
todo das partes.

320. Cortes, Casa da cascata, fonte. Frank Lloyd Wright, I


Capolavori, Rizzoli, 1993, 152

340 As Sensações e as Emoções na Arquitectura


Capítulo II - Com a necessidade de sobrevivência do Homem…

O alçado é o elemento de comunicação com o exterior, através dele se


estabelecem a relação interior/exterior. Permite transportar para o exterior a
coerência interna do projecto na confirmação das opções projectuais.
Neste aspecto muito poderá mostrar sobre as intenções e propósitos do autor.
É talvez a parte mais pública de um projecto, a imagem de um edifício passa
com frequência pela representação do alçado.
O método da sobreposição de informação, possibilitada pelo papel vegetal,
encontra-se igualmente reformulado.
Os Sistemas CAD oferecem, neste campo, um vasto conjunto de
possibilidades: desenhos em referência, símbolos repetitivos, camadas
temáticas, assim como o cruzamento de informação (texto, imagens,
perspectivas…).
Neste aspecto, existe uma expressiva vantagem dos novos processos
potencializada pela capacidade de concentração e reutilização da informação,
relativamente aos métodos de trabalho convencionais.
Mas mais importante que a vantagem metodológica, verificada na rapidez e
na diminuição da carga de trabalho é, sobretudo, a maior consistência na
informação do projecto e da sua representação.
Esta vantagem, caso não afecte a qualidade intrínseca do projecto, melhora a
sua qualidade comunicativa, a apresentação e a comunicação do projecto
adquire uma nova eficácia.
As imagens de síntese, possibilitadas pelos sistemas de renderização, no
controle da luz e na inserção da envolvente, potenciam essa eficiência.
321. “Curia”, proposta para um concurso, Alvar Aalto, 1953,
fonte: Aalto, Taschen, 2006

As Sensações e as Emoções na Arquitectura 341


Capítulo II - Com a necessidade de sobrevivência do Homem…

Estas ferramentas são essencialmente sistemas que visam uma eficácia da


produtividade e potenciam novas condições de conceptualização e evolução
do projecto, propondo novas metodológicas de abordagem à problemática
projectual. A sua natureza computacional emula uma nova concepção de
imagem, aquela que sendo virtual é agora digital.
Surgem, assim, as imagens digitais, imagens geradas e tratadas
informaticamente que aparentam substituir o desenho e originar a emergência
de um contacto virtual com as suas representações digitais (a experimentação
analógica e física efectuada no desenho vai dando lugar a um contacto virtual
com as suas representações digitais).

322. Estudo em realidade virtual 3D de uma moradia, fonte própria, 2014

342 As Sensações e as Emoções na Arquitectura


Capítulo II - Com a necessidade de sobrevivência do Homem…

São estes os elementos pelos quais transmitimos as nossas ideias e é com


eles que comunicamos e desenvolvemos o projecto (conceptual).
Correspondem, essencialmente, a momentos de síntese de um projecto
desenhado, permitem representar as soluções arquitectónicas.
Contudo, estes procedimentos tipificados, normativos e previsíveis, em certas
verdades, são sobrevalorizados e os detalhes ignorados e esquecidos e, é por
isso, um método tendencialmente empobrecedor.

“As imagens por computador tendem a aplanar as nossas


magníficas, multisensoriais, simultâneas e sincrónicas
capacidades de imaginação ao converter o processo do
projecto numa manipulação visual passiva, uma viagem da
retina. O computador cria uma distância entre o autor e o
projecto, apesar do desenho à mão, assim como a confecção
de maquetas, colocam ao projectista um contacto háptico
com o objecto ou o espaço. Na nossa imaginação, o objecto
sujeita-se com a mão e mantem-se simultaneamente dentro
da cabeça, e os nossos corpos modelam a imagem figurada
e projectada fisicamente. Estamos dentro e fora do objecto
ao mesmo tempo. A obra criativa exige identificação, empatia
e compaixão corporal e mental” Pallasmaa, 2010, 12

As Sensações e as Emoções na Arquitectura 343


Capítulo II - Com a necessidade de sobrevivência do Homem…

“Apesar das novas tecnologias terem fortalecido a


hegemonia da vista, também podem ajudar a reequilibrar
os âmbitos dos sentidos.” Pallasmaa, 2010, 35

As dimensões proclamadas pela arquitectura ultrapassam as múltiplas


representações abstractas. Nenhuma representação é suficiente para definir
o espaço, a obra. Precisamos da experimentação e da vivência para nos
sentirmos parte e medida do conjunto arquitectónico. Tudo o resto é
didacticamente útil, praticamente necessário, intelectualmente fértil; mera
alusão aos momentos em que nós, seres físicos, espirituais e humanos,
vivemos os espaços com uma adesão integral e orgânica.

“Através dos mais recentes programas de computador,


arquitetos como Zaha Hadid, Caroline Bos e Bem van
Berkel, ou Rem Koolhaas entre muitos outros, referenciam
estes códigos apostando em novos tipos de
experimentalismos e atuando a partir de sistemas dinâmicos
(...) hoje, o universo ampliou-se em capacidade de penetrar
a mente, criar métodos de descobrir métodos – como dizia
Charles Sanders Peirce -, utilizar sofisticados sistemas
operativos, desenvolver novos conceitos e visualidades.”
Duarte, 2011, 15

344 As Sensações e as Emoções na Arquitectura


Capítulo II - Com a necessidade de sobrevivência do Homem…

2.3.4. O desenho no ensino actual de Arquitectura

Face ao um certo desajustamento na transição do ensino secundário para o


superior, verificaram-se várias dificuldades na assunção instrumental e na
formação da consciência operativa, tanto ao nível da disciplina de desenho
como na do projecto.
Surge, por isso, um conflito resultante da sobreposição disciplinar, entre o
desenho e o projecto e a dificuldade em perceber o conteúdo pedagógico da
disciplina de desenho numa articulação estruturante com os
desenvolvimentos do projecto.
A existência de um corpo de conceitos de desenho confirma essa
experiência interdisciplinar do projecto numa articulação horizontal com a
disciplina de desenho.
O desenho permite desenvolver um método de pesquisa e adquirir as
ferramentas que servem as necessidades instrumentais da disciplina de
projecto.
O desenho, enquanto espaço-tempo de estudo e aperfeiçoamento dos
instrumentos manuais e mentais, permite em diálogo com os propósitos do
projecto, desenvolver um método pessoal.
O desenvolvimento do método de trabalho revela ser determinante na
investigação de conceitos e um eficaz modelo epistemológico.

323. Drawing hands, Escher Heirs,


1948, onte: arborsci.com, 2012

As Sensações e as Emoções na Arquitectura 345


Capítulo II - Com a necessidade de sobrevivência do Homem…

A didáctica do desenho (centrada no aluno) deverá verificar o lado universal,


no que respeita aos códigos, aos sistemas e aos modelos de representação e
à diversidade dos seus usos instrumentais, contudo este processo deve
confirmar a consciência de uma inventiva pessoal e o (re) conhecimento de
quem desenha como sujeito próprio das suas potencialidades e fracassos.
O desenho deve ser capaz de provocar e verificar transformações da
sensibilidade e da inteligência, capaz de se tornar meio de concepção e de
comunicação dos momentos transformadores do projecto e, como tal, base do
desenvolvimento das próprias ideias.
O valor e os significados do desenho, como elemento estruturante das acções
do projecto, adquirem, na escola, um papel preponderante. O projecto “surge”
na mente e manifesta-se no papel, através de um estimulante diálogo do
pensamento com as suas imagens.
A arquitectura não é indiferente ao convívio interdisciplinar e o desenho é o
elemento natural na sua multiplicidade operativa (análise, concepção e
comunicação). A matéria informe é sucessivamente desbastada, carvão ou
tinta, os conceitos e as ideias adquirem significado visível.
O desenho adquiriu, assim, uma importância estruturante no desenvolvimento
do ensino da Arquitectura.
De modo a evitar possíveis equívocos, foi necessário tornar claros e rigorosos
os métodos e os processos que sustentam a teoria, as ideias que condicionam
as práticas e as ideologias que conduzem os comportamentos.

346 As Sensações e as Emoções na Arquitectura


Capítulo II - Com a necessidade de sobrevivência do Homem…

Está na ordem do dia a consolidação de uma teoria específica, autenticadora


de conhecimento na Arquitectura. Entender a escola, nos seus aspectos
essenciais e estruturantes, significa, antes de mais, desenvolver um esforço
em perceber os códigos, os procedimentos e os métodos que sustentam a
actividade cognitiva no desenvolvimento projectual.

Como é que os alunos principiantes em arquitectura são alertados para a


problemática projectual? Como se estimula o pensamento de um jovem
aprendiz de arquitectura? Qual a definição de arquitectura que um estudante
da universidade transporta?
Estas são algumas questões que uma resposta linear e objectiva não
consegue circunscrever porque se referem a processos complexos,
dependentes das suas relações mais convenientes.
Julgamos, pois, que é benéfica a possibilidade de várias abordagens de
resposta, sinal que também não existe numa completa sobreposição de
opiniões, quer por parte do corpo docente, quer por parte dos alunos, que
encontram durante o seu percurso académico um método pessoal de resposta
às solicitações.
Aos alunos que iniciam o curso é-lhes exigido que adquiram a capacidade e o
entendimento operativo sobre a realidade exterior.

“o aluno pratica e aprende o desenho nos múltiplos


sentidos das representações e numa assunção
instrumental.” Carneiro, 1994, 5

As Sensações e as Emoções na Arquitectura 347


Capítulo II - Com a necessidade de sobrevivência do Homem…

Este processo é pessoal e visa não só o domínio prático dos instrumentos da


representação, mas também o desenvolvimento da consciência operativa do
desenho, enquanto ferramenta criadora de formas e ideias suscitadora de
transformações.
Pelo empenho que é exigido ao aluno e pelo sentido de necessidade em atingir
essa consciência operativa, o desenho adquire uma importância vital quer no
envolvimento que o aluno tem com o curso, quer na construção do próprio
projecto.
É pelo desenho que o aluno representa a realidade exterior, verifica o plano
do papel, a sua ordem, equilíbrio e harmonia e entende essa realidade como
um microcosmo, através da percepção de um universo de relações.
É no desenho, espaço de confluência, que se confrontam a actividade
cognitiva e a inteligência sensível, duas maneiras de pensar diferentes que se
completam e partilham a autoria do projecto.
O desenho assume esse papel limiar, entre o plano ideal e o plano concreto,
variadíssimas vezes como um estimulante e um perspicaz meio para provocar
a imaginação.

“O desenho é o momento da especulação que permite


ao arquitecto ir escolhendo as melhores partes até
conseguir um objecto tão perfeito quanto os naturais.
Mais do que isso a invenção é um processo que se
auto-alimenta pelo desenho.” Côrte-real, 2001, 54

348 As Sensações e as Emoções na Arquitectura


Capítulo II - Com a necessidade de sobrevivência do Homem…

É ao desenhar que o arquitecto pode ver o que está a pensar e é pelo desenho
que se equacionam as soluções e é, também, pelo desenho que podemos
tomar consciência das preocupações, dos problemas e das hesitações que
fizeram parte de desenvolvimento do projecto.
Esses aspectos podem-nos elucidar sobre as ideias e os conceitos que
fundamentaram as decisões e os esforços. Sem dúvida, “o desenho” é um
elemento determinante na comunicação da ideia de Arquitectura, sendo o
testemunho das intenções e anseios, e a expressão consciente ou
inconsciente de quem desenha face à realidade objectiva.

“Para «ver» um arquitecto a pensar, é necessário


olhar para os seus desenhos, ou até vê-lo a desenhar.
As características específicas do seu pensamento são
mal traduzíveis em palavras, uma vez que se
desenvolve quer de um modo mais abstracto do que
a palavra – são sobretudo problemas que se
transformam em espaços, vazios, luz, superfícies,
formas, quiçá cores.”Rodrigues, 2000, contracapa

É este carácter formativo e investigatório que faz do desenho um instrumento


privilegiado do arquitecto.
Contudo, este processo de trabalho e de pesquisa, constitui o primeiro passo
para uma definição de desenho, que ultrapassa a mera instrumentalidade.

As Sensações e as Emoções na Arquitectura 349


Capítulo II - Com a necessidade de sobrevivência do Homem…

Esta forma de assimilar os elementos percepcionados, através de um


processo que é mental, mas também manual, permite edificar um arquivo
dinâmico que funciona como propulsor do pensamento.
Este saber complementado com uma metodologia pessoal e uma consciência
operativa sobre a realidade, permite dotar o arquitecto de um sentido
visionário de aproximação ao «ideal» enquanto construção de uma
experiência conceptual.
Para que este desenvolvimento se verifique, deverá existir consciente ou
inconscientemente uma definição de arquitectura, pessoal e sempre em
constante construção.
A operatividade vital desta prática manifesta-se na construção contínua do
sujeito desenhador: o desenho educa o olhar, provoca a sensibilidade,
potencia a imaginação criadora e estabelece a possibilidade de comunicação
e entendimento. Neste sentido “o desenhador desenha-se a si mesmo”.
Desenha-se porque se define, no sentido do próprio auto-reconhecimento, e
desenha-se porque representa de si mesmo vestígios da sua entidade, com
uma identidade.
Aprender a desenhar é aprender a ver e a (re)descobrir a realidade por detrás
do real. É investigar através do desenho as formas e o espaço onde existimos
de uma maneira, ao mesmo tempo sensível e inteligível.
A nossa relação inteligente com o mundo existe em proporção com a nossa
relação afectiva e sensível (a capacidade holística do cérebro assim o justifica,
pois qualquer pensamento usa, explícita ou implicitamente, todas as funções
cerebrais; a nossa afectividade mobiliza a inteligência).

350 As Sensações e as Emoções na Arquitectura


Capítulo II - Com a necessidade de sobrevivência do Homem…

O desenho é lugar do conhecimento e da precisão, mas também da


afectividade e do sentimento (na actividade artística o pensamento é
essencialmente de raiz indutiva, intuitiva e sensível e a inteligência funciona
tendo como referência fundamental as áreas afectivas e sensitivas, muito mais
do que lógica).
Deste modo, conclui-se que a actividade artística é o resultado do conjunto
físico e mental de todo o nosso ser.
No processo criativo, a experiência visual do modelo é substituída pela
imaginação inventiva e encontramos no desenho o suporte operativo para
uma utopia efectiva.
Neste sentido, o desenho é um veículo estimulante e eficaz capaz de
materializar as concepções da criatividade humana: a superfície, textura do
papel, acolhe a descoberta de novas formas e de novos mundos onde é
possível conceber e dar imagem a tudo.
O desenho possibilita a afirmação conceptual: os seus movimentos
conquistam autonomia; vive e alimenta-se de novas vontades; e a sua razão
é o devir.
O termo “devir” traduz esse lugar conceptual do desenho, o seu sentido é o
de tornar possível outra existência para a qual ele é caminho essencial.
Devir explica ainda como este tipo de desenho é processo, sendo que a sua
existência está, à partida, comprometida, mas pode tornar-se o caminho de
uma nova realidade.

As Sensações e as Emoções na Arquitectura 351


Capítulo II - Com a necessidade de sobrevivência do Homem…

O desenho é o “escultor ideal” cujos movimentos expressam a acção latente


de conceber, de projectar e de dar forma à utopia.
Pelo desenho se idealiza e se verifica a construção conceptual. Os seus
movimentos comunicam uma imagem mental em (trans) formação.
É de invenção que se trata, o sujeito desenhador mobiliza-se, corpo e mente,
envolvem-se num processo de investigação e de depuração na procura da
forma: a metamorfose.
Corpo e mente “disciplinam-se” na realização de uma tarefa complexa:
exercitar o discorrer inventivo; um pensamento claro, ordenado e interior ao
caos necessário, intuitivo à criatividade.
São gestos em que a mente e a mão se conjugam no sentido de concretizar
aquilo que a imaginação descobre e a mão procura.
No gesto, os movimentos corporais encontram “uma” sintonia com o processo
mental.
A mão “solta-se” e encontra o movimento, o ritmo, a precisão e a tenacidade
própria do corpo a que pertence.
Embora sob a alçada da mente, os seus gestos ultrapassam-na amplamente
para concretizar a expressão do ser.
Sujeita a um processo de aprendizagem, a mão apreende, contudo a dança
do gesto é sua e é seu o corpo que se agita.
Pelos seus sucessivos movimentos a mão pensa o desenho.

324. Esboçeto criativo, fonte própria, 2013

352 As Sensações e as Emoções na Arquitectura


Capítulo II - Com a necessidade de sobrevivência do Homem…

“A mão pensa…começa a pensar primeiro lenta, e depois


com mais força e velocidade…um pensamento
ininterrupto e firme – como para morrer, ou investir-se
então de um estilo jamais manifesto…porque essa mão
nunca falou” Helder, 1987, 52

Entender o desenho como uma ‘coisa mental’ (a relação entre o que é visto
e o que é desenhado permite a Leonardo da Vinci (1452-1519) afirmar que o
desenho “é uma coisa mental”), parece por si só insuficiente, os movimentos
corporais parecem proclamar o desenho como uma “coisa manual”.
A gestualidade, assim, o justifica, não só como ‘travão’ à velocidade do
pensar, mas sobretudo pela capacidade do gesto surpreender o espírito.
Se o desenho é uma faculdade da mente, esta em si mesma é, apenas,
loucura e esquizofrenia. Pelos movimentos corporais, o desenho adquire
positivismo e constitui-se um meio privilegiado do pensamento.

“A única teoria possível do desenho é a teoria da sua


prática, o movimento empírico e intuitivo da sua
permanente actualização, como processo de
racionalização e de expressão, como processo singular de
um pragmatismo e de um pluralismo da razão…O desenho
será sempre o desenho, o que se nomear como tal: o seu
devir é a função de seu próprio movimento” Vitor, 1991, 1

As Sensações e as Emoções na Arquitectura 353


Capítulo II - Com a necessidade de sobrevivência do Homem…

A acção gráfica é fundamental ao desenvolvimento do pensamento, o gesto


do desenho será sempre um gesto particular e essencial à compreensão das
ideias e das imagens do mundo. O momento do desenho favorece o
desenhador numa procura que é sua.

“Que a mão não seja apenas a luva perdida de uma


mão desconhecida, a vã aparência de uma mão, o
seu simulacro.” Wassily, 2002, 115

Desenhar “à mão levantada” favorece o aparecimento de percursos pessoais


dentro do desenho, além de efectivar um entendimento mais sensível e directo
com a invenção. Não nos restam dúvidas que a introdução dos sistemas
mecânicos de modelagem do espaço arquitectónico tem introduzido
alterações significativas na relação que o arquitecto tem com o desenho e,
consequentemente, com a arquitectura.
Apesar da clareza e do rigor das linhas coloridas no ecrã do computador, não
podemos negar a potência de uma linha incisa no papel com raiva ou doçura,
assim como não podemos negar a evidência dos modelos tridimensionais
(maquetas), objectos de (re)desenho e confirmação das mutações do projecto.
A construção conceptual, príncipio fundamental do projecto, deverá ser
apoiada por um processo/método que estimule a criatividade e a aquisição
significativa face às operações generativas.
Qualquer que seja o caminho futuro do projecto implica necessariamente o
gesto, a acção gráfica, momento íntimo de um contacto privilegiado.

354 As Sensações e as Emoções na Arquitectura


Capítulo II - Com a necessidade de sobrevivência do Homem…

Resta ao desenho, enquanto instrumento do projecto das arquitecturas, no


desenvolvimento dos seus métodos, ser um meio de investigação, de
sucessão de actos, de conhecimentos e de consciência operativa, capaz de
suscitar transformações e capaz de construir uma consciência crítica atenta
às operações generativas do projecto.

Se, noutros tempos, a Arquitectura cresceu naturalmente com o curso normal


da evolução histórica, relativamente ao aparecimento dos materiais, de novas
metodologias de trabalho, técnicas construtivas e aplicação dos mais variados
materiais, com o aparecimento do modernismo abriram-se outras portas a
uma Arquitectura, se calhar mais “conceptual”, onde as ideias e os conceitos
são os aspectos, muitas vezes, mais importantes que as próprias obras, isto
numa perspectiva metafórica, é claro, que acabou por ser utilizada com maior
ou menor relevo entre as várias correntes da arquitectura moderna (Chegando
mesmo a existir um movimento conceptualista na década de 60).

“Conceptualizar, implica também saber manipular os sinais,


índices, códigos, alegorias, metáforas, e dominar
poeticamente o sentido e valor dos signos; mas também
envolve saber usar as unidades culturais que representam
relações entre conteúdo e expressão ou, percorrendo várias
etapas de significação – harmonia, desarmonia, grotesco -,
identificar os lugares da intersubjectividade como estrutura.”
Duarte, 2011, 12

As Sensações e as Emoções na Arquitectura 355


Capítulo II - Com a necessidade de sobrevivência do Homem…

Mas o que interessa ressalvar é a importância que o desenho assume como


instrumento “conceptual”, como essência do objecto, referindo-se ao
significado, onde o Arquitecto procura comunicar a ideia através da forma,
transmitindo uma mensagem, pretendendo que seja compreendida ou
descodificada.
O aprofundamento desta temática tão profunda, leva-nos ao infindável mundo
das sensações, continuando nos dias de hoje, mais do que nunca, a ser
objecto de grande estudo, na procura incessante de novos conceitos
inovadores, e que levará, quiçá o aparecimento de novas correntes de
Arquitectura.

Afinal de contas, já Bossuet (1627-1704) dizia que, “A imaginação é a


sensação continuada.”Bossuet,bilibio.com.br,

356 As Sensações e as Emoções na Arquitectura


Capítulo II - Com a necessidade de sobrevivência do Homem…

2.4
OS MATERIAIS NA
CONCEPÇÃO
ARQUITECTÓNICA COMO
VEÍCULO TRANSMISSOR DE
SENSAÇÕES

As Sensações e as Emoções na Arquitectura 357


Capítulo II - Com a necessidade de sobrevivência do Homem…

358 As Sensações e as Emoções na Arquitectura


Capítulo II - Com a necessidade de sobrevivência do Homem…

2.4 Os materiais na concepção arquitectónica como veículo transmissor


de sensações
Os materiais deram-nos assim a possibilidade de comprender a evolução do
processo da concepção arquitectónica, através dos realizadores das histórias
mais interessantes, mais fascinantes e, provavelmente, mais misteriosas, que
o nosso universo podia ter: os grandes mestres da Arquitectura.
Nas obras dos grandes mestres parece existir uma atmosfera de magia
envolta de inspirações que nos extravasam.
A conjugação de todos os factores de ordem do projecto conceptual, como já
referidos anteriormente, é sem dúvida do mais elementar na concretização de
uma determinada obra, no entanto não é tudo. É a partir daqui que se
distinguem os Arquitectos comuns dos grandes Arquitectos.
O conceito pode parecer simples e tão óbvio ou, por outro lado, tão
megalómano como inatingível, mas o que é certo, é que ninguém se lembraria
de tal feito.
Criar a obra é uma coisa, construir uma concepção própria e conseguir
transmiti-la, marcando a diferença numa determinada época ou espaço, é
outra, completamente distinta.
Como seriam as nossas vidas sem estímulos? Estamos certos dessa
impossibilidade!
A vida pressupõe obrigatoriamente a existência de estímulos que originam
sensações, por precisarmos do corpo e do cérebro para nos comandar, da luz
para crescer e para ver ou de nos alimentarmos para viver.
325. Catedral da Ressurreição, 1988-1995, Mário Botta, Evry, França, Paris,fonte
própria, 2013

As Sensações e as Emoções na Arquitectura 359


Capítulo II - Com a necessidade de sobrevivência do Homem…

Existe uma panóplia de estímulos sensoriais que, ainda hoje, são alvo de
estudo das ciências que tratam os assuntos neuropsicofisiológicos, através
das mais diversas teorias e agora, mais do que nunca, nos estudos mais
actuais das Neurociências.
Na circunstância concorrem outros factores de ordem construtiva, tais como a
localização do terreno, o enquadramento e dimensionamento do edifício, a
organização, ergonomia e o conforto dos espaços interiores, bem como a
própria qualidade da construção e eficiência energética do edifício que,
estando presentes desde a concepção à construção, contribuirão,
decisivamente, para o encontro desse caminho, em busca do ideal e todo o
desencadeamento que resulta das suas combinações.

“…quando as cores ganham luminosidade, o som adquire


ressonância; a linguagem obtem o dizer. Tudo isto ressai na
medida em que a obra se retira na massa e no peso da pedra,
na dureza e na flexibilidade da madeira, na dureza e no brilho
do metal, no esplendor e na obscuridade da cor, na ressonância
dos sons e no poder nomeador da palavra.” Fazem da obra do
Arquitecto uma verdadeira obra de Arquitectura. Heidegger, 2010, 36

O Arquitecto tem um papel fundamental na sistematização didáctica da


condução de todo o processo, desde a percepção do local de intervenção, do
seu enquadramento à concepção.

360 As Sensações e as Emoções na Arquitectura


Capítulo II - Com a necessidade de sobrevivência do Homem…

O Arquitecto tem o dever de identificar as necessidades do homem do seu


tempo, relativamente ao espaço que irá utilizar, onde o domínio da luz, das
sombras, do movimento, da cor e da definição dos materiais, enquanto veículo
transmissor de sensações são absolutamente decisivos na concretização da
obra. A experiência profissional de um indivíduo nesta área tão complexa,
como é a Arquitectura, é, sem sombra de dúvida, um dos pontos fulcrais e
mais importantes no aconselhamento do cliente, no encontro de um
presumível ideal que, ainda assim, estamos certos ser inatingível.
Do Arquitecto deseja-se sempre o melhor, como é evidente, porém apenas
utiliza os seus recursos, com a sua experiência e sensibilidade próprias de ver
e sentir as coisas, em benefício de uma determinada pessoa ou colectivo que,
com certeza, mais do que ninguém, como principal gestor de todo o processo
construtivo, procurará esse resultado mais próximo da perfeição.
Fazer Arquitectura não se pode resumir ao acto de construir, ao cumprimento
dum determinado programa. O Arquitecto pela sua importância na história,
pela influência que as suas acções tiveram e têm na sociedade, deverá ter
sempre presente uma intenção, um conceito, uma poética, uma filosofia de
intervenção, devendo estar atento às grandes questões da sociedade.
Abrindo o horizonte às outras ciências que pensam o homem, numa sociedade
contemporânea cada vez mais sensibilizada para questões desta natureza e
mais exigente na qualidade da abordagem das suas vidas, pelas
circunstâncias do mundo da competitividade que as conduziram a uma perda
de qualidade de vida muito significativa.

As Sensações e as Emoções na Arquitectura 361


Capítulo II - Com a necessidade de sobrevivência do Homem…

“O projecto poemático da verdade, que se estatui como


forma na obra, nunca se realiza na direcção de algo de vazio
e de indeterminado. Pelo contrário, a verdade projecta-se
na obra para aqueles que, de futuro, a hão-de salvaguardar,
isto é, para uma humanidade histórica” Heidegger, 2010, 60

Hoje, a sociedade, com os seus defeitos e virtudes, é o espelho da nossa


história mais ou menos atribulada, traduz uma evolução, sempre desejada,
mas longe do ideal. Apesar do panorama conjuntural não ser brilhante, na
nossa perspectiva mais optimista, pensamos termos alcançado etapas
importantes que poderão proporcionar um futuro melhor, tendo presente, que
o ideal é pura utopia, mas que, ainda assim, valerá a pena sonhar e continuar
a caminhar. No momento em que se seu a revolução industrial, já se discutia
o melhor caminho para a Arquitectura pelas mais variadas experiências.
Nos nossos dias, é curioso verificar que se discute, de certa forma, a mesma
problemática em volta do rumo da arquitectura actual, com os sucessivos
avanços das altas tecnologias, onde se assiste a uma certa megalomania em
algumas obras, fruto de uma certa afirmação e liderança do mercado global,
cuja imaginação parece não reconhecer limites. Se, no final do século XIX, foi
necessária a transição de uma arquitectura que, ao longo dos tempos, teve
como desígnio a expressão do poder, das forças divinas e da natureza, para
uma arquitectura mais voltada para a resolução dos problemas da sociedade,
dando mais importância à expressão da função e sua construção.

362 As Sensações e as Emoções na Arquitectura


Capítulo II - Com a necessidade de sobrevivência do Homem…

No ínicio do século XXI, tornar-se-á necessária, uma reflexão profunda do


paradigma actual da Arquitectura que, durante a era da globalização pareceu
atingir o seu expoente mas que, nos últimos anos, pouco a pouco, parece
desligar-se dos valores do homem e da natureza, fruto duma sociedade que,
seduzida pelo consumo desenfriado, se deixou monopolizar pela guerra dos
grandes mercados, caindo na teia dum mundo competitivo tal, que se instalou
um certo abismo, uma certa crise de identidade e perda de valores.

“A aventura épica do modernismo não chegou ao fim,


principalmente em um mundo lutando com as implicações
de uma economia mundial, com a universalização da
tecnologia, com a redefinição das identidades e dos
territórios, e a questão de como o futuro deve ser
planejado.” Curtis, 2008 p686

Hoje, estamos cada vez mais conscientes de que a Arquitectura pode, de


facto, ter um papel vital na concepção dos edifícios, tornando-se
preponderante o restabelecimento de novos parâmetros, reguladores de
métodos construtivos mais eficientes na construção, geridos de forma mais
optimizada e sustentável, tendo sempre por base uma consciência mais
sensível para as questões da natureza humano-ambiental, por forma a
integrar conceitos de optimização, economia e sustentabilidade nos edifícios.
Associando-os à qualidade ambiental, à qualidade arquitectónica, mas
sobretudo à qualidade de vida humana. Estes são alguns dos grandes
desafios que se colocam aos Arquitectos dos nossos dias.

As Sensações e as Emoções na Arquitectura 363


Capítulo II - Com a necessidade de sobrevivência do Homem…

2.4.1 Estímulos indutores de reacção na Arquitectura


Para comunicar com o Homem, o espaço serve-se da matéria. Contudo, esta
também tem algo a transmitir. Não é apenas um meio de comunicação do
pensamento e sensibilidade do Arquitecto, que a explora como factor de inter-
relação entre o espaço e o homem, mas também tem vontade própria e
provoca sensações.

“Sob o signo da ordem universal, ao longo da história, reis,


imperadores, príncipes ou mesmo sacerdotes, quiseram
perpetuar o seu nome através da representação do poder
numa consonância cósmica. As construções
representavam os seus feitos, perpetuavam a sua fama –
arquitectura funerária e palácios-, sendo a glória
assegurada pela guerra – vitórias e conquistas-,
representadas por Arcos de Triunfo, monumentos
alusivos, e instalando-se na memória coletiva através dos
mitos heróis.” Duarte, 2011, 28

A Arte da construção era vista como um gesto divino primordial para a criação
do mundo, cabendo ao Arquitecto da época o profundo conhecimento nas
áreas da Metafísica, Ontologia, Cosmologia e Ciências Naturais, na expressão
da carga simbólica que estas tinham que ter na Arquitectura.

326. Fonte: http://osrostosdamente.blogspot.com, 2010

364 As Sensações e as Emoções na Arquitectura


Capítulo II - Com a necessidade de sobrevivência do Homem…

“A arquitetura é matéria histórica enquanto documento para


outras disciplinas e, além disso, assumiu durante sua
evolução, frequentemente de modo direto (e, particularmente,
na forma de documento), a tarefa de testemunhar o
acontecimento histórico.Por outro lado, convém abordar o
grupo de problemas referentes à historicidade das matérias
com as quais a arquitetura opera; tal historicidade pode
revelar-se como uma particular resistência da matéria à
transformação ou à re-signação (e, portanto, particular
dimensão da complexidade da matéria), ou como colocação
da nossa ação no ambiente que, enquanto forma do ambiente
físico não só na dimensão perceptivo-perspética do objeto ou
do edifício, mas também na mais amplamente territorial,
reassuma e atualize no momento da projetação toda a
historicidade do circundante.” Gregotti, 2004, 119

A Arquitectura, através da matéria, conseguiu registar por todo o mundo,


através dos vestígios encontrados, as histórias mais diversas da humanidade
nas suas diferentes épocas. A voz da matéria reside na composição das
texturas, dos jogos de luz e sombras, da cor, etc. Desta forma, vemos que o
espaço não está apenas sujeito à matéria (madeira, metal, vidro…) na qual se
concretiza, mas também ao que ela transmite à pessoa que sensitivamente a
percepciona através dos sentidos e da memória.

As Sensações e as Emoções na Arquitectura 365


Capítulo II - Com a necessidade de sobrevivência do Homem…

“O sentido, que se deve criar no contexto dos materiais,


encontra-se para além de regras de composição; e também
a sensibilidade, o cheiro e a expressão acústica dos
materiais são apenas elementos da linguagem que temos de
utilizar. O sentido nasce quando se consegue criar no objecto
arquitectónico significados específicos de certos materiais
que só neste singular objecto se podem sentir desta
maneira.” Zumthor, 2009, 10

Nós podemos discernir mudanças subtis na cor, textura e na transparência,


usando esta sensibilidade diariamente, através da percepção material.
Percebemos as qualidades materiais, classificando facilmente as superfícies
como sendo de madeira, metal ou vidro, podendo ser polidas, ásperas ou frias
e entramos assim, em contacto com a realidade do através da percepção da
matéria. Quando olhamos para as coisas diárias não, somente, percebemos
a sua forma e identidade, como também temos, geralmente, uma impressão
das suas propriedades materiais. Se tocarmos num objecto podemos,
geralmente, dizer se é macio, duro, liso ou áspero. No entanto, a satisfação
sensorial não se limita ao que nos surge de imediato ao olhar. Podemos sentir
coisas que não existem, como outras sensações associadas a estímulos do
cérebro por palpação, cheiro, sons, ritmo, etc. Da mesma forma que as
qualidades visuais são importantes, também é a sensação auditiva que temos
quando tocamos as superfícies, pelo som que percorre um determinado
espaço pode ser significativa.

366 As Sensações e as Emoções na Arquitectura


Capítulo II - Com a necessidade de sobrevivência do Homem…

“Cada experiência em movimento da arquitectura é


multissensorial; as qualidades do espaço, da matéria e da
escala medem-se a partes iguais do olho, do ouvido, do nariz,
da pele, da língua, o esqueleto e do músculo. A arquitectura
fortalece a experiência existencial, o sentido de cada um de
ser no mundo, e isto, constitui fundamentalmente uma
experiência fortalecida do eu. No lugar de apelar meramente
aos clássicos cinco sentidos, a arquitectura implica vários
âmbitos de la experiência sensorial que interactuam e
funcionam um ao outro.” Jay, citado por Pallasmaa, 2010, 12

Para entendermos o papel que os materiais podem desempenhar num


espaço, temos que conhecer as suas propriedades “sensoriais”, aquelas que
despertam os nossos sentidos quando experimentamos e vivemos um
espaço. Considerando que o paladar não participa, à partida, na leitura do
espaço, vamos fazer referência apenas aos outros quatro sentidos: a visão, o
tacto, a audição e o olfacto.
Como propriedades visuais vamos considerar o grau de transparência, a cor
e o padrão. A textura é igualmente uma propriedade visual e é através do tacto
que a percebemos. Por isso, vamos desenvolvê-la como propriedade táctil, tal
como a temperatura e a consistência. As propriedades acústicas passam pelo
isolamento acústico, a absorção sonora e a frequência de ressonância.

As Sensações e as Emoções na Arquitectura 367


Capítulo II - Com a necessidade de sobrevivência do Homem…

2.4.1.1 Estímulos visuais


Não poderia falar das características visuais dos materiais sem referir a
preponderância da luz para a sua percepção. A sensação visual não é apenas
física, mas também psicológica, na qual intervém, de forma primordial, a luz
recebida pelo olho.
A luz tem, assim, um papel preponderante na percepção das propriedades
visuais dos materiais. Para que o espaço seja perceptível visualmente é
essencial a presença da luz, o seu encontro com a matéria.
A constante imobilidade da luz provoca inúmeras leituras e interpretações do
espaço. As diferentes intensidades, cores, direcções, posições das sombras
(inerentes à luz) afectam, minuto a minuto, a forma como ela penetra e ilumina
um espaço, alternando a leitura que fazemos das superfícies.

“A sombra dá forma e vida ao objecto na luz. Também


proporciona o reino donde emergem as fantasias e sonhos. A
arte do claro-escuro também é uma habilidade do arquitecto
magistral. Nos grandes espaços arquitectónicos respiram-se
constante e profundamente sombra e luz; a sombra inala luz
e a iluminação a exala.” Pallasmaa, 2010, 48

Sabemos, desta forma, que a nossa percepção visual do espaço vai depender
das características visuais dos materiais, mas também vai estar condicionada
pela presença circunstancial e incerta da luz.

327. Estimulos Visuais, fonte:


zona8lifestyle.blogspot.com, 2011

368 As Sensações e as Emoções na Arquitectura


Capítulo II - Com a necessidade de sobrevivência do Homem…

2.4.1.1.1 A Cor
Como a reflexão faz parte da nossa condição humana de seres livres e
pensantes, aproveito o momento para reflectir sobre a maior ou menor
importância que a cor deve ter na Arquitectura.
Se analisarmos o estudo cromático, desde os tempos mais remotos,
verificamos que a cor sempre teve um significado especial, quer pela sua
“ Este jogo de «Yang» e de «Yin», entre artefacto e
simbologia mais diversa consoante as culturas, quer pela física e a sua
natureza, contribui para decidir o material exterior,
betão vermelho, cor oposta ao verde do bosque.” importância na investigação científica na compreensão da sua relação com
Souto de Moura, 2010
a natureza da luz.
Não podemos ignorar o valor que a cor tem no presente do processo criativo
da Arquitectura representativa de uma sociedade atenta à sua
correspondência.
O controlo do maior ou menor equilíbrio na definição e conjugação das cores
na Arquitectura actual adquire-se, como muitas outras, com a aprendizagem
variando, caso a caso, em função da linguagem pretendida.
Não obedecendo a qualquer tipo de formalidade, o que não nos parece mal
se tivermos em linha de conta a nossa identidade enquanto Arquitectos, nas
diferentes maneiras de expressão pela liberdade que nos assiste, desde que
se tenha consciência do respeito dos aspectos culturais e sociais da cor.

“O que nós somos é o que fazemos, e o que fazemos


é o que o ambiente nos faz fazer” mullerando.blogspot.pt, 2011
328. Casa de Histórias Paula Rego, 2008-2009- Prémio Sécil Arquitectura, 2012, Cascais,
fonte própria, 2013

As Sensações e as Emoções na Arquitectura 369


Capítulo II - Com a necessidade de sobrevivência do Homem…

Acontece que, por um lado, temos uma nova corrente minimalista, que emerge
a olhos vistos, com uma tendência mais despojada e simples, objectiva e
anónima, porque as construções se pretendem mais lineares, numa
materialidade mais discreta, onde as cores neutras são as mais usadas,
predominando o preto, o branco e o cinza, tornando-a mais fria.
Por outro lado, temos construções mais exuberantes, numa tentativa de
afirmação multicolorida, por vezes até chocante, fora de escala, cansando o
observador comum verificando-se um certo desequilíbrio por oposição, com o
qual não podemos ficar de modo algum alheios.
Nós Arquitectos podemos sempre fazer algo mais ficando mais atentos a uma
questão tão sensível que mexe com as pessoas, no intuito de lhes
proporcionar o melhor “conforto” possível.
A abordagem da cor é tão complexa, apresentando vertentes tão diversas
quanto a inimaginável importância que ela representa no quotidiano da maioria
das pessoas.
A matéria capta os comprimentos de onda que compõem a luz, excepto os
que correspondem à cor que observamos e que são reflectidos. Unicamente
por oposição e por contraste de cores, o olho e o cérebro chegam a
percepções definidas.
A cor surge como um complexo fenómeno de matéria, percepção e memória.
É uma sensação produzida pelo reflexo da luz na matéria e é transmitida pelo
olho ao cérebro. Como sensação, a cor de um material vai depender do
espectro do fluxo de luz que é reflectido ou que passa através dele.

370 As Sensações e as Emoções na Arquitectura


Capítulo II - Com a necessidade de sobrevivência do Homem…

A afirmação do emocional, a perseguição do místico e ascético, a exaltação


da beleza e a integração com a natureza, fazem parte dos fundamentos de
Luis Barragán (1902-1988).
Em Gilardi podemos experimentar um vasto leque de sensações vindas de
toda a massa construtiva, dos grossos muros com pequenas aberturas que
magicamente nos remetem para o outro lado.
Paredes de texturas e cores atrevidas, por vezes cuidadosamente rasgadas,
fazendo com que a luz se passeie no interior, beijando doseadamente as cores
vivas, fragmentando-se na água de um espelho ou simplesmente
apresentando o seu percurso.
Vivendo a obra de Barragán, o ser humano viaja pelo mundo das sensações
e emoções da Arquitectura, sente espanto, mas neste mundo de reflexos
coloridos, a reflexão e a contemplação de todo conjunto, fará parte de si.
Normalmente a cor de um material aplica-se ao tipo de pigmento, ao
acabamento da sua superfície, às propriedades ópticas da luz que o ilumina,
ao meio através do qual esta se propaga e à resposta sensorial de cada
observador.
A cor é um facto a ter em conta na escolha de um material, podendo ser natural
do material ou artificial, própria do material ou um revestimento, bem como ter
em conta a sua adequação ao uso.
Para classificar as cores, qualitativamente, são usados três atributos: matiz,
saturação e luminosidade.

329. Casa Gilardi, Luis Barragán, vista interior, fonte:


ximesolischavez.wordpress.com, 2011

As Sensações e as Emoções na Arquitectura 371


Capítulo II - Com a necessidade de sobrevivência do Homem…

A matriz é a primeira qualidade da cor, precisamente por ser a característica


que nos permite distinguir uma cor da outra. Como todos sabemos, o vermelho
é diferente do verde, e a púrpura do castanho.
A matriz é uma identidade única de qualquer cor, dentro do espectro, aquilo
que a diferencia da outra.
A saturação, também conhecida como intensidade ou pureza, pode-se
considerar como o brilho de uma cor, e é a terceira dimensão da cor, sendo a
a qualidade que diferencia uma cor intensa de uma pálida.
As cores primárias têm a sua maior intensidade antes de serem misturadas
com outras. Uma cor encontra o seu estado mais intenso ou saturado por
completo quando é puro.
A luminosidade é a quantidade de luz e obscuridade. O branco e o preto são
os valores de luz mais alto e mais baixo respectivamente. O branco tem o grau
mais alto de reflexão da luz, enquanto o preto é o que tem mais baixo.
Tendo determinado quantitativamente estas características, podemos ser
mais objectivos em relação à cor de um material.
As características da cor são especialmente importantes para determinar a
qualidade do acabamento de um material.
A escolha do acabamento para um material deve ter em conta as
características da sua cor e o efeito psicológico criado num determinado
espaço

330. O Universo das cores, fonte: betebrito.com, 2012

372 As Sensações e as Emoções na Arquitectura


Capítulo II - Com a necessidade de sobrevivência do Homem…

2.4.1.1.2 Influência, simbolismo e significado


As cores têm elementos diferentes que as tornam únicas, relacionam-se
directamente com as emoções e exercem uma influência decisiva sobre a
mente e o corpo, dependendo da forma de reagir de cada um, e actuam tanto
física como mental e emocionalmente.
A cor é portadora de uma intensa expressão e produz experiências
essencialmente emocionais, exercendo sobre o espectador uma tripla acção:
impressiona, chama a atenção; expressa um significado e provoca uma
emoção; adquire valor de símbolo, capaz de comunicar por si mesma uma
ideia.
Como transmissora de sensações torna-se o melhor meio para informar,
definir, atrair e chamar a atenção.
Se pensarmos numa cor não a vemos pela cor mas inserida numa forma.Cada
matriz e cada cor gera imagens, remetendo-nos para a memória. Isto está
directamente relacionado com cada pessoa, dependendo da sua
individualidade, idade, sexo, estado emotivo, personalidade e experiências
vividas. Ao perceber a cor, entram em jogo as nossas próprias vivncias e
sensações.
Cada cor tem o seu próprio significado e valor simbólico. É necessário saber
quando usar uma ou outra de acordo com o significado que queremos atribuir
ao espaço.

As Sensações e as Emoções na Arquitectura 373


Capítulo II - Com a necessidade de sobrevivência do Homem…

331. A psicologia na Arquitectura, Muga, 2005, 46

374 As Sensações e as Emoções na Arquitectura


Capítulo II - Com a necessidade de sobrevivência do Homem…

“Como ocorre a grande influência que a cor tem sobre nós?


Vários autores consideram ser por associação que as cores
actuam; por exemplo: o vermelho excita-nos porque nos faz
lembrar o fogo ou a revolução, enquanto, que o verde nos
tranquiliza pela sua associação à natureza. Contudo, os
efeitos da cor são tão imediatos e espontâneos que não
podem ser apenas o resultado do processo associativo.
Vários estudos, citados por Arnheim (1996), demonstram que
a cor desencadeia várias reacções fisiológicas.” Muga, 2005, 45

Quando alguém está muito feliz e diz, “Vejo a vida cor-de-rosa!”, está a referir-
se a algo mais que uma frase feita. Por sua vez se alguém está deprimido tem
a sensação de que tudo é opaco e sem brilho e de que a sua vida não tem
estímulos, sendo uma vida cinzenta, onde tudo são alusões às influências que
exerce a cor. “Ver a coisa preta”, “estar vermelho de raiva”, “pôr-se verde de
inveja”, “estar vermelho como um tomate”, são formas de expressar certos
estados de ânimo.As cores quentes têm um efeito estimulante, são alegres,
vitais, activas. Ajudam a criar um clima de unidade bem coordenada e
aumentam o destaque. Geralmente diminuem os espaços por serem positivas,
ou seja, são cores que “avançam”. As cores frias, pelo contrário, produzem
uma acção sedativa em geral, uma impressão de repouso e calma que,
quando empregues sozinhas, transmitem um efeito de pouca intimidade e
tristeza. As cores frias, por serem negativas, aumentam aparentemente os
espaços e produzem uma impressão de maior volume ao espaço.

As Sensações e as Emoções na Arquitectura 375


Capítulo II - Com a necessidade de sobrevivência do Homem…

2.4.1.1.3 Caracterização
Deparamo-nos muitas vezes com objectos que apresentam cores
semelhantes, mas na verdade a grande maioria têm cores diferentes.
Somente através da frequência da luz podemos caracterizar a verdadeira cor
do objecto.

“O olho é semelhante a uma máquina fotográfica: possui um


diafragma ajustável (íris), uma lente (cristalino) através da qual
passa a luz, e uma superfície sensível à luz (retina) na qual é
projectada a imagem. Na retina há dois tipos de receptores: os
cones e os bastonetes, que variam em sensibilidade. (…) Os
cones entram em acção, quando a luz é mais intensa e são os
responsáveis pela visão da cor. Os cones e bastonetes
convertem a energia luminosa em impulsos nervosos, que o
nervo óptico conduz ao cérebro.” Muga, 2005, 35

A relação da cor com as emoções torna esta leitura, naturalmente, subjectiva.


A percepção objectiva do nosso sistema visual alia-se à subjectividade das
nossas reacções perante ela.
É importante perceber as possíveis sensações corporais ou emocionais que
pode evocar uma cor e saber jogar com os seus diferentes contrastes para
poder orientar a intervenção num espaço, alterar as suas dimensões e até a
forma.
332. Fonte: alunosonline.com.br, 2012

376 As Sensações e as Emoções na Arquitectura


Capítulo II - Com a necessidade de sobrevivência do Homem…

A cor integra-se e funde-se com o feito arquitectónico e permite-nos diferenciar


espaços, associado-os às texturas e aos efeitos de luz e sombra. Imprime
carácter e sentimento ao espaço. Altera o ambiente, quando estamos a
reformular espaços existentes e sublinha quando caracterizamos um novo
espaço.
A policromia dos elementos arquitectónicos pode alterar a sua posição
sensível no espaço, reduzir ou ampliar os espaços e dar-lhes uma temperatura
sensitiva tendo, desta forma, um papel activo na leitura espacial.
Ao escolher a cor do material, o arquitecto, além de ter de pensar nas
diferentes interpretações por parte de cada pessoa, nas dimensões do espaço
e na sua finalidade, tem de ter em conta a relação da cor com a forma e o
acabamento de cada material, bem como o papel que a distribuição de luz e
sombras tem na percepção da cor. Além disso, deve considerar-se que esta
tem de conviver com o pavimento, tecto, vãos, mobiliário, etc.
O seu desafio está em calibrar todas estas condicionantes e encontrar o
equilíbrio.
“A distância, o peso sentido, a temperatura e o volume da
arquitectura põe reduzir-se ou incrementar-se com base nas
cores adaptadas”. Fernando Leger in El colore n Arquitectura p18

A cor tem capacidade de distorcer as proporções de um espaço. Ao


utilizarmos um material cuja cor é quente e saturada estamos a vai diminuir a
profundidade do espaço. Se pelo contrário, for um material de cor fria, o
espaço parecer-nos-á mais profundo.

As Sensações e as Emoções na Arquitectura 377


Capítulo II - Com a necessidade de sobrevivência do Homem…

2.4.1.1.4 Padrão

O padrão de um material pode ser de origem natural (que releva a estrutura


do mesmo) ou artificial (produzido através de pintura, impressão, etc.) É, na
sua maioria, formado por elementos que se diferenciam pela forma, posição e
cor. Estes podem ter a forma de anéis, raios, veios, grãos, poros, ou
composições geométricas, sendo estas apenas próprias dos materiais
artificiais.
O desenvolvimento dos processos de manufactura de acabamentos oferece,
hoje em dia, inúmeras possibilidades de padrões, que podem diferir a nível de
escala, qualidade das cores e das suas combinações (repetição, etc.).
São, normalmente, aplicados sobre a superfície do material, através de
películas com padrões impressos.
Nos materiais naturais, como a pedra ou a madeira, a estrutura interna visível
e torna-se facilmente num elemento decorativo. Recorre-se, normalmente, ao
tipo de acabamento, para lhe conferir maior beleza. 333. Fonte: raviatarian.blogspot.com, 2010

378 As Sensações e as Emoções na Arquitectura


Capítulo II - Com a necessidade de sobrevivência do Homem…

2.4.1.1.5 Transparência
A luz que se reflecte num determinado corpo difunde-se e a outra atravessa,
sofrendo uma reflexão de múltiplas direcções onde parte dela é absorvida pelo
próprio material, aumentando a sua energia.
O grau de transparência dos materiais é a capacidade que estes possuem
para permitir a passagem da luz.
O material é transparente quando permite facilmente a passagem de luz e é
translúcido quando permite a passagem mas de forma mais difusa, resultando
numa imagem irreconhecível. Por sua vez, é opaco, quando bloqueia
completamente a passagem da luz.
A maioria dos vidros é transparente, tal como alguns plásticos. No entanto, o
vidro é um material cujas potencialidades infinitas permitem ser,
simultaneamente, transparente e opaco, devido à sua reacção de reflectir e
refractar a luz.
A conquista da transparência do vidro na Arquitectura influenciou várias
gerações de Arquitectos das diferentes partes do mundo, resultando num
avanço bastante significativo no desenvolvimento tecnológico em matéria de
tratamento do vidro e a sua aplicabilidade na construção, tanto pelas suas
características que se apresentam hoje muito diversificadas, como pela
grande evolução dos acessórios para a sua montagem.
A arquitectura e o vidro são, por si, indissociáveis, quer pela sua natural
importância funcional, quer pelo efeito inter-penetrante que confere na
transição do exterior para o interior.
334. Biblioteca François Miterrand, Dominique Perault, Paris, fonte própria, 2014

As Sensações e as Emoções na Arquitectura 379


Capítulo II - Com a necessidade de sobrevivência do Homem…

O vidro cria uma relação de intimidade com a natureza, a que sem impor
visualmente a sua materialidade, pela sua transparência, transmite sensações
de liberdade e torna o espaço muito mais suave e aprazível.
O vidro enobrece a importância que a luz deve ter nos edifícios, tornando os
interiores mais naturais, introduzindo o movimento pelas sombras que se
desdobram num determinado tempo.
Numa sociedade contemporânea, cada vez mais exigente e atraída para
espaços confortáveis e luminosos, a materialização do vidro tem ainda um
longo percurso pela frente, na busca de soluções diferentes, cada vez mais
ajustadas a esta realidade, de forma que, o processo construtivo se torne mais
atraente ao mercado, uma vez que as boas soluções de vidro comportam,
ainda, um grande esforço financeiro por parte do investidor

380 As Sensações e as Emoções na Arquitectura


Capítulo II - Com a necessidade de sobrevivência do Homem…

2.4.1.2 Estímulos Tácteis

“O tacto é o sentido mais primitivo da realidade e o que,


à semelhança do olfacto, nos liga mais directamente ao
ambiente físico; o sentido do tacto é também
denominado de percepção háptica (do grego hapteshai,
tocar).” Muga, 2006, 56

A vivência de um espaço é muito mais rica se este for pensado para que o
utilizador o toque, sinta as suas texturas, temperaturas, consistências. A mão
apreende o espaço activamente e como extensão do cérebro e vivência o
espaço interactivamente. Sem esta relação, não estaremos em contacto com
o infinito da matéria ou da realidade, pois para isso terá de haver o toque, o
contacto.

“Todos os sentidos, incluindo a vista, são prolongações


do sentido do tacto; os sentidos são especializações do
tecido cutâneo e todas as experiências sensoriais são
modos do tocar e, portanto, estão relacionados com o
tacto. O nosso contacto com o mundo tem lugar numa
linha limítrofe do eu através das partes especializadas da
nossa membrana envolvente” Pallasmaa, 2010,10

335. A mão a tocar a madeira, fonte própria, 2015

As Sensações e as Emoções na Arquitectura 381


Capítulo II - Com a necessidade de sobrevivência do Homem…

A maioria das características tácteis é também visual. Olhando para as


superfícies quase que podemos sentir a sua textura, temperatura e
consistência. O conhecimento das formas através das mãos é indissociável
daquele que tivemos desde a nossa infância.

“Os nervos exteroceptivos, situados por baixo da pele,


são os responsáveis pelas sensações tácteis, de
pressão, dor, frio e calor.” Muga, 2005, 56

Os olhos percepcionam a realidade das formas, mas apenas a mão, delas se


apropria.

“O tacto é a modalidade sensorial que integra a nossa


experiência do mundo com a de nós mesmos. Mesmo as
percepções visuais se fundem e integrem no continuum
háptico do eu; o meu corpo recorda-me quem sou e em
que posição estou no mundo. O meu corpo é realmente o
umbigo do meu mundo, não no sentido do ponto de vista
da minha perspectiva central, mas como verdadeiro lugar
de referência, memória, imaginação e integração.”
Pallasmaa, 2010, 10

382 As Sensações e as Emoções na Arquitectura


Capítulo II - Com a necessidade de sobrevivência do Homem…

2.4.1.2.1 Textura

É a cor e a textura dos materiais que vai permitir ao arquitecto definir o seu
espaço, onde este tem mais liberdade de escolha.
Podemos perceber visualmente o “frio” do mármore e o “calor” da madeira. No
entanto se o mármore tiver uma cor quente ou uma superfície não polida pode
tornar-se mais confortável; ao mesmo tempo que a cor e/ou o acabamento
dado à madeira podem provocar diferentes sensações.

“A textura – a aparência externa da estrutura dos objectos –


é julgada e apreciada quase inteiramente pelo tacto, mesmo
quando é à vista que se oferece; é a recordação das nossas
experiências tácteis que nos permite sentir a textura (Hall,
1986). As mudanças de textura sentidas pelos nossos pés
são ilustradas por Papanek (1995). Ao tactear a neve sob os
pés calçados com peles os esquimós Inuit sabem dizer há
quanto tempo nevou e qual a temperatura ambiente na altura”
Muga, 2005, 56

A cor e a textura andam de mãos dadas, sendo a leitura e percepção de um


espaço sempre diferente se uma delas se alterar. A alteração de uma cor pode
influenciar as dimensões visuais de um espaço ou até mesmo o estado de
espírito do utente, assim como a textura pode contribuir para essa alteração e
criar outro tipo de reacções.
336. Textura de alvenaria de granito, fonte própria, 2015

As Sensações e as Emoções na Arquitectura 383


Capítulo II - Com a necessidade de sobrevivência do Homem…

É a textura que comunica a tactilidade do material. Sente-se directamente


através do tacto e aprecia-se visualmente sob os efeitos de luz e sombra.
A textura promove respostas sensoriais através da sua aparência, do seu
toque, tendo em conta que as superfícies podem ou não ser convidativas ao
toque.
A textura é caracterizada pela rugosidade ou homogeneidade da superfície do
material e é percebida pelo jogo de luz e sombra causado pelas
irregularidades da superfície.
Podemos encontrar superfícies em que o acabamento seja “tosco”, em que se
perceba todos os seus relevos e depressões ou, por outro lado, superfícies
cujo acabamento seja mais regular, desde o amaciado ao polido.
Podemos determinar e caracterizar o tipo de acabamento de uma superfície
de acordo com a maneira como esta reflecte a luz incidente, tendo em conta
o ângulo de reflexão.
Os materiais cuja superfície seja perfeitamente polida reflectem a luz segundo
o mesmo ângulo de incidência e só nos apercebemos desse ângulo quando
nos surgem mais brilhantes.
Pelo contrário, os materiais com acabamento mais rugosos reflectem a luz em
várias direcções, devido aos inúmeros grãos dispostos sobre a superfície com
diferentes ângulos de reflexão do fluxo de luz.
Este tipo de superfície terá, então, uma luminosidade constante, segundo
todos os ângulos de percepção.

384 As Sensações e as Emoções na Arquitectura


Capítulo II - Com a necessidade de sobrevivência do Homem…

A denominação do tipo de acabamento, tendo em conta os ângulos de


reflexão, tem que considerar, entre outros factores, a cor e a luminosidade do
material, o tipo e a posição da fonte de luz e, principalmente, a posição do
observador.
As superfícies mais rugosas são texturadas segundo um padrão, que pode ser
regular ou irregular, tendo em conta a sua origem e o grau de manufactura.
São normalmente os materiais naturais que apresentam texturas irregulares,
se não forem sujeitos a qualquer tipo de acabamento.
Nos materiais artificiais existe uma maior liberdade para que se produza
qualquer tipo de textura, ou padrão de relevos, para dar resposta às
exigências dos arquitectos, que procuram, cada vez mais, a inovação e a
diferenciação. A escolha por qualquer tipo de acabamento é importante, no
sentido em que vai determinar a aparência, conforto, luminosidade do espaço
e a sua acústica.
A combinação dos materiais em módulos pode ser lida como textura, inerente
à totalidade da superfície e não como sendo própria do material.
A junção de elementos cerâmicos, de pedra, ou de outro tipo, permite criar
uma sensação particular ao tacto e sensações visuais geométricas. Ambientes
aparentemente primários e simples ganham dinamismo pelo toque que a
união dos elementos permite
As diferentes formas de revestir superfícies, sendo moduladas ou continuas,
criam sensações visuais e tácteis diversas, além de poderem criar jogos de
texturas dinamizadoras do espaço, quando usadas simultaneamente.

As Sensações e as Emoções na Arquitectura 385


Capítulo II - Com a necessidade de sobrevivência do Homem…

2.4.1.2.2 Temperatura

A temperatura é uma característica física dos materiais que nos permite


denominá-los de frios ou quentes. Estão directamente relacionadas as
características térmicas dos materiais tais como: a condutividade e
estabilidade térmica, a resistência ao calor e ao frio e o calor específico.

“A temperatura é uma das dimensões mais variáveis do


ambiente, e com importantes efeitos psicofisiológicos e
emocionais.” Muga, 2005, 57

Quando tocamos num material podemos sentir a sua temperatura.


A pedra é, normalmente, um material frio, característica que se acentua
quando esta é polida. Os materiais polidos são sempre, ou quase sempre,
mais frios do que os mais rugosos, tanto táctil como visualmente.

2.4.1.2.3 Solidez

A consistência de um material mede-se a partir de ensaios de resistência à


penetração ou ao risco por parte de outro material. Um material pode ser duro
ou mole, característica que se percebe com a mão, no entanto também
podemos sentir sensações de solidez em algumas obras. Como é o caso do
Estádio Axa em Braga, obra do Prémo Pritzker 2012, com toda a imponência
conferida pelo seu porte em betão armado.

337. Estádio AXA, 2002-2004, Eduardo Souto Moura, Braga, fonte própria, 2015

386 As Sensações e as Emoções na Arquitectura


Capítulo II - Com a necessidade de sobrevivência do Homem…

2.4.1.3 Estímulos Acústicos


No ouvido as ondas sonoras atingem uma membrana chamada tímpano. Este a
vibrar, com a mesma frequência das ondas, transmite ao cérebro por impulsos
eléctricos, a sensação denominada de som.

“Embora menos exacta que a visão, a audição ajuda-nos a


manter o contacto com o ambiente, quer enquanto complemento
à visão (veja-se a importância da redundância perceptiva criada
pelas bermas sonoras das auto-estradas), quer especialmente
nas situações em que não conseguimos ver (para os invisuais a
audição é fundamental na percepção do espaço).” Muga, 2005, 47

O som necessita de um meio material para se propagar, pois não se transmite


no vácuo. Assim, cada material tem inerentes capacidades sonoras.

“Todo o edifício o espaço tem sons característicos de intimidade


ou monumentalidade, convite ou rejeição, hospitalidade ou
hostilidade. Um espaço entende-se ou aprecia-se tanto por meio
do seu eco como pela sua forma visual, mas a percepção
acústica normalmente permanece como uma experiência
inconsciente do fundo.” Pallasmaa, 2010, 52

O som contribui para definir a identidade de um determinado espaço, ajuda a


comunicar a sua escala. Tal como o cheiro, o som vai ficar associado a um
espaço na nossa memória. Vamos conseguir diferenciar um espaço pelo som
dos nossos passos, da nossa voz, do abrir da porta, etc.
338. Fonte: centrodefonoaudiologia.com.br, 2011

As Sensações e as Emoções na Arquitectura 387


Capítulo II - Com a necessidade de sobrevivência do Homem…

Temos que considerar que tudo é fonte de som, o caminhar num pavimento
de madeira, o encostar na parede, o bater porta, o arrastar da cadeira ou até
mesmo o silêncio, sobre o qual se projecta o som.

“As obras expressam na luz a carga potencial e expansiva que o


silêncio tem para Kahn na forma construída: suas obras,
poderíamos dizer, são a expressão contruída desse silêncio do
que não podemos falar. E essa realidade aparentemente
irreversível, essa palavra tão poeticamente carregada - “silêncio”
-, tem uma expressão material, uma forma construída, uma voz
mensurável e controlável com mecanismos arquitectónicos,
construtivos, materiais, cromáticos e geométricos” Juárez, 2006, 207

O Arquitecto não se pode esquecer destes aspectos tão importantes, devendo


estar atento e sensível a estas questões, avaliando as características sonoras
dos materiais, para que se produza o tipo de som desejado e adequado num
determinado espaço.

“Hoje, a preocupação acústica não é apenas uma questão de


condicionamento acústico do ambiente, mas também de controlo
de ruído e preservação da qualidade ambiental. A questão da
acústica urbana passa a ter mais importância do que até então,
pois o número de fontes produtoras de ruído é cada vez maior e
as consequências desses ruídos para o homem são cada vez
mais prejudiciais.” Souza, Almeida e Bragança, 2003, 2

388 As Sensações e as Emoções na Arquitectura


Capítulo II - Com a necessidade de sobrevivência do Homem…

2.4.1.3.1 Isolamento acústico


Refere-se à capacidade dos materiais constituírem, ou não, uma barreira ao
som, impedindo que as ondas sonoras passem de um espaço para outro.
Normalmente, a solução para isolar um compartimento acusticamente passa
por usar materiais densos, como o betão, o vidro, o aço, etc. No entanto estes
materiais, apesar de apresentarem elevados níveis de redução sonora,
possuem baixos níveis de absorção sonora.

2.4.1.3.2 Absorção sonora


Os materiais podem ser absorventes ou reflectores das ondas sonoras. A
absorção minimiza a reflexão das ondas sonoras no mesmo espaço. A
reflexão do som pode causar eco e reverberação. O eco é o som reflectido
pelas superfícies e distingue-se do som directo.
A reverberação é o prolongamento de um som após o fim da emissão da fonte
sonora e ocorre quando o som reflectido atinge o observador, no momento em
que o som directo está a extinguir-se prolongando a sensação auditiva.
Este fenómeno sonoro pode ajudar a compreender o que é dito por um orador
num auditório, mas em excesso pode atrapalhar o entendimento. Os materiais
com maior absorção sonora são aqueles mais porosos, como fibras, tecidos,
carpetes, etc, materiais cuja capacidade de isolar é praticamente nula.
O uso de materiais, com muita ou pouca capacidade de absorção sonora, vai
determinar o carácter do espaço. Imaginemos dois espaços com as mesmas
dimensões.

As Sensações e as Emoções na Arquitectura 389


Capítulo II - Com a necessidade de sobrevivência do Homem…

Um, pavimentado a alcatifa, um material com boa absorção sonora, vai ser
completamente diferente do outro, revestido a mármore ou pedra. O primeiro
será um espaço confortável onde os ruídos de passos ou vozes são
parcialmente absorvidos pelo material.
Devido ao carácter reflector do mármore, o segundo espaço será
caracterizado pela forte reverberação, onde predominará o eco de qualquer
som. No entanto, o primeiro parecer-nos-á mais pequeno que o segundo.
A reverberação amplifica o poder do espaço, dotando o espaço de um carácter
mais monumental e dramático. Esta característica é mais evidente se o
espaço estiver vazio. A presença de um simples tapete pode retirar ao espaço
este dramatismo acústico, tornando-o mais confortável.

2.4.1.3.3 Frequência de ressonância


A ressonância é quando um corpo vibra por influência de outro, na mesma
frequência. Os materiais têm diferentes frequências de ressonância.

“Como cada objeto, superfície ou material tem sua capacidade


de vibrar em determinadas faixas de frequência, é muito
comum que em edificações ocorram ressonâncias devido às
coincidências entre as frequências de suas superfícies e as da
fonte sonora. A propriedade da ressonância foi explorada nos
teatros romanos para aumentar o tempo de permanência do
som do ar, através da aplicação de ressonadores de bronze
distribuídos pela plateia.” Souza, Almeida e Bragança, 2003, 40

390 As Sensações e as Emoções na Arquitectura


Capítulo II - Com a necessidade de sobrevivência do Homem…

Considerando que não existem materiais “melhores” ou “piores” para soluções


acústicas, o que existe é a adequação de determinado material para a
finalidade que se deseja.
Há que ter em atenção que só porque um material funcionou em determinada
situação, poderá não funcionar noutro local ou aplicação.

2.4.1.4 Estímulos Olfactivos


Os cheiros também têm um papel preponderante no conhecimento da obra
arquitectónica pois estão directamente ligados às nossas emoções e
recordações.
O olfacto dá-nos uma ligação directa ao meio ambiente. Um determinado
cheiro fica gravado na nossa memória, associado à vivência do espaço onde
o sentimos.
O sentido do olfacto é importante no que diz respeito à orientação espacial e
pode atrair a pessoa e guia-la para um determinado espaço.

“Tal como a luz e o som, a comida e a bebida constituem


elementos indissociáveis do ambiente em que vivemos. Os
sabores típicos dos países, das regiões, das cidades são
frequentemente um dos seus importantes cartões de visita,
condicionando consideravelmente as vivências que temos
nesses locais.” Muga, 2005, 55

As Sensações e as Emoções na Arquitectura 391


Capítulo II - Com a necessidade de sobrevivência do Homem…

Também podemos usufruir das qualidades olfactivas dos materiais para


marcar um espaço ou destacá-lo. Os estímulos olfactivos dão-lhe um carácter
e diferenciam-no.
Conseguimos essa diferença pelo uso de materiais que naturalmente
possuem um cheiro perceptível, como a madeira.
O cheiro dos acabamentos das superfícies, como o do verniz, por exemplo,
são bastante activos quando aplicados mas, no entanto, desaparecem
gradualmente com o passar do tempo.

“A grande influência do olfacto ao nível das emoções e do


desejo está na base de uma recente técnica de vendas: o
marketing aromático. A aromatização do ambiente de uma
loja de apoio aos clientes, por exemplo, permite uma
melhoria da qualidade do ar, minimiza o estresse e
ansiedade em situações de espera ou de tensão, reforça
a atenção e desafia à descoberta do produto.” Muga, 2005, 54

392 As Sensações e as Emoções na Arquitectura


Conclusão

CONCLUSÃO

As Sensações e as Emoções na Arquitectura 393


Conclusão

394 As Sensações e as Emoções na Arquitectura


Conclusão

Conclusão
O homem primordial até ao aparecimento das primeiras civilizações, foi
essencialmente emocional, manifestando interesse sobre o significado da sua
existência, sendo que as questões sobre a mente nunca passaram de crenças
e superstições assentando em ideias de ordem espiritual, entre as coisas boas
e as coisas más do mundo exterior, acreditando que pela via dos rituais e
feitiçarias punham ordem no mundo. Independentemente da cultura, da sua
condição climatérico-geográfica e do tempo em que se deu e quando agiu,
designadamente, quando a materializou através da sua obra, contagiou o
meio com um pouco de si, modificando-o com a sua identidade, numa
reciprocidade cíclica entre o sujeito-meio-expressão-comunicação. Com a
passagem do nomadismo para o sedentarismo, quando começou a sentir
necessidade de comunicar e socializar, potenciou o seu hemisfério racional
pela via dos enigmas do cosmos e do mundo transcendental que deram lugar
ao aparecimento da escrita, da Astronomia, da Matemática e da Geometria.
Contudo, essa proeza não foi tão rápida para todos. Os faraós, dando conta
disso pela via das construções austeras, passaram as sensações de medo e
pavor necessárias para a monopolização dos escravos e de um povo que se
pretendia subserviente. O espírito democrático helenístico que resultou das
trocas comerciais marítimas, a partir dos avanços egípcios que levaram ao
aparecimento da Geometria euclidiana e dos princípios de harmonia orientais,
configuraram as dimensões mensuráveis que melhor serviriam a Arquitectura,
com sensações de harmonia representativas da sua cultura.

As Sensações e as Emoções na Arquitectura 395


Conclusão

A partir de Hipócrates, os gregos procuraram compreender o funcionamento


da mente, com preocupações que se prenderam com os seus princípios
humanistas, essência que inspiraria todo o classicismo e contribuiria
largamente para que se desse o grande avanço do pensamento na
Humanidade.
Os romanos, possuidores das técnicas mais avançadas, percebendo a
importância que os princípios helenísticos alcançaram na órbita mediterrânica,
aproximaram-se e adoptaram-nos na sua cultura, minimizando aquele espírito
de conquista e sobranceria que sempre os caracterizou.
Absorvendo conhecimentos que iriam ser determinantes no futuro da
Arquitectura Romana, como foi o caso mais tarde pela via de Santo Agostinho
com o aparecimento da Arquitectura Românica, representativa do mundo
sensível de Platão e, depois pela via dos tomistas com a valorização da luz
nas catedrais medievais levando à Arquitectura Gótica, representativa do
mundo inteligível de Aristóteles.
A Idade Média, é de certa forma marcada pela Fé, ficando algo distante das
questões relacionadas com o estudo do homem.
A partir da entrada do Cristianismo em Roma e, mais tarde, com a expansão
do Islamismo, encontrou-se entre a Fé e a Razão, entre a Bíblia e o Corão, a
construção da Razão entre estes dois mundos diferentes. Numa época em
que o mundo Oriental parecia polarizado pela Fé dentro do seu mundo
contemplativo e intuitivo que foi petrificado pela extraordinária expressividade
da sua Arquitectura.

396 As Sensações e as Emoções na Arquitectura


Conclusão

No final da Idade Média, os grandes progressos introduzidos pelo Gótico quer


ao nível construtivo quer ao nível do espaço sensorial, não impediram algumas
inflexões arquitectónicas que puseram em causa os conceitos medievais da
ordem do universo e da sociedade.
Foi com o aparecimento de um novo Humanismo, em Itália, pela via de Alberti
e Brunelleschi que se traçaram as leis matemáticas e geométricas que
glorificariam a era da Razão na Arquitectura renascentista, onde viria a
acontecer a maior revolução do pensamento humano.
O classicismo renascentista e depois o Barroco fizeram o seu caminho entre
o Racionalismo de Descartes e o Empirismo de John Locke, traduzindo um
espírito dualista quase espinosiano, entre a Razão e a Emoção. Já a
passagem do neoclassicismo veio constituir uma reacção aos excessos do
Barroco e do Rococó, com a introdução da pureza, do equilíbrio e da
simplicidade nas suas formas.
A síntese do período Iluminista entre as linhas da Razão e da Emoção,
proposta pelos Arquitectos utopistas franceses, inspirados pelo sublime e o
belo de Burke com uma hermenêutica para a Arquitectura, juntando a teoria
dos irmãos ingleses Robert e James Adam relacionada com a ‘Arquitectura
sentimental’ se anunciaria o Romantismo.
Já a partir da síntese kantiana do idealismo transcendental com todos os
desdobramentos ocorridos no movimento romântico alemão e seus
sucessores chegaríamos à introdução da ornamentação na Arquitectura por
Schinkel, muito influenciado por Schopenhauer.

As Sensações e as Emoções na Arquitectura 397


Conclusão

Isto tudo, sem esquecer os fundamentos de Semper e a Teoria da empatia de


Vischer com o Einfühlung, que nos levaria à glória da Emoção na Arquitectura,
entre o Romantismo e o Historicismo.
O período dos artistas românticos passaria a espelhar o estado de espírito que
se vivia, tratando os sentimentos e as emoções nas suas obras, onde a arte
era o fruto da inspiração do sujeito que expressava o belo, que era
comunicado de acordo com o pensamento. Defendendo a primazia da emoção
sobre a razão e a livre manifestação da sensibilidade, que estava rendida ao
culto da natureza que residia na intuição de cada um. Lembrar-nos-emos de
Gaudi elevando a sua obra da sua intuição mais pura à grande magia do
sensorialismo do que ele pode oferecer à Arquitectura.
Apesar de algumas resistências encontradas em Ruskin e Le Duc, pela visão
medievalista, a Arquitectura Moderna avançava pela via do romantismo e
historicismo no momento em que acontecia a revolução industrial, com todo o
desenvolvimento que isso nos trouxe.
O progresso das técnicas construtivas e dos materiais ampliara
significativamente a liberdade de expressão dos Arquitectos, como confirmaria
a Arte Nova através da sua grande expressividade alusiva à natureza. Já
August Perret, pertencente a um movimento racionalista, com a utilização do
betão pela primeira vez na Arquitectura, propunha um novo classicismo
estrutural. No entanto, a cultura conservadora dos ocidentais, ainda muito
agarrada ao classicismo, assistia com alguma inquietação aos progressos
arquitectónicos que se desdobraram rapidamente, muito pela grande
variedade de expressão criativa que estas inovações criaram.

398 As Sensações e as Emoções na Arquitectura


Conclusão

Surgiam novas contribuições orientadas para a actividade projectual


baseadas nas experiências neuropsicofisiológicas da Gestalt e,
posteriormente, com a Bauhaus que levariam a novas formulações de ordem
sensorial que contribuíram para o estudo dos espaços interiores, espaços
urbanos e dos estudos dinâmicos da forma arquitectónica.
Anunciava-se uma nova esperança para o futuro da Arquitectura, entre os
avanços dos materiais e das técnicas construtivas, entre os valores da Razão
e da Emoção e agora, mais do que nunca, os da Sensação, que seriam
amplificados pelos movimentos que lhe seguiram expressando noções de
progresso e de ciência.
A entrada dos princípios arquitectónicos nos EUA deram-se de uma forma
mais desapegada relativamente aos europeus que, contudo, absorveram os
conceitos do classicismo e do racionalismo romântico que os europeus viviam
na época e pelos quais traçaram o seu caminho. Sería o caso da Escola de
Chicago, que lançaria nomes incontornáveis na Arquitectura como Louis
Sullivan.
No funcionalismo da obra de Sullivan sentia-se já um pouco desse
distanciamento clássico a avaliar pela riqueza da expressão que introduzira
nos materiais, pela forma como ornamentava e decorava os seus edifícios,
com detalhes de grande pormenor alusivos à natureza, anunciando a
transição pela via da Razão e da Emoção para o organicismo. Mas seriam,
Frank Lloyd Wright, Alvar Aalto, Mies Van der Rohe e Le Corbusier, os que
mais Arquitectos contagiaram e, com isso, mais contribuíram para a
contaminação do panorama geral da Arquitectura Moderna.

As Sensações e as Emoções na Arquitectura 399


Conclusão

Enquanto em Mies a Razão acolheu a Emoção, quando dizia que os espaços


vazios deveriam ser preenchidos pela vida, em Le Corbusier a Emoção
passou a acolher a Razão, quando pensou na casa como máquina para
habitar. Frank Lloyd Wright e Alvar Aalto conduziam a Arquitectura pelas
linhas da razão e da emoção que levaram a Arquitectura à glória da Sensação.
O Pós-modernismo deu-se a partir dos anos sessenta com o desenvolvimento
tecnológico, assistindo-se a grandes transformações na vida das pessoas,
mais concretamente, quando a sociedade se tornou consumista e, por isso,
algo expectante relativamente a tudo o que era novo.
Geraram-se estímulos pela procura da novidade face às necessidades dos
mercados, colocando-se o conhecimento do passado em causa, razão pela
qual resultaria um clima de alguma gratuitidade que acabaria por afectar e se
generalizar na Arquitectura, levando-a pelos caminhos da sensacionalização.
Ironicamente, nos últimos anos, pela via da sensacionalização arquitectónica,
assistimos a uma certa forma de comunicação mais elevada que a expressão
artística tem para oferecer.
Como acontece com a Arquitectura desconstrutivista, inspirada pelo discurso
deuleziano, que de certa forma levara este movimento à representação da
metaforização da vida pela via de linhas de grande inteligibilidade, a
moldagem das sensações da forma alusiva ao que a vida actual nos
transformou, representando as incertezas do mundo.
Nos últimos anos, para fazer face às crises conjunturais, estruturais e
ambientais surgiram novas preocupações assentes em discursos
programáticos de eficiência, sustentabilidade e multifuncionalidade.

400 As Sensações e as Emoções na Arquitectura


Conclusão

Pela procura de soluções para os problemas do mundo globalizado e na


preservação do meio ambiente, através de alternativas que tornem a
Arquitectura mais eficaz, surgiram os movimentos ecológicos.
Se, por um lado, o grande desenvolvimento das tecnologias de informação e
comunicação, verificado nos últimos anos, possibilitou o avanço das Ciências,
da Engenharia, da Medicina e da Arquitectura, devemos estar certos da crise
de valores que se foi instalando na sociedade. Uma crise de identidade que
parece reflectir-se agora através desta nova cultura de consumismo ligada à
tentação do mundo material, com as consequências que são conhecidas de
conjunturas difíceis em que hoje vivemos. As Neurociências apontam para um
certo desequilíbrio entre o lado emocional e o lado cognitivo, pelo grande
desenvolvimento do lado racional e do atraso muito significativo do lado
emocional, pela troca do contacto do mundo natural pelo mundo tecnológico,
constituindo, por isso, um problema preocupante para o homem do futuro com
consequências para o mundo a todos os níveis, onde a Arquitectura parece
não escapar. Circunscrever o fenómeno, que defendemos nesta dissertação,
à dialética do mundo das sensações e das emoções pode parecer insuficiente.
Trata-se pois, de um sistema complexo, transversal e universal onde tudo se
interrelaciona. Mas, fazer esta viagem pelo mundo sensorial e emocional na
Arquitectura aproximando-a das ciências do foro neuropsicofisiológico, no
momento em que estão acontecer os mais recentes avanços relativamente ao
conhecimento do homem através das Neurociências permite-nos lançar novos
elementos para o debate e, quem sabe, para a descoberta de novos caminhos
de que tanto precisamos.

As Sensações e as Emoções na Arquitectura 401


Conclusão

O conhecimento desta temática assume uma reflexão tal, que pode ser útil
estender a outras áreas e até a nós próprios, pela utilidade que pode ter no
nosso desenvolvimento intelectual. No caso da Arquitectura, a compreensão
deste processo é, sem dúvida alguma, fundamental para percebermos a sua
história que, através dos seus grandes mestres, os quais realmente a
perceberam, a reeditaram através dos mais variados movimentos da
Arquitectura. A Arquitectura, através da matéria, reproduziu a história da
humanidade percebendo-se a intenção da concretização do pensamento do
seu tempo no espaço que tanto influenciou o homem.
Num momento em que se acentuam incertezas e uma descrença generalizada
entre os Arquitectos, torna-se absolutamente central, encontrar equações que
nos levem a novos caminhos, com a lucidez necessária para encararmos o
presente com serenidade e naturalidade, porque a história nos ensinou a
compreender através dos seus desdobramentos que sempre se deram novos
avanços e novos rumos.
Acreditamos por isso, estar a anunciar-se um novo ciclo e para que esse ciclo
nos traga uma nova esperança, em particular para nós Arquitectos, será
absolutamente necessário abandonarmos o discurso pessimista, caótico e
destrutivo ainda que, por vezes, seja necessário desconstruir para construir.
Esses ciclos que falamos deram-se e a história avançou.
Nós Arquitectos fizemos parte dela e através dos nossos grandes mestres e
demais movimentos demos a nossa contribuição, desde a inovação das
técnicas construtivas às novas teorias arquitectónicas, contaminando o meio
e através da obra as próprias pessoas.

402 As Sensações e as Emoções na Arquitectura


Conclusão

Num contexto arquitectónico onde predomina uma apatia generalizada, algo


expectante e resignada face ao escasso peso que actualmente exercemos
nas estruturas de decisão, é o momento de fazer algo mais, tanto pela
consciencialização dos valores essenciais da humanidade, com todas as
preocupações de ordem ambiental e social, como pela implementação de
acções que contribuam para a recuperação de valores, maior solidariedade e
universalidade para uma globalidade verdadeiramente planetária.
Enquanto sujeitos sensíveis a todas estas questões, dotados de sensibilidade
e de uma criatividade que nos é peculiar, bem poderia ser o momento de nos
colocarmos ao serviço da humanidade, desmultiplicando e ampliando o nosso
raio de acção, pela via da interdisciplinariedade, por áreas de especialização
muito mais abrangentes do que as actuais, como as do foro
neuropsicofisiológico, numa linha programática que bem poderia passar por
algum tipo de reestruturação e reorganização das instituições que pensam a
Arquitectura na consolidação conjunta de fundamentos que nos tornem mais
fortes e determinantes nos tempos difíceis que se avizinham, pelos valores
essencias da vida.
A Arquitectura contamina o espaço e contagia o homem, pelo peso que teve
na história da humanidade, por estar directamente ligada às questões do
homem e do ambiente, tem o dever de desempenhar um papel mais pró-
activo, interpretar os sinais da sociedade com um olhar sócio-antropológico,
ter maior responsabilidade social e ambiental que, inevitavelmente ficará
sempre ligada à Razão.

As Sensações e as Emoções na Arquitectura 403


Conclusão

Assim, no seguimento do contexto histórico que aqui apresentamos, sem


querer parecer que estamos a encerrar a problemática com qualquer tipo de
formulação, muito gostaríamos de apontar apenas alguns caminhos para o
futuro da Arquitectura. Estamos conscientes dos problemas do mundo actual
que vemos confirmados pelas recentes preocupações das Neurociências,
relativamente à descompensação do nosso hemisfério cerebral emocional.
Nesse sentido, muito prestaríamos à sociedade se os novos caminhos se
pautassem por uma nova era - A Era da Sensação à Emoção.
O futuro da Arquitectura poderia muito bem passar por uma espécie de
‘Arquitectura Emocional’ de uma humanidade tal onde o Arquitecto não dê
lugar ao seu ‘ego’. Significará, libertarmo-nos de nós mesmos sem perdermos
a nossa identidade. Oferecendo um pouco de nós por esta causa, passaremos
para fora de nós uma Arquitectura mais humana, mais solidária, mais
responsável, mais empenhada e comprometida com as pessoas, com os
espaços, com as cidades e com o mundo.
A Arquitectura enriquece e o mundo agradece.

404 As Sensações e as Emoções na Arquitectura


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As Sensações e as Emoções na Arquitectura 405


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406 As Sensações e as Emoções na Arquitectura


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416 As Sensações e as Emoções na Arquitectura


Resumen de la Tesis

ANEXOS

Las sensaciones y las emociones en la Arquitectura 417


Resumen de la tesis

418 Las sensaciones y las emociones en la Arquitectura


Resumen de la Tesis

Resumen
"Las sensaciones y las emociones en la Arquitectura" son un tema de tal
manera integral, que la investigación más exhaustiva podría llevar a una
verdadera enciclopedia de la arquitectura.
Sin embargo es de particular interés notar la existencia de un fenómeno cíclico
dinâmico-contagioso que se produjo entre el medio y el sujeto, su expresión y
su forma de comunicación durante todo el proceso evolutivo de la arquitectura
que determina la aparición de movimientos arquitectónicos.
Podemos ver a lo largo de la historia de los movimientos de la arquitectura, la
existencia de una especie de divisiones entre el mundo de las sensaciones y
de las emociones a través del proceso creativo, como expresión ideológica de
una clase particular donde formaron los valores éticos y estéticos, y la obra
construida más centrada en el usuario y su interacción con el medio ambiente.
Los movimientos tenían en la filosofía, fundamentos que relacionaron los
problemas de la existencia humana al conocimiento de la verdad de la mente
con el lenguaje, siempre una utilidad vital en todas las otras ciencias, como
fue el caso de la arquitectura, que constituyó la base de muchas ideologías y
movimientos arquitectónicos.
Los grandes maestros de la filosofía que comprendiendo la grandeza del arte
multisensorial en la representación de los valores del hombre, por su contagio,
construyeron valores estéticos representativos de sus doctrinas a lo largo de
su historia. El tema se divide en dos capítulos.

Las sensaciones y las emociones en la Arquitectura 419


Resumen de la tesis

Comienza explicando cómo se procesan los acontecimientos cíclicos a través


de la dialéctica que se presentan a lo largo del período más importante del
proceso evolutivo entre la arquitectura y el medio ambiente. En este contexto,
se han identificado cuatro momentos en los que tenemos grandes câmbios de
ciclo a través de este viaje por el mundo de las sensaciones y de las
emociones en la arquitectura, que coinciden con la periodización histórica de
las Edades, dónde encajamos a la Edad Antigua cómo la Era de la Emoción a
la Razón; La Edad Media, la Era de la Razón; La Edad Moderna, la Era de la
Razón a la Emoción y en la Edad Contemporánea, la Era de la Emoción a la
Sensación.
En el segundo capítulo vamos a demostrar cómo ocurrió este proceso de
contagio que hablamos, que dividimos en cuatro fases: el medio, el sujeto, la
expresión y la comunicación.
Sabemos que nuestros sentidos tuvieron su desarrollo desde el momento en
que nuestra especie tuvo necesidad de responder a sus necesidades básicas
de supervivencia y adaptación a la naturaleza, que a través de la interacción
con el medio ambiente, retiró de las sensaciones, la información necesaria
para la construcción de su percepción del espacio.
Por lo tanto, comenzamos por hablar del medio ambiente y de los procesos
psicológicos mediante el cual el hombre interactuaba, de paso por el sujeto
usando a las teorías de foro neuropsicofisiológico para entender la influencia
que la identidad del arquitecto tiene en su trabajo, en relación con su
expresión.

420 Las sensaciones y las emociones en la Arquitectura


Resumen de la Tesis

En particular, cuando el sujeto y el diseño establecen en la arquitectura la


forma de comunicación y expresión de su pensamiento como la experiencia
del devenir y la preeminencia que los estudios recientes sobre las emociones
deben tener, en la concienciación de los futuros Arquitectos y en el futuro de
la arquitectura, a través de los materiales en el diseño arquitectónico como
vehículo transmissor de sensaciones. Tomamos nota de que la arquitectura,
a través del diseño, expresó las emociones del arquitecto y, a través de los
materiales, las sensaciones de su obra.
El hombre primordial hasta la aparición de las primeras civilizaciones, era
esencialmente emocional, expresando su preocupación por el significado de
su existencia, siendo que las preguntas sobre la mente nunca han passado de
creencias y supersticiones basadas en ideas de orden espiritual entre las
cosas buenas y las cosas malas del mundo exterior, creyendo que por medio
de rituales y brujerías ponian orden en el mundo.
Independientemente de la cultura, de su condicion climática y geográfica y del
momento en que ocurrió y cuando lo hizo, es decir, cuando la materializó a
través de su trabajo, contagió el médio con un poco de si mismo, modificándolo
con su identidad en un recíproco cíclico entre el sujeto-medio-expresión-
comunicación. Con el paso del nomadismo al sedentarismo, cuando comenzó
a sentir la necesidad de comunicar y socializar, potenció el hemisferio racional
por medio de los enigmas del cosmos y del mundo trascendental que dieron
lugar a la aparición de la escritura, de la Astronomía, de las Matemáticas y de
la Geometría.

Las sensaciones y las emociones en la Arquitectura 421


Resumen de la tesis

Sin embargo, esta hazaña no fue tan rápida para todo el mundo. Los faraones,
dándose cuenta de esto mismo por medio de los edificios austeros, pasaron
las sensaciones de miedo y terror necesarios para la monopolización de los
esclavos y de un pueblo que se pretendia servil. El espíritu democrático
helenística que resultó del comercio marítimo, a partir de los avances egipcios
que llevaron a la aparición de la Geometría euclidiana y de los princípios de
armonía orientales, han configurado las dimensiones mensurables que sirven
mejor a la arquitectura, con sensaciones de armonía representantivas de su
cultura. A partir de Hipócrates, los griegos buscaron entender cómo funciona
la mente, con preocupaciónes relacionadas con sus principios humanistas,
esencia que inspiraria todo el clasicismo y contribuiria en gran medida a lo
avance del pensamiento en la humanidad. Los romanos que poseían las
técnicas más avanzadas, dándose cuenta de la importancia de los principios
helenísticos alcanzados en la órbita mediterránea, se acercó y los adoptó en
su cultura, minimizando ese espíritu de conquista y arrogancia que siempre
les ha caracterizado.
Absorbiendo conocimientos que serían decisivos en el futuro de la arquitectura
romana, como fue el caso más tarde a través de San Agustín com la aparición
de la arquitectura románica, representante del mundo sensible de Platón y
luego por medio de los tomistas con la mejora de la luz en las catedrales
mediavales que condució a la Arquitectura Gótica, representante del mundo
inteligible de Aristóteles.

422 Las sensaciones y las emociones en la Arquitectura


Resumen de la Tesis

La Edad Media, es de alguna manera marcada por la fe, quedando-se algo


aparte de las cuestiones relacionadas con el estudio del hombre.
Desde la entrada del cristianismo en Roma y, más tarde, con la expansión del
Islam, fue encontrado entre fe y razón, entre la Biblia y el Corán, la
construcción de la Razón entre estos dos mundos diferentes.
En el momento en que el mundo oriental parecia se polariza por la fe dentro
de su mundo contemplativo e intuitivo que fue paralizado por la extraordinaria
expresividad de su arquitectura.
Al final de la Edad Media, los grandes avances introducidos por el gótico quiere
al nivel constructivo quiere en el plano del espacio sensorial, no impidió
algunas inflexiones arquitectónicas que han cuestionado los conceptos
medievales del orden del universo y de la sociedad.
Fue con la aparición de un nuevo humanismo, en Italia, por medio de Alberti y
Brunelleschi que se dibujaran las leyes matemáticas y geométricas que
glorificarian la era de la Razón en la arquitectura renacentista, donde había de
venir la mayor revolución del pensamiento humano.
El clasicismo renacentista y barroco luego hizo su camino entre el
racionalismo de Descartes y el empirismo de John Locke, que representa a
una mente dualista casi Spinoza, entre Razón y Emoción. Ya el neoclasicismo
vino constituir una reacción a los excesos del barroco y rococó, con la
introducción de la pureza, equilibrio y simplicidad en sus formas.
La síntesis deI período Iluminista entre las líneas de la Razón y Emoción
propuestas por los arquitectos utópicos franceses, inspirados en lo sublime y
lo bello de Burke con una hermenéutica para la arquitectura, que combina la

Las sensaciones y las emociones en la Arquitectura 423


Resumen de la tesis

teoría de los hermanos ingleses Robert y James Adam relacionada con la


"arquitectura sentimental " se anunció el Romanticismo.
Ya a partir de la síntesis kantiana del idealismo trascendental con todos los
desarrollos en el movimiento romántico alemán y sus sucesores llegamos a la
introducción de la ornamentación en la arquitectura por Schinkel, muy influido
por Schopenhauer.
Todo esto, sin olvidar los fundamentos de Semper y Vischer de la teoría de la
empatía con Einfühlung, que nos llevaría a la gloria de la emoción en la
Arquitectura, entre el romanticismo y el historicismo.
El período de los artistas románticos reflejaría el estado de ánimo que se
estaba viviendo, tratando los sentimientos y emociones en sus obras, donde
el arte era el fruto de la inspiración del sujeto que expresa el bello, que era
comunicado de acuerdo con el pensamiento.
Defendiendo la primacía de la Emoción sobre la Razón y la libre expresión de
la sensibilidad, que estaba rendida a la adoración de la naturaleza que residía
en la intuición de cada uno. Recuerdese a Gaudí elevando su obra de su
intuición mas pura a la gran magia del sensorialismo de lo que el puede ofrecer
a la arquitectura. No obstante, ciertas resistencias encuentras en Ruskin y Le
Duc, por la visión medievalista, la arquitectura moderna avanzaba a través del
romanticismo y el historicismo en el momento en que ocurrió la revolución
industrial, con todo el desarrollo que nos ha traído.
El progreso de las técnicas y materiales de construcción aumentó
significativamente la libertad de expresión de los Arquitectos como confirmaria
el Art Nouveau a través de su gran expresividad en alusión a la naturaleza.

424 Las sensaciones y las emociones en la Arquitectura


Resumen de la Tesis

Desde August Perret, perteneciente a un movimiento racionalista, con el uso


del hormigón por primera vez en la arquitectura, propuso un nuevo clasicismo
estructural. Sin embargo, la cultura conservadora de Occidente, todavia muy
aferrada al clasicismo, veia con preocupación los desarrollos arquitectónicos
que se desarrollaron rápidamente, muy por la amplia variedad de la expresión
creativa que estas innovaciones han creado.
Aparecieron nuevas contribuciones a la actividad orientada a los proyectos
basados en experiencias neuropsicofisiológicas de la Gestalt y más tarde con
la Bauhaus que daría lugar a nuevas formulaciones de orden sensorial que
contribuyeron al estudio de los espacios interiores, espacios urbanos y
estudios dinámicos de la forma arquitectónica.
Se anunciaba una nueva esperanza para el futuro de la arquitectura, entre los
avances de materiales y técnicas de construcción, entre los valores de la
Razón y Emoción y ahora, más que nunca, la sensación, que se amplifica por
los movimientos que le siguieron expresando nociones de progreso y de
ciencia.
La entrada de los principios arquitectonicos en los Estados Unidos se dieron
de una manera más independiente en relación con los europeos, sin embargo,
absorbieron los conceptos de clasicismo y racionalismo romántico que los
europeos estaban viviendo en ese momento y por los cuales trazaron su
camino.
Seria el caso de la escuela de Chicago, que lanzaria grandes nombres en la
arquitectura como Louis Sullivan.

Las sensaciones y las emociones en la Arquitectura 425


Resumen de la tesis

En el funcionalismo de la obra de Sullivan se sentia ya la distancia clásica para


evaluar por la expresión que se incluyó en los materiales, por cierto
ornamentando y decorando sus edificios con detalles representativos de la
naturaleza, anunciando la transición a través de la Razón y la Emoción para
el organicismo.
Pero sería, Frank Lloyd Wright, Alvar Aalto, Mies Van der Rohe y Le Corbusier,
que más arquitectos han contaminado y con ello mas contribuyeron a la
contaminación del panorama general de la arquitectura moderna.
Mientras en Mies la Razón dio la bienvenida a la Emoción, cuando dijo que los
espácios vacíos se deberian llenar por la vida, en Le Corbusier fue la Emoción
que ha acogido la Razón, cuando ha pensado la casa como una máquina para
habitar. Frank Lloyd Wright y Alvar Aalto llevaron la arquitectura a lo largo de
las líneas de la Razón y la Emoción que llevaron la arquitectura a la gloria de
la Sensación.
El posmodernismo se rindió a partir de los años sesenta con el desarrollo
tecnológico, viendo los grandes cambios en la vida de las personas,
especialmente cuando la sociedad se volvió consumista y, por tanto, algo
expectante en relación con todo lo que era nuevo, llevando la Arquitectura por
caminos de sensacionalismo.
Irónicamente, en los últimos años, por médio del sensacionalismo
arquitectónico, vemos una cierta forma de comunicación más alta que la
expresión artística tiene para ofrecer.

426 Las sensaciones y las emociones en la Arquitectura


Resumen de la Tesis

Al igual que con la arquitectura deconstructivista, inspirada en el discurso


deuleziano, que de alguna manera llevó este movimiento a la representación
de las metáforas de la vida por medio de líneas de gran inteligibilidad, el
moldeado de las sensaciones de manera alusiva a lo que la vida moderna nos
ha hecho, lo que representa las incertidumbres del mundo.
En los últimos años, para hacer frente a las crisis cíclicas, las crisis
estructurales y ambientales surgieron nuevas preocupaciones basadas en
discursos programáticos de eficiencia, sostenibilidad y multifuncionalidad en
la búsqueda de soluciones a los problemas del mundo globalizado y a la
preservación del medio ambiente a través de alternativas que hacen que la
arquitectura sea más efectiva, emergiendo movimientos ecologistas.
Se, por un lado, en los últimos años el gran desarrollo de las tecnologías de
información hizo posible el avance de la Ciencia, la Ingeniería, la Medicina y
la Arquitectura, tenemos que estar seguros de la crisis de valores que se fue
instalando en la sociedad. Una crisis de identidad que parece reflejarse ahora
a través de esta nueva cultura del consumismo vinculado a la tentación del
mundo material, con las consecuencias que se conocen de entornos difíciles
en que vivimos hoy.
Las Neurociencias apuntan a un desequilibrio entre la parte emocional y la
parte cognitiva, por el gran desarrollo de la parte racional y el retraso muy
sustancial del lado emocional, el intercambio de contactos del mundo natural
por el mundo tecnológico, constituyendo, por tanto, un problema preocupante
para el futuro del hombre con consecuencias para el mundo en todos los
niveles, donde la arquitectura no parece escapar.

Las sensaciones y las emociones en la Arquitectura 427


Resumen de la tesis

Circunscribir el fenómeno, que defendemos en esta tesis, a la dialéctica del


mundo de sensaciones y emociones puede parecer insuficiente. Se trata de
un sistema complejo, transversal y universal donde todo está interrelacionado.
Pero hacer este viaje por el mundo sensorial y emocional en la Arquitectura
acercándose a las ciencias del foro neuropsicofisiológico, en el momento en
que están sucediendo las últimas novedades relacionadas con el
conocimiento de los seres humanos a través de las Neurociencias nos permite
introducir nuevos elementos al debate, y quién sabe, para descubrir nuevos
caminos que tanto necesitamos.
El conocimiento de este tema supone un reflejo tal, que puede ser útil para
extender a las otras áreas y a nosotros mismos, por la utilidad que puede tener
en nuestro desarrollo intelectual. En el caso de la Arquitectura, la comprensión
de este proceso es, sin duda, fundamental para darse cuenta de su historia
que a través de sus grandes maestros los cuales realmente se dieron cuenta,
la reeditaron por médio de los mas variedos movimientos de la Arquitectura.
La arquitectura, a través de la materia, reproducio la historia de la humanidad
percibiendo la intención de completar el pensamiento de su tiempo en el
espacio que tanto influyó en el hombre.
En un momento que se acentúan las incertidumbres y una incredulidad
generalizada entre los arquitectos, se hace absolutamente central, encontrar
ecuaciones que nos llevan a nuevas formas, con la claridad necesaria para
afrontar el presente con serenidad y naturalidad, porque la historia nos ha
enseñado a entender a través de sus desarrollos, que siempre se dieron
nuevos impulsos y nuevas direcciones.

428 Las sensaciones y las emociones en la Arquitectura


Resumen de la Tesis

Creemos, por tanto, que se conocerá un nuevo ciclo y para que este ciclo nos
traiga nuevas esperanzas, sobre todo para nosotros los arquitectos, será
absolutamente necesario abandonar el discurso pesimista, caótico y
destructivo aunque a veces deconstruir es necesario para construir.
En un contexto arquitectónico dominado por una apatía generalizada, algo
expectante y resignada por el peso escaso que actualmente ejercemos en las
estructuras de toma de decisiones, es el momento de hacer más, tanto en la
conciencia de los valores esenciales de la humanidad, con todas las
preocupaciones ambientales y sociales como mediante la implementación de
acciones que contribuyan a la recuperación de valores, de una mayor
solidaridad y la universalidad para un conjunto verdaderamente planetario.
Como sujetos sensibles a todas estas cuestiones, dotados de sensibilidad y
una creatividad en la cual somos peculiares, bien podría ser el momento de
ponernos al servicio de la humanidad, desmultiplicando y ampliando nuestro
ámbito de actuácion, a través de la interdisciplinariedad, por zonas de
especialización mucho más amplias que las actuales, como las del foro
neuropsicofisiológico, en una línea programática que bien podría pasar por
algún tipo de reestructuración y reorganización de las instituciones que
piensan la arquitectura en la consolidación conjunta de fundamentos que nos
hacen más fuertes y decisivos en los momentos difíciles que tenemos por
delante, por los valores esenciales de la vida.

Las sensaciones y las emociones en la Arquitectura 429


Resumen de la tesis

La arquitectura contamina el espacio e contagia el hombre, por el peso que


tuvo en la historia de la humanidad, al estar directamente relacionada con las
preguntas del hombre y del medio ambiente, tiene el deber de desempeñar un
papel más activo, interpretar las señales de la siciedad con un enfoque socio-
antropológico, tener mayor responsabilidad social y ambiental que
inevitablemente siempre estará vinculada a la Razón.
Así, siguiendo el contexto histórico que aquí se presenta, no queriendo
parecer que estamos cerrando el tema con cualquier tipo de formulación,
también nos gustaría señalar algunos caminos para el futuro de la
Arquitectura. Somos conscientes de los problemas actuales del mundo que
vemos confirmado por recientes preocupaciones de las Neurociencias en
relación con la descompensación de nuestro hemisferio cerebral emocional.
En este sentido, muy prestariamos a la sociedad si los nuevos caminos
pautassem para una nueva era - La Edad de la Sensación a la Emoción.
El futuro de la arquitectura bien podría pasar por una especie de 'Arquitectura
Emocional " de una humanidad tal donde el arquitecto no da lugar a su “yo”.
Significará liberarnos de nosotros mismos sin perder nuestra identidad.
Ofreciendo un poco de nosotros por esta causa, vamos a pasar hacia fuera de
nosotros una arquitectura más humana, más solidaria, más responsable, más
dedicada y comprometida com las personas, con los espacios, con las
ciudades y com el mundo.
La arquitectura enriquece y el mundo agradece.

430 Las sensaciones y las emociones en la Arquitectura

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