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2.

1 Início da ca rreira esportiva


Introd ução
A carreira de um atleta de alto desempenho está atravessada por diferentes
etapas e cada uma delas tem um valor em si mesma, já que é o degra u
anterior para conquistar a seguinte. Pode-se dizer que transitar com sucesso
una etapa, com todas as variáveis que este sucesso implica, é a chave para
estar preparado psicologicamente (estado de maturidade à altura do que está
por vir) na hora de enfrentar futuros desafios. Q uando se diz "transitar com
sucesso" fa z-se referência a que o atleta possua as ferramentas necessárias
para adaptar-se às mudanças e para poder passar pelos contratempos que
possam surgir durante sua carreira esportiva em qualquer das áreas de sua vida.

Um atleta de alto rendimento é formado ao longo de sua vida e é, justamente,


essa formação que determina que a carreira seja bem-sucedida ou não. Para
começar a entender como é a vida de um atleta de Elite, sua carreira será dividida
em etapas e será assinalada a maior quantidade de variáveis que caracterizam
cada etapa para que se entenda melhor o objetivo. A coexistência de tais
variáveis e a harmonia de seu desenvolvimento é um trabalho complexo no
qual intervêm múltiplos personagens. Aqui já nos enfrentamos com outra
realidade porque nosso trabalho como psicólogos, por melhor realizado que
esteja, estará subordinado ao trabalho não só de outros profissionais, mas
também com o grupo familiar do sujeito-atleta. Estes atores em um primeiro
momento são os pais, os amigos, a escola, os treinadores, etc. E, dependendo
dos recursos econômicos do clube ao qual pertencer o sujeito-atleta, podem
intervir outros profissionais, como o médico da instituição, os dirigentes,
manutenção, etc. Por isso, durante o desenvolvimento esportivo é necessário
saber trabalhar com ambientes deste tipo, além de entender a complexidade que
representa para um atleta atravessar com sucesso uma carreira no alto
desempenho.

Como pode-se apreciar, a carreira esportiva está atravessada por diferentes fases
ou etapas: iniciação, aprendizagem, começo da carreira esportiva, competição no
alto desempenho e retirada esportiva (Stambulova, 2007). Traçar uma linha de
tempo e analisar todas as etapas pelas quais transita um atleta de alto
desempenho é um trabalho muito extenso. Cada uma delas oferece muita
informação de índole psicológica, resultante da complexidade que significa
abordar um estilo de vida com fortes compromissos e responsabilidades desde
idades tão precoces e conseguir mantê-lo durante o tempo todo.

O contexto no qual um atleta de elite é formado é determinante. Q ue um talento


esportivo possa desenvolver todo o seu potencial e com isso conseguir melhores
resultados dependerá de inúmeros fatores, entre os quais se encontram:
direcionamento ideal, um estado saudável com ausência de doenças, condição
psicossocial, psicoemocional, motivação, estudos (De Knop, P., 1993). Pode-
se assinalar que o contexto sociocultural (entorno) onde um atleta se
desenvolve
indefectivelmente condiciona sua pessoa, (Rius i Sant, J., 1995) especialmente
nos primeiros anos de vida.

Para conseguir compreender com detalhe cada elemento deste material, serão
definidos a seguir os termos de alto desempenho e elite.
Elite é um grupo minoritário de pessoas que têm um status superior ao resto dos
seres que convivem em sociedade.

Dentro de cada sociedade ou cultura, indefectivelmente existem diferentes tipos


de elites. Isto é produto das diferenças geradas nas sociedades quanto à
redistribuição de recursos. Na medida em que distintos setores sociais vão
gerando autonomia (arte, economia, ciência, política, etc), começam a surgir
elites setoriais que defenderão seus interesses e pontos de vista, ou seja, os
modelos tradicionais.

Neste sentido, um dos problemas centrais das sociedades modernas é a


integração horizontal, isto é, tentar, na medida do possível, que os estratos
sociais não sejam diferenciados. Isto também gera o desafio da integração
vertical, tenta romper barreiras estimulando a fluidez nas comunicações dentro
de uma sociedade. Dentro de um mesmo esporte podem ser encontradas
diferentes elites, por exemplo: em uma equipe de natação, os melhores de
cada prova podem ser considerados a elite desse clube e estarão
acompanhados pelo resto de seus colegas que pode ser que tenham nível mais
baixo que eles quanto aos resultados esportivos dentro desta mesma equipe.

Estas questões estão sendo estudadas desde as origens da civilização, tomando


como ponto de partida os termos ou conceitos de sabedoria e virtude. De
qualquer forma, recém no fim do século XVIII e princípio do XIX é quando a
noção de elite começa a ter relevância. O termo refere-se aos que foram eleitos
por corresponder com virtudes diferentes a dos demais.

Alto Desempenho:

A ideia de Alto Desempenho relaciona-se diretamente com o que se considera


como um bom estado físico ou estado de forma atlética para desenvolver
determinadas habilidades. Neste caso, o concepto alude à otimização do
aproveitamento das capacidades do indivíduo: coordenação, capacidades
condicionais (resistência, força, velocidade) socioafetivas ou emocionais,
psicossociais, cognitivas e técnicas. Todo atleta que conseguir conquistar tais
recursos de maneira ideal lograra estar mais perto de conseguir bons resultados
esportivos, sendo assim um Atleta de Alto Desempenho.

Modelo de carreira esportiva

Durante anos uma corrente da psicologia dedicou-se exclusivamente ao estudo e


à pesquisa de só uma etapa da carreira esportiva, a transição ou o fim da carreira.
A transição refere-se ao momento em que o sujeito-atleta deixa de dedicar-se ao
esporte e começa a transitar a etapa de não-atleta. A maioria dos estudos baseia-
se nesse momento, mas não foi até poucos anos que começou a despertar o
interesse dos psicólogos o estudo de todas as etapas da carreira de um atleta
desde seu início até o final. Isto acontece devido à importância do estudo dos
diferentes momentos pelos quais um atleta passa e de como seus pares e o
ambiente impactam em sua carreira.

O termo ambiente refere-se ao que se encontra próximo ao sujeito-atleta, tudo o


que o rodeia e o influencia de maneira direta. Com esta definição de ambiente,
considera-se que intervêm no sujeito questões do tipo afetivas, sociais,
educativas, geográficas e ecológicas, que podem afetar a pessoa. (Ruiz, L,.
1987).

O ambiente social primário é onde sua identidade, autoestima e motivação são


desenvolvidas para que ele tenha sucesso no esporte. O papel dos pais é
considerado um dos principais agentes socializadores. García Ferrando (2002)
observa que 33% dos atletas olímpicos espanhóis (que conquistaram o alto
desempenho) foram estimulados e influenciados durante sua carreira esportiva,
por sua família para que tivessem a possibilidade de estar enfocados no alto
desempenho. Assim, entende-se que os primeiros pilares para o desenvolvimento
esportivo é a família, por isso pode-se pronosticar que alguma talha nesse vínculo
pode ocasionar eventuais inconvenientes na carreira do atleta.

Considerando o contexto familiar, observam-se outros atores que interagem com


a criança Atleta durante seu desenvolvimento. Estas pessoas que rodeiam o
entorno próximo do atleta ta mbém são tão influentes na sua formação quanto
seus pais.

O sujeito-atleta com o tempo começa a sentir-se um pequeno adulto, já que


assume as responsabilidades desde idades tão precoces. Isto ocasiona alguns
dos primeiros conflitos com os que o sujeito-atleta começa a conviver, entre eles
pode se mencionar a rápida aquisição de compromissos a serem enfrentados: 1-
Cumprir horários de treinamento. 2- Respeitar os estilos nutricionais. 3- Horários
de descanso e sono. 4- Renunciar aos fins de semana com a família ou amigos
para participar de competições esportivas. 5- Combater as adaptações
curriculares para enfrentar a educação nos casos daqueles que decidem
prosseguir com a sua formação obrigatória, etc.

A sociedade influi de maneira direta na vida do sujeito-atleta, não só pelo simples


fato de fazer parte dela, mas por como são delineadas políticas econômicas e
educativas que de alguma maneira vão lhe permitir ou não ingressar em um
projeto esportivo a longo prazo. Um jovem atleta que tem como intenção
alcançar o alto desempenho não tem as mesmas oportunidades vivendo na
América do Norte, Europa ou Austrália que na América do Sul ou África. Os
países com recursos e políticas destinadas a incluir este grupo social geram a
possibilidade de aumentar o número de atletas. Por exemplo, um sujeito-atleta
que vive na América do Sul deve destinar uma grande parte de seu tempo ao
treinamento, já que se dedica a um esporte como a natação. As particularidades
nas metodologias de treinamento deste tipo de esportes levam uma criança que
aspira consagrar-se dentro de sua
regão a treinar em duplo turno (de madrugada e à tarde) mais o treinamento de
academia. A isto acrescenta-se a jornada escolar e extra-escolar conforme alguns
estabelecimentos educativos. Se as instituições educativas não contam com um
programa adaptado à realidade destas crianças, elas têm que enfrentar a
realidade da exigência que implica tanta responsabilidade e muitas vezes é um
caminho ao abandono da prática esportiva ou da formação educativa. É por isso
que as políticas esportivo-educativas devem estar presentes diante deste tipo de
situações, seja com programas curriculares adaptados, residências esportivas ou
com diferentes tipos de bolsas para os gastos que implicam os estilos de vida e as
particularidades de alguns esportes. Nos últimos anos, muitos países (EUA,
Bélgica, França, Espanha, UK...) estão apostando em projetos que incluam a
dupla formação de maneira
simultânea: a formativa/educativa e a esportiva, com o intuito de que seja
compatível a conciliação de ambas as áreas. Ao mesmo tempo está sendo
produzida uma sensibilização da população esportiva e dos diferentes
profissionais que estão presentes sobre a importância do plano A dentro do plano
B (formar-se para o dia de amanhã). Além do mais, a sociedade, e mais
especificamente univer sidades e centros educativos, vão entendendo com
empatia as características particulares desta população, por isso facilitam a
conciliação dos estudos com as horas de treinos, flexibilizando horários ou
dotando de recursos extras (tutor acadêmico para atletas, plataformas online,
mudança de datas de provas devido aos jogos/competições) para trabalhar a
prevenção do abandono escolar.

O problema do abandono escolar merece um profundo estudo. Resultado da falta


de equilíbrio entre o currículo educativo e a realidade de um atleta, este se depara
com a necessidade de destinar mais tempo ao treinamento e termina
abandonando a escola. Isto traz como consequência que em um futuro próximo,
já que as carreiras esportivas são em sua maioria curtas, nos encontremos
com atletas jovens retirados e sem formação escolar. Muchas sociedades não
levam em consideração este grupo de sujeitos que de repente encontram-se
diante dessa realidade, o que gera um duplo problema: por um lado, um sistema
que não está preparado e, por outro, um sujeito-atleta que não conta com as
ferramentas para ingressar no mercado de trabalho. Como psicólogos, aqui
encontra-se um ponto de estudo que deve ser aprofundado.

É sumamente relevante gerar estratégias de intervenção cultural ideais. Os novos


desafios com respeito à assistência de carreiras esportivas deveriam levar em
conta, por exemplo, os serviços interculturais (ajudar os atletas na integração a
uma nova cultura, em caso de viagens ou mudança de clubes), a geração e
ampliação de redes para consultas ou tutorias e a elaboração de sistemas de
avaliação integral que reflita as crenças culturais e os valores específicos dos
atletas.

Ao mesmo tempo, existe no imaginário coletivo a ideia de que um atleta de alto


desempenho só pode conquistar o sucesso em uma disciplina esportiva se ele se
enfocar em seus treinamentos e nas competições. Se isto acontecer assim, uma
distração pode ser gerada no atleta, que pode levá-lo a terminar sua carreira
esportiva sem ferramentas para enfrentar sua retirada. É por este motivo que
deve se pensar na importância de aplicar políticas esportivas voltadas para este
fim.

Ao longo da carreira esportiva existem quatro níveis a serem considerados, cada


um deles com diferentes etapas e as possíveis transições entre elas (Figura 1).

Os níveis referidos e suas correspondentes etapas são: a) o esportivo, que inclui a


iniciação, o desenvolvimento, a excelência e a etapa de retirada, b) o psicológico,
que inclui a infância, a adolescência e a juventude e idade adulta, c) o
psicossocial, em que deve-se considerar a evolução das relaciones com o
entorno, desde os pais nas primeiras etapas, até o/a companheiro/a mais
adiante, além da relação constante com os treinadores, e d) o desenvolvimento
acadêmico e vocacional, que inclui o Ensino Fundamental, o Médio, o Superior e
a formação e ocupação profissional. A intenção é começar a interpretar o sujeito-
atleta como um ser a nível global para evitar visões por parte dos atletas, como a
que recolhe Balagué (1999) quando diz que «Ser considerado atleta é uma parte
muito importante da identidade para chegar ao alto desempenho, mas não é tudo.
Os atletas não estão de acordo com serem vistos como seres de uma só
dimensão".

Figura 1. Modelo de desenvolvimento da carreira esportiva.


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Fonte: Willeman e Lavalle (2003).

Como mencionado anteriormente, os inconvenientes para conseguir coordenar o


esporte com as atividades que não correspondem ao esportivo, como pode ser
neste caso a formação acadêmica, leva os atletas de alto desempenho a
identificarem que em muitas oportunidades abandonar seu esporte é uma
potencial saída para liberar-se da pressão e do estresse que provoca a
simultaneidade de atividades (Fernández, Stephan & Fouquereau, 2006;
González, Álvarez, Cabrera e Bethencourt, 2007; Álvarez e López, 2012; Álvarez
et al., 2014).
Consequentemente, e como expõem Garcés & Carlin (2011, p.36), estes níveis
de frustração que invadem o atleta podem gerar intervenções a partir do campo
da psicologia.

A não compatibilidade do alto desempenho e a carreira esportiva, junto com


outros aspectos da vida não relacionados ao deporte, leva os atletas a não
dispor de ferramentas e habilidades necessárias para obter sucesso no campo
do esporte e em suas carreiras pós-esportivas. As dificuldades enfrentadas pelo
atleta de alto nível para conciliar estudos e esporte estão motivadas por um
problema básico e
fundamental : a falta de tempo. Isto acontece com a maioria dos atletas de elite -
quanto mais alto o nível, mais serão as horas destinadas à prática esportiva. As
obrigações que o sujeito-atleta deve cumprir para cada compromisso que assume
em sua etapa de formação como, por exemplo sua escola, leva-o a ter que
trabalhar sobre isso, seja a entrega de trabalhos e tarefas, a realização de provas,
etc. Tudo o que constitui as características básica s da formação regrada por
outro, no caso do esporte, o comparecimento aos treinamentos, a participação
em competições, as concentrações esportivas, as consulta s ao psicólogo,
etc, são aspectos
fundamentais da vida diária dos atletas de alto nível. Segundo Torregrosa, Sánchez
& Cruz (2004, p.220), «estas dificuldades são atribuídas sistematicamente pelos
atletas à falta de flexibilidade do sistema e à pouca consideração tida para com
os atletas de alto nível». Diante desta realidade, os atletas se veem forçados a
escolher um caminho, optando pelo esporte ou pela formação escolar, no caso de
o sujeito atleta estar atravessando a idade escolar. Existem variáveis no âmbito
esportivo,
além dos mencionados anteriormente, que também afetam o abandono escolar
nos atletas de elite (Aquilina y Henry, 2010). Para exemplificar, a idade do alto
desempenho (precoce ou tardia) as particularidades das competições e suas
características (calendário e sua frequência), os custos gerados por ser atleta
(amador ou profissional), junto com os agentes encarregados da prestação de
algum tipo de serviço (Conselho Superior de Esportes, Comitês Olímpicos,
Federações, Clubes ...) condicionam as limitações com as que o atleta se
encontrará no transcur so de sua carreira (Henry, 2013; North e Lavalle, 2004).

Modelo vocacional

A definição vocacional e a construção do projeto profissional e vital dos sujeitos


atletas de alto nível é um complexo processo multifatorial e não unidimensional.
Alguns autores como Lent, Brown e Hackett (1994) e Lent, Brown e Hackett
(2000), gara ntem que as questões contextuais e de índole cognitiva influem no
comportamento vocacional de maneira direta do atleta de alto desempenho.
Outros, entretanto, sustentam que se trata de um processo holístico de
identificação pessoal e vocacional que sur ge da participação do atleta em
diferentes contextos (esportivos, sociais, acadêmicos, vocacionais, etc). O
crescimento vocacional do atleta estará relacionado com sua cultura e seu
contexto social (sociedade, economia, política, etc) e cognitivo (motivação,
realização, emoção, etc).
Um estudo recente sobre 94 atletas olímpicos na Espanha mostra como 31,9%
dos atletas escolheu realizar sua carreira esportiva de forma exclusiva, enquanto
que 51,1% compatibilizou estudos e esporte e 17,0% conciliou esporte e
trabalho (Vilanova e Puig, 2013).

A autoeficácia

A psicologa cognitiva introduz o termo de autoeficácia e é oportuno estudar o que


propõe esta corrente, já que poderemos entender melhor de que maneira
trabalhar com os sujeitos-atletas.

A autoeficácia é entendida como a capacidade de um atleta de autoavaliar suas


habilidades, tanto intelectuais como cognitivas, que lhe permitirão executar com
sucesso certas habilidades. Bianca (2009, p.424) afirma que a autoeficácia
permite ao atleta questionar-se graças à autoavaliação: « tenho capacidade
para fazer isto?». Outra variável dentro da autoeficácia corresponde às
expectativas de resultado. Isto foi definido por Lent, Brown & Hackett (1994)
como tudo aquilo que o sujeito-atleta realiza com a intenção de analisar os
resultados das ações que
executa.

A autoeficácia e as expectativas de resultado fa zem com que o atleta se


autoimponha metas que delimitarão os interesses, objetivos e ações do projeto de
vida e profissional da pessoa, serão o guia durante sua carreira. Desta maneira, o
postulado sustenta que os interesses e motivações pessoais são construídos a
partir da autoeficácia e das expectativas de resultado do indivíduo.

Este processo em que o atleta fa z uma análise de si mesmo tem como sustento
confrontar o que ele deseja (expectativas de resultado) com o potencialmente
provável (autoeficácia). É indispensável que o atleta de alto desempenho realize
o que Savickas (2005) e Hartung, Porfeli & Vondracek (2008) expõem como
competências ou estratégias de adaptação. Tais competências ou estratégias são
utilizadas para assumir responsabilidades com suas tarefas, com o objetivo de
dispor de uma boa planificação, montar seu projeto de vida, somado ao fato de
acomodar os processos de adaptação, principalmente nos ambientes
profissionais, pessoais, esportivos, familiares, etc.

Construir um processo profissional esportivo paralelo à vida não esportiva é algo


a que se deve prestar uma especial atenção. Como vem sendo analisado no
texto, é indispensável educar o sujeito-atleta no caminho de oferecer-lhe
ferramentas para que ele mesmo saiba diferenciar o que decidir para sua vida.
O trabalho multidisciplinar entre as áreas que rodeiam o sujeito é uma peça
fundamental para dar suporte emocional. Sem esse apoio o atleta estará à deriva
e sem saber, por isso, se chegar a completar sua carreira esportiva com sucesso
sem tal apoio, esse sucesso pode ser produto do acaso ou da sorte. Este é um
dos motivos pelos quais historicamente poucos atletas chegaram ao alto
rendimento: a falta de trabalho em equipe multidisciplinar.
Independentemente das ex1gencias de cada esporte, quanto mais preparados
estiverem os treinadores e o círculo de profissionais que rodeiam o atleta,
maiores possibilidades de consagrar sua carreira no alto desempenho ele terá.
Não ficam pelo caminho só todos aqueles que não conseguiram conciliar sua
vida esportiva com suas atividades cotidianas, mas também aqueles que são
formados por profissionais que desconhecem os fundamentos de sua
profissão, somado ao desconhecimento das capacidades emocionais e
psicológicas dos sujeitos. Todo profissional que se dedica à formação de outros
sujeitos e desconhece as variáveis emocionais e psicológicas gerará menos
implicação por parte do atleta, já que não conta com as ferramentas que ajudem e
guiem em sua carreira. Os treinadores não só devem manejar e dominar as
competências próprias do esporte que ensina, mas nutrir-se também de outras
disciplinas que levam ao entendimento do atleta como um ser complexo. Não
existem estudos que se dediquem a investigar que relação há entre o abandono
dos atletas e a ignorâ ncia dos treinadores no comando. Não é correto realizar
hipóteses a respeito, mas é um assunto não menor e menos interessante de
ser a bordado.

Etapas da carreira esportiva desde a iniciação ao alto


rendimento

A intenção neste artigo é contextualizar quais são as etapas pelas quais o sujeito
atleta passa para chegar ao alto desempenho. Embora seja um assunto que
convoca os treinadores, também é importante para os profissionais que
acompanham a formação do atleta. A referência tomada será Seirul.lo Var gas,
coordenador esportivo do Futbol Club Barcelona e preparador físico do time
profissional durante muitos anos. Ele não é só considerado um grande treinador a
nível mundial, mas também o mentor de um modelo de treinamento que
revolucionou o mundo da preparação física nos deportes coletivos.

Seirul.lo (2005) afirma que, habitualmente, a iniciação nos esportes é realizada


por meio de modelos construídos pelos profissionais, nos quais são propostos
programas de exercícios por meio de teste, selecionam e detectam os talentos de
forma prematura para aplicar-lhes indiscriminadamente esse processo,
ocasionando em muitos casos o abandono da prática por não obter os resultados
esperados. Com a escusa de que não valiam, oculta-se uma má gestão dos
processos de treinamento que são construídos de costas para as verdadeiras
necessidades do jogador. Propõe-se uma alternativa centrada no atleta, nas
necessidades que ele tem como ser individual que é, por isso as tarefas
propostas são situações unicamente sujeitas às necessidades que a competição
esportiva cria no indivíduo. Entendendo o indivíduo como um ser único, aberto,
em contínua interação com o meio.

Esta proposta é uma construção ideal que deve ser ajustada à situação real de
cada jogador ou pelo menos a cada grupo de jogadores, para que a iniciação no
esporte que praticam promova a obtenção dos resultados desejados nas
idades posteriores, sem cair na pressão do resultado imediato e precoce que só
pode ser uma consequência do próprio talento e nunca a finalidade destas
Fases iniciais.
Cada jogador deve montar um projeto pessoal de vida esportiva, ajustando-o a
suas necessidades e conquistas, única opção se quiser obter ótimos resultados
nos momentos fundamentais de sua vida esportiva. Logo, seu talento pessoal e a
sorte definirão a exata validez do processo e da forma de haver adaptado o
jogador (Seirul.lo, 2005).

A argumentação básica das fases iniciais é fundamentalmente de tipo fisiológico,


mas também são considerados aspectos psicossociais, principalmente na
justificativa das metodologias e condições de aplicação das tarefas.

Na etapa A da iniciação, as fases são demarcadas a cada dois anos, uma vez
que estes processos psico-fisio-sociais são modificados rápida e
significativamente nessas idades precoces. Enquanto que na etapa 8, as
fases são de 4 anos, ajustando-se a ciclos Olímpicos que são, possivelmente,
um objetivo prioritário da etapa de alto rendimento e podem ser ajustados para
bienais para os campeonatos mundiais de quaisquer destas especialidades. A
construção de um projeto de vida esportiva está sujeita a processos de maturação
e desenvolvimento do indivíduo, e as idades que propomos são apenas
aproximadas, mas em qualquer caso válidas para a maioria dos indivíduos.

Na etapa C, as idades propostas são ainda mais aproximadas. Em determinados


esportes e na categoria masculina aproxima-se mais do que em outros e nas
categorias femininas. Em qualquer caso, esta é uma proposta ideal que deve ser
entendida como uma tendência de referência que cada indivíduo terá que
modificar de acordo com suas realizações e interesses (Seirul. lo, 2005).

Etapas da carreira esportiva

A. De iniciação à prática.
8. De obtenção de alto desempenho.
C. De funcionalidade decrescente.
Cada uma das três etapas ocorre em períodos de 10-12 anos e se subdivide
em fases:
Al-. Fase da prática regular não específica (idade de 5-7 anos).
A2-. Fase da formação genérica polivalente (idade de 8-10
anos).
A3-. Fase da preparação multilateral orientada (idade de 11-13
anos). A4-. Fase da iniciação específica (idade de 14-16 anos).
81-. Fase da especialização (idade de 17-19 anos).
82-. Fase do aperfeiçoamento (idade de 20-23 a nos).
83-. Fase da estabilidade e do alto rendimento (idade de 24-28 anos).
Cl-. Fase da conservação do rendimento (idade de 29-34 anos).
C2-. Fase da adaptação compensatória à redução do rendimento (idade de 33-38
anos).
C3-. Fase da readaptação funcional para o rendimento não competitivo (idade de
30-41 anos).
É imprescindível que todo atleta seja orientado em sua vida esportiva por um
projeto que permita evitar erros muito frequentes quando se precipitam os
acontecimentos esportivos e não se respeitam temporariamente os grandes
critérios de otimização do indivíduo (Seiru-lo, 2005).

A seguir tentaremos descrever, resumidamente, cada uma das etapas. Como


mencionado anteriormente, estamos trabalhando sobre conteúdo específico para
treinadores, mas a ideia de contextualizar a realidade dos atletas ajudará melhor
em futuros trabalhos e intervenções de índole profissional.

A-1: É uma prática regular adicionada à que a criança realiza em sua escola.
Pelo menos duas sessões além das que haja em sua prática escolar, e com
prática escolar nos referimos à Educação Física.

A-2: Continuamos desenvolvendo sua formação genérica para chegar a alguns


grandes fundamentos de sua motricidade, capa z de resolver os prerrequisitos
motores de qualquer especialidade esportiva.

A-3: De maneira progressiva, realizar uma prática orientada aos esportes e depois
ao esporte no qual for mostra ndo maior eficiência. Começa-se a perfilar a
especialidade esportiva.

A- 4: O atleta é conduzido dentro de sua especialidade esportiva à


aquisição das técnicas e táticas específicas de caráter global e, posteriormente,
especializando se em uma posição específica na qual pode pretender ser
talento das as suas capacidades pessoais.

B-1: O atleta começa a trabalhar de maneira dedicada na disciplina esportiva.


Os treinamentos já abarcam quase a totalidade do tempo do atleta.

B-2: É a etapa na qual só pode se dedicar a aperfeiçoar seu talento.

B-3: Etapa em que o alto desempenho é o protagonista. A vida gira em torno do


esporte em questão.

As fases C 1-2-3 estão destinadas a manter os pontos ideais de


desempenho esportivo e a começar a vislumbrar a retirada da melhor maneira.
Análises e diferenças entre os esportes individuais e coletivos

Inúmeros estudos mostram as diferenças entre as carreiras esportivas de sujeitos


que se dedicam tanto aos deportes coletivos quanto aos esportes individuais.
Salvo as diferenças óbvias entre ambos os estilos de esportes. Os trabalhos
estão centrados em como gestionar a carreira esportiva de um atleta quanto
à sua disponibilidade para realizar atividades extra esportivas.

A modo de introdução, pode-se observar que os sujeitos-atletas que se dedicam


aos deportes individuais acumulam ao longo do ano mais horas de treinamento
que os sujeitos dedicados aos deportes coletivos. Não entraremos em detalhes
sobre os motivos relacionados ao volume de treinamento porque não é o
conteúdo que nos solicita este estudo. Sim, poderemos comentar que
esportes como a natação, por exemplo, em um sujeito-atleta que já se encontra
em níveis nacionais tem sessões de trenamento em duplo turno com duas horas
e meia (2h30m) por turno aproximadamente mais uma hora e meia (lh30m) de
treinamento em academia e, provavelmente, alguma disciplina extra de índole
meditativa. Por isso o volume de treinamento por dia é de 8 horas, ao que
devemos somar as atividades extra esportivas como a escola e tudo o que ela
demanda. Ao contrário, em esportes como o futebol, por exemplo, em sujeitos
que já estão em competições a nível nacional só treinam duas horas (2h) por
dia a mais, eventualmente, uma hora (lh) de trabalhos de prevenção de lesões,
força, kinésicos, etc. Com estes dois exemplos podemos fazer uma transferência
aos demais esportes, tanto individuais quanto coletivos Desta maneira
começamos a identificar las realidades opostas entre sujeitos-atletas dedicados
a um ou outro estilo de esporte e transferir isto ao estilo de vida que cada um
deve administrar.

Com o que vimos anteriormente, podemos começar a pensar que os atletas que
praticam esportes individuais apresentam um nível de estudos (tanto finalizados
como em cur so) inferior ao dos atletas que praticam esportes coletivos. Além
disso, os atletas de esportes individuais sentem com maior dificuldade a
conciliação da vida esportiva e acadêmica. Deve-se considerar a variável
"econômica", já que nos esportes coletivos a repercussão social e a expectativa
econômica são mais altas. Por este motivo as estatísticas nos indicam que há
uma maior formação acadêmica no esporte individual, já que as possibilidades
de viver do esporte (expectativas econômicas) são menores e vão sendo
conscientizados de incluir sua formação enquanto estão na ativa, considerando-
se que o ritmo de cur so não será o mesmo de um estudante "normal" (com
normal nos referimos a não atleta), enquanto em esportes com mais retribuição
econômica (futebol, basquete...) há menos atletas formados porque investem
todo seu tempo no esporte. Outra variável a ser considerada é a quantidade de
horas de dedicação, já que quando comparamos esportes dentro dos individuais,
os esportes como a natação têm uma grande carga horária, o que impossibilita a
conciliação entre esporte e estudos, enquanto o atletismo, por exemplo, apesar
de sua carga horária, deixa margem para poder ter mais tempo de estudo.
Autores como Stambulova (2010) mostram como os atletas possuem uma idade
média de 22.7±6.7 anos no caso dos que se dedicam ao alto desempenho.
Segundo Park, Lavalle e Tod (2012), as idades compreendidas entre os 16 e 26
anos contêm a etapa em que os sujeitos-atletas encontram maiores limitações
para harmonizar carreira esportiva e acadêmica.

García Ferrando (1996) trabalhou sobre um estudo no qual foram envolvidas


diferentes gerações de atletas de alto desempenho com passado olímpico Neste
trabalho o autor expõe que os sujeitos-atletas que praticam esportes individuais
(natação, tênis, atletismo, ginástica) são os que mostram níveis de estudo
inferiores em comparação a atletas de esportes coletivos (futebol, basquete, vôlei).
Costuma se supor que em um futuro, os atletas poderão ter maiores
possibilidades de inserção laboral em comparação ao resto da população
(Conzelmann e Nagel,
2003; Muniesa et ai., 2010). Ainda assim, os atletas de esportes individuais terão
mais dificuldades para realizá-lo. Por tudo isso, sugere-se a necessidade de um
assessoramento individualizado em função das características do atleta e da
disciplina praticada (Vilanova e Puig, 2013).

Em um estudo realizado por Gallardo (2015) a figura do tutor esportivo é


introduzida, o qual deve adotar o papel de guia, assessor e orientador que
acompanha o sujeito-atleta ao longo da carreira educativo-esportiva. Pode ser
interessante este enfoque sempre que haja apoio por parte do sistema escolar, já
que para uma família padrão, sustentar gastos desta dimensão pode ser inviável.

Desde a psicologia esportiva e sua aplicação ao alto desempenho, começar a


entender as dinâmicas da carreira esportiva e seu caminho ao elitismo é uma
tarefa que não depende só de saber sobre variáveis ou correntes
psicológicas, mas também da disciplina que o sujeito em estudo pratica,
neste caso o esporte.
Inúmeras críticas podem ser formuladas a profissionais não implicados no estudo
de um meio tão complexo e dinâmico como o esportivo. As características que
rodeiam o mundo da elite, desde a pressão mediática, as pressões para obter
marcas olímpicas, os patrocinadores, as jornadas de trabalho-treinamento
intermináveis, a perda de vida socia l, as viagens, a falta de amizades e
familiares em momentos difíceis e que demandam máxima concentração e
estabilidade emocional, as não convocatórias a seleções nacionais, as lesões-
doenças, a impossibilidade de projetar uma vida não esportiva enquanto passa
pelo esporte, etc. São todas estas questões não menores que fa zem o esporte
de alto desempenho e que desde muito cedo um sujeito começa a atravessar.

Os psicólogos esportivos trabalham na maioria das vezes com sujeitos que em


sua pouca idade já viveram mais experiências que o profissional que os
atende. Conhecem o mundo, passaram por situações de máximo estresse
psicológico emocional, estiveram longe de seus seres queridos, etc. Isto quer
dizer que se trabalha com pessoas ou crianças que devem ser educados em
assuntos que talvez não hajam experimentado. Isto não quer dizer que para
trabalhar com um atleta deve-se conhecer o mundo, apenas se sugere que é
indispensável entendê-lo na hora de realizar o acompanhamento. Pode ser que
um atleta sempre saiba mais
que o psicólogo, é o trabalho de entender o contexto que dará ferramentas para
guiá-los e ter e manter um olhar mais holístico e transversal que, em algumas
ocasiões, o atleta não pode ter porque está centrando toda sua atenção em
alcança r sua meta esportiva em um prazo mais curto. Pode ser um psicólogo, um
tutor e/ou um assessor de projeto de vida, mais adiante pode-se entrar em
debates sobre a formação do profissional que deverá realizar estas funções,
mas, sim, deseja-se ressaltar a importância e a necessidade de começar a
preparar a retirada do atleta desde o primeiro dia em que ele estiver ativo, não
como uma parte isolada, mas como um processo no qual cada transição é
trabalhada até chegar a este último degrau com as competências e o
sentimento de autoeficácia suficientes para poder enfrentá-lo como um desafio e
não como um trauma.

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