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Demográfica em Moçambique:
Oportunidades e desafios para uma segurança
humana digna
As opiniões expressas através dos artigos publicados nesta Colecção são da responsabi-
lidade dos seus autores e não reflectem nenhuma posição formal e institucional do IESE
sobre os temas tratados.
“Cadernos IESE”
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Protecção Social Financeira e
Demográfica em Moçambique:
Oportunidades e desafios para uma segurança
humana digna
Maio, 2011
Título: Protecção Social Financeira e Demográfica em Moçambique:
Oportunidades e desafios para uma segurança humana digna
ISBN 978-989-8464-08-8
Sumário
Nota: O conteúdo deste texto foi partilhado anteriormente em artigos publicados na Revista Poverty in Focus 22 (Francisco et al.,
2010b), no Ideias No. 32 (Francisco et al., 2010a) e no livro Desafios para Moçambique 2011 do IESE. As traduções de textos em
Inglês são da responsabilidade dos autores. Agradecemos os comentários, sugestões e questões colocadas pelos leitores que
generosamente leram e comentaram versões anteriores deste artigo.
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Caderno IESE 10 | 2011
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António Francisco, Rosimina Ali e Yasfir Ibraimo | Segurança Humana Digna
Introdução
O mundo está a passar por um dos melhores momentos demográficos de toda a história da
humanidade, conhecido na literatura por ‘dividendo demográfico’; um fenómeno inédito,
na evolução demográfica mundial, fruto dos avanços produzidos pela transição demográ-
fica, isto é, o processo de queda generalizada das taxas de mortalidade e de fecundidade
que origina mudanças profundas na estrutura etária populacional e na composição das
famílias (Alves, 2008; Bloom et al., 2003; Lee and Mason, 2006; Mason, 2005a, 2005b; Ross,
2004).
A “janela de oportunidade” pode facilitar e estimular o crescimento, embora tal não acon-
teça automaticamente. Se, e em que medida, a referida oportunidade beneficia a socie-
dade, é outra questão. Depende muito da qualidade e do tipo de instituições, políticas
e económicas, existentes na altura em que tal janela de oportunidade se abre; depende
principalmente da disponibilidade de mecanismos institucionais e políticas favoráveis à
melhoria da produtividade e absorção dos jovens trabalhadores extras, que entram na ida-
de economicamente activa (Bloom et al., 2000; Bloom et al., 2003; Bloom and Williamson,
1997; Bloom et al., 2007; García y Bueno, 2007).
Não é objectivo deste artigo debater e alongar as considerações anteriores sobre as várias
oportunidades económicas que o chamado dividendo demográfico oferece às populações
humanas. A sua referência, no início desta introdução visa chamar a atenção, em primeiro
lugar, para o facto da demografia da população moçambicana ser actualmente muito dife-
rente da demografia da maioria da população mundial. O melhor momento demográfico
que a humanidade está atravessando, não inclui a população de Moçambique nem as po-
pulações de vários outros países da África Subsariana que se encontram numa fase inicial e
atrasada da transição demográfica. Estes países continuam reféns de uma debilitante taxa
de dependência, entre o número de pessoas que têm e as que não têm idade para traba-
lhar.1 Em outras palavras, a actual taxa de dependência demográfica moçambicana repre-
senta um ónus, em vez de bónus, para o desenvolvimento económico; um ónus com raízes
profundas na estrutura, composição e dinâmica histórica da população moçambicana.
1
Os países ainda excluídos do dividendo demográfico mundial poderão, eventualmente, beneficiar dele
no futuro, dependendo do progresso da transição demográfica e das condições institucionais, políticas
e económicas prevalecentes.
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Caderno IESE 10 | 2011
Em segundo lugar, a referência ao ónus que a actual taxa de dependência demográfica mo-
çambicana representa para o desenvolvimento económico, visa deixar claro, desde o início
do artigo, que existem problemas demográficos, que são muito mais determinantes e es-
truturantes, da própria conjuntura política e económica, do que muitas vezes se reconhece.
Mas porque existe uma grande apetência das lideranças políticas para atribuírem a terceiros,
ou a factores externos ao seu controlo, a responsabilidade pelas suas próprias deficiências e
fracassos, certos críticos tendem a sobrestimar o peso e a influência da vontade política. A
vontade política das elites ocupa, sem dúvida, lugar de grande relevância, principalmente em
sociedades fortemente dependentes das idiossincrasias dos líderes e governantes, em vez de
mecanismos institucionais previsíveis, transparentes, estáveis e empoderadores dos cidadãos.
Para se identificar com clareza onde começa e onde acaba a responsabilidade dos fazedo-
res de políticas, técnicos e profissionais, é indispensável primeiro distinguir e compreender
o papel dos diferentes tipos de factores determinantes dos problemas sociais; distinguir
sobretudo os factores inerentes à estrutura e composição demográfica da população, em
geral, dos factores associados à qualidade de governação e das políticas implementadas.
Apesar dos factores demográficos se manifestarem geralmente de forma silenciosa e len-
ta, nem por isso as suas consequências deixam de jogar um papel crucial na natureza, no
ritmo e forma de desenvolvimento económico e humano. O fenómeno do dividendo de-
mográfico é apenas um exemplo, entre outros que poderiam ser referidos, que ilustra a
relevância de factores objectivos, com importantes consequências positivas ou negativas,
que acontecem por detrás das expressões e comportamentos das acções sociais e políticas
imediatamente mais evidentes e mundanas.2
Após concluir a leitura deste artigo, as perguntas que provavelmente permanecerão sem
resposta, serão mais do que as que irão ser respondidas; tanto em relação às perguntas
relacionadas com factores objectivos e estruturais, como relativamente a factores subjecti-
vos e conjunturais. O propósito deste texto, é colocar em debate o papel relevante e o peso
da protecção social demográfica (PSD) vis-à-vis da protecção social financeira (PSF).
2
Eduard Hugh (2010), comentando a recente revolta popular na Tunísia, escreveu no Blog demography.
matters.blog (traduções dos autores): ‘A situação política por si só não provocaria a revolução, penso
eu, se não fosse a incapacidade da economia e da política da Tunísia de tirar o melhor proveito do seu
dividendo demográfico. Os jovens descontentes da Tunísia acabaram por demolir tudo’ (Hugh, 2010,
http://demographymatters.blogspot.com/2011/01/why-did-tunisia-revolt-too-deferred.html).
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António Francisco, Rosimina Ali e Yasfir Ibraimo | Segurança Humana Digna
Este artigo está organizado em quatro secções, para além desta introdução de enquadramento
preliminar. A primeira secção apresenta uma breve contextualização do actual debate sobre
protecção social, com destaque para três vertentes: analítica, empírica e o debate em falta. A
segunda secção chama a atenção para o carácter limitado e excludente dos sistemas de protec-
ção social, alicerçados nos sistemas financeiros, tanto nos sistemas formais contributivos de se-
gurança social e sistemas não contributivos de assistência social, como nos sistemas informais
(e.g. grupos de poupança rotativa, como o chamado xitique; associações funerárias e outros
grupos comunitários de inter-ajuda), e ainda nas formas de segurança por via das relações labo-
rais e formas de emprego. A terceira secção mostra que, em Moçambique, na ausência de me-
canismos financeiros suficientemente extensivos, à maioria da população procura o mínimo de
segurança humana digna possível, ao nível do que neste texto se designa por protecção social
demográfica. A secção final equaciona algumas das implicações das evidências empíricas des-
tacadas nas duas primeiras secções, em busca de caminhos e opções mais realistas e efectivos,
para os enormes desafios da ampliação e consolidação da protecção social em Moçambique.
Edificar uma base de protecção social para todos, ou para um número crescente da população
de Moçambique, constitui um desafio enorme, complexo e extremamente difícil, mas de modo
algum insuperável. No entanto, as percepções sobre a dimensão e complexidade dos desafios
enfrentados pela protecção social, bem como a possibilidade e formas de os superar, variam e
dependem, antes de mais nada, do entendimento do próprio conteúdo de “protecção social”.
Seria errado e simplista assumir que o conceito de “protecção social” é entendido, de forma
mais ou menos generalizada e incontroversa, pela maioria dos autores que o utilizam, cada
vez com mais frequência, se bem que nem sempre com clareza e visibilidade satisfatórias.
Embora este artigo se destina a tratar algumas questões específicas, de particular relevân-
cia empírica, é importante dedicar algumas considerações ao estado da literatura actual,
directa ou indirectamente, importante para o tema deste trabalho. Assim, nesta secção
considera-se de forma breve o contexto do debate actual sobre protecção social em torno
de três vertentes: analítica, empírica e o debate em falta.
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Caderno IESE 10 | 2011
O debate analítico
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‘Todas as sociedades capitalistas avançadas de hoje são Estados de bem-estar de alguma espécie’ afir-
mam George and Wilding (2008: 10). ‘Gastam entre um terço e metade da sua renda em serviços públi-
cos, dos quais metade é dispendida naquilo que passou a ser conhecido por serviços sociais’.
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A imprensa internacional e a Internet estão repletas de artigos sobre a problemática da protecção social
nos países desenvolvidos. Alguns exemplos: “Alguém viu por aí o Estado social de Sócrates?” (IOnline
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António Francisco, Rosimina Ali e Yasfir Ibraimo | Segurança Humana Digna
Todavia, Kaletsky (2010: 1) também admite que o efeito traumático da crise financeira de
2007-09 não será facilmente esquecido; seus custos económicos perdurarão por décadas
nas dívidas dos contribuintes e dos orçamentos do governo cada vez mais espremidos, na
vida perturbada dos desempregados e nos sonhos destruídos dos proprietários e investi-
dores em todo o mundo.
Como irão as economias avançadas ultrapassar o crescente risco de falência dos seus mo-
delos de Estado social, é presentemente, difícil antecipar, mas o tempo dirá. O ponto im-
portante a reter, sobre o debate da protecção social nas sociedades desenvolvidas, é que
as suas lideranças e principais autores sociais se encontram seriamente empenhados em
procurar soluções para garantir a viabilidade e sustentabilidade de mecanismos de protec-
ção social, que proporcionem uma segurança humana digna para os seus cidadãos.
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O próprio conceito de protecção social que, segundo autores como Devereux et al. (2010),
Norton et al. (2001: 21) e IPC-IG (2010) pode ser visto como um conceito “guarda-chuva”, na
prática tem sido convertido num proxy composto pelo conjunto de iniciativas, mecanismos
e programas principalmente virados para a assistência social, tanto ampla como restrita
(através de programas de ajuda internacional elaborados em coordenação com agências
como o FMI, Banco Mundial e organismos da Organização das Nações Unidas).
Certos autores defendem que o conceito de “protecção social” deve abarcar a vasta gama de
mecanismos e iniciativas, incluindo a segurança social e assistência social formais, bem como
redes de segurança social informais. Na prática, como admitiu Gentilini (2005: 11), ainda que
tais itens façam parte do domínio da protecção social, individualmente eles não são equipa-
ráveis ou representativos do domínio da protecção social propriamente dita. Gentilini (2005:
11) defende que o termo protecção social deveria englobar o quadro geral de todos os com-
ponentes individuais que o integram. De igual modo, nas estratégias sectoriais para a pro-
tecção social de agências internacionais como o Banco Mundial, o Institute of Development
Studies (IDS) e a Organização Internacional de Trabalho (OIT), reconhecem geralmente a ne-
cessidade de se avançar além da mera doação de ajuda, através de transferências de recursos
(Barrientos and Hulme, 2010; Devereux et al., 2010; Ellis et al., 2009; ILO, 2006; FMI, 2010b).
Não obstante o reconhecimento que uma protecção social abordada e gerida como um
conjunto de sistemas autónomos e desarticulados dos processos normais do sistema eco-
nómico, social e político em que se inserem e a que servem, na realidade continua a ser
extremamente difícil de se conceber, lidar e gerir os mecanismos públicos e privados de
protecção social como parte integrante da sociedade em que operam. Provavelmente a
explicação para tal dificuldade relaciona-se com o papel que a ajuda financeira interna-
cional passou a desempenhar nos países subdesenvolvidos, na sequência do processo de
descolonização, das rivalidades da guerra fria, dos programas de ajustamento e estabiliza-
ção estrutural, das iniciativas de emergência para mitigar os efeitos de conflitos político-
-militares, das crises económico-financeiras dos países subdesenvolvidos, das sucessivas
crises de vulnerabilidade alimentar e outras calamidades naturais e sociais.
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António Francisco, Rosimina Ali e Yasfir Ibraimo | Segurança Humana Digna
O recurso ao termo ‘protecção social’ tornou-se, sem dúvida, apelativo, nem que seja por
ajudar a criar a sensação de abrangência e inclusão, mesmo que seja mínima ou até fictícia.
Na prática, os modelos analíticos e metodológicos usados para lidar com a protecção social
dos países subdesenvolvidos não são consensuais, quanto ao conteúdo e formas operacio-
nais. Certas abordagens são explicitamente assistencialistas, no seu conteúdo, objectivos e
métodos, como é o caso das iniciativas caritativas. Outras procuram converter a assistência
social num direito humano6 ou, então, nas necessidades básicas individuais. Mas como re-
fere Munro (2007: 10) existem diferenças entre os pensadores legalistas e os economistas
neo-clássicos. Enquanto os legalistas defendem a assistência social recorrendo ao argu-
mento do direito humano com base na lei, os economistas justificam-na na base das neces-
sidades económicas, razão pela qual os primeiros acusam estes últimos de assistencialistas
(‘welfarist’) e de argumentos mais fracos do que a fundamentação baseada na lei.
Ambos quadros analíticos, ex-ante e ex-post, são relevantes para a política social, sendo o
último, orientado para responder a situações de necessidade e emergência imediata, en-
quanto o primeiro permite gerar níveis de prevenção ou antecipação de possíveis falhas,
resultantes do processo de desenvolvimento. Por isso, Wuyts (2006; ver também Holzmann,
2009) contrapõe à abordagem ex-post uma abordagem ex-ante orientada para um maior e
melhor equilíbrio entre diferentes estratégias de protecção social.
6
‘Acções benevolentes e caritativas, se bem que boas em si mesmas, são insuficientes do ponto de vista
dos direitos humanos (UNICEF, 2000a) (Ver também UNICEF, 2004: 11-12)’ (Munro, 2007: 10).
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É evidente que definições operacionais de conceitos fundamentais, por si só, não podem
resolver os problemas analíticos que conduzem a discrepância de abordagens apontada
no início desta secção, entre a forma de conceber e lidar com a protecção social, em socie-
dades desenvolvidas e sociedades subdesenvolvidas. Quando muito, o reconhecimento
de tal divórcio, conduz a uma revisão mais atenta e rigorosa do instrumental de análise e
dos métodos utilizados na formulação de políticas específicas, a começar pelas próprias
definições operacionais.
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uso dos recursos públicos, irresponsabilidade política das partes envolvidas, distorções dos
mercados nacionais, debilitação do tecido social e cultural e desprezo por opções institu-
cionais, financeiras e governativas mais valorizadoras, formativas e dignificadoras.
O debate empírico
Moçambique entrou assim, na segunda década do Século XXI, com um efectivo de 18 mi-
lhões de pessoas vivendo em extrema pobreza, correspondendo pelo menos cinco mi-
lhões de pessoas a mais do que o efectivo estimado na base das linhas de pobreza nacional
- 54% em 2003 e 55% em 2009 (MPD, 2010) (Figura 1).
25 100%
90%
80%
Números Absolutos, Pobres (em Milhões)
20 75% 80%
Proporção de Pessoas na Pobreza
10 20 40%
LINHAS DE POBREZA NACIONAL
16 17
12
5 10 20%
0 0%
Linha Nacional de Linha Nacional de U$1,25 / dia IPM (H) U$2 / dia
Pobreza, 2002/03 Pobreza, 2008/09
Indicadores de Pobreza
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Entretanto, como sublinhou Francisco (2010d), em reacção à divulgação pública dos dados
oficiais da 3ª Avaliação Nacional de Pobreza, as pesquisas recentes sobre a situação e evo-
lução da pobreza em Moçambique, tanto pesquisas baseadas em dados estatisticamente
representativos (Alkire and Santos, 2010; de Vletter et al., 2009; Cunguara e Hanlon, 2010;
Métier, 2006, MPD, 2010) como pesquisa qualitativa, através de estudos de caso e relatórios
descritivos (Paulo et al., 2008; Hanlon, 2007, Serra, 2010), são unânimes num ponto: a po-
breza em Moçambique é ainda muito elevada, cronicamente resistente e mostrando sinais
de aumento, em vez de diminuição.
Em várias províncias, onde a incidência da pobreza parecia estar a diminuir nos primeiros
anos do corrente século, logo na segunda metade da primeira década surgiram indicações
contrárias. A província da Zambézia, com mais de quatro milhões de pessoas (um quinto da
população de Moçambique), apresenta um forte aumento da pobreza, ultrapassando em
2009 o nível atingido na primeira Avaliação Nacional da Pobreza, há mais de uma década.
A Tabela 1 e Figura 2 sumarizam os dados das três avaliações nacionais (1ª – 1996/97; 2ª –
2002/03 e 3ª – 2008/09), destacando-se com setas as províncias que registaram aumentos
na incidência da pobreza, nos períodos em análise. Todas as mudanças merecem atenção,
mas na Tabela 1 as setas são colocadas onde a pobreza está a piorar, sendo nelas que se
deve incidir a atenção e intervenções prioritárias. Entre a 1ª e a 2ª Avaliação, apenas em
Cabo Delgado, Maputo Província e Cidade de Maputo, a pobreza tinha piorado. No entan-
to, a tendência da incidência da pobreza foi revertida no período seguinte, entre a 2ª e a 3ª
Avaliação, de forma significativa em Cabo Delgado e Cidade de Maputo, mas ligeiramente
na Província de Maputo.
A 3ª Avaliação revelou um panorama nada animador a nível rural. Várias províncias apre-
sentaram sinais de retrocesso, entre 2003 e 2009, resultando no aumento da incidência
da pobreza nacional e rural, nomeadamente nas província da Zambézia, Manica, Sofala,
Gaza e Nampula. Em termos regionais, a região Centro, com 42% da população (cerca de
9 milhões de pessoas), encontra-se numa situação particularmente grave, ao registar um
aumento médio de 14% de incidência da pobreza, resultante do agravamento do padrão
de consumo em três das quatro províncias desta região.
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casos com avanços positivos, em termos de redução da pobreza absoluta, acabam por ser
insuficientes para compensar os casos com retrocessos significativos, razão pela qual a inci-
dência da pobreza nacional registou um aumento médio de 0,6 pp. no período 2003-2009.
15
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Niassa Cabo-Delgado
31,9% 37,4%
(-20,2) (-25,8) Pemba
Lichinga
Nampula
Tete 54,7%
42% (+2,1)
Nampula
(-17,8) Tete Zambézia
70,9%
(+25,9)
Manica
Quelimane
55%
Sofala
(+11,5)
58%
(+21,9)
Chimoio
Beira
Maputo
Província Xai-xai
67,5% Maputo Cidade
(-1,8) 36,2%
Ponta do Ouro (-17,4)
Fonte: MPD, 2010: 4; Republic of Mozambique, 2010: 12
O debate em falta
Quanto à terceira vertente, o debate em falta, um dos assuntos mais carentes de reflexão e
investigação, é a questão da natureza da economia nacional e do Estado em Moçambique. Será
por falta de massa crítica, pela qual ninguém pode ser responsabilizado? Ou é receio de en-
frentar a realidade, quer por desinteresse, quer por conveniência de interesses inconfessáveis?
Francisco (2010a) tem caracterizado Moçambique como um Estado Falido mas não Falhado.7
Não é um Estado Falhado, tanto do ponto de vista dos critérios e indicadores do Índice de
7
As expressões ‘estado falido’ e ‘estado falhado’, não são termos ingénuos, muito menos visam ocupar o
lugar de termos usados abusivamente na literatura internacional (e.g. neo-liberais, capitalismo selvagem,
esquerda, direita ou pró-mercado) por palavras que apenas soam bem mas sem conteúdo claro.
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António Francisco, Rosimina Ali e Yasfir Ibraimo | Segurança Humana Digna
Estados Falhados (Foreign Policy, 2010) como de outras metodologias de avaliação do nível
de estabilidade e vulnerabilidade da governação, serviços prestados ao cidadão e níveis de
corrupção, disfuncionalidade e informalidade. No entanto, apesar de não existir um índice de
Estados Falidos propriamente dito, existem suficientes evidências testemunhando a natureza
falimentar do Estado moçambicano, em vários sentidos, nomeadamente, financeiro e econó-
mico. Financeiramente, o Estado Moçambicano só tem conseguido honrar suas obrigações
perante os credores internacionais, recorrendo à ajuda externa massiva.
No final do século XX, a dívida pública de Moçambique atingiu seis mil milhões de dólares,
representando 153% do PIB do ano 1998, cerca de 13 vezes as receitas do Estado e 25 vezes
as exportações do mesmo ano (Ministério das Finanças, 2008: 3). Foi graças ao perdão de
grande parte da dívida internacional, acumulada de forma insustentável, antes e depois
da adesão às Instituições de Bretton Woods em 1984, que Moçambique voltou a ser reco-
nhecido como detentor de uma dívida sustentável (Reinhart and Rogoff, 2009: 375t; Sachs,
2002: 14).8
Na escala de notação de risco ou ratings globais Moçambique está longe de ser avaliado,
pelas agências internacionais de rating (Standard & Poor’s e Moody’s), como um ‘bom pa-
gador’ e capacidade para atender a compromissos financeiros. A classificação de Moçambi-
que tem sido de B+/Estável/B, correspondente à categoria ‘grau especulativo’, que também
incluiu nações que declaram moratória de suas dívidas (SDF, 2009; S&P, 2010). É sabido
que as agências internacionais de rating actuam no contexto do mercado capitalista for-
mal, sem a devida consideração da economia internacional mais ampla, nomeadamente a
enorme ‘economia obscura’ (Napoleoni, 2009). Além disso, apesar das agências de rating
usarem critérios controversos e falharem por vezes escandalosamente, a verdade é que no
actual mercado formal internacional são elas que decidem qual o risco do país e os juros
que devem pagar. Moçambique, com uma economia fortemente bazarconomizada e um
sector formal muito dependente da ajuda externa, tem recebido uma avaliação generosa,
escapando ao grupo inadimplemento ou falido, em maior ou menor grau (C e D), graças ao
forte fluxo de ajuda externa que assegura uma liquidez orçamental mínima para o funcio-
namento do Estado e de outras actividades económicas.
8
‘Com o objectivo de tornar a dívida sustentável, Moçambique beneficiou, sucessivamente em 1999
e 2000, do alívio de dívida no âmbito da Iniciativa dos Países Pobres Altamente Endividados (HIPC).
Beneficiou ainda em 2006, do cancelamento da dívida no âmbito da Iniciativa do Alívio da Dívida
Multilateral (MDRI)…’ (Ministério das Finanças, 2008: 3-7).
17
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Não está em dúvida as boas intenções dos autores das avaliações (e.g. Christensen (2008),9
Clément and Peiris (2008), Baxter (2005)10, Fox et al. (2008)11, e o FMI (2010b), para citar ape-
nas alguns exemplos. O que está em causa, e merece ser considerado com sentido crítico,
são os critérios e os parâmetros de avaliação e monitoria, usados por analistas individuais e
sobretudo agências internacionais de desenvolvimento, para avaliar a qualidade do suces-
so do processo de desenvolvimento, neste caso, em Moçambique.
9
‘Moçambique, uma das histórias mais notáveis de sucesso em África, tem beneficiado de fluxos de
ajuda sustentada, crescimento forte e de base ampla, bem como profunda redução da pobreza…’
(Christensen, 2008: v).
10
‘Sem dúvida, Moçambique é uma história de sucesso. Um sucesso, tanto em termos de crescimento,
mas também como modelo para outros países a respeito de como tirar o melhor partido possível do
interesse do doador’ (Baxter, 2005).
11
‘O ritmo acelerado de crescimento económico tem continuado desde 2003. A continuidade no
crescimento e na redução da pobreza em Moçambique é já uma das mais prolongadas em países de
baixos rendimentos …’ (Fox et al., 2008: 3-4).
12
‘Wishful thinking’, termo inglês que significa o padrão de pensamento que toma os desejos pela
realidade, levando as pessoas a tomar decisões e interpretar os factos, relatos e percepções com base
nesses desejos, em vez do que acontece na realidade e na racionalidade (Francisco and Matter, 2007).
13
O wishful thinking moçambicano não é unicamente produzido e desenvolvido por moçambicanos. I
investigadores e personalidades internacionais influentes têm contribuído para a elaboração do
pensamento desejoso moçambicano. A título de exemplo, Jeffrey Sachs, célebre economista norte-
americano e activo promotor das chamadas ‘Aldeias do Milénio’, numa visita recente a Moçambique
esforçou-se por dar alento ao actual wishful thinking moçambicano. Na palestra que proferiu em Maputo
18
António Francisco, Rosimina Ali e Yasfir Ibraimo | Segurança Humana Digna
Dentro dos pressupostos estabelecidos pelo FMI para a intervenção na gestão macroeco-
nómica de um país, geralmente mais consentâneos com a economia perfeita dos manuais
académicos convencionais do que a economia imperfeita do país real, os críticos e homens
comuns reagem com incredulidade: ‘se a economia está bem, o que importa se as pessoas
não estão?’ (Estefánia, 1996: 10). Pouca importância parece ter também o facto das avalia-
ções se circunscreverem ao quadro macroeconómico definido apenas pela economia for-
mal, como se a economia informal, social legítima e sobretudo a ilegal e delituosa, tivesse
um peso irrelevante ou marginal. Assim, entende-se que o FMI, ao abstrair-se de toda a
contextualização institucional que explica a conversão da economia moçambicana numa
economia cronicamente dependente e insolvente, apresente-a como desfrutando de me-
lhor desempenho do que economias africanas efectivamente viáveis e sustentáveis, como
são as economias da África do Sul, Botswana e Maurícias.14
A insistência numa imagem enganadora, ou mesmo ilusionista, não acontece por falta de
fontes alternativas de dados e de avaliações actualizadas e consistentes com a realidade
demográfica, social e económica de Moçambique. São inúmeras as evidências produzidas
por pesquisadores de agências reconhecidas e analistas independentes, nacionais e inter-
nacionais, incluindo das agências internacionais a que os autores acima citados pertencem.
Evidências que, certamente, os investidores internacionais sérios tomam em consideração,
quando se trata de avaliar as oportunidades de negócio em África.15
Se alguma dúvida ainda subsistisse, quanto às imagens que melhor reflectem a actual re-
alidade moçambicana, um conjunto de novas pesquisas têm produzido resultados actua-
sobre o tema ‘Moçambique e a Economia Global’, Sachs defendeu que Moçambique tem registado
importantes progressos ‘que faz com que o país pertença já ao grupo das economias emergentes’.
Esta declaração parece ter apanhado a audiência de surpresa, incluindo alguns dos mais notáveis
promotores do wishful thinking moçambicanos, presentes na palestra. Em resposta ao pedido para que
explicasse os critérios para definir um país emergente, Sachs explicou que Moçambique tem condições
para crescer a uma média anual de 10% ou mais nesta década, para além de que a economia também
está apta para duplicar o seu tamanho em cada cinco ou sete anos (‘Moçambique já é uma economia
emergente’ in Jornal Notícias, ‘Economia & Negócios’, 21.01.2011, pp. 4-5).
14
Na sua mais recente avaliação, o FMI considera o desempenho da economia de Moçambique em
2010 como ‘forte’, ‘robusto’ e ‘… melhor durante a recessão mundial que os seus congéneres da África
subsariana (AS) …’ (FMI, 2010b: 4).
15
Índice de liberdade económica (The Heritage Foundation, 2010; Fraiser Institute, 2010) e índices de
ambiente de negócios (World Economic Forum, 2010; World Bank, 2010); índices de notação de crédito
19
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ou ‘ratings’ das agências de rating como Standard & Poor’s e Fitch (www.pri-center.com/country/
country_specific.cfm?countrynum=139); níveis de corrupção, democracia, qualidade institucional
(Transparency International, 2010; The Economist, 2010); índices de crescimento, desenvolvimento
humano e de pobreza humana (UNDP, 1994, 2010).
16
Para além da 3ª Avaliação, baseada no Inquérito ao Orçamento Familiar (IOF) 2010 (MPD, 2010), os dados
dos Inquéritos do Trabalho Agrícola (TIA), relativos aos anos 2000 e 2009 (e.g. ver artigo de Cunguara
e Hanlon, 2010) e o Censo 2007 (INE, 2009a, 2010) mostram uma realidade urbana e rural muito mais
complexa e difícil do que as informações oficiais admitem.
20
António Francisco, Rosimina Ali e Yasfir Ibraimo | Segurança Humana Digna
10%
8% Taxa de
Crescimento 7,2%
6% Económico
4,2% Taxa de 5,0%
4% Crescimento
Demográfico
2,2%
Taxa Média
2,2%
2%
2,0%
0%
1960-64 1965-69 1970-74 1975-79 1980-84 1985-89 1990-94 1995-99 2000-04 2005-09
-2% Taxa de
Desenvolvimento
-4% Económico
-6%
-6,5%
-8%
-10% -9,6%
Períodos
Fonte: PWT 6.1
Entre 1960 e 2009, a população cresceu à taxa média anual 2,2%, enquanto a economia
moçambicana cresceu à taxa média anual 1,7%. Ou seja, ao longo do último meio século,
o moçambicano produziu abaixo do mínimo necessário (pelo menos 2,2% correspondente
ao crescimento populacional) para que o padrão de vida não regredisse. Assumindo o PIB
real dividido pelo número de habitantes como proxy do desenvolvimento económico, nos
últimos 50 anos, Moçambique registou uma involução, em vez de desenvolvimento econó-
mico (-0,3% ao ano) (Francisco, 2010a).
Desde o início da década de 1990, o crescimento económico tem sido geralmente posi-
tivo, resultando num desenvolvimento económico médio anual real de 5%. Só que este
crescimento económico anual recente, apesar de já ser relativamente elevado, ainda não
compensou a profunda involução anterior, resultante do crescimento económico negativo,
registado entre 1975 e o fim da guerra civil em 1992.
17
‘Contra o seu mandato e vocação, o FMI acabou ficando envolvido em programas de rápida estabilização
que nunca terminavam, ou que se sucediam uns aos outros nos mesmos Países. Killick (1995) mostra
21
Caderno IESE 10 | 2011
Na verdade, o FMI tornou-se parte integrante do corpo técnico da governação pública mo-
çambicana e um dos principais actores no âmbito do que Francisco (2010a: 38) designa
por protecção social ampla, pelo seu papel na definição dos mecanismos
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macroeconómi-
cos, política monetária e fiscal, política salarial do sector público, aceitação ou rejeição de
subsídios e de programas sociais de transferências a favor dos pobres, assistência técnica
e financeira visando mitigar choques, naturais ou financeiros, entre outros aspectos (FMI,
2010a, 2010b).
Acontece, porém, que ao nível da economia nacional mais geral, observa-se uma ten-
dência crescente para a informalidade, envolvendo a fraca economia formal existente e
legalmente registada. Vários universos económicos co-existem e contribuem para o vas-
to e complexo multiverso económico nacional, dependendo crescentemente de políticas
e interesses particulares dos agentes económicos. Diversos universos económicos com-
põem actualmente o bazar económico moçambicano, desde as economias vulgarmente
designadas por ‘economia de subsistência’, ‘economia informal’ (ou também não registada
e e���������������������������������������������������������������������������������������
xtra-legal, mas socialmente legítima); passando pela ‘economia oculta’ ou �������������
ilegal, deli-
tuosa, criminal e socialmente não tolerada; até às exíguas ‘economia capitalista privada’ e
‘economia capitalista pública’.
que em cada um dos mais de 30 Países da África Sub-Sahariana (SSA) que solicitaram e receberam
apoio do FMI nas duas ultimas décadas, o FMI implementou, ou tentou implementar, pelo menos três,
em alguns casos mesmo dez, programas sucessivos de estabilização económica. Na maioria dos casos,
o FMI entrou no País para ficar entre um a dois anos, e acabou ficando dez ou mais anos sem conseguir
atingir a totalidade dos objectivos de estabilização definidos’ (Castel-Branco, 1999: 12).
22
António Francisco, Rosimina Ali e Yasfir Ibraimo | Segurança Humana Digna
que, bem ou mal, reflecte principalmente a economia que é possível aferir com os instru-
mentos estatísticos disponíveis. Só que em Moçambique a economia real está longe de
ser apenas a que é registada e medida, directa ou indirectamente. Isto acontece por difi-
culdades diversas, relacionadas menos como com as limitações metodológicas e falta de
instrumentos de medição do que dificuldades reais em capturar e aceder aos reais fluxos
económicos e financeiros; incluindo fluxos de auto-consumo e sobretudo fluxos extra-le-
gais e ilegais, ao nível da ‘economia canalha’ (Rogue Economics), parafraseando Napoeloni
(2009) - economia do roubo, da fraude, chantagem e burla, bem como tráfico de vários
tipos (humano, de armas e drogas).
É sabido que o PIB, tal como é actualmente estimado e medido, capta uma parte limita-
da da economia total. Sobre a proporção do auto-consumo, ainda é possível arriscar es-
timativas aproximadas, mas a respeito da ‘economia canalha’, nas suas múltiplas formas,
desconhece-se completamente a sua dimensão e peso real no valor monetário total em
circulação na economia moçambicana.18
18
É duvidoso que a proporção do mercado informal, no seu sentido amplo, represente somente os 40%
do PIB estimados por Schneider et al. (2010: 21; ver também Francisco e Paulo, 2006).
19
Em 2010, o Governo dos Estados Unidos da América, através do Presidente Barak Obama, tomou
medidas em defesa do seu sistema financeiro nacional, alegadamente por Moçambique estar a tornar-
23
Caderno IESE 10 | 2011
Além da África Austral, Moçambique, Gana e Quénia também têm sido bem sucedidos
no desenvolvimento de estruturas de protecção social, e / ou no avanço em direcção à
definição de uma perspectiva de longo prazo de suas políticas e programas (IPC-IG, 2010).
Uma reflexão cuidada dos reais desafios colocados pela ampliação e consolidação da pro-
tecção social em Moçambique, mostra como esta tarefa está a tornar-se cada vez mais di-
fícil, nos dias de hoje. Parte das dificuldades, como se refere e exemplifica no início deste
artigo, derivam de factores objectivos e acontecem independentemente da vontade polí-
tica dos governantes; outra parte deriva de factores subjectivos e conjunturais, incluindo
o empenho, a honestidade e o profissionalismo na implementação das políticas públicas.
24
António Francisco, Rosimina Ali e Yasfir Ibraimo | Segurança Humana Digna
De acordo com o último censo populacional, realizado em 2007 pelo INE (2009, 2010), a
população moçambicana em idade economicamente activa (PIA), convencionalmente de-
finida entre os 15 e 64 anos de idade, rondava os 10,6 milhões de pessoas (51% da popu-
lação total).
A Tabela 2 mostra que a base laboral formal, potencialmente disponível para contribuir fi-
nanceiramente para a segurança social, representa cerca de 8%, contra 17% de desempre-
gados e 75% em actividades informais (INE, 2005). Na prática, menos de 10% dos mais de
10,6 milhões de pessoas na população economicamente activa, encontram-se actualmente
abrangidos pela protecção social formal, incluindo a previdência social do Estado para tra-
balhadores da Administração Pública e o sistema de segurança social (INSS). Como o efecti-
vo do INSS inclui trabalhadores registados, tanto os que contribuem activamente como os
não contribuintes ou inactivos, na realidade a percentagem de beneficiários da segurança
social formal cobre menos de 5% da população em idade economicamente activa.
De uma maneira geral, a literatura actual sobre protecção social nos países subdesenvolvi-
dos, assume como um dado adquirido à ideia de que a viabilidade e a sustentabilidade dos
sistemas modernos de protecção social, dependem principalmente, da robustez, eficácia
e eficiência dos sistemas financeiros existentes (Adésínà, 2010; Baliamounte-Lutz, 2010;
Cichon et al., 2004; Devereux and Sabates-Wheeler, 2004; Devereux et al., 2010; Ellis et al.,
2009; Feliciano et al., 2008; Holzmann, 2009; Niño-Zarazúa et al., 2010; ILO, 2006; Quive,
2007; Waterhouse and Lauriciano, 2009; World Bank, 1999; Wuyts, 2006).
O pressuposto de que os sistemas modernos de protecção social dependem cada vez mais
dos sistemas financeiros é correcto, mas apenas em parte; principalmente em países onde
os sistemas financeiros estão longe de serem extensivos a toda a população e território
nacional. Significa, assim, que grande parte da actual literatura sobre protecção social
25
Caderno IESE 10 | 2011
Total
(em 1000
habitantes) %
População Total (Censo 2007) 20.632 100
População de 7 e mais anos de idade 15.213 73,7
População em Idade Activa (PIA), 15-64 anos 10.589 51,3
PIA por Sector de Actividade
Assalariada 837 7,9
Informal 7.942 75
Desempregada 1.800 17
População infantil trabalhadora (7 -14 anos) 1.354 8,9
PIA por Fonte de Contribuição
Previdência Social Estado (Funcionário da Adm. Pública)* 231,8 2,2
Trabalhadores no Sistema de Segurança Social (INSS) 690,0 6,5
Activos 193,4 1,8
Inactivos 496,5 4,7
População Abrangida pela P.S Formal (Previdência Social + INSS) 921,7 8,7
Actuais Beneficiários de Segurança Social Formal (INSS Activos + Estado) 425,2 4,0
Em parte, a exclusão dos sistemas financeiros está relacionada com a estrutura laboral e
económica, de algum modo acima caracterizada; mas por outro lado, o próprio sistema
financeiro, no caso específico de Moçambique é, em si, muito precário e limitado.
Moçambique possui o pior índice de acesso a serviços financeiros na região da África Aus-
tral, como constatou o recente estudo intitulado FinScope Mozambique Survey 2009. A
Figura 4 ilustra bem a exiguidade dos sistemas financeiros moçambicanos, tanto sistemas
formais como informais. Em conjunto, estes sistemas fornecem acesso a pouco mais de um
quarto da população adulta. A capacidade de endividamento dos cidadãos, nos sistemas
formais e informais, é globalmente insignificante (de Vletter et al., 2009; Francisco e Paulo,
2006; Francisco, 2010c, 2010d; INE, 2006).
26
António Francisco, Rosimina Ali e Yasfir Ibraimo | Segurança Humana Digna
cia social, capitalizações, entre outros produtos), de uma maneira geral não se ligam entre
si, se bem que ambos precisem fortemente um do outro.
Excluídos 77,8%
Formalmente
Bancarizado
(6,1%)
1,1% 3,1%
1,6%
Esta evidência contraria uma percepção enganadora muito comum. A percepção segun-
do a qual o sistema informal compensa ou substitui o sistema financeiro formal (banca e
outras entidades financeiras), onde ele está ausente, não corresponde à verdade. Os da-
dos do FinScope Mozambique Survey 2009, mostram que o sistema financeiro informal
é igualmente limitado, em termos de abrangência nacional. Menos de 15% de pessoas
adultas têm acesso ao sistema informal, das quais apenas 5% estabelecem ligações com
o sistema formal (bancário e outros formais). Por isso, os mecanismos informais, quanto
muito, expandem o sistema financeiro formal para o dobro da sua abrangência nacional.
Mesmo assim, considerados em conjunto os dois sistemas financeiros, o sistema financeiro
como um todo cobre apenas 22% da população adulta moçambicana, o que significa que
78% permanece excluída.
Nestas circunstâncias, como tinha sido acima adiantado, não é de admirar que o sistema
de protecção social formal cubra menos de 5% da população em idade economicamente
activa. Isto é consistente com o baixo nível de alocação de recursos financeiros públicos,
através do Orçamento do Estado; em 2009 a alocação realizada para segurança social e
programas de assistência social representou menos de 0,5% das despesas orçamentais ge-
rais e menos de 0,2% do PIB (Tabela 3). Em 2010, segundo os dados da Tabela 3, observa-se
uma ligeira tendência de diminuição na alocação de recursos, comparativamente à propor-
ção das despesas do Orçamento e do PIB em 2009.
27
Caderno IESE 10 | 2011
Admitindo que os sistemas financeiros informais ampliem a abrangência dos formais para
o dobro, algo similar pode ser também admitido com respeito aos sistemas de protecção
social, assentes em mecanismos financeiros informais. Mas como ilustram as evidências em-
píricas (Figura 4), mesmo uma ampliação da formalidade para o dobro, através da interacção
directa com os mecanismos informais, continua a ser um nível de cobertura muito limitado.
Perante o panorama, acima descrito, algumas questões tornam-se inevitáveis: se o sistema fi-
nanceiro nacional, em que se alicerçam os mecanismos formais e informais de protecção social,
proporciona acesso a pouco mais de de um quinto da população adulta, onde é que os restan-
tes quatro quintos das pessoas excluídas do sistema financeiro buscam sua protecção social?
Estarão elas totalmente desprotegidas, em termos de apoio básico à criança e mitigação de
riscos de insegurança da população idosa? Com uma infra-estrutura financeira tão limitada e
excludente, será possível aspirar a uma segurança social contributiva e a uma assistência social
não contributiva, inclusivas e socialmente relevantes para a maioria da população?
A resposta curta e directa às três interrogações acima colocadas pode ser dada recorrendo
ao conceito de Protecção Social Demográfica (PSD), tal como foi definido na introdução
deste texto - o conjunto de relações e mecanismos intergeracionais, de género, familiares,
comunitários e sociais que moldam e determinam, directa ou indirectamente, os compo-
nentes de mudança demográfica, nomeadamente: mortalidade, natalidade e, em certos
casos, as migrações também.
Aos cerca de quatro quintos de moçambicanos adultos, sem qualquer tipo de acesso aos
sistemas financeiros, não resta outra alternativa senão procurar garantir a sua segurança e
sobrevivência, através dos sistemas reprodutivos e demográficos, estabelecidos ao longo
dos séculos em torno das elevadas taxas vitais. Mesmo os moçambicanos com alguma for-
ma de acesso a mecanismos financeiros não podem dispensar o contributo significativo
dos mecanismos demográficos.
28
António Francisco, Rosimina Ali e Yasfir Ibraimo | Segurança Humana Digna
Na sua vida quotidiana, a solução para a prevenção e mitigação dos principais riscos huma-
nos, desde o risco de perder a vida precocemente na infância (antes de completar um ou
cinco anos) até ao risco de mergulhar na insegurança durante a velhice, continua a depen-
der fortemente dos sistemas demográficos de protecção social. São sistemas predominan-
temente não financeiros, mas socialmente relevantes e determinantes do controlo social
exercido nas práticas, atitudes e comportamentos das mulheres e dos homens.
Precisamente por causa desta característica, geralmente vulgarizada e assumida como natural
ou biológica, Francisco (2010c) tem contraposto um argumento de algum modo provocativo,
considerando o desprezo que o assunto tem recebido nas políticas de protecção social mais
convencionais. Em Moçambique, defende Francisco (Francisco et al., 2010a, 2010b), ter muitos
filhos continua a ser a principal forma de protecção social. Este assunto é abordado, de forma
mais extensiva, em Francisco (2011b). A este nível basta apenas registar o facto de tal argu-
mento suscitar um misto de reacções curiosas, desde surpresa, algum embaraço e também
perplexidade. A surpresa e embaraço derivam da forma como uma constatação tão mundana
e óbvia expõe de forma muito simples, a desatenção ou mesmo desprezo dispensado ao domí-
nio da protecção social, socialmente relevante, enquanto a maior parte das energias, recursos
humanos e financeiros, são concentradas em áreas cujos resultados deixam muito a desejar.
‘…dada a vulnerabilidade crónica dos nossos antepassados, as primeiras formas de seguro talvez
21
tenham sido, até, as sociedades fúnebres que poupavam recursos para garantir ao membro de uma
tribo um enterro digno. (Esse tipo de sociedades permanecem a única forma de instituição financeira,
em algumas das partes mais pobres da África Oriental. Poupar antecipadamente para uma provável
adversidade futura continua a ser o princípio fundamental dos seguros, quer seja contra a morte, quer
seja contra os efeitos da idade avançada, de uma doença ou de um acidente. O truque é saber quanto
devemos poupar e o que devemos fazer com essas poupanças…’ (Ferguson, 2009: 164).
29
Caderno IESE 10 | 2011
natureza prática concorrem também para o fraco reconhecimento do papel das relações
não financeiras na protecção social. Apesar do espaço reservado a este texto não permitir
aprofundar satisfatoriamente as razões do referido fraco reconhecimento da protecção
social demográfica, é possível enumerar e qualificar resumidamente algumas das razões:
5. Como bem referiu Reher (2004) a ideia segundo a qual, antes da transição demográ-
fica, as pessoas preferem grandes famílias, por perceberem a utilidade dos filhos na
economia familiar e, mais tarde, como seguro na velhice, é atractiva, mas reflecte mais
30
António Francisco, Rosimina Ali e Yasfir Ibraimo | Segurança Humana Digna
Do ponto de vista macro, tanto em termos demográficos como económicos, várias são as
características comuns aos países que se encontram na fase inicial ou atrasada da transição
demográfica, como é o caso de Moçambique: 1) As necessidades de consumo tendem a ex-
ceder a capacidade produtiva, reflectindo-se em altos níveis de pobreza; 2) A abundância de
crianças está intimamente relacionada com a estrutura populacional jovem, manifestando-
-se na elevada ocorrência de trabalho infantil. Como se indicou anteriormente, existem mais
de 1,3 milhões de crianças e adolescentes nas idades dos 7 aos 14 anos a contribuir para
a actividade produtiva familiar; um efectivo, como ilustra a Figura 5, bastante superior ao
efectivo de trabalhadores assalariados nos sectores privado e público; 3) Forte dependência
da exploração de recursos naturais e de capitais estrangeiros; 4) As mulheres precisam de
investir consideráveis recursos produtivos e em tempo na esfera da reprodução humana; 5)
Persistência da elevada fecundidade (ter muitos filhos), visto que os sistemas financeiros e de
protecção social modernos, mostram-se incapazes de substituir os antigos fluxos de riqueza
entre gerações e outros mecanismos de segurança social (Cain, 1981, 1983, Caldwell, 1976;
Francisco, 2010a, 2010c, 2010d; Lesthaeghe, 1980, 1989; Malmberg, 2008; Malmberg and
Sommestad, 2000; INE, 2002, 2009a, 2009b, 2009c; 2010; Robertson, 1991).
Figura 5: Trabalho infantil versus trabalho adulto assalariado nos sectores pri-
vado e público, Moçambique censo 2007
As (4
sa 3%
lar )
Sector Público,
iad
316.644
os
(13%)
Trabalho Infantil
Sector Privado,
(assalariado & outros),
708.550
1.332.630
(30%)
(57%)
31
Caderno IESE 10 | 2011
Este artigo problematiza mais do que recomenda e prescreve, pela simples razão que o
assunto nele debatido necessita, primeiro que tudo, ser devidamente reconhecido, ana-
lisado e compreendido, de forma sistemática e aprofundada. Sem uma boa compreensão
da complexa dimensão e natureza da protecção social, no actual contexto moçambicano,
dificilmente se identificarão- soluções alternativas e mais efectivas do que as opções até
aqui implementadas.
À primeira vista, não parece difícil mobilizar simpatia e reconhecimento, ao nível do senso
comum, para o argumento fundamental apresentado neste trabalho, em torno da distin-
ção entre o domínio da protecção social demográfica e o domínio da protecção social fi-
nanceira. Mas numa segunda análise, será preciso admitir que a simpatia e reconhecimen-
to do senso comum nem sempre conduzem ao reconhecimento por parte do pensamento
mais elaborado, em termos académicos, políticos e operacionais. Esta dificuldade constitui,
de imediato, um dos desafios das ideias avançadas neste artigo, face ao escrutínio da crítica
e consideração da sua relevância e utilidade prática para uma visão mais realista e relevan-
te da protecção social moçambicana.
Quatro questões chave, com implicações teóricas e práticas importantes, merecem maior
aprofundamento no futuro, com vista a uma ampliação efectiva da protecção social em
Moçambique. As quatro questões estão intimamente ligadas aos pontos de vista expressos
nas secções anteriores.
32
António Francisco, Rosimina Ali e Yasfir Ibraimo | Segurança Humana Digna
nantes da natureza demográfica da população, alguns dos quais foram referidos mas não
aprofundados neste trabalho, são apreendidos ou aprendidos pelas pessoas, ao longo da
vida, jogando um papel nos comportamentos e atitudes independentemente da vontade
individual das pessoas. Os processos de decisão são, por isso, complexos e de difícil deter-
minação, visto conjugarem factores objectivos e subjectivos, manifestados predominante-
mente de forma implícita e só raramente explicitamente.
A partir de 2007, o Governo moçambicano tem vindo a aprovar um conjunto de leis, re-
gulamentos, planos de acção, relevantes para o presente e futuro da protecção social em
Moçambique. No início de 2010 aprovou a proposta de estratégia nacional de segurança
social básica feita em 2009, e em Setembro, reagindo aos tumultos populares no início do
mês, introduziu subsídios dos preços supostamente temporários, em resposta à revolta
violenta contra o agravamento do custo de vida nas zonas urbanas (Moçambique, 2007a,
2007b, 2009a, 2009b; INE, 2009c; Quive, 2007; Recama, 2008).
Estes esforços, alguns dos quais são conjunturais e ad hoc mas outros têm implicações
estruturantes e de longo prazo, têm contribuído para a formação de um quadro jurídico de
protecção social que deixa muito a desejar, quando considerado num contexto mais amplo
da natureza demográfica, económica, social e organizacional do Estado em Moçambique. É
um quadro legal fragmentado e desarticulado, votado à sua sorte e principalmente depen-
dente da boa vontade de alguns funcionários públicos voluntariosos e da generosidade
dos seus parceiros internacionais.
22
Não é por acaso que grande parte das políticas e estratégias nacionais - e.g. Agenda 2025, EDR (Estratégia
de Desenvolvimento Rural), 2007; ODMs (Objectivos de Desenvolvimento do Milénio) - revelam fraca
ligação e consistência com os planos de acções nacionais, sectoriais (e.g. PRSPs (Poverty Reduction
Strategy Papers)/PARPA (Plano e Acção para a Redução da Pobreza Absoluta, PES (Plano Económico e
Social) e projectos distritais e locais.
33
Caderno IESE 10 | 2011
Enquanto nos países avançados da zona Euro os líderes políticos reagem com preocupação
e relutância à possibilidade de terem de recorrer à ajuda internacional de agências finan-
ceiras como o Banco Central Europeu (BCE) e o FMI, em Moçambique os governantes nem
olham com horror para a hipótese dos doadores virem a reduzir ou interromper totalmente
a ajuda ao Orçamento do Estado e sectores prioritários. O Governo moçambicano mostra-se
apostado numa estratégia pouco, para não dizer nada, preocupada com a falência crónica
económico-financeira em que o Estado moçambicano se encontra mergulhado há mais de
25 anos. Exemplo disso, para citar apenas um dos recentes, é fornecido pela visão expressa
pelo Ministério das Finanças (2010) relativamente à sustentabilidade da dívida pública de
Moçambique. Este documento, na sequência de outros que o antecederam (Ministério das
Finanças, 2008), combina pressupostos e indicadores macroeconómicos, da dívida interna e
externa e de possíveis novos financiamentos; simula e compara vários cenários alternativos
de sustentabilidade da dívida a longo prazo, num horizonte temporal compreendido entre
o presente e meados do corrente século XXI, com incidência para o período 2010 a 2030.
Segundo o Ministério das Finanças (2010: 16) “A política do Governo no que diz respeito à
mobilização de recursos externos, não privilegia a contratação de créditos não concessionais,
neste contexto o recurso a este tipo de financiamento será opcional”.
Não está claro se a opção pela dependência crónica acontece devido à fraca consciência das
suas implicações negativas para o desenvolvimento económico a longo prazo; ou se é uma
escolha consciente dos decisores políticos, mais preocupados em maximizar o controlo do
poder político e, tanto quanto for possível, capacitarem o poder económico dos actuais lí-
deres políticos e governantes. É sabido que a bancarrota do Estado e da economia nacional
não implica necessariamente que todos os agentes económicos se tornem insolventes. Pelo
contrário. Tanto no tempo da guerra civil como no subsequente período de paz, a situação
34
António Francisco, Rosimina Ali e Yasfir Ibraimo | Segurança Humana Digna
Nas duas secções precedentes, apresentam-se evidências de que o ónus demográfico cau-
sado pela elevada taxa de dependência populacional poderá estar a ser minimizado, a ní-
vel rural, pelo facto das famílias recorrerem ao trabalho infantil e juvenil. Desconhece-se o
valor que representa o valor económico produzido pelos cerca de 1,3 milhões de crianças
e jovens dos sete aos catorze anos envolvidos na economia de subsistência. De qualquer
forma, o facto de este grupo etário, formalmente em idade pré-laboral, ser maior do que o
efectivo total de trabalhadores assalariados, nos sectores privado e público, justifica que se
pense no que isto representa em termos de protecção social real, ao nível das famílias mo-
çambicanas, sem qualquer ligação aos sistemas formais de segurança e assistência social.
Se a transição demográfica avançar rapidamente, nas próximas duas décadas, mais depres-
sa poderá alcançar-se o dividendo demográfico, referido no início deste texto. Permanece-
rá, todavia, a dúvida: será que a sociedade moçambicana está ou irá preparar-se para tirar
o melhor e maior proveito, do dividendo demográfico?
35
Caderno IESE 10 | 2011
Do ponto de vista do pensamento desejoso moçambicano não só irá, como tudo está sen-
do feito, para que depois não se diga que os moçambicanos foram apanhados de surpresa.
Em contra partida, do ponto de vista de um pensamento realista e crítico, a resposta a dúvi-
da anterior depende do tipo de instituições que prevalecerem – progressivas e produtivas
ou, pelo contrário, regressivas e extractivas/predadoras? A experiência passada não ofere-
ce motivos encorajadores, entre outras razões, porque persistiu no passado e continua a
persistir uma grande insensibilidade para com as características e consequências da actual
fase da transição demográfica moçambicana. Persiste uma grande indiferença para com as
advertências de estudos académicos, por exemplo, as consequências dos constrangimen-
tos institucionais aos efeitos da estrutura etária jovem da população, ao nível do mercado
de emprego e oportunidades de geração de renda, os quais poderão converter-se em fon-
te de tensões sociais, em vez de oportunidade de geração de riqueza e melhoria do padrão
de vida da maioria da população (Bloom et al., 2003; Cincotta et al., 2002; Francisco, 2010c).
Todavia, o que Moçambique mais necessita, e por enquanto pouco tem desenvolvido, é
um processo de transformação estrutural da economia e dos mecanismos institucionais
fomentadores de sistemas de protecção social viáveis e sustentáveis, capazes de comple-
mentarem e substituírem progressivamente os mecanismos antigos de PSD. A este nível,
o desenvolvimento de mecanismos modernos de PSF, assentes em sistemas financeiros
36
António Francisco, Rosimina Ali e Yasfir Ibraimo | Segurança Humana Digna
inclusivos e eficientes deveria ser uma prioridade, com vista a ampliar a segurança humana
mais digna, em termos de liberdade em relação à carência e ao medo, da prevenção e se-
guro contra a insegurança nas diferentes fases do ciclo da vida humana. Neste contexto, as
próprias iniciativas de protecção social poderiam ser convertidas em veículos de promoção
da inclusão institucional, tanto financeira como administrativa.
Se esta perspectiva de protecção social passasse a ser reconhecida pelos fazedores de polí-
ticas públicas, certamente que as políticas nacionais dar-lhe-iam um enquadramento mais
explícito e prioritário, com clara expressão em termos de despesas financeiras e fiscais,
bem como nas políticas de trabalho, de migração, de terras e de investimento, entre outras.
Referências
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António Francisco, Rosimina Ali e Yasfir Ibraimo | Segurança Humana Digna
Livros
Desafios para Moçambique 2011 (2011)
Luís de Brito, Carlos Nuno Castel-Branco, Sérgio Chichava e António Francisco (organizadores)
IESE: Maputo
Southern Africa and Challenges for Mozambique – papers presented at the inaugural
conference of the Institute for Social and Economic Studies. (2009)
Luís de Brito, Carlos Castel-Branco, Sérgio Chichava and António Francisco (editors)
IESE: Maputo
45
Caderno IESE 10 | 2011
Cadernos IESE
(Artigos produzidos por investigadores permanentes e associados do IESE. Esta colecção
substitui as séries “Working Papers” e “Discussion Papers”, que foram descontinuadas).
Cadernos IESE nº 9: Can Donors ‘Buy’ Better Governance? The political economy of budget
reforms in Mozambique. (2011)
Paolo de Renzio
http://www.iese.ac.mz/lib/publication/cad_iese/CadernosIESE_09_Renzio.pdf
Cadernos IESE nº 5: Estender a Cobertura da Protecção Social num Contexto de Alta Informali-
dade da Economia: necessário, desejável e possível? (2011)
Nuno Cunha e Ian Orton
http://www.iese.ac.mz/lib/publication/cad_iese/CadernosIESE_05_Cunha&Orton.pdf
46
António Francisco, Rosimina Ali e Yasfir Ibraimo | Segurança Humana Digna
Working Papers
(Artigos em processo de edição para publicação. Colecção descontinuada e substituída
pela série “Cadernos IESE”)
Discussion Papers
(Artigos em processo de desenvolvimento/debate. Colecção descontinuada e substituída
pela série “Cadernos IESE”)
IDeIAS
(Boletim que divulga resumos e conclusões de trabalhos de investigação)
47
Caderno IESE 10 | 2011
Nº35P: Será que crescimento económico é sempre redutor da pobreza? Reflexões sobre a
experiência de Moçambique (2011)
Marc Wuyts
http://www.iese.ac.mz/lib/publication/outras/ideias/ideias_35P.pdf
Nº35E: Does economic growth always reduce poverty? Reflections on the Mozambican ex-
perience (2011)
Marc Wuyts
http://www.iese.ac.mz/lib/publication/outras/ideias/ideias_35E.pdf
Nº 32: Protecção social financeira e protecção social demográfica: ter muitos filhos, princi-
pal forma de protecção social em Moçambique? (2010)
António Francisco, Rosimina Ali e Yasfir Ibraimo
http://www.iese.ac.mz/lib/publication/outras/ideias/ideias_32.pdf
Nº 31: Probreza em Moçambique põe governo e seus parceiros entre a espada e a parede (2010)
António Francisco
http://www.iese.ac.mz/lib/publication/outras/ideias/ideias_31.pdf
48
António Francisco, Rosimina Ali e Yasfir Ibraimo | Segurança Humana Digna
49
Caderno IESE 10 | 2011
50
António Francisco, Rosimina Ali e Yasfir Ibraimo | Segurança Humana Digna
Relatórios de Investigação
Moçambique: Avaliação independente do desempenho dos PAP em 2009 e tendências de
desempenho no período 2004-2009 (2010)
Carlos Nuno Castel-Branco, Rogério Ossemane e Sofia Amarcy
http://www.iese.ac.mz/lib/publication/2010/PAP_2009_v1.pdf
Mozambique Independent Review of PAF’s Performance in 2008 and Trends in PAP’s Perfor-
mance over the Period 2004-2008. (2009)
Carlos Nuno Castel-Branco, Rogério Ossemane, Nelsa Massingue and Rosimina Ali.
http://www.iese.ac.mz/lib/publication/outras/PAPs_2008_eng.pdf
(também disponível em versão em língua Portuguesa no link http://www.iese.ac.mz/lib/
publication/outras/PAPs_2008_port.pdf ).
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