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Políticas Sociais da

Saúde e Previdência
Social
Prof.ª Ana Cláudia Moser
Prof.ª Joelma Crista Sandri Bonetti
Prof.ª Neusa Mendonça Franzmann

2017
Copyright © UNIASSELVI 2017

Elaboração:
Prof.ª Ana Cláudia Moser
Prof.ª Joelma Crista Sandri Bonetti
Prof.ª Neusa Mendonça Franzmann

Revisão, Diagramação e Produção:


Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI

Ficha catalográfica elaborada na fonte pela Biblioteca Dante Alighieri


UNIASSELVI – Indaial.

344.032
M899pMoser, Ana Cláudia
Políticas sociais da saúde e previdência social / Ana Cláudia
Moser; Joelma Crista Sandri Bonetti; Neusa Mendonça
Franzmann. Indaial : UNIASSELVI, 2017.

206 p. : il.

ISBN 978-85-515-0106-1

1.Previdência Social.
I. Centro Universitário Leonardo Da Vinci.
Apresentação
Caro acadêmico! Estamos iniciando mais uma disciplina. Neste livro
de Políticas Sociais da Saúde e Previdência Social abordaremos a temática de
uma maneira mais pedagógica, buscando a correlação com pontos históricos,
o que facilitará a identificação dos períodos e da trajetória da Política de Saúde.

Outro ponto importante é compreender que a Política da


Previdência Social é resultado da política de saúde, é uma ramificação da
proteção social da saúde.

A Política de saúde é uma política social, pois está voltada para a


reprodução dos indivíduos e dos problemas da coletividade, é um direito
inerente à condição de cidadania, é uma necessidade básica.

A saúde é uma questão de cidadania, pois está atrelada diretamente


aos dilemas históricos e conceituais dos sistemas de proteção social:

• Modelo de Proteção Social, Residual.


• Modelo de Proteção Social de Seguro Social.
• Modelo de Proteção Social de Previdência Social.

A Política de saúde, em um primeiro período histórico, era


considerada como uma competência na área privada, sendo que as ações
eram desempenhadas por setores privados totalmente autônomos, isolados e
competitivos entre si. Somente tempos depois é que se iniciou a intervenção
do estado e o início da dimensão pública com novas ideias voltados à
interação e à cooperação entre as partes.

Nesse sentido, a cidadania pressupõe um modelo que oferece


respostas às transformações socioeconômicas e políticas ocorridas desde
o advento da Revolução Industrial, que remete aos ideais de Liberdade,
Igualdade e Fraternidade.

Esse reconhecimento de cidadania, segundo Giovanella (2014) é parte


fundamental do capitalismo à medida que entende que a classe social está
fundamentada na desigualdade econômica e a cidadania garante os mesmos
direitos e deveres a todos.

Para compreender todo esse processo histórico da saúde, estamos


propondo caminharmos juntos pelas seguintes unidades:

Na primeira unidade será apresentada a correlação da política de


saúde com os pressupostos históricos que antecedem a ideia de seguridade
social e focaremos na lógica do modelo residual.
III
Na segunda unidade vamos expor, de maneira simples e clara, a
questão das mudanças ocorridas com os modelos de saúde, referenciando
o modelo de seguro social e apresentando o modelo de previdência social.

A terceira unidade será baseada no modelo de previdência social e os


desafios propostos pelo Sistema Único de Saúde – SUS com a Lei nº 8080/90.

Ao final deste livro didático, você será capaz de identificar que o Estado
e a cidadania são interfaces da mesma moeda, uma não existe sem a outra.

De um lado, o Estado funda seu poder nos indivíduos constituídos


como cidadãos e que devem ser tratados conforme a lei, da mesma maneira,
ressaltando que são eles que garantem e asseguram a legitimidade do
exercício do poder político, pois a democracia e a competição eleitoral
igualam e entrelaçam esse arranjo político, pois, mesmo distintos, ambos
apresentam interesses no poder político.

Prof.ª Ana Cláudia Moser


Prof.ª Joelma Crista Sandri Bonetti
Prof.ª Neusa Mendonça Franzmann

IV
NOTA

Você já me conhece das outras disciplinas? Não? É calouro? Enfim, tanto


para você que está chegando agora à UNIASSELVI quanto para você que já é veterano, há
novidades em nosso material.

Na Educação a Distância, o livro impresso, entregue a todos os acadêmicos desde 2005, é


o material base da disciplina. A partir de 2017, nossos livros estão de visual novo, com um
formato mais prático, que cabe na bolsa e facilita a leitura.

O conteúdo continua na íntegra, mas a estrutura interna foi aperfeiçoada com nova
diagramação no texto, aproveitando ao máximo o espaço da página, o que também contribui
para diminuir a extração de árvores para produção de folhas de papel, por exemplo.

Assim, a UNIASSELVI, preocupando-se com o impacto de nossas ações sobre o ambiente,


apresenta também este livro no formato digital. Assim, você, acadêmico, tem a possibilidade
de estudá-lo com versatilidade nas telas do celular, tablet ou computador.
 
Eu mesmo, UNI, ganhei um novo layout, você me verá frequentemente e surgirei para
apresentar dicas de vídeos e outras fontes de conhecimento que complementam o assunto
em questão.

Todos esses ajustes foram pensados a partir de relatos que recebemos nas pesquisas
institucionais sobre os materiais impressos, para que você, nossa maior prioridade, possa
continuar seus estudos com um material de qualidade.

Aproveito o momento para convidá-lo para um bate-papo sobre o Exame Nacional de


Desempenho de Estudantes – ENADE.
 
Bons estudos!

V
VI
Sumário
UNIDADE 1 – O CONTEXTO HISTÓRICO SOCIAL DA POLÍTICA DE SAÚDE NO
BRASIL COM ENFOQUE NO MODELO RESIDUAL......................................... 1

TÓPICO 1 – AS DIFERENTES CONCEPÇÕES DE SEGURIDADE SOCIAL............................. 3


1 INTRODUÇÃO...................................................................................................................................... 3
2 NOÇÕES SOBRE O CONCEITO DE SEGURIDADE SOCIAL .................................................. 3
3 SAÚDE E SEGURIDADE SOCIAL.................................................................................................... 6
4 PREVIDÊNCIA E SEGURIDADE SOCIAL..................................................................................... 9
5 MODELOS DE PROTEÇÃO SOCIAL............................................................................................... 12
RESUMO DO TÓPICO 1........................................................................................................................ 15
AUTOATIVIDADE.................................................................................................................................. 16

TÓPICO 2 – OS PRIMÓRDIOS DA SAÚDE NO BRASIL.............................................................. 19


1 INTRODUÇÃO...................................................................................................................................... 19
2 A SAÚDE DO “DESCOBRIMENTO” AO SÉCULO XVIII: PERÍODO COLONIAL,
A SAÚDE E AS ARTES DA CURA..................................................................................................... 19
2.1 AS PRIMEIRAS INICIATIVAS DAS ORDENS RELIGIOSAS PARA OS CUIDADOS
DE SAÚDE NO BRASIL.................................................................................................................. 21
2.2 DESAFIOS DA SAÚDE NO BRASIL COLÔNIA......................................................................... 22
3 PRIMEIRA METADE DO SÉCULO XIX: AS INFLUÊNCIAS DA CHEGADA DA
CORTE PORTUGUESA NOS CUIDADOS DE SAÚDE............................................................... 25
3.1 INDEPENDÊNCIA, EPIDEMIAS E A CRISE SANITÁRIA....................................................... 26
3.2 A RESPOSTA DO IMPÉRIO ÀS EPIDEMIAS: A REFORMA NOS SERVIÇOS DE SAÚDE.26
4 SEGUNDA METADE DO SÉCULO XIX: CRISE SANITÁRIA E O RETORNO A
CENTRALIZAÇÃO DA ATENÇÃO À SAÚDE............................................................................... 29
RESUMO DO TÓPICO 2........................................................................................................................ 34
AUTOATIVIDADE.................................................................................................................................. 35

TÓPICO 3 – A ERA DA LUTA PELOS DIREITOS............................................................................ 37


1 INTRODUÇÃO...................................................................................................................................... 37
2 A PRIMEIRA METADE DO SÉCULO XX........................................................................................ 37
3 O FINAL DA PRIMEIRA METADE DO SÉCULO XX................................................................... 50
3.1 GOVERNO PROVISÓRIO – 1930-1934.......................................................................................... 50
3.2 GOVERNO CONSTITUCIONAL – 1934 – 1937........................................................................... 53
3.3 ESTADO NOVO – 1937 – 1945........................................................................................................ 54
LEITURA COMPLEMENTAR................................................................................................................ 60
RESUMO DO TÓPICO 3........................................................................................................................ 66
AUTOATIVIDADE.................................................................................................................................. 67

UNIDADE 2 – O CONTEXTO HISTÓRICO E SOCIAL DA POLÍTICA DE SAÚDE NO


BRASIL COM ENFOQUE NO MODELO DE SEGURO SOCIAL...................... 69

TÓPICO 1 – O CONTEXTO DA SEGURIDADE SOCIAL EM PARALELO À


POLÍTICA DE SAÚDE..................................................................................................... 71

VII
1 INTRODUÇÃO...................................................................................................................................... 71
2 O CONTEXTO HISTÓRICO DA SEGURIDADE SOCIAL.......................................................... 71
2.1 O CONTEXTO HISTÓRICO DA SEGURIDADE SOCIAL NO BRASIL ................................. 72
2.1.1 A década de 1930........................................................................................................................... 76
LEITURA COMPLEMENTAR................................................................................................................ 82
RESUMO DO TÓPICO 1........................................................................................................................ 93
AUTOATIVIDADE.................................................................................................................................. 94

TÓPICO 2 – O PROCESSO DE SAÚDE NA SEGUNDA METADE DO SÉCULO XX............... 95


1 INTRODUÇÃO...................................................................................................................................... 95
2 DO RESGATE À CONQUISTA EFETIVA ....................................................................................... 96
3 NOVA CONSTITUIÇÃO FEDERAL EM 1946................................................................................. 97
4 DO SANITARISMO À MUNICIPALIZAÇÃO................................................................................ 98
5 A NECESSIDADE DA CRIAÇÃO DO MINISTÉRIO DA SAÚDE............................................ 100
6 A DISSEMINAÇÃO DA MALÁRIA E AS AÇÕES GOVERNAMENTAIS .............................. 102
LEITURA COMPLEMENTAR................................................................................................................ 106
7 OUTRAS DOENÇAS ........................................................................................................................... 113
8 OUTRAS CONSIDERAÇÕES............................................................................................................. 114
RESUMO DO TÓPICO 2........................................................................................................................ 115
AUTOATIVIDADE.................................................................................................................................. 116

TÓPICO 3 – DO REGIME MILITAR AOS DIREITOS SOCIAIS................................................... 117


1 INTRODUÇÃO...................................................................................................................................... 117
2 O CONTEXTO DA SAÚDE DURANTE O REGIME MILITAR ................................................. 117
3 RECONHENDO AS AÇÕES DE SAÚDE NA DÉCADA DE 70................................................... 119
4 O PODER DA MOBILIZAÇÃO POPULAR..................................................................................... 125
5 A VACINA E SEU PROCESSO HISTÓRICO ................................................................................. 127
RESUMO DO TÓPICO 3........................................................................................................................ 131
AUTOATIVIDADE.................................................................................................................................. 133

UNIDADE 3 – A TRAJETÓRIA E OS DESAFIOS DO MODELO DE SAÚDE


E PREVIDÊNCIA........................................................................................................... 135

TÓPCIO 1 – COMPREENDENDO O SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE – SUS.............................. 137


1 INTRODUÇÃO...................................................................................................................................... 137
2 A POLÍTICA DE SAÚDE BRASILEIRA E A ORGANIZAÇÃO INSTITUCIONAL
DO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE (SUS)........................................................................................ 138
3 RELEMBRANDO A CONSTRUÇÃO DAS POLÍTICAS DE SAÚDE........................................ 139
3.1 CONSTITUIÇÃO DE 1988 E O ACESSO UNIVERSAL À SAÚDE........................................... 142
3.2 NEOLIBERALISMO E AS MUDANÇAS DE RUMO DA POLÍTICA DE SAÚDE................. 144
4 O MODELO DE SAÚDE PÚBLICA BRASILEIRA......................................................................... 148
5 ORGANIZAÇÃO DO SUS: PRINCÍPIOS E DIRETRIZES........................................................... 149
6 INSTÂNCIAS DE DECISÃO DO SUS: CARACTERÍSTICAS INSTITUCIONAIS................ 156
7 AMPLIAÇÃO DA PARTICIPAÇÃO DA COMUNIDADE: CONFERÊNCIAS
E CONSELHOS DE SAÚDE................................................................................................................ 162
8 A DESCENTRALIZAÇÃO NO ÂMBITO DO SUS........................................................................ 164
RESUMO DO TÓPICO 1........................................................................................................................ 169
AUTOATIVIDADE.................................................................................................................................. 170

TÓPICO 2 – O SISTEMA PREVIDENCIÁRIO................................................................................... 173


1 INTRODUÇÃO...................................................................................................................................... 173
2 RELEMBRANDO A CONSTRUÇÃO DA NOÇÃO DE SEGURIDADE SOCIAL .................. 173

VIII
3 O SISTEMA PREVIDENCIÁRIO NO BRASIL.............................................................................177
RESUMO DO TÓPICO 2......................................................................................................................185
AUTOATIVIDADE................................................................................................................................186

TÓPICO 3 – OS DESAFIOS CONTEMPORÂNEOS NA POLÍTICA DE SAÚDE


E PREVIDÊNCIA.............................................................................................................189
1 INTRODUÇÃO....................................................................................................................................189
2 DESAFIOS DA SEGURIDADE SOCIAL........................................................................................189
3 ANÁLISE DO MODELO SAÚDE PÚBLICA: AVANÇOS E DESAFIOS.................................192
4 A PREVIDÊNCIA NO CONTEXTO DO NEOLIBERALISMO..................................................194
LEITURA COMPLEMENTAR..............................................................................................................195
RESUMO DO TÓPICO 3......................................................................................................................200
AUTOATIVIDADE................................................................................................................................201
REFERÊNCIAS........................................................................................................................................203

IX
X
UNIDADE 1

O CONTEXTO HISTÓRICO SOCIAL


DA POLÍTICA DE SAÚDE NO BRASIL
COM ENFOQUE NO MODELO
RESIDUAL

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
A partir desta unidade, você será capaz de:

• identificar o processo de saúde nos primórdios.

• compreender o início do processo e a conquista dos direitos sociais na saúde.

• reconhecer a saúde como um direito socialmente conquistado pela coleti-


vidade.

PLANO DE ESTUDOS
Esta unidade está organizada em três tópicos. Em cada um deles você
encontrará diversas atividades que o ajudarão na compreensão das
informações apresentadas.

TÓPICO 1 – AS DIFERENTES CONCEPÇÕES DE SEGURIDADE SOCIAL

TÓPICO 2 – OS PRIMÓRDIOS DA SAÚDE NO BRASIL

TÓPICO 3 – A ERA DA LUTA DOS DIREITOS

1
2
UNIDADE 1
TÓPICO 1

AS DIFERENTES CONCEPÇÕES DE SEGURIDADE


SOCIAL

1 INTRODUÇÃO
Prezado acadêmico! As discussões no campo das políticas públicas fazem
parte do cotidiano de trabalho e estudos do Assistente Social, bem como pode
ser observado o protagonismo dos profissionais da área nas lutas pela garantia
do acesso aos direitos sociais, com ênfase para os direitos inerentes a Seguridade
Social (MAURIEL, 2010).

Partindo desse pressuposto você será convidado a acompanhar o resgate


de discussões fundamentais para a compreensão das Políticas Sociais de Saúde e
Previdência e que dão conta do universo das noções de seguridade social, saúde
e previdência social.

2 NOÇÕES SOBRE O CONCEITO DE SEGURIDADE


SOCIAL
No universo que compreende as reflexões acerca das noções de Seguridade
Social é fundamental destacar o impacto das contradições do sistema capitalista
sobre as políticas sociais configurando o desenrolar da história brasileira que
acaba por excluir de parte da população o acesso aos direitos sociais e à proteção
social. Tendo esse cenário como pano de fundo a Seguridade Social figurou como
caminho ideal para o combate à pobreza e, ao mesmo tempo, observou-se o
chamado desmonte da Seguridade Social (MAURIEL, 2010).

3
UNIDADE 1 | O CONTEXTO HISTÓRICO SOCIAL DA POLÍTICA DE SAÚDE NO BRASIL COM ENFOQUE NO MODELO RESIDUAL

QUADRO 1 – QUADRO COMPARATIVO ENTRE AS PERSPECTIVAS DA


ASSISTÊNCIA SOCIAL

DIREITO SOCIOASSISTEN-
ASSISTENCIALISTA
CIAL
Concebida como aju- Concebida como DIREITO SO-
da, benesse e favor. CIAL.
Sujeito de ajuda. Sujeito de direitos.
Ênfase na ajuda huma-
Ênfase ao atendimento às necessi-
nitária aos mais pobres
dades sociais da população.
e necessitados.
Responsabilidade da Responsabilidade estatal (gestão e
igreja e de “pessoas de financiamento), com participação
bem”. da sociedade civil (controle social).
Incentivo à criação de equipamen-
Incentivo à criação de
tos estatais (Cras e Creas) e ao
instituições de carida-
fortalecimento da rede socioassis-
de públicas e privadas.
tencial.
Ênfase em ações de natureza
Ênfase em ações de
pública (estatal e não estatal), com
natureza filantrópi-
financiamento público (por Esta-
ca, com apoio estatal
dos, Distrito Federal e Munícipios)
por meio de isenções
e comando único em cada esfera
fiscais.
de governo.
Responsabilidade do Estado,
Ações planejadas e
em cada esfera de governo, pela
coordenadas pelas
formulação das políticas e pelo
primeiras-damas.
controle das ações.
Incentivo a criação e ao fortaleci-
mento de espaços de participação
Decisões em gabinete.
e de deliberação (conselhos, confe-
rências e fóruns).
Práticas que visam à autonomia
Práticas clientelistas.
dos sujeitos.
Garantia de profissionais quali-
Incentivo ao trabalho
ficados para materialização dos
voluntário.
serviços e sua qualidade.
FONTE: Brasil (2016)

Para que possamos qualificar a atuação do assistente social nas mais


diversas situações que envolvem desde a luta pela garantia do acesso aos direitos
sociais até a intervenção prática no cotidiano de trabalho nas áreas da saúde e
previdência, se faz necessário resgatar conceitos que nos permitam compreender
as dimensões da seguridade social, assim como os elementos dos serviços e
políticas de saúde e previdência no Brasil.

4
TÓPICO 1 | AS DIFERENTES CONCEPÇÕES DE SEGURIDADE SOCIAL

A noção de seguridade social remete à articulação de políticas


públicas e estratégias de ação buscando a superarão de situações de risco e
vulnerabilidade social.

Em termos gerais, a Seguridade Social pode ser definida como o


conjunto de políticas e ações articuladas com o objetivo de amparar
o indivíduo e/ou seu grupo familiar ante os eventos decorrentes
de morte, doença, invalidez, idade, desemprego e incapacidade
econômica em geral. Como não poderia deixar de ser, o caráter
genérico da definição comporta um sem-número de variantes no
campo prático, dependendo de fatores políticos, econômico-sociais,
históricos e culturais que influenciaram a evolução de cada sistema
em particular (OLIVEIRA, 1992, p. 3).

É importante ressaltar, mesmo diante da diversidade do conceito


apresentada acima, a seguridade social contempla três campos: Previdência
social, Saúde e Assistência social.

FIGURA 1 – GUARDA-CHUVA DA SEGURIDADE SOCIAL

"A seguridade social compreende


um conjunto integrado de ações de
iniciativa dos poderes públicos e da
sociedade, destinadas a assegurar
os direitos relativos à saúde, à
previdência e à assistência social"
(Brasil, 198, art. 194)

"A saúde é direito de todos e dever "A assistência social, direito do


do Estado, garantido mediante cidadão e dever do Estado, é
políticas sociais e econômicas que Política de Seguridade Social não
visem à redução do risco de doença contributiva , que provê os mínimos
e de outros agravos e ao acesso sociais, realizada através de um
universal e igualitário às ações conjunto integrado de ações de
e serviços para sua promoção, iniciativa pública e da sociedade,
proteção e recuperação" para garantir o atendimento às
(Brasil, 1988, art. 196). necessidades básicas"
(LOAS/1993, art. 1°).
A CF/1988 no art. 201 destaca: "A previdência social será
organizada sob a forma de regime geral, de caráter contributivo
e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o
equilíbrio financeiro e atuarial, e atenderá, nos termos da lei, a:
I - cobertura dos eventos de doença, invalidez, morte e idade avançada;
II - proteção à maternidade, especialmente à gestante;
III - proteção ao trabalhador em situação de desemprego involuntário;
IV - salário-família e auxílio-reclusão para os dependentes dos
segurados de baixa renda;
V - pensão por morte do segurado , homem ou mulher, ao cônjuge ou
companheiro e dependentes".

FONTE: Brasil (2016)

5
UNIDADE 1 | O CONTEXTO HISTÓRICO SOCIAL DA POLÍTICA DE SAÚDE NO BRASIL COM ENFOQUE NO MODELO RESIDUAL

3 SAÚDE E SEGURIDADE SOCIAL


Assim como a noção de seguridade social, o conceito de saúde é também
amplo e controverso. Ao longo da história é possível identificar uma diversidade
significativa de concepções para saúde que variam no tempo e no espaço e
representam culturas e visões de mundo diferentes.

A tentativa de criar uma concepção de saúde universalmente utilizada


se inicia após o fim da Primeira Guerra Mundial, porém só obtém sucesso após
o fim da Segunda Guerra Mundial. A determinação das noções de saúde visava
contemplar o sistema de bem-estar social implantado nas políticas públicas de
países europeus nesse período.

Visando unificar esse entendimento a Organização Mundial da


Saúde (OMS), desdobramento da Organização Mundial da Saúde
(ONU), passa a reconhecer o direito à saúde e a obrigatoriedade por
parte do Estado na promoção e proteção à saúde. E saúde passa a ser
conceituada como “o estado mais amplo de bem-estar físico, mental e
social e não apenas a ausência da enfermidade” (SCLIAR, 2007, p. 37).
Buscando assim um entendimento de saúde como “o direito a uma
vida plena, sem privações” (SCLIAR, 2007, p. 37).

FIGURA 2 – DIVERSOS ELEMENTOS QUE COMPÕEM A NOÇÃO DE SAÚDE

FONTE: Disponível em: <https://blog.gerardotrindade.com.


br/2017/04/05/0704-dia-mundial-da-saude/>. Acesso em: 4 maio 2017.

Como consequência desse movimento para um entendimento amplo e


diverso da noção de saúde foi determinado o campo da saúde:

• a biologia humana, que compreende a herança genética e os processos


biológicos inerentes à vida, incluindo os fatores de envelhecimento;
• o meio ambiente, que inclui o solo, a água, o ar, a moradia, o local de
trabalho;
• o estilo de vida, do qual resultam decisões que afetam a saúde: fumar
ou deixar de fumar, beber ou não, praticar ou não exercícios;
• a organização da assistência à saúde. A assistência média, os serviços
ambulatoriais e hospitalares e os medicamentos são as primeiras
coisas em que muitas pessoas pensam quando se fala de saúde.

6
TÓPICO 1 | AS DIFERENTES CONCEPÇÕES DE SEGURIDADE SOCIAL

No entanto, esse é apenas um componente do campo da saúde, e


não necessariamente o mais importante. Às vezes, é mais benéfico
para a saúde ter água potável e alimentos saudáveis do que dispor
de medicamentos. É melhor evitar o fumo do que submeter-se a
radiografias do pulmão todos os anos. É claro que essas coisas não
são excludentes, mas a escassez de recursos na área de saúde obriga,
muitas vezes, a selecionar prioridades (SCLIAR, 2007, p. 37).

O conceito de saúde remete às relações amplas e que vão além da dicotomia


doente/saudável. Por saúde entende-se além dos fatores biológicos que levam
à doença, pois compreende-se nesse universo questões como o meio ambiente
que influencia a qualidade de vida, o estilo de vida escolhido pelo indivíduo ou
condicionado a ele e também à assistência à saúde. Vemos aqui a relevância da
compreensão ampla da saúde e de suas correlações com outros elementos da
proteção social e da necessidade de criar conexões com outras políticas públicas.

A amplitude da noção de saúde recebeu críticas de natureza técnica, pois


seria algo inatingível e não poderia ter uso nos serviços de saúde, e de natureza
política, pois essa concepção abriria espaço para o excesso de intervenção do
Estado na vida do cidadão. Contudo, quando se aguarda uma posição no sentido
de restringir o conceito por parte da OMS, a situação foi inversa.

Na ocasião da Conferência Internacional de Assistência Primária à Saúde


em 1978, a OMS deu atenção a temáticas abrangentes:

A Conferência enfatizou as enormes desigualdades na situação da


saúde entre países desenvolvidos e subdesenvolvidos; destacou a
responsabilidade governamental na provisão da saúde e a importância
da participação de pessoas e comunidades no planejamento e
implementação dos cuidados à saúde. Trata-se de uma estratégia
que se baseia nos seguintes pontos: 1) as ações de saúde devem ser
práticas, exequíveis e socialmente aceitáveis; 2) devem estar ao
alcance de todos, pessoas e famílias - portanto disponíveis em locais
acessíveis à comunidade; 3) a comunidade deve participar ativamente
na implantação e na atuação do sistema de saúde; 4) o custo dos
serviços deve ser compatível com a situação econômica da região e do
país. Estruturados dessa forma, os serviços que prestam os cuidados
primários de saúde representam a porta de entrada para o sistema de
saúde, do qual são, verdadeiramente, a base (SCLIAR, 2007, p. 38).

Como compreender a saúde apenas como a ausência da doença? O


posicionamento da OMS permitiu a disseminação e a defesa de um ideal amplo de
saúde que compreende elementos variados da vida do indivíduo e, especialmente,
o acesso universal – independente das condições econômicas-sociais – a condições
de vida dignas e ao atendimento através dos serviços de saúde.

Destacamos aqui outro aspecto reafirmado pela conferência: a necessidade


de um sistema nacional de saúde integrado ao processo de desenvolvimento
social e econômico de cada nação. Afinal, a saúde é causa e consequência do
processo de desenvolvimento econômico e social:

7
UNIDADE 1 | O CONTEXTO HISTÓRICO SOCIAL DA POLÍTICA DE SAÚDE NO BRASIL COM ENFOQUE NO MODELO RESIDUAL

Os cuidados primários de saúde, adaptados às condições econômicas.


socioculturais e políticas de uma região deveriam incluir pelo menos:
educação em saúde, nutrição adequada, saneamento básico, cuidados
materno-infantis, planejamento familiar, imunizações, prevenção
e controle de doenças endêmicas e de outros frequentes agravos à
saúde, provisão de medicamentos essenciais. Deveria haver uma
integração entre o setor de saúde e os demais, como agricultura e
indústria (SCLIAR, 2007, p. 39).

A saúde passa a ser compreendida como fenômeno abrangente, pois


envolve diversos aspectos da vida do indivíduo e de seu contexto econômico e
social. Além disso, reforça-se o papel do Estado diante da necessidade de superar
as desigualdades no acesso às condições mínimas de saúde.

A Constituição Federal de 1988 foi um marco para a conceituação do


direito à saúde no Brasil. O texto elevou à saúde ao patamar de direito subjetivo
público, o que significa que o sujeito é detentor do direito e o Estado, por sua vez,
é obrigado a garantir o acesso a esse direito. Vale lembrar que o sujeito também
possui responsabilidade sobre sua saúde, no sentido de preservar a saúde
individual e coletiva. Nos dias de hoje fica a cargo do Estado a responsabilidade
de garantir ao cidadão e a coletividade o acesso à saúde (SANTOS, 2010).

Nesse sentido, o conceito de saúde leva em consideração seus


determinantes e condicionantes. Deve-se atentar para as condições de
alimentação, moradia, saneamento, meio ambiente, renda, trabalho, educação,
transporte, entre outros. Em outras palavras entende-se que a saúde e o acesso
aos serviços públicos de saúde devem compreender as dinâmicas que envolvem
o bem-estar individual e coletivo, bem como os fatores que influenciam ou
determinam o adoecimento de indivíduos ou grupos sociais. A noção de
saúde não é restrita a estar saudável ou adoecer, essa noção está estreitamente
relacionada a todos os aspectos da vida do indivíduo (SANTOS, 2010).

Compreender essas relações é fundamental para pensar o sistema de saúde,


pois mesmo diante da igualdade do caráter preventivo e curativo ainda existem
desafios sociais para considerarmos (SANTOS, 2010). Basta um olhar mais atento
para percebermos que as pessoas que sofrem com maior intensidade a doença e seus
agravantes são aquelas que se encontram em situação de vulnerabilidade social.

Essa realidade permanece mesmo quando o serviço de saúde é capaz de


atender as suas demandas de saúde, porque o sistema não consegue transformar
sua situação de vulnerabilidade.

Cabe aqui destacar a fala de Santos (2010) ao colocar em evidência a


necessidade de compreender e superar as desigualdades sociais

Daí se pode afirmar que, sem a noção das desigualdades sociais, a


erradicação da pobreza e a melhoria do modo de vida, o setor de saúde será
o estuário de todas as mazelas das más políticas sociais e econômicas. E, sem
essa garantia de mudança dos fatores condicionantes e determinantes, não se
garantirá o direito à saúde em sua abrangência constitucional (SANTOS, 2010).
8
TÓPICO 1 | AS DIFERENTES CONCEPÇÕES DE SEGURIDADE SOCIAL

Prezado acadêmico! Fica evidente um paradoxo na relação entre saúde e


seguridade ao passo que vislumbramos dois cenários controversos. De um lado, o
direito à saúde é reconhecido internacionalmente e, em nosso país, é reconhecido
como direito do cidadão e dever do Estado. De outro nos deparamos com os contornos
da questão social e seus desafios para a superação das desigualdades sociais.

Mais uma vez em sua formação evidencia-se a relevância do protagonismo


do profissional do serviço social na luta pelo acesso e garantia dos direitos
sociais, assim como na atuação em campo na área de políticas públicas visando a
qualificação da oferta de serviços e atendimentos a população.

4 PREVIDÊNCIA E SEGURIDADE SOCIAL


As políticas sociais surgem num contexto de expansão do modelo liberal.
Nesse modelo, o objetivo é reduzir a intervenção do Estado na vida das pessoas,
inclusive no que diz respeito à questão social, pois a crença está na capacidade do
mercado se autorregular e dar conta dos problemas sociais.

Porém, a experiência histórica mostrou a incapacidade do mercado de


superar as desigualdades históricas constituídas ao longo da história, assim como
de resolver os problemas que a própria expansão do capitalismo liberal gerava.
Tal fato exigiu a intervenção do Estado para atender aos grupos que, por algum
motivo, se encontravam excluídos socialmente. Essa intervenção se deu pela
forma da proteção social descrita no início desse tópico (TEIXEIRA, 1985).

As ações governamentais desse período ficaram conhecidas como


assistência social:
As políticas sociais que tiveram origem neste contexto são conhecidas
sob a designação de Assistência Social e incluíam o reconhecimento
de uma necessidade, e alguma proposta de aliviá-la. Caracterizam-se
por assumir que esta situação de necessidade decorre de um problema
de caráter do necessitado, razão pela qual a assistência é provida em
condições que tentam parcialmente compensar falhas passadas e
prevenir contra falhas futuras.
O Seguro Social tem como característica destinar-se a cobertura da
população assalariada com a qual se estabelece uma relação jurídica
do tipo contratual: os benefícios são em regra, proporcionais à
contribuição efetuada, não guardando relação imediata com as
necessidades do beneficiário. A participação tende a ser compulsória
e, embora restrita a uma parcela da população, é uma relação de
direito social estabelecida com base em um contrato. Trata-se, neste
caso, da cidadania regulada pela condição de exercício de uma ocupação
oficialmente reconhecida, o que lhe garante a assinatura da carteira de
trabalho (TEIXEIRA, 1985, p. 401-402).

9
UNIDADE 1 | O CONTEXTO HISTÓRICO SOCIAL DA POLÍTICA DE SAÚDE NO BRASIL COM ENFOQUE NO MODELO RESIDUAL

Podemos sinalizar pontos positivos e desafios em relação ao seguro social,


por um lado se trata de uma política que traz questões como a equidade, justiça
social e redistribuição de renda para seus beneficiários e, por outro lado, não é
capaz de cessar a desigualdade do sistema produtivo na medida em que exclui
de sua proteção aqueles que se encontram à margem do mercado de trabalho
formal, seja ele rural ou urbano (TEIXEIRA, 1985).

Destacamos ainda a necessidade de compreensão da Previdência Social


como parte dos direitos fundamentais sociais. Na Constituição Federal de 1988,
a previdência social está incluída no artigo 6º juntamente com os direitos à
educação, à saúde, ao trabalho, à moradia, ao lazer, à segurança, à proteção à
maternidade e à infância e à assistência aos desamparados. Bem como sinaliza
sua inclusão no sistema de seguridade social (NOLASCO, 2012).

Cabe lembrar que a diferença entre a política de assistência social, a


política de saúde e a previdência social está na forma de financiamento. Enquanto
as políticas de assistência e saúde são políticas não contributivas, a previdência é
uma política contributiva.

Na descrição da sequência histórica a seguir elaborada por Nolasco (2012)


podemos observar a evolução histórica da previdência social no Brasil:

• Constituição de 1824: remete a esse documento o entendimento da garantia


dos direitos aos conhecidos como “socorros públicos”. Apesar da garantia
à previdência fazer parte da Constituição, na prática as pessoas não tinham
acesso a esse direito e também não tinham condições de cobrar o cumprimento
da lei. Mesmo diante da falta de efetividade podemos considerar um avanço o
reconhecimento legal da necessidade e relevância da previdência.
• Constituição de 1891: esse texto contempla dois dispositivos relativos à
previdência: a prestação de socorro aos estados em calamidade pública e a
aposentadoria por invalidez dos funcionários públicos. Vale ressaltar que essas
aposentadorias não exigiam contribuição. Contudo, seguia-se sem a efetivação
das atribuições previstas em lei.
• Constituição de 1934: passa a ser previsto o sistema tripartite que conhecemos
hoje. A partir desse momento, a Constituição previa que o trabalhador, o
empregador e o Estado deveriam contribuir no financiamento da Previdência.
Característica considerada um progresso no que se refere à Previdência.
• Constituição de 1937: instituiu seguros para acidentes de trabalho: seguro
de vida, invalidez e velhice. Salvo esses seguros, pode-se afirmar que não
houve outras inovações nesse texto no que diz respeito ao seguro social, como
era chamada a Previdência Social nesse contexto. No entanto, o período foi
marcado por ações do plano infraconstitucional como, por exemplo, a criação
do Departamento Nacional de Previdência Social pouco antes de promulgação
da Constituição de 1946.
• Constituição de 1946: não houve mudanças em relação ao texto presente na
Constituição de 1937. Entretanto, nesse contexto o termo seguro social cai em
desuso e, em termos constitucionais, é substituído por Previdência Social. No

10
TÓPICO 1 | AS DIFERENTES CONCEPÇÕES DE SEGURIDADE SOCIAL

plano infraconstitucional destaca-se a edição da Lei Orgânica da Previdência


Social (Lei nº 3.807/1960) que institui avanços como o auxílio-reclusão, o auxílio-
natalidade e o auxílio-funeral.
• Constituição de 1967: a instituição do seguro desemprego e do salário
família foram as inovações significativas dessa Constituição. No plano
infraconstitucional destacam-se o seguro de acidentes de trabalho, a inclusão
do trabalhador rural na previdência, a criação do Programa de Integração
Social (PIS), a criação do Programa de Formação do Patrimônio do Servidor
Público (PASEP), a criação do Programa de Assistência ao Trabalhador Rural
(PRÓ-RURAL), inclusão dos empregados domésticos, criação do Ministério
da Previdência e Assistência Social, criação do Processamento de Dados da
Previdência Social (DATAPREV), a Consolidação das Leis da Previdência Social,
criação do Sistema Nacional de Previdência e Assistência Social (SINPAS) e a
nova Consolidação das Leis da Previdência Social.
• Constituição de 1988: o retorno do Estado democrático de direito marca a
discussão a respeito da eficácia dos direitos fundamentais de segunda dimensão,
incluindo o direito à Previdência. Esses direitos passam a ser garantidos
mesmo diante de emendas constitucionais, porém a nossa de universalidade
de cobertura e atendimento os coloca numa posição distante do que, de fato, é
alcançado pela realidade. Enquanto o sistema de Saúde e Assistência é garantido
a todos por não ser contributivo, a exigência de contribuição por parte da
Previdência torna ainda mais distante a universalidade do atendimento.

UNI

Evolução Histórica da Previdência Social no mundo

4.1 Inglaterra
O primeiro documento legislativo de grande importância na Inglaterra, no que diz respeito à
Previdência Social, foi o “Poor Relief Act”, de 1601, o qual regulamentou a instituição de auxílios
e socorros públicos aos necessitados. Tal documento criou uma contribuição obrigatória
arrecada da sociedade pelo Estado.
Outro documento também de grande importância para a história da Previdência Social
inglesa foi o “Workmen’s Compensation Act”, de 1897, que criou o seguro obrigatório contra
acidentes de trabalho. Tal documento criou, para o empregador, uma responsabilidade civil
de cunho objetiva, ou seja, independente de culpa.
Ademais, em 1908 adveio o “Old Age Pensions Act”, o qual teve o condão de conceder
pensões aos maiores de 70 anos, independente de custeio.
Por fim, cabe mencionar o “National Insurance Act”, de 1911, o qual criou um sistema
compulsório de contribuições sociais, as quais ficavam a cargo do empregador, do empregado
e do Estado.

4.2 México
Foi a Constituição mexicana de 1917, considerada como a primeira Constituição social do mundo,
que incluiu em seu texto, de maneira até então pioneira, a Previdência Social propriamente dita
não se devendo deixar de salientar, entretanto, o caráter programático de todas as normas que
previam direitos sociais (o que incluem as normas relativas à Previdência Social).

11
UNIDADE 1 | O CONTEXTO HISTÓRICO SOCIAL DA POLÍTICA DE SAÚDE NO BRASIL COM ENFOQUE NO MODELO RESIDUAL

Normas programáticas, como se sabe, são aquelas que estabelecem diretrizes para o Estado
sem, contudo, imprimir caráter imperativo.
Contudo, não há que se negar a importância de se elevar ao status constitucional normas de
direitos sociais.

4.3 Alemanha
Foi na Alemanha que teve origem o primeiro ordenamento legal que tratou sobre a
Previdência Social. Tal ordenamento foi editado pelo então chanceler Otto von Bismarck em
1883, tendo, inicialmente, instituído o seguro-doença e, em um momento posterior, incluído
outros benefícios, tais como o seguro contra acidente de trabalho, em 1884, e o seguro-
invalidez e o seguro velhice, ambos em 1889.
O objetivo dos chamados seguros sociais de Bismarck foi o de, precipuamente, impedir
movimentos socialistas fortalecidos com a crise industrial, atenuando a tensão existente nas
classes de trabalhadores, criando para o segurado um direito subjetivo público ao seguro social.
Conforme já mencionado, o primeiro seguro social instituiu o seguro-doença, o qual era
custeado por contribuições dos empregados, dos empregadores e do Estado. Logo após, foi
instituído o seguro contra acidentes de trabalho, o qual era custeado pelos empresários. Por
fim, foi instituído o seguro contra invalidez e velhice, o qual, assim como no seguro doença,
era custeado pelos empregados, pelos empregadores e pelo Estado.
Ademais, importante salientar que os seguros sociais tornaram obrigatória a filiação às
sociedades seguradoras ou entidades de socorros mútuos dos trabalhadores que recebessem
até dois mil marcos por ano.
Após a fase dos seguros sociais, em 1935, com o advento da Constituição de Weimar,
foi determinado que o Estado, caso não pudesse proporcionar aos cidadãos alemães
oportunidades de trabalho produtivo, seria responsável por lhes garantir a subsistência.

4.4 Estados Unidos


Um dos marcos mais importantes da evolução da Previdência Social nos Estados Unidos se deu
com o “New Deal”, plano do governo Roosevelt pautado na doutrina do “Welfare State” (Estado
do bem-estar social).
Tal marco foi o “Social Security Act”, de 14 de agosto de 1935, o qual tinha com o escopo diminuir
de maneira considerável os problemas sociais acarretados pela crise econômica de 1929.
O referido documento, além de estimular o consumo, previa também o auxílio aos idosos,
além de ter instituído o auxílio-desemprego para os trabalhadores que, temporariamente,
ficassem desempregados.

FONTE: NOLASCO, Lincoln. Evolução histórica da previdência social no Brasil e no mundo.


In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XV, nº 98, mar 2012. Disponível em: <http://www.ambito-
juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=11335&revista_caderno=20>.
Acesso em: 5 maio 2017.

5 MODELOS DE PROTEÇÃO SOCIAL


Na sociedade capitalista, o sistema de proteção social ou seguridade social,
foi construído como exigência histórica e é resultante da relação capital x trabalho,
em que se destaca a concentração de renda e profunda desigualdade social.

Num primeiro momento denominado de Modelo Residual, nenhum


trabalhador ou dependente tinha qualquer cobertura de saúde.

Essa construção mostra a intrínseca relação entre a política econômica e a


correlação de forças existentes em cada momento histórico.

12
TÓPICO 1 | AS DIFERENTES CONCEPÇÕES DE SEGURIDADE SOCIAL

O significado da política social não pode ser apanhado nem


exclusivamente pela sua inserção objetiva no mundo do capital, nem
apenas pela luta de interesses de sujeitos que se movem na definição
de tal ou qual política, mas historicamente, na relação desses processos
na totalidade (BEHRING, 2003 p. 56).

Nessa mesma linha, Mota (1995) nos esclarece que a seguridade social
está relacionada com a reprodução da força de trabalho e com os processos de
exclusão e precarização do trabalho.

A origem do seguro social foi um modelo que atendia apenas à necessidade


dos trabalhadores vinculados, (que tinham uma contribuição prévia) seguiam
uma legislação que obrigava os patrões a “protegerem” os trabalhadores em
casos de acidentes trabalhistas e manter a renda em situação de risco.

Somente após a Constituição de 1988 é que surge o modelo de Seguridade


Social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes
Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à
previdência e à assistência Social (Art. 194) aos cidadãos independentes de sua
vinculação ou pagamento.

Esse seguro previa a proteção às vulnerabilidades relacionadas ao trabalho,


como doenças, acidentes, morte, idade avançada, maternidade e desemprego,
envolvendo trabalhadores e dependentes.

Seguridade social, na visão de Mota (1995), é um processo histórico, com


base nos seguintes objetivos (Art. 194, I a VII): universalidade de cobertura e do
atendimento; uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços às populações
urbanas e rurais; irredutibilidade do valor real dos benefícios; seletividade e
distributividade na prestação dos benefícios e serviços; equidade na forma de
participação no custeio; caráter democrático e descentralizado da administração
mediante gestão quadripartite e a diversidade da base de financiamento.

Com a Constituição de 1988, pode-se destacar alguns avanços significativos,


porém a concretização dos direitos constitucionais ainda é fragilizada, pois seus
objetivos mesmo bem delimitados estão sendo parcialmente atendidos.

Para entender melhor a diferença dos três modelos de Proteção Social na


Saúde, analise o quadro a seguir:

13
UNIDADE 1 | O CONTEXTO HISTÓRICO SOCIAL DA POLÍTICA DE SAÚDE NO BRASIL COM ENFOQUE NO MODELO RESIDUAL

QUADRO 2 – TRÊS MODELOS DE PROTEÇÃO SOCIAL NA SAÚDE

Traços /
Assistência Seguro Seguridade
Modalidade
"Residual" "Meritocrático" "Institucional"
Denominações
Liberal Corporativa Social-
Ideologia
Caridade Solidariedade Democrata
Princípio
Discriminação Manutenção Justiça
Efeito
Desqualificação Privilégio Redistribuição
Status
Doações % Salário Direito
Finanças
Fundos Acumulação Orçamento
Atuarial
Focalização Ocupacional Repartição
Cobertura
Bens e Serviços Proporção do Universal
Benefício
Prova de meios Salário Mínimo vital
Acesso
Filantrópica Filiação Necessidade
Administração
Local Corporativa Pública
Organização
"Leis dos Fragmentada Central
Referência
Pobres" Bismark Beveridge
Cidadania
Invertida Regulada Universal

FONTE: Fleury (1994)

Esse quadro nos mostra claramente a diferença dos três modelos: o primeiro
residual, ou alguns autores chamam de Assistência Social, refere-se à negativa de
proteção. O segundo referia-se ao Seguro Social só tinha cobertura o trabalhador
no exercício de suas funções com prévia contribuição. E o terceiro o modelo de
Seguridade Social que prevê a proteção à saúde sem prévia contribuição e estende
a todos os cidadãos brasileiros.

14
RESUMO DO TÓPICO 1
Neste tópico vimos que:

• A seguridade social se refere às formas de articular políticas públicas e


estratégias que visam a superação das situações de risco e vulnerabilidade
social.

• A seguridade social compreende as políticas de Previdência social, Saúde e


Assistência social.

• O direito à saúde é reconhecido pela OMS e pela ONU como dever do Estado
no sentido de promoção e proteção à saúde.

• A noção de saúde compreende, além dos fatores biológicos, questões como o


meio ambiente, o estilo de vida e o acesso à assistência de saúde.

• O grande desafio das políticas sociais em nosso país diz respeito à necessidade
de superar a visão assistencialista e compreender o cidadão como sujeito de
direitos, ou seja, atuar na perspectiva socioassistencial.

• As políticas de Saúde e Previdência passaram por três modelos ao longo do seu


processo de consolidação institucional: o modelo residual – ou de Assistência
social; o modelo de Seguro social; e o modelo de Seguridade social.

15
AUTOATIVIDADE

1 As políticas de Saúde e Previdência conformaram diferentes modelos ao


longo do seu desenvolvimento e consolidação institucional influenciadas
pelas dinâmicas políticas, econômicas e sociais vigentes. Podemos dividir
esse processo em três modelos: residual, seguro social e seguridade social.
Considerando esses modelos associe os itens a seguir:

I - Residual.
II - Seguro Social.
III - Seguridade Social.

( ) Modelo ligado à noção de caridade.


( ) Modelo ligado à noção de sujeito de direito.
( ) Modelo ligado à filantropia.
( ) Modelo ligado ao registro de trabalho formal.

Agora assinale a alternativa representa a sequência correta:

a) I – III – I – II.
b) I – I – III – II.
c) II – I – II – III.
d) III – II – I – II.

2 Ao tratarmos a questão da política de previdência o modelo de Seguro Social


nos mostra dois cenários opostos, pois de um lado representa avanços em
direção à conquista de direitos, mas por outro exclui parte da população do
acesso à saúde e previdência social. Sobre esse modelo assinale a alternativa
correta:

a) Os avanços se concentraram na justiça social e na redistribuição de renda e


os desafios na desigualdade do sistema produtivo.
b) Os desafios eram decorrentes da ampla adesão aos ideais do liberalismo e
da mínima intervenção estatal na economia.
c) Os avanços se deram através do desenvolvimento da caridade e filantropia
e a superação das desigualdades sociais.
d) Os avanços estavam ligados à sindicalização e os desafios ao fracasso das
campanhas de vacinação da população.

3 A Previdência social sofreu grandes transformações ao longo da história


de nosso país que podem ser observados na forma como esse elemento da
seguridade social é tratado nas Constituições Federais. Considerando esse
processo assinale com V para as afirmações verdadeiras e com F para as
falsas:

16
( ) Os direitos entendidos como “socorros públicos” são característicos da
Constituição de 1988.
( ) A prestação de socorro em calamidades públicas e a aposentadoria por
invalidez são previstos no texto de 1967.
( ) O sistema tripartite como conhecemos hoje foi previsto na Constituição de
1934.
( ) A partir da década de 40 o termo seguro social cai em desuso, substituído
por Previdência Social.

Agora assinale a alternativa que apresenta a sequência correta:

a) F – V – F – V.
b) V – V – F – F.
c) F – F – V – F.
d) V – F – V – V.

17
18
UNIDADE 1
TÓPICO 2

OS PRIMÓRDIOS DA SAÚDE NO BRASIL

1 INTRODUÇÃO
A colonização portuguesa do território brasileiro teve grande impacto
sobre a formação da sociedade brasileira da forma como conhecemos hoje. Desde
a chegada dos primeiros grupos colonizadores é possível perceber o caráter
explorador do modelo de colonização adotado pela Coroa portuguesa em relação
aos povos e ao território que hoje entendemos como brasileiro.

Esse processo possui desdobramentos que são fundamentais para a


compreensão do modelo de seguridade existente atualmente em nossa sociedade.
Por este motivo, prezado acadêmico, propomos aqui um retorno na história para
compreendermos como as noções saúde e seguridade foram se transformando e
se consolidando ao logo do tempo.

Caracterizamos os primórdios da saúde no Brasil como o período entre


o “descobrimento” ou o início da colonização portuguesa, passando pelo
período Colonial, os desdobramentos da vinda da Corte portuguesa, o período
da Independência, o Brasil Império chegando até meados do século XIX nas
primeiras décadas da República.

Destacam-se algumas características da saúde nesse contexto histórico e


social, como as formas alternativas de oferecer cuidados à saúde, chamadas de
artes da cura, e destinadas à população mais pobre; as iniciativas assistencialistas
de cuidados médicos, especialmente as Santas Casas e as primeiras iniciativas
governamentais na tentativa de superar os desafios que as epidemias
representavam para a saúde pública.

2 A SAÚDE DO “DESCOBRIMENTO” AO SÉCULO XVIII:


PERÍODO COLONIAL, A SAÚDE E AS ARTES DA CURA
Os relatos históricos da chegada dos portugueses no território brasileiro
possuem marcantes características idealizadoras com menções à beleza das
paisagens, diversidade alimentar, águas limpas, clima ameno e um povo saudável.
Contudo, o encantamento com o paraíso tropical brasileiro foi logo substituído
por uma visão de inferno onde poucas eram as chances de sobrevivência para
colonizadores e escravos (BERTOLLI FILHO, 2011).

19
UNIDADE 1 | O CONTEXTO HISTÓRICO SOCIAL DA POLÍTICA DE SAÚDE NO BRASIL COM ENFOQUE NO MODELO RESIDUAL

Ao longo do período colonial as questões relacionadas à saúde não


estavam restritas aos cuidados médicos. O acesso à medicina era de exclusividade
dos setores dominantes da sociedade.

Nesse longo período, a medicina erudita era exercida por um pequeno


grupo de médicos, cirurgiões e boticários, de formação europeia.
Membros da elite, estes agentes da medicina oficial se radicavam
somente nas maiores cidades, voltando-se para o atendimento das
camadas mais altas da população (ESCOREL; TEIXEIRA, 2012, p. 279).

Observamos na descrição acima as características da saúde para as


camadas privilegiadas da sociedade: a medicina era exercida por um grupo
pequeno de médicos, cirurgiões ou boticários de classe alta formados na Europa,
concentrados geograficamente nas maiores cidades do país e com atendimento
voltado para a elite.

FIGURA 3 – OBRA DE JEAN BAPTISTE DEBRET INTITULADA BOTICA

FONTE: Disponível em: <http://enciclopedia.itaucultural.org.br/


pessoa18749/debret>. Acesso em: 11 mar. 2017.

De outro lado, a relação das camadas populares com a saúde possuía


outras características:

[…] a prática da medicina estava distante dos mais pobres e,


principalmente, dos escravos, que se utilizavam da solidariedade
comunal, de curandeiros diversos e dos cuidados oferecidos por
ordens religiosas, como os existentes nos hospitais da Santa Casa da
Misericórdia que, desde o início do período colonial, foram fundados
em algumas regiões mais populosas do país (ESCOREL; TEIXEIRA,
2012, p. 279).

Os contatos com os cuidados médicos nos padrões da medicina tradicional


constituíam uma realidade fora do alcance para os mais pobres e, ainda mais
distante, para os escravos. No contexto social da época era considerado mais
produtivo substituir um escravo doente a oferecer o tratamento médico necessário.

20
TÓPICO 2 | OS PRIMÓRDIOS DA SAÚDE NO BRASIL

Outra situação comum era o uso dos escravos para testes com tratamentos
médicos.

FIGURA 4 – OBRA DE JEAN BAPTISTE DEBRET INTITULADA O CIRURGIÃO


NEGRO

FONTE: Disponível em: <http://cruzandomundo.com.br/dicas/atividades/


o-rio-de-janeiro-de-debret-no-centro-cultural-dos-correios/>. Acesso em:
11 mar. 2017.

O contexto social do Brasil Colônia ameaçava o projeto de colonização e


de exploração econômica dos portugueses. Na tentativa de resolver esse impasse
foram criados no século XVI os cargos de físico-mor e cirurgião-mor. O objetivo
desses profissionais eram zelar pela saúde da população que vivia no país, porém
esses cargos passaram longos períodos de tempo sem ocupação (BERTOLLI
FILHO, 2011).

2.1 AS PRIMEIRAS INICIATIVAS DAS ORDENS RELIGIOSAS


PARA OS CUIDADOS DE SAÚDE NO BRASIL
Os cuidados de saúde ficavam a cargo da solidariedade entre as pessoas
da comunidade, vários tipos de curandeiros e de iniciativas de ordens religiosas
como a Santa Casa da Misericórdia. Fica evidente a diferenciação entre as classes
sociais no que diz respeito ao acesso à saúde no Brasil Colônia (ESCOREL;
TEIXEIRA, 2012).

21
UNIDADE 1 | O CONTEXTO HISTÓRICO SOCIAL DA POLÍTICA DE SAÚDE NO BRASIL COM ENFOQUE NO MODELO RESIDUAL

FIGURA 5 – TERCEIRO PRÉDIO DA SANTA DA CASA DE MISERICÓRDIA DE


SANTOS (SP). A PRIMEIRA A OBTER PRIVILÉGIOS NO PAÍS EM 1551

FONTE: Disponível em: <https://santosturismo.wordpress.com/2013/08/31/


a-santa-casa-da-misericordia-de-santos-sinopse-historica/>. Acesso em: 11
mar. 2017.

UNI

Para conhecer mais sobre a história das Santas Casas de Misericórdia no Brasil
e compreender seu papel para a história da saúde no país leia o artigo “O modelo luso de
assistência e a dinâmica das Santas Casas de Misericórdia na América portuguesa”, de Renato
Júnio Franco.
Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-218620140001
00005>. Acesso em: 11 mar. 2017.

2.2 DESAFIOS DA SAÚDE NO BRASIL COLÔNIA


No século XVIII, as notícias das péssimas condições de saúde em terras
brasileiras já haviam se espalhado: “os conflitos com os indígenas, as dificuldades
materiais da vida na região e sobretudo as múltiplas e frequentes enfermidades
eram os principais obstáculos para o estabelecimento dos colonizadores”
(BERTOLLI FILHO, 2011, p. 5).

O ambiente e os modos de trabalho característicos desse período histórico


influenciaram de forma significativa os problemas de saúde. As camadas sociais
mais baixas, formadas por indígenas, escravos e outros colonos, sofriam com

[…] parasitas intestinais, doenças determinadas pela carência


de nutrientes e doenças transmissíveis também relacionadas ao
enfraquecimento, como a tuberculose, que se acredita ter chegado
ao país antes dos colonizadores. Além desses males, a varíola foi

22
TÓPICO 2 | OS PRIMÓRDIOS DA SAÚDE NO BRASIL

uma doença epidêmica que tirou a vida dos brasileiros no início da


colonização. A partir de meados do século XIX a ela se juntariam
diversas doenças transmissíveis, como a febre amarela, a sífilis e a
malária, que muitas vezes atacavam as cidades em fortes epidemias
(ESCOREL; TEIXEIRA, 2012, p. 280).

As principais doenças que acometiam a população nos mostram as condições


precárias de vida e trabalho enfrentadas pelas classes mais baixas da sociedade
brasileira. Sem acesso a níveis recomendáveis de saneamento básico e de assistência
médica as epidemias se tornavam constantes e doenças que poderiam ser curadas
acabavam apresentando sérias consequências, inclusive levando à morte.

FIGURA 6 – DOENÇAS COMUNS NO PERÍODO COLONIAL E AS NAVEGAÇÕES

MARES NUNCA D'ANTES NAVEGADOS


As dificuldades para viajar nos séculos 16 e 17 fazia com que poucos viessem ao Brasil

Fungos, bactérias e parasitas de todo Dos 160 marujos que embarcaram com Vasco da
tipo se espalhavam pelas embarcações. Gama para as Índias, 120 morreram no caminho.
Desde varíola, tuberculose até difteria, Os corpos eram jogados no mar
todo tipo de doença dominava os barcos
Ninguém
tomava banho Em caso
As necessidades nem trocava de fome
fisiológicas eram de roupa, o extrema,
feitas nas bordas que propiciava ratos que
dos navios o surgimento corriam pela
de pragas embarcação
de piolhos e eram
pulgas cozidos em
água do mar

Animais vivos
acompanhavam
a viagem,
oferecendo
carne e leite

Eram estocados em > 50 toneladas de biscoito > 100 mil litros de água > 1 tonelada de
um porão úmido > 50 mil litros de vinho > 10 toneladas de carne sardinhas salgadas
cerca de:

FONTE: Disponível em: <http://www.editoracontexto.com.br/blog/doencas-e-curas-habitos-


insalubres-tornaram-brasil-colonia-grande-foco-de-epidemias/>. Acesso em: 12 mar. 2017.

23
UNIDADE 1 | O CONTEXTO HISTÓRICO SOCIAL DA POLÍTICA DE SAÚDE NO BRASIL COM ENFOQUE NO MODELO RESIDUAL

O número de médicos com formação era pequeno em relação à população


que necessitava de atendimento, além disso, não havia instituições públicas ou
políticas governamentais destinadas à saúde. As dificuldades sanitárias e os
diversos agentes de cura revelam o baixo alcance da medicina tradicional na vida
da população brasileira (ESCOREL; TEIXEIRA, 2012).

UNI

Ao longo do tempo criou-se uma verdadeira “guerra biológica”: tanto na América


do Sul como na América do Norte os colonizadores que queriam se apossar das terras indígenas
espalhavam, nas trilhas destes, roupas de pessoas que tinham varíola. Os índios ingenuamente
as vestiam, contraíam a doença e morriam como moscas. No Brasil, a primeira epidemia de
varíola ocorreu já em 1563. Outras doenças vindas do Velho Mundo foram sendo introduzidas:
malária, febre amarela, tuberculose, peste bubônica. Logo toda a população da colônia estava
sujeita a elas. Os escravos negros, por causa das péssimas condições de vida e de nutrição; os
brancos, porque não dispunham de vacinas ou de tratamentos eficazes. A isto se acrescentou
outro fator: o surgimento das cidades, que tinham precárias condições de higiene e saneamento.
Por outro lado, a assistência à saúde era muito deficiente. Os físicos, como eram chamados os
médicos, eram em geral formados em Portugal. A primeira escola de medicina, em Salvador, só
surgiu com a chegada da Família Real em 1808. O número de físicos era pequeno; a maior parte
da população consultava curandeiros. A assistência hospitalar estava a cargo das Santas Casas,
estabelecimentos de caridade que proporcionavam abrigo e amparo religioso aos moribundos,
mas que não dispunham de recursos terapêuticos eficazes.
Com relação à saúde pública organizada, pouco se fazia. Existia um físico-mor, que, através
de assistentes, fiscalizava a prática médica e a venda de medicamentos, feita nas boticas, que
aplicavam ainda sanguessugas, que serviam para extrair o “excesso” de sangue ou o sangue
“envenenado”. As boticas eram também ponto de encontro para conversas e para o jogo de
gamão.

FONTE: SCLIAR, Moacyr. O Brasil e suas epidemias. Revista Carta Capital. Disponível em: <https://
www.cartacapital.com.br/cultura/o-brasil-e-suas-epidemias>. Acesso em: 12 mar. 2017.

E quanto ao poder público? Já afirmamos que não havia instituições ou


políticas voltadas exclusivamente para a saúde. O que não significa que não havia
tipo de cuidado médico na época. Como já mostramos anteriormente, as classes
mais altas recebiam atendimento de profissionais com formação acadêmica,
enquanto as classes mais baixas recebiam tratamento de outros agentes baseados
em terapias alternativas.

As iniciativas dos poderes públicos estavam restritas ao processo de


regulamentação das artes de curar. As licenças eram expedidas pelos tribunais
portugueses para físicos cirurgiões – que conhecemos hoje como médicos ou
cirurgiões, para boticários – equivalentes aos atuais farmacêuticos e para outros
agentes sem formação acadêmica – como aqueles conhecidos como sagradores,
aplicadores de ventosas, parteiras, entre outras. As licenças eram emitidas para
a realização de funções específicas em uma localidade com tempo determinado
(ESCOREL; TEIXEIRA, 2012).
24
TÓPICO 2 | OS PRIMÓRDIOS DA SAÚDE NO BRASIL

FIGURA 7 – LINHA DO TEMPO DA SAÚDE PÚBLICA NO BRASIL (1500-1700)

• D. Manoel baixa o Regimento de Físico-Mor e Cirurgião-Mor do


Reino, e instituindo os Comissário-Delegados nas Províncias,
inclusive no Brasil.
1521

• Em Portugal, os almocéis eram encarregados da saúde do povo,


com o papel de verificar os gêneros alimentícios e destrutir os que
estavam em más condições. Ao Brasil-Colônia eram extensivas a
1550 legislação e as práticas vigentes em Portugal.

• No reinado de D. João V, foi reiterada, ao então Vice-Rei do Brasil,


Conde de Galvães, determinação relativa às atribuições dos
Comissários-Delegados, que instruia sobre a obrigatoriedade de
1744 aceitar a Delegação de Físico-Mor.

• Por lei da Rainha D. Maria I, foi reformada a organização


estabelecida, sendo instituída a Junta do Protomedicato, formada
por sete deputados, com atribuições semelhantes às do Físico-Mor.
1782 A fiscalização foi enfatizada.

FONTE: Disponível em: <http://www.funasa.gov.br/site/museu-da-funasa/cronologia-


historica-da-saude-publica/>. Acesso em: 20 abr. 2017.

3 PRIMEIRA METADE DO SÉCULO XIX: AS INFLUÊNCIAS DA


CHEGADA DA CORTE PORTUGUESA NOS CUIDADOS DE
SAÚDE
A chegada da Corte portuguesa ao Brasil levou a transformações na
sociedade da época. As cidades que receberam a família real portuguesa e sua corte
foram preparadas para garantir as condições ideias de vida da nobreza. Com a
saúde não foi diferente, as primeiras iniciativas de saúde pública foram criadas
nesse contexto.
Em 1808, com a chegada da Corte portuguesa ao Rio de Janeiro, foram
criadas as primeiras instâncias de saúde pública em terras brasileiras: a
Fisicatura-mor e Provedoria-mor de Saúde. Cabe à primeira fiscalizar o
exercício da medicina, mas suas responsabilidades de limitaram, quase
exclusivamente, nas artes da cura e, principalmente, nas aplicações de
multas aos que exerciam o cargo sem a habilitação legal. A Provedoria-
mor de Saúde, também dirigida pelo físico-mor, tinha como objetivo
garantir a salubridade da Corte, atuando na fiscalização dos navios
para impedir a chegada de novas doenças em nossas cidades costeiras
(ESCOREL; TEIXEIRA, 2012, p. 280).

25
UNIDADE 1 | O CONTEXTO HISTÓRICO SOCIAL DA POLÍTICA DE SAÚDE NO BRASIL COM ENFOQUE NO MODELO RESIDUAL

As instituições de saúde estavam restritas a Fisicatura-mor e a Provedoria-


mor e suas ações de fiscalização do exercício de atividades ligadas à medicina.
Como já afirmado anteriormente o acesso a essas atividades estava restrito
às elites. Dessa forma, a população buscava outras formas de cura que eram
consideradas ilegais pelo governo. Tal conjuntura demonstra o caráter restrito do
acesso à saúde no Brasil Colônia.

3.1 INDEPENDÊNCIA, EPIDEMIAS E A CRISE SANITÁRIA


A Independência do Brasil levou a novas configurações no que se refere
ao atendimento médico e aos cuidados com a saúde. Ao cortar laços com a Coroa
portuguesa, as responsabilidades ligadas aos cuidados com a saúde e a regulamentação
da medicina deixaram de ser atribuídas à Portugal (ESCOREL; TEIXEIRA, 2012).

Entre as mudanças desse período destacamos a extinção da Fisicatura-


mor em 1828. Após essa medida as questões relativas à saúde passaram para a
alçada dos municípios que existiam em território brasileiro. As ações tomaram
forma descentralizada, pois cada município agia de acordo com seus interesses e
necessidades particulares. Tais interesses e necessidades estavam ligadas às classes
dominantes, conforme a estrutura social da época (ESCOREL; TEIXEIRA, 2012).

Outra característica desse período histórico que merece destaque é a


institucionalização das primeiras faculdades e agremiações médicas: a Sociedade
de Medicina do Rio de Janeiro (1829), transformada em Academia Imperial de
Medicina (1831) e cursos médicos cirúrgicos na Bahia e no Rio de Janeiro se
transformaram em faculdades de Medicina e passaram a expedir diplomas de
médicos, farmacêuticos e parteiras (ESCOREL; TEIXEIRA, 2012).

Contudo, é relevante compreender que a expansão de instituições de


ensino da medicina não representou um avanço nos cuidados de saúde da
população. As práticas alternativas de cura seguiam como a única alternativa
para grande parte da população, apesar de consideradas impróprias pelos
médicos (ESCOREL; TEIXEIRA, 2012).

3.2 A RESPOSTA DO IMPÉRIO ÀS EPIDEMIAS: A REFORMA


NOS SERVIÇOS DE SAÚDE
O panorama de saúde descrito acima, marcado por epidemias e mortes
levou à necessidade de mudanças no modelo de atenção à saúde. Para superar
o cenário de crise sanitária o caminho seguido pelo governo imperial foi uma
reforma nos serviços de saúde.

A primeira mudança ocorreu com a Junta Vacínica da Corte transformada


no ano de 1846 em Instituto Vacínico do Império, a partir desse momento, além de
oferecer a vacinação contra a varíola, passou a fiscalizar as atividades que envolviam
formas de vacinação por parte dos municípios (ESCOREL; TEIXEIRA, 2012).

26
TÓPICO 2 | OS PRIMÓRDIOS DA SAÚDE NO BRASIL

Outra mudança foi a criação, entre 1849 e 1851, da Junta Central de Higiene
Pública. Essa instituição passou a gerir as ações da: “polícia sanitária, vacinação
antivariólica e fiscalização do exercício da medicina, efetuadas pelas provedorias
de saúde criadas nas províncias" (ESCOREL; TEIXEIRA, 2012, p. 281). Também
atuava na fiscalização sanitária dos portos marítimos e fluviais em todo o Brasil.

UNI

Polícia Sanitária

Ainda no século XVII, sob a égide do mercantilismo, os documentos oficiais dos Estados
alemães utilizavam o termo “polícia” para designar vários ramos do campo da administração
pública, ficando a administração da saúde com a designação de “polícia médica”. Esta
expressão por muito tempo acompanhou os procedimentos determinados pelas legislações
voltadas para a saúde, assim como as ações específicas postas em prática pelos diversos
Estados nesse campo. No século XVIII, com o advento da medicina social, a polícia médica
passa a se caracterizar, de uma forma mais geral, a política dos Estados em relação à saúde,
se conformando com a política sanitária. No século XIX com o desenvolvimento das práticas
higienistas direcionadas à melhoria das condições ambientais como forma de prevenção de
doenças, a polícia médica tornou-se um extenso corpo de legislação que regulamentava os
diversos aspectos concernentes à limpeza e aeração do ambiente urbano. Com esse objetivo,
voltava-se para a fiscalização das habitações, dos cemitérios, dos portos e das embarcações,
da comercialização de alimentos, dos ambientes de trabalho e até da higiene pessoal.

FONTE: ESCOREL, Sarah; TEIXEIRA, Luiz Antônio. História das políticas de Saúde no Brasil
de 1822 a 1963: do império ao desenvolvimentismo populista. In: GIOVANELLA, Ligia (Org.).
Políticas e Sistemas de Saúde no Brasil. Rio de Janeiro: FIOCRUZ, 2012.

Mesmo diante da necessidade de mudanças e reformas nos serviços de


saúde a atuação do Estado não era suficiente e suas atividades esparsas: "[…] a
atuação do Estado na assistência médica se restringia à internação de doentes
graves em lazaretos e enfermarias improvisadas, em tempos de epidemias, e à
internação de loucos no Hospício de Pedro II, criado em 1841 pelo poder imperial”
(ESCOREL; TEIXEIRA, 2012, p. 281).

27
UNIDADE 1 | O CONTEXTO HISTÓRICO SOCIAL DA POLÍTICA DE SAÚDE NO BRASIL COM ENFOQUE NO MODELO RESIDUAL

FIGURA 8 – RUÍNAS DO LAZARETO LOCALIZADO NA PRAIA PRETA


EM ILHA GRANDE (RJ

FONTE: Disponível em: <http://mw2.google.com/mw-panoramio/


photos/medium/76231104.jpg>. Acesso em: 25 mar. 2017.

O antigo presídio era destino de leprosos e portadores de doenças


contagiosas.

A centralização das atividades de saúde passou a ser instituída em


meados do século XIX. Nesse formato, o poder central atuava na normatização
dos serviços de saúde e aos poderes locais ficou atribuída a função de alocação
recursos e execução das funções. O município da Corte foi o único a receber
recursos de forma regular, os demais não chegaram a receber recursos mesmo
em situações de epidemias (ESCOREL; TEIXEIRA, 2012).

Prezado acadêmico! Diante do cenário apresentado até esse momento


podemos observar que foram poucos os avanços no sentido de melhorar, de fato,
a qualidade do acesso aos cuidados de saúde no período imperial. Tampouco o
governo foi capaz de consolidar uma política de saúde pública para atender às
demandas da população, especialmente os mais pobres.

Era comum nesse período que a população buscasse alternativas de assistência


médica: os mais ricos se dirigiam à Europa ou às primeiras clínicas particulares
criadas na região serrana do Rio de Janeiro, enquanto os mais pobres eram atendidos
pelos curandeiros negros. Um dos motivos dessa busca por alternativas era o medo
da população em relação aos serviços de saúde oferecidos nessa época:

[...] os doentes tinham muito medo de ser internados nos raros hospitais
públicos e nas Santas Casas. Em suas enfermarias misturavam-se
pacientes de todos os tipos, sendo comum dois ou mais dividirem o
mesmo leito. É claro que tal “tratamento”, somado a falta de higiene
dos hospitais, fazia com que as famílias evitassem internar seus
parentes, pois a morte era o destino certo da maioria dos pacientes
pobres (ESCOREL; TEIXEIRA, 2012, p. 10).

28
TÓPICO 2 | OS PRIMÓRDIOS DA SAÚDE NO BRASIL

Desse modo a fase imperial brasileira ficou marcada pelos graves


problemas de saúde coletiva. Podemos destacar as iniciativas do governo descritas
nesse tópico como tentativas de superar essa situação, porém sem sucesso. Até
mesmo os incentivos à pesquisa científica, vindos de Dom Pedro II, não foram
capazes de transformar a realidade da saúde pública no país. De tal modo que era
comum nessa época recomendar que viajantes evitassem o Brasil como destino
(ESCOREL; TEIXEIRA, 2012).

FIGURA 9 – LINHA DO TEMPO DA SAÚDE PÚBLICA NO BRASIL (1800-1840)

• Criação da primeira organização nacional de saúde pública no Brasil. Em


27 de fevereiro foi criado o cargo de Provedor-Mor de Saúde da Corte
e do Estado do Brasil, embrião do Serviço de Saúde dos Portos, com
delegados nos estados.
1808
• Após a Independência foi promulgada, em 30 de agosto, a lei da
Municipalização dos Serviços de Saúde que conferiu as Juntas Municipais,
então criadas, as funções exercidas anteriormente pelo Físico-Mor, Cirurgião-
Mor e seus Delegados. No mesmo ano ocorreu a criação da Inspeção
1828 de Saúde Pública do Porto do Rio de Janeiro, subordinada ao Senado da
Câmara, sendo e 1833, duplicado o número de integrantes.

• Ficou estabelecida a imunização compulsória das crianças contra a varíola.

1837

• Obedecendo o mesmo critério da luta contra as epidemias, foi organizado o


Instituto Vacínico do Império. Mandou executar o regulamento do Instituto
Vacínico do Império (Decreto nº 464, de 17/8/1846).
1846

FONTE: Cronologia Histórica da Saúde Pública. Funasa. Disponível em: <http://www.funasa.gov.


br/site/museu-da-funasa/cronologia-historica-da-saude-publica/>. Acesso em: 20 abr. 2017.

4 SEGUNDA METADE DO SÉCULO XIX: CRISE SANITÁRIA E O


RETORNO A CENTRALIZAÇÃO DA ATENÇÃO À SAÚDE

As ações direcionadas aos cuidados com a saúde no contexto pós-


independência eram restritas a atividades pontuais como podemos observar na
figura a seguir:

29
UNIDADE 1 | O CONTEXTO HISTÓRICO SOCIAL DA POLÍTICA DE SAÚDE NO BRASIL COM ENFOQUE NO MODELO RESIDUAL

FIGURA 10 – CUIDADOS DE SAÚDE NO BRASIL NO FIM DO SÉCULO XIX

Vacinação
antivariólica
em períodos de
epidemia.

Medidas de
purificação do Controle da entrada
ambiente - cremação de escravos doentes
de ervas e destruição nas cidades.
do lixo.

Expulsão das áreas


urbanas de acometidos
por doenças contagiosas,
principalmente leprosos

Fonte: Adaptado de Escorel e Teixeira (2012)

No período histórico marcado pelo fim do período regência em meados


do século XIX, a autonomia dos municípios em relação aos cuidados com a saúde
diminuiu e, ao mesmo tempo, tomou forma no país uma crise sanitária:

A degradação do quadro sanitário no país em muito se deveu ao


recrudescimento de epidemias, principalmente as de febre amarela.
A doença aparecera de forma epidêmica em Pernambuco e na Bahia
no final do século XVII. Não há notícias de outras epidemias no
período colonial. Em 1849, a febre amarela voltaria a atacar a Bahia,
de onde se alastrou para outras regiões litorâneas, chegando ao Rio
de Janeiro ainda no mesmo ano. A partir de então, a doença visitaria
constantemente a cidade, transformando-se num pesadelo para a
população e para os governantes, pelo grande número de mortes que
causava e, também, pelo estigma que gerava em relação à capital do
Império. Tal qual a febre amarela, a varíola também passou a atingir
mais fortemente a capital do Império na segunda metade do século
XIX […] (ESCOREL; TEIXEIRA, 2012, p. 281).

Observe, prezado acadêmico, que a crise sanitária se deve à expansão


das epidemias, fato comum no período colonial, constituindo um desafio do
Império. Além do número de mortes causadas por doenças como a febre amarela
e a varíola, era preciso superar o estigma que se formou a respeito da capital do
Império.

Outra característica marcante desse momento histórico são as


transformações sociais ocasionadas pela dinamização da economia
agroexportadora nacional. Nesse contexto consolida-se a política do “café com
leite” responsável por alternar no poder lideranças paulistas e mineiras e pelo
crescimento e modernização da economia brasileira (ESCOREL; TEIXEIRA, 2012).

30
TÓPICO 2 | OS PRIMÓRDIOS DA SAÚDE NO BRASIL

Contudo, vale ressaltar que o crescimento e a modernização da econômica


não chegaram com as mesmas proporções aos serviços de saúde. A maior inovação
das ações de saúde na República se deu por conta da vacinação obrigatória contra a
varíola e a criação da lista de doenças de notificação compulsória (febre amarela, cólera,
peste, difteria, escarlatina e sarampo). Outra iniciativa desse período foi a ampliação
do poder da Inspetoria Geral de Higiene em relação aos estados, especialmente no
que concernia à fiscalização dos portos (ESCOREL; TEIXEIRA, 2012).

A tentativa de centralizar os serviços de saúde se reverteu com a Constituição


de 1891 que transferiu a responsabilidade por esses serviços aos municípios:
Na organização federativa republicana, passou a vigorar o modelo que
imputava aos governos estaduais e municipais os cuidados com a saúde
da população. Para o governo central, ficava a responsabilidade sobre
a vigilância sanitária dos portos e pelos serviços de saúde do Distrito
Federal (ESCOREL; TEIXEIRA, 2012, p. 285).

A Diretoria Geral de Saúde Pública (DGSP), criada em 1896, representou um


formato diferente na concepção de saúde pública e mais uma vez essas ações foram
centralizadas na capital e nos portos. Como atribuições da diretoria destacam-se
a fiscalização dos portos e do exercício da medicina e farmácia, além dos estudos
sobre doenças infecciosas e organização de estatísticas demográfica-sanitárias.
Outra iniciativa nesse sentido foi a criação em 1900 do Instituto Soroterápito
Federal para evitar a disseminação da peste bubônica. Posteriormente, o Instituto
passou a ser denominado Instituto Oswaldo Cruz e começou a produzir vacinas
e soros para doenças epidêmicas (ESCOREL; TEIXEIRA, 2012).

UNI

Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz)


Promover a saúde e o desenvolvimento social, gerar e difundir conhecimento científico
e tecnológico, ser um agente da cidadania. Estes são os conceitos que pautam a atuação
da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), vinculada ao Ministério da Saúde, a mais destacada
instituição de ciência e tecnologia em saúde da América Latina.
Para conhecer os projetos desenvolvidos pela fundação acesse a página oficial:

FONTE: Disponível em: <https://portal.fiocruz.br/pt-br/content/funda%C3%A7%C3%A3o>.


Acesso em: 20 abr. 2017.

31
UNIDADE 1 | O CONTEXTO HISTÓRICO SOCIAL DA POLÍTICA DE SAÚDE NO BRASIL COM ENFOQUE NO MODELO RESIDUAL

As mudanças nos serviços de saúde do governo republicano levaram a


reorganização dos serviços sanitários através da descentralização, porém esse
movimento não significou uma melhoria na oferta ou no acesso aos serviços
de saúde para a maior parte da população. As constantes epidemias entre 1890
e 1900 levaram o governo a incentivar a ocupação de cargos importantes na
administração pública por médicos higienistas.

Em troca, assumiram o compromisso de estabelecer estratégias para


o saneamento das áreas indicadas pelos políticos. Os principais
objetivos da atuação desses médicos era a fiscalização sanitária dos
habitantes das cidades, a retificação dos rios que causavam enchentes,
a drenagem dos pântanos, a destruição dos viveiros de ratos e insetos
disseminadores de enfermidades e a reforma urbanística das grandes
cidades (BERTOLLI FILHO, 2011, p. 13-14).

Além dessas atribuições cabia aos médicos “[...] divulgar regras básicas
de higiene e tornar obrigatório o isolamento das pessoas atingidas por moléstias
infectocontagiosas e dos pacientes perigosos para a sociedade” (BERTOLLI
FILHO, 2011, p. 14). Nesse momento tem início a internação compulsória para
portadores de doenças contagiosas e mentais.

Esse cenário marcado pelas constantes epidemias e o ideal da população


como capital humano levou o governo republicano a planejar de forma sistemática
as ações na área da saúde pública.

A ideia de que a população constituía um capital humano e a


incorporação dos novos conhecimentos clínicos e epidemiológicos às
práticas de proteção da saúde coletiva levaram os governos republicanos
pela primeira vez na história do país, a elaborar minuciosos planos de
combate às enfermidades que reduziam a vida produtiva ou “útil”, da
população. Diferentemente dos períodos anteriores, a participação do
Estado na área de saúde tornou-se global: não se limitava às épocas de
surto epidêmico, mas estendia-se por todo o tempo e a todos os setores
da sociedade (BERTOLLI FILHO, 2011, p. 14).

As bases do que hoje entendemos como políticas da saúde se consolidam


através dessas ações: da necessidade de planejar ações contínuas para promover a
saúde da população e ampliar sua vida ativa no trabalho, bem como desenvolver
ações em todo o território, deixando de restringi-las a capital e outras áreas
econômica e politicamente centrais.

Desse período também fica uma das marcas da política social brasileira
como setor menos privilegiado pelo governo. Essa realidade expõe uma
contradição: por um lado, é reconhecido trabalho da população como fonte de
riqueza e, por outro, os investimentos do governo privilegiam a expansão dos
setores produtivos. A adoção dessa concepção de gestão pública cria um círculo
vicioso no qual os investimentos restritos na melhoria da qualidade de vida da
população tornam cada vez mais difíceis a superação das desigualdades sociais e
da pobreza (BERTOLLI FILHO, 2011).

32
TÓPICO 2 | OS PRIMÓRDIOS DA SAÚDE NO BRASIL

FIGURA 11 – LINHA DO TEMPO DA SAÚDE PÚBLICA NO BRASIL (1850-1890)

• Autorizou o governo a despender recursos para medidas tendentes a obstar a propagação


da epidemia reinante, e nos socorros dos enfermos, necessitados, e a empregar, para esse
fim, as sobras da receita, e falta destes emitir apólices, ou fazer outra qualquer operação de
crédito (Decreto nº 533, de 25/4/1850).
• Concedeu ao Ministério do Império um crédito extraordinário de duzentos contos para ser
exclusivamente despendido no começo de trabalhos para melhorar o estado sanitário da
capital e de outras províncias do Império (Decreto nº 598, de 14/9/1850).
• Até esse ano, período as atividades de Saúde Pública estavam limitadas a: delegação
1850 das atribuições sanitárias às Juntas Municipais; controle de navios e Saúde dos Portos e
Autoridades Vacinadoras contra a varíola.
• A tuberculose, conhecida havia séculos, encontrou novas condições de circulação, capaz de
amplificar de tal modo a sua ocorrência e a sua letalidade, passando a ser uma das principais
causas de morte, e atingindo especialmente os jovens nas idades mais produtivas.

• Regulamentação da lei que criou a Junta Central de Higiene Pública, subordinada ao


Ministro do Império.
• Abriu ao Ministério do Império um crédito extraordinário para despesas com
providências sanitárias tendentes a atalhar o progresso da febre amarela a prevenir o seu
reaparecimento e a socorrer os enfermos necessitados (Decreto nº 752, de 8/1/1851).
• Mandou executar o regulamento do registro dos nascimentos e óbitos (Decreto nº 798, de
18/6/1851).
• Abriu ao Ministério do Império um crédito extraordinário para as despesas com a
1851 epidemia de bexigas, na província do Pará e em outras (Decreto nº 826, de 26/9/1851).
• Mandou executar o regimento da junta de Hygiene Pública (Decreto nº 828, de 29/9/1851);
• Abriu ao Ministério do Império um crédito extraordinário para as despesas com a junta de
Higiene Pública naquele exercício (Decreto nº 835, de 3/10/1851).

• Tornou-se obrigatória a desinfecção terminal dos casos de morte por


doenças contagiosas, a critério da autoridade sanitária.
• Tratou de providências sobre a desinfecção das casas e

1878 estabelecimentos públicos ou particulares (Decreto nº 7.027, de


6/9/1878).

• Nesse ano, os serviços relacionados com a saúde pública estavam


na jurisdição do Ministério da Justiça e Negócios Interiores,
compreendidos na Diretoria Geral de Saúde Pública.
1897

FONTE: Cronologia Histórica da Saúde Pública. Funasa. Disponível em: <http://www.funasa.gov.


br/site/museu-da-funasa/cronologia-historica-da-saude-publica/>. Acesso em: 20 abr. 2017.

33
RESUMO DO TÓPICO 2
Neste tópico vimos que:

• Antes de 1500 os nativos que viviam no Brasil a partir do xamanismo faziam a


utilização de ervas.

• Mesmo com a colonização europeia não existia estrutura de saúde.

• Somente após 1908, com a chegada da Corte Portuguesa, é que se inicia uma
estrutura mínima de saúde.

• A saúde era exercida por boticários.

• Foi criada a Inspetoria Sanitária de Portos, para que doenças de outros países
não adentrassem no país.

• As epidemias configuraram grandes desafios para a saúde pública.

• O desenvolvimento inicial de esforços para políticas de saúde estava restrito


aos centros urbanos.

• O acesso à saúde no país era restrito àqueles que podiam pagar pela assistência
de saúde.

34
AUTOATIVIDADE

1 A criação da Diretoria Geral de Saúde Pública (DGSP), em 1896, representou


uma transformação no entendimento de saúde público para a gestão pública
no qual as ações estavam centralizadas na capital e nos portos. Considerando
as atribuições da DGSP, assinale as afirmações com V para as verdadeiras e F
para as falsas:

( ) A extensão do atendimento de saúde às regiões mais distantes foi


atribuição da DGSP.
( ) A DGSP era responsável pela fiscalização da prática da medicina e da
farmácia.
( ) Estudos sobre doenças infecciosas eram de responsabilidade da DGSP.
( ) A origem do Instituto Oswaldo Cruz remete às atividades desenvolvidas
nesse período.

Agora assinale a alternativa que apresenta a sequência correta:

a) F – V – V – V.
b) V – V – F – F.
c) V – F – V – F.
d) F – F – F – V.

2 O governo imperial enfrentou grandes desafios em relação à saúde pública.


Apesar de algumas iniciativas para superar esse cenário a recomendação para
os viajantes da época era de evitar o Brasil. Partindo desse contexto assinale a
alternativa correta:

a) Entre os esforços desse período está o incentivo de Dom Pedro II às pesquisas


científicas.
b) A gestão descentraliza da saúde marcou o período imperial brasileiro.
c) Para superar as epidemias foi estabelecido um sistema de saúde pública
universal.
d) A preocupação com saúde nessa época levou as grandes transformações
políticas e sociais.

3 A chegada da Corte Portuguesa foi responsável pelo desenvolvimento de


um projeto de urbanização que alterou parte das paisagens das cidades
brasileiras. Também nesse contexto foram institucionalizadas as primeiras
faculdades de medicina. Tendo em vista esse processo de institucionalização
analise as afirmações a seguir:

35
I - A formação das faculdades de medicina da época deu início a construção de
um sistema único de saúde.
II - Os estados do Rio de Janeiro e da Bahia receberam os primeiros cursos de
medicina do país.
III - Além dos diplomas de medicina essas faculdades ofertavam cursos para
farmacêuticos e parteiras.
IV - Com a instituição desses cursos as práticas alternativas de cura utilizadas
pelos pobres foram substituídas pela medicinal formal.

Agora assinale a alternativa correta:

a) As afirmações II, III e IV estão corretas.


b) Todas as alternativas estão corretas.
c) As afirmações I e IV estão corretas.
d) As afirmações I e III estão corretas.

36
UNIDADE 1
TÓPICO 3

A ERA DA LUTA PELOS DIREITOS

1 INTRODUÇÃO
Nesse tópico será possível identificar o início da luta da classe trabalhadora,
por melhores condições de trabalho, bem como o início de uma discussão de uma
cobertura assistencial em saúde, pois as pessoas eram tidas como parte de um
processo de produção, em que eram descartadas, conforme não apresentassem
condições de trabalho.

A saúde da população vem apresentando melhoras, pois passa da ideia


curativa do senso comum, para ideia de atendimento médico, e esse avança
para a ideia das especialidades, porém, nessa fase, a saúde era restrita à ideia de
sanitarismo.

2 A PRIMEIRA METADE DO SÉCULO XX


A primeira década também é denominada como ano 00, ou de 1900, pelo
fato do calendário gregoriano não apresentar o ano zero, desta forma passou a
contar a partir do ano um, 1901 a 1910.

Podemos considerar que esta década foi importante por ter acontecido,
no seu processo, grande desenvolvimento tecnológico, no transporte, na aviação
e automobilística, também houve importante avanço na chamada arte moderna,
a partir dos movimentos que visualizavam o movimento pós-romantismo, e
o espírito romântico que centrava sua visão no indivíduo.

37
UNIDADE 1 | O CONTEXTO HISTÓRICO SOCIAL DA POLÍTICA DE SAÚDE NO BRASIL COM ENFOQUE NO MODELO RESIDUAL

UNI

"Em cada país o romantismo produziu uma nova literatura exuberante com
imensas variações entre seus autores, porém, em todos eles,
persistem algumas características em comum: opulência e liberdade,
devoção ao individualismo, confiança na bondade da natureza e no homem "natural"
e na fé permanente nas fontes ilimitadas do espírito e da imaginação humanos".

- Bradley, Beatty e Long

FONTE: Disponível em: <http://www.soliteratura.com.br/romantismo/romantismo01b.php>.


Acesso em: 1 jun. 2017.

O Brasil desse período é marcado por transformações e desafios,


especialmente para a capital. A opção pela imigração europeia como alternativa
para a mão de obra escrava levou à necessidade de promover uma reforma
sanitária no país (ESCOREL; TEIXEIRA, 2012).

O cenário da capital era realmente desafiador para os planos do governo:

Centro político, cultural e comercial da nação, o Rio de Janeiro,


no início do século XX, era a maior cidade do país. No entanto,
seu perfil era de cidade colonial, decadente, suja e mal provida
de serviços e equipamentos urbanos. Anualmente, a cidade
era atacada por diversas epidemias que causavam milhares
de mortes. A febre amarela era a doença que mais castigava
a cidade. As epidemias eram tão violentas e constantes que
muitos navios preferiam passar distante de seu porto e embarcar
suas mercadorias e seus imigrantes em Buenos Aires. Não era
sem motivo que o Rio de Janeiro se tornou conhecido como o
‘túmulo dos imigrantes’ (ESCOREL; TEIXEIRA, 2012, p. 289).

O conjunto de reformas para dar conta desse cenário se conforma a partir


de 1902 no governo de Rodrigues Alves (1902-1906). Ao passo que as reformas
sanitárias se organizam, ocorre a consolidação das oligarquias cafeeiras e da
conhecida política café com leite (ESCOREL; TEIXEIRA, 2012).

38
TÓPICO 3 | A ERA DA LUTA PELOS DIREITOS

UNI

Oligarquia cafeeira

A República Oligárquica representou o controle do


aparelho de Estado pela oligarquia rural, principalmente
os cafeicultores do sudeste brasileiro. Com a
autonomia concedida aos governadores, através da
política dos governadores e outros mecanismos de
poder, estes cafeicultores puderam utilizar a estrutura
política do Estado para criar as condições necessárias
ao desenvolvimento da economia cafeeira.

Nesse período verificou-se também no Brasil o início do processo de industrialização e


urbanização de algumas regiões, cujo caso mais expressivo é o de São Paulo, que passou a
ser o principal polo de crescimento econômico, seja com as novas atividades industriais ou
mesmo com a pujante economia cafeeira.

FONTE: Disponível em: <http://alunosonline.uol.com.br/historia-do-brasil/republica-


oligarquica-1889-1930.html>. Acesso em: 14 mar. 2017.

O sucesso econômico do neocolonialismo, baseado na continuidade da


entrada de mão de obra estrangeira pelos portos, manutenção da importação de
produtos industrializados, abertura para o capital estrangeiro e dos investimentos
na expansão das lavouras, permitiu o aporte de recursos financeiros para a
reforma sanitária (ESCOREL; TEIXEIRA, 2012).

O início desse século é representado na saúde, como período de atenção


devido a uma epidemia de peste bubônica, centralizada principalmente no
Rio de Janeiro, nas áreas periféricas localizadas próximas às áreas portuárias,
atingiu principalmente os trabalhadores de armazéns, ou seja, a população
menos favorecida. Destacamos, nesse período, o início da fabricação de
vacinas e soros de combate.

Outro fator importante é que essa situação desencadeou a conscientização


da “A importância histórica dessas epidemias [...] porque elas catalisaram a
discussão sobre as quarentenas e sobre a necessidade de o governo federal intervir
nos serviços sanitários municipais” como explica Duarte da Silva (2015, p. 12).

Essa situação possibilitou em 25 de maio de 1900 abertura do Instituto


Soroterápico Federal. Esses primeiros anos foram cruciais ao desenvolvimento
do país, o então presidente Rodrigues Alves estabeleceu como prioridade o
saneamento e a reforma urbana da cidade. Nessa época, o sanitarista Oswaldo
Cruz foi convidado a assumir a Diretoria Geral de Saúde Pública, cargo que
equivale hoje ao Ministro da Saúde, que inicia um movimento de higiene nacional,
um dos grandes feitos desse período, foi o incentivo à pesquisa básica em saúde
e qualificação de recursos humanos.
39
UNIDADE 1 | O CONTEXTO HISTÓRICO SOCIAL DA POLÍTICA DE SAÚDE NO BRASIL COM ENFOQUE NO MODELO RESIDUAL

UNI

Campanhas sanitárias

É uma forma específica de atuação da saúde pública surgida no século XIX e muito difundida
no país até os dias de hoje. Como ações especializadas com o objetivo de controle de
determinadas doenças, as campanhas sanitárias se caracterizam pela autonomia frente às
práticas rotineiras de saúde, por sua curta duração e, em diversos momentos, por assumirem
um perfil análogo ao das operações militares.
O modelo campanhista surgiu como uma estratégia da saúde pública de combate a doenças
infecciosas, muitas vezes direcionadas à eliminação de seus vetores. Ficaram célebres as
campanhas contra a febre amarela pelo combate ao mosquito, executados pelo exército
americano em Cuba, no início do século XX, assim como as efetuadas por Oswaldo Cruz,
no Rio de Janeiro, contra a febre amarela, a varíola e a peste bubônica, a partir de 1903. Na
segunda metade do século XX, as campanhas foram muito utilizadas visando ao controle da
malária e constituíram a base para a erradicação mundial da varíola.
Institucionalizadas como ação de saúde, elas foram empregadas na tentativa de controlar
diversas doenças, até mesmo as crônico-degenerativas. Em virtude de sua ação específica
ante um problema pontual e o curto tempo de atuação, as campanhas eram alvo de
controvérsias entre os profissionais da saúde, que as contrapõem aos serviços regulares de
saúde, por considerarem que as atividades de prevenção e vigilância epidemiológica devem
ser realizadas rotineiramente pelas unidades de saúde.

FONTE: ESCOREL, Sarah; TEIXEIRA, Luiz Antonio. História das políticas de Saúde no Brasil de
1822 a 1963: Do império ao desenvolvimentismo populista. In: GIOVANELLLA, Ligia (Org.).
Políticas e Sistemas de Saúde no Brasil. Rio de Janeiro: Editora FIOCRUZ, 2012.

O mandato de Rodrigues Alves seguia com dois objetivos: melhorar o


porto e sanear a cidade do Rio de Janeiro. Entre as reformas da época podemos
citar a urbanização do centro da cidade com o rebaixamento dos morros, abertura
de ruas, demolição de casas de cômodos e cortiços e a normatização de vários
aspectos da vida urbana. Duas marcas desse projeto foram a avenida Central
(atual avenida Rio Branco) e as reformas do porto (ESCOREL; TEIXEIRA, 2012).

Entre as ações de saúde destacou-se o apoio técnico-científico prestado ao


Instituto Soroterápico Federal, incentivando campanhas de saneamento, tendo
como primeiro obstáculo a epidemia de febre amarela que vitimou de 1897 a
1906, quatro mil imigrantes.

A campanha de combate à febre amarela teve equivalência à ação


militar, pois setorializaram a cidade em 10 pontos sanitários estratégicos sob a
supervisão direta de um delegado de saúde, que visava extinguir o mosquito
transmissor. Essas ações visavam a medidas rigorosas para o combate ao mal
amarílico, inclusive multando e intimando proprietários de imóveis insalubres
a demoli-los ou reformá-los.

40
TÓPICO 3 | A ERA DA LUTA PELOS DIREITOS

FIGURA 12 – CONSTRUÇÃO DE BARRACOS NO RIO DE JANEIRO

FONTE: Disponível em: <https://www.google.com.br/h?q=corti%C3%A7os&


source=lnms&tbm=isch&sa=X&ved=0ahUKEwio58qcwoHUAhUEgZAKHZ6o
CT0Q_B&biw=1366&bih=638#tbm=isch&q=corti%C3%A7os+rio+de+janeiro
&imgrc=lswEQes3h8H_eM:>. Acesso em: 21 maio 2017.

Pode se dizer que nas áreas de foco, foi realizada uma ação de guerra, pois
as brigadas foram deslocadas na cidade onde realizam a organização e a limpeza
de calhas e telhados. Em contraponto os moradores precisavam organizar e
proteger suas caixas de água, outra ação bastante eficiente para época foi queimar
enxofre, espalhar petróleo em ralos e bueiros acabando assim, com os depósitos
de larvas e mosquitos. As pessoas que se encontravam mais debilitadas eram
encaminhadas para atendimento no Hospital São Sebastião.

A imprensa (rádio e folhetins) passaram a questionar as ações sanitárias


realizadas, pois a população era obrigada a se submeter às ações determinadas pelo
governante, as residências eram invadidas e expurgadas, sem a autorização dos
proprietários, sendo essas ações consideradas de bem à coletividade. As pessoas
em condições mais debilitadas de saúde eram obrigadas a serem removidas aos
centros de atendimento.

A peste bubônica era disseminada principalmente pelos ratos próximos


às áreas portuárias. Nesse período, a campanha realizada foi a de desratização
da cidade. A saúde pública passou a recompensar financeiramente os moradores
que conseguissem capturar os roedores, porém em poucos meses a incidência de
peste bubônica diminuiu com o extermínio dos ratos.

41
UNIDADE 1 | O CONTEXTO HISTÓRICO SOCIAL DA POLÍTICA DE SAÚDE NO BRASIL COM ENFOQUE NO MODELO RESIDUAL

FIGURA 13 – CHARGE QUE FAZ REFERÊNCIA AS CAMPANHAS


CONTRA A PESTE BUBÔNICA. PUBLICADA NO JORNAL DO BRASIL
DE 11 DE AGOSTO DE 1904

FONTE: Disponível em: <http://www.projetomemoria.art.br/


OswaldoCruz/verbetes/img/g_p09-9.jpg>. Acesso em: 21 maio 2017.

Aliado ao processo de urbanização encontrava-se a reforma sanitária


capitaneada por Oswaldo Cruz, que como mencionado no tópico anterior, era
diretor do Instituto Soroterápico Federal, atual Fundação Oswaldo Cruz: “Em
março de 1903, ele assumiria o cargo de diretor da DGSP, prometendo erradicar
as três principais doenças infecciosas que atacavam a cidade: a febre amarela,
a peste e a varíola. A primeira seria alvo de uma campanha contra mosquitos”
(ESCOREL; TEIXEIRA, 2012, p. 290).

Prezado acadêmico! Cabe aqui destacar que o sucesso da campanha


contra o mosquito transmissor da febre amarela deu sequência a uma série de
campanhas no mesmo sentido, como as campanhas realizadas desde o século XX
contra o mosquito da dengue.

As campanhas sanitárias tinham por objetivo: impedir a contaminação


dos mosquitos pelos doentes infectados pela febre amarela, isolando esses
pacientes; exterminar os ratos e fazer uso de soros e vacinas fabricados em
Maguinhos para combater a peste; e vacinar a população contra a varíola
(ESCOREL; TEIXEIRA, 2012).

Com a promulgação da Reforma de Oswaldo Cruz visava ao combate na


região sudoeste do país da malária e da peste que vinha assombrando principalmente
o Rio de Janeiro. Esse mesmo pacote obrigação a vacinação contra a varíola (Decreto
nº 1.261, de 31/10/1904). A vacina era obrigatória antes dos seis meses de idade e
para todos os militares, revacinação de sete em sete anos, candidatos para vagas
públicas precisam apresentar documento comprobatório de vacina.

Esse período também marcou a importância do registro dos nascimentos,


pois a partir dele era possível saber a capacidade de cobertura das vacinas, o
mesmo acontecia quando as crianças ingressaram nas escolas precisam apresentar
documento comprobatório de vacinação.

42
TÓPICO 3 | A ERA DA LUTA PELOS DIREITOS

FIGURA 14 – CARICATURA DA REAÇÃO POPULAR NA REVOLTA DA VACINA


OBRIGATÓRIA (REVISTA DA SEMANA, 2 DE OUTUBRO DE 1904, COLEÇÃO
JOAQUIM VIDAL, RJ)

FONTE: Disponível em: <http://3.bp.blogspot.com/-ZkDn_8c_jTE/


T9Jvgy9azpI/AAAAAAAAABo/uqKcjJif-ZU/s1600/saude-publica-01.jpg>.
Acesso em: 21 maio 2017.

A população se organizou e gerou um movimento denominado Liga


Contra a Vacinação Obrigatória, o que impulsionou a Revolta da Vacina, que
apresentou fortes conflitos entre a sociedade e a polícia e principalmente contra
as ideologias políticas da época. Esse movimento repercutiu de forma positiva,
pois a população conseguiu derrubar a obrigatoriedade e o governo decretou
estado de sítio, suspendendo a obrigatoriedade da vacina.

Relembre esse importante momento para a saúde pública brasileira no


texto a seguir:

UNI

Oswaldo Cruz e a varíola: A revolta da vacina

Oswaldo Cruz queria livrar o Rio de Janeiro da varíola. Mas na primeira campanha de
vacinação, há 90 anos, a cidade virou um campo de batalha.
Entre os dias 10 e 18 de novembro de 1904, a cidade do Rio de Janeiro viveu o que a imprensa
chamou de “a mais terrível das revoltas populares da República”. O cenário era desolador:
bondes tombados, trilhos arrancados, calçamentos destruídos – tudo feito por uma massa
de 3.000 revoltosos. A causa foi a lei que tornava obrigatória a vacina contra a varíola. E o
personagem principal, o jovem médico sanitarista Oswaldo Cruz.
A oposição política, ao sentir a insatisfação popular, tratou de canalizá-la para um plano
arquitetado tempos antes: a derrubada do presidente da República Rodrigues Alves. Mas os
próprios insufladores da revolta perderam a liderança dos rebeldes e o movimento tomou
rumos próprios. Em meio a todo o conflito, com saldo de 30 mortos, 110 feridos, cerca de

43
UNIDADE 1 | O CONTEXTO HISTÓRICO SOCIAL DA POLÍTICA DE SAÚDE NO BRASIL COM ENFOQUE NO MODELO RESIDUAL

1.000 detidos e centenas de deportados, aconteceu um golpe de Estado, cujo objetivo era
restaurar as bases militares dos primeiros anos da República.
A revolta foi sufocada e a cidade, remodelada, como queria Rodrigues Alves. Poucos anos depois,
o Rio de Janeiro perderia o título de “túmulo dos estrangeiros”. Hoje, a varíola está extinta no
mundo todo. E a Organização Mundial da Saúde, da ONU, discute a destruição dos últimos
exemplares do vírus da doença, ainda mantidos em laboratórios dos Estados Unidos e da Rússia.
Rodrigues Alves assumiu a presidência da República em 1902, no Rio de Janeiro, sob um
clima de desconfiança e com um programa de governo que consistia basicamente de dois
pontos: modernizar o porto e remodelar a cidade. Isso exigia atacar o maior mal da capital:
doenças como peste bubônica, febre amarela e varíola.
A futura “Cidade Maravilhosa” era, então, pestilenta. A situação era tão crítica que, durante
o verão, os diplomatas estrangeiros se refugiavam em Petrópolis, para se livrar do contágio.
Em 1895, ao atracar no Rio, o contratorpedeiro italiano Lombardia perdeu 234 de seus 337
tripulantes por febre amarela.
[...] Em nove meses, a reforma urbana derruba cerca de 600 edifícios e casas, para abrir a
avenida Central (hoje, Rio Branco). A ação, conhecida como “bota-abaixo”, obriga parte da
população mais pobre a se mudar para os morros e a periferia.
A campanha de Oswaldo Cruz contra a peste bubônica correu bem. Mas o método de
combate à febre amarela, que invadiu os lares, interditou, despejou e internou à força, não foi
bem-sucedida. Batizadas pela imprensa de “Código de Torturas”, as medidas desagradaram
também alguns positivistas, que reclamavam da quebra dos direitos individuais. Eles sequer
acreditavam que as doenças fossem provocadas por micróbios.
[...] Dia 31 de outubro, o governo consegue aprovar a lei da vacinação. Preparado pelo próprio
Oswaldo Cruz – que tinha pouquíssima sensibilidade política –, o projeto de regulamentação
sai cheio de medidas autoritárias. O texto vaza para um jornal. No dia seguinte à sua
publicação, começam as agitações no centro da cidade.
Financiados pelos monarquistas – que apostavam na desordem como um meio de voltar à
cena política –, jacobinos e florianistas usam os jornais para passar à população suas ideias
conspiradoras, por artigos e charges. Armam um golpe de Estado, a ser desencadeado
durante o desfile militar de 15 de novembro. Era uma tentativa de retornar aos militares o
papel que desempenharam no início da República. Mas, com a cidade em clima de terror, a
parada militar foi cancelada. Lauro Sodré e outros golpistas conseguem, então, tirar da Escola
Militar cerca de 300 cadetes que marcham, armados, para o palácio do Catete.
O confronto com as tropas governamentais resulta em baixas dos dois lados, sem vencedores.
O governo reforça a guarda do palácio. No dia seguinte, os cadetes se rendem, depois que a
Marinha bombardeara a Escola Militar, na madrugada anterior. No dia 16, o governo revoga a
obrigatoriedade da vacina, mas continuam os conflitos isolados, nos bairros da Gamboa e da
Saúde. Dia 20, a rebelião está esmagada e a tentativa de golpe, frustrada. Começa na cidade
a operação “limpeza”, com cerca de 1 000 detidos e 460 deportados.
Mesmo com a revogação da obrigatoriedade da vacina, permanece válida a exigência do
atestado de vacinação para trabalho, viagem, casamento, alistamento militar, matrícula em
escolas públicas, hospedagem em hotéis.
Em 1904, cerca de 3 500 pessoas morreram de varíola. Dois anos depois, esse número caía
para nove. Em 1908, uma nova epidemia eleva os óbitos para cerca de 6 550 casos, mas, em
1910, é registrada uma única vítima. A cidade estava enfim reformada e livre do nome de
“túmulo dos estrangeiros”.
Cerca de quinze tipos de moléstia faziam vítimas no Rio do início do século. As principais, que
já atingiam proporções epidêmicas, eram a peste bubônica, a febre amarela e a varíola. Mas
havia também sarampo, tuberculose, escarlatina, difteria, coqueluche, tifo, lepra, entre outras.
Para combater a peste bubônica, Oswaldo Cruz formou um esquadrão especial, de 50
homens vacinados, que percorriam a cidade espalhando raticida e mandando recolher o lixo.
Criou o cargo de “comprador de ratos”, funcionário que recolhia os ratos mortos, pagando 300
réis por animal. Já se sabia que eram as pulgas desses animais as transmissoras da doença.
Em 1881, o médico cubano Carlos Finlay havia identificado o mosquito Stegomyia fasciata
como o transmissor da febre amarela. Cruz, então, criou as chamadas “brigadas mata-
mosquitos”, que invadiam as casas para desinfecção com gases de piretro e enxofre. No

44
TÓPICO 3 | A ERA DA LUTA PELOS DIREITOS

primeiro semestre de 1904, foram feitas cerca de 110 000 visitas domiciliares e interditados
626 edifícios e casas. A população contaminada era internada em hospitais.
Mesmo sob insatisfação popular, a campanha deu bons resultados. As mortes, que em 1902
chegavam a cerca de 1 000, baixaram para 48. Cinco anos depois, em 1909, não era registrada,
na cidade do Rio de Janeiro, mais nenhuma vítima da febre amarela.
Apesar de todos os incidentes, foi com a mesma firmeza que Oswaldo Cruz bancou a
campanha contra a varíola. Na noite de 14 para 15 de novembro, enviou a mulher e os filhos
para a casa do amigo Sales Guerra e seguiu, ele mesmo, para a casa do cientista Carlos
Chagas, que mais tarde descobriria a causa do mal de Chagas.

FONTE: VIEIRA, Cássio Leite. Oswaldo Cruz e a varíola: A revolta da vacina. Revista
Superinteressante. Disponível em: <http://super.abril.com.br/historia/oswaldo-cruz-e-a-
variola-a-revolta-da-vacina/>. Acesso em: 21 maio 2017.

Esse trabalho de saneamento e contenção dos mosquitos possibilitou a


erradicação da febre amarela no Rio de Janeiro. No ano 1907 houve o IV Congresso
Internacional de Higiene e Demografia de Berlim, o que rendeu reconhecimento
mundial com a medalha de ouro pelo trabalho de saneamento do Rio de Janeiro.

Com esse reconhecimento mundial, o Instituto Soroterápico Federal


foi renomeado de Instituto Oswaldo Cruz. Devido à proliferação sem controle
da varíola a população por si só se organizou em busca de vacinação. O que
necessitou da reformulação do o Código Sanitário que norteou todos os órgãos
de saúde e higiene do país.

O Instituto Oswaldo Cruz realizou pesquisas científicas sobre a realidade


sanitária principalmente da área norte do país concentradas no Pará e Amazonas,
algumas dessas conquistas podem ser atreladas ao término da Estrada de Ferro
Madeira-Mamoré, que havia sido paralisada devido ao grande número de
operários infectados pela febre Amarela. Alguns desses operários não suportaram
e vieram a óbito.

Essa obra só foi possível devido a mudanças proporcionadas antes da


chegada dos operários com a construção de galpões telados para alojamento
das pessoas para a realização de exames iniciais e distribuição de quinino.
Os mesmos operários passavam por vistorias periódicas evitando assim a
contaminação e infecção de malária. A água consumida deveria ser fervida e as
pessoas precisavam estar calçadas.

O reconhecimento profissional de Oswaldo Cruz aconteceu em 1913


quando foi eleito membro da Academia Brasileira de Letras. Em 1915 solicitou
dispensa da direção do Instituto Oswaldo Cruz devido a problemas de saúde. O
Instituto Osvaldo Cruz passa a ser gerenciado por Carlos Chagas.

Oswaldo Cruz mudou-se para Petrópolis, já era uma pessoa bastante


conhecida e conceituada, que possibilitou que viesse assumir função
governamental, enquanto gestor de políticas públicas. Ele investiu, principalmente,
na urbanização e não pôde ver seus projetos idealizados, pois uma crise de
insuficiência renal o levou a óbito.
45
UNIDADE 1 | O CONTEXTO HISTÓRICO SOCIAL DA POLÍTICA DE SAÚDE NO BRASIL COM ENFOQUE NO MODELO RESIDUAL

Carlos Chagas teve a oportunidade de reorganizar os Serviços de Saúde


Pública, na área sanitária, instaurou a Departamento Nacional de Saúde Pública,
regulamentado pelo Decreto em 1923, que vigorou como Regulamento Sanitário
Federal, por muitos anos.

Em 1921 destaca-se, com a Reforma Carlos Chagas, onde amplia a


responsabilidade e cooperação do Estado por meio da Diretoria de Saneamento e
Profilaxia Rural (Decreto nº 15.003, de 15/9/1921).

As características da cidade do Rio Janeiro foram transformadas após


a urbanização e a reforma sanitária. Destaca-se que tais mudanças decorreram
da necessidade de manter o modelo econômico vigente, porém acabaram por
ampliar as ações de saúde do governo federal. Porém, isso não significa afirmar
que tais ações foram capazes de alcançar grande parte da população e do território
brasileiro, muito pelo contrário.

Em outras palavras, as ações descritas até aqui tiveram foco nas grandes
cidades: eram respostas ao desenvolvimento urbano e aos desafios da expansão
da agricultura cafeeira. A realidade era bem diferente nas demais regiões do país.

No início do século XX, nossas elites ainda não haviam voltado a atenção
para o interior do país. Na verdade, a maioria desprezava essas regiões, pois
via na população mestiça, que nelas habitavam a ruína da sociedade. Na sua
concepção racista, o embranquecimento – a ser alcançado principalmente através
da ampliação da imigração europeia – era a única opção para o progresso do país
(ESCOREL; TEIXEIRA, 2012).

FIGURA 15 – GUERRA DE CANUDOS

FONTE: Disponível em: <https://www.google.com.br/h?q=corti%C3%A7os


&source=lnms&tbm=isch&sa=X&ved=0ahUKEwio58qcwoHUAhUEgZAKH
Z6oCT0Q_AUICigB&biw=1366&bih=638#tbm=isch&q=canudos&imgrc=-
vQc9kRsUbfy2M:>. Acesso em: 21 maio 2017.

46
TÓPICO 3 | A ERA DA LUTA PELOS DIREITOS

Destacamos, aqui, uma contradição social que reflete no acesso à


seguridade social desde a colonização até os dias de hoje. As desigualdades
regionais imprimem um retrato de exclusão social deixando à margem os projetos
de urbanização, modernização ou desenvolvimento, parcela significativa da
população que se encontra no interior do país.

UNI

Os sertões – Euclides da Cunha

Na contramão dessas ideias, o escritor Euclides da Cunha, em Os sertões (1902), monumental


retrato da Guerra de Canudos, havia indicado que os sertões do país abrigavam fortes mestiços,
resistentes às intempéries do clima e à pobreza. Suas palavras ajudaram na descoberta do
interior e na valorização de sua população, mas elas não encerravam a realidade vivida
nessas regiões.

FONTE: ESCOREL, Sarah; TEIXEIRA, Luiz Antônio. História das políticas de Saúde no Brasil de
1822 a 1963: Do império ao desenvolvimentismo populista. In: GIOVANELLLA, Ligia (Org.).
Políticas e Sistemas de Saúde no Brasil. Rio de Janeiro: Editora FIOCRUZ, 2012.

Diversas expedições, incluindo as realizadas pelo Instituo Oswaldo


Cruz, trouxeram à tona a realidade do interior do país. Esses relatos mostraram a
multiplicidade de doenças que afetavam a vida dos sertanejos e, através deles, foi
possível inserir essas questões na agenda nacional. A pandemia da febre amarela
somada à falta de recursos de saúde no interior do país levou ao surgimento em 1908
da Liga Pró-Saneamento do Brasil responsável por ampliar as ações de saúde pública
e saneamento básico nos sertões. Ao mesmo tempo, essas ações foram impulsionadas
pela expansão do pensamento nacionalista (ESCOREL; TEIXEIRA, 2012).

Destacam-se nesse período diversas iniciativas em prol do saneamento rural.


Entre elas: a criação de postos do Serviço de Profilaxia Rural, na periferia do Rio
Janeiro, de postos no subúrbio para o combate à ancilostomose e a criação do Serviço
de Profilaxia Rural em 1918; a implantação de um código sanitário rural para o Estado
de São Paulo em 1917 e a criação dos Serviços de Medicamentos Oficiais. Entretanto,
o sucesso dessas iniciativas não foi capaz de consolidar o projeto mais significativo da
época: a criação do Ministério da Saúde (ESCOREL; TEIXEIRA, 2012).

Quais foram então os principias avanços da segunda década do século XX?


Escorel e Teixeira (2012) apontam para a reforma na saúde entre 1919 e 1920 que
levou à criação do Departamento Nacional de Saúde Pública (DNSP) – substituindo
o DGSP – que teve como diretor Carlos Chagas, também diretor do Instituo Oswaldo
Cruz. Outro avanço decorre da ampliação da abrangência do Serviço de Profilaxia
Rural e das parcerias com o Instituto Rockfeller para o combate à febre amarela. Na
área urbana destaca-se a criação das inspetorias de Higiene Industrial e Alimentar
e da Profilaxia da Tuberculose e a ampliação dos serviços do DNSP:
47
UNIDADE 1 | O CONTEXTO HISTÓRICO SOCIAL DA POLÍTICA DE SAÚDE NO BRASIL COM ENFOQUE NO MODELO RESIDUAL

Entre eles destacam-se: a regulação da venda de produtos alimentícios,


para o controle das infecções gastrintestinais (maior causa da
mortalidade infantil no país); a normatização das construções rurais,
para impedir a proliferação da doença de Chagas e outros males; a
regulamentação das condições de trabalho de mulheres e crianças;
a fiscalização de produtos farmacêuticos; e a inspeção de saúde dos
imigrantes que chegavam aos nossos portos. Além desses aspectos, o
Estado, através do DNSP, passou a se responsabilizar pela elaboração
de estatísticas demográfico-sanitárias em nível nacional e pela produção
de soros, vacinas e medicamentos necessários ao combate das grandes
epidemias que afetavam o país (ESCOREL; TEIXEIRA, 2012, p. 296).

Essas ações representam avanços para a saúde pública, pois foram


responsáveis pelo desenvolvimento de iniciativas sistemáticas de combate a
doenças contagiosas e levou o atendimento de saúde para as regiões periféricas
e do interior do Brasil. Mesmo que as questões de saúde não tenham sido
solucionadas esses avanços foram importantes para o desenvolvimento dos
cuidados de saúde como política pública no país.

FIGURA 16 – LINHA DO TEMPO DA SAÚDE PÚBLICA NO BRASIL (1900-1910)

• Foi criado, em 25 de maio de 1900, o Instituto Soroterápico Federal, com o objetivo de fabricar soros e vacinas contra
1900 a peste.

• Conhecido como Túmulo dos Estrangeiros, o Rio de Janeiro do início do século 20 era considerado um desafio
1902 ao desenvolvimento do país. O Presidente Rodrigues Alves, ciente da importância de ter uma capital moderna,
estabeleceu como prioridade o saneamento e a reforma urbana da cidade. Para isso, convidou o engenheiro Pereira
Passos para a Prefeitura e o sanitarista Oswaldo Cruz para a Diretoria Geral de Saúde Pública, o que iria inaugurar a
nova era para a higiene nacional. Ampliou as atividades do Instituto Soroterápico Federal, que não mais se restringiu à
fabricação de soros, mas passou a dedicar-se também à pesquisa básica e qualificação de recursos humanos.

1903 • Oswaldo Cruz foi nomeado Diretor-Geral de Saúde Pública, cargo que corresponde atualmente ao de Ministro da
Saúde. Utilizando o Instituto Soroterápico Federal como base de apoio técnico-científico, deflagrou suas memoráveis
campanhas de saneamento. Seu primeiro adversário: a febre amarela, que angariara para o Rio a reputação de
Túmulo dos Estrangeiros e que matou, de 1897 a 1906, quatro mil imigrantes.
• Oswaldo Cruz estruturou a campanha contra a febre amarela em moldes militares, dividindo a cidade em dez distritos
sanitários, cada qual chefiado por um delegado de saúde. Seu primeiro passo foi extinguir a dualidade na direção dos
serviços de higiene. Para isso, estabeleceu uma conjugação de esforços entre os setores federais e a Prefeitura, com a
incorporação à Diretoria Geral de Saúde Pública do pessoal médico e de limpeza pública da municipalidade.
• Em seguida, Oswaldo Cruz iniciou sua luta contra a peste bubônica. A campanha previa a notificação compulsória dos
casos, isolamento e aplicação do soro fabricado em Manguinhos nos doentes, vacinação nas áreas mais problemáticas,
como a zona portuária, bem como desratização da cidade. A associação entre ratos e mosquitos era irresistível. E a
decisão da Saúde Pública de pagar por cada roedor capturado, dando origem aos inúmeros compradores de gabirus
que percorriam a cidade, só agravou a situação. Mas, em poucos meses, a incidência de peste bubônica diminuiu com
o extermínio dos ratos, cujas pulgas transmitiam a doença.

1904 • Instituiua Reforma Oswaldo Cruz, que criou o Serviço de Profilaxia da Febre Amarela e a Inspetoria de Isolamento
e Desinfecção (com responsabilidade de combate à malária e à peste no Rio de Janeiro) (Decreto Legislativo nº 1.151,
de 5/1/1904).
• Tornou obrigatória, em toda a República, a vacinação e a revacinação contra a varíola (Decreto nº 1.261, de
31/10/1904).
• Na reforma de Oswaldo Cruz, foi criada a Diretoria Geral de Saúde Pública, a qual se destinava a atender aos
problemas de saúde da capital do país e prosseguir na defesa sanitária dos portos brasileiros.
• No dia 14, a Escola Militar da Praia Vermelha aderiu à rebelião, mas após intenso tiroteio, os cadetes foram
dispersados. No bairro da Saúde, no Porto Arthur carioca, os protestos continuaram. Finalmente, o Governo
decretou estado de sitio e, no dia 16, conseguiu derrotar o levante, mas suspendeu a obrigatoriedade da vacina.

• Criação do Instituto de Patologia Experimental de Manguinhos (atual Instituto Oswaldo Cruz), onde foram estabelecidas
1907 normas e estratégias para o controle dos mosquitos, vetores da febre amarela (Decreto nº 1.802, de 12/12/1907).
• A febre amarela estava erradicada do Rio de Janeiro. Em setembro de 1907, no IV Congresso Internacional de Higiene
e Demografia de Berlim, Oswaldo Cruz recebeu a medalha de ouro pelo trabalho de saneamento do Rio de Janeiro.

48
TÓPICO 3 | A ERA DA LUTA PELOS DIREITOS

• O Instituto Soroterápico Federal foi rebatizado como Instituto Oswaldo Cruz.


1908 • Em 1908, uma violenta epidemia de varíola levou a população em massa aos postos de vacinação.
• Oswaldo Cruz reformou o Código Sanitário e reestruturou todos os órgãos de saúde e higiene do país.

• Em 1909, Oswaldo Cruz deixou a Diretoria Geral de Saúde Publica, passando a dedicar-se apenas ao Instituto de
1909
Manguinhos, que fora rebatizado com o seu nome. Do Instituto, lançou importantes expedições científicas, que
possibilitaram maior conhecimento sobre a realidade sanitária do interior do país e contribuíram para a ocupação
da região. Erradicou a febre amarela no Pará e realizou a campanha de saneamento na Amazônia, que permitiu o
término da obras da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré, cuja construção havia sido interrompida pelo grande número
de mortes entre os operários. O sanitarista recomendou uma série de medidas drásticas a serem implantadas, sem
demora. Os cuidados sanitários começariam antes do operário chegar à ferrovia, com o engajamento de pessoal em
áreas não palustres, exame médico minucioso e fornecimento de quinino durante a viagem. Recomendou ainda
exames periódicos nos empregados, fornecimento diário de quinino, desconto dos dias em que o trabalhador não
ingerisse o medicamento e gratificação para o operário que passasse três meses sem sofrer nenhum acesso de malária.
Finalmente, aconselhou a construção de galpões telados para alojamento do pessoal, fornecimento de água fervida,
uso de calçados, locais determinados para a defecação.

FONTE: Cronologia Histórica da Saúde Pública. Funasa. Disponível em: <http://www.funasa.gov.


br/site/museu-da-funasa/cronologia-historica-da-saude-publica/>. Acesso em: 20 abr. 2017.

FIGURA 17 – LINHA DO TEMPO DA SAÚDE PÚBLICA NO BRASIL (1911-1930)


• Em 1913, Oswaldo Cruz foi eleito para a Academia Brasileira de Letras. Em 1915, por motivo de saúde,
abandonou a direção do Instituto Oswaldo Cruz e mudou-se para Petrópolis. Em 18 de agosto de 1916,
assumiu a prefeitura daquela cidade, traçando vasto plano de urbanização, que não pôde ver implantado.
Sofrendo de crise de insuficiência renal, morreu na manhã de 11 de fevereiro de 1917, com apenas 44 anos
1913 de idade.

•A Inspetoria de Isolamento e Desinfecção foi transformada em Inspetoria de Serviços de Profilaxia.


1914

• Carlos Chagas assumiu a direção do Instituto Oswaldo Cruz, em 14 de fevereiro de 1917.


1917

• Foi criado o Serviço da Quinina Oficial, profilático da malária, inicial a dos medicamentos do estado,
necessários ao saneamento no Brasil (Decreto nº 13.000, de 1/5/1918).
• Foram iniciadas as atividades do Serviço de Profilaxia Rural, subordinado à Inspetoria de Serviços de
1918 Profilaxia (Decreto nº 13.001, de 1/5/1918).

• Novo marco importante da evolução sanitária brasileira com a reforma de Carlos Chagas que, reorganizando
os Serviços de Saúde Pública, criou o Departamento Nacional de Saúde Pública. A regulamentação desse
diploma legal sofreu substituição e modificações até a publicação do Decreto em 1923, que vigorou como
1920 Regulamento Sanitário Federal, por muitos anos.
• Regulamentou o Decreto nº 3.987, de 2 de janeiro de 1920, que criou o Departamento Nacional de Saúde
Pública (Decreto nº 14.189, de 26/5/1920).
• Aprovou o regulamento para o Departamento Nacional de Saúde Pública, em substituição do que
acompanhou o Decreto nº 14.189, de 26 de maio de 1920 (Decreto nº 14.354, de 15/9/1920).

• Instituiu a Reforma Carlos Chagas, que ampliou as atividades de cooperação com estados, por meio da
Diretoria de Saneamento e Profilaxia Rural (Decreto nº 15.003, de 15/9/1921).
1921

49
UNIDADE 1 | O CONTEXTO HISTÓRICO SOCIAL DA POLÍTICA DE SAÚDE NO BRASIL COM ENFOQUE NO MODELO RESIDUAL

• Criação do Ministério dos Negócios da Educação e Saúde Pública (Decreto nº 19.402, de 14/11/1930).
• Os serviços relacionados com a saúde pública foram transferidos para o novo Ministério dos Negócios
da Educação e Saúde Pública.
1930 • Reativado o Serviço de Profilaxia de Febre Amarela, em função da epidemia de 1927-1928, no Rio de
Janeiro, e da dispersão do mosquito transmissor.

FONTE: Cronologia Histórica da Saúde Pública. Funasa. Disponível em: <http://www.funasa.


gov.br/site/museu-da-funasa/cronologia-historica-da-saude-publica/>. Acesso em: 20 abr.
2017.

3 O FINAL DA PRIMEIRA METADE DO SÉCULO XX


O Período de 1930 a 1945 é conhecido pelo nome de “Era Vargas “, período
em que Getúlio Vargas governou o Brasil por 15 anos de forma contínua. Esse
governo teve significativos avanços na história brasileira, pois findou a oligarquia
cafeeira e representou avanços na economia e no entendimento e atendimento
das questões sociais e a precariedade da saúde da população passa a ter mais
visibilidade.

Além do fim da oligarquia cafeeira e dos movimentos que questionavam


o sistema eleitoral baseado no poder dos coronéis e no “voto cabresto”, mudanças
foram observadas em decorrência dos reflexos econômicos da superprodução de
café e da crise de 1929 e do processo de urbanização da sociedade brasileira – nesse
momento 20% da população vivia nas grandes cidades (ESCOREL; TEIXEIRA, 2012).

3.1 GOVERNO PROVISÓRIO –1930 -1934


Até 1930 o Brasil vivenciava o Período da República Velha, conhecida
também como o primeiro período republicano no Brasil. Nesse período, as
alianças partidárias e a lógica política do "café-com-leite" (entre Minas Gerais e
São Paulo) tinham seu alicerce na economia cafeeira o que fortalecia a negociação
entre os grandes proprietários de terras.

No mesmo ano houve a eleição presidencial que elegeu Júlio Prestes, que
não conseguiu assumir o cargo, pois mineiros, gaúchos e paraibanos formaram
uma aliança liberal e alegaram fraude.

Outro marco importante refere-se então ao candidato a vice-presidente de


Getúlio Vargas, João Pessoa, que foi assassinado de maneira inexplicada, porém,
essa morte foi atribuída à oposição e utilizada como estratégia política para eleger
mais tarde Getúlio Vargas.

Em meio a esse cenário destacamos a crise de 1929, quando o exército já se


apresentava contrário ao governo vigente, que uniu forças e formou uma articulação
governamental composta por generais do Exército que forçaram a saída de Júlio
Prestes e assumindo Getúlio Vargas, colocando fim à República Velha.

50
TÓPICO 3 | A ERA DA LUTA PELOS DIREITOS

Com a crise econômica instaurada, muitos países necessitaram reestruturar


suas economias. O Brasil parte para a lógica do desenvolvimento industrial, em
que a saúde começa a ser motivo de preocupação.

As ações do governo Vargas em relação à saúde seguiram por duas frentes:


a saúde pública e a medicina previdenciária. Essa divisão seguiu pelas próximas
décadas em relação à política pública de saúde. A previdência social tem início
com a criação das primeiras Caixas de Aposentadorias e Pensões (CAPs) das
empresas ferroviárias (ESCOREL; TEIXEIRA, 2012).

UNI

Caixas de Aposentadorias e Pensões (CAPs)

A primeira CAP foi criada em 1917 para os funcionários da Imprensa Nacional. As CAPs
eram entidades autônomas semipúblicas. Caracterizavam-se como fundos organizados
por empresas compostos por contribuição dos trabalhadores (3%), empregadores (1% do
faturamento bruto anual) e consumidores dos serviços das empresas (fração das tarifas). Eram
administradas por funcionários eleitos em assembleia e empregadores em colégio paritário.
A participação do poder público estava prevista como controle externo, que poderia ser
acionado no caso de conflito entre o segurado e a Caixa. Portanto, os CAPs eram organizações
de natureza fundamentalmente civil e sua gestão era privada. Os recursos eram destinados às
aposentadorias por idade, por tempo de serviço e invalidez ou aos dependentes em caso de
morte do trabalhador. Algumas CAPs também prestavam assistência médica.
As principais características do primeiro período da história da previdência social no Brasil
(1932-1930) foram a amplitude no plano de atribuições das instituições, prodigalidade nas
empresas e natureza civil.
Vigorou até o final dos anos 20, restringindo-se a três categorias profissionais de trabalhadores
urbanos (ferroviários, portuários e marítimos) e o caso dos comerciários estava tramitando
no congresso.

FONTE: Adaptado de: ESCOREL, Sarah; TEIXEIRA, Luiz Antônio. História das políticas de Saúde
no Brasil de 1822 a 1963: do império ao desenvolvimentismo populista. In: GIOVANELLLA,
Ligia (org.). Políticas e Sistemas de Saúde no Brasil. Rio de Janeiro: Editora FIOCRUZ, 2012.

Segundo Escorel e Teixeira (2012), o sistema gerido pelo Estado começa


a ser articulado com o movimento de criação de Institutos de Aposentadorias e
Pensões (IAPs), que passaram a considerar os trabalhadores e não as empresas.
Além do controle dos gastos, iniciado nesse período, foi instituída a contribuição
da União alterando as relações diretas entre os funcionários e as empresas.
[...] Dessa forma, o Estado, através do Ministério do Trabalho,
Indústria e Comércio, passou a funcionar como intermediário entre
os consumidores que pagavam cotas e taxas e a previdência. Essa
mudança, que supostamente introduziria o financiamento tripartite
da previdência (empresas, empregadores e União), na prática
não ocorreu, acumulando a União uma dívida com as instituições
previdenciárias (ESCOREL; TEIXEIRA, 2012, p. 299).

51
UNIDADE 1 | O CONTEXTO HISTÓRICO SOCIAL DA POLÍTICA DE SAÚDE NO BRASIL COM ENFOQUE NO MODELO RESIDUAL

Esse modelo inicialmente foi resultado da necessidade de ajustar as


contas do governo devido às dívidas deixadas pelo governo provisório, porém,
logo passou a ser adotado como um instrumento de acumulação financeira
por parte do governo.

A preocupação com a saúde teve início com a criação do Ministério


dos Negócios da Educação e Saúde Pública (Decreto nº 19.402, de 14/11/1930).
Esse documento estabelece necessidades em relação à Educação, elaboração
do um Plano Nacional de Educação, que tenha como destaque a gratuidade e
obrigatoriedade do ensino elementar. Esse modelo industrial era necessário às
pessoas com conhecimentos educacionais para possibilitar sua continuidade ao
processo de desenvolvimento.

Deixando a saúde como ação secundária, porém os serviços escassos que


eram desenvolvidos foram repassados a esse Ministério, que teve sua primeira
ação com a reativação do Serviço de Profilaxia de Febre Amarela, em função da
epidemia de 1927-1928, no Rio de Janeiro, e da dispersão do mosquito transmissor.

Nessa época, também se destacava a epidemia de febre amarela, que


necessitava de ações de combate e diminuição da contaminação. Esse trabalho de
contenção teve maior repercussão até 1939, quando a situação foi controlada e esse
trabalho foi extinto. Essa década foi marcada pelos movimentos reivindicatórios que
ocasionaram a criação do Instituto de Organização Racional do Trabalho (IDORT).

UNI

Departamento Administrativo do Serviço Público

A década de trinta representa um marco na administração pública com a criação do


Departamento Administrativo do Serviço Público (DASP). Nesse período, o órgão conheceu
um contínuo processo de fortalecimento, chegando a exercer forte influência sobre as
políticas governamentais então implementadas. Entre suas principais realizações, nessa fase,
figuram a sistematização dos direitos e deveres do funcionalismo, definidos no Estatuto dos
Funcionários Públicos Civis da União, primeiro documento desse tipo no Brasil. Com a queda
de Vargas em outubro de 1945, o DASP passou por um profundo processo de reestruturação,
que resultou no seu parcial esvaziamento. A partir de então, suas funções assumiram um
caráter de assessoria, exceto no tocante à seleção e aperfeiçoamento de pessoal, área em
que se manteve como órgão executor.

FONTE: Disponível em: <http://cpdoc.fgv.br/producao/dossies/AEraVargas1/anos37-45/


PoliticaAdministracao/DASP>. Acesso em: 29 mar. 2017.

52
TÓPICO 3 | A ERA DA LUTA PELOS DIREITOS

Durante seu governo o presidente Getúlio Vargas desenvolveu a ideia


de reorganização política do país, pautado na lógica da centralização do poder
eliminando os órgãos legislativos (federal estadual e municipal). Sendo que os
principais cargos do governo foram exercidos por tenentes e assim anular a
atuação dos velhos coronéis e sua influência política regional.

Nesse cenário criou-se um clima de competição entre as velhas oligarquias


e os militares, em que a regionalização foi um ponto decisivo, já que paulistanos
tomaram a linha de frente contra o atual governo e exigiram a elaboração de
uma Assembleia Constituinte. Esse movimento resultou na chamada Revolução
Constitucionalista de 1932.

3.2 GOVERNO CONSTITUCIONAL – 1934 – 1937


Esse ato constitucional deu maiores poderes ao poder executivo, que
repercutiu em medidas democráticas que favoreceram a elaboração da legislação
trabalhista. Outro marco desse período é o voto das mulheres e a possibilidade do
sigilo do voto, essas medidas repercutiram no apoio da maioria e a garantia de um
segundo mandato. Esse governo ficou conhecido como Governo Constitucional a
qual desenvolveu sua trajetória política com dois ideais:

QUADRO 3 – IDEIAS CONSTITUCIONAIS DO GOVERNO VARGAS

Fascista Democrático
Conjunto de ideias e preceitos político- Representado pela Aliança Nacional
sociais totalitário introduzido na Itália Libertadora (ANL), era favorável à reforma
por Mussolini –, defendido pela Ação agrária, a luta contra o imperialismo e a
Integralista Brasileira (AIB). revolução por meio da luta de classes.
FONTE: Disponível em: <http://www.sohistoria.com.br/ef2/eravargas/>. Acesso em: 13 mar. 2017.

O Brasil é um país que apresenta muitas espécies na flora, o que favorece o


estudo e a pesquisa. Desde 1930, a Amazônia é tida como uma referência na ciência,
pois apresenta um vasto potencial para pesquisa nas áreas médica e científica.

Desta forma, as doenças e situações isoladas ou regionalizadas poderiam


ser facilmente combatidas com ações de saúde preventivas e curativas. Essa
discussão resultou, em 1936, na construção do Instituto de Patologia Experimental
do Norte (IPEN) atual Instituto Evandro Chagas (IEC).

53
UNIDADE 1 | O CONTEXTO HISTÓRICO SOCIAL DA POLÍTICA DE SAÚDE NO BRASIL COM ENFOQUE NO MODELO RESIDUAL

UNI

Instituto Evandro Chagas (IEC)

A história do Instituto Evandro Chagas começa na década de 30, quando o Dr. Henrique
Penna, da Fundação Rockfeller, no Rio de Janeiro, revela em artigo científico a existência de
41 casos de leishmaniose visceral, em cortes de fragmentos de fígado obtidos em numerosas
localidades do interior do país. Como a leishmaniose visceral (conhecida também por
calazar) se constituía em uma grave doença em vários países e até então não havia sido
detectada no Brasil, o Instituto Oswaldo Cruz, na época chefiado pelo cientista Carlos Chagas,
organizou a Comissão de Estudos de Leishmaniose Visceral Americana, sob a coordenação
do Dr. Evandro Chagas.

FONTE: Disponível em: <http://www.iec.gov.br/portal/historia/>. Acesso em: 1 jun. 2017.

3.3 ESTADO NOVO – 1937 – 1945


Em 1937, o presidente Getúlio Vargas instaurou no Brasil o Estado Novo,
que representou um ano de renovação na área política, sendo esse conhecido
também como primeiro período da ditadura. Nesse período foi imposto ao país
o fechamento do Congresso Nacional e uma nova Constituição, inspirada na
Constituição fascista da Polônia.

No final deste mesmo ano, o presidente Getúlio Vargas estabeleceu a


censura aos meios de comunicação, com isso era mais fácil isolar seus inimigos
políticos e divulgar à sociedade apenas o que fosse de seu interesse, além do mais
poderia mascarar muitas informações, pois entendia-se que comunicar a sociedade
sobre as doenças da época era aterrorizá-la de maneira desnecessária.

UNI

Sugestão de documentário: Getúlio Vargas

Documentário que mostra os fatos que marcaram a vida e carreira de Vargas, o cotidiano da
época e o suicídio, que gerou controvérsias e uma gigantesca comoção social. Com narração
de Paulo César Pereio, o documentário utiliza cinejornais produzidos pelo DIP e pela Agência
Nacional, fotos de época, discos, discursos de Vargas e textos de literatura de cordel.
Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=Uib6rtgEWHg>.

54
TÓPICO 3 | A ERA DA LUTA PELOS DIREITOS

Como estratégia de buscar o apoio da sociedade, Getúlio incentivou a


construção da sua política trabalhista com a criação da Consolidação das Leis do
Trabalho (CLT), a partir do registro em carteira de trabalho, descanso semanal
remunerado, salário mínimo e a própria justiça do trabalho, dando embasamento
legal a partir do Código Penal e o Código de Processo Penal.

O Brasil aparece de maneira contraditória na Segunda Guerra Mundial


como membro da política externa, pois tinha relações de dependência econômica
com os Estados Unidos com lógicas políticas semelhantes à da Alemanha. Com a
derrota das nações nazifascistas, cresceu também a oposição ao governo brasileiro,
que mesmo assim elegeu um sucessor o general Eurico Gaspar Dutra.

Em 1930, o Nordeste do país, mais especificamente em Natal, apresenta


doenças regionalizadas, como é o caso da malária, sendo necessário criar o Serviço
de Malária do Nordeste (SMN), para minimizar e controlar o surto, esse programa
ficou em vigor durante 11 anos, quando pesquisas indicaram a erradicação do
mosquito.

Quando se fala em amparo e proteção à maternidade, a infância e a


adolescência, é importante ressaltar que esse movimento só foi realmente
efetivo anos depois, pois na década de 40 eram ações isoladas, que estavam sob
responsabilidade do Departamento Nacional de Saúde Pública, passando para o
Departamento Nacional da Criança, com a transformação da Divisão de Amparo
à Maternidade e à Infância. Em 1940, o IPEM foi renomeado de Instituto Evandro
Chagas em homenagem ao cientista morto em acidente aéreo.

A área da saúde sempre apresentou altos e baixos, pois em momentos


de estabilidade a saúde perde apoio financeiro, como é o caso da reforma da
Saúde Pública Federal, ocorrida em 1941, quando houve a reorganização que
reestruturou o Departamento Nacional de Saúde, do Ministério dos Negócios
da Educação e Saúde Pública que segundo (Decreto Lei nº 3.171, de 2/4/1941).
Setorializou esse departamento em:

• Divisão de Organização Sanitária.


• Divisão de Organização Hospitalar.
• Instituto Oswaldo Cruz.
• Serviço Nacional de Lepra.
• Serviço Nacional de Tuberculose.
• Serviço Nacional de Febre Amarela.
• Serviço Nacional de Malária.
• Serviço Nacional de Peste.
• Serviço Nacional de Doenças Mentais.
• Serviço Nacional de Educação Sanitária.
• Serviço Nacional de Fiscalização de Medicina.
• Serviço de Saúde dos Portos.
• Serviço Federal de Águas e Esgotos.
• Serviço Federal de Bioestatística.
• Delegacias Federais de Saúde, (com a criação de Sete).

55
UNIDADE 1 | O CONTEXTO HISTÓRICO SOCIAL DA POLÍTICA DE SAÚDE NO BRASIL COM ENFOQUE NO MODELO RESIDUAL

Essa setorialização permite tratar de maneira mais eficiente as doenças em


suas especificidades, nesse momento inicia-se o movimento por especialidades
médicas.

Como visto anteriormente, nesse período, as áreas da saúde passam a se


especializar, direcionar e priorizar alguns serviços de saúde. Sendo que o ano de
1942 torna-se referência,  pois o  Ministério da Educação e Saúde determinou a
organização do Serviço Especial de Saúde Pública (SESP), em cooperação com o
Institute of Interamericana Affairs, do Governo Americano (Decreto-Lei nº 4.275, de
17 de abril de 1942).
 
Após essa organização ações específicas de saúde passam a ser mais
evidentes, como por exemplo, nesse mesmo ano houve a assinatura do primeiro
convênio de atividades de saneamento, profilaxia da malária e assistência médico-
sanitária às populações da Amazônia, isso se deu devido à produção em massa
de borracha sendo esta matéria-prima da indústria bélica.

O SESP ampliou seus serviços para Vale do Rio Doce, prestando assistência
aos trabalhadores na reconstrução da estrada de ferro Vitória-Minas.

As Conferências Nacionais de Saúde têm um papel de destaque na


elaboração e avaliação das políticas de saúde em nosso país. Saiba mais sobre a
primeira conferência no texto abaixo:

UNI

I Conferência Nacional de Saúde

As Conferências Nacionais de Saúde (CNS) representam um importante momento de


avaliação da situação da saúde no país e de formulação de diretrizes para as políticas públicas
no setor, reunindo cidadãos pela defesa da garantia de direitos, em atenção às necessidades
da população. Um exemplo é a 8ª Conferência Nacional de Saúde, realizada em 1986, um
marco na história da saúde no Brasil, que forneceu as bases para elaboração do capítulo sobre
saúde na Constituição Federal de 1988 e criação do Sistema Único de Saúde (SUS).

FONTE: Disponível em: <https://portal.fiocruz.br/pt-br/linhadotempo_conferenciasdesaude>.


Acesso em: 1 jun. 2017.

As Conferências passaram a compor o universo da discussão de políticas


de saúde e constituíram um espaço de controle social e democratização do acesso
à saúde ao longo de nossa história. Como podemos observar, na figura a seguir,
foi percorrido um longo caminho até que a realização das conferências se deu de
forma sistemática.
56
TÓPICO 3 | A ERA DA LUTA PELOS DIREITOS

FIGURA 18 – LINHA DO TEMPO DAS CONFERÊNCIAS NACIONAIS DE SAÚDE

FONTE: Biblioteca Virtual em Saúde, Conselho Nacional de Saúde. Conselho Nacional de


Secretários de Saúde.

Além das datas é importante conhecer os temas das conferências que nos
auxiliam a compreender as lutas pelo acesso ao direito da saúde pública e de
qualidade no Brasil. Para você ter conhecimento dos temas que foram discutidos
em todas as conferências de Saúde, desde a primeira até a realizada em 2011.
Observe a figura a seguir:

FIGURA 19 - TEMAS DAS CONFERÊNCIAS DE SAÚDE NO BRASIL

• Organização sanitária estadual e municipal.


1941

• Legislação sobre higiene e segurança do trabalho.


1950

• Situação sanitária da população brasileira.


1963

• Recursos humanos para as atividades em saúde.


1967

• Implementação do Sistema Nacional de Saúde.


1975

• Situação atual do controle das grandes endemias.


1977

• Extensão das ações de saúde por meio dos serviços básicos.


1980

• Municipalização é o caminho.
1992

• Saúde, cidadania e políticas públicas.


1996

• Efetivando o SUS – Acesso, qualidade e humanização na


2000 atenção à saúde com controle social

• Efetivando o SUS – Acesso, qualidade e humanização na


2003 atenção à saúde com controle social.

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UNIDADE 1 | O CONTEXTO HISTÓRICO SOCIAL DA POLÍTICA DE SAÚDE NO BRASIL COM ENFOQUE NO MODELO RESIDUAL

• Saúde direito de todos e dever do Estado, o SUS que temos e


2007 o SUS que queremos.

• Todos usam o SUS! SUS na seguridade social - política pública,

2011 patrimônio do povo

FONTE: Disponível em: <brasileirohttps://portal.fiocruz.br/pt-br/linhadotempo_


conferenciasdesaude>. Acesso em: 12 jul. 2017.

A história de saúde mostra certas epidemias  em locais específicos, por


exemplo, as chamadas endemias rurais – como a bouba, uma doença que afeta as
camadas da pele, que pode ser altamente debilitante para tecidos e ossos se não for
tratada. Por isso, foi necessário desenvolver uma campanha de conscientização
para evitar os agravos dessa doença.

O SESP vem prestando orientação e acompanhamento a muitas situações


específicas de saúde, sendo que esse serviço vem se remodelando e ampliando
suas ações.

No que se refere ao sistema previdenciário pode-se destacar a ampliação


do modelo com a assistência médica individual, porém apenas os trabalhadores
assalariados e inseridos na rede sindical ligadas ao presidente poderiam acessar
a previdência. Outro aspecto que ganha destaque entre 1931 e 1934 foi o aumento
do trabalho formal nas áreas urbanas levando a mudanças na legislação como:
nova lei da sindicalização, carteira de trabalho para mulheres, código de
menores, jornada de trabalho de oito horas, direito de férias, o salário mínimo e a
Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) (ESCOREL; TEIXEIRA, 2012).

Contudo, vale destacar que os avanços sociais desse período faziam parte
de uma forma muito particular de cidadania, chamada de cidadania regulada.
Para compreender melhor esse termo acompanhe o UNI a seguir:

UNI

Cidadania regulada

O conceito de cidadania regulada, definido por Wanderley Guilherme dos Santos (1987), é
central para a compreensão da questão social no Brasil no período getulista e do pilar de
sustentação da previdência social brasileira. Ele se refere a uma modalidade de cidadania
em que a base dos direitos não se encontra em valores políticos universais, e sim em um
sistema de estratificação ocupacional definido por norma legal, com benefícios desiguais.
No período em questão, a vigência desse modelo determinou a vinculação dos direitos
de cidadania ao lugar ocupado pelos indivíduos no processo produtivo. Eram vistos como
cidadãos somente aqueles que trabalhavam em ocupações reconhecidas e definidas por lei,
sendo a carreira profissional e o pertencimento a um sindicato os parâmetros de definição da

58
TÓPICO 3 | A ERA DA LUTA PELOS DIREITOS

cidadania. Assim, os que exerciam ocupações que a lei desconhecia – como os trabalhadores
rurais, domésticos e trabalhadores do mercado de trabalho informal – eram vistos como pré-
cidadãos. A extensão da cidadania deveria se produzir por meio da regulamentação de novas
ocupações e pela ampliação do escopo dos direitos associados a cada ocupação.

FONTE: ESCOREL, Sarah; TEIXEIRA, Luiz Antonio. História das políticas de Saúde no Brasil de
1822 a 1963: Do império ao desenvolvimentismo populista. In: GIOVANELLLA, Ligia (Org.).
Políticas e Sistemas de Saúde no Brasil. Rio de Janeiro: Editora FIOCRUZ, 2012.

Nesse momento faremos novamente um corte no cenário político, já que


se finda (temporariamente)  a Era Vargas, pois  em 1951 retornou à presidência
pelo voto popular.

FIGURA 20 – LINHA DO TEMPO DA SAÚDE PÚBLICA NO BRASIL (1931-1945)


• Em março de 1931, o sanitarista João de Barros Barreto assumiu a diretoria do Serviço Sanitário Estadual de
São Paulo. Na gestão desse médico, foi formada a Secretaria Estadual de Educação e Saúde Pública, embora
o Decreto que ordenou a sua criação tenha sido um dos últimos atos do dirigente anterior. Vale lembrar que
já em 14 de novembro de 1930, com o Decreto nº 19.402, o Governo Federal havia criado o Ministério dos
1931 Negócios da Educação e Saúde Pública.

• Convênio com a Fundação Rockefeller, para intensificação das atividades de controle da febre amarela,
encerrado em 1939, com a extinção do Serviço de Profilaxia da Febre Amarela.
• No Brasil surgiram o ensino e a pesquisa científica no campo da administração, com a criação do Instituto de
1932 Organização Racional do Trabalho (IDORT). Na década de 1930, outro passo importante na racionalização da
Administração Pública foi a criação do Departamento Administrativo do Serviço Público (DASP).

• A comissão chefiada por Evandro Chagas chegou ao Pará, instalando-se na localidade de Piratuba, município
de Abaetetuba. Liderando uma equipe de médicos e farmacêuticos, Evandro Chagas constatou que a
Amazônia era um campo vasto para pesquisa nas áreas médica e científica. O cientista sugeriu ao governador
1936 paraense na época, José da Gama Malcher, a criação de um instituto de pesquisa para ampliar os estudos
de doenças regionais, como malária, leishmaniose, filariose. Nasceu então, em 11 de novembro de 1936, o
Instituto de Patologia Experimental do Norte (IPEN) atual Instituto Evandro Chagas (IEC).

• Criação do Serviço de Malária do Nordeste (SMN) para intensificar o combate ao Anopheles gambiae,
introduzido em Natal/RN, em 1930. Foi estabelecido, com essa finalidade, novo convênio com a Fundação
1939 Rockefeller. O SMN existiu até 1941, quando foi erradicado o mosquito (Decreto nº 1.042, de 11/1/1939).

• As atividades relativas à proteção da maternidade, da infância e da adolescência, anteriormente sob a


responsabilidade do Departamento Nacional de Saúde Pública, passaram para o Departamento Nacional da
Criança, com a transformação da Divisão de Amparo à Maternidade e à Infância daquele Departamento (em
1948, o DNCr foi reorganizado).
1940 • Em dezembro de 1940, o IPEN passou a se chamar Instituto Evandro Chagas (IEC), em homenagem ao
cientista, morto prematuramente num acidente aéreo.

• Nesse período, foi processada nova reforma da Saúde Pública Federal, orientada por Barros Barreto. A estrutura
criada manteve as linhas gerais durante vários anos, apesar dos cortes sofridos em várias oportunidades.
• Reorganizou o Departamento Nacional de Saúde, do Ministério dos Negócios da Educação e Saúde Pública,
1941 define sua competência, composição e criou: a Divisão de Organização Sanitária; Divisão de Organização
Hospitalar; Instituto Oswaldo Cruz; Serviço Nacional de Lepra; Serviço Nacional de Tuberculose; Serviço
Nacional de Febre Amarela; Serviço Nacional de Malária; Serviço Nacional de Peste; Serviço Nacional de
Doenças Mentais; Serviço Nacional de Educação Sanitária; Serviço Nacional de Fiscalização de Medicina;
Serviço de Saúde dos Portos; Serviço Federal de Águas e Esgotos; Serviço Federal de Bioestatistica; e Sete
Delegacias Federais de Saúde, e deu outras providências. (Decreto Lei nº 3.171, de 2/4/1941).

• Autorizou ao então Ministério da Educação e Saúde, organizar o Serviço Especial de Saúde Pública (SESP), em
cooperação com o Institute of Interamerican Affairs, do Governo Americano (Decreto Lei nº 4.275, 17.4.1942).
• Assinado convênio básico, que estabelecia o desenvolvimento de atividades de saneamento, profilaxia da
1942 malária e assistência médico-sanitária às populações da Amazônia, onde se extraía a borracha necessária ao
esforço de guerra.
• Em 31 de julho de 1942, o Instituto Evandro Chagas (IEC), fundado em 10 de novembro de 1936 sob a
denominação de Instituto de Patologia Experimental do Norte, passou a integrar o SESP, na condição de
laboratório central.
• A ampliação do convênio básico levou o SESP a atuar no Vale do Rio Doce, prestando assistência aos
trabalhadores na reconstrução da estrada de ferro Vitória-Minas.
• I Conferência Nacional de Saúde.

59
UNIDADE 1 | O CONTEXTO HISTÓRICO SOCIAL DA POLÍTICA DE SAÚDE NO BRASIL COM ENFOQUE NO MODELO RESIDUAL

• Criação da Campanha contra a Bouba.


• Implantação dos Postos Experimentais de Combate à Esquistossomose (Catende/PE) e ao Tracoma
1943 (Jacarezinho/PR).

• Criação do Serviço Nacional de Helmintoses (em especial a esquistossomose e a ancilostomose).


• Novo convênio com o governo americano assegurou o funcionamento do Sesp até 1948.
1944

FONTE: Disponível em: <http://www.funasa.gov.br/site/museu-da-funasa/cronologia-historica-


da-saude-publica/>. Acesso em: 20 abr. 2017.

LEITURA COMPLEMENTAR

Proteção social e seguridade social no Brasil: pautas para o trabalho do


assistente social

[…] Presença do Serviço Social na proteção social

[...] Parto da necessidade da análise crítica da sociedade do capital como


iluminação dos campos da luta econômico-social pela conquista de Direitos
Humanos e sociais na sociedade brasileira, campos de ação do profissional
assistente social. É nessa perspectiva que conduzo esta reflexão onde a análise
crítica não é imobilizante, e, sim, componente da ação profissional voltada para a
conquista social de Direitos Humanos e sociais a todos.

Há que ser superado o entendimento do exercício profissional do


assistente social alinhado à condição de analista, identificador de expressões da
questão social, o que sem dúvida é um passo necessário, mas que se completa
na medida em que o profissional vincula os elementos de análise com a ação
concreta a desenvolver em seu campo de ação profissional.

A leitura crítica da proteção social na sociedade do capital, nela inclusa


a política de assistência social, não significa negar sua presença e, menos ainda,
significa a negação do trabalho do assistente social em seu âmbito.

A proteção social no Brasil está inserida na concepção de seguridade


social, isto é, no conjunto de seguranças sociais que uma sociedade, de forma
solidária, garante a seus membros. Portanto, a centralidade está no processo
histórico de cada sociedade e nele o trânsito pelo qual determinadas condições
sociais de dignidade e sobrevivência são asseguradas enquanto um direito social
universal. A agenda de situações que são consideradas como desproteções a
compor a seguridade social tem diferenciações entre as três políticas sociais.

60
TÓPICO 3 | A ERA DA LUTA PELOS DIREITOS

A previdência social, na condição de seguro social ligado ao trabalho,


afiança um valor substituto à remuneração do trabalho em algumas situações
em que ocorrem impedimentos ao seu exercício normal. Esse valor substituto
recebe a forma de benefício, pensão e aposentadoria cujo acesso é vinculado a
regras de tempo de contribuição, idade, grau de agravo, entre outros requisitos.
Em algumas situações, o acesso exige parecer de perito. Aqui então se define
um campo de trabalho para o Serviço Social. Quanto ao ciclo vital a previdência
social tem maior aplicação quando do envelhecimento humano embora sua ação
alcance as vicissitudes humanas que impedem o exercício do trabalho regular e
exigem a remuneração substituta.

[...] A assistência social, política pública de proteção social, opera por um


sistema único federativo, o Suas, em implantação em todo o território nacional.
Como a saúde sua condição de política de proteção social é distinta da forma
de seguro social. Organizada em dois níveis de proteção, a básica e a especial,
desenvolve sua ação por meio de serviços e benefícios para o acesso de pessoas e
famílias demandantes de proteção social face a agravos de fragilidades próprias do
ciclo de vida humano, pela presença de deficiências, decorrentes de vitimizações,
por violência, por desastres ambientais, pela presença de discriminação, pela
defesa da sobrevivência e de direitos humanos violados. Seu processo de
trabalho tem centralidade relacional, e opera com escuta qualificada, construção
de referências, acolhida, convívio, relações familiares, relações sociais de âmbito
coletivo com abrangência territorial, opera oferta de seguranças sociais. O escopo
de suas atenções envolve situações humanas complexas que incluem abandono,
violência em variadas faixas etárias, com incidência de gênero e de formas de
ocorrência dentro e fora da família, restauração de padrões de dignidade,
resgate de vida social de pessoas de diferentes faixas etárias vivendo nas ruas,
adolescentes em medidas socioeducativas.

[...] A aproximação do Serviço Social aos campos da proteção social,


e da seguridade social, é bem mais recente do que em outros campos de ação
como saúde hospitalar, habitação popular, movimentos sociais, gênero, criança
e adolescente, entre outros tantos. Isto não significa desconsiderar a inserção do
Serviço Social nos IAPS, ou mesmo, após 1974, na Previdência Social considerada
a hegemonia histórica dessa área no campo da proteção social.

O que se quer destacar é que o domínio da construção de um campo


direcionado para a atenção a fragilidades do ciclo de vida, vitimizações, parecia
adquirir um tom residual, talvez puxando mais para um conteúdo terapêutico,
pouco entusiasmante para o Serviço Social com forte apelo para a perspectiva
histórica e societária. A ação federal na previdência social, na saúde e mesmo na
assistência social ocuparam espaço quando do debate ampliado dos rumos dessas
políticas, seus princípios, financiamento, a reforma da previdência, a reforma
sanitária, a luta pela LOAS, que se poderia também nominar de reforma da
assistência social. O processo de formação na graduação orientado para o caráter
geral, sem especialização da ação profissional em uma das políticas sociais não
gerou também uma provocação maior quanto ao domínio desses campos.

61
UNIDADE 1 | O CONTEXTO HISTÓRICO SOCIAL DA POLÍTICA DE SAÚDE NO BRASIL COM ENFOQUE NO MODELO RESIDUAL

É de se ter presente que em debates, fóruns, congressos a categoria


tem expressado sua posição sobre concepção, princípios, alcance, entre outras
perspectivas críticas sobre a seguridade social brasileira. Mas ainda é ausente a
articulação do conteúdo operado pelo Serviço Social nas três políticas sociais que
compõem a seguridade brasileira. Com essa direção aborda-se aqui, no limite de
alguns apontamentos, a inserção do Serviço Social nas atenções das políticas sociais
que compõem a seguridade social em busca de pontos de articulação e, com eles,
a superação do atual afastamento, ausência de nexos, presença de fragmentação.

Dar força à seguridade social supõe a unificação de propósitos e lutas, o


que poderia começar a ocorrer pela aproximação, desde a base, de profissionais
que trabalham nessas três políticas de seguridade social, e, não raras vezes, são
eles avizinhados por territórios de trabalho comum.

O Serviço Social no interior da Previdência Social apresentou um circuito


de declínio ao longo dos anos. A Previdência Social no Brasil já adotou modelo
abrangente que envolvia mais do que o trabalho, com programas para habitação
e saúde do trabalhador e de sua família. Operava sob formato relacional com os
previdenciários, não se restringia a administração de benefícios. Nesse momento
congregou profissionais do Serviço Social, sendo, campo de estágio para formação
profissional. A reforma da Previdência Social em 1974 e a sequente unificação dos
institutos previdenciários (IAPs) provocou alterações no âmbito do Serviço Social,
e seu campo foi sendo reduzido a partir da limitação da ação da previdência a
administração de benefícios de um seguro público.

Desde 1996, quando do início de operação do Benefício de Prestação


Continuada, o BPC, foi decidido pela Presidência da República que não seria
reforçada a capacidade gerencial da burocracia da assistência social para operá-
lo, uma vez que o modelo então predominante era o do Comunidade Solidária.
Contrato administrativo entre a Secretaria Nacional de Assistência Social – SNAS
então vinculada ao Ministério da Previdência e Assistência Social e o INSS decidiu
que esse, mediante pagamento, permaneceria gerindo o BPC, em suas agências,
assim como seu antecessor o RMV – Renda Mensal Vitalícia. Esse tratamento
aparentemente de gestão administrativa vem significando de fato, o declínio da
gestão do BPC sob a lógica de proteção da assistência social mantendo-o sob a
lógica de seguro social, qualificando-o como amparo assistencial ou benefício
assistencial. Entende-se que essa operação, do ponto de vista administrativo,
consiste em "uma terceirização entre órgãos públicos" que dá vida à fragmentação.

Essa situação é realmente curiosa. A assistência social desempenha


uma das funções governamentais, nominada em linguagem governamental,
sobremodo a orçamentária, como função programática. O maior gasto federal no
orçamento público na Função programática 8 - número que compete à assistência
social – é destinado ao BPC. Seu custeio é compulsório e atinge em 2013 a 33
bilhões de reais. Todavia, embora o BPC seja sustentado com recurso financeiro
da assistência social, profissional de Serviço Social que opera o benefício pertence
aos quadros da Previdência Social, em especifico do INSS. Ele atua nas agências

62
TÓPICO 3 | A ERA DA LUTA PELOS DIREITOS

do INSS como perito nas solicitações de BPC para pessoas com deficiência. Não
há articulação entre a ação das agências do INSS e o SUAS, não há vínculos, nem
territoriais, entre os profissionais dos CRAS e os das agências do INSS.

As agências do INSS estão cada vez mais limitadas à estrita administração


de benefícios operados através de sistemas informacionais que tornam dispensável
o relacionamento humano, uma vez que a inflexibilidade ou a homogeneidade
de regras de operação, requeridas pelos sistemas informacionais, não permite
a incorporação de diferenças ditadas pela particularidade de necessidades.5  É
possível que a flexibilidade ainda permaneça junto a administrações de
previdência destinadas a grupos seletos, como militares das Armas nacionais
e da polícia militar, servidores públicos, bancários do sistema público, como
a PREVI, mantenham campo de trabalho para assistentes sociais uma vez que
ainda possam ter algum grau de flexibilidade na proteção social.

A inserção do Serviço Social no âmbito de serviços de saúde se dá no Brasil


ainda na década de 1940 do século passado. Em 1948, foi atribuída importância
ímpar à instalação do Serviço Social na dinâmica de gestão do Hospital das
Clínicas a forma inédita de hospital público de excelência com atração de
pacientes de âmbito nacional e internacional. Ao Serviço Social foi atribuída a
gestão da triagem socioeconômica dos demandatários. Não se configurava,
ainda, o direito universal à saúde. Só após 40 anos com a CF-88 é que este direito
configura a universalidade de atenção o que retira toda e qualquer necessidade
de prova de meios para que o cidadão seja atendido em um serviço de saúde
pública.6 Claro que aqui não estão referidos os próprios meios efetivos da área de
saúde para atender o cidadão, mas esta questão é de natureza diversa pelo seu
caráter avaliativo de serviços prestados.

A presença do Serviço Social no Sistema Único de Saúde – SUS tem variações


decorrentes da divisão do trabalho profissional adotada pelo serviço prestado. A
entrada do profissional pode ser vertical ou horizontal. Em ações programáticas,
horizontais, o assistente social compõe equipes interprofissionais direcionadas
para a saúde da mulher, a saúde da família. É de se dar relevância a inserção do
Serviço Social nos NASF – Núcleos de Apoio à Saúde da Família e na Residência
Multiprofissional em Saúde. Na atenção hospitalar, a depender do volume e tipos
de especialidades dos leitos, o profissional de Serviço Social pode ter inserção
por especialidades, clínicas e/ou cirúrgicas, ou manter a atenção genérica voltada
para relações entre o paciente e sua família e/ou suas condições externas para
manutenção de seus cuidados de saúde. É de se referir a presença nada trivial de
assistentes sociais em cargos de direção na gestão da saúde básica ou preventiva.

O campo do Serviço Social na assistência social, de mais recente


estruturação pela implantação do SUAS – Sistema Único de Assistência Social, a
partir de 2005, tem provocado forte mudança no perfil de gestão dessa área que
se estrutura em todos os entes federativos, vale dizer em mais de 5580 unidades
gestoras, com capacidades, abrangências e responsabilidades diferenciadas.

63
UNIDADE 1 | O CONTEXTO HISTÓRICO SOCIAL DA POLÍTICA DE SAÚDE NO BRASIL COM ENFOQUE NO MODELO RESIDUAL

A inserção do Serviço Social na assistência social tem percurso diverso


ao das demais políticas componentes da seguridade social. A categoria, sob
diferentes formas, se envolveu em luta de 15 anos seguidos para poder conquistar
em 2004 a aprovação de Política Nacional de Assistência Social e no ano seguinte,
2005, a aprovação da implantação do SUAS – Sistema Único de Assistência Social.

A introdução da política de assistência social no âmbito da seguridade


social foi menos resultante de uma proposta articulada nessa direção, até porque
inexistiam movimentos pró-seguridade social, e mais para ajustar a situação de
benefícios não contributivos que permaneciam sob gestão da previdência social e
serviços de saúde que permaneciam sob gestão da LBA, a fundação federal com
pouco mais de 45 anos naquele momento que catalisava iniciativas e recursos
federais para essa área.

Esta primeira fase de institucionalização da assistência social como uma


das áreas governamentais responsáveis pela proteção social apareceu como um
mix  de iniciativas institucionais pró e contra a  afirmação da assistência social
como política pública de proteção social. Nele se podem destacar:

a) A grande fusão que correspondeu à busca de unidade de trato às competências


dispersas alterando o que se apresentava de forma difusa e confusa.

a.1) No plano federal, a fusão significou exportar da previdência para a


assistência  social benefícios que não eram contributivos (RM e benefícios
eventuais) e lhes atribuir uma nova regulação; extinguir a LBA e seus resquícios
assistencialista, possibilitando que a assistência social ocupasse espaço na
gestão direta pela dinamização da Secretaria de Assistência Social do MPAS,
que assumiu a gestão dos serviços continuados que estavam na LBA (SAC-
PAC).

a.2) Fase CPF  – introdução no órgão gestor da assistência social dos entes
federativos estaduais e municipais, marcas de gestão democrática pela
presença de conselho, plano e fundo, dando início ao processo de construção
da unidade nacional,  a política pública e a realização das primeiras
conferências municipais, estaduais e nacional.

b) O contra movimento  gerado em janeiro de 1995 quando a LBA é extinta e


colocado em seu lugar o Conselho da Comunidade Solidária um modelo de
gerência social que fortalecia as organizações privadas (marco legal do terceiro
setor – criação das OCIPS) através de uma gestão paralela  à Secretaria de
Assistência Social do MPAS, como a anterior LBA. Essa decisão esgarçou  a
possibilidade  da gestão unitária da proteção social. Foram desenvolvidas
diversas propostas de subsídios  financeiros à população na forma de bolsa,
vales, entre outros, geridos por diversos ministérios. Foram criados empecilhos
para a realização de Conferências Nacionais.

64
TÓPICO 3 | A ERA DA LUTA PELOS DIREITOS

c) Articulação unitária de forças sociais e políticas para implementação da


Loas  (frente parlamentar, frente de prefeitos, movimentos de articula­ção da
categoria dos assistentes sociais) centrada em instituir o financiamento federativo
da política,  fortaleceu a demanda dos entes federativos pelo financiamento
federal da assistência social e impeliu (politicamente) a necessidade  de
implementação de normas  nacionais reguladoras das transferências de
recursos fundo a fundo. As palavras de ordem dessa articulação centravam-
se em denunciar  o modelo  de convênios adotado para as transferências aos
municípios ao invés de adotar o modelo de transferência fundo a fundo;
denunciar a descontinuidade do financiamento federal como ocorria na velha
LBA, o que impedia manter serviços em operação e permanecia com a lógica
de projetos circunstanciais;  denunciar o controle pela CND  da operação de
transferências financeiras entre órgãos públicos impedindo  sua efetivação;
exigir a fixação de um percentual mínimo  fixo  no orçamento público para o
custeio da política.

Para além dessas alterações demarcadas pela implementação na gestão


da assistência social de categorias de política pública provedora de atenções (e
não mais política de fomento a entidades sociais) a exigência da efetivação do
controle social e da democratização da gestão, com a presença de usuários nos
conselhos gestores, vem se mostrando como campo de luta contínua, juntamente
com a preocupação com o expurgo das velhas formas conservadoras de gestão
que distanciavam a assistência social do campo democrático da política pública e
a vincula­vam à permanência do patrimonialismo de primeiras-damas.

FONTE: SPOSATI, Aldaíza. Proteção social e seguridade social no Brasil: pautas para o trabalho
do assistente social. Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 116, p. 652-674, dez.  2013. Disponível em:
<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-66282013000400005&lng=pt&
nrm=iso>. Acesso em: 14 maio 2017.  

65
RESUMO DO TÓPICO 3
Neste tópico vimos que:

• Avanços significativos na industrialização e na área tecnológica, a saúde era


disponibilizada apenas aos que podiam pagar. Não existiu tipo de cobertura
algum.

• A necessidade de estruturar a política de saúde para atender aos soldados que


retornam dos combates.

• De 1901 a 1910 avanços tecnológico, no transporte, na aviação e automobilística.

• O período de 1930 a 1945 é conhecido pelo nome de “Era Vargas “, tempo em


que Getúlio Vargas governou o Brasil por 15 anos de forma contínua.

• A “Era Vargas “ apresentou três períodos distintos: Governo Provisório – 1930


– 1934; Governo Constitucional – 1934 – 1937 e Estado Novo – 1937 – 1945.

• Primeiras epidemias de febra amarela, cólera, malária, febre amarela,


tuberculose nas principais cidades brasileiras.

• Fim da primeira fase da Era Vargas com avanços tímidos na área da saúde,
pautados em ações emergenciais de combate a epidemias.

66
AUTOATIVIDADE

1 A criação do Ministério dos Negócios e Saúde Pública foi um marco para a


identidade da política de saúde na década de trinta. As ações que partiam
do Ministério deram o tom do atendimento público de saúde no país.
Considerando esse cenário analise as afirmações a seguir:

I - O modelo industrial predominava visando à continuidade do processo de


desenvolvimento.
II - A política nacional de saúde foi articulada em primeiro plano pelo governo
de Vargas.
III - O Plano Nacional de Educação apresentava-se como prioridade na gestão
do Ministério.
IV - A reativação do Serviço de Profilaxia de Febre Amarela foi a primeira ação
ministerial na saúde.

Agora assinale a alternativa correta:

a) Todas as afirmações estão corretas.


b) As afirmações I e II estão corretas.
c) As afirmações I, III e IV estão corretas.
d) As afirmações II, III e IV estão corretas.

2 A previdência social no período Vargas foi marcada pelas Caixas de


Aposentadorias e Pensões (CAPS), fundos criados pelas empresas
e financiados com contribuições das empresas e dos trabalhadores.
Considerando as características das CAPS assinale as afirmações com V para
as verdadeiras e F para as falsas:

( ) As CAPS eram organizações da sociedade civil financiadas e geridas


pelo poder público.
( ) Seus recursos eram destinados a aposentadorias e assistência médica.
( ) As CAPS atendiam a trabalhadores urbanos, rurais e também
trabalhadores informais.
( ) As CAPS eram administradas de forma paritária entre empregados e
empregadores.

Agora assinale a alternativa que apresenta a sequência correta:

a) F – V – F – V.
b) F – F – V – V.
c) V – V – V – F.
d) V – F – F – V.

67
3 Ainda, neste período, as epidemias configuravam um grande desafio para a
saúde pública, especialmente quando atentamos para a parcela mais pobre
da população. Entre as iniciativas para superar esse desafio estavam as
campanhas sanitárias. Sobre essas campanhas assinale a alternativa correta:

a) As campanhas procuraram impedir a contaminação da febre amarela,


exterminar os ratos e combater a peste e vacinar a população contra a
rubéola.
b) As campanhas se concentraram no atendimento da parcela mais pobre da
população através de reformas urbanas que revitalizaram as moradias na
periferia.
c) A produção de vacinas destinadas a essas campanhas era realizada na
Europa e não havia pesquisa nessa área no país.
d) As campanhas de vacinação são consideradas ultrapassadas e caíram em
desuso no século XX.

68
UNIDADE 2

O CONTEXTO HISTÓRICO E SOCIAL


DA POLÍTICA DE SAÚDE NO BRASIL
COM ENFOQUE NO MODELO DE
SEGURO SOCIAL

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM

A partir desta unidade, você será capaz de:

• identificar a situação da seguridade social no cenário brasileiro;

• compreender o contexto da política de saúde na segunda metade do século


XX;

• reconhecer a saúde como um direito social, conquistado pela coletividade.

PLANO DE ESTUDOS
Esta unidade está dividida em três tópicos. Ao final de cada um deles você
encontrará atividades que o ajudarão a fixar os conhecimentos adquiridos.

TÓPICO 1 – O CONTEXTO DA SEGURIDADE SOCIAL EM PARALELO À


POLÍTICA DE SAÚDE

TÓPICO 2 – O PROCESSO DE SAÚDE NA SEGUNDA METADE DO


SÉCULO XX

TÓPICO 3 – DO REGIME MILITAR AOS DIREITOS SOCIAIS

69
70
UNIDADE 2
TÓPICO 1

O CONTEXTO DA SEGURIDADE SOCIAL EM PARALELO À


POLÍTICA DE SAÚDE

1 INTRODUÇÃO
No Brasil, o acesso aos direitos sociais e previdenciários foi lento, pois se
visualizava a produção e o desenvolvimento de um país e se desconsiderava a
mão de obra operária.

Os operários passaram a ganhar mais visibilidade a partir do momento


em que se uniram e formaram as reivindicações a partir dos movimentos sociais,
pois esses movimentos buscavam direitos para uma coletividade.

Esse processo também fortaleceu o êxodo rural e a ocupação desordenada


dos centros urbanos. A migração era resultado de ilusão por melhores condições,
em que as pessoas vinham em busca de empregos e salários, porém esses
empregos e salários não eram regulamentados e as pessoas passaram a ter sua
força de trabalho explorada.

Após anos de exploração, os operários passaram a ser ouvidos, não porque


eram prioridade, mas porque o desenvolvimento dependia da força de trabalho
desses operários que vinham desenvolvendo doenças e complicações de saúde,
necessitando de seu afastamento, ou seja, podemos dizer que essas conquistas
foram em função de um desenvolvimento e não por preocupação com o operário.

2 O CONTEXTO HISTÓRICO DA SEGURIDADE SOCIAL


Quando mencionamos a história da Seguridade Social, é importante
compreender que esse é um processo e uma luta histórica, que não surgiram da
necessidade do operário, surgiram da necessidade das categorias profissionais,
não em relação à saúde do sujeito, mas sim da necessidade de manutenção do
sistema a partir da mão de obra.

Nesse sentido surge a assistência privada, em que o Estado não interfere


na desigualdade social, pois a ideia de bem-estar social ainda não existia. As
desigualdades sociais eram tidas como naturais.

As necessidades deveriam ser supridas de forma particular por seu


núcleo familiar, no máximo poderia ampliar para núcleo comunitário. Não existia
intervenção ou regularização do Estado.

71
UNIDADE 2 | O CONTEXTO HISTÓRICO E SOCIAL DA POLÍTICA DE SAÚDE NO BRASIL COM ENFOQUE NO MODELO DE
SEGURO SOCIAL

A primeira intervenção do Estado acontece na Europa, mais especificamente


na Inglaterra, com a promulgação da Lei dos Pobres em 1601, que identificava
algumas ações sociais, vinculadas a preceitos religiosos.

Essa situação fortalece a ideia da necessidade de uma intervenção estatal,


na regulação dos “necessitados”. Nesse momento, a ação estava vinculada apenas
à saúde. Com base no princípio da dignidade humana.

Esse processo de reconhecimento das responsabilidades estatais em


relação aos sujeitos desencadeou uma discussão, que foi a Declaração dos Direitos
do Homem, a qual preconizava que o Estado seria responsável pelos socorros
públicos, pois isto era uma dívida sagrada, e tratava-se da assistência social (teve
inspiração no Iluminismo).

A Europa inicia a ideia de seguro social em 1883, durante o processo da


Revolução Industrial, quando as pessoas saíam da área rural em busca de centros
urbanos e, assim, surgem novas necessidades e a busca por garantias trabalhistas.

Desta forma, as empresas se obrigaram a atender a algumas reivindicações


que iniciam o surgimento dos seguros contra incapacidade, invalidez, acidentes
etc. Essa mesma linha de seguro social aos operários foi sendo absorvida pelos
demais países europeus.

2.1 O CONTEXTO HISTÓRICO DA SEGURIDADE SOCIAL


NO BRASIL
Quando falamos da história, precisamos considerar o contexto histórico,
em que o Brasil foi descoberto por Portugal e, portanto, precisa seguir as regras
impostas pela monarquia portuguesa.

Essa dependência fez com que os indígenas fossem domesticados ou


perseguidos, pois não existia escolha aos nativos, apenas a obediência. Quando a
mão de obra indígena não foi mais suficiente, buscou-se a alternativa de compra
de escravos, estes eram mercadorias, apenas com deveres e trabalho.

O trabalho era concentrado em engenhos, onde os donos precisavam


acumular recursos, enquanto o escravo apenas cedia sua força de trabalho
sem nenhuma segurança. Ao serem julgados desnecessários, os escravos eram
revendidos para outros e, assim, não tinham noção e nem direito à cidadania.

No Brasil, essa ideia de necessidade iniciou com a Constituição Federal


de 1824, que referenciava o Estado como alternativa, porém de forma bastante
precária. Não delineava onde atuaria e, por isso, a ideia não prosperou.

72
TÓPICO 1 | O CONTEXTO DA SEGURIDADE SOCIAL EM PARALELO À POLÍTICA DE SAÚDE

Somente com a Abolição da Escravatura, em 1888, é que os negros passaram


a ser considerados como seres humanos, já que eram ignorados pela sociedade
mandante, porém não se tornaram totalmente livres, porque precisavam buscar
trabalho para se manter e, assim, se tornaram, de certa forma, escravos “livres”,
porém obrigados a vender sua força de trabalho ao “homem branco” para
conseguir se manter e manter seus dependentes.

A agricultura ainda era a fonte de renda da época, que vinha impulsionada


com a chegada dos imigrantes europeus e, num primeiro momento, se concentrava
na cultura cafeeira. Dados apresentados por Faleiros (2000) apontam que 70% da
população ativa trabalhavam na agricultura, isso na década de 1920.

A industrialização se desenvolveu de forma lenta, quando os colonos


passavam a buscar melhores condições de vida, o que impulsionou o êxodo rural
e o inchaço nos centros urbanos. Esse processo também modifica a lógica agrícola
e passa a fortalecer o desenvolvimento da industrialização.

Essa configuração envolvendo o cenário nacional pode ser identificada


na configuração da força do trabalho, entende-se este como a passagem de um
processo de negação total de direitos para uma negação parcial, pois quando
se fala em política pública fala-se em produto resultado de um processo sócio-
histórico entre a classe dominante e os menos favorecidos, impulsionado por
movimentos sociais em busca de melhores condições a uma coletividade.

A seguridade social traz à tona o tripé Saúde, Previdência e Assistência Social


como políticas públicas de atendimento, que representam a classe trabalhadora e
as contradições do mundo do trabalho, pois o processo histórico não é separado do
capital e o trabalho é o resultado dessa negociação trabalho X capital.

FIGURA 21 – RAMIFICAÇÃO DA SEGURIDADE SOCIAL

Seguridade
Social

Previdência Assistência
Saúde
Social Social

FONTE: Disponível em: <https://livrodireitoprevidenciario.com/principios_


constitucionais_seguridade_social/>. Acesso em: 3 jul. 2017.

O êxodo rural fortalece o chão das fábricas e o processo de industrialização,


onde a força de trabalho é trocada por salários e, consequentemente, inicia-se a
lógica capitalista de acumulação.

73
UNIDADE 2 | O CONTEXTO HISTÓRICO E SOCIAL DA POLÍTICA DE SAÚDE NO BRASIL COM ENFOQUE NO MODELO DE
SEGURO SOCIAL

Desta forma, na visão de Wanderley (2009), o êxodo rural atinge um grande


número de pequenos agricultores, especialmente os que não são proprietários ou os
que o são de forma insuficiente, o que os torna extremamente vulneráveis no que se
refere à sua permanência no local de origem. Moreira (2008) vê a agricultura urbana:

como um fenômeno social e político; fenômeno que possui forte


conexão com as questões e temáticas socioambientais e socioespaciais.
Na interpretação do autor, por sua dimensão política, a discussão
sobre a agricultura urbana traz consigo o debate sobre a pobreza, as
desigualdades sociais e o desemprego como efeitos do desenvolvimento
do capitalismo (MOREIRA, 2008, p. 32).

A primeira conquista para o trabalhador era o acesso uma “vaga de


trabalho”, porém surgem novas necessidades, e essas podem ser denominadas
de proteções, pois ainda não tinham a conotação de direito.

A segunda conquista pode ser identificada com a instituição da Caixa


de Aposentadorias e Pensões (CAPs), em 1923, porém mascarava a verdadeira
realidade, que era a de preservar a ferrovia, que era importante no processo de
escoamento da produção cafeeira.

UNI

Compreendendo o processo de Caixa de Aposentadoria e Pensões.

Na verdade, a previdência social brasileira foi implantada com a Lei Eloy Chaves, estabelecida
pelo Decreto Legislativo 4.682/1923, que criou as chamadas Caixas de Aposentadoria e
Pensões para os empregados das empresas ferroviárias, contemplando os benefícios de
aposentadoria por invalidez, aposentadoria ordinária (atualmente chamada de aposentadoria
por tempo de contribuição), pensão por morte, bem como o benefício de assistência médica,
todos eles custeados por contribuições do Estado, dos empregadores e dos trabalhadores.
Embora não tenha sido a primeira norma jurídica brasileira sobre matéria previdenciária, o dia
24/01/1923 – data de publicação da Lei Eloy Chaves – ainda hoje é comemorado pelo INSS
como a data de aniversário da Previdência Social brasileira.
O sistema de Caixas de Aposentadoria e Pensões (CAP) foi ampliado, na década de vinte,
para abranger empresas de outros ramos de atividades, tais como as empresas dos serviços
telegráficos, dos portuários, de mineração etc. Nessa sistemática, cada empresa criava e
organizava sua própria Caixa de Aposentadoria e Pensões.
Após a Revolução de 1930, o novo Ministério do Trabalho incorporou-as e passou a tomar
providências para que essa garantia trabalhista fosse estendida a um número significativo de
trabalhadores. Dessa forma, foi criado o Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Marítimos
(IAPM) em junho de 1933, ao qual se seguiram o dos Comerciários (IAPC) em maio de 1934,
o dos Bancários (IAPB) em julho de 1934, o dos Industriários (IAPI) em dezembro de 1936, e
os de outras categorias profissionais nos anos seguintes. Em fevereiro de 1938 foi criado o
Instituto de Previdência e Assistência aos Servidores do Estado (IPASE). A presidência desses
institutos era exercida por pessoas livremente nomeadas pelo presidente da República.

FONTE: Disponível em: <https://professorceliocruz.jusbrasil.com.br/artigos/217784909/


origem-e-evolucao-da-seguridade-social-no-brasil>. Acesso em: 14 jun. 2017.

74
TÓPICO 1 | O CONTEXTO DA SEGURIDADE SOCIAL EM PARALELO À POLÍTICA DE SAÚDE

A lógica de preocupação com os funcionários das ferrovias, na verdade,


mascarava a verdadeira preocupação com o processo de produção, transporte e
venda de café. Essa mesma lógica foi implantada também aos funcionários ligados
aos portos. Segundo Brasil (2013), esses funcionários poderiam se aposentar caso
não tivessem condições de trabalhar por incapacidade, doença ou idade.

Essa proteção social não se referia aos sujeitos, mas a uma garantia na
produção. Independentemente de sua constituição, esse foi o marco inicial na
construção do sistema de seguridade social.

Esse benefício foi dado apenas aos trabalhadores ligados diretamente


a algumas categorias profissionais, porém a classe trabalhadora vinha se
organizando e solicitando que essa cobertura se estendesse às demais categorias,
como apresenta Iamamoto (1995, p. 77): “Neste período são criados os Institutos
de Aposentadorias e Pensões (IAPs) na lógica do seguro social, bem como as
Leis do Trabalho (CLT), que previam os mínimos aos operários, com caráter
controlador e paternalista”.

QUADRO 4 – PARALELO: POLÍTICA DE SAÚDE E PREVIDÊNCIA SOCIAL

Política Saúde Previdência

Lei Eloy Chaves Assistência médica As CAPs são organizadas


1923 para os operários. por empresas

Serviços de saúde
Consolidação das Leis IAPs organizadas por
oferecidos como
Trabalhistas (CLT) - 1943 categoria profissional
concessão

FONTE: Disponível em: <https://pt.slideshare.net/regomes1/a-construo-do-sus>. Acesso em:


14 jun. 2017.

Esse quadro nos mostra o paralelo existente entre a política de saúde e a


política de previdência social, não são sistemas opostos, mas complementares.

75
UNIDADE 2 | O CONTEXTO HISTÓRICO E SOCIAL DA POLÍTICA DE SAÚDE NO BRASIL COM ENFOQUE NO MODELO DE
SEGURO SOCIAL

UNI

O livro tem como objetivo apresentar um histórico


detalhado do surgimento da noção do bem-estar social, até os dias
atuais. Apresentando para tanto um histórico completo da Seguridade
Social no Brasil e no mundo. Esta visão histórica do surgimento e
da evolução das políticas de proteção social como características
da formação do Estado Contemporâneo contrapõe-se ao Estado
Moderno, trazendo grande embasamento para o desenvolvimento
do raciocínio lógico utilizado na simples concessão de um benefício
previdenciário. Cumpre esclarecer que com o aperfeiçoamento da
sociedade organizada se tornou imperativo estabelecer regras para a
satisfação das necessidades inerentes aos trabalhadores que no passado
visavam garantir a subsistência ante a impossibilidade de auferir ganhos
com o seu trabalho. Eis, em essência, a verdadeira motivação laboral que progrediu para a atual
Previdência Social para conhecer mais sobre A história da saúde pública no Brasil – 500 anos
na busca de soluções, sugerimos que você assista ao vídeo disponível em: <https://www.
youtube.com/watch?v=7ouSg6oNMe8>.

2.1.1 A década de 1930


A ideia de proteção mínima na década de 1930 fora mascarada, ou seja,
ignorada pelo governo de Getúlio Vargas (1930-1945). Esse período ficou conhecido
como um marco nas políticas públicas sociais, pois ampliava a cobertura para
todos os funcionários. Após as mudanças institucionais estabelecidas, aconteceu
a unificação das Caixas de Aposentadorias e Pensões – CAPs em Institutos de
Aposentadorias e Pensões – IAPs.

Esse processo, segundo Iamamoto (2006), criava um novo fluxo,


buscando identificar as particularidades de quem eram esses operários
efetivos, e buscar compreender quem eram os demais operários, já que apenas
as pessoas regularmente formais, com carteira de trabalho assinada, tinham
acesso ao atendimento de saúde, enquanto os demais (trabalhadores informais,
idosos, mulheres crianças e desempregados) eram considerados não ativos e se
necessitassem de atendimento em saúde deveriam buscá-la de forma particular.

O que determinava a cobertura ao acesso ao atendimento à saúde era


a questão de estar ou não empregado, ressaltando que a população ativa era
inferior às demais camadas da população, pois nesse período as mulheres estavam
ingressando de forma tímida no mercado de trabalho. Idosos, crianças e pessoas
com deficiência eram excluídos do processo, mesmo sendo o público que mais
precisava do atendimento.

76
TÓPICO 1 | O CONTEXTO DA SEGURIDADE SOCIAL EM PARALELO À POLÍTICA DE SAÚDE

Essa situação é fortalecida na visão de Guimarães (2011) sobre a lógica


da exclusão no processo formal de trabalho: eram considerados “pré-cidadãos”,
mesmo que possuíssem uma ocupação regular. Nesse sentido, o Estado segue
a lógica iniciada na década de 1930, quando os cidadãos só tinham acesso a
direitos com a comprovação apresentando a carteira de trabalho assinada, ter
a profissão regulamentada em lei ou ser dependente de pessoa com vínculo a
alguma repartição.

Entre os “pré-cidadãos” distinguiam-se duas categorias que estavam em


constante crescimento: os “marginalizados” e o “mercado informal”, em que
estavam inseridos os desempregados, os subempregados e as ocupações não
regulamentadas.
 
Outra particularidade que precisa ser considerada é que os institutos eram
independentes, não havendo qualquer vinculação, pois cada um recebia o valor
de arrecadação por categoria afim. Esse processo também causou disparidade,
pois, conforme a categoria, a arrecadação e a cobertura eram diferenciadas,
influenciando diretamente na quantidade e na qualidade dos serviços ofertados.

As décadas de 1930 e 1940 representaram uma quebra de paradigma, pois


partimos de uma década sem direitos e adentramos em uma década com grandes
conquistas de direitos trabalhistas, com a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT),
que previa uma jornada de trabalho de no máximo 48 horas semanais, a instauração
de férias remuneradas e a ideia central de carteira assinada, e mais tarde resultou
em salário mínimo e aposentadoria por comprovação de vínculo empregatício.

Nesse período, o Brasil vislumbra os direitos dos trabalhadores, enquanto


o mundo se horrorizava com a 2ª Guerra Mundial (1939-1945), que resultou na
estagnação econômica e ocasionou uma grande crise, principalmente nos países
menos desenvolvidos e nos países europeus.

Esse período nebuloso prejudicou o sistema previdenciário, o que fez com


que surgisse um novo modelo, denominado de Plano Beveridge, que substituiu o
modelo de seguro social.

Nesse sentido, Boschett (2013) nos apresenta os ideais do Plano Beveridge,


sendo esse opositor à lógica de seguro social, sustentando que todos deveriam ter
direito, independentemente de prévia contribuição. Essa nova nomenclatura de
“seguridade social” relacionada à previdência social não foi adotada no Brasil,
que ainda trabalhava com a ideia de seguro social restrito aos trabalhadores
vinculados aos Institutos de Aposentadoria e Pensões – IAPs.

O Brasil, num primeiro momento, trabalhou com a lógica de ações


fragmentadas, requisitadas pelos movimentos dos trabalhadores e pela
coletividade, que na sua maioria não tinham nenhum tipo de cobertura.

77
UNIDADE 2 | O CONTEXTO HISTÓRICO E SOCIAL DA POLÍTICA DE SAÚDE NO BRASIL COM ENFOQUE NO MODELO DE
SEGURO SOCIAL

Essas ações fragmentadas podem ser identificadas em institutos:


 
• Em 1940 foi criado o Serviço de Alimentação da Previdência Social (SAPS).
• Em 1941 foi instituído o abono da Legião Brasileira de Assistência (LBA).
• Em 1942 foi organizado o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI).
• Em 1946 surgiu o Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (SENAC).
• Em 1946 foi criado o Serviço Social da Indústria (SESI).
• Em 1946 foi criado o Serviço Social do Comércio (SESC).

Quando se fala na constituição de serviços fragmentados, fala-se


na conquista de direitos, pois esses direitos surgem a partir da pressão dos
movimentos sociais, pois eram potencializados pelos conflitos de classe, entre
os que tinham algum tipo de cobertura (trabalhadores regulares) e os sem tipo
algum de cobertura.

Conforme Souza (2013, p. 6): “Essa situação mudou em 1960, quando foi
aprovada a Lei Orgânica de Previdência Social, porém só teve mudanças efetivas
em 1966, quando foi criado o Instituto Nacional de Previdência Social – INPS e o
Fundo de Garantia por Tempo de Serviço – FGTS”.

Outro marco desse período é a unificação de todas as Caixas de Pensões


e os IAPs, em que os trabalhadores rurais também foram incluídos, bem como os
autônomos e os empregados domésticos, mesmo sem tipo de contribuição.

O novo governo representou a era desenvolvimentista e o presidente


Juscelino Kubitschek incentivou o crescimento urbano e industrial.
Consequentemente, as demandas sociais passaram a ser observadas, porém
pouco se fez pela causa nesse período.

Com o objetivo de aceleração e desenvolvimento da economia, surgiu o


Plano de Metas, que de certa forma organizou as maiores cidades, o que resultou
na migração e no êxodo rural, fazendo com que situações sociais aflorassem,
devido à falta de planejamento que provocou um crescimento populacional
desordenado, má distribuição de renda, a dificuldade da estrutura sanitária e
organizacional dos setores urbanos e o esvaziamento das áreas rurais. Essas
questões estavam intrínsecas à lógica que antecedeu o regime militar.

A reivindicação popular dos movimentos sociais passa a ser marginalizada


e punida com ações violentas e opressoras, porém estas não foram suficientes
para impedir as condutas populares. “O Estado cumpria então a obrigação de
se estruturar minimamente para atender às demandas crescentes da população”
(SOUZA, 2013, p. 7).

A separação da política de saúde e a criação de um Ministério da


Previdência e Assistência Social próprio ocorreu em 1974, que em suas ações
mais importantes criou, em 1979, o Sistema Nacional de Previdência e Assistência
Social (Sinpas), que incorporou o INPS, o INAMPS (recém-criado para dar conta

78
TÓPICO 1 | O CONTEXTO DA SEGURIDADE SOCIAL EM PARALELO À POLÍTICA DE SAÚDE

da assistência médica, retirando-a do INPS), bem como medidas como o benefício


previdenciário, Renda Mensal Vitalícia (RMV), que contemplava os trabalhadores
maiores de 70 anos que tivessem ao menos trabalhado por 12 meses.

Acontece a unificação do INPS e do INAMPS em Sistema Nacional


de Previdência e Assistência Social, que se subdivide em duas autarquias: o
Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social (INAMPS), para
a prestação da assistência médica, e o Instituto de Administração Financeira da
Previdência e Assistência Social (IAPAS), cabendo-lhe a atividade financeira do
sistema, integrado pelas demais entidades: Instituto Nacional de Previdência
Social (INPS), Legião Brasileira de Assistência (LBA), Fundação Nacional do
Bem-Estar do Menor (FUNABEM); Empresa de Processamento de Dados da
Previdência (DATAPREV); Fundação Abrigo Cristo Redentor (FACR) e Central
de Medicamentos (CEME) como órgão autônomo.

Todos esses acontecimentos de unificação e planejamento em torno do


sistema previdenciário davam a impressão, ou seja, passava uma imagem de um
Estado em que o social era o que mais importava, e ver a população servida e
atendida com qualidade e mostrando o comprometimento com o social.

FIGURA 22 – COMPRENDENDO OS INSTITUTOS DE PREVIDÊNCIA SOCIAL

Sistema Nacional
de Previdência e
Assistência Social

INAMPS IAPAS

Instituto Nacional de Previdência Social (INPS)


Legião Brasileira de Assistência (LBA)
Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor
(FUNABEM)
Empresa de Processamento de Dados da Previdência
(DATAPREV)
Fundação Abrigo Cristo Redentor (FACR)
Central de Medicamentos (CEME) como órgão
autônomo
FONTE: Adaptado de Bravo (2010, p. 36)

79
UNIDADE 2 | O CONTEXTO HISTÓRICO E SOCIAL DA POLÍTICA DE SAÚDE NO BRASIL COM ENFOQUE NO MODELO DE
SEGURO SOCIAL

O desenvolvimento do Sistema Nacional de Previdência e Assistência


Social mostra a preocupação do governo e das políticas públicas com o bem-estar
do cidadão. Na visão de Souza (2013, p. 7), “esses acontecimentos pareciam dar
uma imagem de um Estado [...] preocupado com o lado social do que propriamente
qualquer outro setor estatal”.

A visão do governo, na época, era focada no desenvolvimento econômico


do país, com a lógica de produção e consumo incentivada pela indústria
emergente, demonstrando uma lógica de governo e produção capitalista e não
como uma preocupação com o cidadão, porém houve avanços, mesmo sendo
uma lógica inversa.

Outro marco na economia do país que precisa ser considerado é a crise


internacional do petróleo, que ocorreu em um primeiro momento em 1974 e se
estendeu até 1979, quando o país estava sob o comando do general Garrastazu Médici.

Esse presidente utilizou as reservas e poderia ter se sobressaído, pois as


reservas internas foram utilizadas de forma intensa, devido ao desenvolvimento
automobilístico, porém isso enfraqueceu o país, que teve que iniciar a importação
de petróleo. A saída para manter o desenvolvimento nesse período foi aumentar
os impostos e as taxas e, desta forma, manter o poder financeiro do Estado,
encarecendo a vida dos brasileiros.

Esse processo ditatorial fortaleceu os movimentos sociais, que buscavam,


através da coletividade, a conquista de direitos, que aconteceu após batalhas,
manifestações públicas e paralisações em massa, que refletiram em ações coletivas,
como a instituição do Sistema Único de Saúde em 1978, e em 1979 a Lei de Anistia
a presos, exilados e perseguidos políticos durante a ditadura.

A era dos direitos é marcada pelo cerceamento e pelo autoritarismo,


quando as pessoas faziam apenas o que lhes era permitido politicamente. No
final da ditadura militar, o país vivenciava uma recessão com altos índices
inflacionários. O presidente da época, João Figueiredo (1979-1985), buscou uma
reconstrução impulsionada pela articulação ,com os movimentos sociais.

O movimento social de maior repercussão, nesse período, foi o das Diretas


Já, quando a sociedade civil se uniu em busca de eleições diretas para os cargos
políticos, dando assim maior legitimidade ao processo de redemocratização.

O movimento das Diretas Já, ocorrido em 1984, representou a união de


alguns partidos políticos. Este movimento era a favor das mudanças a partir
da mobilização popular, apoiava a emenda que retomaria as eleições para
presidente da República no país. Esta emenda era de autoria do deputado
Dante de Oliveira.

80
TÓPICO 1 | O CONTEXTO DA SEGURIDADE SOCIAL EM PARALELO À POLÍTICA DE SAÚDE

FIGURA 23 – MOVIMENTO DIRETAS JÁ

FONTE: Disponivel em: <http://www.ocafezinho.com/2017/05/17/


movimentos-sociais-ja-estao-nas-ruas-pedindo-diretas-ja/>. Acesso em: 3
jul. 2017.

Com o fim da ditadura militar em 1985, é eleito Tancredo Neves para


a Presidência, tendo como seu vice José Sarney, que por necessidade acabou
assumindo a Presidência após a morte do então presidente eleito. Neste período
é convocada a Assembleia Nacional Constituinte e eleições diretas para todos os
níveis de poder. Em 1988 foi aprovada uma nova Constituição Federal.

O movimento da política de saúde e previdência é intrínseco, sendo que


a saúde se tornou precursora da política de previdência social. A conquista de
direitos trabalhistas e a cobertura em saúde foram as principais conquistas da
previdência social.

FIGURA 24 – RELAÇÃO SAÚDE / PREVIDÊNCIA

1943 IAPs

1960 - 70 CRP NRP

1980 INAMPS INPS

ASSISTÊNCIA
CF/88 SAÚDE PREVIDÊNCIA – SOCIAL

LOS/90 SUS Reabilitação física

INSS Reabilitação profissional

FONTE: Disponível em: <http://slideplayer.com.br/slide/372331/>. Acesso em: 21 jun.


2017.

81
UNIDADE 2 | O CONTEXTO HISTÓRICO E SOCIAL DA POLÍTICA DE SAÚDE NO BRASIL COM ENFOQUE NO MODELO DE
SEGURO SOCIAL

Esse ciclo de desenvolvimento entre a política de saúde e a previdência


perpassa uma era de negação total de qualquer direito social para a conquista
gradual, onde os cidadãos passam a ser assegurados, por uma necessidade
de mercado, o que subsequentemente resultou na cobertura, primeiro aos
trabalhadores formais, e depois houve essa extensão aos demais cidadãos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O cenário nacional das políticas públicas de seguridade social perpassa


por várias mudanças e nelas a própria forma de seguro social vem acompanhando
essa evolução, pois os movimentos sociais foram de suma importância para a
conquista de novos direitos.

Ao final deste tópico é importante ter claro que o seguro social surgiu no
Brasil em 1923, com a pressão dos operários das ferrovias, surgindo as CAPs,
em que cada empresa de estrada de ferro era obrigada a fazer uma caixa de
aposentadoria e pensão. Então, o sistema nasceu pulverizado e várias outras
categorias criaram as suas.

Posteriormente, esse modelo das caixas foi substituído por Getúlio


Vargas pelos Institutos de Aposentadorias e Pensões (IAPs) em nível nacional,
por autarquias, mas em 1966, durante a ditadura, esse modelo mudou, fundindo
todas as autarquias no Instituto Nacional de Previdência Social (INPS),
inaugurando o sistema previdenciário no Brasil.

Em 1988 tivemos a nova Constituição Federal, que incluía os direitos


sociais, e em 1995 surgiu o INSS – Instituto Nacional de Seguridade Social. Na
questão legislativa do Brasil, seguridade social é sinônimo de previdência social,
pois possui as mesmas características presentes nesse modelo de seguro social.

LEITURA COMPLEMENTAR

PREVIDÊNCIA DO TRABALHADOR: UMA TRAJETÓRIA INESPERADA

Na mesma linha que segue a discussão, apresentamos o texto da autora


Mariana Batich, com o objetivo de ampliar seus conhecimentos em relação à
previdência e sua trajetória no contexto brasileiro, administrada pelo INSS, e
os motivos que influenciaram sua evolução até a promulgação da Constituição.
Destaca também a influência dos contextos internacional e nacional, político e
econômico do período pós-Constituinte sobre as possibilidades da aplicação dos
princípios de proteção social, estabelecidos em 1988.

Os sistemas previdenciários podem diferir de uma sociedade para


outra, pois fatores de ordem política, econômica, social e cultural interferem
na história de sua formação e desenvolvimento, mas em todas possuem uma
função comum: assistir com recursos financeiros a população adulta quando

82
TÓPICO 1 | O CONTEXTO DA SEGURIDADE SOCIAL EM PARALELO À POLÍTICA DE SAÚDE

afastada do mercado de trabalho, por motivos alheios à sua vontade, como


doença, invalidez e idade avançada.

No Brasil, o seguro social, que protege a maior parte da população


inserida no mercado de trabalho do setor privado, é administrado pelo Estado,
todavia, surgiu graças à iniciativa dos trabalhadores. Nas primeiras décadas do
século XX, empregados de uma mesma empresa, sem a participação do poder
público, instituíam fundos de auxílio mútuo, nos quais também o empregador
colaborava, de forma a garantirem meios de subsistência quando não fosse
possível se manterem no trabalho por motivos de doença ou velhice.

A assunção do Estado na gerência do sistema previdenciário brasileiro foi


lenta e gradual. O primeiro ato governamental de intervenção nesta área ocorreu em
1923, com a promulgação da Lei Eloy Chaves, determinando a criação de uma Caixa
de Aposentadorias e Pensões – CAP, para os trabalhadores de ferrovias. Entretanto,
eram sociedades civis em que a ingerência do setor público era mínima, cabendo
sua administração a um colegiado composto de empregados e empregadores.

As CAPs expandiram-se para outras categorias funcionais assalariadas,


chegando a ser instaladas cerca de 180 caixas de aposentadorias no Brasil. A
ordem de criação deste tipo de instituição previdenciária sempre foi determinada
pela capacidade de mobilização e reivindicação dos trabalhadores por melhores
condições de trabalho. Assim, o fato de os trabalhadores de ferrovias terem
inaugurado o sistema deve-se menos à importância, para a economia nacional,
das atividades que desenvolviam, baseadas na exportação de produtos
primários, do que à sua capacidade de mobilização para reivindicações de
natureza trabalhista. Por este motivo, a previdência para o trabalhador rural
não era cogitada, embora fosse elemento fundamental na produção do café,
principal produto de exportação do país.

Com as transformações econômicas da década de 30 e a crise no


mercado internacional do setor de exportação cafeeira, toma corpo um processo
de crescimento industrial intenso, em que é marcante a presença das classes
assalariadas urbanas reivindicando melhores condições de vida, o que levou
o Estado a iniciar um processo de interferência nas relações trabalhistas, de
forma a conciliar conflitos entre capital e trabalho. Nesse contexto, o poder
público expandiu sua interferência como responsável pela proteção social dos
trabalhadores, determinando que as CAPs, baseadas em vínculos de trabalhadores
por empresa, fossem substituídas por outro tipo de instituição, aglutinando
categorias profissionais e abrangendo todo o território nacional.

A administração previdenciária deixou de ser então de responsabilidade


de cada CAP, passando para a alçada do Estado, que instituiu, pela primeira
vez na história do seu orçamento de custeio,1  os recursos necessários para
desempenhar as novas tarefas, tornando necessária e legítima sua intervenção
sobre os mecanismos de arrecadação e gestão das entidades previdenciárias.

83
UNIDADE 2 | O CONTEXTO HISTÓRICO E SOCIAL DA POLÍTICA DE SAÚDE NO BRASIL COM ENFOQUE NO MODELO DE
SEGURO SOCIAL

A primeira instituição desse tipo, o Instituto de Aposentadorias e Pensões


dos Marítimos - IAPM, surgiu em 1933 e destinava-se a agregar as CAPs dos
marítimos. Ao longo da década foram criados outros institutos, para as categorias
dos comerciários (1934), bancários (1935), industriários (1938) e os empregados
em transportes e cargas (1938).

Os tipos e valores dos benefícios previdenciários dos IAPs não eram


uniformes. Cada categoria de atividade os estabelecia livremente e eram
dependentes do percentual de contribuição que os participantes pagavam ao
instituto durante sua vida ativa. As categorias com salários mais elevados tinham
mais recursos para as provisões previdenciárias e incluíam até serviços de
assistência médica. E tal como acontecia com as CAPs, os participantes dos IAPs
conduziam-se pautados por laços de solidariedade, uma vez que as contribuições
dos trabalhadores da ativa eram utilizadas para a cobertura de quem se afastava
do trabalho por doença ou velhice, porém, agora, além de contarem com a
contribuição dos empregadores, passavam a ser financiados também pelo Estado,
que cuidaria principalmente das despesas com a administração. Entretanto, como
se verá adiante, os recursos dos IAPs eram capitalizados pelo governo.

Os recursos dos IAPs não eram poucos, porque tratavam-se de instituições


previdenciárias jovens, inseridas numa sociedade em que era recente a utilização
da mão de obra operária em larga escala e crescente a arregimentação de novos
trabalhadores, graças ao crescimento do parque industrial. Nestas condições,
poucos trabalhadores haviam atingido o direito de se aposentarem, o que
permitia que a receita dessas instituições fosse superior às despesas. O montante
das reservas financeiras, para se ter uma ideia, entre 1930 e 1949, representava em
média 67% da arrecadação, pois os gastos com benefícios atingiam 43%, segundo
Andrade (2003).

Os recursos não utilizados pelos IAPs foram largamente utilizados pelo


governo, para aplicação em investimentos diretos em vários setores da economia,
beneficiando os empreendimentos industriais com tamanha amplitude que,
segundo Eli Gurgel Andrade (2003), transformaram "a Previdência no principal
'sócio' do Estado no financiamento do processo de industrialização do país".

Esta afirmação não é gratuita. Vários decretos governamentais impuseram


aos IAPs a subscrição de ações preferenciais de empresas, como a Companhia
Siderúrgica Nacional (CSN), a Companhia Hidroelétrica do São Francisco
(CHESF), a Companhia Nacional de Álcalis (CNA) e a Fábrica Nacional de
Motores (FNM). O decreto de criação do Banco Nacional de Desenvolvimento
Econômico (DL 1.628/52), em seu artigo 7º, obrigava as instituições previdenciárias
a concederem empréstimos em montantes fixados pelo Ministério da Fazenda.

As instituições previdenciárias dos assalariados, por um lado, atendiam


aos interesses dos trabalhadores, dando-lhes garantias de recursos para a
subsistência no momento em que eram obrigados a se afastarem do trabalho, e,
por outro, respondiam também aos interesses do empresariado, quer atendendo

84
TÓPICO 1 | O CONTEXTO DA SEGURIDADE SOCIAL EM PARALELO À POLÍTICA DE SAÚDE

uma reivindicação dos empregados, tornando a situação assalariada atraente e


mais tranquila, quer pela obtenção de poupança destinada a investimentos em
setores fundamentais para implementação do processo industrial.

Em 1960, depois de 14 anos de discussão, o Congresso Nacional


promulgou a Lei Orgânica da Previdência Social – Lops, instituindo um sistema
previdenciário único para todos os trabalhadores do setor privado, por meio
da unificação da legislação que regia os IAPs e da eliminação das disparidades
quanto ao valor e tipos de benefícios existentes entre eles. Isto ocorreu, saliente-se,
mesmo a despeito da resistência de certas categorias profissionais, que sofreram
diminuição na quantidade e no valor dos benefícios previdenciários.

Em 1966, consolidou-se a unificação do sistema previdenciário, com a


criação do Instituto Nacional de Previdência Social – INPS, agregando todos os
IAPs e deixando definitivamente de existir diferenças entre os segurados do setor
privado da economia quanto à instituição previdenciária que os assistia. Deve-se
lembrar que, naquele ano, o país era dominado por uma ditadura militar, iniciada
em 1964, quando foram suprimidos os direitos políticos e civis dos cidadãos,
perdurando até 1985.

Nos anos 70 foram instituídos novos tipos de benefícios previdenciários,


como o salário-família e o salário-maternidade, e incluídas no sistema categorias
que antes não tinham nenhuma cobertura, como o jogador de futebol profissional,
os trabalhadores autônomos e temporários, a empregada doméstica e o
trabalhador rural. Quanto a este último, saliente-se que passou a ter direito de
receber o benefício do seguro social mesmo sem ter contribuído para o sistema,
quebrando-se assim o padrão vigente que garantia a cobertura previdenciária
somente para quem fosse contribuinte. Desta forma, a previdência tornou-se um
instrumento oficial de redistribuição de renda entre trabalhadores, uma vez que
todos os contribuintes urbanos deviam pagar essa nova despesa.

Na década de 70 foi criado, ainda, um benefício de natureza assistencial, à


custa dos recursos da previdência, pois, para recebê-lo, não havia a necessidade de
ter contribuído para a manutenção do sistema, mas sim ter idade superior a 70 anos
ou ser inválido, desde que fosse comprovado que o solicitante não tinha recursos
para sua subsistência. Além disso, a previdência assumiu a responsabilidade pela
prestação da assistência médica, primeiro para os trabalhadores contribuintes do
INPS e depois para os trabalhadores não contribuintes em casos de urgência,
utilizando largamente a rede privada.

A ampliação inusitada do sistema de proteção social por parte do


Estado ditatorial ocorreu para aliviar tensões presentes na sociedade brasileira,
algumas das quais eram provenientes do período anterior ao golpe militar e
que este havia contido, como os conflitos no campo, enquanto outras decorriam
da política econômica adotada, que privilegiava o crescimento econômico em
detrimento do desenvolvimento social, exigindo alguma atenção paliativa por
parte do governo militar que impedia qualquer tipo de reivindicação trabalhista

85
UNIDADE 2 | O CONTEXTO HISTÓRICO E SOCIAL DA POLÍTICA DE SAÚDE NO BRASIL COM ENFOQUE NO MODELO DE
SEGURO SOCIAL

ou popular. Entretanto, deve-se lembrar que as medidas de expansão da proteção


social, citadas anteriormente, também foram facilitadas pelo crescimento da
economia nacional no período, favorecida pelo bom desempenho do comércio
mundial e dos fluxos financeiros internacionais que se dirigiam ao país, por meio de
empréstimos com juros atraentes, largamente utilizados em investimentos diretos.

Os recursos previdenciários, que na primeira metade do século XX já haviam


sido largamente utilizados em investimentos que favoreciam o empresariado
industrial brasileiro, durante a ditadura também serviram para alimentar o ideal
de construção de um "Brasil grande". Assim, a previdência financiou a construção
da Usina Hidrelétrica de Itaipu, a Ponte Rio-Niterói, a Transamazônica e usinas
nucleares de Angra dos Reis. Estes empreendimentos, somados aos recursos da
previdência que foram utilizados inclusive para a construção de Brasília, segundo
cálculos da professora da UFMG, Eli Gurgel, equivaliam a 69,7% do PIB, em 1997
(UNAFISCO -SINDICAL, 2003). E, como ocorreu com os recursos utilizados no
início do século para propiciar a industrialização do país, o dinheiro utilizado
nunca voltou para os cofres da previdência.

Entretanto, foi na década de 70, quando o Brasil ocupava o 8º lugar entre


as economias capitalistas do mundo e se propalava sobre o "milagre brasileiro",
que os recursos previdenciários começaram a sofrer reduções, quer porque o
sistema tinha alcançado níveis de maturidade que elevavam as despesas com
aposentados, quer porque o volume de gastos com a assistência médica por meio
de redes privadas era muito alto, a ponto de se permitir que fossem estruturados
no país grandes complexos de serviços médicos particulares.

A expansão do campo da proteção social tornou necessária a existência


de um órgão específico para administrá-la. A área da previdência, que desde o
período das CAPs estava ligada ao Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio,
passou então a ser organizada de forma independente. Assim, em 1974 foi criado
o Ministério da Previdência e Assistência Social. Em 1977, a fim de diminuir gastos
e racionalizar a administração das várias instituições sob sua responsabilidade,
foi organizado o Sistema Nacional de Previdência e Assistência – Sinpas, que,
entre outras medidas, restringiu as atribuições do INPS à gerência do sistema de
benefícios previdenciários e criou o Instituto Nacional de Assistência Médica –
Inamps, para cuidar exclusivamente dos assuntos relativos à assistência médica.

O estabelecimento de diretrizes mais amplas para a proteção social, na


sociedade brasileira, ocorreu na década de 80, graças ao término do regime
ditatorial em 1984, tornando possível a abertura do Congresso Nacional e a
elaboração de nova Constituição para o país, em 1988, pautada por princípios
de cidadania segundo os quais todo cidadão tem garantidos os direitos de bem-
estar social e segurança, independentemente de qualquer mérito. Assim, por
determinação constitucional, a assistência social, pela primeira vez na história,
passou a ser reconhecida como um direito da cidadania e os serviços de saúde,
que antes se destinavam especialmente a quem estivesse no mercado formal de
trabalho, foram estendidos para toda a população. Na área da previdência, os

86
TÓPICO 1 | O CONTEXTO DA SEGURIDADE SOCIAL EM PARALELO À POLÍTICA DE SAÚDE

trabalhadores rurais passaram a ter o mesmo tratamento concedido aos urbanos,


independentemente de terem contribuído para o sistema, estabelecendo-se ainda
o salário mínimo como piso dos benefícios previdenciário e assistencial.

Os constituintes consideravam a previdência, ao lado da saúde e


assistência, um conjunto integrado, e colocaram as três áreas em um mesmo
capítulo da Carta Magna, denominado Da Seguridade Social. E ainda, para
garantirem a execução do aparato de proteção social instituído, estabeleceram
nos dispositivos constitucionais os recursos do orçamento, que em conjunto
deveriam financiar a seguridade social, a saber: as contribuições de empregados
e empregadores; o faturamento e o lucro líquido das empresas; e a receita de
concursos e prognósticos. Destaca-se, porém, que o artigo 195 da Constituição,
que estabelece estes recursos orçamentários para a seguridade social, determina
ainda que "ela será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta,
nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos
Estados, do Distrito Federal e dos Municípios".

 A FASE PÓS-CONSTITUINTE

As forças democráticas presentes na elaboração da Constituição, seguindo


os princípios da Declaração dos Direitos do Homem, elaborada em 1948 pela
Organização das Nações Unidas, e os modelos de Estados de Bem-Estar Social,
construídos após a Segunda Guerra Mundial nos países desenvolvidos, procuraram
assegurar ao povo brasileiro uma gama de direitos sociais respeitados em outras
sociedades construídas nos moldes das economias de mercado, tal como a brasileira.

Quanto à proteção social, os constituintes tinham concordado que ela


deveria abranger as áreas da previdência, saúde e assistência social, definindo no
capítulo da Seguridade Social não só os princípios que deveriam pautar as ações a
serem desenvolvidas pela sociedade brasileira sobre esses aspectos, mas também
os recursos financeiros a serem utilizados, de forma a garantir que estivessem
a salvo de restrições de possíveis opositores à sua aplicação e que também não
fossem afetados por variações cíclicas da economia.

No período pós-Constituinte, entretanto, surgiram inúmeros obstáculos


para aplicação dos pilares econômicos destinados à Seguridade Social, muitos
dos quais originados fora de suas fronteiras. Ventos soprados da Inglaterra e
Estados Unidos, originados, respectivamente, nos governos de Margaret Thatcher
e Ronald Reagan, desde o início de 1980, chegaram ao Brasil, apregoando os
benefícios dos princípios neoliberais. Os cânones desta ideologia apregoavam a
globalização da economia, gerando um mercado único, com a queda de barreiras
comerciais entre nações, a redução geral de tarifas e permissão de livre acesso
de bens e serviços, a privatização do setor público e a redução da presença do
Estado em todos os setores. Na área social, as interferências governamentais
caberiam somente sobre as populações de mais baixa renda, utilizando-se o
termo focalização para expressar a direção a ser seguida nessa área, excluindo-se,
portanto, medidas de proteção social de caráter universal.

87
UNIDADE 2 | O CONTEXTO HISTÓRICO E SOCIAL DA POLÍTICA DE SAÚDE NO BRASIL COM ENFOQUE NO MODELO DE
SEGURO SOCIAL

A propagação da filosofia sintetizada na frase do presidente Reagan "o


Estado não é a solução, é o problema" foi reforçada por mudanças na correlação
de forças sociais no plano internacional, iniciadas com a queda do muro de Berlim,
em 9 de novembro de 1989, e o colapso do sistema comunista do Leste Europeu,
em 1991, consagrando os Estados Unidos como nação hegemônica e, portanto, os
princípios do figurino neoliberal propiciadores de novos meios para o processo
de acumulação e concentração capitalista.

Em 1990, depois de praticamente 30 anos sem eleições diretas, foi eleito,


para a Presidência da República do Brasil, Fernando Collor de Mello, representante
das forças conservadoras do país, que, apesar de ter sido deposto após um ano
e nove meses de mandato, implantou o ideário neoliberal na política econômica
brasileira. Assim, foram quebradas as barreiras que protegiam o mercado nacional
contra a concorrência estrangeira, tal como havia ocorrido em outros países da
América Latina, acreditando-se que assim seria possível promover a superação de
problemas nacionais gerados pela presença de altas taxas de inflação, estagnação
econômica e aumento do desemprego, presentes na sociedade brasileira durante
os anos 80, a chamada década perdida.

A internacionalização da economia brasileira pode ter trazido algumas


vantagens para os consumidores, que puderam contar com produtos de melhor
qualidade e preços mais baixos que os nacionais, porém, provocou crise em vários
setores da indústria nacional, que, se não fecharam, tiveram que passar por um
processo de profunda reestruturação industrial, o que acarretou grande redução
de postos de trabalho, agravando ainda mais o problema do desemprego, que
já era grave no país desde os anos 80, quer por motivos econômicos, quer pela
introdução de inovações tecnológicas, que substituem homens por máquinas.

Todos estes componentes de ordem política e econômica afetaram


sobremaneira a previdência, caso se considere que ela deva contar somente com
os recursos provenientes das contribuições de empregados, calculadas sobre o
salário, e dos empregadores, que incidem sobre o total da folha de salários. Tome-
se como exemplo o decréscimo de 4,5% do valor da receita real das contribuições
previdenciárias entre 1996 (R$ 72,04 bilhões) e 2002 (R$ 68,84 bilhões), enquanto
as despesas com benefícios, no período, aumentaram 24%.

Assim, enquanto reduziam-se os postos de trabalho, como consequência


da conjuntura econômica e das contribuições previdenciárias, o número de
benefícios previdenciários aumentava sobremaneira. Entre 1988 e 2000, para se
ter uma ideia, todas as espécies de benefícios previdenciários em manutenção,
excluindo-se as aposentadorias, aumentaram 66%, passando de 5.585.817 para
8.461.016. Considerando-se um único tipo de benefício, o da aposentadoria – o
mais numeroso e de maior peso no orçamento da previdência – entre aqueles dois
anos, o aumento foi da ordem de 87%, passando de 6.100.746 para 11.413.959.

88
TÓPICO 1 | O CONTEXTO DA SEGURIDADE SOCIAL EM PARALELO À POLÍTICA DE SAÚDE

O aumento do número de pessoas que entram para a aposentadoria deve-


se, em parte, à trajetória dos sistemas previdenciários. Isto porque, nos primeiros
anos de sua existência, o número de contribuintes é crescente e são poucos os
segurados que atendem aos requisitos para se aposentarem, a não ser alguns por
invalidez ou doença, como aconteceu nos primeiros tempos das CAPs e dos IAPs.
Na maturidade do sistema, ao contrário, é grande o número dos que atingiram as
condições para requerer o direito da aposentadoria por idade ou tempo de serviço.
Assim, o crescimento do número de aposentados entre 1988 e 2000 deve-se ao nível
de maturidade do sistema previdenciário brasileiro, pois a população que entrou
no mercado de trabalho entre 1950 e 1960 – período de expansão da economia
brasileira – já podia responder à exigência legal para se afastar de suas atividades.

Outro fator responsável pelo aumento das aposentadorias no período


pós-Constituinte refere-se ao fato de terem sido colocados em discussão no
Congresso Nacional, logo no início dos anos 90, projetos de lei visando a reforma
da previdência, que foram largamente noticiados pelos meios de comunicação
de massa. Diante do perigo de verem alteradas as regras estabelecidas para a
obtenção da aposentadoria, foi grande o número de pessoas que procurou obter
este benefício, pois já tinha tempo de serviço necessário para se aposentar.

A redução das contribuições previdenciárias, provocada por elevadas taxas


de desemprego, ao lado do aumento do número de aposentados, agravou a relação
entre contribuintes e segurados da previdência, uma vez que aqueles constituem uma
das principais fontes de recursos destinados ao pagamento dos benefícios. Segundo
estudo do Ministério da Previdência Social, na década de 50, oito contribuintes
financiavam um aposentado. Na de 70, essa relação era de 4,2 para um e, nos anos 90,
baixou para 2,3 pessoas trabalhando para um aposentado (BRASIL, 1997).

Além dos problemas derivados da conjuntura interna, o Brasil pós-


Constituinte, devido ao cenário político internacional, defrontou-se com
imposições de organismos internacionais, dominados pela nação hegemônica
(Fundo Monetário Internacional – FMI, Banco Mundial e Organização Mundial
do Comércio – OMC), no sentido de aplicar medidas de política econômica,
visando o ajuste fiscal, e de tal forma que as despesas não superassem as receitas,
obtendo-se assim um superávit que permitisse ao país cumprir o compromisso
de pagar dívidas assumidas pelo governo brasileiro no exterior, inclusive em
períodos anteriores à Assembleia Constituinte, como condição para a obtenção de
novos créditos, quando o país precisasse. A estas medidas somavam-se pressões
externas agravadas pelas internas, em favor da estabilidade da moeda, a fim de
evitar o descontrole da economia causado por altas taxas de inflação, durante os
anos de 80, e só estancado em 1994, graças ao Plano Real.

Se as determinações constitucionais fossem obedecidas, os recursos


destinados à Seguridade Social, em 2001, seriam da ordem de R$ 137,52 bilhões e a
despesa, R$ 105,41 bilhões, restando um saldo de R$ 32,11 bilhões. Considerando-
se somente as receitas previdenciárias líquidas, advindas das contribuições

89
UNIDADE 2 | O CONTEXTO HISTÓRICO E SOCIAL DA POLÍTICA DE SAÚDE NO BRASIL COM ENFOQUE NO MODELO DE
SEGURO SOCIAL

obrigatórias (R$ 62,49 bilhões)  versus  o total de pagamento de benefícios


(R$ 78,70), a previdência, entretanto, passa a apresentar um déficit da ordem de
R$ 16,21 bilhões (MARQUES et al., 2002), pois os recursos da Seguridade Social
são utilizados pelo governo para cobrir outros tipos de compromissos, como o de
gerar superávit no critério das contas primárias no orçamento federal (receitas
menos as despesas, desconsiderando os juros) para atender exigências do FMI.

Entretanto, ao tratar da previdência, afora as variáveis de natureza


sociopolítica e econômica, é preciso observar que ela também sofre influências
derivadas das transformações em curso na estrutura demográfica do país. Uma
delas refere-se ao aumento da expectativa de vida da população, reflexo do
desenvolvimento técnico-científico que atinge todos os povos, independentemente
do seu grau de desenvolvimento, permitindo o prolongamento, cada vez maior,
do número de anos de vida da população adulta. A outra refere-se à queda
da taxa de crescimento da população, provocada pela diminuição da taxa de
fecundidade, devido às transformações econômicas e sociais do mundo moderno
e ao avanço de métodos contraceptivos. Assim, os estudos demográficos mostram
que a composição da estrutura etária da população mudará substancialmente.
No lugar de predominarem os jovens (idades inferiores a 15 anos), passará a se
destacar, de maneira crescente, a população em idade ativa (15 a 64 anos) e será
cada vez maior a participação dos idosos na população total.

Ilustram esse comportamento demográfico os resultados dos dois últimos


censos. Em 1991, a taxa de crescimento anual da população brasileira era de 1,9%
e, em 2000, passou para 1,6%. O segmento de crianças de 0 a 14 anos no total da
população diminuiu de 34,73%, em 1991, para 29,60%, em 2000, e o grupo com mais
de 65 anos aumentou de 4,83% para 5,85%, no mesmo período (IBGE, 1994; 2001).

 CONSIDERAÇÕES FINAIS

No período pós-Constituinte, o Estado, por meio do poder que lhe confere


a lei, tem criado vários expedientes legais que lhe permitem utilizar o superávit
da Seguridade Social para fins diversos daqueles para os quais legisladores de
um período recente da nossa história haviam destinado.

Assim, enquanto o número de contribuintes não crescer – porque a economia


não cresce e, consequentemente, o mercado de trabalho não tem vagas suficientes
para oferecer à população que procura emprego –, a previdência apresentará
déficits. É preciso, entretanto, lembrar a história desse sistema de proteção
social do trabalhador. Foi por determinação do Estado que o gerenciamento do
seguro social passou para suas mãos, pois era extremamente vantajoso, para ele,
poder dispor dos enormes recursos financeiros que apresentava. Assim, como a
previdência passou a fazer parte do orçamento do Estado, no momento em que
esta apresenta déficit, seja quem for o governante, ele é obrigado a lhe repassar
recursos para cobri-lo. Neste momento, então, o governo afirma que é preciso
alterar as regras estabelecidas. Como? Propondo reformar a previdência.

90
TÓPICO 1 | O CONTEXTO DA SEGURIDADE SOCIAL EM PARALELO À POLÍTICA DE SAÚDE

As primeiras propostas de reformar a previdência foram elaboradas em


1990, no Executivo, sob o comando do presidente Fernando Collor, antes mesmo
de estar concluído o processo de regulamentação dos preceitos constitucionais
visando sua regulamentação (COELHO; SCHATTAN, 1999).

Em 1992, mal haviam sido promulgadas as Leis nos  8.212 e 8.213, de


dezembro de 1991, regulamentando, respectivamente, o custeio e os benefícios
previdenciários, de modo a permitir a operacionalização das determinações
constitucionais, formou-se no Congresso Nacional uma comissão especial para
estudo do sistema previdenciário. Em 1995, o Executivo, agora sob o comando de
Fernando Henrique Cardoso, apresentou proposta de emenda Constitucional, a
fim de modificar os preceitos que impediam a reforma da previdência.

Em 1998, depois de um longo processo de tramitação no Congresso


Nacional, foi obtido acordo para a aprovação da proposta de alteração da
Constituição, a Emenda Constitucional nº 20, que permite a elaboração de
leis possibilitando mudanças para atingir, especialmente, o benefício da
aposentadoria. O piso de um salário mínimo, para todos os benefícios, não sofreu
alteração. As modificações, certamente mais significativas, ocorreram com a
desvinculação do valor do teto com o salário mínimo, que os constituintes de
1988 haviam determinado, e as mudanças introduzidas na fórmula de cálculo do
valor da aposentadoria, que deixou de ser calculada pela média das contribuições
dos últimos 36 meses, passando a se considerar a média correspondente a 80%
de todo o período contributivo, e ainda a idade e a expectativa de vida de quem
a requisita, de forma a diminuir seu valor, dependendo da estimativa do número
de anos que o segurado irá sobreviver dentro do sistema de benefício.

É preciso salientar, ainda, que alterações dos benefícios da previdência do


trabalhador, que não dependiam de mudanças na Carta Magna, também foram
realizadas. Assim, entre 1994 e 1996, foram extintos alguns tipos de benefícios,
como o abono, o pecúlio, os auxílios natalidade e funeral e limitada a concessão
das aposentadorias especiais.

Enfim, o governo, utilizando os argumentos relacionados com o


desempenho das contas governamentais, a situação da economia e seus reflexos
sobre o mercado de trabalho e a evolução demográfica do país, tem conseguido,
senão destruir, pelo menos reduzir os propósitos de construção do sistema de
proteção social, que a Constituição de 88 havia estabelecido.

Mesmo com as modificações legais, o sistema de previdência dos


trabalhadores, administrado pelo Instituto Nacional do Seguro Social – INSS, que
desde 1990 substituiu o INPS, apesar de tudo continua a se estruturar segundo o
modelo construído pelos trabalhadores, isto é, baseia-se em laços de solidariedade
entre gerações. Assim, a população ocupada, que contribui para sua manutenção,
é a principal responsável pelos recursos destinados ao pagamento dos benefícios
atuais, e tem por isso garantido o direito de também utilizar o sistema quando for
se retirar do mercado de trabalho.

91
UNIDADE 2 | O CONTEXTO HISTÓRICO E SOCIAL DA POLÍTICA DE SAÚDE NO BRASIL COM ENFOQUE NO MODELO DE
SEGURO SOCIAL

O Estado Brasileiro, contudo, além de tornar a velhice do trabalhador mais


sofrida e pobre, continua a utilizar os recursos da sua previdência para outros
fins. Tal como já aconteceu em épocas passadas, o caixa da previdência serve para
financiar as atividades econômicas do país. Em maio de 2004, a dívida ativa de
empresas e bancos que não pagaram o que é legalmente devido ao INSS era da
ordem de R$ 78,7 bilhões (MPS, 2004). Desta importância, excluem-se as empresas
que estão questionando seus débitos na justiça e os devedores que estão pagando
em parcelas o que devem à previdência. Em fevereiro de 2004, o jornal Folha de
São Paulo noticiava em manchete que o conjunto de empresas em débito com a
previdência terá 8.900 séculos para quitar suas dívidas.

O artigo 88 da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991, determina a divulgação


da lista de devedores do INSS. Essa exigência foi cumprida, pela primeira vez, em
junho de 2003, permitindo que a sociedade tomasse conhecimento do tamanho da
prodigalidade do Estado brasileiro. Esta atitude seria uma indicação de mudança
de rumos em relação à previdência que assiste o trabalhador?

Não há respostas imediatas sobre o caminho que a previdência seguirá.


Entretanto, teme-se que as manifestações de Alan Greenspan, presidente do
Federal Reserve, o banco central dos Estados Unidos – diante do crescente déficit
público americano, recomendando ao Congresso norte-americano que corte os
gastos sociais do país, principalmente da previdência e da assistência médica,
como forma de evitar riscos para as atividades econômicas, caso tenham que
sofrer aumento de impostos –, constituam um norte para a política social de
outros países, como o Brasil.

FONTE: Disponível em: <www.scielo.br/scielo.php?script=sciarttex&pid=S0102-8839200400030


0004>. Acesso em: 19 set. 2017.

92
RESUMO DO TÓPICO 1
Neste tópico você estudou que:

• A seguridade social surge da necessidade das categorias profissionais, não em


relação à saúde das pessoas, mas das necessidades da manutenção do sistema
ferroviário e marítimo, para o escoamento da produção agrícola.

• O surgimento da assistência privada, sem a interferência do Estado, pois


a desigualdade neste período era tida como processo natural. Ou seja, as
necessidades eram supridas no contexto familiar de forma particular, sem a
intervenção e regulação do Estado.

• A primeira intervenção do Estado acontece na Europa, mais precisamente na


Inglaterra, com a promulgação da Lei dos Pobres em 1601, em que pontuava
ações sociais, vinculadas a preceitos religiosos.

• O Estado intervém na regulação dos necessitados, mas esta ação era apenas
para a saúde, que tinha princípio na dignidade humana. Somente com a
Declaração dos Direitos Humanos o Estado se responsabiliza em relação à
garantia da dignidade humana.

• A Europa inicia a ideia de seguro social em 1883, durante o processo da


Revolução Industrial, impulsionada pela migração da área rural em busca de
centros urbanos, as empresas se obrigaram a atender a alguma reivindicação.
Inicia-se o surgimento do seguro contra incapacidade, invalidez, acidentes.

• O Brasil passou por mão de obra indígena, escravocrata e imigrantes europeus


com o objetivo do desenvolvimento agrícola, do qual não se tinha ideia de
garantia social, apenas a necessidade da força de trabalho.

• A lógica do trabalho muda do modelo agrícola para o modelo industrial,


causando o êxodo rural, fortalece o chão das fábricas e o processo de
industrialização, onde a força de trabalho é trocada por salários. É o início da
lógica capitalista de acumulação.

• Com a conquista do mercado de trabalho surge a necessidade de proteção,


é quando são instituídas as Caixas de Aposentadorias e Pensões (CAPs), em
1923. O benefício foi dado apenas aos trabalhadores ligados diretamente aos
setores ferroviário e marítimo.

• As décadas de 1930 e 1940 representaram grandes conquistas, direitos


trabalhistas, Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).

93
AUTOATIVIDADE

1 Com a mudança de século, o cenário brasileiro vem sofrendo várias


transformações sociais, baseadas no avanço tecnológico, em que passam a
ser identificadas expressões da questão social ligadas à saúde, à educação,
à habitação etc. Outro fator que pode ser considerado nesse momento é a
ascensão do sexo feminino ao mercado de trabalho e a decadência da instituição
familiar, que assume nova remodelagem de estrutura e organização social.
Nesse sentido, disserte sobre a exclusão social.

2 O crescimento econômico capitalista e a exploração dos trabalhadores através


da obtenção crescente do lucro fazem parte do processo do alto índice de
desigualdade social. Até a década de 1930, o Estado brasileiro e a sociedade
civil não compreendiam a pobreza como expressão da questão social. Neste
contexto, a questão social era entendida de forma equivocada. Classifique V
para as sentenças verdadeiras e F para as falsas:

( ) A questão social era entendida como algo alheio ao Estado


( ) A questão social era tratada como um caso de polícia.
( ) A questão social era vista como demérito do indivíduo.
( ) A questão social era compreendida como disfunção individual.

Agora, assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:

( ) V – V – F – F.
( ) F – V – V – F.
( ) V – F – V – F.
( ) F – V – F – V.

94
UNIDADE 2 TÓPICO 2

O PROCESSO DE SAÚDE NA SEGUNDA METADE DO


SÉCULO XX

1 INTRODUÇÃO
O modelo de saúde assistencial privatista se tornou hegemônico na
segunda metade do século XX, alavancado pelo processo de industrialização, que
passa a pensar também no processo de produção e não apenas no produto final,
pois o ser humano é visto como parte desse processo.

Uma das principais mudanças observadas pode ser identificada a partir


do crescente êxodo rural e da urbanização industrial, pois as pessoas buscavam
melhores condições de vida, impulsionadas pelo retorno financeiro (salário).

O ser humano, como parte desse processo, deve ter o menor número de
faltas possíveis, pois ele é ferramenta importante para o final do produto, e sua
irregularidade no trabalho encarece o produto final. Nessa perspectiva surge
uma nova dinâmica de proteção em saúde, o seguro social.

Nessa modalidade de seguro social, somente as pessoas com prévia


contribuição e vinculadas diretamente ao mercado de trabalho usufruíam
dessa proteção. Seus dependentes, crianças e idosos são totalmente invisíveis
para esse modelo.

A população excluída desse modelo de proteção social ainda é adepta


dos modelos mais rudimentares, baseados em curas de senso comum, buscando-
as no curandeirismo ervas, produtos naturais, pois o acesso à saúde era uma
possibilidade para poucos.

Nessa época, a saúde era trabalhada como cura, iniciando o processo


de conscientização de saúde como um processo de prevenção. A saúde era
vista como situação individual, pontual, mesmo com algumas epidemias que
assolavam a sociedade.

Nessa fase podemos destacar, em 1951, a decisão da Assembleia


Mundial da Saúde em promover o controle da varíola em todo o mundo, pois
a varíola, juntamente com a peste negra, foi responsável por várias epidemias
e por milhares de mortes.

95
UNIDADE 2 | O CONTEXTO HISTÓRICO E SOCIAL DA POLÍTICA DE SAÚDE NO BRASIL COM ENFOQUE NO MODELO DE
SEGURO SOCIAL

As estratégias utilizadas para o controle das doenças foram o isolamento e


a quarentena, para ingressar de fato na imunização. Os trabalhadores não podiam
ficar infectados, pois eram muito importantes e suas doenças representavam um
atraso na produção. Por isso era imprescindível a saúde, e assim se iniciou a
construção do complexo médico-industrial, tendo como objetivo a prevenção.

2 DO RESGATE À CONQUISTA EFETIVA


No Brasil, o reconhecimento da assistência social pelo Estado aconteceu
muito lentamente, a Revolução de 1930 conduziu a questão social ao centro da
agenda pública. Nesse período, o Estado aumentou sua atuação na área social,
era uma resposta ao fortalecimento das lutas sociais e trabalhistas.

Na Era Vargas, o Brasil conheceu a força do Governo Federal no cenário


político, o período pós-revolucionário baseava-se no Estado de compromisso. A
ação pública no campo social aumentou, por isso o governo criou o Ministério
do Trabalho, Indústria e Comércio e a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).
Surgiram também os institutos de aposentadorias e pensões (IAPs), que faziam
parte de um sistema de previdência social baseado na lógica do seguro, ou seja,
o acesso aos benefícios era condicionado ao pagamento de contribuição prévia.

Desta forma, nesse período apenas as pessoas que tinham vínculo


empregatício formal, com carteira de trabalho assinada, eram contempladas, os
demais eram considerados informais, sem nenhum tipo de proteção social.

Em julho de 1938, em pleno período de Estado Novo, é criado o Conselho


Nacional de Serviço Social, vinculado ao Ministério de Educação e Saúde, formado
por pessoas ligadas à filantropia.

Após esse período é que o Estado prestou atenção nos sujeitos excluídos
do sistema de proteção da previdência social, nesse sentido, iniciou-se de forma
tímida o amparo às pessoas que não conseguiam garantir sua sobrevivência, o
que acabou resultando na criação da Legião Brasileira de Assistência (LBA) e do
Conselho Nacional de Serviço Social (CNSS).

A LBA, que surgira para atender às famílias de pracinhas brasileiros


enviados à guerra, passou a atender os “pobres”. A LBA reproduziu, na esfera
pública nacional, o modelo assistencialista que já acontecia no campo não
governamental, reforçando os laços de dependência dos mais vulneráveis.

Essa instituição social fortaleceu a ideia de que as primeiras-damas, ou


seja, as esposas dos políticos, deveriam cuidar das ações sociais, essa questão
ficou bem evidente quando a esposa de Getúlio Vargas, a sra. Darci Vargas,
buscou realizar ações assistencialistas de cuidado e atenção ao próximo, o que
descrevemos como o primeiro deísmo junto à assistência social.

96
TÓPICO 2 | O PROCESSO DE SAÚDE NA SEGUNDA METADE DO SÉCULO XX

Ao CNSS cabia avaliar os pedidos de auxílio e enviá-los para os ministérios


da Saúde e Educação, sendo que o valor do repasse financeiro a ser disponibilizado
era decidido pelo Governo Federal, sem nenhum tipo de controle social.

UNI

Conheça melhor a LBA – Legião Brasileira de Assistência

A Legião Brasileira de Assistência teve como objetivo prestar auxílio às famílias dos soldados
enviados à 2ª Guerra Mundial. Com o fim da guerra, continuou a existir para ajudar famílias
carentes.
A LBA era presidida por primeiras-damas. As denúncias de desvios de verbas no ano de 1991
marcaram negativamente a gestão de Roseana Collor. Em 1995, a LBA foi extinta logo no
primeiro dia do governo do então Presidente da República, Fernando Henrique Cardoso.

FONTE: Disponível em: <https://www.significados.com.br/lba>. Acesso em: 31 jul. 2017.

O período de 1936 também passa a ser marcado pela criação da primeira


escola de Serviço Social no Brasil, criada por pessoas vinculadas a ações religiosas
com intuito de qualificar os trabalhos sociais, desenvolvendo assim uma ação
social junto aos trabalhadores.

Com o êxodo rural e a aparente estabilidade nos centros urbanos, inicia-


se o processo de acúmulo de capital e uma melhora no poder aquisitivo, o que
despertou conflitos de interesses entre os setores agrícolas e econômicos que
apoiavam o governo, o que enfraqueceu o poder do Governo Vargas.

3 NOVA CONSTITUIÇÃO FEDERAL EM 1946


A Carta Magna desencadeou o processo de descentralização, em que o
Governo Federal deu autonomia aos governos estaduais e municipais, buscando
atender às necessidades da população. Todavia, essa foi uma alternativa que
repercutiu na área social, pois a LBA incentiva a criação das comissões municipais
que estimulava o voluntariado feminino, a partir da caridade e da benevolência.

Nesse período também surgiram as instituições de assistência públicas e


privadas com ações assistenciais diretas e fragmentadas, porém acreditava-se que as
ações realizadas por instituições com certificação de filantropia seriam mais eficientes.

Por essa razão, o governo repassa a responsabilidade à sociedade civil a


partir da inscrição das entidades de filantropia do cuidado com os sujeitos, sendo
as próprias entidades as responsáveis pelo público e pelo tipo de atendimento
prestado. Deve-se ressaltar que essa foi uma ação totalmente assistencialista.

97
UNIDADE 2 | O CONTEXTO HISTÓRICO E SOCIAL DA POLÍTICA DE SAÚDE NO BRASIL COM ENFOQUE NO MODELO DE
SEGURO SOCIAL

4 DO SANITARISMO À MUNICIPALIZAÇÃO
A política de saúde intensifica seu processo de organização nacional com
a unificação do Ministério da Saúde em 25 de julho de 1953, pois anteriormente o
Ministério integrava a saúde, a educação e a cultura.

As ações, que eram desempenhadas pelo Departamento Nacional de


Saúde (DNS), passaram a ser de responsabilidade do Ministério da Saúde, tanto
é que a estrutura foi mantida, porém, ampliada para dar conta da demanda da
saúde pública existente. 

As ações de saúde estavam em processo organizativo, já que algumas


ações eram vinculadas a órgãos de administração direta, outras às autarquias e
fundações, e isso se refletia nos recursos que eram encaminhados.

Uma das primeiras ações do Ministério da Saúde foi a criação do


Departamento Nacional de Endemias Rurais, que visava compreender e
desenvolver ações e serviços de combate à malária, leishmaniose, doença de
chagas, peste, brucelose, febre amarela e outras endemias existentes no país, de
acordo com as conveniências técnicas e administrativas.

Nesse período, o Instituto Oswaldo Cruz já desenvolvia a ciência com a


pesquisa e produção de vacinas.

No início dos  anos de 1960, a desigualdade social, marcada pela baixa


renda per capita e a alta concentração de riquezas, ganha dimensão no discurso
dos sanitaristas em torno das relações entre saúde e desenvolvimento. O
planejamento de metas de crescimento e de melhorias conduziu o que alguns
pesquisadores intitularam como a grande panaceia dos anos 60 – o planejamento
global e o planejamento em saúde. 
 
As propostas para adequar os serviços de saúde pública à realidade
diagnosticada pelos sanitaristas desenvolvimentistas tiveram marcos importantes,
como a formulação da Política Nacional de Saúde na gestão do então ministro
Estácio Souto-Maior, em 1961, com o objetivo de redefinir a identidade do
Ministério da Saúde e colocá-lo em sintonia com os avanços verificados na esfera
econômico-social.

Outro marco da história da saúde no âmbito ministerial ocorreu em 1963,


com a realização da III Conferência Nacional da Saúde (CNS), convocada pelo
ministro Wilson Fadul, árduo defensor da tese de municipalização.

A Conferência propunha a reordenação dos serviços de assistência


médico-sanitários e alinhamentos gerais para determinar uma nova divisão
das atribuições e responsabilidades entre os níveis político-administrativos da
Federação visando, sobretudo, à municipalização.

98
TÓPICO 2 | O PROCESSO DE SAÚDE NA SEGUNDA METADE DO SÉCULO XX

Em 1964, os militares assumem o governo e Raymundo de Brito firma-se


como ministro da Saúde e reitera o propósito de incorporar ao MS a assistência
médica da Previdência Social, dentro da proposta de fixar um Plano Nacional de
Saúde, segundo as diretrizes da III Conferência Nacional de Saúde.

Com a implantação da Reforma Administrativa Federal, em 25 de fevereiro


de 1967, ficou estabelecido que o Ministério da Saúde fosse o responsável pela
formulação e coordenação da Política Nacional de Saúde, que até então não havia
saído do papel.

Ficaram as seguintes áreas de competência: política nacional de saúde;


atividades médicas e paramédicas; ação preventiva em geral, vigilância sanitária
de fronteiras e de portos marítimos, fluviais e aéreos; controle de drogas,
medicamentos e alimentos e pesquisa médico-sanitária.

O Ministério da Saúde passou por diversas reformas na estrutura. Destaca-


se a reforma de 1974, na qual as Secretarias de Saúde e de Assistência Médica foram
englobadas, passando a constituir a Secretaria Nacional de Saúde, para reforçar o
conceito de que não existia dicotomia entre saúde pública e assistência médica.

No mesmo ano,  a Superintendência de Campanhas de Saúde


Pública  (SUCAM) passa à subordinação direta do ministro de Estado, para
possibilitar maior flexibilidade técnica e administrativa, elevando-se a órgão de
primeira linha. Foram criadas as Coordenadorias de Saúde, compreendendo cinco
regiões: Amazônia, Nordeste, Sudeste, Sul e Centro-Oeste, ficando as Delegacias
Federais de Saúde compreendidas nessas áreas subordinadas a elas.

As Delegacias Federais de Saúde deixavam, assim, de integrar órgãos


de primeira linha. É criada, também, a Coordenadoria de Comunicação Social
como órgão de assistência direta e imediata do ministro de Estado e instituído
o Conselho de Prevenção Antitóxico, como órgão colegiado, diretamente
subordinado ao ministro de Estado.

Do final da década de 1980 em diante, destaca-se a Constituição Federal


de 1988, que determinou ser dever do Estado garantir saúde a toda a população,
e, para tanto, criou o Sistema Único de Saúde. Em 1990, o Congresso Nacional
aprovou a Lei Orgânica da Saúde, que detalha o funcionamento do Sistema.

99
UNIDADE 2 | O CONTEXTO HISTÓRICO E SOCIAL DA POLÍTICA DE SAÚDE NO BRASIL COM ENFOQUE NO MODELO DE
SEGURO SOCIAL

UNI

Você sabia que o Ministério da Saúde é o órgão do Poder Executivo


Federal responsável pela organização e elaboração de planos e políticas públicas
voltados para a promoção, prevenção e assistência à saúde dos brasileiros?

É função do ministério dispor de condições para a proteção e recuperação da saúde da


população, reduzindo as enfermidades, controlando as doenças endêmicas e parasitárias
e melhorando a vigilância à saúde, dando, assim, mais qualidade de vida ao brasileiro. Sua
missão é: “Promover a saúde da população mediante a integração e a construção de parcerias
com os órgãos federais, as unidades da Federação, os municípios, a iniciativa privada e a
sociedade, contribuindo para a melhoria da qualidade de vida e para o exercício da cidadania".

FONTE: Disponível em: <http://portalsaude.saude.gov.br/index.php/o-ministerio#63>. Acesso


em: 9 jun. 2017.

5 A NECESSIDADE DA CRIAÇÃO DO MINISTÉRIO DA SAÚDE


A necessidade de ter uma pasta específica para a política de saúde
se justifica pela quantidade de situações de contaminação que assolaram a
população, as quais se intensificaram ainda mais com a 2ª Guerra Mundial,
quando o desenvolvimento de vacinas e antibióticos teve significativo avanço,
impulsionado pela necessidade, confirmando assim a crença de que a medicina e
a ciência levariam a humanidade a dar um grande salto, com o enfrentamento e a
erradicação das doenças infecciosas que antes eram fatais na população.

Ressaltamos que a criação do Ministério da Saúde, em 1953, teve o apoio


dos profissionais da saúde e seu objetivo estava bem claro, ou seja, centralizar as
políticas do setor e estruturar melhor as estratégias para resolver os problemas
sanitários nacionais.

Um desses problemas mais evidentes foram as endemias rurais


e a necessidade de atender os sobreviventes do pós-guerra. Ao se falar
em desenvolvimento, subentende-se que a superação da condição de
subdesenvolvimento e a pobreza cultural favorecem o desenvolvimento e
o alastramento de epidemias. Desta forma, é necessário dispor de recursos
orçamentários para promover as políticas sanitárias.

Esse processo pretendia desenvolver um sistema integrado de ações


que mais tarde veio a se concretizar como Sistema Único de Saúde. Ele vinha
sendo pensado na previdência, onde os antigos Institutos de Aposentadorias e
Pensões (como IAPI, IAPC, IAPTEC etc.) prestavam atendimento de saúde aos
trabalhadores com carteira assinada, com o DNS, que atendia os trabalhadores
rurais e os sem carteira.

100
TÓPICO 2 | O PROCESSO DE SAÚDE NA SEGUNDA METADE DO SÉCULO XX

Pode-se dizer que a criação do Ministério da Saúde foi uma grande


conquista no segundo governo de Getúlio Vargas, que intensificou essa reforma do
Estado, propondo a criação de 16 ministérios, entre esses o da Saúde, desdobrado
do Ministério da Educação e Saúde.

Numa visão mais ampla, o Ministério da Saúde foi criado como uma
proposta política que refletia o jogo de interesses político-partidários da época,
que mascaravam interesses distintos dos grupos políticos.

A estratégia que mais ficou evidente fora a do então presidente Vargas, que
acreditava na qualidade da intervenção do Estado por meio de coordenação, controle
e planejamento da economia brasileira, entendida como a única forma eficaz de
resolver os problemas urgentes do país e favorecer o desenvolvimento econômico. 

Outro fator que precisa ser destacado é a instabilidade política e a crise


institucional vivida pelo governo, que precisava ampliar sua base de apoio no
Congresso e de cargos que fossem preenchidos com indicações de aliados. Esse
processo ganhou velocidade.

Essa situação pode ser comprovada com a nomeação do titular da pasta da


Saúde, o Sr. Miguel Couto Filho, que, além de ser um dos articuladores partidários
da época, era filho de um médico renomado, o que caracterizava como um fruto
do acordo político, pelo qual se pretendia que o então secretário continuasse no
ramo político e, se possível, pudesse tornar-se governador do Rio de Janeiro.

Esse contratempo político-administrativo não tira o mérito da necessidade


de uma pasta específica para a saúde, pois a separação dos serviços de saúde e
educação realmente representa um avanço nas políticas sociais, porém deixaram
questões políticas influenciarem a gestão da própria política.

UNI

Entenda por que a lei tornou obrigatória a iodetação do sal de cozinha destinado
a consumo alimentar nas regiões noctígenas do país (Lei nº 1.944, de 14/8/1953).

A Organização Mundial de Saúde (OMS) considera a deficiência de iodo como um grave


problema de saúde pública e enfatiza que cerca de 2 bilhões de pessoas, ou 35,2% da
população global, apresenta deficiência de iodo em suas necessidades diárias, sendo
que as sequelas decorrentes dos Distúrbios por Deficiência de Iodo (DDI) podem afetar
principalmente grávidas e crianças, e se estender por toda a vida, sendo que simples políticas
públicas poderiam evitar danos ao organismo devido a esta deficiência, até a níveis cerebrais
(FREITAS et al., 2011; OMS, 2004).

101
UNIDADE 2 | O CONTEXTO HISTÓRICO E SOCIAL DA POLÍTICA DE SAÚDE NO BRASIL COM ENFOQUE NO MODELO DE
SEGURO SOCIAL

A Lei nº 1.944, de 14 de agosto de 1953, “torna obrigatória a iodetação do sal de cozinha


destinado a consumo alimentar [...]” e a Lei nº 6.150, de 03 de dezembro de 1974, “dispõe
sobre a obrigatoriedade do iodato do sal, destinado ao consumo humano, seu controle pelos
órgãos sanitários [...]”. Em março de 2003, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA),
em sua RDC nº 130, de 26 de maio de 2003, e em seu Artigo 1º, estabeleceu que: “somente
será considerado próprio para consumo humano o sal que contiver teor igual ou superior a
20 (vinte) até o limite máximo de 60 (sessenta) miligramas (mg) de iodo por quilograma (kg)
de produto”.

O ano de 1954 se destaca pela criação da Escola Nacional de Saúde Pública:


Lei nº 2.312, de 3 de setembro, que dispunha sobre "normas gerais sobre Defesa e
Proteção da Saúde, definiu que a União manteria uma Escola Nacional de Saúde
Pública, à qual poderiam ser equiparadas outras existentes ou que viessem a ser
criadas pelos Estados, ou pela iniciativa particular".

Essa lei destaca em seu Art. 1º  que “É dever do Estado, bem como da
família, defender e proteger a saúde do indivíduo” (BRASIL, 1954).  Reforçada
pelo Art. 2° [...], incumbe à União manter um órgão de saúde e assistência, que
realizará inquéritos, estudos e pesquisas sobre:  condições de saúde do povo;
influência do meio brasileiro na vida do homem; endemias existentes no Brasil e
a alimentação do povo, das diferentes zonas do país (BRASIL, 1954).

Nessa década também foi avaliado o ensino da medicina preventiva e


social, que incentivou o movimento preventivo no Brasil e a difusão das ciências
sociais como base da análise do fenômeno saúde/doença.

6 A DISSEMINAÇÃO DA MALÁRIA E AS AÇÕES


GOVERNAMENTAIS
Desde o final do século XIX, a malária em nosso país foi objeto de estudos
pela classe médica, a contribuição no que se refere à parte científica foi de grande
importância para o controle da doença.

Oswaldo Cruz, em 1905, determina que o biológo, médico sanitarista, cientista


e bacteriologista brasileiro Carlos Chagas faça parte dos trabalhos que objetivavam
o combate à epidemia da malária em Itatinga, município do Estado de São Paulo.
Assim foi desenvolvida a primeira campanha de controle da malária, e Oswaldo
Cruz passa a utilizar de forma frequente o procedimento no combate ao mosquito.

A Fundação Rockefeller, em 1922, inicia estudos na Baixada Fluminense


sobre a malária, indo ao encontro da proposta de Carlos Chagas, ou seja, o controle
da doença com o combate ao vetor do mosquito.

102
TÓPICO 2 | O PROCESSO DE SAÚDE NA SEGUNDA METADE DO SÉCULO XX

Outro acontecimento importante no controle da malária para o Brasil,


precisamente no ano de 1930, foi a entrada do mosquito Anófeles gambiae, que é
pertencente ao gênero Anófeles de origem africana, hospedeiro e transmissor da
malária e vetor da malária na África. Sua reprodução se dá em pequenas poças de
águas limpas onde existe pouca vegetação com exposição ao sol.

Anopheles gambiae foi inserido em 1930, no Nordeste do Brasil, quando foi


trazido de barcos, possivelmente da costa africana. Durante o período de 1938 a
1939 foi o vetor principal de uma das maiores epidemias de malária já registradas
no país. Graças aos esforços de muitos estudos e parcerias, foi erradicado
precisamente em 1940, pelo serviço de malária do Nordeste, juntamente com a
Fundação Rockefeller.

A malária foi vista no contexto do cenário brasileiro como exemplo de


fracasso, porém não se pode negar que foi, enquanto campanha, um processo de
sucesso no que diz respeito ao controle, mesmo não atingindo a meta prevista
para sua erradicação.

No início da década de 1950, a ação para o controle da malária foi bastante


sistemática, visto que a maior parte dos casos existentes, na época, ocorreu na
região amazônica, que era pouco habitada.

Passados 20 anos, a malária foi totalmente extinta da região costeira do


país e também nas áreas urbanas, ficando pequenos focos, que provavelmente
seriam de origem zoonótica, na mata atlântica da região Sudeste.

FONTE: Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_


arttext&pid=S1982-45132009000300003. Acesso em 27/08/2017>. Acesso em: 23 ago. 2017.

As discussões da comunidade de especialistas em malária ocorreram


com mais frequência a partir dos anos 1950, produzindo ecos nas Conferências
Sanitárias Pan-Americanas, nos Encontros Regionais do Comitê de Especialistas
em Malária e nas Assembleias Mundiais de Saúde. Segundo J. Jackson (1998, p.
193), “a construção da necessidade de um programa de erradicação da malária
em uma esfera global foi idealizada nas reuniões dessa comunidade”.

Em 1950, na 13ª Conferência Sanitária Pan-Americana, chegava-se à


conclusão de que: “Da adoção de novas técnicas na luta antimalárica e do esforço
dos países-membros e territórios, pode-se obter a erradicação total da malária”
(BRASIL, 1966, p. 2).

Uma das ações do Departamento Pan-Americano com maior destaque é o


mapeamento da malária, com esse cenário identificado, iniciou-se um trabalho de
prevenção e cuidado com fins a erradicação da malária no Brasil.

103
UNIDADE 2 | O CONTEXTO HISTÓRICO E SOCIAL DA POLÍTICA DE SAÚDE NO BRASIL COM ENFOQUE NO MODELO DE
SEGURO SOCIAL

O ano de 1956 coincide com o início do governo Juscelino Kubitschek,


que é marcado pela endemia da malária no Brasil. O país, juntamente com a
Organização Mundial da Saúde, assume o compromisso de buscar estratégias
de erradicar a malária do contexto social da época. Com este objetivo, organiza
um grupo de trabalho para o controle e erradicação, levando assim a uma maior
tranquilidade da população, diante da iminência da contaminação da malária no
território nacional. Este trabalho teve a direção do malariologista Mário Pinotti,
médico sanitarista brasileiro.

A Segunda Guerra Mundial e o pós-guerra foram períodos propícios


para a proliferação de doenças causadas por insetos, como é o caso da malária. A
descoberta dos princípios ativos do dicloro-difenil-tricloroetano (DDT), como ação
positiva na erradicação da malária no país, foi considerada uma evolução de saúde.

FIGURA 25 – EXPEDIÇÃO MALÁRIA

FONTE: Disponível em: <https://www.google.com.br/


search?q=Anopheles+gambiae&source>. Acesso em: 23 ago. 2017.

Podemos destacar que Fred L. Soper dedicou-se mais de uma década


comandando a campanha da erradicação, no Brasil, do Anopheles gambiae
(mosquito pertencente ao gênero Anopheles, de origem africana).

A13ª Conferência Sanitária Pan-Americana indica que é possível, através


de novas técnicas e o grande empenho junto aos países-membros, eliminar a
doença da malária.

Em 1954, ocorreu a 14ª Conferência Sanitária Pan-Americana, realizada


em Santiago do Chile. O principal objetivo desse evento foi prestar orientações
e esclarecimentos da malária e assim desenvolver estratégias de manutenção e
controle da doença com foco principal na erradicação.

Na 8ª Assembleia Mundial de Saúde, na Cidade do México, em 1955,


é aprovada resolução recomendando que os países-membros se empenhassem
na extinção da malária, para evitar a resistência aos inseticidas. Desta forma, “a
Organização Mundial de Saúde (OMS) passa a fornecer total auxílio técnico e
apoio aos programas nacionais” (CUETO, 2004, p. 3).

104
TÓPICO 2 | O PROCESSO DE SAÚDE NA SEGUNDA METADE DO SÉCULO XX

Os dois encontros internacionais, tanto a 14ª Conferência, como a Sanitária


Pan-Americana (1954) e a 8° Assembleia Mundial de Saúde (1955) deixaram claro que
o controle dessas doenças só será possível, com o engajamento de todos, pois esse é
um problema da coletividade e sem o apoio da população fica difícil a erradicação.

Esses dois encontros foram fundamentais na erradicação da malária


em nível mundial. Surgiu também a sugestão para que os países-membros da
Organização Mundial de Saúde sugerissem algumas mudanças nos programas
de controle da malária, para que fossem efetivos na erradicação da doença no
território nacional.

Segundo Barata (1998, p. 64), “a compreensão do termo “erradicação” foi


imprescindível para o desenvolvimento de programas que objetivavam abolir a
malária. Ressaltamos que esse conceito foi proposto no 4º Congresso Internacional
de Medicina Tropical e Malária, em 1948”.

A diferença entre “controle” e “erradicação” foi finalmente estabelecida


pelo Comitê de Peritos em Malária da OMS em 1955. Segundo o comitê, nas ações
de controle “o objetivo era reduzir a transmissão a um grau suportável, enquanto
na erradicação almejava-se o extermínio da doença” (BRASIL, 1967, p. 2).

Em 1956 aconteceu o encontro do Comitê de Malária da OMS, quando


foram apresentadas as normas que orientaram as mudanças dos programas de
controle em programas de erradicação (PAMPANA, 1966).

A primeira diretriz apresentava de que forma as campanhas de erradicação


da malária deveriam seguir, como: extinção em todos os locais onde que viesse a
ocorrer a transmissão da doença; intervenções prioritárias no que se refere a custos
para a eliminação; diagnóstico e classificação dos casos e avaliações periódicas do
processo epidemiológico e administrativo.

O planejamento da erradicação da malária pela OMS teve como parâmetro


dois critérios que os países deveriam adotar, no intuito de barrar as intervenções
de pulverização de DDT: a vigilância teria que atingir grande área contínua,
indicando a suspensão de transmissão dessa área; inexistência de casos de malária
em crianças, porém com tolerância em casos autóctones recentes.

Em 1964, o Comitê de Especialistas em Malária da OMS adotou o seguinte


critério: “para interromper o borrifamento de inseticida residual nos domicílios,
deveria ser observado se, no período de 12 meses, o número de casos não
ultrapassava 0,1% em mil habitantes” (PAMPANA, 1966, p. 306).

Destacamos que a entrada do Brasil no plano de erradicação mundial da


malária organizado pela Organização Mundial de Saúde (OMS) não foi de imediato,
foi de forma lenta. Nesse processo podemos analisar que serviu de certa maneira
para um início de resistência política e científica ao plano de erradicação da doença.

105
UNIDADE 2 | O CONTEXTO HISTÓRICO E SOCIAL DA POLÍTICA DE SAÚDE NO BRASIL COM ENFOQUE NO MODELO DE
SEGURO SOCIAL

Desta forma, para os peritos do comitê que trabalhavam contra a malária


da OMS de 1955 onde o principal objetivo dos programas de erradicação era a
extinção da doença, e do programa de controle era a redução da transmissão.

No entanto, o governo do Brasil aceitou o plano de erradicação que


a Organização Mundial de Saúde propôs. Contudo, a CEM – Controle de
Erradicação da Malária se oficializou uma década depois, com legislação própria
a partir da Lei nº 4.709/65.

LEITURA COMPLEMENTAR

Presidência da República
Casa Civil

Subchefia para Assuntos Jurídicos

LEI Nº 4.709, DE 28 DE JUNHO DE 1965

Altera a Lei nº 2.743, de 6 de março de


(Vide Decreto n° 57.244, de 1965) 1956, e cria a Campanha de Erradicação da
Malária.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, faço saber que o  CONGRESSO


NACIONAL decreta e eu sanciono a seguinte Lei:
Art. 1º É criada no Ministério da Saúde, e ao seu titular subordinada, a
Campanha de Erradicação da Malária (OEM).
Art. 2º A Campanha de Erradicação da Malária, que terá sua duração
limitada de acordo com os planos elaborados e aprovados pelo Ministro da
Saúde, compete:
I - Orientar, coordenar e executar, dentro do território nacional, quaisquer
atividades de combate à malária visando à sua erradicação.
II - Preparar os planos de trabalho, suas revisões periódicas, a proposta
orçamentária e o Plano de Aplicação dos recursos consignados no Orçamento da
União, para a erradicação da malária.
Ill - Realizar, em todo o País, estudos e pesquisas especiais vinculados ao
programa de combate à malária.
IV - Realizar e promover a formação e treinamento de pessoal técnico e
especializado e administrativo, assim como viagens de estudo ou observação e de
representação inclusive no estrangeiro, de técnicos da Campanha.
V - Divulgar os trabalhos de investigação, os estudos e outras atividades
de interesse, relacionados com a malária.
Parágrafo único. As atividades mencionadas no item I poderão estender-
se às faixas de fronteiras de países limítrofes, quando convênios com os mesmos,
aprovados pelos respectivos, assim estabeleçam.
Art. 3º Ficam extintos o Grupo de Trabalho e a Campanha de Controle e
Erradicação da Malária constituídos pelo Decreto nº 43.174, de 4 de fevereiro de
106
TÓPICO 2 | O PROCESSO DE SAÚDE NA SEGUNDA METADE DO SÉCULO XX

1958, e alterado pelos Decretos nºs 44.494, de 23 de setembro de 1958, e 50.925,


de 7 de julho de 1961, ficando suas atribuições transferidas para a Campanha de
Erradicação da Malária.
§ 1º A Campanha de Erradicação da Malária será executada por pessoal
temporário admitido pelo Superintendente, dentro dos recursos próprios da
Campanha, regido pelas Leis Trabalhistas e por funcionários do Ministério da
Saúde, designados pelo Ministro para servir na Campanha.
§ 2º Ao pessoal especialista temporário serão pagas, de acordo com as
respectivas atribuições, vantagens equivalentes às concedidas aos funcionários
públicos civis, em exercício na Campanha.
§ 3º Para a execução de suas tarefas, a Campanha de Erradicação da Malária
poderá requisitar para prestar-lhe serviços, em caráter temporário, funcionários de
outras repartições federais, bem como poderá cometer, a funcionários estaduais,
a execução de seus serviços, nos termos da legislação em vigor.
Art. 4º A partir da data da presente Lei, ficam à disposição da Campanha
de Erradicação da Malária:
a) as dotações que anualmente figurem no Orçamento da União destinadas
para o combate à malária, quer sejam com indicação específica ou que figurem
incorporadas a outros órgãos, com a dita finalidade;
b) as contribuições em dinheiro, material ou equipamento que se obtenham
de órgãos nacionais ou internacionais que cooperem com a Campanha, mediante
convênio ou doações especiais;
c) os fundos e demais contribuições que o serviço receba na forma de
cooperação, de autoridades locais, de empresas ou de particulares.
Parágrafo único. Os materiais e equipamentos obtidos na forma de
convênio, doações ou acordo, terão sua aplicação e alienação reguladas pelas
estipulações dos respectivos termos.
Art. 5º As despesas gerais com pessoal temporário, material, serviços
de terceiros, outros encargos bem como outras vantagens especiais devidas ao
pessoal na forma da presente Lei, correrão à conta de dotação global, consignada
especificamente à Campanha de Erradicação da Malária, no Orçamento da União.
Art. 6º Os créditos orçamentários e adicionais, concedidos à Campanha de
Erradicação da Malária, serão registrados pelo Tribunal de Contas, distribuídos
ao Tesouro Nacional e depositados pelo Banco do Brasil S. A., em conta especial, à
disposição do Superintendente da Campanha, em parcelas trimestrais adiantadas,
no primeiro dia útil de cada trimestre.
Parágrafo único. O saldo das dotações concedidas à CEM, verificado em 31
de dezembro do exercício a que se referir o Orçamento, ficará em poder da citada
Campanha, sendo escriturado, pelos Órgãos competentes, como adiantamento
da primeira parcela trimestral referida neste artigo.
Art. 7º A execução de serviços ou obras, aquisição de materiais e
equipamentos necessários ao desenvolvimento dos trabalhos da Campanha de
Erradicação da Malária, serão realizadas diretamente pelo referido órgão sem as
limitações do item I, do art. 1º da Lei nº 4.401, de 10 de setembro de 1964, cujas
licitações serão realizadas mediante concorrências administrativas ou coletas de
preços, previamente aprovadas pelo Ministro da Saúde.

107
UNIDADE 2 | O CONTEXTO HISTÓRICO E SOCIAL DA POLÍTICA DE SAÚDE NO BRASIL COM ENFOQUE NO MODELO DE
SEGURO SOCIAL

Art. 8º As importações de material ou equipamento destinados aos


trabalhos a cargo da Campanha de Erradicação da Malária, devidamente
autorizadas pelo Ministro da Saúde, além da isenção constitucional de impostos,
ficam isentas de gravação de quaisquer taxas.
Art. 9º Fica criado no Ministério da Saúde um Conselho Consultivo de
Erradicação da Malária, com finalidade de assessorar o Ministro da Saúde em tudo
que se refira aos aspectos técnico-administrativos e operacionais do programa de
combate à malária no País.
Art. 10. O Conselho Consultivo de Erradicação da Malária, que terá como
Presidente o Ministro da Saúde, será constituído pelo Diretor do Departamento
Nacional de Endemias Rurais, pelo Diretor do Departamento Nacional de Saúde,
de Endemias Rurais, Diretor do Departamento Nacional de Saúde, representantes
do Ministério da Fazenda e dos Ministros Extraordinários para o Planejamento
e Coordenação Econômica e para Coordenação dos Organismos Regionais,
do Superintende da CEM e de representantes dos Organismos internacionais
cooperantes.
Parágrafo único. A designação dos representantes a que se refere
este artigo será feita pelo Presidente da República, mediante indicação dos
respectivos Ministros de Estado e dos dirigentes dos organismos representados,
por intermédio do Ministro da Saúde.
Art. 11. A Campanha de Erradicação da Malária, que terá sua estrutura
interna estabelecida na forma do art. 19, compreenderá órgãos regionais, locais e
de administração central.
Art. 12. Dirigirá a CEM um Superintendente, símbolo 1-C, nomeado
em comissão pelo Presidente da República, mediante indicação do Ministro
da Saúde, dentre os médicos sanitaristas do Ministério da Saúde com curso de
especialização e comprovada experiência em malar iologia.
Parágrafo único. O Superintendente da CEM nos seus impedimentos será
substituído por técnico da Campanha, designado pelo Ministro da Saúde para
seu substituto eventual, que possua os requisitos deste artigo.
Art. 13. Serão de livre escolha do Superintendente, e por êle designados,
os assessores técnicos, administrativos e jurídicos, os chefes de Seções, de
Coordenações e Setores.
§ 1º As funções de secretariado, de assessoramento técnico, administrativo
e jurídico, de chefia de Seções, Setores e Coordenações regionais, serão retribuídas
com gratificação especial, proposta pelo Superintendente e aprovada pelo
Ministro da Saúde.
§ 2º O plano de aplicação de recursos anualmente aprovado pelo Ministro
da Saúde indicará as funções da Campanha que devam ser remuneradas na forma
deste artigo.
Art. 14. É condição para o exercício de cargo ou função, de natureza
técnico-científica, na Campanha, possuir cursos ou conhecimentos especializados
no campo da malariologia.
Parágrafo único. O regime de tempo integral e dedicação exclusiva é de
aplicação obrigatória.
Art. 15. Aos servidores em exercício na Campanha de Erradicação da Malária
serão concedidas as vantagens do item V, do art. 145, da Lei nº 1.711, de 28 de outubro
de 1952, na forma do § 2º do art. 15, da Lei nº 4.345, de 26 de junho de 1964.
108
TÓPICO 2 | O PROCESSO DE SAÚDE NA SEGUNDA METADE DO SÉCULO XX

Parágrafo único. A gratificação a que se refere este artigo, não excederá de


40% (quarenta por cento) do vencimento ou salário e será fixada anualmente pelo
Ministério da Saúde.
Art. 16. O pessoal temporário da CEM, quando em execução de tarefas fora
da sua sede de serviço, poderá fazer jus à percepção de diárias para indenização
de despesas com alimentação e pousada, as quais, todavia, não poderão exceder
o valor de 1/30 (uns trinta avos), do salário mensal respectivo, nem poderão, em
qualquer hipótese, ser a êle incorporaras.
Art. 17. Concluído o programa e certificada a erradicação da malária,
de acordo com as normas internacionais adotadas, o pessoal, materiais e
equipamentos, pertencentes a Campanha de Erradicação da Malária, serão
aproveitados por outros órgãos integrantes do Ministério da Saúde, mediante
plano aprovado pelo Ministro de Estado.
Art. 18. A colaboração voluntária, prestada pelos notificantes à CEM,
será considerada de relevante interesse nacional por decreto do Presidente da
República, mediante proposta do Ministro da Saúde.
Parágrafo único. Os cidadãos agraciados com o reconhecimento do País,
na forma deste artigo, receberão certificados do Ministro da Saúde.
Art. 19. O Poder Executivo expedirá, no prazo de 120 (cento e vinte) dias,
o Regimento da Campanha de Erradicação da Malária, que indicará a estrutura
interna da Campanha com suas divisões, seções, coordenações e setores.
Art. 20. Fica extensivo à Campanha de Erradicação da Malária, no que
lhe couber, o Decreto-lei número 3.672, de 1º de outubro de 1941.
Art. 21. Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.
Art. 22. Revogam-se as disposições em contrário.
Brasília, 28 de junho de 1965; 144º da Independência e 77º da República.
FONTE: Disponível em: <http://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei/1960-1969/lei-4709-28-junho-
1965-377795-publicacaooriginal-1-pl.html>. Acesso em: 19 set. 2017.

A Organização Mundial de Saúde trabalhava com fases, em que a primeira


era a de erradicação, enquanto que o Brasil acreditava que programas de controle
e combate à malária dessem conta. Esse desacordo entre o Brasil e a OMS fez com
que o país demorasse mais na construção de legislações específicas. Somente três
anos depois o Brasil teve a lei.

Diante disso, é possível entender que o Brasil atendia às exigências


internacionais, que recomendavam ações de controle efetivas para a erradicação.
O contexto internacional é marcado pela Guerra Fria, na qual a América Latina
se destaca como um conjunto de países agroexportadores e fornecedores de
matérias-primas para os EUA e outros países com capitalismo avançado.

O governo de Juscelino foi marcado pelo processo de industrialização


e modernização, quando foram elencadas metas nas quais a saúde aparecia de
forma tímida.

109
UNIDADE 2 | O CONTEXTO HISTÓRICO E SOCIAL DA POLÍTICA DE SAÚDE NO BRASIL COM ENFOQUE NO MODELO DE
SEGURO SOCIAL

Vizentini (2004) coloca que o Brasil vivenciou um período de instabilidade


marcado por estratégias de manutenção dos programas de controle da malária,
porém não foram suficientes para a sua erradicação.

O programa de saúde vinha sendo aplicado de forma parcial, pois houve


manipulação de informações e recursos foram destinados para outros fins, o
que fez com que os índices da doença se tornassem alarmantes, o que impediu
alcançar as metas previstas no plano de erradicação, que previa a continuidade,
intensidade e periodicidade do controle da malária (BRASIL, 1967, p. 37).

Com o agravamento da situação da malária, o Brasil precisou estabelecer


parcerias com outras instituições para conseguir recursos financeiros para dar
continuidade ao programa de erradicação da doença. Um dos apoiadores foi o
governo norte-americano, que repassou ao Brasil diversos equipamentos, motores,
viaturas, barcos e tudo o que seria necessário para o controle e erradicação da
malária (BRASIL, 1967).

Nesse sentido, podemos descrever que o Brasil conseguiu fazer esse


processo em três fases:

QUADRO 5 - CIRCUITO DO PLANO DE ERRADICAÇÃO

1º Plano de Erradicação (1958)


• 1957 – Inicia a fase de preparação do plano de erradicação da malária.
• 1958 – Primeira tentativa de transformar as medidas de controle da malária em ações
de erradicação.
2º Reformulação do Plano de Erradicação em 1961
• Concepção do Plano de Emergência
• 1961 – Possibilidade de cobertura de 3.534.515 casas, fim da fase de ataque do
controle.
3ª Concretização do Plano Nacional de Erradicação da Malária (1965)
• Modificou as ações de CONTROLE em ações de ERRADICAÇÃO.
FONTE: As autoras

Esse Plano de Emergência tinha entre seus objetivos o reconhecimento


geográfico e assim conhecer as particularidades e conter a endemia em níveis
aceitáveis. Essa situação se fortaleceu em 1969, quando a 22ª Assembleia Mundial
da Saúde sugeriu a classificação das áreas maláricas em áreas de erradicação a
curto e a longo prazos. Essa ideia perdurou até 1970, quando houve a compreensão
de que questões epidemiológicas, entomológicas, econômicas e sociais impediam
a erradicação a longo prazo.

110
TÓPICO 2 | O PROCESSO DE SAÚDE NA SEGUNDA METADE DO SÉCULO XX

UNI

O que são epidemias?


A OMS considera epidemia se a cada 100 mil habitantes 300 tiverem a mesma doença no
mesmo local.

QUADRO 6 – DIFERENCIANDO ENDEMIA E PANDEMIA

Denomina-se como sendo qualquer doença que se


localiza em espaço limitado classificada em “faixa
endêmica”. Significa que se manifesta apenas
numa determinada região, de causa local, não se
espalhando para outras comunidades.

A endemia se espalha por outras localidades,


Febre amarela
com duração contínua, permanecendo numa
determinada área. Dengue
Endemia
No Brasil, existem áreas endêmicas.

Podemos citar como exemplo:


Febre amarela, comum na Amazônia. Em período
de infestação da doença, todos que viajam para a
região devem receber a vacina.
A dengue, que se apresenta com focos da doença
em espaço limitado, não se espalhando para outras
regiões. Ocorre onde há incidência do mosquito
transmissor.
Doença infecciosa transmissível, acontece em
comunidade ou região e se espalha rapidamente,
com característica de surto epidêmico.

Causa pode ser devido a um grande desequilíbrio


(mutação) do agente transmissor da doença ou pelo
surgimento de um novo agente (desconhecido).
Como exemplo, a gripe aviária, doença “nova”
que iniciou como surto epidêmico. Desta forma, o Poliomielite
Epidemia
acontecimento de um único caso de uma doença
transmissível (ex.: poliomielite) ou o primeiro caso
de uma doença até então desconhecida na área (ex.:
gripe do frango) demandam medidas de avaliação e
investigação bastante completas, pois representam
o risco de dar início a uma epidemia.
Podemos então pontuar que em um ambiente
estável a ocorrência de doença passa de epidêmica
para endêmica e em seguida para esporádica.

111
UNIDADE 2 | O CONTEXTO HISTÓRICO E SOCIAL DA POLÍTICA DE SAÚDE NO BRASIL COM ENFOQUE NO MODELO DE
SEGURO SOCIAL

A pandemia se caracteriza em uma epidemia que


atinge grandes proporções, que pode se espalhar
para os continentes ou por todo o mundo, causando
mortes ou destruindo cidades inteiras.

Para entender melhor: Uma doença, ao existir em


apenas uma determinada região, é considerada uma
endemia (ou proporções pequenas da doença, que
não sobrevive em outras localidades).

Conforme a OMS (Organização Mundial da Saúde),


a pandemia pode iniciar com o aparecimento de uma
nova doença à população, quando o agente infecta
os humanos, causando doença séria, ou quando o
agente se esparrama fácil e sustentavelmente entre Tuberculose,
humanos. Peste,
Pandemia
Gripe asiática,
Critérios de definição da pandemia: Doença que se Gripe espanhola, 
espalha ou mata um grande número de pessoas, Tifo
com características infecciosas.

Para saber mais: O câncer (responsável por


inúmeras mortes) não se considera uma pandemia,
por não ter características de doença contagiosa,
não é transmissível.

Exemplos: AIDS, tuberculose, peste, gripe asiática,


gripe espanhola, tifo etc.
É relevante saber que: o vírus ebola e outras doenças
letais, como a febre de Lassa, febre de Vale de Racha,
vírus de Marburg e a febre hemorrágica boliviana
são doenças contagiosas e mortais, com potencial
de se tornar pandemias no futuro.

FONTE: Disponível em: <http://www.infoescola.com/doencas/endemia-epidemia-e-


pandemia/>. Acesso em: 1 ago. 2017.

O histórico de epidemias do Brasil surge com a vinda dos portugueses.


A primeira epidemia relatada foi a varíola, em 1563, afetando principalmente os
indígenas, por nunca terem tido contato com a doença e por usarem pertences
pessoais e roupas dos europeus contaminados.

Os europeus viram na epidemia, aliado ao desconhecimento dos


indígenas, como uma oportunidade de se apossar de suas terras. Então, os
europeus deixavam roupas contaminadas em trilhas para que os indígenas as
encontrassem e usassem.

Durante séculos não se tinha informações suficientes da doença, o meio de


controle era o isolamento dos enfermos e descarte de seus objetos pessoais. Sendo
uma doença viral, a varíola traz os sintomas de uma  gripe comum, evoluindo
para saliências inflamadas na pele, levando a óbito. A doença foi erradicada,
segundo a OMS, em 1980.

112
TÓPICO 2 | O PROCESSO DE SAÚDE NA SEGUNDA METADE DO SÉCULO XX

7 OUTRAS DOENÇAS
O primeiro relato de  tuberculose  no Brasil se dá em 1549, trazida pelo
padre enfermo Manuel da Nóbrega. Em 1555, a doença se alastrou, infectando
um em cada 150 habitantes.

No século XX, 10% dos óbitos na cidade de São Paulo eram resultantes da
tuberculose. Medidas como saneamento básico e melhores métodos de higiene
pessoal reduziram essa taxa ao longo das décadas.

Com o crescimento do Brasil, portos navegáveis foram instalados no


litoral brasileiro, principalmente para exportação de café e tráfico de escravos.
Com isto, novas epidemias surgiram com mais frequência.

A  febre amarela  foi introduzida no Brasil com a vinda dos  navios


negreiros, causando um surto da doença na cidade de Olinda que se alastrou para
o interior do Estado de Pernambuco, chegando a Salvador em 1685. Mais tarde,
em 1849, houve uma epidemia originária de um navio vindo de New Orleans e
Havana, contagiando moradores da cidade do Rio de Janeiro e se alastrando por
todo o litoral brasileiro.

A peste negra ou peste bubônica surgiu no porto de Santos, no Estado de São


Paulo, e em apenas três meses chegou ao Rio de Janeiro (Capital Federal na época).

UNI

As grandes epidemias da história


Joffre Marcondes de Rezende

Em virtude das condições sanitárias das cidades e do desconhecimento da etiologia das


doenças infecciosas, grandes epidemias assolaram as nações no passado, dizimando suas
populações, limitando o crescimento demográfico e mudando, muitas vezes, o curso
da história. Tais epidemias foram genericamente rotuladas de peste, embora muitas delas
não tenham sido causadas pelo bacilo da peste (Yersinia pestis) e fossem, provavelmente,
epidemias de varíola, tifo exantemático, cólera, malária ou febre tifoide.

FONTE: Disponível em: <http://books.scielo.org/id/8kf92/pdf/rezende-9788561673635-08.


pdf>. Acesso em: 23 ago. 2017.

Os primeiros relatos de epidemias da  dengue  no Brasil se deram em


1986, nas regiões Nordeste e Sudeste, se agravando em 1990 com a introdução
do segundo sorotipo (DEN-2) e, mais tarde, em 2001, com a introdução do
terceiro sorotipo (DEN-3).

113
UNIDADE 2 | O CONTEXTO HISTÓRICO E SOCIAL DA POLÍTICA DE SAÚDE NO BRASIL COM ENFOQUE NO MODELO DE
SEGURO SOCIAL

Atualmente, a dengue é uma grande epidemia enfrentada pela população


brasileira, em 2015 chegou a 1.649.008 de casos da doença, com um novo caso
de dengue a cada 12 segundos. Além da dengue, o Brasil enfrenta epidemia
de Zika vírus, que foi introduzida na Copa do Mundo de 2014.

FONTE: Disponível em: <http://www.infoescola.com/saude/principais-epidemias-ocorridas-no-


brasil/>. Acesso em: 19 jul. 2017.

Agora que você já consegue distinguir a diferença entre endemia,


epidemia e pandemia, é possível compreender mais facilmente o processo de
saúde-doença na década de 1950, bem como o início das mobilizações sociais
para as campanhas de vacinação.

8 OUTRAS CONSIDERAÇÕES
O século XX representou uma ruptura em relação à questão da proteção
social prestada pelo Estado, quando se rompe com as ideias de filantropia e
inicia-se a ideia de conquista de direitos. Esse processo foi bastante lento, pois
se inicia como uma necessidade do mercado (pessoas que podem trabalhar e,
com isto, necessitam ter boa saúde).

Seguindo essa mesma linha, o setor privado passa a atender apenas


às pessoas que estavam vinculadas a um emprego formal, passando ideia
de proteção. Quem não atendesse a esse requisito era automaticamente
negligenciado pelo Estado, dependendo apenas de suas próprias condições
financeiras para acesso aos serviços de saúde.

Em seguida, essa proteção do Estado vai se ampliando, onde todos os


cidadãos passam a usufruir dessa cobertura, independentemente do vínculo
empregatício formal. A mesma lógica acontece na proteção previdenciária,
que segue para uma proteção mínima.

A saúde da população passa a ser interesse do período industrial, pois é


o funcionário saudável que movimenta a produção industrial, e assim, quanto
mais saúde, maior produtividade, quanto menos saúde, mais faltas e menos
produtividade.

114
RESUMO DO TÓPICO 2
Neste tópico apresentamos:

• A Era Vargas aumentou a ação pública no campo social, com a criação do


Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio e a Consolidação das Leis do
Trabalho (CLT). Surgiram também os Institutos de Aposentadorias e Pensões
(IAPs), que faziam parte de um sistema de previdência social.

• Num primeiro momento, apenas as pessoas que tinham vínculo empregatício


formal recebiam proteção social.

• Em julho de 1938 é criado o Conselho Nacional de Serviço Social, vinculado


ao Ministério de Educação e Saúde, com ações ligadas à filantropia, onde
surgiram a Legião Brasileira de Assistência (LBA) e o Conselho Nacional de
Serviço Social (CNSS).

• A política de saúde intensifica seu processo de organização nacional com a


separação do Ministério da Saúde e Ministério da Educação e Cultura em 1953.

• As ações que eram desempenhadas pelo Departamento Nacional de Saúde


(DNS) passaram a ser de responsabilidade do Ministério da Saúde.

• Nesse período, o Instituto Oswaldo Cruz já desenvolvia a ciência com a


pesquisa e produção de vacinas.

• A década de 1960 é marcada pela ideia do desenvolvimento e pela desigualdade


social, marcada pela baixa renda per capita e a alta concentração de riquezas.

• Nesse período foi realizada a III Conferência Nacional da Saúde (CNS), que
propunha a reordenação dos serviços de assistência médico-sanitária e uma
nova divisão das atribuições e responsabilidades entre os níveis político-
administrativos da Federação visando, sobretudo, à municipalização.

• A diferença entre “controle” e “erradicação” foi finalmente estabelecida pelo


Comitê de Peritos em Malária da OMS em 1955. Segundo o comitê, nas ações de
controle o objetivo era reduzir a transmissão a um grau suportável, enquanto
na erradicação almejava-se o extermínio da doença.

115
AUTOATIVIDADE

1 Com a expansão do capitalismo monopolista no Brasil durante as décadas


de 1960 e 1970, ocorreu a expansão do sistema de proteção social do país,
surgindo o INPS em 1974, a Renda Mensal Vitalícia (RMV) para idosos e
inválidos com baixa renda, a criação de novos mecanismos de poupança
compulsória por meio do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS)
e posteriormente o PIS/Pasep, o Programa de Assistência ao Trabalhador
Rural (ProRural), o Sistema Financeiro de Habitação, os Centros Sociais
Urbanos, o Programa de Interiorização de Ações de Saúde e Saneamento
no Nordeste (Piass), o Programa de Financiamento de Lotes Urbanizados
(Profilurb), entre outros, além do Ministério da Previdência e Assistência
Social (MPAS), que incluiu no novo sistema a Legião Brasileira de
Assistência (LBA) e a Fundação Nacional de Bem-Estar do Menor (Funabem)
(YAZBEK, 2012). Refletindo sobre a expansão do sistema de proteção
social no Brasil, disserte sobre os programas e projetos da LBA no país.

FONTE: YAZBEK, Maria Carmelita. Pobreza no Brasil contemporâneo e


formas de seu enfrentamento. Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 110, jun. 2012.
Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-
66282012000200005&lng=en&nrm=iso>. Acesso em 11 fev. 2015.

2 No início do século XX, o Estado não via como necessária sua intervenção
política diante das expressões da questão social que demandavam por
assistência à saúde. Essa era organizada pelas igrejas, por exemplo, as Santas
Casas de Misericórdia, instauradas no Brasil ainda na sua fase colonial.
Diante deste contexto, com relação à dedicação do Estado com a política de
saúde, analise as sentenças a seguir:

I - As questões de saúde recebiam dedicação pouco relevante.


II - A maior parcela do atendimento de saúde era realizada por ordens religiosas.
III - A maioria dos atendimentos era de cunho filantrópico e/ou benemerente.
IV- Era garantido o direito de atendimento ao povo.

Agora, assinale a alternativa CORRETA:

( ) As sentenças I, II e III estão corretas.


( ) Somente a sentença IV está correta.
( ) As sentenças II e IV estão corretas.
( ) As sentenças I e IV estão corretas.

116
UNIDADE 2 TÓPICO 3

DO REGIME MILITAR AOS DIREITOS SOCIAIS

1 INTRODUÇÃO
Esse período teve início com o regime militar, que se estendeu até a década
de 1980, quando foi suprimido e ocorreu a redemocratização do país. Em todo
esse período, o governo foi chefiado por comandantes militares – como Castelo
Branco, Costa e Silva, Médici, Geisel, Figueiredo –, em um regime governamental
de caráter ditatorial e autoritário, com o uso excessivo das forças policiais e das
medidas de repressão.

A vida da população brasileira foi marcada pelo golpe militar de 1964, que
teve como característica o autoritarismo e a restrição de alguns “direitos” sociais
antes conquistados. A ditadura causou um processo de anulação dos Poderes
Legislativos e Judiciários da época.

Com os militares no poder, burocratizou-se ainda mais a área social,


com a formulação de regras e critérios de atendimento à população excluída. O
contraponto bastante evidente desse período foi que a previdência social passou
a ser mais reconhecida, impulsionada com o Funrural, quando os trabalhadores
do campo também passam a ser beneficiados.

Outro ponto importante a ser considerado é que a LBA foi transformada


em fundação pública vinculada ao Ministério do Trabalho e Previdência Social.
Outras instituições públicas foram criadas para dar assistência a determinadas
faixas etárias ou pelo tipo de atendimento específico. No caso, a Funabem
– Fundação Nacional para o Bem-Estar do Menor, a CEME – Central de
Medicamentos e o BNH – Banco Nacional de Habitação. Nesse contexto foi criado
também o Instituto Nacional de Seguro Social – INSS.

2 O CONTEXTO DA SAÚDE DURANTE O REGIME MILITAR


Os rumos do contexto histórico brasileiro são alterados com o
golpe militar de 1964. Nessa dinâmica foi vivenciado o chamado “Milagre
econômico”, que inicialmente possibilitou melhoria nos ganhos do país,
como resultado da retirada da proteção social prestada pelo Estado, mas
que no final do regime militar causou uma recessão com altos índices de
desemprego, inflação e pobreza para a população brasileira como um todo.

117
UNIDADE 2 | O CONTEXTO HISTÓRICO E SOCIAL DA POLÍTICA DE SAÚDE NO BRASIL COM ENFOQUE NO MODELO DE
SEGURO SOCIAL

Contudo, esse período diminui de forma radical a proteção social


prestada pelo Estado, foi um período em que a saúde foi repassada ao modelo de
atendimento privado centrado na hospitalização.

A saúde passa a seguir o modelo médico assistencial privatista, cuja


principal característica estava vinculada à centralização político-administrativa
a partir da compra de serviços do setor privado. Os militares tinham ideia de
que as pessoas buscassem sanar suas próprias necessidades sem a intervenção do
Estado. Assim, os poucos espaços de saúde pública foram privatizados.

Nessa mesma linha, os IAPs que atendiam determinados setores foram


unificados. Assim, o governo teria maior domínio, formando o Instituto Nacional
de Previdência Social – INPS.

Esse movimento causou uma grave crise fiscal, mais evidente no ano de
1966 com a privatização da assistência médica. Quem precisasse de assistência
médica precisaria pagar pelo atendimento.

A saúde pública, no Brasil, durante o regime militar, iniciou de forma


embrionária as bases para o surgimento do SUS (Sistema Único de Saúde), que se efetivou
nas décadas seguintes, porém esse movimento intensificou-se com as campanhas de
erradicação. O primeiro foi o combate à malária, que se torna um importante viés da
saúde pública, em que se inicia o pensamento de proteção à saúde e não somente a
cura. O mesmo processo passa a ser disseminado também em campanhas de combate
à varíola, ambas foram de responsabilidade do Ministério da Saúde.

Nesse caminho, a ação inicial para a saúde, neste período, incidiu na


publicação, em 1967, do Decreto-Lei nº 200, que definiu, de forma geral, o modo
de organização da administração pública e, com relação ao sistema de saúde,
redefiniu as competências do Ministério da Saúde, que passaram a ser:

– Formulação da Política Nacional de Saúde.


– Assistência Médica Ambulatorial.
– Prevenção à Saúde.
– Controle Sanitário.
– Pesquisas na área da saúde.

Essas atribuições designadas ao Ministério da Saúde fazem com que ele se


torne de fato o órgão máximo de gestão responsável pela condução das políticas
públicas de saúde no país, substituindo a ideia de aparato burocrático.

O ano de 1969 destaca-se pelo início da discussão em relação à compreensão


dos conceitos de "demanda" e de "necessidade" e a importância dos mesmos para o
planejamento de saúde em um sistema de economia mista, que se caracteriza pela
existência de duas esferas de interesses: a pública e a privada, e pela participação
crescente do Estado em serviços tradicionais, em novas atividades de produção
e de promoção.

118
TÓPICO 3 | DO REGIME MILITAR AOS DIREITOS SOCIAIS

O volume de bens e serviços que a comunidade está disposta a adquirir


a determinados preços dimensiona a DEMANDA, e a quantidade de
bens e serviços que os empresários lançam no mercado, mediante
retribuição financeira, constitui a OFERTA (CASTRO; LESSA, 1967).

Algumas doenças que até então eram incontroláveis passaram a ser


percebidas como prioridade de estudo e com possibilidades reais de cura e não
disseminação. Esse trabalho ficou por conta da Fundação Seesp, o sistema de
notificação de algumas doenças transmissíveis, prioritariamente aquelas passíveis
de controle por meio de programas de vacinação, que criou o instrumental
denominado de Boletim Epidemiológico.

UNI

Boletim Epidemiológico

O Boletim Epidemiológico, editado pela Secretaria de Vigilância em Saúde, é


uma publicação de caráter técnico-científico, acesso livre, com periodicidade mensal e
semanal para os casos de monitoramento e investigação de doenças específicas sazonais. A
publicação recebeu o número de ISSN: 2358-9450. Este código, aceito internacionalmente
para individualizar o título de uma publicação seriada, possibilita rapidez, qualidade e precisão
na identificação e controle da publicação. Esse boletim tem como objetivo a promoção
de informações importantes qualificadas para ajudar na orientação de ações em saúde
pública no país. São publicadas descrições de monitoramento, eventos e doenças que
mereçam importância para desencadear emergência de saúde pública; análises da situação
epidemiológica de doenças e agravos de responsabilidade da SVS; relatos de investigação de
surtos e de outros temas de interesse da Vigilância em Saúde para o Brasil.

FONTE: Disponível em: <http://portalsaude.saude.gov.br/index.php/o-ministerio/principal/


secretarias/svs/boletim-epidemiologico>. Acesso em: 24 ago. 2017.

A partir desse avanço e fortalecimento do Ministério da Saúde, o


Departamento Nacional de Endemias Rurais (DNERU), criado no período
anterior, foi substituído, em 1970, pela SUCAM (Superintendência de Campanhas
de Saúde Pública), que tinha como principal função o controle permanente das
endemias existentes no Brasil.

3 RECONHENDO AS AÇÕES DE SAÚDE NA DÉCADA DE 70


A década de 1970 possibilitou um reordenamento administrativo do
Ministério da Saúde, com a criação da Superintendência de Campanhas de Saúde
Pública (Sucam), que permanecia interligada à Secretaria de Saúde Pública, que
incorporou o DENERU, a CEM e a CEV (Decreto nº 66.623, de 22/5/1970).

119
UNIDADE 2 | O CONTEXTO HISTÓRICO E SOCIAL DA POLÍTICA DE SAÚDE NO BRASIL COM ENFOQUE NO MODELO DE
SEGURO SOCIAL

Outra subdivisão na área da saúde com bastante eficiência foi a criação


da Divisão Nacional de Epidemiologia e Estatística da Saúde (NEEs), com foco
principal no controle de doenças, o que ocasionou abertura em âmbito estadual
das unidades de Vigilância Epidemiológica da Varíola.

Nesse período também houve a unificação gradativa de instituições de


saúde, como o Instituto Oswaldo Cruz, a Fundação de Recursos Humanos para
a Saúde, o Instituto Fernandes Figueira, onde se uniram para formar a Fiocruz,
com possibilidades de realizar pesquisas.

Os estudos foram concentrados, principalmente, na produção de vacinas,


que resultou no Massacre de Manguinhos, em 1970, com a cassação dos direitos
políticos e aposentadoria de dez renomados pesquisadores da instituição,
reintegrados 15 anos após as investigações.

França et al. (2008) ressaltam que a criação do Programa Nacional


de Imunizações (PNI), em 1973, por determinação do Ministério da Saúde,
sistematizou e integralizou as ações de imunização que ocorriam em programas de
controle de doenças específicas (erradicação da varíola, controle da tuberculose)
e com ações desenvolvidas por iniciativas de governos estaduais, aumentando a
cobertura vacinal, com a finalidade de alcançar um adequado grau de proteção
da população contra doenças infectocontagiosas.

Outra situação que vinha preocupando o cenário nacional era a reincidência


de poliomielite, que necessitou da criação de um Plano Nacional de Controle da
Poliomielite, que mobilizou o país para aplicação de vacinas, tendo seu projeto
inicial no Estado do Espírito Santo. Esse período teve como marco a necessidade
de imunização em massa e sendo este um dia de mobilização nacional.

A Central de Medicamentos (Ceme) teve o início de suas atividades no


mesmo período, quando os medicamentos e produtos imunobiológicos passaram
a ser organizados desde sua produção até a distribuição.

Com essa nova demanda, surgiu a necessidade de regulamentação, que


foi criada em 1975, através da Lei nº 6.259, de 30/10/1975, com organização das
ações de vigilância epidemiológica e o Programa Nacional de Imunizações.

Com o início da era das vacinas, surge a vacinação contra a meningite


meningocócica, e assim esse novo sistema de prevenção e proteção social de
saúde chamado vacina torna-se um ciclo vital de saúde no Brasil.

Em 1975 foi criado o Sistema Nacional de Saúde, com a instituição do


sistema de assistência à saúde com validade para todo o território nacional, sendo
que esta criação foi o embrião inicial para a ideia do SUS, que surgiria algumas
décadas depois.

120
TÓPICO 3 | DO REGIME MILITAR AOS DIREITOS SOCIAIS

O processo de melhoria no sistema de saúde brasileiro foi continuado


por meio da criação do PIASS (Programa de Interiorização das Ações de Saúde e
Saneamento), proporcionando a implantação de postos de atendimento de saúde
nos municípios pequenos de todo o país.

Essa ação foi feita principalmente porque a população do interior do Brasil


não possuía tipo algum de assistência à saúde, e nem mesmo uma referência para
a busca do atendimento.

Ainda durante a vigência do regime militar, no que se refere à Previdência


Social, ocorreu um processo de unificação dos IAPs, concluído no ano de 1967, sendo
posteriormente transformados no INPS (Instituto Nacional de Previdência Social).

Dessa maneira, no recém-criado INPS, a previdência social passa para o


comando total do Governo Federal e, com isso, seus beneficiários passam a ter,
além das aposentadorias e pensões, o direito à assistência médica.

No entanto, o surgimento do INPS gerou um grande aumento do número


de beneficiários, exigindo uma melhoria no sistema de assistência médica. Neste
momento, o governo militar, ao invés de investir no setor público por meio do
Ministério da Saúde, direcionou grandes somas de recursos financeiros para
atenção privada à saúde.

A partir disso foram feitos contratos e convênios com profissionais de


saúde em uma dinâmica na qual o pagamento era feito para cada procedimento
realizado; sendo assim, eram comuns, neste período, as fraudes, como cirurgias
de fimose em mulheres ou até partos feitos em homens.

A saúde passa a ter mais regulamentações, isso inclui a Lei nº 6.259/75,


que organiza as ações da Vigilância Epidemiológica, e o Programa Nacional
de Imunizações vem se remodelando. O atestado para quem tomou a vacina
de varíola não é mais necessário, pois acreditava-se que as pessoas já estavam
convencidas de sua eficiência para o organismo, portanto, tomariam por conta e
não porque são obrigadas a apresentar o atestado.

O Nordeste já dava sinais de ser uma região com mais sensibilidade, por
isso criou-se um Programa específico de Interiorização das Ações de Saúde e
Saneamento no Nordeste (Decreto nº 78.307, de 24/8/1976).

Pela primeira vez, inicia-se o sistema de informações para saber os números


da mortalidade, buscando compreender esse cenário a partir das causas, para não
chegar às estatísticas de mortalidade.

121
UNIDADE 2 | O CONTEXTO HISTÓRICO E SOCIAL DA POLÍTICA DE SAÚDE NO BRASIL COM ENFOQUE NO MODELO DE
SEGURO SOCIAL

Houve também a implantação de um sistema nacional de vigilância


de casos suspeitos de poliomielite, com apoio de laboratórios de diagnóstico, o
que permitiu definir o perfil epidemiológico da doença no país. Esse processo
facilitou a criação da Secretaria Nacional de Ações Básicas de Saúde (Snabs) e a
Secretaria Nacional de Programas Especiais de Saúde (Snpes) (Decreto nº 79.056,
de 30/12/1976).

Como os atestados de vacinação estavam complicando o controle dos


usuários imunizados, então foi criado o sistema de caderneta de vacinação
(Portaria GM/MS nº 85, de 4/4/1977). Neste mesmo ano de 1977, um dado bastante
importante foi a ocorrência dos últimos casos de varíola registrados no mundo,
sendo que a erradicação global da varíola aconteceu em 1979.

A política de saúde ganhou mais espaço e com isso se desenvolveu de


uma maneira mais efetiva, pois no mesmo ano de 1977 foi criado também o
Sistema Nacional de Laboratórios de Saúde Pública (Portaria GM/MS nº 280, de
21/7/1977).

Essa pactuação de cuidado em saúde também era meta da Organização


Mundial de Saúde (OMS), que pretendeu conseguir até 1990 a imunização de
todas as crianças do mundo. No Brasil, esse assunto se fortaleceu pela Portaria
Ministerial nº 452, de 1977, que destacou que todas as crianças menores de um
ano deveriam ser vacinadas.

Outra consequência dessa política executada pelos militares foi o uso


de dinheiro público para a construção de hospitais particulares em todo o país,
gerando, assim, um verdadeiro complexo médico-hospitalar com foco nos
médicos, remédios e hospitais que prevalece até os dias atuais.

E para controlar todo esse sistema, que com o passar do tempo foi se
tornando grandioso e complexo, foi criado, em 1978, o INAMPS (Instituto
Nacional de Assistência Médica da Previdência Social).

Um ponto importante a ser destacado é que a incidência de crianças


vacinadas em três anos aumentou de 20% para 40%, ou seja, essas crianças
nasceram em outro cenário, como também o de mobilização social, a partir da
adesão a vacinas e, assim, a preservação da saúde.

Com a erradicação da varíola, a vacina passou a ser opcional (Portaria GM/


MS nº 55, de 29/1/1980), pois o foco do governo era a erradicação da poliomielite,
instituindo o Dia Nacional de Vacinação (Portaria GM/MS nº 106, de 3/3/1980).

122
TÓPICO 3 | DO REGIME MILITAR AOS DIREITOS SOCIAIS

FIGURA 26 – VACINAÇÃO CONTRA POLIOMIELITE

FONTE: Disponível em: <http://pt-br.bmm0586.wikia.com/wiki/


Extin%C3%A7%C3%A3o_da_Poliomielite>. Acesso em: 1 ago. 2017.

A saúde perpassa por diferentes ciclos, por isso iniciamos com o Plano
de Ação Contra o Sarampo, que mobilizou o Brasil buscando a diminuição de
casos. Todos esses avanços impulsionaram a criação do Grupo de Trabalho no
objetivo do Controle da Qualidade de Imunobiológicos (GT/CQI) (Portaria GM/
MS nº 163, de 15/7/1981).

Em 1982 são publicados os primeiros números da mortalidade no Brasil,


bem como se busca entender as Normas Técnicas para o Sistema de Vigilância
Epidemiológica.

A função da vigilância epidemiológica é compreender o processo de


saúde e o entremeio dessa situação, compreendendo os sintomas e as sequelas.
Nesse sentido buscar desenvolver dados científicos para analisar as possíveis
causas e efeitos e assim desenvolver normas técnicas capazes de padronizar os
procedimentos e estabelecer e comparar dados e informações.

Todas as normas devem ser claras e devem ser repassadas para os diversos
níveis do sistema, pelos canais de informações, como: manuais, cursos, ordens
de serviço etc.

123
UNIDADE 2 | O CONTEXTO HISTÓRICO E SOCIAL DA POLÍTICA DE SAÚDE NO BRASIL COM ENFOQUE NO MODELO DE
SEGURO SOCIAL

UNI

A  Vigilância Epidemiológica é definida como um conjunto de ações que


proporcionam o conhecimento, a detecção ou prevenção de qualquer mudança nos
fatores determinantes e condicionantes de saúde individual ou coletiva, com a finalidade
de recomendar e adotar as medidas de prevenção e controle das doenças ou agravos.
FONTE: Disponível em: <www.saude.assis.sp.gov.br/index.php/departamentos/vigilancia-
epidemiologia>. Acesso em: 24 ago. 2017.

FIGURA 27 – MANUAL DE REDE DE FRIO DO PROGRAMA


NACIONAL DE IMUNIZAÇÕES

FONTE: Disponível em: <http://pni.datasus.gov.br/


Download/manual_rede_frio.pdf>. Acesso em: 24 ago.
2017.

A campanha de mobilização do dia “D” de vacinação mostrou ótimos


resultados, que passam a ser recomendados pela Opas e pelo Fundo das Nações
Unidas para a Infância (Unicef), para outros países latino-americanos.

Várias doenças que foram imunizadas por vacinas, deixaram de ser


prioridade e a preocupação da política de saúde muda seu foco, concentrando-se
em ações destinadas às doenças transmissíveis. Essas doenças foram mais bem
pesquisadas pela associação de Fsesp, Fiocruz, Sucam, Instituto Nacional de
Alimentação e Nutrição (Inan), entre outros, e assim compreender seu processo de
saúde e doença. E a realização de treinamento básico em Vigilância Epidemiológica
nas cinco macrorregiões do país, como uma estratégia de disseminação.

124
TÓPICO 3 | DO REGIME MILITAR AOS DIREITOS SOCIAIS

4 O PODER DA MOBILIZAÇÃO POPULAR


O movimento de mobilização popular vem ganhando repercussão, pois
em 1984 essa situação mobilizou 24 estados para o dia da multivacinação, quando
foram aplicadas simultaneamente a vacina contra o sarampo e vacinas DPT. E
mais tarde foi instituído o dia de vacinação contra a poliomielite.

• Primeira edição do Manual de Vacinação do PNI.


• Publicação e distribuição de cartilhas sobre Vigilância das Doenças
Imunopreveníveis (nº 1 e 2), destinadas ao pessoal auxiliar de saúde.

UNI

Sugestão de leitura deste manual.

Manual de normas e procedimentos de vacinação do PNI. (SVS), Secretaria de Vigilância em


Saúde do Ministério da Saúde, em conjunto do Programa Nacional de Imunização (PNI),
a Primeira edição do Manual de Normas e Procedimentos técnicos da sala de vacinação,
aborda o Planejamento, monitoramento e avaliação, na garantia e no aperfeiçoamento
contínuo da área.

FONTE: Disponível em: <http://biblioteca.cofen.gov.br/manual-de-normas-e-


procedimentos-para-vacinacao/>. Acesso em: 24 ago. 2017.

O ano de 1985 destaca-se pelo controle de doenças urbanas e as situações


mais periféricas, tornando-se mais evidente que precisam ser controladas, surge
então o Programa de Controle de Acidentes Ofídicos.

UNI

Manual de diagnóstico e tratamento de acidentes por animais peçonhentos.

Os acidentes ofídicos têm importância médica em virtude de sua grande frequência e


gravidade. A padronização atualizada de condutas de diagnóstico e tratamento dos acidentados
é imprescindível, pois as equipes de saúde, com frequência considerável, não recebem
informações desta natureza durante os cursos de graduação ou no decorrer da atividade
profissional. O Programa Nacional de Controle de Acidentes por Animais Peçonhentos, nesses
14 anos de existência, vem se consolidando no país, envolvendo a política de coordenação
da produção e distribuição de antivenenos, capacitação de recursos humanos e vigilância
epidemiológica dos acidentes em esfera nacional. Esse trabalho conjunto coordenado pelo
Ministério da Saúde e envolvendo as secretarias estaduais e municipais de Saúde, centros

125
UNIDADE 2 | O CONTEXTO HISTÓRICO E SOCIAL DA POLÍTICA DE SAÚDE NO BRASIL COM ENFOQUE NO MODELO DE
SEGURO SOCIAL

de informações toxicológicas, centros de controle de zoonoses e animais peçonhentos,


núcleos de ofiologia, laboratórios produtores, sociedades científicas e universidades, tem
por objetivo maior a melhoria do atendimento aos acidentados por animais peçonhentos.
O presente manual resulta da revisão e fusão do Manual de Diagnóstico e Tratamento de
Acidentes Ofídicos (1987) com o Manual de Diagnóstico e Tratamento de Acidentes por
Animais Peçonhentos (1992). Destina-se, principalmente, aos profissionais da área da saúde,
contendo informações atualizadas que visam fornecer subsídios técnicos para identificação,
diagnóstico e conduta deste tipo de agravo à saúde.

FONTE: Manual de diagnóstico e tratamento de acidentes por animais peçonhentos. 2. ed.


Brasília: Fundação Nacional de Saúde, 2001. 120 1. Zoonose. I. Fundação Nacional de Saúde.

No ano de 1985 foi possível destacar também a Conferência Sanitária Pan-


Americana, que trouxe como principal proposta a erradicação no continente de
Poliovírus selvagem, além da criação do Subsistema Nacional de Controle de
Doenças Transmissíveis.

Todo esse movimento proporcionou a disseminação do conhecimento a


partir do Curso Básico de Vigilância Epidemiológica (Cave), do Curso Intensivo
de Vigilância Epidemiológica (Cive) e do Curso de Aperfeiçoamento para
Epidemiologistas, culminando com a distribuição da primeira edição do Guia de
Vigilância Epidemiológica.

O Plano de Ação para a Erradicação da Poliomielite no Brasil foi aprovado


pela Resolução Ci Plan nº 4, de 6/2/1986, que resultou na criação do personagem
símbolo da campanha da erradicação da poliomielite, o Zé Gotinha.

FIGURA 28 – ZÉ GOTINHA

FONTE: As autoras

Esse movimento resultou na primeira edição do Manual de Procedimentos


para Vacinação, com isso o Brasil foi inserido no Conselho Diretivo das Opas,
que sugeriu a erradicação da transmissão do poliovírus selvagem nas Américas,
através da Resolução nº 31/87. No país essa proposta se ampliou, formando o
primeiro GT/Pólio.

126
TÓPICO 3 | DO REGIME MILITAR AOS DIREITOS SOCIAIS

Esse trabalho foi reconhecido com o 1º Curso Internacional de Vigilância


Epidemiológica para Erradicação da Poliomielite nas Américas, promovido
pela Opas/OMS, na cidade do Rio de Janeiro. Essa movimentação possibilitou
ampliar a discussão de um Programa de Erradicação da Poliomielite em nível
internacional.

A saúde vem da população. Este tema passa a fazer parte da campanha


central das políticas públicas, onde o Sistema Único de Saúde (SUS) vem se
reestruturando, sendo uma extensão do Sistemas Unificados e Descentralizados
de Saúde (Suds) nos estados (Decreto nº 94.657, de 20/7/1987).

Fechando esse primeiro ciclo de preocupação real do Estado com a saúde


da população, destacaremos a trajetória das vacinas no Brasil. Tavares et al. (2011)
lembram que as vacinas fazem parte da vida do ser humano desde o nascimento
e são essenciais para a eficácia na prevenção contra várias infecções, além de
serem um instrumento importante para a saúde pública na missão de proteger
um grande contingente humano. Enfatizando que a primeira vacina que a criança
recebe é aquela que a mãe passa durante a gravidez.

5 A VACINA E SEU PROCESSO HISTÓRICO


O cenário nacional mostra a resistência da população em aceitar receber a
vacina, pois os estudos sobre sua eficácia e os efeitos colaterais ainda eram bastante
fragilizados. Devido a essa questão as pessoas foram convocadas a receber a
vacina. Nesse sentido sugerimos acompanhar esse processo de vacinação, que
num primeiro momento foi aceito com ressalvas, mas que atualmente é um
movimento em massa muito bem aceito pela população.

TABELA 1 - HISTÓRICO DO PROCESSO DE VACINAÇÃO

1804 Início da vacina no Brasil.


1811 Invenção da Junta Vacínica da Corte.
1832 Primeira normatização legal que torna obrigatória a vacina no Brasil.
1834/35 Epidemia de varíola no Rio de Janeiro.
Instituído o Instituto Vacínico do Império a partir da reestruturação da Junta
1846
Vacínica.
1872 Nascimento de Oswaldo Gonçalves Cruz.
1878 Nova Epidemia de varíola no Rio de Janeiro.
1886 Instituto Vacínico é extinto.
Nova Epidemia de varíola no Rio de Janeiro. Introdução da vacina antivariólica
1887
animal no Brasil.
1889 Instituição por lei de vacina para crianças de até seis meses de idade.

127
UNIDADE 2 | O CONTEXTO HISTÓRICO E SOCIAL DA POLÍTICA DE SAÚDE NO BRASIL COM ENFOQUE NO MODELO DE
SEGURO SOCIAL

1894 Cria-se o Instituto Vacínico Municipal.


Início da criação do Instituto Soroterápico Federal, primeira instituição a
1900
produzir soro no Brasil.
1902 Oswaldo Cruz toma posse na Direção-geral do Instituto Soroterápico Federal.
1903 Rodrigues Alves escolhe Oswaldo Cruz como diretor geral de saúde pública.
Epidemia de varíola arrasa a capital. Instituída e aprovada a lei que obriga a
1904
vacinação. Início da Revolta da Vacina.
1907 Febre amarela é erradicada no Rio de Janeiro.
1908 Epidemia de varíola leva a população aos postos de vacinação.
Oswaldo Cruz deixa a Diretoria Geral de Saúde Pública e se dedica
1909 exclusivamente ao Instituto de Manguinhos, passando a chamar-se Instituto
Oswaldo Cruz.
1917 Morre Oswaldo Cruz
O Instituto Oswaldo Cruz incorpora em sua estrutura o Instituto Vacínico
1919
Municipal, que passa a ser denominado Instituto Vacínico Federal.
1921 Regulamentação do Instituto Vacínico Federal.
1925 Introduzida a BCG no Brasil.
Início da produção e utilização da vacina contra a febre amarela fabricada
1937
no Brasil.
1939 Discussões sobre a eficácia da vacina contra a febre amarela.
Reforçada a necessidade de combater o mosquito vetor, Aedes aegypti, devido
1940
à baixa eficácia da vacina.
1942 Erradicada a febre amarela urbana no Brasil.
1948 Realizado o I Congresso Mundial de BCG.
1953 Epidemias de difteria no Brasil.
1961 Realizadas as primeiras campanhas com a vacina oral contra a poliomielite.
1962 Instituída a Campanha Nacional contra a Varíola.
1966 Criada a Campanha de Erradicação da Varíola.
Criada a Superintendência de Campanhas de Saúde Pública (SUCAM),
1970 resultado da fusão do Departamento Nacional de Endemias Rurais, da
Campanha da Erradicação da Varíola e da Erradicação da Malária.
Implantado o Plano Nacional de Controle da Poliomielite.
1971 Últimos casos de varíola no Brasil.
Iniciada a produção do BCG liofilizado pelo Butantan.
1972 Início do Programa de Vacinação Antissarampo.
Certificação internacional da erradicação da varíola no Brasil.
1973 Formulado o Programa Nacional de Imunizações, com o objetivo de
controlar ou erradicar doenças infectocontagiosas e imunopreveníveis.
Criado o Programa Ampliado de Imunizações.
1974
Epidemia de meningite meningocócica no Brasil.

128
TÓPICO 3 | DO REGIME MILITAR AOS DIREITOS SOCIAIS

Início do sistema de registro de doses de vacinas aplicadas.


1975 Instituído o Sistema Nacional de Vigilância Epidemiológica e Imunizações.
Campanha Nacional de Vacinação contra a Meningite Meningocócica.
Implantado em Biomanguinhos, unidade da Fiocruz, um centro de
1976
produção de vacinas contra a meningite meningocócica A e C.
Definidas as vacinas obrigatórias para menores de um ano de idade em
1977 todo o Brasil.
Aprovado o modelo de caderneta de vacinações.
Extinta a obrigatoriedade da vacinação contra a varíola.
1980
Início dos dias nacionais contra a paralisia infantil no Brasil.
1981 Lançada a Campanha Nacional de Conscientização sobre a febre amarela.
1982 Fiocruz lança o primeiro lote da vacina brasileira contra o sarampo.
Iniciada em todo o país a vacinação de crianças de 0 a 4 anos de idade contra
1984
poliomielite, sarampo, difteria, coqueluche e tétano.

1986 Criado o Zé Gotinha, personagem símbolo da campanha pela erradicação


da Poliomielite no Brasil.
1989 Registrado o último caso de poliomielite no Brasil.
1990 Extintas a SUCAM e a FSESP, que resultam na Funasa.
Campanha Nacional contra o Sarampo.
Implantada a vacina tríplice viral.
1992
Implantada a vacina Anti-hepatite B para grupos de risco.
Lançado o Plano de Eliminação do Tétano Neonatal.
1994 Certificação internacional da erradicação da poliomielite no Brasil. 
Campanha Nacional de Vacinação contra a Hepatite B, envolvendo escolares
1996
e odontólogos.
Campanha Nacional de Vacinação contra o Sarampo, em crianças menores
1997
de cinco anos.
1998 Vacinação contra a Hepatite B em todo o Brasil.
Implementado o Plano de Erradicação do Sarampo.
Primeiro ano da Campanha de Vacinação para a terceira idade, com a
1999 finalidade de imunizá-los contra gripe, tétano e difteria.
Implantada a vacina contra Haemophilus influenzae b, para menores de 2
anos.
Intensificada a vacinação das mulheres em idade fértil, com o intuito de
2001
zerar a ocorrência do tétano neonatal.
Implantada a vacina tetravalente (DTP + Hib), para menores de 1 ano.
2002
Campanha Nacional de Vacinação contra a rubéola destinada a mulheres.

129
UNIDADE 2 | O CONTEXTO HISTÓRICO E SOCIAL DA POLÍTICA DE SAÚDE NO BRASIL COM ENFOQUE NO MODELO DE
SEGURO SOCIAL

Jornada Sul-Americana de Vacinação com o propósito de acelerar a


erradicação do sarampo e o controle de doenças que podem ser evitadas
2003 através de vacinas.
Assinado pelo Ministério da Saúde acordo para a fabricação da vacina
tríplice viral contra sarampo, rubéola e caxumba.
Apresentada pelo Departamento de Ciência e Tecnologia (DCT) as seis vacinas
prioritárias para desenvolvimento nos próximos três anos: pentavalente
2004 (contra difteria, coqueluche, tétano, hepatite B e Haemofilus Influenzae),
contra a raiva humana e canina, imunização das meningites A e B, e contra a
leishmaniose canina.
Distribuição da nova Caderneta da Criança por maternidades públicas e
2005
privadas.
Incorporada a vacinação contra o Rotavírus no Calendário Básico de Vacinação
da Criança. Instituído o “Dia Nacional de Prevenção da Catapora”, celebrado
2006
anualmente no dia 5 de agosto, com o objetivo de conscientizar a população
sobre a importância da vacinação contra a doença.
FONTE: Disponível em: <http://www.ccms.saude.gov.br/revolta/ltempo.html>. Acesso em: 16 ago,
2017.

O processo histórico da vacina no Brasil é relativamente novo e perpassa


por fases de negação, onde a população não compreendia a eficácia e a efetividade,
para um período de erradicação de doenças até então fatais.

Na visão de Lessa (2013, p. 226), as vacinas são consideradas:

Como uma das tecnologias médicas mais efetivas e de menor custo-


benefício. Utilizadas em todo o mundo no controle e prevenção de
doenças infecciosas, revelam-se importantes principalmente nos países
em desenvolvimento, que possuem condições sanitárias deficientes e
escassez de recursos destinados às ações de saúde pública.

A efetividade das vacinas tornou-se uma alternativa de baixo custo,


beneficiando todas as pessoas. O Brasil, por ser um país em desenvolvimento,
sempre esteve muito suscetível a doenças infectocontagiosas, que foram sendo
controladas gradativamente através das campanhas de vacinação, que tinham
cada vez maior apoio da política pública de saúde e da população.

130
RESUMO DO TÓPICO 3
Neste tópico você viu que:

• O golpe militar de 1964 teve como característica o autoritarismo e a restrição de


alguns “direitos” sociais. Nesse período diminuiu a proteção social prestada
pelo Estado, foi um período em que a saúde foi repassada ao modelo de
atendimento privado centrado na hospitalização.

• A LBA foi transformada em fundação pública vinculada ao Ministério do


Trabalho e Previdência Social.

• Outras instituições públicas foram criadas, como a Funabem – Fundação


Nacional para o Bem-Estar do Menor, a CEME – Central de Medicamentos, o
BNH – Banco Nacional de Habitação e o Instituto Nacional de Seguro Social –
INSS.

• O ano de 1969 destaca-se pelo início da discussão em relação à compreensão


dos conceitos de "demanda" e de "necessidade".

• Existência de duas esferas de interesses: a pública e a privada, e pela participação


em novas atividades de produção e de promoção.

• Criação do Boletim Epidemiológico para monitoramento e investigação de


doenças específicas sazonais.

• A decada de 1970 destacou-se pela criação da Superintendência de Campanhas


de Saúde Pública (Sucam) e pela concentração de estudos, principalmente na
produção de vacinas.

• Criação do dia de mobilização em massa em nível de cenário nacional, que se


torna um ciclo vital de saúde no Brasil.

• O processo de melhoria no sistema de saúde brasileiro foi continuado por


meio da criação do PIASS (Programa de Interiorização das Ações de Saúde
e Saneamento), proporcionando a implantação de postos de atendimento de
saúde nos municípios pequenos de todo o país.

• A saúde passa a ter mais regulamentações, parametrização a partir de leis


específicas.

• Inicia-se a pesquisa dos casos de doença e morte, o que permitiu definir o perfil
epidemiológico da doença no país.

131
• A política de saúde vem ganhando mais espaço com a criação em 1977 do
Sistema Nacional de Laboratórios de Saúde Pública.

• Em 1982 são publicados os primeiros números da mortalidade no Brasil.

• O movimento de mobilização popular mobilizou 24 estados para o dia da


multivacinação na mesma data.

• O ano de 1985 destaca-se pelo controle de doenças urbanas, e as situações


mais periféricas entram no cenário nacional com o Programa de Controle de
Acidentes Ofídicos.

• Em 1985 ocorreu a Conferência Sanitária Pan-Americana, que trouxe como


principal proposta a erradicação no continente de Poliovírus selvagem, além
da criação do Subsistema Nacional de Controle de Doenças Transmissíveis.

• Aprovado em 1986 o Plano de Ação para a Erradicação da Poliomielite no Brasil,


que resultou na criação do personagem símbolo da campanha da erradicação
da poliomielite, o Zé Gotinha.

• O processo histórico da vacina no Brasil é relativamente novo e perpassa por


fases de negação, onde a população não compreendia a eficácia e a efetividade,
para um período de erradicação de doenças.

132
AUTOATIVIDADE

1 A partir de 1970, houve, em escala mundial, uma maior mobilização para


atender às questões levantadas em torno da compreensão das políticas de
saúde no Brasil. Assim, é necessário analisar a construção histórica destas
políticas para entender o que os movimentos visavam combater e alcançar.
Desta forma, escreva um texto com o tema: Conferências mundiais e sua
interferência na política de saúde no Brasil.

2 A proteção social no Brasil registrou um significativo avanço com a


Constituição de 1988, pois trouxe em seu bojo o conceito de Seguridade Social.
O denominado tripé da Seguridade Social envolve, além da política de saúde,
demais políticas de extrema relevância para a sociedade. Com relação a estas
políticas, analise as sentenças a seguir:

I - Previdência social e assistência social são as políticas que, com a política da


saúde, completam o tripé.
II - Previdência social e meio ambiente fazem parte do tripé da seguridade social.
III - Educação e assistência social foram incluídas para completar o tripé da
seguridade social.
IV- Assistência social e habitação fazem parte das três políticas compostas pela
seguridade social.

Agora, assinale a alternativa CORRETA:

( ) Somente a sentença I está correta.


( ) As sentenças I, II e III estão corretas.
( ) As sentenças III e IV estão corretas.
( ) As sentenças II e IV estão corretas.

133
134
UNIDADE 3

A TRAJETÓRIA E OS DESAFIOS DO
MODELO DE SAÚDE E PREVIDÊNCIA

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM

A partir desta unidade você será capaz de:

• as características do Sistema Único de Saúde no Brasil;

• refletir acerca dos avanços e desafios da Política de Saúde após a promul-


gação da Constituição Federal de 1988;

• conhecer a estrutura de organização do Sistema Previdenciário brasileiro


nas últimas três décadas;

• analisar os desafios da previdência no contexto do neoliberalismo;

• refletir sobre os desafios contemporâneos da Política de Saúde e Previdência


Social no Brasil.

PLANO DE ESTUDOS
Esta unidade está dividida em três tópicos e em cada um deles você encon-
trará atividades que o(a) ajudarão a aplicar os conhecimentos apresentados.

TÓPICO 1 – COMPRENDENDO O SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE – SUS

TÓPICO 2 – O SISTEMA PREVIDENCIÁRIO

TÓPICO 3 – OS DESAFIOS CONTEMPORÂNEOS NA POLÍTICA DE SAÚDE


E PREVIDÊNCIA

135
136
UNIDADE 3
TÓPICO 1

COMPREENDENDO O SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE – SUS

1 INTRODUÇÃO
Prezado acadêmico! Seja bem-vindo à Unidade 3 da disciplina de Políticas
de Saúde e Previdência Social. Nesta unidade trilharemos juntos o caminho das
políticas públicas no período após a promulgação da Constituição Federal de 1988.

O Tópico 1 será dedicado ao Sistema Único de Saúde (SUS). Aqui


conheceremos o contexto social e político que levou à construção do SUS como
política pública de saúde. E os desdobramentos do reconhecimento da saúde
como direito do cidadão e dever do Estado.

Para compreender essas questões, iniciaremos relembrando as principais


características do desenvolvimento das políticas de saúde pública no Brasil. Na
sequência, abordaremos a política de saúde após a promulgação da Constituição
de 1988, a partir da concepção do acesso universal da população à saúde. Os
impactos e influências do neoliberalismo para a política de saúde não poderiam
ser deixados de lado, assim como a compreensão do modelo de saúde pública
em nosso país, a organização do Sistema Único de Saúde (SUS), as instâncias de
decisão do SUS, ou seja, seus arranjos institucionais e a ampliação da participação
da comunidade nas instâncias de decisão do SUS.

No Tópico 2 nos dedicaremos à política de Previdência Social. Analisaremos


as características da Previdência no contexto da Seguridade Social e a estrutura
do sistema previdenciário brasileiro. Para tanto, iniciaremos nossa reflexão
relembrando a construção da noção de seguridade social. Dando continuidade
à nossa reflexão, nos dedicaremos à compreensão das características do sistema
previdenciário brasileiro, dando ênfase aos processos de reforma da previdência
e as dimensões da previdência pública e privada.

O terceiro tópico será destinado aos desafios relativos às Políticas de Saúde


e Previdência. Iremos analisar o cenário econômico, político e social que desafia
o Estado a colocar em prática os textos legais e o sucesso das políticas públicas.

Esperamos que você, acadêmico, no desenvolvimento de seus estudos,


possa compreender o panorama institucional das políticas de saúde e previdência
no Brasil e, também, seja capaz de analisar esse contexto de forma crítica,
transformando assim teoria em ferramenta de trabalho na constante luta pela
garantia do acesso aos direitos no Brasil.

Conte conosco nessa jornada, bons estudos e sucesso!

137
UNIDADE 3 | A TRAJETÓRIA E OS DESAFIOS DO MODELO DE SAÚDE E PREVIDÊNCIA

2 A POLÍTICA DE SAÚDE BRASILEIRA E A ORGANIZAÇÃO


INSTITUCIONAL DO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE (SUS)
Prezado acadêmico! Você já deve ter se deparado em algum momento
com manchetes como essas:

FONTE: Disponível em:<www.google.com.br/search?q=SUS&rlz=1C1GGRV_


enBR749BR750&tbm=nws&ei=qWWwWc3UGqmQ0gL0jpyQ>. Acesso em: 6 set. 2017.

FONTE: Disponível em: <www.google.com.br/search?q=SUS&rlz=1C1GGRV_


enBR749BR750&tbm=nws&ei=qWWwWc3UGqmQ0gL0jpyQ>. Acesso em: 6 set. 2017.

FONTE: Disponível em: <https://www.google.com.br


search?q=SUS&rlz=1C1GGRV_750&tbm=nws&ei=vGWwWcf7JYiJ0wLgi4PwDA&start=30
&sa=N&biw=998&bih=579&dpr=1>. Acesso em: 6 set. 2017.

É comum nos depararmos com duras críticas ao sistema público de saúde


no Brasil – sejam elas divulgadas nos meios de comunicação ou proferidas em
conversas cotidianas. Mas, afinal, como se configura o sistema de saúde pública
no Brasil? Quais são suas atribuições? Quais são os atores que interagem no
âmbito da política de saúde?

Para responder a essas perguntas e apresentar um panorama do cenário


da saúde no país nas últimas décadas, nós preparamos este tópico. Vamos lá?

138
TÓPICO 1 | COMPREENDENDO O SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE – SUS

3 RELEMBRANDO A CONSTRUÇÃO DAS POLÍTICAS DE


SAÚDE
Para compreender o processo de formação do SUS é necessário relembrar
alguns aspectos já descritos nas unidades 1 e 2. Segundo Bravo (2006), devemos
considerar como antecedentes da ação estatal:

• Quando o Estado assume a assistência à saúde após a industrialização dos


países centrais, aliada ao nascimento da medicina social na Alemanha, França e
Inglaterra.

• A conquista de direitos sociais foi mediada pela intervenção do Estado.

• A interferência estatal é aprofundada no século XX com a elaboração de políticas


e propostas para o setor.

• No Brasil, a interferência estatal só ocorreu com efetividade na década de 1930.

• No século XVIII, a assistência médica se restringia à filantropia e à prática


liberal.

• No século XIX, com as transformações econômicas e políticas, surgiram


iniciativas como a vigilância do exercício profissional e a realização de
campanhas limitadas.

• No fim do século XX, a saúde se tornou pauta dos movimentos sociais.

• No início do século XX se consolidam iniciativas para a organização do setor de


saúde.

• A saúde passa a ser considerada parte da “questão social” no século XX devido


ao avanço da divisão do trabalho na economia cafeeira.

• A Reforma Carlos Chagas representou a tentativa, por parte do governo, de


ampliar o atendimento à saúde e o poder nacional no interior do país.

• A década de 1920 também foi marcada pela atenção às questões de higiene e


saúde do trabalhador e pela criação das Caixas de Aposentadorias e Pensões
(CAPs).

• Após a década de 1930, podemos observar mudanças na forma como o Estado


passou a elaborar as políticas sociais, estabelecendo formas de responder às
questões sociais.

• Os desafios da época estavam relacionados aos processos de urbanização e


ampliação da massa trabalhadora que se encontrava em situação precária.

139
UNIDADE 3 | A TRAJETÓRIA E OS DESAFIOS DO MODELO DE SAÚDE E PREVIDÊNCIA

• A política de saúde era organizada pela saúde pública e pela medicina


previdenciária.

• Entre os anos 1930 e 1940, a política de saúde recebia uma orientação


contencionista – a massa de trabalhadores aumentou e os gastos diminuíram.

• A legislação passou a diferenciar previdência e assistência social.

• A consolidação da Política Nacional de Saúde ocorre entre os anos de 1945 e 1950.

• No setor privado se organizava a partir dos anos 1950 uma estrutura hospitalar
e empresas médicas.

• Apesar da organização privada da assistência médica hospitalar, a assistência


médica previdenciária seguia a cargo dos próprios Institutos.

• A atuação governamental entre 1964 e 1974 seguiu a lógica da repressão-


assistência, ou seja, a ampliação da oferta de serviços de assistência foi utilizada
para legitimar a forma de governo.

• A unificação da Previdência Social representou a ampliação da intervenção


estatal e a exclusão dos trabalhadores da gestão previdenciária, ficando a cargo
deles o financiamento.

• As características do capitalismo chegam à Saúde Pública e à Previdência


através da medicalização.

• A partir desse período o setor privado ganha espaço com a ampliação da


cobertura previdenciária, prática médica curativa, individual, assistencialista e
especializada, articulação com o capital internacional, criação de um complexo
médico-industrial, intervenção estatal, orientação da prática médica segundo o
modelo capitalista.

• Entre 1974 e 1979, o foco da política de saúde estava na necessidade de dar


conta da questão social, trazendo para o debate as pressões populares.

Observa-se no decorrer desse processo a influência das transformações


sociais na criação de demandas que chegam à esfera pública. Para modificar as
políticas sociais foi necessário o surgimento de demandas sociais e a organização
de setores que transformaram essas necessidades em questões políticas.

Nos anos 1980, a expectativa causada pelo fim da ditadura militar foi
frustrada com o caráter conservador assumido pelas políticas sociais no período
da redemocratização (BRAVO, 2006). Em outras palavras, esperava-se que com o
fim da rígida intervenção estatal as políticas sociais seriam capazes de promover
melhorias nas condições de vida de trabalhadores e da população em situação de
vulnerabilidade.

140
TÓPICO 1 | COMPREENDENDO O SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE – SUS

A saúde se tornou tema de debate em relação às condições de vida da


população. A ampliação dos atores sociais envolvidos com a questão fez com que
a saúde deixasse de ser temática restrita aos técnicos e passasse a se caracterizar
como uma questão política. As discussões ultrapassaram o âmbito corporativo e
passaram a incluir características gerais, como a situação da saúde e o fortalecimento
do setor público, o movimento sanitário, ampliação das discussões sobre saúde
e democracia, participação dos partidos políticos de oposição nas discussões,
articulando movimentos sociais e entidades da sociedade civil (BRAVO, 2006).

Entre as propostas debatidas destacam-se:

[...] a universalização do acesso; a concepção de saúde como direito social e


dever do Estado; a reestruturação do setor através da estratégia do Sistema
Unificado de Saúde visando um profundo reordenamento setorial com
um novo olhar sobre a saúde individual e coletiva; a descentralização do
processo decisório para as esferas estadual e municipal, o financiamento
efetivo à democratização do poder local através de novos mecanismos de
gestão – os Conselhos de Saúde (BRAVO, 2006, p. 9).

UNI

Conselhos de saúde: a responsabilidade do controle democrático do SUS.

Material elaborado pelo Ministério da Saúde e pelo Conselho Nacional de Saúde traz
informações sobre a organização dos conselhos de saúde e sua relevância para o controle
social e a gestão democrática.

Disponível em: <http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/


conselhos_saude_responsabilidade_controle_2edicao.pdf>. Acesso
em: 27 jun. 2017.

141
UNIDADE 3 | A TRAJETÓRIA E OS DESAFIOS DO MODELO DE SAÚDE E PREVIDÊNCIA

Destacam-se o debate para universalização do acesso à saúde através


do reconhecimento da saúde como direito do cidadão e dever do Estado e
a concepção que representa a necessidade de democratizar os processos de
elaboração, implementação e avaliação das políticas públicas.

A preparação e a realização da 8ª Conferência Nacional de Saúde (março


de 1986) foram marcantes para o debate sobre saúde, ao abordar temas como: a
saúde como direito, reformulação do sistema nacional de saúde e financiamento
do setor e pela ampla participação de entidades e representantes.

UNI

A Reforma Sanitária Brasileira e o Sistema Único de Saúde

Maria Fátima de Sousa

BREVE HISTÓRICO
A história das políticas de saúde está relacionada diretamente à evolução político-social e
econômica da sociedade brasileira, não sendo possível dissociá-las. Torna-se necessário
relacionar no tempo essa construção.
Nesse sentido, nunca é demais reafirmar que as lutas sociais por saúde no Brasil sofreram
a influência dos movimentos e dos contextos sociopolítico e econômico, mas também
influenciaram, em vários momentos, a construção social e política do Estado Brasileiro, por
meio da participação e mobilização social em saúde, não só por representar a aglutinação
organizada de entidades e pessoas com objetivos e formas de manifestações articuladas no
cenário social e político, como por ser espécie de “ato permanente” do chamado movimento
sanitário, o que deu corpo às teses que sustentaram o Projeto da Reforma Sanitária Brasileira.
Esse movimento consolidou-se na 8ª Conferência Nacional de Saúde, em 1986, na qual,
pela primeira vez, mais de cinco mil representantes de todos os segmentos da sociedade
civil discutiram um novo modelo de saúde para o Brasil, o que culminou com a criação do
Sistema Único de Saúde (SUS) pela Assembleia Nacional Constituinte em 1988.

Fonte: Disponível em: <http://www.tempusactas.unb.br/index.php/tempus/article/


view/1448>. Acesso em: 27 jun. 2017.

3.1 CONSTITUIÇÃO DE 1988 E O ACESSO UNIVERSAL À


SAÚDE
Ao longo de nossas discussões foi possível observar a constituição de
diversas particularidades da sociedade brasileira e seus desdobramentos no que diz
respeito às políticas de saúde e previdência. Não foi diferente com o neoliberalismo:
Para melhor compreendermos as repercussões políticas neoliberais no
Brasil, temos que considerar que determinadas medidas promovidas
pelas mesmas se adequaram perfeitamente à nossa sociedade, como é
o caso da canalização do pressuposto público para interesses privados
(FREIRE, 2012, p. 172).

142
TÓPICO 1 | COMPREENDENDO O SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE – SUS

Quando chegamos ao fim do século XX, a adesão às políticas neoliberais


se adéqua às estruturas sociais e aos objetivos governamentais brasileiros,
especialmente na direção das privatizações e do Estado mínimo.

Um dos marcos para a compreensão da política de saúde no Brasil foi o


processo constituinte e a promulgação da Constituição de 1988, que representaram,

[...] no plano jurídico, a promessa de afirmação e extensão dos


direitos sociais em nosso país frente à grave crise e às demandas
de enfrentamento dos enormes índices de desigualdade social. A
Constituição Federal introduziu avanços que buscaram corrigir as
históricas injustiças sociais acumuladas secularmente, incapaz de
universalizar direitos tendo em vista a longa tradição de privatizar
a coisa pública pelas classes dominantes. [...] O texto constitucional,
com relação à saúde, após vários acordos políticos e pressão popular,
atende em grande parte às reivindicações do movimento sanitário,
prejudica os interesses empresariais do setor hospitalar e não altera a
situação da indústria farmacêutica (BRAVO, 2006, p. 9-10).

Podemos considerar como aspectos significativos desse texto: a


universalização do direito à saúde e o dever do Estado na promoção e garantia
desse direito, a superação das dicotomias entre segurados e não segurados e
rurais e urbanos. As ações e serviços de saúde passaram à relevância pública,
ficando a cargo do poder público a regulamentação, fiscalização e controle dessas
atividades, a criação do Sistema Único de Saúde, a participação complementar do
setor privado no sistema de saúde e a proibição de comercializar sangue e seus
derivados (BRAVO, 2006).

Apesar de atender a boa parte das reivindicações do movimento sanitário,


o texto da Constituição não foi capaz de incorporar demandas como: a definição
das questões de financiamento, pois não foi firmado um percentual dos gastos
com saúde sobre seus orçamentos de origem; a falta de clareza em relação aos
medicamentos, verifica-se apenas menção à fiscalização por parte do sistema de
saúde; no que diz respeito à saúde do trabalhador, não foi contemplado o direito
de recusa de trabalhar em local insalubre, e a informação sobre produtos tóxicos
a serem manipulados (BRAVO, 2006).

Entre as medidas que promoveram alterações nas práticas institucionais


destacam-se:
[...] o fortalecimento do setor público e a universalização do
atendimento; a redução do papel do setor privado na prestação
de serviços à saúde; a descentralização política e administrativa do
processo decisório da política da saúde e a execução dos serviços
ao nível local, que culminou com a criação do Sistema Unificado e
Descentralizado de Saúde (SUDS) em 1987 e depois, em 1988, SUS
(Sistema Único de Saúde), passo mais avançado na reformulação
administrativa do setor (BRAVO, 2006, p. 12).

Contudo, essas mudanças não foram capazes de promover impactos


significativos na qualidade de vida da população:

143
UNIDADE 3 | A TRAJETÓRIA E OS DESAFIOS DO MODELO DE SAÚDE E PREVIDÊNCIA

[...] Além dos limites estruturais que envolvem um processo de tal


ordem, as forças progressistas comprometidas com a Reforma Sanitária
passaram, a partir de 1988, a perder espaços na coalização governante e,
consequentemente, no interior dos aparelhos institucionais. O retrocesso
político do governo da transição democrática repercute na saúde, tanto
no aspecto econômico quanto no político (BRAVO, 2006, p. 12).

Devido a esse contexto, foram levantadas críticas ao Projeto de Reforma


Sanitária a respeito da baixa efetividade das mudanças, aos desafios não superados
pelo setor público, as disputas entre profissionais da saúde, a regressão do apoio
popular e a organização de setores contrários à reforma (BRAVO, 2016).

3.2 NEOLIBERALISMO E AS MUDANÇAS DE RUMO DA


POLÍTICA DE SAÚDE
Nos anos de 1990, mudanças no universo político e econômico impactaram
nas políticas públicas. Nesse contexto amplo de mudanças ganhou destaque
a política de ajuste neoliberal. A partir desses ajustes, as políticas de saúde se
direcionam para o mercado.

UNI

Prezado acadêmico para compreender os impactos da adoção da política


neoliberal na Política de Saúde realize a leitura do artigo indicado a seguir:

O AJUSTE NEOLIBERAL: IMPACTOS NA POLÍTICA DE SAÚDE NO BRASIL

Cleide Ana Rodrigues Mendes


Patrícia Jobim Santos

O presente artigo visa refletir acerca do Ajuste Neoliberal e seus impactos na política de
saúde, já que os mesmos atingem visivelmente esta área. A metodologia utilizada foi
pesquisa bibliográfica, sendo examinadas literaturas condizentes ao tema proposto. Diante
da constatação das dificuldades de uma saúde “doente”, faz-se necessário refletir a origem
dessa problemática e, a partir daí, analisar os impactos que recaem sobre ela. Entendemos
que a saúde foi fortemente influenciada pelo ajuste neoliberal implementado no Brasil,
principalmente a partir da década de 1990. Sendo assim, objetiva-se adquirir embasamento
teórico-metodológico do processo histórico de constituição desta política social, bem
como apreender suas determinações no presente, para que possamos instrumentalizar os
profissionais, movimentos sociais, usuários e demais atores vinculados à saúde.

Fonte: Disponível em: <http://cress-mg.org.br/hotsites/Upload/Pics/f7/f7816e0b-7840-


425f-b887-2b106e785800.pdf>. Acesso em: 27 jun. 2017.

Com a virada da noção de política de saúde em direção ao mercado, abriu-


se espaço para retomada de ações conhecidas no passado como filantropia.

144
TÓPICO 1 | COMPREENDENDO O SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE – SUS

A saúde foi vinculada ao mercado, enfatizando-se as parcerias com a


sociedade civil, responsabilizando a mesma para assumir os custos da
crise. A refilantropização é uma de suas manifestações, com a utilização
de agentes comunitários e cuidadores para realizarem atividades
profissionais, com o objetivo de reduzir os custos (BRAVO, 2006, p. 14).

No caso específico do SUS, a ação governamental não foi capaz de


cumprir com os dispositivos constitucionais e legais, bem como não foi eficiente
na regulamentação e fiscalização das ações da saúde.

Algumas questões comprometeram a possibilidade de avanço do SUS


como política social, cabendo destacar: o desrespeito ao princípio da
equidade na alocação dos recursos públicos pela não unificação dos
orçamentos federal, estaduais e municipais; afastamento do princípio
da integralidade, ou seja, indissolubilidade entre prevenção e atenção
curativa, havendo prioridade para a assistência médico-hospitalar em
detrimento das ações de promoção e proteção da saúde. A proposta
de Reforma do Estado para o setor saúde ou contrarreforma propunha
separar o SUS em dois: o hospitalar e o básico (BRAVO, 2006, p. 14).

Como se não bastassem as questões delineadas acima, a remuneração por


produção – alvo de críticas no SUS, pois é considerada como uma possibilidade
frequente de corrupção – e a forma como são realizados os gastos em saúde –
os gastos são poucos e realizados de forma errônea, especialmente quando
comparados aos padrões internacionais (BRAVO, 2006).

Esse cenário descrito até aqui representa a existência de duas frentes


opostas no âmbito das políticas de saúde: o projeto da Reforma Sanitária e o
projeto da saúde articulada ao mercado ou privatista. Acompanhe mais sobre
esses projetos no quadro a seguir:

QUADRO 7 – PROJETOS NA ÁREA DE POLÍTICAS DE SAÚDE NOS ANOS 1990

FONTE: Adaptado de Bravo (2006)

145
UNIDADE 3 | A TRAJETÓRIA E OS DESAFIOS DO MODELO DE SAÚDE E PREVIDÊNCIA

Nesse embate é questionada a universalidade do direito, base do SUS e


da Reforma Sanitária, por estar em contraposição em relação à saúde pensada
para o mercado. No projeto privatista predominam visões individualistas e
fragmentadoras da realidade oposta às visões coletivas e universais do projeto
contra-hegemônico (BRAVO, 2006).

No início dos anos 2000, a mudança de governo não representou mudanças


significativas para as políticas de saúde e previdência.
A análise que se faz do governo Lula é que a política macroeconômica
do antigo governo foi mantida e as políticas sociais estão fragmentadas
e subordinadas à lógica econômica. Nessa setorização, a concepção
de seguridade social não foi valorizada, mantendo a segmentação
das três políticas: saúde, assistência social e previdência social
(BRAVO, 2006, p. 15).

A expectativa direcionava-se para a realização da Reforma Sanitária articulada


nos anos 1990, porém, na prática, o projeto de política de saúde foi articulado ao
mercado. Mesmo reconhecendo a relevância da Reforma, o governo manteve a
polarização com os dois projetos da Reforma Sanitária e Privatista (BRAVO, 2006).

No decorrer desse processo são realizadas ações inovadoras e outras de


continuidade. As ações inovadoras podem ser representadas com

[...] o retorno da concepção de Reforma Sanitária que, nos anos 90,


foi totalmente abandonada; a escolha de profissionais comprometidos
com a luta pela Reforma Sanitária para ocupar o segundo escalão do
Ministério; as alterações na estrutura organizativa do Ministério da
Saúde, sendo criadas quatro secretarias e extintas três; a convocação
extraordinária da 12ª Conferência Nacional de Saúde e a sua realização
em dezembro de 2003; a participação do ministro da Saúde nas
reuniões do Conselho Nacional de Saúde e a escolha do representante
da CUT para assumir a secretaria executiva do Conselho Nacional de
Saúde (BRAVO, 2006, p. 15).

Podemos também considerar como inovações: a criação da Secretaria


de Gestão do Trabalho em Saúde, visando à formação de recursos humanos e a
regulamentação profissional – com destaque para a NOB de Recursos Humanos
ainda não implementada; a criação da Secretaria Nacional de Atenção à Saúde,
buscando integrar ações de atenção básica, ambulatorial e hospitalar; e a criação
da Secretaria de Gestão Participativa tendo como objetivo o fortalecimento do
controle social (BRAVO, 2006).

Outra expectativa frustrada em relação às políticas de saúde foi a


respeito do processo de construção e realização da 12ª Conferência
Nacional de Saúde. O propósito da Conferência é orientar a ação
governamental (plano plurianual e diretrizes do sistema de saúde).
As estratégias se pautaram “na necessidade de equacionar os graves
problemas do SUS, com destaque para a área de recursos humanos e
qualidade dos serviços” (BRAVO, 2006, p. 17).

146
TÓPICO 1 | COMPREENDENDO O SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE – SUS

A incorporação de outros atores no contexto das políticas também reflete


a precarização das relações de trabalho.
Outro aspecto que está mais diretamente relacionado com a
precarização e terceirização dos recursos humanos refere-se à
ampliação da contratação de agentes comunitários de saúde e a
inserção de outras categorias que não são regulamentadas: auxiliar
e técnico de saneamento, agente de vigilância sanitária, agentes de
saúde mental. A incorporação dos agentes comunitários de saúde do
PSF já foi polêmica, gerando diversos debates centrados na ausência
de regulamentação da profissão, como também da imprecisão de
suas funções, da precarização das contratações e da falta de concurso
público para a seleção dos mesmos, que tem sido realizada, na maioria
dos casos, com base em indicações político-partidárias. Uma primeira
questão relativa a esse debate já foi resolvida, ou seja, a profissão já
teve sua regulamentação, mas as demais não. A contratação dessas
outras categorias sem equalizar as questões referentes aos agentes
comunitários é inaceitável (BRAVO, 2006, p. 18).

Outros pontos dizem respeito à não integração da Previdência com outras


políticas da Assistência Social, distanciando as políticas do ideal de Seguridade
Social, e o desfinanciamento do SUS.

O financiamento do SUS tem vivido nesses anos alguns problemas, tais


como: proposta de desvinculação do CPMF da receita do setor saúde;
utilização sistemática dos recursos do orçamento da Seguridade Social
para garantir o superávit primário das contas públicas; decisão do
Presidente da República, orientado pelos Ministros do Planejamento
e da Fazenda, de ampliar o conteúdo das ‘ações de serviços de saúde’
incluindo gastos com saneamento e segurança alimentar, o que
ocasionou a redução de 5 bilhões dos recursos destinados ao SUS
(BRAVO, 2006, p. 19).

O neoliberalismo configura mais uma forma de colocar o privado em posição


de superioridade em relação ao público. Nesse contexto, a apropriação do Estado
para atender às demandas e interesses dos grupos em posição de superioridade na
hierarquia social é fundamental para a manutenção dessa estrutura.

Observa-se, então, um aprofundamento da hierarquia social constituída


historicamente.

É importante destacar que o Brasil é uma sociedade marcada por


formas políticas de apropriação da esfera pública em função de
interesses particularistas de grupos poderosos. Aqui existe uma
tradição autoritária e excludente, condensada num “autoritarismo
social”, que fez com que a sociedade brasileira se desenvolvesse
hierarquizada. Ao contrário dos países europeus, no Brasil a cidadania
não se constituiu historicamente. Se observarmos com atenção,
veremos que em nossa sociedade as relações de favor, de dependência,
atravessaram a formação política brasileira. As classes dominantes do
país se acostumaram a fazer do Estado brasileiro seu instrumento
econômico por excelência (FREIRE, 2012, p. 172).

147
UNIDADE 3 | A TRAJETÓRIA E OS DESAFIOS DO MODELO DE SAÚDE E PREVIDÊNCIA

Além de constituir um modelo adequado para a hierarquia da estrutura


social, o neoliberalismo contribuiu para a conformação de uma modernidade
com características bem diversas daquelas que podemos encontrar em países
desenvolvidos. No Brasil, a modernização das formas produtivas se desenrolou
sem alterar o cenário de exclusão social, na medida em que o privado se sobrepõe
ao público.

Ao constituir esse modelo, o Estado concentra esforços em atender às


demandas da esfera privada e deixa de lado suas responsabilidades e obrigações
na esfera dos direitos sociais.

Desse modo, o discurso neoliberal tem assombrosa recepção ao atribuir


o título de modernidade ao que existe de mais conservador e atrasado
na sociedade brasileira: fazer do interesse privado a medida de todas
as coisas, obstruindo a esfera pública, anulando a dimensão ética da
vida social pela recusa das responsabilidades e obrigações do Estado.
A desigualdade que se encontra no processo de desenvolvimento
do país tem sido uma das particularidades históricas: o moderno se
constitui por meio do “arcaico”, recriando nossa herança histórica ao
atualizar aspectos persistentes e, ao mesmo tempo, transformando-a
no contexto da globalização (FREIRE, 2012, p. 172).

4 O MODELO DE SAÚDE PÚBLICA BRASILEIRA


O Sistema Único de Saúde (SUS) é o modelo de saúde pública brasileira
e prevê ações e serviços de acesso universal em todo o território brasileiro. O
atendimento público de saúde em nosso país concebe a saúde como direito de
todos e dever do Estado.

Como mostram Noronha et al. (2012, p. 365):

[...] Orientado por um conjunto de princípios e diretrizes válidos para


todo o território nacional, parte de uma concepção ampla do direito à
saúde e do papel do Estado na garantia desse direito, incorporando,
em sua estrutura político-institucional, espaços e instrumentos para a
democratização e compartilhamento do processo decisório e da gestão
do sistema de saúde.

Em outras palavras, destacam-se como características do SUS a noção de


amplo atendimento à saúde – direito de todos –, buscando dar conta de prover à
população melhores condições de acesso ao atendimento médico e ampliação da
qualidade de vida e o reconhecimento do dever do Estado na organização de toda
a estrutura necessária para garantir a promoção da saúde, e criando e consolidando
espaços de democratização da gestão do sistema de saúde em todo o território.

Sobre a criação do SUS, vale relembrar que representa um momento


importante para a história dos direitos sociais no país, afinal, foi implantado na
década de 1990 em um cenário de consolidação da democracia.

148
TÓPICO 1 | COMPREENDENDO O SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE – SUS

E
IMPORTANT

Caro acadêmico! Conhecer a legislação relacionada à sua área de atuação é


essencial para seu sucesso profissional. Indicamos a seguir textos para que você entre em
contato com esses documentos:

A implantação do SUS começa no início da década de 1990, após a promulgação da Lei


Orgânica da Saúde (Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990, complementada pela Lei nº
8.142, de 28 de dezembro de 1990) (NORONHA et al., 2012, p. 365).

LEI nº 8.080, de 19 de setembro de 1990.


Dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização
e o funcionamento dos serviços correspondentes e dá outras providências.
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8080.htm>. Acesso em: 18 ago. 2017.

Lei nº 8.142, de 28 de dezembro de 1990.


Dispõe sobre a participação da comunidade na gestão do Sistema Único de Saúde (SUS) e
sobre as transferências intergovernamentais de recursos financeiros na área da saúde e dá
outras providências.
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8142.htm>. Acesso em: 18 ago. 2017.

5 ORGANIZAÇÃO DO SUS: PRINCÍPIOS E DIRETRIZES


O processo de redemocratização conformou mudanças significativas no
sistema público de saúde. Como marco desse processo figura a 8ª Conferência
Nacional de Saúde de 1986.

UNI

Pronunciamento do sanitarista Sergio Arouca durante a 8ª Conferência


Nacional em Saúde, realizada em março de 1986, em Brasília (DF), que representa um marco
na história do SUS. Arouca, em seu célebre discurso, discorre sobre o conceito ampliado de
saúde -- formulado no evento -- definido como completo bem-estar físico, mental e social
e não a simples ausência de doença.
Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=-_HmqWCTEeQ>. Acesso em: 18
ago. 2017.

O processo da Constituinte levou a pressão da sociedade civil e de


movimentos democráticos de esquerda para a inclusão no texto da Constituição
Federal do “Título VIII – Da Ordem Social” com um capítulo destinado à
Seguridade Social (NORONHA et al., 2012).

149
UNIDADE 3 | A TRAJETÓRIA E OS DESAFIOS DO MODELO DE SAÚDE E PREVIDÊNCIA

Diante desse cenário, como foi transformada em prática a premissa de


saúde como direito de todos e dever do Estado? Foi instituído o SUS!

No texto da Lei nº 8.080 o sistema é definido da seguinte maneira: “Art. 4º O


conjunto de ações e serviços de saúde, prestados por órgãos e instituições públicas
federais, estaduais e municipais, da Administração direta e indireta e das fundações
mantidas pelo Poder Público, constitui o Sistema Único de Saúde (SUS)”.

Agora vamos compreender as características que fazem parte dessa


definição:

1) Atividades dirigidas às pessoas, individual e coletivamente, voltadas


para a promoção da saúde e prevenção, diagnóstico, tratamento e
reabilitação de agravos e doenças;
2) Serviços prestados no âmbito ambulatorial, hospitalar e nas
unidades de apoio diagnóstico e terapêutico geridos pelos governos
(quer seja pelo governo federal, quer seja pelos governos estaduais ou
municipais), bem como em outros espaços, especialmente domiciliar;
3) Ações de distintas complexidades e custos que variam desde
a aplicação de vacinas e consultas médicas nas clínicas básicas
(clínica médica, pediatria e ginecologia-obstetrícia) até cirurgias
cardiovasculares e transplantes;
4) Intervenções ambientais no seu sentido mais amplo, incluindo ações
sanitárias nos ambientes onde se vive e se trabalha, na produção e
circulação de bens e serviços, o controle de vetores e hospedeiros e a
operação de sistemas de saneamento ambiental;
5 Instituições públicas voltadas para o controle de qualidade, pesquisa
e produção de insumos, medicamentos, sangue e hemoderivados e
equipamentos de saúde (NORONHA et al., 2012, p. 366-367).

Mesmo prevendo o dever do Estado na promoção da saúde, sabe-se


que apenas o sistema público de saúde não é capaz de dar conta de todas as
demandas da população. No reconhecimento desse desafio é possível o SUS
recorrer à esfera privada.

Como se dá essa relação entre as esferas pública e privada? Através do


estabelecimento de contratos e convênios que respeitem as normas de direito
público, as premissas éticas e as normas estabelecidas pelos órgãos de direção
do SUS no que compete ao funcionamento, controle e fiscalização das ações. Ou
seja, o SUS não é composto exclusivamente de serviços públicos, mas possui uma
rede ampla de serviços privados – hospitais e unidades de diagnose e terapia,
por exemplo – que ofertam serviços mediante financiamento público vindo das
diversas receitas arrecadadas pela União, estados e municípios. São essas parcerias
que permitem o atendimento de saúde sem a condicionalidade de pagamento
pelos usuários (NORONHA et al., 2012).

150
TÓPICO 1 | COMPREENDENDO O SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE – SUS

Prezado acadêmico! Vamos conhecer os princípios e diretrizes norteadores


do funcionamento do SUS através da Lei Orgânica da Saúde. Segundo Noronha
et al. (2012), entre esses princípios e diretrizes destacam-se: universalidade de
acesso em todos os níveis de assistência, igualdade na assistência à saúde, sem
preconceitos ou privilégios de qualquer espécie, integralidade da assistência,
participação da comunidade e descentralização político-administrativa, com
direção única em cada esfera de governo.

A universalidade representa a noção de que todos têm o mesmo direito


de acesso aos serviços de saúde. Esse acesso deve ocorrer independentemente da
complexidade, do custo ou da natureza dos serviços em questão. Esse princípio
representa a superação do modelo contributivo que existia anteriormente. O
modelo anterior, chamado de modelo de seguro social, condicionava o acesso aos
serviços à contribuição para a previdência social. Dessa forma, o modelo restringia
o acesso à saúde, pois inicialmente apenas trabalhadores formais contribuíam
com a previdência.
Com a universalidade, as condições socioeconômicas da população
e a inserção no mercado de trabalho não devem implicar acesso
diferenciado a determinados tipos de serviços: as despesas com os
riscos de adoecimento e o financiamento passam a ser repartidos de
forma solidária entre grupos de diferentes classes de renda, sendo de
responsabilidade de toda a sociedade (NORONHA et al., 2012, p. 367).

Na sequência da proposta apresentada acima destacamos a igualdade,


pois para que a universalidade ocorra de fato é imprescindível que o acesso
aos serviços de saúde não se depare com restrições relativas a preconceitos
ou privilégios em qualquer representação. Esse princípio afirma que não será
admitido preconceito em relação ao atendimento em decorrência de renda, cor,
gênero ou religião. Nesse sentido, “somente razões relacionadas às necessidades
diferenciadas de saúde devem orientar o acesso ao SUS e a escolha de técnicas a
serem empregadas no cuidado com as pessoas” (NORONHA et al., 2012, p. 367).

A integralidade da assistência, por sua vez, estabelece “o conjunto


articulado e contínuo de ações e serviços preventivos e curativos, individuais
e coletivos, exigidos para cada caso em todos os níveis de complexidade do
sistema” (NORONHA et al., 2012, p. 368).

Aqui observamos dois direcionamentos: de um lado, as ações de promoção


e prevenção da saúde devem estar articuladas e em sintonia com o atendimento
nos ambulatórios e hospitais e a gestão deve atuar de forma a garantir essa
interação, e, de outro, a política de saúde na perspectiva da integralidade deve
promover a integração com as demais políticas sociais e econômicas visando
ampliar e qualificar o atendimento à saúde.

151
UNIDADE 3 | A TRAJETÓRIA E OS DESAFIOS DO MODELO DE SAÚDE E PREVIDÊNCIA

UNI

Gestores do SUS

Os gestores do SUS são os representantes do Poder Executivo no âmbito dos municípios, dos
estados, do Distrito Federal e da União. Cada uma das estruturas compõe a direção do SUS
nas diferentes esferas de governo e possui uma organização própria. Independentemente da
existência de uma autoridade sanitária (ministro ou secretários de Saúde), essas estruturas
têm órgãos gestores, com diferentes cargos de direção e chefia, que participam da gestão
do SUS e são corresponsáveis por ela, em coerência com as funções que lhes são atribuídas
(NORONHA et al., 2012, p. 368).

Para saber mais sobre o papel dos gestores no SUS, assista ao vídeo: Gestão do SUS. Disponível
em: <https://www.youtube.com/watch?v=Zgm7ipewWW8>. Acesso em: 18 ago. 2017.

A criação e, posteriormente, a ampliação das instâncias de participação


da comunidade na gestão do SUS são consideradas um aspecto inovador da
legislação brasileira e representam a legitimidade do regime democrático. No
âmbito do SUS, essas instâncias se dão na garantia de que a comunidade,
por intermédio de suas entidades representativas, possa participar
do processo de formulação de diretrizes e prioridades para a política
de saúde, da fiscalização do cumprimento dos dispositivos legais e
normativos do SUS e do controle e avaliação de ações e serviços de
saúde executados nas diferentes esferas de governo (NORONHA et
al., 2012, p. 368).

Os conselhos de Saúde e as Conferências de Saúde são as formas pelas


quais a população interage com o processo e participa da gestão das políticas de
saúde, exercendo o controle social.

ATENCAO

Para saber mais sobre controle social, relembre seus estudos revendo a Unidade
3 da disciplina de Direitos Humanos e Cidadania!

A descentralização político-administrativa é representada pela “direção


única em cada esfera de governo, com: a) ênfase na descentralização de serviços
para os municípios; b) regionalização e hierarquização da rede de serviços de
saúde” (NORONHA et al., 2012, p. 368). Vale lembrar que a descentralização está
aliada a um comando único em cada governo que indica as responsabilidades
de cada ente. O fortalecimento dos diferentes níveis de governo contribui para a
consolidação da gestão democrática.
152
TÓPICO 1 | COMPREENDENDO O SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE – SUS

UNI

Comando único

O comando único (ou direção única) em cada esfera de governo é a tentativa de garantir, na
gestão pública da saúde, a observância de um princípio comum a todo o sistema federativo:
a autonomia relativa dos governos na elaboração de suas políticas próprias. Assim, no
âmbito nacional, a gestão deve ser realizada de forma coerente com as políticas elaboradas
pelo Ministério da Saúde; no âmbito estadual, com as políticas elaboradas pelas secretarias
estaduais; e no âmbito municipal, pelas secretarias municipais de Saúde (NORONHA et al.,
2012, p. 368).

Prezado acadêmico! Ao realizar a leitura desse tópico, você já deve ter


refletido sobre a distância entre a teoria – ou o que está previsto na legislação e nas
políticas públicas – e a prática – ou a realidade de grande parte dos brasileiros. Os
desafios para a efetivação das diretrizes do SUS ainda são significativos mesmo
depois de quase 30 anos de promulgação da Constituição.

Para dar conta desses desafios se faz necessária a construção de uma rede
de atenção à saúde, “[...] visto que os problemas de saúde não se distribuem
uniformemente na população, no território e no tempo, e envolveram tecnologias
de diferentes complexidades e custo, faz-se necessário organizar uma rede de
atenção à saúde no SUS” (NORONHA et al., 2012, p. 369).

Para o sucesso de uma rede de atenção à saúde é fundamental o


planejamento das ações.

É preciso planejar a distribuição das ações e serviços por níveis de


atenção (hierarquização), segundo necessidades diferenciadas de
saúde e dinâmicas territoriais específicas (regionalização). No nível
básico estariam os serviços dotados de tecnologias e profissionais
para realizar os procedimentos mais frequentemente necessários (ex.:
vacinas, consultas em clínicas médica e pediatria, parto normal). Em
um nível mais especializado estariam situados os ambulatórios e as
unidades de diagnose e terapia e os hospitais, capazes de realizar
aqueles procedimentos necessários menos frequentemente, para
os quais não é aceitável ociosidade, dadas as implicações sobre a
qualidade e os custos crescentes do sistema (ex.: cirurgia cardíaca,
ressonância magnética, transplantes de medula óssea) (NORONHA
et al., 2012, p. 369).

A instituição da rede é essencial para o bom funcionamento do sistema


público de saúde, bem como para ampliar e qualificar o atendimento à população,
visto que vivemos em um país marcado pelas desigualdades regionais e sociais.
Ou seja, é essencial aprimorar a forma como atendemos as demandas básicas e
especializadas, buscando reduzir essas distâncias geográficas e econômicas com
ênfase na superação de situações de vulnerabilidade social.

153
UNIDADE 3 | A TRAJETÓRIA E OS DESAFIOS DO MODELO DE SAÚDE E PREVIDÊNCIA

Como é realizada a organização da regionalização e hierarquização do


sistema? Para tanto é levada em consideração a seguinte lógica: os atendimentos
básicos devem ser distribuídos de forma ampla no território, enquanto os
atendimentos especializados seguem uma lógica geográfica mais concentrada,
ou seja, “as regiões geográficas na saúde, objeto do processo de regionalização,
possuem uma dada densidade tecnológica e autossuficiência de ações e
serviços capazes de responder às necessidades de uma população referida a um
território” (NORONHA et al., 2012, p. 369). Assim, é levada em consideração
para a regionalização a capacidade de atendimento em relação à disponibilidade
tecnológica e de serviços no âmbito do sistema de saúde.

E como funciona a distribuição dos atendimentos da rede? Nas palavras


de Noronha et al. (2012, p. 369):

A regionalização e a hierarquização exigem que os usuários sejam


encaminhados para unidades especializadas quando necessário e que
possam retornar à sua unidade básica de origem para acompanhamento
(mecanismo de referência e contrarreferência). Isso implica um fluxo
adequado de informações entre as unidades públicas ou privadas
credenciadas ao SUS, situadas em diferentes municípios ou estados
(NORONHA et al., 2012, p. 369).

A gestão possui um papel central para a organização e o fortalecimento


da rede, e a articulação dos gestores em diferentes âmbitos (União, estados e
municípios) segue como desafio para o SUS. E devido à amplitude de abrangência
dos serviços do SUS, também compete ao poder público:

a execução de ações de vigilância sanitária, epidemiológica, saúde


do trabalhador; a ordenação dos recursos humanos para a saúde e a
participação na produção de insumos para a saúde e em outras políticas
relevantes, como a de saneamento básico, fiscalização de produtos e
proteção ao meio ambiente (NORONHA et al., 2012, p. 370).

Outro aspecto relevante são as implicações da inserção do SUS enquanto


política de Estado:

1) a responsabilidade pela situação de saúde não é apenas setorial;


2) as políticas econômicas e sociais devem estar orientadas para a
eliminação ou redução de riscos para a saúde;
3) a integração das políticas de saúde com as demais políticas públicas é
fundamental para o desenvolvimento de ações mais efetivas;
4) a atuação coordenada das três esferas de governo é necessária para a
organização político-territorial do SUS ” (NORONHA et al., 2012, p. 370).

Para compreender com outro recurso os princípios e diretrizes do SUS,


acompanhe o quadro a seguir:

154
TÓPICO 1 | COMPREENDENDO O SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE – SUS

QUADRO 8 – SÍNTESE DOS PRINCIPAIS PRINCÍPIOS E DIRETRIZES DO SUS

Princípios e Diretrizes do
Direitos dos cidadãos Deveres do Estado
SUS

Garantia de um conjunto de
ações e serviços que supram
Igualdade de todos às as necessidades de saúde
ações e aos serviços da população e apresentem
Universalidade no acesso e
necessários para elevada capacidade de resposta
igualdade na assistência
promoção, proteção e aos problemas apresentados,
recuperação da saúde. organizados e geridos pelos
diversos municípios e estados
brasileiros.

Garantia de condições de
atendimentos adequadas ao
indivíduo e à coletividade, de
Acesso a um conjunto acordo com as necessidades de
de ações e serviços saúde, tendo em vista a integração
resolutivos, preventivos das ações de promoção da saúde,
e curativos, individuais a prevenção de doenças e agravos,
e coletivos, de diferentes o diagnóstico, o tratamento e a
Integralidade na assistência
complexidades e custos, reabilitação.
que reduzam o risco Articulação da política de saúde
de doenças e agravos e com outras políticas públicas,
proporcionem o cuidado como forma de assegurar uma
à saúde. atuação intersetorial entre as
diferentes áreas cujas ações
tenham repercussão na saúde e na
qualidade de vida das pessoas.
Garantia de espaços que
Participação na
permeiam a participação da
formulação, na
sociedade no processo de
fiscalização e no
formulação e implantação da
Participação da comunidade acompanhamento da
política de saúde.
implantação de políticas
Transparência no planejamento e
de saúde nas diferentes
na prestação de contas das ações
esferas de governo.
públicas desenvolvidas.
Garantia de um conjunto de
Acesso a um conjunto ações e serviços que supram
de ações e serviços, as necessidades de saúde
localizados em seu da população e apresentem
município e próximos à elevada capacidade de resposta
sua residência ou ao seu aos problemas apresentados,
Descentralização,
trabalho, condizem com organizados e geridos pelos
regionalização e
as necessidades de saúde. diversos municípios e estados
hierarquização de ações e
Atendimento em unidades brasileiros.
serviços de saúde
de saúde mais distantes, Articulação e integração
situadas em outros de um conjunto de ações e
municípios ou estados, serviços, de distintas naturezas,
caso isso seja necessário complexidades e custos, situados
para o cuidado à saúde. em diferentes territórios político-
administrativos.

FONTE: Noronha et al. (2012, p. 370-371)

155
UNIDADE 3 | A TRAJETÓRIA E OS DESAFIOS DO MODELO DE SAÚDE E PREVIDÊNCIA

6 INSTÂNCIAS DE DECISÃO DO SUS: CARACTERÍSTICAS


INSTITUCIONAIS
As características institucionais do SUS seguem como norte a viabilização
da negociação e do acordo federativo e o fortalecimento da participação social nas
políticas de saúde. Esse desenho institucional permite a participação de atores
sociais que não estão diretamente envolvidos na gestão do SUS e, dessa forma,
fortalece os laços da gestão democrática.

Características institucionais do SUS


Podemos destacar dois princípios básicos integrantes do modelo
de gestão do SUS: “viabilizar a negociação e o acordo federativo e
fortalecer a participação social nas políticas de saúde” (NORONHA [et
al] 2012, p. 371). Norteada por esses princípios, a estrutura de gestão
do SUS permite a participação de atores não vinculados diretamente
ao sistema nos processos de tomada de decisão, ampliando assim a
relação com sociedade.

Como se dá a gestão do SUS? Recorremos à descrição de Noronha et al.


(2012, p. 371):
O modelo pressupõe uma articulação estreita entre a atuação de:
1) gestores do sistema em cada esfera de governo; 2) instâncias de
negociação e pactuação federativa envolvendo a participação das
diferentes esferas de governo, tais como a Comissão Intergestores
Tripartite, as Comissões Intergestores Bipartites e os Colegiados de
Gestão Regional (ou Comissões Intergestores Regionais); 3) conselhos
de representação dos secretários de Saúde; 4) conselhos de Saúde,
além da realização periódica de conferências de Saúde.

Conhecendo os atores envolvidos na gestão, vamos compreender com


mais detalhes os papéis e responsabilidades de cada um deles?
Iniciamos resgatando a Lei n. 8.080, de 1990. Nesse texto ficam
definidas as atribuições do Poder Executivo na saúde: “A direção
do SUS é única nos âmbitos nacional, estadual e municipal, sendo
exercida, respectivamente, pelo Ministério da Saúde e pelas secretarias
de Saúde ou órgãos equivalentes” (NORONHA et al., 2012, p. 372).

Os gestores atuam em dois contextos interligados: o político e o técnico.


A esfera de atuação política dá conta das relações estabelecidas pelos gestores
com outros atores sociais. E se desenvolvem os espaços de negociação e tomada
de decisão. Além disso, a esfera política representa também as atribuições do
Poder Executivo no contexto do Estado republicano e da democracia brasileira. O
gestor interage com outros poderes e também com a sociedade civil para atingir
os objetivos propostos na política pública (NORONHA et al., 2012).

O exercício das atribuições políticas envolve a participação de diversos


atores sociais, nesse sentido é importante compreender o sistema de saúde e as
políticas públicas relacionadas a ele como parte de um contexto histórico e social.
Ou seja, os processos decisórios e os reflexos dessas decisões no âmbito do SUS são
influenciados por características históricas e pelos desafios da conjuntura atual.
156
TÓPICO 1 | COMPREENDENDO O SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE – SUS

Destaca-se também a importância do papel do gestor na promoção e


defesa do direito ao acesso à saúde:

Dessa forma, seja pelo processo político que permeia as decisões em


um ambiente democrático, seja pelo arcabouço institucional do SUS
ou ainda pelas atribuições associadas à intervenção do Estado na
saúde, os gestores do SUS não exercem suas funções de forma isolada.
Isso implica que seus objetivos e planos de ação sejam negociados
com diferentes atores governamentais e não governamentais e
que os processos de formulação e implementação das políticas de
saúde assumam cada vez mais uma feição compartilhada. Cabe aos
gestores assumirem a liderança da negociação política em defesa da
implementação dos princípios e diretrizes do SUS (NORONHA et al.,
2012, p. 372).

UNI

Para saber mais sobre as instâncias de negociação e decisão do SUS, acesse as


páginas virtuais indicadas a seguir:

Conselhos:
Conselho Nacional de Secretários de Saúde – Conass: <http://www.conass.org.br/>.
Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde – Conasems: <http://www.conasems.
org.br/>.
Conselho de Secretarias Municipais de Saúde dos estados – Cosems
SC: <http://www.cosemssc.org.br/>.
RS: <http://www.cosemsrs.org.br/>.
PA: <http://www.cosemspa.com.br/>.

Comissões
Comissão Intergestores Tripartite (CIT) – Informações do Portal da Saúde (Ministério da
Saúde): <http://u.saude.gov.br/index.php/o-ministerio/principal/secretarias/1063-sgep-raiz/
dai-raiz/se-cit/l1-st-cit/17164-cit>.
Comissões Intergestores Bipartites (CIB) - Informações da Secretaria de Saúde do
Estado de Santa Catarina: <http://portalses.saude.sc.gov.br/index.php?option=com_
content&view=article&id=54&Itemid=72>.
Colegiados de Gestão Regional (Comissões Intergestores Regionais) – Orientações do
Ministério da Saúde para organização e funcionamento: <http://bvsms.saude.gov.br/bvs/
publicacoes/pacto_saude_volume10.pdf>.

Importante: Além de conhecer mais sobre as instâncias de processo decisório do SUS, é


possível acessar nessas páginas uma série de publicações no âmbito da saúde pública no Brasil.

O contexto técnico, por sua vez, diz respeito à atuação do gestor do


SUS no contexto das competências e habilidades necessárias para a gestão e
implementação da política pública. Entre as funções do gestor destacam-se:
“1) formulação de políticas e planejamento; 2) financiamento; 3) regulação; 4)
prestação direta de ações e serviços da saúde” (NORONHA et al., 2012, p. 372).

157
UNIDADE 3 | A TRAJETÓRIA E OS DESAFIOS DO MODELO DE SAÚDE E PREVIDÊNCIA

Como nos mostram Noronha et al. (2012), cada uma dessas funções
representa uma série de ações. Essas ações são realizadas pelos três entes gestores
(União, estados e municípios) de acordo com a regulamentação específica.
A formulação de políticas públicas e planejamento compreende o diagnóstico
de necessidades, o escalonamento de prioridades e a organização dos atores
necessários para a operacionalização da política.

O financiamento compreende a alocação de tributos e o planejamento


e execução dos orçamentos, constituição dos fundos específicos para a saúde e
prestação de contas desses recursos (NORONHA et al., 2012).

E
IMPORTANT

A série de vídeos a seguir explica de forma simples e didática as principais


características do Orçamento Público no Brasil. Acompanhe os vídeos e fique atento a
importância da participação de representantes governamentais e da sociedade civil na
elaboração, implementação e execução das políticas públicas.

UNI

Orçamento Público

Vídeo 3 - leis orçamentárias (PPA, LDO e LOA)


<https://www.youtube.com/watch?v=l1d2_XW--
Fw&list=PLNKZPo-igK8CYGBPMFyxq7RUTswO1gFTi&index=3>.

Vídeo 4 - PPA Plano Plurianual


<https://www.youtube.comwatch?v=gjl27Wo_Y4M&list=PLNKZ
Po-igK8CYGBPMFyxq7RUTswO1gFTi&index=4>.

Vídeo 5 - Elaboração e aprovação do PPA Plano Plurianual


<https://www.youtube.com/watch?v=34RkCRc1fcc&index=5&
list=PLNKZPo-igK8CYGBPMFyxq7RUTswO1gFTi>.

158
TÓPICO 1 | COMPREENDENDO O SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE – SUS

Vídeo 6 O que é a LDO – Lei de Diretrizes Orçamentárias


<https://www.youtube.com/
watch?v=hl7cLXJSL2o&list=PLNKZPo-
igK8CYGBPMFyxq7RUTswO1gFTi&index=6>.

Vídeo 7 - Elaboração e prazo de votação da LDO


<https://www.youtube.com/watch?v=L8YrnDQCtuM&index=7
&list=PLNKZPo-igK8CYGBPMFyxq7RUTswO1gFTi>.

Vídeo 8 - LOA Lei Orçamentária Anual - Receitas e Despesas


Orçamentárias
<https://www.youtube.com/
watch?v=vAUZ6WrEzSg&list=PLNKZPo-
igK8CYGBPMFyxq7RUTswO1gFTi&index=8>.

Vídeo 9 - Elaboração da LOA, Lei Orçamentária Anual -


Planejamento Orçamentário
<https://www.youtube.com/
watch?v=1NMxPot1NFc&list=PLNKZPo-
igK8CYGBPMFyxq7RUTswO1gFTi&index=9>.

A terceira função remete à regulação:


[...] inclui a proposição de normas técnicas e padrões, a coordenação,
controle e avaliação de serviços e sistemas de saúde, a gestão de
informações em saúde, o estabelecimento de contratos e convênios
com prestadores privados, a fiscalização de serviços e de produtos
com implicações para a área da saúde (NORONHA et al., 2012, p. 373).

E, como quarta atribuição, a prestação direta de serviços de saúde. Esses


serviços incluem:
[...] procedimentos técnicos e administrativos vinculados à execução
de ações de promoção da saúde, prevenção de doenças, diagnóstico,
tratamento e reabilitação, por serviços públicos da respectiva esfera de
governo. Ela requer a existência de quadros próprios de funcionários e
uma série de funções administrativas, relativas à gestão de pessoal, de
compras, armazenamento e distribuição de insumos, organização e
operação dos serviços próprios de saúde (NORONHA et al., 2012, p. 373).

159
UNIDADE 3 | A TRAJETÓRIA E OS DESAFIOS DO MODELO DE SAÚDE E PREVIDÊNCIA

Observamos até aqui uma série de atribuições relacionadas à gestão do


SUS, vale destacar que é essencial a articulação entre essas atribuições e também
a articulação entre os atores envolvidos no processo, para que possamos alcançar
o objetivo de atender a toda a população com qualidade.

Vamos acompanhar de forma sintética as informações descritas até aqui?

QUADRO 9 – RESUMO DAS PRINCIPAIS ATRIBUIÇÕES DOS GESTORES DO SUS

Formulação de políticas Execução direta


Gestor Financiamento Regulação
e planejamento de serviços

Regulação
de sistemas
estaduais.
Coordenação
de redes de
referência
de caráter
Garantia de interestadual/
recursos estáveis nacional.
e suficientes para Regulação da
o setor saúde. incorporação
Identificação de
Peso importante e uso de
problemas e definição
dos recursos tecnologias em
de prioridades no papel
federais. saúde.
estratégico e normativo.
Papel Normas de
Manutenção da
redistributivo. regulação
unidade, respeitando a
Definição de sanitária no
diversidade.
prioridades plano nacional.
Busca da equidade.
nacionais e Regulação de Em caráter de
Apoio e incentivo
critério de mercados em execução.
Federal ao fortalecimento
investimentos e saúde (planos Em áreas/ações
institucional e práticas
alocação entre privados, estratégicas.
inovadoras de gestão
áreas da política insumos).
estadual e municipal.
e entre regiões/ Regulação
Planejamento e
estados. das políticas
desenvolvimento de
Realização de de recursos
políticas estratégicas
investimentos humanos em
nos campos de
para redução de saúde.
tecnologias, insumos e
desigualdades. Coordenação
recursos humanos.
Busca da dos sistemas
equidade na nacionais de
alocação de informações em
recursos. saúde.
Avaliação dos
resultados
das políticas
nacionais e do
desempenho
dos sistemas
estaduais.

160
TÓPICO 1 | COMPREENDENDO O SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE – SUS

Regulação
de sistemas
municipais.
Coordenação
de redes de
referência
Definição de
de caráter
prioridades
intermunicipal.
estaduais.
Apoio à Em áreas
Garantia
articulação estratégicas:
de alocação
intermunicipal. serviços
Identificação de de recursos
Coordenação da assistenciais
problemas e definição próprios.
Programação de referência
de prioridades no Definição de
Pactuada e estadual/
âmbito estadual. critérios claros
Integrada (PPI) regional, ações
Promoção da de alocação de
no estado. de maior
regionalização. recursos federais
Implantação complexidade
Estadual Estímulo à e estaduais
de mecanismos de vigilância
programação integrada. entre as áreas da
de regulação epidemiológica
Apoio e incentivo política e entre
da assistência ou sanitária.
ao fortalecimento municípios.
(ex.: centrais, Em situações
institucional das Realização de
protocolos). de carência
secretarias municipais investimentos
Regulação de serviços e
de Saúde (SMS). para redução das
sanitária de omissão
desigualdades.
(nos casos do gestor
Busca da
pertinentes). municipal.
equidade na
Avaliação dos
alocação de
resultados
recursos.
das políticas
estaduais.
Avaliação do
desempenho
dos sistemas
municipais.
Organização das
portas de entrada
do sistema.
Estabelecimento
Execução
de fluxos de
Garantia de de ações e
referência.
Identificação de aplicação prestação direta
Integração da
problemas e definição de recursos de serviços
rede de serviços.
de prioridades no próprios. assistenciais,
Articulação com
âmbito municipal. Critérios claros de vigilância
outros municípios
Planejamento de ações e de aplicação epidemiológica
para referências.
serviços necessários nos de recursos e sanitária.
Municipal Regulação e
diversos campos. federais, Gerência de
avaliação dos
Organização da oferta estaduais e unidades de
prestadores
de ações e serviços municipais. saúde.
públicos e
públicos e contratação Realização de Contratação,
privados.
de privados (caso investimentos administração e
Regulação
necessário). no âmbito capacitação de
sanitária (nos
municipal. profissionais de
casos pertinentes).
saúde.
Avaliação dos
resultados
das políticas
municipais.
FONTE: Noronha et al. (2012, p. 375)
161
UNIDADE 3 | A TRAJETÓRIA E OS DESAFIOS DO MODELO DE SAÚDE E PREVIDÊNCIA

7 AMPLIAÇÃO DA PARTICIPAÇÃO DA COMUNIDADE:


CONFERÊNCIAS E CONSELHOS DE SAÚDE
Com o objetivo de ampliar e promover a participação popular nas
instâncias decisórias do SUS, a Lei nº 8.142, de 1990, instituiu os Conselhos e
Conferências de Saúde:

Art. 1° O Sistema Único de Saúde (SUS), de que trata a Lei n° 8.080,


de 19 de setembro de 1990, contará, em cada esfera de governo, sem
prejuízo das funções do Poder Legislativo, com as seguintes instâncias
colegiadas:
I - a Conferência de Saúde; e
II - o Conselho de Saúde.
§ 1° A Conferência de Saúde reunir-se-á a cada quatro anos com a
representação dos vários segmentos sociais, para avaliar a situação de
saúde e propor as diretrizes para a formulação da política de saúde
nos níveis correspondentes, convocada pelo Poder Executivo ou,
extraordinariamente, por esta ou pelo Conselho de Saúde.
§ 2° O Conselho de Saúde, em caráter permanente e deliberativo,
órgão colegiado composto por representantes do governo, prestadores
de serviço, profissionais de saúde e usuários, atua na formulação de
estratégias e no controle da execução da política de saúde na instância
correspondente, inclusive nos aspectos econômicos e financeiros,
cujas decisões serão homologadas pelo chefe do poder legalmente
constituído em cada esfera do governo.
§ 3° O Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass) e o
Conselho Nacional de Secretários Municipais de Saúde (Conasems)
terão representação no Conselho Nacional de Saúde.
§ 4° A representação dos usuários nos Conselhos de Saúde e
Conferências será paritária em relação ao conjunto dos demais
segmentos.
§ 5° As Conferências de Saúde e os Conselhos de Saúde terão sua
organização e normas de funcionamento definidas em regimento
próprio, aprovadas pelo respectivo conselho.
Art. 2° Os recursos do Fundo Nacional de Saúde (FNS) serão alocados
como:
I - despesas de custeio e de capital do Ministério da Saúde, seus órgãos
e entidades, da administração direta e indireta;
II - investimentos previstos em lei orçamentária, de iniciativa do Poder
Legislativo e aprovados pelo Congresso Nacional;
III - investimentos previstos no Plano Quinquenal do Ministério da
Saúde;
IV - cobertura das ações e serviços de saúde a serem implementados
pelos Municípios, Estados e Distrito Federal.
Parágrafo único. Os recursos referidos no inciso IV deste artigo
destinar-se-ão a investimentos na rede de serviços, à cobertura
assistencial ambulatorial e hospitalar e às demais ações de saúde.
Art. 3° Os recursos referidos no inciso IV do art. 2° desta lei serão
repassados de forma regular e automática para os Municípios, Estados
e Distrito Federal, de acordo com os critérios previstos no art. 35 da Lei
n° 8.080, de 19 de setembro de 1990.
§ 1° Enquanto não for regulamentada a aplicação dos critérios previstos
no art. 35 da Lei n° 8.080, de 19 de setembro de 1990, será utilizado,
para o repasse de recursos, exclusivamente o critério estabelecido no §
1° do mesmo artigo. (Vide Lei nº 8.080, de 1990)

162
TÓPICO 1 | COMPREENDENDO O SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE – SUS

§ 2° Os recursos referidos neste artigo serão destinados, pelo menos


setenta por cento, aos Municípios, afetando-se o restante aos Estados.
§ 3° Os Municípios poderão estabelecer consórcio para execução de
ações e serviços de saúde, remanejando, entre si, parcelas de recursos
previstos no inciso IV do art. 2° desta lei.
Art. 4° Para receberem os recursos, de que trata o art. 3° desta lei, os
Municípios, os Estados e o Distrito Federal deverão contar com:
I - Fundo de Saúde;
II - Conselho de Saúde, com composição paritária de acordo com
o Decreto n° 99.438, de 7 de agosto de 1990;
III - plano de saúde;
IV - relatórios de gestão que permitam o controle de que trata o § 4° do
art. 33 da Lei n° 8.080, de 19 de setembro de 1990;
V - contrapartida de recursos para a saúde no respectivo orçamento;
VI - Comissão de elaboração do Plano de Carreira, Cargos e Salários
(PCCS), previsto o prazo de dois anos para sua implantação.
Parágrafo único. O não atendimento pelos Municípios, ou pelos
Estados, ou pelo Distrito Federal, dos requisitos estabelecidos neste
artigo, implicará em que os recursos concernentes sejam administrados,
respectivamente, pelos Estados ou pela União.
Art. 5° É o Ministério da Saúde, mediante portaria do Ministro de
Estado, autorizado a estabelecer condições para aplicação desta lei.
Art. 6° Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.
Art. 7° Revogam-se as disposições em contrário (BRASIL, 1990).

Os conselhos e conferências têm por propósito a necessidade do


estabelecimento do controle social, permitindo o controle da sociedade sobre
o poder público e, consequentemente, sobre as políticas de saúde; a promoção
da gestão participativa, ou seja, ações compartilhadas entre gestores públicos e
a sociedade civil; e a busca pelo estabelecimento de um círculo virtuoso entre
o Estado e a sociedade. Nesse sentido, busca-se superar práticas tradicionais e
nocivas ligadas à política brasileira, como o clientelismo, patrimonialismo e
personalismo (NORONHA et al., 2012, p. 376).

ATENCAO

A temática do controle social é abordada no material didático da disciplina de


Direitos Humanos e Cidadania. Relembre seus estudos e amplie seus conhecimentos!

Os conselhos e conferências, assim como os fóruns, representam as


instâncias de controle social do SUS. O processo de consolidação desses espaços
decorre da luta pela democracia e sua legitimação é afirmada na Constituição
Federal de 1988.

Nesse cenário, a participação social deve ser entendida como uma


estratégia presente na gestão do SUS através da adoção cotidiana de práticas
e mecanismos que tornem o planejar e executar a política de saúde em ações
democráticas e participativas.
163
UNIDADE 3 | A TRAJETÓRIA E OS DESAFIOS DO MODELO DE SAÚDE E PREVIDÊNCIA

E
IMPORTANT

Prezado acadêmico! Vale destacar que participar nesse contexto significa


acompanhar, propor, debater, decidir, articular, ou seja, demanda protagonismo dos atores
envolvidos.

8 A DESCENTRALIZAÇÃO NO ÂMBITO DO SUS


Caro acadêmico! Você já deve ter se perguntado, ao longo de seus estudos,
como o Estado garante o direito ao acesso universal à saúde em um território
tão extenso e diverso como o brasileiro. Para atingir tal objetivo é preciso, por
um lado, garantir o direito nacionalmente e, por outro, descentralizar ações para
superar desigualdades e atender à diversidade das necessidades da população.

O caminho para a descentralização no Brasil tem caráter político-


administrativo, ou seja, a descentralização representa a transferência da gestão dos
serviços e também do poder de decisão, da responsabilidade dos serviços e dos
recursos financeiros. Até então essas atribuições estavam concentradas na União, e
com o processo de descentralização passam a serem divididas e articuladas entre
governo federal, governos estaduais e municipais (NORONHA et al., 2012).

As funções de cada grupo de gestores estão descritas no quadro: Resumo


das principais atribuições dos gestores do SUS.

E
IMPORTANT

A década de 1990 testemunha a passagem de um sistema centralizado para um


cenário em que milhares de governos municipais começam a ter uma atuação extremamente
importante no campo da saúde (NORONHA et al., 2012, p. 381).

Contudo, a descentralização não é uma novidade exclusiva da década de


1990. Como você acompanhou no texto das unidades 1 e 2, outras experiências de
descentralização fazem parte da história das políticas de saúde no Brasil.

A descentralização já ocupava espaço na agenda da Reforma Sanitária,


nesse contexto foi entendida como uma estratégia para democratizar e incorporar
novos atores às políticas públicas, bem como representou um norte para a
promoção da universalização, integralidade e para a construção do sistema de
saúde (NORONHA et al., 2012).
164
TÓPICO 1 | COMPREENDENDO O SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE – SUS

Na década de 1990, a proposta da descentralização representava a única


diretriz do SUS que não confrontava a adesão às políticas neoliberais e as ideias
contrárias à ampliação da presença do Estado e dos direitos à saúde. Por esta
razão, pesquisadores desse tema afirmam que, mesmo com bases ideológicas
diferentes, a descentralização gerou um consenso e contribuiu para o avanço do
SUS (NORONHA et al., 2012).

Acompanhe, a seguir, os elementos particulares sobre a descentralização


no cenário brasileiro.

QUADRO 10 – AS CARACTERÍSTICAS DA EXPERIÊNCIA DE DESCENTRALIZAÇÃO DO SUS


NO BRASIL

Longos períodos de Importância e assimetria


autoritarismo centralizador de poder dos governadores
que comprometeram no sistema político e nas
o funcionamento das políticas públicas.
instituições federativas.

Reconhecimento dos governos


Diversidade territorial e
locais (os municípios) como entes
marcantes desigualdades federativos a partir da Constituição
socioecnômicas entre as regiões, de 1988, acompanhado do
estados e principalmente entre processo de descentralização de
municípios. encargos sociais, poderes políticos,
legisativos e tributários.

Existência de mais de cinco


Existência de uma série mil municípios, na sua maioria
de encargos sociais (90%) de pequeno ou médio
compartilhados (comuns porte, e com limitadas condições
e concorrentes) entre os para desenvolver todas as
governos. responsabilidades sobre as
políticas públicas que lhes são
atribuídas.
FONTE: Noronha et al. (2012, p. 382)

Como se configuram os desafios para a consolidação do SUS considerando


a complexidade territorial brasileira? As dificuldades relacionadas aos recursos
financeiros em decorrência das regras institucionais de financiamento que
acabam trazendo à tona uma série de problemas estruturais do sistema de
saúde. E, também, as características da descentralização, pois se observa uma
heterogeneidade financeira, administrativa e operacional para a prestação de
serviços, além das questões políticas referentes às diversas posições partidárias
entre prefeitos e governadores (NORONHA et al., 2012).

165
UNIDADE 3 | A TRAJETÓRIA E OS DESAFIOS DO MODELO DE SAÚDE E PREVIDÊNCIA

E como ocorre a regulação federal sobre a descentralização? A regulação


federal se dá através da edição de dezenas de portarias elaboradas pelos ministérios,
que estão associadas a mecanismos financeiros criados para incentivar ou inibir
práticas dos gestores nos diferentes níveis (NORONHA et al., 2012).

UNI

Pacto pela Saúde

O Pacto pela Saúde é um conjunto de reformas institucionais do SUS pactuado entre as


três esferas de gestão (União, Estados e Municípios) com o objetivo de promover inovações
nos processos e instrumentos de gestão, visando alcançar maior eficiência e qualidade das
respostas do Sistema Único de Saúde. Ao mesmo tempo, o Pacto pela Saúde redefine as
responsabilidades de cada gestor em função das necessidades de saúde da população e na
busca da equidade social.
A implementação do Pacto pela Saúde se dá pela adesão de Municípios, Estados e União ao
Termo de Compromisso de Gestão (TCG). O TCG substitui os processos de habilitação das
várias formas de gestão anteriormente vigentes e estabelece metas e compromissos para
cada ente da federação, sendo renovado anualmente. Entre as prioridades definidas estão a
redução da mortalidade infantil e materna, o controle das doenças emergentes e endemias
(como dengue e hanseníase) e a redução da mortalidade por câncer de colo de útero e da
mama, entre outras.
As formas de transferência dos recursos federais para estados e municípios também foram
modificadas pelo Pacto pela Saúde, passando a ser integradas em cinco grandes blocos
de financiamento (Atenção, Básica, Média e Alta Complexidade da Assistência, Vigilância
em Saúde, Assistência Farmacêutica e Gestão do SUS), substituindo, assim, as mais de cem
"caixinhas" que eram utilizadas para essa finalidade.

Fonte: Conselho Nacional de Saúde. Disponível em: <http://conselho.saude.gov.br


webpacto/>. Acesso em: 25 ago. 2017.

Para conhecer, de forma breve, os elementos que compõem a regulação da


descentralização do SUS, acompanhe o quadro a seguir:

166
TÓPICO 1 | COMPREENDENDO O SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE – SUS

QUADRO 11 – ELEMENTOS CONSTITUTIVOS DA REGULAÇÃO DO PROCESSO DE


DESCENTRALIZAÇÃO NO SUS. BRASIL – 1990 – 2010

Principais Mecanismos de
Racionalidade Modelos de Relações e acordos
Período portarias financiamento
sistêmica atenção federativos
em vigor federal

Negociações em
Única forma âmbito nacional por
utilizada: meio dos Conselhos
repasse direto de Representação dos
1990 a NOB
Ausente ao prestador Ausente Secretários Estaduais
1992 91/92
segundo (Conass) e municipais
produção (Conasems) e Comissão
aprovada. Intergestores Tripartite
(CIT).

Negociações em âmbito
Forma nacional e estadual por
preponderante: meio de Conselhos dos
repasse direto Secretários Municipais
ao prestador de Saúde (Consems)
segundo Definição de e da Comissão
produção responsabilidade Intergestores Bipartite
Fraca: iniciativas
aprovada. sobre (CIB).
1993 a e negociações
NOB 93 Forma residual algumas ações Iniciativas isoladas de
1995 municipais
(a partir de 1994): programáticas e de consórcios.
isoladas
transferências vigilância sanitária Formalização
em bloco (block e epidemiológica. dos acordos
grants) segundo intergovernamentais
montante por meio do processo
definido no teto de habilitação às
financeiro. condições de gestão do
SUS.

Negociações em âmbito
nacional e estadual
e experiências de
Moderada: Forma residual:
Programa negociação regional
iniciativas de repasse direto
de Agentes isoladas (ex.: CIB
programação ao prestador
Comunitários de regionais).
e negociações segundo
Saúde/Programa Iniciativas isoladas de
intermunicipais, produção
Saúde da Família consórcios.
1996 a com participação aprovada.
NOB 96 (Pacs/PSF) Formalização
2000 e mediação Forma
Programas dos acordos
da instância preponderante (a
e projetos intergovernamentais
estadual partir de 1998):
prioritários por meio do processo
(Programação transferência
para controle de de habilitação às
Pactuada e segmentada em
doenças e agravos. condições de gestão do
Integrada). várias parcelas.
SUS e dos instrumentos
de programação da
saúde.

167
UNIDADE 3 | A TRAJETÓRIA E OS DESAFIOS DO MODELO DE SAÚDE E PREVIDÊNCIA

Negociações em âmbito
nacional e estadual
Forte: definição
e experiência de
de conjunto
negociação regional
de ações e
Forma residual: isolada (ex.: CIB
serviços a serem Manutenção
repasse direto regionais).
contemplados dos dispositivos
ao prestador Iniciativas isoladas de
no planejamento anteriores e:
segundo consórcios.
regional e às Definição de
produção Formalização
iniciativas e responsabilidades
aprovada. dos acordos
negociações mínimas para a
Forma intergovernamentais
2001 a Noas intermunicipais atenção básica.
preponderante: por meio do processo
2005 2001/2002 sob coordenação Redefinição de
transferências de habilitação às
da instância procedimentos
segmentadas em condições de gestão do
estadual da atenção de alta
várias parcelas SUS, da programação
(Programação complexidade.
incluindo a de saúde e de contratos
Pactuada e Criação de
definição de entre gestores isolados.
Integrada, Plano protocolos para
referências Implantação de
Diretor de assistência médica.
intermunicipais. mecanismos de
Regionalização,
avaliação de resultados
Plano Diretor de
(Agenda da Saúde,
Investimentos).
Pacto da Atenção
Básica).

Negociações em âmbito
nacional e estadual.
Fomento à expansão
das experiências de
negociação regional e
compartilhamento da
Transferências
Forte: definições gestão dos sistemas de
em seis
do conjunto saúde.
grandes blocos:
de ações e Formalização dos
atenção básica,
serviços a serem acordos entre
média e alta
contemplados Definição das gestores por meio da
Pactos complexidade
2006 a no processo de responsabilidades programação em saúde,
pela ambulatorial
2010 regionalização em todos os níveis da assinatura de termos
saúde e hospitalar,
da saúde de atenção. de compromissos entre
vigilância em
conduzidos no os gestores no âmbito
saúde, assistência
âmbito estadual do Pacto pela Vida e de
à saúde, gestão
com pactuação contratos entre gestores
do SUS e
entre gestores. em alguns estados.
investimentos.
Implantação de
mecanismos de
monitoramento
e avaliação dos
compromissos
pactuados.

FONTE: NORONHA et al., 2012, apud VIANA; LIMA; OLIVEIRA (2002).

168
RESUMO DO TÓPICO 1
Neste tópico, você estudou que:

Com a redemocratização, a saúde se tornou tema de debate em relação às


condições de vida da população. Esse fenômeno se deve à ampliação dos atores
sociais envolvidos com a questão, que levou os debates sobre saúde para um
patamar político.

• A universalização do acesso à saúde, com o reconhecimento da saúde como


direito do cidadão e dever do Estado, e a necessidade de democratizar os
processos de elaboração, implementação e avaliação das políticas públicas são
marcantes nesse contexto.

• Após a promulgação da Constituição de 1988, ganham força nos debates acerca


da gestão das políticas de saúde as estratégias de adesão às políticas neoliberais.

• Nos anos 1990, os projetos da Reforma Sanitária e o Privatista ganham força


e colocam em contraposição a universalidade do SUS e a adoção de ações
voltadas para o mercado.

• Como inovações das políticas de saúde nos anos 2000 estão: a luta pela Reforma
Sanitária, a criação da Secretaria de Gestão do Trabalho em Saúde, da Secretaria
Nacional de Atenção à Saúde e da Secretaria de Gestão Participativa.

• O neoliberalismo marca uma gestão da política de saúde que se esforça para


atender às demandas da esfera privada e relega a segundo plano a garantia do
acesso aos direitos sociais.

• O SUS tem por característica o amplo atendimento de saúde, entendido


como direito de todos, e a ampliação do atendimento e da democratização na
prestação dos serviços de saúde.

• A organização do SUS reconhece os desafios relacionados à universalização do


atendimento e prevê parcerias entre as esferas pública e privada para promover
a ampliação do atendimento.

• A gestão democrática e a descentralização também fazem parte dos princípios


norteadores do sistema, colocando como desafio a construção de uma rede de
atenção à saúde.

• Os gestores do SUS têm papel central no sucesso das várias fases da política
pública. É fundamental a ação desses atores para que seja possível atender a
toda a população com qualidade.

169
AUTOATIVIDADE

1 Entre os princípios norteadores do SUS está a descentralização. Para que o


sistema possa atender a toda a população com qualidade, é necessário pensar
o sistema de forma descentralizada, contando com a formação de uma rede de
atores envolvidos no planejamento, execução e avaliação da política pública.
Sobre a descentralização, analise as sentenças a seguir assinalando V para
verdadeiras e F para falsas:

( ) Longos períodos de autoritarismo centralizador comprometeram o


funcionamento das instituições federativas.
( ) Simetria de poder dos governadores no sistema político e nas políticas
públicas ligadas ao sistema de saúde.
( ) Diversidade territorial e marcantes desigualdades socioeconômicas entre
as regiões, estados e principalmente entre municípios.
( ) Existência de mais de cinco mil municípios, com limitadas condições para
desenvolver todas as responsabilidades sobre as políticas públicas que lhes
são atribuídas.

Agora assinale a alternativa que apresenta a sequência correta:

a) V – F – F – V.
b) V – F – V – V.
c) F – V – V – F.
d) F – V – F – F.

2 O SUS prevê a parceria entre as esferas pública e privada. Essa relação se dá


por meio de contratos e convênios que seguem as normas do direito público,
premissas éticas e normas dos órgãos de direção do SUS. Partindo desse
pressuposto, analise as sentenças a seguir:

I - O SUS é composto exclusivamente de serviços públicos nos hospitais e de


serviços privados em unidades de diagnose e terapia.
II - São as parcerias que permitem o amplo atendimento do SUS sem a
condicionalidade de pagamento.
III - Os serviços privados ligados aos SUS seguem normas próprias de cada
instituição privada.
IV - A rede de serviços privada oferta serviços mediante o financiamento público
vindo dos municípios, estados e da União.

Agora assinale a alternativa correta:

170
a) As sentenças II e IV estão corretas.
b) As sentenças I e III e estão corretas.
c) Somente a sentença II está correta.
d) As sentenças II e III estão corretas.

3 Uma das principais características do SUS é o amplo atendimento à saúde.


Esse é um direito previsto na Constituição como direito de todos e dever
do Estado. O objetivo é melhorar as condições de atendimento médico e de
qualidade de vida a toda a população. Partindo desse princípio, assinale a
alternativa correta:

a) Para garantir a qualidade e ampliação do atendimento, o financiamento do


SUS fica a cargo da União.
b) O SUS é considerado uma política neoliberal e depende da contribuição da
população para garantir o atendimento.
c) A organização de toda a estrutura necessária para garantir a promoção
da saúde parte do princípio de que a saúde é dever do Estado e direito do
cidadão.
d) A descentralização é um recurso recente do sistema, que faz uso dessa
estratégia apenas nos últimos anos.

171
172
UNIDADE 3
TÓPICO 2

O SISTEMA PREVIDENCIÁRIO

1 INTRODUÇÃO
A previdência social, como já vimos, integra, juntamente com a política de
saúde e de assistência social, o tripé da seguridade social. Como parte integrante
da seguridade social, também foi alvo de avanços e retrocessos ao longo da
história de nosso país.

A partir da década de 1980, a previdência social, como a conhecemos hoje,


começa a tomar forma e também passa a ser alvo de intensos debates políticos, de
bandeiras de movimentos sociais e de reformas governamentais. Para conhecer
melhor esses aspectos da política de previdência, vamos analisar nesse tópico o
sistema previdenciário após a Constituição de 1988.

2 RELEMBRANDO A CONSTRUÇÃO DA NOÇÃO DE


SEGURIDADE SOCIAL
A noção de previdência e, consequentemente, a elaboração de sistemas
previdenciários estão relacionadas à noção de dignidade humana.

Os sistemas previdenciários desenvolveram-se a partir do


reconhecimento de que toda pessoa tem o direito a um nível de vida
digno, principalmente quando, por circunstâncias independentes de
sua vontade, perde sua capacidade de gerar renda e, assim, garantir a
sua subsistência (BELTRÃO et al., 2004, p. 1).

Entre o impulso para a criação desses sistemas destaca-se a participação


da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Essa organização é responsável
desde o início do século XX por promover ações referentes aos modelos de
proteção social no mundo.

173
UNIDADE 3 | A TRAJETÓRIA E OS DESAFIOS DO MODELO DE SAÚDE E PREVIDÊNCIA

UNI

Organização Internacional do Trabalho (OIT)

A Organização Internacional do Trabalho (OIT) é a agência das Nações Unidas que tem por
missão promover oportunidades para que homens e mulheres possam ter acesso a um
trabalho decente e produtivo, em condições de liberdade, equidade, segurança e dignidade.
O trabalho decente, conceito formalizado pela OIT em 1999, sintetiza a sua missão histórica
de promover oportunidades para que homens e mulheres possam ter um trabalho produtivo
e de qualidade, em condições de liberdade, equidade, segurança e dignidade humanas,
sendo considerado condição fundamental para a superação da pobreza, a redução das
desigualdades sociais, a garantia da governabilidade democrática e o desenvolvimento
sustentável.
O trabalho decente é o ponto de convergência dos quatro objetivos estratégicos da OIT: o
respeito aos direitos no trabalho (em especial aqueles definidos como fundamentais pela
Declaração Relativa aos Direitos e Princípios Fundamentais no Trabalho e seu seguimento
adotada em 1998: (i) liberdade sindical e reconhecimento efetivo do direito de negociação
coletiva; (ii) eliminação de todas as formas de trabalho forçado; (iii) abolição efetiva do
trabalho infantil; (iv) eliminação de todas as formas de discriminação em matéria de emprego
e ocupação), a promoção do emprego produtivo e de qualidade, a extensão da proteção
social e o fortalecimento do diálogo social.

FONTE: Disponível em: <http://www.ilo.org/brasilia/conheca-a-oit/lang--pt/index.htm>.


Acesso em: 7 set. 2017.

No Brasil, como já vimos na Unidade 1, a criação da Caixa de Aposentadoria


e Pensões do Banco do Brasil em 1904 representou o marco para a previdência
complementar privada, e a Lei Eloy Chaves, de 1923, para a previdência oficial de
caráter estatal para os trabalhadores da iniciativa privada (BELTRÃO et al., 2004).

Nesse cenário destacamos o desequilíbrio entre previdência pública e


privada:
O desenvolvimento da previdência em nível estatal, cercada de grande
expectativa, não chegou a inibir a evolução da Previdência Privada
(PP). Não abrangendo, de início, todas as categorias ocupacionais,
a Previdência Social (PS) deixou a descoberto os autônomos, os
profissionais liberais, os empregadores e os trabalhadores rurais. Surge
então a necessidade de estes se organizarem em sociedades mutuárias
que lhes dessem cobertura, proliferando, assim, as Caixas de Pecúlios
e as Sociedades de Mútuo Socorro (BELTRÃO et al., 2004, p. 2).

Observamos que desde a criação dos sistemas previdenciários no Brasil


não ocorreu uma cobertura universal e/ou integral. Seja pela característica
contributiva desse sistema, seja pela forma como foram estruturados os fundos
de previdência, fica claro que diversos grupos de trabalhadores foram excluídos
do sistema ao longo de sua constituição.

174
TÓPICO 2 | O SISTEMA PREVIDENCIÁRIO

Vamos conhecer os marcos históricos da previdência social no Brasil?


Acompanhe, na figura a seguir, esses pontos de referência para compreender as
características da previdência social:

FIGURA 29 – BREVE HISTÓRIA DA PREVIDÊNCIA NO BRASIL

FONTE: Disponível em: <http://www.capesesp.com.br/web/pep/previdencia-no-brasil>. Acesso


em: 7 set. 2017.

Para descrevermos as características e as estruturas de organização


do sistema de previdência social no Brasil é fundamental resgatar o contexto
econômico, político e social que se desenrolava no país após o fim da ditadura
militar no decorrer da democratização.

Nesse cenário ocorreu a transição do desenvolvimentismo para a


consolidação da política econômica neoliberal. Dois aspectos merecem destaque
nesse percurso: a) a mobilização da sociedade em torno da democratização, com
ênfase na luta dos trabalhadores por melhores condições de trabalho e melhores
salários; a luta pelos novos direitos sociais e dos direitos do consumidor; a
manifestação de uma política econômica voltada para o crescimento e distribuição
de renda; a definição da prioridade na garantia de serviços públicos como saúde,
educação e transporte; a valorização do salário mínimo e a realização da reforma
agrária, ou seja, não seriam aceitos retrocessos; e b) o desafio imposto pelo
montante da dívida externa e a inflação que dificultava as estratégias estatais –
fossem elas desenvolvimentistas ou neoliberais (MARQUES et al., 2009).

Contudo, nesse cenário era comum o destaque de economistas na


associação do endividamento e da inflação ao esgotamento da capacidade do
Estado de promover o desenvolvimento econômico (MARQUES et al., 2009).

Podemos identificar a percepção social da época em relação ao Estado na


charge a seguir. Nessa arte do chargista Claudio, a inflação dá um olé no ministro
da Fazenda Maílson da Nóbrega.

175
UNIDADE 3 | A TRAJETÓRIA E OS DESAFIOS DO MODELO DE SAÚDE E PREVIDÊNCIA

FIGURA 30 – DESAFIOS DA ECONOMIA BRASILEIRA: A INFLAÇÃO

Maílson da Nóbrega:
FONTE: Disponível em: <http://chargistaclaudio.zip.net/images/b89-
12a.jpg>. Acesso em: 7 set. 2017.

O governo de Fernando Collor de Mello apresentou um plano para


combater a inflação, iniciar a abertura comercial e as privatizações. O fracasso
desse plano levouàa popularidade do argumento que o Estado deveria exercer a
menor influência possível e da privatização das empresas estatais se estendendo
as áreas sociais (MARQUES et al., 2009).

O fracasso dos planos de Collor, aliado aos escândalos de corrupção,


levou ao processo de impeachment e à cassação do presidente. Na charge de Edra
podemos observar elementos da conjuntura social da época.

FIGURA 31 – CONJUNTURA POLÍTICA E ECONÔMICA NA DÉCADA


DE 1990

FONTE: Disponível em: <http://2.bp.blogspot.com/-XJy03AWfPyM/


T3jqOnBTw7I/AAAAAAAAAOs/cgW0J_Bov6w/s1600/12.jpg>. Acesso
em: 7 set. 2017.

Mesmo diante dos direcionamentos para a adesão das políticas neoliberais,


foi no governo de Fernando Henrique Cardoso que a adesão neoliberal tomou
forma e a política econômica do país passou a ser subordinada ao neoliberalismo
e aos interesses dos credores e do capital financeiro (MARQUES et al., 2009).

176
TÓPICO 2 | O SISTEMA PREVIDENCIÁRIO

3 O SISTEMA PREVIDENCIÁRIO NO BRASIL


O cenário apresentado até então tomou outros contornos no que diz
respeito à Previdência Social.

[…] as principais ideias lançadas em 1991, inclusive sob a forma


de projetos de lei, não serão implementadas no Brasil, apesar das
reformas realizadas durante o governo FHC e no início do governo
Lula. As dificuldades para a adoção de um sistema previdenciário de
cunho neoliberal, fundado em um regime privado e de capitalização,
que reservasse para o Estado, no máximo, o papel de garantir renda
de substituição para o segmento mais pobre da população, não
resultaram, no entanto, em uma posição organizada e combativa.
Elas foram resultado do fato de o sistema previdenciário brasileiro ser
particularmente desenvolvido, vis a vis os do resto da América Latina,
e da incapacidade do Estado assumir os custos do período de transição,
quando o Regime Geral da Previdência Social (RGPS) deixaria de ser
repartição e passaria a ser de capitalização, e suas fontes de financiamento
excluiriam a contribuição dos empregadores, calculada sobre a massa
salarial dos trabalhadores formais (MARQUES et al., 2009, p. 197).

Outro fator que merece atenção se refere ao discurso que pretendia


fundamentar as reformas encaminhadas por projetos de lei nos governos
Collor, FHC e Lula, o conteúdo se tornou simplista e emocional. Dessa forma,
as mudanças – que ocorreram com maior ênfase nos governos FHC e Lula –
deram conta das condições de acesso à aposentadoria e do valor do benefício.
Ou seja, “os servidores preservaram seu regime à parte e o RGPS continuou a
ser de repartição, financiado por contribuições sociais e com participação dos
empregadores” (MARQUES et al., 2009, p. 198).

O período entre 1985 e 1991 pode ser caracterizado por duas frentes: o
debate para a promoção da ampliação da cobertura e redução da desigualdade
entre trabalhadores urbanos e rurais e a luta para a aprovação de leis relativas ao
financiamento e aos direitos garantidos pela Constituição Federal de 1988.

E
IMPORTANT

A previdência na Constituição Federal de 1988

De 1985 a 1988, a nação estava concentrada em discutir e elaborar uma nova Constituição,
pois estava em jogo a definição das bases que iriam sustentar a construção de um novo
regime. Entre essas bases, a questão social assumia importância ímpar, dado que os diferentes
setores presentes nos movimentos sociais que lutaram pelo fim da ditadura abraçavam a
ideia de que seria possível, a partir da democratização do país, resgatar a enorme dívida social
herdada do período militar. Com esse propósito, os constituintes escreveram na Constituição
de 1988 a garantia de direitos básicos e universais de cidadania, que estabelecia o direito à
saúde pública, definia o campo da assistência social, regulamentava o seguro-desemprego
e avançava na cobertura da PS. Essas garantias foram objeto de capítulo específico – o da
Seguridade Social (SS), simbolizando o rompimento com o passado.
FONTE: (MARQUES et al., 2009).

177
UNIDADE 3 | A TRAJETÓRIA E OS DESAFIOS DO MODELO DE SAÚDE E PREVIDÊNCIA

É fundamental relembrar que alguns avanços ocorreram antes mesmo


da Constituição, como o aumento do valor dos pisos dos benefícios urbanos, a
diminuição do prazo de carência e a extensão de alguns tipos de benefícios para
os trabalhadores rurais durante o governo Sarney (MARQUES et al., 2009).

Como pauta das políticas públicas desde a década de 1980, a criação


do SUS e sua proposta de descentralização representaram as bases para a
construção do modelo de previdência, pois o programa INAMPS foi criado no
contexto do Sistema Unificado e Descentralizado de Saúde (SUDS). As ações e
estratégias adotadas nesse período representaram avanços na descentralização e
universalização das políticas ligadas à Seguridade Social (MARQUES et al., 2009).

As ações do período da redemocratização foram responsáveis por diminuir


as desigualdades entre trabalhadores urbanos e rurais, porém foi na ditadura
militar que observamos os avanços no tocante à universalização. Nesse período,
os institutos por categorias foram extintos e foi criado um regime previdenciário
único e, também, a previdência social foi estendida aos trabalhadores rurais –
com diferenciação dos riscos cobertos e dos valores pagos aos trabalhadores
(MARQUES et al., 2009).

O período posterior à promulgação da Constituição Federal foi marcado


por tentativas de emplacar reformas na previdência. Podemos observar uma
síntese das movimentações desse período no quadro a seguir:

QUADRO 12 – MUDANÇAS INFRACONSTITUCIONAIS – REGIME GERAL DA PREVIDÊNCIA


SOCIAL (RGPS) POR 1991-1995

1 – Abono de permanência

Auxílio financeiro mensal concedido ao segurado que, tendo direito à


aposentadoria por tempo de serviço, optasse por permanecer em atividade.
Os valores eram definidos segundo os seguintes critérios: 1) 20% para quem
tivesse, no mínimo, 30 anos de serviço – extinto pela Lei 8.213/91; 2) 25% para
os homens com mais de 35 anos de serviço e para as mulheres com mais de 30
anos de trabalho – extinto pela Lei 8.870/94.

2 – Pecúlio

Benefício de pagamento único, pago ao aposentado que tivesse optado em se


manter em atividade e que continuava contribuindo para o RGPS quando de
sua entrada definitiva na inatividade. Era concedido nos seguintes casos:

1) ao segurado aposentado por idade ou por tempo de serviço que permanecia ou


que voltava a exercer atividade regida pelo RGPS. O benefício correspondia à
soma das contribuições do segurado, cujo valor era reajustado de acordo com
o índice aplicado às poupanças, com data de aniversário. Extinto pela Lei nº
8.870/94.

178
TÓPICO 2 | O SISTEMA PREVIDENCIÁRIO

2) ao segurado incapacitado definitivamente para o trabalho antes de ter


completado o período de carência para ter direito à aposentadoria. Extinto
pela Lei nº 8.870//94.
3) ao segurado ou seus dependentes, em caso de invalidez ou morte decorrente
de acidente de trabalho. Consistia em pagamento de 75% do limite máximo
do salário de contribuição, no caso de invalidez, e de 150% desse limite no
caso de morte – Extinto pela Lei nº 9.032/95.

3 – Auxílio-natalidade

Pago em cota única a todas as seguradas ou esposa de segurado, por ocasião


do parto – Extinto quando da aprovação da Lei Orgânica da Assistência Social
LOAS 8.742, de 07/12/93 (1).

4 – Auxílio-funeral

Pago em cota única a todo segurado ou dependente que comprovasse ter


efetuado despesas funerárias.
Extinto pela LOAS 8.742/ (1).
FONTE: Marques et al. (2009)

A reforma da previdência proposta por FHC tomou corpo com a EC


20 e com a Lei nº 9.876, de 26 de novembro de 1999. A reforma representou as
seguintes mudanças:
[…] Em relação ao RGPS, os dispositivos da Constituição de 1988
levados à revisão e aprovados pela Emenda Constitucional 20 foram:
a eliminação do teto de dez salários mínimos para o pagamento
das aposentadorias por tempo de serviço e das regras de cálculo
desse benefício (média aritmética dos últimos 36 meses); e a criação
de condições para que o sistema público de previdência siga regras
que proporcionem o equilíbrio financeiro e atuarial. Em relação à
aposentadoria, o novo teto determina que o segurado tenha no mínimo
contribuído durante 35 anos, se homem, ou 30, se mulher (com isso o
tempo de serviço foi substituído por tempo de contribuição). No caso
da aposentadoria por idade, o homem necessita ter 65 anos e a mulher,
60. Foi mantida a redução de 5 anos para os rurais de ambos os sexos
e para o professor […] (MARQUES et al., 2009, p. 199).

Entre essas mudanças ganharam destaque o valor das aposentadorias,


pois no cálculo do valor da aposentadoria foi aplicado um fator redutor chamado
de fator previdenciário, e a extinção da aposentadoria proporcional. Apesar de ter
aprovado mudanças no regime do funcionalismo público, a reforma não foi capaz
de aprovar um de seus principais objetivos: o teto para o valor da aposentadoria
(MARQUES et al., 2009).

As polêmicas que envolveram as reformas levantaram uma série de debates


no meio acadêmico e nos meios de comunicação, como pode ser observado na
charge de Bira:
179
UNIDADE 3 | A TRAJETÓRIA E OS DESAFIOS DO MODELO DE SAÚDE E PREVIDÊNCIA

FIGURA 32 – REFORMA DA PREVIDÊNCIA

FONTE: Disponível em: <http://bolacomgravata.com.br/wp-content/


uploads/2011/01/aposenta.jpg>. Acesso em: 7 set. 2017.

UNI

Fator Previdenciário

O fator previdenciário, que existe desde o governo FHC, nada mais é do que uma fórmula
matemática utilizada pelo INSS. Ele tem como principal finalidade reduzir os benefícios
concedidos às pessoas que se aposentam com menos de 60 anos.
A Previdência Social espera que mulheres se aposentem a partir dos 60 anos e os homens
com 65 anos. No entanto, muitos acabam recorrendo à modalidade de aposentadoria por
tempo de contribuição (30 anos para mulheres e 35 para homens). Essa situação estava
causando um rombo nos cofres do INSS, por isso o fator previdenciário foi instituído.
A ideia de criar o fator previdenciário surgiu como uma forma de incentivar o contribuinte a
trabalhar por mais tempo. Ou seja, os trabalhadores pensam duas vezes antes de solicitar a
aposentadoria por tempo de contribuição, já que isso refletirá diretamente no bolso.
O que é o Fator Previdenciário?
O fator previdenciário é um cálculo utilizado para conceder a aposentadoria aos segurados
do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). Ele começou a valer em 1999, ainda na gestão
do ex-presidente da República Fernando Henrique Cardoso.
Desde quando começou a ser usado, o fator previdenciário influencia no valor da aposentadoria
por tempo de contribuição. Portanto, quem resolve se aposentar mais jovem acaba recebendo
menos do que o esperado, já que o cálculo da Previdência “come” parte do valor.
Em outras palavras, quanto menor a idade na hora de dar entrada na aposentadoria, maior é
o redutor do benefício previdenciário.
Como fazer o cálculo?
A fórmula do fator previdenciário é complexa. A conta é baseada na idade do trabalhador, no
tempo de contribuição, na expectativa de sobrevida e no multiplicador de 0,31.
Não entendeu nada? Vamos a um exemplo prático:
Carlos tem 55 anos de idade e contribuiu com o INSS por 35 anos. Sua média salarial ao
longo de todo o período de carteira assinada é de R$ 3.000,00. Sabendo que o seu fator
previdenciário é de 0,7, a conta para chegar ao valor da sua aposentadoria é 0,7 X 3.000 =
R$ 2.100,00.

180
TÓPICO 2 | O SISTEMA PREVIDENCIÁRIO

No caso de José, que resolveu se aposentar por idade aos 65 anos e contribuiu por 45 anos,
o fator é de 1,379. Se sua média de salário é igual à de Carlos (R$ 3.000,00), ele receberá R$
4.137 de aposentadoria (1,379 X 3.000).
Para entender melhor como é calculado o fator previdenciário, basta baixar a tabela de 2016.
Mudanças no fator previdenciário
Em 2015, o Governo Federal autorizou uma mudança no fator previdenciário, que recebeu
o nome de sistema 85/95. A lógica do cálculo é bem simples: a mulher pode se aposentar
quando a soma do tempo de contribuição e idade for 85. No caso dos homens, essa soma
deve resultar em 95.
Se, porventura, o trabalhador optar pela aposentadoria antes de se adequar ao sistema
85/95, o valor do benefício é reduzido conforme o fator previdenciário.
A mudança é positiva para o trabalhador brasileiro, especialmente para aquele que começou
a trabalhar cedo e atinge o tempo de contribuição necessário antes da idade mínima para a
aposentadoria.
Como fica o fator previdenciário com a Reforma de Temer?
Michel Temer vai realizar uma Reforma Previdenciária em 2017. Sua principal proposta é
determinar uma idade mínima de 65 anos para a aposentadoria, tanto para mulheres quanto
para os homens. A regra valerá especialmente para os trabalhadores com menos de 50 anos
de idade.

FONTE: INSS Blog. Disponível em: <https://inss.blog.br/aposentadoria/fator-previdenciario/>.


Acesso em: 7 set. 2017.

As alterações propostas pelo governo Lula ficaram conhecidas como a


contrarreforma previdenciária. Essa proposta levantou polêmica, inclusive dentro
da base governista, pois apresentou direção contrária às ações do Congresso
até então. Com ela foram aprovados o teto para o valor da aposentadoria do
funcionalismo público e a contribuição incidente sobre o valor da aposentadoria
(MARQUES et al., 2009).

UNI

O governo Lula e a contrarreforma previdenciária

A reforma previdenciária, proposta pelo governo Lula e aprovada pelo Congresso Nacional,
constitui mais um passo decisivo na destruição do Estado iniciada no governo Collor. Este
artigo tem por objetivo destacar o impacto e os verdadeiros interesses do governo Lula no
tocante à reforma, ou melhor, à contrarreforma previdenciária.

Fonte: MARQUES, Rosa Maria; MENDES, Áquilas. O governo Lula e a contrarreforma


previdenciária. São Paulo Perspec., São Paulo, v. 18, n. 3, p. 3-15, set. 2004. Disponível em:
<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-88392004000300002>.
Acesso em: 7 set. 2017.

181
UNIDADE 3 | A TRAJETÓRIA E OS DESAFIOS DO MODELO DE SAÚDE E PREVIDÊNCIA

Atualmente, a previdência social brasileira está estruturada em três


pilares: Previdência Social Básica (primeiro pilar) e a Previdência Complementar,
dividida, por sua vez, em Previdência Complementar Fechada (segundo pilar) e
Previdência Complementar Aberta (terceiro pilar).

E
IMPORTANT

O Ministério da Previdência Social apresenta a lista dos benefícios concedidos


pela Previdência Social Pública no site:

FONTE: Disponível em: <http://www.previdencia.gov.br/servicos-ao-cidadao/


beneficios-do-inss/>. Acesso em: 9 set. 2017.

182
TÓPICO 2 | O SISTEMA PREVIDENCIÁRIO

Vale destacar que a Previdência Social Básica é compulsória e organizada


pelo Estado através do Regime Geral de Previdência Social (RGPS), que regula
os trabalhadores do setor privado e, também, através dos regimes próprios que
dão conta do funcionalismo público nas diferentes esferas (Judiciário, Legislativo
e Executivo – civis e militares) e níveis (federal, estadual e municipal) (BELTRÃO
et al., 2004).

A estrutura da Previdência Complementar é organizada de outra forma.


Para compreender melhor essa distribuição, observe a figura a seguir:

FIGURA 33 – PREVIDÊNCIA COMPLEMENTAR

FONTE: Beltrão et al. (2004, p. 2)

Como podemos diferenciar na prática a previdência complementar aberta


e a fechada?

A diferença conceitual básica entre a previdência complementar aberta


e a fechada é que a primeira pode ser contratada por todo o cidadão
que deseja ingressar em um desses planos, ao passo que a previdência
fechada aceita apenas pessoas que integram um determinado grupo,
normalmente vinculado a uma empresa ou a um conglomerado. Em
outras palavras, os planos abertos podem ter adesão de qualquer
pessoa, inclusive funcionários de uma empresa ou conglomerado
que, por qualquer razão, prefira não ter um fundo de pensão próprio
e, por isso, encaminha seus funcionários para um plano aberto. Não
há nenhum impedimento legal para que uma empresa opte por um
ou outro desenho. Todavia, essa situação não prevalece para pessoas
físicas. Um profissional autônomo poderá aderir apenas a um plano
aberto, e um funcionário, caso pretenda participar do plano de
benefício patrocinado pela empresa, será obrigado a aderir ao plano
existente (BELTRÃO et al., 2004, p. 2-3).

As outras características dos planos são semelhantes, pois as entidades


operam em regime de capitalização. O que significa que os recursos são aplicados
para a formação de um capital que garante o pagamento dos benefícios.

183
UNIDADE 3 | A TRAJETÓRIA E OS DESAFIOS DO MODELO DE SAÚDE E PREVIDÊNCIA

UNI

DICAS ANÁLISE DA ESTRUTURA DA PREVIDÊNCIA PRIVADA BRASILEIRA:


EVOLUÇÃO DO APARATO LEGAL

SINOPSE
Em um contexto de constantes mudanças no sistema previdenciário, motivadas sobretudo
pelas profundas transformações no mercado de trabalho, nas estruturas familiar e
demográfica, assim como na própria economia do país, a previdência privada passa a assumir
papel de crescente relevância.
A oferta privada de planos de aposentadorias e pensões não é novidade em nosso país.
Contudo, foi principalmente a partir da regulamentação que esse setor ganhou maior
representatividade na economia nacional. Na última década, o sistema previdenciário
brasileiro foi reformado (Emenda Constitucional 20) e, como consequência dessa reforma, a
previdência privada ganhou novo aparato legal.
Este estudo descreve a evolução do regime privado de previdência, vis-à-vis as mudanças
na legislação pertinente ao segmento, assim como oferece uma visão geral, em grandes
números, do setor para, em um estudo posterior, analisarmos o perfil dos consumidores de
produtos de previdência privada para o mesmo período.

FONTE: BELTRÃO, Kaizô Iwakami; LEME, Fernanda Paes; MENDONÇA, João Luís; SUGAHARA,
Sonoe. Análise da estrutura da previdência brasileira: evolução do aparato legal. Texto para
discussão nº 1043. IPEA.

184
RESUMO DO TÓPICO 2

Neste tópico, você estudou que:

• O entendimento do termo previdência está relacionado à noção de dignidade


humana, uma vez que a formação dos sistemas previdenciários parte do
pressuposto de que toda pessoa tem direito a uma vida digna.

• No Brasil, os sistemas previdenciários não foram capazes de oferecer cobertura


a toda a população. Seja pelo caráter contributivo ou pela estrutura dos fundos
de previdência.

• As tentativas constantes de reformas da previdência levaram à formação de duas


frentes na década de 1980: ampliação da cobertura e redução da desigualdade
entre trabalhadores urbanos e rurais e as lutas relativas ao financiamento do
sistema.

• A reforma gerada pela EC 20 durante o governo FHC foi responsável por


mudanças para garantir o equilíbrio do sistema e também por delimitar um
teto para a aposentadoria e o fator previdenciário.

• Nos anos 2000, a contrarreforma do governo Lula foi responsável por aprovar
um teto para o valor da aposentadoria dos servidos públicos e a contribuição
incidente sobre o valor da aposentadoria.

• A Previdência Social brasileira é composta por três pilares: Previdência Social


Básica e a Previdência Complementar, dividida, por sua vez, em Previdência
Complementar Fechada e Previdência Complementar Aberta

185
AUTOATIVIDADE
1 A Previdência Social no Brasil possui três formatos: a Previdência Social Básica,
a Previdência Complementar Fechada e a Previdência Complementar Aberta.
Considerando as características de cada formato, associe os itens a seguir:

I - Previdência Social Básica.


II - Previdência Complementar Fechada.
III - Previdência Complementar Aberta.

( ) Compulsória e organizada pelo Estado através do Regime Geral de


Previdência Social (RGPS).
( ) Aceita apenas pessoas que integram um determinado grupo, normalmente
vinculado a uma empresa ou a um conglomerado.
( ) Regula os trabalhadores do setor privado e, também, através dos regimes
próprios que dão conta do funcionalismo público nas diferentes esferas.
( ) Pode ser contratada por todo cidadão que deseja ingressar em um desses
planos.

Agora assinale a alternativa que apresenta a sequência correta:

a) I, II, I, III.
b) II, III, II, I.
c) III, II, I, II.
d) I, II, III, III.

2 Ao longo do desenvolvimento do sistema previdenciário, a década de


1990 ganhou destaque pelos intensos debates políticos e pela reforma da
previdência executada pelo governo FHC. Considerando esse contexto, avalie
as sentenças a seguir assinalando V para verdadeira e F para falsa:

( ) As principais ideias lançadas no início da década foram colocadas em


prática nos governos FHC e Lula.
( ) O Regime Geral da Previdência Social deixou de ser tripartição e passou a
ser de capitalização.
( ) Foi adotado um sistema neoliberal baseado em um regime privado e de
capitalização.
( ) Uma das principais mudanças foi a inclusão do fator previdenciário e do
teto para a aposentadoria.

Agora assinale a alternativa que apresenta a sequência correta:

a) F – V – F – V.
b) V – F – V – V.
c) V – V – V – F.
d) F – F – F – V.
186
3 As políticas de saúde foram responsáveis por avanços na política de
previdência, pois no contexto do Sistema Unificado de Descentralização da
Saúde foi criado o programa INAMPS, que contribuiu para a formação da
Seguridade Social. Partindo desse contexto, assinale a alternativa correta:

a) As estratégias adotadas nesse período representaram avanços na


descentralização e universalização das políticas de Seguridade Social.
b) Na ditadura militar observamos os maiores retrocessos no tocante à
universalização da previdência.
c) Após a democratização, os institutos por categorias foram extintos e foi
criado um regime previdenciário único.
d) Nos anos 1980, a previdência social foi estendida aos trabalhadores rurais –
com diferenciação dos riscos cobertos e dos valores pagos aos trabalhadores.

187
188
UNIDADE 3
TÓPICO 3

OS DESAFIOS CONTEMPORÂNEOS NA POLÍTICA DE


SAÚDE E PREVIDÊNCIA

1 INTRODUÇÃO
Prezado acadêmico! Construímos até aqui a jornada da política de saúde
e previdência brasileira. Podemos considerar que trilhamos juntos o caminho da
evolução dessas políticas no sentido da democratização e universalização de seus
serviços. Contudo, falar em evolução não significa aqui reconhecer apenas avanços,
mas olhar de forma crítica aos desafios e retrocessos. Assim, acompanhe, nesse tópico,
os desafios da seguridade social, da política de saúde e da política de previdência.

2 DESAFIOS DA SEGURIDADE SOCIAL


Como vimos na Unidade 1, o termo seguridade social forma uma espécie
de “guarda-chuva” para cobrir as dimensões de saúde, assistência social e
previdência social. O uso do termo seguridade social, entendido nesse sentido,
representa a identidade da política social brasileira após a promulgação da
Constituição de 1988.

A política social passa a ser entendida como o conjunto de ações da política


social, tendo como obrigatoriedade o papel do Estado e o reconhecimento do
direito do cidadão aos direitos sociais.
A expressão seguridade social implica uma visão sistêmica da política
social e com este sentido foi inscrita na Constituição Brasileira de 1988.
Ao adotá-la, a Carta consignou o entendimento da política social como
conjunto integrado de ações, como dever do Estado e como direito do
cidadão (VIANA, 2012, p. 176).

Entretanto, vale ressaltar que a incorporação desse termo e dessa concepção


de seguridade social como dever do Estado e direito do cidadão não significou a
superação da concepção assistencialista, ou ainda, a garantia de acesso aos direitos
sociais previstos na Constituição para todos aqueles de deles necessitam.

O uso do termo seguridade social é reflexo de um processo que marcou


as políticas sociais do século XX, especialmente na Europa. Incorporou, assim,
ainda que tardia e nominalmente, uma das grandes marcas do século XX, pois
seguridade social é um termo cujo uso se tornou corrente a partir dos anos 1940,
no mundo desenvolvido e particularmente na Europa, para exprimir a ideia de
superação do conceito de seguro social no que diz respeito à garantia de segurança
das pessoas em situações adversas (VIANA, 2012, p. 176).
189
UNIDADE 3 | A TRAJETÓRIA E OS DESAFIOS DO MODELO DE SAÚDE E PREVIDÊNCIA

A seguridade social prevista na Constituição representou uma expectativa de


comprometimento do Estado no atendimento das necessidades daqueles sujeitos que
se encontravam em situação de vulnerabilidade decorrente de contextos econômicos
e/ou sociais. Como podemos identificar na descrição de Viana (2012, p. 176):

Significa que a sociedade se solidariza com o indivíduo quando o


mercado o coloca em dificuldades. Ou seja, significa que o risco a que
qualquer um, em princípio está sujeito - de não conseguir prover seu
próprio sustento e cair na miséria -, deixa de ser problema meramente
individual e passa a constituir uma responsabilidade social, pública.
Por isso, a Seguridade Social, em países avançados, fica de uma forma
ou de outra nas mãos do Estado.

O propósito da seguridade social na Constituinte foi de unificar e qualificar


ações e estratégias no entorno da gestão e financiamento no âmbito da saúde,
assistência social e previdência social. Essa concepção visava criar uma concepção
universal, democrática e livre de estigmas para essas políticas, mas que fosse capaz
de respeitar e dar conta de suas especificidades (VIANA, 2012). Afinal, o que
representou na prática a noção de seguridade social presente na Constituição?
Contudo, por inúmeras razões, a seguridade social ficou apenas
sinalizada. A integração prevista requeria não só uma “proposta
de orçamento”, como referido na Carta (título VIII, cap. II, art. 195),
“elaborada de forma integrada pelos órgãos responsáveis pela saúde,
previdência e assistência social”, como também, e sobretudo, uma
gestão efetivamente unificada, um Ministério da Seguridade. Tal
não ocorreu. Ao contrário, nos anos 1990, efetivada a transição do
autoritarismo para o regime democrático, a previdência, a saúde
e a assistência social foram regulamentadas por leis distintas e
institucionalizadas em ministérios diferentes, bem como tiveram suas
receitas estipuladas separadamente. Sintomaticamente, o presidente
da República eleito em 1989 – o primeiro depois de quase trinta
anos sem eleições presidenciais –, ao realizar as habituais alterações
na estrutura ministerial, transformou o antigo Instituto Nacional de
Previdência Social em Instituto Nacional de Seguro Social (grifo da autora)
e o reconduziu ao âmbito do Ministério do Trabalho, evidenciando
um claro retrocesso no que concerne à construção de um real sistema
de proteção social (VIANA, 2012, p. 177).

Cabe aqui ressaltar os pontos descritos por Viana. Primeiramente, a noção


de seguridade social possui um significado na Constituição de 1988 e outro
significado na gestão pública. No texto da Carta, a seguridade social unifica
a gestão e o financiamento da saúde, assistência social e previdência social.
Na prática, cada política ficou a cargo de um ministério diferente, com leis de
regulamentação diferentes e com orçamentos diferentes. Ou seja, estão suscetíveis
a agendas, demandas e realidades orçamentárias completamente diferentes,
ainda que compartilhem o mesmo objetivo de universalização da garantia de
acesso aos direitos sociais.

Outro ponto a ser destacado é o retrocesso que se seguiu à eleição


presidencial democrática. A expectativa de uma nova organização institucional
frustrou-se especialmente na alteração do Instituto Nacional de Previdência

190
TÓPICO 3 | OS DESAFIOS CONTEMPORÂNEOS NA POLÍTICA DE SAÚDE E PREVIDÊNCIA

Social para Instituto Nacional de Seguridade Social a cargo do Ministério do


Trabalho. Como, nesse cenário cada vez mais disperso, pensar um sistema de
proteção social?

A influência do contexto internacional também merece atenção à sequência


de crises, especialmente a partir da década de 1970: colocou em xeque o projeto de
bem-estar social e levantou fortes críticas em relação ao tamanho e à capacidade
de intervenção do Estado, de um lado, e, paralelamente, resgatou as premissas
liberais do Estado mínimo através do neoliberalismo. Nesse contexto político,
econômico e social, as políticas sociais e o ideal de um sistema de seguridade
social ficaram em segundo plano.

Sobre os efeitos desse cenário, vale analisar o argumento a seguir:


Os efeitos da conjuntura político-econômica sobre o Brasil – e demais
países latino-americanos – são conhecidos. Recessão, déficit público,
inflação, crise fiscal etc., agravaram desequilíbrios estruturais, encurtando
recursos e aumentando as necessidades por proteção; em especial e
talvez mais grave para esta finalidade, os condicionantes impostos
pelas agências multilaterais ao crédito externo passaram a acentuar com
absoluto rigor o enxugamento do Estado e seu desengajamento na oferta
de benefícios e serviços coletivos. Condicionantes que foram aceitos
pelos governantes brasileiros e transpostos para praticamente todas as
decisões (e não decisões) que afetam a economia (e, por conseguinte, a
sociedade) (VIANA, 2012, p. 177).

Observamos, nesta descrição, o descompasso entre a necessidade em


atender às demandas sociais resultantes do desenvolvimento capitalista, da
expansão da globalização e dos impactos resultantes de fenômenos como
a terceirização e da crise econômica do Brasil dos anos 1980 1990 e a adesão,
por parte dos governantes, aos condicionamentos estabelecidos pelos órgãos
multinacionais.

UNI

BRASIL FMI

A influência desse contexto foi responsável pela situação com a qual nos deparamos hoje
em relação à seguridade social. O termo e o ideal que ele representa permanecem em nossa
Constituição. Não foram criadas propostas de emenda constitucional (PEC) ou medidas
provisórias (MP) que fossem responsáveis pela exclusão da seguridade social (VIANA, 2012).
Entretanto, a gestão pública não foi capaz de fazer valer o sistema de seguridade social
previsto na legislação, ou ainda, pela garantia dos direitos sociais prevista na Constituição.

191
UNIDADE 3 | A TRAJETÓRIA E OS DESAFIOS DO MODELO DE SAÚDE E PREVIDÊNCIA

3 ANÁLISE DO MODELO SAÚDE PÚBLICA: AVANÇOS E


DESAFIOS
A implementação do SUS no Brasil representou o enfrentamento de
duas forças: os condicionantes históricos do modelo de sistema de saúde no
país e a pressão das forças internacionais contrárias à adoção de políticas sociais
abrangentes. Além disso, é preciso observar que, de um lado, o contexto da
década de 80 – crise econômica e redemocratização – impulsionou o debate
político na esfera da saúde e resultou no texto da Constituição Federal de 1988
e nas mudanças do sistema; de outro, ao longo dos anos 1990 a consolidação
do sistema sofreu com as tensões estruturais e conjunturais desse período
(NORONHA et al., 2012).

Entre os obstáculos estruturais destacam-se o alto grau de exclusão


social e heterogeneidade – que não foram superados com as políticas sociais,
e as características institucionais de centralização excessiva, fragmentação
institucional, fragilidade na regulação e pouca tradição na participação social.
Essas características se assemelham à realidade dos demais países da América
Latina (NORONHA et al., 2012).

E de forma particular em nosso país,


[...] os obstáculos estruturais se expressam nas profundas
desigualdades socioeconômicas e culturais – inter-regionvais,
interestaduais, intermunicipais –, nas características do próprio
federalismo brasileiro, na proteção social fragmentada e no modelo
médico assistencial privatista sobre o qual o sistema foi construído
(NORONHA et al., 2012, p. 387).

É importante perceber que obstáculos estruturais se repetem nos países


vizinhos, porém tomam forma particular quando consideramos o processo
histórico e as características culturais brasileiras. Aqui o modelo federalista não
foi capaz de superar as distâncias regionais, bem como a criação do SUS não foi
capaz de superar completamente o modelo de saúde construído até então.

Entre os desafios para a consolidação do SUS estão a superação das


desigualdades e a consolidação da noção de direito à saúde como garantia
constitucional e a articulação intersetorial visando à construção de políticas mais
abrangentes (NORONHA et al., 2012).

Mais uma vez é importante dar ênfase às influências das expressões da


questão social sobre as políticas de saúde. Não é um processo simples superar
as questões históricas que invisibilizaram grupos e conformaram a falta de
acesso à saúde por décadas em nosso país. Nesse sentido, nem a adoção de um
sistema único de saúde em tempos tão adversos foi capaz de transformar por
completo essa realidade.

192
TÓPICO 3 | OS DESAFIOS CONTEMPORÂNEOS NA POLÍTICA DE SAÚDE E PREVIDÊNCIA

DICAS

Raio X: Saúde no Brasil


<www.youtube.com>.
Dr. Dráuzio faz uma análise da saúde no país,
envolvendo os sistemas públicos, privado e planos
de saúde. Assista também: História da aids no Brasil.

Sobre os aspectos conjunturais, toma espaço no contexto do SUS a onda


de reformas conservadoras de caráter neoliberal que implicaram sobre contextos
políticos, econômicos e sociais em diversos países – induzidas por organismos
multilaterais de financiamento (NORONHA et al., 2012).

Esse processo representa a adoção de medidas que agravaram questões


estruturais, conforme podemos observar a seguir:

FIGURA 34 – ESTRATÉGIAS NEOLIBERAIS ADOTADAS NA DÉCADA DE 1990

Estabilização da moeda.

Privatização das empresas estatais.

Adoção de reformas institucionais orientadas


para a redução do tamanho do Estado e do
quadro do funcionalismo público, incluindo a
agenda da reforma da previdência e a reforma do
aparelho do Estado.

Mudanças nas relações de trabalho, com


o aumento do segmento informal e do
desemprego estrutural e a fragilização do
movimento sindical.

Desregulamentação dos mercados.

FONTE: Noronha et al. (2012).

193
UNIDADE 3 | A TRAJETÓRIA E OS DESAFIOS DO MODELO DE SAÚDE E PREVIDÊNCIA

Diante desse cenário, ressaltamos que não há um consenso teórico nas


análises sobre a política de saúde no Brasil, contudo destacamos alguns pontos
dessa discussão:
A consolidação do SUS, no contexto atual, envolve uma série de
complexos desafios, exigindo mudanças estruturais profundas e
estratégicas de longo prazo. A luta pela garantia da saúde como direito
de cidadania é hoje a luta por um novo modelo de desenvolvimento
para o país e por um novo espaço para a proteção social e a política de
saúde nesse modelo. Tal inflexão requer políticas estatais abrangentes
e responsáveis e um sólido apoio ao sistema público, tendo por base o
fortalecimento dos laços de solidariedade social no Brasil (NORONHA
et al., 2012, p. 391).

4 A PREVIDÊNCIA NO CONTEXTO DO NEOLIBERALISMO


As reformas promovidas no contexto do neoliberalismo provocaram
mudanças em diferentes estruturas sociais e instituições. Entre as áreas que mais
sofreram com esse ajuste está a Previdência Social.
Nesse contexto, apesar do texto constitucional conter avanços, houve
um forte ataque por parte do grande capital, aliado aos grupos
dirigentes. A Reforma Constitucional, notadamente da Previdência
Social e das regras que regulamentam as relações de trabalho no
Brasil, é um dos exemplos dessa aliança. Ao agendar a reforma da
previdência, e não da seguridade, o governo teve como intenção
desmontar a proposta de Seguridade Social contida na Constituição
de 1988. Seguridade virou previdência e previdência é considerada
seguro (BRAVO, 2006, p. 13).

Ao aderir às propostas neoliberais, o governo determina novos rumos para


as políticas sociais, especialmente para a previdência. A noção de seguridade,
como vimos na Unidade 1, se restringiu à previdência, e esta, por sua vez, passa
a ser entendida como seguro.

A adoção dessas medidas contempla a crítica às funções intervencionistas


do Estado. O objetivo era substituir a administração pública de caráter burocrático
por um modelo gerencial. Nesse modelo, os princípios são: “a descentralização,
a eficiência, o controle dos resultados, a redução de custos e a produtividade”
(BRAVO, 2006, p. 13).

Em outras palavras, na visão neoliberal o Estado deixa de agir como


instrumento de promoção e regulação do desenvolvimento econômico e social. Esse
papel passa a ser protagonizado por agentes privados. Logo, como consequência,
observamos a “redução dos direitos sociais e trabalhistas, desemprego estrutural,
precarização do trabalho, desmonte da previdência pública, sucateamento da
saúde e educação” (BRAVO, 2006, p. 14).

194
TÓPICO 3 | OS DESAFIOS CONTEMPORÂNEOS NA POLÍTICA DE SAÚDE E PREVIDÊNCIA

LEITURA COMPLEMENTAR

DEMOCRACIA E GLOBALIZAÇÃO: POLÍTICAS DE PREVIDÊNCIA


SOCIAL NA ARGENTINA, BRASIL E CHILE

Maria Rita Loureiro

[…] A reforma brasileira: mudanças parciais sob democracia

As reformas pró-mercado no Brasil ocorreram mais tardiamente em


relação aos demais e assumiram um formato mais pragmático e moderado perante
o receituário da ortodoxia neoliberal. Mesmo representando a desconstrução
da agenda constituinte de 1988 e apoiado por diagnósticos sombrios de crise
no sistema, amplamente divulgados pela mídia, esse processo teve um padrão
errático e relativamente longo devido à ação de forças políticas de oposição.
Orientando-se também pela problemática fiscal, de redução dos gastos públicos,
o tema só entrou na agenda do governo FHC em 1995 (MELLO, 2002, p. 50).

A estabilização econômica alcançada a partir de 1994 facilitou o


encaminhamento político da proposta reformista, na medida em que o controle
da inflação esgotou o recurso às receitas inflacionárias, que, até então, permitiam
à União e aos governos estaduais amenizar os efeitos do crescimento das
despesas públicas, especialmente dos gastos com as aposentadorias. Ou seja, o
fim da inflação tornou as contas públicas mais transparentes e facilitou a retórica
reformista que, obviamente, deixava fora do debate a questão dos recursos
destinados ao serviço da dívida pública, os quais já representavam parcelas
elevadas do orçamento público.

Três projetos foram postos em pauta entre 1995 e 1998. O primeiro, que
visava ajustar o sistema de repartição, reduzindo privilégios do sistema público e
recuperando o vínculo contributivo, não foi aprovado pelo Congresso. Assim, em
1997, o governo fez divulgar novos dados sobre o déficit, o que ajudou a que o tema
retornasse à agenda governamental, agora com uma nova proposta formulada
por um grupo liderado por Lara Resende, um dos economistas que havia
elaborado o plano de estabilização monetária. Trabalhando de forma insulada,
sob a "proteção" direta do presidente da República, esse grupo apresentou um
projeto mais radical de privatização. Todavia, diante das estimativas de enormes
custos da transição (cerca de 200% do PIB pelos cálculos da Cepal – Comissão
Econômica para a América Latina e o Caribe – e de 250% pela FGV-RJ), tal proposta
foi abandonada. Com isso, os técnicos do Ministério da Previdência e Assistência
Social e do BNDES (Banco Nacional do Desenvolvimento Social) voltaram à
cena reformista, com uma terceira proposta, mais moderada, que consegue,
em 1998, ser aprovada, e na qual são introduzidos apenas ajustes no sistema de
repartição, tais como a exigência de idade mínima e de tempo de contribuição
para a aposentadoria, a introdução do chamado "fator previdenciário" e a taxação
dos inativos, que contou com a mobilização dos governadores que enfrentavam a
explosão dos gastos com pessoal, especialmente com os inativos.
195
UNIDADE 3 | A TRAJETÓRIA E OS DESAFIOS DO MODELO DE SAÚDE E PREVIDÊNCIA

Em suma, não só obstáculos financeiros exigidos pela transição, mas,


sobretudo, fatores de ordem política – relacionados aos custos políticos de uma
reforma que traria perdas enormes para amplos segmentos de trabalhadores e,
portanto, no contexto democrático em que o país vivia, prejuízos eleitorais para
deputados que a aprovassem – fizeram com que as mudanças impostas pela
inserção do país na economia global acabassem resultando em alterações pouco
significativas. Em outras palavras, os fatores políticos internos atuaram como
filtro, modulando as pressões externas.

[...]

Previdência social no Brasil sob o governo Lula: o duplo movimento

A despeito das posições políticas e ideológicas distintas daquelas vigorantes


no período FHC, o governo Lula se inicia dando continuidade às políticas
macroeconômicas estabelecidas em 1999. O chamado tripé macroeconômico –
formado por elevados superávits primários, câmbio flutuante e metas de inflação – é
mantido, demonstrando ao mercado o compromisso com as condições de estabilidade
do país, assumido por Lula já na campanha eleitoral, com a "Carta aos Brasileiros".

Com relação à reforma da previdência, o tema é também colocado na agenda


governamental, em sintonia com a preocupação de garantir credibilidade perante
os credores, tendo o governo Lula conseguido aprovar no Congresso, em 2003,
mais alterações para o sistema público. Além de estabelecer tetos de benefícios para
os funcionários públicos – eximindo, porém, segmentos mais poderosos, como os
magistrados -, também aprovou emenda constitucional que permitiu restabelecer
a taxação para os inativos. Essa taxação, incluída na reforma do governo FHC,
havia sido posteriormente derrubada pelo Supremo Tribunal Federal como sendo
inconstitucional. Em suma, o governo Lula acabou propondo tópicos de reforma a
que seu partido se opunha quando era oposição ao governo FHC19.

Cabe destacar que a diferença na posição ocupada pelos atores não foi,
porém, o único fator explicativo, tampouco o mais importante, para a mudança de
preferências. A reversão da posição do PT em relação à reforma da previdência já
estava ocorrendo de forma paulatina, na medida em que a perspectiva de assumir o
poder se tornava mais provável, e exigia, portanto, levar em conta os constrangimentos
colocados ao governo pela inserção do país na economia global. Na verdade, a
solvência e credibilidade diante do mercado financeiro são imposições para todos
os governos, mesmo os conduzidos por partidos com históricos compromissos
populares, como se observou com o PT no Brasil, e como tem ocorrido na Europa
nos dias atuais. Isso, naturalmente, se tais governos não contam com apoios políticos
internos suficientemente fortes para resistirem às pressões do capital financeiro.
Em outras palavras, as circunstâncias políticas e econômicas em que o Presidente
Lula assumiu o governo em 2003 fizeram com que o "poder de fogo do mercado" se
configurasse claramente como variável tão ou mais decisiva quanto as demandas do
eleitorado. É nesse quadro que devem ser entendidas as alterações na previdência
efetuadas no início de seu primeiro mandato, em continuidade às do governo FHC.

196
TÓPICO 3 | OS DESAFIOS CONTEMPORÂNEOS NA POLÍTICA DE SAÚDE E PREVIDÊNCIA

O tema, contudo, foi retirado da agenda governamental após as medidas


reformistas. Essa escolha política do governo Lula foi facilitada inclusive pela
conjuntura internacional favorável, que já havia permitido a acumulação de
enormes reservas na balança comercial e indicava perspectivas de elevação das
taxas de crescimento econômico interno.

Assim, no início do segundo mandato, o Presidente Lula instituiu um


fórum para debater a questão, integrado por representantes dos trabalhadores,
dos empregadores e do governo. No final dos trabalhos, o fórum concluiu de
forma consensual, contrariando as propostas reformistas de viés fiscalista,
que a previdência social deveria continuar sendo parte integrante do conceito
de seguridade social, financiando-se com as contribuições de trabalhadores e
empregadores, além dos recursos do orçamento da seguridade social, conforme
previsto na Constituição Federal. Mesmo não havendo consenso sobre regras
de idade mínima e de tempo de contribuição para acesso aos benefícios, os
integrantes do fórum conseguiram estabelecer um acordo de permanência da
vinculação dos benefícios assistenciais ao salário mínimo, item cuja eliminação
tinha sido considerada necessária pelos economistas ortodoxos.

Este último ponto foi decisivo, porque marcou a reversão da política


previdenciária do início do governo petista e que perdurou até a saída da
Presidente Dilma Roussef, em meados de 2016. Mesmo que Lula tenha vetado
a proposta aprovada no Congresso Nacional, mantendo o fator previdenciário
no cálculo das aposentadorias, verifica-se, a partir daí, a emergência de uma
nova tendência de seu governo acerca do tema da reforma da previdência,
configurando um duplo movimento político diante das políticas neoliberais,
observado igualmente em relação à agenda econômica.

Como amplamente apontado pela literatura, se o governo Lula manteve,


de um lado, o tripé macroeconômico herdado do governo FHC, de outro, levou
adiante as políticas de ativação da demanda, com expansão do crédito, elevação do
salário mínimo e programas de transferência de renda, responsáveis, em grande
parte, pela aceleração do crescimento, especialmente no segundo governo.

Em relação à área previdenciária, a reversão do movimento de adesão à


reforma se faz concomitantemente à reversão da agenda econômica, que implicou a
retomada do crescimento econômico com o consequente aumento da arrecadação
tributária, a elevação do número de trabalhadores formalizados e contribuintes do
sistema previdenciário, além de avanços no próprio gerenciamento e na eficiência
do processo arrecadatório. Tudo isso ajudou no arrefecimento da necessidade de
mudanças das regras de aposentadoria.

Decisivo nesse processo de deslocamento da agenda reformista foi


a mudança no cenário econômico internacional, o que ativou o crescimento
econômico no Brasil, Argentina e Chile, especialmente com a entrada da China
e demais países posteriormente denominados de BRICS (Brasil, Rússia, Índia,

197
UNIDADE 3 | A TRAJETÓRIA E OS DESAFIOS DO MODELO DE SAÚDE E PREVIDÊNCIA

China e África do Sul) e o consequente arrefecimento do receituário ortodoxo das


agências internacionais, já em curso desde a crise asiática de 1997, mas reforçado
após a crise financeira iniciada em 2008.

[...]

Brasil: a retomada da reforma neoliberal pelo governo Temer

Em poucos meses de exercício, o governo de Michel Temer conseguiu,


graças à maioria conservadora no Congresso, aprovar mudanças constitucionais
que desfizeram o pacto constitucional de 1988, tais como a regra que estabelece
limites para os gastos sociais por duas décadas. Além disso, encaminhou uma
proposta, ainda em tramitação, de reforma nas regras previdenciárias, mais
radical do que a do governo FHC.

No contexto da gravíssima crise econômica enfrentada pelo país, em


que há cerca de 12 milhões de desempregados e as atividades produtivas estão
praticamente estagnadas, a reforma da previdência social tem sido apresentada
à população, inclusive por meio de ampla campanha publicitária, como solução
para retomada dos investimentos e geração de empregos. Os argumentos
justificadores das mudanças propostas são os mesmos utilizados na década de
1990, tais como o déficit crescente no fundo previdenciário, sobrecarregando as
contas públicas e inviabilizando o sistema para as futuras gerações em decorrência
do envelhecimento da população. Na publicidade em torno da reforma,
enfatiza-se o crescimento do déficit, obviamente, para reforçar o diagnóstico
pessimista da crise e a falência do sistema em futuro próximo, caso não sejam
feitas as mudanças, tidas como urgentes. Chama a atenção, por sua vez, o não
esclarecimento da população de que a redução das contribuições previdenciárias
tem sido ocasionada principalmente pela conjuntura de recessão e desemprego.

Em seu conjunto, a proposta de emenda constitucional (PEC 28) enviada


ao Congresso em dezembro de 2016 por Temer representa a mais drástica ruptura
dos direitos conquistados na Constituição de 1988. Ela estabelece:

• fim das aposentadorias por tempo de contribuição, passando a exigir idade mínima
de 65 anos e o mínimo de 25 anos de contribuição para todos os trabalhadores, sem
distinção para mulheres, servidores públicos, trabalhadores rurais ou professores
da educação fundamental, como ocorre no regime atual. Isso implica que tais
segmentos deverão trabalhar e contribuir por mais dez anos;
• a idade mínima de 65 anos não é fixa, ou seja, sempre que a expectativa de vida
aumentar, a idade mínima também se elevará;
• o aposentado só terá direito a 76% do valor do seu salário na ativa. Se continuar
trabalhando, ele agrega nesse percentual 1% por ano de trabalho adicional,
ou seja, terá de trabalhar 24 anos a mais, chegando à idade de 89 anos para se
aposentar com o valor integral, com o agravante de que o cálculo do valor de
sua aposentadoria se fará pela média de todos os seus salários e não mais pela
média dos 80% mais elevados, como é hoje;

198
TÓPICO 3 | OS DESAFIOS CONTEMPORÂNEOS NA POLÍTICA DE SAÚDE E PREVIDÊNCIA

• eliminação da possibilidade de acumular aposentadoria e pensão deixada pelo


cônjuge;
• desvinculação dos reajustes das aposentadorias e pensões aos do salário
mínimo.

Em suma, voltada para garantir confiança aos investidores e credibilidade


aos portadores de títulos públicos, essencialmente, e, ainda, favorecer a expansão
do mercado para empresas de seguro privado, a proposta do atual governo
brasileiro chega a ser tão perversa quanto a que foi estabelecida no Chile pela
ditadura militar.
FONTE: LOUREIRO, Maria Rita. DEMOCRACIA E GLOBALIZAÇÃO: POLÍTICAS DE PREVIDÊNCIA
SOCIAL NA ARGENTINA, BRASIL E CHILE. Lua Nova,  São Paulo ,  n. 100, p. 187-223,  Jan. 
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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nesta unidade apresentamos o contexto das políticas de saúde e


previdência social desde o fim dos anos 1980 até o período recente. Para sintetizar
um conjunto variado de elementos que exercem influência sobre as políticas,
buscamos destacar os marcos legais e a organização institucional.

Na política de saúde a ênfase esteve na constante busca pela universalização


do acesso à saúde, com o reconhecimento da saúde como direito do cidadão e dever
do Estado. Assim como na necessidade de democratizar os processos de elaboração,
implementação e avaliação das políticas públicas é marcante nesse contexto.

A previdência social representa um dos maiores desafios para a seguridade


social no Brasil, uma vez que, devido à sua configuração institucional, segue
envolvida em constantes debates que mobilizam a sociedade civil e os atores da
gestão pública.

Entre os desafios que se impõe diante dessas políticas, ganham destaque


a dificuldade do SUS na superação das desigualdade e a validação da saúde
como direito de todos e dever do Estado, assim como de promover a articulação
intersetorial e expansão e qualificação da oferta de serviços.

Enquanto a previdência social sofreu com a adoção de políticas


neoliberais, pois, diferentemente do arranjo de parceira desenvolvido para o
SUS, a participação do setor privado ganhou contornos mais bem delineados.
Esse fato coloca em xeque o reconhecimento da dignidade humana no contexto
da seguridade social brasileira.

199
RESUMO DO TÓPICO 3

Neste tópico, você estudou que:

• Com a noção de seguridade social, a política social passou a ser compreendida


como um conjunto de ações da política social como dever do Estado e direito
do cidadão.

• A noção de seguridade social não representou, na prática, a superação


do assistencialismo, tampouco a garantia dos direitos sociais previstos na
Constituição Federal para os cidadãos.

• A seguridade social unificou a gestão e o financiamento das políticas de saúde,


assistência social e previdência social. Cada política ficou com um ministério
diferente, com leis de regulamentação diferentes e com orçamentos diferentes.

• A consolidação do SUS não significou a superação das desigualdades e a


consolidação da noção de direito à saúde como garantia constitucional, bem
como falta articulação intersetorial visando à construção de políticas mais
abrangentes.

• A previdência social sofreu com a visão neoliberal, na qual o Estado deve agir
como instrumento de promoção e regulação do desenvolvimento econômico e
social. Esse papel passa a ser protagonizado por agentes privados, tornando o
reconhecimento da dignidade humana um desafio para a seguridade social.

200
AUTOATIVIDADE

1 A adoção por parte do Estado das políticas neoliberais impactou de forma


significativa sobre a Seguridade Social, especialmente sobre a previdência
social. Nesse modelo foram adotados princípios como a descentralização, a
eficiência, o controle de resultados, a redução de custos e a produtividade.
Contudo, na prática, esse modelo representou grandes desafios. Considerando
esse cenário, analise as sentenças a seguir:

I - O Estado deve agir como instrumento de promoção e regulação do


desenvolvimento econômico e social.
II - O papel de promover o desenvolvimento econômico e social fica nas mãos
dos agentes privados.
III - O fortalecimento da previdência pública é resultado da adesão às políticas
neoliberais.
IV - Ocorre o sucateamento de um conjunto de políticas sociais como saúde e
educação e a precarização do trabalho.

Agora assinale a alternativa correta:

a) As sentenças I e III estão corretas.


b) As sentenças I e II estão corretas.
c) As sentenças II e IV estão corretas.
d) As sentenças III e IV estão corretas.

2 Entre dos desafios do SUS estão a superação das desigualdades e a consolidação


da noção de saúde como direito do cidadão e dever do Estado. Partindo desse
pressuposto, avalie as sentenças a seguir assinalando com V para verdadeiras
e F para falsas:

( ) A articulação intersetorial visando ampliar a abrangência dos atendimentos


é um desafio para o SUS.
( ) A descentralização e a democratização da gestão foram objetivos plenamente
alcançados nos anos 1990.
( ) A influência da questão social sobre as políticas de saúde inviabilizou a
transformação completa da realidade do atendimento dessa política.
( ) Aspectos conjunturais tomam espaço no contexto do SUS com a onda de
reformas conservadoras de caráter neoliberal.

Agora assinale a alternativa que apresenta a sequência correta:

a) F – V – F – V.
b) V – F – V – V.
c) F – F – F – V.
d) V – V – V – F.

201
3 A seguridade social remete à expectativa da população em relação ao
comprometimento do Estado no atendimento dos sujeitos em situação de
vulnerabilidade social. Partindo desse pressuposto, assinale a alternativa
correta:

a) Esse ideal visava criar uma concepção universal e de caráter privado para
essa política.
b) O propósito da seguridade social na Constituinte foi de unificar e qualificar
ações e estratégias no entorno da gestão e financiamento das políticas.
c) A seguridade social nos países desenvolvidos está a cargo do setor privado e
é apenas regulada pelo Estado.
d) A seguridade social deve atender às pessoas das classes mais baixas e não
todos que dela necessitarem.

202
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