Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Turno: 4
Integrantes:
Porto, 2023
1
ESCOLA SUPERIOR DE ENFERMAGEM DO PORTO
Porto, 2023
2
Índice
1. INTRODUÇÃO ..................................................................................................... 4
2. SÍNTESE DO ESTUDO .......................................................................................... 6
2.1. Problema inicial e relevância do estudo ..................................................................... 6
2.2. Enquadramento teórico .............................................................................................. 7
2.3. Metodologia ............................................................................................................. 10
2.4. Principais resultados ................................................................................................. 13
3. ANÁLISE CRÍTICA .............................................................................................. 18
3.1. Aspetos positivos ...................................................................................................... 19
3.2. Dúvidas e interrogações ........................................................................................... 20
3.3. Pertinência dos resultados para a saúde e enfermagem.......................................... 22
4. CONCLUSÃO ..................................................................................................... 24
5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ......................................................................... 27
3
1. INTRODUÇÃO
A tese que nos propomos a analisar neste trabalho tem como título “Perceção acerca da
violência contra pessoas idosas: A perspetiva do idoso”. A autora, Seraphina Ganja Rosa
Cichowsky, pretendia com esta tese, a obtenção do grau de Mestre em Sociologia e o seu
principal foco de estudo foi o “fenómeno da violência cometido contra pessoas idosas, ocorrida
em contexto familiar e/ou institucional” (Cichowsky. S, 2015).
4
biológico do ser humano, mas também como um fenómeno profundamente influenciado por
fatores sociais, culturais, económicos e históricos.
A análise crítica desta tese torna-se pertinente, na nossa opinião, uma vez que,
hodiernamente, a população portuguesa está cada vez mais envelhecida. Segundo o Instituto
Nacional de Estatística, dos 10,4 milhões de pessoas residentes em Portugal em 2022, 2,5
milhões têm 65 anos ou mais (INE, 2023). Isto significa que, será uma faixa etária com a qual
iremos contactar muito, no futuro, no exercício da nossa profissão. Para além disto, também é
de salientar que, segundo a OMS (2018), 39% dos idosos em Portugal são vítimas de violência,
sendo que Portugal pertence ao grupo dos cinco piores no tratamento aos mais velhos.
Pensamos ser uma temática a compreender, para melhorar a qualidade de vida dos mais velhos.
A fim de cumprir com a finalidade deste trabalho, seguimos os quatros pontos principais
indicados no índice sugerido pela unidade curricular, sendo estes: Introdução, Síntese do estudo
(com cinco subpontos), onde desenvolvemos o Enquadramento Teórico, que nos permite ter
uma base orientadora para a posterior análise crítica, Análise Crítica (com três subpontos) e
Conclusão.
Iniciamos este trabalho por apresentar a questão central abordada pela autora e por
expor a relevância da temática. A questão da perceção da violência em idosos e a sua perspetiva
nesta matéria, é algo que deve ser explorado para garantir o bem-estar, a segurança e a
qualidade dos cuidados prestados a esta população tão vulnerável. Cada vez mais a população
fica mais envelhecida, sendo, então, fundamental o desenvolvimento de políticas e práticas que
visem a prevenção e a intervenção eficazes contra a violência em idosos.
5
No enquadramento teórico a autora decidiu recorrer ao modelo socioecológico, que
organiza os fatores de risco em subsistemas e níveis de análise. Os subsistemas são o macro,
que aborda determinantes estruturais como sistemas de crenças/normas; o exo e o meso que
abordam as relações profissionais e redes de apoio; e o micro que aborda as relações familiares.
Este modelo faz a ponte para a análise crítica da tese em questão, como já foi referido.
De forma a concluir este trabalho, ainda referimos uma conclusão, na qual mencionamos
os pontos-chave desta recensão crítica e reforçamos o interesse desta temática, principalmente
quando abordada da perspetiva do idoso.
2. SÍNTESE DO ESTUDO
O ponto de partida deste artigo é a análise das perceções das pessoas com mais de 65
anos sobre a violência em sua faixa etária. Os autores procuraram investigar as diferentes visões
e opiniões de cada indivíduo sobre a violência, levando em consideração variáveis como sexo,
idade, ambiente de moradia (família ou instituição), escolaridade e se já foi vítima de violência
ou não. Seraphina também teve como objetivo comparar essas perceções dos idosos com
definições e conceitos descritos na literatura científica (Cichowsky, 2015, p. 1).
6
O estudo é relevante uma vez que, a violência é um problema social crítico,
independentemente do contexto em que ocorra. Portanto, qualquer nova informação sobre
este tema ajuda no melhor entendimento do problema.
Por fim, a autora acredita que esta investigação possa elucidar ideias estereotipadas sobre
violência e envelhecimento, além de incentivar, grandemente, a criação de medidas mais
específicas e bem fundamentadas para prevenção e acompanhamento desta séria situação.
De acordo com a autora, o estatuto do indivíduo idoso tem vindo a ser alterado ao longo
do tempo. No século XIX, a velhice era vista, de uma perspetiva social, como uma doença, tendo
sido criadas instituições para a prestação de cuidados a estes indivíduos (Dias, 2005; Dias, 2010;
Vilarinhos, 2010; Marques; 2011). Esta conotação negativa ficou “agarrada” à velhice, sendo
posteriormente agravada nos anos 80, quando também passou a ser associado o
envelhecimento a fatores como pobreza, dependência e exclusão social (Vilarinhos, 2010; São
José e Teixeira, 2014). Mais recentemente, houve a mudança desta conotação para algo um
pouco mais positivo, passou-se a ver o envelhecimento como uma conquista da modernidade
(Capucha, 2014). Contudo, este processo continua a pressupor uma limitação, muitas vezes não
associada à idade per se, mas à visão social que condiciona a participação mais ativa destes
indivíduos na sociedade (Dias, 2005; Mauritti, 2004; Marques, 2011). A conotação mais positiva
que se associa à velhice vincula uma das conquistas fundamentais da evolução técnica e
científica da atualidade – o aumento da esperança média de vida. No entanto, este aspeto
positivo coabita com perceções mais negativas que descrevem o envelhecimento como algo que
impulsiona “conflitos intergeracionais e descalabro da despesa pública em matéria de segurança
social” (Cichowsky. S, 2015).
7
existe, tornando-se impossível a criação de quadros concetuais. A autora acredita que isto se
deve ao facto de se dar pouca importância aos relatos subjetivos dos indivíduos idosos.
Só nos anos 70 e 80 é que foi feito este reconhecimento, principalmente por instituições
médicas e sociais (Dias, 2010; Dias, 2005; Vergueiro e Lima, 2010; Fonseca et. al., 2012;
Gonçalves, 2006).
Em Portugal verifica-se que os abusos mais frequentes que vitimam os idosos são a
violência psicológica, a violência financeira (Gil e Santos, 2012), a violência física e a violência
emocional (dados de 2008 da APAV citado em Marques, 2011; O’Brien et al., 2011). A tendência
que se observa nos estudos é a de as situações de abuso aumentarem proporcionalmente com
o aumento da esperança média de vida (Dias, 2005).
De modo a compreender melhor a dimensão desta temática social, a autora refere dados
do Instituto Nacional de Estatística de 2014 que enunciam que “Em Portugal a população idosa
tem vindo a aumentar em relação à ativa: a proporção era de 24 idosos para cada 100 adultos,
em 2001, porém os dados mais recentes relativos a 2013, mostram que essa proporção é de 30
idosos para cada 100 pessoas com 15 a 64 anos”.
A autora recorre ainda a Harper (2006), que prevê que em 2030 a estrutura demográfica
dos países desenvolvidos vai-se assemelhar a uma pirâmide invertida, em que a base (jovens) é
mais estreita do que o topo (idosos). Esta previsão pode ser explicada pelo declínio das taxas de
mortalidade e natalidade (Vilarinhos, 2010; Marques, 2011; Lopes, 2007). Dados da Organização
Mundial de Saúde também corroboram este facto, indicando que “entre 2006 e 2050 a
população idosa corresponderá a 22% da população mundial e cerca de 20% desta terá uma
idade superior a 80 anos” (Cichowsky. S, 2015) (WHO, 2008 in Gil et al, 2013). Posto isto, a autora
conclui que, no futuro, existirão mais idosos com idade acima dos 85 anos e que terão maior
probabilidade de ficarem em situações de dependência (Dias, 2005; Vilarinhos, 2010; Porto e
Koller, 2006).
8
processo que se tem vindo a acentuar ao longo dos anos. Desta perspetiva, o envelhecimento,
como processo de género, contribui para o aumento da estratificação social das sociedades
atuais (Dias, 2005:258). Ainda seguindo este pensamento, é provável que se identifiquem
diferenças nas perceções de violência e na incidência de comportamentos violentos conforme
o género dos idosos (Neysmith, 1995:44 in Mears, 2001).
Com o término da sua fase ativa, o indivíduo idoso fica sujeito a uma maior fragilidade
económica e uma maior dependência familiar e social, que pode desencadear sentimentos de
insegurança e exclusão, contribuindo para um aumento da sua vulnerabilidade (Dias, 2010). Um
dos potenciais fatores que pode contribuir para que os idosos vivam situações de múltiplos tipos
de abusos é a dependência (primeiro económica e depois, cognitiva e física) resultado do
envelhecimento.
A autora refere que é consensual, até certo ponto, referir o conceito de violência contra
idosos como um “comportamento destrutivo, dirigido a um adulto idoso, que ocorre num
contexto de confiança e cuja frequência (única ou regular) não só provoca sofrimento físico,
psicológico e emocional, como representa uma séria violação dos direitos humanos e um
problema da saúde pública“ (Dias, 2005, p.262; Ferreira-Alves e Sousa, 2006 in Vilarinhos, 2010,
p.19; Decalmer & Glendenning, 1997, in Vergueiro e Lima, 2010, p.186; Fonseca et. al., 2012,
p.151). Este conceito abrange vários tipos de comportamentos como a agressão física,
psicológica, material, negligência, abandono e agressão sexual. Estes comportamentos podem
ocorrer em diferentes contextos, nomeadamente, familiar e institucional, onde o que varia é a
motivação e a natureza do abuso (Dias, 2005:266 in Dias, 2010; Marques, 2011). Em ambos os
contextos e independentemente da conduta violenta praticada, o débil estado de saúde, o
desconhecimento dos seus direitos legais e o receio de sofrer retaliações com a denúncia são os
principais motivos que intimidam os idosos a não apresentarem queixa. As consequências dos
abusos são semelhantes tanto em contexto familiar como institucional. O idoso sente-se
culpado e com baixa autoestima, o que leva a uma maior tendência para o isolamento social.
Como resultado desta tendência, verificam-se depressões e perturbações psicológicas,
principalmente no género feminino, que também como já foi referido, sofrem mais
frequentemente casos de abuso.
9
comportamentos, fatores contextuais ou características pessoais) (1998 in Vilarinhos, 2010:22-
23; Dias, 2005). Embora o reconhecimento da violência contra idosos como um problema social
tenha progredido consideravelmente, ainda há muito trabalho a ser feito para prevenir e
combater eficazmente a violência contra esta população vulnerável. O aumento da
conscientização e da ação é essencial para garantir que os idosos sejam tratados com respeito,
dignidade e proteção em todas as sociedades.
No sentido de auxiliar a perceção desta temática, a autora menciona ainda o modelo sócio
ecológico que faz um agrupamento dos fatores de risco em diversos subsistemas e níveis de
análise. O macro que aborda determinantes estruturais como sistemas de crenças/normas; o
exo e meso que aborda as relações profissionais e redes de apoio; e o micro que aborda as
relações familiares. Ressalva-se a pertinência de averiguar se os próprios idosos, quer sejam
vítimas de abuso ou não, usam estes possíveis fatores de risco nas suas perceções subjetivas
relativamente à violência ou se, são absortos à etiologia dos perigos a que possam estar sujeitos.
2.3. Metodologia
O objetivo principal deste estudo foi captar e analisar as perceções subjetivas que os
idosos têm sobre a violência que é praticada contra as pessoas da terceira idade, sendo realizada
uma abordagem qualitativa. Para tal, foram analisados vários casos, de forma a construir uma
informação, que se baseasse na visão dos indivíduos idosos, sendo este fenómeno (da violência
na terceira idade) observado a partir de uma perspetiva êmica, para visualizar esse problema da
violência do ponto de vista de quem está a ser estudado. O objetivo era obter conclusões em
profundidade (in-depth), tendo em conta cada caso específico e a posterior comparação dos
resultados que se obtivessem entre si, para ser averiguado se existiam ou não divergências e/ou
congruências que fossem significativas. As características sociais, estruturais e especificidades
culturais e normativas que formam as condições de vida e vivências destas pessoas, são
obviamente fatores que moldam as suas perceções. Por esta razão foi muito importante tê-los
em conta quando se pretendeu explicá-las.
10
parâmetros pré-definidos. Estes parâmetros envolviam diversos temas, tais como: o que é
abuso, os fatores de risco, as estratégias pós-abuso, a informação disponibilizada ao indivíduo
para o apoiar e esclarecer a situação vivenciada e a consideração da sua opinião sobre as
medidas vigentes.
As informações secundárias também foram tidas em conta, sendo analisadas tendo por
base a técnica designada como Framework (técnica de análise temática de um conteúdo,
baseando-se no uso de matrizes - aparecendo nas colunas os subtemas e nas linhas os
entrevistados/casos, sintetizando-se em cada célula, a informação recolhida. Numa fase
posterior, olhou-se para a informação sintetizada, identificaram-se os elementos (códigos mais
descritivos) existentes e construíram-se: dimensões, categorias e classes (códigos mais
abstratos).
Na última etapa analítica, foi feita a procura de relações entre categorias, e entre
categorias e perfis dos entrevistados/ casos, e avançou-se para possíveis explicações para as
relações que foram encontradas.
Ao completar esta pesquisa, um dos objetivos extra foi “dar voz” aos idosos. Uma vez que
as suas opiniões e perspetivas não têm sido devidamente tidas em conta, quando é efetuada a
construção da informação oficial.
11
Critérios de delimitação do corpus empírico
A escolha destas técnicas teve a ver com o carácter qualitativo da investigação e com o
tema escolhido, uma vez que é um assunto interpretado muitas vezes como sendo sensível, não
sendo abertamente discutido.
O processo de delimitação do corpus empírico foi realizado, tendo como base, um contacto
prévio estabelecido entre o coorientador deste estudo, a Santa Casa de Misericórdia de Faro e
também com o Lar Torre de Natal em Olhão. Assim, foi emitido um pedido às instituições, que
referia o interesse de entrevistar os seus idosos. Posteriormente, com a autorização das
referidas instituições e com o consentimento informado dos seus utentes, iniciaram-se as
primeiras entrevistas, no espaço físico do lar. Relativamente aos entrevistados não
institucionalizados, foi contactada a Universidade de Terceira Idade do Algarve (em Faro). Os
entrevistados tiveram conhecimento das entrevistas através de um texto descritivo que
mencionava os objetivos desta pesquisa, quem estava interessado deu o seu contacto e
posteriormente foi contactado. Assim realizaram-se as entrevistas, maioritariamente em locais
públicos (ex.: biblioteca, esplanadas e clube desportivo), à exceção de uma entrevista cuja
entrevistada solicitou a sua realização em sua casa.
Caracterização da amostra
12
restantes doze entrevistados são do género feminino. Dos entrevistados não institucionalizados,
três são do género feminino e três são do género masculino.
A amostra é constituída na sua maioria por pessoas do género feminino. Isto não foi
propositado, pois pretendia-se uma relativa proporcionalidade de género no conjunto dos
entrevistados. Contudo durante este estudo verificou-se que as mulheres demonstram maior
interesse em participar. Entrevistaram-se ainda mais seis idosos (homens e mulheres
institucionalizados), mas não foi possível aproveitar os seus discursos, devido à falta de
coerência e à incapacidade de responder às perguntas colocadas.
O estudo visa verificar se as perceções subjetivas de violência dos dois grupos distintos
de idosos (não institucionalizados frequentadores da UATI e os idosos institucionalizados ou
dependentes) se alinham com as definições teórico-científicas de violência contra idosos. Visto
13
que os participantes dos dois grupos apresentam características sociodemográficas diferentes,
e as perceções sobre violência foram examinadas em relação a esses fatores, as mesmas
acabaram por revelar divergências e congruências. Contudo, o estudo destaca que, apesar de
haver algumas perceções transversais, as opiniões dos idosos variam principalmente de acordo
com o género, escolaridade e condições de autonomia/saúde.
Com base na análise das entrevistas, a autora constatou que os atos considerados
violentos pelos idosos são na sua maioria, semelhantes aos definidos pela literatura, uma vez
que para ambos a violência contra idosos vai além das ofensas físicas. Segundo a Organização
Mundial da Saúde, a Violência contra o Idoso é definida como
Assim sendo, a autora organiza os resultados mediante as questões que foram colocadas
aos entrevistados, organizadas segundo temas (Conceções de Violência, Fatores de Risco e
14
Estratégias Pós-abuso), e compara as suas respostas tendo em conta os seguintes aspetos:
género, escolaridade e institucionalização/ não institucionalização.
No que tange às “razões que levam à violência contra o idoso” são destacados, conforme
a literatura, alguns traços do agressor considerados de risco para a ocorrência de
comportamentos violentos. Estes incluem a existência de problemas mentais/emocionais,
psicopatológicos, comportamentos aditivos e a dependência econômica em relação à vítima. O
15
estresse dos cuidadores também foi apontado, especialmente por aqueles que não estão
institucionalizados, como um fator de risco. Além disso, observou-se que os idosos dependentes
de cuidados relacionados à perda de autonomia e sem recursos literários estão mais propensos
ao aproveitamento dos agressores. Os traços de personalidade negativos foram
predominantemente mencionados pelos entrevistados institucionalizados, refletindo uma
perspetiva mais simplista deste fenómeno, frequentemente associada à falta de literacia e
integração social.
16
não há solução para melhorar a situação. O que pode refletir a falta de informação sobre direitos
ou a perda de esperança na faixa etária, indicando possível falta de educação e desencanto.
Os media, especialmente a televisão, por ser o meio de comunicação que a maioria dos
idosos tem acesso, são vistos pelos entrevistados, de ambos os grupos, como importante e
principal meio de transmissão de informação. No entanto, as opiniões quanto à quantidade de
informação disponível são distintas, pois quatro idosos institucionalizados dizem existir falta de
informação e outros três acreditam que a informação existente é suficiente.
Por fim, a autora destaca os obstáculos que impedem os idosos de buscar ajuda, como a
vergonha, a incapacidade física e mental, e o medo de retaliações por parte do agressor. Uma
vez que, quando questionados se apresentavam queixa formal em caso de abuso, os
entrevistados expressaram dois comportamentos distintos: queixa e ocultação, refletindo a
prevenção de perigos futuros ou o temor dos mesmos. A maioria das respostas foi positiva
(quatorze dos vinte entrevistados), indicando consciência dos direitos dos idosos, e da
importância de agir para punir os agressores e prevenir futuros abusos. Porém, a escassez de
respostas negativas evidencia desafios significativos na efetivação desses direitos, devido à
relação de confiança com o agressor (medo, vergonha, dependência) e à descrença no sistema
policial e judicial, considerando que este não age adequadamente.
17
3. ANÁLISE CRÍTICA
Por fim, o macrossistema centra-se nas crenças, valores e ideologias que prevalecem em
uma determinada sociedade ou época. Isso é importante porque a maneira como a sociedade
observa os idosos e a violência contra os mesmos evolui ao longo do tempo, afetando as
18
perceções e as respostas sociais a essas questões. O macrossistema, adaptando ao contexto da
tese, “remete para alterações de valores e a necessidade de ação por via governamental”
(Cichowsky, 2015, p.34), isto significa que a perspetiva social sobre os idosos se alterou, uma
vez que antes eram associados à pobreza e à dependência, e com o passar do tempo continuam
a ser menosprezados, visto que não contribuem produtivamente para a sociedade.
Após análise da tese da autora, identificamos vários aspetos positivos. Um dos destaques
é a escolha do tema “Perceção dos idosos sobre a violência contra idosos". Embora esta tese
tenha sido desenvolvida em 2015, ainda é um tema atual que muitas vezes não tem a atenção
devida. A autora faz a sua parte para reforçar a importância deste tema.
19
Os métodos qualitativos da autora, especialmente as entrevistas semiestruturadas,
também merecem destaque. Este método permitiu que os idosos expressassem livremente as
suas opiniões dentro dos limites estabelecidos pela autora, atingindo assim o objetivo de
estudar as perceções e opiniões dos idosos sobre a violência contra pessoas da mesma faixa
etária. Este método também foi observado em estudos semelhantes (Alarcon et al., 2020, e
Sousa, 2018) que usam dados brutos para avaliar a compreensão que os idosos têm acerca da
violência, principalmente entre indivíduos da sua faixa etária.
As variáveis consideradas como sexo, idade e escolaridade são de grande interesse e valor
significativo para a pesquisa.
20
artigo, os autores, além de fazerem menção à estimativa de prevalência de violência contra os
idosos, eles também definem e caracterizam cada um dos tipos de violência, o que permite uma
melhor compreensão do tema. Por essa razão, acreditamos que uma explicação mais detalhada
seria útil, principalmente considerando que o foco da tese é a perceção de violência que os
idosos têm contra a sua faixa etária. Logo, caso Cichowsky definisse cada um dos tipos de
violência e, em seguida, mencionasse a perceção dos idosos sobre a violência, poderíamos fazer
uma comparação entre as definições dadas pela literatura e a dos idosos, percebendo assim se
há ou não discrepâncias entre as mesmas.
Para além disso, consideramos que seria relevante incluir outras perspetivas da
sociedade, em relação à violência contra os idosos, como por exemplo, a perspetiva dos próprios
agressores e a dos profissionais que atendem tais situações, tal como foi sugerido por Silva e
Dias (2016), no artigo “Violência Contra Idosos na Família: Motivações, Sentimentos e
Necessidades do Agressor”, pois “só assim se poderá ter uma visão sisteémica do problema e
enfrentá-lo na sua complexidade" (Silva & Dias, 2016). Ainda dentro dessa temática,
acreditamos que a autora poderia ter mencionado quais são as perspetivas dos meios de
comunicação sobre o assunto, em vez de se concentrar exclusivamente na definição da OMS.
Essa abordagem ampliaria as comparações com as percepções dos idosos e proporcionaria uma
compreensão mais abrangente do tema.
À semelhança de outras teses, como é o caso da tese “Violência contra pessoas idosas:
um olhar sobre o fenómeno em Portugal” de Dias et al. (2019), consideramos que Cichowsky
também poderia ter abordado a temática da prevalência da violência contra os idosos em
Portugal, dado que, a inclusão dessas informações contribuiria para o destaque da relevância da
tese aos olhos do leitor.
Por fim, acreditamos que um ponto relacionado com a região que deveria ser melhorado
é o facto de se ter realizado uma amostra apenas com a população urbana de Faro. Seria
interessante incluir a opinião da população idosa não institucionalizada residente em meio rural
21
(ou seja, de idosos que se presume serem mais isolados e menos informados) para uma
comparação mais ampla.
Após a leitura da tese, foi-nos confrontado qual o contributo desta para a saúde e para a
enfermagem. De forma indireta, mas muito sucinta, percebemos que o principal contributo
atribuído foi a pertinência de uma abordagem mais holística no cuidado aos idosos, levando em
consideração não apenas as necessidades físicas, mas também as sociais e emocionais.
Os resultados deste estudo, sobre a perspetiva dos idosos acerca da violência contra a sua
faixa etária, revelaram divergências e congruências nas perceções entre os dois grupos de idosos
estudados (institucionalizados e não institucionalizados), ressaltando assim a influência que os
fatores como género, escolaridade e condições de autonomia/saúde têm sobre as perceções.
Visto que esses dados revelam a complexidade das perceções de violência e que o abuso de
idosos é mais comum do que se pensa, e merece ser denunciado como qualquer outra forma de
violência. Os mesmos tornam-se cruciais para que os profissionais de saúde e enfermeiros
adaptem as suas abordagens de cuidado de acordo com as características específicas de cada
grupo de idosos. E, esses resultados, destacam também a importância de uma abordagem
multidisciplinar na área da saúde, envolvendo enfermeiros, psicólogos, assistentes sociais e
outros especialistas para lidar efetivamente com as diferentes perspetivas dos mesmos.
22
Segundo a Associação Portuguesa de Assistência à Vítima (APAV), prevenir a violência
contra os idosos exige que os profissionais de saúde sigam orientações, como a recolha de
histórias dos idosos e dos seus pares, com foco na observação direta e interpretação dos sinais
de alerta. Ao procurar informações, é crucial estar atento a fatores sociais (como o conflito
social, o desemprego, a situação económica, a dependência, a exclusão social, as dependências,
as doenças mentais e a demência), físicos (sinais de desnutrição, desidratação, lesões evidentes,
hematomas, hematomas por falta de higiene ou agressão, fraturas e lesões do trato urinário
que possam indicar violência) e emocionais (depressão, apatia, mutismo, evitação de contato,
medo, tristeza, ansiedade, retraimento e solidão). Nesse contexto de prevenção da violência, os
resultados da tese indicam que estratégias macrossociológicas, mesosociológicas e
interindividuais são consideradas eficazes pelos entrevistados. Portanto, é de extrema
importância que os profissionais de saúde e de enfermagem desempenhem um papel ativo na
implementação e promoção dessas estratégias, colaborando com políticas públicas, instituições
e indivíduos para a criação de ambientes mais seguros, conscientes e de confiança, garantindo
a segurança e o bem-estar dos idosos.
23
sobre violência e informando acerca dos recursos disponíveis, promovendo assim a saúde e
prevenindo a violência.
Em suma, os resultados desta tese têm implicações valiosas para a prática da saúde e
enfermagem, fornecendo uma base para abordagens mais informadas e sensíveis às questões
de violência entre idosos. Os profissionais da área da saúde podem utilizar essas informações
para aprimorar as suas intervenções, promover a conscientização e contribuir para um ambiente
mais seguro e saudável para a população idosa.
4. CONCLUSÃO
Nas últimas décadas tem-se verificado alterações na estrutura social, no contexto familiar
e nas atitudes e valores. Estes fatores podem estar provavelmente na origem deste problema
da violência contra os idosos (Fernandez 2006; Gonçalves,2006, citado em Vilarinhos, 2020,
p.11-12). Dados mais recentes do relatório anual da APAV de 2021-2022 constam que houve
24
uma diminuição de 4,1% no número de pessoas idosas vítimas apoiadas pela APAV. Esta
diminuição nos casos de violência pode ser explicada pela maior consciencialização da
população em geral para o problema da violência contra pessoas idosas. O reconhecimento da
violência contra pessoas idosas como um problema social e de saúde pública é necessário para
o seu combate eficaz, podendo contribuir para um futuro mais inclusivo, onde todos sejam
respeitados ao longo do ciclo de vida, nomeadamente no contexto de um envelhecimento ativo
e saudável (APAV, 2023). Vários estudos nacionais e internacionais demonstram que a violência
contra pessoas idosas é maioritariamente cometida pela família nuclear, nomeadamente pelos
filhos ou cônjuge. A maioria das situações de vitimação ocorre de forma continuada e na
residência comum da vítima e do/a agressor/a. As vítimas são maioritariamente do sexo
feminino, com idades compreendidas entre os 60 e os 69 anos.
Neste estudo não foi feita uma amostra da população idosa não institucionalizada
residente em meio rural, foi só realizado com população do meio urbano de Faro. Seria
interessante fazê-lo para perceber a opinião desses idosos mais isolados e menos informados,
pois conseguir-se-ia saber se as suas perceções estão em conformidade ou não com as captadas.
Ainda no seguimento da amostra, também concluímos que seria pertinente incluir mais
indivíduos do sexo masculino, uma vez que uma fraca representação amostral dificulta o
entendimento das perceções de géneros diferentes. Seria benéfico estabelecer um equilíbrio
entre os géneros dos indivíduos entrevistados, para que se possa ter uma visão e informação
mais homogéneas sobre este tema.
25
legais. Este último fator é de extrema importância para que as pessoas tenham conhecimento
dos seus direitos e reclamem em caso de abuso.
Na nossa visão, o trabalho da autora ao realizar esta tese é de extrema importância social,
pois nenhuma das teses que encontramos abordou o estudo da maneira como a vítima, neste
caso a pessoa idosa, percebe os atos que lhe são direcionados. Os demais estudos encontrados
concediam especial importância à violência contra idosos, ao contexto em que ela ocorre e aos
fatores que podem levar a sua ocorrência. No entanto, a perspetiva do idoso não era abordada,
não apenas em relação à sua conceção de violência, mas também quanto às medidas que
poderiam ser implementadas para prevenir novos casos. Sendo estes os diretamente afetados,
têm um entendimento mais aprofundado sobre quais medidas poderiam ser eficazes e qual é a
verdadeira mentalidade das pessoas da sua faixa etária. Isso não se limita apenas à obtenção de
informações sobre o tema, mas também diz respeito à denúncia e ao apoio social que teriam,
caso decidissem denunciar casos de violência.
26
5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Alarcon, M. F. S., Damaceno, D. G., Cardoso, B. C., Sponchiado, V. B. Y., Braccialli, L. A. D., &
Sanches Marin, M. J. (2020). The elderly’s perception about the experience violence. Revista
Baiana de Enfermagem, 34, 1–11. https://doi.org/10.18471/rbe.v34.34825
Dias, M. I., Lopes, A., & Lemos, R. (2019). Violência contra pessoas idosas: um olhar sobre o
fenómeno em Portugal. Tendencias Sociales. Revista de Sociología, 4, 42–
56. https://doi.org/10.5944/ts.4.2019.25256
Fonseca, R., Gomes, I., Faria P. L. & Gil, A. P. (2012). “Perspetivas atuais sobre a proteção
jurídica da pessoa idosa vítima de violência familiar: contributo para uma investigação em
saúde pública. DOI: 10.1016/j.rpsp.2012.11.001
Gonçalves Rodrigues, J. E., Gomes Machado, A. L., Cunha Vieira, N. F., Carvalho Fernandes, A.
F., & De Almeida Rebouças, C. B. (2014). Quality of life and work overload in family caregivers
of elderly dependants. Ciencia y Enfermeria, 20(3), 119–129. https://doi.org/10.4067/s0717-
95532014000300011
Irigaray, T. Q., Esteves, C. S., Pacheco, J. T. B., Grassi-Oliveira, R., & Argimon, I. I. L. (2016).
Maus-tratos contra idosos em Porto Alegre, Rio Grande do Sul: um estudo documental.
Estudos de Psicologia, 33(3), 543-551. https://doi.org/10.1590/1982-02752016000300017
J. de, Teixeira, A.R. (2014), “Envelhecimento ativo: contributo para uma discussão crítica”.
Análise Social, 210, xiix (1.o), pp. 28-54. https://doi.org/10.31447/AS00032573.2014210.02
Lopes, Lídia Maria Pereira (2007) “Necessidades e estratégias na dependência: uma visão da
família”, Revista portuguesa de saúde pública VOL. 25, 1, pp. 39-46.
https://doi.org/10.4000/sociologico.1639
O'Brien, M., Begley, E., Anand, J. C., Killick, C., & Taylor, B. J. (2011). A Total Indifference to Our
Dignity: Older People’s Understandings of Elder Abuse. Age Action Ireland.
https://pure.ulster.ac.uk/ws/files/11257581/A_Total_Indifference_to_our_Dignity_-
_Older_People%27s_Understandings_of_Elder_Abuse.pdf
27
Porto, I., & Koller, S.H. (2006) “Violência na família contra pessoas idosas”, Interações, vol. Xll,
22, pp. 105-142. https://www.redalyc.org/pdf/354/35402206.pdf
Santos, A. J., Nicolau, R., Fernandes, A. A., & Gil, A. P. (2013). Prevalência da violência contra as
pessoas idosas: Uma revisão crítica da literatura. Sociologia, Problemas e Praticas, 72, 53–77.
https://doi.org/10.7458/SPP2013722618
Silva, C. F. S., & Dias, C. M. de S. B. (2016). Violência Contra Idosos na Família: Motivações,
Sentimentos e Necessidades do Agressor. Psicologia: Ciência e Profissão, 36(3), 637–652.
https://doi.org/10.1590/1982-3703001462014
Cichowsky, S., Mauritti, R., & De São José, J. (2016). A Violência Contra Pessoas Idosas:
Percepções E Perspetivas De Pessoas Idosas Inseridas Em Contexto Institucional E Familiar.
Https://Associacaoportuguesasociologia.Pt/Ix_Congresso/Docs/Final/Com0130.Pdf
28