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Fundamentos da Vida

Profissional
Prof.ª Fabiane Brião Vaz

2023
2ª Edição
Copyright © UNIASSELVI 2023

Elaboração:
Prof.ª Fabiane Brião Vaz

Revisão, Diagramação e Produção:


Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI

Ficha catalográfica elaborada na fonte pela Biblioteca Dante Alighieri


UNIASSELVI – Indaial.

Impresso por:
Apresentação
Este livro de estudos foi elaborado com o intuito de apresentar os
fundamentos da Ciência Política, sociologia e filosofia ao acadêmico. Serão
desenvolvidas ideias centrais de cada uma dessas ciências, colocando o
aluno em contato com tais matérias de tamanha importância para o bom
desenvolvimento social.

Na primeira unidade, demonstraremos os fundamentos históricos


da Ciência Política, dando início ao desenvolvimento do pensamento acerca
desta importante disciplina. Discutiremos questões que abordam desde uma
introdução básica e estruturação da ideia de pensamento político até uma
breve explanação sobre o sistema de partidos políticos que vigora no sistema
eleitoral brasileiro nos dias atuais. Também identificaremos conceitos como
“governo”, “Teoria Geral do Estado” “Constituição” e “democracia”.

Na segunda unidade, destacaremos a importância do estudo da


sociologia, os objetos e objetivos desta. Conheceremos os principais elementos
da Ciência da Sociologia, as ideias principais em destaque ao longo da história,
o contexto histórico dos pensamentos sociológicos e a ideia central de cidadania
e movimento sociais. A explicação acontecerá com a elaboração de tópicos
para que se obtenha conhecimento. Ainda, analisaremos as ideias centrais dos
principais pensadores, além do reconhecimento sobre os conceitos de ação e
relação social, cidadania, direitos humanos e movimentos sociais.

Na terceira e última unidade, destacaremos o estudo do pensamento


filosófico através da identificação dos objetos e objetivos da filosofia, a
introdução do aluno no processo de filosofar, a constatação das ideias
principais da filosofia que obtiveram destaque ao longo da história e a
percepção do contexto histórico dos pensamentos filosóficos, sobretudo na
contemporaneidade. Assim, elaboramos tópicos direcionados à compreensão
das características do pensamento filosófico e do processo de filosofar,
compreendendo o papel da filosofia no mundo moderno.

III
NOTA

Você já me conhece das outras disciplinas? Não? É calouro? Enfim, tanto para
você que está chegando agora à UNIASSELVI quanto para você que já é veterano, há
novidades em nosso material.

Na Educação a Distância, o livro impresso, entregue a todos os acadêmicos desde 2005, é


o material base da disciplina. A partir de 2017, nossos livros estão de visual novo, com um
formato mais prático, que cabe na bolsa e facilita a leitura.

O conteúdo continua na íntegra, mas a estrutura interna foi aperfeiçoada com nova
diagramação no texto, aproveitando ao máximo o espaço da página, o que também
contribui para diminuir a extração de árvores para produção de folhas de papel, por exemplo.

Assim, a UNIASSELVI, preocupando-se com o impacto de nossas ações sobre o ambiente,


apresenta também este livro no formato digital. Assim, você, acadêmico, tem a possibilidade
de estudá-lo com versatilidade nas telas do celular, tablet ou computador.

Eu mesmo, UNI, ganhei um novo layout, você me verá frequentemente e surgirei para
apresentar dicas de vídeos e outras fontes de conhecimento que complementam o assunto
em questão.

Todos esses ajustes foram pensados a partir de relatos que recebemos nas pesquisas
institucionais sobre os materiais impressos, para que você, nossa maior prioridade, possa
continuar seus estudos com um material de qualidade.

Aproveito o momento para convidá-lo para um bate-papo sobre o Exame Nacional de


Desempenho de Estudantes – ENADE.

Bons estudos!

IV
V
VI
Sumário
UNIDADE 1 – CONCEITOS E FUNDAMENTOS DA CIÊNCIA POLÍTICA.............................. 1

TÓPICO 1 – INTRODUÇÃO E CONTEXTO HISTÓRICO DA CIÊNCIA POLÍTICA.............. 3


1 INTRODUÇÃO...................................................................................................................................... 3
2 CONCEITO DE CIÊNCIA POLÍTICA............................................................................................... 4
3 CONTEXTO HISTÓRICO DA CIÊNCIA POLÍTICA.................................................................... 5
4 PRINCIPAIS TEORIAS POLÍTICAS................................................................................................. 6
LEITURA COMPLEMENTAR................................................................................................................ 12
RESUMO DO TÓPICO 1........................................................................................................................ 15
AUTOATIVIDADE.................................................................................................................................. 16

TÓPICO 2 – CIÊNCIA POLÍTICA E TEORIA GERAL DO ESTADO........................................... 17


1 INTRODUÇÃO...................................................................................................................................... 17
2 SOCIEDADE E ESTADO..................................................................................................................... 18
3 O ESTADO DE DIREITO..................................................................................................................... 21
LEITURA COMPLEMENTAR................................................................................................................ 25
RESUMO DO TÓPICO 2........................................................................................................................ 28
AUTOATIVIDADE.................................................................................................................................. 29

TÓPICO 3 – GOVERNO, CONSTITUIÇÃO E DEMOCRACIA..................................................... 31


1 INTRODUÇÃO...................................................................................................................................... 31
2 CONSTITUIÇÃO E DEMOCRACIA................................................................................................. 31
3 O PODER CONSTITUINTE................................................................................................................ 33
4 FORMAS E SISTEMAS DE GOVERNO........................................................................................... 35
LEITURA COMPLEMENTAR................................................................................................................ 37
RESUMO DO TÓPICO 3........................................................................................................................ 40
AUTOATIVIDADE.................................................................................................................................. 41

TÓPICO 4 – PARTIDOS POLÍTICOS NO BRASIL.......................................................................... 43


1 INTRODUÇÃO...................................................................................................................................... 43
2 SISTEMA ELEITORAL......................................................................................................................... 43
3 PARTIDOS POLÍTICOS E SISTEMAS PARTIDÁRIOS............................................................... 45
LEITURA COMPLEMENTAR 1............................................................................................................. 47
LEITURA COMPLEMENTAR 2............................................................................................................. 48
RESUMO DO TÓPICO 4........................................................................................................................ 50
AUTOATIVIDADE.................................................................................................................................. 51

UNIDADE 2 – CONCEITOS E FUNDAMENTOS DA SOCIOLOGIA......................................... 53

TÓPICO 1 – INTRODUÇÃO E CONTEXTO HISTÓRICO DA SOCIOLOGIA......................... 55


1 INTRODUÇÃO...................................................................................................................................... 55
2 CONTEXTO HISTÓRICO DA SOCIOLOGIA............................................................................... 55
LEITURA COMPLEMENTAR................................................................................................................ 58
RESUMO DO TÓPICO 1........................................................................................................................ 61
AUTOATIVIDADE.................................................................................................................................. 62

VII
TÓPICO 2 – ESTRUTURA DO CONHECIMENTO EM SOCIOLOGIA....................................63
1 INTRODUÇÃO....................................................................................................................................63
2 O SENSO COMUM.............................................................................................................................63
3 A HISTORICIDADE...........................................................................................................................65
4 COMUNIDADE...................................................................................................................................65
LEITURA COMPLEMENTAR..............................................................................................................69
RESUMO DO TÓPICO 2......................................................................................................................72
AUTOATIVIDADE................................................................................................................................74

TÓPICO 3 – PRINCIPAIS PENSADORES DA SOCIOLOGIA....................................................75


1 INTRODUÇÃO....................................................................................................................................75
2 AUGUSTO COMTE............................................................................................................................75
3 ÉMILE DURKHEIM............................................................................................................................76
4 MAX WEBER........................................................................................................................................78
5 KARL MARX........................................................................................................................................79
LEITURA COMPLEMENTAR..............................................................................................................81
RESUMO DO TÓPICO 3......................................................................................................................85
AUTOATIVIDADE................................................................................................................................86

TÓPICO 4 – CONCEITO DE AÇÃO E RELAÇÃO SOCIAL.........................................................87


1 INTRODUÇÃO....................................................................................................................................87
2 DOMINAÇÃO E PODER...................................................................................................................87
3 SOCIEDADE E INDIVÍDUO............................................................................................................88
4 AÇÃO E RELAÇÃO SOCIAL............................................................................................................88
LEITURA COMPLEMENTAR..............................................................................................................91
RESUMO DO TÓPICO 4......................................................................................................................93
AUTOATIVIDADE................................................................................................................................94

TÓPICO 5 – CIDADANIA, DIREITOS HUMANOS E MOVIMENTOS SOCIAIS.................95


1 INTRODUÇÃO....................................................................................................................................95
2 CIDADANIA E DIREITOS HUMANOS........................................................................................95
3 MOVIMENTOS SOCIAIS.................................................................................................................99
LEITURA COMPLEMENTAR..............................................................................................................101
RESUMO DO TÓPICO 5......................................................................................................................104
AUTOATIVIDADE................................................................................................................................105

UNIDADE 3 – CONCEITOS E FUNDAMENTOS DA FILOSOFIA............................................107

TÓPICO 1 – INTRODUÇÃO E CONTEXTO HISTÓRICO DA FILOSOFIA............................109


1 INTRODUÇÃO....................................................................................................................................109
2 COMPREENSÃO DA FILOSOFIA..................................................................................................109
3 CONTEXTO HISTÓRICO.................................................................................................................111
LEITURA COMPLEMENTAR..............................................................................................................114
RESUMO DO TÓPICO 1......................................................................................................................116
AUTOATIVIDADE................................................................................................................................117

TÓPICO 2 – CARACTERÍSTICAS DO PENSAMENTO FILOSÓFICO.....................................119


1 INTRODUÇÃO....................................................................................................................................119
2 PENSADORES.....................................................................................................................................119
LEITURA COMPLEMENTAR..............................................................................................................124
RESUMO DO TÓPICO 2......................................................................................................................126
AUTOATIVIDADE................................................................................................................................127

VIII
TÓPICO 3 – O PROCESSO DE FILOSOFAR....................................................................................129
1 INTRODUÇÃO....................................................................................................................................129
2 O CONCEITO DE FILOSOFAR........................................................................................................129
3 IMMANUEL KANT E O PROCESSO DE FILOSOFAR..............................................................131
LEITURA COMPLEMENTAR..............................................................................................................134
RESUMO DO TÓPICO 3......................................................................................................................137
AUTOATIVIDADE................................................................................................................................138

TÓPICO 4 – A FILOSOFIA NO MUNDO MODERNO..................................................................139


1 INTRODUÇÃO....................................................................................................................................139
2 A FILOSOFIA MODERNA................................................................................................................139
3 O PAPEL DA FILOSOFIA NA CONTEMPORANEIDADE........................................................141
LEITURA COMPLEMENTAR..............................................................................................................142
RESUMO DO TÓPICO 4......................................................................................................................145
AUTOATIVIDADE................................................................................................................................146

REFERÊNCIAS........................................................................................................................................147

IX
X
UNIDADE 1

CONCEITOS E FUNDAMENTOS DA
CIÊNCIA POLÍTICA

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
A partir dos estudos desta unidade, você será capaz de:

• destacar a importância do estudo do tema Ciência Política;

• identificar as diferenciações sobre os conceitos de Ciência, Política e


Ciência Política;

• demonstrar ao aluno o pensamento da Ciência Política e Teoria Geral do


Estado;

• constatar as ideias principais das teorias políticas em destaque ao longo da


história;

• perceber o contexto histórico dos pensamentos políticos, sobretudo na


contemporaneidade;

• caracterizar o sistema de partidos políticos adotado no Brasil.

PLANO DE ESTUDOS
Esta unidade está organizada em quatro tópicos. Em cada um deles, você
encontrará dicas, textos complementares, observações e atividades que darão
uma maior compreensão dos temas a serem abordados.

TÓPICO 1 – INTRODUÇÃO E CONTEXTO HISTÓRICO DA


CIÊNCIA POLÍTICA

TÓPICO 2 – CIÊNCIA POLÍTICA E TEORIA DO ESTADO

TÓPICO 3 – GOVERNO, CONSTITUIÇÃO E DEMOCRACIA

TÓPICO 4 – PARTIDOS POLÍTICOS NO BRASIL

1
2
UNIDADE 1
TÓPICO 1

INTRODUÇÃO E CONTEXTO HISTÓRICO DA CIÊNCIA


POLÍTICA

1 INTRODUÇÃO
Falar sobre política nunca foi tarefa simples. São inúmeras as teorias
políticas criadas ao longo da história que, na maioria das vezes, se divergem em
seus conteúdos. Contudo, ainda assim, todas essas teorias foram e ainda são de
grande importância para o caminhar da sociedade.

Temos, ao longo da história, diferentes pensadores que trouxeram reflexões


de organização e gestão de sociedade. Ao serem colocadas em prática, garantiram
que os seres humanos se desenvolvessem em determinado espaço geográfico,
relacionando-se pacificamente uns com os outros, para o desenvolvimento tanto
pessoal quanto grupal.

Falar e pensar sobre política são pontos essenciais. Seu estudo pode
despontar um novo mundo, traçar novos horizontes. A sociedade está em constante
evolução e conta com o crescimento pessoal dos homens e do pensamento político,
buscando a melhor vivência interpessoal entre seus membros.

Infelizmente, em nosso contexto social, o termo política tem sido visto


como algo sombrio, um condutor de negatividade. Deve-se ao atual panorama
de corrupção em que o Brasil se encontra. Assim, é importante não só falar, mas
entender a Ciência Política.

Quanto mais cidadãos entenderem do que se trata e a importância desta,


mais livre e pacífica será nossa sociedade. A política é boa desde que exercitada
com responsabilidade social.

Assim, no primeiro tópico da Unidade 1, desvendaremos os conceitos de


filósofos e cientistas políticos que mais obtiveram destaque ao longo da história.
A descoberta pode ter ocorrido por terem alcançado êxito na aplicação prática de
suas teorias ao longo do globo ou também por terem criado conceitos importantes.

3
UNIDADE 1 | CONCEITOS E FUNDAMENTOS DA CIÊNCIA POLÍTICA

DICAS

Para aprimorar conhecimentos, o Portal do Governo está disponibilizando vários


livros sobre a Ciência Política gratuitamente. São livros de Karl Marx, Friedrich Engels, Jean-
Jacques Rousseau, dentre outros filósofos mestres na arte da Filosofia Política. Disponível em:
<http://www.dominiopublico.gov.br>. Acesso em: 26 jul. 2018. Basta colocar “Ciência Política”
no campo “categoria” e o site lança uma lista com 107 livros importantes sobre o tema.

2 CONCEITO DE CIÊNCIA POLÍTICA


O conceito de ciência pode ser definido como um conjunto de conhecimentos
obtidos ou produzidos, que foram acumulados ao longo da história. Temos como
exemplo as Ciências Sociais, campo que trabalha com resultados de observação.

Devemos observar as relações humanas e retirar padrões que servirão de


dados para aplicação futura de ideias de ordenamento social. Então, entendemos
que a Ciência Política é uma disciplina das Ciências Sociais.

Esses conjuntos de conhecimentos, quando elevados ao nível de ciência,


transformam-se em ideias dotadas de universalidade e objetividade. Assim,
permitem a difusão com metodologias, teorias e palavreados próprios, a fim de
que sejam compreendidos pelo maior número possível da população.

Já o termo “Política” vem do grego politikos, que significa a arte ou a ciência


de governar. Assim, tudo que é pertinente à coletividade, à gestão de sociedade,
à prática governamental ou aos modelos de Estado está relacionado à política. O
conceito política, então, pode ser definido como a arte de organizar, de gerir os
povos. É o conhecimento que está atento aos acontecimentos que dizem respeito
ao Estado.

É a política que desenvolve objetivos de desenvolvimento para que


determinados programas e ações governamentais sejam executados. Ela traça as
metas e condiciona as maneiras de efetivação da governança.

Em poucas palavras, podemos dizer que a política é um princípio


doutrinário que dá forma à estrutura constitucional de um Estado. É a ciência de
bem governar um povo, constituindo um Estado.

Para começarmos a falar sobre Ciência Política, é importante lembrar


que ela estará sempre profundamente ligada à história, ao direito, à filosofia e à
sociologia. Ciência Política é o estudo da política, das estruturas e dos processos
de governo.

4
TÓPICO 1 | INTRODUÇÃO E CONTEXTO HISTÓRICO DA CIÊNCIA POLÍTICA

A Ciência Política lato sensu objetiva estudar os acontecimentos das


instituições e das ideias políticas, tanto em sentido teórico através das doutrinas,
quanto em sentido prático na arte de bem governar. Sempre devemos levar em
consideração os acontecimentos sociais do passado, o quadro social do presente
e, ainda, as possibilidades das relações futuras.

De acordo com o que vimos até agora, podemos concluir que a Ciência
Política tem como objeto a sociedade política organizada, bem como, de maneira
indireta, o Estado. Ainda, contempla as outras ciências relacionadas ao homem,
como a Sociologia, História, Economia, Filosofia, Geografia, Direito e afins.

Ainda, por ora, é importante fixarmos que a Ciência Política tem como
objetivo avaliar, posicionar e expor os problemas e as instituições existentes na
sociedade contemporânea. Ainda, utiliza as Ciências Jurídicas através do Direito
Constitucional.

O princípio doutrinário da política, quando visto de maneira científica,


ou seja, como a ciência do estudo da política, dedica-se aos sistemas políticos, às
organizações e aos processos políticos.

Dentre os cernes de atenção dos cientistas políticos, podemos ressaltar


empresas subsidiárias de serviços públicos, sindicatos, igrejas e tipos de
organizações dotados de estruturas e procedimentos.

3 CONTEXTO HISTÓRICO DA CIÊNCIA POLÍTICA


O estudo da política surgiu na Grécia antiga, quando Aristóteles se dedicou
a compreender e a definir as diferentes formas de governo. Ele determinou três
maneiras de governo e suas respectivas formas degeneradas. São elas:

• Monarquia: representando o governo de um só (monarca).


• Aristocracia: representando o governo de vários (famílias).
• Democracia: representando o governo de todos (povo).
• Tirania: a maneira degenerada/corrupta de exercer a monarquia.
• Oligarquia: a maneira degenerada/corrupta de exercer a aristocracia.
• Demagogia: a maneira degenerada/corrupta de exercer a democracia.

Desde que Aristóteles surgiu com essa denominação, a política ingressou na


pauta dos assuntos sociais importantes para o bom andamento das comunidades,
recebendo ampla atenção tanto dos homens, quanto das respectivas populações.

Aristóteles mostrou que a política está presente em todas as relações


humanas. Determinar esses seis tipos de relação governante/povo fez com que
ele ganhasse especial atenção para as análises políticas tanto de sua época quanto
posteriores ao seu tempo.

5
UNIDADE 1 | CONCEITOS E FUNDAMENTOS DA CIÊNCIA POLÍTICA

Contudo, foi só mais tarde que a Ciência Política conseguiu aglomerar


filosofia moral, filosofia política, política econômica e história em suas outras
matérias. A partir dessa aglomeração, a Ciência Política foi capaz de arranjar exames
contemporâneos e futuros sobre o Estado, administração pública e suas funções.

A Ciência Política surgiu no decorrer do século XIX. Este ficou marcado na


história como o século de aparecimento não só da Ciência Política, mas das Ciências
Humanas no geral, como a Sociologia, Antropologia e História. Foi nessa época que
surgiu algo diferente da filosofia política praticada pelos gregos antigos.

A Ciência Política apareceu como disciplina e instituição em meados do


século XIX, período em que avançou como “Ciência do Estado” principalmente
na Alemanha, Itália e França.

O termo que hoje é aplicado ao ensinamento e ao exercício da política,


além de envolver definições e exames dos aparelhos e procedimentos políticos,
foi lapidado pelo professor de História na Universidade Johns Hopkins
(EUA), Herbert Baxter Adamn, no ano de 1880.

Nota-se que a criação da Ciência Política aconteceu em um determinado


momento histórico em que o desenvolvimento científico começava a progredir no
continente europeu. Assim, a disciplina acompanhou o surgimento de todas as
demais matérias das Ciências Sociais.

Ainda, arquitetou-se nos alicerces do empirismo científico. De maneira


geral, seus diagnósticos estão fundamentados nos mesmos métodos empregados
pelas outras áreas que se empenham à pesquisa social, estando baseada em
documentos históricos, registros oficiais, produção de pesquisa por questionário,
análises estatísticas, estudos de caso e na construção de modelos.

4 PRINCIPAIS TEORIAS POLÍTICAS


Mesmo sendo uma disciplina em níveis históricos e recente, a Ciência
Política possui raízes profundas na história do conhecimento humano. Os
primeiros pensadores que cultivaram o estudo da política remontam à Grécia
antiga, como Platão e Aristóteles.

Ainda na Índia, há mais ou menos 2.500 anos, já havia a reflexão sobre a


Filosofia Política. Suas apreciações dos contextos políticos da realidade de sua época
serviram como alicerce de edificação da disciplina da maneira como a encontramos.

Avançando alguns anos, entre os séculos XIV e XVIII, diferentes


pensadores colaboraram para o campo do conhecimento político. Dentre os de
maior destaque, estão: Thomas Hobbes, John Locke, Jean-Jacques Rousseau, Karl
Marx e Friedrich Engels.

6
TÓPICO 1 | INTRODUÇÃO E CONTEXTO HISTÓRICO DA CIÊNCIA POLÍTICA

Como visto no plano de ensino desta unidade, estudaremos um pouco


sobre os principais pensamentos da Ciência Política. Assim, seguimos nos
próximos parágrafos com a exposição das ideias dos cinco autores citados no
parágrafo anterior.

Thomas Hobbes (1588–1679) teve suas ideias sobre governo e


política publicadas ao longo dos anos em que esteve em atividade. Contudo,
esses pensamentos só foram expostos de maneira terminante em sua obra
intitulada Leviatã, no ano de 1651.

Hobbes não poupou esforços para embasar sua filosofia política em cima
de uma ideia. Procurava uma tese que permitisse explicar o poder absoluto que
os soberanos detinham. Junto com Maquiavel (1469–1527), as ideias de Hobbes
fazem parte de um grupo que podemos denominar de realismo político.

O pensamento hobbesiano ficou conhecido por, de acordo com sua base


realista, possuir tendências extremistas. Hobbes parte do princípio de que todos
os seres humanos são maus por natureza.

Assim, podemos compreender que, no chamado estado de natureza, sempre


existirão conflitos entre os seres humanos que ali coabitam. Todos os indivíduos
são possuidores do chamado direito natural, sendo ele um direito que não necessita
da criação de um Estado para existir. Temos como direito natural o direito à vida.

Logo, podemos concluir que toda situação de estado de natureza será


carregada de conflitos entre os homens. Seria um cenário de guerra e cada um
dos indivíduos se encontraria em constante luta contra todos os outros.

Se eu tenho o direito à vida, então, eu preciso me alimentar para continuar


a viver. Como já vimos no estado de natureza, o Estado ainda não foi criado. Logo,
não possuo garantias de acesso aos alimentos necessários para a manutenção
da minha vida. Assim, terei que ir em busca de alimentos de alguma maneira e
fazendo o que achar necessário para defender este que é meu único direito.

Ocorre que no estado de natureza não existem regras, pois não há quem
as dite ou as regule. Assim, pouco importa se, ao conseguir um alimento, eu o
retire de outro cidadão. É essa atitude que devemos tomar, uma vez que o ser
humano, em sua visão, é ruim por natureza.

O homem livre, no estado de natureza, não se preocuparia em racionar


ou dividir o alimento encontrado e apenas o comeria, sem se preocupar com seus
semelhantes coabitantes daquele determinado espaço geográfico. Em casos mais
drásticos, ao encontrar algum outro indivíduo de posse de um alimento que julgue
necessário para sua vida, haveria agressão e, em determinadas situações, homicídio.

7
UNIDADE 1 | CONCEITOS E FUNDAMENTOS DA CIÊNCIA POLÍTICA

E
IMPORTANT

No estado de natureza anterior à criação do Estado (governo, organização


política), além de não existirem regras, não existe também a figura da propriedade privada.
Não há delimitações, não há divisões, gestão, governança etc.

É justamente por essa visão “negativa” sobre a natureza do homem que


um governo absolutista e autoritário é o melhor que a sociedade pode conseguir.
Deve existir a criação de um Estado absolutista, sendo a força exercida pelo
Estado. De maneira centralizada, seria a única forma de controle desse lado
“ruim” do ser humano.

Hobbes faz parte, junto com John Locke (1632–1704) e Jean-Jacques


Rousseau (1712–1778), do trio de filósofos políticos denominados como
contratualistas. Esse nome se deve pelo fato de que esses pensadores enxergaram
a criação do Estado como um contrato social entre os indivíduos.

O contrato social corresponde ao momento em que as pessoas transferem


os seus direitos naturais ao Estado. Na ideia hobbesiana, o indivíduo passa a não
ter mais direito, uma vez que o Estado criado deve ser absolutista.

Hobbes trabalha a ideia de soberania do Estado. Essa soberania deve ser


absoluta. Se houver alguma voz concorrente à voz do Estado, estaríamos retornando
para o estado de natureza, no qual não existem regras a serem seguidas.

A única maneira de os indivíduos adquirirem algum tipo de segurança é


saindo do estado de natureza e transferindo seus direitos para que o Estado os
resguarde com garantias de ordem social. Para finalizar o pensamento hobbesiano,
vejamos os quatro objetivos da criação do Estado idealizados:

1 garantir a segurança dos homens;


2 proporcionar a liberdade social dos indivíduos;
3 harmonizar a igualdade entre os cidadãos;
4 adequar a educação pública e a propriedade material ou privada.

Dos quatro objetivos, apenas o primeiro é tido como obrigatório. A


prioridade do Estado deve ser acabar com a sensação de insegurança que o
estado de natureza proporciona. Assim, o Estado foi criado para impedir que os
indivíduos vivam marcados por sentimentos como incerteza e medo.

Como já visto anteriormente, três pensadores formam o trio dos chamados


contratualistas: Jean-Jacques Rousseau (1712–1778), Thomas Hobbes (1588–1679) e
John Locke (1632–1704).

8
TÓPICO 1 | INTRODUÇÃO E CONTEXTO HISTÓRICO DA CIÊNCIA POLÍTICA

John Locke, além de contratualista, foi considerado também como o pai


do liberalismo. Era visto como um pensador ponderado, não acreditava que o
homem era de fato um ser ruim por natureza. Os principais fundamentos do
Estado Civil, em linha cronológica, são:

1 o livre consentimento entre os indivíduos através do contrato social;


2 o livre consentimento da comunidade para formar o governo;
3 a proteção dos direitos de propriedade pelo governo;
4 o controle do Executivo pelo Legislativo;
5 o controle do governo pela sociedade.

Locke tem como principais obras dois grandes tratados sobre política,
que se tornaram clássicos na ampliação das ideias políticas da modernidade. No
primeiro, intitulado Primeiro Tratado sobre o Governo Civil, ele elabora sua crítica
à tradição de sua época, que assegurava aos reis direitos que eram tidos como
divinos.

Se pensarmos que o poder do Estado era idealizado na figura dos reis e


advém de um pacto social entre os individuas, fica clara a conclusão de Locke
para formalizar sua crítica. Afinal, o poder dos reis seria proveniente do pacto
social, e não de uma autorização sobrenatural. Na outra obra de destaque,
intitulada Segundo Tratado sobre o Governo Civil, Locke apresenta sua teoria do
Estado liberal e da propriedade privada.

No contrato social, os membros da comunidade delegam poderes para um


governante e este tem por obrigação garantir os direitos individuais já existentes
no estado natural, além de assegurar o direito à propriedade.

No estado de direito natural não existe apenas o direito à vida, mas


também o direito à liberdade e à propriedade privada. Os indivíduos criam o
Estado apenas para este assegurar os direitos já preexistentes no estado de
natureza.

Para encerrar as ideias sobre o contrato social, passemos a estudar Jean-


Jacques Rousseau (1712–1778). O autor é conhecido por sua obra chamada Do
Contrato Social, do ano de 1762.

O que diferencia Rousseau de seus colegas contratualistas é o fato de ele


defender uma visão mais positiva do ser humano. O homem é um ser bom por
natureza. Os homens sozinhos, em um estado de natureza, eram seres livres e felizes.

Os indivíduos são “bons selvagens”, são seres que vivem em harmonia


com o seu meio natural. O homem natural é o homem justo. O desequilíbrio do
homem não é originário, mas derivado e de ordem social, ou seja, o homem nasce
bom, mas a sociedade o corrompe.

9
UNIDADE 1 | CONCEITOS E FUNDAMENTOS DA CIÊNCIA POLÍTICA

Assim, a soberania após o contrato social pertence ao povo. O povo


livremente transfere o exercício de sua soberania para o Estado. Essas ideias
democráticas serviram de inspiração para os líderes da Revolução Francesa.

Na ideia hobbesiana, o homem mau por natureza sairia em busca de seu


alimento e passando por cima de tudo e de todos para consegui-lo. Nas ideias
de Rousseau, o homem livre e feliz, sozinho em seu estado de natureza, apenas
conseguiria comidas que não prejudicassem aquele ambiente.

Ocorre que esses bons selvagens enxergariam a necessidade de retirada


do alimento de alguns para poderem dar mais aos outros, por exemplo. Para
o pensador, a sociedade implanta no homem maus sentimentos, como os de
ambição, comparação etc.

E
IMPORTANT

Imagine uma linha. No primeiro extremo temos o nome de Hobbes (o homem


é mau por natureza), no meio temos Locke (o equilíbrio das ideias, o homem é ponderado)
e, por último, Rousseau no outro extremo da linha (o homem é bom por natureza).

Para finalizar o presente tópico, passamos a expor, de maneira conjunta, as


ideias de Karl Marx (1818-1883) e Friedrich Engels (1820-1895). Em Trier, capital
da província alemã de Reno, no dia 5 de maio de 1818, nasce Karl Marx, apenas
dois anos antes de Friedrich Engels, que nasceu em Barmen, Alemanha, em 28 de
novembro de 1820.

Por insistência da família, Engels abandonou a escola para trabalhar.


Assim, notamos a condição de miséria dos trabalhadores fabris nos negócios
particulares. A condição despertou interesse para seguir sozinho nos estudos de
filosofia, religião, literatura e política.

Em 1842, Engels se mudou para a Inglaterra, lugar onde, na época, já se


especulava muito sobre as condições dos trabalhadores. Escreveu sobre em A
Situação das Classes Trabalhadoras na Inglaterra, publicado em 1845.

Dessa forma, adotou uma reprimenda ao sistema capitalista e estabeleceu


ligações com Karl Marx, com quem se encontrou em Paris, no ano de 1844, após
anos de correspondência. Juntos escreveram obras que se tornaram referências
para o, posteriormente denominado, socialismo materialista.

10
TÓPICO 1 | INTRODUÇÃO E CONTEXTO HISTÓRICO DA CIÊNCIA POLÍTICA

O Manifesto Comunista, de autoria de ambos, em 1848, e O Capital, de


autoria de Karl Marx, em 1867, verteram suas ideias ao desenvolvimento teórico
e prático de vários subtipos de socialismo, comunismo e alguns relacionados ao
anarquismo.

Com a morte de Karl Marx em 1883, Friedrich Engels se responsabilizou a


escrever a continuação do segundo volume de O Capital e redigir inteiramente o
terceiro. Para que seja possível entender Engels, é necessário precisar a doutrina e
a atividade de Marx no desenvolvimento do movimento operário.

Juntos anunciaram o socialismo como um estágio final do processo


antropológico e sociológico, com poderes estatais em segundo plano e beneficiando
paridade entre os indivíduos. Tudo norteado por teorias como a “mais-valia”.

Mais-valia foi o termo desenvolvido por Marx para se referir à exploração


da mão de obra dos trabalhadores. O processo de troca da mão de obra por
salário era uma maneira de exploração dos assalariados. Os empresários estavam
gerando lucro em favor da exploração do corpo e mente de outros cidadãos. É
dele a famosa ideia: “se a classe operária tudo produz, a ela tudo pertence”.

O fenômeno da mais-valia, em poucas palavras, seria a expropriação pelos


donos das fábricas do valor do trabalho de seus empregados. Para Marx e Engels,
esse tipo de injustiça seria o suficiente para inviabilizar o capitalismo, sendo o
socialismo a única maneira de respeitar todos os cidadãos.

11
UNIDADE 1 | CONCEITOS E FUNDAMENTOS DA CIÊNCIA POLÍTICA

LEITURA COMPLEMENTAR

REVISITANDO MONTESQUIEU: UMA ANÁLISE CONTEMPORÂNEA


DA TEORIA DA SEPARAÇÃO DE PODERES

Alan Ricardo Fogliarini Lisboa

A teoria da Separação dos Poderes, desenvolvida por Montesquieu,


prevê a autonomia dos Poderes como um pressuposto de validade para o
Estado Democrático. A ideia de que o poder deve ser controlado pelo próprio
poder pressupõe que as atitudes dos atores envolvidos no palco de decisões
sejam interligadas. Deve haver uma clara divisão nas competências e uma
interdependência, que garantam uma gestão compartilhada e homogênea.

Assim, as ações do Executivo, Legislativo e do Judiciário devem ser, em


tese, autônomas e complementares. O obstáculo à atuação legítima de qualquer
um dos entes deve pressupor um abuso de seu poder institucional.

Entretanto, a atual conjuntura brasileira desenha um quadro diferente. A


utilização indiscriminada de Medidas Provisórias pelo Executivo, a instalação de
CPI’s pelo Legislativo e a utilização de Ações Diretas de Inconstitucionalidade por
Omissão (ADIN) pelo Judiciário, por exemplo, apontam para uma interferência
mútua nos círculos de poder dos atores estatais.

Cabe ressaltar que nenhuma das atividades é ilegal ou inédita. Todas têm
amparo legal e são instrumentos previstos na atuação do Estado. O que desperta
interesse no momento é que a utilização delas vem crescendo nos últimos 10
anos, às vezes como forma de acelerar o processo de gestão, ou como maneira de
obstacularização do processo decisório.

O escopo do presente trabalho é questionar não a natureza do processo, mas


seu objetivo. Afinal, a utilização demasiada desses métodos é a personificação de
uma atitude despótica de conquista do poder pelas facções ideológicas (partidos
políticos) ou uma readequação da teoria do Check and Balances como uma resposta
dos demais poderes para a concentração de força no Executivo?

Caso a primeira opção se confirme, qual o papel do Judiciário nessa


contenda, uma vez que sua natureza deve ser percebida como apolítica e, portanto,
não inscrita na relação de disputa apresentada? Cabe a ele ser o mediador do
conflito entre as demais facções notadamente políticas, consubstanciando-se tão
somente como “la bouche de la loi” ou representa-se como ator ativo no palco do
domínio do poder?

O presente trabalho pretende a questão crucial da divisão do poder no


interior do Estado. Entretanto, não guarda o intuito de exaurir a discussão, uma
vez que a relação encontrada é dinâmica e, portanto, avessa à conformação de
qualquer teoria hegemônica.
12
TÓPICO 1 | INTRODUÇÃO E CONTEXTO HISTÓRICO DA CIÊNCIA POLÍTICA

Ao iniciar essa discussão, é preciso traçar as linhas gerais sobre o que


seja e de onde venha a ideia de que o poder deve ser exercido de forma separada
e complementar. Para alguns autores, inclusive, o poder político é indivisível e
deriva do Estado e do Povo.

O que aconteceria na realidade é a especialização das funções entre entes


diversos que, conjuntamente, exercem o poder do Estado. Essa ideia, contudo, é
rechaçada por aqueles que entendem que o foco do estudo não está nem na ideia
funcionalista, nem na estruturalista (órgãos) do governo, e sim na sua capacidade
de imperium.

Ao iniciar seu trabalho sobre as leis, Montesquieu divide os três estilos


de governo em republicano, monárquico e despótico. A diferença entre eles é básica
e inscrita no próprio senso comum: na república, todo povo ou, ao menos, parte
dele, exerce diretamente o controle do Estado. A monarquia é representada por
apenas uma figura, mas regrada por leis fixas e estabelecidas. Já o déspota ignora
a instituição de normas e governa por seu próprio arbítrio.

Nessa análise inicial, o autor coloca força em um poder intermediário, de


contenção, ou “repositório de leis”, como um poder mediador entre a vontade do
governante e o povo. Tal fenômeno inclusive é o que impede a evolução de um
poder centralizado (monarquia) para um sistema despótico. Além disso, sugere a
existência de primazias ou princípios aos sistemas republicanos e monárquicos,
a virtude e a honra. São esses elementos, portanto, também freios primários do
poder constituído.

A proposta de limites ao poder de comandar e coagir o cidadão está assente


na teoria de Montesquieu, mas possui raízes mais profundas. Platão e Aristóteles,
na Grécia antiga, Tomás de Aquino e Marsílio de Pádua, na era medieval, e mais
modernamente Bodin e Locke já se ocuparam do assunto, embora o primeiro e o
último foram considerados verdadeiros precursores do aristocrata francês.

Contemporaneamente, a percepção foi trabalhada por Locke, ao desenhar


uma separação entre os poderes. Para esse autor, existiriam o Executivo,
responsável pela execução das leis, o Legislativo, expressão do povo para a
criação de tais enunciados, e ainda outros dois, Confederativo e Discricionário.

Refinando o modelo, Montesquieu afirma claramente a necessidade de


divisão dos poderes como forma de constituição do Estado Moderno: ”Há em
cada Estado três espécies de poder: o poder legislativo, o poder executivo das
coisas que dependem do direito das gentes, e o poder executivo daqueles que
dependem do direito civil”.

O autor ainda compara monarquias moderadas da Europa. Existe uma


fração do poder de governo na mão do povo (justiça) e com uma república sem
separação, como a Itália da época. Na sua concepção, o último exemplo, apesar de
dito democrático, é menos aberto do que as monarquias citadas, e o governo precisa
“de meios tão violentos quanto os dos turcos”, com “um horrível despotismo”.

13
UNIDADE 1 | CONCEITOS E FUNDAMENTOS DA CIÊNCIA POLÍTICA

Partindo dessa visão, o poder no Estado Moderno, e particularmente


no Brasil, divide-se em Legislativo (expressão máxima do poder popular, cujos
representantes efetivamente criam as leis e regras que serão dirigidas a todos);
Executivo (órgão responsável pela execução das leis e direção central da nação,
também escolhido pelo povo), e Judiciário (repositório da legislação, com função
de intérprete e guardião das normas e princípios norteadores do EDD).

Mais moderno e aprofundado, o conceito dado por Canotilho pressupõe


não apenas uma divisão horizontal, como a já definida, mas também uma
separação vertical dos poderes, como o princípio básico do federalismo e a
separação em União, Estados e Municípios.

Com efeito, a ideia de um perfeito equilíbrio entre o Poder Central e os


periféricos está assentada na base da ideia de parlamento, como afirma Bobbio:

“O nascimento e desenvolvimento das instituições parlamentares


dependem, portanto, de um delicado equilíbrio de forças entre o poder central e
os poderes periféricos. O poder central goza de uma significativa preponderância.
As instituições parlamentares vingam mal e dificilmente prosperam. Tampouco
na situação oposta [...] existem condições para a consolidação dos Parlamentos:
falta, na verdade, um estímulo que leve as várias forças do país a se unirem de
forma duradoura”.

Baseado no estudo constitucional português, o autor trabalha a estruturação


de Montesquieu em três esferas: plano funcional (legislativa, executiva e judiciária);
plano institucional: existência de três órgãos constitucionais para cada uma das
funções; plano sociocultural: articulação de cada poder com as estruturas sociais.

FONTE: LISBOA, Alan Ricardo Fogliarini. Revisitando Montesquieu: uma análise contemporânea da
teoria da separação dos poderes. Âmbito Jurídico, Rio Grande, XI, n. 52, p. 1-3, abr 2008. Disponível
em: <http://ambitojuridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=2670&revista_
caderno=9>. Acesso em: 24 jul. 2018.

14
RESUMO DO TÓPICO 1
Neste tópico, você aprendeu que:

• O conceito de política pode ser definido como a arte de organizar, de gerir


os povos. É o conhecimento que está atento aos acontecimentos que dizem
respeito ao Estado.

• A Ciência Política é uma disciplina das Ciências Sociais, fazendo parte do


conjunto de ciências que são obtidas pelo ser humano.

• A Ciência Política tem como objeto a sociedade política organizada, bem como,
de maneira indireta, o Estado.

• A Ciência Política tem como objetivo avaliar, posicionar e expor os problemas


e as instituições existentes na sociedade contemporânea.

• O estudo da política surgiu na Grécia antiga, quando Aristóteles se dedicou


a compreender e a definir as diferentes formas de governo. Há três maneiras
de governo e suas respectivas formas degeneradas. São elas, respectivamente:
monarquia, aristocracia, democracia, tirania, oligarquia, demagogia.

• O pensamento hobbesiano ficou conhecido por, de acordo com sua base


realista, possuir tendências extremistas. Todos os seres humanos são maus por
natureza.

• Nas ideias de Locke, os principais fundamentos do Estado Civil, em linha


cronológica, são: o livre consentimento entre os indivíduos para estabelecer
a sociedade através do contrato social; o livre consentimento da comunidade
para formar o governo; a proteção dos direitos de propriedade pelo governo; o
controle do Executivo pelo Legislativo e o controle do governo pela sociedade.

• Rousseau enxerga os indivíduos como “bons selvagens”, como seres que vivem
em harmonia com o seu meio natural. O homem natural é o homem justo. O
desequilíbrio do homem não é originário, mas derivado e de ordem social, ou
seja, o homem nasce bom, mas a sociedade o corrompe.

• O fenômeno da mais-valia é a expropriação pelos donos das fábricas do valor


do trabalho de seus empregados.

15
AUTOATIVIDADE

1 Explique o que é a Ciência Política, exibindo quais são seus objetos de estudo,
seus objetivos e que meios ela utiliza para alcançá-los.

2 De acordo com o que você estudou, disserte sobre os autores contratualistas,


enfatizando os principais pontos de divergência entre eles.

16
UNIDADE 1
TÓPICO 2

CIÊNCIA POLÍTICA E TEORIA GERAL DO ESTADO

1 INTRODUÇÃO
Quando falamos sobre Ciência Política, logo temos em mente a matéria
de Teoria Geral do Estado. Essas duas matérias andam juntas e algumas pessoas
acreditam, inclusive, que tratam da mesma coisa, que seria mera distinção de
nomes. Entretanto, vamos aprender aqui o que as diferencia e a importância do
estudo de ambas.

Esses estudos andam juntos pelo simples fato de que se complementam. Como
já vimos, a Ciência Política nos traz as reflexões e ideias dos grandes pensadores. É
uma matéria do campo da sociologia que, intimamente, está ligada à filosofia.

Já a Teoria Geral do Estado é matéria do campo jurídico, são os estudos


que aparecem cronologicamente em tempo posterior ao pensar dos cientistas
políticos. É a aplicação dos resultados obtidos na Ciência Política.

No tópico de Teoria Geral do Estado, por exemplo, iremos observar


questões de modelos e formas de estados, soberania e sociedade. Esses são
elementos que só são passíveis de estudos após concluirmos que o Estado já foi
criado e aplicado de determinada maneira.

É possível conceituar Teoria Geral do Estado como a ciência que pesquisa


e exibe os princípios basilares da sociedade política (Estado), sua composição,
formas, modelos e evolução. Assim, ela conta com o que chamamos de Tríplice
Aspecto da Teoria Geral do Estado, sendo eles o sociológico, político e jurídico.

17
UNIDADE 1 | CONCEITOS E FUNDAMENTOS DA CIÊNCIA POLÍTICA

E
IMPORTANT

Ciência Política = considerações, pesquisa, crítica. Teoria Geral do Estado =


resultado das considerações, aplicação.

2 SOCIEDADE E ESTADO
Passamos agora ao estudo dos elementos da Teoria Geral do Estado.
Primeiramente, falaremos sobre sociedade, que pode ser conceituada como um
grupo de indivíduos reunidos e organizados em determinado território geográfico
com um objetivo em comum.

Esse objetivo em comum a ser alcançado pela sociedade é o que


denominamos como bem comum, sendo ele um bem que ultrapassa o bem
pessoal único do indivíduo e contempla todos os cidadãos daquela sociedade.

Notamos que o bem comum não é o “bem de todos” ou o “bem geral”.


Os últimos seriam anuladores dos bens individuais. O bem comum é algo
equilibrado entre o bem pessoal do indivíduo e o bem geral da sociedade. É
quando todos os cidadãos abrem mão de alguma parte de algo pessoal em prol
do bem maior de todos.

Para melhor explicar, devemos imaginar um Estado que dispõe das


melhores escolas possíveis em espaço físico e pesquisa científica, porém anula os
direitos de liberdade de expressão de seus alunos. Assim, temos um exemplo de
bem geral. Abdicou-se totalmente de um direito individual para obtê-lo. Logo, o
bem não está em comunhão entre a sociedade e o cidadão.

Sobre a origem da sociedade, a teoria mais aceita é a da sociedade natural,


que diz que a sociedade é fruto da própria natureza humana. Ainda, além dela,
existe a teoria contratualista, que já vimos no tópico anterior, que diz que a
sociedade é simples fruto de escolha entre os seres humanos que coabitavam
determinado espaço geográfico e em determinada época. Dallari (1998) defende
que, para um agrupamento humano ser considerado sociedade, são necessários
alguns elementos:

• Finalidade social ou valor social: o homem necessita ter consciência de que


precisa viver em sociedade e buscar fixar, como objetivo da vida social, um
desígnio harmônico entre suas necessidades fundamentais e as coisas que
julgar preciosas. Significa dizer que a finalidade social objetivada pelo homem
é o bem comum.

18
TÓPICO 2 | CIÊNCIA POLÍTICA E TEORIA GERAL DO ESTADO

• Manifestações de conjunto ordenadas (ordem social e ordem jurídica): para


a persecução das finalidades buscadas pela sociedade, há a necessidade de que
os membros se despontem por meio de ação conjunta constantemente efetuada.
Para ocorrer, devemos atender a três requisitos:

• Reiteração: sabendo que a todo momento e que nos territórios aparecem


novos fatores influenciadores para ideia de bem comum, é imprescindível que
os membros da sociedade se manifestem em conjunto sempre que acharem
necessário e visando à efetivação dos objetivos da sociedade. Além disso, é
necessário que os atos cometidos de maneira isolada sejam conjugados e
integrados dentro de todo harmônico.

• Ordem: as manifestações de conjunto são reproduzidas dentro de uma ordem,


para que a sociedade possa atuar em função do bem comum. A ordem não
exclui a vontade e a liberdade das pessoas, visto que todos os membros da
sociedade participaram da criação das normas de comportamento social.

• Adequação: não se deve impedir a livre manifestação, o desenvolvimento


das tendências da época e os anseios dos cidadãos. As ações conjuntas dos
membros de uma sociedade consideram o bem comum.

• Poder social: para caracterizar poder, é importante ressaltar seus elementos:


socialidade, o poder é um fenômeno social, jamais podendo ser explicado pela
simples consideração de fatores individuais; bilateralidade, indicando que
o poder é sempre a correlação de duas ou mais vontades, havendo uma que
predomina.

Continuando os aprendizados do presente tópico, passamos a pensar o


Estado. Estado é a organização de determinada sociedade e sob governo próprio
e território determinado, com a finalidade de efetivar o bem comum. Para melhor
entender as Teorias do Estado, é importante que vejamos um breve histórico da
sua evolução:

• O Estado Oriental, Antigo ou Teocrático: ocorreu nas antigas civilizações no


Oriente ou no Mediterrâneo. A família, a religião, o Estado e a organização
econômica eram um só conjunto. Não se diferenciava o pensamento político da
religião, da moral, da filosofia ou de outras doutrinas econômicas. O Estado não
possuía subcategorias divisórias, territoriais ou de funções. Foi determinado
como Estado Teocrático devido à grande influência que a religiosidade
tinha na época. Tanto a autoridade dos governantes quanto as normas de
comportamento individuais e coletivas eram a expressão da vontade de um
poder divino.

19
UNIDADE 1 | CONCEITOS E FUNDAMENTOS DA CIÊNCIA POLÍTICA

• O Estado Grego: a característica fundamental é a cidade-estado, a polis, cujo ideal


era a autossuficiência. Existia a classe política, composta pela elite, com intensa
participação nas decisões de caráter público do Estado. Quando citado como
governo democrático, significava que uma parte restrita da população, ou seja, os
cidadãos, participava das decisões políticas. Além destes, habitavam a cidade os
Metecos (estrangeiros) e os escravos, que não participavam do poder político.

• O Estado Romano: a família era a base da organização desse Estado. Eram


dados, aos descendentes dos fundadores do Estado, privilégios especiais.
O povo, que representava uma pequena parte da população, participava
diretamente do governo, que era exercido pelo Magistrado. Com o passar do
tempo, novas categorias sociais apareceram e foram adquirindo e ampliando
direitos. Com a ideia do surgimento do Império, Roma tentou integrar os povos
conquistados e manter um sólido núcleo de poder político a fim de assegurar o
desenvolvimento da Cidade de Roma.

• O Estado Medieval: existia um poder superior exercido pelo Imperador e uma


ilimitada multiplicidade de poderes menores e sem hierarquia definida. Ainda,
várias ordens jurídicas (norma imperial, eclesiástica, monarquias inferiores,
direito comunal desenvolvido, ordenações dos feudos e as regras estabelecidas
no fim da Idade Média pelas corporações de ofício) e instabilidade social, política
e econômica, que geraram uma intensa necessidade de ordem e autoridade.

• O Estado Moderno: a soberania, a territorialidade e o povo são as características


do Estado Moderno. Foram originadas da necessidade de unidade e da busca
de um único governo soberano dentro do território delimitado. São três os
elementos que constituem o Estado:

• Povo: corresponde à população do Estado. É o grupo de indivíduos em uma


ordem estatal determinada. Um conjunto de indivíduos sob o mesmo regime
de normas, possuidor de direitos e deveres. Distingue-se de nação, que é
uma entidade moral. São pessoas que possuem um sentimento de união por
serem de origem comum, por possuírem interesses ou ideias em comum. Esse
sentimento complexo é o que definimos como patriotismo.

• Território: é materialmente formado pela terra firme, incluindo o subsolo e


as águas internas (rios, lagos e mares internos), pelo mar territorial, pela
plataforma continental e pelo espaço aéreo.

• Governo: é o conjunto das funções necessárias para a manutenção da ordem


jurídica e da administração pública. Governo confunde-se, muitas vezes,
com soberania. Alguns autores citam, como quarto elemento constitutivo do
Estado, a soberania. Para os demais, no entanto, a soberania integra o terceiro
elemento. O governo pressupõe a soberania. Se o governo não é independente e
soberano, não existe o Estado perfeito. O Canadá, Austrália e África do Sul, por
exemplo, não são Estados perfeitos, porque seus governos são subordinados
ao governo britânico.

20
TÓPICO 2 | CIÊNCIA POLÍTICA E TEORIA GERAL DO ESTADO

As funções do Estado são todas as ações necessárias à execução do bem


comum. Função legislativa é aquela exercida pelo Poder Legislativo, que tem a
função de elaborar leis. Função executiva é exercida pelo Poder Executivo, tem
como função administrar o Estado e pretende contemplar a melhor maneira de
concluir seus objetivos (exemplos: nomeação de funcionários, criação de cargos,
execução de serviços públicos, arrecadação de impostos). Por último, a função
judiciária, que é exercida pelo Poder Judiciário e tem a função de interpretar e
aplicar a lei.

O Estado, ao longo do tempo, foi se caracterizando de diferentes formas.


Quando falamos em forma, estamos nos referindo à formação material do Estado,
sua estrutura. São as variações existentes na combinação dos três elementos
morfológicos do Estado: povo, território e governo. São formas de Estado:

• Estado simples ou unitário: existe apenas um poder soberano. O governo possui


completa jurisdição nacional e não existem divisões internas. Ex.: França.

• Estado composto: união de dois ou mais Estados, que representam duas


esferas distintas de poder governamental e que obedecem a um regime jurídico
especial. É uma pluralidade de Estados perante o direito público interno, mas
no exterior se projeta como uma unidade. São tipos importantes de Estados
Compostos:

• Confederação: Estados independentes se juntam para fins de defesa externa


e paz interna. Na união confederativa, os Estados Confederados não sofrem
qualquer restrição à soberania interna, nem perdem a personalidade jurídica
de direito público internacional. Ex.: Estados Unidos da América do Norte e
Alemanha, que são hoje federados, mostrando a tendência de as confederações
evoluírem para federação ou se dissolverem.

• Federação: Estado formado pela união de vários Estados, que perdem a


soberania em favor do poder central da União Federal, que possui soberania
e personalidade jurídica de Direito Público Internacional. Exemplo: Brasil,
Estados Unidos da América do Norte, México.

3 O ESTADO DE DIREITO
O Estado de Direito é configurado como o sistema institucional. O
governo e o indivíduo, por exemplo, devem se submeter em respeito às normas
e direitos fundamentais. Dessa forma, desenvolve-se regulado e autorizado pela
ordem jurídica a fim de oferecer mecanismos para proteger os cidadãos de ações
abusivas do Estado. O propósito é carregar em si superioridade em relação à
autoridade pública.

21
UNIDADE 1 | CONCEITOS E FUNDAMENTOS DA CIÊNCIA POLÍTICA

Apresenta-se como oposição ao uso arbitrário de poder, não só como uma


concepção tradicional de ordem jurídica, mas também como um conjunto dos
direitos fundamentais. Deve ser considerado como uma forma de limitação de
autoridade em torno das liberdades públicas, democracia e papel do Estado.

Ao contrário das monarquias absolutistas de direito divino, ditaduras


e regimes, o Estado de Direito se apresenta ora liberal, ora social e, por fim,
democrático.

E
IMPORTANT

O arbítrio do Estado monárquico pode ser exemplificado pelo Rei Luiz XIV da
França, apelidado de “Rei Sol”, símbolo do poder pessoal com sua famosa frase: "O estado
sou eu” (l´État cést moi").

O Estado liberal de direito surge como a expressão jurídica da democracia


liberal após a Revolução Francesa de 1789 e encerrando o absolutismo da monarquia.
É guiado pela burguesia revolucionária, cujo lema era "Liberdade, Igualdade
e Fraternidade". Liberdade individual, igualdade jurídica e fraternidade com os
camponeses. Os capitalistas ansiavam por autonomia dos monarcas e nobres.

As principais características foram a não intervenção do Estado na


economia, validade do princípio da igualdade formal, implementação da Teoria
da Divisão dos Poderes de Montesquieu, supremacia da Constituição como
norma limitadora do poder governamental e garantia de direitos individuais
fundamentais. Foram denominados os "direitos de primeira geração". A
especialização de funções age em conjunto com o constitucionalismo, no que diz
respeito à delimitação do poder do Estado Moderno.

Com Montesquieu e seu O Espírito das Leis (1748) houve, a princípio, a


percepção de uma divisão de tarefas para melhorar o desempenho burocrático
do Estado. A ação não foi impulsionada como forma de estratégia para reduzir a
influência direta da autoridade estatal.

E
IMPORTANT

O poder do Estado é uno e indivisível. A função do poder se divide em três:


legislativa, judicial e a executiva. A teoria da "Separação dos Poderes" pressupõe a separação
ou divisão das funções ou competências do Estado.

22
TÓPICO 2 | CIÊNCIA POLÍTICA E TEORIA GERAL DO ESTADO

O princípio da igualdade formal buscava a sujeição de todos perante a lei,


acabando com qualquer discriminação. Todas as leis teriam conteúdo geral.

A partir da menor intervenção do Estado na economia, surge a ideia de


“Estado mínimo”, em defesa da ordem natural e econômica. É utilizada atualmente
com o Estado neoliberal, que busca proporcionar a condução da economia aos
capitalistas em ascensão através da prática de autorregulação do mercado.

Na doutrina liberal, direitos reconhecidos fundamentais são considerados


constitucionalmente e, portanto, invioláveis. Compreendem as liberdades
clássicas, tais como liberdade, propriedade, vida e segurança, denominados
também de direitos subjetivos materiais ou substantivos. O Estado social de
direito, em face ao absenteísmo do modelo clássico do liberalismo, cria conteúdo
social com a pretensão de agregar a busca do bem-estar social ao capitalismo.

A revolução russa de 1917 ocorre devido à exploração dos trabalhadores


e cria preocupação com a possível disseminação de seus ideais e valores. Como
dispositivo de defesa, surge o Estado social. Dessa demanda, surgiu o modelo de
welfare state neocapitalista após a Segunda Guerra Mundial.

Políticos passam a aceitar o intervencionismo estatal pensando nos


desfavorecidos. A intenção é criar uma fórmula para que o bem-estar e o
desenvolvimento social passem a nortear as ações do ente público, sem haver
a renegação dos valores e conquistas do liberalismo burguês e resguardando os
valores, levando em conta as condições do presente.

Para completar o objetivo, a igualdade formal teve que ser substituída pela
igualdade material, que procurava obter desenvolvimento e justiça social. Assim,
são necessários o crescimento e a elevação do nível cultural e mudança social.

Foram ampliados os direitos subjetivos materiais, criando os chamados


"direitos de segunda geração", compromissando o governante a proporcionar,
dentre outros, o direito a educação, saúde e trabalho, lazer e moradia. A lei passa
a ser, cada vez mais, específica e com destinação concreta, ao invés de abstrata e
de ordem geral. Dessa forma, atendendo mais a critérios circunstanciais.

A principal diferença, então, para a concepção clássica do liberalismo


é que, além dos limites, são acrescentadas obrigações positivas, mantendo o
respeito aos direitos individuais. O Estado democrático de direito surge com a
necessidade de acolher, confiavelmente, os desejos de democracia.

Como uma garantia para não compactuação com regimes incompatíveis


com a democracia, são instituídos os "direitos de terceira geração" na esfera
do respeito e conteúdo fraternal. São compreendidos por direitos coletivos,
dentre outros, o respeito ao meio ambiente, paz, autodeterminação dos povos e
moralidade administrativa.

O Estado passa a ter uma condição aprimorada do conteúdo social e de


existência, transpondo a postura de proporcionar uma vida digna e contemplando,
simbolicamente, a proteção da participação pública na ordem de implantação do
planejamento social.
23
UNIDADE 1 | CONCEITOS E FUNDAMENTOS DA CIÊNCIA POLÍTICA

Bonavides (2000) cita os "direitos de quarta geração" quando explica que


a globalização política, na esfera da normatividade jurídica, introduz os direitos
de quarta geração, que correspondem à derradeira fase de institucionalização do
Estado social.

Ao se apropriar do propósito democrático, o Estado de Direito tem como


escopo a igualdade. A lei se torna mecanismo de mudança e solidariedade das
pessoas, não mais ligada obrigatoriamente à sanção ou à promoção. A participação
social não se limita mais a formar as instituições representativas.

FIGURA 1 – MODELOS DE ESTADOS E SUA ESTRUTURAÇÃO

Estado Moderno

Estado Absolutista Estado Liberal

Estado legal Estado de Direito

Estado Liberal Estado Social de Estado Democrático


de Direito Direito de Direito

Conteúdo jurídico
Questão Social Igualdade
do liberalismo

Limitação da ação Transformação


Prestações positivas
estadual do status quo

Lei é a ordem geral Lei é instrumento Lei é instrumento


e abstrata; não de ação concreta do de transformação e
impedimento Estado solidariedade

Indivíduo Grupo Comunidade

Sanção Promoção Educação

Adaptação Reestruturação

FONTE: O autor

24
TÓPICO 2 | CIÊNCIA POLÍTICA E TEORIA GERAL DO ESTADO

LEITURA COMPLEMENTAR

NOTAS SOBRE O ESTADO MODERNO E A SEPARAÇÃO DE PODERES

Nelson Nogueira Saldanha

O Estado: stato, état, Stata, Estado, state etc. Um termo extremamente


conhecido e de trânsito livre no vocabulário do homem comum, bem como no
dos especialistas, e que entrou nesse vocabulário durante os séculos modernos,
especialmente com a alusão de Maquiavel aos stati, no início de O Príncipe.

O Estado é visto como fenômeno universal (quase um “universal da


cultura”), no sentido de estrutura de poder dominante para determinado povo.
A ideia, presente em tantos autores, segundo a qual não teria havido Estado na
Idade Média (Ocidental), é confirmada pela dispersão do poder em diversos
“centros”, submetidos afinal ao poder maior do Papado e da Igreja. Daí que certos
professores, como Hermann Heller e Ernst Forsthoft, tenham identificado a teoria
do Estado como algo referido ao Estado moderno.

Este é, de resto, um tema de interesse permanente para os estudiosos: o


Estado como ordem política e como ordem jurídica. A ordem, no Estado, como
fundamento de seu surgimento histórico e de seu conforto social e também como
organização de normas e de competências decisórias.

Uma duplicidade que pode trazer inquietação para o tratadista, e que


se apresenta ao observador como referência permanente, seja nas teocracias do
Oriente Antigo, seja nas democracias dos séculos XX e XXI (SALDANHA, 2003).

Como se sabe, um dos modos de aludir ao problema, inclusive por parte


de pensadores ou de observadores mais descomprometidos, tem sido o de
entender a divisão do poder, sua participação, como um processo jurídico, ao
menos latentemente jurídico.

Outro problema, porém, que aí permanece, é que a colocação de uma


estrutura jurídica no poder implica um poder de decisão realmente suficiente.
Divide et impera sempre foi mais estratégia política do que preceito jurídico.

Contudo, a Idade Média nos legou uma imagem clara do direito como algo
provido de validade peculiar: o jus como referência necessária para a medida dos
atos de poder. Fica dito “medida”, em verdade, aludindo a um dos sentidos de
nomos: para Schmitt, medida espacial, ligada ao “assentamento” e à “ordenação”
(SCHMITT, 1979).

O Estado Moderno herdou a ambígua imagem da conexão entre o direito


e o poder. Destarte, o dito absoluto aproveitaria, de acesso de frases romanas, do
dito lex est quod ad princeps placuit, como o Estado dito constitucional citaria salus
populí summa lex esto.

25
UNIDADE 1 | CONCEITOS E FUNDAMENTOS DA CIÊNCIA POLÍTICA

É curioso que, em relação à permanência da ligação entre o Estado e o


direito, a sucessão de fases (ou tipos históricos) daquele não corresponde às
formas históricas deste. É raro falar em um “direito liberal” e outro social, salvo
em um sentido diferente. Aliás, a discrepância já seria uma base para a tese da
identificação entre direito e Estado ser recusada.

Nos tempos ditos modernos, a história dos homens de carne e osso


está cada vez mais ligada à presença do Estado: poder, poderes, legislação,
terminologia, problemas tributários, problemas de ética política, tudo realçado
pelo olho implacável da imprensa.

Mac Ilwain considera correlatos os termos jurisdictio (de Bracton) e politicum


(de Fortescue). O paralelo, que no fundo remete à complementaridade entre o
político e o jurídico, situa o problema em termos que em verdade permanecem.
Será o caso de ser acrescentada uma referência ao excelente estudo de Hermann
Heller, contido em seus Escritos Políticos (1984).

Vale insistir sobre o paralelo entre o advento do Estado constitucional,


que é o “liberal” encarado sob prisma específico, e a formação da própria ciência
jurídica contemporânea. Ao mencionar o famoso debate Thibaut–Savigny sobre a
codificação, citamos a frase de Koshaker (em seu livro Europa und das roemischen
Rechts), conforme a qual a chamada ciência do direito seria historicamente um
produto made in Germany.

Temperemos a frase: os alemães, sobretudo com a Pandectística, criaram


uma ciência do direito e os franceses criaram outra, produto cartesiano da Escola
da Exegese. Há uma convergência do espírito do Ocidente para um modelo que
se tornaria, de certo modo, universal.

Para o referente ao socialismo, ou aos socialismos, valerá lembrar as


dificuldades doutrinárias provenientes da crença na extinção do Estado. Marx
e Engels tentaram abolir toda conotação utópica dentro da ideia do Estado
socialista, conotação retomada no século XX inclusive por Ernst Bloch com seu
“Princípio Esperança” (BLOCH, 1959).

A utopia prosseguiu, dispersa e diminuída, no meio dos debates sobre


justiça social e coisas afins. Com efeito, a força do pensamento utópico sempre foi
grande e desde a antiguidade se formulam utopias, inclusive a de Hipódramo e
a de Platão.

Com as utopias do Renascimento aquele pensamento ressurgiu vigoroso


e dentro do Romantismo (ou no período que o antecipa) as utopias se formulam
de modo muito característico e quase sempre – vale acentuar – como propostas
urbanísticas. Vale acentuar também que eram propostas as de Bentham, de Owen, de
Saint-Simon, de Fourier e outros, que previam comunidades não muito numerosas.

26
TÓPICO 2 | CIÊNCIA POLÍTICA E TEORIA GERAL DO ESTADO

Urbanismo: o arquétipo cidade, desafio e fascínio para os habitantes da


floresta e os do deserto, desde os inícios. O arquétipo cidade vinculando à imagem
do próprio Estado, muitas vezes confundindo-se no espaço com as duas coisas,
ambas se ligando à ideia milenar do reino e do poder real e com suas projeções:
a segurança, a justiça, os contornos da vida. Para evocar novamente a frase de
Weber, o “monopólio do uso legítimo da violência”.

Quero retomar, embora sem alongar-me, para a observação ali feita, que
distingue em Il príncipe um “historiador pragmático” e na Republique de Bodin
um jurista sistemático, apontado no Leviathan como um filósofo com ponderável
veia metafísica e com uma visão do homem um tanto negativa.

Diria que a época era de revisões filosóficas, e que a antropologia política


de Hobbes traduziu um realismo profundo (realismo também em Maquiavel,
mas com outro sentido). Quanto a Bodin, com efeito, foi homem de preocupações
metodológicas, apto para a visão estrutural do fenômeno do Estado (mencionado
como “republica”). Interessante também o amplo estudo de Pocock (1975).

O livro de Meinecke, publicado em 1924, Die Idee der Staatsraeson in der


neueren Geschichte, marcado por um certo europocentrismo, ficou de qualquer
sorte, pela força de seu texto, como o grande chamamento ao tema.

FONTE: NOGUEIRA SALDANHA, Nelson. Notas sobre o Estado Moderno e a separação de


poderes. Duc in Altum, Recife, v. 3, n. 4, p. 193-198, jul. 2008. Disponível em: <http://faculdadedamas.
edu.br/revistafd/index.php/cihjur/article/view/131/122>. Acesso em: 9 jul. 2018.

27
RESUMO DO TÓPICO 2
Neste tópico, você aprendeu que:

• Teoria Geral do Estado é matéria do campo jurídico, são os estudos que


aparecem cronologicamente em tempo posterior ao pensar dos cientistas
políticos. É a aplicação dos resultados obtidos na Ciência Política.

• Sociedade é um grupo de indivíduos reunidos e organizados em determinado


território geográfico e com um objetivo em comum.

• Para um agrupamento humano ser considerado sociedade, é necessário:


finalidade ou valor social, manifestações de conjunto ordenadas e poder social.

• Povo é um conjunto de indivíduos sob o mesmo regime de normas, possuidor


de direitos e deveres.

• Território é a base geográfica onde um Estado exerce seu poder coercitivo nos
seus cidadãos. É materialmente formado pela terra firme.

• Governo é o conjunto das funções necessárias à manutenção da ordem jurídica


e da administração pública.

• Soberania é o poder de se organizar juridicamente e de fazer valer, dentro do


seu território, a universalidade de suas normas.

• Confederação são estados independentes e que se juntam para fins de defesa


externa e paz interna.

• Federação: Estado formado pela união de vários Estados, que perdem a


soberania em favor do poder central da União Federal.

28
AUTOATIVIDADE

1 O Estado Moderno divide suas funções em três aspectos. As funções de


administrar o Estado e visar aos seus objetivos concretos dizem respeito à
função exercida pelo poder:

a) Estatal.
b) Judiciário.
c) Executivo.
d) Legislativo.

2 O tríplice aspecto da Teoria Geral do Estado abrange os aspectos:

a) Sociológico, Político e Jurídico.


b) Sociológico, Político e Filosófico.
c) Sociológico, Filosófico e Jurídico.
d) Político, Jurídico e Filosófico.

29
30
UNIDADE 1
TÓPICO 3

GOVERNO, CONSTITUIÇÃO E DEMOCRACIA

1 INTRODUÇÃO
Neste tópico, serão desenvolvidas apreciações sobre as ideias de governo,
Constituição e democracia. A conceituação desses adventos institucionais é de
grande importância no estudo da Ciência Política, uma vez que são parte central
para o entendimento e persecução dos objetivos.

Assim, será levantado um breve histórico sobre a criação da Constituição


em nosso país. Ainda, discutiremos as ideias do poder constituinte e as formas e
sistemas de governo previstos ao longo da história.

2 CONSTITUIÇÃO E DEMOCRACIA
Com a proclamação da Constituição da República Federativa do Brasil,
em 1988, é instituído o Estado Democrático de Direito proveniente do movimento
constitucionalista vindo no segundo pós-guerra.

A busca em estabelecer uma sociedade livre, justa e solidária, relacionando-


se com diferentes culturas, etnias e a pluralidade de ideias, procura assegurar a
presença do povo. Concebe a soberania popular como garantia geral dos direitos
fundamentais da pessoa humana. Além de um puro instrumento de governo, a
Constituição emerge como um plano de normas sociais, fundamentos de uma
sociedade. Segundo Streck e De Morais (2014, p. 81):
Não compreende somente um “estatuto jurídico e político”, mas
um “plano global normativo” da sociedade e, por isso mesmo, do
Estado brasileiro. Daí ser ela a Constituição do Brasil, e não apenas a
Constituição da República Federativa do Brasil.

Dessa forma, a gestão assegura a participação das pessoas na política


nacional e também procura todas as maneiras possíveis para garantir a
manutenção e totalidade dos direitos essenciais da pessoa humana.

31
UNIDADE 1 | CONCEITOS E FUNDAMENTOS DA CIÊNCIA POLÍTICA

Agrega-se às noções que pertencem a três formas de governo que foram


estudadas: liberal, social e democrático. Modera os poderes do Estado, propicia
atenção aos direitos individuais e sociais e recusa todo regime de governo
autoritário, estimulando a atuação dos cidadãos.

Com o desenvolvimento dos costumes, estabelecidos pela ordem jurídica e


proclamados por cada uma das novas sustentações estatais, é feita uma escala com
as “gerações de direitos”. A leitura não somente deve englobar aspectos literais.

Deve levar em consideração, também, o significado histórico, sistemático e


os motivos pelos quais ela existe. O objetivo precisa ser o de alcançar o que propôs
o legislador, de forma que não se direcione a um fim descabido ou antiquado.

Sendo assim, o poder público deve agir de forma dirigida e precaver as


necessidades ao estabelecer, de antemão, políticas que consolidam os direitos
humanos, protegendo os direitos de minorias étnicas, raciais, religiosas e sexuais.

Para que seja iniciada uma busca pela equiparação, é necessário um


aumento anterior na participação democrática, pois a desigualdade exige um
sistema não participativo para que se mantenha sua condição.

A mudança de consciência da população e a mitigação de desigualdades


sociais e econômicas culminam na igualdade necessária para manutenção de um
sistema participativo. Dessa forma, há um aumento no engajamento e é criada a
legitimação na tomada de decisões.

Além da declaração de direitos do liberalismo clássico e da garantia do


Estado social, surge a necessidade de concretização. Então, após a etapa dos
direitos individuais do Estado liberal (fase Declaratória dos Direitos) e dos
direitos sociais do Estado social (fase Garantidora dos Direitos), é chegada a fase
dos direitos fraternais. O Estado democrático de direito (fase Concretista dos
Direitos) amplia o conceito social e adota uma postura proativa.

Assim, o objetivo é tornar a sociedade um meio pelo qual as distâncias


sejam encurtadas e que haja respeito em relação a raça, cor, sexo, idioma, religião,
opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza,
nascimento, ou qualquer outra condição.

Para ilustrar essa reforma social, analisamos a aplicação e interpretação


da norma jurídica em conformidade com a Constituição de 1988 e podemos
representar, resumidamente, os postulados do Princípio da Dignidade da Pessoa
Humana com o fluxograma a seguir:

32
TÓPICO 3 | GOVERNO, CONSTITUIÇÃO E DEMOCRACIA

FIGURA 2 – DIREITOS FUNDAMENTAIS

Direito Sociais Genéricos


(art.6°, CF/88 - plano do ter - Igualdade Material)

Princípio da Dignidade da Pessoa Humana


Estado Democrático de Direito Brasileiro
(art.1°, III, CF/88)

Direitos Fraternais Concretização dos Direitos Individuais


(art. 4°, I e IV, CF/88 - plano do respeitar - Fraternidade). (art.5°, CF/88 - plano do ser - Liberdade)

FONTE: O autor

Objetivando que o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana seja


instaurado em nossa composição, necessitamos que tais normas tenham
eficácia social, e não basta somente o vigor das denominadas "leis dirigentes ou
programáticas".

Essa eficácia social se dá conforme comprometimento direto de todo o


corpo social e dos juristas por meio da verificação dos ensinamentos da moral,
respeito, honestidade e fraternidade.

3 O PODER CONSTITUINTE
A Constituição é a lei fundamental de um determinado Estado, lei esta
que emana do poder soberano desse Estado. No caso dos países democráticos,
esse poder soberano é o povo. O poder constituinte é um dos cargos desse poder
de soberania, é o poder de instituir, reconstituir ou modificar a ordem jurídica
vigente no Estado. Para exercer as funções citadas, o poder soberano, o povo
utiliza representantes eleitos, denominados de Assembleia Constituinte.

A Assembleia Constituinte é caracterizada pela capacidade que a


sociedade tem de traçar os princípios pelos quais deseja nortear a vida de seus
cidadãos. Afinal, é justo que os cidadãos possam determinar os preceitos que irão
fundamentar a ordem jurídica de seu Estado. Eles possuem o poder soberano.

33
UNIDADE 1 | CONCEITOS E FUNDAMENTOS DA CIÊNCIA POLÍTICA

E
IMPORTANT

O Direito caminha atrás da sociedade, que está em constante mudança. Logo,


é importante que a soberania nacional esteja sempre atenta para adequar os princípios
basilares da ordem jurídica à vida dos cidadãos.

Falamos anteriormente sobre as três funções do Estado. Então, é importante


fixar que a Assembleia Constituinte se difere das assembleias legislativas. Ocorre
que a primeira é transitória e possui poder ilimitado. Uma vez em atividade, ela
exerce o poder soberano em sua plenitude. Já as assembleias legislativas são fixas
e essenciais em sua função para a manutenção do Estado.

A Assembleia Constituinte será reunida em casos com a necessidade de


criar, restabelecer ou reformar a ordem jurídica e/ou política de determinada
sociedade civil. Como já vimos, a assembleia tem caráter transitório, ou seja,
uma vez cumprida a sua função, após promulgação e publicação de novo teor da
Constituição, a assembleia se dissolverá.

Contudo, quem são os representantes do povo na Assembleia Constituinte?


Nos Estados democráticos, como já vimos, o povo é titular do poder constituinte.
Os titulares desse poder são os cidadãos possuidores de legitimidade, que se
expressam de maneira direta ou representativa, por meio do sufrágio universal.
O poder constituinte pode ser classificado em originário ou derivado:

• Poder constituinte originário: é caracterizado por ser inicial (concebe uma nova
Constituição), ilimitado (não é limitado pela ordem jurídica anterior à formação),
autônomo (não precisa respeitar limites de direito positivo anterior) e incondicionado
(não precisa seguir formas prefixadas para manifestar suas pretensões).

A criação de uma Constituição inteiramente nova, que anulará a


Constituição anterior, instituindo uma nova ordem jurídica para a sociedade,
será sempre obra do poder constituinte originário.

• Poder constituinte derivado: é caracterizado por ser derivado (busca sua força
no poder constituinte originário), subordinado (encontra limitações em normas
tanto expressas quanto implícitas no texto constitucional anterior) e condicionado
(ao praticar sua função, deve seguir as regras da Constituição vigente).

As mudanças possíveis em uma Constituição vigente, que ampara


novas indigências da população, sem necessidade de recorrer a caminhos
revolucionários ou ao poder constituinte originário, serão sempre obra do poder
constituinte derivado. O poder constituinte derivado pode aparecer de maneira
reformadora ou decorrente.

34
TÓPICO 3 | GOVERNO, CONSTITUIÇÃO E DEMOCRACIA

Quando reformador, é exercido por órgãos de caráter representativos. No


Brasil, é o Congresso Nacional. Essa reforma só é possível para as constituições
escritas através de um processo legislativo solene. Cabe aqui fixar o Art. 60,
parágrafo 4º da Constituição Brasileira (BRASIL, 2000):
Art. 60, § 4º C.F Não será objeto de deliberação a proposta de emenda
tendente a abolir:
I - a forma federativa de Estado;
II - o voto direto, secreto, universal e periódico;
III - a separação dos Poderes;
IV - os direitos e garantias individuais.

Na sua forma decorrente, o poder constituído derivado incide na


capacidade de auto-organização que os estados membros possuem através da
autonomia política e administrativa concebida. Esse poder ocorre por meio
das constituições estaduais, sempre respeitando as regras estabelecidas na
Constituição Federal.

4 FORMAS E SISTEMAS DE GOVERNO


São formas de governo a maneira como o poder de um Estado se organiza
e exerce suas funções. As formas determinam a situação jurídica e social dos
cidadãos em relação às autoridades de seu país. Dentre as formas de governo,
vamos estudar monarquia e república.

Na monarquia, o governo é representado por apenas um indivíduo, que


ocupa o seu cargo em caráter vitalício, cargo este que está sujeito à sucessão
hereditária. O governante deve governar em prol do bem geral.

Algumas características são fundamentais para se estabelecer um


governo monárquico: vitaliciedade (o monarca governa enquanto viver),
hereditariedade (a escolha do monarca ocorre por linha sucessória) e
irresponsabilidade (o monarca governa sem necessidade de responsabilidade
política, não deve explicações ao povo).

Diferentemente da monarquia, que concentra o governo em uma única


autoridade, na República temos um governo que remete à coletividade. O
exercício da soberania e o poder pertencem ao povo. Os representantes são vários
e eleitos pelo povo para exercerem um mandato previamente fixado.

As características diferenciadoras da república também são três:


temporariedade (os mandatos das autoridades de governo possuem prazo
predeterminado), eletividade (os governantes são eleitos pelo povo, não existe
sucessão hereditária) e responsabilidade (os governantes devem explicações ao
povo). É a forma de governo brasileira.

35
UNIDADE 1 | CONCEITOS E FUNDAMENTOS DA CIÊNCIA POLÍTICA

Diferentemente das formas de governo, que dizem respeito à organização


do poder do Estado, denominamos como sistemas de governo a organização
política e social. Sistema de governo diz respeito à organização dos poderes
Executivo e Legislativo. Sobre sistemas de governo, vejamos parlamentarismo e
presidencialismo:

No parlamentarismo, existe um chefe de Estado representando sem


responsabilidade política (rei ou presidente da república) e um chefe de governo
(primeiro-ministro) que é de fato o governante do Estado.

O Parlamento, normalmente, é dividido em duas Casas (ou Câmaras),


sendo elas as chamadas Câmara Alta (membros escolhidos por via indireta, com
poderes limitados) e Câmara Baixa (membros resultantes do sufrágio universal,
exercem controle de governo).

No Brasil, o sistema de governo é o presidencialismo. Um sistema caracterizado


pela separação de poderes, fator que favorece a especialização do exercício de
governo. Nesse sistema, a administração se concentra na figura do presidente da
República, que exerce a função de Chefe de Estado e de Chefe de Governo.

36
TÓPICO 3 | GOVERNO, CONSTITUIÇÃO E DEMOCRACIA

LEITURA COMPLEMENTAR

DEMOCRACIA, CONSTITUIÇÃO E PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS:


NOTAS DE REFLEXÃO CRÍTICA NO ÂMBITO DO DIREITO
CONSTITUCIONAL BRASILEIRO

Ruy Samuel Espíndola

A teoria da constituição, basicamente, tem relacionado democracia


e constituição em duas importantes perspectivas: a primeira, colocando a
democracia como princípio legitimador da constituição; noutra, abordando a
democracia como princípio jurídico integrante da constituição, ou seja, como
princípio constitucional encartado na ordem jurídica.

Devemos avaliar, pela primeira perspectiva, se a feitura do texto


constitucional, o processo constituinte e o texto como resultado desse processo são
ou não democráticos ou se correspondem a níveis de democraticidade esperáveis
segundo as circunstâncias de cada jogo político armado pelas comunidades
organizadas em Estados.

Pela segunda, devemos compreender as consequências normativas,


teóricas e dogmáticas ao termos a democracia como norma jurídica ordenadora da
vida do Estado, da sociedade e dos cidadãos. São questionadas as consequências
práticas da democracia como princípio constitucional, informando a
compreensão, produção e aplicação do direito positivo como princípio normativo
heterodeterminante da ordem jurídica globalmente considerada.

Exemplo de norma constitucional com tal conteúdo se deduz da cabeça


do Art. 1º de nossa Constituição da República, sendo que, ao longo do texto,
encontraremos os subprincípios e regras densificadoras do princípio democrático
(e. g., preâmbulo, arts. 1º, V; 5º, VIII; 7º, XI, última parte; 10; 11; 14; 17; 23, I; 27; 29,
I; 34, VII, letra "a"; 45; 46; 47; 58, § 1º; 77; 81; 90, II; 96, I, letra "a", primeira parte;
103; 127, caput; 206, II, III, primeira parte e VI).

Na esteira da última perspectiva, a teoria do direito público também se ocupa


com a democracia e com seus enraizamentos constitucionais. A juspublicística
se preocupa em reconhecer na democracia um princípio reconstrutor do direito
público, um princípio em torno do qual se encabeçam e se estruturam todas as
normas atinentes ao grande ramo do direito positivo. Essas perspectivas teóricas
oferecem interessantes aportes à análise de nossa lei fundamental.

Todavia, outra é a nossa perspectiva neste trabalho, pois queremos


demonstrar que, apartados da ideia de constituição e da juridicidade superior
dos princípios constitucionais, o conceito de democracia e a sua práxis são
incompletos e inseguros. Nossa tese parte da premissa de que a realizabilidade
da democracia tem como exigências necessárias a efetividade da constituição, o
respeito à constituição e o acato da força normativa de suas regras e princípios.
37
UNIDADE 1 | CONCEITOS E FUNDAMENTOS DA CIÊNCIA POLÍTICA

Assim, queremos desenvolver as seguintes questões: qual a relação


necessária entre princípios constitucionais, constituição e democracia? Qual
a possível resultante de uma problematização desses conceitos em face de
problemas colocados pela realidade institucional? E o que essas ideias têm a ver
com a proteção da cidadania e da dignidade da pessoa humana através de uma
postura que preze a força normativa da constituição?

Melhor dizendo, como a incompreensão, a irrealização desses conceitos


no plano da vida, frustrando a força normativa da constituição, podem fragilizar
a defesa dos direitos e interesses das pessoas humanas em face das realidades
arredias às normativas principiológicas e regrísticas da ordem constitucional?

A tomada de rumo implica que passemos a discorrer sobre os conceitos que


compõem o título de nosso trabalho, ou seja, analisaremos a ideia de democracia,
constituição e princípios constitucionais.

Por necessidade de bom método didático, comecemos pela ideia de


democracia - de democracia contemporânea. Dela enfatizaremos o aspecto que
mais nos interessa para os fins deste trabalho.

A ideia de democracia não é mais tomada somente como a regra da


maioria, o governo do maior número. Uma tal ideia, levada a extremos, poderia
fazer com que uma maioria circunstancial revogasse a própria regra da maioria e
colocasse o poder decisório na mão de um único homem, ou de um restritíssimo
grupo de homens.

A história é repleta de tais exemplos, sendo desnecessário aqui retomá-


los. Todavia, a proposta esdrúxula da constituinte, tão bem combatida por Paulo
Bonavides, consiste em exemplo vivo e atual do problema.

Uma concepção mais dilatada, que entende a regra da maioria como


um elemento importante do conceito de democracia, mas não preponderante,
advoga a tese de que, para um adequado conceito de democracia, é necessário
um mínimo de regras institucionalizadas, que estabeleçam quem está autorizado
a tomar decisões coletivas e com quais procedimentos.

É a ideia de democracia como um mínimo de regras do jogo político para o


exercício do poder. Essa é a concepção profligada por Norberto Bobbio. Todavia,
entende esse mesmo autor que só essa ideia ainda não é capaz de fomentar uma
tendencial convivência democrática.

Hoje se firma, no pensamento político, a ideia de que a democracia


pressupõe a crença, a convivência e os costumes sociais e políticos perspectivados
sob o apanágio e a inspiração de valores. A democracia orientada segundo
diretivas axiológicas e normativas. A democracia como um conjunto de ideias, de
ideais, de princípios (éticos, políticos e jurídicos) ordena a vida do povo e os fins
da ação pública do Estado.

38
TÓPICO 3 | GOVERNO, CONSTITUIÇÃO E DEMOCRACIA

É a democracia fundada na ideia do consenso estabelecido não só pela


confluência do número de decisores, mas também pela eleição e autovinculação
do consenso em torno do razoável.

Essa ideia do razoável fundando o consenso instituinte da democracia


contempla a ideia da democracia justa, da democracia edificada e vivida sob a
égide dos direitos humanos, cujo fundamento seria a igualdade absoluta de todos
os homens.

Assim, para este trabalho, importa afirmar que a democracia, ou o seu


aspecto que aqui mais deve grassar, é o de que ela representa uma convivência
comunitária fundada à luz dos direitos humanos e na perspectiva de assegurá-
los, com real eficácia a todos os homens em suas dignidades de pessoas humanas.

Democracia constitucional que, para a consecução desses fins, serve-se dos


princípios jurídicos assentados nas constituições, dos princípios constitucionais
integrantes da ordem jurídica.

FONTE: ESPÍNDOLA, Ruy Samuel. Democracia, constituição e princípios constitucionais: notas de


reflexão crítica no âmbito do direito constitucional brasileiro. Resenha eleitoral, Santa Catarina, v.
9, n. 2, p. 18-28, jul. 2002. Disponível em: <http://www.tre-sc.jus.br/site/resenha-eleitoral/revista-
tecnica/edicoes-impressas/integra/2012/06/democracia-constituicao-e-principios-constitucionais-
notas-de-reflexao-critica-no-ambito-do-direito-constitucional-brasileiro/indexc692.html?no_
cache=1&cHash=b7bf79b129bc42f148fe4b5e477aa8bf>. Acesso em: 9 jul. 2018.

39
RESUMO DO TÓPICO 3
Neste tópico, você aprendeu que:

• O poder constituinte é o poder de instituir, reconstituir ou modificar a ordem


jurídica vigente no Estado.

• A Assembleia Constituinte se caracteriza pela capacidade que a sociedade tem


de traçar os princípios pelos quais deseja nortear a vida de seus cidadãos.

• A Assembleia Constituinte se difere das assembleias legislativas.

• É forma de governo a maneira como o poder de um Estado se organiza e exerce


suas funções.

• Na monarquia, o governo é representado por apenas um indivíduo que ocupa o


seu cargo em caráter vitalício, cargo este que está sujeito à sucessão hereditária.

• Na república, temos um governo que remete à coletividade. O exercício da


soberania e o poder pertencem ao povo.

• Diferentemente das formas de governo, que dizem respeito à organização


do poder do Estado, denominamos como sistemas de governo a organização
política e social do Estado.

• No Parlamentarismo, existe um chefe de Estado representando o Estado


sem responsabilidade política (rei ou presidente da república) e um chefe de
governo (primeiro-ministro) que é de fato o governante do Estado.

• Aqui no Brasil, o sistema de governo é o Presidencialismo. Neste sistema, a


administração se concentra na figura do Presidente da República, que exerce
tanto a função de Chefe de Estado quanto de Chefe de Governo.

40
AUTOATIVIDADE

1 Elabore um fluxograma com as principais diferenças entre os sistemas e


formas de governo.

2 Ao estudar o presente tópico, podemos entender o porquê da necessidade


da democracia em um Estado regrado constitucionalmente. Explique
quais elementos foram fundamentais para o aumento no engajamento da
população em busca de um sistema democrático.

41
42
UNIDADE 1
TÓPICO 4

PARTIDOS POLÍTICOS NO BRASIL

1 INTRODUÇÃO
Neste tópico, estudaremos uma introdução básica sobre como se deu a
organização do sistema de partidos políticos e como ele se encontra estruturado
hoje em nosso país. Assim, serão levantados conceitos importantes dentro do
sistema eleitoral, como o de voto. Ainda, também identificaremos a diferença
entre os partidos políticos e como eles se enquadram dentro dos diferentes tipos
de sistemas partidários.

2 SISTEMA ELEITORAL
O voto público está hoje completamente rejeitado. É um sistema tido
como antidemocrático, porque possibilita intimidação, corrupção, exploração
econômica e tudo que conduz à desmoralização da democracia representativa.

O voto secreto proporciona mais liberdade ao eleitor, suspende o medo de


violências, pressões, reduz as possibilidades de corrupção e permite uma apuração
confiável da verdade eleitoral, legitimando e assegurando o regime democrático.

Votar é tido como um direito, além de ser um ato de exercício da soberania


nacional. Algumas correntes doutrinárias interpretam o sufrágio como função
social. O sufrágio, como direito, deve ser universal; como função social, tende a
ser restrito e qualitativo.

É encarado como direito individual e, também, como função social. O


caráter de função social resulta da obrigatoriedade do voto. O método atual
utilizado pelo Sistema Eleitoral no Brasil é determinado pela Constituição de
1988, além de ser regulado pelo Tribunal Superior Eleitoral.

São já estipulados pela Constituição três sistemas eleitorais distintos, que


são detalhados no Código Eleitoral: eleições proporcionais para a Câmara dos
Deputados, eleições majoritárias com um ou dois eleitos para o Senado Federal e
eleições majoritárias em dois turnos para presidente e demais chefes do Executivo
nas outras esferas. Os votos distritais e proporcionais são as duas formas de
governo comumente encontradas nas democracias ocidentais modernas.

43
UNIDADE 1 | CONCEITOS E FUNDAMENTOS DA CIÊNCIA POLÍTICA

O voto distrital funciona com sistema majoritário. A representação


procura assegurar a eleição de quem obtiver a maior quantidade de votos de
representantes distritais. Não é possível votar em um candidato de outro distrito.
Vence o candidato com maioria, não importando a porcentagem. Um município é
dividido em distritos e cada partido pode lançar apenas um representante. Vence
aquele que tiver mais votos válidos.

O sistema proporcional, usado para a eleição dos cargos de deputado


federal, deputado estadual e vereador, considera os votos por legendas. O sistema
significa mais para partidos e coligações do que para os candidatos.

De acordo com o número de votos válidos, é feita uma divisão pelo


número de cadeiras e o resultado, denominado “quociente eleitoral”, indicará
quantos votos serão necessários para a ocupação da vaga. Sem o quociente, o
partido não terá direito a nenhuma cadeira.

Feita a conta, são conferidos quantos votos cada partido obteve, dividindo-
se a quantidade de votos obtidos pelo quociente. A partir do resultado, é obtido o
número de cadeiras que o partido terá direito no parlamento. Para Presidente da
República, governador e prefeito, as eleições acontecem de quatro em quatro anos.

No caso do Senado, as eleições também acontecem de quatro em quatro


anos, porém são 81 vagas (três para cada Estado e mais três para o Distrito Federal).
A cada eleição, a Casa renova, alternadamente, um terço e dois terços do total.

Quando dois senadores são eleitos para cada Estado, é utilizado o


sistema de escrutínio (apuração de votos) majoritário plurinominal. Nesse caso,
os eleitores votam nos dois candidatos de sua preferência e os dois com maior
votação são eleitos.

E
IMPORTANT

A função do Poder Executivo é a de executar as leis e administrar o Estado. Já o


Poder Legislativo cuida da elaboração das leis e da fiscalização contábil e política do Poder
Executivo. Por sua vez, o Poder Judiciário aplica a lei ao caso concreto nos casos de conflito.

No Brasil, desde a Constituição de 1988, é definido que o sistema eleitoral


brasileiro para cargos de chefia do Poder Executivo funciona com o sistema
majoritário, ou seja, com maioria absoluta. Para vencer, o candidato deve ter mais
de 50% dos votos válidos, ou seja, descontados os votos em branco e os votos nulos.

44
TÓPICO 4 | PARTIDOS POLÍTICOS NO BRASIL

Caso o primeiro colocado consiga somar mais do que todos os demais


candidatos juntos, ele será eleito. Caso contrário, será necessário que seja
realizado um segundo turno, que contará apenas com os dois primeiros
colocados. Então, certamente com maioria simples de votos, um deles atingirá
mais da metade dos eleitores.

Notamos que não importa a porcentagem dos votos nulos ou em branco para
que o candidato seja eleito, uma vez que tais votos são excluídos da contagem. Nos
casos de cidades com menos de 200 mil eleitores, vence o candidato com maioria
simples, ou seja, maior número de votos válidos em apenas um turno de eleição.

E
IMPORTANT

Não é verdade a afirmação de que a eleição seria anulada caso existissem mais
de 50% dos votos nulos ou brancos. Esses votos não atuariam no resultado das eleições.

3 PARTIDOS POLÍTICOS E SISTEMAS PARTIDÁRIOS


Em um sistema democrático, algumas questões podem se tornar
problemáticas se pensarmos nos anseios e vontades dos cidadãos. Cada indivíduo
possui preferências sobre seu tipo de pessoa e ideologia.

Com as diferentes ideias sobre o representante ideal para cada cidadão,


são formados grupos de indivíduos que pensam da mesma maneira e, assim,
entram em disputa com os grupos de ideais divergentes.

Denominamos de partidos políticos as alianças de cidadãos unidos por


determinada ideologia política. São agrupados de maneira organizada por meio
de instituições políticas possuidoras de personalidade jurídica de direito privado.
O sistema partidário de um Estado pode ser classificado em relação ao número de
partidos existentes dentro dele, podendo esse sistema ser:

• De partido único: existe apenas um partido no Estado. Os debates políticos


acontecem dentro do partido. O partido único segue princípios rigorosos e
inflexíveis e só existem discussões em relação aos aspectos secundários.

• Bipartidário: dois grandes partidos se alternam na governança do Estado.


Todavia, não estão excluídos da existência os partidos que permanecerem
pouco expressivos. Exemplos: Inglaterra e os Estados Unidos da América.

45
UNIDADE 1 | CONCEITOS E FUNDAMENTOS DA CIÊNCIA POLÍTICA

• Pluripartidário: vários partidos igualmente capacitados para poderem


conquistar mandatos para seus candidatos. Esse sistema aumenta a
intensidade das divergências de opiniões, resultando em uma impossibilidade
de coexistência e acarretando na criação de cada vez mais partidos. O cerne
das ideias partidárias é dividido entre o econômico, o social e o religioso. Em
relação às maneiras de atuação dos partidos, estas podem ser:

• Partidos nacionais: possuem adeptos em número abundante em todo o


território do Estado. São partidos de grande expressão nacional.

• Partidos regionais: o campo de atuação se limita a determinada região do


Estado. Tanto os líderes quanto os eleitores desses partidos se sentem agradados
com a conquista do poder político nessa determinada região.

• Partidos locais: são os de âmbito municipal. Norteiam sua atuação por


interesses locais e cobiçam a aquisição do poder político municipal.

O agrupamento em partido faz prevalecer, no Estado, a vontade social


preponderante. É importante ressaltar que os partidos políticos, algumas vezes, se
transformam em instrumentos para a conquista do poder, perdendo o real significado
do princípio de sua criação. Hoje em dia, a atuação dos seus membros, por vezes, não
se enquadra honestamente com os ideais enunciados no programa partidário.

46
TÓPICO 4 | PARTIDOS POLÍTICOS NO BRASIL

LEITURA COMPLEMENTAR 1

RESPONSABILIDADE ELEITORAL

Damiana Torres
Frederico Alvim

O Direito Eleitoral pode ser entendido como uma ciência do Direito que se
dedica ao estudo das normas e dos procedimentos que organizam e disciplinam
o funcionamento do poder de sufrágio popular, de modo que se estabeleça a
precisa equação entre a vontade do povo e a atividade governamental.

Falar em Direito Eleitoral nos leva, automaticamente, a falar em democracia


que se baseia no povo. Há a responsabilidade da população de contribuir para a
vida política do país de forma digna e a responsabilidade dos governantes de
conduzirem o país de maneira íntegra.

A responsabilidade do ato de governar e, inclusive, de ser governado,


envolve razão, ética, honestidade, moralidade, probidade e inúmeras outras
características, as quais também integram o que se entende por responsabilidade
eleitoral que, por sua vez, envolve deveres, regras, sanções e restrições atinentes
ao Direito Eleitoral.

Ao analisar criticamente a responsabilidade eleitoral, é possível dizer que


ela se interessa muito mais pela mácula do pleito do que pela penalização dos
sujeitos que, ocasionalmente, possam violá-lo.

Por meio da responsabilidade, é possível imputar, para determinada


pessoa, um dever jurídico, cuja consequência é a sanção. Logo, responsabilidade
eleitoral é aquela que decorre de atos considerados ilícitos e sujeitos a sanções
como multa e até inelegibilidade e cassação (de registro, de diploma ou de
mandato) daquele que agiu com irresponsabilidade eleitoral.

Afinal, é possível dizer que, por meio da responsabilidade eleitoral, não


só o eleitor garante o seu direito de ser tratado com respeito, mas toda a Justiça
Eleitoral se beneficia, já que agir responsavelmente é dever de todos, sejam juízes,
cidadãos, políticos, candidatos, servidores ou partidos políticos.

Ninguém foge dos deveres de ser transparente nas ações de gestão e


prestação de contas, de participar de forma honrosa da política, de ser responsável
pelos atos praticados, de tomar decisões justas e de zelar pelo regime democrático.

FONTE: TORRES, Damiana; ALVIM, Frederico. Responsabilidade eleitoral. Brasília: TSE, 2017.
Disponível em: <http://www.tse.jus.br/o-tse/escola-judiciaria-eleitoral/publicacoes/revistas-da-eje/
artigos/revista-eletronica-eje-n.-1-ano-3>. Acesso em: 17 jul. 2018.

47
UNIDADE 1 | CONCEITOS E FUNDAMENTOS DA CIÊNCIA POLÍTICA

LEITURA COMPLEMENTAR 2

A EVOLUÇÃO HISTÓRICA DOS PARTIDOS POLÍTICOS

Frederico Alvim

O surgimento dos partidos políticos é um fenômeno social paulatino cuja


concepção pode ser identificada a partir dos séculos XVII e XVIII. Adota-se aqui
a noção de partido em sentido amplo, tal como a assumida por Georges Burdeau.
As agremiações partidárias existem desde que os homens, pela primeira vez,
concordaram a respeito de alguma finalidade com projeção social e dos meios
necessários para alcançá-la.

Por esse critério, seria possível vislumbrar o princípio do fenômeno


partidário nas atividades de tories (conservadores) e whigs (liberais) por ocasião
da Revolução Gloriosa, na Inglaterra, 1688; de federalistas e republicanos, nos
Estados Unidos pós-independência ou, ainda, de jacobinos e girondinos, no levante
revolucionário francês.

Em análise mais rigorosa, porém, o fortalecimento e a expansão da


atividade partidária somente ocorreram em meados do século XIX, quando os
grupos políticos evoluíram para a adoção de formas e estruturas mais estáveis,
definidas e profissionalizadas. Tal evolução foi impulsionada pela Revolução
Industrial, cujos reflexos produziram no operariado “o sentimento e a necessidade
de organizar-se enquanto classe, com o objetivo de combater a burguesia”.

Deriva daí a conclusão de que, até o século XIX, não existiam, propriamente,
partidos, mas apenas grupos políticos ou facções. O aparecimento dos partidos,
em noção apurada, identifica-se, portanto, com o momento em que a atuação
partidária superou o modelo de atuação ocasional e precária, parlamentar ou
eletiva. Era preciso assumir uma forma de mobilização política institucionalizada,
burocraticamente estruturada e duradoura. Segundo Farias Neto (2011, p. 178):
A princípio, os partidos foram organizações puramente eleitorais, cuja
função essencial consistia em assegurar o êxito de seus candidatos.
Nesse contexto, a eleição era o fim e o partido era o meio. Depois, o
partido desenvolveu funções próprias como organização capacitada
para a ação direta e sistemática sobre a atividade política, colocando a
eleição em serviço da propaganda partidária.

A situação hoje é inversa: as eleições é que se prestam a garantir o crescimento


das agremiações, de sorte que “o partido ficou sendo o fim, e a eleição ficou sendo o
meio”. Entretanto, durante largo período, as agremiações partidárias sobreviveram
sem que houvesse um tratamento jurídico que as regulasse.

48
TÓPICO 4 | PARTIDOS POLÍTICOS NO BRASIL

Eduardo Sánchez explica que, para a época, sua constituição e suas atividades
pertenciam à esfera privada. Ainda, não tinham relação alguma com as instituições
estatais. Superada tal fase, seguiu-se um estágio conturbado, caracterizado por uma
legislação de propósitos restritivos, com a imposição de condições específicas para
o funcionamento dos partidos. Existiam, em vários casos, proibições explícitas,
geralmente dirigidas às agremiações de orientação marxista.

A última etapa do evolucionismo partidário, portanto, viria com o seu


reconhecimento institucional, ocorrido após o término da Segunda Guerra
Mundial. Na visão de Karl Lowenstein, quando já não se podia ignorar por
mais tempo a importância das agremiações partidárias na vida democrática
constitucional, o tabu se rompeu, e a temática partidária afinal surgiu nos textos
das mais diversas constituições.

Hoje, os partidos políticos aparecem como elementos indispensáveis


à sobrevivência dos regimes democráticos modernos. Como pregava Darcy
Azambuja, os defeitos dos partidos são, em verdade, defeitos dos homens.
Devemos seguir corrigindo-os, para que, em marcos saudáveis, possamos mantê-
los. Apesar de suas falhas, não há como negar que os partidos políticos constituem
peças fundamentais na mecânica da democracia.

FONTE: ALVIM, Frederico. A evolução histórica dos partidos políticos. Brasília: TSE, 2017. Disponível
em: <http://www.tse.jus.br/o-tse/escola-judiciaria-eleitoral/publicacoes/revistas-da-eje/artigos/revista-
eletronica-eje-n.-6-ano-3/a-evolucao-historica-dos-partidos-politicos>. Acesso em: 17 jul. 2018.

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RESUMO DO TÓPICO 4
Neste tópico, você aprendeu que:

• Denominamos de partidos políticos as alianças de cidadãos unidos por


determinada ideologia política. São agrupados de maneira organizada por
meio de instituições políticas possuidoras de personalidade jurídica de direito
privado.

• O sistema partidário de um Estado pode ser classificado no que diz respeito ao


número de partidos existentes dentro dele, podendo esse sistema ser: partido
único, bipartidário ou pluripartidário.

• Em relação às maneiras de atuação dos partidos, estes podem ser: partidos


nacionais, regionais ou locais.

50
AUTOATIVIDADE

1 De que maneira podemos conceituar os denominados partidos políticos?

2 Explique o porquê de atualmente os partidos políticos estarem se tornando,


muitas vezes, meros instrumentos de poder.

51
52
UNIDADE 2

CONCEITOS E FUNDAMENTOS DA
SOCIOLOGIA

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
A partir dos estudos desta unidade, você será capaz de:

• destacar a importância do estudo da sociologia;

• identificar os objetos e objetivos da sociologia;

• introduzir os principais elementos da Ciência da Sociologia;

• constatar as ideias principais da sociologia em destaque ao longo da


história;

• perceber o contexto histórico dos pensamentos sociológicos, sobretudo na


contemporaneidade;

• caracterizar a ideia central de cidadania e movimentos sociais.

PLANO DE ESTUDOS
Esta unidade está dividida em cinco tópicos e, no final de cada um deles, você
encontrará atividades que o ajudarão a ampliar os conhecimentos adquiridos.

TÓPICO 1 – INTRODUÇÃO E CONTEXTO HISTÓRICO DA SOCIOLOGIA

TÓPICO 2 – ESTRUTURA DO CONHECIMENTO EM SOCIOLOGIA

TÓPICO 3 – PRINCIPAIS PENSADORES DA SOCIOLOGIA

TÓPICO 4 – CONCEITO DE AÇÃO E RELAÇÃO SOCIAL

TÓPICO 5 – CIDADANIA, DIREITOS HUMANOS E MOVIMENTOS SOCIAIS

53
54
UNIDADE 2
TÓPICO 1

INTRODUÇÃO E CONTEXTO HISTÓRICO DA SOCIOLOGIA

1 INTRODUÇÃO
Neste tópico, você será apresentado à Ciência da Sociologia. O estudo terá
início com a elaboração do contexto histórico desta tão importante disciplina para
o bom entendimento e funcionamento da nossa sociedade.

2 CONTEXTO HISTÓRICO DA SOCIOLOGIA


O conceito de sociologia começou a ser moldado na época em que se
iniciava a Revolução Francesa, no fim do século XVIII. Esta revolução e a revolução
burguesa da Inglaterra no século XVII ajudaram a desenvolver o modelo de
produção capitalista no mundo ocidental, dando apresto ao processo liberal.

Em seguida, o capitalismo se solidificou no mundo moderno, asseverando


as suas condições de produção e reprodução. Pode-se afirmar, então, que a
sociologia teve sua origem no colo da modernidade. Ela é consequência do mundo
moderno. Ianni (1988) elucida que o mundo moderno depende da sociologia para
ser desvendado. Sem ela, o mundo seria mais confuso, incógnito, desconhecido.

A sociologia é a ciência da sociedade. Busca compreender as características


da sociedade capitalista, sistema econômico, político e social que vigora desde
sua criação em meados do século XIX. Como ciência, a sociologia nasceu durante
o percurso de criação do Estado Liberal. O capitalismo se encontrava em fase de
adequação como a nova forma de organização da sociedade.

A nova forma de organização social teve como pilar as, também novas,
relações de trabalho. Todas as novidades fizeram com que os pensadores da
época virassem olhares para o dinamismo das relações sociais. Passaram então a
criar teorias que explicassem tais dinâmicas diante de diferentes posicionamentos
políticos e sociais.

55
UNIDADE 2 | CONCEITOS E FUNDAMENTOS DA SOCIOLOGIA

A sociologia vem, desde então, procurando elucidar as composições e


procedimentos políticos, econômicos, sociais e culturais da coletividade. Está
ligada com todas as vertentes de relações sociais, procurando entender desde
os mecanismos de produção e coordenação até os mecanismos de autoridade,
controle e poder social.

Os mecanismos estão sob o olhar da sociologia, sejam eles institucionalizados


ou não, uma vez que os tipos de interações sociais citados sempre resultam em
algum grau de exploração ou igualdade, elementos que também fazem parte dos
estudos sociológicos.

No seu contexto histórico, a sociologia é apresentada como uma ciência


em construção. O fato facilita a compreensão de que a sociologia não está ilesa a
entrar em contradições, uma vez que o próprio sistema capitalista inúmeras vezes
se coloca em posições contraditórias.

É preciso lembrar que as relações interpessoais entre os membros de


uma comunidade se desenvolvem de maneiras altamente complexas, desde suas
formas de coordenação até o desempenho de seus meios de diálogo.

A sociedade globalizada, da maneira que se coloca nos dias de hoje,


adquiriu tal enredamento que se apresenta através de incontáveis facetas. Assim,
tem se tornado cada vez mais difícil estudar a Ciência da Sociologia, uma vez que
a problemática social atingiu níveis de dinamismo e complexidade inundados de
linhas tênues e paradoxos constantemente em andamento.

Tudo faz com que os estudos sociológicos se posicionem em constante


risco a conclusões simplificadas, necessitando de grande agilidade e eficiência
de seus cientistas para poderem desvendar todas as ligações da coletividade
contemporânea.

É necessário compreender as modificações sociais, culturais, ecológicas,


políticas e econômicas pelas quais o mundo está passando. As modificações
impedem que se fundamentem explicações simplificadas ou parciais.

O objetivo da Ciência da Sociologia não pode se apropriar da verdade.


Todavia, os fatores não podem ser elementos influenciadores para a intimidação
de cientistas, mas elementos desafiadores para seus estudos, com cunho
motivacional.

A sociologia não aparece com intuito de solucionar os males ou os


problemas de comunicação dos cidadãos. Ela surge como ciência e objetivando
desvendar as relações sociais, fornecendo diferentes visões sobre a sociedade. A
contribuição de seus estudos está na reflexão e compreensão sobre os caminhos
da coletividade.

56
TÓPICO 1 | INTRODUÇÃO E CONTEXTO HISTÓRICO DA SOCIOLOGIA

O objeto de trabalho de um analista social é, considerando as relações


de classe com seus interesses e lutas, expor de maneira elucidativa como se dão
e o porquê de elementos como a coordenação de um determinado Estado, os
matizes de sua sociedade civil, a concentração de poder dentro de seu território
e as modulações da exclusão social. Também deve estar atento aos fenômenos
mundiais, como a globalização, capitalismo, neoliberalismo etc.

A construção da metodologia e a elaboração de elucidações para os fatos


sociais são ocupações de um sociólogo. Dizem respeito às revelações extremamente
imprescindíveis e essenciais para a percepção crítica da vida em sociedade.

É importante que os sociólogos exponham as percepções que são


adquiridas através de um trabalho científico pela Ciência da Sociologia. Assim, a
sociedade tem melhor visibilidade e compreensão de seus próprios atos, podendo
optar por mudanças e evoluções em suas relações e formas de organização.

Assim como as distintas ciências sociais e históricas, a sociologia ambiciona


a elaboração de alternativas para novos conhecimentos da realidade social. É
através dela que os cidadãos podem repensar suas práticas sociais e políticas e,
assim, facultam modificá-las ou não.

57
UNIDADE 2 | CONCEITOS E FUNDAMENTOS DA SOCIOLOGIA

LEITURA COMPLEMENTAR

A PROIBIÇÃO DE INCESTO EM LÉVI-STRAUSS

Josefina Pimenta Lobato

A proibição do incesto é sem dúvida um fenômeno universal. Não há


sociedade alguma em que não haja uma norma que interdite o casamento entre
pessoas situadas em um determinado grau de parentesco.

As pretensas exceções à condenação unânime ao incesto e ao casamento


de irmãos nas famílias reais do Egito antigo, do Império Inca ou do Havaí não
devem ser tomadas como um indício da inexistência da noção de incesto e de
sua proibição, por exemplo, mas apenas da adoção de uma forma diversa de
classificar as relações que se enquadram na categoria.

A constatação de que as relações incestuosas têm sido consideradas, nas


mais diferentes épocas e lugares, como intrinsecamente perniciosas e condenáveis,
não significa a universalidade de sua observância. Psicanalistas, sacerdotes,
médicos e educadores sabem muito bem que as transgressões à proibição do
incesto são uma realidade bem mais frequente do que geralmente se imagina.

Em busca das razões pelas quais o incesto tem sido tão veemente e
extensivamente condenado, os cientistas sociais têm sugerido as mais diversas
explicações. A proposta de Lévi-Strauss, a de que a proibição do incesto é
universalmente imposta a fim de estabelecer a "troca de mulheres entre homens",
condição indispensável à instituição do matrimônio, da família, do parentesco
e da própria vida social, causou um grande impacto no contexto da reflexão
antropológica, além de ter uma repercussão expressiva em outras áreas do saber.

Antes de abordar as argumentações propostas por Lévi-Strauss, que são de


difícil compreensão e aceitação devido à originalidade e estranheza, farei algumas
ressalvas e críticas para duas outras explicações relativas à universalidade da
proibição do incesto, facilmente acatadas pela maior parte das pessoas.

Uma das explicações mais comuns quanto à universalidade da proibição


do incesto segue uma crença muito difundida entre nós, a de que o incesto foi
proibido a fim de proteger a espécie humana das consequências genéticas nefastas
do casamento entre parentes próximos.

A fragilidade da explicação, aparentemente sólida e inquestionável, deve-


se ao fato de ela não levar em conta um fator inegável: o de que é sobre as relações
de parentesco, e não sobre as relações de consanguinidade que a proibição do
incesto se constitui. A prevalência dos laços de parentesco nos de consanguinidade
aparece claramente em sociedades cujo sistema de parentesco é unilinear.

58
TÓPICO 1 | INTRODUÇÃO E CONTEXTO HISTÓRICO DA SOCIOLOGIA

Com efeito, em tais sociedades, a relação tida como incestuosa atinge


certos parentes, como os primos paralelos (filhos de irmãos do mesmo sexo) que,
do ponto de vista da consanguinidade, são idênticos aos primos cruzados (filhos
de irmãos de sexo diferente).

Em tal relacionamento não há nenhuma interdição, uma vez que, de


acordo com o sistema unilinear, eles não são parentes entre si, já que cada um
deles pertence a um grupo de parentesco diferente.

Uma outra explicação se fundamenta na ideia de que haveria um horror


natural ao incesto devido a fatores genéticos ou a tendências psíquicas ligadas
“ao papel negativo dos hábitos cotidianos sobre a excitabilidade erótica”. Como
contestação, basta considerar que, se houvesse um horror natural ao incesto e à
falta de desejo de praticá-lo, não seria preciso proibi-lo, pois só se proíbe aquilo
que se deseja.

Ainda, as constantes violações da proibição são uma prova suplementar


de que não há nenhum horror instintivo ao tipo de relação. É preciso observar
também que se o incesto é interdito socialmente é porque ele ameaça, de alguma
forma, a ordem social.

Após ter demonstrado que as razões apresentadas pelos dois tipos de


explicação não se fundamentam em argumentações sólidas, Lévi-Strauss muda
totalmente a forma de abordar a questão. Por um lado, ele se recusa a enfocar a
proibição do incesto em termos biológicos ou psíquicos, pois o que realmente importa,
no seu entender, são as razões que fazem do incesto algo socialmente inconcebível:

Nada existe na irmã, na mãe, nem na filha que as desqualifique


enquanto tais. O incesto é socialmente absurdo antes de ser moralmente
condenável (LÉVI-STRAUSS, 1976, p. 526).

Por outro, ele abandona qualquer espécie de explicação substantiva ligada


à existência ou não de alguma coisa intrínseca às pessoas, cuja relação é dita
como incestuosa, que justifique a proibição do casamento entre elas. Adota uma
abordagem estruturalista, na qual o fator explicativo encontra-se não nos termos,
mas nas relações entre eles.

Sob o novo ângulo eminentemente estrutural, o que se deve levar em conta


é, antes de tudo, a posição ocupada pelas pessoas, cujo casamento é classificado
como incestuoso em um determinado sistema de parentesco.

A questão central da razão de ser da proibição do incesto consiste assim,


antes de tudo, em saber por que as pessoas, que estão na posição de pai e irmão,
não podem reivindicar como esposa aquela que está na posição de filha ou irmã.

59
UNIDADE 2 | CONCEITOS E FUNDAMENTOS DA SOCIOLOGIA

Uma primeira resposta é que o objetivo primeiro da interdição do incesto


é: imobilizar as mulheres no seio da família, a fim de que a divisão delas ou
a competição por elas seja feita no grupo e sob o controle do grupo, e não em
regime privado.

A proibição do incesto obriga-os a estabelecerem uma série de normas


através das quais se possa determinar a forma pela qual será feita a distribuição
das mulheres, que estão imobilizadas no seio do grupo familiar.

A necessidade de se regular a distribuição das mulheres e não a dos


homens decorre do fato de as mulheres, como esposas, constituírem um valor
essencial à vida do grupo “tanto do ponto de vista biológico quanto do ponto de
vista social”.

A obrigação por parte dos homens, que se situam na posição de paternidade


e de fraternidade, de darem suas filhas e irmãs em casamento a outros homens,
que estão submetidos ao mesmo tipo de situação, constitui, assim, a finalidade
última da proibição do incesto, o ponto central onde se revela a verdadeira
natureza da regra aparentemente negativa:

A proibição do incesto é menos uma regra que proíbe casar-se com a


mãe, a irmã ou a filha do que uma regra que obriga a dar a outrem a
mãe, a irmã e a filha. É a regra do dom por excelência (LÉVI-STRAUSS,
1976, p. 522).

Como ocorre com toda dádiva, a dádiva matrimonial cria naqueles que a
recebem a obrigação de retribuir e assim sucessivamente. Através da constituição do
circuito ininterrupto de dádivas recíprocas, a proibição do incesto estabelece a troca
de mulheres como base inelutável de qualquer espécie de instituição matrimonial.

FONTE: LOBATO, Josefina Pimenta. A proibição de incesto em Lévi-Strauss. Revista Oficina, Belo
Horizonte, ano 6, n. 9, p.14-20, jun. 1999.

60
RESUMO DO TÓPICO 1
Neste tópico, você aprendeu que:

• O conceito de sociologia começou a ser moldado no fim do século XVIII.

• A sociologia teve sua origem no colo da modernidade. Ela é consequência do


mundo moderno.

• A sociologia é a ciência da sociedade.

• Busca compreender as características da sociedade capitalista, sistema


econômico, político e social.

• Como ciência, a sociologia nasceu durante o percurso de criação do Estado


Liberal.

• Teve como pilar as, também novas, relações de trabalho.

• A sociologia procura elucidar as composições e procedimentos políticos,


econômicos, sociais e culturais da coletividade.

• No seu contexto histórico, a sociologia se apresenta como uma ciência em


construção.

• É necessário compreender as modificações sociais, culturais, ecológicas,


políticas e econômicas que o mundo está passando.

• O objetivo da Ciência da Sociologia não pode se apropriar da verdade.

• A sociologia surge como ciência e objetivando desvendar as relações sociais,


fornecendo diferentes visões sobre a sociedade.

• A construção da metodologia e a elaboração de elucidações para os fatos sociais


são ocupações de um sociólogo.

• Assim como as distintas ciências sociais e históricas, a sociologia ambiciona a


elaboração de alternativas para novos conhecimentos da realidade social.

61
AUTOATIVIDADE

1 Explique o que é a Ciência da Sociologia, exibindo quais são seus objetos de


estudo e seus objetivos.

2 De acordo com o que você estudou, disserte sobre a importância do olhar


sociológico dentro de uma sociedade.

62
UNIDADE 2 TÓPICO 2

ESTRUTURA DO CONHECIMENTO EM SOCIOLOGIA

1 INTRODUÇÃO
Neste tópico, você encontrará a estruturação do conhecimento na
Ciência da Sociologia. Será analisada a ideia central deste estudo, conceituando
elementos importantes para sua organização, como historicidade, senso comum
e comunidade.

2 O SENSO COMUM
Ao falarmos de sociologia, é importante observarmos os elementos
principais acerca do conceito dessa ciência social tão dinâmica. Ao pensarmos os
seus elementos separadamente, torna-se mais fácil a compreensão da estrutura
que dá base à sociologia como um todo.

O primeiro elemento a ser observado deve ser o senso comum. Cabe aqui
começarmos destacando os pontos que diferenciam um conhecimento de senso
comum de um conhecimento científico.

Quando falamos em senso comum, estamos falando em um conhecimento


fundamentado nos experimentos habituais dos cidadãos. São as certezas
cotidianas, oriundas da experiência de vida de cada um.

Determinado tipo de sabedoria se difere do conhecimento científico, uma


vez que o segundo é elaborado através de uma preparação metódica rigorosa. O
senso comum pode tanto se fundamentar em experiências individualizadas de
cada pessoa, como em experiências compartilhadas por todos ou pela maioria
dos membros de uma determinada sociedade. Para aprender a tomar banho,
usar roupas e outras práticas simples do cotidiano, ninguém precisou realizar
algum tipo de investigação científica. Bastou a experiência de vida, além das
recomendações e advertências dos mais velhos etc.

63
UNIDADE 2 | CONCEITOS E FUNDAMENTOS DA SOCIOLOGIA

Já quando falamos em conhecimentos sobre física, por exemplo, números


como a velocidade da luz, o tempo de duração que cada planeta leva para completar
a volta em torno do Sol etc., estamos lidando com conhecimentos científicos.
Ninguém aprendeu tais números apenas vivendo a vida cotidianamente.

Pode-se afirmar que o senso comum é o modo de conhecimento extraído


de maneira não organizada, sem estudo prévio. O conhecimento científico é a
extração de experiências tentadas propositalmente e de maneira estudada, com a
finalidade de obter algum resultado determinado.

O senso comum se refere à simples noção pública, é um código cultural


hegemônico dentro da comunidade. É o código de conduta da vida coletiva e
individual para a vida naquele território. São opiniões concretas, passadas de
cidadão para cidadão em formato de sugestões, conselhos, advertências etc.

Pode-se também nomeá-lo como princípios. São princípios de


comportamento moral que acabam por se tornar normativos quando se acham
estruturados na tradição e costumes de uma sociedade em questão.

O senso comum é legitimado através da vivência das pessoas. Os cidadãos


desenvolvem práticas sociais e, por meio destas, defendem sua maneira de vida
ou, ainda, percebendo uma má vivência, propõem novas práticas sociais.

Pode-se afirmar então que, de maneira generalizada, o senso comum é um


saber sem precisão, pois é adquirido sem critérios e exercido sem exatidão. Ainda
assim, é um dos elementos para a compreensão plena dos fatos sociais.

Importante destacar que o conhecimento de senso comum também possui


um papel importante na evolução social, uma vez que é um elemento de fácil
acesso para as massas populacionais excluídas socialmente e, assim, norteia as
ações dessa parte da comunidade.

É justamente a parcela populacional mencionada que se encontra distante


do acesso ao conhecimento científico. Logo, pauta suas práticas sociais apenas no
senso comum que foi transferido por meio dos costumes de seu meio.

É possível citar muitos exemplos de situações dentro de uma comunidade


que, ao se transformarem em episódios sociais não resolvidos, não serão apenas
estudados pelos cientistas sociais, mas também vivenciados, percebidos e
compreendidos pela massa social excluída.

Como exemplo de tal tipo de fenômeno social, temos problemas como


desemprego, mortalidade infantil, marginalização, tráfico de drogas, tráfico de
armas, direitos trabalhistas, situação penitenciária, dentre inúmeros outros.

64
TÓPICO 2 | ESTRUTURA DO CONHECIMENTO EM SOCIOLOGIA

3 A HISTORICIDADE
Como já vimos, existem alguns elementos para a construção do pensamento
em sociologia, além do senso comum. Um elemento igualmente importante e
necessário para tal construção, o que chamamos de historicidade.

Para compreendermos os fenômenos estudados na Ciência da Sociologia,


é essencial a observação da historicidade dos fatos sociais a serem estudados. É
imprescindível que os cientistas sociais tenham em consideração a historicidade
do objeto de seu estudo.

Caso contrário, estarão perdendo o ponto central da ciência social e


deixando de analisar quais movimentações sociais fizeram o fato social em
questão se tornar atualmente tão relevante a ponto de chamar atenção dos
cientistas sociais para que produzissem pesquisas sobre ele. Lembremos que toda
pesquisa científica traz a necessidade de fundamentação/justificativa/relevância
para que seja elaborada.

Para que se obtenha a historicidade de determinado fato social, é


fundamental que o cientista observe as relações que existem entre os componentes
do processo de criação do fato, sua historicidade. É preciso que se descubra a
relação entre os sujeitos do fato e o todo que integra seu processo.

São partes integrantes de um processo, além dos sujeitos e o problema


detectado, o lugar e o tempo em que tal fenômeno ocorreu. Resumindo, os
fenômenos sociais são, antes de tudo, eventos históricos. São a consequência de
processos históricos.

Assim, os fatos sociais, para serem estudados como processos, precisam


ser compreendidos historicamente. É necessário que se leve em consideração
o que ocorria na determinada comunidade na época em que o fato social em
questão teve início. Importante ressaltar que quando falamos em historicidade,
estamos abrangendo também o presente. Na historicidade, temos o encontro das
questões do passado com o presente.

Ao analisarmos os históricos de um fato, desde sua criação até o momento


presente, adquirimos compreensão dos porquês de tal fato social, além de
obtermos também perspectivas para possíveis mudanças sociais necessárias.

4 COMUNIDADE
O último elemento a ser visto neste tópico é a comunidade, um componente
de imprescindível relevância para o estudo da sociologia como ciência a partir do
século XIX. A comunidade apresenta aspectos sociais diversificados ao longo da
história, sendo sempre objeto de estudo dos cientistas sociais.

65
UNIDADE 2 | CONCEITOS E FUNDAMENTOS DA SOCIOLOGIA

Em suma, podemos afirmar que a comunidade é formada por diferentes


grupos sociais que se encontram ligados por laço afetuoso. A afetividade entre
os cidadãos de uma comunidade ocorre, primeiramente, pelo fato de que se
encontram próximos fisicamente uns dos outros, dividem o mesmo território.

E
IMPORTANT

Para reconhecer, através da perspectiva sociológica, uma comunidade, é


preciso então que se identifique um território geográfico com limites determinados em
sua extensão e um contato social básico entre os indivíduos ali coabitantes (este último
podendo ser caracterizado simplesmente pela proximidade física).

Ainda, a fim de reconhecimento do conceito de comunidade, é possível


identificar, respectivamente:

• Nitidez: no que se refere aos próprios limites territoriais já mencionados. As


comunidades são detentoras de espaço geográfico delimitado.

• Pequenez: a comunidade é um todo formado por vários núcleos de menores


dimensões. Aqui pode-se reconhecer um ou mais grupos formadores da
comunidade.

• Homogeneidade: no que se refere ao conjunto de atividades praticadas pela


comunidade. Percebe-se as atividades exercidas por grupos de mesma faixa
de idade, gênero, dentre outras características que comumente proporcionam
proximidade entre os cidadãos.

• Relações pessoais: por último, os grupos unidos por relações pessoais de


vínculos emocionais. São as relações de caráter afetivo emocionalmente, podem
ou não aparecer em conjunto com as relações do item anterior, homogeneidade.

Na visão de Weber (1997), comunidade só é existente quando o fundamento


do já referido laço afetivo é encontrado na ação dos indivíduos. Não é suficiente
que a ação seja nem de todos e nem de cada um dos indivíduos.

A ação destes deve ser impulsionada pelo sentimento de desenvolver um


todo, um sentimento de comunidade. Deve partir dos laços afetivos e agindo em
prol de um bem comum (não o bem de todos e nem o bem de cada um, mas o bem
para o crescimento enquanto comunidade).

Ainda, comunidade é uma definição extensa e que compreende diversos


eventos heterogêneos. Contudo, a comunidade tem como fundamento de suas
ações os laços afetivos, emotivos e habituais. A maioria das relações sociais
participa tanto da comunidade como da sociedade.

66
TÓPICO 2 | ESTRUTURA DO CONHECIMENTO EM SOCIOLOGIA

E
IMPORTANT

São exemplos de comunidade: família, vizinhança, uma aldeia agropecuária


e todos os grupos ligados pelas características vistas anteriormente, não devendo ser
confundida com sociedade (conceitos que vimos na Unidade 1 deste livro).

Os indivíduos que formam uma comunidade vão ter suas ações pautadas
por vontades semelhantes. A proximidade física e a cultural fazem com que
busquem as mesmas coisas. Trabalham com fins de alcançar um bem que é
comum a todos. Os participantes de uma comunidade possuem um alto grau
de intimidade entre eles. Determinada intimidade é oriunda do contato social
primário que é exercido.

Para ficar mais fácil, fixamos que família é o exemplo principal de


comunidade: um agrupamento humano, de contato social primário, possuidores
de um grau proeminente de intimidade.

Ainda, cabe questionar como fica a questão das comunidades em um país


de território tão vasto e integrado por uma diversidade significante de culturas e
costumes como o nosso país, Brasil.

Como exemplo de comunidades culturalmente muito diferentes no Brasil,


podemos citar as principais, sendo elas as comunidades indígenas, as populações
ribeirinhas, quilombolas, povos de terreiro e ciganos.

A partir da diversificação cultural e estrutural de comunidades, as leis


brasileiras são elaboradas para poderem abranger a todos, trazendo uma visão um
pouco diferenciada do conceito de comunidade e de acordo com sua realidade.
As comunidades primitivas brasileiras se organizam de maneira diferenciada da
sociedade geral e de acordo com os seguintes elementos:

• Formas próprias: de organização social; de uso do território tradicional; de uso


de recursos naturais.

• Reprodução cultural acontece de modo: social; ancestral; religioso; econômico.

Dentro das comunidades, os indivíduos praticam rigorosamente


as tradições, sendo elas responsáveis por qualquer método de conseguir
conhecimento.

67
UNIDADE 2 | CONCEITOS E FUNDAMENTOS DA SOCIOLOGIA

Outro questionamento válido é sobre a questão da situação das


comunidades em um mundo complexo e globalizado em que vivemos hoje. É
movimento comum entre os indivíduos a resistência ao processo de globalização.
Ocorre que as organizações comunitárias possibilitam a sensação de pertencer a
algo e a proximidade afetiva é algo que o ser humano busca naturalmente.

A identidade cultural é um sentimento importante ao ser humano. Assim,


a resistência à globalização acontece de maneira ferrenha por parte de alguns,
uma vez que determinado sistema político e econômico tem como ideia central
uma espécie de padronização cultural.

O fundamento de organização comunitária implica que, através de um


processo de concentração social, os cidadãos participem de aglomerações urbanas
em grupos protetores de seus interesses em comum. A sensação de fazer parte de
um grupo e a identificação cultural dão base para as organizações comunitárias.

O processo de globalização trouxe consigo um avanço industrial e


tecnológico que desencadeou a formação de comunidades urbanas diferenciadas.
Tribos urbanas foram elaboradas nos grandes centros, especialmente nas áreas
periféricas. Como exemplos das comunidades podemos citar os rappers, os
surfistas, os punks, dentre outros.

Ainda, outro advento da sociedade moderna é o que se distingue como


comunidades virtuais, não podendo ser enquadradas adequadamente no termo
comunidade. Tais grupos, formados exclusivamente pelo contato virtual, exercem
o processo inverso no elemento afetivo da comunidade.

As relações não acontecem por contato primário, mas virtualmente. Não


são relações que podemos chamar de pessoais. Exemplo de comunidades virtuais
são Facebook, Twitter, o antigo Orkut, dentre outros.

68
TÓPICO 2 | ESTRUTURA DO CONHECIMENTO EM SOCIOLOGIA

LEITURA COMPLEMENTAR

COMUNIDADE, GLOBALIZAÇÃO E EDUCAÇÃO: UM ENSAIO


SOBRE A DESCONVERSÃO DO SOCIAL

Pablo de Marinis

Cabe agora considerar outros processos que operam de baixo e de dentro


do espaço do estado-nacional social e que estão ligados a uma reinvenção da
comunidade, atualmente em curso. A reinvenção da comunidade dá-se por meio
de um duplo jogo, em que se observará outra vez que não se trata de pensar o
Estado como uma mera vítima passiva de fenômenos que não pode comandar.

Ainda, a globalização não é somente um processo inelutável perante o


qual os Estados têm necessariamente que se dobrar. Também nos processos de
reinvenção da comunidade podem ocorrer situações similares.

Nelas, o Estado pode, por um lado, ser um agente ativo na invenção,


constituição ou promoção de comunidades e, em outros casos, deve responder a
iniciativas e a demandas de caráter comunitário.

Em qualquer dos casos, continua sempre estando presente um esforço


de economização de meios de governo por parte do Estado, porém não só com
a finalidade de retirar-se e desobrigar-se das incumbências que até então eram
inerentes, mas para governar mais e melhor. Assim, têm lugar iniciativas de
um Estado adelgaçado, que constroem comunidades como objeto específico de
algumas políticas de governo.

O Estado estimula a prudência dos atores (O’MALLEY, 1996), convoca o


ativismo e a participação. Ainda, estimula a assunção de crescentes e diversificadas
responsabilidades por parte das comunidades na criação, definição e gestão de
seus próprios destinos e condições de existência.

Tudo ocorre sem apelar à linguagem da cidadania social que impregnou


durante décadas o discurso estatal. A interpelação acontece diretamente nas
comunidades que passam a ser concebidas como as modalidades predominantes
de agregação de sujeitos. As novas tecnologias de governo neoliberais tendem a
governar através da comunidade (ROSE, 1966).

Assim, o apelo à participação dos governados se inscreve com maiúsculas


nesses programas. Ainda, há outra direção no processo e é justamente a que
procede de baixo. Neste caso, são indivíduos, agrupamentos, famílias, “tribos”
(MAFFESOLI, 1990) que constroem suas identidades particulares, recortadas
e específicas na base de atributos mais ou menos identificáveis e vinculadas,
por exemplo, à crença religiosa, à etnia, à orientação sexual, à idade, a alguma
forma de consumo cultural, à ocupação ou à profissão, à condição de gênero, à
disparidade, à condição de sobrevivente ou de familiar de vítima de violações aos
direitos humanos, à inserção em uma localidade etc.

69
UNIDADE 2 | CONCEITOS E FUNDAMENTOS DA SOCIOLOGIA

As comunidades organizam suas ocupações vitais, manifestando uma


renovada ênfase nos contextos micromorais de suas experiências. Em síntese, o
jogo é duplo e revela importantes transformações nas práticas de governo.

O Estado já não apela, pois não mais se dirige ampla e ostensivamente ao


conjunto da sociedade, ou seja, ao conjunto de cidadãos de uma nação politicamente
regulada por ele (como aconteceu até a época do Estado de Bem-Estar), mas dirige-
se diretamente a algumas comunidades especificamente recortadas.

Promove e fortalece a participação em tarefas de governo. Do outro lado,


as comunidades se (auto) ativam para moldar seus perfis identitários e articulam
suas demandas para autoridades de diversos tipos.

Assim, novas identidades emergem, ou velhas identidades são fortemente


ressignificadas: o vizinho deste ou daquele bairro ou cidade; o consumidor de
tais ou quais bens ou serviços; o usuário de algum programa de política pública.
Mesmo quando pode continuar sendo invocada, ressente-se a histórica figura
do cidadão. Em alguns casos, cai-se ou se é arremessado, simplesmente, em
determinada comunidade, sem demasiadas opções de escolha ou resistência.

Em outros casos, a adesão à comunidade provoca operações complexas e


construtoras de identificação dos que são como todos. Quando o contexto social
mais amplo se torna crescentemente frio, distante, hostil, a comunidade converte-
se na forma mais adequada de estar chez soi, um lugar no qual nunca somos
estranhos uns para os outros (BAUMAN, 2003).

No seio das comunidades se manifesta uma espécie de reaquecimento dos


vínculos, porém de um tipo fundado no recolhimento da própria territorialidade
comunitária, sem referências a totalidades mais amplas.

Retomando os argumentos do segundo item deste trabalho, é possível


afirmar a boa saúde da comunidade. A temerosa suposição dos sociólogos clássicos,
de que a Gesellschaft pudesse terminar acabando com todos os contextos cálidos
de interação próxima, não foi verificada na realidade. A comunidade continua
gozando, de fato, de boa saúde.

Tem sentido continuar usando o termo comunidade quando se manifesta


tal diversidade empírica de comunidades realmente existentes, ou seja, quando
comunidade parece ser o nome que se pode dar para qualquer tipo de agrupamento
humano? Continua sendo utilidade recorrer ao conceito sociológico que, de
Tönnies em diante, experimentou tal reviravolta semântica? Tais perguntas não
serão abordadas neste artigo, porém tratamos de sublinhar a extraordinária
persistência da comunidade (ou do desejo ou da necessidade da comunidade) no
discurso contemporâneo.

Não há praticamente nenhuma forma de ação coletiva que, em algum


momento, não recorra à fórmula de marca comunitária para recrutar novos
membros e definir seus planos de ação, desde coletivos de trabalhadores
desempregados que reivindicam assistência do Estado até vizinhos de classe
média que exigem proteção policial.

70
TÓPICO 2 | ESTRUTURA DO CONHECIMENTO EM SOCIOLOGIA

Não existe quase nenhum programa estatal que prescinda do uso de um


vocabulário ou de um jargão de marca comunitarista para a definição de seus
targets de governo, desde a prevenção comunitária do delito até a atenção à
diversidade das diferentes comunidades educativas.

Se o termo vai continuar sendo utilizado, será necessário especificar


de qual comunidade se trata. Hoje, como ontem, continua sendo inerente aos
membros de uma comunidade essa sensação de mais ou menos juntos e de avanço
(ou retrocesso) em caminhos comuns de ação.

Em qualquer caso, é preciso estabelecer precisões sobre as enormes


diferenças que podem se vislumbrar entre as velhas comunidades pré-modernas
e as da contemporaneidade, próprias de uma época decididamente pós-social.

As velhas comunidades eram de inscrição compulsiva. Ao contrário, as


novas comunidades estão marcadas por uma espécie de vontade de escolha e
têm um cheiro a liberdade, a ação proativa ou reativa diante das contingências de
um mundo cujos riscos devem ser assumidos individualmente ou no marco de
comunidades próximas.

Em segundo lugar, a temporalidade. As velhas comunidades se


enraizavam em um passado ancestral e eram consideradas, em princípio, eternas.
Contudo, as comunidades do presente se caracterizam por sua não permanência,
por sua evanescência, por serem apenas até novo aviso, até que satisfaçam as
necessidades pelas quais surgiram.

Em terceiro lugar, o território. A velha comunidade era a comunidade


do território. Muitas das comunidades atuais estão (ou são) desterritorializadas,
não requerem a copresença, podendo ser, inclusive, virtuais. Em quarto lugar,
a velha comunidade era o reino do Uno e somente se podia pertencer a ela. Em
troca, as novas comunidades são plurais: os indivíduos podem aderir a muitas
delas ao mesmo tempo, podem entrar e sair, porque assim desejam ou porque
são expulsos.

Os indivíduos desenvolvem e encenam apenas parte do que são e cada


uma das partes pressupõe uma pluralidade de requisitos normativos. Para
concluir as comparações: as velhas comunidades constituíam uma totalidade
orgânica. Aliás, tratavam-se de um todo sem maiores divisões interiores.

As novas comunidades estabelecem um arquipélago de partes sem todo,


sem borda exterior, sem continente. A sociedade, como realidade e como conceito,
parece perder a capacidade de construir esse todo.
FONTE: DE MARINIS, Pablo. Comunidade, globalização e educação: um ensaio sobre a
desconversão do social. Pro-Posições, v. 19, n. 3, p. 19-45, set. 2008. Disponível em: <http://www.
scielo.br/pdf/pp/v19n3/v19n3a03.pdf>. Acesso em: 1 ago. 2018.

71
RESUMO DO TÓPICO 2
Neste tópico, você aprendeu que:

• Quando falamos em senso comum, estamos falando em um conhecimento


fundamentado nos experimentos habituais dos cidadãos. São as certezas
cotidianas, oriundas da experiência de vida de cada um.

• Podemos afirmar que o senso comum é o modo de conhecimento extraído de


maneira não organizada, sem estudo prévio.

• O conhecimento científico é a extração de experiências tentadas propositalmente


de maneira estudada. Ainda, tem a finalidade de obter algum resultado
determinado.

• Podemos também chamar o senso comum de princípios. São princípios de


comportamento moral que se tornam normativos quando são estruturados na
tradição e nos costumes de uma sociedade em questão.

• O senso comum é legitimado através da vivência das pessoas. Os cidadãos


desenvolvem práticas sociais e, por meio destas, defendem sua maneira de
vida. Ainda, percebendo uma má vivência, propõem novas práticas sociais.

• Para compreendermos os fenômenos estudados, é essencial a observação da


historicidade dos fatos sociais a serem estudados.

• Para que seja obtida a historicidade de determinado fato social, é fundamental


que o cientista observe as relações que existem entre os componentes do
processo de criação do fato, sua historicidade.

• São partes integrantes de um processo, além dos sujeitos e o problema


detectado, o lugar e o tempo em que tal fenômeno ocorreu.

• Comunidade é formada por diferentes grupos sociais que são ligados por laço
afetivo.

• Os indivíduos que formam uma comunidade vão ter suas ações pautadas
por vontades semelhantes. A proximidade física e a cultural fazem buscar as
mesmas coisas. Trabalham para um bem que é comum a todos.

72
• Como exemplo de comunidades culturalmente muito diferentes no Brasil,
podemos citar as principais, sendo elas as comunidades indígenas, as
populações ribeirinhas, quilombolas, povos de terreiro e ciganos.

• A sensação de fazer parte de um grupo e a identificação cultural dão base para


as organizações comunitárias.

• O processo de globalização trouxe consigo um avanço industrial e tecnológico


que desencadeou a formação de comunidades urbanas diferenciadas.

73
AUTOATIVIDADE

1 Conceitue comunidade e sociedade, destacando os principais pontos que


diferem uma da outra.

2 Explique de que maneira o fenômeno da globalização interfere nas


organizações comunitárias.

74
UNIDADE 2 TÓPICO 3

PRINCIPAIS PENSADORES DA SOCIOLOGIA

1 INTRODUÇÃO
Neste tópico, serão destacados alguns dos principais autores da sociologia
e abordaremos, de maneira básica, os pontos centrais das suas teorias. São eles:
Augusto Comte, Émile Durkheim, Max Weber e Karl Marx.

2 AUGUSTO COMTE
Isidore Auguste Marie François Xavier Comte (Montpellier, 1798-Paris,
1857) foi um filósofo francês. Ele deu origem ao termo sociologia. Comte
concentrou seu trabalho profundamente na criação de uma filosofia positiva.

O termo sociologia foi criado a partir da organização do curso de Filosofia


Positiva em 1839, no qual Comte pretendia fazer uma síntese da produção
científica, ou seja, procurar saber tudo o que havia se acumulado no que diz
respeito aos conhecimentos e métodos científicos utilizados na matemática, física
e biologia para, então, descobrir se era possível aproveitá-los na ciência social.

Considerado positivista, acreditava na supremacia científica e como ela


poderia explicar todos os fenômenos independentemente de explicações da
religião. Buscava na ciência respostas que pudessem ser usadas no preparo do
ordenamento social.

Observava a sociedade em meio ao caos e à desordem e fazia previsões


de um futuro em que a ordem científica e o meio industrial se tornassem mais
atuantes. O sistema feudal, antes firmado pela agricultura e hierarquia, se
transformara em um sistema capitalista, baseado em indústria e comércio.

O objetivo da positividade era promover um reordenamento disciplinar


da sociedade através da compreensão das novas questões sociais que foram
criadas. A partir dos estudos dos fenômenos sociais do passado, seria possível
compreender o presente e prever o futuro da sociedade.

75
UNIDADE 2 | CONCEITOS E FUNDAMENTOS DA SOCIOLOGIA

Com a inevitabilidade da implantação do sistema capitalista, imprescindível


para o desenvolvimento da sociedade, ocorreria também a obsolescência da
teologia como única forma de esclarecer o mundo. Impasses formados no processo
deveriam ser solucionados para que não se tornassem empecilhos ao progresso
cultural. Assim, Auguste Comte iniciou a sociologia, um estudo a ser continuado
com o propósito de atingir um patamar de primazia e função.

Comte não chegou a viabilizar a sua aplicação. Seu trabalho apenas iniciou
uma discussão que deveria ser continuada, a fim de que a sociologia alcançasse
um estágio de maturidade e aplicabilidade.

3 ÉMILE DURKHEIM
Dando sequência e buscando fazer da sociologia uma ciência de visão
positiva, aparece o sociólogo francês Émile Durkheim (1858-1917), cujo principal
objetivo foi dar à sociologia credibilidade científica.

Assim, o estudo adquiriu um caráter mais técnico, definindo como e o que


desejava alcançar. Com seus procedimentos particulares deixou, então, a posição
conceitual para atingir o patamar científico. Durkheim entendia os obstáculos
sociais da época, apesar de viver em um momento de otimismo, cercado de
inovações tecnológicas, como a eletricidade e os carros.

Criou, então, procedimentos de análise e verificação que tinham o objetivo


de capacitar o estudo. No entanto, na sociologia, não é fácil representar um
acontecimento social em ambiente controlado a fim de obter um resultado único,
como se faz em um laboratório, por exemplo. Apesar disso, determinados episódios
poderiam ser objetos de observação, como o suicídio, a família, a escola e as leis.

Sugeriu diretrizes para distinguir o tipo de fenômeno para ser assunto


da sociologia, intitulando fatos sociais, que podem ser separados por suas
características:

• Coletivo ou geral: significa que o fenômeno é comum a todos os membros de


um grupo.

• Exterior ao indivíduo: ele acontece independentemente da vontade individual.

• Coercitivo: os indivíduos são “obrigados” a seguir o comportamento


estabelecido pelo grupo.

76
TÓPICO 3 | PRINCIPAIS PENSADORES DA SOCIOLOGIA

E
IMPORTANT

Vem do estudo de Durkheim o conhecido termo “consciência coletiva”, que,


de acordo com ele, é o conjunto de crenças e sentimentos comuns para a média dos
membros de uma mesma sociedade.

A humanidade está em constante evolução, o que pode ser caracterizado


pelo aumento dos papéis sociais ou funções. Acredita que existem sociedades
que se estabelecem sob o modelo de solidariedade chamado mecânica e outras
sociedades com um modelo de solidariedade orgânica.

As sociedades estabelecidas sob o modo de solidariedade mecânica seriam


aquelas nas quais existiriam poucos papéis sociais. Todos os membros viveriam
de maneira parecida e, normalmente, ligados por crenças e sentimentos comuns,
o que ele chama de consciência coletiva.

Ações próprias seriam reparadas pelos demais, como em comunidades


indígenas, em que pessoas convivem e trabalham indistintamente, unidas por
suas crenças e valores. Se uma pessoa passasse a atuar por conta própria, não
seria difícil notar e identificar prontamente quem estaria “subvertendo” o modo
de vida local.

Outros exemplos são os mutirões para colheita em regiões agrárias


para reconstrução de áreas devastadas por desastres naturais ou, até mesmo,
participação em campanhas para coleta de alimentos.

As sociedades de solidariedade orgânica, mais comuns no mundo


moderno, oferecem muitos papéis sociais, tendo em vista as inúmeras atividades
que podem existir nas cidades. Ainda mesmo com uma grande separação
e quantidade de funções, o sociólogo acreditava que todas elas deveriam
funcionar em conjunto e cooperativamente e, exatamente por esse motivo,
foram denominadas de orgânica. Diminui-se, entretanto, o grau de controle da
sociedade sobre cada pessoa.

77
UNIDADE 2 | CONCEITOS E FUNDAMENTOS DA SOCIOLOGIA

4 MAX WEBER
Maximillian Carl Emil Weber foi um proeminente sociólogo que deu início
à sua carreira em 1882. Nascido na cidade de Erfurt, Alemanha, no ano de 1864.
Foi na Faculdade de Direito da Universidade de Heidelberg que acompanhou
aulas de economia política, história e teologia. Em seguida, em 1889, tornou-se,
na Universidade de Berlim, doutor em Direito.

É tido como um dos clássicos da sociologia e buscou a possibilidade


da interpretação da sociedade partindo não dos fatos sociais já consolidados e
das suas características externas, mas sugeriu começar pelo indivíduo que nela
vive, ou melhor, pela verificação das “intenções”, “motivações”, “valores” e
“expectativas” que orientam as ações do indivíduo na sociedade.

Seus estudos recaíram nas questões teóricas e metodológicas para o


desdobramento de estudos históricos e sociológicos no que diz respeito ao
princípio da civilização ocidental e seu lugar na história. Suas mais importantes
obras são lidas até a atualidade. Dialogou com Marx e Durkheim e criou um novo
entendimento para a sociologia.

A sociologia seria capaz de criar procedimentos de investigação que


possibilitariam analisar qual conjunto de motivações, valores e expectativas
comuns estaria orientando a ação dos indivíduos envolvidos no fenômeno
que se quer compreender. Deveria ser possível realizar previsões levando em
consideração o que, na ocasião dada, seria o conjunto de valores, motivações,
intenções e expectativas compartilhados pelo grupo de foco.

E
IMPORTANT

Max Weber foi um dos conselheiros da Alemanha no estabelecimento do


"Tratado de Versalhes" (1919), bem como um dos responsáveis por redigir a "Constituição de
Weimar". Inclusive, foi criador do "Artigo 48", que foi usado por Adolf Hitler para estabelecer
seus poderes ditatoriais.

A chamada Sociologia Compreensiva nos auxilia a entender o mundo


social de acordo com as ações dos indivíduos envolvidos. O indivíduo é a
unidade fundamental neste estudo, pois se manifesta levando em consideração
um sentido. Realidades como o Estado fazem apenas referências ao curso de ação
e possibilitado uma ação social de indivíduos.

Assim, em grupos ou instituições concebidos pelo pensamento cotidiano


ou pelo pensamento jurídico, as ações individuais guiam o coletivo e o coletivo
(na qualidade de uma comissão) guia as ações.
78
TÓPICO 3 | PRINCIPAIS PENSADORES DA SOCIOLOGIA

O método compreensivo é, então, a forma proposta por Weber para


a pesquisa. É uma interpretação do passado, além das suas repercussões na
sociedade contemporânea. Assim, podemos compreender a ação social da
humanidade através de conduta individual.

O método se constitui do entendimento do sentido que as ações de


um indivíduo compreendem, além da concepção superficial. Se, por exemplo,
uma pessoa dá para outra um pedaço de papel, não importa para o sociólogo.
Apenas é válido quando sabemos que a primeira pessoa deu o papel para a outra
pretendendo que assim quitasse uma dívida (dinheiro ou cheque). É uma ação
carregada de sentido.

Quando um pedaço de papel tem uma função, como a de ser uma forma
de intermediar o comércio e pagamentos, passa a ter profundas definições sociais
e pode, também, ser reconhecido por um grupo ainda maior.

O uso de métodos das ciências naturais, como a observação, comparação e


estatística, por exemplo, não pode ser suficiente para a sociologia na assimilação
de sentido das ações sociais.

A pesquisa histórica se torna importante para a observação das sociedades,


pois ela permite a análise de distinções sociais que podem ser usadas como
indícios do método compreensivo. Interpretamos o passado para contemplar
reflexos de traços dele nas sociedades contemporâneas.

5 KARL MARX
O alemão Karl Marx (1818-1883), filósofo e economista, foi um dos
responsáveis por proporcionar uma discussão crítica sobre a sociedade capitalista
que começava a ser estabelecida em sua época. Ainda, Marx conseguiu observar
os problemas sociais derivados dessa organização política e econômica.

Nas sociedades de tipo capitalista, a forma principal de conflito ocorria


entre suas duas classes sociais fundamentais: a burguesia e o proletariado. A partir
da atividade comercial, a burguesia passou a ter a posse dos meios de produção,
enriqueceu e também passou a fazer parte daqueles que controlavam o governo.

A influência serviu para que fossem criadas leis para a defesa da propriedade
privada, condição imprescindível para sua sobrevivência. Em desvantagem, a classe
dos proletários, sem os meios de produção, permanece como parte fundamental no
enriquecimento da burguesia, pois oferecia força de trabalho para as fábricas, que
eram as novas unidades de produção do mundo moderno.

O objetivo de Marx era estudar com atenção a classe desfavorecida. Tinha


a intenção de ajudar na mudança da sua condição de alienação, pois alienado é o
indivíduo que não tem controle sobre o seu próprio trabalho no que diz respeito
ao tempo e ao que é produzido.
79
UNIDADE 2 | CONCEITOS E FUNDAMENTOS DA SOCIOLOGIA

No capitalismo, o tempo do trabalhador e o produto do trabalho


pertencem à burguesia, bem como parte da riqueza que é criada através do
trabalho. O sistema capitalista tem como propósito a ampliação e a acumulação
de riquezas e dos meios de produção.

O indivíduo deveria ser capaz de transformar a sociedade e sua história, mas


nem sempre ele faz como deseja, pois as heranças da estrutura social o impedem.
Não é apenas o homem que faz a história da sociedade, mas o inverso também
acontece, com a sociedade construindo o homem em uma relação recíproca.

A sociedade está inserida em condições que determinarão até que ponto


o homem pode construir a sua história e, através da lógica, é possível crer que
a classe dominante tem maiores chances de fazer sua história como deseja, pois
tem o poder econômico e político, enquanto a classe proletária está desprovida de
meios para tal transformação.

A possibilidade para modificar a situação seria somente por intermédio


de uma revolução, pois assim a classe trabalhadora poderia assumir o controle
dos meios de produção e tomar o poder político e econômico da burguesia.

A classe trabalhadora deveria, então, se organizar politicamente com


consciência de sua condição e transformar a sociedade capitalista em socialista
por intermédio da revolução. O socialismo prega que a propriedade coletiva deve
tomar o lugar da propriedade privada.

80
TÓPICO 3 | PRINCIPAIS PENSADORES DA SOCIOLOGIA

LEITURA COMPLEMENTAR

A SOCIOLOGIA FUNCIONALISTA NOS ESTADOS


ORGANIZACIONAIS: FOCO EM DURKHEIM

Augusto Cabral

Embora homens como Sócrates, preocupado com a definição de conceitos


na busca pela essência das coisas, e Platão, com seu empenho em mostrar o caminho
a ser seguido para ir da doxa (opinião) à episteme (ciência), tenham buscado um
saber mais rigoroso, o conhecimento científico é relativamente recente.

Somente ao procurar o seu próprio caminho é que a ciência se desvincula


da filosofia e passa a determinar objetos específicos a serem apreendidos e
controlados pelo método. No lugar de uma ciência surgem, gradativamente,
ciências particulares, com campos mais ou menos delimitados de pesquisa. O
avanço ocorreu a partir do século XVII e tem a revolução galileana como um dos
seus marcos.

Ao defender a substituição do modelo ptolomaico do mundo (o


geocentrismo) pelo modelo copernicano (o heliocentrismo), Galileu provocou
uma revolução não apenas científica, mas também política e epistemológica.
Retirando a Terra do centro do universo, a nova visão quebrava hierarquias,
democratizava espaços e transformava visões de mundo.

De seu papel contemplativo, a ciência, em sintonia com o então emergente


novo modo de produção capitalista, vai se libertando da teologia para assumir
um papel ativo como técnica e tecnologia de conhecimento e dominação das
forças da natureza.

Na nova ordem burguesa, a ciência se solidifica, colocando o racionalismo


no lugar da fé e do dogmatismo; a técnica, a observação e a experimentação no
lugar da contemplação e, sobretudo, o antropocentrismo no lugar do teocentrismo
dominante na Idade Média.

Em parte, é também de Galileu a herança da "matematização" da ciência


como forma de se atingir uma linguagem rigorosa, precisa e capaz de evitar
ambiguidades. Para Galileu, o caminho científico é constituído do encontro da
matemática com a experimentação. As transformações ocorridas podem ser
resumidas em quatro aspectos básicos (ARANHA; MARTINS, 1993):

• A secularização da consciência: o abandono da dimensão religiosa do saber


medieval através da separação entre razão e fé, entre verdades científicas e
verdades reveladas.
• A descentralização do cosmos: o deslocamento não apenas do lugar da Terra
no universo, mas do lugar do homem no universo.

81
UNIDADE 2 | CONCEITOS E FUNDAMENTOS DA SOCIOLOGIA

• A geometrização do espaço: o fim da mistificação do lugar, da "sacralização"


do espaço, que se torna homogêneo, quantificável e mensurável.
• Mecanicismo: o equacionamento da natureza e do homem com a máquina e
com um conjunto de mecanismos regidos por leis, resultando na exclusão da
ciência de considerações éticas, morais e filosóficas.

O poder demonstrado pelas ciências naturais na descrição, previsão


e explicação de fenômenos resultou na convicção de que também as questões
sociais e humanas poderiam ser estudadas sob a nova ótica científica, positivista e
mecanicista. Foi então, a partir do século XVIII, que as ciências sociais começaram
a constituir um campo coeso e sistemático. Para o estudo da sociedade, era
necessário buscar a adaptação dos métodos de pesquisa do mundo natural.

Os primeiros enfoques enfatizavam a formulação e o teste de hipóteses


para explicação e predição de fenômenos e também o uso de experimentos
controlados e de técnicas estatísticas para a determinação de correlações entre
fenômenos.

Ainda bastante comum atualmente entre os cientistas sociais com


orientações e objetivos semelhantes aos dos cientistas naturais, determinado
padrão de investigação é, genericamente, conhecido como naturalismo ou
positivismo, e no campo das ciências humanas há Durkheim como um dos
maiores expoentes.

Estabelecendo a tirania da observação objetiva dos fatos, o positivismo


fixou para as ciências, inclusive as humanas, além da sociologia, critérios
metodológicos rígidos. É no rastro das amarras que Durkheim desenvolveu o seu
método sociológico.

Rejeitando interpretações inspiradas na psicologia ou na biologia, ele


concentrou seu foco de atenção, por vezes de forma exagerada, nos determinantes
socioestruturais dos problemas humanos. Como Aranha e Martins (1993, p. 188)
observam, "a preocupação em tornar o sujeito das ciências humanas um objeto
semelhante ao das ciências da natureza marcou com cores fortes a primeira
tendência metodológica”.

Embora a supremacia dos enfoques positivistas mais ortodoxos seja mais


branda na atualidade, ela continua se impondo. Em parte, por se verem presos aos
rigores do positivismo, os cientistas sociais têm lutado para poderem construir
suas explicações em um sólido alicerce de dados fatuais.

Segundo Scott (1990, p. 54), "o 'status' dos dados disponíveis deve,
portanto, submeter-se a um rigoroso exame de controle de qualidade", uma vez
que a qualidade da evidência disponível para análise constitui a base da pesquisa
científica. Ainda de acordo com Scott (1990), um conjunto de critérios relativamente
simples pode ser utilizado para avaliar a qualidade, independentemente do tipo
de evidência com que se lida:

82
TÓPICO 3 | PRINCIPAIS PENSADORES DA SOCIOLOGIA

• Autenticidade: a evidência é genuína e de origem inquestionável?


• Credibilidade: a evidência é livre de erros e distorções?
• Representatividade: a evidência é típica de sua categoria e, se não for, a
extensão de sua atipicidade é conhecida?
• Significado: a evidência é clara e compreensível?

Mais do que uma lista de tarefas a ser checada, os critérios de avaliação


são incorporados ao saber do pesquisador experiente, tendendo, portanto, a
serem utilizados de forma sutil, não rígida. Os critérios são interdependentes. A
aplicação de um pretende invocar as conclusões que derivam da aplicação dos
demais.

O significado interpretativo dos resultados apresentados pelo pesquisador


é, na verdade, um julgamento inicial e provisório que deve ser revisto na medida
em que novas descobertas o levam a reavaliar suas evidências (SCOTT, 1990). De
qualquer maneira, o cientista social deve estar atento para uma questão: facts are
not raw perceptions but are theoretically constructed observations (SCOTT, 1990).

Ao longo das últimas décadas, a palavra positivismo tem assumido


diferentes conotações e tem sido utilizada não apenas de forma exaustiva, mas
também, por vezes, de modo inadequado. Segundo Giddens (1997, p. 167),
"'positivismo' tornou-se antes uma expressão ofensiva do que um termo técnico
de filosofia". Confirmando a constatação, Burrell e Morgan (1994) argumentam
que a palavra positivismo, mais do que um conceito descritivo útil, tornou-se um
epíteto derrogatório.

A abrangência do termo torna difícil precisar tanto suas fronteiras quanto


o seu alvo, confundindo as áreas de exclusão e inclusão. Como um guarda-
chuva, o positivismo pode, conforme argumenta Domingues (1998), recobrir o
empirismo inglês e o Iluminismo francês do início da modernidade, passando
pelo materialismo naturalista do século XIX até o empirismo lógico e a filosofia
analítica do século XX.

Embora alguns dos elementos do paradigma funcionalista remetam ao


pensamento político e social dos gregos antigos, a determinação do seu ponto de
origem é difícil. Por conveniência, a sua análise frequentemente começa com o
trabalho de Comte, genericamente visto como o pai da sociologia.

Tido como o sociólogo da unidade humana e social, o filósofo francês


Auguste Comte via o conhecimento e a sociedade como estando em um processo
evolucionário, cujo estágio "inicial" seria o teológico ou fictício; "intermediário"
sendo o metafísico ou abstrato e, o "final", o científico ou positivo.

As etapas foram formuladas em sua obra Curso de filosofia positiva (1830-42),


constituindo a chamada "Lei dos três estágios", segundo a qual o conhecimento e
a sociedade evoluem em uma direção bem definida.

83
UNIDADE 2 | CONCEITOS E FUNDAMENTOS DA SOCIOLOGIA

No primeiro estágio, os fenômenos são explicados em relação à vontade


dos deuses e às realidades transcendentes. No segundo, recorremos a conceitos
mais abstratos, referentes a processos universais, como "natureza". Ainda, no
terceiro, o conhecimento se baseia na descrição dos fenômenos e na descoberta
das leis objetivas.

A função da sociologia seria, então, compreender o necessário,


indispensável e inevitável curso da história, de forma a promover a realização
de uma nova ordem social. Para Comte, a racionalidade estava em ascendência,
fundamentando a base de uma ordem social bem regulada. O enfoque positivista
estruturaria o destino da humanidade, guiando-a para o tipo de sociedade ideal.
FONTE: CABRAL, Augusto. A Sociologia Funcionalista nos estudos organizacionais: foco em
Durkheim. EBAPE.BR, Rio de Janeiro, v. 2, n. 2, p. 1-1, jul. 2004. Disponível em: <http://www.scielo.
br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1679-39512004000200002>. Acesso em: 2 ago. 2018.

84
RESUMO DO TÓPICO 3
Neste tópico, você aprendeu que:

• Augusto Comte deu origem ao termo sociologia.

• Comte partia da supremacia científica e da forma como ela poderia explicar


todos os fenômenos independentemente de explicações da religião, como
normalmente era feito naquele tempo.

• Comte buscava na ciência respostas que pudessem ser usadas no preparo do


ordenamento social.

• O objetivo da positividade era promover um reordenamento disciplinar da


sociedade através da compreensão das novas questões sociais que foram
criadas.

• Auguste Comte iniciou a sociologia, um estudo a ser continuado com o


propósito de atingir um patamar de primazia e função.

• Há Émile Durkheim, cujo principal objetivo foi dar à sociologia credibilidade


científica.

• Durkheim entendia os obstáculos sociais da época, apesar de viver em um


momento de otimismo, cercado de inovações tecnológicas, como a eletricidade
e os carros.

• As sociedades estabelecidas sob o modo de solidariedade mecânica seriam


aquelas nas quais existiriam poucos papéis sociais.

• As sociedades de solidariedade orgânica, mais comuns ao mundo moderno,


oferecem muitos papéis sociais, tendo em vista as inúmeras atividades que
podem existir nas cidades.

• Weber buscou a possibilidade da interpretação da sociedade partindo não dos


fatos sociais já consolidados e das suas características externas, mas começou
pelo indivíduo que nela vive.

• Nas sociedades de tipo capitalista, a forma principal de conflito ocorria entre


suas duas classes sociais fundamentais: a burguesia e o proletariado.

• O objetivo de Marx era estudar com atenção a classe desfavorecida. Tinha a


intenção de ajudar na mudança da sua condição de alienação.

85
AUTOATIVIDADE

1 Elabore um fluxograma com os principais pensadores estudados neste


tópico e suas ideias centrais.

2 Explique como a época em que Karl Marx viveu influenciou em suas análises
sociológicas.

86
UNIDADE 2
TÓPICO 4

CONCEITO DE AÇÃO E RELAÇÃO SOCIAL

1 INTRODUÇÃO
Neste tópico, você será introduzido em pontos principais para a
compreensão dos estudos da sociologia: os conceitos de ação e relação social.
Assim, observará a organização de ideias que envolvem dominação e poder e
sociedade e indivíduo.

2 DOMINAÇÃO E PODER
É um conceito criado para que possamos entender a origem da dominação
e do poder na sociedade. Segundo Weber (2014, p. 392):

O Estado e as associações políticas que o precederam historicamente


são uma relação de DOMINAÇÃO de seres humanos sobre seres
humanos, apoiada no instrumento da violência legítima. Os
homens dominados precisam se submeter, portanto, à autoridade
continuamente reivindicada por aqueles que estão dominando no
momento.

Weber (2014) entende que a dominação tem um papel decisivo nas


relações de mando, ou seja, na definição de quem subjuga e de quem executa
o que fora decidido. O sociólogo entende que a dominação determina um caso
especial de poder. Poder, para Weber (1997, p. 10), significa “a possibilidade de
impor a própria vontade sobre a conduta alheia e dentro de uma relação social”.

A dominação é observada nas mais variadas formas. Weber (1997) aponta


dois tipos diferentes de dominação: a dominação mediante interesses, que se
manifesta especialmente em situações de monopólio (de bens econômicos, bens
culturais e poder político) e a dominação mediante a autoridade, que ocorre
quando existe poder de mando e dever de obediência. As duas formas podem se
converter ou até mesmo se combinar.

87
UNIDADE 2 | CONCEITOS E FUNDAMENTOS DA SOCIOLOGIA

A dominação e o exercício do poder necessitam encontrar, entre os


dominados, legitimidade. Assim, são determinados três tipos de dominação
legítima: legal, tradicional e carismática.

• Legal: a dominação legal é o tipo mais autêntico. Ela está representada pela
burocracia. As leis devem ser obedecidas. Mesmo quem ordena está sujeito à
lei. A dominação legal, portanto, corresponde à estrutura moderna do Estado.

• Tradicional: tem como modelo mais comum a dominação patriarcal, visto que
há um senhor que ordena e um conjunto de pessoas que o segue. As pessoas
que obedecem são classificadas de acordo com o contexto histórico, súditos,
servidores etc.

• Carismática: acontece pela devoção afetiva em relação à pessoa que domina


e seus dotes, supostamente sobrenaturais. O tipo que manda é o líder e o que
obedece é o apóstolo. A obediência acontece por suas qualidades, sem nenhuma
relação com a tradição, seja ela qual for, ou com a lei.

3 SOCIEDADE E INDIVÍDUO
A sociologia busca compreender a ação e interpretá-la. Assim, os
indivíduos decidem por uma ação específica por quais motivos?

A sociedade determinada não é algo exterior e superior aos indivíduos.


Ela se forma pelo composto de ações de indivíduos se relacionando. Para Weber
(1997), não existe oposição entre indivíduo e sociedade. As normas sociais só
se tornam concretas quando se manifestam em cada indivíduo sob a forma de
motivação. A categorização determinada por Weber considera a divisão em
relação aos fins e valores, que são compreendidos no desenvolvimento da ação.

4 AÇÃO E RELAÇÃO SOCIAL


O conceito de ação social é baseado na sociologia de Max Weber,
considerado o criador da Sociologia Compreensiva, que tem como objetivo o
estudo do sentido das ações sociais.

De acordo com Weber (1997), o conceito de ação social só existe quando


está orientado pela ação dos outros. Um indivíduo que pratica uma ação
solitariamente não está desempenhando uma ação social. Só é considerada ação
social quando uma pessoa a realiza com um motivo anteriormente determinado.

A ação social racional motivada por fins é quando a ação é especificamente


racional. Define-se um objetivo concreto e este é, então, racionalmente avaliado e
perseguido. Há a escolha das melhores condições para se realizar um fim.

88
TÓPICO 4 | CONCEITO DE AÇÃO E RELAÇÃO SOCIAL

Na ação social racional motivada por valores, o importante não é o fim ou


o resultado em si, mas o meio. É resolvido pela consciência do valor ou conduta
(ética, estética, fé religiosa, política ou de qualquer outra forma) particular do
sujeito. A atitude objetiva, prioritariamente, a manutenção da própria honra, seja
ela qual for.

A ação social afetiva é a conduta orientada por sentimentos motivadores,


estado de humor ou consciência do autor: euforia, desejo, vingança, ciúmes,
esperança, devoção, inveja, amor, medo etc. Determinada por um reflexo emocional.

Ainda, há a ação social tradicional, que é reproduzida a partir de geração


para geração e com forte apelo à tradição, hábitos e costumes. Prática associada à
tradição, sem necessitar de um fim, valor ou decorrências emocionais. Sujeita-se
apenas a condicionamentos, frutos de costumes.

FIGURA 1 – CARACTERIZAÇÃO DA AÇÃO SOCIAL

Caracterização
da ação social

Racional Racional
motivada por motivada por Afetiva Tradicional
fins valores

Afeto e
Condições para Consciência, Hábitos e
condições
alcançar o fim valor e conduta costumes
emocionais

Racionalmente Conduta Satisfação das Prática


avaliado e específica necessidades tradicional-
perseguido baseada criadas por mente
nos méritos um estado enraizada nos
de valores emocional costumes
pessoais

FONTE: O autor

89
UNIDADE 2 | CONCEITOS E FUNDAMENTOS DA SOCIOLOGIA

As relações sociais dizem respeito a ações de diversas pessoas, dotadas de


sentidos mutuamente relacionados. Assim, a conduta é orientada para sentidos
compartilhados por todos. Diferentemente da ação social, a relação ocorre pela
atuação coletiva. Esta detém informações pertinentes que podem servir de estudo
para uma observação probabilística da forma como serão sucedidas as demais
atitudes sociais.

A relação social é, então, uma conduta de um grupo reciprocamente


orientada e que tem conteúdo significativo. Baseia-se na probabilidade de que
todos agirão socialmente de uma maneira.

Uma forma determinada de conduta social pode desenvolver, em


algum momento, um caráter de rede partilhado pelos diversos agentes em uma
sociedade qualquer.

90
TÓPICO 4 | CONCEITO DE AÇÃO E RELAÇÃO SOCIAL

LEITURA COMPLEMENTAR

AÇÃO SOCIAL E PARTICIPAÇÃO NO CONTEXTO DA CRECHE

Ângela Maria Scalabrin Coutinho

A vida pulsante das crianças não pode ficar do lado de fora da instituição,
pois é o seu espaço de vida, de relações. Ao estruturarmos propostas nas quais
as crianças vivem por inteiro o espaço e as suas possibilidades na interação com
outras crianças e com os adultos nas instituições de educação infantil, damos
grandes passos em relação aos outros referenciais no imaginário social das
crianças.

Ao documentarmos as experiências das crianças, estudá-las e torná-las


públicas, avançamos na compreensão de quem são esses atores sociais. Não
podemos manter a concepção de criança e de infância que predominava há 20
anos, pois as infâncias se renovam, as estruturas sociais que as conformam se
alteram com uma velocidade surpreendente.

A ressignificação do conceito de infância é colocada a partir da


necessidade de romper com as formas de participação decorativas, que enunciam
que a participação é constitutiva das práticas sociais. Entretanto, o que é uma
participação decorativa? É aquela na qual geralmente são empregadas formas de
envolvimento por meio da consulta, por exemplo.

O sujeito pode emitir a sua opinião desde que não fuja do que foi
perguntado, opte por uma das opções dadas e se posicione a favor ou contra
sem questionar a lógica do que é proposto. Todos os dias determinado tipo de
participação é vivenciado nas instituições de educação infantil quando damos
opções fechadas de escolha para as crianças, como: querem essa história ou a
outra? Querem desenhar ou brincar no parque?

Permitir a participação é, sobretudo, ter um espaço rico em oportunidades,


repensar os tempos a partir da observação dos seus ritmos, criar canais para
legitimação da voz das crianças e não só ouvi-las, mas possibilitar que a sua voz
tenha implicações na alteração da realidade. Se assumirmos o desafio de efetivar
o direito à participação, temos que compreender que o direito é concernente a
adultos e crianças.

A instituição de educação infantil é um espaço relativo às crianças.


Portanto, é interessante conhecer o ponto de vista das crianças sobre as coisas
da vida, pois as propostas se voltam para elas. Como indicam as Diretrizes
Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (BRASIL, 2009), a criança é o
centro do planejamento pedagógico.

91
UNIDADE 2 | CONCEITOS E FUNDAMENTOS DA SOCIOLOGIA

Temos que criar estratégias próprias para as características desses atores.


Assim, se trabalhamos com bebês, com crianças menores de três anos, sendo que
a fala não é a principal forma de comunicação, temos que capturar os saberes,
os pensamentos e as ações das crianças utilizando instrumentos que auxiliem
o nosso olhar, tais como o vídeo, a fotografia e registro escrito. Com as crianças
maiores, essas estratégias também são importantes, mas já podemos contar, de
forma mais substancial, com a sua fala, com a sua opinião verbal.

Temos que estar atentos nas suas relações mais sutis, nas trocas de
olhares, nos combinados entre elas, nas suas escolhas quando têm liberdade para
fazê-las. Ao avançarmos, visualizamos a possibilidade de constituirmos uma
participação protagônica. De acordo com Cussiánovish (2005), o protagonismo é
uma cultura que recupera a centralidade do ser humano, sua condição societal,
sua educabilidade, sua constituição de alteridade substantiva.

O protagonismo é, sobretudo, uma conquista, é algo que admite


processos e um desenvolvimento fruto de relações sociais, de poder, de encontros
e desencontros. Poderíamos dizer que não nascemos protagonistas, mas
aprendemos a ser cotidianamente.

Alejandro Cussiánovish sugere que podemos falar de uma participação


protagônica para indicar que um critério ou parâmetro central deve ser
expressão, desenvolvimento e aprofundamento da experiência coletiva e pessoal
(CUSSIÁNOVISH, 2005).

A instituição de educação infantil é um lugar privilegiado para o exercício


da participação de modo protagônico, contudo ela é parte do processo de
globalização que devora nossas sociedades. Somos educados para cumprir as
determinações, não pensar muito sobre elas, nos acomodarmos.

Para exercitar a participação das crianças, teremos que problematizar a


condição, teorizar sobre a organização do nosso cotidiano, pensar sobre os tempos
e espaço da fala, da escuta, das relações. E o que significa falar em participação
partilhada?

Podemos definir que a professora é protagonista do seu processo de


formação e da estruturação da prática pedagógica: ela é autora das propostas que
são protagonizadas pelas crianças. Entretanto, as crianças também atuam para além
do que é proposto pelas professoras. Então, o protagonismo adulto é revelado no seu
olhar, no ouvir, na sua capacidade de acolhimento das inventividades das crianças.

O protagonismo das crianças é efetivado quando elas têm a possibilidade


de participação por via da sua escuta, observação, da estruturação de tempo,
espaço e propostas que considerem suas singularidades. Determinados princípios
e escolhas metodológicas permitem que as crianças sejam atores sociais e
vivenciem o exercício da participação.

FONTE: COUTINHO, Ângela Maria Scalabrin. Ação social e participação no contexto da


creche. Educativa, Goiânia, v. 16, n. 2, p. 217-228, jul. 2013. Disponível em: <http://file:///C:/Users/
usuario/Downloads/3111-9250-1-PB.pdf>. Acesso em: 4 ago. 2018.

92
RESUMO DO TÓPICO 4
Neste tópico, você aprendeu que:

• A dominação tem um papel decisivo nas relações de mando, ou seja, na


definição de quem subjuga e de quem executa o que fora decidido.

• Dominação e o exercício do poder necessitam encontrar, entre os dominados,


legitimidade.

• A sociologia busca compreender a ação e interpretá-la.

• Só é considerada social a ação quando uma pessoa a realiza com um motivo


anteriormente determinado.

• A ação social tradicional é reproduzida a partir de geração para geração e com


forte apelo à tradição, hábitos e costumes.

• Diferentemente da ação social, a relação ocorre pela atuação coletiva. Esta detém
informações pertinentes que podem servir de estudo para uma observação
probabilística da forma como serão sucedidas as demais atitudes sociais.

• Uma forma determinada de conduta social pode desenvolver, em algum


momento, um caráter de rede partilhado pelos diversos agentes em uma
sociedade qualquer.

93
AUTOATIVIDADE

1 Identifique de que maneira os indivíduos de uma sociedade estão ligados


aos conceitos de dominação e poder em suas ações.

2 Diferencie, em poucas palavras, ação e relação social.

94
UNIDADE 2 TÓPICO 5

CIDADANIA, DIREITOS HUMANOS E MOVIMENTOS SOCIAIS

1 INTRODUÇÃO
Para encerrar esta unidade, adentraremos em algumas questões mais
específicas e contemporâneas, como os conceitos de cidadania, direitos humanos e
movimentos sociais e como eles se encontram organizados dentro da sociedade atual.

2 CIDADANIA E DIREITOS HUMANOS


Cidadania é uma palavra oriunda de cidadão, do latim civitas. Na Roma
antiga, cidade significava uma comunidade organizada politicamente e o aglomerado
de cidadãos que nela vivia era chamado civitate. Na época, para ser considerado
cidadão, era necessário que a pessoa estivesse incorporada à vida na cidade.

A ideia de cidadania, historicamente, acompanha a noção de privilégio,


uma vez que os direitos de cidadania eram distribuídos apenas para classes e
grupos sociais específicos. A ideia foi sofrendo mudanças no decorrer do tempo,
tanto pelas alterações nos modelos econômicos, políticos ou sociais, quanto
pelas conquistas adquiridas pela parcela marginalizada da sociedade através
das pressões de demandas exigidas. Em outras palavras, podemos afirmar que
cidadão, hoje em dia, é todo indivíduo que se encontra no gozo de seus direitos
civis e políticos dentro de um Estado.

Assim, nem sempre todos tiveram o direito de desempenhar sua


cidadania. Na Grécia antiga, os homens gregos, adultos e proprietários de terras
eram vistos como capazes na decisão do rumo da cidade. Eram excluídos da
cidadania grega as mulheres, os jovens, os pobres, os estrangeiros e os escravos.
Tal fato é denominado de cidadania restrita.

95
UNIDADE 2 | CONCEITOS E FUNDAMENTOS DA SOCIOLOGIA

Na Roma antiga, existiam restrições em relação ao exercício da cidadania.


Somente aqueles que eram prestigiados com títulos de nobreza é que condensavam
direitos, tais como a propriedade de terra e o uso do poder político. Já os
chamados plebeus, classe marginalizada, necessitavam gerar distúrbio contra o
poder constituído para o acesso a alguns direitos. Existem:

• Cidadania plena: capacidade legal de responder pelos seus próprios atos


diante das autoridades públicas.

• Cidadania restrita: apenas os considerados nobres, proprietários de terra têm


acesso ao uso do poder político.

Ocorre que, na atualidade, já possuímos muitos direitos que atingem a


todos os indivíduos. Tais direitos estão garantidos desde a Constituição Federal
até leis e tratados internacionais. Contudo, ainda há um frequente e manifesto
descumprimento referente à parcela marginalizada da sociedade.

Assim, é necessário estudar e expor fatos sociais referentes à cidadania e


direitos humanos. A ideia é que cada vez mais indivíduos tenham acesso e gozo
efetivo dos direitos através da prática de suas cidadanias.

Em suma, podemos conceituar cidadania como sendo o agrupamento das


liberdades políticas, econômicas e sociais que já são respaldadas pela legislação ou
não. Quando o cidadão exerce sua cidadania, ele está tornando tais direitos efetivos.

Cabe lembrar que é de indispensável importância o zelo pelos direitos


humanos por parte de todos os cidadãos, uma vez que são direitos dirigidos
especificamente a todos nós pelo simples fato de sermos humanos. Todos
merecem o efetivo gozo de suas liberdades individuais e, para isso, é importante
que se preze, também, a individualidade das liberdades alheias.

E
IMPORTANT

A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, aprovada na assembleia


francesa, em 1789, indica no título dois tipos de direitos: os do homem e os do cidadão.
Contudo, não ficam esclarecidas as diferenças entre eles. Não existe uma significação
jurídica rígida para cada um dos termos.

Seguem alguns conceitos simplificados para o entendimento das


nomenclaturas sobre os direitos abrangidos pelos tratados e leis de direitos
humanos:

96
TÓPICO 5 | CIDADANIA, DIREITOS HUMANOS E MOVIMENTOS SOCIAIS

• Direitos do cidadão: são direitos conferidos ao cidadão tanto pela sociedade


quanto pelo Estado. Podemos encontrar desde a proteção do Estado ao
indivíduo até o direito de liberdade de ir e vir do cidadão, de participação nos
atos da vida social etc.

• Direitos de cidadania: aparecem sempre anexos aos direitos políticos. São


direitos consequências da nacionalidade do indivíduo.

• Direitos individuais: o diferencial é que sempre estarão assegurados pela


Constituição Federal. São dirigidos a todos os indivíduos e dizem respeito
à dignidade da pessoa humana. São direitos como liberdade, segurança,
propriedade etc.

• Direitos políticos: dizem respeito aos direitos de participação na governança


do país. Podem acontecer tanto de maneira direta quanto indireta. O cidadão
exerce determinado direito ao efetuar seus direitos de votar, ser votado,
desempenhar cargos e funções públicas etc.

• Direitos naturais: são inatos à natureza humana. Seguem a ideia da existência


de uma ordem natural das relações humanas. São direitos morais de sociedade.
São caracterizados pela universalidade e imutabilidade, como direito à vida e à
reprodução.

• Direito positivo: são os direitos criados pelo ser humano quando já viventes
em sociedade. São direitos coercitivos e designados pelo Estado aos cidadãos.

• Direito de propriedade: é o direito dado ao cidadão de usar, dispor e gozar


dos seus bens.

• Direito de natureza (ecológicos): é baseado nos preceitos reguladores das


relações entre o homem com o meio ambiente e as possíveis consequências que
tais relações causam.

• Autodeterminação: o cidadão pode determinar seu próprio destino, o direito de


orientar sua conduta pessoal. Pode ser relativo também a grupos sociais, povos
e nações. Escolhem seu destino político, elegendo seus próprios governantes,
por exemplo.

Cabe analisarmos um pouco a Declaração Universal dos Direitos do


Homem e do Cidadão, como já dito anteriormente, elaborada no ano de 1789,
época em que ocorria a Revolução Francesa.

Tal revolução possuía como lema central liberdade, igualdade e


fraternidade e em oposição ao antigo regime vigente, no qual os direitos dos
cidadãos constituíam uma prerrogativa de apenas algumas classes sociais
determinadas.

97
UNIDADE 2 | CONCEITOS E FUNDAMENTOS DA SOCIOLOGIA

A Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão foi


elaborada com intuito de ser a nova Constituição Francesa. Trouxe consigo uma
máxima que até hoje é utilizada na maioria dos Estados: todos são iguais perante
a lei. Ainda, serviu de base para a concepção da Declaração Universal dos Direitos
Humanos.

Juntamente com a Revolução Francesa, a Revolução Inglesa também foi


importante para o provimento das bases para o surgimento da cidadania dentro
das sociedades contemporâneas. As revoluções almejavam justamente direitos
individuais, liberdade e igualdade entre os cidadãos.

No século XVIII, na Inglaterra, ocorreu um crescimento significativo e


gradativo na efetivação da cidadania. Através das revoltas surgiram os direitos
civis. Posteriormente, no século XIX, os direitos políticos e, então, no século XX,
os direitos sociais. Vejamos as diferenças e o porquê da necessidade da criação de
cada um desses direitos:

• Direitos civis: pertinentes à liberdade individual e às relações de trabalho.

• Direitos políticos: trabalhadores adquirem direito de participação no exercício


do poder político.

• Direitos sociais: construção de políticas sociais universais garantindo a todos


os trabalhadores o acesso à distribuição da riqueza originária do país.

A cidadania vai além de direitos e deveres dos cidadãos. Não é apenas


possuir os direitos civis, políticos e sociais, mas ter consciência desses direitos para
poder tanto exercê-los quanto exigi-los corretamente. Para finalizar este subtópico,
vejamos sobre as ideias de liberdade e igualdade em seu contexto histórico:

• Final do século XVIII e XIX  Sociedade europeia  Capitalismo industrial.


• Revoltas do Proletariado: Classes sociais  Burguesia e Proletariado 
Desigualdades sociais.
• Início da elaboração dos direitos de cidadania: Ideias dos teóricos no final
do século XVII e XIX  Ao propor a igualdade de todos perante a lei  As
pessoas eram diferentes  Direitos iguais para os desiguais  Leis feitas por
quem dominava a sociedade.
• A relutância do status quo em efetivar os novos direitos: Igualdade total
Ameaça aos privilégios sociais da burguesia.

98
TÓPICO 5 | CIDADANIA, DIREITOS HUMANOS E MOVIMENTOS SOCIAIS

3 MOVIMENTOS SOCIAIS
É comum que vejamos diferentes organizações coletivas demandando por
meio das mais diversificadas maneiras de reivindicação, ações ou coisas. São os
chamados movimentos sociais.

Como exemplo, podemos mencionar o Movimento dos Trabalhadores


Rurais Sem Terra (MST), o Fórum Social Mundial (FSM), o movimento hippie,
movimento feminista, o movimento estudantil, o movimento dos sem-teto,
o movimento pela “Tradição, Família e Propriedade” (TFP), os movimentos
anticapitalistas, dentre outros.

É extensa e em constante crescimento a lista de movimentos sociais


existentes nos dias atuais. Os movimentos sociais são importantes, uma vez que
possuem um importante significado social e político.

É possível verificarmos diferentes atributos unânimes que transpassam por


todos eles. Um dos atributos, por exemplo, é a atuação dos movimentos. Escrevem
o desenvolvimento de sua história com intuito de mudanças significativas para o
fato social passível de demanda por mudanças.

Os indivíduos, quando se organizam de maneira coletiva e procurando


determinado objetivo em comum, acabam se tornando sujeitos históricos. Assim,
não é necessária a efetivação de certezas sobre o futuro do movimento social
em questão para que os cidadãos possam lutar por suas demandas com fins de
inclusão, transformação ou exclusão de algum direito.

Ocorre que, no modelo da nossa sociedade, as políticas públicas são


elaboradas para que possam ser modificadas dentro do nosso ordenamento
vigente. O fenômeno ocorre quando um cidadão sozinho não detém um elevado
poder de modificação social. Então, organiza-se com seus iguais para conseguir as
mudanças necessárias no ordenamento. A movimentação entre indivíduos é de
suma importância para a sociedade em que vivemos, pois conseguimos evoluir
enquanto sociedade e não ficamos estabilizados no tempo.

A Revolução Cubana é um exemplo de manifestação social que ultrapassa


a tentativa de melhora e almeja uma modificação social drástica da sociedade. A
citada revolução aparece como uma manifestação antagônica ao regime ditatorial
presente no país até então e acaba por resultar em um governo socialista.

99
UNIDADE 2 | CONCEITOS E FUNDAMENTOS DA SOCIOLOGIA

Incontáveis exemplos poderiam ser citados a fim de demonstrar o


ser humano como sujeito histórico. No Brasil, com o início da movimentação
social dos agrupamentos negros, um número significativo de prerrogativas foi
alcançado. Temos como exemplo as políticas afirmativas.

Assim, quando uma pessoa assevera frases como “a sociedade é desta


ou daquela forma” e que “não adianta tentar interferir”, ela está reportando
uma ideia que, na realidade, de maneira nua e crua, contempla os interesses
das pessoas formadoras dos grupos ou classes sociais privilegiadas nas relações
sociais já existentes.

E
IMPORTANT

Os movimentos sociais estão presentes ao longo de toda História para


demonstrar exatamente o contrário: quando os cidadãos se agrupam coletivamente de
maneira organizada, muito da composição social pode ser modificada.

100
TÓPICO 5 | CIDADANIA, DIREITOS HUMANOS E MOVIMENTOS SOCIAIS

LEITURA COMPLEMENTAR

MOVIMENTOS SOCIAIS NA CONTEMPORANEIDADE

Maria da Glória Gohn

É preciso demarcar nosso entendimento sobre o que são movimentos


sociais. Nós os encaramos como ações sociais coletivas de caráter sociopolítico e
cultural que viabilizam formas distintas de a população se organizar e expressar
suas demandas (GOHN, 2008).

Na ação concreta, as formas adotam diferentes estratégias que variam


da simples denúncia, passando pela pressão direta (mobilizações, marchas,
concentrações, passeatas, distúrbios à ordem constituída, atos de desobediência
civil, negociações etc.) até as pressões indiretas.

Na atualidade, os principais movimentos sociais atuam por meio de redes


sociais, locais, regionais, nacionais e internacionais ou transnacionais e utilizam
os novos meios de comunicação e informação, como a internet. Exercitam o que
Habermas denominou de o agir comunicativo. A criação e o desenvolvimento
de novos saberes, na atualidade, são também produtos dessa comunicabilidade.

Na realidade histórica, os movimentos sempre existiram, e cremos que


sempre existirão. Representam forças sociais organizadas, aglutinam as pessoas
como campo de atividades e experimentação social, e essas atividades são fontes
geradoras de criatividade e inovações socioculturais.

Concordamos com antigas análises de Touraine. Afirmava que os


movimentos são o coração, o pulsar da sociedade. Expressam energias de
resistência ao velho que oprime ou de construção do novo que liberta. Energias
sociais antes dispersas são canalizadas e potencializadas por meio de suas práticas
em "fazeres propositivos".

Os movimentos realizam diagnósticos sobre a realidade social, constroem


propostas. Atuando em redes, constroem ações coletivas que agem como
resistência à exclusão e lutam pela inclusão social.

Tanto os movimentos sociais dos anos 1980 como os atuais têm construído
representações simbólicas afirmativas por meio de discursos e práticas. Criam
identidades para grupos antes dispersos e desorganizados, como bem acentuou
Melucci (1996). Projetam, em seus participantes, sentimentos de pertencimento
social. Aqueles que eram excluídos passam a se sentir incluídos em algum tipo de
ação de um grupo ativo.

101
UNIDADE 2 | CONCEITOS E FUNDAMENTOS DA SOCIOLOGIA

Entretanto, o que diferencia um movimento social de uma organização


não governamental? O que caracteriza um movimento social? Definições já
clássicas sobre os movimentos sociais citam como suas características básicas o
seguinte: possuem identidade, têm opositor e articulam ou se fundamentam em
um projeto de vida e de sociedade.

Historicamente, apresentam conjuntos de demandas e práticas de pressão/


mobilização; têm certa continuidade e permanência. Não são só reativos e movidos
apenas pelas necessidades (fome ou qualquer forma de opressão). Podem surgir
e se desenvolver também a partir de uma reflexão sobre sua própria experiência.

Na atualidade, apresentam um ideário civilizatório que coloca como


horizonte a construção de uma sociedade democrática. Hoje em dia, suas ações
são pela sustentabilidade, e não apenas pelo autodesenvolvimento.

Lutam contra a exclusão, por novas culturas políticas de inclusão.


Lutam pelo reconhecimento da diversidade cultural. Questões como a diferença
e a multiculturalidade têm sido incorporadas para a construção da própria
identidade dos movimentos. Há uma ressignificação dos ideais clássicos de
igualdade, fraternidade e liberdade.

A igualdade é ressignificada com a tematização da justiça social; a


fraternidade se retraduz em solidariedade; a liberdade se associa ao princípio
da autonomia, da constituição do sujeito não individual, mas a autonomia de
inserção na sociedade, de inclusão social, de autodeterminação com soberania.

Finalmente, os movimentos sociais tematizam e redefinem a esfera


pública, realizam parcerias com outras entidades da sociedade civil e política,
têm grande poder de controle social e constroem modelos de inovações sociais.

No Brasil e em vários outros países da América Latina, no fim da década


de 1970 e parte dos anos 1980, ficaram famosos os movimentos sociais populares
articulados por grupos de oposição aos regimes militares, especialmente pelos
movimentos de base cristãos, sob a inspiração da Teologia da Libertação.

No fim dos anos 1980 e ao longo dos anos 1990, o cenário sociopolítico se
transformou de maneira radical. Inicialmente, houve declínio das manifestações
de rua, que conferiam visibilidade aos movimentos populares nas cidades. Alguns
analistas diagnosticaram que eles estavam em crise, porque haviam perdido seu
alvo e inimigo principal: os regimes militares.

Em realidade, as causas da desmobilização são várias. O fato inegável é que


os movimentos sociais dos anos 1970/1980, no Brasil, contribuíram decisivamente,
via demandas e pressões organizadas, para a conquista de vários direitos sociais,
que foram inscritos em leis na nova Constituição Federal de 1988.

102
TÓPICO 5 | CIDADANIA, DIREITOS HUMANOS E MOVIMENTOS SOCIAIS

A partir de 1990, ocorreu o surgimento de outras formas de organização


popular, mais institucionalizadas - como os Fóruns Nacionais de Luta pela
Moradia, pela Reforma Urbana, o Fórum Nacional de Participação Popular
etc. Os fóruns estabeleceram a prática de encontros nacionais em larga escala,
gerando grandes diagnósticos dos problemas sociais, assim como definindo
metas e objetivos estratégicos.

Emergiram várias iniciativas de parceria entre a sociedade civil organizada


e o poder público e impulsionadas por políticas estatais, tais como a experiência
do Orçamento Participativo, a política de Renda Mínima, Bolsa Escola etc. Todos
atuam em questões que dizem respeito à participação dos cidadãos na gestão dos
negócios públicos.

A criação de uma Central dos Movimentos Populares foi outro fato


marcante nos anos 1990, no plano organizativo. Estruturou vários movimentos
populares em nível nacional, tal como a luta pela moradia, assim como buscou
uma articulação e criou colaborações entre diferentes tipos de movimentos
sociais, populares e não populares.

Ética na Política, um movimento do início dos anos 1990, teve grande


importância histórica, porque contribuiu decisivamente para a deposição, via
processo democrático, de um presidente da República por atos de corrupção, fato
até então inédito no país. Na época, contribuiu também para o ressurgimento do
movimento dos estudantes com novo perfil de atuação, os "caras-pintadas".

À medida que as políticas neoliberais avançaram, outros movimentos


sociais foram surgindo: contra as reformas estatais, a Ação da Cidadania contra a
Fome, movimentos de desempregados, ações de aposentados ou pensionistas do
sistema previdenciário. As lutas de algumas categorias profissionais emergiram
no contexto de crescimento da economia informal. No setor de transportes
urbanos, por exemplo, apareceram os transportes alternativos ("perueiros"); no
sistema de transportes de cargas pesadas nas estradas, os "caminhoneiros".
FONTE: GOHN, Maria da Glória. Movimentos sociais na contemporaneidade. Revista Brasileira
de Educação, Rio de Janeiro, v. 16, n. 47, p. 1-1, ago. 2011. Disponível em: <http://www.scielo.br/
scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-24782011000200005>. Acesso em: 6 ago. 2018.

103
RESUMO DO TÓPICO 5
Neste tópico, você aprendeu que:

• A ideia de cidadania, historicamente, acompanha a noção de privilégio, uma


vez que os direitos de cidadania eram distribuídos apenas para classes e grupos
sociais específicos.

• Cidadão, hoje em dia, é todo indivíduo que se encontra no gozo de seus direitos
civis e políticos dentro de um Estado.

• Em suma, podemos conceituar cidadania como sendo o agrupamento das


liberdades políticas, econômicas e sociais que já se encontram respaldadas pela
legislação ou não.

• Os movimentos sociais são muito importantes, uma vez que possuem um


importante significado social e político.

• Os movimentos sociais escrevem o desenvolvimento de sua história e trazem


mudanças significativas para o fato social passível de demanda por mudanças.

• Movimentações grupalmente organizadas entre cidadãos com o intuito de


modificação de alguma prática social são o que chamamos de movimentos sociais.

104
AUTOATIVIDADE

1 Explique de que maneira os Direitos Humanos influenciam, direta e


indiretamente, na conquista dos direitos de cidadania.

2 Cite dois motivos pelos quais os movimentos sociais são importantes dentro
dos estudos de sociologia.

105
106
UNIDADE 3

CONCEITOS E FUNDAMENTOS DA
FILOSOFIA

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
A partir dos estudos desta unidade, você será capaz de:

• destacar a importância do estudo da filosofia;

• identificar os objetos e objetivos da filosofia;

• refletir sobre o processo de filosofar;

• constatar as ideias principais da filosofia em destaque ao longo da história;

• perceber o contexto histórico dos pensamentos filosóficos, sobretudo na


contemporaneidade.

PLANO DE ESTUDOS
Esta unidade está organizada em quatro tópicos. Em cada um deles, você
encontrará dicas, textos complementares, observações e atividades que darão
uma maior compreensão dos temas a serem abordados.

TÓPICO 1 – INTRODUÇÃO E CONTEXTO HISTÓRICO DA FILOSOFIA

TÓPICO 2 – CARACTERÍSTICAS DO PENSAMENTO FILOSÓFICO

TÓPICO 3 – O PROCESSO DE FILOSOFAR

TÓPICO 4 – A FILOSOFIA NO MUNDO MODERNO

107
108
UNIDADE 3
TÓPICO 1

INTRODUÇÃO E CONTEXTO HISTÓRICO DA FILOSOFIA

1 INTRODUÇÃO
Neste tópico, o aluno será direcionado para um breve conhecimento sobre
a Ciência da Filosofia. Ainda, iniciará uma análise acerca do contexto histórico no
que diz respeito à evolução do pensamento filosófico. Assim, o estudo terá início
com a elaboração do contexto histórico desta tão importante disciplina para o
bom entendimento e funcionamento da nossa sociedade.

Tudo será disponibilizado através de um lacônico olhar em aspectos


que vão desde a etimologia da palavra filosofia e seu desenvolvimento até
uma simplificada reflexão acerca da necessidade histórica da sociedade para a
elaboração do pensamento filosófico.

Por fim, será vista a importância do período socrático ou antropológico.


Foi um período que transformou a direção dos estudos da filosofia. Esta saiu da
metafísica para investigar questões humanas como a ética e a política.

2 COMPREENSÃO DA FILOSOFIA
A palavra "filosofia" deriva de philosophia, palavra de origem grega e
composta por duas outras: philo vem de philia e quer dizer companheirismo,
amizade; sophia vem de sophos, sendo sábio ou sabedoria. Philosophia, então,
significaria amizade pela sabedoria.

É atribuída ao filósofo grego Pitágoras de Samos. Na perspectiva grega, é


uma atividade que busca levar o saber para o filósofo, que, por sua vez, é quem
tem o amor pela sabedoria.

Pitágoras teria confirmado que a sabedoria plena e completa pertence aos


deuses, mas que os homens podem desejá-la ou amá-la, tornando-se filósofos.
Pode significar tanto um conjunto de conhecimentos, como também a disposição
para uma vida feliz, pois sophos era o sábio que sabia viver e praticava o bem.

109
UNIDADE 3 | CONCEITOS E FUNDAMENTOS DA FILOSOFIA

A filosofia antiga surge com a substituição do saber mítico e possui um


conteúdo preciso ao nascer: a cosmologia. Cosmos significa mundo ordenado
e organizado, e logia, que vem da palavra logos, significa pensamento racional,
discurso racional, conhecimento.

A nova organização social e política foi fundamental para dar lugar à


racionalidade humana. As reflexões dos filósofos e as discussões que ocorriam
ocasionaram a criação da democracia.

A capacidade grega foi a causadora do progresso das diversas áreas do


conhecimento, com as artes, a literatura, a música e a própria filosofia. A filosofia
ocidental foi uma nova forma de pensar e teve seu início na Grécia antiga, mais
precisamente nas colônias gregas da Ásia Menor, que formavam uma região
chamada Jônia, na cidade de Mileto, no início do século VI a.C.

A região grega, antigamente, não era um estado com o governo


centralizado. Tratava-se de uma região que, por suas características históricas e
geográficas, acolhia povos diferentes, com costumes e crenças, unidos por uma
mesma língua. Ainda, gregos conseguiram dar origem a uma comunidade única
que impulsionou o grande salto da ciência na Idade Antiga.

A história do povo grego pode ser dividida em algumas épocas iniciadas


por sua formação. Houve a união das civilizações Cretense e Micênica no período
que ficou denominado período pré-homérico (séculos XX a XII a.C.). Termina com
a invasão dórica que, por sua vez, provocou a primeira diáspora grega, quando os
dórios ocuparam áreas litorâneas do mar Egeu na forma de pequenos núcleos rurais.

Assim, há o início do período homérico (séculos XII a VIII a.C.), dada


a relevância das obras do grande poeta Homero. Através da Ilíada e Odisseia,
podemos saber mais como foi determinado momento.

Os pequenos núcleos rurais deram origem aos genos, que, liderados por
um pater, eram formados por pessoas que consideravam ser de uma mesma
descendência. Respondiam a um líder, porém, a terra era de todos.

E
IMPORTANT

Os dórios eram uma organização social da Grécia Antiga, durante o período


homérico. Eram uma espécie de clã ou grandes famílias.

110
TÓPICO 1 | INTRODUÇÃO E CONTEXTO HISTÓRICO DA FILOSOFIA

A produção de alimentos se tornou um problema devido ao grande


crescimento populacional, pois havia poucas áreas férteis. Diversos genos se
fragmentaram, aconteceram disputas pelas terras e deram início à distribuição
desigual de propriedades privadas. O momento conturbado deixou muitas
pessoas marginalizadas.

Muitos gregos tiveram que buscar terras férteis para a agricultura e, então,
navegaram para ocupar parte da região europeia banhada pelo Mar Mediterrâneo,
principalmente no sul da Península Itálica e na região da Sicília.

Ainda, na região do Mar Negro, fundando colônias em todos os territórios.


A busca de novas terras foi a segunda diáspora grega. Na época, houve a adaptação
do alfabeto fenício e o ressurgimento da escrita.

A Ilíada e a Odisseia parecem falar sobre o surgimento e a formação do


povo grego. Podem ser notados vários aspectos da cultura e as diversas formas
de relacionamento social da época. Ainda, houve grande influência das várias
gerações que tiveram o herói belo e bom, o chamado Aquiles, como um ideal de
caráter a ser perseguido.

E
IMPORTANT

A Ilíada de Homero é a narrativa mais famosa dos feitos de Aquiles na Guerra


de Troia. Sua mãe havia profetizado que ele poderia escolher entre dois destinos: lutar em
Troia, de forma a alcançar a glória, ou permanecer em sua terra natal e ter uma vida sem
notoriedade.

Aquiles preferiu a glória e morreu atingido por uma flecha envenenada no calcanhar, seu
único ponto fraco. A expressão “calcanhar de Aquiles” é utilizada até hoje para indicar o
ponto fraco de alguém. Na biologia, o tendão de Aquiles (tendão de calcâneo) conecta os
músculos da panturrilha aos ossos do calcanhar. É o mais resistente e o mais suscetível do
nosso corpo.

3 CONTEXTO HISTÓRICO
Antes da filosofia, eram estudados os mitos, suas origens, desenvolvimento
e significado. Existiam várias formas para compreendermos o surgimento de
todas as coisas.

O mito surge a partir da explicação da origem e da forma das coisas, suas


funções e finalidade, os poderes do divino na natureza e os homens. Não busca
causas em relações sobrenaturais, mas em relações naturais.

111
UNIDADE 3 | CONCEITOS E FUNDAMENTOS DA FILOSOFIA

Tem o objetivo de transmitir algo sem pensar muito, de modo a colocá-


lo em dúvida. Trata de informar e dar sentido à existência de quem crê, mas
principalmente cria socialização e uma comunidade que forma o grupo. O mito é
não só alguma coisa forte, mas é exatamente a narrativa que diz o que é comum
para o grupo.

Para que o mito sobreviva, é necessário o sacrifício que ordena nossa visão
de mundo. Em várias sociedades, o sacrifício de vidas humanas mantinha as
relações com a divindade, com o objetivo de aplacar a ira do supremo. A repetição
do sacrifício dá origem ao ritual, que é o mito tornado ação. Com a repetição do
ritual, nasce a religião.

E
IMPORTANT

Os hebreus, de acordo com o Velho Testamento, ofereciam como sacrifício um


bode. Outro bode, o expiatório, ouvia os pecados do povo de Israel e, posteriormente, era
solto na natureza, para levar o pecado para longe. Matar um bode para se livrar dos pecados
virou um hábito religioso e assim surgiu a expressão “bode expiatório”.

Após a segunda diáspora, começa o período arcaico (séculos VIII a VI


a.C.), com a colonização que colocou os gregos por toda a área costeira da bacia
do Mar Mediterrâneo e do Mar Negro. Assim, as trocas de mercadorias por todo
o Mediterrâneo iniciam, dando uma nova vida ao comércio. Então, aparece a
moeda como uma forma de promover os acordos comerciais.

Ocorreram a formação e o desenvolvimento das pólis, conhecidas como


cidades-estado, que foram governadas por conselhos de proprietários de terras,
dando início aos regimes oligárquicos.

No lugar mais alto de cada cidade eram erguidas as chamadas acrópoles.


Estavam acomodados os principais templos, fortificações militares e a residência
das famílias mais aristocráticas. Do outro lado, na parte baixa, a paisagem
urbana era definida pela existência do mercado e, nas suas adjacências, viviam os
comerciantes, artesãos e demais trabalhadores.

As cidades eram, afinal, grandes centros comerciais e núcleos urbanos


responsáveis pelas decisões políticas e trânsito de mercadorias. Desenvolviam
leis, justiça e estabeleciam a divindade a ser cultuada. As cidades-estado mais
importantes do período arcaico foram: Atenas, Esparta, Tebas e Corinto.

Com um número muito maior de pólis, diversas delas assumem o papel


de importantes centros comerciais e portos estratégicos para a navegação. A mais
importante atividade econômica deixou de ser a agricultura e o comércio passa a
ser a principal razão de progresso econômico.
112
TÓPICO 1 | INTRODUÇÃO E CONTEXTO HISTÓRICO DA FILOSOFIA

Tal desenvolvimento econômico propiciou progressos significativos na


qualidade de vida da população. Ocorreram estabilidade política e econômica
determinantes para haver prosperidade e o nascimento da filosofia. Importantes
atividades tiveram, no momento, a oportunidade ideal para o desenvolvimento,
como as navegações, a moeda, o calendário, a escrita alfabética e a política.

Com a política, há uma ruptura no modo de perceber a organização social.


A pólis passa a ser um lugar onde as pessoas decidem o próprio destino e não
mais os deuses. O governo dos homens só foi possível porque eles eram livres
para criarem suas próprias leis a partir do debate público. A atividade política foi
essencial para que se iniciasse a manifestação da filosofia através do diálogo, do
debate e do questionamento.

E
IMPORTANT

No período, também houve o surgimento dos Jogos Olímpicos, que, além de


reunirem competidores de diversas partes, marcavam um momento de trégua para todos
os embates em curso.

O período pré-socrático representa, como o próprio nome já diz, o período


dos primeiros filósofos gregos que vieram antes de Sócrates. A filosofia foi
utilizada para explicar a origem do mundo e de tudo em sua volta. Questionava a
origem e as transformações que aconteciam com a natureza e com o ser humano
com o passar do tempo.

Destaque para o filósofo Tales de Mileto, importante pensador, filósofo


e matemático. É considerado o pioneiro da filosofia ocidental. Suas ideias
ampliaram os horizontes teóricos da astronomia, filosofia e matemática.

Perseguia respostas racionais para os fenômenos da natureza e para


as razões da existência. Acreditava que a água era a essência de tudo, sendo o
principal elemento da natureza e o princípio único que explicava todas as coisas.

O período socrático ou antropológico muda a direção do estudo da


filosofia, que sai da metafísica para investigar questões humanas como a ética e a
política. Ainda, há destaque para o desenvolvimento da democracia, que concede
o direito de igualdade ao habitante das cidades gregas, concedendo inclusive a
faculdade legal de tomar parte no governo e, se necessário, sugerir mudanças na
educação grega.

Foi um momento de grande desenvolvimento cultural e científico. O


sistema democrático era propício para o pensamento e, então, surgiram os sofistas
e o grande pensador Sócrates.
113
UNIDADE 3 | CONCEITOS E FUNDAMENTOS DA FILOSOFIA

LEITURA COMPLEMENTAR

A FILOSOFIA E SEU ENSINO: REFLEXÕES A PARTIR DA


PERSPECTIVA MERLEAU-PONTYANA SOBRE FILOSOFIA
E HISTÓRIA DA FILOSOFIA

Patrícia Del Nero Velasco


Rafael Calvalcanti Braga

As relações entre filosofia e história não são consenso. Descartes e


Nietzsche estão entre os autores que não compreendem o estudo da história
como relevante para a filosofia. Para o primeiro, estudar a história da filosofia
é se dedicar somente a uma espécie de conhecimento erudito que não possui
nenhum caráter científico. Segundo Descartes, o conhecimento verdadeiro é uno
e é apresentado ao pensador de maneira clara e distinta.

A diversidade dos sistemas filosóficos é prova de que nenhum deles possui


a verdade. Se algum possuísse, não existiriam empecilhos para que seu sistema
fosse imposto de modo inquestionável. Ter ciência de um objeto corresponde
a reconstruir este último pelo entendimento e, portanto, não significa conhecê-
lo historicamente. Deve-se, pois, rejeitar a história da filosofia como fonte de
conhecimento verdadeiro.

Nietzsche, por sua vez, sustenta que o homem passou a procurar a verdade
e a cultuá-la, apegando-se à razão, à consciência, à religião, ao instinto social e à
história. Para o autor, o intelecto serve à vida, não conduzindo para além desta.
Não há como pensar o conhecimento desvinculado da vida.

O homem histórico, nas palavras nietzschianas, olha o passado na


tentativa de entender o presente e desejar o futuro com mais intensidade. Não
se questiona se a vida precisa do serviço da história. A história não poderia ser
objeto da filosofia.
A história erudita do passado nunca foi a ocupação de um filósofo
verdadeiro, nem na Índia nem na Grécia; e um professor de filosofia, se
se ocupa com trabalhos desta espécie, tem de aceitar que se diga dele, no
melhor dos casos: é um competente filólogo, antiquário, conhecedor de
línguas, historiador – mas nunca: é um filósofo (NIETZSCHE, 1983, p. 81).

Para Nietzsche, filosofia e história da filosofia não se confundem. O estudo


da história não passa de mera erudição, não sendo tarefa filosófica.

A relevância filosófica da história da filosofia é formulada primeiramente


nas "Lições sobre a História da Filosofia", de Hegel. Cada sistema de pensamento
é visto como responsável pelo surgimento de outros sistemas e entendido como
parte de um processo evolutivo imprescindível à finalidade da filosofia.

114
TÓPICO 1 | INTRODUÇÃO E CONTEXTO HISTÓRICO DA FILOSOFIA

Os sistemas filosóficos são momentos necessários para o desenvolvimento


da própria filosofia. Esta seria, para o autor, um todo orgânico, um grande sistema
que se aprimora em suas partes e, com o tempo, atingirá seu fim.
O estudo do passado sempre dirá algo ao presente. Desde então, o
curso da história não apresenta o devir de coisas estrangeiras, mas
o devir de nossa filosofia. O estudo da história da filosofia é agora
indiscernível do estudo da filosofia. A história da filosofia é, ela
mesma, filosófica (MOURA, 1988, p. 156).

A ideia hegeliana de uma história da filosofia que não se limita à doxografia


foi desenvolvida por historiadores estruturalistas, os quais, no entanto, rejeitaram a
proposta de um devir filosófico. Buscaram, em alguma medida, conciliar o caráter
filosófico da filosofia com o pretendido caráter científico da mesma filosofia.

O estudo da história da filosofia tem interesse para a filosofia. A história,


bem compreendida, é sempre uma história sapientiae, que mostra o passado como
contemporâneo ao presente. A história da filosofia pode ser tanto ciência rigorosa
quanto disciplina filosófica e o estruturalismo pretende ser um método ao mesmo
tempo científico e filosófico (MOURA, 1988).

Manter relações não exteriores, mas essenciais, passa a ser crucial para
a filosofia se firmar como pensamento original (evitando a história stultitiae).
Contudo, se o terreno intelectual pró-hegeliano não cumpre a exigência de
cientificidade na história da filosofia, como garantir a cientificidade?

O historicismo passa a ser a fonte histórica e filosófica do estruturalismo.


Na ótica da história, há uma sucessão de doutrinas explicáveis por causas. Na
ótica do ceticismo filosófico, as filosofias são objetos da história e nenhuma tem o
privilégio de ser considerada como detentora da verdade.

Cada sistema é irredutível. Postas sob a perspectiva temporal, as doutrinas


cedem lugar para uma história preocupada com a reconstituição autêntica. Por
conseguinte, o estruturalismo pretendeu solucionar a ambiguidade fundamental
do homem moderno na escolha entre o passado conhecido como presente
(destituindo o caráter ativo do filósofo) e o passado distanciado do presente
(destituindo o apoio da história).

O filósofo reconhece a história da filosofia como ponto de apoio e é,


ao mesmo tempo, autor. O valor filosófico da história da filosofia reside na
consideração do conhecimento racional como definido pelo sistemático. O sistema
como expressão da racionalidade em geral é a garantia de uma história sapientiae.

Não se pretende, neste artigo, esgotar as posições filosóficas sobre as


relações entre filosofia e história da filosofia. Introduzido o tema, será apresentada
a perspectiva de Merleau-Ponty, a partir da qual se objetiva extrair subsídios para
fundamentar, na parte final deste texto, as relações entre a filosofia e seu ensino.

FONTE: VELASCO, Patrícia Del Nero; BRAGA, Rafael Calvalcanti. A filosofia e seu ensino: reflexões
a partir da perspectiva Merleau-Pontyana sobre filosofia e história da filosofia. Kriterion, Belo
Horizonte, v. 55, n. 130, p. 1-1, 2014. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_
arttext&pid=S0100-512X2014000200011>. Acesso em: 10 ago. 2018.

115
RESUMO DO TÓPICO 1

Neste tópico, você aprendeu que:

• A filosofia antiga surge com a substituição do saber mítico e possui um


conteúdo preciso ao nascer: é uma cosmologia.

• Antes da filosofia, eram estudados os mitos, suas origens, desenvolvimento


e significado. Existiam várias formas para compreendermos o surgimento de
todas as coisas.

• O mito surge a partir da explicação da origem e da forma das coisas, suas


funções e finalidade, os poderes do divino na natureza e os homens. Não busca
causas em relações sobrenaturais, mas em relações naturais.

• O mito tem o objetivo de transmitir algo sem pensar muito, de modo a colocá-
lo em dúvida.

• Com a política, há uma ruptura no modo de perceber a organização social.

• A pólis passa a ser um lugar onde as pessoas decidem o próprio destino e não
mais os deuses.

• O período socrático ou antropológico muda a direção do estudo da filosofia,


que sai da metafísica para investigar questões humanas como a ética e a política.

116
AUTOATIVIDADE

1 Explique o conceito de mito com suas próprias palavras.

2 Explique qual foi a principal consequência da saída do mundo dos


conhecimentos filosóficos do mundo da metafísica.

117
118
UNIDADE 3
TÓPICO 2

CARACTERÍSTICAS DO PENSAMENTO FILOSÓFICO

1 INTRODUÇÃO
No presente tópico, o aluno será apresentado para as questões acerca do
desenvolvimento do conhecimento filosófico. Esta parte do estudo é de extrema
importância. O motivo de o conhecimento filosófico ter se desenvolvido e
evoluído possibilitou que a sociedade evoluísse também.

Encontraremos noções da importância da filosofia para o desenvolvimento


pessoal e social dos seres humanos. Isso ocorrerá ao elaborarmos uma
linha histórica da vida e obra dos três principais autores e filósofos gregos.
Acompanharemos, de maneira básica, o raciocínio lógico dos três.

Assim, visualizaremos uma linha histórica desde Sócrates, passando por


Platão e chegando, por fim, ao pensamento filosófico de Aristóteles. Entendendo
as diferentes épocas e situações, o aluno será capaz de identificar as motivações
do conhecimento filosófico, adquirindo noção sobre a importância da evolução
dessa ciência humana que até hoje se faz tão importante.

2 PENSADORES
Os sofistas defendiam uma educação cujo objetivo máximo seria a
formação de um cidadão pleno, preparado para atuar no crescimento da cidade.
Com a proposta, o jovem deveria ser preparado para a retórica, ou seja, para falar
bem, pensar e manifestar suas qualidades artísticas.

Vendiam suas habilidades de oratória para os cidadãos. Defendiam


a opinião de quem interessasse e adotavam a ideia de que a verdade nasce do
consenso entre os homens. Para Sócrates, os sofistas não eram, de fato, filósofos.
Não amavam a sabedoria e não respeitavam a verdade, pois defendiam qualquer
ideia que fosse vantajosa.

119
UNIDADE 3 | CONCEITOS E FUNDAMENTOS DA FILOSOFIA

Sócrates acreditava que os sofistas haviam falhado. Eles orientavam a


pessoa ambiciosa para o triunfo político, mas a oratória e o raciocínio perspicaz
não instruíam um homem na arte de viver. A verdade está ligada ao bem moral
do ser humano. Preocupava-se com a perfeição do caráter de cada pessoa e com
a conquista da excelência moral.

Platão revelou a figura de Sócrates como sendo uma pessoa que andava
pelas ruas e praças de Atenas, perguntando para cada um sobre ideias e valores
que os gregos acreditavam e julgavam conhecer. Ele não deixou textos ou outros
documentos.

Assim, só podemos conhecer as ideias de Sócrates através de relatos


dos seus discípulos. O filósofo reflete sobre o homem e busca entender o
funcionamento do universo dentro de uma concepção científica. Não era a favor
da democracia grega praticada em Atenas e achava que as cidades deveriam ser
governadas pelos sábios.

A filosofia socrática esteve relacionada com o autoconhecimento e


desenvolvida pelos diálogos críticos (a ironia e a maiêutica). Criou um método
de investigação do conhecimento através da maiêutica, “técnica de trazer a luz”.
Por meio de sucessivas questões, chegávamos na verdade.

A maiêutica se originou do termo grego maieutike, que quer dizer "arte


de partejar". A expressão foi usada em associação ao trabalho das parteiras,
profissão da mãe de Sócrates. O objetivo do seu método era o "parto intelectual"
dos indivíduos.

Para uma verdade ser perseguida, o homem deveria antes se analisar e


reconhecer sua própria ignorância. Sua discussão, então, parte desse princípio e busca
levar tal reconhecimento por meio da maiêutica, que era um método de investigação
interrogativo, o primeiro passo do seu método a fim de encontrar a verdade.

Com perguntas provocativas e aparentemente simples, ele utilizava a


ironia de que nada sabia para que emitissem opiniões como se fossem verdades
definitivas. Assim, questionava, fazendo o indivíduo duvidar de assuntos
que julgava conhecer e revelando que, na realidade, eram temas associados a
preconceitos ou valores sociais. Por fim, era necessário obrigá-los a confessar a
própria ignorância.

As pessoas passavam a refletir sobre a questão, abandonando conceitos


predefinidos e “parindo” novas ideias. Sócrates pensava que o conhecimento presente
no espírito humano precisava apenas da orientação do mestre para se manifestar.

Existiam verdades universais, válidas para toda a humanidade em


qualquer espaço e tempo. Contudo, para que fosse possível encontrá-las, era
preciso antes refletir sobre elas e descobrir suas razões.

120
TÓPICO 2 | CARACTERÍSTICAS DO PENSAMENTO FILOSÓFICO

Acredita-se que, no Oráculo da cidade de Delfos, o deus Apolo declarou


que Sócrates era o homem mais sábio de Atenas. Sócrates costumava dizer “Só sei
que nada sei”, frase que se tornou síntese de seu pensamento. Concluiu que era
sábio porque era o único que sabia que nada sabia.

E
IMPORTANT

Os gregos acreditavam que a Suprema Sacerdotisa, intitulada de Pítia, entrava


em estado de transe e era capaz de dar respostas e fazer previsões sobre o futuro. Pítia era,
para eles, a porta-voz do Deus Sol, Apolo. Este, através dela, supostamente transmitia as
vontades de seu pai, Zeus. Na época, as Pítias eram dotadas de enorme influência e, com o
aval do Oráculo, diversas guerras aconteceram e deixaram de acontecer.

Sócrates também fez vários inimigos e terminou sendo acusado de ateísmo


e corrompimento dos jovens gregos. Com objetivo de afastá-lo, foi julgado e
condenado ao exílio, mas, em sua teimosia, preferiu a morte, ingerindo cicuta.
Determinados eventos são contados por Platão em suas obras.

E
IMPORTANT

A cicuta é um gênero de plantas muito venenosas. O veneno produzido passou


a ser conhecido como veneno de Sócrates.

Platão foi discípulo de Sócrates e mestre de Aristóteles. Criador de uma


escola que ficou conhecida como Academia de Atenas, é um dos mais importantes
e conhecidos filósofos gregos, estudado até a atualidade.

Empenhava-se em transmitir uma profunda fé na razão e foi


importantíssimo para a história da filosofia, tido como responsável por termos
acesso ao pensamento de diversos filósofos da Grécia antiga.

As ideias formavam o foco do conhecimento intelectual e os sábios, portanto,


teriam a função de entender o mundo da realidade e separá-lo das aparências.
Influenciou profundamente a filosofia ocidental com seu método de diálogo, que
valorizava o debate e conversação como formas de alcançar o conhecimento.

Discorre sobre política grega, ética, atividades das cidades, cidadania e


questões sobre a imortalidade da alma. Mencionava que a sociedade ideal deve
ser dividida em três classes, separando as pessoas por sua capacidade intelectual.
121
UNIDADE 3 | CONCEITOS E FUNDAMENTOS DA FILOSOFIA

Com a primeira categoria ligada às necessidades do corpo, haveria a


produção e a distribuição de gêneros entre lavradores, artífices e comerciantes.
A segunda categoria deveria se preocupar com a defesa, representada pelos
soldados. A terceira categoria, superior e mais capacitada para se servir da razão,
é a composta pelos intelectuais, que detêm o poder político. Os governantes
deveriam ser escolhidos entre os filósofos.

Na mesma obra, divulga o mito da caverna. Fala sobre pessoas no interior


de uma caverna que estão, desde a infância, acorrentadas no pescoço e nos pés. Não
podem ver a saída, apenas sombras de pessoas que estão do lado de fora sendo
projetadas por uma fogueira, de forma que fiquem distorcidas, grandes e estranhas.

Os indivíduos acreditam que seria a única coisa que existe, pois não
entendem nada de luz e sombra. Também não fazem nenhuma ideia do que pode
haver do lado de fora da caverna.

A partir do momento em que um deles consegue se soltar das correntes,


o questionamento o leva para o exterior. A luz o ofusca e, a princípio, o assusta,
para depois revelar um mundo brilhante, colorido e bonito.

As sombras se revelam como uma imitação ruim do que é o verdadeiro


mundo. Com felicidade, ele volta à caverna para contar aos seus colegas o que
viu. Contudo, não consegue convencê-los e, em decorrência, matam-no.

A alegoria da caverna é, então, a representação dos seres humanos antes


do contato com a filosofia e sua ascensão em relação ao novo patamar perceptivo.
Desde a infância, o sujeito se torna prisioneiro e suas correntes são os hábitos,
preconceitos, costumes e práticas que foram adquiridas ao longo da vida.

As sombras são a forma limitada e distorcida com a qual podem enxergar


o mundo através da ignorância. A caverna é o domínio da opinião. O homem
se liberta com ajuda da filosofia para, enfim, alcançar a luz, que é a verdade do
mundo das ideias.

Platão analisa a questão através do dualismo da teoria das formas. Por


trás da realidade concreta, existe outra abstrata. Há dois mundos:

• Mundo das formas ou ideias: trazido pela alma e desde o seu nascimento um
conhecimento prévio, que possibilita a identificação do objeto. Comumente
denominado como conhecimento inato. São as ideias ou formas que residem
no mundo inteligível, fora do tempo e do espaço. É o tipo mais elevado e
fundamental de realidade. Mesmo não possuindo existência física, as formas
são substanciais e imutáveis. Os objetos do mundo regular organizam suas
estruturas conforme as ideias ou formas primordiais.

• Mundo concreto e sensível: é disponível pelos sentidos. Tudo o que


conhecemos pelo olfato, paladar, audição, visão e tato. A opinião, constituída
das percepções, tem uma “falsa consciência” de si mesma, considerando-se
correta. Tudo está mudando e sujeito ao erro.

122
TÓPICO 2 | CARACTERÍSTICAS DO PENSAMENTO FILOSÓFICO

A abordagem de que o verdadeiro conhecimento é alcançado pela razão


em vez dos sentidos é o alicerce do racionalismo. É necessário um processo mental
e lógico para que se alcance uma conclusão realista. Importante também para o
avanço da racionalização da fé cristã, principalmente através de sua influência a
partir do filósofo e teólogo Agostinho.

A diferença primordial é que os sofistas legitimam as opiniões e as


percepções sensoriais e trabalham com elas para produzir argumentos de
persuasão, enquanto Sócrates e Platão acreditam que as opiniões e as percepções
sensoriais, ou imagens das coisas, são fonte de erro que nunca atingirão a verdade
plena da realidade.

Outro grande sábio da época foi Aristóteles, nascido em uma colônia de


origem jônica, na Macedônia, Grécia. Era filho do médico do rei e teve muito contato
com ciências naturais. Desenvolveu os estudos de Platão e Sócrates. Foi para Atenas
estudar na Academia de Platão e logo se tornou seu discípulo preferido.

Desenvolveu a lógica dedutiva clássica como método para alcançar o


conhecimento científico. A sistematização e os meios devem ser desenvolvidos
para chegarmos ao conhecimento pretendido, indo sempre dos conceitos gerais
para os específicos.

O trabalho de Aristóteles é pautado como uma refutação ao seu mestre.


Poderíamos obter o conhecimento no próprio mundo em que vivemos. Platão,
por exemplo, era a favor da existência do mundo das ideias e do mundo sensível.

Após a morte de seu mestre, Aristóteles se considerava seu substituto


natural na direção da Academia, mas foi recusado e substituído por um ateniense
de origem. Decidiu, então, fundar sua própria escola, chamada Liceu, onde
recebia todo o público.

Considerado muito importante em várias áreas, Aristóteles se destacou na


lógica. Alcançou a lógica dedutiva, que estudava quais relações entre proposições
são conduzidas a conclusões válidas e quais, por outro lado, resultam em
argumentos inválidos. É um raciocínio mediado que fornece o conhecimento de
uma coisa a partir de outras coisas e sempre buscando a causa.

Na biologia, ensinou ao mundo como observar e classificar os seres vivos.


Classificou e estudou muitas espécies. Inclusive, foi o pioneiro no estudo de
peixes e os separando dos mamíferos marinhos. É considerado o fundador da
disciplina. Muitos também o veem como um grande mestre de ética, metafísica,
química, ótica, física, psicologia e retórica.

Com a morte do rei da Macedônia, Alexandre Magno, aluno de Aristóteles,


uma onda de ódio tomou conta dos atenienses e o filósofo, que era seu amigo,
teve que fugir para não ser preso. Triste com a ingratidão dos atenienses, pôs fim
em sua vida da mesma forma que Sócrates, se envenenando com cicuta.

123
UNIDADE 3 | CONCEITOS E FUNDAMENTOS DA FILOSOFIA

LEITURA COMPLEMENTAR

A NATUREZA DO FILÓSOFO

Emilia Maria Mendonça de Morais

Se, na tradição pré-socrática, a concepção de phýsis aparece tanto associada


à superação do mito e à intervenção divina quanto à afirmação de um princípio
material ou imanente ao cosmos, quando transposta para A República e à definição
do filósofo, a noção ressurgirá vinculada à psykhé.

Apesar da concepção tripartite da alma, apresentada por Sócrates no livro


IV do diálogo, a natureza do filósofo não se subordina a nada que seja orgânico
ou fisiológico.

Desprendida da materialidade, conforma-se ao pensamento e permanece


atada ao divino, cujo apelo integra verdade e justiça. Divina seria, então, a própria
filosofia: o maior benefício que os deuses concederam à raça dos mortais, segundo
o Timeu; assim como o método que a define, a dialética, fora um presente dos
deuses aos humanos, segundo o Filebo.

Falar da natureza do filósofo, por conseguinte, pressupõe abordar


a natureza da mesma filosofia. No caso de um filósofo grego antigo e, mais
particularmente, de Platão, filosofia e vida estão muito imbricadas, sobretudo se
levarmos em conta o registro do testemunho socrático.

A primeira imagem delineada do filósofo nos escritos de Platão é a do


próprio personagem Sócrates, visando sempre a uma sabedoria que se descola do
solo do prestígio público.

Desde os primeiros passos da Apologia, o personagem do filósofo chama a


atenção para a sua fala estranha nos tribunais antes mesmo de discorrer sobre a
sua vida, desvinculada das ocupações políticas e dos interesses.

Reencontramos as ressonâncias do estranhamento no Górgias e no Teeteto.


No diálogo com Polo, Sócrates relembra que provocou risos por sua inabilidade
quando fora convocado a exercer na Assembleia as funções da pritania.

No Teeteto, Sócrates retoma o tema da excentricidade dos mais sábios. Evoca


a anedota sobre Tales, tão desligado que, ao caminhar, fora incapaz de enxergar um
poço na sua frente. Indiretamente, refere-se também a si mesmo quando discorre
sobre a inaptidão prática dos filósofos, sempre provocando a chacota, ora de
incultas jovens trácias, ora dos seus mais ou menos próximos concidadãos.

Durante o seu processo, Sócrates reconhecera seus vínculos diretos com


Apolo, o deus que levou ele a fazer da filosofia um exercício aberto e público.
Desde então, o exame de si mesmo passou a ter seu lado reverso e complementar:
o exame dos pretensos sábios da pólis.

124
TÓPICO 2 | CARACTERÍSTICAS DO PENSAMENTO FILOSÓFICO

Os mesmos vínculos são reafirmados no Fédon, pois o filósofo,


identificando a filosofia, teria até mesmo composto uma melodia ao deus oracular,
o qual, rememorando o canto divinatório dos cisnes na iminência da morte, se
reconhecera consagrado.

Em paralelo ao deus explicitamente designado, evoca o signo do divino


(daimónion), seja através da voz (phoné), que guia o filósofo porquanto o retém,
seja através do Eros mediador que, a partir do desejo de um só corpo, rege a sua
progressiva ascensão do sensível até a contemplação da beleza como forma inteligível.

No Banquete, o discurso atribuído ao Alcebíades associa o próprio Sócrates


ao percurso ascético que Diotima expusera para atar o elo amoroso ao elã extático
proporcionado por Eros. No relato mítico do Fedro, o filósofo é representado como
um humano possuído pelo divino e, no Timeu, a intelecção da qual participam os
deuses (noû dè theoús) é também atribuída a alguns poucos dentre os humanos.

O Sofista, diálogo tardio, ainda pode ser lembrado como um dos vários
exemplos de que, para Platão, em uma vida pautada pela filosofia, não se
firmariam rupturas, nem sequer distâncias intransponíveis entre a práxis e
a theoría orientada.

Reconstruindo os parâmetros teóricos da hipótese das formas inteligíveis,


o diálogo começa com o elogio do filósofo e termina com o menosprezo do próprio
sofista. Em seu prólogo, Teodoro afirma ser o Estrangeiro de Eléia um filósofo,
não um deus, mas um ser divino, como seriam todos os filósofos.

Sócrates se mostra de acordo, mas adverte que o gênero divino não é fácil
de definir. Este se reveste de múltiplas aparências entre os humanos. Embora os
filósofos enxerguem as multidões e a vida dos homens das alturas, podem ser
confundidos com políticos ou até mesmo sofistas.

Depois da longa discussão, da reconstrução da questão do ser a partir dos


gêneros supremos e da noção de alteridade ontológica, o diálogo se encerra com
a sentença que reduz a sofística para uma mera arte imitativa. Esta, ao fomentar
contradições no terreno das opiniões, apenas produz simulacros e ilusões. Seus
porta-vozes pertenceriam a uma raça apenas humana, de nenhum modo divina.

Platão aborda tanto a natureza do filósofo quanto a atividade filosófica


por proposições afirmativas, mas também por justaposições que se constroem
através de negativas.

No alvo das negações, invariavelmente, estão os sofistas e a sofística.


É assim no Protágoras, no Górgias, no Fedro, na República, no Teeteto e no
próprio Sofista. A distinção talvez mais marcante e recorrente: a vida e o pensar
do filósofo concernem ao divino e a prática dos sofistas diz respeito apenas ao
humano, ou melhor, ao mundano.

FONTE: DE MORAIS, Emilia Maria Mendonça. A natureza do filósofo. Kriterion, Belo Horizonte, v. 151,
n. 122, p. 1-1, 2010. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0100-
512X2010000200009>. Acesso em: 11 ago. 2018.

125
RESUMO DO TÓPICO 2

Neste tópico, você aprendeu que:

• Para Sócrates, os sofistas não eram, de fato, filósofos, tendo em vista que não
amavam a sabedoria e não respeitavam a verdade, pois defendiam qualquer
ideia que fosse vantajosa.

• Sócrates reflete sobre o homem e busca entender o funcionamento do universo


dentro de uma concepção científica.

• Não era a favor da democracia grega praticada em Atenas. As cidades deveriam


ser governadas pelos sábios.

• A filosofia socrática esteve relacionada com o autoconhecimento (“conhece-te


a ti mesmo”).

• Platão foi discípulo de Sócrates e mestre de Aristóteles. Criador de uma escola


que ficou conhecida como Academia de Atenas.

• Alegava que as ideias formavam o foco do conhecimento intelectual e os sábios,


portanto, teriam a função de entender o mundo da realidade e separá-lo das
aparências.

• A alegoria da caverna é a representação dos seres humanos antes do contato


com a filosofia e sua ascensão em um novo patamar perceptivo.

• O trabalho de Aristóteles é pautado como uma refutação ao seu mestre.


Aristóteles dizia que poderíamos obter o conhecimento no próprio mundo em
que vivemos. Platão, por exemplo, era a favor da existência do mundo das
ideias e do mundo sensível.

126
AUTOATIVIDADE

1 Qual a principal diferença entre os sofistas e Sócrates?

2 Explique de que maneira a história de Sócrates influenciou na obra de seu


discípulo Platão.

127
128
UNIDADE 3
TÓPICO 3

O PROCESSO DE FILOSOFAR

1 INTRODUÇÃO
No presente tópico, o aluno será apresentado a uma questão um pouco
mais aprofundada. É dedicado ao conceito daquilo que chamamos de filosofar.

O ensinamento da filosofia traz inúmeras possibilidades. Uma das


questões importantes que pairam em torno dessas probabilidades diz respeito à
questão: o ensino deve se ocupar da compreensão da filosofia ou do entendimento
sobre o processo de filosofar?

Para desvendar essas questões, serão estudados os conhecimentos


elaborados pelo filósofo Immanuel Kant em relação ao processo de filosofar. O
filósofo se dedicou a esclarecer o desenvolvimento das estruturas de fixação e
compreensão da realidade, que proporciona ao ser humano a sensação de estar
inserido dentro do universo.

2 O CONCEITO DE FILOSOFAR
O ensinamento da filosofia traz inúmeras possibilidades. O ensino deve
se ocupar da compreensão da filosofia ou do entendimento sobre a prática do
processo de filosofar?

São imprescindíveis a tarefa de filosofar e o aprendizado sobre filosofia


para aqueles que possuem interesse na disciplina. Assim, o aprendizado de
ambos é possível através de quais procedimentos e ferramentas?

As questões levantadas manifestam uma maneira de ser pensada a


realização da filosofia. A questão central que assola os estudantes da filosofia é
justamente a questão sobre o que seria precisamente a filosofia.

129
UNIDADE 3 | CONCEITOS E FUNDAMENTOS DA FILOSOFIA

Temos então que as possíveis respostas das questões estão diretamente


ligadas à linha de pensamento filosófico, acompanhando seu longo caminho
histórico, sua construção e desenvolvimento.

Fundamentalmente, podemos afirmar que filosofar é exercitar as


interrogações, é o indagar sobre o sentido das coisas, a busca dos porquês dos
seres humanos e do planeta. A filosofia é construída e desenvolvida na dúvida. É
a busca das verdades além do que a realidade aparenta ser, além do óbvio.

Os filósofos são pessoas que estavam inquietas com a aparente realidade


das coisas. Pessoas que alcançavam um olhar diferenciado a respeito daquilo que
viam, ainda que olhassem para as mesmas coisas que os outros. Filósofos buscavam
enxergar além, obtendo a compreensão de particularidades sobre o mundo.

Através do exercício do olhar diferenciado, os filósofos buscavam


encontrar respostas que julgavam coerentes para os problemas aparentemente
sem fundamentos. Seria muito simples apenas olhar os problemas de convivência
social, reconhecê-los e seguir em frente sem questioná-los. Os filósofos dispunham
de sua energia e tempo para tentar solucionar tais problemas, começando por
entender o porquê dos conflitos acontecerem.

Assim, é imprescindível que o pensamento filosófico seja, acima de tudo,


um pensamento crítico. A filosofia deve seguir caminhos opostos aos das verdades
dogmáticas. Deve elevar o pensamento para longe das visões reducionistas sobre
o homem e o mundo.

Para fins de disciplina da filosofia, é importante que ela se ofereça como


um agrupamento de ideias organizadas e portadora de determinada rigidez
terminológica e acadêmica. Ocorre que o diferencial do conhecimento filosófico é
justamente o seu criticismo. Ele não se apega com uma única filosofia.

É permitido falarmos em filosofias e não “da filosofia”, como um único


monopólio da realidade. O conhecimento filosófico acredita na existência de
diferentes visões da realidade. São tais visões que proporcionam para a filosofia
um conhecimento fundamentado na história do pensamento.

Assim, o conhecimento filosófico é instituído através do seu específico


método de construção histórica. É o resultado metódico, organizado e rígido
de uma sequência de princípios ideológicos elaborados para a conservação,
crescimento ou modificação de concepções vigentes em algum momento da
história da filosofia.

Podemos concluir que filosofar é o ato de estar aberto para questionar,


é a busca por indagações e com o objetivo de produzir reflexões sobre ideias e
princípios que aparentavam ser imutáveis.

130
TÓPICO 3 | O PROCESSO DE FILOSOFAR

O ato de filosofar é, especialmente, pensar de modo crítico. É um


pensamento desamarrado e autônomo e que se baseia em princípios racionais
elaborados no decorrer da história do pensamento humano, expostos nos textos
da própria filosofia. Ainda, na realidade contemporânea que cerca o agente do ato
de filosofar, pois, nas relações humanas, temos a origem das questões filosóficas.

3 IMMANUEL KANT E O PROCESSO DE FILOSOFAR


Immanuel Kant (1724–1804), filósofo alemão, é fundador da chamada
Filosofia Crítica. Kant consagrou suas ideias na história da filosofia e ao concentrar
sua carreira na determinação conceitual referente ao debate sobre a natureza do
conhecimento humano.

O filósofo se dedicou a esclarecer as maneiras de desenvolvimento das


estruturas de fixação. Ainda, há a compreensão da realidade e que proporciona a
sensação de estar inserido dentro do Universo.

Assim, Kant se tornou um dos principais expoentes da filosofia moderna.


Tratou de demandas que englobavam desde a natureza do espaço e do tempo até
as questões de moralidade humana.

O reconhecimento de Kant aconteceu, especialmente, pelo fato de que


suas ideias possibilitavam uma conexão entre a ideia do racionalismo, que tem
em Descartes seu principal expoente, e do empirismo, da maneira apresentada
por Hume. Kant conseguiu trabalhar as questões sobre a razão humana sem
deixar de considerar a importância das experiências no processo de obtenção do
conhecimento.

Após a breve apresentação, passaremos a avaliar a parte da obra de Kant


que nos concerne para o desenvolvimento de nossa noção de filosofia. O filósofo
merece lugar de destaque neste livro, pois tomou posição importante no que diz
respeito à questão do ensino da filosofia e do pensar filosófico.

Ainda que tenhamos apenas uma base principiante, a partir daqui


teremos condições de analisar as questões que se referem ao pensamento crítico,
à autonomia do pensar e aos reflexos no ensinamento da filosofia ou no filosofar.

Já sabemos que a compreensão do pensamento de determinado


sistema filosófico ocorre através da obtenção do conhecimento da história de
tal pensamento. Podemos afirmar que, quando compreendemos conceitos da
filosofia, não estamos automaticamente compreendendo como desenvolver o
processo do ato de filosofar.

Kant ficou reconhecido por sua frase “não se ensina filosofia, mas a
filosofar”. Fez com que o ensino da filosofia se voltasse não para os conceitos
filosóficos, mas para a atitude filosófica, para o raciocínio crítico.

131
UNIDADE 3 | CONCEITOS E FUNDAMENTOS DA FILOSOFIA

Contudo, como fazer para que o aluno estudioso da filosofia desenvolva


autonomia de pensamento e aprenda a filosofar? A resposta é mais difícil do que
realmente parece.

Primeiramente, cabe ao professor não restringir suas aulas a apresentações


de conteúdo já solidificado. Ao expor o conteúdo, deve instigar o diálogo consigo
mesmo por meio de indagações adequadas. Kant chama de método “erotético”.

O método erotético ocorre por meio de procedimentos de diálogo e


catequese. Ocorre que o professor deve direcionar suas perguntas para a razão do
estudante ou, ainda, meramente para a memória do último. Se o mestre pretende
questionar a razão do seu aluno, deve fazer através de um diálogo. Os dois devem
proferir questionamentos em uma espécie de troca. Cada um dirige questões e
também as recebe.

O professor deve elaborar perguntas oportunas de maneira a sugerir um


norte para a linha de raciocínio de seu estudante. Deve levantar casos e demonstrar
que está ciente de que ocorre predisposição do aluno em se sentir instigado para
seguir nos questionamentos.

Assim, o estudioso da filosofia compreende sua própria capacidade de


raciocinar, reagindo às indagações do mestre. O método de ensino filosófico proposto
por Kant, a princípio, pode ser equiparado ao método socrático da maiêutica.

No método socrático, o professor realiza a elaboração da verdade por


meio de perguntas e questionamentos oportunos. O próprio professor igualmente
amplia seu conhecimento.

O destaque deve estar voltado para a atitude filosófica. Só é possível aprender


a filosofar e, por sua vez, aprender filosofia apenas em um sentido histórico.

E
IMPORTANT

No aprendizado da filosofia, o professor utiliza o método erotético para elaborar


perguntas e respostas, auxiliando os alunos a conquistarem a autonomia no ato de filosofar.

É preciso aprender a filosofar e tomar cuidado para não superestimar a


história da filosofia e não desvalorizá-la. Do ponto de vista kantiano, o método
erotético deve ser reconhecido com o intuito de ajudar o aprendiz a pensar por
si mesmo. Ainda, possui dois movimentos principais: as características do que se
entende por filosofia e o que torna alguém filósofo ou praticante da filosofia.

132
TÓPICO 3 | O PROCESSO DE FILOSOFAR

Na lógica, a filosofia faz parte dos conhecimentos racionais que se opõem


aos conhecimentos históricos. Há a existência de dois princípios: sensibilidade e
entendimento.

O entendimento concretiza a organização das reproduções elaboradoras


do conhecimento, que produzem a consciência de um ser unificado, metafísico.
Já a sensibilidade evidencia que o conhecimento é derivado do empirismo. É
diferente dos princípios do entendimento que derivam do racional.

Ao aprendermos filosofia, estamos tratando de todos os sistemas


filosóficos e, em relação à história da filosofia, da história do uso da razão. Assim,
é possível observar que o ato de filosofar acontece com o objeto da razão, ou seja,
com a história da filosofia.

E
IMPORTANT

Mesmo que a filosofia não seja ensinada, ela deve ser entendida dogmaticamente
como um conhecimento racional.

133
UNIDADE 3 | CONCEITOS E FUNDAMENTOS DA FILOSOFIA

LEITURA COMPLEMENTAR

APRENDER A FILOSOFAR OU APRENDER A FILOSOFIA: KANT


OU HEGEL?

Cesar Augusto Ramos

Com efeito, o professor deve mostrar para o aluno que a forma assistemática
e meramente opinativa de fazer filosofia leva a um relativismo estéril das ideias
ou a uma presunção no conhecimento, propiciando a atitude não rigorosa e
simplista de que cada um pode produzir a sua própria filosofia.

O procedimento autoriza o professor a adotar uma postura esotérica,


enigmática, obscura e, muitas vezes, pedante? Ainda que a filosofia hegeliana
possa sugerir tal atitude, o próprio Hegel recomenda uma outra conduta
pedagógica. De uma forma mais precisa, a filosofia alcança a aptidão para ser
aprendida apenas quando ela se torna clara, comunicável e capaz de se converter
em um bem comum.

O conteúdo filosófico já trabalhado e que constitui o acervo de pensamentos


da produção filosófica deve ser aprendido pelo estudante. “O mestre o possui, ele
o pensa primeiro, os alunos pesam-no em seguida”. Cabe ao professor possuir
determinado “tesouro” e transmiti-lo aos alunos que se identificam.

Refazer o caminho de uma filosofia originariamente elaborada em nada


diminui a autonomia e a criatividade do aprendiz, pois ele está reconstruindo no
seu próprio espírito os momentos fundamentais do filosofar. Quanto ao último
aspecto, o aspecto da coercividade da educação, é preciso observar que tanto
Kant como Hegel ressaltam a ação disciplinadora do educador.

Sobre o assunto, Hegel afirma que “o direito dos pais sobre o arbítrio dos
filhos tem por finalidade mantê-los disciplinados e educá-los. O fim das punições
não é a justiça como tal, mas de natureza moral: consiste em intimidar uma
liberdade ainda prisioneira da natureza e em elevar a consciência e a vontade
deles (filhos) para a universalidade” (HEGEL, 1995, p. 174).

A obediência apenas confirma a necessidade da identificação produzida


fora da família, no âmbito da escola. Para Hegel, o caráter identificador da ação
pedagógica que a escola produz tem um papel fundamental.

A educação escolar ajuda a formar uma personalidade que se eleva


para a esfera da universalidade concreta da cidadania. A escola deve oferecer
ao educando situações pedagógicas de um reconhecimento não excludente. Ele
educa o seu espírito e está apto a integrar as instâncias éticas que representam a
sua verdadeira natureza. O trabalho e a disciplina devem prevalecer.

134
TÓPICO 3 | O PROCESSO DE FILOSOFAR

O educador deve oferecer ao educando a força fecunda do negativo,


propiciada por relações de alteridade que, no fundo, são mecanismos de coação
legitimados pela ideia daquilo que é superior. A escola, ao efetivar o momento
dialético da negatividade educacional, se apresenta como o outro do educando.

Os conteúdos escolares e acadêmicos representam para ele a sua própria


essência “ex-posta”. É possível mediante os processos de reconhecimento, os
quais permitem a absoluta inserção do educando no seu outro segundo, sendo
um paradigma de uma intersubjetividade afirmativa e não excludente.

O método pedagógico por excelência consiste, então, em ocupar o


educando “de alguma coisa de não imediato, de estranho, de alguma coisa que
pertence à lembrança, à memória e ao pensamento” (HEGEL, 1996, p. 321).

Como exemplo do reconhecimento, Hegel sugere o estudo da cultura antiga


como instrumento pedagógico que oferece um mundo “estranho e diferente”,
uma alteridade na qual o educando deve mergulhar e ter a oportunidade de
“deixar seu próprio elemento e habitar, com Robinson, uma ilha longínqua”.

É no estudo das línguas e da cultura antiga (grego e latim) que devemos


nos “impregnar do seu ar, de suas representações, de seus costumes e, mesmo
se quisermos, de seus erros, assim como de seus preconceitos”, acostumando o
homem neste que foi o “paraíso do espírito humano”. Determinado procedimento
pedagógico de estranhamento do educando espelha a sua própria natureza.
Antecipa e prepara o próprio processo de inserção do indivíduo na vida ética
superior do Estado.

Ele reconhece pelo trabalho e pela disciplina a sua própria identidade,


superando a imediatidade (em si) da sua condição. A forma social e política da vida
ética (Sittlichkeit) constitui a verdadeira razão de ser do educando. São formas de
uma sociabilidade representada pela expressão sintética da Fenomenologia: “um
eu que é um nós e um nós que é um eu”.

A inserção do indivíduo na universalidade é propiciada pelo trabalho


da cultura (Bildung) que se perpetua como sua “segunda natureza”. O objetivo
último é a integração pacífica e voluntariosa do indivíduo como bom cidadão na
esfera da vida ética e política.

A consciência da segunda natureza é o resultado do trabalho da educação


e da cultura. Constitui a própria essência do indivíduo que ele reconhece como
sua e que está presente no aspecto objetivo da liberdade e nas instituições éticas
e políticas da Sittlichkeit.

O escopo de uma educação coerciva consiste em reconciliar o educando


com as formas de uma vida superior. O desejo do melhor não pode ser deduzido
de um ideal de perfectibilidade e muito menos estar presente na consciência e no
querer do educando.

135
UNIDADE 3 | CONCEITOS E FUNDAMENTOS DA FILOSOFIA

O princípio coator da pedagogia hegeliana faz dela, na verdade, um


procedimento conservador, no sentido de que ela está voltada para o adulto, mais
precisamente para o cidadão integrado na realidade efetiva do Estado.

A instância superior da Sitlichkeit fornece o paradigma último à educação.


A ação disciplinadora do educador antecipa as formas superiores de integração
do indivíduo na instância, mediante mecanismos pedagógicos de introjeção na
consciência e na ação do educando do propósito da boa cidadania. São mecanismos
formadores diretivos, mas nunca repressivos, e repercutirão de forma decisiva na
formação do caráter do futuro cidadão.

A alternativa hegeliana para o problema, já antecipada por Rousseau e


aprofundada por Kant, consiste em mostrar que o esquema da autorreferencialidade
comporta a obediência a um outro que deve ser o próprio sujeito e permite uma
dimensão compatível da liberdade com a coerção implícita na norma.

Se a liberdade tem o lado autorreferencial, a questão do vazio entre


a liberdade do sujeito e as normas sociais e legais não é resolvida pelo caráter
normativo no campo das ações políticas e sociais reguladas pelo direito.

Determinado caráter revela apenas uma liberdade reciprocamente


limitada pelos arbítrios. Para Hegel, obedecemos a nós mesmos e, na dimensão
ética e política abrangente da Sittlichkeit, às normas legais e políticas.

A liberdade, apesar de se apresentar na face de uma subjetividade


autorreferencial, se efetiva pela face objetiva das instâncias da vida social
mediadas pela categoria do mútuo reconhecimento. A autorreferencialidade
da norma adquire, com Hegel, um estatuto normativo social e intersubjetivo.
Esta deixa de ser endógena e cuja força objetiva não decorre simplesmente da
universalização da identidade racional de sujeitos autorreferentes.

A proposta hegeliana procura compatibilizar a liberdade na sua dupla face:


como direito da subjetividade (autorrealização) e, ao mesmo tempo, como direito
da objetividade das instituições sociais e políticas. Define, assim, a obediência
ainda na perspectiva da adesão voluntária à norma, mas mediada pela categoria
intersubjetiva do reconhecimento.

FONTE: RAMOS, Cesar Augusto. Aprender a filosofar ou aprender a filosofia: Kant ou Hegel? Trans/
Forma/Ação, São Paulo, v. 30, n. 2, p. 197-217, 2007. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/
trans/v30n2/a13v30n2.pdf>. Acesso em: 10 ago. 2018.

136
RESUMO DO TÓPICO 3

Neste tópico, você aprendeu que:

• Fundamentalmente, podemos afirmar que filosofar é exercitar as interrogações,


é o indagar sobre o sentido das coisas, a busca dos porquês dos seres humanos
e do planeta. A filosofia é construída e desenvolvida na dúvida.

• A filosofia é a busca das verdades além do que a realidade aparenta ser, além
do óbvio.

• Filósofos buscavam enxergar além, obtendo a compreensão de particularidades


sobre o mundo que os demais não alcançavam.

• Os filósofos dispunham de sua energia e de tempo para tentar solucionar os


problemas, começando por entender o porquê desses conflitos acontecerem.

• A filosofia deve seguir caminhos opostos aos das verdades dogmáticas,


procurando elevar o pensamento para longe das visões reducionistas sobre o
homem e o mundo.

• Para fins de disciplina da filosofia, é importante que ela se ofereça como


um agrupamento de ideias organizadas portador de determinada rigidez
terminológica e acadêmica.

• É permitido falarmos em filosofias e não “da filosofia” como um único


monopólio da realidade.

• O ato de filosofar é, especialmente, pensar de modo crítico. Um pensamento


desamarrado e autônomo.

• Kant conseguiu trabalhar as questões sobre a razão humana e sem deixar


de considerar a importância das experiências no processo de obtenção do
conhecimento.

• Kant ficou reconhecido por sua frase “não se ensina filosofia, mas a filosofar”.
Fez com que o ensino da filosofia se voltasse não para os conceitos filosóficos,
mas para a atitude filosófica, para o raciocínio crítico.

• O método erotético ocorre por meio de procedimentos de diálogo e catequese.

137
AUTOATIVIDADE

1 Explique quais as diferenças cruciais entre o estudo da filosofia e o processo


de filosofar.

2 Explique de que maneira Immanuel Kant obteve destaque em sua obra no


campo filosófico.

138
UNIDADE 3
TÓPICO 4

A FILOSOFIA NO MUNDO MODERNO

1 INTRODUÇÃO
Neste último tópico, o aluno será, por fim, introduzido no mundo da
filosofia moderna. Esta parte final do aprendizado deve ser reconhecida como
imprescindível para a absorção de tudo o que foi visto até o presente momento.

Devemos entender que a filosofia é uma disciplina eternamente atual.


Primeiramente, será vista a ideia central da chamada filosofia moderna e que teve
início no século XV, juntamente com o nascimento da Idade Moderna.

A partir disso, o aluno enfrentará o conceito de filosofia na


contemporaneidade. O que se compreende com certeza é que a filosofia se conserva
sendo um conhecimento acerca do entendimento da racionalidade humana. A
disciplina norteia e influencia várias outras áreas de conhecimento.

2 A FILOSOFIA MODERNA
Sentimos como se a filosofia fosse algo antigo, anterior a nós mesmos e que
ficou no passado. Devemos entender que, na verdade, a filosofia é uma disciplina
eternamente atual.

A filosofia está presente quando pensamos, agimos, enxergamos ou


sentimos. Enquanto agimos, estamos em constante análise do passado ou, ainda,
prospectando um futuro.

O principal objeto da filosofia é o ser humano. Ainda assim, especialmente


nos dias atuais, o estudo filosófico sofre preconceitos em relação à utilidade e aos
objetivos. Estes ocorrem devido ao fato de não ser uma ciência exata ou técnica,
como a maioria das demais áreas de conhecimento.

139
UNIDADE 3 | CONCEITOS E FUNDAMENTOS DA FILOSOFIA

O conhecimento filosófico tem por finalidade justamente alimentar o


pensamento, instigar uma posição questionadora nos cidadãos. O intuito é
proporcionar a vontade de conhecer a si próprio, refletir sobre seu papel dentro
do universo.

Se um indivíduo, hoje, resolve pensar filosoficamente sua vida, ele terá


que modificar sua rotina, pois os conceitos iriam ser modificados. Ocorre que o
medo do novo é natural ao homem. Somos seres de hábitos, acomodados e ficamos
acostumados com os problemas sociais e econômicos que nos cercam diariamente.

Assim, não resta ânimo para enquadrar a filosofia em nossa vida. Contudo,
é preciso resgatar o hábito de filosofar, de pensar nossas ações, questioná-las. A
filosofia expande a mente da sociedade, faz com que avance, evolua.

A filosofia moderna teve início no século XV, juntamente com o nascimento


da Idade Moderna. Essa era permanece até o século XVIII, com a chegada da
Idade Contemporânea.

Fundada nos métodos de experimento, a filosofia moderna aparece para


questionar os valores pertinentes aos seres humanos e também a relação deles
com a natureza.

O grande ponto de mudança pode ser traduzido nas figuras do


racionalismo e do empirismo. O primeiro está associado com a razão humana e o
segundo está baseado na experiência.

A nova fase da história abrange diversas descobertas científicas desde os


campos da astronomia, ciências naturais até matemática e física. Foi abrindo lugar
para o pensamento antropocêntrico, que enxerga o homem no centro do mundo.

De tal modo, o período foi caracterizado pela conflagração do pensamento


filosófico e científico. Deixou de lado as fundamentações religiosas da época
medieval e abriu passagem para novos métodos de investigação científica.

No período, a filosofia desempenhou um papel centralizador na história,


pois ofereceu uma posição mais ativa do ser humano na sociedade, como um
ser pensante e, consequentemente, um cidadão com maior liberdade de escolha.
Inúmeras modificações aconteceram no pensamento europeu da época:

• passagem do feudalismo para o capitalismo;


• surgimento da burguesia;
• formação dos estados nacionais modernos;
• absolutismo;
• mercantilismo;
• reforma protestante;

140
TÓPICO 4 | A FILOSOFIA NO MUNDO MODERNO

• grandes navegações;
• invenção da imprensa;
• descoberta do novo mundo;
• início do movimento renascentista.

Assim, as características centrais da filosofia moderna estão pautadas nos


seguintes conceitos:

• antropocentrismo e humanismo;
• cientificismo;
• valorização da natureza;
• racionalismo (razão);
• empirismo (experiências);
• liberdade e idealismo;
• renascimento e iluminismo;
• filosofia laica (não religiosa).

3 O PAPEL DA FILOSOFIA NA CONTEMPORANEIDADE


O papel da filosofia na sociedade contemporânea é um dos temas mais
discutidos por entusiastas da área. Desvendar qual a afinidade da filosofia com
o mundo contemporâneo é questão pautada por vários escritores da atualidade.

A filosofia se conserva sendo uma área de conhecimento acerca do


entendimento da racionalidade humana. A disciplina norteia e influencia várias
outras áreas de conhecimento.

Ainda, continua sendo confortante e acolhedora para aqueles que


possuem intenção de buscar autoconhecimento. A relação da filosofia com o
mundo contemporâneo ainda permanece nos seguintes termos:

• nas demandas em prol de igualdade e justiça social;


• na batalha por uma democracia praticável e de fácil acesso para todos;
• na busca constante pela verdade, por um sistema de ideias empáticas e
inclusivas, que represente a realidade sem utopias;
• nas indagações acerca de nossas origens e onde pretendemos chegar como
sociedade global. É uma temeridade estimulada pela filosofia e é um dos
pontos principais na ligação da filosofia com o mundo contemporâneo;
• nos incentivos dados para o desenvolvimento da ciência. Esta precisa de
questionamentos críticos para continuar a viver.

O que deve ser levado em consideração é o seguinte questionamento:


a filosofia deve seguir apenas como disciplina dentro do contexto acadêmico
ou deve ser colocada ao alcance de todos os cidadãos? Como fazer para que a
filosofia construa uma sociedade de indivíduos questionadores por completo e
positivando princípios de evolução social? Pense a respeito!

141
UNIDADE 3 | CONCEITOS E FUNDAMENTOS DA FILOSOFIA

LEITURA COMPLEMENTAR

O ENSINO DA FILOSOFIA NO LIMIAR DA CONTEMPORANEIDADE:


O QUE FAZ O FILÓSOFO QUANDO SEU OFÍCIO É SER
PROFESSOR DE FILOSOFIA?

Rodrigo Pelloso Gelamo

A rejeição (que poderíamos entender como uma recusa ou declínio da


filosofia), especialmente nos cursos universitários que não visam à formação
de filósofos, parece resultar de uma série de problemas que ainda não foram
resolvidos e perfazem desde propostas curriculares mal elaboradas até uma
posição que tem por objetivo a exaltação do conhecimento tecnológico.

Outro motivo pode ser o apressamento da formação atual, convertida


em mera qualificação profissional, especialmente nas instituições privadas de
ensino superior. Nestas há redução não só do tempo de formação, mas também
da qualidade e da intensidade da formação.

A quantidade de disciplinas tem sido, também, alvo da mesma política


educacional, sendo retiradas dos currículos aquelas que são consideradas menos
importantes no processo da qualificação profissional.

O que é hoje valorizado na sociedade normalizada e no espaço educacional


não é mais o desenvolvimento do pensamento, mas a transmissão de uma série
de conteúdos que, supostamente, dão condições para a integração do estudante
no quadro do progresso tecnológico e proporcionam a sua entrada no mercado
de trabalho.

Quando a filosofia participa do processo formativo, ela tem dificuldades


em encontrar seu lugar e em se reconhecer em um espaço onde é desvinculada de
si mesma. Ainda, a pouca carga horária reservada dificulta a possibilidade de um
desenvolvimento consistente do pensamento filosófico.

O tempo disponibilizado para a apreensão dos conteúdos filosóficos


e para a consolidação de um tipo de reflexão almejado pela filosofia é ínfimo.
Ao dificultar a apropriação intelectual dos conteúdos pelos alunos, a negação
de um modo de temporalidade necessário à formação do pensamento filosófico
impede a constituição de uma reflexão crítica, equivocadamente esperada sob
essas condições.

O ensino da filosofia muitas vezes se restringe a uma transmissão de


conteúdos cujo objetivo é fazer com que o aluno acumule o máximo de informações
possíveis no pouco tempo reservado.

142
TÓPICO 4 | A FILOSOFIA NO MUNDO MODERNO

Assim, aquilo que seria fundamental para a consolidação do processo


formativo seria algo quase impossível de acontecer e por se fundamentar, muitas
vezes, em um modo superficial de articulação entre as perspectivas dos filósofos
apresentadas pelo professor acerca de um determinado tema e os conteúdos tidos
como necessários no ensino da filosofia.

Cria-se, então, uma imagem distorcida do pensamento filosófico e do


filosofar, transmitindo ao aluno não muito mais do que “fórmulas filosóficas” que
passam a se constituir em modelos a serem aplicados na resolução de qualquer
questão. As “fórmulas filosóficas” se apresentam como modelos para pensarmos
criticamente as situações com as quais o aluno se depara.

O ensino da filosofia que se pratica nesses lugares privilegia a transmissão


do conhecimento produzido no contexto da história da filosofia. Alunos e
professores são avaliados por aquilo que conseguiram acumular de conhecimento
a partir do seu enquadramento nos saberes estabelecidos.

A lógica do ensino encaminha a relação ensinar/aprender para uma


função: ensinar é transmitir as verdadeiras representações sobre aquilo que os
filósofos disseram e aprender é compreender aquilo que foi explicado. Ainda, é
preciso fazer uma correlação entre a explicação do professor e o que se encontra
nas obras filosóficas para, posteriormente, repetir de modo claro e distinto aquilo
que se aprendeu.

O professor de filosofia, muitas vezes pressionado pelas situações


adversas, torna-se refém da mesma lógica da explicação ao acreditar que a única
saída para se ensinar minimamente a filosofia é a transmissão, ou seja, explicar ao
aluno aquilo que conhece da filosofia. Existe implícita a crença de que aquele que
explica é o detentor dos conhecimentos filosóficos necessários.

Com determinado tipo de “ensino”, estar-se-ia privilegiando a transmissão


de um tipo de conhecimento que, pretendendo-se filosófico, é marcado por um
“saber técnico” e cujo objetivo é ensinar a reconhecer a forma e o conteúdo de um
determinado pensamento.

No ato de “aprender”, a relação entre o aluno e o texto filosófico ocorre


mediante um processo de mediação da aprendizagem que reside na explicação
apresentada pelo professor como a forma legítima de captar a verdadeira
significação das ideias que constituem o texto.

A explicação se tornou um meio de “formar filosoficamente” os alunos:


explica-se a história da filosofia, os sistemas filosóficos, o que é ser crítico em
relação a eles e ao mundo. Enfim, explica-se o que é pensar filosoficamente.
Assim, ensinar a filosofia, muitas vezes, restringe-se a uma explicação, oferecida
pelo professor, do pensamento filosófico e de sua história.

143
UNIDADE 3 | CONCEITOS E FUNDAMENTOS DA FILOSOFIA

O papel do professor de filosofia passou a ser o de um explicador do modo


como os filósofos produziram determinado pensamento, das suas filiações teóricas,
de seus vínculos com aqueles que o antecederam, dos pontos problemáticos que
pretendiam resolver e do modo como responderam aos problemas.

Segundo Rancière, a lógica da explicação foi ganhando espaço por estar


amparada pelo argumento de que os professores conscientes têm como “grande
tarefa” transmitir seus conhecimentos aos alunos. A lógica traz como objetivo
conduzir os alunos e elevá-los para a condição de conhecedores.

Assim, o professor teria como função ser o mediador entre o filósofo (texto
filosófico) e o aluno, objetivando romper a barreira que, supostamente, existe
entre aquilo que o aluno leu nos livros de filosofia e as falhas na compreensão
que ele possa ter tido em sua leitura. O papel do professor, no contexto, é garantir
que se compreenda aquilo que supostamente é necessário.
FONTE: GELAMO, Rodrigo Pelloso. O ensino da filosofia no limiar da contemporaneidade: o
que faz o filósofo quando seu ofício é ser professor de filosofia? 1. ed. São Paulo: UNESP, 2009.
Disponível em: <http://books.scielo.org/id/hd5d8/pdf/gelamo-9788598605951.pdf>. Acesso em:
16 ago. 2018.

144
RESUMO DO TÓPICO 4

Neste tópico, você aprendeu que:

• A filosofia está presente quando pensamos, tomamos ações, enxergamos ou


sentimos em nossas vidas.

• O principal objeto da filosofia é o ser humano.

• Nos dias atuais, o estudo filosófico sofre preconceitos em relação à utilidade e


aos objetivos.

• O conhecimento filosófico tem por finalidade alimentar o pensamento, instigar


uma posição questionadora nos cidadãos.

• É preciso resgatar o hábito de filosofar, de pensar nossas ações, questioná-las.


A filosofia expande a mente da sociedade, faz com que avance, evolua.

• O que se denomina como filosofia moderna teve início no século XV, juntamente
com o nascimento da Idade Moderna.

• Fundada nos métodos de experimento, a filosofia moderna aparece para


questionar os valores pertinentes aos seres humanos e também a relação deles
com a natureza.

• A filosofia continua sendo confortante e acolhedora para aqueles que possuem


intenção de autoconhecimento.

145
AUTOATIVIDADE

1 Cite três características da filosofia moderna e explique.

2 Qual o papel dos filósofos no mundo contemporâneo?

146
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