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Saúde Coletiva e

Políticas Públicas
em Saúde
Prof.a Adriana Lobo Müller
Prof.a Ana Célia Teixeira de Carvalho Schneider
Prof.a Marina Steinbach
Prof.a Rosana Mara da Silva

Indaial – 2021
1a Edição
Copyright © UNIASSELVI 2021

Elaboração:
Prof. Adriana Lobo Müller
a

Prof. Ana Célia Teixeira de Carvalho Schneider


a

Prof.a Marina Steinbach


Prof.a Rosana Mara da Silva

Revisão, Diagramação e Produção:


Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI

Ficha catalográfica elaborada na fonte pela Biblioteca Dante Alighieri


UNIASSELVI – Indaial.

M958s

Müller, Adriana Lobo

Saúde coletiva e políticas públicas em saúde. / Adriana Lobo


Müller; Ana Célia Teixeira de Carvalho Schneider; Marina Steinbach; Rosana
Mara da Silva. – Indaial: UNIASSELVI, 2021.

232 p.; il.

ISBN 978-65-5663-396-1
ISBN Digital 978-65-5663-397-8

1. Saúde mental. – Brasil. I. Müller, Adriana Lobo. II. Schneider,


Ana Célia Teixeira de Carvalho. III. Steinbach, Marina. IV. Silva, Rosana Mara
da. V. Centro Universitário Leonardo Da Vinci.

CDD 150

Impresso por:
Apresentação
A saúde é uma construção coletiva, pautada em leis e diretrizes.
Quando analisamos a história do Brasil e a organização que houve até a
VIII Conferência Nacional de Saúde, que lançou bases para a Constituição
Brasileira e permitiu a construção das diretrizes do Sistema Único de Saúde
(SUS), compreende-se a complexidade de um sistema público de saúde com
acesso universal, pautado na equidade e integralidade do acesso.

A saúde no Brasil expressa o esforço de toda uma trajetória para


garantir o acesso universal de seus cidadãos aos  cuidados em saúde  que
necessitam para ter uma vida mais longa, produtiva e feliz. É importante
reforçar que a estruturação de um sistema pauta na construção histórica de
um país, embasado no conjunto de políticas econômicas e sociais mais amplas
(emprego, moradia, saneamento, boa alimentação, educação, segurança
etc.), que se integram à política de saúde que tem por objetivo qualidade do
cuidado em saúde prestado aos seus cidadãos.

Os principais dispositivos que regem o SUS são:

• Lei n° 8.080/90: que organiza e rege o SUS, foi promulgada em 1990, dois
anos após a sua inserção no sistema normativo nacional com a Constituição
Federal.
• Lei n° 8.142/90 e a NOB/SUS 01/96, além da Resolução n° 333/2003, que
normatizou as transferências de recursos financeiros entre os órgãos
intergovernamentais e a participação popular e o controle social no SUS.
• Constituição Federal 1988, que traz em seu Capítulo sobre a saúde toda a
base discutida e aprovada na VIII Conferência Nacional de Saúde (1986).

É importante entender um sistema de saúde pela sua constituição


histórica, social e legislativa, para que se possa compreender e analisar o
processo de prestação do cuidado a população e as suas diversas formas de
prestar esse cuidado e normatizar a saúde num país.

Bons estudos!

Prof.a Adriana Lobo Müller


Prof.a Ana Célia Teixeira de Carvalho Schneider
Prof.a Marina Steinbach
Prof.a Rosana Mara da Silva
NOTA

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você que está chegando agora à UNIASSELVI quanto para você que já é veterano, há
novidades em nosso material.

Na Educação a Distância, o livro impresso, entregue a todos os acadêmicos desde 2005, é


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O conteúdo continua na íntegra, mas a estrutura interna foi aperfeiçoada com nova
diagramação no texto, aproveitando ao máximo o espaço da página, o que também
contribui para diminuir a extração de árvores para produção de folhas de papel, por exemplo.

Assim, a UNIASSELVI, preocupando-se com o impacto de nossas ações sobre o ambiente,


apresenta também este livro no formato digital. Assim, você, acadêmico, tem a possibilidade
de estudá-lo com versatilidade nas telas do celular, tablet ou computador.
 
Eu mesmo, UNI, ganhei um novo layout, você me verá frequentemente e surgirei para
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em questão.

Todos esses ajustes foram pensados a partir de relatos que recebemos nas pesquisas
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continuar seus estudos com um material de qualidade.

Aproveito o momento para convidá-lo para um bate-papo sobre o Exame Nacional de


Desempenho de Estudantes – ENADE.
 
Bons estudos!
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Sumário
UNIDADE 1 — SAÚDE PÚBLICA, SUS E APS................................................................................ 1

TÓPICO 1 — HISTÓRIA DA SAÚDE COLETIVA NO BRASIL................................................... 3


1 INTRODUÇÃO..................................................................................................................................... 3
2 HISTÓRIA DA SAÚDE PÚBLICA NO BRASIL ........................................................................... 4
2.1 PERÍODO COLÔNIA/IMPÉRIO (1500 A 1889) . ........................................................................ 4
2.2 PRIMEIRA REPÚBLICA OU REPÚBLICA VELHA (1889 A 1930).......................................... 5
2.3 SEGUNDA REPÚBLICA OU ERA VARGAS (1930 A 1945) . ................................................... 7
2.4 REDEMOCRATIZAÇÃO OU DESENVOLVIMENTISTA (1945 A 1963)................................ 8
2.5 REGIME MILITAR (1964 A 1984).................................................................................................. 9
2.6 NOVA REPÚBLICA (1985 A 2005).............................................................................................. 11
3 CONSTITUIÇÃO DE 1988 E A 8ª CONFERÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE....................... 14
RESUMO DO TÓPICO 1..................................................................................................................... 18
AUTOATIVIDADE............................................................................................................................... 19

TÓPICO 2 — O SUS.............................................................................................................................. 23
1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................. 23
2 SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE (SUS)............................................................................................. 23
2.1 Papel do SUS . ................................................................................................................................ 24
2.2 ESTRUTURA DO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE (SUS).......................................................... 25
2.2.1 Ministério da Saúde.............................................................................................................. 25
2.2.2 Secretaria Estadual de Saúde (SES).................................................................................... 25
2.2.3 Secretaria Municipal de Saúde (SMS)................................................................................ 26
2.2.4 Aspectos operacionais do SUS............................................................................................ 26
2.3 PRINCÍPIOS E DIRETRIZES DO SUS........................................................................................ 27
2.3.1 Princípios do SUS................................................................................................................. 27
3 LEGISLAÇÃO SUS ........................................................................................................................... 31
3.1 CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988........................................................................................ 31
3.2 LEI N° 8.080: LEI ORGÂNICA DA SAÚDE.............................................................................. 32
3.3 LEI N° 8.142.................................................................................................................................... 33
4 PSF/ESF/SAÚDE DA FAMÍLIA ...................................................................................................... 35
RESUMO DO TÓPICO 2..................................................................................................................... 40
AUTOATIVIDADE............................................................................................................................... 41

TÓPICO 3 — SUS E POLÍTICAS PÚBLICAS.................................................................................. 43


1 INTRODUÇÃO................................................................................................................................... 43
2 APS: ATENÇÃO PRIMÁRIA EM SAÚDE..................................................................................... 44
3 REDE DE ATENÇÃO À SAÚDE (RAS).......................................................................................... 45
3.1 COMPONENTES RAS.................................................................................................................. 46
4 POLÍTICAS PÚBLICAS.................................................................................................................... 48
4.1 POLÍTICA NACIONAL DA ATENÇÃO BÁSICA – PNAB ................................................... 48
4.1.1 NASF ..................................................................................................................................... 50
4.2 POLÍTICA NACIONAL HUMANIZAÇÃO – PNH . .............................................................. 51
LEITURA COMPLEMENTAR............................................................................................................. 53
RESUMO DO TÓPICO 3..................................................................................................................... 55
AUTOATIVIDADE............................................................................................................................... 56

REFERÊNCIAS....................................................................................................................................... 57

UNIDADE 2 — AS LEGISLAÇÕES DO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE.................................. 61

TÓPICO 1 — A CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 – QUANDO TUDO COMEÇOU........ 63


1 INTRODUÇÃO................................................................................................................................... 63
2 A CONSTITUIÇÃO DE 1988............................................................................................................ 64
RESUMO DO TÓPICO 1..................................................................................................................... 70
AUTOATIVIDADE............................................................................................................................... 71

TÓPICO 2 — LEI No 8.080/90............................................................................................................... 73


1 INTRODUÇÃO................................................................................................................................... 73
2 LEI N° 8080 – A PRIMEIRA LEI ORGÂNICA DO SUS.............................................................. 74
3 LEI N° 8080 – TÍTULO II – DO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE................................................ 75
RESUMO DO TÓPICO 2..................................................................................................................... 93
AUTOATIVIDADE............................................................................................................................... 94

TÓPICO 3 — LEI N° 8.142/90 NORMATIZAR AS TRANSFERÊNCIAS DE RECURSOS


FINANCEIROS ENTRE OS ÓRGÃOS INTERGOVERNAMENTAIS E A
PARTICIPAÇÃO POPULAR E CONTROLE SOCIAL NO SUS......................... 97
1 INTRODUÇÃO................................................................................................................................... 97
2 LEI No 8.142/90..................................................................................................................................... 97
3 O QUE É A OUVIDORIA-GERAL DO SUS?.............................................................................. 104
3.1 COMO FALAR COM A OUVIDORIA-GERAL DO SUS?..................................................... 104
3.2 QUANDO PROCURAR A OUVIDORIA DO SUS?................................................................ 105
3.3 SISTEMA NACIONAL DE OUVIDORIAS DO SUS.............................................................. 105
4 CONTROLE SOCIAL E O SUS...................................................................................................... 106
5 PRINCÍPIOS E DIRETRIZES DO SUS........................................................................................ 109
6 A NORMA OPERACIONAL BÁSICA/SUS................................................................................ 115
7 RESOLUÇÃO 333/2003.................................................................................................................... 117
8 COMPETÊNCIA DOS CONSELHOS DE SAÚDE.................................................................... 119
RESUMO DO TÓPICO 3................................................................................................................... 122
AUTOATIVIDADE............................................................................................................................. 124

REFERÊNCIAS..................................................................................................................................... 127

UNIDADE 3 — SAÚDE COLETIVA E POLÍTICAS PÚBLICAS EM SAÚDE DA MENTE...... 129

TÓPICO 1 — CONCEPÇÃO DE LOUCURA AO LONGO DA HISTÓRIA............................ 131


1 INTRODUÇÃO................................................................................................................................. 131
2 BREVE HISTÓRIA DA LOUCURA.............................................................................................. 132
3 REFORMAS PSIQUIÁTRICAS INTERNACIONAIS............................................................... 137
3.1 COMUNIDADE TERAPÊUTICA.............................................................................................. 138
3.2 PSICOTERAPIA INSTITUCIONAL.......................................................................................... 138
3.3 PSIQUIATRIA DE SETOR.......................................................................................................... 139
3.4 PSIQUIATRIA COMUNITÁRIA OU PREVENTIVA............................................................. 140
3.5 ANTIPSIQUIATRIA.................................................................................................................... 142
3.6 PSIQUIATRIA DEMOCRÁTICA ITALIANA.......................................................................... 142
RESUMO DO TÓPICO 1................................................................................................................... 146
AUTOATIVIDADE............................................................................................................................. 147

TÓPICO 2 — REFORMA PSIQUIÁTRICA BRASILEIRA.......................................................... 149


1 INTRODUÇÃO................................................................................................................................. 149
2 CONTEXTUALIZAÇÃO DA REFORMA PSIQUIÁTRICA BRASILEIRA.......................... 150
2.1 A LOUCURA NO BRASIL COLONIAL E REPÚBLICA....................................................... 150
2.2 LIGA BRASILEIRA DE HIGIENE MENTAL (LBHM)........................................................... 152
2.3 A INDÚSTRIA DA LOUCURA ................................................................................................ 153
2.4 MOVIMENTO DE TRABALHADORES DE SAÚDE MENTAL (MTSM)........................... 154
2.5 CONFERÊNCIAS NACIONAIS DE SAÚDE MENTAL (CNSM)......................................... 154
2.5.1 I Conferência Nacional de Saúde Mental (CNSM)........................................................ 155
2.5.2 II Conferência Nacional de Saúde Mental....................................................................... 156
2.5.3 III Conferência Nacional de Saúde Mental..................................................................... 156
2.5.4 IV Conferência Nacional de Saúde Mental – Intersetorial............................................ 157
2.6 MOVIMENTO NACIONAL DA LUTA ANTIMANICOMIAL (MNLM)........................... 158
3 LEI N° 10.216, DE 6 DE ABRIL DE 2001 – LEI DA REFORMA PSIQUIÁTRICA................ 159
4 PORTARIA N° 336, DE 19 DE FEVEREIRO DE 2002 – CENTRO DE ATENÇÃO
PSICOSSOCIAL (CAPS)................................................................................................................. 160
5 ESTRATÉGIAS DE DESINSTITUCIONALIZAÇÃO............................................................... 163
5.1 SERVIÇO RESIDENCIAL TERAPÊUTICO (SRT)................................................................... 163
5.2 PROGRAMA DE VOLTA PARA CASA................................................................................... 164
6 REDE DE ATENÇÃO PSICOSSOCIAL (RAPS)......................................................................... 165
7 A NOVA POLÍTICA DE SAÚDE MENTAL................................................................................ 167
RESUMO DO TÓPICO 2................................................................................................................... 170
AUTOATIVIDADE............................................................................................................................. 171

TÓPICO 3 — POLÍTICAS DE SAÚDE MENTAL NO ÂMBITO DE ÁLCOOL


E OUTRAS DROGAS................................................................................................ 175
1 INTRODUÇÃO................................................................................................................................. 175
2 O QUE SÃO DROGAS.................................................................................................................... 176
3 PROIBICIONISMO, GUERRA ÀS DROGAS E REDUÇÃO DE DANOS........................... 177
4 HISTÓRIA DAS LEGISLAÇÕES DAS DROGAS NO BRASIL............................................. 182
4.1 POLÍTICA NACIONAL SOBRE DROGAS (PNAD).............................................................. 184
4.2 SISTEMA NACIONAL DE POLÍTICAS PÚBLICAS SOBRE DROGAS (SISNAD)........... 185
4.3 POLÍTICA NACIONAL SOBRE O ÁLCOOL.......................................................................... 186
5 REFORMA PSIQUIÁTRICA BRASILEIRA E O CAMPO DE ÁLCOOL
E OUTRAS DROGAS...................................................................................................................... 187
5.1 A POLÍTICA DO MINISTÉRIO DA SAÚDE PARA A ATENÇÃO INTEGRAL A
USUÁRIOS DE ÁLCOOL E OUTRAS DROGAS.................................................................... 189
5.2 POLÍTICA DE REDUÇÃO DE DANOS DO MINISTÉRIO DA SAÚDE............................. 190
6 A NOVA POLÍTICA DE SAÚDE MENTAL E SEUS EFEITOS NO CAMPO DE
ÁLCOOL E OUTRAS DROGAS.................................................................................................... 192
RESUMO DO TÓPICO 3................................................................................................................... 195
AUTOATIVIDADE............................................................................................................................. 197

TÓPICO 4 — POLÍTICAS PÚBLICAS DE SAÚDE MENTAL PARA INFÂNCIA


E ADOLESCÊNCIA.................................................................................................... 199
1 INTRODUÇÃO................................................................................................................................. 199
2 CONTEXTUALIZAÇÃO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS PARA A INFÂNCIA E
ADOLESCÊNCIA.................................................................................................................... 199
2.1 LIGA BRASILEIRA DE HIGIENE MENTAL E O CAMPO DA INFÂNCIA E
ADOLESCÊNCIA........................................................................................................................ 200
2.2 CÓDIGO DE MENORES DE 1927............................................................................................. 203
2.3 FUNDAÇÃO NACIONAL DO BEM-ESTAR DO MENOR (FUNABEM).......................... 203
2.4 CÓDIGO DE MENORES DE 1979............................................................................................. 204
3 ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE (ECA)............................................. 206
4 III CONFERÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE MENTAL (2001).............................................. 208
5 CENTRO DE ATENÇÃO PSICOSSOCIAL INFANTOJUVENIL – CAPS I.......................... 209
6 FÓ­RUM NACIONAL DE SAÚDE MENTAL INFANTOJUVENIL............................... 211
LEITURA COMPLEMENTAR........................................................................................................... 214
RESUMO DO TÓPICO 4................................................................................................................... 221
AUTOATIVIDADE............................................................................................................................. 222

REFERÊNCIAS..................................................................................................................................... 225
UNIDADE 1 —

SAÚDE PÚBLICA, SUS E APS

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
A partir do estudo desta unidade, você deverá ser capaz de:

• compreender a história da Saúde Pública no Brasil;

• associar o contexto histórico com a construção da saúde no Brasil;

• conhecer a estruturação do Sistema Único de Saúde (SUS), avaliando a


sua constituição e prestação do cuidado à população;

• analisar a história da saúde coletiva no Brasil.

PLANO DE ESTUDOS
Esta unidade está dividida em três tópicos. No decorrer da unidade,
você encontrará autoatividades com o objetivo de reforçar o conteúdo
apresentado.

TÓPICO 1 – HISTÓRIA DA SAÚDE COLETIVA NO BRASIL

TÓPICO 2 – O SUS

TÓPICO 3 – SUS E POLÍTICAS PÚBLICAS

CHAMADA

Preparado para ampliar seus conhecimentos? Respire e vamos


em frente! Procure um ambiente que facilite a concentração, assim absorverá
melhor as informações.

1
2
TÓPICO 1 —
UNIDADE 1

HISTÓRIA DA SAÚDE COLETIVA NO BRASIL

1 INTRODUÇÃO
A Constituição de 1988 permitiu, ao Brasil, estabelecer garantias
fundamentais da saúde, educação e condicionantes sociais. Permitiu
institucionalizar direitos fundamentais, como a saúde, previsto na Declaração
Universal dos Direitos Humanos, de 1948, no artigo XXV, que define que todo
ser humano tem direito a um padrão de vida capaz de lhe assegurar, e a sua
família, saúde e bem-estar, inclusive, alimentação, vestuário, habitação, cuidados
médicos e os serviços sociais indispensáveis.

Pode-se afirmar que o direito à saúde é indissociável e se define de forma


igualitária para todas as pessoas.

Ao se analisar o contexto brasileiro, em relação ao direito à saúde,


historicamente, faz parte do movimento da Reforma Sanitária, que originou o
Sistema Único de Saúde (SUS), através da Constituição Federal de 1988.

Segundo o artigo 196, “a saúde é direito de todos e dever do Estado,


garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de
doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços
para a promoção, proteção e recuperação”.

A criação de um sistema de acesso universal à saúde permitiu a construção


da linha de cuidado com conceitos de longitudinalidade, territorialização,
integralidade, equidade, universalização, regionalização, hierarquização,
descentralização e participação popular, permitindo uma tomada de
responsabilidade por parte do Estado no cuidado à saúde, tendo acesso à
Atenção Primária em Saúde e permitindo, à pessoa, todos os cuidados em
relação à saúde. Contudo, antes da criação do SUS, a saúde era direcionada
apenas para os trabalhadores que contribuíam, ou seja, a assistência à saúde
não era direcionada a todos.

3
UNIDADE 1 — SAÚDE PÚBLICA, SUS E APS

2 HISTÓRIA DA SAÚDE PÚBLICA NO BRASIL


Começaremos a estudar a saúde pública a partir da sua história. Ao
analisarmos o contexto do Brasil, sabemos que a saúde pública tem sido marcada
por sucessivas reorganizações administrativas e muitas normas. Quando
analisamos a sua instalação desde o período colonial até a década de 1930, pode-
se compreender que essas ações não tinham organização institucional. A Era
Getúlio permitiu iniciar uma série de organizações e transformações na área
da saúde, o que culminou na criação do Ministério da Saúde, na sua separação
entre Saúde e Previdência Social, no capítulo sobre Saúde na Constituição 1988 e
Sistema Único de Saúde.

2.1 PERÍODO COLÔNIA/IMPÉRIO (1500 A 1889)


Esse período foi marcado pela existência de diversas doenças
transmissíveis, trazidas, inicialmente, pelos colonos portugueses e,
posteriormente, pelos escravos africanos e diversas etnias estrangeiras.

As mais frequentes eram as doenças sexualmente transmissíveis, a lepra


(hanseníase), tuberculose, cólera e varíola (BRASIL, 2014a), além da grande
prevalência de doenças tropicais, como a febre amarela, malária e leishmaniose.
Não havia uma política de saúde, as medidas eram tomadas visando diminuir os
problemas de saúde pública que afetavam a produção econômica e prejudicavam
o comércio internacional, como saneamento dos portos, onde escoavam as
mercadorias; urbanização e infraestrutura nos centros urbanos de maior interesse
econômico; e campanhas para conter as epidemias frequentes e prejudiciais à
produção, que afetavam a imagem brasileira nos países com os quais era mantido
o comércio internacional. Essas intervenções eram realizadas de forma pontual
e, logo, o governo as abandonava quando não havia mais caso (PAIM et al., 2012;
AGUIAR, 2011).

A assistência médica era direcionada às classes dominantes, sendo


exercida pelos raros médicos que vinham da Europa. Aos demais, restavam
apenas os recursos da medicina popular.

Nesse contexto, surgiram as primeiras Casas de Misericórdia, que se


destinavam ao abrigo dos doentes, órfãos, indigentes e viajantes, com o objetivo
de cuidar dessas pessoas (PAIM, 2012 et al.; AGUIAR, 2011).

No Brasil, a Irmandade da Santa Casa de Misericórdia surgiu ainda no


período colonial, instalando-se em Santos desde 1543, seguindo pela Bahia,
Espírito Santo, Rio de Janeiro, Olinda e São Paulo, sendo a primeira instituição
hospitalar do país destinada a atender aos enfermos dos navios dos portos e
moradores das cidades. Nesse período, entretanto, não se pode destacar a prática

4
TÓPICO 1 — HISTÓRIA DA SAÚDE COLETIVA NO BRASIL

como científica, porque esses saberes só emergiram no país a partir da vinda da


Corte Portuguesa e da criação das faculdades de Medicina e de Direito (SCMP,
2020). As dez primeiras Santas Casas do Brasil (SCMP, 2020) foram:

1539 – Santa Casa de Misericórdia de Olinda (PE)


1543 – Santa Casa da Misericórdia de Santos (SP)
1549 – Santa Casa de Misericórdia de Salvador (BA)
1582 – Santa Casa de Misericórdia do Rio de Janeiro (RJ)
1551 – Santa Casa de Misericórdia de Vitória (ES)
1599 – Santa Casa de Misericórdia de São Paulo (SP)
1602 – Santa Casa de Misericórdia de João Pessoa (PB)
1619 – Santa Casa de Misericórdia de Belém (PA)
1657 – Santa Casa de Misericórdia de São Luís (MA)
1792 – Santa Casa de Misericórdia de Campos (RJ)

FIGURA 1 – ANTIGA SANTA CASA DE MISERICÓRDIA DE OLINDA (PRIMEIRO HOSPITAL


DO BRASIL)

FONTE: <https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=45304234>. Acesso em: 6 nov. 2020.

2.2 PRIMEIRA REPÚBLICA OU REPÚBLICA VELHA (1889 A


1930)
O contexto social e econômico do Brasil durante a Primeira República
se caracterizava pela organização do Estado moderno, em que predominavam
grupos vinculados à exportação do café e à pecuária. Com o crescente quadro
de crescimento da produção industrial, houve a exigência de grande de mão de
obra, levando o governo a adotar políticas de incentivo à imigração europeia.

As condições de saúde da população eram semelhantes ao do período


anterior, com predomínio das doenças, como a febre amarela, cólera, tuberculose,
varíola, sífilis e peste bubônica (ao redor dos portos) (BRASIL, 2014a). No interior
do Brasil, havia o predomínio da malária e da doença de Chagas. As condições

5
UNIDADE 1 — SAÚDE PÚBLICA, SUS E APS

de saneamento básico eram precárias e com ações e programas de saúde e


infraestrutura ainda visando às áreas fundamentais para a economia (economia
agrária exportadora, área dos portos).

NOTA

Dois modelos de assistência à saúde adotados no Brasil no período:

Modelo Assistencialista/Previdenciário: o objetivo era curativo e as intervenções eram


sobre o corpo por meio de medicamentos e/ou procedimentos. As ações eram baseadas
na assistência médica, voltada para trabalhadores formalmente inseridos em setores da
economia.

Marco: Criação das Caixas de Aposentadoria e Pensões (CAPs), 1923.


As revoltas populares da época pressionavam o Estado por ações mais efetivas na
saúde. Em 1923, o chefe de polícia e deputado federal, Eloy Chaves, propôs uma lei que
regulamentava a formação de CAPs para algumas organizações trabalhistas, como os
ferroviários e os marítimos. Com essa lei, a saúde continuava restrita aos que podiam pagar
e aos assegurados por ela.

Modelo Sanitarista/Campanhista: o objetivo era prevenir as doenças através de campanhas


de vacinação e higiene, além de intervenções nos espaços urbanos de cunho estatal.

Marcos:
• 1903: Reforma Oswaldo Cruz, proposta por Oswaldo Cruz para combater a febre amarela
no Rio de Janeiro.
• 1904: Criado o Serviço de Profilaxia da Febre Amarela e aprovação da lei que obriga a
vacinação antivariólica.
• 1907: Febre amarela é erradicada no Rio de Janeiro.

FONTE: Brasil (2014a)

FIGURA 2 – OSWALDO CRUZ

FONTE: Brasil (2014a)

6
TÓPICO 1 — HISTÓRIA DA SAÚDE COLETIVA NO BRASIL

DICAS

Assista ao vídeo: Revolta da Vacina.

Com esquetes teatrais e depoimentos médicos, pesquisadores e historiadores,


este documentário apresenta a história da varíola, da vacina e da Revolta Popular de
1904, ocorrida no Rio de Janeiro, abordando as questões sociais, políticas e culturais
que envolveram a campanha de vacinação do governo de Rodrigues Alves em plena
República Velha.

Realização: Casa de Oswaldo Cruz (COC/Fiocruz)


Direção: Eduardo Vilela Thielen
Ano de produção: 1994
Distribuição: VideoSaúde Distribuidora
Acesse: http://twixar.me/mGym; ou http://twixar.me/GGym.

2.3 SEGUNDA REPÚBLICA OU ERA VARGAS (1930 A 1945)


A economia do Brasil tem um novo polo, o direcionamento para os centros
urbanos, com grande investimento no setor industrial na região Centro-Sul.

Essa política promoveu o êxodo rural, especialmente, da região Nordeste


para os centros econômicos, contribuindo para os processos de urbanização
precária e proliferação de favelas nas grandes cidades (PAIM, 2012).

A saúde pública vê, através do crescimento acelerado da indústria,


o crescimento das condições precárias de trabalho. Dessa forma, além de
endemias e epidemias, a inserção no processo produtivo industrial, somada à
falta de moradia e saneamento adequados, trouxe acidentes de trabalho, doenças
profissionais, estresse, desnutrição e verminoses.

Marcos importantes:

• 1933: as CAPs são transformadas em Institutos de Aposentadorias e Pensões


(IAPs). Criados não mais por empresas, mas por categorias profissionais
(IAPM, IAPB, IAPC, IAPTEC e IAPI).

7
UNIDADE 1 — SAÚDE PÚBLICA, SUS E APS

• 1942: Criação do Serviço Especial de Saúde Pública (Sesp), durante a Segunda


Guerra Mundial, instituído pelo Estado Novo em associação com o governo
americano. De início, pretendia-se que fosse uma agência provisória,
responsável por políticas sanitárias pontuais em regiões (Amazônia e Bacia
do Rio Doce) produtoras de matérias-primas estratégicas para o esforço de
guerra. O órgão, no entanto, existiu por 48 anos, só se extinguindo em 1990.

FIGURA 3 – SERVIÇO ESPECIAL DE SAÚDE PÚBLICA (SESP)

FONTE: <https://agencia.fiocruz.br/obra-analisa-trajet%C3%B3ria-de-%C3%B3rg%C3%A3o-
criado-na-segunda-guerra>. Acesso em: 6 nov. 2020.

2.4 REDEMOCRATIZAÇÃO OU DESENVOLVIMENTISTA


(1945 A 1963)
O Brasil observa uma redução dos casos de tuberculose, malária e outras
doenças transmitidas por insetos, o que, para alguns, deu-se pelo resultado das
campanhas sanitárias e, para outros, pelo desenvolvimento do período (PAIM,
2012; AGUIAR, 2011).

A assistência médica se expande em todos os IAPs, generalizando, aos


poucos, os direitos, conforme capacidade reivindicativa e de organização.
Contudo, a implantação de serviços de atenção médica tinha, como marca, o
clientelismo, favorecido pelo vínculo entre os sindicatos e IAPs ao Estado.

1950: II Conferência Nacional de Saúde traz legislação referente à higiene e à


segurança do trabalho.
1953: Ministério da Saúde é criado independente da área da educação.
1958: Criação do Serviço de Assistência Médica Domiciliar e de Urgência
(Samdu).
1960: Criação da Fundação Sesp: interiorização das ações de saúde pública.
1963: III Conferência Nacional de Saúde. Descentralização na área da saúde –
Início de proposição de um sistema integrado de saúde.

8
TÓPICO 1 — HISTÓRIA DA SAÚDE COLETIVA NO BRASIL

Dois grupos começaram a discutir propostas de políticas de saúde (PAIM


et al., 2012):

• Os que defendiam a manutenção do modelo sanitarista campanhista e a prática


higienista da Fundação Sesp.
• Os que desenvolviam a corrente de opinião do sanitarismo desenvolvimentista,
com o argumento da relação entre o nível de saúde da população e o grau de
desenvolvimento econômico do país. Defendiam a articulação das ações de
promoção com as ações preventivas e curativas, de acordo com as necessidades
da população.

2.5 REGIME MILITAR (1964 A 1984)


Com o Golpe Militar, há uma importante redução das ações de saúde
pública no país, fato que proporciona o reaparecimento de diversas doenças
preveníveis que estavam sob controle (BRASIL, 2014a).

Implantou-se um sistema de saúde caracterizado pelo predomínio


financeiro das instituições previdenciárias e pela burocracia, que priorizava a
mercantilização da saúde.

Marcos importantes:

• 1966: Unificação dos IAPs, com a criação do Instituto Nacional de Previdência e


Assistência Social (INPS), responsável pelos benefícios previdenciários e assistência
médica aos segurados e familiares. O INPS passou a ser o grande comprador dos
serviços privados de saúde. É ampliada a chamada medicina de grupo.
• 1971: Ampliação da assistência médica da previdência com a inclusão dos
trabalhadores rurais, empregadas domésticas e trabalhadores autônomos.

NOTA

INPS/Inamps

Período em que o Ministério da Saúde estava voltado para a vigilância sanitária


orientada para o controle de endemias, enquanto ocorria a concentração dos serviços
hospitalares em grandes centros. A criação do INPS, em 1966, configurou uma medida de
racionalização administrativa sem alterar a tendência do período anterior de expansão dos
serviços, em particular, da assistência médica e da cobertura previdenciária. A função de
capitalização, até então, atribuição da previdência social, passou para outros mecanismos
de poupança compulsória, como FGTS, PIS e Pasep. Dessa forma, centralizada e unificada
no INPS, a previdência passou a ter funções assistencial e redistributiva, ainda que estivesse
limitada ao contingente de trabalhadores com carteira assinada. O Instituto Nacional de

9
UNIDADE 1 — SAÚDE PÚBLICA, SUS E APS

Assistência Médica da Previdência (Inamps) tinha a responsabilidade de prestar assistência à


saúde dos associados, o que justificava a construção de grandes unidades de atendimento
ambulatorial e hospitalar, como também contratação de serviços privados nos grandes
centros urbanos, onde estava a maioria dos beneficiários. A assistência à saúde desenvolvida
pelo Inamps beneficiava apenas os trabalhadores da economia formal, com “carteira
assinada”, e seus dependentes, ou seja, não havia o caráter universal, que passa a ser um dos
princípios fundamentais do Sistema Único de Saúde (SUS). Dessa forma, o Inamps aplicava,
nos estados, por meio das superintendências regionais, recursos para a assistência à saúde
de modo mais ou menos proporcional ao volume de recursos arrecadados e de beneficiários
existentes. Portanto, quanto mais desenvolvida a economia do estado, com maior presença
das relações formais de trabalho, maior o número de beneficiários e, consequentemente,
maior a necessidade de recursos para garantir a assistência a essa população.

FONTE: SOUZA, R. R. O sistema público de saúde brasileiro. Brasília: Ministério da Saúde, 2003.
Disponível em: https://dms.ufpel.edu.br/sus/files/media/INPS.pdf. Acesso em: 6 nov. 2020.

Pontos importantes na década de 1970:

• Previdência Social alcança a maior expansão em número de leitos, cobertura e


volume de recursos arrecadados.
• Forma de contratação e pagamento de empresas privadas para prestação de
assistência aos segurados favoreceram o processo de corrupção.
• Construção de hospitais e clínicas com recursos da previdência e de faculdades
particulares de medicina com enfoque na medicina curativa.
• 1976: Criação do Programa de Interiorização das Ações de Saúde e Saneamento
(PIASS) para extensão da cobertura dos serviços de saúde prioritariamente nas
zonas rurais e pequenas cidades.
• 1978: Começa a ser difundido, na América Latina, o conceito de Atenção Primária
à Saúde, além dos princípios da medicina comunitária (desmedicalização,
autocuidado de saúde, atenção primária realizada por não profissionais de
saúde, participação da comunidade, implantação de programas vinculados à
medicina curativa na formação dos estudantes de medicina). Crise INAMPS.
• 1981: Criação do Conselho Consultivo de Administração da Saúde
Previdenciária (CONASP), que propõe mudança do modelo assistencial
(melhor qualidade da atenção, ampliação de serviços, descentralização e
hierarquização por nível de complexidade). Vários sanitaristas entraram para
áreas estratégicas do INAMPS.
• 1983: Criado o Programa de Ações Integradas de Saúde, cujo objetivo era
articular todos os serviços que prestavam assistência à saúde da população
de uma região, além de integrar ações preventivas e curativas. Para isso, havia
repasse de recursos do INAMPS para os governos estaduais para a construção
de Unidades Básicas de Saúde e contratação e capacitação de profissionais.
• 1984: algumas conquistas na área da saúde ainda foram obtidas pelo
movimento da Reforma Sanitária, com o apoio de alguns parlamentares,
movimentos de saúde, trabalhadores da saúde, acadêmicos e entidades, como
o Centro Brasileiro de Estudos da Saúde (CEBES) e a Associação Brasileira de
Pós-Graduação em Saúde Coletiva (ABRASCO).

10
TÓPICO 1 — HISTÓRIA DA SAÚDE COLETIVA NO BRASIL

Esses acontecimentos se devem ao fortalecimento dos movimentos


sociais e de saúde que se organizaram nos diversos espaços (universidades,
sindicatos, comunidades e associações). Do contexto dos anos 1970 e 1980, nasceu
o projeto da Reforma Sanitária, com a perspectiva de reformulação do sistema
de saúde brasileiro, com a criação de um sistema único de saúde, acabando com
o duplo comando do Ministério da Saúde e INAMPS, que executavam ações de
forma contrária (AGUIAR, 2011; PAIM et al., 2012).

NOTA

1978: Crise do Inamps

O Inamps era o principal responsável pelo financiamento da atenção médica.


Com o fim do chamado milagre econômico, a partir dos anos 80, aprofundou-se a crise
da previdência. O Inamps passou a viver dificuldades financeiras por conta tanto da
ampliação dos seus beneficiários quanto da estagnação das suas receitas, afetadas pela
crise econômica iniciada em 1980 (BAPTISTA, 2007).

FONTE: BAPTISTA, T. W. F. História das políticas de saúde no Brasil: a trajetória do Direito à


saúde. In: MATTA, G. C.; MOURA, A. L. Políticas de saúde: a organização e a operacionalização
do Sistema Único de Saúde. Rio de Janeiro: EPSJV/FIOCRUZ, 2007. Disponível em: https://
www.arca.fiocruz.br/handle/icict/26570. Acesso em: 6 nov. 2020.

Dentre os principais problemas que conformaram a crise do Inamps


(BRASIL, 2014a), é possível ressaltar:

• serviços inadequados à realidade;


• insuficiente integração dos diversos prestadores;
• recursos financeiros insuficientes e cálculo imprevisto;
• desprestígio dos serviços próprios;
• superprodução dos serviços contratados;
• rede de saúde ineficiente e desintegrada;
• desorganização e sobreposição de serviços indutores de fraudes e corrupção.

2.6 NOVA REPÚBLICA (1985 A 2005)


Com a situação política vigente no Brasil, abertura de um regime militar e
com o Movimento Diretas Já, culminando com as eleições presidenciais, diversas
entidades e movimentos sociais se mobilizam e estimulam a participação popular
no processo de discussão da nova Carta Constitucional, o que foi favorável para se
colocar a saúde na agenda política e difundir as propostas da Reforma Sanitária.

11
UNIDADE 1 — SAÚDE PÚBLICA, SUS E APS

Marcos importantes:

• 1986: VIII Conferência Nacional de Saúde. Cria espaço para o debate dos
problemas do sistema de saúde e de propostas de reorientação da assistência
médica e de saúde pública. Criação do Conselho Nacional de Administração
da Saúde Previdenciária (Conasp); iniciam-se as Ações Integradas em Saúde
(AIS) e o Sistema Único Descentralizado de Saúde (Suds).
• 1988: Constituição 1988 – Capítulo Saúde (art. 196 – 200).

NOTA

O SUS na Constituição de 1988

Após mais de uma década de luta do movimento da reforma sanitária brasileira,


o direito à saúde no Brasil entra no texto constitucional, amparando, legalmente, toda a
população brasileira no acesso aos serviços e às ações de saúde.

O texto da saúde na Constituição surge no capítulo da Seguridade Social, ao lado


da Previdência Social e da Assistência Social, caracterizando o espectro da proteção social
brasileira.

A Constituição de 1988 funda o SUS, terminando com quase um século de


separação entre as ações de saúde pública e de atenção à saúde, que passam a ser
planejadas e executadas de forma integrada com direção única em cada esfera do governo.

FONTE: Brasil (2014a).

• 1990: Criação e regulamentação do SUS


• Lei n° 8.080/90 – Dispõe sobre as condições para a promoção, proteção
e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços
correspondentes. Define os princípios e diretrizes do SUS.
• Lei n° 8.142/90 – Dispõe sobre a participação da comunidade na gestão do SUS
e sobre as transferências intergovernamentais de recursos financeiros na área
da saúde e dá outras providências.

Com essas novas leis, o cuidado com a saúde passou a ser mais abrangente,
permitindo os processos de descentralização e integralidade, ampliando o
cuidado à população. Saúde para todos, acesso universal.

• 1991: inicia o Programa de Agentes Comunitários de Saúde (Pacs).


• 1992: inicia o Programa Médico de Família em Niterói (RJ).
• 1994: inicia o Programa Saúde da Família (PSF) no Brasil.

12
TÓPICO 1 — HISTÓRIA DA SAÚDE COLETIVA NO BRASIL

• 1996: Evolução das Normas Operacionais Básicas do SUS – NOB/SUS –; Da


versão NOB91 à NOB96. NOB 96 – Reorientação do modelo de atenção por
meio da Atenção Básica em Saúde (financiamento para a atenção básica e saúde
da família) (BRASIL, 2014a).
• 1998: Implantação do Sistema de Informação da Atenção Básica (SIAB).
• 1999-2000: Criação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e
da Agência Nacional de Saúde Suplementar. Evidencia o desenvolvimento
institucional, por meio dessas agências reguladoras, tanto no campo
epidemiológico e das práticas de saúde, como no acompanhamento dos planos
de saúde (BRASIL, 2014a).
• A partir de 2000: Houve a criação de diferentes programas, políticas e
protocolos, como Samu, Proesf, PNH, Brasil Sorridente, Farmácia Popular do
Brasil etc. Essas iniciativas enfocam políticas de saúde específicas, como ciclos
de vida, gestão da clínica e linhas de cuidado.

DICAS

Título: Caminhos da Saúde Pública no Brasil


Organizador: Jacobo Finkelman
Editora Fiocruz
Ano: 2002
328 p.
Sinopse: Publicado como parte das comemorações do centenário da Organização Pan-
Americana da Saúde (Opas) no Brasil, este livro reúne textos de diversas personalidades
da saúde pública nacional, relatando a rica história a respeito dos desafios e das lutas que
mudaram os perfis demográficos e epidemiológicos do país no decorrer no século XX.
A obra traz, também, um relato do trabalho
realizado pela Opas, desde sua fundação, em 1902, quando
as doenças infecciosas eram seu foco de atenção, até os
dias de hoje, em que o espectro de doenças se tornou mais
complexo. Além do percurso histórico detalhado, o livro
apresenta contribuições para o entendimento do processo
de consolidação da saúde como um direito do cidadão e
um dever do Estado, no Brasil, sendo capaz, no decorrer
dos anos, de incorporar, na organização dos programas de
saúde, os elementos teóricos-conceituais emergentes que
sustentaram a evolução dos paradigmas na área. Acesse
mais em: http://books.scielo.org/id/sd.

13
UNIDADE 1 — SAÚDE PÚBLICA, SUS E APS

3 CONSTITUIÇÃO DE 1988 E A 8° CONFERÊNCIA


NACIONAL DE SAÚDE
A partir de 1985, crescia um amplo movimento político setorial que teve,
como pontos culminantes, a realização da VIII Conferência Nacional de Saúde
(VIII CNS 1986); os trabalhos técnicos desenvolvidos pela Comissão Nacional de
Reforma Sanitária (CNRS), criada pelo Ministério da Saúde, em atendimento à
proposta da VIII CNS; e o projeto legislativo de elaboração da Carta Constitucional
de 1988, com um capítulo dedicado à saúde.

Foram lançadas as diretrizes para a construção de um sistema


descentralizado e único. Saúde é vista como dever do Estado. A da 8ª Conferência
Nacional de Saúde teve cinco dias de debates, mais de quatro mil participantes,
135 grupos de trabalho e objetivos muito claros: contribuir para a formulação
de um novo sistema de saúde e subsidiar as discussões sobre o setor na futura
Constituinte. Foram realizadas entre 17 e 21 de março de 1986, foi um dos
momentos mais importantes na definição do Sistema Único de Saúde (SUS) e
debateu três temas principais: ‘A saúde como dever do Estado e direito do cidadão’,
‘A reformulação do Sistema Nacional de Saúde’ e ‘O financiamento setorial’.

A VIII Conferência Nacional de Saúde (1986) foi o principal marco


desse processo de formulação de um novo modelo de saúde pública universal,
visando romper com a cisão estrutural entre saúde pública e medicina curativa
individual, e com a intensa privatização que então caracterizava o sistema de
saúde brasileiro. Reunindo um amplo espectro de alianças, a VIII CNS contou com
a participação de milhares de representantes de diversas entidades da sociedade
civil, profissionais de saúde, usuários do sistema e prestadores de serviços de
saúde públicos (PONTE, 2010).

O reconhecimento da saúde como direito inerente à cidadania, o


consequente dever do Estado na promoção desse direito, a instituição de um
sistema único de saúde, tendo, como princípios, a universalidade e integralidade
da atenção; a descentralização, com comando único em cada esfera de governo,
como forma de organização; e a participação popular, como instrumento
de controle social, foram teses defendidas na VIII CNS e na CNRS, que se
incorporaram ao novo texto constitucional (MATTA, 2007).

Em 1988, foi aprovada a Constituição, que, no contexto, estabelece a


saúde como “Direito de todos e dever do Estado”, e relata, na Seção II: “as
necessidades individuais e coletivas são consideradas de interesse público e o
atendimento um dever do Estado; a assistência médico-sanitária integral passa
a ter caráter universal e se destina a assegurar a todos o acesso aos serviços;
esses serviços devem ser hierarquizados segundo parâmetros técnicos e a sua
gestão deve ser descentralizada”.

14
TÓPICO 1 — HISTÓRIA DA SAÚDE COLETIVA NO BRASIL

Um ponto importante que a Constituição trouxe, além do custeio do


Sistema de Saúde, que é mantido, essencialmente, por recursos dos governos
municipais, estaduais e da União, são as ações governamentais submetidas a
órgãos colegiados oficiais, os Conselhos de Saúde, com representação paritária
entre usuários e prestadores de serviços.

Um ponto importante da Constituição Federal de 1988 foi a definição do


conceito de saúde, incorporando novas dimensões. Para se ter saúde, é preciso
ter acesso a um conjunto de fatores, como alimentação, moradia, emprego, lazer
e educação.

NOTA

O artigo 196 cita que “a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido
mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de
outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção,
proteção e recuperação”. Com esse artigo, fica definida a universalidade da cobertura do
Sistema Único de Saúde.

O SUS faz parte das ações definidas na Constituição como sendo de “relevância
pública”, sendo atribuídos, ao poder público, a regulamentação, a fiscalização e o controle
das ações e dos serviços de saúde (BRASIL, 2014a).

Conforme a Constituição Federal de 1988, o SUS é definido, pelo artigo 198, do


seguinte modo:

As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede


regionalizada e hierarquizada, e constituem um sistema único,
organizado de acordo com as seguintes diretrizes:
I- Descentralização, com direção única em cada esfera de
governo;
II- Atendimento integral, com prioridade para as atividades
preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais;
III- Participação da comunidade.
Parágrafo único – O Sistema Único de Saúde será financiado
com recursos do orça­mento da seguridade social, da União,
dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, além de
outras fontes (BRASIL, 2012).

A concepção do SUS estava baseada na formulação de um modelo


de saúde voltado para as necessidades da população, procurando resgatar o
compromisso do Estado para com o bem-estar social, especialmente, no que
refere à saúde coletiva, se consolidando como um dos direitos da cidadania.
Procederam-se negociações para a promulgação da lei complementar, esta que
daria bases operacionais à reforma e iniciaria a construção do SUS no Brasil.
Ainda, permitiria o acesso universal à saúde para a população brasileira.

15
UNIDADE 1 — SAÚDE PÚBLICA, SUS E APS

FIGURA 4 – ULYSSES GUIMARÃES, PRESIDENTE DA ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE,


SEGURA UM EXEMPLAR DA NOVA CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA

FONTE: Ponte (2010, p. 238)

DICAS

A História da Saúde Pública no Brasil – 500 Anos na Busca de Soluções.

Essa história começa com a chegada dos colonizadores portugueses, quando


os problemas sanitários ficaram mais graves e começamos a busca de soluções para as
questões de saúde dos brasileiros.

Brasil Colônia, Brasil Império, Brasil República, um passeio pela história da saúde
pública no país, sempre marcada pelas diferenças sociais e pela falta de prioridade nos
investimentos do governo. Apesar dos muitos avanços e conquistas, continuamos na
busca de soluções.

Produção: Vibe Films


Direção: Sylvia Jardim
Distribuição: VideoSaúde Distribuidora da Fiocruz
Ano da produção: 2015
Acesse: https://www.arca.fiocruz.br/handle/icict/16186 ou https://www.youtube.com/watch
?v=7ouSg6oNMe8.

A História da Saúde Pública no Brasil – 500 Anos na Busca de Soluções.

16
TÓPICO 1 — HISTÓRIA DA SAÚDE COLETIVA NO BRASIL

E
IMPORTANT

Direito à saúde

A saúde consta na Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, no artigo


XXV, que define que todo ser humano tem direito a um padrão de vida capaz de lhe assegurar,
e a sua família, saúde e bem-estar, inclusive, alimentação, vestuário, habitação, cuidados
médicos e os serviços sociais indispensáveis.  Ou seja, o direito à saúde é indissociável do
direito à vida, que tem, por inspiração, o valor de igualdade entre as pessoas.

No contexto brasileiro, o direito à saúde foi uma conquista do movimento da


Reforma Sanitária, refletindo na criação do Sistema Único de Saúde (SUS), pela Constituição
Federal de 1988, cujo artigo 196 dispõe que “a saúde é direito de todos e dever do Estado,
garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença
e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para a promoção,
proteção e recuperação”. No entanto, o direito à saúde não se restringe apenas a poder ser
atendido no hospital ou em unidades básicas. Embora o acesso a serviços tenha relevância,
como direito fundamental, o direito à saúde gera, também, a garantia ampla de qualidade
de vida, em associação a outros direitos básicos, como educação, saneamento básico,
atividades culturais e segurança.

“A criação do SUS está diretamente relacionada à tomada de responsabilidade


por parte do Estado. A ideia do SUS é maior do que simplesmente disponibilizar postos
de saúde e hospitais para que as pessoas possam acessar quando precisem, a proposta
é que seja possível atuar antes disso, através dos agentes de saúde, estes que visitam
frequentemente as famílias para serem antecipados os problemas, além de conhecer a
realidade de cada família, encaminhando as pessoas para os equipamentos públicos de
saúde” (GUIA DE DIREITOS). 

FONTE: <https://pensesus.fiocruz.br/direito-a-saude>. Acesso em: 6 nov. 2020.

17
RESUMO DO TÓPICO 1
Neste tópico, você aprendeu que:

• A Constituição de 1988 permitiu, ao Brasil, estabelecer garantias fundamentais


de saúde, educação e condicionantes sociais. Com isso, se institucionalizaram
direitos fundamentais, como a saúde, previsto na Declaração Universal dos
Direitos Humanos, de 1948.

• Do movimento da Reforma Sanitária originou o Sistema Único de Saúde (SUS),


através da Constituição Federal de 1988, tendo como base a 8ª Conferência
Nacional de Saúde.

• O artigo 196 menciona que “a saúde é direito de todos e dever do Estado,


garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do
risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações
e serviços para a promoção, proteção e recuperação”.

• Antes da criação do SUS, a saúde era direcionada apenas para os trabalhadores


que contribuíam, ou seja, a assistência à saúde não era direcionada a todos.

18
AUTOATIVIDADE

1 Para realizar um processo adequado de aprendizagem, é preciso construir


o conhecimento, assim, uma das ferramentas utilizadas é o mapa mental,
ou “mapa da mente”, nome dado para um tipo de diagrama, sistematizado.
Para construir um mapa mental:

1- Inicie, no centro da folha, com uma imagem do assunto.


2- Use imagens, símbolos e dimensões em todo o mapa mental.
3- Selecione as palavras-chave e as escreva usando letras minúsculas ou
maiúsculas.
4- Coloque cada palavra/imagem sozinha e na sua própria linha.
5- As linhas devem estar conectadas a partir da imagem central.
6- As linhas centrais são mais grossas, orgânicas e se afinam à medida que
irradiam para fora do centro.
7- Faça as linhas do mesmo comprimento que a palavra/imagem que
suportam.
8- Use várias cores em todo o mapa mental, para a estimulação visual e,
também, para codificar ou agrupar.
9- Desenvolva seu próprio estilo pessoal ao criar seus mapas mentais.
10- Use ênfases e mostre associações no seu mapa mental.
11- Mantenha o mapa mental claro, usando hierarquia radial, ordem
numérica ou contornos para agrupar ramos.
FONTE: <https://www.mapamental.org/dicas/o-que-e-mapa-mental/>. Acesso em: 6 nov. 2020.

Faça um mapa mental da linha do tempo da história da saúde pública no


Brasil.

2 A Saúde como Política Pública: em que consistem as políticas públicas


relacionadas à saúde no Brasil?

As políticas públicas de saúde correspondem a todas as ações de governo


que regulam e organizam as funções públicas do Estado para o ordenamento
setorial. Referem-se tanto a atividades governamentais executadas diretamente
pelo aparato estatal quanto àquelas relacionadas à regulação de atividades
realizadas por agentes econômicos. Configuram uma agenda vasta de temas,
que expressam não apenas o leque e a abrangência dos problemas que exigem
solução política, mas, principalmente, os anseios da sociedade, o contexto e os
resultados da disputa entre os diferentes atores sociais.
A partir da promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil
de 1988, que instituiu a Seguridade Social como o padrão de proteção social
a ser institucionalizado no país, e, neste âmbito, a saúde como direito de todos
e dever do Estado, as políticas de saúde vêm sendo amplamente discutidas e
definidas com vistas ao reordenamento setorial necessário ao cumprimento
dos preceitos constitucionais.

19
Vale lembrar, ainda, que a concepção ampliada de saúde adotada na
Constituição, e o entendimento de que a garantia desse direito exige, do
Estado, políticas econômicas e sociais orientadas à redução de riscos de
doenças e outros agravos, não apenas ampliam o espectro das políticas
públicas relacionadas à saúde, mas exigem, dos formuladores das políticas de
saúde, a interlocução com outros setores.
Pode-se afirmar que as políticas públicas setoriais e o debate político estão
predominantemente referidos, na história recente, ao processo de reconfiguração
das atividades governamentais relativas à saúde, particularmente, no que se
refere à organização, implementação e financiamento do Sistema Único de
Saúde e às possibilidades e limites da efetivação dos princípios e diretrizes
constitucionais em toda a sua extensão.

FONTE: LUCCHESE, P. T. R. Políticas públicas em saúde pública. São Paulo: BIREME/OPAS/


OMS, 2004, p. 90.

A partir da reflexão exposta, elabore um mapa mental com base nos


conhecimentos adquiridos ao longo deste tópico.

3 A VIII Conferência Nacional de Saúde (1986) foi o principal marco desse


processo de formulação de um novo modelo de saúde pública universal,
visando romper com a cisão estrutural entre saúde pública e medicina
curativa individual, e com a intensa privatização que então caracterizava o
sistema de saúde brasileiro (PONTE, 2010). Analise as alternativas e assinale
a CORRETA:

a) ( ) A VIII CNS não teve a participação de representantes de diversas


entidades da sociedade civil, profissionais de saúde, usuários do
sistema e prestadores de serviços de saúde públicos.
b) ( ) A VIII Conferência Nacional de Saúde foi um evento realizado somente
para prestadores de serviços em saúde.
c) ( ) Durante a VIII Conferência foram lançadas as diretrizes para a
construção de um sistema descentralizado e único.
d) ( ) A Saúde não foi um tema desse evento.
e) ( ) Um dos pontos discutidos fora em relação a nova reformulação do
INAMPS.

4 Descreva o papel da 8ª Conferência de Saúde para a constituição do Sistema


Único de Saúde.

5 O ano de 1990 foi descrito como o ano de criação e regulamentação do SUS.


Sobre esse tema, SUS, assinale a alternativa CORRETA:

( ) Lei n° 8.080/90 – Dispõe sobre as condições para a promoção, proteção


e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços
correspondentes. Define os princípios e diretrizes do SUS.

20
( ) Lei n° 8.142/90 – Dispõe sobre a participação da comunidade na gestão do
SUS e sobre as transferências intergovernamentais de recursos financeiros
na área da saúde e dá outras providências.
( ) As leis n° 8.080/90 e n° 8.142/90 referem no seu texto apenas sobre o
financiamento do SUS.
( ) No ano de 1991 inicia o Programa de Agentes Comunitários de Saúde
(Pacs).
( ) No ano de 2002 inicia o Programa Saúde da Família (PSF) no Brasil.

a) ( ) V – V – V – V – F.
b) ( ) V – V – F – V – F.
c) ( ) F – F – V – F – V.
d) ( ) V – F – V – F – V.
e) ( ) F – V – F – V – F.

21
22
TÓPICO 2 —
UNIDADE 1

O SUS

1 INTRODUÇÃO
O desejo da constituição de um único sistema de saúde foi construído com
o envolvimento de um amplo movimento político pela reforma do setor saúde,
a Reforma Sanitária, envolvendo diferentes atores sociais, como intelectuais da
área da saúde pública, profissionais da saúde com atuação nas áreas de pesquisa,
formação de recursos humanos, serviços e formulação de políticas, movimentos
populares pela saúde e movimento sindical. Decorreu nos anos 1970 e 1980,
dando bases para um movimento cada vez mais forte que questionava o sistema
de saúde governamental.

As propostas que davam bases à nova proposição se caracterizavam


pela democratização do sistema, com participação popular, universalização dos
serviços, defesa do caráter público do sistema de saúde e descentralização.

Ao mesmo tempo, o agravamento da crise da Previdência Social


demonstrava a necessidade de uma separação, com isso, lançaram-se as bases
para o Sistema Único de Saúde (SUS), através da Constituição Federal de 1988.

2 SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE (SUS)


Após mais de uma década de luta do movimento da reforma sanitária
brasileira, o direito à saúde, no Brasil, entra no texto constitucional, amparando,
legalmente, toda a população brasileira no acesso aos serviços e às ações de
saúde (BRASIL, 2014a).

Um grande avanço para a saúde pública no Brasil foi o texto da saúde


na Constituição de 1988, quando surge no capítulo da Seguridade Social ao
lado da Previdência Social e da Assistência Social, caracterizando o espectro da
proteção social para a população brasileira.

23
UNIDADE 1 — SAÚDE PÚBLICA, SUS E APS

FIGURA 5 – VIII CONFERÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE LANÇA O TEXTO INICIAL


SOBRE A SAÚDE PARA A CONSTITUIÇÃO DE 1988

FONTE: Ponte (2010, p. 243)

A Constituição de 1988 funda o SUS, terminando com quase um século de


separação entre as ações de saúde pública e de atenção à saúde, que passam a ser
planejadas e executadas de forma integrada com direção única em cada esfera de
governo (BRASIL, 2014a).

A criação e a regulamentação do SUS se dão por duas leis, as quais se


denominam como Leis Orgânicas da Saúde:

• Lei n° 8.080/90 – Dispõe sobre as condições para a promoção, proteção


e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços
correspondentes. Define os princípios e diretrizes do SUS.
• Lei n° 8.142/90 – Dispõe sobre a participação da comunidade na gestão do SUS
e sobre as transferências intergovernamentais de recursos financeiros na área
da saúde e dá outras providências.

TUROS
ESTUDOS FU

Vamos falar dessas leis mais adiante.

2.1 PAPEL DO SUS


O Sistema Único de Saúde (SUS) é um dos maiores e mais complexos
sistemas de saúde pública do mundo, abrangendo desde o simples atendimento
para avaliação da pressão arterial, por meio da Atenção Primária, até o
transplante de órgãos, garantindo acesso integral, universal e gratuito para toda
a população do país (BRASIL, 2020a).

24
TÓPICO 2 — O SUS

O SUS proporcionou o acesso universal ao sistema público de saúde, sem


discriminação, permitiu o acesso de todos os brasileiros ao cuidado da saúde. A
atenção integral à saúde, e não somente aos cuidados assistenciais, passou a ser
um direito de todos os brasileiros, desde a gestação e por toda a vida, com foco
na saúde com qualidade de vida, visando à prevenção e à promoção da saúde.

A gestão das ações e dos serviços de saúde deve ser solidária e


participativa entre os três entes da Federação: a União, os Estados e os
Municípios. A rede que compõe o SUS é ampla e abrange tanto ações quanto
os serviços de saúde. Engloba a atenção primária, média e alta complexidades,
os serviços de urgência e emergência, a atenção hospitalar, as ações e serviços
das vigilâncias epidemiológica, sanitária e ambiental e assistência farmacêutica
(BRASIL, 2020a).

2.2 ESTRUTURA DO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE (SUS)


Um ponto importante é entender como é a composição do Sistema
Único de Saúde (SUS), além de como funciona a interação entre Municípios,
Estados, Distrito Federal e a União. Sua composição é dada pelo Ministério
da Saúde, Secretaria Estadual de Saúde e Secretaria Municipal de Saúde,
conforme determina a Constituição Federal, sendo que cada ente tem as suas
responsabilidades na gestão e organização da saúde para a população.

2.2.1 Ministério da Saúde


Gestor nacional do SUS, formula, normatiza, fiscaliza, monitora e avalia
políticas e ações, em articulação com o Conselho Nacional de Saúde. Atua no
âmbito da Comissão Intergestores Tripartite (CIT) para pactuar o Plano Nacional
de Saúde. Integram sua estrutura: Fiocruz, Funasa, Anvisa, ANS, Hemobras,
Inca, Into e oito hospitais federais (BRASIL, 2020a).

2.2.2 Secretaria Estadual de Saúde (SES)


Participa da formulação das políticas e ações de saúde, presta apoio aos
Municípios em articulação com o Conselho Estadual e participa da Comissão
Intergestores Bipartite (CIB), para aprovar e implementar o plano estadual de
saúde (BRASIL, 2020a).

25
UNIDADE 1 — SAÚDE PÚBLICA, SUS E APS

2.2.3 Secretaria Municipal de Saúde (SMS)


Planeja, organiza, controla, avalia e executa as ações e serviços de saúde
em articulação com o Conselho Municipal e a esfera estadual para aprovar e
implantar o plano municipal de saúde.

2.2.4 Aspectos operacionais do SUS


• Comissão Intergestores Tripartite (CIT)

É uma comissão formada por gestores federais, estaduais e municipais


que negociam e pactuam em relação aos aspectos operacionais do SUS.

• Comissão Intergestores Bipartite (CIB)

É o fórum de negociação entre o Estado e os Municípios na implantação e


operacionalização do Sistema Único de Saúde, SUS.

Como colegiado bipartite, a CIB é composta paritariamente por nove


representantes da Secretaria de Estado da Saúde e por nove do Conselho de
Secretários Municipais de Saúde, COSEMS.

• Conselho Nacional de Secretário da Saúde (CONASS)

O Conselho Nacional dos Secretários de Saúde (CONASS) é uma entidade


de direito privado, sem fins lucrativos, que se pauta pelos princípios que regem o
direito público, e que congrega os secretários e seus substitutos legais – gestores
oficiais das Secretarias de Estado de Saúde dos Estados e do Distrito Federal. Tem
sede e foro na Capital da República.

O CONASS constitui um organismo da direção do Sistema Único de


Saúde (SUS), com mandato de representar politicamente os interesses comuns
dos secretários de saúde dos Estados e do Distrito Federal, perante as demais
esferas de governo e outros parceiros, em torno de estratégias comuns de ação
entre os gestores estaduais de saúde (CONASS, 2020).

• Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (Conasems)

Entidade representativa dos entes municipais na CIT para tratar de


matérias referentes à saúde (BRASIL, 2020a).

• Conselhos de Secretarias Municipais de Saúde (Cosems)

São reconhecidos como entidades que representam os entes municipais,


no âmbito estadual, para tratar de matérias referentes à saúde, desde que
vinculados institucionalmente ao Conasems, na forma que dispuserem seus
estatutos (BRASIL, 2020a).
26
TÓPICO 2 — O SUS

DICAS

O CONASS disponibiliza o Guia Di gital de Apoio à Gestão Estadual do SUS.

Planejamento e o
Gestão Pública Administração Pública
Ciclo Orçamentário

Informações para a
Gestão Financeira Regulação
gestão do SUS

FONTE: <http://www.conass.org.br/guiainformacao/>. Acesso em: 9 nov. 2020.

2.3 PRINCÍPIOS E DIRETRIZES DO SUS


 O Sistema Único de Saúde (SUS), criado pela constituição de 1988,
é um conjunto de todas as ações e serviços de saúde prestados por órgãos e
instituições públicas federais, estaduais e municipais, da administração direta
ou indireta, que pode ser complementado pelos serviços de saúde ofertados
pela iniciativa privada.

2.3.1 Princípios do SUS


• Universalidade

A saúde é um direito de cidadania de todas as pessoas, e cabe, ao Estado,


assegurar esse direito, sendo que o acesso às ações e serviços deve ser garantido
a todas as pessoas, independentemente do sexo, raça, ocupação, ou outras
características sociais ou pessoais (BRASIL, 2020a).

27
UNIDADE 1 — SAÚDE PÚBLICA, SUS E APS

Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante


políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros
agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção,
proteção e recuperação (BRASIL, 2012).

A universalidade do Sistema Único de Saúde (SUS) se apresenta não


apenas como o direito à saúde garantido mediante políticas públicas, mas aponta
para o direito à vida e à igualdade de acesso sem distinção de raça, sexo, religião
ou qualquer outra forma de discriminação do cidadão brasileiro.

• Equidade

O objetivo desse princípio é diminuir desigualdades. Apesar de todas as


pessoas possuírem direito aos serviços, as pessoas não são iguais e, por isso, têm
necessidades distintas. Em outras palavras, equidade significa tratar desigualmente
os desiguais, investindo mais onde a carência é maior (BRASIL, 2020a).

FIGURA 6 – EQUIDADE

IGUALDADE EQUIDADE

FONTE: <https://cartaodosus.info/principios-do-sus/>. Acesso em: 9 nov. 2020.

• Integralidade

Este princípio considera as pessoas como um todo, atendendo a todas


as suas necessidades. Para isso, é importante a integração de ações, incluindo
a promoção da saúde, a prevenção de doenças, o tratamento e a reabilitação.
Juntamente, o princípio da integralidade pressupõe a articulação da saúde
com outras políticas públicas, para assegurar uma atuação intersetorial entre
as diferentes áreas que tenham repercussão na saúde e qualidade de vida dos
indivíduos (BRASIL, 2020a). A Constituição afirma que o atendimento integral
deve priorizar as ações preventivas, sem prejuízo das ações de assistência. Isso
significa afirmar que o usuário do SUS tem o direito a serviços que atendam
às necessidades, ou seja, da vacina ao transplante, com prioridade para o
desenvolvimento de ações preventivas (BRASIL, 2014a).

28
TÓPICO 2 — O SUS

• Princípios organizativos – Descentralização

No SUS, a diretriz da descentralização corresponde à distribuição de poder


político, de responsabilidades e de recursos da esfera federal para a estadual e a
municipal. Ou seja, estamos falando de uma desconcentração do poder da União
para os Estados e Municípios, tendo, como objetivo, a consolidação dos princípios
e diretrizes do SUS. Em cada esfera do governo, há uma direção do SUS: na União,
o Ministério da Saúde; nos Estados e Distrito Federal, as secretarias estaduais
de saúde ou órgão equivalente; e, nos Municípios, as Secretarias Municipais de
Saúde (BRASIL, 2014a).

• Princípios organizativos – Regionalização e hierarquização

Essa diretriz diz respeito a uma organização do sistema que deve focar
na noção de território, a partir da qual se determinam perfis populacionais,
indicadores epidemiológicos, condições de vida e suporte social que devem
nortear as ações e serviços de saúde de uma região. Essa concepção aproxima
a gestão municipal dos problemas de saúde, das condições de vida e da cultura
que estão presentes nos distritos ou regiões que compõem o município. A lógica
proposta é: quanto mais perto da população, maior será a capacidade de o
sistema identificar as necessidades de saúde, e melhor será a forma de gestão do
acesso e dos serviços para a população (BRASIL, 2014a). A regionalização deve
ser norteada pela hierarquização dos níveis de complexidade requerida pelas
necessidades de saúde das pessoas. Um ponto importante é a orientação da rede
de ações e serviços de saúde, orientada pelo princípio da integralidade.

• Princípios organizativos – Participação da comunidade

A participação da comunidade se tornou uma diretriz da organização e


da operacionalização do SUS em todas as suas esferas de gestão, confundindo-se
com um princípio. Para isso, devem ser criados os Conselhos e as Conferências de
Saúde, que visam formular estratégias, controlar e avaliar a execução da política
de saúde (BRASIL, 2020a).

29
UNIDADE 1 — SAÚDE PÚBLICA, SUS E APS

NOTA

Conselhos de Saúde

O Conselho de Saúde, no âmbito de atuação (nacional, estadual ou municipal),


em caráter permanente e deliberativo, órgão colegiado composto por representantes do
governo, prestadores de serviço, profissionais de saúde e usuários, atua na formulação de
estratégias e no controle da execução da política de saúde na instância correspondente,
inclusive, nos aspectos econômicos e financeiros, cujas decisões são homologadas pelo
chefe do poder legalmente constituído em cada esfera do governo.

Cabe, a cada Conselho de Saúde, definir o número de membros, que obedecerá
a uma composição: 50% de entidades e movimentos representativos de usuários; 25% de
entidades representativas dos trabalhadores da área da saúde; e 25% de representação do
governo e prestadores de serviços privados conveniados, ou sem fins lucrativos.

FONTE: Ponte (2010) e Brasil (2020a)

DICAS

O Que É o SUS: e-book interativo


Autores: Jairnilson Silva Paim e outros
Ano: 2015
Acesso aberto, 93 páginas
Sinopse: O livro O Que É o SUS  – um dos títulos mais
procurados da Editora Fiocruz, já tendo sido reimpresso cinco
vezes – busca esclarecer o que é, o que não é, o que faz, o que
deve fazer e o que pode fazer o SUS. Pela importância do tema
e da obra, O Que É o SUS foi selecionado para se transformar
no primeiro e-book interativo da Editora Fiocruz, no âmbito do
primeiro edital da Faperj, especialmente dedicado às editoras
universitárias. O objetivo do projeto não era mudar o suporte do
papel para a tela, mas oferecer uma nova experiência de leitura,
em que vídeos, áudios, galerias de fotos, infográficos e outros recursos ora
complementassem, ora substituíssem partes do texto original, criando uma nova
textualidade eletrônica. O resultado é fruto de uma construção coletiva e, antes, do
consentimento do autor, o professor da Ufba Jairnilson Silva Paim, que, generosamente,
seguiu "o exemplo de João Ubaldo Ribeiro, de não interferir na transformação de seus
livros em filmes, novelas ou minisséries, pois, além de outras linguagens, na realidade,
tais iniciativas expressam novas criações". Uma nova criação que, assim como o livro
de 2009, busca contribuir para a consolidação, o fortalecimento e a expansão do SUS. 

FONTE: <http://www.livrosinterativoseditora.fiocruz.br/sus/15/>. Acesso em: 9 nov. 2020.

30
TÓPICO 2 — O SUS

3 LEGISLAÇÃO SUS
Os fundamentos do SUS estão expressos na seção II do capítulo II do
título VIII da Constituição Federal de 1988, que trata da Seguridade Social. Essa
seção estabelece os direitos dos usuários, os deveres do Estado e as diretrizes
da organização do sistema; como será financiado esse sistema; a participação da
iniciativa privada e de empresas de capital estrangeiro na assistência à saúde;
as atribuições do sistema; e a admissão de agentes comunitários de saúde e de
combate às endemias (BRASIL, 2015).

O alicerce legal do SUS é formado por três documentos, segundo Ponte


(2010), que expressam os elementos essenciais da organização:

1- a Constituição Federal de 1988, na qual a saúde é um dos setores que estruturam


a seguridade social, ao lado da previdência e da assistência social, em especial
na seção II, artigos 196 a 200;
2- a Lei n° 8.080, de 19 de setembro de 1990, também conhecida como Lei Orgânica
da Saúde, que dispõe, principalmente, sobre a organização e regulação das
ações e serviços de saúde em todo o território nacional;
3- a Lei n° 8.142, de 28 de dezembro de 1990, que estabelece o formato da participação
popular no SUS e dispõe sobre as transferências intergovernamentais de
recursos financeiros na área da saúde.

3.1 CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988


A Constituição Federal de 1988 define o conceito de saúde, incorporando
novas dimensões, ou seja, para se ter saúde, é preciso ter acesso a um conjunto
de fatores, como alimentação, moradia, emprego, lazer e educação. A partir desse
conceito ampliado, vê-se a concepção de saúde além da ausência de doença, e
norteia a necessidade de se constituir um sistema que abranja todos os cuidados
necessários.

O artigo 196 cita que “a saúde é direito de todos e dever do Estado,


garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de
doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços
para sua promoção, proteção e recuperação”. Com esse artigo, fica definida a
universalidade da cobertura do Sistema Único de Saúde (BRASIL, 2007).

No artigo 198 da Constituição Federal de 1988:

As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada


e hierarquizada, e constituem um sistema único, organizado de acordo
com as seguintes diretrizes:
I- Descentralização, com direção única em cada esfera de governo;
II- Atendimento integral, com prioridade para as atividades
preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais;

31
UNIDADE 1 — SAÚDE PÚBLICA, SUS E APS

III- Participação da comunidade


Parágrafo único – O Sistema Único de Saúde será financiado com
recursos do orçamento da seguridade social, da União, dos Estados, do
Distrito Federal e dos Municípios, além de outras fontes (BRASIL, 2012).

O texto constitucional demonstra, claramente, que a concepção do SUS


estava baseada na formulação de um modelo de saúde voltado para as necessidades
da população, procurando resgatar o compromisso do Estado para com o bem-
estar social, especialmente, no que refere à saúde coletiva, consolidando-o como
um dos direitos da cidadania (BRASIL, 2007).

3.2 LEI N° 8.080: LEI ORGÂNICA DA SAÚDE


A Lei n° 8.080, de 19 de setembro de 1990, dispõe sobre as condições para
a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento
dos serviços correspondentes.

A lei regula, em todo o território nacional, as ações e os serviços de saúde,


executados isolada ou conjuntamente, em caráter permanente ou eventual, por
pessoas naturais ou jurídicas, de direito público ou privado (BRASIL, 1990).

A Lei n° 8.080/90 institui o Sistema Único de Saúde, constituído pelo


conjunto de ações e serviços de saúde, prestados por órgãos e instituições
públicas federais, estaduais e municipais, da administração direta e indireta, e
das fundações mantidas pelo poder público. Um ponto importante é a definição
que a iniciativa privada pode participar do Sistema Único de Saúde em caráter
complementar, ou seja, quando há a necessidade de complementar um serviço
existente. O caráter complementar é definido no  artigo 199 da Constituição
Federal de 1988, que prevê que as instituições privadas podem participar de
forma complementar ao Sistema Único de Saúde, segundo diretrizes deste,
mediante contrato de direito público ou convênio, tendo preferência as entidades
filantrópicas e as sem fins lucrativos.

As ações e serviços públicos de saúde e os serviços privados contratados ou


conveniados que integram o SUS são desenvolvidos de acordo com as diretrizes
previstas no artigo 198 da Constituição Federal de 1988, obedecendo, ainda, a
princípios organizativos e doutrinários (BRASIL, 2007), como:

• universalidade de acesso aos serviços de saúde em todos os níveis de assistência;


• integralidade de assistência, com prioridade para as atividades preventivas,
sem prejuízo dos serviços assistenciais;
• equidade;
• descentralização político-administrativa com direção única em cada esfera de
governo;

32
TÓPICO 2 — O SUS

• conjugação dos recursos financeiros, tecnológicos, materiais e humanos da


União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios na prestação de
serviços de assistência à saúde da população;
• participação da comunidade;
• regionalização e hierarquização.

NOTA

A Lei n° 8.080/90 trata:


a) da organização, da direção e da gestão do SUS;
b) da definição das competências e das atribuições das três esferas do governo;
c) do funcionamento e da participação complementar dos serviços privados de assistência
à saúde;
d) da política de recursos humanos; e
e) dos recursos financeiros, da gestão financeira, do planejamento e do orçamento (BRASIL,
2007).

3.3 LEI N° 8.142


A Lei n° 8.142, de 28 de dezembro de 1990, dispõe sobre a participação da
comunidade na gestão do Sistema Único de Saúde (SUS) e sobre as transferências
intergovernamentais de recursos financeiros na área de saúde, entre outras
providências. Esta instituiu as Conferências e os Conselhos de Saúde em cada
esfera de governo (BRASIL, 1990).

O SUS conta, em cada esfera de governo (local, municipal, estadual/


distrital e federal), com a participação da sociedade no (na):

(i) Conferência de Saúde;


(ii) Conselho de Saúde.

Pela Lei n° 8.142/90, estabeleceu-se que a Conferência Nacional de Saúde


– CNS fosse realizada a cada quatro anos, “com a representação dos vários
segmentos sociais, para avaliar a situação da saúde e propor diretrizes para a
formulação de políticas de saúde nos níveis correspondentes, convocadas pelo
Poder Executivo ou, extraordinariamente, por este ou pelo Conselho de Saúde”
(BRASIL, 1990). A Lei n° 8.142/90, no parágrafo 2° (BRASIL, 1990), define:

O Conselho de Saúde, em caráter permanente e deliberativo, órgão


colegiado composto por representantes do governo, prestadores de
serviço, profissionais de saúde e usuários, atua na formulação de
estratégias e no controle da execução da política de saúde na instância
correspondente, inclusive, nos aspectos econômicos e financeiros, cujas
decisões são homologadas pelo chefe do poder legalmente constituído
em cada esfera de governo.

33
UNIDADE 1 — SAÚDE PÚBLICA, SUS E APS

Nessa mesma lei, os recursos do Fundo Nacional de Saúde (FNS) são


direcionados aos Municípios, Estados e Distrito Federal. Para o recebimento
desses recursos (BRASIL, 2007), os Municípios, os Estados e o Distrito Federal
devem contar com:

i) Fundo de saúde;
ii) Conselho de saúde;
iii) Plano de saúde;
iv) Relatório de gestão;
v) Contrapartida de recursos para a saúde no respectivo orçamento;
vi) Comissão de elaboração do plano de carreira, cargos e salários (PCCS).

NOTA

As Conferências de Saúde se realizam em um processo ascendente, ou seja,


primeiramente, realizam-se as Conferências Municipais de Saúde, passando por uma
Conferência Estadual de Saúde, para elencar as necessidades e proposições de cada estado
e culminando em uma Conferência Nacional de Saúde.

Os Conselhos de Saúde buscam participar da discussão das políticas de saúde,


tendo uma atuação independente do governo, embora façam parte da sua estrutura, e onde
se manifestam os interesses dos diferentes segmentos sociais, possibilitando a negociação
de propostas e o direcionamento de recursos para diferentes prioridades (BRASIL, 2007).

Temos os Conselhos Locais de Saúde (em cada Unidade de Saúde) deliberando as


necessidades da comunidade atendida pela Unidade de Saúde, o Conselho Municipal de
Saúde, Conselho Estadual de Saúde e Conselho Nacional de Saúde.

DICAS

Relatório 30 Anos de SUS, que SUS para 2030?

É neste conjunto de realidades e aspirações para o Brasil


que foi elaborado o Relatório 30 Anos de SUS, que SUS para 2030?
Uma publicação que pretende destacar importantes conquistas
do SUS e apresentar recomendações estratégicas que possam
subsidiar presentes e futuros gestores do SUS para o alcance
das metas dos ODS em 2030. Essa iniciativa busca contribuir a
responder perguntas como: Quais são os resultados de 30 anos
de SUS? Que conhecimentos foram acumulados? Quais foram as
experiências mais exitosas e inovadoras? Quais são os desafios do
SUS para o ano de 2030? Que ações, estratégias e transformações
são necessárias para preparar o SUS para esses desafios?

34
TÓPICO 2 — O SUS

Para a construção dessas respostas, que estão permeadas ao longo deste Relatório,
optou-se por percorrer um caminho metodológico considerando: (1) o diálogo e a escuta
qualificada com parceiros e atores estratégicos; (2) os documentos técnicos e resoluções
dos corpos diretores da OPAS/OMS; (3) as evidências científicas disponíveis. Esses três
sustentam todas as análises e as recomendações produzidas neste documento.

FONTE: ORGANIZAÇÃO PAN-AMERICANA DA SAÚDE. Relatório 30 anos de SUS, que SUS


para 2030? Brasília: OPAS, 2018. Disponível em: https://iris.paho.org/handle/10665.2/49663.
Acesso em: 9 nov. 2020.

4 PSF/ESF/SAÚDE DA FAMÍLIA
A saúde da família está no primeiro nível de atenção no Sistema Único de
Saúde (SUS), e é considerada uma estratégia primordial para a organização e o
fortalecimento da atenção básica. Atua como porta de entrada para o sistema de
saúde e ordena o cuidado. Tem, como foco, o acompanhamento de um número
definido de famílias, localizadas em uma área geográfica delimitada pertencente
ao território adstrito pela equipe. Nas práticas de cuidados e assistenciais, são
desenvolvidas ações de promoção da saúde, prevenção, recuperação, reabilitação
de doenças e agravos mais frequentes. 

A Estratégia Saúde da Família (ESF) visa à reorganização da Atenção


Primária com os preceitos do Sistema Único de Saúde, como estratégia de
expansão, qualificação e consolidação da atenção primária.

Segundo a PNAB (BRASIL, 2017), a equipe de ESF deve ser composta, no


mínimo, por médico, preferencialmente, da especialidade medicina de família
e comunidade; enfermeiro, preferencialmente, especialista em saúde da família;
auxiliar e/ou técnico de enfermagem; e agente comunitário de saúde (ACS).

Podendo fazer parte da equipe, o agente de combate às endemias (ACE) e


os profissionais de saúde bucal, cirurgião-dentista, preferencialmente, especialista
em saúde da família; e auxiliar ou técnico em saúde bucal.

Um ponto importante é o vínculo que essas equipes estabelecem com


a população, pois isso possibilita o compromisso entre os profissionais e a
comunidade onde atuam.

A Estratégia Saúde da Família (ESF), para o Ministério da Saúde (BRASIL,


2020b), visa à reorganização da Atenção Primária no país, de acordo com os
preceitos do Sistema Único de Saúde, e é tida como estratégia de expansão,
qualificação e consolidação da atenção primária. Por meio da Estratégia, é
possível reorientar o processo de trabalho com maior potencial de aprofundar
os princípios, diretrizes e fundamentos da atenção primária, de ampliar a
resolutividade e impacto na situação de saúde das pessoas, além de propiciar
uma importante relação custo-efetividade.

35
UNIDADE 1 — SAÚDE PÚBLICA, SUS E APS

Desde sua criação em 1994, o PSF gradual­mente foi se tornando a principal estratégia
para a ampliação do acesso de primeiro contato e de mudança do modelo assistencial. Busca
promover a qualidade de vida da população brasileira e intervir nos fatores que
colocam a saúde em risco, como falta de atividade física, má alimentação, uso
de tabaco, dentre outros. Com atenção integral, equânime e contínua, a ESF se
fortalece como a porta de entrada do Sistema Único de Saúde (SUS).

Cada equipe de Saúde da Família (eSF) deve ser responsável por, no


máximo, 4.000 pessoas, sendo a média recomendada de 3.000 pessoas (BRASIL,
2017), respeitando critérios de equidade para essa definição. Recomenda-se que o
número de pessoas por equipe considere o grau de vulnerabilidade das famílias
daquele território, sendo que, quanto maior o grau de vulnerabilidade, menor
deverá ser a quantidade de pessoas por equipe (PINTO; GIOVANELLA, 2018).

FIGURA 7 – ESTRATÉGIA EM SAÚDE DA FAMÍLIA

FONTE: Ponte (2010, p. 262)

NOTA

Linha do tempo Saúde da Família no Brasil

1991 – Criação do Programa de Agentes Comunitários de Saúde (PACS), teve início no fim
da década de 1980 como uma iniciativa de algumas áreas do Nordeste (e outros lugares,
como o Distrito Federal e São Paulo). Na época, a iniciativa visava buscar alternativas
para melhorar as condições de saúde de suas comunidades. Era uma nova categoria de
trabalhadores, formada pela e para a própria comunidade, atuando e fazendo parte da
saúde prestada nas localidades.

1994 – Reestruturação da Atenção Básica – Criação Programa Saúde da Família (PSF) foi
criado como estratégia de reorientação dos serviços de atenção à saúde. As antigas práticas
mais voltadas para a doença e valorização do hospital são substituídas por novos princípios,
com o foco na promoção da saúde e na participação da comunidade.
Com o passar dos anos, foi preciso organizar a base do sistema de saúde e o PSF passou a
ser reconhecido como estruturante, isto é, definido como “estratégia de saúde da família”.

36
TÓPICO 2 — O SUS

1994 – Começa a implantação do piso de Atenção Básica (PAB), se constitui num


montante de recursos financeiros destinados exclusivamente para ações básicas de
saúde, independentemente de sua natureza – de prevenção, promoção ou recuperação.
Os recursos podem ser utilizados tanto no custeio de despesas correntes, como para
aquisição de materiais permanentes ou para realização de obras de construção ou reforma
de unidades.

2006 – Portaria n° GM/648, o Ministério da Saúde, na gestão do Ministro José Gomes


Temporão, publicou o que é considerado o marco histórico para a consolidação nacional
e a expansão da Estraté­gia de Saúde da Família, visando à reorganização da atenção básica
no Brasil: a Política Nacional de Atenção Básica (PNAB), alterando e revo­gando dezenas de
Portarias existentes até então.

2008 – Para ampliar a resolutividade das ações e serviços de atenção básica foram
implementados os Núcleos de Apoio à Saúde da Família (NASF) formados por profissionais
de saúde das mais di­ferentes áreas e especialidades.

FONTE: Pinto e Giovanella (2018).

E
IMPORTANT

Saúde como direito de todos e dever do estado

A segunda metade dos anos 1970 foi um período de rearticulação das forças
políticas nacionais e de discussão e mobilização popular pela democratização da saúde e
do próprio regime político do país.

A criação do Centro Brasileiro de Estudos em Saúde (Cebes), em 1976, e da


Associação Brasileira de Pós-Graduação em Saúde Coletiva (Abrasco), em 1979, tiveram
enorme importância na luta pela democratização da saúde e da sociedade brasileira. Os
membros dessas entidades atuaram como difusores da reforma sanitária e conseguiram
aprofundar, por meio de textos científicos e do debate público, a crítica e a formulação
teórica sobre as principais questões ligadas à saúde, pondo em prática a estratégia de se
inserir nos espaços institucionais e intervir nas decisões parlamentares. O conteúdo da
nova proposta que então começou a ser construída incorporou as diretrizes expressas na
Conferência Internacional sobre Cuidados Primários à Saúde, promovida pela Organização
Mundial da Saúde (OMS) em Alma-Ata, em 1978: extensão de cobertura com base na
atenção primária à saúde, descentralização e hierarquização dos serviços de saúde, e
participação comunitária.

A luta pelo fim da ditadura militar levou a área da saúde a organizar os simpósios
de Política Nacional de Saúde da Câmara dos Deputados, tendo o primeiro deles ocorrido
em 1979. Nesse período de reorganização da sociedade civil, forças políticas ligadas à saúde
pública passaram a discutir questões amplas ligadas à redemocratização do país e ao acesso
aos serviços de saúde junto ao Legislativo. Esse foi um período de “crise” da Previdência Social,
e não apenas crise financeira, mas também crise ideológica acerca do modelo de saúde a
ser adotado, que colocou em confronto privatistas e publicistas. O II Simpósio, ocorrido em
1982, já contaria com o movimento organizado da reforma sanitária, propondo um sistema
nacional de saúde, com a integração das medidas preventivas e curativas.

37
UNIDADE 1 — SAÚDE PÚBLICA, SUS E APS

Em 1983, a partir do extinto Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência


Social do Ministério da Previdência e Assistência Social (Inamps/MPAS), começam a ser
implementadas as Ações Integradas de Saúde (AIS), cujas principais diretrizes eram a
universalização, a acessibilidade, a descentralização, a integralidade e a participação
comunitária. Na realidade, com as AIS o movimento sanitário põe em prática a estratégia
de ocupar os espaços institucionais para mudar a direção da política de saúde e privilegiar o
setor público. A intensa articulação e a consequente adesão de sindicalistas e parlamentares
do principal partido de oposição – o Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB) –
fizeram prevalecer as propostas do movimento sanitário nas negociações políticas ocorridas
no início da transição do regime autoritário para o regime democrático, particularmente a
unificação do sistema de saúde, assim como garantiram a nomeação dos representantes
desse movimento para postos-chave da administração pública federal.

A VIII Conferência Nacional de Saúde (1986) foi o principal marco desse processo
de formulação de um novo modelo de saúde pública universal, visando romper com a cisão
estrutural entre saúde pública e medicina curativa individual, e com a intensa privatização
que então caracterizava o sistema de saúde brasileiro. Reunindo um amplo espectro de
alianças, a VIII CNS contou com a participação de milhares de representantes de diversas
entidades da sociedade civil, profissionais de saúde, usuários do sistema e prestadores de
serviços de saúde públicos. Os prestadores de serviços privados foram os grandes ausentes
nos debates travados nessa Conferência, considerada como o maior evento de discussão
dos problemas enfrentados pela saúde pública brasileira.

Apesar dos interesses e preocupações muitas vezes conflitantes, as forças


progressistas aprovaram o princípio de que a saúde é um direito de todos e um dever do
Estado, a ser implementado com a unificação, a democratização e a descentralização do
sistema de saúde, depois inscrita na Constituição Federal de 1988; ampliaram e politizaram
o conceito de saúde, compreendido como resultante das condições de alimentação,
habitação, educação, renda, meio ambiente, trabalho, transporte, emprego, lazer, liberdade,
acesso e posse da terra, e acesso aos serviços de saúde; e aprovaram propostas relativas
às bases financeiras do sistema, incorporadas posteriormente ao texto constitucional e um
dos principais problemas que o Sistema Único de Saúde (SUS) enfrentaria nas décadas de
1990 e 2000. A partir da VIII CNS, a saúde passou a ser considerada antes de tudo como
resultado das formas de organização social da produção, as quais podem gerar grandes
desigualdades nos níveis de vida, devendo ser entendida no contexto histórico de cada
sociedade no seu estágio de desenvolvimento.

Após a realização da conferência, o movimento sanitário passou a pressionar


o Ministério da Saúde e o Inamps/MPAS para a convocação de uma Comissão Nacional
para a Reforma Sanitária (CNRS). Mesmo contando com a presença de representantes dos
empresários da saúde, a CNRS levou adiante as proposições tiradas na VIII Conferência,
embora os representantes do movimento sindical, ligados à bandeira da “estatização já!”, as
considerassem moderadas, e os representantes dos empresários da saúde as taxassem de
radicais. Ao longo de 1987, durante os trabalhos da Subcomissão de Saúde, Seguridade e
Meio Ambiente da Assembleia Constituinte, quatro grupos de entidades foram convidados
a se manifestar nas audiências públicas: as entidades estatais, como o Ministério da Saúde,
o Ministério da Previdência e Assistência Social e o Conselho Nacional de Secretários
Estaduais de Saúde (Conass); as entidades patronais e prestadoras de serviços privados
lucrativos ou filantrópicos, como a Associação Brasileira de Medicina de Grupo (Abramge),
a Federação Brasileira de Hospitais (FBH) e a Associação das Santas Casas de Misericórdia;
as entidades dos trabalhadores, como a Central Única dos Trabalhadores (CUT), e as
associações profissionais; e as entidades científicas e de ética, como a Fiocruz, o Cebes e a
Abrasco. A maioria dessas entidades apresentou considerações e propostas coerentes com
a VIII CNS, enquanto as cooperativas médicas e a FBH, alinhadas com a prática liberal e a

38
TÓPICO 2 — O SUS

iniciativa privada, uniram-se contra a perspectiva de estatização do atendimento à saúde. O


setor filantrópico (Santas Casas) aderiu às propostas estatizantes quando lhe foi assegurado
um tratamento diferenciado dentro do setor privado.

Cumprida com êxito essa etapa na luta dos sanitaristas, o relatório aprovado na
subcomissão foi apresentado como anteprojeto para a Comissão da Ordem Social da
Assembleia Constituinte. O anteprojeto trazia a noção de seguridade social, que englobava
saúde, previdência e assistência social, tal como proposto no documento da Comissão
Nacional para a Reforma Sanitária. Contudo, para que o SUS não fosse levado a um
comando orçamentário subordinado às áreas de seguridade e previdência, foi incluído o
dispositivo definindo a cada área a gestão de seus recursos (que se tornaria o parágrafo 2°
do art. 195, seção I, cap. II, da Seguridade Social). O passo subsequente do texto constituinte
foi a Comissão de Sistematização. Durante os trabalhos desta comissão, previa-se que a
sociedade enviasse propostas de emenda constitucional – as emendas populares, que
deveriam ter no mínimo trinta mil assinaturas para serem admitidas.

FONTE: PONTE, C. F. Na corda bamba de sombrinha: a saúde no fio da história. Rio de


Janeiro: Fiocruz/COC; Fiocruz/EPSJV, 2010, p. 239-246.

39
RESUMO DO TÓPICO 2
Neste tópico, você aprendeu que:

• Os modelos de atenção e gestão à saúde representam a forma de organização


do sistema de saúde e suas práticas em resposta às necessidades da população.
Os modelos são expressos em políticas, programas e serviços de saúde que
estejam em harmonia com os princípios e diretrizes que estruturam o SUS.

• O Sistema Único de Saúde apresenta um papel transformador na estruturação


da saúde no Brasil, possibilitando um modelo de acesso universal e de
integralidade no atendimento.

• A base legal do SUS é constituída fundamentalmente por três documentos


que expressam os elementos básicos que estruturam e organizam o sistema
de saúde brasileiro. São eles: Constituição Federal de 1988, na qual a saúde
é um dos setores que estruturam a seguridade social, ao lado da previdência
e da assistência social; Lei n° 8.080, de 19 de setembro de 1990, também
conhecida como a Lei Orgânica da Saúde e que dispõe principalmente sobre
a organização e regulação das áreas e serviços de saúde; Lei n° 8.142, de 28 de
dezembro de 1990, que estabelece o formato da participação popular no SUS
e dispõe sobre as transferências intergovernamentais de recursos financeiros
na área da saúde.

• Os princípios e diretrizes que geram o SUS, permitiram uma reordenação da


Atenção Primária à Saúde (APS), a partir da implantação da Estratégia em
Saúde da Família.

40
AUTOATIVIDADE

1 Observe a figura a seguir, uma charge de Carlos Xavier (Caco) lançada na


Revista Radis/Fiocruz (n° 3, jun. 1988), e representa o movimento popular
pela Reforma Sanitária e o Sistema Único de Saúde.

“A VIII Conferência Nacional de Saúde foi o instante mais significativo e


democrático de debate sobre a questão social que jamais aconteceu nesse país”

Sérgio Arouca

A partir do exposto neste tópico, faça uma resenha crítica (no máximo uma
página) a respeito VIII Conferência Nacional de Saúde e SUS.

2 Um ponto importante é entender como é a composição do Sistema Único


de Saúde (SUS), além de como funciona a interação entre Municípios,
Estados, Distrito Federal e a União. A partir do exposto, descreva a
estrutura do Sistema Único de Saúde (SUS).

3 As Comissões e Conselhos representam o aspecto operacional do SUS, onde


os gestores acordam sobre Redes de Atenção, Serviços, Recursos, entre
outros assuntos. Descreva quem integra e quais os aspectos operacionais
do SUS que essas Comissões e Conselhos deliberam.

4 O SUS possui três princípios: universalidade, equidade e integralidade.


Descreva cada um deles.

5 O Art. 196 da Constituição Federal de 1988 descreve: “ A saúde é direito de


todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas
que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso
universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e
recuperação (BRASIL, 2012)”. Para que a Saúde possa ser um dever do
Estado foram criados processos organizativos, a partir do exposto descreva
os mesmos.
41
42
TÓPICO 3 —
UNIDADE 1

SUS E POLÍTICAS PÚBLICAS

1 INTRODUÇÃO
Para a estruturação de uma política pública, ela deve ser constituída com
a participação direta ou indireta da população, tendo em vista assegurar o seu
direito a determinado serviço, ação ou programa. Quando se analisa o direto à
saúde no Brasil, ele é garantido por meio do Sistema Único de Saúde (SUS), que
tem como princípios: o acesso universal, integral e gratuito.

Construir um sistema de saúde em âmbito nacional é um processo amplo


e complexo, que possui múltiplos fatores de ordem social, política e econômica.
O SUS se constituiu de uma base histórica, com ênfase no movimento social,
apresentando, como desfecho, um sistema universal, com ações ordenadas a partir
da Atenção Primária à Saúde (APS). Com essa estruturação, desenvolve políticas
públicas abrangentes e norteadoras direcionadas às necessidades da população.

As políticas públicas, segundo Lucchese (2004, p. 3),

podem ser definidas como conjuntos de disposições, medidas e


procedimentos que traduzem a orientação política do Estado e regulam
as atividades governamentais relacionadas às tarefas de interesse
público. São também definidas como todas as ações de governo,
divididas em atividades diretas de produção de serviços pelo próprio
Estado e em atividades de regulação de outros agentes econômicos.

A política pública deve ser construída a partir da participação direta ou indireta


da população, com intuito de assegurar direito a um serviço, ação ou programa. No
Brasil, o direto à saúde é viabilizado por meio do Sistema Único de Saúde (SUS). Os
modelos de atenção e gestão à saúde representam a forma de organização do sistema
de saúde e suas práticas em resposta às necessidades da população. Esses modelos de
políticas públicas podem ser programas, ações e serviços de saúde que se integrem
com os princípios e diretrizes que estruturam o SUS.

Para Starfield (2002, p. 19),

todo sistema de serviços de saúde possui duas metas principais.


A primeira é otimizar a saúde da população por meio do emprego
do estado mais avançado do conhecimento sobre a causa das
enfermidades, manejo das doenças e maximização da saúde. A
segunda meta, igualmente importante, é minimizar as disparidades
entre subgrupos populacionais, de modo que determinados grupos
não estejam em desvantagem sistemática em relação ao seu acesso aos
serviços de saúde e ao alcance de um ótimo nível de saúde.

43
UNIDADE 1 — SAÚDE PÚBLICA, SUS E APS

2 APS: ATENÇÃO PRIMÁRIA EM SAÚDE


Todo sistema de serviços de saúde possui duas metas principais. A
primeira é otimizar a saúde da população por meio do emprego do estado mais
avançado do conhecimento sobre a causa das enfermidades, manejo das doenças
e maximização da saúde. A segunda meta, e igualmente importante, é minimizar
as disparidades entre subgrupos populacionais, de modo que determinados
grupos não estejam em desvantagem sistemática em relação ao seu acesso aos
serviços de saúde e ao alcance de um ótimo nível de saúde (STARFIELD, 2002).

Segundo a mesma autora, a APS se baseia em quatro atributos essenciais


e três atributos deri­vados. Os atributos essenciais são:

(1) acesso de primeiro contato: acessibilidade e utilização de um mesmo serviço


de saúde como fonte de cuidado a cada novo problema ou novo episódio de
um mesmo problema de saúde, com exceção das emergências médicas;
(2) longitudinalidade: existência de uma fon­te continuada de atenção, assim como
sua utiliza­ção ao longo do tempo. A relação entre a popula­ção e sua fonte
de atenção deve se refletir em uma interpessoalidade intensa que expresse a
confian­ça mútua entre os usuários e os profissionais;
(3) integralidade: amplo leque de serviços disponíveis e prestados pelo serviço
de atenção primária – ações de atenção integral, tanto do ponto de vista do
caráter biopsicossocial do pro­cesso saúde-doença, como ações de promoção,
prevenção, cura e reabilitação, mesmo que algu­mas não possam ser oferecidas
dentro das unida­ des de APS, assim incluem os encaminhamentos para
especialidades médicas focais, hospitais, en­tre outros;
(4) coordenação: pressupõe continuidade do cuidado, seja por parte do
atendimento pelo mes­mo profissional, seja por meio de prontuários médicos,
além do reconhecimento de problemas abordados em outros serviços e sua
integração no cuidado global do paciente. O provedor de atenção primária
deve ser capaz de integrar todo cuidado do paciente.

Os três atributos derivados da APS (STARFIELD, 2002) são:

(1) orientação familiar: na avaliação das necessida­ des individuais para a atenção
integral, deve-se considerar o contexto familiar e seu potencial de cuidado e,
também, de ameaça à saúde, incluin­do o uso de ferramentas de abordagem
familiar;
(2) orientação comunitária: reconhecimento das necessidades em saúde da
comunidade através de dados epidemiológicos e do contato direto; sua relação
com ela, assim como o planejamento e a avaliação conjunta dos serviços;
(3) competência cultural: adaptação do provedor (equipe e pro­fissionais de saúde)
às características culturais especiais da população para facilitar a relação e a
comunicação.

No Brasil, a Atenção Primária à Saúde se define a partir da Estratégia em


Saúde da Família, conectando-se a uma Rede de Atenção à Saúde e estruturando
o nosso sistema de saúde (SUS).
44
TÓPICO 3 — SUS E POLÍTICAS PÚBLICAS

DICAS

Atenção Primária: Equilíbrio entre Necessidades de Saúde, Serviços e Tecnologia


Barbara Starfield
Ministério da Saúde/Unesco Brasil
Ano: 2002
Resumo: Atenção Primária: Equilíbrio entre Necessidades
de Saúde, Serviços e Tecnologia, Barbara Starfield apresenta
evidências do impacto positivo de cuidados primários sobre a
saúde das populações e proporciona inovações métodos para
avaliar a obtenção e contribuição de sistemas de cuidados
e profissionais. Este volume é uma extensão valiosa do livro
de 1992 do autor sobre cuidados primários, destacando duas
áreas adicionais: o papel da atenção primária na facilitação da
equidade serviços de saúde, e a sobreposição emergente entre
a medicina clínica e saúde pública. À medida que a atenção
primária informa cada vez mais a saúde da tomada de decisão
de cuidados em todo o mundo, essa edição atualizada é
fundamental para a trajetória futura da política de saúde.

FONTE: <https://repositorio.observatoriodocuidado.org/handle/handle/2326>. Acesso em:


9 nov. 2020.

3 REDE DE ATENÇÃO À SAÚDE (RAS)


As Redes de Atenção à Saúde (RAS) se organizam por meio de pontos
de atenção à saúde, ou seja, locais onde são ofertados serviços de saúde que
determinam a estruturação dos pontos de atenção secundária e terciária. Nas RAS,
o centro de comunicação é a Atenção Primária à Saúde (APS), sendo ordenadora
do cuidado.

Ao final de 2010, como fruto de um grande acordo tripartite envolvendo


Ministério da Saúde, Conass e Conasems, foi publicada a Portaria n° 4.279, de 30
de dezembro de 2010, que estabelece diretrizes para organização das Redes de
Atenção à Saúde (RAS), no âmbito do SUS no qual consta a seguinte conceituação
das RAS: “São arranjos organizativos de ações e serviços de saúde, de diferentes
densidades tecnológicas, que integradas por meio de sistemas de apoio técnico,
logístico e de gestão, buscam garantir a integralidade do cuidado” (BRASIL,
2010). São as principais características das RAS (BRASIL, 2014b):

• a formação de relações horizontais entre os pontos de atenção, tendo a Atenção


Básica como centro de comunicação;
• a centralidade nas necessidades de saúde da população;
• a responsabilização por atenção contínua e integral;

45
UNIDADE 1 — SAÚDE PÚBLICA, SUS E APS

• o cuidado multiprofissional;
• o compartilhamento de objetivos;
• o compromisso com resultados sanitários e econômicos.

No processo de implantação das RAS, considera-se importante que sejam


observados os seguintes aspectos (BRASIL, 2014b):

• definição clara da população e território; diagnóstico situacional;


• criação de uma imagem objetivo para a superação dos vazios assistenciais;
• articulação do público privado;
• planejamento pela efetiva necessidade;
• criação de um sistema logístico e de suporte;
• investimento nas pessoas/equipes;
• criação de sistema de regulação e governança para funcionamento da rede; e
Financiamento sustentável e suficiente com vinculação a metas e resultados.

A Portaria n° 4.279, de 30 de dezembro de 2010 (BRASIL, 2010), designou


as seguintes temáticas das Redes de Atenção à Saúde:

1. Rede Cegonha.
2. Rede de Atenção às Urgências e Emergências (RUE).
3. Rede de Atenção Psicossocial (Raps).
4. Rede de Cuidado à Pessoa com Deficiência.
5. Rede de Atenção à Saúde das Pessoas com Doenças Crônicas.

3.1 COMPONENTES RAS


Cada rede temática é formada por componentes específicos (BRASIL,
2014b), sendo:

• Rede Cegonha: pré-natal; parto e nascimento; puerpério e Atenção Integral à


Saúde da Criança; sistema logístico: transporte sanitário e regulação.
• Rede de Urgência e Emergência: promoção e prevenção; Atenção Primária;
Unidades Básicas de Saúde; UPA e outros serviços com funcionamento 24 horas;
Samu 192; portas hospitalares de atenção às urgências; leitos de retaguarda;
Atenção Domiciliar e hospitais-dia.
• Rede de Atenção Psicossocial: Eixo 1 – Ampliação do acesso à Rede de
Atenção Integral de Saúde aos usuários de álcool, crack e outras drogas; Eixo
2 – Qualificação da rede de Rede de Atenção Integral de Saúde; Eixo 3 – Ações
intersetoriais para reinserção social e reabilitação; Eixo 4 – Ações de prevenção
e de redução de danos e Eixo 5 – Operacionalização da rede.
• Rede de Cuidados à Pessoa com Deficiência: Atenção Básica; atenção
especializada em reabilitação auditiva, física, intelectual, visual, ostomia e em
múltiplas deficiências e atenção hospitalar e de urgência e emergência.

46
TÓPICO 3 — SUS E POLÍTICAS PÚBLICAS

• Rede de Atenção à Saúde das Pessoas com Doenças Crônicas: Atenção Básica;
atenção especializada (ambulatorial especializada; hospitalar e urgência e
emergência); sistemas de apoio; sistemas logísticos e regulação.

O Ministério da Saúde tem adotado a estratégia de Redes de Atenção


à Saúde para tentar responder a necessidades de cuidado das populações,
identificando redes prioritárias como gestantes, urgência e emergência, à atenção
a pessoas com deficiência e de atenção psicossocial (BRASIL, 2014a).

FIGURA 8 – FUNÇÃO DE INTEGRAÇÃO DAS REDES

ALTA
COMPLEXIDADE

MÉDIA
COMPLEXIDADE

ATENÇÃO BÁSICA

FONTE: Mendes (2011, p. 84)

NOTA

Algumas Redes de Atenção à Saúde (RAS) possuem alguns planos que ou


são dispositivos desencadeadores de sua organização ou se relacionam com aspectos
que se destacam dentro de seu campo de atuação, e, ainda, envolvem outros setores e
ministérios, sendo:

A Rede de Urgência e Emergência e o “SOS-Emergências” (portas de entrada estratégicas)


e o “Melhor em Casa” (Atenção Domiciliar).

A Rede de Atenção Psicossocial e o Plano “Crack é possível vencer” (cuidados intersetoriais,


que também envolvem vários ministérios para a atenção aos usuários do crack).

A Rede de Cuidados à Pessoa com Deficiência e o Plano “Viver sem Limites” (cuidados
intersetoriais, que também envolvem vários ministérios para a atenção à pessoa com
deficiência).

FONTE: Brasil (2014b).

47
UNIDADE 1 — SAÚDE PÚBLICA, SUS E APS

DICAS

As Redes de Atenção à Saúde


Autor: Eugênio Vilaça Mendes
Ano: 2011
Editora: OPAS/CONASS
Resumo: O livro traz subsídios e evidência de que as Redes
de Atenção são o melhor arranjo para superar esses desafios
e integrar os sistemas de saúde. Trata-se de uma obra de
fundamental importância e relevância para os temas Redes
de Atenção e APS, com conteúdo coeso, baseado na
melhor evidência disponível nessa área de conhecimento.

FONTE: <https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/redes_
de_atencao_saude.pdf>. Acesso em: 9 nov. 2020.

4 POLÍTICAS PÚBLICAS
A Política Nacional de Atenção Básica (PNAB) é resultado da experiência
acumulada por um conjunto de atores envolvidos historicamente com o
desenvolvimento e a consolidação do Sistema Único de Saúde (SUS), como
movimentos sociais, população, trabalhadores e gestores das três esferas de
governo. A Portaria n° 2436, de 21 de setembro de 2017, define a organização
em Redes de Atenção à Saúde (RAS) como estratégia para um cuidado integral
e direcionado às necessidades de saúde da população, destaca a Atenção Básica
como primeiro ponto de atenção e porta de entrada preferencial do sistema, que
deve ordenar os fluxos e contrafluxos de pessoas, produtos e informações em
todos os pontos de atenção à saúde (BRASIL, 2017).

4.1 POLÍTICA NACIONAL DA ATENÇÃO BÁSICA – PNAB


A Constituição de 1988 garantiu o direito à saúde, que passou a ser
reconhecido como direito de todos e dever do Estado sendo implementado um
conjunto de ações para que esta premissa fosse efetivada. Nesse contexto, diversas
ações, estratégias e programas foram adotados na Atenção Primária à Saúde para
direcionar o cuidado da população.

A partir desse contexto, surge a Política Nacional da Atenção Básica


(PNAB), que permitiu a constituição de um conjunto de diretrizes para
reorganização da Atenção Primária e a define como ordenadora do cuidado e das
Redes de Atenção à Saúde.

48
TÓPICO 3 — SUS E POLÍTICAS PÚBLICAS

Em 28 de março de 2006, é publicada a Política Nacional de Atenção Básica


(PNAB), que define a Atenção Básica:

A Atenção Básica caracteriza-se por um conjunto de ações de saúde,


no âmbito individual e coletivo, que abrange a promoção e a proteção
da saúde, a prevenção de agravos, o diagnóstico, o tratamento, a
reabilitação, redução de danos e a manutenção da saúde com o objetivo
de desenvolver uma atenção integral que impacte na situação de
saúde e autonomia das pessoas e nos determinantes e condicionantes
de saúde das coletividades. É desenvolvida por meio do exercício de
práticas de cuidado e gestão, democráticas e participativas, sob forma
de trabalho em equipe, dirigidas a populações de territórios definidos,
pelas quais assume a responsabilidade sanitária, considerando a
dinamicidade existente no território em que vivem essas populações.
Utiliza tecnologias de cuidado complexas e variadas que devem
auxiliar no manejo das demandas e necessidades de saúde de maior
frequência e relevância em seu território, observando critérios de
risco, vulnerabilidade, resiliência e o imperativo ético de que toda
demanda, necessidade de saúde ou sofrimento devem ser acolhidos. É
desenvolvida com o mais alto grau de descentralização e capilaridade,
próxima da vida das pessoas. Deve ser o contato preferencial dos
usuários, a principal porta de entrada e centro de comunicação da Rede
de Atenção à Saúde. Orienta-se pelos princípios da universalidade,
da acessibilidade, do vínculo, da continuidade do cuidado, da
integralidade da atenção, da responsabilização, da humanização, da
equidade e da participação social. A Atenção Básica considera o sujeito
em sua singularidade e inserção sociocultural, buscando produzir a
atenção integral (BRASIL, 2006, p. 1).

A Portaria n° 648/GM, de 28 de março de 2006, aprova a Política Nacional


de Atenção Básica (PNAB), estabelecendo a revisão de diretrizes e normas para
a organização da atenção básica para o Programa Saúde da Família (PSF) e o
Programa Agentes Comunitários de Saúde (PACS). Na Portaria n° 2.488 de 21
de outubro de 2011, revisa e amplia o Conceito e a atuação da Atenção Básica,
sendo revista em 2017 através da Portaria n° 2.436, de 21 de setembro de 2017,
que estabelece a revisão de diretrizes para a organização da Atenção Básica, no
âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS).

É importante entender que a PNAB é responsável pela coordenação das


ações integrais que envolvem estratégias horizontais como ações programáticas,
vigilância, assistenciais, multidisciplinaridade e interdisciplinaridade, com isso
há estratégias verticais nos diferentes níveis da Rede de Atenção à Saúde, sendo a
Estratégia de Saúde da Família prioridade para o ordenamento da PNAB.

Um dos seus pontos primordiais é a ampliação da cobertura de serviços,


programas e territórios visando atender às necessidades populacionais. Pauta-
se nos princípios norteadores do SUS como universalidade, acessibilidade,
definição de atribuições/funções, continuidade do cuidado, humanidade,
responsabilização, integralidade, equidade e participação social.

49
UNIDADE 1 — SAÚDE PÚBLICA, SUS E APS

4.1.1 NASF
A Portaria n° 2.488/2011, em 30 de agosto de 2017, no ANEXO/CAPÍTULO
I – DAS DISPOSIÇÕES GERAIS DA ATENÇÃO BÁSICA À SAÚDE, define o
NASF (Núcleo de Apoio à Saúde e à Família) (BRASIL, 2017):

Constitui uma equipe multiprofissional e interdisciplinar composta


por categorias de profissionais da saúde, complementar às equipes
que atuam na Atenção Básica. É formada por diferentes ocupações
(profissões e especialidades) da área da saúde, atuando de maneira
integrada para dar suporte (clínico, sanitário e pedagógico) aos
profissionais das equipes de Saúde da Família (eSF) e de Atenção
Básica (eAB).

Busca-se que essa equipe seja membro orgânico da atenção básica,


vivendo integralmente o dia a dia nas UBS e trabalhando de forma horizontal e
interdisciplinar com os demais profissionais, garantindo a longitudinalidade do
cuidado e a prestação de serviços diretos à população. Os diferentes profissionais
devem estabelecer e compartilhar saberes, práticas e gestão do cuidado, com uma
visão comum e aprender a solucionar problemas pela comunicação, de modo a
maximizar as habilidades singulares de cada um.

Deve estabelecer seu processo de trabalho a partir de problemas, demandas


e necessidades de saúde de pessoas e grupos sociais em seus territórios, bem
como a partir de dificuldades dos profissionais de todos os tipos de equipes que
atuam na Atenção Básica em suas análises e manejos. Para tanto, faz-se necessário
o compartilhamento de saberes, práticas intersetoriais e de gestão do cuidado em
rede e a realização de educação permanente e gestão de coletivos nos territórios
sob responsabilidade destas equipes.

Ressalta-se que os Nasf-AB não se constituem como serviços com unidades


físicas independentes ou especiais, e não são de livre acesso para atendimento
individual ou coletivo (estes, quando necessário, devem ser regulados pelas
equipes que atuam na Atenção Básica). Devem, a partir das demandas identificadas
no trabalho conjunto com as equipes, atuar de forma integrada à Rede de Atenção
à Saúde e seus diversos pontos de atenção, além de outros equipamentos sociais
públicos/privados, redes sociais e comunitárias.

Compete, especificamente, à Equipe do Núcleo Ampliado de Saúde da


Família e Atenção Básica (Nasf- AB):

a. Participar do planejamento conjunto com as equipes que atuam na Atenção


Básica à que estão vinculadas;
b. Contribuir para a integralidade do cuidado aos usuários do SUS principalmente
por intermédio da ampliação da clínica, auxiliando no aumento da capacidade
de análise e de intervenção sobre problemas e necessidades de saúde, tanto em
termos clínicos quanto sanitários;

50
TÓPICO 3 — SUS E POLÍTICAS PÚBLICAS

c.
Realizar discussão de casos, atendimento individual, compartilhado,
interconsulta, construção conjunta de projetos terapêuticos, educação
permanente, intervenções no território e na saúde de grupos populacionais
de todos os ciclos de vida, e da coletividade, ações intersetoriais, ações de
prevenção e promoção da saúde, discussão do processo de trabalho das equipes
dentre outros, no território.

Poderão compor os NASF-AB as ocupações do Código Brasileiro de


Ocupações – CBO na área de saúde: Médico Acupunturista; Assistente Social;
Profissional/Professor de Educação Física; Farmacêutico; Fisioterapeuta;
Fonoaudiólogo; Médico Ginecologista/Obstetra; Médico Homeopata;
Nutricionista; Médico Pediatra; Psicólogo; Médico Psiquiatra; Terapeuta
Ocupacional; Médico Geriatra; Médico Internista (clínica médica), Médico do
Trabalho, Médico Veterinário, profissional com formação em arte e educação
(arte educador) e profissional de saúde sanitarista, ou seja, profissional graduado
na área de saúde com pós-graduação em saúde pública ou coletiva ou graduado
diretamente em uma dessas áreas conforme normativa vigente.

A definição das categorias profissionais é de autonomia do gestor local,


devendo ser escolhida de acordo com as necessidades dos territórios.

4.2 POLÍTICA NACIONAL HUMANIZAÇÃO – PNH


Em 2003, o Ministério da Saúde lança a Política Nacional de Humanização
(PNH), tendo uma atuação de forma transversal às demais políticas de saúde,
a fim de impactá-las e visando à Qualificação da Atenção e Gestão do Sistema
Único de Saúde. Sua criação se deve à necessidade de avanço e qualificação do
Sistema Nacional de Saúde, na relação e nos processos de atenção ao usuário.
Objetiva efetivar os princípios do SUS no cotidiano das práticas de atenção e
gestão, qualificando a saúde pública no Brasil e incentivando trocas solidárias
entre gestores, trabalhadores e usuários.

A Política Nacional de Humanização se pauta em três princípios


(BRASIL, 2013):

• inseparabilidade entre a atenção e a gestão dos processos de produção de


saúde,
• transversalidade e autonomia;
• protagonismo dos sujeitos.

Para se efetivar a humanização é fundamental que os sujeitos participantes


dos processos em saúde se reconheçam como protagonistas e corresponsáveis de
suas práticas, buscando garantir a universalidade do acesso, a integralidade do
cuidado e a equidade das ofertas em saúde. 

51
UNIDADE 1 — SAÚDE PÚBLICA, SUS E APS

 Na prática, os resultados que a Política Nacional de Humanização busca


são (BRASIL, 2013):

• Redução de filas e do tempo de espera, com ampliação do acesso.


• Atendimento acolhedor e resolutivo baseado em critérios de risco.
• Implantação de modelo de atenção com responsabilização e vínculo.
• Garantia dos direitos dos usuários.
• Valorização do trabalho na saúde.
• Gestão participativa nos serviços.

FIGURA 9 – HUMANIZA SUS

FONTE: <http://redehumanizasus.net/politica-nacional-de-humanizacao/>. Acesso em: 9 nov. 2020.

DICAS

Conheça:

REDE HUMANIZASUS: http://www.redehumanizasus.net/.


PUBLICAÇÕES PNH: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/humanizacao/pub_destaques.php.

52
TÓPICO 3 — SUS E POLÍTICAS PÚBLICAS

LEITURA COMPLEMENTAR

Portaria n° 2.488/2011, de 30 de agosto de 2017, no CAPÍTULO I – DAS


DISPOSIÇÕES GERAIS DA ATENÇÃO BÁSICA À SAÚDE, define:

A ATENÇÃO BÁSICA NA REDE DE ATENÇÃO À SAÚDE

Esta portaria, conforme normatização vigente do SUS, define a organização


na RAS, como estratégia para um cuidado integral e direcionado às necessidades
de saúde da população. As RAS se constituem em arranjos organizativos
formados por ações e serviços de saúde com diferentes configurações tecnológicas
e missões assistenciais, articulados de forma complementar e com base territorial,
e têm diversos atributos, entre eles, destaca-se: a atenção básica estruturada como
primeiro ponto de atenção e principal porta de entrada do sistema, constituída
de equipe multidisciplinar que cobre toda a população, integrando, coordenando
o cuidado e atendendo às necessidades de saúde das pessoas do seu território.

O Decreto n° 7.508, de 28 de julho de 2011, que regulamenta a Lei n°


8.080/90, define que "o acesso universal, igualitário e ordenado às ações e
serviços de saúde se inicia pelas portas de entrada do SUS e se completa na rede
regionalizada e hierarquizada".

Para que a atenção básica possa ordenar a RAS, é preciso reconhecer as


necessidades de saúde da população sob sua responsabilidade, organizando-
as em relação aos outros pontos de atenção à saúde, contribuindo para que a
programação dos serviços de saúde parta das necessidades das pessoas, com isso
fortalecendo o planejamento ascendente.

A atenção básica é caracterizada como porta de entrada preferencial do


SUS, possui um espaço privilegiado de gestão do cuidado das pessoas e cumpre
papel estratégico na rede de atenção, servindo como base para o seu ordenamento
e para a efetivação da integralidade. Para tanto, é necessário que a atenção básica
tenha alta resolutividade, com capacidade clínica e de cuidado e incorporação
de tecnologias leves, leve duras e duras (diagnósticas e terapêuticas), além da
articulação da Atenção Básica com outros pontos da RAS.

Os estados, municípios e o distrito federal, devem articular ações


intersetoriais, assim como a organização da RAS, com ênfase nas necessidades
locorregionais, promovendo a integração das referências de seu território.

Recomenda-se a articulação e implementação de processos que aumentem


a capacidade clínica das equipes, que fortaleçam práticas de microrregulação
nas Unidades Básicas de Saúde, tais como gestão de filas próprias da UBS e dos

53
UNIDADE 1 — SAÚDE PÚBLICA, SUS E APS

exames e consultas descentralizados/programados para cada UBS, que propiciem


a comunicação entre UBS, centrais de regulação e serviços especializados, com
pactuação de fluxos e protocolos, apoio matricial presencial e/ou a distância,
entre outros.

Um dos destaques que merecem ser feitos é a consideração e a


incorporação, no processo de referenciamento, das ferramentas de telessaúde
articulado às decisões clínicas e aos processos de regulação do acesso. A utilização
de protocolos de encaminhamento serve como ferramenta, ao mesmo tempo, de
gestão e de cuidado, pois tanto orientam as decisões dos profissionais solicitantes
quanto se constituem como referência que modula a avaliação das solicitações
pelos médicos reguladores.

Com isso, espera-se que ocorra uma ampliação do cuidado clínico e da


resolutividade na atenção básica, evitando a exposição das pessoas a consultas e/
ou procedimentos desnecessários.

Além disso, com a organização do acesso, induz-se ao uso racional dos


recursos em saúde, impede deslocamentos desnecessários e traz maior eficiência
e equidade à gestão das listas de espera.

A gestão municipal deve articular e criar condições para que a referência


aos serviços especializados ambulatoriais, sejam realizados preferencialmente
pela Atenção Básica, sendo de sua responsabilidade:

a) Ordenar o fluxo das pessoas nos demais pontos de atenção da RAS;


b) Gerir a referência e contrarreferência em outros pontos de atenção;
c) Estabelecer relação com os especialistas que cuidam das pessoas do território.

FONTE: BRASIL. Ministério da Saúde. Portaria n° 2.436, de 21 de setembro de 2017. Aprova a


Política Nacional de Atenção Básica estabelecendo a revisão de diretrizes para a organização da
Atenção Básica, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). Disponível em: http://www.in.gov.
br/materia/- /asset_publisher/Kujrw0TZC2Mb/content/id/19308123/do1-2017-09-22-portaria-n-
2-436-de-21-de-setembro-de-2017-19308031. Acesso em: 14 jan. 2021.

54
RESUMO DO TÓPICO 3
Neste tópico, você aprendeu que:

• O papel da Atenção Primária em Saúde (APS) no ordenamento das políticas


públicas é como porta de entrada para o Sistema Único de Saúde (SUS),
direcionando o atendimento e o acolhimento da população.

• A Atenção Primária em Saúde (APS) é a porta de entrada para os serviços que


integram as Redes de Atenção à Saúde (RAS), as quais se organizam por meio
de pontos de atenção à saúde, ou seja, são locais onde há oferta de serviços
de saúde que determinam a estruturação dos pontos de atenções secundária
e terciária.

• Atualmente temos como Redes de Atenção à Saúde (RAS), definidas no âmbito


Sistema Único de Saúde (SUS):
◦ Rede Cegonha.
◦ Rede de Atenção às Urgências e Emergências (RUE).
◦ Rede de Atenção Psicossocial (Raps).
◦ Rede de Cuidado à Pessoa com Deficiência.
◦ Rede de Atenção à Saúde das Pessoas com Doenças Crônicas.

• E dentro da estruturação do Sistema Único de Saúde (SUS) como políticas


estruturantes da Atenção Primária em Saúde (APS) a Política Nacional de
Atenção Básica (PNAB) e em todos os níveis de Atenção à Saúde a Política
Nacional de Humanização (PNH) direciona o processo de acolhimento e
humanização no atendimento ao usuário e ao profissional do sistema de saúde.

CHAMADA

Ficou alguma dúvida? Construímos uma trilha de aprendizagem


pensando em facilitar sua compreensão. Acesse o QR Code, que levará ao
AVA, e veja as novidades que preparamos para seu estudo.

55
AUTOATIVIDADE

1 Todo sistema de serviços de saúde possui duas metas principais. A primeira


é otimizar a saúde da população por meio do emprego do estado mais
avançado do conhecimento sobre a causa das enfermidades, manejo das
doenças e maximização da saúde. A segunda meta, e igualmente importante,
é minimizar as disparidades entre subgrupos populacionais, de modo que
determinados grupos não estejam em desvantagem sistemática em relação
ao seu acesso aos serviços de saúde e ao alcance de um ótimo nível de saúde
(STARFIELD, 2002). Analisando o exposto descreva os quatro atributos
essenciais da APS.

2 Em 2003, o Ministério da Saúde lança a Política Nacional de Humanização


(PNH), tendo uma atuação de forma transversal às demais políticas de
saúde, a fim de impactá-las e visando à Qualificação da Atenção e Gestão
do Sistema Único de Saúde. Sua criação se deve à necessidade de avanço e
qualificação do Sistema Nacional de Saúde, na relação e nos processos de
atenção ao usuário. Qual é o objetivo dessa Política e os seus três princípios?

3 A Portaria n° 4.279, de 30 de dezembro de 2010 (BRASIL, 2010), designou as


seguintes temáticas das Redes de Atenção à Saúde:

1. Rede Cegonha.
2. Rede de Atenção às Urgências e Emergências (RUE).
3. Rede de Atenção Psicossocial (Raps).
4. Rede de Cuidado à Pessoa com Deficiência.
5. Rede de Atenção à Saúde das Pessoas com Doenças Crônicas.

Descreva quais os componentes de cada Rede.

4 Em relação à Política Nacional de Humanização, quais são as ações práticas


que um gestor deve esperar que ocorra em seu município, junto aos serviços
de Saúde?

56
REFERÊNCIAS
AGUIAR, Z. N. SUS: Sistema Único de Saúde: antecedentes, percurso,
perspectivas e desafios. São Paulo: Martinari, 2011.

BAPTISTA, T. W. F. História das políticas de saúde no Brasil: a trajetória


do Direito à saúde. In: MATTA, G. C.; MOURA, A. L. Políticas de saúde: a
organização e a operacionalização do Sistema Único de Saúde. Rio de Janeiro:
EPSJV/FIOCRUZ, 2007.

BRASIL. Ministério da Saúde. Sistema Único de Saúde (SUS): estrutura,


princípios e como funciona. 2020a. Disponível em: http://www.saude.gov.br/
sistema-unico-de-saude. Acesso em: 3 maio 2020.

BRASIL. Ministério da Saúde. Estratégia em Saúde da Família (ESF). 2020b.


Disponível em: https://aps.saude.gov.br/ape/esf/. Acesso em: 3 maio 2020.

BRASIL. Ministério da Saúde. Portaria n° 2.436, de 21 de setembro de 2017.


Aprova a Política Nacional de Atenção Básica estabelecendo a revisão de
diretrizes para a organização da Atenção Básica, no âmbito do Sistema Único de
Saúde (SUS). Disponível em: http://www.in.gov.br/materia/-/asset_publisher/
Kujrw0TZC2Mb/content/id/19308123/do1-2017-09-22-portaria-n-2-436-de-21-de-
setembro-de-2017-19308031. Acesso em: 3 maio 2020.

BRASIL. Ministério da Saúde. Portaria n° 648, de 28 de março de 2006. Aprova


a Política Nacional de Atenção Básica, estabelecendo a revisão de diretrizes
e normas para a organização da Atenção Básica para o Programa Saúde da
Família (PSF) e o Programa Agentes Comunitários de Saúde (PACS). Revogada
Portaria GM/MS 2.488 de 21 de outubro de 2011. Disponível em: http://bvsms.
saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2006/prt0648_28_03_2006_comp.html . Acesso
em: 3 maio 2020.

BRASIL. Conselho Nacional de Secretários de Saúde. A Gestão do SUS/


Conselho Nacional de Secretários de Saúde. Brasília: CONASS, 2015.

BRASIL. Ministério da Saúde. Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio


Arouca. Rio de Janeiro: ENSP, 2014a. Disponível em: https://dms.ufpel.edu.br/
sus/files/U00.html. Acesso em: 3 maio 2020.

BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Implantação das


Redes de Atenção à Saúde e outras estratégias da SAS. Brasília: Ministério da
Saúde, 2014b.

BRASIL. Ministério da Saúde. Política Nacional de Humanização. 1. ed.


Brasília: Ministério da Saúde, 2013.

57
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil: texto constitucional
promulgado em 5 de outubro de 1988, com as alterações adotadas pelas
Emendas Constitucionais nos 1/1992 a 68/2011, pelo Decreto Legislativo n°
186/2008 e pelas Emendas Constitucionais de Revisão nos 1 a 6/1994. Brasília:
Câmara dos Deputados; Edições Câmara, 2012.

BRASIL. Ministério da Saúde. Portaria n° 4.279, de 30 de dezembro de 2010.


Estabelece diretrizes para a organização da Rede de Atenção à Saúde no âmbito
do Sistema Único de Saúde (SUS). Disponível em: http://conselho.saude.gov.br/
ultimas_noticias/2011/img/07_jan_portaria4279_301210.pdf. Acesso em: 3 maio
2020.

BRASIL. Conselho Nacional de Secretários de Saúde. Sistema Único de Saúde.


Brasília: CONASS, 2007.

BRASIL. Lei n° 8.142, de 28 de dezembro de 1990. Dispõe sobre a participação


da comunidade na gestão do Sistema Único de Saúde (SUS) e sobre as
transferências intergovernamentais de recursos financeiros na área da saúde e
dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/
leis/L8142.htm. Acesso em: 20 abr. 2020.

BRASIL. Lei n° 8.080, de 19 de setembro de 1990. Dispõe sobre as condições


para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o
funcionamento dos serviços correspondentes e dá outras providências.
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8080.htm. Acesso em:
20 abr. 2020.

CONASS. Conselho Nacional Secretários de Saúde. O que é o CONASS? 2020.


Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/progestores/20anos2.
pdf. Acesso em: 3 maio 2020.

CNS. Conselho Nacional de Saúde. 8ª Conferência Nacional de Saúde: quando


o SUS ganhou forma. Disponível em: http://conselho.saude.gov.br/ultimas-
noticias-cns/592-8-conferencia-nacional-de-saude-quando-o-sus-ganhou-forma.
Acesso em: 23 dez. 2020

LUCCHESE, P. T. R. Políticas públicas em saúde pública. São Paulo:


BIREME/OPAS/OMS, 2004.

MATTA, G. C. Políticas de saúde: organização e operacionalização do Sistema


Único De Saúde. Rio de Janeiro: EPSJV/Fiocruz, 2007.

MENDES, E. V. As redes de atenção à saúde. Brasília: Organização Pan-


Americana da Saúde, 2011.

58
PAIM, J.; TRAVASSOS, C.; ALMEIDA, C.; BAHIA, L.; MACINKO, J. O sistema
de saúde brasileiro: história, avanços e desafios. The Lancet, v.1, n.377, p. 11-
31, 2012. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/artigos/artigo_saude_
brasil_1.pdf. Acesso em: 1 de maio de 2020.

PINTO, L. F.; GIOVANELLA, L. Do programa à estratégia saúde da família:


expansão do acesso e redução das internações por condições sensíveis à
atenção básica (ICSAB). Ciênc. Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 23, n. 6, p.
1903-1914, 2018. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_
arttext&pid=S1413-81232018000601903&lng=pt&nrm=iso. Acesso em: 4 abr.
2020.  

PONTE, C. F. Na corda bamba de sombrinha: a saúde no fio da história. Rio de


Janeiro: Fiocruz/COC; Fiocruz/EPSJV, 2010.

SCMP. Santa Casa Misericórdia dos Passos. A história das santas casas. 2020.
Disponível em: http://www.scmp.org.br/materia/61/a-historia-das-santas-casas.
Acesso em: 20 abr. 2020.

STRAFIELD, B. Atenção primária: equilíbrio entre necessi­dades de saúde,


serviços e tecnologia. Brasília: Unesco; Ministério da Saúde (MS), 2002.

59
60
UNIDADE 2 —

AS LEGISLAÇÕES DO SISTEMA
ÚNICO DE SAÚDE
OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
A partir do estudo desta unidade, você deverá ser capaz de:

• compreender os contextos histórico e político nos quais se deu início do


Sistema de Saúde do nosso país, além de conhecer o texto Constitucional
no que diz respeito à saúde;

• conhecer a lei que foi e até hoje é utilizada como base para propostas e
formulações de novas políticas de saúde, a Lei n° 8.080/90;

• conhecer a Lei n° 8.142/90 e a NOB/SUS 01/96, além da Resolução n°


333/2003, que normatizou as transferências de recursos financeiros entre
os órgãos intergovernamentais e a participação popular e o controle social
no SUS.

PLANO DE ESTUDOS
Esta unidade está dividida em três tópicos. No decorrer da unidade,
você encontrará autoatividades com o objetivo de reforçar o conteúdo
apresentado.

TÓPICO 1 – A CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 – QUANDO TUDO


COMEÇOU

TÓPICO 2 – LEI N° 8.080/90

TÓPICO 3 – LEI N° 8.142/90 – NORMATIZAR AS TRANSFERÊNCIAS


DE RECURSOS FINANCEIROS ENTRE OS ÓRGÃOS
INTERGOVERNAMENTAIS E A PARTICIPAÇÃO
POPULAR E CONTROLE SOCIAL NO SUS

CHAMADA

Preparado para ampliar seus conhecimentos? Respire e vamos


em frente! Procure um ambiente que facilite a concentração, assim absorverá
melhor as informações.

61
62
TÓPICO 1 —
UNIDADE 2

A CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 – QUANDO TUDO


COMEÇOU

1 INTRODUÇÃO
Para que você entenda como chegamos às leis, programas e políticas
públicas da área da saúde e das outras áreas, é preciso compreender de onde se
originam, e, para isso, vamos falar rapidamente da estrutura do Estado brasileiro.

Desde o dia 15 de novembro de 1889, com a Proclamação da República, o


Brasil deixou de ser monarquia, a forma de governo que era exercida até então,
para se tornar república. A partir dessa data, o poder passou a pertencer ao povo,
e ser exercido por seus representantes, que é a característica dessa forma de
governo (LINHARES, 2000).

DICAS

Você se lembra das diferenças entre monarquia e república? Esse vídeo de


dois minutos explica, de forma clara, quais são as principais características dessas duas
formas de governo e, também, relembra os principais motivos pelos quais o Brasil fez essa
transição. Acesse: https://www.youtube.com/watch?v=hNMViuepyk4.

Outra questão que você precisa compreender é a forma de Estado, que


é diferente da forma de governo de que falamos anteriormente. Existem duas
opções para a forma como o Estado se organiza, a primeira delas é o Estado
Unitário, no qual o poder político de todo o país está concentrado nas mãos de
uma autoridade central, já no Estado Federativo, que é o caso do Brasil, todos as
federações (27, no caso do Brasil), possuem poder político. Nas duas formas de
governo, os entes federados, ou estados, como chamamos aqui, possuem poder
administrativo, ou seja, há descentralização da administração para executar os
serviços públicos, mas, poder político, só no caso do Estado Federativo (DA
SILVEIRA, 2018).

63
UNIDADE 2 — AS LEGISLAÇÕES DO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE

Então, agora, você deve entender o porquê do nome República Federativa


do Brasil, certo? República: forma de governo; federativa: forma de Estado.
Continuando, como falamos no parágrafo anterior, o Estado Federativo permite
que a União e os Estados tenham autonomia política, ou seja, o poder político não
está concentrado em apenas uma autoridade, e sim, na União (presidente) e em
cada um dos estados-federados (governadores), configurando a descentralização
política. O nome disso é federalismo de segundo grau.

Contudo, desde 1988, quando foi criada a Constituição da República,


comumente chamada de Constituição Federal, o Brasil adotou o federalismo de
terceiro grau (preste atenção nisso, pois, no Tópico 1, falaremos das leis orgânicas
e essa informação será importante), mas o que isso quer dizer? Significa que, além
dos estados terem autonomia política, os municípios também têm e possuem uma
autoridade (prefeito), que é responsável por exercer esse poder político também.

Diante disso, fica fácil concluir que o tipo de federação adotado no Brasil,
o federalismo de terceiro grau, permite que os três entes federados, União,
Estados e Municípios, possam criar leis e organizar seus próprios serviços, pois
possuem autonomia administrativa.

2 A CONSTITUIÇÃO DE 1988
Como acabamos de falar da forma de governo República, possui uma
Constituição, a Constituição da República. Você sabe o que é uma Constituição?
Segundo Manoel Gonçalves Ferreira Filho, advogado, político e professor da área
de Direito, a Constituição é um conjunto normas que se referem à forma do Estado,
à forma do governo, a forma de alcançar e de exercer o poder, a organização de
seus órgãos e os limites da sua ação (QUEIROZ, 2018).

A Constituição é a lei maior de um país, que explicita o conjunto de normas


que regula uma sociedade. Ou seja, essencialmente, um agrupamento de regras
que organiza de que forma aquela sociedade escolheu viver. Escolheu? Sim, a
Constituição é um pacto social de uma nação, é construída pela própria sociedade,
exatamente para evitar o autoritarismo dos dirigentes (QUEIROZ, 2018). Inclusive,
a nossa Constituição, promulgada em 22 de setembro de 1988, possui o apelido
de “Constituição Cidadã”, devido ao processo de redemocratização que o país
vivia na época.

A atual Constituição brasileira, a Constituição Federal (CF) de 1988,


já é a sétima ou oitava Constituição do país, dependendo do que se considera
Constituição (alguns autores divergem com relação a esse número). Até dezembro
de 2019, já foram acrescentadas 112 emendas, que são mudanças específicas no
texto da Constituição (DE ANGELO, 2011).

64
TÓPICO 1 — A CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 – QUANDO TUDO COMEÇOU

Resumindo, uma Constituição serve para regular a natureza, a amplitude


e o exercício dos poderes do Estado, estabelecer os direitos básicos dos cidadãos,
delinear as instituições essenciais ao Estado e definir suas competências, e
determinar os métodos de escolha dos governantes (QUEIROZ, 2018).

Dentre os direitos básicos dos cidadãos, o direito à saúde também é um


dos assuntos abordados na nossa Constituição Federal. Nela, no Art. 196 até o
Art. 199, o foco é a saúde do cidadão brasileiro, como vamos ver agora. O Art. 196
é pouco específico, mas já traz informações importantes de como deve ser tratada
a saúde no país:

Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido


mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco
de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às
ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação (BRASIL,
1988, grifo nosso).

Observe que, já na CF/88, o acesso universal à saúde estava previsto


antes mesmo de o Sistema Único de Saúde (SUS) brasileiro existir, o que viria
a ser um dos seus princípios, a universalidade, que já aparecia na lei maior do
estado. Isso é importante de ser observado, pois assim como este tópico, diversos
outros se repetem na CF/88 e nas leis orgânicas ou outras leis posteriores, estas
que regulamentam o SUS, pelo simples fato de que todas elas foram formuladas
se baseando nos direitos e deveres descritos na CF/88.

Mas afinal, o que quer dizer esse acesso universal? Quer dizer que todos
os cidadãos brasileiros têm direito a ter acesso aos serviços de saúde no Brasil,
independentemente da sua condição financeira, raça, religião, posição social, ou
qualquer fator que possa vir a ser alvo de descriminação (MATTA, 2009).

Além disso, através da frase “A saúde é direito de todos e dever do


Estado”, do Art. 196, fica explícito que, além de todos terem direito ao acesso às
ações e serviços de saúde, quem deve fornecer esse tipo de serviço à população é
o Estado. Já no Art. 197, temos as seguintes informações:

Art. 197. São de relevância pública as ações e serviços de saúde,


cabendo, ao Poder Público, dispor, nos termos da lei, sobre sua
regulamentação, fiscalização e controle, devendo, sua execução, ser
feita diretamente ou através de terceiros e, também, por pessoa física
ou jurídica de direito privado (BRASIL, 1988).

Fica claro, no Art. 197, que a regulamentação, a fiscalização e o controle


das ações e serviços de saúde cabem ao Estado, enquanto a execução pode ser
realizada tanto pelo Estado quanto pela iniciativa privada, por exemplo, como
acontece com hospitais particulares, que além de atenderem aos convênios e
particulares, também atendem a usuários do SUS. O Art. 198 traz mais algumas
matérias que, posteriormente, viraram princípios do SUS:

65
UNIDADE 2 — AS LEGISLAÇÕES DO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE

Art. 198. As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede


regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único (SUS),
organizado de acordo com as seguintes diretrizes:
I- descentralização, com direção única em cada esfera de governo;
II- atendimento integral, com prioridade para as atividades
preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais;
III- participação da comunidade (BRASIL, 1988, grifo nosso).

Nas poucas linhas desse artigo, temos muitos conceitos importantes


a partir dos quais são baseadas todas as ações e serviços de saúde no país.
Contudo, vamos por partes, primeiramente, o caput do artigo fala da rede
regionalizada e hierarquizada, isso quer dizer que os serviços oferecidos devem
estar organizados por ordem de complexidade crescente (hierarquia), ou seja, o
acesso da população será, inicialmente, através do nível primário de atenção à
saúde. Ainda, caso seja necessário, ocorrerá o encaminhamento para os níveis
mais complexos (secundário, terciário e quaternário). Além disso, esses serviços
devem estar disponíveis em uma área geográfica limitada, para uma população
definida (região) (BRASIL, 1990).

O inciso primeiro costuma causar um pouco de confusão com relação à


interpretação. Você pode pensar que ele se refere à oferta dos serviços de saúde,
e que essa disponibilização deve ser descentralizada, por exemplo. Ao invés de
estarem concentrados nas capitais, os serviços de saúde devem estar disponíveis,
também, nas cidades do interior. Isso também é uma verdade, mas não é nesse
sentido que a descentralização é empregada nesse parágrafo, mas determinando
que a responsabilidade da tomada de decisões não mais será centrada em uma
única esfera do governo (normalmente federal), mas dividida entre os três entes
federados: União, Estados e Municípios. O motivo dessa divisão de atribuições se
deve ao fato de que, quando as decisões são tomadas com maior proximidade ao
problema, elas tendem a ser mais assertivas (BRASIL, 1990).

NOTA

A descentralização é uma das diretrizes do SUS, então, é muito importante que


você compreenda exatamente o que ela quer dizer e de que forma isso ocorre, mas não
se preocupe pois, posteriormente, ela foi especificada na Lei n° 8.080/90, considerada a Lei
de Base do SUS, e veremos isso daqui a pouco. Então, grife, sublinhe, ou escreva, em letras
grandes, essa palavra, para não esquecer: descentralização.

66
TÓPICO 1 — A CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 – QUANDO TUDO COMEÇOU

O inciso segundo se refere ao modelo que o atendimento em saúde deve


ser realizado: integral. Os usuários do serviço devem ser considerados como um
ser indivisível, e inserido na sua realidade.

Com isso, a atenção dispensada à população deve ser completa, envolvendo


os níveis de complexidade necessários (BRASIL, 1990), mas sempre priorizando
as atividades de prevenção, sem deixar de lado a parte assistencial, garantindo a
atenção integral aos indivíduos.

O terceiro e último inciso trata de um direito alcançado de grande


importância para o momento que o país vivenciava na época, um período pós-
ditadura. A participação da comunidade nas formulações de políticas públicas,
assim como no controle da execução delas, através de entidades representativas
(BRASIL, 1990), é uma conquista muito celebrada até os dias atuais, pois por se
tratar de um serviço voltado para o atendimento da população, é importante que
essa população tenha voz para auxiliar na construção e reformulação das ações e
serviços. Veremos esse assunto com mais profundidade mais para frente.

O Art. 198 também traz informações gerais do financiamento do SUS:

§1° O Sistema Único de Saúde será financiado, nos termos do art.


195, com recursos do orçamento da seguridade social, da União, dos
Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, além de outras fontes.         
§2° A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios aplicarão,
anualmente, em ações e serviços públicos de saúde, recursos mínimos
derivados da aplicação de percentuais calculados (BRASIL, 1988).  

Os parágrafos primeiro e segundo do Art. 198 explicitam que as três esferas
do governo devem participar do orçamento do SUS, inclusive, estabelecendo
valores mínimos em incisos e leis posteriores. Contudo, para que você saiba,
no parágrafo terceiro, que não cabe explorarmos neste momento, fica claro que
uma lei complementar deve definir os percentuais de contribuição de cada ente
federativo, os critérios e as normas de fiscalização e controle, e que essa lei deve
ser revista, pelo menos, a cada cinco anos (BRASIL, 1988).

Ainda, com relação ao Art. 198 da CF, há, nos parágrafos 4°, 5° e 6°,
informações da possibilidade de contratação de agentes comunitários de saúde
(ACS) e agentes de endemias através de processo seletivo. Ainda, devem existir
leis que regulamentem o regime jurídico, piso salarial, plano de carreira etc. para
esse cargo (BRASIL, 1988). O caput do Art. 199 menciona que a assistência à saúde
é livre à iniciativa privada, e continua:

§ 1° As instituições privadas poderão participar, de forma


complementar, do Sistema Único de Saúde, segundo diretrizes deste,
mediante contrato de direito público ou convênio, tendo preferência as
entidades filantrópicas e as sem fins lucrativos.
§ 2° É vedada a destinação de recursos públicos para auxílios ou
subvenções às instituições privadas com fins lucrativos.

67
UNIDADE 2 — AS LEGISLAÇÕES DO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE

§ 3° É vedada a participação direta ou indireta de empresas ou capitais


estrangeiros na assistência à saúde no país, salvo nos casos previstos
em lei.
§ 4° A lei disporá das condições e os requisitos que facilitem a remoção
de órgãos, tecidos e substâncias humanas para fins de transplante,
pesquisa e tratamento, além da coleta, processamento e da transfusão
de sangue e seus derivados, sendo vedado todo tipo de comercialização
(BRASIL, 1988, grifo nosso).

O Art. 197 já fazia menção à participação da iniciativa privada na oferta


de serviços de saúde no Brasil, e como você sabe, temos diversos consultórios,
clínicas, hospitais, laboratórios e outros serviços particulares em todas as áreas
da saúde no país, contudo, quando fizerem parte do SUS, deverão ser de forma
complementar, e não suplementar (BRASIL, 1988).

ATENCAO

Você sabe da diferença entre atuar de forma complementar no SUS e a atuação


suplementar da iniciativa privada na saúde no nosso país?

Apesar de muitos esforços, o Estado brasileiro não possui estrutura


suficiente para garantir cobertura suficiente das ações e serviços de saúde a todos
os brasileiros. Não há hospitais, clínicas, laboratórios e vários outros dispositivos
suficientes para atender a toda a população, que cresce a cada ano. Por isso, o
Estado precisa lançar mão do auxílio da iniciativa privada, que, segundo o Art.
199 da CF, deverá ser através de contrato de direito público ou convênio, sempre
dando preferência às entidades filantrópicas e sem fins lucrativos. Ou seja,
visando melhorar a saúde da população, o Estado realiza parceria com a iniciativa
privada para complementar a oferta de ações e serviços de saúde, a qual ele não
consegue sozinho disponibilizar, portanto, é comum que sejamos atendidos em
hospitais e laboratórios particulares, quando encaminhados pela Atenção Básica
(AB), mas não precisamos pagar por isso, pois faz parte da parceria que o SUS
tem com esses estabelecimentos.

Já a saúde suplementar, como ficou conhecida, é a oferta de ações e


serviços de saúde da iniciativa privada, realizada por meio de operadora de
planos de saúde, que nada tem a ver com o SUS. A pessoa que tiver interesse e
condições financeiras contrata um plano de saúde diretamente com a operadora
e passa a utilizar os serviços.

Os parágrafos 3° e 4° dispõem acerca da proibição de utilizar recursos


públicos em instituições privadas com fins lucrativos, e da participação de
empresas de capital estrangeiro no país.

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TÓPICO 1 — A CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 – QUANDO TUDO COMEÇOU

Essa última chegou a ser mudada em 2015, já que, no fim do § 3°, está
escrito “salvo casos previstos em lei”, mas, em 2018, já voltou a ser proibida
novamente, devido ao conflito de interesses que poderia haver nesses casos, já que
as mesmas empresas que são donas de operadoras de planos de saúde poderiam
gerir os serviços do SUS, e não seria vantajoso que o SUS oferecesse bons serviços,
já que assim não venderiam tantos planos de saúde, diminuindo o faturamento.

O parágrafo 4° prevê que uma lei deve estabelecer formas de descomplicar


a remoção de órgãos, tecidos e substâncias humanas que possam ser usados
para transplante, pesquisa e tratamento, assim como a coleta, processamento e
transfusão de sangue. Ainda, proibir qualquer tipo de comercialização dessas
estruturas e substâncias (BRASIL, 1988).

O último artigo da CF, que trata diretamente da saúde, é o Art. 200, que
menciona o que compete ao SUS:

I- controlar e fiscalizar procedimentos, produtos e substâncias de


interesse para a saúde e participar da produção de medicamentos,
equipamentos, imunobiológicos, hemoderivados e outros insumos;
II- executar as ações das vigilâncias sanitária e epidemiológica, bem
como as de saúde do trabalhador;
III- ordenar a formação de recursos humanos na área de saúde;
IV- participar da formulação da política e da execução das ações de
saneamento básico;
V- incrementar, na sua área de atuação, os desenvolvimentos
científico e tecnológico e a inovação;         
VI- fiscalizar e inspecionar alimentos, compreendido o controle de
seu teor nutricional, além de bebidas e águas para consumo
humano;
VII- participar do controle e fiscalização da produção, transporte,
guarda e utilização de substâncias e produtos psicoativos, tóxicos
e radioativos;
VIII- colaborar na proteção do meio ambiente, nele, compreendido o
do trabalho (BRASIL, 1988).

Nesse artigo, nós conseguimos ver, de forma bem ampla, quais são as
competências do Sistema Único de Saúde. No próximo tópico, abordaremos a Lei
n° 8.080/90, que detalha o funcionamento e as competências do SUS, inclusive,
repete alguns dispositivos da CF.

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RESUMO DO TÓPICO 1
Neste tópico, você aprendeu que:

• No Brasil, atualmente, a forma de governo utilizada é a República, e a forma de


Estado é Federativa.

• A forma de governo República possui uma Constituição, que é o maior conjunto


de regras de um Estado. Todas as outras leis devem respeitar.

• No Brasil, a Constituição Federal foi promulgada em 1988, e é conhecida como


Constituição Cidadã, devido ao processo de redemocratização que o país
passava na época da criação.

• Além de diversos assuntos, a Constituição Federal também se ocupa da saúde,


trazendo conceitos importantes que nortearam toda a criação do SUS, como
acesso universal à saúde, rede regionalizada e hierarquizada, descentralização,
participação da comunidade e atenção integral à saúde.

• A iniciativa privada pode atuar de forma complementar às ações e serviços de


saúde oferecidos pelo SUS.

70
AUTOATIVIDADE

1 Segundo o Art. 197 da CF/88, são, de relevância pública, as ações e serviços


de saúde, cabendo, ao poder público, dispor, nos termos da lei, sobre sua
regulamentação, fiscalização e controle, devendo, sua execução, ser feita
diretamente ou através de terceiros e, também, por pessoa física ou jurídica
de direito privado (BRASIL, 1988). Isso quer dizer que:

a) ( ) Somente o poder público pode oferecer ações e serviços de saúde em


território brasileiro, e isso acontece através do SUS.
b) ( ) Somente o poder público pode oferecer ações e serviços de saúde em
território brasileiro, e isso acontece pelos planos de saúde que o poder
público regulamenta e fiscaliza.
c) ( ) Somente o poder público pode oferecer ações e serviços de saúde
em território brasileiro, e, por isso, todos os hospitais, públicos e
particulares, recebem pacientes do SUS quando há uma urgência.
d) ( ) Tanto o poder público quanto a iniciativa privada podem oferecer
ações e serviços de saúde em território brasileiro, sendo que a iniciativa
privada fiscaliza seus próprios serviços e o poder público fiscaliza
somente as ações e serviços do setor público de saúde, o SUS.
e) ( ) Tanto o poder público quanto a iniciativa privada podem oferecer
ações e serviços de saúde em território brasileiro, mas o poder público
que regulamenta e fiscaliza as ações e serviços de saúde tanto do setor
público quanto da iniciativa privada.

2 Na Constituição Federal de 1988, está prevista, no Art. 199, a participação


da iniciativa privada na assistência à saúde, inclusive, acrescentando que a
iniciativa privada pode também fazer parte do SUS, mediante contrato de
direito público ou convênio, tendo preferência as entidades filantrópicas e
as sem fins lucrativos. Dentre as alternativas a seguir, escolha de que forma
a iniciativa privada pode fazer parte do SUS:

a) ( ) Em caráter suplementar.
b) ( ) Em caráter complementar.
c) ( ) Em caráter extraordinário.
d) ( ) Em caráter livre.
e) ( ) Somente em caráter temporário.

71
72
TÓPICO 2 —
UNIDADE 2

LEI No 8.080/90

1 INTRODUÇÃO
Este tópico trata de uma das leis mais importantes para o Sistema de
Saúde brasileiro, a lei 8.080/90. Existem duas leis consideradas “bases” para
todas as políticas e programas de saúde do SUS, a Lei n° 8.080/90 a Lei n°
8.142/90 (que estudaremos no tópico 3). A primeira estabelece diretrizes para
organização e funcionamento do sistema, e a segunda pontua como devem ser
o financiamento e a participação da população nas questões de saúde do país.
Muitos se referem a elas, principalmente, Lei n° 8.080/90, como “Lei Orgânica
do SUS”, por serem o alicerce de tudo o que se construiu e até hoje se constrói
quando o assunto é saúde.

NOTA

Você sabe o que é uma lei orgânica? As leis orgânicas mais comuns são as
municipais e estaduais, e são consideradas as leis maiores dos Municípios/Estados. São
normas que regulam a vida política daquela localidade e tratam de todos os assuntos
referentes àquele Município/Estado, portanto, são mais gerais e devem respeitar a lei
orgânica maior, a Constituição Federal.

Essas leis são muito importantes, pois são uma forma de forçar o poder
público a assumir obrigações de interesse local em favor da população, ou seja,
o mesmo ocorre com o SUS, ter uma lei orgânica que explicite, de forma geral, e
sugira que cada um dos assuntos tratados ali tenha uma lei posterior que venha
regulamentar aquela norma. Assim, é uma forma de garantir que aqueles direitos,
além dos deveres, sejam garantidos à população.

73
UNIDADE 2 — AS LEGISLAÇÕES DO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE

2 LEI N° 8080 – A PRIMEIRA LEI ORGÂNICA DO SUS


A Lei n° 8080 dispõe sobre as condições para a promoção, proteção
e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços
correspondentes e dá outras providências. Ela regula as ações e serviços de saúde
ofertados em todo o território nacional, “executados isolada ou conjuntamente,
em caráter permanente ou eventual, por pessoas naturais ou jurídicas de Direito
público ou privado” (BRASIL, 1990). Foi promulgada em 19 de setembro de 1990
pelo então presidente Fernando Collor de Melo. Trata-se de uma lei extensa que
teve sua última atualização em 2017, com 55 artigos, e alguns deles com mais
de 20 incisos, por isso, não abordaremos todos neste livro didático, mas os mais
importantes, para que você compreenda do que se trata a “Lei do SUS”, como
ficou conhecida.

Primeiramente, você precisa lembrar, como já falamos no tópico anterior,


que a Lei n° 8.080/90 foi pensada e escrita tendo, como base, documentos
importantes, como a lei máxima do nosso país, a CF/88, assim como a Declaração
Universal dos Direitos Humanos e, portanto, algumas informações se repetem,
porém, com mais detalhes. A Lei n° 8.080/90 reafirma o direito à vida e à dignidade
humana da população, assegurando o acesso universal e igualitário às ações e
serviços de saúde, e obriga o Estado a formular e a executar políticas econômicas
e sociais que atendam a todas as demandas de saúde da população, objetivando
a redução de riscos de doenças e de outros agravos; e proporcionando o acesso
universal e igualitário à saúde (Art. 2°, § 1°) (BRASIL, 1990, grifo nosso).

Contudo, diante do fato de a legislação garantir todos esses direitos à


população, nós não estamos isentos de alguns deveres perante essas garantias.
Todas as pessoas, famílias, empresas e a sociedade (BRASIL, 1990) devem
zelar pelo cuidado, limpeza, direitos e deveres de cada integrante de cada
uma dessas instituições.

Apesar de ficar conhecida como a “Lei do SUS” e reafirmar o texto


constitucional, principalmente, no que diz respeito à saúde ser um direito de todos
e um dever do Estado (Art. 2°), a LOS não trata a saúde de forma isolada e simplista.
O parágrafo único do Art° 3 deixa claro que ações em saúde se referem a tudo o
que diz respeito ao bem-estar físico, mental e social, individual e das coletividades
(BRASIL, 1990). Ou seja, considera os determinantes e condicionantes da saúde
ao longo do texto, como a alimentação, a moradia, o saneamento básico, o meio
ambiente, o trabalho, a renda, a educação, a atividade física, o transporte, o
lazer e o acesso aos bens e serviços essenciais. Ainda, são estes que revelam
os níveis de saúde da população, e, consequentemente, a organização social e
econômica de um país (BRASIL, 1990, grifo nosso).

74
TÓPICO 2 — LEI No 8.080/90

3 LEI N° 8080 – TÍTULO II – DO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE


Essa parte inicia explicando o que é, exatamente, o nosso Sistema Único de
Saúde: “conjunto de ações e serviços de saúde, prestados por órgãos e instituições
públicas federais, estaduais e municipais, da administração direta e indireta e das
fundações mantidas pelo Poder Público” (BRASIL, 1990).

A maioria das pessoas, quanto escuta falar do SUS, automaticamente,


pensa no conhecido “postinho” de saúde, que, na verdade, é a Unidade Básica de
Saúde, e nos hospitais, como se o SUS se resumisse a isso.

O § 1° do Art. 4° especifica quais instituições realmente fazem parte dele:


“públicas federais, estaduais e municipais de controle de qualidade, pesquisa e
produção de insumos, medicamentos, inclusive, de sangue e hemoderivados, e
de equipamentos para saúde” (BRASIL, 1990). Ou seja, existe uma associação de
organizações completa, que abrange, inclusive, pesquisa e produção de insumos,
envolvida na logística dos serviços de saúde do nosso país.

Como você pôde ver, as instituições privadas, como laboratórios, clínicas


e hospitais particulares, não aparecem fazendo parte do sistema, mas o § 2° do
mesmo artigo aparece para ratificar o que já vimos um pouco antes, quando
estudamos a parte da CF/88 que se refere à saúde. A iniciativa privada pode
colaborar de forma complementar (BRASIL, 1990).

O Art. 5° informa quais são os objetivos do SUS:

FIGURA 1 – OBJETIVOS DO SUS

I- a identificação e divulgação dos fatores condicionantes


e determinantes da saúde;

II- a formulação de política de saúde destinada a promover,


nos campos econômico e social, a observância do
disposto no § 1° do art. 2° desta lei;

III- a assistência às pessoas por intermédio de ações de


promoção, proteção e recuperação da saúde, com
a realização integrada das ações assistenciais e das
atividades preventivas.
FONTE: Adaptado de Brasil (1990)

75
UNIDADE 2 — AS LEGISLAÇÕES DO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE

Você se lembra do que são fatores condicionantes e determinantes da


saúde?

Antigamente, pensava-se na saúde somente como a condição que um


indivíduo se encontra quando não está doente, mas, já em 1945, a Organização
Mundial de Saúde (OMS) trouxe um conceito de saúde bem mais amplo: um
completo bem-estar físico, mental e social e não apenas o de ausência de doenças
ou enfermidades (SEGRE; FERRAZ, 1997). Apesar desse conceito ser discutido
até hoje, devido a ser uma situação difícil de ser atingida, muito se tem estudado
com relação aos fatores que influenciam a saúde das pessoas.

Alguns modelos de determinantes e condicionantes em saúde podem ser


encontrados na literatura, mas um dos mais citados é o modelo de Dahlgren e
Whitehead:

FIGURA 2 – DETERMINANTES E CONDICIONANTES EM SAÚDE

AMBIENTE DE
DESEMPREGO
TRABALHO

ÁGUA E
EDUCAÇÃO ESGOTO

SERVIÇOS
PRODUÇÃO SOCIAIS
AGRÍCOLA DE SAÚDE
E DE
ALIMENTOS HABITAÇÃO

FONTE: Carvalho (2012, p. 84)

Agora que você já relembrou o que são determinantes e condicionantes


na saúde, fica fácil entender o que o inciso I do Art° 5 da Lei n° 8.080/90 quer
dizer. Então, um dos objetivos do SUS é identificar que fatores são esses, além
de pesquisar os níveis desses fatores nas pessoas que vivem no nosso país, e,
posteriormente, divulgá-los, para que todos possam saber.

O inciso II tem um pouco de relação com o I, pois diz que um dos objetivos
do SUS é formular políticas de saúde, mas que considerem os campos econômico
e social (ou seja, os determinantes em saúde como um todo), com o objetivo de

76
TÓPICO 2 — LEI No 8.080/90

reduzir riscos de doenças e de outros agravos e o estabelecimento de condições


que assegurem acesso universal e igualitário às ações e aos serviços para a sua
promoção, proteção e recuperação (conforme o que está escrito na menção do §
1° do art. 2°).

O terceiro e último objetivo é ajudar as pessoas através de ações de


promoção, proteção e recuperação da saúde, sendo que, ao mesmo tempo, é
preciso prestar serviços assistenciais, como consultas médicas, cirurgias etc., além
de atividades preventivas.

Como já falamos anteriormente, não são apenas os “postinhos” de saúde e


os hospitais que estão no campo de atuação do SUS. O Art. 6 é composto de onze
incisos que se referem às responsabilidades do SUS que a maioria das pessoas
desconhece, mas, agora, você vai conhecer e poder falar para os seus amigos,
colegas de trabalho e familiares.

O inciso I explicita que o SUS deve executar ações de quatro grandes áreas
de atuação diferentes. Para ajudar você a lembrar com mais facilidade, elas estão
dispostas em formato de logo:

FIGURA 3 – LOGO VIGILÂNCIA SANITÁRIA FIGURA 4 – LOGO VIGILÂNCIA


EPIDEMIOLÓGICA

FONTE: <http://twixar.me/wFym>.
Acesso em: 6 nov. 2020

FIGURA 5 – TERAPIAS INTEGRATIVAS FONTE: <http://twixar.me/JFym>.


Acesso em: 6 nov. 2020.

FIGURA 6 – LOGO SAÚDE DO TRABALHADOR

FONTE: <http://twixar.me/yFym>. FONTE: <http://twixar.me/5Fym>.


Acesso em: 6 nov. 2020. Acesso em: 6 nov. 2020.

77
UNIDADE 2 — AS LEGISLAÇÕES DO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE

NOTA

Para compreender, de forma adequada, todas as ações do SUS, é necessário


saber a diferença entre a vigilância sanitária e a vigilância epidemiológica.

A vigilância sanitária tem, como objetivo, eliminar, diminuir ou prevenir riscos


à saúde, além de intervir nos problemas sanitários decorrentes do meio ambiente, da
produção e circulação de bens e da prestação de serviços de interesse da saúde.

Apesar de muitas pessoas pensarem que a vigilância sanitária apenas fiscaliza


restaurantes e lanchonetes, a verdade é que, além de controlar esses ambientes e todos os
outros que prestem algum serviço relacionado direta ou indiretamente com a saúde, como
hospitais, cemitérios, salões de beleza etc., ela controla todos os bens de consumo que
estejam relacionados com a saúde (alimentos, medicamentos, produtos de higiene pessoal
etc.), desde a sua produção até o momento em que serão consumidos (BRASIL, 1990).

Já a vigilância epidemiológica tem o objetivo de proporcionar “o conhecimento, a


detecção ou prevenção de qualquer mudança nos fatores determinantes e condicionantes
de saúde individual ou coletiva, com as finalidades de recomendar e adotar as medidas
de prevenção e controle das doenças ou agravos” (BRASIL, 1990). Ou seja, as ações da
vigilância epidemiológica são voltadas a fornecer orientação técnica que auxilie na tomada
de decisões aos gestores e a outras pessoas que possuem poder decisório em determinado
Município, a tudo que se refere a controle de doenças e agravos. Para isso, ela realiza coleta,
processamento, análise e interpretação de dados, divulga informações, investiga casos e
surtos, e recomenda medidas de controle.

Agora que você já sabe a diferença entre as vigilâncias sanitária e


epidemiológica, vamos ver o que são as outras duas grandes áreas de abrangência
do SUS.

A Figura 5 representa a parte do texto da Lei n° 8.080/90 que se refere


à assistência terapêutica integral, inclusive, farmacêutica, que inclui todo tipo
de assistência terapêutica, seja ela de qualquer área da saúde (fisioterapia,
psicologia, odontológica, acupuntura etc.), incluindo as medicações e produtos
relacionados à saúde (órteses, próteses, bolsas coletoras e equipamentos
médicos) que possam ser necessários. Contudo, é importante saber que todos
esses serviços, como a dispensação de medicamentos e os procedimentos
terapêuticos, seguem protocolos e tabelas elaborados pela gestão federal do
SUS, e são iguais no país inteiro.

A saúde do trabalhador é composta por várias atividades realizadas pela


vigilância epidemiológica e vigilância sanitária com os objetivos de promover
e proteger a saúde dos trabalhadores, além de recuperar e reabilitar a saúde
daqueles trabalhadores que estejam expostos a algum tipo de risco e/ou agravo
que possa ser causado por suas condições de trabalho (BRASIL, 1990).

78
TÓPICO 2 — LEI No 8.080/90

Agora que já vimos o inciso I do Art. 6°, vamos conhecer o restante das
áreas em que o SUS atua no nosso país. A seguir, você poderá ver a figura que
apresenta o Art. 6°, do II até o XI. Ele traz de uma forma bem resumida, mas
assim como está escrito na Lei n° 8.080/90, todas as ações são de responsabilidade
do SUS:

FIGURA 7 – ART. 6°, INCISOS II AO XI, DA LEI N° 8.080/90

I- a participação na formulação da política e na execução de ações de saneamento


básico;

III- a ordenação da formação de recursos humanos na área de saúde;

IV- a vigilância nutricional e a orientação alimentar;

V- a colaboração na proteção do meio ambiente, nele compreendido o do trabalho;

VI- a formulação da política de medicamentos, equipamentos, imunobiológicos e


outros insumos de interesse para a saúde e a participação na sua produção;

VII- o controle e a fiscalização de serviços, produtos e substâncias de interesse para


a saúde;

VIII- a fiscalização e a inspeção de alimentos, água e bebidas para consumo humano;

IX- a participação no controle e na fiscalização da produção, transporte, guarda e


utilização de substâncias e produtos psicoativos, tóxicos e radioativos;

X- o incremento, em sua área de atuação, do desenvolvimento científico e


tecnológico;

XI- a formulação e execução da política de sangue e seus derivados.

FONTE: Adaptado de Brasil (1990)

Agora, vamos ao próximo artigo, o Art. 7°, que se refere aos princípios e
diretrizes do SUS. A Lei n° 8.080/90 deixa claro que não são somente os serviços
oferecidos pelo SUS que precisam seguir essas diretrizes e obedecer a esses
princípios, mas todos os serviços privados contratados ou conveniados que
estejam participando do SUS.

Então, preste atenção, pois todas as instituições, sejam públicas ou


privadas, que prestam serviços ao SUS, devem estar em conformidade com o Art.
7° (BRASIL, 1990).

Dessas diretrizes, três delas já estavam previstas no texto constitucional


escrito dois anos antes de a Lei n° 8.080/90 ser criada: integralidade, participação
da comunidade e descentralização, descritas, respectivamente, nos incisos II,
VIII e IX do Art. 7°. As outras foram elaboradas e incluídas nessa lei, inclusive, o
último inciso acrescentado (XIV) foi somente em 2013.

79
UNIDADE 2 — AS LEGISLAÇÕES DO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE

Observe, a seguir, os princípios e diretrizes da mesma forma que aparecem


no texto da Lei n° 8.080/90 (sublinhado), acompanhado de uma breve elucidação
do conteúdo:

I- universalidade de acesso aos serviços de saúde em todos os níveis de


assistência: esse é o princípio que garante que todos os cidadãos brasileiros,
independentemente da classe social, raça, condição financeira, gênero, ou
seja, sem qualquer tipo de discriminação, têm direito ao acesso às ações e
serviços de saúde.
II- integralidade de assistência, entendida como conjunto articulado e contínuo
das ações e serviços preventivos e curativos, individuais e coletivos,
exigidos para cada caso em todos os níveis de complexidade do sistema: está
relacionada com o entendimento do ser humano de forma integral, fazendo
parte de um todo, e não de forma parcial, em que se observa somente a causa
principal de ter procurado o serviço de saúde. O atendimento deve começar
com acolhimento, ouvindo o usuário, compreendendo que ele está inserido
em um contexto social, e se estender até onde vai a sua necessidade, seja
simples ou complexa, podendo ser resolvido em apenas uma consulta ou
necessitar de um tratamento longo ou, até mesmo, cirúrgico.
III- preservação da autonomia das pessoas na defesa de suas integridades física
e moral: manter o direito do indivíduo de fazer suas próprias escolhas para
conservar sua dignidade tanto fisicamente quanto moralmente.
IV- igualdade da assistência à saúde, sem preconceitos ou privilégios de qualquer
espécie: prestar assistência às necessidades de saúde das pessoas de forma
igualitária, independentemente de quem seja, rico ou pobre, negro ou branco,
analfabeto ou com ensino superior, todos devem ser tratados da mesma
forma, sem privilegiar ninguém por qualquer que seja o motivo.

E
IMPORTANT

Com relação a esse princípio, é importante fazermos um adendo para falar


de outro princípio que foi incorporado nos textos e discussões relacionados ao SUS após
a implementação da Lei n° 8.080/90, o princípio da equidade. Muitas pessoas confundem
com o conceito de igualdade com equidade, e é muito importante que você compreenda
a diferença (BRASIL, 1990).

O princípio da igualdade, como o próprio nome diz, refere-se a tratar


todas as pessoas da mesma forma, enquanto a equidade seria tratar os desiguais
de forma desigual na medida da sua desigualdade. Parece confuso, certo?! Por
isso, gostaríamos que você olhasse, com atenção, a figura a seguir, que elucida
bem a diferença entre os dois princípios, assim como o objetivo:

80
TÓPICO 2 — LEI No 8.080/90

FIGURA 8 – DIFERENÇA ENTRE IGUALDADE E EQUIDADE

IGUALDADE EQUIDADE

FONTE: <https://talentoincluir.com.br/emprego/porque-e-dificil-contratar-pessoas-com-deficiencia-
no-brasil-do-direito-a-educacao-e-o-que-voce-tem-a-ver-com-isso/>. Acesso em: 6 nov. 2020.

Então, como você pode ver, igualdade seria dar as mesmas condições a
todas as pessoas, entretanto, é preciso considerar que as pessoas não são todas
iguais já mesmo antes do nascimento. Todos nós somos diferentes em todos
os aspectos das nossas vidas, e é preciso entender que essas diferenças estão
presentes também nas condições de vida e saúde, assim como nas necessidades
das pessoas. O direito à saúde, como já vimos anteriormente, quando falamos dos
determinantes sociais, passa pelas diferenciações sociais, e tem o compromisso
de atender à diversidade. Assim, a equidade pode ser percebida através do
atendimento às pessoas de acordo com suas carências, proporcionando mais aos
que têm mais necessidades e menos àqueles que demandam menos cuidados
(BARROS; SOUZA, 2016).

Você deve pensar “se temos que tratar as pessoas de forma desigual,
então, não é igualdade”, certo?! Contudo, é importante entender que são formas
diferentes de pensar e enxergar as situações. A igualdade considera que somos
todos iguais e, portanto, temos os mesmos direitos, e a equidade considera que já
nascemos diferentes.

Para ficar mais fácil de visualizar como isso acontece na prática, vamos a
dois exemplos bem simples. O primeiro são as políticas públicas elaboradas para
determinados grupos específicos, como idosos, gestantes, população de rua etc.
As gestantes, por exemplo, têm prioridade nos atendimentos odontológicos nas
Unidades Básicas de Saúde (UBS), que possuem Equipe de Saúde Bucal (ESB)
durante todo o período de gestação, pois existem pesquisas comprovando a
influência da saúde bucal da mãe na saúde do bebê, podendo diminuir, inclusive,
a chance de partos pré-maturos.

Outra forma de observar a equidade no dia a dia do SUS é a do fluxo de


atendimento dos hospitais, que implantaram a classificação de risco como forma
de triagem, pois esta não considera apenas a ordem de chegada para escolher
quem será atendido primeiro, mas a combinação da ordem de chegada, urgência e

81
UNIDADE 2 — AS LEGISLAÇÕES DO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE

gravidade da situação. Então, se uma pessoa chegar à emergência de um hospital


com um processo de infarto em andamento, ou tenha sofrido acidente de moto,
será atendida antes do que uma outra pessoa que esteja com diarreia há três dias,
mesmo que tenha chegado mais cedo.

Agora que você já compreendeu corretamente a diferença entre igualdade


e equidade, vamos retomar o Art. 7°, e ver os outros princípios e diretrizes do SUS:

V- direito à informação, às pessoas assistidas, sobre sua saúde: expõe o direito das
pessoas atendidas a terem acesso a todas as informações referentes a sua saúde,
desde o diagnóstico, as opções de tratamento, o prognóstico, até mesmo cópia do
prontuário e dos seus exames, que podem ser requeridos a qualquer momento.

NOTA

Você sabe o que é o prognóstico que o inciso V do Art. 7° diz que todos têm
o direito de saber?

Segundo o Dicionário Michaelis (2020), prognóstico é um substantivo masculino


que, na área médica, significa: parecer do médico acerca da evolução e/ou prováveis
consequências de uma doença. Ou seja, após o momento do diagnóstico, há alguns
caminhos que a doença pode vir a percorrer, inclusive, estes podem ser diferentes,
considerando diversas circunstâncias, como mudança de hábitos, uso de medicações,
intervenções cirúrgicas etc. Segundo o inciso V do Art. 7° da Lei n° 8.080/90, todas as
pessoas têm direito de saber essas informações no que se refere a sua saúde, inclusive, para
manter o direito à autonomia.

VI- divulgação de informações quanto ao potencial dos serviços de saúde e a


sua utilização pelo usuário: refere-se à necessidade de divulgar os próprios
serviços oferecidos, por exemplo, os dias e horários de atendimento para
consultas marcadas nas UBS, de atendimento de urgência, do acontecimento
de ações coletivas (ex.: grupos de gestantes, antitabagismo, diabéticos
etc.), das reuniões de conselho local, regional, municipal, da possibilidade
de realizar o teste rápido de HIV nas UBS, das datas das campanhas de
vacinação etc.
VII- utilização da epidemiologia para o estabelecimento de prioridades, a
alocação de recursos e a orientação programática: prevê a utilização da
epidemiologia, que é a ciência de base para a saúde coletiva, para decidir
de que forma e onde serão realizados os investimentos, assim como quando
devem ser realizados, ou seja, é de suma importância para o planejamento
das ações do SUS.

82
TÓPICO 2 — LEI No 8.080/90

NOTA

E epidemiologia, você sabe o que é?



É uma ciência que estuda situações de saúde e de doença, como doenças
transmissíveis, doenças crônicas, e seus possíveis agravos trazidos por essas doenças. Através
da epidemiologia, hoje, sabemos a causa, os sintomas, a forma de transmissão, a frequência
que ocorrem, formas de tratamento e prevenção, entre outras informações importantes de
diversas doenças, transmissíveis ou não. Inclusive, através dessa ciência, sabemos quanto os
determinantes sociais na saúde afetam a vida das pessoas (MONTILLA, 2004).

Diante disso, é fácil compreender a importância de utilizar dados epidemiológicos


para destinar recursos para determinadas intervenções no SUS, para aumentar a eficácia
das ações individuais e coletivas a serem tomadas, e diminuir o risco de tomar decisões
erradas baseadas no “achismo”.

VIII- participação da comunidade: como já falamos anteriormente, esse princípio


já está previsto no texto constitucional desde 1988, pois vivia-se, naquela
época, um período pós-ditatorial, no qual o modelo de saúde era totalmente
diferente do atual. Assim como em todos os regimes autoritários, a
população não tinha direito de expressar suas opiniões acerca de qualquer
assunto, ainda mais em relação à forma como o governo deveria realizar a
assistência à saúde das pessoas. Diante desse cenário, tratou-se de garantir
que, a partir da mudança do regime de governo, a população pudesse ter
mais participação nas decisões tomadas no país, como é de se esperar em
uma democracia. Então, surgiram discussões a respeito da importância da
participação popular na formulação de políticas públicas de saúde, assim
como na fiscalização e controle das ações que o Estado pudesse vir a realizar:
a participação da comunidade (ROLIM; CRUZ; SAMPAIO, 2013).

IX- descentralização político-administrativa, com direção única em cada esfera


de governo:
a) ênfase na descentralização dos serviços para os Municípios;
b) regionalização e hierarquização da rede de serviços de saúde.

Agora, chegou a hora de falarmos da tal descentralização, lembra que era


para você guardar essa palavra? O motivo é que a descentralização é uma das
diretrizes do SUS, e modificou muito a forma de fazer saúde pública no país.

Observe o inciso IX do Art. 7° e perceba que o princípio é a descentralização.

O que vem abaixo, nas alíneas a e b, é a explicação de como essa


descentralização deve ocorrer. Contudo, vamos por partes.

83
UNIDADE 2 — AS LEGISLAÇÕES DO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE

Como já falamos, antigamente, todas as decisões relacionadas à saúde


no nosso país eram tomadas pelo governo federal, cuja sede já era no Distrito
Federal, na capital do país, Brasília. Entretanto, o Brasil é um país que possui
dimensões continentais, então, além da distância entre a capital do país e os
Estados e Municípios, existem muitas diferenças.

Você concorda que a realidade que se vive, não apenas com relação à
saúde, em um município do Rio Grande do Sul, é totalmente diferente da que
se vive em um município do interior da Bahia, por exemplo, portanto, não é
possível que sejam praticados exatamente as mesmas ações e serviços de saúde
nesses dois lugares. Percebe-se que essa distância dificultava muito a tomada
de decisões assertivas, já que era muito difícil, para os gestores que estavam em
Brasília, conhecerem a realidade de cada local do país. Delegar as decisões para
os gestores que estariam mais próximos da realidade de cada município fazia
mais sentido, então, nasceu uma das três diretrizes do SUS, a descentralização.

Perceba que a Lei n° 8.080/90 deixa claro que, apesar de haver essa
descentralização, ela terá apenas uma direção em cada esfera de governo, ou seja,
nos Estados, somente a Secretaria de Estado de Saúde será responsável por fazer
essa gestão, e mais nenhum outro órgão.

Na alínea “a” do inciso IX do Art. 7°, você pode perceber que a Lei n° 8.080/90
já determina que essa descentralização deve ter seu enfoque nos municípios, ou seja,
permite que o município tenha mais autonomia nas decisões de planejamento e
alocação dos recursos, assim como mais responsabilidades também.

A alínea “b” muda o enfoque da gestão para a oferta de serviços. Ela


traz informações acerca de como devem ser organizados os serviços de saúde
ofertados, de forma regionalizada e hierarquizada. Contudo, o que, exatamente,
isso quer dizer?

Para compreender bem esses conceitos, vamos, de novo, aos significados


dessas duas palavras. Segundo o dicionário Michaelis online (2020), hierarquizado
é algo que segue uma formação hierárquica, ou seja, que obedece a uma “categoria
atribuída às pessoas ou às coisas, classificadas de acordo com a ordem de
importância, crescente ou decrescente”. Então, os serviços de saúde do SUS são
organizados de forma hierarquizada, respeitando uma configuração que segue
um padrão de ordem crescente, do nível de atenção de menor complexidade para
o de maior complexidade.

84
TÓPICO 2 — LEI No 8.080/90

FIGURA 9 – HIERARQUIZAÇÃO DOS NÍVEIS DE COMPLEXIDADE DE ATENÇÃO

Serviços ambulatoriais com especialidades clínicas e cirúrgicas.


Hospitais terciários e quaternários de caráter regional, estadual ou nacional.

Atenção primária à grupos populacionais situados em


Serviços de atendimento de urgência e emergência.
SERVIÇOS HOSPITALARES DE MAIOR COMPLEXIDADE

SERVIÇOS HOSPITALARES DE MAIOR COMPLEXIDADE

Serviço de apoio diagnóstico e terapêutico.

uma área de abrangência delimitada.


SERVIÇOS AMBULATORIAIS

UNIDADES DE SAÚDE
HOSPITAIS GERAIS

PORTA DE ENTRADA do sistema para os níveis superiores


de maior complexidade
ATENÇÃO PRIMÁRIA
SECUNDÁRIA
TERCIÁRIA
ATENÇÃO

ATENÇÃO

FONTE: <https://redehumanizasus.net/94461-seja-bem-vindo/>. Acesso em: 15 jan. 2021.

Segundo o mesmo dicionário, regionalizar significa dividir em regiões,


para efeito de estudo ou organização de serviços públicos. Para elucidar melhor
esse assunto, observe a figura a seguir, prestando atenção nas divisões do mapa.
Há dois tipos de divisões: por bairros, com as bordas em branco; e por regiões,
que são a união de bairros com as mesmas cores, sendo que cada uma dessas
cores é uma região de saúde.

85
UNIDADE 2 — AS LEGISLAÇÕES DO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE

FIGURA 10 – DIVISÃO DO MUNICÍPIO DE SÃO PAULO EM REGIÕES DE SAÚDE

Região Metropolitana de São Paulo - RMSP

Regiões de Saúde
Mananciais São Paulo

Rota dos Franco da Grande ABC


Bandeirantes Rocha Guarulhos Alto Tietê

FONTE: Observatório de Saúde da Região Metropolitana de São Paulo (2018, s.p.)

Agora que você já compreendeu o que é a hierarquização, além da


regionalização, vamos voltar ao restante dos princípios tratados no Art. 7°:

X- integração em nível executivo das ações de saúde, meio ambiente e


saneamento básico: todas as ações, tanto voltadas para a saúde, quanto
para o meio ambiente e saneamento básico devem ser realizadas de forma
integrada entre si.
XI- conjugação dos recursos financeiros, tecnológicos, materiais e humanos da
União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios na prestação de
serviços de assistência à saúde da população.
XII- capacidade de resolução dos serviços em todos os níveis de assistência:
ou seja, todos os níveis de assistência, primário, secundário, terciário e
quaternário, devem ser resolutivos dentro de suas competências.
XIII- organização dos serviços públicos de modo a evitar duplicidade de
meios para fins idênticos: os serviços devem ser organizados e possuir
interoperabilidade para evitar que sejam realizados mais de uma vez sem
necessidade, como por exemplo o paciente que vai ao hospital duas vezes
no mesmo final de semana e são realizados os mesmos exames nos dois dias
por não ser o mesmo médico plantonista.
XIV- organização de atendimento público específico e especializado para
mulheres e vítimas de violência doméstica em geral, que garanta, entre
outros, atendimento, acompanhamento psicológico e cirurgias plásticas
reparadoras.

86
TÓPICO 2 — LEI No 8.080/90

Esses são todos os princípios e diretrizes descritos na Lei n° 8.080/90 e que


são de suma importância, pois são a expressão de todos os valores defendidos
pela Reforma Sanitária e que devem ser lembrados e respeitados em todos os
momentos, desde as formulações das políticas públicas até o atendimento
realizado pelos profissionais de saúde no dia a dia da assistência. Além disso,
esses princípios devem ser aplicados em todos os serviços que integram o SUS,
sejam públicos, privados, contratados ou conveniados.

Esses princípios são divididos em dois grupos: os doutrinários e os


organizativos. Os primeiros são mais conceituais e dizem respeito aos valores
propriamente ditos que são defendidos pelo SUS: universalidade, equidade e
integralidade. Já os organizativos são todos os outros princípios e recebem esse
nome justamente por estarem relacionados à forma como o sistema se organiza.
Contudo, existem quatro que são os principais: descentralização, regionalização,
hierarquização e participação popular.

Até agora, já vimos todos esses princípios, exceto o da Participação


Popular, que veremos quando estudarmos a próxima lei, a Lei n° 8.142/90. Então,
você já consegue entender bem o motivo desses dois grupos, mas, para ajudar a
lembrar, segue um fluxograma com a divisão:

FIGURA 11 – PRINCÍPIOS DOUTRINÁRIOS E ORGANIZATIVOS DO SUS

Princípios e Diretrizes

Princípios Doutrinários

Universalidade Equidade Integralidade

Princípios Organizativos

Regionalização Descentralização
Hierarquização

Participação
Popular

FONTE: <https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/4189794/mod_resource/content/1/
Semin%C3%A1rio%20G5.pdf>. Acesso em: 6 nov. 2020.

87
UNIDADE 2 — AS LEGISLAÇÕES DO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE

ATENCAO

Lembre-se de que já falamos de que a equidade não está descrita na lei, mas
perceba que ela se faz presente, inclusive, nos princípios doutrinários em diversos textos e
referências bibliográficas, tamanha a sua importância.

Passando para o próximo artigo mais relevante, o Art. 9°, este menciona
que a direção do Sistema Único de Saúde (SUS) é única [...], sendo exercida em
cada esfera de governo pelos seguintes órgãos:

FIGURA 12 – DIREÇÃO DO SUS EM CADA ESFERA DE GOVERNO

Estados e
União: Municípios:
Distrito Federal:
Ministério da Secretaria
Secretaria
Saúde de Saúde
de Saúde

FONTE: Adaptado de Brasil (1990)

Isso indica que existe uma autoridade em cada instância, representante


de um órgão responsável pelas políticas de saúde, e os três são independentes,
apesar de poderem atuar em conjunto.

O Art. 10 explica que os Municípios, mesmo sendo independentes, podem


estabelecer parcerias através dos consórcios administrativos intermunicipais.
Esses consórcios permitem que os municípios se unam para oferecer ações e
serviços de saúde em conjunto e dividam as despesas de forma proporcional,
pois pode acontecer de os habitantes de um Município utilizarem mais do que
do outro.

Os artigos 12, 13 e 14 tratam da criação de diversas comissões intersetoriais,


a fim de cuidar de assuntos relacionados à organização do SUS e suas práticas
cuidadoras, além da integração entre os serviços de saúde e as instituições dos
ensinos profissional e superior, que, posteriormente, foram criadas e denominadas
de Comissão Intergestores Bipartite (quando envolvem as gestões municipal e
estadual), Comissão Intergestores Tripartite (quando envolvem as três esferas
de gestão), o Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass) e o Conselho
Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (Conasems).

88
TÓPICO 2 — LEI No 8.080/90

No Art. 15, inicia-se o capítulo que fala das competências e atribuições de


cada um dos entes federados, começando pelas atribuições que são comuns aos três.

FIGURA 13 – PRINCIPAIS RESPONSABILIDADES DE CADA ESFERA DE GOVERNO FRENTE AO SUS

FEDERAL

Formular as políticas públicas nacionais, coordenar o Sistema


Único de Saúde, incentivar programas de saúde, fiscalizar a
execução dos recursos federais.

ESTADUAL

Planejar ações e serviços estaduais, intermediar o acesso aos


serviços de alta complexidade, articular as regiões de saúde,
apoiar os municípios de forma técnica e financeira.

MUNICIPAL

Administrar os serviços de saúde municipais, garantir o


acesso das pessoas ao SUS, implementar e efetivar as ações
e serviços de saúde.

FONTE: Adaptado de Brasil (1990)

Apesar de cada esfera de governo ter responsabilidades específicas, elas


se complementam, auxiliando uns aos outros na árdua tarefa de buscar ofertar
um sistema de saúde de qualidade em um país tão grande e com diversos
problemas de ordens social, política etc. Entretanto, algumas atribuições são
específicas, e, do Art. 16 ao 19, a Lei n° 8.080/90 detalha, de forma individual, essas
obrigações. Como cada um dos artigos possui mais de 20 parágrafos e ficaria
um tanto repetitivo e cansativo retratar todos aqui, um quadro comparativo
consegue demonstrar melhor essas diferenças e complementaridades, que, por
vezes, são sutis.

Do Art. 19° A até o Art. 19° I, são tratados assuntos referentes à saúde
indígena, o famoso Subsistema de Atenção à Saúde Indígena, e não existiam na
data de promulgação da lei (1990), foram temas acrescentados somente em 1999,
com a promulgação de uma lei específica. Resumidamente, esses artigos trazem
três pontos importantes:

89
UNIDADE 2 — AS LEGISLAÇÕES DO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE

• O Subsistema de Saúde Indígena não deve ser separado das outras ações e
serviços de saúde do SUS, muito pelo contrário, os serviços ofertados pelos
Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DISEI) devem estar articulados com o
restante do SUS.
• Os serviços oferecidos para a população indígena devem considerar suas
características para que consigam promover cuidado adequado.
• O responsável pelo financiamento do Subsistema de Saúde Indígena é a esfera
federal, entretanto, os Estados e Municípios devem participar de alguma forma,
principalmente, em regiões onde a população indígena seja predominante.

FIGURA 14 – RESPEITO ÀS CARACTERÍSTICAS INDIVIDUAIS DOS POVOS INDÍGENAS NO


OFERECIMENTO DE AÇÕES E SERVIÇOS DE SAÚDE

FONTE: <https://portalhospitaisbrasil.com.br/adaptado-a-cultura-indigena-hospital-bom-pastor-
atende-no-meio-da-floresta-em-rondonia/>. Acesso em: 6 nov. 2020

Assim como os artigos anteriores, o Art. 19-I também foi incluído


posteriormente, em 2002, e se refere ao Subsistema de Atendimento e Internação
Domiciliar, que já tem uma política de ação específica publicada em 2011, a
Política Nacional de Atenção Domiciliar. Esse artigo traz um assunto importante
que corrobora com um dos princípios do SUS, a atenção integral, inclusive, com
as pessoas que foram hospitalizadas e, agora, precisam se reabilitar nos lares.
Entretanto, o serviço não é apenas para reabilitação, mas também promoção de
saúde e prevenção de complicações através de uma equipe multidisciplinar.

Assim como os assuntos anteriores, o Art. 19-J também foi incluído


tempos depois da publicação da lei, no caso do subsistema de acompanhamento
durante o trabalho de parto, parto e pós-parto imediato, em 2005 e 2013. Essa
parte defende o direto das mulheres de terem um parto, e tudo que concerne a ele,
humanitário, além de escolher quem irá acompanhá-la durante o procedimento.
Antigamente, era comum que os maridos não pudessem acompanhar as gestantes
durante o parto, por diminuir a privacidade de outras mulheres, o que já não é
mais permitido.

90
TÓPICO 2 — LEI No 8.080/90

A parte que trata da assistência terapêutica e da incorporação de tecnologia


em saúde foi inserida na Lei n° 8.080 somente em 2011. Com relação à assistência
terapêutica, a lei diz que a assistência integral é “a dispensação de medicamentos
e produtos de interesse para a saúde, cuja prescrição esteja em conformidade
com as diretrizes terapêuticas definidas em protocolo clínico para a doença ou o
agravo à saúde” (BRASIL, 1990). Ou seja, a distribuição da medicação, de forma
gratuita, está garantida pela lei, entretanto, segue um protocolo clínico, e, para
isso, existe uma listagem de medicamentos específicos que são distribuídos.
Diante da falta de um protocolo clínico, as medicações distribuídas devem ser as
que constem na listagem do gestor federal, e dos gestores estaduais e municipais,
de forma complementar.

No caso de haver necessidade de acrescentar, remover ou alterar a lista


de medicações, “produtos e procedimentos, além da constituição ou da alteração
de protocolo clínico ou de diretriz terapêutica” (BRASIL, 1990), foi criada uma
comissão responsável, a Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no
SUS. Ela analisa as propostas, que incluem não só medicamentos, mas todos
os procedimentos que possam ser considerados inovadores, como exames,
auditorias etc. Segundo o site da própria comissão, “levando em consideração
aspectos, como eficácia, acurácia, efetividade e a segurança da tecnologia, além
da avaliação econômica comparativa dos benefícios e dos custos em relação às
tecnologias já existentes” (BRASIL, 1990).

Observe, a seguir, como funciona o processo de incorporação de novas


tecnologias no SUS, e, para saber mais, entre no site da comissão: http://conitec.
gov.br/ http://conitec.gov.br/entenda-a-conitec-2. Lá, você encontra diversas
informações da comissão. Inclusive, no link “tecnologias demandas”, há uma
listagem das solicitações que foram analisadas e se foram incluídas ou não no rol
de medicamentos e procedimentos disponibilizados pelo SUS.

91
UNIDADE 2 — AS LEGISLAÇÕES DO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE

FIGURA 15 – FLUXOGRAMA DE INCORPORAÇÃO DE NOVAS TECNOLOGIAS DA COMISSÃO


NACIONAL DE INCORPORAÇÃO DE TECNOLOGIAS NO SUS

FONTE: <http://conitec.gov.br/entenda-a-conitec-2>. Acesso em: 6 nov. 2020.

92
RESUMO DO TÓPICO 2
Neste tópico, você aprendeu que:

• A Lei n° 8.080/90 é um resumo de todas as diretrizes, formas organizativas e


operacionais do modelo de atenção do SUS.

• A Lei n° 8.080/90 regula as ações e serviços de saúde ofertados em todo o


território nacional.

• A Lei n° 8.080/90 reafirma o direito à vida e à dignidade humana da população,


assegurando o acesso universal e igualitário às ações e serviços de saúde, e
obriga o Estado a formular e a executar políticas econômicas e sociais que
atendam a todas as demandas de saúde da população.

• Apesar de a legislação garantir muitos direitos à população, todos temos o


dever de zelar pelo cuidado, limpeza, direitos e deveres de cada integrante de
todas as instituições que compõe o SUS.

• As políticas públicas de saúde devem considerar também os campos econômico


e social com o objetivo de reduzir riscos de doenças e de outros agravos.

• Deve ser assegurado o acesso universal e igualitário às ações e aos serviços


para a sua promoção, proteção e recuperação.

• O SUS possui princípios doutrinários e organizativos.

• A Lei n° 8.080/90 também trata sobre a Saúde Indígena, Atendimento e Internação


Domiciliar, parto humanizado e inserção de novas tecnologias no SUS.

93
AUTOATIVIDADE

1 Os princípios e diretrizes do Sistema Único de Saúde (SUS) devem ser


entendidos como o resultado de um processo político de direitos conquistados
historicamente pelo povo brasileiro. Eles constituem os alicerces para a
organização e o funcionamento do sistema de saúde no nosso país. As
ações e serviços de saúde constituem um sistema único e formam uma rede
regionalizada e hierarquizada, seguindo as seguintes diretrizes:

I- Descentralização, com direção única em cada esfera de governo.


II- Direção única centralizada.
III- Atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas,
sem prejuízo dos serviços assistenciais.
IV- Participação da comunidade.

a) ( ) I, II e III.
b) ( ) I, III e IV.
c) ( ) II e III.
d) ( ) I, II e IV.
e) ( ) I, II, III e IV.

2 Analise as afirmativas a seguir e assinale as que apresentam as corretas.


Ao Sistema Único de Saúde (SUS) compete, além de outras atribuições, nos
termos da lei:

I- Incrementar, na sua área de atuação, os desenvolvimentos científico e


tecnológico.
II- Fiscalizar e inspecionar alimentos, compreendido o controle do teor
nutricional, além de bebidas e águas para consumo humano.
III- Participar do controle e da fiscalização da produção, transporte, guarda e
utilização de substâncias e produtos psicoativos, tóxicos e radioativos.
IV- Colaborar na proteção do meio ambiente, nele, compreendido o do
trabalho.

a) ( ) I, II e III.
b) ( ) I, III e IV.
c) ( ) II e III.
d) ( ) I, II e IV.
e) ( ) I, II, III e IV.

3 O Art. 7° da Lei n° 8.080/90 se refere aos princípios e diretrizes do SUS, sendo


que o inciso II traz a integralidade como um dos princípios e diretrizes.
Escreva abaixo o que é integralidade para o Sistema Único de Saúde:

94
4 O inciso IV do Art. 7° da Lei n° 8.080/90 se refere a igualdade. Nele está
previsto que a assistência à saúde deve ser prestada de forma igualitária,
sem preconceitos ou privilégios de qualquer espécie. Apesar de o texto da
lei 8.080/90 não tratar sobre a equidade, este é um tema muito discutido na
atualidade. Descreva a diferença entre igualdade e equidade:

95
96
TÓPICO 3 —
UNIDADE 2

LEI N° 8.142/90 NORMATIZAR AS TRANSFERÊNCIAS


DE RECURSOS FINANCEIROS ENTRE OS ÓRGÃOS
INTERGOVERNAMENTAIS E A PARTICIPAÇÃO POPULAR E
CONTROLE SOCIAL NO SUS

1 INTRODUÇÃO
Caro acadêmico, até agora, você conheceu a Legislação do SUS, o Sistema
Único de Saúde (SUS), que é regulamentado pelas leis orgânicas da saúde 8.080/90,
compreendendo os contextos histórico e político nos quais se deu início o sistema
de saúde do nosso país. Ainda, visualizou o texto constitucional, no que diz
respeito à saúde.

Nos tópicos anteriores, você conheceu a lei que foi e até hoje é utilizada
como base para propostas e formulações de novas políticas de saúde, a Lei n°
8.080/90, assim, neste tópico, estudará e entenderá outra importante lei do SUS,
a Lei n° 8.142/90.

TUROS
ESTUDOS FU

Em breve, falaremos mais dos espaços de participação da comunidade no


SUS, pois, apesar de estar posto tanto na CF/88 quanto na Lei 8.080/90, somente a partir
da Lei 8.142/90 que ficou definido de que forma a participação popular funcionaria no SUS.

2 LEI No 8.142/90
Antes de desdobrarmos e entendermos melhor do que se trata a Lei n°
8.142/90, vamos entender o que é participação popular?

Participação popular, do ponto de vista sociológico, participação é


um conceito relacional e polissêmico, pois remete tanto à coesão social como
à mudança social. No segundo sentido, mais estrito e de caráter
político,  participação  significa democratização ou participação ampla dos
cidadãos nos processos decisórios em uma dada sociedade.

97
UNIDADE 2 — AS LEGISLAÇÕES DO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE

Agora focando na participação popular do Sistema Único de Saúde,


podemos pensar que o SUS nos trouxe a ampliação da assistência à saúde para a
coletividade.

É norteado pelos princípios da universalidade, integralidade, equidade,


descentralização e participação popular. Ainda, o SUS foi a primeira política
pública no Brasil a adotar, constitucionalmente, a participação popular como um
dos seus princípios (art. 198, inciso III, CF/88).

Participação popular é a garantia que a população tem de participar do


processo de formação de políticas de saúde e do controle de sua execução em
todos os níveis de governo. Essa participação ocorre através das Conferências de
Saúde, dos Conselhos de Saúde e dos Conselhos Gestores das Unidades.

Quando falamos de Controle Social do SUS, falamos do papel dos


Conselhos de Saúde. É neles que se dá a participação da comunidade na
fiscalização e na condução das políticas de saúde.

A Lei n° 8.142, de 28 de dezembro de 1990, foi criada e sancionada pelo


Presidente da República, Fernando Collor, e decretada pelo Congresso Nacional,
publicada no Diário Oficial da União em 31 de dezembro de 1990.

Por que foi criada a Lei n° 8.142/90? Os resultados da luta pela


democratização dos serviços de saúde representam uma vitória significativa? A
partir do marco legal, foram criados os Conselhos e as Conferências de Saúde
como espaços vitais para o exercício do controle social do Sistema Único de
Saúde (SUS).

Caro acadêmico para explicitar melhor e ampliar o que mencionamos


acima, vamos verificar o Art. 1° da Lei n° 8.142, que destaca para apoiar a execução
o Sistema Único de Saúde (SUS), tratado na da Lei n° 8.080, de 19 de setembro de
1990, onde contará, com apoio cada esfera de governo, sem prejuízo das funções
do Poder Legislativo, com as seguintes instâncias colegiadas:

I- a Conferência de Saúde;
II- o Conselho de Saúde.

Para entender ainda mais do que trata o artigo 1°, preste atenção nos
incisos a seguir:

§ 1° A Conferência de Saúde reunir-se-á a cada quatro anos com a representação


dos vários segmentos sociais, para avaliar a situação de saúde e propor as
diretrizes para a formulação da política de saúde nos níveis correspondentes,
convocada pelo Poder Executivo ou, extraordinariamente, por esta ou pelo
Conselho de Saúde.

98
TÓPICO 3 — LEI Nº 8.142/90 NORMATIZAR AS TRANSFERÊNCIAS DE RECURSOS FINANCEIROS ENTRE OS ÓRGÃOS
INTERGOVERNAMENTAIS E A PARTICIPAÇÃO POPULAR E CONTROLE SOCIAL NO SUS

§ 2° O Conselho de Saúde, em caráter permanente e deliberativo, órgão colegiado


composto por representantes do governo, prestadores de serviço, profissionais de
saúde e usuários, atua na formulação de estratégias e no controle da execução da
política de saúde na instância correspondente, inclusive, nos aspectos econômicos
e financeiros, cujas decisões serão homologadas pelo chefe do poder legalmente
constituído em cada esfera do governo.
§ 3° O Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass) e o Conselho Nacional
de Secretários Municipais de Saúde (Conasems) terão representação no Conselho
Nacional de Saúde.
§ 4° A representação dos usuários nos Conselhos de Saúde e Conferências será
paritária em relação ao conjunto dos demais segmentos.
§ 5° As Conferências de Saúde e os Conselhos de Saúde terão sua organização
e normas de funcionamento definidas em regimento próprio, aprovadas pelo
respectivo conselho.

Alinhando a lei e ampliando o seu conhecimento, veremos, um pouco


mais, a respeito da Participação Social, assistindo a um vídeo curto muito
importante que detalha o Controle Social no SUS.

DICAS

Assista ao vídeo Conselho Nacional de Saúde – Como Funciona o Controle


Social? https://www.youtube.com/watch?v=s-iN7Wwk_no.

FIGURA 16 – CONTROLE SOCIAL E PARTICIPAÇÃO POPULAR

FONTE: <http://postodesaudemariocovas.comunidades.net/controle-social-e-participacao-
popular Acesso 03/05/2020>. Acesso em: 6 nov. 2020.

99
UNIDADE 2 — AS LEGISLAÇÕES DO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE

A Lei n° 8.142/90 dispõe acerca da participação da comunidade na gestão


do Sistema Único de Saúde (SUS) e das transferências intergovernamentais
de recursos financeiros. Destaca, no Art. 2°: Os recursos do Fundo Nacional
de Saúde (FNS) serão alocados como: I- despesas de custeio e de capital do
Ministério da Saúde, seus órgãos e entidades, da administração direta e indireta;
II- investimentos previstos em lei orçamentária, de iniciativa do Poder Legislativo
e aprovados pelo Congresso Nacional; III- investimentos previstos no Plano
Quinquenal do Ministério da Saúde; IV- cobertura das ações e serviços de saúde
a serem implementados pelos Municípios, Estados e Distrito Federal e dá outras
providências. Importante saber que esses decretos e portarias têm enfrentado
desafios para sua implementação do SUS de forma descentralizada.

Para sabermos, caro acadêmico, como são direcionados os recursos para


financiar o SUS, no Art. 3° detalha melhor sobre no inciso IV do Art. 2°. São
repassados de forma regular e automática para os Municípios, Estados e Distrito
Federal, e de acordo com os critérios previstos no Art. 35 da Lei n° 8.080, de 19 de
setembro de 1990. A seguir poderemos conhecer:

§ 1° Enquanto não for regulamentada a aplicação dos critérios previstos


no art. 35 da Lei n° 8.080, de 19 de setembro de 1990, será utilizado, para o repasse
de recursos, exclusivamente, o critério estabelecido no § 1° do mesmo artigo.
§ 2° Os recursos referidos neste artigo serão destinados, pelo menos,
setenta por cento, aos Municípios, afetando-se o restante aos Estados.
§ 3° Os Municípios poderão estabelecer consórcio para execução de ações
e serviços de saúde, remanejando, entre si, parcelas de recursos previstos no
inciso IV do Art. 2° dessa lei.

Para que os interfederados possam receber os recursos no Art. 4° de que


trata o Art. 3° dessa lei, os Municípios, os Estados e o Distrito Federal deverão
contar com:

I- Fundo de Saúde;
II- Conselho de Saúde, com composição paritária, de acordo com o Decreto n°
99.438, de 7 de agosto de 1990;
III- plano de saúde;
IV- relatórios de gestão que permitam o controle de que trata o § 4° do Art. 33 da
Lei n° 8.080, de 19 de setembro de 1990;
V- contrapartida de recursos para a saúde no respectivo orçamento;
VI- comissão de elaboração do Plano de Carreira, Cargos e Salários (PCCS),
previsto o prazo de dois anos para sua implantação.

100
TÓPICO 3 — LEI Nº 8.142/90 NORMATIZAR AS TRANSFERÊNCIAS DE RECURSOS FINANCEIROS ENTRE OS ÓRGÃOS
INTERGOVERNAMENTAIS E A PARTICIPAÇÃO POPULAR E CONTROLE SOCIAL NO SUS

NOTA

Caro acadêmico, vamos detalhar e ampliar um pouco mais abaixo, sobre


Conselho, alinhando com as diretrizes citadas na Lei n° 8142/90 estudada anteriormente,
explicitando melhor o significado do conselho e seu objetivo além da função do conselheiro
e sua composição/formação dos conselhos:

Conselho de Saúde: É órgão colegiado, deliberativo e permanente do SUS, em


cada esfera de governo, integrante da estrutura básica do Ministério da Saúde, Secretaria de
Saúde dos Estados, DF e Municípios, com composição, organização e competência fixadas
na Lei n° 8.142/90. Com o objetivo de agregar legitimidade às ações do governo, criando
sustentabilidade aos programas e políticas propostas.

A função do Conselheiro é de relevância pública e não é remunerada, portanto,


garante sua dispensa do trabalho sem prejuízo durante as ações específicas do Conselho
de Saúde.

Como são formados os Conselhos? São formados por pessoas que frequentam e
trabalham na unidade de saúde, mas como é difícil ter todos presentes nas reuniões, são
eleitos representantes dos trabalhadores, dos usuários e o gestor.

As reuniões discutem os problemas locais, assim, é preciso ter a opinião de


quem dirige a unidade, de quem trabalha nela e de quem recebe os serviços, todos juntos
buscando soluções.

Composição dos atores sociais participantes:

- Usuários – são escolhidos por meio de votação realizada na unidade de saúde, pelos
moradores da região.
- Trabalhadores – são escolhidos por meio de votação ou aclamação realizada na unidade
de saúde, pelos trabalhadores dessa unidade.
- Gestores – o gerente é Conselheiro permanente e indica outros profissionais que possam
representá-lo nas reuniões, inclusive, com capacidade de decisão.

Portanto, grandes desafios são apontados aos conselhos, porém, é importante garantir
o caráter deliberativo do Conselho; a paridade real de obstáculos; o caráter deliberativo; que
cheguem, aos usuários, as decisões do Conselho; e a fiscalização e o controle por parte dos
movimentos populares, representatividade dos representantes, infraestrutura.

101
UNIDADE 2 — AS LEGISLAÇÕES DO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE

NOTA

Ações dos Conselheiros Municipais de Saúde

É muito importante sabermos, enquanto futuros profissionais da saúde, as ações


e objetivos dessa participação. Vamos lá?!

De acordo com a Lei n° 8.080/90 Resolução n° 33, as políticas de saúde e execução


dos serviços de saúde são alinhadas de acordo com princípios e diretrizes do SUS. Além de
atuar na formulação e controle das políticas de saúde, incluindo seus aspectos econômicos,
financeiros e de gerência técnico-administrativa.

1. Elaborar o Plano Municipal de Saúde. Traçar diretrizes de elaboração e aprovar o


Plano Municipal de Saúde, adequando-o à realidade epidemiológica do Município e à
Capacidade de Organização.
2. Organização, gerir e executar os serviços de saúde.
3. Fiscalizar e acompanhar o desenvolvimento das ações e dos serviços de saúde.
4. Elaborar relatórios trimestrais para divulgar a prestação de contas; analisar e aprovar prestação
de contas. Constituição Federal Brasileira. Art. 31 § 3° e na Lei n° 8.142/92 Lei n° 8.689/93.
5. Elaborar Relatório de Gestão; Analisar, discutir e aprovar o Relatório de Gestão Resolução 333.
6. Dispor de leis municipais de Vigilância à Saúde, Código Municipal de Saúde estabelecendo
sanções. Fiscalizar e controlar os serviços de saúde pública e privados conveniados
do Município. Documento de controle e avaliação, produção de serviços, resultados
alcançados, receitas, gastos. Lei n° 8.142/90.
7. Apresentar, ao C.M.S., documentos de compras de serviços complementares mediante
contratos e convênios. Avaliar e aprovar os contratos e convênios de acordo com as
diretrizes do Plano Municipal de Saúde. C.F. 197, Lei n° art. 18, XI.
8. Promover a organização técnico-administrativa dos conselhos; Reivindicar, do gestor
municipal, as condições básicas para funcionamento dos conselhos. Local/Sede própria para
funcionamento. Equipamentos/materiais para conselhos. Instrumentos de comunicação
– Telefones, rádio, boletins/jornal. Fichas de cadastro dos Conselheiros. Decretos, leis,
regimentos estrutura de organização/cargos. Secretaria, comissões técnicas, ouvidor geral,
câmaras técnicas, Resolução n° 33, 23/12/1992, Resolução n° 333, 04/11/2003.

Diante de tudo isso, para facilitar o seu entendimento e se aproximar mais dessa
realidade, visualizaremos uma reunião do Conselho de Saúde.

102
TÓPICO 3 — LEI Nº 8.142/90 NORMATIZAR AS TRANSFERÊNCIAS DE RECURSOS FINANCEIROS ENTRE OS ÓRGÃOS
INTERGOVERNAMENTAIS E A PARTICIPAÇÃO POPULAR E CONTROLE SOCIAL NO SUS

FIGURA 17 – REUNIÃO DO CONSELHO DE SAÚDE

FONTE: <http://www.santaonline.com.br/gnet/secao/noticia/noticia_gnet.
asp?id=401&idNoticia=23015>. Acesso em: 4 maio 2020.

Acompanhe, a seguir, uma charge crítica da reunião de Conselho,


apresentando uma figura antidemocrática, sem participação ativa da população
nas ações e decisões da saúde na comunidade. Nela, contém o NÃO exercício
da cidadania no processo democrático do Estado livre. Você, futuro profissional
da saúde, lendo esta unidade, entenderá o seu papel e a sua participação para
melhoria do cuidado em saúde da comunidade.

FIGURA 18 – CHARGE SOBRE REUNIÃO DO CONSELHO DE SAÚDE

FONTE: <https://www.ataqueaoscofrespublicos.com/noticias/presidente-do-conselho-de-
saude-e-alvo-de-representacao-no-mp/>. Acesso em: 4 maio 2020.

DICAS

Você sabia que as Ouvidorias do SUS são espaços em que a população pode
propor melhorias, sugestões, reclamações e eventuais denúncias? Acesse o serviço pelo
Disque-Saúde: 136.

103
UNIDADE 2 — AS LEGISLAÇÕES DO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE

Diante disso, vamos detalhar melhor para você entender a ouvidoria, a


legislação para o funcionamento e objetivos.

3 O QUE É A OUVIDORIA-GERAL DO SUS?


A Ouvidoria-geral do Sistema Único de Saúde (OUVSUS) é o setor
responsável por receber reclamações, denúncias, sugestões, elogios e demais
manifestações dos cidadãos quanto aos serviços e atendimentos prestados pelo
SUS. Tem, como objetivos principais, garantir e ampliar o acesso do cidadão
na busca efetiva dos seus direitos, atuando enquanto ferramenta de gestão e
instrumento de fortalecimento do controle social.

Para garantir os seus direitos, o usuário poderá apresentar manifestações


perante a administração pública acerca da prestação de serviços públicos, as
quais serão dirigidas à ouvidoria do órgão. Para isso, a OUVSUS disponibiliza
os seguintes canais de atendimento: telefone (Disque Saúde 136), internet, carta
e atendimento presencial.

Para a melhoria da prestação dos serviços ofertados pelo SUS, o aspecto


determinante a ser considerado se relaciona à forma de atuação das ouvidorias,
que confirmam o elo entre o cidadão e a administração pública federal ao
receber, examinar e encaminhar as diversas manifestações recebidas.

Nessa perspectiva, a OUVSUS busca ampliar e consolidar a Rede de


Ouvidorias do SUS, isto é, ouvidorias que compartilhem a mesma concepção de
trabalho, contribuindo para que a gestão e a sociedade, em parceria, lutem por
serviços de qualidade.

3.1 COMO FALAR COM A OUVIDORIA-GERAL DO SUS?


A Ouvidoria-Geral do SUS disponibiliza os seguintes canais:

• Internet: Formulário Web
• Telefone – 136 (ligação gratuita)

O Disque Saúde 136 funciona de segunda-feira até sexta-feira, das 8 às


20 horas, e, aos sábados, das 8 às 18h. O cidadão pode falar diretamente com
o atendente. Fora desses horários, as informações são disponibilizadas pela
Unidade de Resposta Audível (URA), com informações gravadas.

104
TÓPICO 3 — LEI Nº 8.142/90 NORMATIZAR AS TRANSFERÊNCIAS DE RECURSOS FINANCEIROS ENTRE OS ÓRGÃOS
INTERGOVERNAMENTAIS E A PARTICIPAÇÃO POPULAR E CONTROLE SOCIAL NO SUS

3.2 QUANDO PROCURAR A OUVIDORIA DO SUS?


A manifestação deve ser registrada sempre que o cidadão:

• Solicitar assistência (Ex.: consultas, atendimentos, tratamentos, exames,


medicamentos).
• Relatar uma insatisfação (Ex.: insatisfação com algum profissional de saúde,
demora no atendimento, falta de material na unidade de saúde, falta de
medicamento etc.).
• Denunciar uma irregularidade (Ex.: Não cumprimento de carga horária
pelo profissional de saúde, cobrança por procedimentos cobertos pelo SUS,
negligência médica etc.).
• Obter uma instrução, orientação, esclarecimento ou ensinamento relacionado à
saúde (Ex.: Funcionamento do SUS, como conseguir medicamentos pelo SUS,
Sistema de Regulação etc.).
• Registrar elogios e/ou sugestões relacionados à saúde (Ex.: elogiar o
atendimento recebido/o profissional que o atendeu, sugerir a inclusão de
medicamento no SUS/contratação de profissionais etc.).

3.3 SISTEMA NACIONAL DE OUVIDORIAS DO SUS


A promoção e a estruturação de canais abertos e acessíveis de comunicação
com a população são fundamentais. Por essa razão, é compromisso, dos gestores
do SUS, a implementação de ouvidorias estruturadas e articuladas entre si, nas três
esferas de governo, voltadas à inserção dos cidadãos nos processos de formulação,
de acompanhamento, de avaliação e de controle das políticas públicas de saúde.

O processo de organização sistêmica das Ouvidorias do SUS, instituídas


pelos entes federados, teve início em 2007, com a utilização do Sistema
Informatizado Ouvidor SUS, regulamentado atendeu à necessidade de
comunicação eficaz entre as Ouvidorias do SUS.

Todos os estados da Federação contam com Ouvidorias do SUS


implantadas. O esforço, atualmente, é expandir sua implantação no âmbito
municipal. O sistema OuvidorSUS, regulamentado pela Portaria n° 8, de 25
de maio de 2007, é desenvolvido, especialmente, para as Ouvidorias do SUS.
Elaborado pela OUVSUS e desenvolvido pelo Departamento de Informática do
SUS (DATASUS), o sistema permite a disseminação de informações, o registro
e o encaminhamento das manifestações. É uma ferramenta importante para o
processo de descentralização das Ouvidorias, pois, além de melhorar os fluxos
de trabalho, proporciona autonomia à Ouvidoria para criação de redes de
relacionamento que agilizem os serviços em prol do cidadão.

105
UNIDADE 2 — AS LEGISLAÇÕES DO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE

DICAS

Caro acadêmico, é importante você acessar a Cartilha da Ouvidoria do SUS –


vide abaixo, para maiores informações e aprofundamento desse tema tão importante.

Tem a finalidade de um espaço de cidadania. Nela, o cidadão terá informações dos


objetivos, do acesso e da utilização da Ouvidoria. Está curioso para conhecer melhor para
entender melhor a Ouvidoria e o seu papel para a cidadania, através da cartilha? Entre no
endereço a seguir, com o link http://www.saude.gov.br/images/pdf/2014/abril/22/cartilha-
ouvidoria-do-sus-2014.pdf.

CARTILHA DA OUVIDORIA DO SUS

FONTE: <http://www.saude.gov.br/images/pdf/2014/abril/22/cartilha-ouvidoria-do-
sus-2014.pdf>. Acesso em: 15 maio 2020.

4 CONTROLE SOCIAL E O SUS


Por que precisamos do Controle Social para melhorar os serviços de
saúde? Vamos entender melhor? O Conselho Nacional de Saúde, ao reestruturar
as Diretrizes Nacionais para o Processo de Educação Permanente no Controle
Social do Sistema Único de Saúde, dá um passo importante na valorização da
saúde no Brasil. É, de responsabilidade do CNS, elaborar, em conjunto com o
Ministério da Saúde, a Política Nacional de Educação Permanente para o Controle
Social do SUS. Os reconhecimentos da rica diversidade regional do país, com suas
especificidades locais, estabelecem e incentivam que os Conselhos Municipais e
Estaduais de Saúde também elaborem suas políticas e planos de ação, apoiados
pelos gestores municipais e estaduais.

106
TÓPICO 3 — LEI Nº 8.142/90 NORMATIZAR AS TRANSFERÊNCIAS DE RECURSOS FINANCEIROS ENTRE OS ÓRGÃOS
INTERGOVERNAMENTAIS E A PARTICIPAÇÃO POPULAR E CONTROLE SOCIAL NO SUS

Caro acadêmico, é preciso recapitular o artigo 196: Saúde é direito de todos.


É dever, do Estado, garantir a saúde por meio de políticas sociais e econômicas.
O objetivo é reduzir o risco de doença com acesso universal e igualitário às ações
de proteção e recuperação.

ARTIGO 197: Cabe, ao poder público, regulamentar, fiscalizar e controlar


o sistema de saúde, devendo, a sua execução, ser feita diretamente ou por meio
de terceiros.

ARTIGO 198: As ações e os serviços públicos de saúde integram uma


rede regionalizada e hierarquizada, constituindo um sistema único organizado
pelas seguintes diretrizes: descentralização e atendimento integral, com
prioridade para as atividades preventivas. O Sistema Único de Saúde será
financiado com recursos da Seguridade Social, da União, dos Estados e dos
Municípios e outras fontes.

ARTIGO 199: A assistência à saúde é livre à iniciativa privada, que


poderá complementar o SUS.

ARTIGO 200: O SUS deve controlar e fiscalizar procedimentos, produtos


e substâncias de interesse para a saúde. Participar da produção de medicamentos
e equipamentos. Executar as ações das vigilâncias sanitária e epidemiológica.
Ordenar a formação de recursos humanos.

FIGURA 19 – A SAÚDE COMO DIREITO DE TODOS

FONTE: <https://ctb.org.br/noticias/brasil/so-tem-direitos-na-constituicao-cidada-nao-tem-
direitos-la-diz-ministro-interino-da-saude/>. Acesso em: 9 maio 2020.

Caro acadêmico, faz-se necessário recapitularmos, apesar de sabermos


que você já estudou nos Tópicos 1 e 2, a Lei n° 8.080/90, que instituiu o Sistema
Único de Saúde. É constituído pelo conjunto de ações e serviços de saúde,
prestados por órgãos e instituições públicas federais, estaduais e municipais, da
administração direta e indireta e das fundações mantidas pelo poder público. A
iniciativa privada participa do Sistema Único de Saúde em caráter complementar.

107
UNIDADE 2 — AS LEGISLAÇÕES DO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE

Assista ao vídeo que disparará, em você, o entendimento diante das


legislações.

DICAS

Assista ao vídeo Saúde: Direito de Todos e Dever do Estado: https://www.


youtube.com/watch?v=DdSpYCODcIo.

As ações, os serviços públicos de saúde e os serviços privados contratados


ou conveniados que integram o SUS são desenvolvidos de acordo com as
diretrizes previstas no artigo 198 da Constituição Federal vigente, obedecendo
aos princípios organizativos e doutrinários:

• Universalidade de acesso aos serviços de saúde em todos os níveis de assistência.


• Integralidade de assistência.
• Equidade.
• Descentralização político-administrativa com direção única em cada esfera de
governo.
• Conjugação dos recursos financeiros, tecnológicos, materiais e humanos
da união dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios na prestação de
serviços de assistência à saúde da população.
• Participação da comunidade.
• Regionalização e hierarquização.

A Lei n° 8.080/90 trata: 

(a) da organização, da direção e da gestão do SUS;


(b) das competências e atribuições das três esferas de governo;
(c) do funcionamento e da participação complementares dos serviços privados
de assistência à saúde;
(d) da política de recursos humanos;
(e) dos recursos financeiros, da gestão financeira, do planejamento e do orçamento.

No texto-base, é dito que dispõe sobre as condições para a promoção,


proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços
correspondentes e aqui reforçamos que, apesar de conhecida como Lei do SUS ou
legislação do SUS, a Lei n° 8080 regula não apenas o atendimento nos hospitais
públicos, mas também aquele promovido na rede particular.

O artigo segundo da lei diz que a saúde é um direito fundamental do ser


humano, devendo, o Estado, prover as condições indispensáveis ao seu pleno
exercício. Assim, os principais itens regulados que você verá neste resumo da Lei
n° 8080 do SUS são:

108
TÓPICO 3 — LEI Nº 8.142/90 NORMATIZAR AS TRANSFERÊNCIAS DE RECURSOS FINANCEIROS ENTRE OS ÓRGÃOS
INTERGOVERNAMENTAIS E A PARTICIPAÇÃO POPULAR E CONTROLE SOCIAL NO SUS

5 PRINCÍPIOS E DIRETRIZES DO SUS


• As responsabilidades de cada uma das esferas do governo.
• A estrutura e a governança do SUS.
• A participação complementar da esfera privada.

Para fazer isso, a Lei n° 8.080 estabelece normas, deveres e obrigações para
o Estado em suas várias esferas e para a iniciativa privada, que deve atuar de
forma complementar ao serviço público.

É importante compreender a abrangência da lei, seu âmbito nacional, que


ela dispõe não apenas da regulamentação para a saúde corretiva como se poderia
imaginar, mas que norteia vários aspectos da saúde preventiva e chega, também,
ao cunho social.

Aspectos gerais da lei e com base nos seus principais artigos:

• A lei regula os serviços de saúde em todo o território nacional, em caráter


permanente ou eventual, na esfera pública e privada.
• Ela determina que a saúde seja um direito fundamental do ser humano e
estabelece a obrigatoriedade do Estado de fornecê-la.
• A saúde não se limita ao tratamento médico, mas também compreende fatores,
como a alimentação, a moradia, o saneamento básico, o meio ambiente, o trabalho,
a renda, a educação, o transporte, o lazer e o acesso aos bens e serviços essenciais.
• O SUS é definido como o conjunto de ações e serviços de saúde, prestados por
órgãos e instituições públicas federais, estaduais e municipais, da administração
direta e indireta e das fundações mantidas pelo poder público.

A saúde, portanto, integra itens, como alimentação, moradia, meio


ambiente, saneamento básico, condições de trabalho e renda, meios de transporte
e lazer, já que entende que a saúde pública não se limita aos serviços providos por
médicos e enfermeiros, mas pela promoção do bem-estar físico, além do mental
e do social.

A legislação do SUS atualizada estabelece, também, os objetivos da saúde


brasileira, e define atribuições:

• A identificação e a divulgação dos fatores condicionantes e determinantes da


saúde.
• A formulação de política de saúde destinada a promover, nos campos
econômicos e sociais, a observância do disposto no § 1° do art. 2° desta lei.
• A assistência às pessoas por intermédio de ações de promoção, proteção e
recuperação da saúde, com a realização integrada das ações assistenciais e das
atividades preventivas.

109
UNIDADE 2 — AS LEGISLAÇÕES DO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE

Neste artigo da Lei n° 8080 do SUS, é possível entender por que a lei


existe e para que ela serve. Ela é uma espécie de missão da legislação do SUS
atualizada. Observe que cabe, ao sistema de saúde, identificar e divulgar os
fatores condicionantes e determinantes de saúde, ou seja, identificar quais são
os problemas, quais são os desafios para a saúde e tornar isso algo conhecido
de todos.

Em seguida, a lei diz que é preciso formular políticas, ou seja, criar


condições para que esses problemas sejam resolvidos, além de executar ações
condizentes com essas políticas. Isso reforça o conceito de um sistema que não
se limita a tratar de doenças já contraídas, mas à prevenção de doenças e à
promoção da qualidade de vida.

Na prática, fica claro que a lei não regula apenas o funcionamento de


hospitais e postos de saúde, mas trabalha, também, com todos os itens necessários
para a prevenção de problemas de saúde e a promoção de uma melhor qualidade
de vida.

Por vigilância, também se deve observar as necessidades de fiscalização


e observação constantes de fatores permanentes ou transitórios que possam vir
a colocar a saúde da população em risco. Como diz o texto da lei do SUS, esses
fatores podem ser de vigilância sanitária, epidemiológica e até das condições
do trabalho. É função da saúde realizar a fiscalização de fatores individuais ou
coletivos que coloquem em risco as condições de saúde, além de executar ações
para corrigir os problemas encontrados.

O artigo sexto ainda cita: são direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho,
a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e
à infância, a assistência aos desamparados na forma desta Constituição, incluindo
informações da participação do SUS:

• Na formulação da política e na execução de serviços de saneamento básico.


• Na ordenação da formação de recursos humanos na área da saúde.
• Na vigilância nutricional e na orientação alimentar.
• Na colaboração e na proteção do meio ambiente e do ambiente de trabalho.
• Na formulação da política que controla a produção de medicamentos,
imunológicos e outros insumos necessários para o funcionamento da saúde.

110
TÓPICO 3 — LEI Nº 8.142/90 NORMATIZAR AS TRANSFERÊNCIAS DE RECURSOS FINANCEIROS ENTRE OS ÓRGÃOS
INTERGOVERNAMENTAIS E A PARTICIPAÇÃO POPULAR E CONTROLE SOCIAL NO SUS

FIGURA 20 – ARTIGO 6 – DIREITOS SOCIAIS

Art. 6o. São direitos sociais

• a educação
• a saúde
• o trabalho
• a moradia
• o lazer
• a segurança
• a previdência social
• a proteção à maternidade e à infância
• a assistência aos desamparados

na forma desta Constituição.

FONTE: <http://profemarli.comunidades.net/deu-a-louca-no-mundo>. Acesso em: 9 maio 2020.

Os Direitos Sociais, além de ser uma questão certa de prova dos próximos
certames, é motivo de abraçar a causa e divulgar esse novo princípio, garantindo,
àquelas que sofrem a tão terrível violência doméstica, um serviço especializado,
no nível da prevenção terciária.

Esse avanço jurídico não descarta e nem minimiza a importância da


luta contra a violência doméstica, mas nos traz a certeza de que o sistema, que
é universal, tem, por obrigação, estruturar-se para prover e fazer cumprir mais
esse princípio organizativo.

Dispõe sobre a participação da comunidade na gestão do Sistema Único


de Saúde – SUS e sobre as transferências intergovernamentais de recursos
financeiros na área da saúde, e dá outras providências.

O  controle social é um processo no qual a população participa, por


meio de representantes, da definição, execução e acompanhamento de políticas
públicas, as políticas de governo.

A saúde tem sido referida como o bem mais precioso de uma nação,
sendo responsabilidade de todos – Estado e sociedade. Nessa estrutura, de um
lado, está a emergência das necessidades da população em relação à saúde, e, do

111
UNIDADE 2 — AS LEGISLAÇÕES DO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE

outro, a intervenção do Estado, definindo estratégias de ações em resposta a essas


necessidades, destacando-se, nesse processo, o andamento dos fatos políticos e
econômicos, que ora levam a avanços, ora a retrocessos nas políticas de saúde do
nosso país.

O controle social pode ser entendido como a fiscalização direta da sociedade


civil nos processos de gestão pública, sociedade organizada, meios e instrumentos de
planejamento, fiscalização e análise das ações e serviços de saúde.

O controle social traz a possibilidade de a sociedade civil interagir com


o governo para estabelecer prioridades e definir políticas de saúde que atendam
às necessidades da população, tendo, como estratégia, para a sua viabilização,
os canais de participação institucional, como os conselhos de saúde e as
conferências de saúde.

A Lei n° 8.142/1990, resultado da luta pela democratização dos serviços


de saúde, representa uma vitória significativa. A partir desse marco legal, foram
criados os Conselhos e as Conferências de Saúde como espaços vitais para o
exercício do controle social do Sistema Único de Saúde (SUS).

Quando se conquista esses espaços de atuação da sociedade na lei, começa


a luta para garanti-los na prática. Os Conselhos de Saúde foram constituídos para
formular, fiscalizar e deliberar a respeito das políticas de saúde. Deliberar acerca
das políticas de saúde é uma grande conquista da sociedade.

Garantir a implementação das deliberações é uma disputa permanente


em defesa do SUS. É por isso que a promoção do conhecimento da saúde no país
e o papel dos Conselhos de Saúde geram o fortalecimento do SUS.

O Conselho Nacional de Saúde, ao reestruturar as Diretrizes Nacionais


para o Processo de Educação Permanente no Controle Social do Sistema Único
de Saúde, dá um passo importante na valorização da saúde no Brasil. É de
responsabilidade, do CNS, elaborar, em conjunto com o Ministério da Saúde,
a Política Nacional de Educação Permanente para o Controle Social do SUS. O
reconhecimento da rica diversidade regional do país, com suas especificidades
locais, estabelece e incentiva que os Conselhos Municipais e Estaduais de Saúde
também elaborem suas políticas e planos de ação, apoiados pelos gestores
municipais e estaduais (BRASIL, 2006).

Após ter estudado, mais detalhadamente, a legislação, que melhora e


amplia seu conhecimento enquanto futuro profissional, convidamos você a
acessar a leitura do Caderno dos Pactos pela Vida em Defesa do SUS e da Gestão.

112
TÓPICO 3 — LEI Nº 8.142/90 NORMATIZAR AS TRANSFERÊNCIAS DE RECURSOS FINANCEIROS ENTRE OS ÓRGÃOS
INTERGOVERNAMENTAIS E A PARTICIPAÇÃO POPULAR E CONTROLE SOCIAL NO SUS

DICAS

Caro acadêmico, acesse gratuitamente a seguir, no link:


http://conselho.saude.gov.br/webpacto/index.htm>. Acesso em: 9 maio 2020

CADERNO PACTOS PELA VIDA EM DEFESA DO SUS E DA GESTÃO

FONTE: <http://conselho.saude.gov.br/webpacto/index.htm>. Acesso em: 9 maio 2020.

O Pacto pela Saúde de 2006 vem com uma nova proposta de organização


do sistema, de uma gestão compartilhada e solidária, considerando as diferenças
regionais, a organização de regiões sanitárias, de modo a garantir um atendimento
integral de qualidade ao indivíduo. Promove, também, mecanismos de cogestão
e planejamento regional, fortalece o controle social, e vem com uma proposta de
cooperação técnica entre os gestores.

Esse pacto estabelece uma lógica de cooperação, com Financiamento


Tripartite estimulado a partir de critérios de equidade, ou seja, considerando
diferenças regionais dentro do nosso país, para que seja feita a transferência dos
recursos financeiros.

NOTA

O Pacto pela Saúde tem duas legislações fundamentais que são duas portarias
que você não pode deixar de estudar. A primeira é a referência é BRASIL. Ministério da
Saúde .Portaria n° 399/GM, de 22 fevereiro de 2006. Brasília: Ministério da Saúde, 23 fev
2006. Seção 1, p . 43-51.

113
UNIDADE 2 — AS LEGISLAÇÕES DO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE

Essa portaria organiza o pacto pela saúde nas suas três dimensões:

• Pacto pela vida.


• Pacto em defesa do SUS.
• Pacto de gestão do SUS.

O Pacto pela vida diz respeito ao compromisso da prioridade do pacto


com a saúde da população. Nesse pacto, nós discutiremos indicadores e metas
para a mudança de situação da saúde.

Pacto em defesa do SUS: o próprio nome diz, “em defesa do SUS”. Vem
com uma força ideológica para resgatar um sistema de saúde que foi criado na
década de 1980 e que precisa, a cada dia, ser fortalecido, principalmente, pelo
controle social e garantia dos recursos financeiros.

FIGURA 21 – PACTO PELA SAÚDE – SUS

FONTE: <https://www.sabedoriapolitica.com.br/products/pacto-pela-saude/>. Acesso em: 15 jan. 2021.

DICAS

Caro acadêmico, assista a um vídeo explicativo do Pacto pela Saúde (2006)


– Pacto pela Vida, Pacto em Defesa do SUS, Pacto pela Gestão do SUS. Esse vídeo, de
alguns minutos, explica, de forma clara, o caráter educativo criado pelas graduandas de
odontologia da UEPB, na disciplina Qualidade e Gestão de Saúde: https://www.youtube.
com/watch?v=huOP2zVnlq8.

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TÓPICO 3 — LEI Nº 8.142/90 NORMATIZAR AS TRANSFERÊNCIAS DE RECURSOS FINANCEIROS ENTRE OS ÓRGÃOS
INTERGOVERNAMENTAIS E A PARTICIPAÇÃO POPULAR E CONTROLE SOCIAL NO SUS

FIGURA 22 – VÍDEO EXPLICATIVO PACTO PELA SAÚDE (2006)

Pacto pela Vida, Pacto em defesa do SUS, Pacto pela Gestão do SUS.

FONTE: <https://www.youtube.com/watch?v=huOP2zVnlq8>. Acesso em: 9 maio 2020.

O  Pacto de Gestão do SUS  define responsabilidades sanitárias para os


gestores, criando novos espaços de cogestão.

O estado de justiça social, com bem-estar coletivo, só acontecerá quando, pelo


processo democrático, cada pessoa assumir o controle da sociedade e do Estado, pela
participação ativa, pela consciência e práticas plenas de deveres e direitos.

 Assim, o SUS contribui para uma visão ampliada de cidadania, identificando


o usuário como “membro de uma comunidade organizada com direitos e deveres”,
diferente de uma mera visão de “consumidor de bens e serviços”.

Essas leis constituem uma estratégia de extrema importância para o


processo de descentralização da saúde, reafirmando e fortalecendo que a saúde
é direito de todos, através da Constituição Federal, especialmente, pela Lei n°
8080/90, que dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação
da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes e dá
outras providências.

6 A NORMA OPERACIONAL BÁSICA/SUS


Vamos conhecer, também, outra legislação do SUS, que regulamenta e
operacionaliza os fundos nas três esferas de governo, objetivando a melhoria da
qualidade do atendimento no SUS.

NOBs 1993 e 1996 – As NOBs definem as competências de cada esfera


de governo e as condições necessárias para que Estados e Municípios possam
assumir as responsabilidades dentro do sistema. São instrumentos utilizados
para a definição de estratégias a partir da avaliação periódica de implantação
e desempenho do SUS. Embora o instrumento que formaliza a norma seja uma
portaria do Ministério da Saúde, o seu conteúdo é definido de forma pactuada
entre o Ministério da Saúde e representantes dos Conselhos.

115
UNIDADE 2 — AS LEGISLAÇÕES DO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE

Os objetivos da NOB/SUS eram induzir e estimular mudanças;


aprofundar e reorientar a implementação do SUS; definir novos objetivos
estratégicos, prioridades, diretrizes e movimentos táticos operacionais; regular
as relações entre seus gestores; e normalizar o SUS.

A edição das Normas Operacionais Básicas (NOBs) trata das normas


operacionais para o funcionamento e operacionalização do SUS, de competência
do Ministério da Saúde, tendo sido editadas até hoje: a Norma Operacional de
Assistência à Saúde - NOAS-SUS 01/01 - publicada por meio da Portaria MS/GM
n° 95, de janeiro de 2001. Vamos detalhar melhor as normas a seguir:

- NOB 01/91: definia o repasse direto e automático de recursos do fundo


nacional aos fundos estaduais e municipais de saúde, sendo 50% por critérios
populacionais e os outros 50% segundo o perfil epidemiológico e demográfico,
a capacidade instalada e a complexidade da rede de serviços de saúde,
a contrapartida financeira etc. Redefiniu toda a lógica de financiamento
e, consequentemente, de organização do SUS, instituindo um sistema de
pagamento por produção de serviços que permanece, em grande parte,
vigorando até hoje.
- NOB 01/93: criou critérios e categorias diferenciadas, gestão para a habilitação
dos Municípios, e, segundo o tipo de gestão implantado (incipiente, parcial,
semiplena), surgiriam critérios também diferenciados de formas de repasse
dos recursos financeiros
- NOB-SUS 01/96:  representa um avanço importante no modelo de gestão do
SUS, principalmente, no que se refere à consolidação da municipalização.
Revoga os modelos anteriores de gestão propostos nas NOB anteriores (gestão
incipiente, parcial e semiplena), e propõe, aos municípios, enquadrarem-se
em dois novos modelos: Gestão Plena de Atenção Básica e Gestão Plena do
Sistema Municipal, conforme pode ser visto a seguir:

116
TÓPICO 3 — LEI Nº 8.142/90 NORMATIZAR AS TRANSFERÊNCIAS DE RECURSOS FINANCEIROS ENTRE OS ÓRGÃOS
INTERGOVERNAMENTAIS E A PARTICIPAÇÃO POPULAR E CONTROLE SOCIAL NO SUS

QUADRO 1 – MODELOS DE GESTÃO

GESTÃO PLENA DE ATENÇÃO BÁSICA GESTÃO PLENA DO SISTEMA MUNICIPAL


Elaboração de programação municipal dos Elaboração de programação municipal dos
serviços básicos, inclusive, domiciliares e serviços básicos, inclusive, domiciliares e
comunitários, e das propostas de referências comunitários, e das propostas de referências
ambulatorial, especializada e hospitalar ambulatorial, especializada e hospitalar
Gerência de unidades próprias, ambulatoriais e
Gerência de unidades ambulatoriais próprias
hospitalares, inclusive, as de referência
Gerência das unidades ambulatoriais do Estado Gerência das unidades ambulatoriais e
e/ou da União hospitalares do Estado e/ou da União
Introduzir a prática do cadastramento nacional Introduzir a prática do cadastramento nacional
dos usuários do SUS dos usuários do SUS
Prestação dos serviços relacionados aos
Prestação dos serviços ambulatoriais e
procedimentos cobertos pelo PAB para todos
hospitalares para todos os casos de referência
os casos de referência interna ou externa ao
interna ou externa ao Município
Município
Normalização e operação de centrais de
 
procedimentos ambulatoriais e hospitalares
Contratação, controle, auditoria e pagamento
Contratação, controle, auditoria e pagamento
aos prestadores de serviços ambulatoriais e
aos prestadores dos serviços contidos no PAB
hospitalares
Operação do SIA/SUS, conforme normas do MS, Operação do SIH e do SIA/SUS, conforme
e alimentação, junto às SES, dos bancos de dados normas do MS, e alimentação, junto às SES, dos
de interesse nacional bancos de dados de interesse nacional
Autoriza AIH e Proced. Ambulatoriais Autoriza, fiscaliza e controla as AIH e Proced.
Especializados Ambulatoriais Especializados e de alto custo
Execução de ações de vigilância sanitária e de Execução de ações de vigilância sanitária e de
epidemiologia epidemiologia

FONTE: Adaptado de NOB (1996)

Uma das alterações importantes da NOB 96 foi a forma de repasse dos


recursos financeiros do governo federal para os Municípios, que passa a ser
feito com base em um valor fixo per capita (Piso Assistencial Básico – PAB) e
não mais vinculado à produção de serviços, o que possibilita, aos Municípios,
desenvolverem novos modelos de atenção à saúde da população.

7 RESOLUÇÃO 333/2003
Caro acadêmico, vamos conhecer mais essa resolução, pois temos certeza
de que também ampliará seu entendimento e reforçará o papel e a importância
do Conselho. Vamos lá?!

117
UNIDADE 2 — AS LEGISLAÇÕES DO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE

A Resolução 333, do Conselho Nacional de Saúde, de novembro de 2003,


aprova as diretrizes para criação, reformulação, estruturação e funcionamento dos
Conselhos de Saúde. Disponível em: Terceira Diretriz. O número de conselheiros
será indicado pelos Plenários dos Conselhos de Saúde e das Conferências de Saúde,
devendo ser definido em Lei.

As vagas deverão ser distribuídas da seguinte forma: 50% de entidades de


usuários; 25% de entidades dos trabalhadores de saúde; c) 25% de representação
de governo, de prestadores de serviços privados conveniados ou sem fins
lucrativos.

Segunda Diretriz: a criação dos Conselhos de Saúde é estabelecida por lei


municipal, estadual ou federal, com base na Lei n° 8.142/90.

Terceira Diretriz:
Poderão ser contempladas, dentre outras, as seguintes representações:
a) de associações de portadores de patologias;
b) de associações de portadores de deficiências;
c) de entidades indígenas;
d) de movimentos sociais e populares organizados;
e) movimentos organizados de mulheres na saúde;
f) de entidades de aposentados e pensionistas;
g) de entidades congregadas de sindicatos, centrais sindicais, confederações e
federações de trabalhadores urbanos e rurais;
h) de entidades de defesa do consumidor;
i) de organizações de moradores;
j) de entidades ambientalistas;
k) de organizações religiosas;
l) de trabalhadores da área da saúde: associações, sindicatos, federações,
confederações e conselhos de classe;
m) da comunidade científica;
n) de entidades públicas, de hospitais universitários e hospitais campo de
estágio, de pesquisa e desenvolvimento;
o) de entidades patronais;
p) de entidades dos prestadores de serviço de saúde;
q) de Governo.

Para entender a Quarta diretriz melhor, vamos explicitar sobre o mandato


dos conselheiros será definido no Regimento Interno do Conselho, não devendo
coincidir com o mandato do Governo Estadual, Municipal, do Distrito Federal
ou do Governo Federal, sugerindo-se a duração de dois anos, podendo, os
conselheiros, serem reconduzidos, a critério das respectivas representações. As
decisões do Conselho de Saúde serão adotadas mediante quórum mínimo da
metade mais um dos seus integrantes.

118
TÓPICO 3 — LEI Nº 8.142/90 NORMATIZAR AS TRANSFERÊNCIAS DE RECURSOS FINANCEIROS ENTRE OS ÓRGÃOS
INTERGOVERNAMENTAIS E A PARTICIPAÇÃO POPULAR E CONTROLE SOCIAL NO SUS

8 COMPETÊNCIA DOS CONSELHOS DE SAÚDE


Resolução n° 333/2003 Quinta Diretriz: Avaliar, explicitando os critérios
utilizados, a organização e o funcionamento do Sistema Único de Saúde – SUS.
Avaliar e deliberar sobre contratos e convênios, conforme as diretrizes dos Planos
de Saúde Nacional, Estaduais, do Distrito Federal e Municipais. Aprovar a
proposta orçamentária anual da saúde, tendo em vista as metas e prioridades
estabelecidas na Lei de Diretrizes Orçamentárias (artigo 195, § 2° da Constituição
Federal), observado o princípio do processo de planejamento e orçamentação
(artigo 36 da Lei n° 8.080/90).

Quinta Diretriz:
COMPETÊNCIA DOS CONSELHOS DE SAÚDE

Propor critérios para programação e execuções financeira e orçamentária


dos Fundos de Saúde e acompanhar a movimentação e destinação dos recursos.
Fiscalizar e controlar gastos e deliberar sobre critérios de movimentação de
recursos da Saúde, incluindo o Fundo de Saúde e os transferidos e próprios
do Município, Estado, Distrito Federal e da União. Analisar, discutir e aprovar
o relatório de gestão, com a prestação de contas e informações financeiras,
repassadas em tempo hábil aos conselheiros, além do devido assessoramento. 

A cada três meses, deverá constar das pautas e assegurado o


pronunciamento do gestor das respectivas esferas de governo, para que faça
prestação de contas em relatório detalhado contendo, por exemplo, andamento
da agenda de saúde pactuada, relatório de gestão, dados do montante e a forma
de aplicação dos recursos, as auditorias iniciadas e concluídas no período, além
da produção e da oferta de serviços na rede assistencial própria contratada ou
conveniada, destacando-se o grau de congruência com os princípios e diretrizes
do SUS.

Os Conselhos de Saúde, desde que com a devida justificativa, buscarão


auditorias externas e independentes, acerca das contas e atividades do gestor
do SUS, ouvido o Ministério Público. Vamos, então, entender melhor, através de
um resumo, caro acadêmico, a partir do detalhamento das leis e resoluções do
controle social.

Segundo a Resolução n° 333/2003, demarca, como competência dos


Conselhos de Saúde, o estabelecimento de ações de informação, educação e
comunicação em saúde e divulgação das funções e competências do Conselho de
Saúde, seus trabalhos e decisões para todos os meios de comunicação, incluindo
informações das agendas, datas e local das reuniões (BRASIL, 2003). Tais papéis
garantem, aos usuários, total conhecimento do Sistema de Saúde que assegurem
seus direitos.

119
UNIDADE 2 — AS LEGISLAÇÕES DO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE

Os Conselhos de Saúde se integram como novos espaços públicos


adequados pela reestruturação do Estado, capturada pelas forças políticas com
base no pressuposto de que a participação da comunidade deva ser aceita pelo
Estado como método de controle social e interferência na definição e desempenho
das políticas públicas. Dessa forma, com o estabelecimento dos conselhos, o
controle social adota um lugar estratégico na elucidação e realização das políticas
de saúde brasileiras (OLIVEIRA, 2004; GUIZARDI; PINHEIRO, 2006).

O controle social, definido como princípio organizativo do Sistema


Único de Saúde, é um método de democratizar o direito à saúde, colocando os
usuários como um dos principais definidores das estratégias a serem traçadas
para a formulação de políticas públicas, voltadas para a promoção da saúde. A
construção de espaços que pratiquem tais ações deve ser feita com qualidade,
buscando não só o interesse individual, mas a realização de tomada de decisões
de caráter coletivo e de forma democrática. Logo, é imprescindível que os
Conselheiros sejam aptos nas suas funções para que possam garantir pleno
funcionamento do Sistema de Saúde, buscando, assim, uma gestão participativa,
a partir da qual sejam proporcionados espaços de garantia de direito à saúde.

O controle social tem os objetivos de participar, fiscalizar e realizar.

FIGURA 23 – CONTROLE SOCIAL

FONTE: <http://laticsufcg.blogspot.com/2015/06/conselhos-de-saude-como-estrategia-de.html>.
Acesso em: 9 maio 2020.

Apesar de sabermos da importância do controle social, da participação


social, para qualidade e garantia dos direitos da saúde, sabemos que pesquisadores
e estudiosos apresentam inúmeros dados de como tem sido insuficiente a simples
institucionalização dos Conselhos para uma democratização mais ampla das
políticas públicas (MOREIRA; ESCOREL, 2012; SANTOS et. al., 2011; STOTZ, 2006).
Por causa dos inúmeros problemas apontados, podemos destacar: problemas
com autonomia e organização, estrutura física, política clientelista, influência
político-partidária, baixa qualificação técnica dos Conselheiros representantes da
sociedade civil, até mesmo falta de interesse da sociedade em geral etc.

120
TÓPICO 3 — LEI Nº 8.142/90 NORMATIZAR AS TRANSFERÊNCIAS DE RECURSOS FINANCEIROS ENTRE OS ÓRGÃOS
INTERGOVERNAMENTAIS E A PARTICIPAÇÃO POPULAR E CONTROLE SOCIAL NO SUS

FIGURA 24 – CHARGE CONTROLE SOCIAL

FONTE: <http://elexemplos.com/2019/04/exemplo-de-controle-social-na-saude.html>.
Acesso em: 15 jan. 2021.

Em que pesem os avanços do SUS, há muitas barreiras, ainda, a serem


enfrentadas para exercer o controle social e a participação social de forma
adequada nos Municípios. E uma relação desses desafios e suas consequências,
que se revelaram comuns em todos os Municípios pesquisados e na literatura que
fundamenta esse estudo.

121
RESUMO DO TÓPICO 3
Neste tópico, você aprendeu que:

• A Lei n° 8.142/90 vem normatizar as transferências de recursos financeiros


entre os órgãos intergovernamentais e a participação popular e controle social
no SUS.

• A NOB/SUS 01/96 é uma Norma importante para o processo de descentralização,


criando novas condições de gestão para os Municípios e Estados, caracterizando
as responsabilidades sanitárias do Município pela saúde dos seus cidadãos e
redefinindo competências de Estados e Municípios.

• O entendimento da Resolução n° 333/2003 reforça e alinha as diretrizes para


criação, reformulação, estruturação e funcionamento dos Conselhos de Saúde.

• A participação popular é a garantia que a população tem de participar do


processo de formação de políticas de saúde, além do controle da execução em
todos os níveis de governo.

• A partir do Controle Social do SUS e do papel dos Conselhos de Saúde, dá-se a


participação da comunidade na fiscalização e na condução das políticas de saúde.

• A respeito do Conselho de Saúde como órgão colegiado, deliberativo e


permanente do SUS, em cada esfera de governo, integrante da estrutura básica
do Ministério da Saúde, Secretaria de Saúde dos Estados, DF e Municípios,
com composição, organização e competência fixadas na Lei n° 8.142/90.

• A formação do Conselho, além da função do Conselheiro, que é de relevância


pública e não é remunerada. Portanto, garante sua dispensa do trabalho sem
prejuízo para o Conselheiro durante as ações específicas do Conselho de Saúde.

• O objetivo da Ouvidoria Geral do Sistema Único de Saúde (OUVSUS), que


é o setor responsável por receber reclamações, denúncias, sugestões, elogios
e demais manifestações dos cidadãos quanto aos serviços e atendimentos
prestados pelo SUS. Os objetivos principais são garantir e ampliar o acesso
do cidadão à busca efetiva dos seus direitos, atuando enquanto ferramenta de
gestão e instrumento de fortalecimento do controle social.

122
• A Lei 8.080/90, que instituiu o Sistema Único de Saúde. Este é constituído
pelo conjunto de ações e serviços de saúde, prestados por órgãos e instituições
públicas federais, estaduais e municipais, da administração direta e indireta e
das fundações mantidas pelo poder público.

• O Pacto pela Saúde de 2006, que vem com uma nova proposta de organização
do sistema, de uma gestão compartilhada e solidária, considerando as
diferenças regionais, a organização de regiões sanitárias, de modo a garantir
um atendimento integral de qualidade ao indivíduo. Promove, também,
mecanismos de cogestão e planejamento regional, fortalece o controle social, e
vem com uma proposta de cooperação técnica entre os gestores.

CHAMADA

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pensando em facilitar sua compreensão. Acesse o QR Code, que levará ao
AVA, e veja as novidades que preparamos para seu estudo.

123
AUTOATIVIDADE

1 No Art. 1° da Lei n° 8.142, destaca que a participação popular no Sistema


Único de Saúde (SUS), e que contará, em cada esfera de governo, sem
prejuízo das funções do Poder Legislativo, com as seguintes instâncias
colegiadas:

I- A Conferência de Saúde
II- O Conselho de Saúde

Diante dessa afirmação, analise as afirmativas a seguir e responda:

I- A Conferência de Saúde reunir-se-á a cada quatro anos com a representação


dos vários segmentos sociais, para avaliar a situação de saúde e propor as
diretrizes para a formulação da política de saúde nos níveis correspondentes,
convocada pelo Poder Executivo ou, extraordinariamente, por esta ou
pelo Conselho de Saúde.
II- O Conselho de Saúde não tem caráter permanente e deliberativo, mas pode
ser órgão colegiado composto por representantes do governo, prestadores
de serviço, profissionais de saúde e usuários. Atua na formulação de
estratégias e no controle da execução da política de saúde na instância
correspondente, inclusive, nos aspectos econômicos e financeiros, cujas
decisões são homologadas pelo chefe do poder legalmente constituído em
cada esfera do governo.
III- O Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass) e o Conselho
Nacional de Secretários Municipais de Saúde (Conasems) têm
representação no Conselho Nacional de Saúde.

A sequência CORRETA é:
a) ( ) I, II e III estão corretas.
b) ( ) I e II estão corretas.
c) ( ) II e III estão corretas.
d) ( ) I e III estão corretas.
e) ( ) Somente a III está correta.

2 O Artigo 196 fala da saúde como direito de todos, e também, como dever
do Estado, garantir a saúde por meio de políticas sociais e econômicas. O
objetivo é reduzir o risco de doença com acesso universal e igualitário às
ações de proteção e recuperação.

124
I- Cabe, ao poder público, regulamentar, fiscalizar e controlar o  sistema de
saúde, devendo, a sua execução, ser feita diretamente ou por meio de terceiros.
II- As ações e os serviços públicos de saúde não integram uma
rede regionalizada e hierarquizada, e não são constituídos como um
sistema único organizado pelas seguintes diretrizes: descentralização e
atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas. O
Sistema Único de Saúde é financiado com recursos da Seguridade Social,
da União, dos Estados e dos Municípios e outras fontes.
III- A assistência à saúde não é livre à iniciativa privada, além de que não
pode complementar o SUS.

A sequência CORRETA é:
a) ( ) I, II e III estão corretas.
b) ( ) I e II estão corretas.
c) ( ) II e III estão corretas.
d) ( ) Somente a II está correta.
e) ( ) Somente a I está correta.

3 Sobre o objetivo da Ouvidoria Geral do Sistema Único de Saúde (OUVSUS),


que é o setor responsável por receber reclamações, denúncias, sugestões,
elogios e demais manifestações dos cidadãos quanto aos serviços e
atendimentos prestados pelo SUS.

Assinale a alternativa CORRETA a seguir:


a) ( ) Os objetivos principais são garantir e ampliar o acesso do cidadão à
busca efetiva dos seus direitos, atuando enquanto ferramenta de gestão
e instrumento de fortalecimento do controle social.
b) ( ) Os objetivos principais são garantir, mas não ampliar o acesso do
cidadão à busca efetiva dos seus direitos, atuando enquanto ferramenta
de gestão e instrumento de fortalecimento do controle social.
c) ( ) Os objetivos principais são garantir e ampliar o acesso apenas do idoso
à busca efetiva dos seus direitos, atuando enquanto ferramenta de
gestão e instrumento de fortalecimento do controle social.
d) ( ) Os objetivos principais são garantir e ampliar o acesso apenas da
criança à busca efetiva dos seus direitos, atuando enquanto ferramenta
de gestão e instrumento de fortalecimento do controle social.
e) ( ) Os objetivos principais são garantir e ampliar o acesso da mulher
indígena à busca efetiva dos seus direitos, atuando enquanto ferramenta
de gestão e instrumento de fortalecimento do controle social.

4 Descreva como contribuiu o Pacto pela Saúde de 2006 para o SUS, e como
vem com uma nova proposta de organização do sistema:

5 Relate o que garante e fortalece a participação popular no SUS?

125
126
REFERÊNCIAS

BARROS, F. P. C.; SOUSA, M. F. Equidade: seus conceitos, significações e


implicações para o SUS. 2016. Disponível em: https://www.scielosp.org/article/
sausoc/2016.v25n1/9-18/#. Acesso em: 18 jan. 2020.

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http://189.28.128.100/dab/docs/publicacoes/geral/saude_familia_no_brasil_uma_
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BRASIL. Ministério da Saúde. Conselho Nacional de Saúde. Resolução nº 333,


de 4 de novembro de 2003. Aprova as diretrizes para criação, reformulação,
estruturação e funcionamento dos Conselhos de Saúde. Brasília: Senado Federal,
1990.

BRASIL. Lei n° 8.142, de 28 de dezembro de 1990. Dispõe sobre a participação


da comunidade na gestão do Sistema Único de Saúde (SUS) e sobre as
transferências intergovernamentais de recursos financeiros na área da saúde e
dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/
leis/L8142.htm. Acesso em: 9 nov. 2020.

BRASIL. Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990. Lei Orgânica da Saúde.


Dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde,
a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes e dá outras
providências. Brasília: Senado Federal, 1990.

BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria Nacional de Assistência à Saúde. ABC


do SUS. Brasília: Senado Federal, 1990.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado


Federal; Centro Gráfico, 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/
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CARVALHO, A. I. Determinantes sociais, econômicos e ambientais da saúde.


In: FUNDAÇÃO OSWALDO CRUZ. A saúde no Brasil em 2030: diretrizes para
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DA SILVEIRA, D. B. O Estado Unitário e o Estado Federativo. 2018. Disponível


em: https://www.migalhas.com.br/coluna/federalismo-a-brasileira/279802/o-
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127
DE ANGELO, V. A. História do Brasil: Constituição de 1988. 2011. Disponível
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GUIZARDI, F. L.; PINHEIRO, R. Dilemas culturais, sociais e políticos da


participação dos movimentos sociais nos Conselhos de Saúde. Ciênc. Saúde
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LINHARES, M. Y. História geral do Brasil. Rio de Janeiro: Elsevier, 2000.

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OLIVEIRA, V. C. Comunicação, informação e participação popular nos


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QUEIROZ, A. A. de. O que é e para que serve a Constituição. 2018. Disponível


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SEGRE, M.; FERRAZ, F. C. O conceito de saúde. Rev. Saúde Pública, São


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em: 19 jan. 2020.

128
UNIDADE 3 —

SAÚDE COLETIVA E POLÍTICAS


PÚBLICAS EM SAÚDE DA MENTE
OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
A partir do estudo desta unidade, você deverá ser capaz de:

• compreender as diferentes concepções de saúde mental ao longo da


história da humanidade;

• identificar os fatores sociais, políticos, econômicos e culturais que


influenciam a construção de políticas públicas em saúde mental;

• diferenciar as diversas concepções de saúde mental presentes nas políticas


públicas;

• analisar, criticamente, a construção e os efeitos sociais das políticas


públicas de saúde mental antes e após a Reforma Psiquiátrica Brasileira.

PLANO DE ESTUDOS
Esta unidade está dividida em quatro tópicos. No decorrer da
unidade, você encontrará autoatividades com o objetivo de reforçar todo o
conteúdo apresentado.

TÓPICO 1 – CONCEPÇÃO DE LOUCURA AO LONGO DA HISTÓRIA

TÓPICO 2 – REFORMA PSIQUIÁTRICA BRASILEIRA

TÓPICO 3 – POLÍTICAS DE SAÚDE MENTAL NO ÂMBITO DE


ÁLCOOL E OUTRAS DROGAS

TÓPICO 4 – POLÍTICAS PÚBLICAS DE SAÚDE MENTAL PARA


INFÂNCIA E ADOLESCÊNCIA

CHAMADA

Preparado para ampliar seus conhecimentos? Respire e vamos


em frente! Procure um ambiente que facilite a concentração, assim absorverá
melhor as informações.

129
130
TÓPICO 1 —
UNIDADE 3

CONCEPÇÃO DE LOUCURA AO LONGO DA HISTÓRIA

1 INTRODUÇÃO
Neste tópico, você aprenderá que, ao longo da história, existiram várias
explicações e várias formas de intervenção acerca da loucura. Essas diferenças
foram influenciadas pelo contexto sociopolítico de cada época e, também, pelo
avanço da construção do conhecimento pela humanidade.

Iniciaremos apresentando a concepção místico-religiosa e a concepção


racional, ambas presentes na Idade Antiga. Em seguida, partiremos para a Idade
Média, quando as explicações para os fenômenos do psiquismo passarão a ser
relacionadas aos saberes do cristianismo. Nesse contexto, a loucura será associada
à prática pecaminosa.

Já na Idade Moderna, veremos o início da sistematização do modelo


científico. Essa nova forma de produção do conhecimento levará a concepção de
loucura a ser associada a alterações na biologia humana e, também, à desrazão,
isto é, à concepção moral.

Posteriormente, veremos que essa concepção e seu modelo de tratamento,


o tratamento moral, perduraram por cerca de 200 anos, até que, após a Segunda
Guerra Mundial, os manicômios e as precárias condições de assistência das
pessoas internadas passaram a ser comparados a campos de concentração.

Diante dessa constatação, novas formas de lidar com a loucura surgiram.


Assim, estudaremos seis experiências de reformas psiquiátricas que ocorreram
na Europa e Estados Unidos.

Nas experiências denominadas Comunidade Terapêutica e Psicoterapia


Institucional, o foco era reformar o hospital psiquiátrico, considerado adoecido e,
portanto, impedido de produzir efeitos terapêuticos.

Nas experiências denominadas Psiquiatria de Setor e Psiquiatria


Comunitária ou Preventiva, o hospital psiquiátrico passou a ser questionado como
principal recurso de tratamento, sendo, os serviços comunitários, privilegiados
no seu lugar.

Por fim, estudaremos as experiências chamadas Antipsiquiatria e Psiquiatria


Democrática Italiana, que, além de questionarem o modo de funcionamento do
hospital psiquiátrico, questionavam a racionalidade do saber psiquiátrico.

131
UNIDADE 3 — SAÚDE COLETIVA E POLÍTICAS PÚBLICAS EM SAÚDE DA MENTE

2 BREVE HISTÓRIA DA LOUCURA


Na Idade Antiga (4000 a.C. – 476 d.C.), existiram duas concepções da
loucura. Uma chamada mística e a outra chamada racional (FERNANDEZ;
CHENIAUX, 2011).

A concepção mística associava a loucura a possessões demoníacas e a feitiços,


e o tratamento consistia em expulsar os espíritos considerados malignos através da
invocação dos deuses e encantamentos (FERNANDEZ; CHENIAUX, 2011).

A concepção racional surgiu associada à filosofia da Grécia antiga. As


influências dos deuses, consideradas na concepção mística, foram substituídas
pela ideia de loucura associada a causas orgânicas. Um exemplo dessa concepção
foi apresentado por Hipócrates (460-377 a.C.), conhecido como Pai da Medicina, ao
afirmar que todas as experiências humanas, como alegria, tristeza, conhecimento,
capacidades de ouvir e escutar, loucura e medos, eram fenômenos cerebrais
(FERNANDEZ; CHENIAUX, 2011).

Para Hipócrates, [...] “a doença chamada sagrada não é, em minha opinião,


mais divina ou mais sagrada que qualquer outra doença; tem uma causa natural
e sua origem supostamente divina reflete a ignorância humana” (HIPÓCRATES,
1971, p. 54 apud SCLIAR, 2007, p. 32).

Hipócrates também formulou a teoria dos quatro humores ou fluidos,


sendo a bile amarela, bile negra, fleuma e sangue, e os associou a quatro tipos de
temperamento, respectivamente: melancólico, colérico, sanguíneo e fleumático
(SCLIAR, 2007; FERNANDEZ; CHENIAUX, 2011).

Com essa mudança de concepção da loucura, mudou, também, a forma de


tratamento. Assim, os encantamentos e expulsão do demônio foram substituídos
por práticas corporais, com o objetivo de equilibrar os humores. Dentre essas
práticas, pode-se citar: “[...] sangrias, purgações, massagens corporais e dietas
alimentares” (FERNANDEZ; CHENIAUX, 2011, p. 26).

Na Idade Média, houve a queda do Império Romano no Ocidente, seguida


de uma nova organização econômica, denominada feudalismo, além da ascensão
do cristianismo. Essas mudanças sociais, políticas e econômicas influenciaram a
retomada da concepção da loucura associada a fenômenos sobrenaturais (BOCK;
FURTADO; TEIXEIRA, 2008; FERNANDEZ; CHENIAUX, 2011).

Nesse período, o estudo do psiquismo estava associado às concepções


da Igreja Católica que, juntamente com os poderes econômico e político,
monopolizavam o conhecimento (BOCK; FURTADO; TEIXEIRA, 2008). Nesse
contexto, Santo Agostinho (354-430 d.C.) associava as manifestações mentais como
consequências de um pecado. “Assim, indivíduos acometidos por algum tipo de
doença mental eram considerados endemoniados, possuídos ou enfeitiçados”
(FERNANDEZ; CHENIAUX, 2011, p. 27).

132
TÓPICO 1 — CONCEPÇÃO DE LOUCURA AO LONGO DA HISTÓRIA

Na era moderna, houve a retomada do pensamento racional da Grécia


antiga, além do início do desenvolvimento do método científico, isto é, começaram
a surgir métodos e regras básicas para a construção do conhecimento, com o
objetivo de distanciar as explicações místicas. Como consequência, surgiram
críticas às explicações demoníacas relacionadas à loucura (BOCK; FURTADO;
TEIXEIRA, 2008; FERNANDEZ; CHENIAUX, 2011).

Antes de entender, com mais profundidade, as características da nova


concepção de loucura, a concepção moral, é importante entender que essa
mudança foi influenciada por três transformações que ocorreram nesse período:
a estruturação do Estado, a urbanização e a industrialização. Essas mudanças
influenciaram a concepção e o trato com a loucura, pois o status do homem
também mudou (HEIDRICH, 2007). A esse respeito, Heidrich (2007, p. 27) afirma
que “[...] se, na Idade Média, os homens eram considerados criaturas de Deus, na
era Moderna, passavam a ter o registro de cidadãos, no sentido de pertencimento
a uma cidade, a um Estado. Além disso, a necessidade de se fortalecer essas
cidades e o Estado passava a se constituir como um novo ideal”.

A produção feudal foi, então, progressivamente, substituída pelo


capitalismo, o que levou ao aparecimento de várias cidades ao longo das
principais rotas comerciais. Nessas cidades, surgiram hospitais, gerenciados pela
Igreja, para abrigar, à espera da morte, e sem nenhum tipo de assistência médica,
àqueles que não cabiam nessa nova ordem social: mendigos, inválidos e os loucos
(AMARANTE, 2003a; FERNANDEZ; CHENIAUX, 2011).

Os hospitais serviram como uma resposta social ao aumento da pobreza,


causada pelas mudanças social e econômica, realizando o abrigo de pessoas que
não podiam ou não queriam trabalhar. O Hospital Geral de Paris, criado em 1656,
foi um marco no enclausuramento de todos aqueles que não se adaptaram à nova
ordem social, inclusive, os loucos (HEIDRICH, 2007).

Foucault denominou esse fenômeno como “Grande Internação”, e reafirma


que não houve uma relação entre loucura e doença para que se justificasse o
internamento dos loucos. Pelo contrário, as práticas de trabalho forçado, frequentes
dentro dos hospitais, denunciavam o caráter de moral associado à exclusão.

[...] A obrigação do trabalho tem, também, um papel de sanções


e de controle moral. É que, no mundo burguês em processo de
constituição, um vício maior, o pecado por excelência no mundo do
comércio [...], é a ociosidade. A categoria comum que grupa todos
aqueles que residem nas casas de internamento é a incapacidade
em que se encontram de tomar parte na produção, na circulação ou
no acúmulo das riquezas (seja por sua culpa ou acidentalmente).
A exclusão a que são condenados está na razão direta dessa
incapacidade, indicando o aparecimento, no mundo moderno, de
um corte que não existia antes. O internamento foi, então, ligado, nas
suas origens e no seu sentido primordial, a essa reestruturação do
espaço social (FOUCAULT, 1975, p. 55).

133
UNIDADE 3 — SAÚDE COLETIVA E POLÍTICAS PÚBLICAS EM SAÚDE DA MENTE

Salienta-se, então, que os hospitais não tinham função terapêutica no


sentido de curar as pessoas, e sim, função de tirar, das vistas da sociedade, aqueles
que não se adequavam. De uma forma ou de outra, era um tipo de assistência,
mas não era um cuidado na perspectiva de saúde (HEIDRICH, 2007).

Após entender os aspectos sociais, econômicos e políticos da Idade


Moderna, é importante entender como foi o processo de construção da concepção
moral da loucura. Essa concepção, assim como as demais, não nasce do nada, pelo
contrário, é fruto das transformações sociais que o período vivenciou. Assim, a
chamada concepção moral da loucura, só pôde surgir após a sistematização do
conhecimento científico e do advento de uma nova área do saber, a psiquiatria
(AMARANTE, 2003a).

Foi no final do século XVIII que as concepções mística e humoral foram


substituídas pela associação entre loucura, razão e moral. Assim, o louco passou
a ser visto como um selvagem, desprovido de lógica, inteligência e sentimentos
nobres. Alguém que não poderia responder pelos seus atos e, portanto, precisaria
retornar ao seu estado de normalidade para conviver em sociedade (HEIDRICH,
2007; FERNANDEZ; CHENIAUX, 2011).

A partir dessa concepção, mudaram, também, as formas de intervenção


na loucura. A esse respeito, Fernandez e Cheniaux (2011, p. 30) contam que:

[...] Diversas técnicas de punição física foram desenvolvidas,


algumas delas lembrando procedimentos de tortura, com o objetivo
de reeducar o doente mental. Métodos de restrição, como a cadeira
tranquilizante, eram empregados para acalmar o enfermo. Aqueles
que não respondiam adequadamente a essas rigorosas e, muitas vezes,
cruéis técnicas educacionais, eram acorrentados em pequenas celas,
como se fossem animais selvagens.

DICAS

O filme brasileiro Nise – O Coração Da Loucura, dirigido por Roberto Berliner,


em 2016, retrata a luta da psiquiatra Nise da Silveira para oferecer um tratamento diferenciado
em psiquiatria. A trama, baseada em fatos reais, passa-se no Hospital Psiquiátrico Nacional,
nos anos 1950. Nesse filme, é possível identificar várias formas de violências e punições
realizadas em nome da terapêutica e da ciência, às quais os pacientes eram submetidos.

Esse modo de tratamento da loucura foi parcialmente rompido, quando,


em 1792, Philippe Pinel (1745-1826), defensor dos ideais revolucionários presentes
na Revolução Francesa, foi nomeado para a direção do hospital Bicêtre, localizado
em Paris (AMARANTE, 2003a; FERNANDEZ; CHENIAUX, 2011).

134
TÓPICO 1 — CONCEPÇÃO DE LOUCURA AO LONGO DA HISTÓRIA

Pinel, conhecido como pai da psiquiatria, iniciou mudanças no trato com


a loucura, implementando o tratamento moral. Esse modo de lidar com a loucura
correspondeu, também, com a tomada dos hospitais pelos saberes científicos.
Lembre-se de que, até este momento, quem administrava os hospitais era a
Igreja, e essa instituição não tinha objetivos médicos. Assim, a medicina ocupou
os hospitais e teve, à disposição, todos as pessoas internadas como objetos de
estudo e pesquisa. Puderam observá-las, descrevê-las e compará-las, igual ao
método científico utilizado nas ciências naturais. Assim, “a ciência assume a
palavra da verdade, da objetividade, da ordem e da moral. Construída pela razão
humana, seria a única possibilidade de se chegar à verdade das coisas e dos fatos”
(AMARANTE, 2003a, p. 30).

A grande revolução de Pinel foi considerar a loucura um fenômeno passível


de estudo e tratamento da medicina. Em sua concepção, o louco era um alienado,

[...] aquele que se deixa dominar por paixões artificiais, distantes


da realidade objetiva. Os impulsos subjetivos determinariam a ação
do indivíduo e ele se tornaria assediado pela fantasia, pelas ilusões,
pelas ideias distorcidas; ora agressivos e perigosos, ora indiferentes e
irresponsáveis, os alienados seriam invariavelmente alheios aos que
os cercavam e aos princípios e regras da ordem social (AMARANTE,
2003a, p. 14).

Segundo Amarante (2003a), Pinel entendia a alienação como uma alteração


das paixões e as dividia em paixões debilitantes ou opressivas e paixões alegres.
A seguir, há exemplos de cada uma dessas paixões.

QUADRO 1 – DESCRIÇÃO DAS PAIXÕES DESCRITAS POR PINEL

Paixões debilitantes ou opressivas Paixões alegres


Ódio Alegria
Medo Amor
Remorso Admiração
Inveja Orgulho

FONTE: Amarante (2003a, s.p.)

Com essa concepção, Pinel ficou conhecido por desacorrentar os loucos e


desenvolveu o tratamento moral, que se propunha a reeducar a mente alienada
através do isolamento e do trabalho terapêutico.

O isolamento, além de ser um recurso necessário para o estudo da


alienação e possibilitar o afastamento do alienado dos excessos da vida urbana,
também possibilitaria a internalização das regras institucionais, isto é, do modelo
disciplinar, como uma espécie de polícia interior. Já o trabalho terapêutico era
entendido como uma forma de estimular a vontade e de controlar as energias e
pensamentos (HEIDRICH, 2007; VENANCIO, 2011).

135
UNIDADE 3 — SAÚDE COLETIVA E POLÍTICAS PÚBLICAS EM SAÚDE DA MENTE

A ideia do trabalho como tratamento para a alienação mental,


também proposta pelo alienismo, ancorava-se na crença de que era
possível a aproximação com a loucura, já que sua natureza alienada
não deixava de conservar, em algum nível, o ser de razão, o que,
por consequência, tornava-a passível de cura. Produzia-se, assim, a
noção de um indivíduo alienado em relação a si mesmo, mas que
mantinha um núcleo são, razoável, e, por isso, era passível de ser
alcançável por outrem: o alienista (GAUCHET; SWAIN, 1980, p. 85
apud VENANCIO, 2011, p. 36).

Ao ser tomada como objeto de estudo da medicina, mais especificamente,


da psiquiatria, a loucura passou a ser entendida como doença mental, tendo,
como explicação, para seu aparecimento, forte base biológica (AMARANTE,
2003a; FERNANDEZ; CHENIAUX, 2011).

A seguir, veremos um quadro de Tony Robert – Fleury (1837-1912),


intitulado Pinel, Médecin em Chef de La Salpêtrière, em 1795.

FIGURA 1 – PINEL, MÉDECIN EM CHEF DE LA SALPÊTRIÈRE

FONTE: <https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Philippe_Pinel_%C3%A0_la_
Salp%C3%AAtri%C3%A8re_.jpg>. Acesso em: 26 fev. 2020.

Esse quadro simboliza o ato de Pinel de desacorrentar os loucos e iniciar


a tomada da loucura pela psiquiatria, através do isolamento como recurso de
produção de conhecimento e, também, recurso terapêutico.

Esquirol, discípulo de Pinel, afirmava que a loucura era um distúrbio


cerebral crônico; Jean-Martin Charcot empregou o método anatomoclínico,
em que pretendia relacionar as lesões cerebrais observadas post mortem a
quadros neurológicos; e Wilhelm Griesinger, psiquiatra alemão, foi responsável
pela formulação da famosa frase “doenças mentais são doenças cerebrais”
(FERNANDEZ; CHENIAUX, 2011, p. 32).

Aqui, você pode perceber que as explicações do que era a loucura, ou


a doença mental, começam a ter forte base biológica. Essa concepção será a
origem para o chamado paradigma psiquiátrico, que nada mais é que reduzir a
complexidade do fenômeno da loucura à biologia humana.

136
TÓPICO 1 — CONCEPÇÃO DE LOUCURA AO LONGO DA HISTÓRIA

Essa concepção estimulou o desenvolvimento científico de novas


intervenções na loucura. No início do século XX, quatro métodos de terapia
biológica se destacavam na psiquiatria: a malarioterapia; o coma insulínico;
convulsões induzidas por substâncias químicas; e eletroconvulsoterapia
(FERNANDEZ; CHENIAUX, 2011).

O surgimento dos psicofármacos reforçou a convicção no olhar biológico


da loucura. Em 1949, descobriram que o lítio poderia ser utilizado no tratamento
da mania; entre 1954 e 1957, surgiram os primeiros ansiolíticos; em 1958, surgiram
o haloperidol e os primeiros antidepressivos; e, em 1959, surgiu o diazepam
(BURKLE, 2009).

O marco dessa nova concepção de tratamento para a doença mental


pode ser considerado a criação da clorpromazina, em 1952, pois, a
partir daí, desordens psiquiátricas que eram antes tratadas através de
contenção mecânica, intervenções cirúrgicas e práticas de expurgo do
sintoma (eletrochoque, malarioterapia, sangria etc.), passaram a ser
'tratadas’ através de medicamentos (BURKLE, 2009, p. 45).

Percebe-se que, da Idade Antiga até a metade do século XX, houve uma
mudança na compreensão da etiologia da loucura, e, apesar de surgirem algumas
novas tecnologias, como medicamentos e lobotomias, há algo que se mantém
recorrente na oferta de atenção à loucura: o manicômio.

Assim, o isolamento nos manicômios e a concepção biológica acerca da


loucura persistiram por cerca de 200 anos, e só começaram a ser repensados a
partir da Segunda Guerra Mundial, quando os manicômios começaram a ser
comparados a campos de concentração. Foi preciso uma guerra, e todas as
violações de direitos humanos básicos que ela realizou, para que começassem a
repensar a existência e o modo de funcionamento dos manicômios (AMARANTE,
2003a; ROSA; SCHARF, 2008).

Essa inquietação em relação ao trato com a loucura, vigente no período pós-


Segunda Guerra Mundial, possibilitou o surgimento de novas experiências nesse
campo. Essas experiências serão aqui denominadas de Reformas Psiquiátricas
Internacionais, e as estudaremos a seguir.

3 REFORMAS PSIQUIÁTRICAS INTERNACIONAIS


O período pós-Segunda Guerra Mundial possibilitou o questionamento
do modelo de cuidado com a loucura empregado até o momento. Denúncias de
violências, morte, maus-tratos e abandono reforçaram a comparação entre os
hospitais psiquiátricos e os campos de concentração do nazismo. Outra evidência
era sua inefetividade terapêutica, uma vez que milhares de pessoas ao redor
do mundo entravam nos manicômios, mas não saíam, pelo contrário, ficavam
abandonadas até sua morte nessas instituições. Como um hospital poderia
se dizer a serviço do tratamento e da cura se a incontável maioria das pessoas
internadas nunca mais saía?

137
UNIDADE 3 — SAÚDE COLETIVA E POLÍTICAS PÚBLICAS EM SAÚDE DA MENTE

Diante desse cenário, começaram a ocorrer iniciativas denominadas


reformas psiquiátricas, que, de forma heterogênea, tentavam resolver a crise na
assistência psiquiátrica nesse período.

Veremos, a seguir, algumas dessas experiências e como elas contribuíram


para a Reforma Psiquiátrica Brasileira (RPB).

3.1 COMUNIDADE TERAPÊUTICA


Maxwell Jones, em 1959, na Inglaterra, foi o principal autor da experiência
denominada Comunidade Terapêutica. Essa experiência foi “um processo de
reformas institucionais predominantemente restritas ao espaço do hospital
psiquiátrico, marcado por medidas administrativas e técnicas que enfatizavam
aspectos democráticos, participativos e coletivos” (HEIDRICH, 2007, p. 39).

Jones organizou os internos em grupos de discussão, grupos terapêuticos


e grupos de atividades, com o objetivo de envolvê-los na sua própria terapia e
propiciar a interação com os demais internos e com a equipe de saúde (HEIDRICH,
2007; ROSA; SCHARF, 2008).

A participação democrática nas discussões institucionais possibilitava a


construção de espaços colaborativos de decisões acerca do funcionamento do
hospital, além de confrontar e refletir acerca dos sentimentos e atitudes. Essa
troca de experiências entre profissionais e pacientes deveria se estender para a
relação com o hospital e comunidade, para que a equipe entendesse a realidade
em que o paciente vivia (AMARANTE, 2003a).

Apesar da Comunidade Terapêutica não questionar o conceito de doença


mental, na sua concepção, a relação terapêutica deveria abandonar os aspectos
hierárquicos em que o médico seria o detentor de todo o saber e o paciente seria
submisso a esse saber (HEIDRICH, 2007; ROSA; SCHARF, 2008).

3.2 PSICOTERAPIA INSTITUCIONAL


A Psicoterapia Institucional ocorreu na França e defendia a ideia de
que o hospital, isto é, o manicômio, estava doente e, portanto, seria impossível
tratar alguém em uma estruturada doentia. Não se pensava em outra forma de
tratamento que não fosse o isolamento em manicômios, apenas se entendia que
deveria haver uma mudança na forma de funcionamento dessa instituição. Assim,
influenciada pela teoria psicanalítica de concepção de sujeito, pretendia retomar
o caráter terapêutico do hospital psiquiátrico, propondo atividades artesanais,
com o objetivo de uma reorganização psíquica interna, além de possibilitar que
as pessoas internadas participassem do processo de tratamento, respeitando sua
forma de ser e sua singularidade (ROSA; SCHARF, 2008).

138
TÓPICO 1 — CONCEPÇÃO DE LOUCURA AO LONGO DA HISTÓRIA

Da mesma forma que, na Comunidade Terapêutica, essa experiência


de coletivo terapêutico apresentava, como princípio, a premissa de
que, no hospital, todos teriam uma função terapêutica e necessitariam
fazer parte de uma mesma comunidade. Enfim, deveriam arguir e
batalhar contra a violência institucional e a verticalidade nas relações
interinstitucionais (ROSA; SCHARF, 2008, p. 63).

Assim, a principal proposta da Psicoterapia Institucional era reformar


o modelo de funcionamento do hospital, que havia se tornado um local de
violência e exclusão, para que ele pudesse retomar o caráter terapêutico
(AMARANTE, 2003a).

3.3 PSIQUIATRIA DE SETOR


A experiência francesa denominada Psiquiatria de Setor rompeu com as
propostas das reformas psiquiátricas citadas anteriormente, no que se refere ao
local de tratamento. Ao contrário das experiências da Comunidade Terapêutica
e da Psicoterapia Institucional, que pautavam a transformação do hospital
psiquiátrico, mas salientavam a importância de o modelo asilar, a Psiquiatria
de Setor se propôs a oferecer outras estratégias de cuidado (HEIDRICH, 2007;
ROSA; SCHARF, 2008).

Os precursores da Psiquiatria de Setor, como Lucien Bonnafé (1912-2003),


consideravam o manicômio alienante e, ao invés de apenas tentarem reformá-
lo, se propuseram a levar a psiquiatria à comunidade. Nessa reforma, o hospital
continuaria a existir, porém, passaria a ser uma das opções de tratamento, e não
mais a única (AMARANTE, 2003a).

Assim, as cidades francesas foram divididas em setores de, no máximo, 70


mil habitantes, que correspondiam a áreas geográficas específicas de cada cidade.
Cada setor tinha uma equipe composta por psiquiatras, psicólogos, assistentes
sociais e enfermeiros, que ficava responsável pelo atendimento das pessoas que
precisavam de atendimento psiquiátrico.

O atendimento acontecia, inclusive, durante a internação, caso ela


ocorresse. O hospital também foi dividido por setores, e quem fosse internado
ficava na ala, de acordo com a região em que vivia (AMARANTE, 2003a). “A
divisão dos hospitais psiquiátricos, de acordo com os setores, baseia-se na noção
de que o tratamento no próprio meio social seria mais eficaz. Dessa forma,
procurava-se manter uma representação do meio social dentro do hospital
psiquiátrico” (AMARANTE, 2003a, p. 44).

A seguir, será possível compreender como acontecia a divisão por setores


nas cidades e nos hospitais:

139
UNIDADE 3 — SAÚDE COLETIVA E POLÍTICAS PÚBLICAS EM SAÚDE DA MENTE

FIGURA 2 – SETORES RELACIONADOS ENTRE A CIDADE E O HOSPITAL

CIDADE HOSPITAL

FONTE: A autora

Um morador do bairro A (setor A) teria, à disposição, uma equipe de


saúde para atendê-lo, na sua região de moradia. Caso precisasse de internação
hospitalar, seria alojado no setor A do hospital. Assim, além de continuar a ser
atendido pela mesma equipe (equipe de referência), também poderia interagir
com pessoas conhecidas, também internadas. Esse modelo, além de considerar o
hospital psiquiátrico como um dos recursos de tratamento, também possibilitava
a construção de redes sociais comunitárias.

É importante salientar que esse modelo de cuidado não se restringia


apenas ao tratamento, mas também eram realizadas prevenção e atividades de
reabilitação e reinserção social (HEIDRICH, 2007). Por seu caráter inovador, a
Psiquiatria de Setor se tornou, na década de 1960, a política oficial de assistência
psiquiátrica da França (HEIDRICH, 2007).

3.4 PSIQUIATRIA COMUNITÁRIA OU PREVENTIVA


Essa reforma psiquiátrica aconteceu nos Estados Unidos da América
(EUA), na década de 1960, estimulada pela realização de um censo que identificou
cerca de 50 mil pessoas internadas em condições precárias e insalubres dentro
dos hospitais psiquiátricos (HEIDRICH, 2007).

Em resposta a esse censo, o presidente Kennedy inaugurou, em 1963,


um Plano Nacional de Saúde Mental, em que criava um Centro de Saúde
Mental Comunitário para cada 50 mil habitantes, que tinha, “como um de seus
principais objetivos, a redução de gastos através de dispositivos para prevenir e
tratar a doença” (HEIDRICH, 2007, p. 42). Esse modelo trouxe inovações, como
o trabalho em equipe multidisciplinar, a intersetorialidade, isto é, a articulação
entre diversos setores da sociedade, e a proposta de prevenção.

140
TÓPICO 1 — CONCEPÇÃO DE LOUCURA AO LONGO DA HISTÓRIA

O aspecto considerado como mais inovador da Psiquiatria Preventiva


diz respeito à possibilidade de intervenção sobre as causas e a evolução
das doenças mentais. Com base na Psiquiatria Preventiva, acreditava-
se que era possível não apenas tratar as doenças, mas evitá-las, e,
acima de tudo, formar uma comunidade mentalmente sadia. Assim, a
psiquiatria substituiu seu objeto, da doença mental para a saúde mental
(AMARANTE, 2003a, p. 45, grifos do autor).

Para a realização da prevenção, foi elencada uma série de comportamentos


considerados indicativos de alterações na saúde mental, como: dificuldades
para dormir, alterações de apetite, dores de cabeça, tristeza, agressividade, uso
de álcool e drogas, sensação de perseguição, medo excessivo, comportamentos
repetitivos, dificuldades para aprender, ficar isolado e excesso de alegria. Com
esses comportamentos elencados em formato de questionário, eram realizadas
triagens em buscas de suspeitos que pudessem desenvolver algum tipo de doença
mental (AMARANTE, 2003a; HEIDRICH, 2007).

Segundo Amarante (2003 a) e Heidrich (2007), a fonte teórica que


justificava esse modelo foi desenvolvida por Geral Caplan, a partir do modelo de
história natural da doença. Nesse sentido, era entendido que, “para o surgimento
das doenças, deve existir um agente patogênico associado a um hospedeiro (o ser
humano) em um meio ambiente com determinadas características” (AMARANTE,
2003a, p. 49). A prevenção, nesse sentido, deveria intervir em um dos aspectos:
o agente causador, o hospedeiro (homem) ou o ambiente (AMARANTE, 2003a;
HEIDRICH, 2007).

A seguir, observaremos como esse modelo foi aplicado à saúde mental.

QUADRO 2 – MODELO DE ATENÇÃO À SAÚDE MENTAL DA PSIQUIATRIA COMUNITÁRIA


OU PREVENTIVA

Nível de Prevenção Ações preventivas


Ações nas condições passíveis de serem modificadas, indivíduo ou
Prevenção Primária
meio, para promover saúde mental e evitar novos casos
Prevenção Secundária Agilidade no diagnóstico para que evitasse seu agravamento
Prevenção Terciária Estratégias de reabilitação psicossocial

FONTE: Adaptado de Amarante (2003a e Heidrich (2007)

A Psiquiatria Comunitária ou Preventiva foi uma revolução para o


campo da psiquiatria, uma vez que trouxe, para o debate, a terminologia “saúde
mental”. Essa inovação permitiu considerar a prevenção em saúde mental de
forma mais sistematizada (AMARANTE, 2003a).

141
UNIDADE 3 — SAÚDE COLETIVA E POLÍTICAS PÚBLICAS EM SAÚDE DA MENTE

3.5 ANTIPSIQUIATRIA
A Antipsiquiatria, na Inglaterra, surgiu por influência da Psicoterapia
Institucional, porém, foi incrementada por referências, como existencialismo,
sociologia, materialismo histórico e psicanálise. Nesse cenário, sua proposta não
se limitava a transformar o hospital, mas, também, combater a concepção de
doença mental (AMARANTE, 2003a).

No seu entendimento, a loucura seria um fato social, político e, até


mesmo, uma experiência positiva de libertação; uma reação a um
desequilíbrio familial – observe, aqui, a utilização do termo familial,
para indicar algo no âmbito das relações familiares, e não o termo
familiar, que poderia sugerir algo de natureza hereditária –, não
sendo, assim, um estado patológico (AMARANTE, 2003a, p. 60).

Por essa concepção, a loucura não era considerada uma doença mental,
nos termos biológicos, e muito menos uma categoria médica, pelo contrário, o
discurso do louco era considerado uma denúncia a respeito dos conflitos inerentes
à família e à sociedade (AMARANTE, 2003a; ROSA; SCHARF, 2008).

Por essa premissa, o manicômio seria um instrumento de reprodução e


repetição das opressões presentes nas estruturas sociais e familiares e, portanto,
não poderia ser considerado um local possível de cuidado (HEIDRICH, 2007;
ROSA; SCHARF, 2008).

3.6 PSIQUIATRIA DEMOCRÁTICA ITALIANA


Outra experiência significativa de reforma psiquiátrica é a Psiquiatria
Democrática Italiana. Franco Basaglia, psiquiatra expoente desse modelo,
afirmava que o saber psiquiátrico e técnico não era neutro, uma vez que sempre
estaria a favor do contexto social em que estava incluído. Nesse sentido, afirmava
que o saber psiquiátrico reduziu a complexa experiência da loucura aos limites
do campo médico, como se esse fosse capaz de dar todas as respostas para o
fenômeno. Propunha, assim, um olhar acerca da loucura, que considerasse outros
saberes (HEIDRICH, 2007; ROSA; SCHARF, 2008).

Assim, inspirado pelas experiências da Comunidade Terapêutica e


da Psicoterapia Institucional, se propôs, inicialmente, a reformar o hospital
psiquiátrico, porém, com o passar do tempo, percebeu que seria necessário
reformular toda a concepção psiquiátrica acerca da loucura, além do seu modelo
de cuidado (ROSA; SCHARF, 2008).

Com o passar dos anos, percebeu que esse modelo precisava mais do
que medidas administrativas ou de humanização. Fundamentalmente,
a partir do contato com as obras de Foucault e Erving Goffman, Basaglia
entendeu que a luta deveria ser de outra ordem: teve início o período de
negação da psiquiatria enquanto ideologia. Basaglia passou a formular
um pensamento e uma prática institucional absolutamente originais,

142
TÓPICO 1 — CONCEPÇÃO DE LOUCURA AO LONGO DA HISTÓRIA

voltados para a ideia de superação do aparato manicomial, percebido


não apenas como a construção física do hospício, mas como o conjunto
de saberes e práticas, científicos, sociais, legislativos e jurídicos,
que baseiam a vivência de um lugar de isolamento e segregação e
patologização da experiência humana (ROSA; SCHARF, 2008, p. 68).

Assim, Basaglia propôs um novo olhar para a loucura, afirmando que


a doença mental fosse colocada entre parênteses. Afirmava que a psiquiatria
clássica colocou o sujeito entre parênteses, desinteressando-se pela complexidade
e diversidade humana, para olhar apenas para os sintomas que indicariam
alguma condição psiquiátrica. Nessa proposta de Basaglia, o olhar de cuidado
deveria se comprometer com todos os aspectos da vida do sujeito, e não apenas
com a sintomatologia considerada anormal (ROSA; SCHARF, 2008; HEIDRICH,
2007). “Crítico da ciência psiquiátrica”, recusou-se a aceitar a hipótese da
incompreensibilidade da doença mental e o processo de rotulação nosográfica do
indivíduo considerado doente mental” (AMARANTE, 2003a, p. 65, grifo do autor).

Diante da transformação do modelo de cuidado, a trajetória basagliana


tem dois marcos: seu trabalho no hospital de Goriza e no hospital em Trieste.

A experiência de Goriza iniciou inspirada na Comunidade Terapêutica e


na Psicoterapia Institucional, porém, com as críticas a esses modelos, pôde iniciar
mudanças que se tornaram fundamentais na sua trajetória.

Dentre essas mudanças, pode-se citar: a percepção sobre a interdependência


entre justiça e psiquiatria para manutenção da ordem; a reflexão sobre a classe
social das pessoas internadas que, em sua maioria, eram pobres; a percepção de
que a ciência não era neutra; e como os profissionais de saúde eram promotores
do poder e do controle institucional (AMARANTE, 2003a).

No Hospital Psiquiátrico Provincial de Trieste, a transformação foi mais


radical. Inicialmente, foram contratados mais profissionais de saúde, numa
proporção que representou um médico, um assistente para o médico, um
assistente social, um psicólogo e cento e vinte e dois enfermeiros psiquiátricos
para cada centro e vinte e cinco internos (AMARANTE, 2003a).

Os pavilhões, que antes eram separados por sexo e diagnóstico, passaram


a ser separados conforme o local de origem da pessoa internada, forma análoga
à experiência francesa da Psiquiatria de Setor. Também foram criados espaços de
convivência e interação e uma série de incentivos aos ex-internos, como moradias
assistidas, aposentadoria e trabalho (AMARANTE, 2003a).

A experiência de Trieste levou à destruição do manicômio, ao fim


da violência e do aparato da instituição psiquiátrica tradicional,
demonstrando que era possível a constituição de um “circuito”
de atendimento que, ao mesmo tempo em que oferecia e produzia
cuidados, oferecesse e produzisse novas formas de sociabilidade e
de subjetividade aos que necessitassem de assistência psiquiátrica
(HEIDRICH, 2007, p. 48).

143
UNIDADE 3 — SAÚDE COLETIVA E POLÍTICAS PÚBLICAS EM SAÚDE DA MENTE

Em 1978, o Parlamento Italiano aprovou a Lei n° 180, conhecida como


Lei Basaglia, que determinava a extinção dos manicômios. Surgiram, então,
novos serviços de saúde pautados em uma inovadora perspectiva de atenção
à loucura, comprometida com a cidadania e dignidade dos ditos loucos. Esse
período ficou conhecido como a fase da instituição inventada (AMARANTE,
2003a; HEIDRICH, 2007).

DICAS

O filme Si Púo Fare (Dá Pra fazer), dirigido por Giulio Manfredonia, em 2008,
retrata a transformação na vida de internos de um manicômio, a partir do momento em
que foram consideradas suas necessidades humanas mais básicas: amor, relacionamento e
trabalho. O filme foi inspirado nas diversas cooperativas de trabalho que surgiram na Itália.
É uma excelente forma de entender como um novo modelo de assistência para a loucura
pode ser terapêutico.

A seguir, resumiremos as reformas psiquiátricas que acabamos de estudar,


além dos objetivos primordiais.

QUADRO 3 – RESUMO DAS REFORMAS PSIQUIÁTRICAS INTERNACIONAIS

Reforma Psiquiátrica Objetivos


Comunidade Terapêutica
Reformar o hospital psiquiátrico
Psicoterapia Institucional
Psiquiatria de Setor Privilegia o tratamento comunitário em detrimento ao
Psiquiatria Comunitária ou Preventiva hospital psiquiátrico
Antipsiquiatria Questiona a racionalidade para a construção do saber
Psiquiatria Democrática Italiana psiquiátrico

FONTE: Adaptado de Amarante (2003a)

As reformas psiquiátricas internacionais tiveram grande impacto na


construção da Reforma Psiquiátrica Brasileira. No próximo tópico, veremos como
essas influências estimularam as mudanças na assistência psiquiátrica no Brasil.

144
TÓPICO 1 — CONCEPÇÃO DE LOUCURA AO LONGO DA HISTÓRIA

DICAS

A jornalista Eliane Brum escreveu uma reportagem chamada Escutem o


Louco, em que apresenta dados de crimes cometidos por pessoas com diagnósticos de
transtornos mentais, e também reflete acerca do lugar da loucura na atualidade. O texto
oferece recursos para repensarmos como o histórico da concepção de loucura estudados,
neste tópico, ainda influencia o modo como nossa sociedade entende as pessoas em
sofrimento psíquico. Você pode conferir a reportagem no link: http://elianebrum.com/
opiniao/colunas-no-el-pais/escutem-o-louco/.

145
RESUMO DO TÓPICO 1
Neste tópico, você aprendeu que:

• Na Idade Antiga, a concepção mística da loucura entendia que sua origem


vinha de possessões demoníacas ou feitiços e, para tratá-la, faziam invocação
dos deuses para expulsá-la.

• Hipócrates foi um dos pensadores que iniciou a associação da loucura às


causas orgânicas. Através da teoria humoral, deu sentido à concepção racional
da loucura na idade antiga.

• Na Idade Média, o cristianismo centralizou o estudo do psiquismo à loucura e


foi associada ao pecado.

• Na Era Moderna, houve a substituição das explicações mística e humoral e a


origem da loucura passou a ser associada à moral e à desrazão. Esse modelo
permitiu o surgimento de práticas violentas de controle dos loucos, com o
objetivo de adequá-los às novas configurações sociais.

• Na Idade Moderna, vimos o início do método científico. Essa mudança, na forma


de compreensão dos fenômenos humanos, estimulou a criação da psiquiatria.
Nesse feito, destaca-se Pinel, que ficou conhecido por desacorrentar os loucos
e instituir o tratamento moral.

• Cerca de 200 anos após a tomada da loucura pela psiquiatria, no período pós-
Segunda Guerra Mundial, a assistência psiquiátrica e os manicômios foram
comparados a campos de concentração do nazismo, e isso estimulou o início
de reformas psiquiátricas internacionais.

• A Comunidade Terapêutica e Psicoterapia Institucional entendiam o hospital


psiquiátrico como único local de tratamento para a loucura, mas admitiam
que seu modo de funcionamento não oferecia resultados terapêuticos. Nesse
sentido, propunham um reformismo no hospital.

• A Psiquiatria de Setor e a Psiquiatria Comunitária ou Preventiva discordavam


do hospital como único recurso para o tratamento e propunham que ele fosse
um dos recursos para o cuidado. Nessa perspectiva, entendiam que os serviços
comunitários deveriam ser o principal recurso de atenção à loucura.

• A Antipsiquiatria e a Psiquiatria Democrática Italiana, além de questionarem o


hospital psiquiátrico como único recurso para o tratamento da loucura, também
questionavam como a psiquiatria construiu o saber sobre ela. Essas reformas
psiquiátricas propunham uma nova forma de compreensão da loucura, que
deveria contemplar a complexidade dos seres humanos.

146
AUTOATIVIDADE

1 Ao longo dos anos, o campo da psiquiatria passou por inúmeras experiências


de reformas que aconteceram em vários países. O período pós-guerra
culminou na adoção de novas abordagens no atendimento ao portador de
sofrimento psíquico. Em relação às principais experiências de reformas
psiquiátricas, assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) As Comunidades Terapêuticas questionavam, principalmente, o saber


psiquiátrico e propunham a atenção comunitária.
b) ( ) A Psiquiatria de Setor e a Psiquiatria Comunitária ou Preventiva
entendiam que a comunidade era o ponto principal para o tratamento.
c) ( ) A Antipsiquiatria propunha uma transformação a partir do próprio
modelo do hospital psiquiátrico e das relações familiares.
d) ( ) A Psicoterapia Institucional assinalava a importância do paradigma
psiquiátrico e das ações comunitárias e jurídicas.
e) ( ) A Psiquiatria Integrativa foi a principal influência para a Reforma
Psiquiátrica Brasileira no que diz respeito à indicação de internação.

2 A Reforma Psiquiátrica Italiana, inspirou-se nas experiências das


Comunidades Terapêuticas e na Psicoterapia Institucional, porém, Franco
Basaglia percebeu que para uma efetiva mudança no modelo de cuidado
em saúde mental, seriam necessárias mais do que medidas administrativas
ou de humanização. Sobre a Reforma Psiquiátrica Italiana, avalie as
afirmativas a seguir:

I- Colocava o sujeito entre parênteses, pois, entendia que há soberania do


saber psiquiátrico tradicional em detrimento de outras concepções de
loucura.
II- Afirmava que a psiquiatria não detinha o saber absoluto sobre a loucura e
propunha a intervenção de outros saberes.
III- Uma das maiores contribuições dessa experiência foi a aprovação da Lei
180, que propôs a manutenção dos manicômios e a extinção de outros
recursos terapêuticos.
IV- Franco Basaglia foi o psiquiatra responsável por repensar o novo modelo
de atenção à saúde mental italiano que a seu ver, deveria humanizar o
hospital psiquiátrico.

Assinale a alternativa CORRETA:


a) ( ) Somente a afirmativa II está correta.
b) ( ) As afirmativas II e IV estão corretas.
c) ( ) As afirmativas I e IV estão corretas.
d) ( ) Somente a afirmativa II está correta.
e) ( ) As afirmativas I, II e III estão corretas.

147
3 O questionamento do paradigma psiquiátrico e o início das reformas
psiquiátricas internacionais foram desencadeados por eventos mundiais
significativos. A respeito dos eventos que desencadearam as referidas
reformas psiquiátricas, avalie as afirmativas a seguir:

I- As antigas disputas pelo reinado entre Portugal e França, desencadearam


mudanças sociais e políticas que resultaram em significativos avanços da
medicina.
II- A transição dos cuidados da medicina para os cuidados por representantes
da igreja, resultou no maior avanço nos processos de reabilitação
psicossocial.
III- No período Pós-Segunda Guerra Mundial, os hospitais psiquiátricos foram
comparados a campos de concentração, o que fez com que se questionasse
esse modelo de atenção à loucura.
IV- A Declaração Universal do Direitos Humanos não contemplava o quesito
saúde, mas foi decisiva para o processo de resistência à mudança na
atenção à saúde mental após a Primeira Guerra Mundial.

Assinale a alternativa CORRETA:


a) ( ) Somente a afirmativa IV está correta.
b) ( ) As afirmativas II e IV estão corretas.
c) ( ) As afirmativas I e IV estão corretas.
d) ( ) Somente a afirmativa III está correta.
e) ( ) As afirmativas I, II e III estão corretas.

4 Pinel considerava que a alienação mental era um distúrbio das paixões


e afirmava que sua cura seria trazer o alienado de volta à realidade, isto
é, ajudá-lo a controlar seus impulsos e afastar seus devaneios e ilusões.
Considerando a afirmação, descreva as características e métodos do
tratamento propostos por Pinel e indique os efeitos desse método de
tratamento para a construção do paradigma psiquiátrico.

5 O hospital é um dos recursos mais utilizados para controle social daqueles


que são considerados loucos ou que não se enquadram na ordem social de
cada período. Nesse contexto, a inauguração do Hospital Geral de Paris, em
1656, teve um grande impacto social e foi chamada de “Grande Internação”,
por Foucault. Discorra sobre a função do hospital naquele período.

148
TÓPICO 2 —
UNIDADE 3

REFORMA PSIQUIÁTRICA BRASILEIRA

1 INTRODUÇÃO
Neste tópico, nós estudaremos as influências históricas, teóricas e
assistenciais que contribuíram para o processo da Reforma Psiquiátrica Brasileira.
Iniciaremos com um resgate histórico no trato com a loucura no período colonial,
passando pela chegada da família real portuguesa até a Proclamação da República.

Em seguida, veremos que o início do século XX assistiu ao aumento


populacional otimizar a proliferação de doenças contagiosas, e fez com que a
medicina fosse convocada a agir no âmbito social, orientando hábitos de higiene
e isolamento para os contaminados. Essa lógica sanitária foi ampliada para as
questões da loucura.

Nesse contexto, surgiu a Liga Brasileira de Higiene Mental, que se


configurou como uma forma racista, eugênica e xenofóbica de lidar com a loucura.
Ainda, no século XX, estudaremos o fenômeno chamado Indústria da Loucura e
os principais eventos que possibilitaram a Reforma Psiquiátrica Brasileira, como
o Movimento do Trabalhadores de Saúde Mental, as Conferências Nacionais de
Saúde Mental e o Movimento Nacional da Luta Antimanicomial.

Ao chegarmos ao século XXI, veremos a Lei n° 10.216, considerada a Lei da


Reforma Psiquiátrica, a Portaria n° 336/2002, que regulamenta o funcionamento
dos Centros de Atenção Psicossocial, os Serviços Residenciais Terapêuticos e o
Programa de Volta para Casa.

Por fim, estudaremos que a chamada Nova Política de Saúde Mental


representa uma retomada de concepções reducionistas da loucura, o
reinvestimento no modelo manicomial e o incremento no interesse econômico no
campo da saúde mental.

149
UNIDADE 3 — SAÚDE COLETIVA E POLÍTICAS PÚBLICAS EM SAÚDE DA MENTE

2 CONTEXTUALIZAÇÃO DA REFORMA PSIQUIÁTRICA


BRASILEIRA
A Reforma Psiquiátrica Brasileira é um movimento complexo e heterogêneo
marcado pelo processo de reorganização assistencial, reformulações jurídicas e
construções teóricas que visavam à transformação de atenção à loucura no Brasil.

Inspirada nas experiências internacionais de reformas psiquiátricas,


com destaque para a Psiquiatria de Setor, a Antipsiquiatria e a Psiquiatria
Democrática Italiana, a experiência brasileira teve seu norte ideológico no
processo de desinstitucionalização. Desinstitucionalização, aqui, é compreendida
não apenas como o processo de desospitalização, isto é, redução no número de
internações e seu tempo de duração, mas a configuração de um arcabouço de
estratégias que visavam reduzir a dependência da pessoa em sofrimento psíquico
a uma instituição, seja hospitalar ou de base comunitária. Dentre as estratégias
de desinstitucionalização, estão a criação dos serviços de base territorial, mas,
principalmente, repensar as práticas de exclusão, isolamento e silenciamento da
loucura, historicamente recorrentes na prática psiquiátrica.

Nesse sentido, a desinstitucionalização está intimamente relacionada


à desconstrução do aparato manicomial, aqui entendido “não apenas como
a construção física do hospício, mas como o conjunto de saberes e práticas,
científicos, sociais, legislativos e jurídicos, que baseiam a vivência de um lugar
de isolamento e segregação e patologização da experiência humana” (ROSA;
SCHARF, 2008, p. 59).

2.1 A LOUCURA NO BRASIL COLONIAL E REPÚBLICA


Durante o período colonial, não há relatos de estratégias oficiais no trato
com a loucura no Brasil. Os loucos de famílias ricas ficavam isolados nos seus
casarões e aqueles de famílias pobres, ou sem família, circulavam livremente
pelas ruas. Caso cometessem algum ato de violência ou crime, iriam para a cadeia
como qualquer outra pessoa (HEIDRICH, 2007).

Com a chegada da família real ao Brasil, em 1808, iniciou uma nova


configuração social, tendo um incremento no crescimento populacional, que foi
associado a transmissão de uma série de doenças contagiosas do período. Em
resposta a essa situação sanitária, a Sociedade de Medicina do Rio de Janeiro
inaugurou, em 1829, a Comissão de Salubridade, que objetivava criar um
Código de Conduta (AMARANTE, 2003b). “Com o objetivo de participar da
organização da cidade, a medicina se voltou, em linhas gerais, para o controle
da circulação dos elementos, como a água e o ar, assim como para a análise
dos lugares de amontoamento na cidade que poderiam provocar doenças”
(AMARANTE, 2003b, p. 26).

150
TÓPICO 2 — REFORMA PSIQUIÁTRICA BRASILEIRA

A partir do seu trabalho de fiscalização dos espaços urbanos, a Comissão


de Salubridade identificou as precárias condições de vida dos loucos e, inspirada
nas experiências internacionais dos alienistas nos manicômios, requereu um
espaço específico para o trato com a loucura (AMARANTE, 2003b). Entre essa
primeira requisição da Sociedade de Medicina do Rio de Janeiro até o Decreto
n° 82, de 18 de julho de 1841, que criou, oficialmente, o Hospício de Pedro II,
passaram-se doze anos. Foram precisos mais onze anos até o que hospício
começasse a funcionar.

Assim, em 8 de dezembro de 1852, o Hospício de Pedro II foi inaugurado,


“vinculado à Santa Casa de Misericórdia e sob tutela do Imperador, o que nos
aponta seu caráter filantrópico, e não médico” (HEIDRICH, 2007, p. 74). Pode-se
perceber que a experiência europeia no trato com a loucura começava a se repetir
no Brasil.

Esse caráter filantrópico desagradou, evidentemente, a comunidade


médica, que não tardou em fazer uma série de críticas ao seu funcionamento, por
exemplo: a falta de critérios de diagnósticos para internação; mistura de diversos
diagnósticos na mesma ala; presença de loucos criminosos; mistura de crianças
com adultos; e a falta de médicos (HEIDRICH, 2007).

Em 1890, cerca de um ano após a Proclamação da República, o Hospício


de Pedro II foi desvinculado da Santa Casa. Tornou-se o Hospício Nacional
de Alienados, e sua gestão ficou responsável pela administração pública
(AMARANTE, 2003b).

Além do Hospício Nacional de Alienados, surgiram, nesse mesmo


período, como recurso médico, as chamadas Colônias de Alienados, sendo as
primeiras criadas na ilha do Governador, no Rio de Janeiro, e denominadas
Colônia de São Bento e Conde de Mesquita, respectivamente. Depois dessas,
outras colônias surgiram pelo país para destinar àqueles que, por falta de vaga,
não cabiam nos hospícios, ou para suprir a falta de hospício em determinada
localidade (HEIDRICH, 2007).

A proposta das colônias se pautava em duas concepções pinelianas


acerca do tratamento moral: o isolamento e o trabalho terapêutico. Em geral, as
colônias ficavam em áreas rurais, distantes dos centros urbanos, e os internos
realizavam trabalhos artesanais e agrícolas com a pretensão de melhorarem
para retornarem à sociedade. Além dos considerados loucos, também eram
internadas crianças órfãs e moças que tinham sido desonradas pela perda da
virgindade (HEIDRICH, 2007).

151
UNIDADE 3 — SAÚDE COLETIVA E POLÍTICAS PÚBLICAS EM SAÚDE DA MENTE

DICAS

O livro Colônia: Uma Tragédia Silenciosa, organizado por Jairo Furtado Toledo
(2008), reúne relatos de diversas personalidades envolvidas no cenário da psiquiatria
mineira entre a década de 1950 a 1970. Ilustrado com imagens do fotógrafo Luiz Alfredo,
a obra retrata as condições degradantes as quais milhares de pessoas foram submetidas
enquanto estavam internadas nessa instituição.

2.2 LIGA BRASILEIRA DE HIGIENE MENTAL (LBHM)

A Liga Brasileira de Higiene Mental (1923) representa a resposta política


aos contextos social e cultural que o Brasil vivia no início do século XX.

Com o excedente de pessoas nas áreas urbanas, causado pela abolição


da escravatura em 1888, além do incremento de imigrantes no país, as doenças
infectocontagiosas se tornaram um grave problema sanitário nas cidades.

Essa situação estava causando muitas mortes na população e a medicina


foi convocada a atuar no espaço social. Assim, os médicos orientavam práticas de
higiene para a população e indicavam o isolamento dos contaminados para evitar
a proliferação de doenças, porém, essa lógica de isolamento com argumentos
sanitários e epidemiológicos foi transposta para as questões psíquicas (CUNHA;
BOARINI, 2010).

Contudo de que forma isso aconteceu? Quais bases teóricas embasaram


essa transposição? A partir de 1857, o conceito de degeneração foi apresentado
por Morel. Essa concepção reafirmava a etiologia da loucura em bases
biológicas, como vimos no Tópico 1, e, para além disso, entendia que a loucura
era transmitida, hereditariamente, de geração em geração, resultando em
uma degeneração, uma piora, em cada novo membro da família. A lógica da
degeneração se configurou como uma ameaça social e, assim, foram incentivadas
políticas de castração e eutanásia de pessoas consideradas degeneradas (SEIXAS;
MOTA; ZILBREMAN, 2009).

Em nome da qualificação da raça e da prevenção das doenças mentais,


a LBHM pregava que tantos os doentes e os dependes de álcool e
outras drogas, os descendentes de origem africana ou oriental, assim
como muitos tipos de imigrantes estrangeiros, não pudessem casar,
ou que fossem esterilizados, para que não procriassem, dentre outras
medidas restritivas de liberdade e da cidadania (AMARANTE,
2003b, p. 36).

152
TÓPICO 2 — REFORMA PSIQUIÁTRICA BRASILEIRA

A Liga Brasileira de Higiene Mental se configurou como uma das


possibilidades de execução de práticas racistas, eugenistas e xenofóbicas,
associadas ao trato com a loucura no início do século XX, no Brasil.

Será que esses ideais desapareceram, totalmente, na atualidade?


Conforme estudaremos, há indícios de que essas concepções não foram
totalmente descartadas.

2.3 A INDÚSTRIA DA LOUCURA


Cerca de quarenta anos após o surgimento da Liga Brasileira de Higiene
Mental, o Brasil se encontrava em outro momento social e político, e essa situação
também afetou os serviços que atendiam à loucura. A chamada Indústria da
Loucura surgiu na década de 1960, após o governo optar pela compra de leitos
privados em hospitais psiquiátricos particulares, ao invés de investir na melhoria
dos serviços públicos existentes e na criação de outros serviços, caso fosse
necessário (HEIDRICH, 2007).

Nesse cenário, a loucura se tornou objeto de lucro e refletiu no aumento


exponencial de leitos hospitalares e de internações. Na década de 1970, a
previdência social chegou a destinar 97% dos recursos para a compra de serviços
psiquiátricos particulares (AMARANTE, 2003b).

O isolamento, visto como uma prática desaconselhada a partir das


experiências da Antipsiquiatria e Psiquiatria Democrática Italiana, tornou-se
recurso prioritário do investimento público. Nesse período, até a década de 1980,
eram recorrentes as denúncias de violações de direitos humanos nas instituições
psiquiátricas no Brasil (HEIDRICH, 2007).

DICAS

O livro Canto dos Malditos é uma obra autobiográfica de Austregésilo Carrano


Bueno em que relata as violências que sofreu em diversas internações psiquiátricas pelas
quais passou entre os 17 e 20 anos (1974-1977). O período retratado no livro se refere ao
estudado no nosso material da Indústria da Loucura. O livro chegou a ser impedido de ser
vendido, pois um dos médicos citados entrou com ação judicial por calúnia e difamação.
Após ter a venda liberada, o livro inspirou o filme, amplamente premiado, Bicho de Sete
Cabeças, dirigido por Laiz Bodanzky (2000).

153
UNIDADE 3 — SAÚDE COLETIVA E POLÍTICAS PÚBLICAS EM SAÚDE DA MENTE

Também foi, na década de 1970, que movimentos sociais, inspirados nas


reformas psiquiátricas internacionais, que resultaram na Reforma Psiquiátrica
Brasileira, encontram terreno fértil para crescerem e se multiplicarem.

A seguir, serão apresentados alguns marcos que foram fundamentais


para a aprovação e a efetivação da Reforma Psiquiátrica Brasileira: Movimento
dos Trabalhadores de Saúde Mental, Conferências Nacionais de Saúde Mental e
o Movimento Nacional da Luta Antimanicomial.

2.4 MOVIMENTO DE TRABALHADORES DE SAÚDE MENTAL


(MTSM)
Em 1978, três bolsistas que trabalhavam no Centro Psiquiátrico Pedro II
denunciaram suas precárias condições de trabalho e, também, as graves violências
as quais os internos estavam expostos, como mortes não esclarecidas, estupro,
trabalho escravo e agressões (HEIDRICH, 2007). Essa denúncia deflagrou o evento
que ficou conhecido como crise da DINSAM – Divisão Nacional de Saúde Mental.
Assim, trabalhadores de serviços de saúde mental começaram a se organizar com
o objetivo de conseguir melhores condições de trabalho, além de transformar a
assistência psiquiátrica (HEIDRICH, 2007).

MTSM denuncia a falta de recursos das unidades, a consequente


precariedade das condições de trabalho refletida na assistência
dispensada à população e seu atrelamento às políticas de saúde
mental e trabalhista nacionais. As amarras dos caráteres trabalhista
e humanitário dão grande repercussão ao movimento, que consegue
se manter por cerca de oito meses em destaque na grande imprensa
(AMARANTE, 1998, p. 96).

Na história da Reforma Psiquiátrica Brasileira, a crise da DINSAM e o


Movimento de Trabalhadores de Saúde Mental são considerados estopins, pois,
a partir desses eventos, os horrores da assistência psiquiátrica no Brasil, que até
então estavam invisibilizados, puderam vir à tona (AMARANTE, 1998).

2.5 CONFERÊNCIAS NACIONAIS DE SAÚDE MENTAL (CNSM)


Conferências são encontros com poder deliberativo nos quais
representantes de diversas áreas se reúnem para debater um tema em comum. As
Conferências Nacionais de Saúde Mental eram precedidas de encontros locais e
regionais. Em cada um desses encontros, eram votados delegados representantes
advindos do poder público, dos trabalhadores de saúde mental e de usuários e
familiares, para representarem as propostas nas conferências. Nesse sentindo, as
conferências se configuravam como instâncias democráticas que possibilitaram
ampla participação dos atores sociais envolvidos na temática da Reforma
Psiquiátrica Brasileira.

154
TÓPICO 2 — REFORMA PSIQUIÁTRICA BRASILEIRA

2.5.1 I Conferência Nacional de Saúde Mental (CNSM)


A primeira Conferência Nacional de Saúde Mental aconteceu em 1987,
um pouco antes da nova Constituição Federal que, em 1988, também consolidou
as bases legais para o Sistema Único de Saúde (SUS). O clima de expansão
democrática e as críticas às denúncias de violências ocorridas no campo da saúde
mental, na época da ditadura, fizeram com que a I CNSM fosse pautada por
temas ligados à relação sociedade-estado, com críticas à instituição psiquiátrica
como instrumento de dominação e exclusão (COUTO; DELGADO, 2015).

Amarante (2003b) apresenta, a seguir, os temas da I Conferência Nacional


de Saúde Mental.

QUADRO 4 – TEMAS DA I CONFERÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE MENTAL

Temas da I Conferência Nacional de Saúde Mental

Economia, Sociedade e Estado: impactos sobre a saúde e doença mental

Reforma Sanitária e reorganização da assistência à saúde mental

Cidadania e doença mental: direitos, deveres e legislação do doente mental

FONTE: Adaptado de Amarante (2003b)

O relatório final apontava para a emergência na transformação do modelo


assistencial em saúde mental vigente no país, que tinha hegemonia no modelo
hospitalocêntrico em detrimento de práticas comunitárias e de reinserção social.
Lutava-se, assim, pelo direito à cidadania e dignidade das pessoas internadas
(COUTO; DELGADO, 2015).

NOTA

Você perceberá que, a partir do processo da reforma psiquiátrica, quando nos


referirmos às pessoas que realizam tratamento nos serviços substitutivos ou participam das
Conferências Nacionais de Saúde Mental, usaremos o termo usuário. Esse termo se refere
ao usuário no sentido da pessoa que usa o serviço de saúde mental.

155
UNIDADE 3 — SAÚDE COLETIVA E POLÍTICAS PÚBLICAS EM SAÚDE DA MENTE

2.5.2 II Conferência Nacional de Saúde Mental


A II Conferência Nacional de Saúde Mental aconteceu em 1992, dois anos
após o Brasil ser signatário da Declaração de Caracas, que previa a implementação
do modelo comunitário em detrimento ao modelo asilar na atenção psiquiátrica
(COUTO; DELGADO, 2015). Seu tema foi “A reestruturação da atenção em saúde
mental no Brasil: modelo assistencial e direito à cidadania”, e o relatório final
indicava os princípios e diretrizes para o processo de desinstitucionalização
pautados na reforma psiquiátrica (HEIDRICH, 2007).

NOTA

A Declaração de Caracas é o documento final da Conferência Regional para a


Reestruturação da Atenção Psiquiátrica na América Latina no Contexto dos Sistemas Locais
de Saúde, realizada pela Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS). Esse documento,
divulgado em 1990, com o nome original de A Reestruturação da Atenção Psiquiátrica na
América Latina: Uma Nova Política para os Serviços de Saúde Mental, foi a base ideológica
e conceitual para a sistematização da crítica ao modelo de atenção em psiquiatria em que
o hospital era central. Assim, estimulou a implementação de serviços de saúde mental de
base comunitária por toda a América Latina.

É importante salientar que, nessa conferência, foi expressivo o número de


familiares e usuários atuantes como delegados, o que pode indicar um marcador
de mudanças na lógica de construção de políticas públicas na área de saúde
mental (HEIDRICH, 2007; COUTO; DELGADO, 2015).

2.5.3 III Conferência Nacional de Saúde Mental


O ano de 2001 foi marcado por eventos significativos para a saúde mental
brasileira. Além da Organização Mundial de Saúde (OMS) escolher, como tema
para a comemoração do Dia Mundial da Saúde, a saúde mental, a partir do lema
“Cuidar sim, Excluir Não”, em abril desse ano, foi promulgada a Lei n° 10.216,
conhecida como Lei da Reforma Psiquiátrica, em 2001.

Diante desse cenário, ocorreu a III Conferência Nacional de Saúde Mental,


que, assim como a OMS, aderiu ao lema “Cuidar sim, Excluir não”.

Nessa conferência, mudou a forma das terminologias associadas à loucura,


utilizando-se expressões, como ““pessoas portadoras de sofrimento psíquico” e
“portadores de transtornos mentais”” (HEIDRICH, 2007, p. 164).

156
TÓPICO 2 — REFORMA PSIQUIÁTRICA BRASILEIRA

Dentre os temas tratados durante a conferência, Heidrich (2007) destaca


os apresentados a seguir:

• Orientações a respeito dos princípios de cuidar no modelo psicossocial


(foram apresentados avanços que já ocorriam em serviços substitutivos aos
manicômios e práticas extra-hospitalares).
• Ênfase na reinserção social.
• Defesa da intersetorialidade, incluindo, na pauta, educação, assistência social,
cultura e habitação.
• Promoção da cidadania.
• Transformação, nas legislações civil e penal, de termos pejorativos relacionando
a loucura à periculosidade.
• Desinstitucionalização.

A III CNSM deu o tom do ideal de reforma psiquiátrica que se esperava


nos anos seguintes, como “a extinção de todos os leitos em hospitais psiquiátricos
no Brasil até 2004; a abolição do eletrochoque; a compreensão dos serviços
substitutivos como meio, e não como fim, visando à permanente reinserção social
das pessoas portadoras de sofrimento psíquico” (HEIDRICH, 2007, p. 166).

2.5.4 IV Conferência Nacional de Saúde Mental –


Intersetorial
A IV Conferência Nacional de Saúde Mental aconteceu em 2010, em
Brasília, com o tema: Saúde mental direito e compromisso de todos: consolidar
avanços e enfrentar desafios. Com grande participação de usuários, familiares
e sociedade civil, os princípios da desinstitucionalização foram retomados
(HEIDRICH et al., 2015).

Essa conferência inovou ao convidar, para o debate, outros campos, além


da saúde. Seu caráter intersetorial era um indicativo da expansão da compreensão
da loucura, até então, restrita à área da saúde (HEIDRICH et al., 2015).

Ocorreram, também, debates acerca da garantia de efetivação dos direitos


humanos, exercício da cidadania e combate aos estigmas associados à loucura
(HEIDRICH et al., 2015).

157
UNIDADE 3 — SAÚDE COLETIVA E POLÍTICAS PÚBLICAS EM SAÚDE DA MENTE

2.6 MOVIMENTO NACIONAL DA LUTA ANTIMANICOMIAL


(MNLM)
Em 1987, além da realização da I Conferência Nacional de Saúde Mental,
aconteceu o II Congresso Nacional do MTSM, em Bauru – SP.

Esse segundo evento vai registrar a presença de associações de usuários


e familiares, como a “Loucos pela Vida”, de São Paulo, e a Sociedade
de Serviços Gerais para a Integração Social pelo Trabalho (SOSINTRA),
do Rio de Janeiro. Com a participação de novas associações, passa
a se construir um movimento mais amplo, na medida em que não
apenas trabalhadores, mas outros atores se incorporam à luta pela
transformação das políticas e práticas psiquiátricas (LÜCHMANN;
RODRIGUES, 2007, p. 403).

A partir desse encontro, o movimento passou a se chamar Movimento


Nacional da Luta Antimanicomial (MNLM), e, além de uma ampliação dos
membros, com a participação de usuários, familiares, integrantes de associações
profissionais e sindicalistas, retomou o questionamento das bases conceituais do
saber psiquiátrico, das práticas de institucionalização; denunciava a violência dos
manicômios, a transformação da loucura em mercadoria e a hegemonia da rede
privada de assistência (AMARANTE, 1998). Assim, “o movimento se apropria da
discussão que extrapola o campo da psiquiatria e passa a entender que transformar o
manicômio significa transformar a sociedade” (HEIDRICH, 2007, p. 108).

O dia 18 de maio foi considerado, a partir do congresso de Bauru, o


Dia Nacional da Luta Antimanicomial, e seu lema é: “Por uma sociedade sem
manicômios”. Em 1993, foi realizado o I Encontro Nacional da Luta Antimanicomial
em Salvador (BA), quando foi construída a carta de direitos dos usuários e
familiares dos serviços de saúde mental, e se reafirmaram as características do
movimento como autônomo, plural e parceiro de outros movimentos sociais,
além da responsabilidade para que a sociedade possa refletir a respeito das suas
pautas (LUCHMANN; RODRIGUES, 2007). Lobosque (2001 apud LUCHMANN;
RODRIGUES, 2007, p. 403, grifo do autor) sintetiza a proposta do Movimento
Nacional da Luta Antimanicomial, ao defini-lo como:

Movimento da Luta Antimanicomial – Movimento –, não um partido,


uma nova instituição ou entidade, mas um modo político peculiar
de organização da sociedade em prol de uma causa; Nacional – não
algo que ocorre isoladamente num determinado ponto do país, e sim
um conjunto de práticas vigentes em pontos mais diversos do nosso
território; Luta – não uma solicitação, mas um enfrentamento, não
um consenso, mas algo que põe, em questão, poderes e privilégios;
Antimanicomial – uma posição clara então escolhida com a palavra de
ordem indispensável a um combate político, e que, desde então, nos
reúne por uma sociedade sem manicômios.

Assim, o MNLM se configurou como um avanço na construção de um novo


lugar social para o sofrimento psíquico, refletindo e apoiando as transformações
nas políticas de saúde mental e na rede assistencial.

158
TÓPICO 2 — REFORMA PSIQUIÁTRICA BRASILEIRA

3 LEI N° 10.216, DE 6 DE ABRIL DE 2001 – LEI DA


REFORMA PSIQUIÁTRICA
A Lei n° 10.216/01, conhecida como Lei da Reforma Psiquiátrica, é
considerada o marco legal para a Reforma Psiquiátrica Brasileira. Foi proposta pelo
deputado Paulo Delgado e ficou 12 anos em tramitação até que foi promulgada, em
2001. O texto da referida lei não é o original. Dentre as supressões, pode-se citar a
obrigatoriedade da extinção dos leitos psiquiátricos no país (OLIVEIRA et al., 2009).

Apesar das supressões, a Lei da Reforma Psiquiátrica representou um


avanço para a assistência em saúde mental no Brasil, pois tratava da proteção e
dos direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais, além de redirecionar
o modelo assistencial em saúde mental. No artigo primeiro, garante que não
haverá forma alguma de discriminação, como raça, orientação sexual, religião,
condição econômica, idade, religião, opção política, nacionalidade ou gravidade
de sua condição de saúde, para que os direitos sejam assegurados (BRASIL, 2001).

A seguir, serão apresentados os direitos garantidos pela Lei da Reforma


Psiquiátrica.

QUADRO 5 – DIREITOS GARANTIDOS PELA LEI 10.216/2001

Ter acesso ao melhor tratamento do sistema de saúde, consentâneo às necessidades


Ser tratado com humanidade e respeito e no interesse exclusivo de beneficiar sua saúde, visando
alcançar sua recuperação pela inserção na família, no trabalho e na comunidade.
Ser protegido contra qualquer forma de abuso e exploração.
Ter garantia de sigilo nas informações prestadas.
Ter direito à presença médica, em qualquer tempo, para esclarecer a necessidade ou não de sua
hospitalização involuntária.
Ter livre acesso aos meios de comunicação disponíveis.
Receber o maior número de informações a respeito de sua doença e de seu tratamento.
Ser tratado em ambiente terapêutico pelos meios menos invasivos possíveis.
Ser tratado, preferencialmente, em serviços comunitários de saúde mental.

FONTE: Brasil (2001)

A Lei também afirma que o Estado é responsável, assim como a sociedade


e a família, pela elaboração e efetivação das políticas públicas necessárias para
que esse objetivo seja atingido (BRASIL, 2001).  Com relação à internação, a lei
garantiu que essa opção de tratamento só fosse utilizada quando os recursos
extra-hospitalares fossem insuficientes. Deveria, assim, ser realizada mediante
laudo médico, e poderia ser voluntária (há consentimento da pessoa que será
internada), involuntária (sem o consentimento da pessoa que será internada,
sendo o pedido realizado por terceiro) e internação compulsória (determinada
pela Justiça) (BRASIL, 2001). O artigo 4 trata das determinações da internação:

159
UNIDADE 3 — SAÚDE COLETIVA E POLÍTICAS PÚBLICAS EM SAÚDE DA MENTE

Art. 4o A internação, em qualquer de suas modalidades, só será indicada


quando os recursos extra-hospitalares se mostrarem insuficientes.
§ 1o  O tratamento visará, como finalidade permanente, à reinserção
social do paciente no seu meio.
§ 2o O tratamento em regime de internação será estruturado de forma
a oferecer assistência integral à pessoa portadora de transtornos
mentais, incluindo serviços médicos, de assistência social, psicológicos,
ocupacionais, de lazer e outros.
§ 3o  É vedada a internação de pacientes portadores de transtornos
mentais em instituições com características asilares, ou seja, aquelas
desprovidas dos recursos mencionados no § 2o e que não assegurem,
aos pacientes, os direitos enumerados no parágrafo único do art. 2o
(BRASIL, 2001).

No artigo 5°, a lei trata das pessoas com histórico de longas internações
(superior a dois anos) e/ou pessoas com grave dependência institucional. O artigo
afirma que há política específica para essas situações, que trabalham com alta
planejada e reabilitação psicossocial assistida. As Residências Terapêuticas e o
Programa de Volta para Casa, que veremos posteriormente, fazem parte dessas
políticas (BRASIL, 2001; BRASIL, 2004a).

A partir da Lei n° 10.216/01, além da transformação nos serviços de


assistência à saúde mental, em que houve um incremento em dispositivos extra-
hospitalares, de bases comunitárias e intersetoriais, também aconteceu um
declínio nos gastos com serviços hospitalares, além do aumento do financiamento
de serviços extra-hospitalares (NUNES et al., 2019).

4 PORTARIA N° 336, DE 19 DE FEVEREIRO DE 2002 –


CENTRO DE ATENÇÃO PSICOSSOCIAL (CAPS)
O Centro de Atenção Psicossocial, ou Núcleo de Atenção Psicossocial
(NAPS), foi criado pela Portaria n° 224, em 1992, e tinha, como diretrizes, a
organização de serviços baseada nos princípios de universalidade, hierarquização,
regionalização e integralidade das ações;  diversidade de métodos e técnicas
terapêuticas nos vários níveis de complexidade assistencial;  garantia da
continuidade da atenção nos vários níveis; multiprofissionalidade na prestação
de serviços; ênfase na participação social desde a formulação das políticas de
saúde mental até o controle da sua execução;  e definição dos órgãos gestores
locais como responsáveis pela complementação da presente portaria normativa e
pelo controle e avaliação dos serviços prestados (BRASIL, 1992; BRASIL, 2004b).

Antes da promulgação da portaria, já existiam NAPS e CAPS em


funcionamento no país. O Centro de Atenção Psicossocial Luiz da Rocha
Cerqueira, conhecido como CAPS Itapeva, foi inaugurado em São Paulo, em 1986
(BRASIL, 2004b).

160
TÓPICO 2 — REFORMA PSIQUIÁTRICA BRASILEIRA

Em 2002, uma nova portaria, para regulamentar o funcionamento dos


CAPS, foi promulgada. A respeito da Portaria n° 336/02, Brasil (2004b, p. 12)
afirma que:

Os CAPS [...] são, atualmente, regulamentados pela Portaria n°336/


GM, de 19 de fevereiro de 2002, e integram a rede do Sistema Único de
Saúde, o SUS. Essa portaria reconheceu e ampliou o funcionamento e
a complexidade dos CAPS, que têm a missão de dar um atendimento
diuturno às pessoas que sofrem com transtornos mentais severos e
persistentes em um dado território, oferecendo cuidados clínicos e
de reabilitação psicossocial, com o objetivo de substituir o modelo
hospitalocêntrico, evitando as internações e favorecendo os exercícios
da cidadania e da inclusão social de usuários e das suas famílias.

Dentre as atividades realizadas no CAPS, estão incluídas: atendimento


individual, com as especialidades disponíveis nos serviços; atendimento em
grupo; oficinas terapêuticas, como artesanato e horta; visitas domiciliares;
atendimento à família; atividades de reinserção social; atividades intersetoriais
(educação, cultura, assistência social, trabalho); e alimentação, sendo uma
refeição para quem permanecer por um turno de quatro horas, duas refeições
para quem permanecer no serviço por oito horas, e quatro refeições para quem
ficar na hospitalidade por 24 horas (BRASIL, 2002a).

Essa portaria estabeleceu as modalidades de CAPS, determinando seu


público-alvo, horário de funcionamento e cobertura populacional, conforme
descrito a seguir:

QUADRO 6 – CARACTERIZAÇÃO DOS CENTROS DE ATENÇÃO PSICOSSOCIAL NO QUE SE


REFERE À MODALIDADE, PÚBLICO-ALVO E COBERTURA POPULACIONAL

Horário de Cobertura populacional/


Modalidade Público-alvo
Funcionamento município
Adultos com 20.000 a 70.000 habitantes
CAPS I transtornos mentais 8h às 18h (atualmente, a partir de 15.000
severos e persistentes habitantes)
Adultos com 8h às 18h
CAPS II transtornos mentais Pode ter um terceiro 70.000 a 200.000 habitantes
severos e persistentes horário, até 21h
Adultos com 24h Acima de 200.000 habitantes
CAPS III transtornos mentais Inclusive fins de (atualmente, a partir de
severos e persistentes semana e feriados 150.000 habitantes)
Crianças e
8h às 18h Acima de 200.000 habitantes
adolescentes com
CAPSi Pode ter um terceiro (atualmente, a partir de 70.000
transtornos mentais
horário, até 21h habitantes)
severos e persistentes
Adultos que fazem 8h às 18h Acima de 100.000 habitantes
CAPS ad uso problemático de Pode ter um terceiro (atualmente, a partir de 70.000
álcool e outras drogas horário, até 21h habitantes)

FONTE: Brasil (2004b)

161
UNIDADE 3 — SAÚDE COLETIVA E POLÍTICAS PÚBLICAS EM SAÚDE DA MENTE

A portaria também estabeleceu a equipe mínima para funcionamento de


cada modalidade. Ao ler “profissionais de nível superior”, é preciso considerar
psicólogo, assistente social, terapeuta ocupacional, pedagogo ou outro profissional
necessário ao projeto terapêutico. Ainda, ao ler “profissionais de nível médio”,
considerar técnico e/ou auxiliar de enfermagem, técnico administrativo, técnico
educacional e artesão (BRASIL, 2002a).

CAPS I- Um médico com formação em saúde mental, um enfermeiro,


três profissionais de nível superior, quatro profissionais de nível médio. Essa
equipe pode contemplar até 20 pacientes por turno, com limite de 30 por dia em
regime intensivo.

CAPS II- Um médico psiquiatra, um enfermeiro com formação em saúde


mental, quatro profissionais de nível superior, seis profissionais de nível médio.
Essa equipe pode contemplar até 30 pacientes por turno, com limite de 45 por dia
em regime intensivo.

CAPS III- Dois médicos psiquiatras, um enfermeiro com formação em saúde


mental, cinco profissionais de nível superior, oito profissionais de nível médio. Para
o período de acolhimento noturno (12 horas), a equipe deverá ser composta por
três técnicos/auxiliares de enfermagem, sob supervisão do enfermeiro do serviço,
um profissional de nível médio da área de apoio. Para o atendimento durante os
plantões de fim de semana e feriados (12 horas): um profissional de nível superior
dentre as seguintes categorias, aqui, incluídos médicos e enfermeiros, três técnicos/
auxiliares técnicos de enfermagem, sob supervisão do enfermeiro do serviço, um
profissional de nível médio da área de apoio.

CAPS i- Um médico psiquiatra, ou neurologista ou pediatra com formação


em saúde mental, um enfermeiro, quatro profissionais de nível superior,
cinco profissionais de nível médio. Essa equipe pode atender até 15 crianças e
adolescentes por turno, com limite de 25 por dia.

CAPS ad- Um médico psiquiatra, um enfermeiro com formação em


saúde mental, um médico clínico, quatro profissionais de nível superior, seis
profissionais de nível médio. Essa equipe pode atender até 25 pacientes por turno,
com limite de 45 por dia.

Os CAPS são os principais serviços substitutivos ao manicômio, pois são


os organizadores da demanda de saúde mental do território de abrangência e
reguladores da porta de entrada de assistência no território. Realizam supervisões
e capacitações de outras equipes de saúde, como a atenção básica até a hospitalar.
Também são o serviço de “referência e tratamento para as pessoas que sofrem
com transtornos mentais [...], cuja severidade e/ou persistência justifiquem sua
permanência em um dispositivo de cuidado intensivo, comunitário, personalizado
e promotor de vida” (BRASIL, 2004b, p. 13).

162
TÓPICO 2 — REFORMA PSIQUIÁTRICA BRASILEIRA

NOTA

Regime intensivo: refere-se a pessoas que frequentam o serviço diariamente.

Regime semi-intensivo: refere-se a pessoas que frequentam o serviço três vezes por semana.

Regime não intensivo: refere-se a pessoas que frequentam o serviço uma vez por semana
ou para atendimentos pontuais.

5 ESTRATÉGIAS DE DESINSTITUCIONALIZAÇÃO
No ideário do processo de desinstitucionalização pautado pela reforma
psiquiátrica brasileira, duas estratégias merecem destaque: Serviços Residenciais
Terapêuticos e o Programa de Volta para Casa.

5.1 SERVIÇO RESIDENCIAL TERAPÊUTICO (SRT)


O Serviço Residencial Terapêutico (SRT), também chamado de Residência
Terapêutica, é um serviço assistencial substitutivo do hospital psiquiátrico, que foi
instituído pela Portaria n° 106, de 11 de fevereiro de 2000. No Artigo 1°, parágrafo
único, define-se o que é um Serviço Residencial Terapêutico:

Entendem-se, como Serviços Residenciais Terapêuticos, moradias


ou casas inseridas, preferencialmente, na comunidade, destinadas a
cuidar dos portadores de transtornos mentais, egressos de internações
psiquiátricas de longa permanência, que não possuam suporte social
e laços familiares e que viabilizem sua inserção social (BRASIL, 2000).

As casas devem ser localizadas em meio urbano, isto é, não devem ser
geograficamente isoladas, e cada uma pode receber até oito moradores que, além
da equipe que trabalha na residência, terão a atenção básica como referência
para questões clínicas e o CAPS da região como suporte para o tratamento da
saúde mental. Nas ações terapêuticas, devem ser consideradas as singularidades
de cada morador, além das necessidades coletivas. É fundamental que cada
morador tenha um técnico de referência para auxiliá-lo no projeto terapêutico
(BRASIL, 2004a).
O processo de reabilitação psicossocial deve buscar, de modo especial,
a inserção do usuário na rede de serviços, organizações e relações
sociais da comunidade. Ou seja, a inserção em um SRT é o início
de longo processo de reabilitação que deverá buscar a progressiva
inclusão social do morador (BRASIL, 2004a, p. 6).

163
UNIDADE 3 — SAÚDE COLETIVA E POLÍTICAS PÚBLICAS EM SAÚDE DA MENTE

É importante salientar que, apesar de ser um serviço criado a partir das


propostas da reforma psiquiátrica, a residência terapêutica se configura como
uma moradia, isto é, sua finalidade fundamental é morar, ocupar a cidade.

Nesse sentido, o funcionamento da moradia deve estimular o


estabelecimento do vínculo entre profissionais e moradores, e entre moradores
e moradores, mediando conflitos, quando existirem. A realização das tarefas
domésticas deve ser combinada e distribuída conforme possibilidades de
execução e interesse, atentando-se para a prevenção de acidentes (BRASIL 2004a).

Por ser uma das estratégias de desinstitucionalização, a Portaria n° 106/00


prevê, no artigo 2°, que todo paciente, em internação de longa permanência,
ao deixar o hospital, sua vaga deve ser extinta, e o recurso de financiamento
deve ser destinado para a rede substitutiva (BRASIL, 2000). Para o sucesso da
implementação de uma residência terapêutica, é necessária a união do “gestor,
comunidade, usuários, profissionais de saúde, vizinhança e rede social de apoio”
(BRASIL, 2004a, p. 7).

DICAS

Você pode compreender melhor o funcionamento de uma residência


terapêutica lendo o artigo De Casa para o Meio-Fio: Pequenas Histórias de Uma Residência
Terapêutica: http://www.scielo.br/pdf/fractal/v31n3/1984-0292-fractal-31-03-328.pdf.

5.2 PROGRAMA DE VOLTA PARA CASA


Através da Lei n° 10.708, de 31 de julho de 2003, ficou instituído o auxílio-
reabilitação psicossocial, conhecido como Programa de Volta Para Casa, que é
um incentivo financeiro à desinstitucionalização destinado a pessoas egressas de
internações de longa permanência, isto é, aquelas que ocorreram por dois anos
ininterruptos ou mais (BRASIL, 2003a).

Para que a pessoa tenha direito a receber o auxílio, ela precisa apresentar
condições clínicas e sociais de ter alta hospitalar e residir com a família, ou em
uma residência terapêutica. Ainda, ser acompanhada pelo CAPS do território
ou outro serviço de saúde mental de base comunitária. O benefício é suspenso
em caso de óbito, reinternação em hospital psiquiátrico ou quando o beneficiado
alcança grau de autonomia, que o possibilita se manter financeiramente (BRASIL,
2003a). O valor estabelecido, em 2003, era de R$ 240 mensais. Atualmente, o valor
pago é de R$ 412 (NUNES et al., 2019).

164
TÓPICO 2 — REFORMA PSIQUIÁTRICA BRASILEIRA

Os Serviços Residenciais Terapêuticos e o Programa de Volta para Casa são


componentes fundamentais para o processo de desinstitucionalização daqueles que
ficaram mais de dois anos em internação psiquiátrica, uma vez que, conjuntamente,
possibilitam a saída do hospital psiquiátrico de forma assistida, com planejamentos
clínico e social para o início do processo de reabilitação psicossocial.

NOTA

Reabilitação psicossocial é um conceito intimamente relacionado ao conceito


de desinstitucionalização, uma vez que se refere a estratégias que objetivam o resgate da
cidadania e da melhoria da qualidade de vida de pessoas em sofrimento psíquico grave,
respeitando sua singularidade e desejos.

DICAS

Você pode compreender melhor o conceito de reabilitação psicossocial,


lendo o livro Reabilitação Psicossocial no Brasil, organizado por Ana Pitta e publicado
pela editora Hucitec.

6 REDE DE ATENÇÃO PSICOSSOCIAL (RAPS)


Através da Portaria n° 3.088, de 2011, foram instituídas as diretrizes para
o funcionamento da Rede De Atenção Psicossocial, cujas finalidades são a criação,
ampliação e articulação de pontos de atenção à saúde para pessoas com sofrimento
ou transtorno mental, incluindo aquelas com necessidades decorrentes do uso de
crack, álcool e outras drogas, no âmbito do Sistema Único de Saúde (BRASIL,
2011). No artigo 2°, foram definidas as diretrizes para a efetivação da RAPS:

I- respeito aos direitos humanos, garantindo a autonomia e a


liberdade das pessoas;
II- promoção da equidade, reconhecendo os determinantes sociais
da saúde;
III- combate a estigmas e preconceitos;
IV- garantia do acesso e da qualidade dos serviços, ofertando
cuidado integral e assistência multiprofissional sob a lógica
interdisciplinar;
V- atenção humanizada e centrada nas necessidades das pessoas;
VI- diversificação das estratégias de cuidado;
VII- desenvolvimento de atividades no território, que favoreça
a inclusão social com vistas à promoção de autonomia e ao
exercício da cidadania;

165
UNIDADE 3 — SAÚDE COLETIVA E POLÍTICAS PÚBLICAS EM SAÚDE DA MENTE

VIII- desenvolvimento de estratégias de redução de danos;


IX- ênfase em serviços de bases territorial e comunitária, com
participação e controle social dos usuários e dos seus familiares;
X- organização dos serviços na rede de atenção à saúde
regionalizada, com estabelecimento de ações intersetoriais para
garantir a integralidade do cuidado;
XI- promoção de estratégias de educação permanente; e
XII- desenvolvimento da lógica do cuidado para pessoas com
sofrimento ou transtorno mental, incluindo aquelas com
necessidades decorrentes do uso de crack, álcool e outras drogas,
tendo, como eixo central, a construção do projeto terapêutico
singular (BRASIL, 2011).

Seus objetivos se referem à ampliação do acesso à atenção psicossocial,


com a lógica do cuidado pautada no acolhimento, acompanhamento contínuo e
em urgências. Ainda, articulação e integração entre os serviços componentes da
rede de saúde, com os propósitos de ofertar, prevenir e reduzir danos relacionados
ao consumo de crack e outras drogas, através da rede de saúde e da sociedade
civil (BRASIL, 2011).

Os componentes que constituem a Rede de Atenção Psicossocial


são: atenção básica, atenção psicossocial estratégica, atenção de urgência e
emergência, atenção residencial de caráter transitório, atenção hospitalar,
estratégia de desinstitucionalização e estratégias de reabilitação psicossocial
(BRASIL, 2011). O quadro a seguir descreve os componentes de atenção da
Rede de Atenção Psicossocial.

QUADRO 7 – COMPONENTES DA REDE DE ATENÇÃO PSICOSSOCIAL

COMPONENTES DA REDE DE ATENÇÃO PSICOSSOCIAL


Unidade básica de saúde; Núcleo de apoio à saúde da família;
Consultório na rua; Centros de convivência e cultura; Equipe de
Atenção Básica
apoio aos serviços do componente Atenção Residencial de Caráter
Transitório.
Atenção Psicossocial Todas as modalidades do Centro de Atenção Psicossocial.
SAMU 192; Sala de Estabilização; UPA 24 horas; Portas hospitalares de
Atenção de Urgência e
atenção à urgência/pronto-socorro no hospital geral; Unidades básicas
Emergência
de saúde.
Atenção Residencial de
Unidade de acolhimento; Serviços de atenção em regime residencial.
Caráter Transitório
Leitos de psiquiatria em hospital geral; Serviço hospitalar de referência
para atenção às pessoas com sofrimento ou transtorno mental,
Atenção Hospitalar
incluindo aquelas com necessidades decorrentes do uso de crack,
álcool e outras drogas (Leitos de Saúde Mental em Hospital Geral).
Estratégias de
Serviços residenciais terapêuticos.
Desinstitucionalização
Estratégias de Iniciativas de trabalho e geração de renda, empreendimentos solidários
Reabilitação Psicossocial e cooperativas sociais.

FONTE: Brasil (2011)

166
TÓPICO 2 — REFORMA PSIQUIÁTRICA BRASILEIRA

A instituição da RAPS, dez anos após a promulgação da Lei da Reforma


Psiquiátrica (Lei n° 10.216), fortaleceu as expectativas de que os ideários da Reforma
Psiquiátrica Brasileira, mesmo após uma década, ainda estavam representados
através das políticas públicas, porém, é preciso se perguntar se, na atualidade, essa
realidade ainda se mantém. Nunes et al. (2019, p. 4491) afirmam que:

A RPB representou uma memorável conquista social e um avanço


civilizatório. Ao longo de três décadas, os diferentes segmentos de
movimentos antimanicomiais conseguiram construir uma proposta
contra-hegemônica para a Política Nacional de Saúde Mental, outrora
concentrada na atenção hospitalar. Os primeiros 15 anos do século XXI
foram de grande efervescência para o movimento reformista brasileiro
– fruto de lutas históricas, mas também de uma conjuntura política
favorável, traduzida em uma política de saúde mental bastante
progressista e internacionalmente reconhecida.

Os autores citados salientam que os primeiros 15 anos do século XXI foram


de grande efervescência para a Reforma Psiquiátrica Brasileira, mas o que terá
acontecido após esse período? Como está a legislação de saúde mental brasileira
na atualidade? Essa questão será esclarecida a seguir.

NOTA

Uma das perspectivas éticas do cuidado da saúde mental, após a Reforma


Psiquiátrica, pauta-se na lógica da construção do Projeto Terapêutico Singular (PTS).

Esse projeto se refere a uma construção coletiva entre equipe interdisciplinar,


chamada de equipe de referência, e o usuário do serviço. Conjuntamente, são estabelecidas
metas e estratégias que permitam o cuidado de forma singularizada, e que são revistas e
repensadas conforme equipe e usuários julguem necessário. Assim, o PTS é mais do que
uma agenda de atividades, mas um horizonte prospectivo de cuidado.

7 A NOVA POLÍTICA DE SAÚDE MENTAL


Em maio de 2019, Pedro Gabriel Delgado, professor do Instituto de
Psiquiatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), e um dos líderes
do processo da Reforma Psiquiátrica na década de 1970, concedeu entrevista ao
Portal de Periódicos Fiocruz: A Nova Política de Saúde Mental: O Modelo de Atenção
Psicossocial no Brasil Está em Jogo (CEBES, 2010).

Delgado, inicialmente, retoma o histórico da Reforma Psiquiátrica


Brasileira, afirmando que, antes da década de 1970, a assistência psiquiátrica no
Brasil se restringia à atenção hospitalar. O excesso de investimento financeiro
nas internações hospitalares representava dois problemas: o primeiro era a

167
UNIDADE 3 — SAÚDE COLETIVA E POLÍTICAS PÚBLICAS EM SAÚDE DA MENTE

característica iatrogênica das internações, uma vez que a maioria das pessoas não
saía mais dos hospitais, além das frequentes denúncias de maus-tratos, mortes
não esclarecidas, abandono e demais formas de violência, que salientavam a
não efetividade terapêutica das internações. O segundo problema se refere à
desassistência àqueles que não chegavam à internação e também não tinham
outra opção de tratamento fora do hospital psiquiátrico. Nesse cenário, após a
década de 1980, e, especialmente, após a promulgação da Lei n° 10.216/01, houve
um significativo incremento na oferta de serviços em saúde mental (CEBES, 2010).

Em seguida, o professor relembra outra contribuição da RPB, que se


relaciona à concepção de loucura. Enfatiza que, historicamente, a loucura esteve
associada a concepções reducionistas, pautadas, hegemonicamente, em teóricas
biológicas, que negavam a vasta complexidade desse fenômeno humano. Segundo
Delgado, as experiências da RPB contribuíram para novas formas teóricas a
respeito da loucura surgissem, e para o combate ao estigma associado à loucura
(CEBES, 2010).

Por fim, apresenta seu posicionamento em relação às novas publicações


legais associadas ao campo da saúde mental. Ao se referir à Nota Técnica n°
11/2019, salienta que o destaque ao financiamento da eletroconvulsoterapia (ECT)
indica uma mensagem que representa o interesse de se retomar as concepções
biológicas do sofrimento psíquico, tão veementemente combatidas nos anos
vindouros da Reforma Psiquiátrica Brasileira (BRASIL, 2019a; CEBES, 2010).

Através dessa entrevista, percebe-se uma preocupação a respeito dos


rumos da nova política de saúde mental, indicando que, apesar de novas em
termos cronológicos, suas propostas e concepções podem ser significativamente
ultrapassadas.

A esse respeito, Nunes et al. (2019) apontam alguns elementos de


financiamento e forças políticas que se configuram como uma contrarreforma.
Segundo os autores, a Organização Mundial da Saúde (OMS) afirma que, em
países desenvolvidos, há o gasto médio de 5% do orçamento geral da saúde
para as políticas de saúde mental. No Brasil, em 2017, o valor foi de 3% (NUNES
et al., 2019).

Em 2018, três portarias incrementaram as alterações no financiamento:


a Portaria n° 2.434 reajustou para 62% o valor de internações em hospitais
psiquiátricos, enquanto o financiamento dos CAPS estava congelado desde 2011;
a Portaria GM 3.659 representou um desinvestimento de cerca de 77 milhões nos
serviços da RAPS; e a Portaria GM 3.718 retomou 43 milhões da RAPS, alegando
que esses recursos não tinham sido executados (BRASIL, 2018 a; BRASIL, 2018b;
BRASIL, 2018c; NUNES et al., 2019).

168
TÓPICO 2 — REFORMA PSIQUIÁTRICA BRASILEIRA

Com essas mudanças, surgem formas promissoras de mercantilização


da atenção em saúde mental, quase como uma reedição da indústria
da loucura, denunciada nos anos de 1970. De certa forma, essa
compreensão procede, já que estão previstas algumas repetições nas
modalidades de lucrar com a loucura, como o fato de manter um
grande número de leitos em um estabelecimento de médio porte e em
serviços privados, ao mesmo tempo em que se aumenta o valor pago
por cada leito (NUNES et al., 2019, p. 4494).

Essas alterações nos financiamentos estão associadas a forças políticas


que, historicamente, posicionam-se contrárias à RPB. Nesse contexto, a Portaria
GM 3.588, de dezembro de 2017, faz frente a esses posicionamentos, ao propor
reverter a orientação ao modelo psicossocial, possibilitando, para isso, a inclusão
dos hospitais psiquiátricos entre os dispositivos da RAPS, que, no seu texto
original, previa apenas leitos psiquiátricos em hospitais gerais (BRASIL, 2017;
NUNES et al., 2019).

Nesse ínterim, a Nota Técnica n° 11/2019, do MS, apresenta o hospital


psiquiátrico de forma repaginada, com supostas práticas modernas e
humanizadas. Ainda, reitera a centralidade do tratamento na categoria médica e
suas respectivas tecnologias de intervenção (BRASIL, 2019a; NUNES et al., 2019).

A chamada Nova Política de Saúde Mental representa um incremento


nas relações entre os setores público e privado, possibilitando a retomada de
interesses econômicos na área da saúde mental e de concepções reducionistas e
unifatoriais associadas à concepção de sofrimento psíquico.

NOTA

A Nota Técnica n° 11/2019, intitulada Esclarecimentos sobre as Mudanças na


Política Nacional de Saúde Mental e nas Diretrizes da Política Nacional sobre Drogas, foi
suspensa após três dias da sua publicação, sem nenhuma orientação oficial do Ministério
da Saúde acerca do cancelamento, porém, segundo especialistas da área de saúde
mental e protagonistas do movimento antimanicomial, sua breve existência já anuncia as
propostas atuais no campo da saúde mental, a saber: retomada das concepções biológicas
do sofrimento psíquico e do financiamento, com recursos públicos, de leitos psiquiátricos.
Outra questão apontada pelos especialistas é a falta de transparência do atual governo em
relação às publicações oficiais, além do modo como as políticas estão sendo construídas.

169
RESUMO DO TÓPICO 2
Neste tópico, você aprendeu que:

• No período colonial, não havia um tipo de dispositivo institucional para cuidar


da loucura, e essa preocupação só surgiu alguns anos após a chegada da família
real portuguesa, em 1808, ao Brasil.

• O primeiro hospício do Brasil, o Hospício de Pedro II, foi inaugurado em


1852, sob o comando da Santa Casa de Misericórdia. Apenas na Proclamação
da República, esse hospício foi desvinculado da gestão religiosa e passou a se
chamar Hospício Nacional de Alienados.

• Nos primeiros anos do século XX, a Liga Brasileira de Higiene Mental se configurou
como uma política racista, xenofóbica e eugênica de lidar com a loucura.

• Nos anos 1970, o fenômeno denominado de Indústria da Loucura representava


o hiperfinanciamento de serviços privados e hospitalocêntricos em detrimento
ao subfinanciamento de serviços públicos e comunitários no campo da saúde
mental.

• A crise da DINSAM e o Movimento dos Trabalhadores de Saúde Mental são


considerados o ponto inicial do Movimento da Reforma Psiquiátrica Brasileira,
pois esses eventos marcaram a possibilidade de repensar o modelo assistencial
presente no Brasil até aquele momento.

• As décadas de 1980 e 1990 presenciaram intensas batalhas nos campos


assistencial e político. Nesse período, fortaleceu-se o Movimento Nacional da
Luta Antimanicomial, que tinha, como premissa, a transformação do modelo
assistencial em saúde mental.

• As Conferências Nacionais de Saúde Mental representam as instâncias


democráticas de construção das diretrizes para as políticas públicas de saúde
mental.

• A Lei n° 10.216 é o marco legal da Reforma Psiquiátrica Brasileira, e a Portaria


n° 336/02 regulamentou os CAPS, considerados os principais serviços
substitutivos aos manicômios.

• Os Serviços Residenciais Terapêuticos e o Programa de Volta para Casa formam


as principais estratégias de desinstitucionalização da RPB.

• A Nova Política de Saúde Mental tem possibilitado o retorno de concepções


biologizantes acerca do fenômeno da loucura e o interesse de setores econômicos
no campo da saúde mental.

170
AUTOATIVIDADE

1 A Reforma Psiquiátrica Brasileira (RPB) objetivou a transformação do


modelo assistencial, a concepção de sofrimento psíquico e a perspectiva da
cidadania como requisito para a reinserção social. Como aprendemos neste
tópico, sua construção não foi linear, nem hegemônica, visto que, em menos
de duas décadas após o marco legal, a Lei n° 10.216/01, já há legislações
que permitem flexibilizar estratégias que pareciam inquestionáveis, como
o aumento dos leitos psiquiátricos. Considerando o processo da Reforma
Psiquiátrica Brasileira, avalie as sentenças a seguir:

I- O Movimento dos Trabalhadores de Saúde Mental se caracterizou por


denúncias das condições de trabalho dos profissionais de saúde e das
precárias condições dos pacientes internados em manicômios. Essas
denúncias culminaram na chamada crise da DINSAM. Esses eventos
possibilitaram o início dos questionamentos acerca da assistência
psiquiátrica brasileira que, posteriormente, transformou-se na RPB.
II- Em 2001, dois acontecimentos fortaleceram a RPB: a promulgação da Lei
n° 10.216 e a III Conferência Nacional de Saúde Mental. A Lei n° 10.216
representou o marco legal, a partir do qual foi possibilitada a substituição
do modelo asilar pela atenção psicossocial; já a III CNSM foi marcada por
resistência dos interessados na manutenção do financiamento de leitos
privados para internação psiquiátrica.
III- O Movimento da Luta Antimanicomial se configurou como uma
organização médica e jurídica, pautada nos ideais higienistas da
supremacia da raça. Sua trajetória e papel na Reforma Psiquiátrica
Brasileira denunciam o interesse econômico da indústria da loucura que,
nos últimos anos, tem se fortalecido através de políticas de financiamento
de eletroconvulsoterapia ofertadas pelo Sistema Único de Saúde.
IV- Os Serviços Residenciais Terapêuticos e o Programa de Volta para
Casa são estratégias de desinstitucionalização, destinadas a egressos
de internações de longa permanência. As residências terapêuticas são
moradias assistidas, localizadas na área urbana, e seus moradores são
acompanhados pela CAPS do território. O Programa de Volta para Casa é
um auxílio financeiro que, atualmente, corresponde a R$ 412.

Assinale a alternativa CORRETA:


a) ( ) Somente a afirmativa IV está correta.
b) ( ) As afirmativas II e IV estão corretas.
c) ( ) As afirmativas I e IV estão corretas.
d) ( ) Somente a afirmativa II está correta.
e) ( ) As afirmativas I, II e III estão corretas.

171
2 A Rede de Atenção Psicossocial, ou RAPS, foi instituída com a Portaria
n° 3088 de 23 de dezembro de 2011 e dispõe sobre a criação, ampliação e
articulação de pontos de atenção à saúde para pessoas com sofrimento ou
transtorno mental e com necessidades decorrentes do uso de crack, álcool e
outras drogas, no âmbito do Sistema Único de Saúde.

A respeito dos objetivos e diretrizes da RAPS, avalie as alternativas abaixo e


assinale V para verdadeiro e F para falso:

( ) Entre seus objetivos está a garantia da articulação e integração dos pontos


de atenção das redes de saúde no território, qualificando o cuidado por
meio do acolhimento, do acompanhamento contínuo e da atenção às
urgências.
( ) Humanizar os hospitais psiquiátricos com a contratação de equipe
multiprofissional é um dos objetivo das RAPS.
( ) Um de seus objetivos é a promoção de vínculos das pessoas com transtornos
mentais e com necessidades decorrentes do uso de crack, álcool e outras
drogas e suas famílias aos pontos de atenção.
( ) Entre as suas diretrizes encontramos o respeito aos direitos humanos e o
combater a estigmais e preconceitos associadas a pessoas em sofrimento
psíquico grave.

É CORRETO o que se afirma em:


a) ( ) V; V; F; F.
b) ( ) V; F; V; V.
c) ( ) F; F; V; F.
d) ( ) F; V; V; F.
e) ( ) V; V; V; F.

3 As Conferências Nacionais de Saúde Mental (CNSM) foram instâncias


democráticas que possibilitaram ampla participação dos atores sociais
e contribuíram para o avanço da Reforma Psiquiátrica Brasileira. A esse
respeito, avalie as afirmativas a seguir:

I- Na I CNSM foram debatidos temas ligados à relação sociedade-estado,


onde apresentaram críticas à instituição psiquiátrica como instrumento de
dominação e exclusão de pessoas em sofrimento psíquico.
II- A partir da II CNSM, houve significativo aumento no número de usuários
e familiares eleitos como delegados, o que indicava retrocesso nas políticas
de saúde mental que os impedia de estar em tratamento para atuarem nas
conferências.
III- A III CNSM validou os ideários da Reforma Psiquiátrica Brasileira após
debater temas como reinserção social, desinstitucionalização, promoção
da cidadania, defesa da intersetorialidade e orientações sobre o modelo de
atenção psicossocial.

172
IV- A IV CNSM retomou os princípios da desinstitucionalização, a importância
da intervenção intersetorial, a retomada a eletroconvulsoterapia com
indicações específicas para depressões graves e efetivação dos direitos
humanos.

Assinale a alternativa CORRETA:


a) ( ) Somente a afirmativa IV está correta.
b) ( ) As afirmativas I e III estão corretas.
c) ( ) As afirmativas II e IV estão corretas.
d) ( ) Somente a afirmativa II está correta.
e) ( ) As afirmativas I, II e III estão corretas.

4 A história da assistência à saúde mental no Brasil passou por vários


momentos distintos tanto em relação à concepção sobre sofrimento
psíquico quanto em relação ao modelo de tratamento ofertado. Na década
de 1960, transformações sociopolíticas, influenciaram para o surgimento
da chamada “Indústria da Loucura”. Discorra sobre as características da
“Indústria da Loucura”.

5 Por que as Residências Terapêuticas e o Programa de Volta para Casa


são estratégias de desinstitucionalização fundamentais para a Reforma
Psiquiátrica Brasileira?

173
174
TÓPICO 3 —
UNIDADE 3

POLÍTICAS DE SAÚDE MENTAL NO ÂMBITO DE ÁLCOOL E


OUTRAS DROGAS

1 INTRODUÇÃO
Neste tópico, você estudará as políticas públicas de saúde mental
direcionadas às pessoas em sofrimento psíquico associadas ao uso de álcool e
outras drogas. Inicialmente serão apresentados o conceito de drogas e suas
classificações de acordo com os efeitos causados no sistema nervoso central. Em
seguida, será apresentado o paradigma do proibicionismo e da guerra às drogas
que se pautam no ideal de uma sociedade sem drogas e para isso utilizam ações
repressivas tanto ao tráfico quanto aos usuários de drogas. Posteriormente, será
estudado o paradigma da redução de danos que compreende que as drogas são
inerentes à humanidade e, a partir dessa percepção, propõe uma forma de atenção
às pessoas em sofrimento psíquico devido ao uso de álcool e outras drogas,
baseado no protagonismo e autonomia. Depois, serão apresentadas as políticas
nacionais sobre drogas. Iniciaremos fazendo um retorno ao início do século XX
em que as políticas brasileiras foram reflexos de acontecimentos internacionais
como a Conferência de Xangai (1909), a Convenção de Haia (1912) e a Lei Seca dos
Estados Unidos da América (1920-1933).

Perto do final do século XX, estudaremos a primeira Política Nacional de


Drogas (PNAD), em 2006, o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas
(SISNAD) e, em seguida, a Política Nacional do Álcool. Direcionando a atenção para
as especificidades do campo da saúde mental, veremos a influência da Reforma
Psiquiátrica Brasileira para o campo de álcool e drogas e, em seguida, duas políticas
do Ministério da Saúde: a Política do Ministério da Saúde para a Atenção Integral a
Usuários de Álcool e Outras Drogas e a Política de Redução de Danos.

Antes de finalizar o tópico, apresentaremos os efeitos das novas legislações


da Política Nacional de Saúde Mental para o tratamento de pessoas que usam drogas.

175
UNIDADE 3 — SAÚDE COLETIVA E POLÍTICAS PÚBLICAS EM SAÚDE DA MENTE

2 O QUE SÃO DROGAS


Ao ouvirmos a palavra droga, é comum que ela seja associada a
substâncias ilícitas como maconha e crack, porém, o conceito de droga é mais
amplo, e segundo a OMS é “qualquer substância não produzida pelo organismo,
que tem a propriedade de atuar sobre um ou mais de seus sistemas, produzindo
alterações em seu funcionamento” (OMS apud CRP-SP, 2015, p. 5).

Com esse conceito é possível perceber que muitas substâncias entram


no termo droga, inclusive aquelas que não produzem alteração na consciência,
isto é, substâncias que agem no nosso corpo, mas não alteram as funções do
sistema nervoso central (SNC). Dito isso, agora vamos conceituar as drogas que
são objeto de políticas públicas no campo jurídico e na saúde. “As substâncias
definidas como psicotrópicas ou substâncias psicoativas são aquelas que alteram
o funcionamento do cérebro e provocam modificações no estado mental, na
maneira de sentir, de pensar e de agir” (CRP-SP, 2015, p. 5). Essas substâncias
têm em comum, a característica de alterar nossa consciência, mas as substâncias
agem de formas diferentes em nosso sistema nervoso central, e são classificadas
em depressoras, estimulantes e perturbadoras, conforme seus efeitos.

No quadro a seguir são apresentados a classificação, os efeitos no sistema


nervoso central e exemplos de cada categoria de substâncias.

QUADRO 8 – CLASSIFICAÇÃO DE SUBSTÂNCIAS PSICOATIVAS CONFORME SEUS EFEITOS


NO SISTEMA NERVOSO CENTRAL (SNC)

Classificação Efeitos no SNC Exemplos


Diminuem a atividade do SNC,
Álcool, opioides (morfina, heroína)
podendo causar sono, redução
Depressoras sedativos (benzodiazepínicos) e solventes
da capacidade motora e menor
(cola de sapateiro, lança-perfume).
reatividade à dor.
Aumentam atividade do SNC,
Tabaco, cocaína, cafeína, anfetamina
podendo causar insônia, estado
Estimulantes (metilfenidato, comercialmente vendido
de alerta exagerado, aceleração
como ritalina e moderadores de apetite).
dos processos mentais.
Alteram o funcionamento do
Perturbadoras SNC, podendo causar delírios e Maconha, ecstasy, LSD.
alucinações.

FONTE: Adaptado de Nicastri (2013)

As drogas sempre estiverem presentes na história da humanidade, sendo


utilizadas com diversos fins, como: alimentação, uso recreativo, uso terapêutico,
uso em rituais religiosos (CRP-SP, 2015). As drogas também tiveram grande
importância no desenvolvimento econômico e políticos de inúmeras nações. Pelo
direito de vendê-las, produzi-las e consumi-las aconteceram guerras e acordos
internacionais. No brasão brasileiro, são encontrados os ramos de café e da
cana-de-açúcar, dois produtos relacionados ao crescimento econômico brasileiro
(CARNEIRO, 2014).

176
TÓPICO 3 — POLÍTICAS DE SAÚDE MENTAL NO ÂMBITO DE ÁLCOOL E OUTRAS DROGAS

FIGURA 3 – BRASÃO BRASILEIRO

FONTE: <https://www.gov.br/planalto/pt-br/conheca-a-presidencia/acervo/simbolos-nacionais/
brasao/brasao-da-republica.jpg>. Acesso em: 18 mar. 2019.

As drogas psicoativas também são classificadas em legais, isto é, podem


ser produzidas, vendidas e consumidas e drogas ilegais, que são as substâncias
proibidas de serem vendidas, produzidas e consumidas (CRP-SP, 2015). A
regulação da legalidade ou ilegalidade de uma substância é realizada pelo Estado
e, portanto, podemos concluir que deve haver critérios para que uma substância
seja ou não proibida.

Você já se perguntou por que uma droga é legal e outra ilegal? Quais
fatores contribuem para essa decisão? Será que uma droga que, hoje é legalizada,
já foi ilegal em algum momento? Para responder a essas perguntas, é preciso
compreender o que é proibicionismo, como ele começou e sua relação com a
guerra às drogas. A seguir, falaremos sobre isso e também sobre a Redução de
Danos, que é uma proposta alternativa à lógica proibicionista na questão do uso
de drogas e seu tratamento.

3 PROIBICIONISMO, GUERRA ÀS DROGAS E REDUÇÃO DE


DANOS
Proibicionismo é o termo que se refere à prática do Estado em restringir
e reprimir o consumo, produção e venda de determinadas substâncias.
Historicamente, as substâncias mais afetadas por tais políticas foram o ópio,
heroína e maconha. No entanto, pode-se considerar o marco do paradigma
proibicionista mundial, a promulgação da Lei Seca, nos Estados Unidos, que
vigorou entre os anos 1920 e 1933 e proibia a produção, comercialização e uso do
álcool (FIORE, 2012; CARNEIRO, 2014).

177
UNIDADE 3 — SAÚDE COLETIVA E POLÍTICAS PÚBLICAS EM SAÚDE DA MENTE

DICAS

O filme Os Infratores (2012), dirigido por John Hillcoat, conta a história de


uma família que vive na década de 1930, nos Estados Unidos, e apesar da Lei Seca estar em
vigor, sua renda deriva da venda ilegal de bebidas alcóolicas. Nesse filme, você poderá ver
as estratégias necessárias para vender o produto sem serem capturados pela polícia e como
a sociedade da época se relacionava com a proibição do consumo de álcool.

Outras legislações, como a Lei Seca norte-americana, também surgiram


em outros países no início do século XX. Seus objetivos eram controlar a disciplina
no trabalho e diminuir os riscos associados ao consumo das drogas (CARNEIRO,
2014). No Brasil, por exemplo, a maconha só foi proibida em 1932 (FIORE, 2012).

Nos anos 1970, também nos Estados Unidos da América, a terminologia


“Guerra às drogas” foi popularizada pelo governo Nixon, que considerou as
drogas o principal inimigo de seu país. Assim, de modo mais contundente,
iniciou-se um processo de militarização e repressão aos consumidores das drogas
consideradas riscos sociais (RODRIGUES, 2003).

Na contemporaneidade, o proibicionismo influenciou na concepção


que a sociedade tem sobre as substâncias, pois ao classificá-las como legais ou
ilegais, ponderou valorização moral a elas. As legais são positivas e as ilegais
são negativas. Tal classificação é arbitrária quando se percebe que a proibição
ou não, de uma determinada substância, não é baseada exclusivamente em suas
características farmacológicas e potencial de dano ao ser humano (FIORE, 2012).

[...] É preciso ressaltar que não se “explica” o empreendimento


proibicionista por uma única motivação histórica. Sua realização se
deu numa conjunção de fatores, que incluem a radicalização política
do puritanismo norte-americano, o interesse da nascente indústria
médico-farmacêutica pela monopolização da produção de drogas,
os novos conflitos geopolíticos do século XX e o clamor das elites
assustadas com a desordem urbana (FIORE, 2012, p. 9).

Assim, além de interesses econômicos, geográficos e políticos, o componente


moral da guerra às drogas também contribuiu para a marginalização de grupos
étnicos que faziam uso cultural ou comercial de determinadas substâncias, por
exemplo: mexicanos, negros, chineses e irlandeses (RODRIGUES, 2003).

Resumindo o proibicionismo e a guerra às drogas, podemos dizer que


esses conceitos se referem a políticas públicas destinadas a combater as drogas,
usando para isso força policial no combate ao tráfico e na repressão de pessoas
que consomem as substâncias ilícitas. Essa lógica também se pauta na abstinência
como meta do tratamento, negando, assim, os aspectos psicológicos, sociais,
espirituais e culturais relacionados ao uso de diversas substâncias.
178
TÓPICO 3 — POLÍTICAS DE SAÚDE MENTAL NO ÂMBITO DE ÁLCOOL E OUTRAS DROGAS

Será que esse modo de lidar com as drogas está funcionando? Vivemos em
um mundo em que as drogas não são mais um problema social? É só olharmos
o noticiário e perceberemos que as drogas são um problema que nos afeta tanto
econômica quanto socialmente.

O que a história nos conta é que as legislações pautadas na guerra às


drogas têm resultados sociais tão ou mais nefastos que o consumo da substância,
alvo das referidas políticas.

A já citada Lei Seca norte-americana, é um excelente exemplo de


falência do proibicionismo. No período em que ela esteve em vigor, grupos
criminosos passaram a produzir e revender bebidas alcóolicas. O efeito dessa
situação acarretou no aumento da violência entre gangues rivais, episódios de
intoxicação e envenenamento se tornaram mais frequentes porque não havia
fiscalização ou regulamentação na produção das bebidas, e ainda, os grupos
criminosos enriqueceram muito, pois não precisavam pagar impostos sobre
produção nem a venda dos produtos. A máfia de Al Capone surgiu nesse
contexto (CARNEIRO, 2014).

As práticas proibicionistas possibilitaram assim, o aumento de


organizações criminosas que viram na produção, venda e transporte de substâncias
ilícitas grande fonte lucrativa, o aumento de violência associada a disputas de
território e mercado, encarceramento em massa, exploração do trabalho infantil,
corrupção de agentes públicos, os danos individuais associados aos efeitos de
drogas adulteradas e também aos riscos de realizar a compra das substâncias em
situações de clandestinidade (RODRIGUES, 2003).

DICAS

A premiada série Breaking Bad (2008), dirigida por Vinci Gilligan, retrata a vida
de um pacato químico, Walter White, que após um diagnóstico de câncer, resolveu produzir
metanfetamina para garantir o futuro financeiro de sua família, após sua morte. Ao longo
de cinco temporadas, é possível compreender o tamanho da organização criminosa bem
como, sua rentabilidade e violência, no comércio ilegal de drogas.

As graves consequências sociais associadas à guerra às drogas têm


estimulado no âmbito internacional a defesa da legalização das drogas. O ex-
presidente brasileiro Fernando Henrique Cardoso faz coro a essa proposta. A
Suprema Corte argentina avaliou ser inconstitucional penalizar juridicamente o
uso de drogas, e a Organização dos Estados Americanos (OEA) passou a orientar
a despenalização do consumo a seus países membros (CARNEIRO, 2014).

179
UNIDADE 3 — SAÚDE COLETIVA E POLÍTICAS PÚBLICAS EM SAÚDE DA MENTE

O combate às drogas passou a ser visto por alguns grupos de médicos


e cientistas sociais, europeus, australianos e estadunidenses em sua
maioria, como uma guerra de impossível conclusão que deveria
ser substituída por uma outra ótica que procurasse não investir no
improvável (o fim universal do consumo), mas em alternativas que
buscassem minimizar os perigos para aqueles que optaram pela
ebriedade. Essa visão reformista, genericamente conhecida como redução
de danos, pretende buscar formas de administrar o hábito de utilizar drogas
psicoativas, diante da percepção de que o contrário é tarefa quixotesca e
politicamente intencionada (RODRIGUES, 2003, s.p.).

Alguns países como Portugal, Uruguai e Holanda já adotaram


legislações que legalizam ou descriminalizam uso de substâncias psicoativas.
Alguns estados norte-americanos já permitiram o uso medicinal de maconha
e outros aprovaram a legalização plena. Na Califórnia, o mercado da maconha
terapêutica cresceu mais que outras áreas do agronegócio (CARNEIRO, 2014).

DICAS

O portal G1 publicou, em 2018, a reportagem intitulada Califórnia se Torna


Maior Mercado Legal de Maconha do Mundo; Consumidores Fazem Fila. A cifra de 7
bilhões de dólares é a estimativa de faturamento com o comércio de maconha recreativa
na Califórnia. Outro dado apresentado na reportagem se refere ao valor de 11,7 bilhões de
dólares faturados em 2016, com a maconha medicinal nos Estados Unidos e Canadá. A
notícia ainda traz mais dados sobre faturamento associado à maconha e os critérios de
funcionamento dos dispensários. Você pode conferir a reportagem completa em: https://
g1.globo.com/mundo/noticia/california-se-torna-maior-mercado-legal-de-maconha-do-
mundo-consumidores-fazem-fila.ghtml.

NOTA

Legalizar: altera a legislação, permitindo produção, venda e consumo da substância.

Descriminalizar: refere-se ao âmbito do consumo, isto é, não é crime consumir a substância,


mas produzi-la e vendê-la são.

180
TÓPICO 3 — POLÍTICAS DE SAÚDE MENTAL NO ÂMBITO DE ÁLCOOL E OUTRAS DROGAS

Uma alternativa bastante debatida como substituta à guerra às drogas


refere-se ao paradigma da redução de danos. Os defensores dessa lógica se
baseiam na percepção de que não há cultura sem uso de substâncias psicoativas e as
drogas estão associadas à história da humanidade, desde seus primórdios. Aceita
essa constatação, defendem então, que os esforços deveriam ser direcionados
à redução de danos individuais e sociais, relacionados ao consumo dessas
substâncias. Assim, as políticas públicas não deveriam combater o uso, o que já
vimos que não tem surtido efeito, mas ao mau uso, isto é, aos usos individuais
prejudiciais (danos físicos, familiares, laborais, psicológicos, econômicos) e aos
prejuízos sociais (RODRIGUES, 2003).

Conhece o ditado: “dos males, o menor”? É por essa lógica que a redução
de danos se pauta. Se não podemos acabar com todo o problema das drogas, ao
menos reduziremos alguns problemas relacionadas a elas.

DICAS

O documentário brasileiro Quebrando o Tabu, dirigido por Fernando Grostein


Andrade e Cosmo Feilding-Mellen (2011), apresenta depoimentos de diversas personalidades
a respeito do combate às drogas, os efeitos das políticas proibicionistas e as estratégias de
cuidado às pessoas em sofrimento relacionado ao uso de substâncias psicoativas ao redor
do mundo: https://www.youtube.com/watch?v=tKxk61ycAvs&has_verified=1.

E como surgiu a redução de danos no Brasil? A primeira experiência da


Redução de Danos brasileira data do ano de 1989, em Santos – SP. Devido ao alto
índice de transmissibilidade do HIV, através do compartilhamento de seringas
para consumo de drogas injetáveis, iniciou-se nesse município, uma estratégia de
troca de seringas usadas por seringas novas.

Ao longo dos anos, a RD se tornou uma estratégia de cuidado alternativa


à lógica da abstinência, uma vez que se percebeu a diversidade das realidades
dos usuários de drogas (PASSOS; SOUZA, 2011). Se as pessoas se relacionam de
formas diversas com a droga, incluindo questões sociais, culturais, psicológicas e
espirituais, e também, a frequência e quantidade de uso diferem de pessoa para
pessoa e, ainda, o tipo de droga também não é o mesmo, é fácil compreender porque
uma única forma de lidar com o consumo, no caso a abstinência, não teria sucesso.

Nesse contexto, a RD visa favorecer a escolha e o respeito à liberdade do


indivíduo, investiga a relação que o sujeito estabelece com a droga e problematiza
a hegemonia dos princípios da abstinência, como única alternativa nos programas
de prevenção, tratamento e cuidado.

181
UNIDADE 3 — SAÚDE COLETIVA E POLÍTICAS PÚBLICAS EM SAÚDE DA MENTE

Fazendo esse breve recorte sobre o modo de lidar com as drogas ao


longo do último século até a atualidade, percebemos uma ambivalência entre os
paradigmas proibicionistas e paradigma da redução de danos.

Enquanto o paradigma proibicionista insiste numa utópica sociedade


livre de drogas, criminalizando e reprimindo o uso em todos os contextos,
o paradigma da redução de danos, pauta-se na aceitação das drogas como
inerentes à existência humana, propondo assim, ações sob a perspectiva singular
de cuidado, e primando pelo desenvolvimento da autonomia das pessoas em
sofrimento devido ao uso de substâncias psicoativas.

A seguir, veremos as principais políticas de drogas brasileiras e como elas


se relacionam com cada um dos paradigmas estudados.

4 HISTÓRIA DAS LEGISLAÇÕES DAS DROGAS NO BRASIL


Para debater as legislações de drogas no Brasil, vamos nos ater ao cenário
político, social e econômico no início do século XX, pois foi nesse período que as
influências internacionais começaram a ter mais ênfase nas políticas nacionais.

Entre as influências internacionais, das quais o Brasil se comprometeu


a seguir as orientações, podemos citar a Conferência em Xangai em 1909 e a
Convenção de Haia em 1912 que, resumidamente, pretendiam “controlar o
comércio do ópio e seus derivados.

Os países signatários se comprometeram em coibir o uso de opiáceos e


de cocaína em seus territórios, caso tais usos não obedecessem às recomendações
médicas” (CARVALHO, 2011, p. 4).

NOTA

Algumas literaturas consideram a Convenção de Haia, de 1912, o início da guerra


às drogas, mesmo que essa expressão não fosse, oficialmente, reconhecida no período.

Em 1921, o Decreto n° 4294 foi a primeira legislação brasileira específica


sobre drogas. O texto distinguia substâncias venenosas de substâncias
entorpecentes, tendo punições mais sérias para as drogas entorpecentes. Regulava
a venda de cocaína, ópio, morfina e multava quem estivesse, sob efeito de álcool,
em espaço público, colocando a si ou os demais em risco ou causando escândalo
(CARVALHO, 2011).

182
TÓPICO 3 — POLÍTICAS DE SAÚDE MENTAL NO ÂMBITO DE ÁLCOOL E OUTRAS DROGAS

Com relação ao álcool, também fazia regulações referentes a sua


comercialização, restringindo horário de venda e idade mínima de 21 anos para
compra. O decreto também estabelecia a criação de um local de internação para
pessoas que se intoxicassem com álcool ou outras substâncias (CARVALHO, 2011).

A tônica proibicionista continuava a exercer influência sobre as


legislações brasileiras e em 1936, foi criada a Comissão Nacional de Fiscalização
de Entorpecentes (CNFE), que, segundo “[...] o decreto, justificava-se à medida
que cumpria ao Estado brasileiro cuidar da hygiene mental e incentivar a lucta contra
os venenos sociaes (sic)” (CARVALHO, 2011, p. 9, grifo do autor).

Em 1938, a Lei de Fiscalização de Entorpecentes, Decreto-lei n° 891,


inaugurou em âmbito nacional a produção, venda e consumo das substâncias
por elas relacionadas (ópio bruto, cocaína, maconha, etilmorfina e metilmorfina)
e legalizou a internação compulsória em instituições oficiais e fiscalizadas pelo
Estado (BRASIL, 1938; CARVALHO, 2011).

É importante relembrar que esse período coincide com a criação da Liga


Brasileira de Higiene Mental, estudada no Tópico 2, que entre outras propostas,
indicava a esterilização ou proibição de ter filhos de pessoas com problemas
relacionados ao uso de substâncias psicoativas. Essa racionalidade higienista,
racista e eugênica, pode ser vista no trecho apresentado por Carvalho (2011, p.
14, grifo do autor):

A classe médica [...] não cessou de trabalhar e promover junto aos


políticos a pressão para aprovação de leis e o aumento da repressão. No
prefácio da 1ª edição (1958) de Maconha, o Dr. Irabussú Rocha, diretor
nacional do Serviço de Educação Sanitária, insistiu em dizer sobre o
“problema”, que segundo ele não era nacional, mas mundial; não era
novo, mas se perdia no horizonte do tempo e aí está êle desafiando a nós
todos que cuidamos da eugenia da raça.

Foi a partir do período militar que os usuários de drogas passaram a ser


criminalizados pelo uso. Até esse momento, a eles eram destinadas ações médicas
com respaldo jurídico.

A partir de 1964, a políticas substituem o objetivo sanitário pelo bélico e


o uso de drogas passam a ser consideradas práticas subversivas e comunistas. A
guerra às drogas estava assim, instaurada no território nacional e era balizada,
juridicamente, com a Lei n° 6.368, de 1976, que tratava de prevenção e repressão
ao tráfico e uso indevido de substâncias psicoativas que causassem dependência
(BRASIL, 1976; DUARTE; DALBOSCO, 2014).

A seguir, veremos o processo de construção da Política Nacional de


Drogas que através de diversas reformulações, indicou as bases políticas, sociais
e culturais do trato com as drogas em território nacional.

183
UNIDADE 3 — SAÚDE COLETIVA E POLÍTICAS PÚBLICAS EM SAÚDE DA MENTE

4.1 POLÍTICA NACIONAL SOBRE DROGAS (PNAD)


A Política Nacional de Drogas tem um longo histórico de reformulações,
que se justificavam em decorrência das constantes necessidades de resposta
à população, sobre o enfrentamento das problemáticas relacionadas às drogas
no Brasil, pautados na redução da oferta (repressão ao tráfico e produção de
substâncias psicoativas ilícitas) e redução da demanda (prevenção do uso,
tratamento, recuperação, redução de danos e reinserção social) (DUARTE;
DALBOSCO, 2014).

Em 1998, o processo de construção de uma Política Nacional de Drogas foi


inspirado após a realização da XX Assembleia Geral Especial das Nações Unidas,
que apresentou as diretrizes para a redução da demanda. O Brasil aderiu a essas
propostas e, em resposta, criou a Secretaria Nacional Antidrogas (SENAD), que
era vinculada à Casa Militar da Presidência da República. Nesse contexto, surgiu
a primeira Política Nacional Antidrogas, através do Decreto Presidencial n° 4.345
de 26 de agosto de 2002 (BRASIL, 2002b; DUARTE; DALBOSCO, 2014).

Duarte e Dalbosco (2014) afirmam que já no ano seguinte, essa política


começou a ser repensada, para contemplar a ampliação das ações no âmbito
intersetorial, a permissão de que os municípios adaptassem a redução da demanda
à sua realidade e estimular a aproximação entre os saberes e necessidades
comunitários e a comunidade científica.

A política realinhada orienta-se pelo princípio da responsabilidade


compartilhada, adotando como estratégia a cooperação mútua e a
articulação de esforços entre governo, iniciativa privada, terceiro setor
e cidadãos, no sentido de ampliar a consciência para a importância da
intersetorialidade e descentralização das ações sobre drogas no país
(SENAD, 2010, p. 9).

Em 2004, foi efetuado o processo de realinhamento e atualização da política,


que aconteceu por meio da realização de eventos para estimular a participação da
população e assegurar o caráter democrático. Assim, acontecerem um Seminário
Internacional de Políticas Públicas sobre Drogas, seis fóruns regionais e um Fórum
Nacional sobre Drogas (SENAD, 2010, DUARTE; DALBOSCO, 2014).

É importante enfatizar que até esse momento a política era nomeada


Política Nacional Antidrogas, e foi após essa reformulação, em 2005, que o termo
“anti” foi substituído pelo termo “sobre”, devido a tendências internacionais,
demanda popular e posicionamento do governo. Assim, a Política Nacional
Sobre Drogas representou um avanço no modo como país lidava com a questão
das drogas até o momento, isto é, com a lógica higienista e repressiva (DUARTE;
DALBOSCO, 2014).

A PNAD reformulada (Resolução n° 03/GSIPR/CH/CONAD, de 27 de


outubro de 2005) foi dividida em cinco capítulos, a saber: prevenção; tratamento e
reinserção social; redução de danos sociais e à saúde; redução da oferta e estudos;
pesquisas e avaliações (BRASIL, 2005a; SENAD, 2010; DUARTE; DALBOSCO, 2014).

184
TÓPICO 3 — POLÍTICAS DE SAÚDE MENTAL NO ÂMBITO DE ÁLCOOL E OUTRAS DROGAS

Dentre seus pressupostos e objetivos, estavam: atingir o ideal de uma


sociedade protegida do uso de drogas (o que denota o caráter proibicionista),
através da redução da oferta e da demanda; tratar de formas diferentes quem é
traficante e quem é usuário (e suas diferentes formas de uso e prejuízos); garantir
tratamento para quem tivesse problemas decorrentes do uso de drogas; orientar
que a redução de danos é uma estratégia de prevenção e não estímulo ao consumo
de drogas (SENAD, 2010).

No ano seguinte, 2006, surgiu o Sistema Nacional de Políticas Públicas


Sobre Drogas (SISNAD), substituindo as legislações anteriores. A seguir, veremos
suas características e objetivos (DUARTE; DALBOSCO, 2014).

4.2 SISTEMA NACIONAL DE POLÍTICAS PÚBLICAS SOBRE


DROGAS (SISNAD)
Através da Lei n° 11.343/06 (BRASIL, 2006), ficou instituído o Sistema
Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas, que, em consonância com a Política
Nacional sobre Drogas, tinha, como “finalidades, de articular, integrar, organizar
e coordenar as atividades de prevenção, tratamento e reinserção social de usuários
e dependentes de drogas, bem como as de repressão ao tráfico” (DUARTE;
BRANCO, 2010, p. 27).

Um dos destaques dessa lei é a clara diferenciação entre traficantes,


usuários de drogas e pessoas dependentes de drogas. Assim, mudou a penalidade
para o porte de drogas para consumo pessoal, onde antes se aplicava a privação
de liberdade, passou-se a aplicar penas alternativas como prestação de serviço
à comunidade, comparecimento a cursos e programas educativos e advertência
sobre os efeitos das substâncias. Tal mudança, foi amparada na compreensão de
usuários e dependentes precisam de apoio para reverem seu consumo ao invés
de serem presos (DUARTE; BRANCO, 2010; DUARTE; DALBOSCO, 2014).

NOTA

Usuário: pessoa que faz uso esporádico e recreativo de substância psicoativa.

Dependente: pessoa que apresenta prejuízos nos aspectos físico, psicológico e social
devido ao uso de substâncias psicoativas.

Traficante: pessoa que realiza práticas comerciais de substâncias psicoativas ilegais.

185
UNIDADE 3 — SAÚDE COLETIVA E POLÍTICAS PÚBLICAS EM SAÚDE DA MENTE

DICAS

Apesar da Lei n° 11.343/06 diferenciar usuário, dependente e traficante, ela não


estipula a quantidade de droga que diferenciará, uso pessoal (posse) de tráfico, abrindo
assim, brechas para que essa avaliação seja feita de forma subjetiva pelo policial, na hora
da abordagem. A esse respeito, o policial Diego Souza Ferreira, em entrevista concedida
à revista Carta Capital, mostra como essa avaliação subjetiva pode ser influenciada por
questões de cor da pele e classe social. Você pode conferir a entrevista na íntegra: https://
www.cartacapital.com.br/sociedade/a-guerra-as-drogas-e-uma-decisao-politica-diz-
policial-afastado-do-denarc-3640/.

Dentre outros aspectos inovadores da referida Lei, Duarte e Branco (2010,


p. 27) apontam “o fim do tratamento obrigatório para dependentes de drogas
e a concessão de benefícios fiscais para iniciativas de prevenção, tratamento,
reinserção social e repressão ao tráfico”.

4.3 POLÍTICA NACIONAL SOBRE O ÁLCOOL


As problemáticas associadas ao álcool, diferem-se parcialmente das
drogas ilícitas, uma vez que sua produção, venda e consumo são legais no
Brasil. Porém, os efeitos individuais e sociais associados a essa substância são
preocupações recorrentes da política brasileira.

Para tentar incluir no debate político a participação social, em 2004, foi


criada a Câmara Especial de Políticas Públicas sobre o Álcool (CEPPA) com
participação da sociedade civil, governo e especialista da área (DUARTE, 2010).

Esse processo permitiu ao Brasil chegar à uma política realista, sem


qualquer viés de fundamentalismo ou de banalização do consumo,
embasada de forma consistente por dados epidemiológicos, pelos
avanços da ciência e pelo respeito ao momento sócio político do País,
refletindo a preocupação da sociedade em relação ao uso cada vez
mais precoce dessa substância, assim como o seu impacto negativo na
saúde e na segurança (DUARTE, 2010, p. 75).

Em reconhecimento à importância de implantação de diversas ações


relacionadas à problemática associada ao álcool, em 2007, foi implementada a
Política Nacional sobre o Álcool. Duarte e Dalbosco (2014, p. 114) elencam as
medidas adotadas por essa legislação, a saber:

1. Diagnóstico sobre o consumo de bebidas alcoólicas no Brasil;


2. Tratamento e reinserção social de usuários e dependentes de álcool;
3. Realização de campanhas de informação, sensibilização e
mobilização da opinião pública quanto às consequências do uso
indevido e do abuso de bebidas alcoólicas;

186
TÓPICO 3 — POLÍTICAS DE SAÚDE MENTAL NO ÂMBITO DE ÁLCOOL E OUTRAS DROGAS

4. Redução da demanda de álcool por populações vulneráveis;


5. Segurança pública;
6. Associação álcool e trânsito;
7. Capacitação de profissionais e agentes multiplicadores de
informações sobre temas relacionados à saúde, educação, trabalho e
segurança pública;
8. Estabelecimento de parceria com os municípios para a recomendação
de ações municipais;
9. Propaganda de bebidas alcoólicas.

A Lei n° 11.705, de 2008, conhecida como Lei Seca, é um dos frutos da Política
Nacional sobre o Álcool. Através dessa lei, foi alterada a legislação de trânsito, com
penalidades mais severas para motoristas que dirigirem sob efeito de álcool ou outra
substância psicoativa (BRASIL, 2008; DUARTE; DALBOSCO, 2014).

Até o momento tratamos das políticas e sistema nacionais relacionadas


à problemática das drogas, A seguir, faremos um recorte sobre as políticas
derivadas da reforma psiquiátrica e do Ministério da Saúde.

5 REFORMA PSIQUIÁTRICA BRASILEIRA E O CAMPO DE


ÁLCOOL E OUTRAS DROGAS
Como vimos no Tópico 2, a Reforma Psiquiátrica Brasileira foi um
marco na transformação do modelo assistencial em saúde mental. O paradigma
psiquiátrico e o modelo hospitalocêntrico, foram progressivamente substituídos,
por estratégias de atenção de base comunitária e novas concepções sobre
sofrimento psíquico. Nesse contexto, as problemáticas relacionadas ao álcool e
outras drogas, foram contempladas pela Lei n° 10.216/01 e pela Portaria n° 336/02.

A portaria n° 336/02 regulamentou o funcionamento dos CAPS e, entre


eles, o CAPS ad, destinado exclusivamente, para pessoas com sofrimento psíquico
relacionado ao uso ou dependência de substâncias psicoativas (BRASIL, 2004b).

Os CAPS ad devem oferecer atendimento diário a pacientes que


fazem um uso prejudicial de álcool e outras drogas, permitindo o
planejamento terapêutico dentro de uma perspectiva individualizada
de evolução contínua. Possibilita ainda intervenções precoces,
limitando o estigma associado ao tratamento (BRASIL, 2004b, p. 24).

Além das atividades comuns a todos os CAPS como atendimento individual


e em grupo, oficinas terapêuticas, visitas domiciliares e atividades de reinserção
social, os CAPS ad oferecem espaço para repouso e desintoxicação ambulatorial para
quem não demandar atenção clínica hospitalar (BRASIL, 2004b).

Em agosto de 2012, a Portaria n° 130 redefiniu a modalidade CAPS ad III,


que oferta cuidados por 24 horas em todos os dias da semana, inclusive feriados,
para um grupo populacional de 150 (cento e cinquenta) mil a 300 (trezentos) mil
habitantes (BRASIL, 2012).

187
UNIDADE 3 — SAÚDE COLETIVA E POLÍTICAS PÚBLICAS EM SAÚDE DA MENTE

O Artigo 5° define as formas de funcionamento:

Ter disponibilidade para acolher casos novos e já vinculados, sem


agendamento prévio e sem qualquer outra barreira de acesso, em
todos os dias da semana, inclusive finais de semana e feriados, por
12 (doze) horas ininterruptas diurnas, como das 7 às 19 horas ou 8 às
20 horas ou 9 às 21 horas. Durante os finais de semana e feriados os
casos avaliados que necessitarem de acolhimento noturno deverão ser
encaminhados para avaliação médica (Hospital Geral e/ou UPA e/ou
Portas Hospitalares de Atenção à Urgência) (BRASIL, 2012).

Sobre a hospitalidade noturna, a portaria define que o CAPS ad III deve


ter, no mínimo, 8 e no máximo 12 vagas, a permanência máxima é de 14 dias em
um período de 30 dias e se for necessário extrapolar esse período, o usuário deve
ser encaminhado para uma Unidade de Acolhimento (UA).

Os critérios de indicação devem ser: clínicos, como a desintoxicação,


critérios psicossociais e ainda, necessidade de observação, repouso, proteção,
manejo de conflito, dentre outros (BRASIL, 2012).

NOTA

A Unidade de Acolhimento é um serviço residencial temporário, destinado a


pessoas com problemáticas relacionadas ao uso de substâncias psicoativas, que apresentam
vulnerabilidade social, perda de vínculos familiares e que demandem proteção temporária.

O funcionamento da unidade de acolhimento é de 24 horas, sete dias por semana,


composta por uma equipe qualificada e suas ações são articuladas com os diversos
dispositivos da RAPS. O morador pode permanecer na casa por até seis meses. Há unidades
de acolhimento para adultos, maiores de 18 anos e para crianças e adolescentes entre 10 e
18 anos de idade.

A Portaria n° 130/12 ainda definiu que a população infantojuvenil poderá


ser atendida no CAPS ad III, desde que sejam respeitadas as orientações do
Estatuto de Criança e do Adolescente (ECA) (BRASIL, 2012).

188
TÓPICO 3 — POLÍTICAS DE SAÚDE MENTAL NO ÂMBITO DE ÁLCOOL E OUTRAS DROGAS

5.1 A POLÍTICA DO MINISTÉRIO DA SAÚDE PARA A ATENÇÃO


INTEGRAL A USUÁRIOS DE ÁLCOOL E OUTRAS DROGAS
A Política do Ministério da Saúde para a Atenção Integral a Usuários
de Álcool e Outras Drogas foi instituída em 2003 a partir da constatação da
histórica oferta de tratamento ser, predominantemente, psiquiátrica e que a
recorrente associação entre uso de drogas e criminalidade baliza a oferta de
tratamento em modelos que excluem os usuários do convívio social, sendo
internado em instituições de caráter fechado que buscam como única meta
terapêutica a abstinência. E ainda, não ter uma política do Ministério da Saúde
direcionada ao cuidado integral destinada ao consumidor de álcool e outras
drogas, reforçou práticas moralistas ou jurídicas em detrimento das práticas de
saúde (BRASIL, 2003b).

Entendemos que uma política de prevenção, tratamento e de educação


para o uso consumo de álcool e outras drogas necessariamente terá
que ser construída na interface de programas do Ministério da
Saúde com outros Ministérios, bem como com setores da sociedade
civil organizada. Trata-se aqui, de afirmar que o consumo de álcool
e outras drogas é um grave problema de saúde pública. Dentro de
uma perspectiva de saúde pública, o planejamento de programas
deve contemplar grandes parcelas da população, de uma forma que
a abstinência não seja a única meta viável e possível aos usuários
(BRASIL, 2003b, p. 8).

Por essa perspectiva, o cuidado integral em saúde direcionar o tratamento


para um único objetivo, a abstinência, significa desconsiderar a complexidade do
fenômeno das drogas nos âmbitos social e individual (BRASIL, 2003b).

Assim, a redução de danos aparece como uma perspectiva ética que


possibilita o acolhimento das singularidades, as diferentes possibilidades de
escolha, ou seja, a diversidade humana. O acolhimento deve ser feito sem
julgamento, estimulando o protagonismo do usuário e direcionando à atenção à
sua necessidade, que é singular (BRASIL, 2003b).

Segundo a Política do Ministério da Saúde para a Atenção Integral


a Usuários de Álcool e Outras Drogas, a redução de danos é uma estratégica
promissora, pois entende que:

[...] a redução de danos se oferece como um método (no sentido


de methodos, caminho) e, portanto, não excludente de outros.
Mas, vemos também, que o método está vinculado à direção do
tratamento e, aqui, tratar significa aumentar o grau de liberdade, de
corresponsabilidade daquele que está se tratando. Implica, por outro
lado, no estabelecimento de vínculo com os profissionais, que também
passam a ser corresponsáveis pelos caminhos a serem construídos pela
vida daquele usuário, pelas muitas vidas que a ele se ligam e pelas que
nele se expressam (BRASIL, 2003b, p. 10).

189
UNIDADE 3 — SAÚDE COLETIVA E POLÍTICAS PÚBLICAS EM SAÚDE DA MENTE

A partir dessa concepção de atenção integral, que propõe a substituição


de visões simplistas ao fenômeno das drogas, a Política do Ministério da Saúde
para a Atenção Integral a Usuários de Álcool e Outras Drogas possibilitou a
ampliação do arcabouço legal no que se refere à redução de danos.

A seguir, veremos a Política de Redução de Danos, que é uma política


derivada do contexto da atenção integral proposta pela Política do Ministério da
Saúde para a Atenção Integral a Usuários de Álcool e Outras Drogas.

5.2 POLÍTICA DE REDUÇÃO DE DANOS DO MINISTÉRIO


DA SAÚDE
A Portaria n° 1.028, de 1° de julho de 2005, determinou as ações que visam
à redução de danos sociais e à saúde, decorrentes do uso de produtos, substâncias
ou drogas que causem dependência. Além das diretrizes para o cuidado integral
da Política do Ministério da Saúde para a Atenção Integral a Usuários de Álcool
e Outras Drogas, essa portaria se baseou na urgência na redução dos casos de
contaminação por HIV e hepatites e, também, no aumento do consumo de álcool
por jovens e os acidentes de trânsito causados por motoristas embriagados
(BRASIL, 2005b). Em seu artigo 2°, lê-se:

Art. 2° Definir que a redução de danos sociais e à saúde, decorrentes


do uso de produtos, substâncias ou drogas que causem dependência,
desenvolva-se por meio de ações de saúde dirigidas a usuários ou
a dependentes que não podem, não conseguem ou não querem
interromper o referido uso, tendo como objetivo reduzir os riscos
associados sem, necessariamente, intervir na oferta ou no consumo
(BRASIL, 2005b).

Esse artigo, enfatiza os usuários como protagonistas de seus processos


de cuidado ao estabelecer que os critérios de intervenção serão de acordo com
as necessidades individuais. A portaria também orientou sobre as formas de
intervenção através da lógica de redução de danos contemplando as seguintes
ações: informação, educação e aconselhamento; disponibilização de insumos de
proteção à saúde e de prevenção ao HIV/Aids e Hepatites e assistência social e à
saúde (BRASIL, 2005b).

No âmbito da informação, educação e aconselhamento a proposta é o


estímulo à adoção de comportamentos mais seguros no consumo de drogas e nas
práticas sexuais. Entre os conteúdos necessários para ação estão:

I- informações sobre os possíveis riscos e danos relacionados


ao consumo de produtos, substâncias ou drogas que causem
dependência;
II- desestímulo ao compartilhamento de instrumentos utilizados
para consumo de produtos, substâncias ou drogas que causem
dependência;

190
TÓPICO 3 — POLÍTICAS DE SAÚDE MENTAL NO ÂMBITO DE ÁLCOOL E OUTRAS DROGAS

III- orientação sobre prevenção e conduta em caso de intoxicação


aguda (“overdose”);
IV- prevenção das infecções pelo HIV, hepatites, endocardites e
outras patologias de padrão de transmissão similar;
V- orientação para prática do sexo seguro;
VI- divulgação dos serviços públicos e de interesse público, nas áreas
de assistência social e de saúde; e
VII- divulgação dos princípios e garantias fundamentais assegurados
na Constituição Federal e nas declarações universais de direitos
(BRASIL, 2005b).

A distribuição de insumos será vinculada às práticas de divulgação de


informação, educação e aconselhamento (BRASIL, 2005b).

NOTA

Insumos são produtos que favorecem a promoção do cuidado e proteção de


usuários de drogas. Entre eles pode-se citar instrumentos que evitam contaminação de
doenças como: seringas, agulhas, preservativos, cachimbos, canudos e ainda, protetores
labiais, barra de cereais, água e material informativo.

Sobre a assistência social e em saúde, a portaria define que todas as ações


de redução de danos devem ser baseadas de acordo com a promoção dos direitos
humanos, e respeitando a diversidade dos usuários (BRASIL, 2005b).

As ações necessárias na oferta de assistência social e à saúde são:

I- o tratamento à dependência causada por produtos, substâncias ou


drogas;
II- o diagnóstico da infecção pelo HIV e o tratamento da infecção pelo
HIV e da AIDS;
III- a imunização, o diagnóstico e o tratamento das hepatites virais;
IV- o diagnóstico e o tratamento das doenças sexualmente
transmissíveis (DST); e
V- a orientação para o exercício dos direitos e garantias fundamentais
previstos na Constituição Federal e quaisquer outros relativos à
manutenção de qualidade digna da vida (BRASIL, 2005b).

O texto ainda definiu que nas ações de redução de danos devem


ser preservadas a identidade e a liberdade do usuário e que as disposições
nela estabelecidas se aplicam ao sistema penitenciário, aos estabelecimentos
educacionais destinados à internação de adolescentes, hospitais psiquiátricos,
abrigos, aos estabelecimentos destinados ao tratamento de usuários ou
dependentes ou de quaisquer outras instituições que mantenham pessoas
submetidas à privação ou à restrição da liberdade (BRASIL, 2005b).

191
UNIDADE 3 — SAÚDE COLETIVA E POLÍTICAS PÚBLICAS EM SAÚDE DA MENTE

6 A NOVA POLÍTICA DE SAÚDE MENTAL E SEUS EFEITOS


NO CAMPO DE ÁLCOOL E OUTRAS DROGAS
No Tópico 2, estudamos os efeitos de novas legislações no campo
de saúde mental. A abertura para a possibilidade de financiamento de
eletroconvulsoterapia pelo SUS, bem como, o retorno do financiamento de leitos
psiquiátricos privados, tem denotado um retrocesso nas conquistas da Reforma
Psiquiátrica Brasileira.

No campo de álcool e drogas a realidade também não é promissora.


Nessa perspectiva, o professor Delgado, em entrevista à Fiocruz, afirmou que
os articuladores da nova política de drogas “são pessoas que têm uma visão
autoritária, fortalecedora do estigma contra o consumidor de drogas, uma visão
retrógrada e frágil do ponto de vista teórico” (CEBES, 2010, s.p.).

Essa constatação também é corroborada pelos dados apresentados por


Nunes et al. (2019), ao afirmarem que, a partir de 2016, o Ministério da Saúde se
articulou com outros Ministérios, como o da Justiça e Desenvolvimento Social,
para financiar as comunidades terapêuticas (CT), serviços privados, destinados à
internação de pessoas com problemas relacionados a álcool e outras drogas. Além
do financiamento de comunidades terapêuticas e leitos psiquiátricos, também
houve um reajuste de 62% nos repasses aos hospitais psiquiátricos, enquanto os
CAPS estavam com gastos congelados desde 2011.

No ano de 2017, a Portaria n° 3.588 introduziu a comunidade terapêutica


como ponto de atenção da Rede de Atenção Psicossocial. Nesse ano, também
houve abertura de edital para credenciamento de novas comunidades terapêuticas
e perspectiva de financiamento de 7.000 vagas, que seriam pagas com R$ 87
milhões. A lógica de hiperfinanciamento de comunidades terapêuticas, já tinha
acontecido no ano anterior, 2017, com a proposta de investir R$ 120 milhões em
CT contra cerca de R$ 31 milhões para a expansão da rede comunitária e novos
serviços. Em 2019, o valor para CT subiu para cerca de R$ 153 milhões (BRASIL,
2017; NUNES et al., 2019).

192
TÓPICO 3 — POLÍTICAS DE SAÚDE MENTAL NO ÂMBITO DE ÁLCOOL E OUTRAS DROGAS

DICAS

Comunidades terapêuticas são serviços privados, de cunho religioso,


destinados a pessoas em sofrimento psíquico devido ao uso de substâncias psicoativas.
O tratamento dura nove meses, sendo os seis primeiros isolados de seu meio social (em
algumas instituições há a possibilidade de visitas de familiares depois do primeiro mês),
até que inicia um processo supervisionado de reinserção social. As principais críticas a
esse serviço, por parte dos defensores da Reforma Psiquiátrica Brasileira, referem-se ao
isolamento social (prática amplamente identificada como prejudicial ao cuidado em saúde
mental), conotação moral sobre o fenômeno de drogas e as recorrentes denúncias de
violação de direitos humanos que ocorrem nessas instituições. No Relatório da Inspeção
Nacional em Comunidades Terapêuticas, realizado pelo Conselho Federal de Psicologia e
publicado em 2018, você pode verificar a gravidade dessas denúncias: https://site.cfp.org.br/
wp-content/uploads/2018/06/Relat%C3%B3rio-da-Inspe%C3%A7%C3%A3o-Nacional-em-
Comunidades-Terap%C3%AAuticas.pdf.

Essas mudanças exorbitantes no financiamento, resultaram na ampliação


de 496 novas instituições exclusivas para o campo de álcool e drogas, que
juntas somam 10.883 novos leitos, enquanto em 2017 havia apenas 406 CAPS ad
(NUNES et al., 2019).

Em 2019, duas publicações reforçam a lógica da atual cenário: o Decreto


n° 9.761, publicado em abril, que aprovou a Política Nacional sobre de Drogas,
e a Lei n° 13.840, publicada em junho, para tratar do Sistema Nacional de
Políticas Públicas sobre Drogas e definiu as condições de atenção aos usuários
ou dependentes de drogas, bem como, os direcionamentos do financiamento das
políticas sobre drogas.

Dentre os pressupostos do Decreto n° 9.761, encontra-se a busca por uma


sociedade livre do uso de drogas lícitas e ilícitas, e que o objetivo das ações de
atenção, assistência, prevenção, tratamento, acolhimento, apoio e ajuda mútua é a
manutenção da abstinência em relação ao uso de drogas (BRASIL, 2019b). Dentre
seus objetivos, no item 3.3, consta:

Garantir o direito à assistência intersetorial, interdisciplinar e transversal,


a partir da visão holística do ser humano, pela implementação e pela manutenção
da rede de assistência integrada, pública e privada, com tratamento, acolhimento
em comunidade terapêutica, acompanhamento, apoio, mútua ajuda e reinserção
social, à pessoa com problemas decorrentes do uso, do uso indevido ou da
dependência do álcool e de outras drogas e a prevenção das mesmas a toda a
população, principalmente àquelas em maior vulnerabilidade (BRASIL, 2019b).

193
UNIDADE 3 — SAÚDE COLETIVA E POLÍTICAS PÚBLICAS EM SAÚDE DA MENTE

Nota-se, nesse item, assim como ao longo de praticamente todo o texto


(apenas no item 5.1.4 outros serviços são apresentados como locais da rede
de atenção intersetorial), que o único serviço da rede de assistência citado é a
comunidade terapêutica, o que denota a ênfase no modelo hospitalocêntrico e
uma inversão na lógica de atenção da Reforma Psiquiátrica Brasileira que prima
pela atenção territorial e a desinstitucionalização. Ao longo do decreto, também
há itens específicos sobre financiamento de comunidades terapêuticas.

A expressão “redução de danos” não é encontrada ao longo de toda a


Política Nacional de Drogas de 2019.

A Lei n° 13.840/19, apesar de definir que o tratamento deve ser realizado


em rede de atenção, priorizando tratamento ambulatorial e que a internação deve
ser indicada apenas quando os meios extra-hospitalares forem insuficientes, não
menciona a possibilidade de cuidado a partir da perspectiva de redução de danos
e contém uma seção destinada, exclusivamente, à regulamentação do tratamento
em comunidade terapêutica em que reafirma o objetivo da abstinência como meta
do tratamento (BRASIL, 2019c).

Nota-se, assim, que as novas legislações mantêm em seus textos expressões


calcadas a partir da reforma psiquiátrica, o que faz parecer que os ideias da
Reforma Psiquiátrica Brasileira estão mantidos e aprimorados. “Isso exige, por
parte dos analistas, o cuidado de seguir o aforisma de que “o diabo mora nos
detalhes” para destrinchar o que está por trás dos nomes. A “nova reforma” é
um resgate de peças do antiquário anterior à RPB” (NUNES et al., 2019, p. 4494).

DICAS

Em 2017, foi lançado, pela Plataforma Brasileira de Política de Drogas, o


guia sobre drogas para jornalistas. Com o objetivo de oferecer um material prático e
instrumentalizar as coberturas jornalísticas, o guia possibilita um olhar sobre o fenômeno
de drogas, de forma complexa e não se limitando a posições reducionistas. A leitura pode
contribuir para que você compreenda a amplitude do fenômeno de drogas no Brasil e no
mundo. O material completo está disponível em: http://pbpd.org.br/glossario/guia-sobre-
drogas-para-jornalistas/.

194
RESUMO DO TÓPICO 3
Neste tópico, você aprendeu que:

• Drogas psicoativas são substâncias que provocam alteração no sistema


nervoso central e podem ser classificadas em depressoras, estimulantes ou
perturbadoras, de acordo com os efeitos.

• O paradigma proibicionista e a guerra às drogas defendem a ideia de uma


sociedade livre das drogas e para isso, ao longo da história, desenvolveu
estratégias de repressão à produção, comercialização e uso de determinadas
substâncias psicoativas.

• Historicamente, os efeitos da guerra às drogas são aumento da violência,


encarceramento em massa e crescimento de facções criminosas.

• O paradigma da redução de danos compreende que as drogas são parte da


constituição da humanidade e assim, propõe alternativas de atenção baseadas
nas diversidades de usuários e de acordo com as necessidades singulares.

• No Brasil, as legislações sobre drogas do início do século XX seguiam orientações


proibicionistas inspiradas em eventos e legislações internacionais. A partir do
período da ditadura militar, o consumo de substâncias ilícitas foi criminalizado.

• A Política Nacional Sobre Drogas (PNAD) teve seu primeiro texto aprovado
em 1998 e sofreu diversas revisões visando à ampliação de ações intersetoriais
e participação social.

• No texto de 2005, a PNAD apresentava o objetivo de atingir uma sociedade


protegida do uso de drogas, porém afirmava que a redução de danos é uma
estratégia de prevenção. Já na edição de 2019, reafirma o objetivo por uma
sociedade livre do uso de drogas lícitas e ilícitas, porém enfatiza que o objetivo
do tratamento é a abstinência.

• O Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas (SISNAD) foi instituído


em 2006 com a proposta de realizar os objetivos da Política Nacional sobre
Drogas. Uma de suas principais ações, se propunha a diferenciar usuário,
dependente e traficante, apesar de não estabelecer critérios quantitativos para
classificar posse e tráfico.

• Em 2019, o SISNAD foi reelaborado através da Lei n° 13.480 e em seu texto


enfatiza o tratamento em comunidade terapêutica com o objetivo de atingir a
abstinência em relação ao uso de drogas.

195
• A Política Nacional do Álcool surgiu devido às inúmeras problemáticas
individuais e sociais relacionadas ao uso dessa substância. Dentre seus frutos,
pode-se considerar a promulgação da Lei Seca que alterou as punições para
motoristas embriagados.

• O Centro de Atenção Psicossocial Ad (CAPS ad) é um serviço de base


comunitária destinado a atender pessoas que fazem uso prejudicial de álcool
e outras drogas. Além das atividades ofertadas em outros CAPS, o CAPS ad
oferecem espaço para repouso e desintoxicação ambulatorial.

• O CAPS ad III foi regulamentado pela Portaria n° 130, de 2012. Nessa


modalidade que funciona 24 horas todos os dias da semana, é ofertada a
hospitalidade noturna quando o usuário tiver indicação clínica, psicossocial e
ainda, necessidade de observação, repouso, proteção e manejo de conflito.

• Desde 2016, uma série de legislações tem possibilitado a implementação de


retrocessos em relação às conquistas da Reforma Psiquiátrica Brasileira, como
financiamento de leitos privados. No âmbito de álcool e drogas, as mudanças
se baseiam no incremento de vagas em comunidades terapêuticas.

196
AUTOATIVIDADE

1 A respeito dos efeitos das substâncias no sistema nervoso central (SNC),


assinale V para verdadeiro e F para falso:

( ) As drogas depressoras causam diminuição da atividade do SNC. Há uma


tendência de redução da atividade motora, da reatividade à dor e do
aumento da sonolência.
( ) Incluem-se no grupo das drogas estimulantes do SNC aquelas capazes de
aumentar a atividade cerebral, o que traz, como consequências, estado de
alerta exagerado, insônia e aceleração dos processos psíquicos.
( ) As drogas perturbadoras do SNC provocam alterações no funcionamento
cerebral, que resultam em vários fenômenos psíquicos anormais, como:
delírios e alucinações.
( ) Álcool e maconha são drogas depressoras do SNC; Cocaína e cafeína são
drogas estimulantes do SNC e ecstasy e LSD são drogas perturbadoras
do SNC.

É CORRETO o que se afirma em:


a) ( ) V; V; V; F.
b) ( ) V; V; F; F.
c) ( ) F; F; V; V.
d) ( ) F; V; F; V.
e) ( ) F; F; F; V.

2 Sobre as políticas proibicionistas e a “Guerra às Drogas”, avalie as


afirmativas a seguir:

I- Historicamente, um precedente da “Guerra às drogas” foi a Lei Seca norte-


americana, que proibiu a produção, comercialização e uso do álcool entre
os anos 1920 e 1933.
II- A meta das medidas relacionadas a guerra às drogas, é extinguir
completamente da vida em sociedade uma substância psicoativa e os
hábitos relacionados a ela (como o vício), através de medidas de segurança.
III- Medidas relacionadas a guerra às drogas estão associadas a encarceramento
em massa, aliciamento de crianças e adolescentes e redução no consumo
drogas por jovens e idosos.
IV- Por seus efeitos na redução da criminalidade e no uso de drogas,
atualmente, as políticas proibicionistas têm sido largamente adotadas por
países como Uruguai, Portugal e Holanda.

Assinale a alternativa CORRETA:


a) ( ) Somente a afirmativa IV está correta.
b) ( ) As afirmativas II e IV estão corretas.

197
c) ( ) As afirmativas I e IV estão corretas.
d) ( ) Somente a afirmativa II está correta.
e) ( ) As afirmativas I e II estão corretas.

3 A modalidade de atendimento do Centro de Atenção Psicossocial- Álcool e


Drogas (CAPS ad), foi implementada a partir da Portaria 336/02. Dez anos
após, em 2012, a Portaria n° 130 redefiniu a modalidade CAPS ad III que
ofertam cuidados por 24 horas em todos os dias da semana. Considerando
as especificidades desses serviços, avalie as afirmativas abaixo:

I- Os CAPS ad devem oferecer atendimento diário a pessoas que fazem um uso


prejudicial de álcool e outras drogas, permitindo o planejamento terapêutico dentro
de uma perspectiva individualizada de evolução contínua.
II- Os CAPS ad III devem acolher casos novos e já vinculados, sem agendamento
prévio e sem qualquer outra barreira de acesso, em todos os dias da semana,
inclusive finais de semana e feriados, por 12 (doze) horas ininterruptas diurnas,
como das 7 às 19 horas ou 8 às 20 horas ou 9 às 21 horas.
III- Para o atendimento da hospitalidade noturna, o CAPS ad III deve ter no
mínimo 8 e no máximo 12 vagas, a permanência máxima é de 14 dias
em um período de 30. Esses leitos são exclusivos para adultos, portanto,
adolescentes não podem utilizar esse serviço.
IV- Os CAPS ad devem oferecer atendimento individual e em grupo, oficinas
terapêuticas, visitas domiciliares e atividades de reinserção social, espaço
para repouso e desintoxicação ambulatorial para quem não demandar
atenção clínica hospitalar.

Assinale a alternativa CORRETA:


a) ( ) Somente a afirmativa IV está correta.
b) ( ) As afirmativas II e IV estão corretas.
c) ( ) As afirmativas I, II e IV estão corretas.
d) ( ) Somente a afirmativa II está correta.
e) ( ) As afirmativas I e II estão corretas.

4 A Redução de Danos (RD), tem sido utilizada como uma perspectiva ética
de atenção às problemáticas associadas ao uso de drogas. De uma iniciativa
para conter a contaminação por HIV, tornou-se parte de política públicas de
saúde nas últimas décadas. Entre seus princípios, está a não obrigatoriedade
da abstinência como critério de sucesso terapêutico. Discorra sobre o fato
da abstinência não ser o único objetivo da Redução de Danos.

5 Em 2019, o Decreto n° 9.761 e a Lei n° 13.840 alteraram as políticas de


atenção e financiamento dos serviços de saúde destinados a pessoas em
sofrimento psíquico associado ao uso de substâncias psicoativas. Essas
legislações, seguem a mesma lógica na nova política de saúde mental, em
curso nos últimos anos. Discorra sobre as características dessas políticas
(Decreto n° 9.761 e a Lei n° 13.840) e explique por que elas são consideradas
um retrocesso para a Reforma Psiquiátrica Brasileira (RPB).

198
TÓPICO 4 —
UNIDADE 3

POLÍTICAS PÚBLICAS DE SAÚDE MENTAL PARA INFÂNCIA E


ADOLESCÊNCIA

1 INTRODUÇÃO
Neste tópico, nós estudaremos a evolução das políticas públicas para
infância e adolescência, contemplando, desde as políticas de caráter restritivas
até as que atendem ao cuidado em saúde mental.

Iniciaremos apresentando a Liga Brasileira de Higiene Mental e sua


relação com a educação e o campo jurídico. Veremos que sua racionalidade
contribuiu para práticas assistenciais direcionadas à intervenção simplistas no
campo da infância e adolescência.

Em seguida, veremos como o Código de Menores de 1927, a criação da


Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor (Funabem) e o Código de Menores
de 1979 configuraram-se como aparatos legais de encarceramento e destituição
do poder familiar, pautados em argumentos morais e biologizantes.

Posteriormente, veremos que o Estatuto da Criança e do Adolescente


emergiu após o processo de redemocratização do país, e sua consolidação
inaugurou o estatuto de sujeito de direito e proteção integral para a população
infantojuvenil. Depois, trilharemos os caminhos da Reforma Psiquiátrica
Brasileira, contemplando a Lei n° 10.216/01, a Portaria n° 336/02 e a III Conferência
Nacional de Saúde Mental, para compreender como esses eventos contribuíram
para a construção da concepção de crianças e adolescentes como sujeitos de
direito e sujeitos psíquicos.

Por fim, estudaremos a importância da constituição do Fó­rum Nacional


de Saúde Mental Infantojuvenil para a manutenção, na agenda política, das
questões pertinentes à saúde mental de crianças e adolescentes.

2 CONTEXTUALIZAÇÃO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS PARA A


INFÂNCIA E ADOLESCÊNCIA
A história das políticas de atenção à infância e adolescência, no âmbito
da saúde mental, antes da década de 1990, foi marcada por sucessivas práticas
de exclusão, reparadoras, disciplinares, falta de medidas terapêuticas e
descomprometimento com a reinserção social.

199
UNIDADE 3 — SAÚDE COLETIVA E POLÍTICAS PÚBLICAS EM SAÚDE DA MENTE

Essas ações, pautadas na tutela e institucionalização, perduraram por


cerca de 80 anos (COUTO; DELGADO, 2015; BRAGA; D'OLIVEIRA, 2019).

Os objetivos dessas políticas foram baseados em ações muita mais


direcionadas às práticas assistenciais e jurídicas do que na atenção psicossocial. Assim,
focavam em vigiar, adequar, recuperar e reprimir (BRAGA; D'OLIVEIRA, 2019).

Essas intervenções foram resultado, entretanto, de uma agenda


política edificada não para cuidar do padecimento mental na infância
e adolescência, mas para responder aos problemas da pobreza e do
abandono, que eram considerados produtores de efeitos incapacitantes.
A noção de incapacitação pela pobreza engendrou a montagem de
políticas de assistência reparadoras e o desenvolvimento de práticas
disciplinares e corretivas que supunham poder recuperar as mazelas
da infância e adolescência pobres, compensar os danos e redirecionar
os rumos para o desenvolvimento de cidadãos civilizados e produtivos
(COUTO; DELGADO, 2015, p. 22).

Por oito décadas a pobreza sequestrou as possibilidades de olhar para


outras problemáticas da infância e adolescência. Assim, tornaram-se invisíveis
necessidades de crianças e adolescentes com questões de saúde mental,
portadores de anomalias físico-psíquicas ou de inteligência, sendo encaminhados
para abrigos especiais. O caráter institucionalizante e estigmatizante, bem
como seus efeitos nefastos, não poupou ninguém (BRASIL, 2005c; COUTO;
DELGADO, 2015).

Tal cenário foi corroborado por práticas médicas e jurídicas, representados


pela Liga Brasileira de Higiene Mental, o Código de Menores de 1927, a Fundação
Nacional do Bem-Estar do Menor (Funabem) e o Código de Menores de 1979.

2.1 LIGA BRASILEIRA DE HIGIENE MENTAL E O CAMPO DA


INFÂNCIA E ADOLESCÊNCIA
O terreno fértil para a constituição da Liga Brasileira de Higiene Mental
(LBHM) foi composto por três eventos, conforme visto no Tópico 2, a concepção
moreliana de degeneração, a concepção de higiene médica e o cenário sociopolítico
do Brasil nas primeiras décadas do século XX.

Em 1857, Morel elaborou o conceito de degeneração. Esse conceito associava


à doença mental elementos biológicos e genéticos e, portanto, eram transmitidas
hereditariamente, o que degenerava as árvores genealógicas familiares.

Essa concepção estimulou a origem de políticas públicas que objetivavam


a eutanásia e esterilização dos considerados degenerados, entre eles: imigrantes,
descendentes de orientais e africanos, pessoas com problemas relacionados a
drogas (AMARANTE, 2003b; SEIXAS et al., 2009).

200
TÓPICO 4 — POLÍTICAS PÚBLICAS DE SAÚDE MENTAL PARA INFÂNCIA E ADOLESCÊNCIA

Associado a esse contexto, a concepção de higiene mental, relacionava


distúrbios mentais ao contexto social, como miséria e ignorância. Assim, a origem
da loucura poderia ser explicada também, pela condição social da pessoa acometida.

Por fim, o cenário sociopolítico do Brasil no final do século XIX e início


do século XX: em 1889 foi declarada a República, após a recente abolição da
escravidão que ocorrera em 1888. O fluxo de imigrantes era intenso e agravaram
problemas sociais e sanitários. Após o Estado Novo, uma nova constituição
foi adotada, composta de ideais antiliberais e atitudes repressivas, propondo
inclusive, a regulamentação do número de imigrantes, por etnia, que poderiam
entrar no país.

Esses três cenários confluíram para a criação, em 1923, da Liga Brasileira


de Higiene Mental, que, originariamente, propunha-se a modernizar a assistência
psiquiátrica pautada em princípios eugênicos e xenofóbicos, sugerindo o
impedimento de casamentos ou a esterilização de imigrantes, dependentes de
álcool e drogas, descendentes de orientais e africanos e conclamando o ideal de
uma sociedade livre de doenças mentais e também, a melhoria da raça humana
(AMARANTE, 2003b).

No âmbito da infância e adolescência foi uma das primeiras iniciativas


médicas na área psiquiátrica e reforçava a lógica do Estado como normalizador
das condutas (COUTO; DELGADO, 2015). Mas quais eram as propostas de intervenção
da Liga Brasileira de Higiene Mental para a saúde mental infantojuvenil?

Através da Liga Brasileira de Higiene Mental, a psiquiatria adotou


práticas de cunho moral e se associou ao campo da educação. O objetivo era
garantir que, moldando a infância, no futuro o homem seria higienizado (nos
termos morais). Nesse contexto, surgiram propostas de orientação a familiares
de crianças e adolescentes, com diretivas sobre formas científicas de educação.
A prática da saúde escolar “teria uma finalidade dupla, pois, além de detectar
possíveis distúrbios degenerativos, serviria também para classificar e separar as
crianças conforme sua evolução psicológica individual” (BRASIL, 2005c, p. 27).

A partir de 1932, a Liga Brasileira de Higiene Mental inaugurou a Clínica


da Eufrenia, conhecida como a ciência da boa formação do psiquismo. Atendia
a crianças de 9 meses a 12 anos e se propunha a trabalhar na formação da mente
infantil. Com diversos recursos publicitários e atividades científicas, divulgava
orientações à sociedade de como deveria ser o comportamento infanto-juvenil
normal, quais sinais deveriam ser motivo para consultar um especialista e
quais consequências poderiam ocorrer, caso não houvesse atendimento médico
(BRASIL, 2005c).

201
UNIDADE 3 — SAÚDE COLETIVA E POLÍTICAS PÚBLICAS EM SAÚDE DA MENTE

Segue trecho de material chamado “Exortação às Mães” em que as


referidas orientações, podem ser vistas:

Estás certa de que teu filho não possui nenhuma predisposição


nervosa? A criança normal é geralmente alegre, sorridente, ativa,
chora pouco e gosta de brincar. Se o teu filho é tristonho e apático,
ou excessivamente excitado e brigão, se chora muito e tem ataques de
raiva, cuidado com a predisposição nervosa que o pode transformar,
no futuro, em uma criança doente e infeliz [...].
Teu filho é tímido, ciumento, desconfiado? É teimoso, pugnaz,
exaltado? Cuidado com esses prenúncios de constituição nervosa.
Teu filho tem defeitos na linguagem, é gago? Manda-o examinar para
saber sua verdadeira causa.
Teu filho tem vícios de natureza sexual? Leva-o ao especialista para
que te ensine a corrigi-lo.
Teu filho é mentiroso ou tem o vício de furtar? Trata-o sem demora, se
não quiseres possuir um descendente que te envergonha.
Teu filho tem muitos tiques ou cacoetes? É um hipermotivo. Procure
evitar a desgraça futura do teu filho, que poderá ser candidato ao suicídio.
Teu filho pouco progride nos estudos? Antes de culpar o professor,
submete-o a um exame psicológico. Conhecerás então, o seu nível
mental, o seu equilíbrio emotivo, e terás, assim, elementos para melhor
o encaminhar na vida.
Lê e reflete. A felicidade do teu filho está em grande parte nas tuas
próprias mãos. Não esperes, portanto, que o teu filho fique nervoso,
ou atinja as raias da alienação mental; submete-o quanto antes, a
um exame especializado, a fim de que, amanhã, não te doa, nem de
leve, a consciência. É esta a exortação que te faz a Liga Brasileira
de Higiene Mental, que somente deseja ver felizes todas as mães,
para que felizes sejam também todos os filhos deste querido Brasil
(BRASIL, 2005c, p. 28).

Com essa lógica, expandia-se um novo mercado e convencia as famílias


que educar não era uma tarefa simples que leigos, como eles, poderiam realizar.
Os pais precisariam, nesse contexto, de constantes orientações científicas sobre
como educar seus filhos (BRASIL, 2005c).

Assim, embasada em uma utópica e autoritária educação científica, a Liga


Brasileira de Higiene Mental marcou o contexto médico psiquiátrico de assistência
a crianças e adolescentes no início do século XX (BRASIL, 2005c).

A seguir, veremos que a psiquiatria não participou apenas da Liga


Brasileira de Higiene Mental, ela também foi atuante nas práticas jurídicas que
justificavam internações de crianças e adolescentes na República.

Sobre o aparato jurídico de atenção à infância e adolescência na República,


Cunha e Boarini (2010) afirmam que o Código de Menores de 1927, a criação da
Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor (Funabem) e o Código de Menores
de 1979 foram as diretrizes para a atenção à infância e adolescência nesse período.

202
TÓPICO 4 — POLÍTICAS PÚBLICAS DE SAÚDE MENTAL PARA INFÂNCIA E ADOLESCÊNCIA

2.2 CÓDIGO DE MENORES DE 1927


Esse código substituiu o Código Penal de 1890 e objetivava assistir e
proteger o menor abandonado ou delinquente. Eram considerados abandonados
aqueles em que pais ou tutores não se comportassem de acordo com a moral e
os bons costumes da época, não tivessem condições de protegê-los e ainda, as
crianças e adolescentes que praticassem a mendicância, vadiagem ou fossem
vítimas de maus tratos e ou castigos severos. Crianças e adolescentes, que não
alcançassem esses critérios, eram assistidos pelo Código Civil de 1916 (CUNHA;
BOARINI, 2010).

Esse código direcionou ao juiz o poder de determinar as medidas protetivas


ou de recuperação, classificando crianças e adolescentes entre abandonados
e delinquentes. Um precedente aberto pelo código referiu-se à possibilidade
de intervenção do juiz, independente da realização de ato ilícito, isto é, o juiz
poderia solicitar internação pelo requisito em perigo de o ser: “se o menor for
abandonado, pervertido, ou estiver em perigo de o ser, autoridade o internará
em escola de reforma por todo o tempo necessário a sua educação” (CUNHA;
BOARINI, 2010, p. 213).

Assim, o Código de Menores de 1927 elucidava seu caráter moral,


assumindo no âmbito jurídico a responsabilidade da educação e vigilância. Qual
era a relação entre o Código de Menores de 1927 e a saúde mental?

O psiquiatra tornou-se membro obrigatório do Juizado de Menores,


pois na época entendia-se que a delinquência era causada por anomalias
psíquicas permanentes ou temporárias. O médico era responsável por ajudar na
regeneração do delinquente ou na prevenção do crime. Entre suas atividades,
estava a avaliação da criança ou adolescente e a investigação familiar de aspectos
hereditários que pudessem explicar a delinquência (CUNHA; BOARINI, 2010).

2.3 FUNDAÇÃO NACIONAL DO BEM-ESTAR DO MENOR


(FUNABEM)
Cerca de quatro décadas após o surgimento do Código de Menores de
1927, a realidade das condições infantojuvenis permanecia a mesma. Em mais
uma tentativa de disciplinar o comportamento de crianças e adolescentes,
mantendo-se orientado pela lógica higienista e eugenista, surge, em 1° de
dezembro de 1964, a Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor (Funabem)
(CUNHA; BOARINI, 2010).

Nesse período, o diagnóstico de delinquência era feito por psiquiatras,


pedagogos, psicólogos e assistentes sociais.

203
UNIDADE 3 — SAÚDE COLETIVA E POLÍTICAS PÚBLICAS EM SAÚDE DA MENTE

No manual da Funabem, associava-se a transgressão a aspectos


biopsicossociais, porém na prática, as ações tinham orientação de encontrar
alterações de personalidade, isto é, reduzia-se o fenômeno a uma falha no
indivíduo ou em sua genética (CUNHA; BOARINI, 2010).

Com o objetivo de ofertar ao jovem uma nova identidade, investia-se


em práticas que possibilitassem descobrir novas dimensões do eu. O principal
recurso era a internação, que, segundo Carrilho (1925), possibilitava,

[...] aos indivíduos, o afastamento dos hábitos mentais nocivos,


aprimorando-lhes o caráter e traçando-lhes a personalidade íntegra.
É então, que se faz a educação dos instintos, dosando as reações que
eles determinam e que tanto pesam na gênese dos delitos, influindo
sobre essa “agressividade latente” (p. 138 apud CUNHA; BOARINI,
2010, p. 217).

Assim, o discurso teórico, propunha essa descoberta do eu através de


experiências respeitosas e de amor, porém há uma série de denúncias de violências
e maus-tratos durante as internações, que questionam o caráter terapêutico das
intervenções (CUNHA; BOARINI, 2010; CASTRO; MACEDO, 2019).

2.4 CÓDIGO DE MENORES DE 1979


Mesmo com o surgimento de Funabem, o regime militar ainda não
dispunha de uma legislação própria sobre a infância e adolescência. Surge então,
o Código de Menores de 1979, que continuava a atuar apenas sobre abandonados
e delinquentes, porém utilizava uma nova terminologia, a saber: “menor em
situação irregular” (CUNHA; BOARINI, 2010).

Além da mudança de nomenclatura, Cunha e Boarini (2010) apontam para


uma diferença entre as finalidades do Código de Menores de 1927 e o Código
de Menores de 1979. Enquanto o Código de Menores de 1927 dispunha sobre a
assistência e proteção dos menores, o Código de Menores de 1979 dispunha sobre
a assistência, proteção e vigilância dos menores.

Aos olhares distraídos, o termo “vigilância” pode passar despercebido,


porém, é necessário ressaltar que esse o Código de Menores de 1979 surgiu
em pleno período de ditadura militar. Nesse contexto, esse código alterou, por
exemplo, o tempo limite de internação. No Código de Menores de 1927, o prazo
máximo de internação era aos 21 anos e, no novo código, passou a não ter data
limite, sendo o jovem transferido para uma penitenciária caso atingisse essa idade
e a medida não tivesse terminado (CUNHA; BOARINI, 2010).

204
TÓPICO 4 — POLÍTICAS PÚBLICAS DE SAÚDE MENTAL PARA INFÂNCIA E ADOLESCÊNCIA

Os mecanismos de coerção do Estado passaram pela exclusão do


menor, dantes “degenerado”, pervertido, delinquente, agora “em
situação irregular”, e pela individualização de questões produzidas
socialmente, tais como a eventual ou frequente falta de subsistência
ou moradia, atribuindo-as unicamente ao indivíduo e à sua família.
A higiene mental e a eugenia forneceram suporte a essas práticas,
legitimando-as por meio do “empréstimo” de termos e soluções
apontadas. A vigência dessa lógica teve como consequência apenas
a estigmatização social de crianças e adolescentes internados e a
provável marginalização (CUNHA; BOARINI, 2010, p. 220).

Nota-se, assim, que após cinquenta e dois anos do surgimento do


primeiro código de menores, os ideários higienistas se mantiveram presentes,
através da internação em massa de menores. A busca por um ideal de sociedade,
pautada em valores morais e padrões de normalidade, possibilitou práticas de
saneamento social, direcionadas àqueles que eram considerados desviantes
(COUTO; DELGADO, 2015; BRAGA; D'OLIVEIRA, 2019).

Assim, a combinação entre os discursos médico e jurídico foi o aporte


que fundamentou as políticas direcionadas à infância e adolescência no tempo
da República. Nenhuma das práticas visavam à atenção à saúde mental como
nos termos da Reforma Psiquiátrica Brasileira. As ofertas de assistência em
saúde, direcionadas àqueles que apresentavam questões psiquiátricas, reduziam-
se a internamentos em hospitais ou educandários, reforçando assim a lógica
disciplinar e segregadoras das intervenções (COUTO; DELGADO, 2015).

Assim, a assistência até então produzida para essa população, com o


engendramento de “um conjunto de medidas, calcadas na lógica higie­
nista e de inspiração normativo-jurídica, que expandiu sobremaneira
a oferta de instituições fechadas para o cuidado”, acarretou não na
in­serção social em uma perspectiva de constru­ção de direitos de
crianças e adolescentes, mas, sim, na “institucionalização do cuidado”
e na “criminalização da infância pobre”, o que gerou “um quadro
de desassistência, abandono e exclu­são” trata-se de uma lógica de
enquadramento e de isolamento das crianças e dos adolescentes
considerados desviantes [...] (BRAGA; D'OLIVEIRA, 2019, p. 405).

A história nos conta que a atenção para crianças e adolescentes nesse


período, além da sistemática e indiscriminada institucionalização, fortaleceu a
criminalização da pobreza, a desassistência e o abandono (BRASIL, 2005c). Salienta-
se, também, que essas ações reforçavam as desigualdades sociais e econômicas,
uma vez que para a classe abastada eram garantidos que usufruíssem de seus
direitos, enquanto para as camadas pobres, restava a contenção e repressão.
Assim, classe social, raça e etnia eram indicativos de quem poderia ter os direitos
violados (CASTRO; MACEDO, 2019).

205
UNIDADE 3 — SAÚDE COLETIVA E POLÍTICAS PÚBLICAS EM SAÚDE DA MENTE

DICAS

A jornalista Eliane Brum publicou, em 2014, uma reportagem intitulada Como


se Fabricam Crianças Loucas. No texto, é apresentada a trajetória de crianças e adolescentes
pobres, sistematicamente, institucionalizados na primeira década do século XXI.

O texto denuncia que, apesar das mudanças legislativas que veremos a seguir,
a lógica de internação da população infantojuvenil, considerada desajustada, continua a
vigorar. Você pode conferir a reportagem em: https://brasil.elpais.com/brasil/2014/03/17/
opinion/1395072236_094434.html.

Você pode se perguntar: O que foi preciso para que essa realidade mudasse?
Como estão as políticas de saúde mental para a população infantojuvenil na
atualidade? Veremos a seguir, que apenas após o período de redemocratização do
país, foi possível estabelecer novas bases para a atenção à infância e adolescência no
campo da saúde mental.

3 ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE (ECA)


A partir da década de 1980, iniciou um período de profunda transformação social
no que se refere à concepção de infância e adolescência bem como, o aparato jurídico e
assistencial direcionado para essa população. O processo de redemocratização do país
e a Constituição Federal de 1988 (CF/88) possibilitaram inaugurar o status de
cidadania de crianças e adolescentes e, portanto, sujeitos de direito (COUTO;
DELGADO, 2015). Configurava-se, assim, a transição do caráter punitivo e
disciplinador das ações de assistência infantojuvenil para a constituição de
práticas de proteção integral.

Em nível internacional, em 1989, aconteceu a Convenção Internacional


sobre os Direitos da Criança, realizada pela Organização das Nações Unidas
(ONU), da qual o Brasil foi signatário, e reforçou a concepção da criança
como sujeito e cidadã plena de direitos. No Brasil, o Estatuto da Criança e do
Adolescente (ECA), promulgado em 13 de julho de 1990, surgiu para garantir
a proteção integral, substituindo, assim, a concepção de “menor” para cidadão
(COUTO; DELGADO, 2015). É importante salientar que o ECA não faz distinção
de classe social, raça nem etnia, sendo aplicado a todas as crianças e adolescentes.
Nesse contexto, Castro e Macedo (2019, p. 1222) afirmam que:

A partir da CF/88 e do ECA a percepção social sobre infância


e adolescência assume outra configuração, em adequação com
parâmetros de organismos internacionais. Crianças e adolescentes
são igualados como sujeitos de direitos ainda que resguardadas as
desigualdades sociais e econômicas por elas vividas. Assim, tais

206
TÓPICO 4 — POLÍTICAS PÚBLICAS DE SAÚDE MENTAL PARA INFÂNCIA E ADOLESCÊNCIA

desigualdades, bem como os marcadores sociais que reforçam e


reproduzem essa condição de não acesso a serviços e direitos passam
a ser alvo de política de reparação e não mais punição. Trata-se de
um processo de reconhecimento do direito a viver a infância e a
adolescência de forma plena.

Além de estabelecer um recorte etário para a infância e adolescência, sendo


infância considerada até os doze anos incompletos e adolescência entre doze e
dezoito anos, o ECA estabeleceu a concepção de condição peculiar da criança e
do adolescente como pessoas em desenvolvimento (CASTRO; MACEDO, 2019).

Notam-se, assim, diferenças entre o ECA e as legislações anteriores, como


os Códigos de Menores de 1927 e 1979, pois este refere-se ao desenvolvimento
de forma integral. No artigo 3, expressa as características do desenvolvimento,
considerando os aspetos: físico, mental, moral, espiritual e social (BRASIL, 1990).

Já no artigo 4, distribui entre a família, comunidade, sociedade em geral


e Poder Público a responsabilidade de assegurar os direitos fundamentais de
crianças e adolescentes, a saber: direito à vida, educação, saúde, alimentação,
lazer, cultura, profissionalização, esporte, respeito, dignidade, liberdade e
convivência comunitária e familiar (BRASIL, 1990).

No que se refere à atenção à saúde infantojuvenil, além de ser um


direito fundamental, o ECA também orienta que são necessárias à efetivação de
políticas que possibilitem o nascimento e desenvolvimento sadio e harmonioso.
No artigo 14 são esclarecidas as funções do Sistema Único de Saúde (SUS), a
saber: “O Sistema Único de Saúde promoverá programas de assistência médica
e odontológica para a prevenção das enfermidades que ordinariamente afetam a
população infantil, e campanhas de educação sanitária para pais, educadores e
alunos” (BRASIL, 1990).

Ainda no âmbito da saúde são contemplados cuidados à gestante, nutriz


e recém-nascido, tratamento especializado para crianças com deficiências, oferta
gratuita de medicamentos, obrigatoriedade de acompanhamento de pais ou
responsáveis em caso de internação e vacinação (BRASIL, 1990).

Mais especificamente sobre a saúde mental, o ECA prevê serviços especiais


de prevenção e atendimento médico e psicossocial às vítimas de negligência,
maus-tratos, exploração, abuso, crueldade e opressão e que as entidades que
desenvolvam programas de internação têm como uma de suas obrigações oferecer
cuidados psicológicos. Em relação às medidas de proteção, quando verificadas
quaisquer circunstâncias em que os direitos reconhecidos possam ser violados
ou ameaçados, a autoridade competente pode requerer tratamento médico
e psicológico em hospital ou ambulatório, e inclusão em programa de auxílio,
orientação e tratamento a alcoólatras e toxicômanos (BRASIL, 1990).

207
UNIDADE 3 — SAÚDE COLETIVA E POLÍTICAS PÚBLICAS EM SAÚDE DA MENTE

Até o momento, fizemos o resgate histórico das principais políticas


relacionadas à população infantojuvenil e como elas se implicaram ou não, com
a saúde mental de crianças e adolescentes. Veremos a seguir, como a agenda
política contemplou, mesmo que tardiamente, a inclusão da temática da saúde
mental infantojuvenil nos debates e ações da reforma psiquiátrica brasileira.

4 III CONFERÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE MENTAL (2001)


Como estudado no Tópico 2, a Reforma Psiquiátrica Brasileira foi um
processo de transformação no modelo assistencial em saúde mental, bem como
um instrumento de mudança na concepção de sofrimento psíquico. Seus ideários
foram pautados na desinstitucionalização, destruição do aparato manicomial e
reinserção social.

A Lei n° 10.106/01 representou o marco legal dessa luta e possibilitou o


incremento de serviços substitutivos à lógica manicomial, até então hegemônica no
Brasil. No mesmo ano, a III Conferência Nacional da Saúde Mental, diferente das
conferências anteriores, destacou a saúde mental de crianças e adolescentes como
foco necessário para os anos seguintes, assim convocou o Estado a se responsabilizar
por essa pauta. A intersetorialidade se caracterizou como uma característica
fundamental para a política de saúde mental de crianças e adolescentes assim
como, a exigência de o cuidado ser realizado em base comunitária, territorial e
objetivando a inclusão social (COUTO; DELGADO, 2015).

Além de reafirmar que crianças e adolescentes são sujeitos de direito, a


III Conferência Nacional de Saúde Mental defendeu a concepção de criança e
adolescente como sujeitos psíquicos. Entende-se assim que são seres falantes,
vivos e sociais, partícipes nos processos de subjetivação diante do mundo. A esse
respeito, Couto e Delgado (2015, p. 22) enfatizam que crianças e adolescentes

são sujeitos plenos, portanto, que podem se desenvolver, socializar,


aprender, mas também serem atravessados por enigmas e vicissitudes
subjetivas, inerentes à sua condição humana. São seres passíveis de
sofrimento e adoecimento mental, com direito de serem cuidados
quando o sofrimento se fizer insuportável ou quando impossibilitar
a construção ou sustentação de laços sociais sem que esse cuidado se
reduza à correção, normalização ou adaptação de comportamentos.

No quadro a seguir são apresentadas as principais deliberações da III


Conferência Nacional de Saúde Mental para a construção da Política Nacional de
Saúde Mental da Criança e Adolescente (SMCA).

208
TÓPICO 4 — POLÍTICAS PÚBLICAS DE SAÚDE MENTAL PARA INFÂNCIA E ADOLESCÊNCIA

QUADRO 9 – DELIBERAÇÕES DA III CONFERÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE MENTAL PARA A


INFÂNCIA E ADOLESCÊNCIA

A SMCA deveria se orientar pelos princípios do ECA, da Lei 10.216 e dos marcos éticos da
Reforma Psiquiátrica.
A criança e o adolescente deveriam ser considerados sujeitos psíquicos e de direitos.
A política de SMCA deveria integrar a política geral de saúde mental, ter caráter intersetorial e
orientar a construção de uma rede de cuidado, de base territorial, sensível às particularidades das
crianças e adolescentes e às peculiaridades dos municípios.
A lógica do CAPS – Centro de Atenção Psicossocial (naquele momento, regulamentado apenas
para atendimento de adultos) deveria ser estendida ao cuidado de crianças e adolescentes com
problemas mentais.
A intersetorialidade deveria ser a marca distintiva e estruturante da organização da rede de
cuidados em SMCA.
As ações de cuidado deveriam se precaver contra a medicalização e institucionalização do
sofrimento mental em crianças e adolescentes, que reduziam os problemas advindos da
precariedade social a transtornos mentais.
As práticas de atenção deveriam se opor à finalidade de controle e ajustamento de conduta no
trato com a criança e adolescente.

FONTE: Couto e Delgado (2015, p. 32)

Assim, os anos noventa marcaram o início de uma nova concepção de


infância e adolescência, tendo como influência para tal transformação a Convenção
Internacional sobre os Direitos da Criança, realizada pela Organização das Nações
Unidas (ONU) e o Estatuto da Criança e do Adolescente. Esses eventos iniciaram
a possibilidade de um novo olhar sobre a população infantojuvenil, e foi, no ano
de 2001, que o recorte sobre saúde mental teve a possibilidade de se fazer presente
na agenda política. Assim, a Lei n° 10.216 e a III Conferência Nacional de Saúde
Mental foram as bases históricas que possibilitaram a “emergência de condições
simbólicas e reais para a proposição da política de saúde mental para crianças e
adolescentes no início do século XXI” (COUTO; DELGADO, 2015, p. 21).

5 CENTRO DE ATENÇÃO PSICOSSOCIAL INFANTOJUVENIL


– CAPS I
No ano seguinte à promulgação de Lei n° 10.2016/01 e da III Conferência
Nacional de Saúde Mental, a Portaria n° 336/02 engendrou os alicerces necessários
para a implantação, financiamento e funcionamento dos Centros de Atenção
Psicossocial, como o Centro de Atenção Psicossocial- Infantil (CAPSi).

Esse serviço representou o ponto inicial para a possibilidade de cuidado de


crianças e adolescentes em sofrimento psíquico grave e persistente, fundamentados
na atenção psicossocial, na compreensão ampliada do desenvolvimento e em
bases comunitárias. Os CAPSi são ordenadores das demandas de saúde mental
infantojuvenil de seu território e configuram-se como serviços estratégicos na
construção da rede de atenção psicossocial intersetorial (COUTO; DELGADO, 2015).

209
UNIDADE 3 — SAÚDE COLETIVA E POLÍTICAS PÚBLICAS EM SAÚDE DA MENTE

Os CAPSi constituem a primeira ação concreta oriunda da nova


posição do Estado brasileiro frente às questões da SMCA. Compostos
por equipes multiprofissionais, fundamentados na lógica da atenção
diária, da intensividade do cuidado, do trabalho em rede e baseados
na comunidade, visam à ampliação dos laços sociais possíveis a cada
um dos seus usuários e familiares. Inauguram a resposta oficial do
SUS à necessidade de cuidado para crianças e adolescentes com
problemas mentais que, até aquele momento, não encontravam na
atenção psicossocial possibilidade real de atendimento (COUTO;
DELGADO, 2015, p. 34).

No documento “Saúde Mental no SUS: os centros de atenção psicossocial”


(BRASIL, 2004b, p. 23) são apresentadas situações que possibilitam a melhoria
em situações de sofrimento psíquico grave, por exemplo, as psicoses infantis
e o autismo. Para facilitar a compreensão das situações citadas, elas serão
apresentadas no quadro a seguir:

QUADRO 10 – CONDIÇÕES QUE OTIMIZAM A ATENÇÃO À SAÚDE MENTAL INFANTOJUVENIL

O tratamento tem mais probabilidade de sucesso quando a criança ou adolescente é mantida em


seu ambiente doméstico e familiar.
As famílias devem fazer parte integrante do tratamento, quando possível, pois observa-se maior
dificuldade de melhora quando se trata a criança ou adolescente isoladamente.
O tratamento deve ter sempre estratégias e objetivos múltiplos, preocupando-se com a atenção
integral a essas crianças e adolescentes, o que envolve ações não somente no âmbito da clínica,
mas também ações intersetoriais. É preciso envolver-se com as questões das relações familiares,
afetivas, comunitárias, com a justiça, a educação, a saúde, a assistência, a moradia etc. A melhoria
das condições gerais dos ambientes onde vivem as crianças e os adolescentes tem sido associada
a uma melhor evolução clínica para alguns casos.
As equipes técnicas devem atuar sempre de forma interdisciplinar, permitindo um enfoque
ampliado dos problemas, recomendando-se a participação de médicos com experiência no
atendimento infantil, psicólogos, enfermeiros, terapeutas ocupacionais, fonoaudiólogos,
assistentes sociais, para formar uma equipe mínima de trabalho. A experiência de trabalho com
famílias também deve fazer parte da formação da equipe.
Deve-se ter em mente que no tratamento dessas crianças e adolescentes, mesmo quando não é
possível trabalhar com a hipótese de remissão total do problema, a obtenção de progressos no
nível de desenvolvimento, em qualquer aspecto de sua vida mental, pode significar melhora
importante nas condições de vida para eles e suas famílias.
Atividades de inclusão social em geral e escolar em particular devem ser parte integrante dos
projetos terapêuticos.

FONTE: Brasil (2004b)

Assim como os outros CAPS, o CAPS i oferecem um repertório de


atividades terapêuticas, como atendimento individual e em grupo, atividades de
reinserção social, oficinas terapêuticas, atividades culturais e esportivas, visitas
domiciliares, atendimento a familiares e assembleias (BRASIL, 2004b).

210
TÓPICO 4 — POLÍTICAS PÚBLICAS DE SAÚDE MENTAL PARA INFÂNCIA E ADOLESCÊNCIA

DICAS

O artigo Cuidadores de Crianças e Adolescentes com Transtornos Mentais:


Mudanças na Vida Social, Familiar e Sexual apresenta uma pesquisa com cuidadores de
crianças e adolescentes que fazem tratamento em um CAPSi e como resultado apontam a
necessidade de mais cuidado a essa população por parte das políticas públicas. Você pode ler
o artigo na íntegra no link: https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-
12902018000200544&lang=pt.

Para um país que estava acostumado a internar, indiscriminadamente,


crianças e adolescentes, a Política de Saúde Mental e a implementação dos CAPSi
representaram marcos na mudança de concepção de infância e adolescência que
possibilitou a oferta de cuidado comprometido com a reabilitação psicossocial e
não mais com a exclusão e estigmatização de crianças e adolescentes.

6 FÓ­RUM NACIONAL DE SAÚDE MENTAL INFANTOJUVENIL


No ano de 2003, como um dos resultados das deliberações da III
Conferência Nacional de Saúde Mental, foi instituído um grupo de trabalho com
a proposta de implementar o Fórum Na­cional sobre Atenção à Saúde Mental de
Crianças e Adolescentes. Assim, em 2004, foi instituído o Fó­rum Nacional de
Saúde Mental Infantojuvenil (BRAGA; D'OLIVEIRA, 2019). Composto por trinta
e dois representantes de instituições governamentais, setores da sociedade civil
e entidades filantrópicas de diversas áreas, tais como: saúde, educação, justiça,
assistência social, cultura, direitos humanos e saúde mental, o Fórum se caracteriza
por um espaço de debate democrático acerca das diversas vulnerabilidades
concernentes à saúde mental infantojuvenil, propondo assim, ações de inclusão
social e apontando elementos para a construção de políticas públicas para essa
população (BRASIL, 2005c; BRAGA; D'OLIVEIRA, 2019).

Os princípios da Política Nacional de Saúde Mental Infantojuvenil também


são pautados na perspectiva de crianças e adolescentes como sujeitos. O termo
sujeito, engloba a noção de sujeito de direito e, portanto, direito a ser cuidado, e
ainda, ser cuidado de forma singular (BRASIL, 2005c).

Nessa perspecti­va da singularidade das experiências de vida,


as condições de produção de cuidado e a atenção à criança e ao
adolescente com sofrimento psíqui­co estão relacionadas a uma escuta
atenta das ne­cessidades reais dos sujeitos e a garantia de escuta da voz
deles, que podem dizer de si e de seu so­frimento. Trata-se de garantir o
direito à palavra, legitimar seus saberes e criar possibilidades para que
crianças e adolescentes possam narrar suas vivências, assinalar suas
perspectivas e se respon­sabilizar subjetivamente por suas experiências
em suas trajetórias de vidas (BRAGA; D'OLIVEIRA, 2019, p. 406).

211
UNIDADE 3 — SAÚDE COLETIVA E POLÍTICAS PÚBLICAS EM SAÚDE DA MENTE

Percebe-se assim, uma perspectiva ética no que se refere à atenção à saúde


mental de crianças e adolescentes, que se apresenta na radicalidade de escutar a
voz de quem sofre. Assim, o discurso de crianças e adolescentes são reconhecidos
como próprios, e então, são reconhecidos como protagonistas de suas vidas
(BRASIL, 2005c).

A partir dessa compreensão de infância e adolescência foram


estabelecidos os princípios da Política Nacional de Saúde Mental Infantojuvenil,
conforme apresentado no documento Caminhos para uma Política de Saúde Mental
Infantojuvenil (BRASIL, 2005c):

• Acolhimento universal: os serviços de saúde devem trabalhar na lógica de


porta aberta, isto é, devem acolher e legitimar as demandas de saúde mental
infantojuvenil e direcionar uma resposta, seja ela um encaminhamento
responsável ou a orientação para o tratamento no serviço em que a criança e
adolescentes estão.
• Encaminhamento implicado: aquele que encaminha deve responsabilizar-se
pelo encaminhamento, mantendo-se disponível e aberto para o diálogo sobre
a situação encaminhada. Esse princípio também se refere à orientação para a
desconstrução de demandas de outros setores, como a educação, por exemplo,
ao solicitarem ações de saúde mental para questões pedagógicas.
• Construção permanente da rede: pauta-se na ideia de extrapolar a ação
dos serviços a práticas meramente técnicas que se mostram desconexas da
concepção ampliada de cuidado.
• Território: compreensão que supera a lógica geográfica para compreender
o território como um lugar psicossocial em que o sujeito vivencia suas
experiências pessoais e institucionais.
• Intersetorialidade na ação do cuidado: o trabalho clínico deve incluir outros
serviços que estejam envolvidos na vida de crianças e adolescentes. Esses
outros serviços podem ser de natureza clínica como serviços da rede de saúde
(ambulatórios, hospitais...) ou de natureza não clínica como igrejas, conselho
tutelar, escolas, instituições de esporte e lazer.

Diante dessas diretrizes, a Política Nacional de Saúde Mental Infantojuvenil


ampliou o olhar sobre a atenção à infância e adolescência, pautando-se nas
prerrogativas da cidadania, cuidados éticos emancipatórios e no processo de
desinstitucionalização (BRASIL, 2005c).

Em suma, os serviços de saúde mental infanto-juvenil, dentro da


perspectiva que hoje rege as políticas de saúde mental no setor, devem
assumir uma função social que extrapola o afazer meramente técnico
do tratar, e que se traduz em ações, tais como acolher, escutar, cuidar,
possibilitar ações emancipatórias, melhorar a qualidade de vida da
pessoa portadora de sofrimento mental, tendo-a como um ser integral
com direito a plena participação e inclusão em sua comunidade,
partindo de uma rede de cuidados que leve em conta as singularidades
de cada um e as construções que cada sujeito faz a partir de seu quadro
(BRASIL, 2005c, p. 14).

212
TÓPICO 4 — POLÍTICAS PÚBLICAS DE SAÚDE MENTAL PARA INFÂNCIA E ADOLESCÊNCIA

Desde o seu surgimento já foram realizadas nove reuniões nacionais,


fora as regionais, do Fó­rum Nacional de Saúde Mental Infantojuvenil. Dentre as
recomendações, oriundas dessas reuniões, estão a articulação entre saúde mental
e justiça, estratégias de cuidado em rede que contemple a intersetorialidade e
os desafios da desinstitucionalização da população infantojuvenil (BRAGA;
D'OLIVEIRA, 2019).

A última reunião teve, como tema, “Desafios para o campo da infância


e juventude no âmbito da rede de aten­ção psicossocial (RAPS)”. Nela, além do
debate sobre como qualificar a RAPS, foram realizadas propostas para viabilizar
a participação de adolescentes em sofrimento psíquico nas instâncias municipais,
estaduais, regionais e nacionais do Fórum.

Assim, a participação dos adolescentes como ouvintes, debatedores


e relatores dos grupos de trabalho possibilitou a recomendação sobre “a
necessidade de adequar os próximos fóruns e também os serviços da Rede de
Atenção Psicossocial às demandas específicas e à lingua­gem dos adolescentes”
(BRAGA; D'OLIVEIRA, 2019, p. 407).

Dar voz àqueles que vivenciam o sofrimento psíquico e são o destino das
ações das políticas públicas, certamente é uma das fundamentais transições acerca
do lugar social da infância e adolescência, que se configurou no século XXI.

Percebe-se que em menos de um século, o campo da infância e adolescência


percorreu um caminho que iniciou através de políticas públicas disciplinares e
promotoras de exclusão e estigma, para políticas públicas que condiziam com
uma nova concepção de criança e adolescente. Assim, “passa-se a ter um campo
vivo de invenções de serviços, de políticas públicas, e de modos de se relacionar
com a expe­riência de crianças e adolescentes com sofrimento psíquico, com ações
compromissadas com dife­rentes dimensões da reforma psiquiátrica” (BRAGA;
D'OLIVEIRA, 2019, p. 407).

DICAS

O artigo Saúde Mental Infantojuvenil e Desafios do Campo: Reflexões a partir


do Percurso Histórico apresenta uma revisão sobre a saúde mental infantojuvenil nas
políticas públicas brasileira (2015). Você posse acessar o material na íntegra através do link:
http://www.cadernosdeterapiaocupacional.ufscar.br/index.php/cadernos/article/view/865.

213
UNIDADE 3 — SAÚDE COLETIVA E POLÍTICAS PÚBLICAS EM SAÚDE DA MENTE

LEITURA COMPLEMENTAR

POLÍTICA DE SAÚDE MENTAL NO BRASIL: O QUE ESTÁ EM JOGO


NAS MUDANÇAS EM CURSO

José Miguel Caldas de Almeida

Introdução

Graças à política de saúde mental iniciada nos anos 1980, o Brasil


conquistou um lugar único no cam­po da saúde mental global. Esse destaque,
amplamente reconhecido em nível internacional, deriva de o Brasil ter sido um
dos primeiros, fora do grupo dos países de maiores recursos, a estabelecer uma
política nacional de saúde mental e de tê-la implementado com êxito apreciável
durante mais de 30 anos. Não surpreende, assim, que a experiência brasileira tenha
despertado um grande interesse em todo o mundo e seja uma das experiências
mais estudadas e discutidas nesse campo.

Uma revisão sistemática da literatura, efetuada no âmbito de uma


avaliação da reforma psiquiátri­ca brasileira levada a cabo, em 2015, pela Fundação
Oswaldo Cruz (Fiocruz), Fundação Gulbenkian e Organização Mundial da
Saúde (OMS), mostra que esse processo não foi isento de dificuldades. Desde o
seu início, confrontou-se com inúmeras resistências: a Lei de Saúde Mental, por
exemplo, proposta em 1989, só foi aprovada em 2001. No entanto, ao longo de
mais de 30 anos, foi sempre possível construir os consensos políticos necessários
para assegurar a continuidade da política inicial e até para diversificar os seus
objetivos. Centrada inicialmente na substituição do modelo baseado no hospital
psiquiátrico por um novo sistema de serviços baseados na comunidade e na
proteção dos direitos humanos das pessoas com transtorno mental, a política
de saúde mental, à medida que foi se fortalecendo, foi também se estendendo a
outros objetivos – por exemplo, a prevenção dos transtornos mentais, a atenção à
saúde mental de crianças e adolescentes e as estratégias contra as dependências
de álcool e outras drogas.

A avaliação efetuada em 2015 mostrou que, hoje em dia, o Brasil conta


com uma massa crítica importante na área da saúde mental, que envolve
representantes de todos os setores e é fortalecida pela existência de um número
significativo de grupos de investigação de alto nível, com produção científica de
excelente qualidade.

Muitas das publicações identificadas por meio da revisão aqui citada


anteriormente apontam várias insuficiências na implementação do novo sistema
de atenção e sublinham a necessidade de se repensar algumas das estratégias
seguidas. No entanto, verifica-se a existência de um larguíssimo consenso quanto
aos fundamentos, principais objetivos e resultados da política de saúde mental
desenvolvida até 2016.

214
TÓPICO 4 — POLÍTICAS PÚBLICAS DE SAÚDE MENTAL PARA INFÂNCIA E ADOLESCÊNCIA

As posições assumidas em nível governamental após 2016 representam


um corte com relação a essa perspectiva. Embora os documentos oficiais sobre a
estratégia do atual governo sejam escassos e em muitos aspectos contraditórios,
tudo leva a crer que a estratégia que se pretende implementar tem objetivos, em
muitos pontos, contrários aos da política anterior.

Neste contexto, toda discussão que ajude a compreender o que


verdadeiramente está em causa – em termos conceptuais e científicos, de valores e
princípios, além de resultados para a saúde mental das populações – no confronto
atualmente em curso no Brasil, no campo da política nacional de saúde mental,
reveste-se de particular importância não só para o país, como também para a
saúde mental global.

A política de saúde mental iniciada nos anos 1980

Origens e evolução

No final dos anos 1970, o desenvolvimento de uma política nacional de


saúde mental era uma neces­sidade urgente no Brasil. O sistema psiquiátrico,
baseado principalmente em um grande número de hospitais psiquiátricos,
caracterizados por baixa qualidade de cuidados e ocorrência frequente de
violações dos direitos humanos, era escandalosamente arcaico. Uma reforma dos
serviços de saúde mental era absolutamente indispensável.

As primeiras reformas, implementadas em algumas cidades (por exemplo,


Santos, Estado de São Paulo), tiveram um papel decisivo no desenvolvimento
de um modelo adaptado às especificidades do contexto brasileiro e deram
contribuições valiosas para os primeiros passos na construção de uma política
nacional de saúde mental. Essa política viria, no decurso dos anos 1980, a integrar-
se ao pro­cesso de redemocratização iniciado nesse período no país e a fortalecer-
se progressivamente em nível legislativo, administrativo e financeiro.

Para responder às violações dos direitos humanos nos hospitais


psiquiátricos da época, as refor­mas inicialmente focaram-se na melhoria
das condições de vida nessas instituições e na promoção de um processo
de desinstitucionalização. Os principais objetivos centraram-se, assim, na
substituição progressiva dos hospitais psiquiátricos por uma rede de serviços
comunitários, tendo como núcleo os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS),
que se inspiravam nos centros de saúde mental desenvolvi­dos na Itália e em
outros países europeus.

O desenvolvimento da política de saúde mental no Brasil esteve


estreitamente associado à criação do Sistema Único de Saúde (SUS), à
descentralização da administração da saúde no país, à mobilização de profissionais
e a mudanças sociais e culturais da sociedade brasileira.

215
UNIDADE 3 — SAÚDE COLETIVA E POLÍTICAS PÚBLICAS EM SAÚDE DA MENTE

A participação de todos os setores da sociedade foi outra característica


importante da reforma brasileira. Houve conferências nacionais de saúde mental com
milhares de participantes, incluindo profissionais, usuários e famílias, que tiveram
um papel fundamental no desenvolvimento da política de saúde mental. Também
devem ser citados os ativistas sociais e culturais, que foram frequentemente aliados
decisivos, além da participação dos usuários, que foi incentivada.

A ligação aos movimentos inovadores de saúde mental em nível global


foi também uma constante da reforma brasileira. Inicialmente influenciada pelas
reformas psiquiátricas levadas a cabo na Euro­pa (em particular na Itália), a
experiência brasileira foi depois enriquecida pelos desenvolvimentos registados
na integração da saúde mental à atenção primária após Alma-Ata e desempenhou
um papel importante na iniciativa de reestruturação dos serviços psiquiátricos da
América Latina, que se seguiu à Declaração de Caracas.

Como sucede em todos os processos inovadores, a política de saúde


mental suscitou resistências significativas por parte dos setores mais tradicionais.
No entanto, os desenvolvimentos verificados mais tarde no campo dos direitos
humanos, em particular o consenso criado em torno dos princípios da Convenção
Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e a adoção
generalizada dos princípios do recovery, mostraram que a política brasileira não
só esteve certa nesse campo, como antecipou muitos dos princípios que viriam a
ser universalmente reconhecidos com relação aos direi­tos humanos das pessoas
com transtornos mentais.

O foco prioritário nos cuidados comunitários foi também inteiramente


validado pela investigação científica das últimas décadas, existindo hoje um
consenso alargado quanto à necessidade de uma transição do modelo centrado
no hospital psiquiátrico para uma rede integrada. A partir daí, deve-se ter por
base as equipes de saúde mental comunitárias e a internação de agudos em
hospital geral, devidamente articuladas com a atenção primária e os serviços de
reabilitação psicossocial 4,5,6,7,8.

Progressos, fragilidades e desafios

Os progressos verificados no processo de desinstitucionalização foram


muito significativos. Entre 2001 e 2014, verificou-se uma drástica redução do
número de leitos em hospitais psiquiátricos: de 53.962 em 2001 para 25.988
em 2014. Essas mudanças haviam, na realidade, começado na década anterior,
quando as auditorias realizadas pelas autoridades levaram ao encerramento
de inúmeros hospitais psiquiátricos que não atendiam aos requisitos mínimos
estabelecidos ou que haviam sido objeto de denúncias de violações de direitos
humanos. Deve-se notar também que foi o movimento desenvolvido nos anos
1980 e 1990 que tornou possível a aprovação da Lei da Reforma Psiquiátrica em
2001. Além disso, foi essa lei que, juntamente com o apoio político conquistado na

216
TÓPICO 4 — POLÍTICAS PÚBLICAS DE SAÚDE MENTAL PARA INFÂNCIA E ADOLESCÊNCIA

III Conferência Nacional de Saúde Mental, realizada no mesmo ano, possibilitou


a redução dos leitos, bem como mui­tas outras ações especificamente dirigidas
à melhoria da atenção aos pacientes de longa permanência, como foi o caso do
desenvolvimento de serviços residenciais.

Um outro aspecto que merece ser sublinhado é que a desinstitucionalização


foi um processo pla­nejado e progressivo. Por exemplo, entre 2002 e 2011, os hospitais
com mais de 400 leitos, que tinham 30% do total, sofreram uma redução gradual para
10,5%, enquanto os hospitais menores, com menos de 160 leitos, que tinham apenas
22% do total de leitos em 2002, aumentaram gradualmente a sua participação, de
modo que, em 2011, alcançaram 52% do total do número de leitos.

Simultaneamente, serviços baseados na comunidade foram criados para


substituir os serviços baseados no hospital. Os CAPS constituíram o núcleo
fundamental desses serviços, tendo sido proje­tados para responder às principais
necessidades de cuidados dos pacientes que sofrem de transtornos mentais
graves e persistentes. A partir de 2002, novos tipos de CAPS começaram a ser
criados, com o objetivo de atender populações com necessidades específicas.
Assim, foram criados e incorporados à rede de saúde do SUS os CAPS-I, para
prestar atendimento a crianças e adolescentes, e os CAPS-AD, para atender
pacientes com problemas relacionados ao uso de álcool e abuso de substâncias.
Em 2006, havia 673 CAPS para adultos e 66 CAPS especiais para crianças e
adolescentes. Em 2014, existia um total de 2.209 CAPS 2, e em 2017 esse número
tinha subido para 2.462.

Os serviços residenciais terapêuticos, que podem abrigar até oito pacientes,


tornaram-se também um recurso importante para a desinstitucionalização de
pacientes de longa permanência. Em 2004, havia 265 serviços residenciais, com
1.363 residentes. Em 2017, o número total de serviços residen­ciais tinha subido
para 489.

Uma estratégia especialmente inovadora para a desinstitucionalização


foi o programa Volta para Casa, criado por meio de uma lei nacional aprovada
pelo Congresso Nacional em 2003. Dentro desse programa, um apoio financeiro
poderia ser oferecido a pacientes desinstitucionalizados, que tivessem estado
internados ininterruptamente durante pelo menos um ano. Além desse apoio, a
esses pacientes foi também assegurado o acesso a um programa de gerenciamento
de casos fornecido pelos CAPS de sua área residencial, incluindo cuidados e
apoio na resolução de problemas de documentação civil. Em 2003, 206 pacientes
haviam sido incluídos no programa. Em 2014, o número havia aumentado para
4.349 pacientes.

No decorrer desse processo, recursos financeiros significativos da rede


hospitalar foram realo­cados para serviços comunitários: no período em questão,
o orçamento para atendimento hospitalar psiquiátrico foi reduzido de 95% do
total para menos de 30%, possibilitando assim o financiamento dos serviços

217
UNIDADE 3 — SAÚDE COLETIVA E POLÍTICAS PÚBLICAS EM SAÚDE DA MENTE

substitutivos na comunidade, que se tornou quinze vezes maior do que no período


ante­rior. Avanços substanciais também foram feitos em relação ao atendimento
de crianças e adolescentes, na assistência a dependentes de álcool e substâncias,
bem como na aprovação de uma agenda relacio­nada aos direitos humanos das
pessoas com transtornos mentais.

Os progressos alcançados são indiscutíveis. Porém, como concluiu a


avaliação realizada em 2015, “o processo brasileiro da Reforma, ainda que indique
avanços substanciais, está longe de ser considerado plena­mente exitoso” 2 (p. 7). Por
outro lado, os dados disponíveis mostram que, apesar de todos esses avanços,
se verificaram diversas fragilidades na implementação da política e, em 2015,
continuavam a subsistir vários desafios de base.

Fragilidades relevantes verificaram-se com relação a financiamento.


Embora direcionado cor­retamente para os serviços comunitários, o financiamento
tem sido considerado, por muitos, insu­ficiente para a implementação plena de
diversos componentes da reforma. O desenvolvimento de recursos humanos
foi também considerado um problema importante. Fragilidades também foram
apontadas em relação à qualidade da informação produzida pelos serviços,
à integração da saúde mental na atenção primária e à sustentabilidade das
associações de usuários.

Entre os principais desafios, contam-se sobretudo a ampliação do acesso


e integração da saúde mental com a atenção primária, o desenvolvimento de
respostas de internação de agudos no hospital geral e a articulação entre os vários
componentes do sistema.

Mudanças após 2016

Os dados disponíveis sobre a atual política de saúde mental do Brasil são


limitados e, em alguns casos, de difícil interpretação para um observador externo.
A única descrição oficial das mudanças que o governo pretende introduzir na
política de saúde mental a que tivemos acesso é uma nota técnica publicada em
fevereiro de 2019 3, na qual se anuncia que as mudanças previstas têm o objetivo
de “tornar a rede assistencial mais acessível, eficaz, resolutiva e humanizada”, por
meio de uma reforma do “modelo de assistência em saúde mental, que necessitava de
aprimoramentos, sem perder a essência de respeito à lei 10.216/01”.

Dada a suspensão posterior dessa nota e a expressão pelo Ministro da


Saúde de dúvidas sobre alguns de seus aspectos, não é claro até que ponto as
mudanças propostas exprimirão a verdadeira posição do governo.

No entanto, a simples publicação desse documento e as medidas de


apoio aos hospitais psiquiá­tricos já tomadas parecem justificar as preocupações
manifestadas por vários setores da saúde mental brasileira 7,8.

218
TÓPICO 4 — POLÍTICAS PÚBLICAS DE SAÚDE MENTAL PARA INFÂNCIA E ADOLESCÊNCIA

Apesar das declarações de respeito à Lei de Saúde Mental, as mudanças


propostas “representam na verdade o abandono dos princípios legais, assistenciais e
das várias estratégias de atenção psicossocial consolida­dos pela Reforma Psiquiátrica
brasileira, com risco real de retrocessos das políticas de saúde mental no país”.

Existe hoje um largo consenso em nível internacional sobre a importância


vital de assegurar a substituição dos hospitais psiquiátricos por uma rede integrada
e territorial de serviços comunitários. Esse é um dos quatro objetivos fundamentais
do Plano Global de Saúde Mental da OMS 10, e o relató­rio da Lancet Commission
recomenda explicitamente que o encerramento de hospitais psiquiátricos deverá ser
iniciado pelos países de renda baixa, consolidado nos de renda média e completado
nos de renda alta. Interromper essa substituição e voltar a colocar o hospital
psiquiátrico no centro do sistema de saúde mental, como estabelece a Nota Técnica,
resultará inevitavelmente na diminuição do acesso à atenção de qualidade, no
aumento das violações dos direitos humanos e no aumento da exclusão social das
pessoas com transtornos mentais. Todos os esforços de redistribuição dos recur­sos
financeiros serão anulados, e os recursos disponíveis para serviços na comunidade
certamente se tornarão cada vez mais escassos.

Por razões de outra ordem, a proposta de criação de Unidades


Psiquiátricas Especializadas em hospitais gerais e Unidades Ambulatoriais
Especializadas, tal como enunciada no documento, não pode também deixar
de suscitar algumas reservas. Embora ambos os tipos de serviço possam ter
um papel importante em um sistema de saúde mental, a sua criação, de forma
desligada de um território específico e sem uma integração adequada com
os CAPS e outros dispositivos da comunidade, levará inevitavelmente a uma
fragmentação do sistema e a um desaparecimento da continuidade de cui­dados.
Por outro lado, a possibilidade de estabelecimento de unidades ambulatoriais
especializadas destinadas ao tratamento de “pessoas com transtornos mentais
mais comuns e prevalentes” em hos­pitais não parece fazer muito sentido. Essas
unidades devem estar junto das pessoas e dos serviços de atenção primária,
com que desejavelmente devem colaborar.

Essas e outras mudanças propostas – por exemplo, as referentes à criação


de serviços de interna­ção para crianças e adolescentes e às estratégias na área
de álcool e outras drogas – revelam, no fundo, uma ênfase nas abordagens
institucionais e uma subalternização sistemática das abordagens integra­das com
base na comunidade. Esses pontos são totalmente discordantes do propósito,
repetidamente manifesto na Nota Técnica, de passar a basear em evidências
científicas todas as ações de prevenção, promoção à saúde e tratamento.

Essa contradição é, aliás, um dos aspectos que mais chama a atenção na


leitura desse documento. Apesar de uma constante proclamação de respeito à
evidência científica, o texto em que se apresenta uma nova política de saúde
mental não inclui uma única referência aos inúmeros contributos sur­gidos, nos
últimos anos, da epidemiologia psiquiátrica, da investigação de políticas e de

219
UNIDADE 3 — SAÚDE COLETIVA E POLÍTICAS PÚBLICAS EM SAÚDE DA MENTE

serviços de saúde mental e da ciência de implementação, que constituem, hoje em


dia, o suporte conceptual e científico das políticas de saúde mental. As mudanças
propostas ignoram totalmente as evidências que provam a necessidade de
basear a promoção, a prevenção e o tratamento dos transtornos mentais em uma
abordagem de saúde pública, sistêmica e intersetorial 6,9,11. Igualmente, partem
da crença, hoje totalmente ultrapassada, de que se pode construir uma política
de saúde mental apenas com base em uma perspectiva estritamente clínica,
ignorando todo o debate atual à volta da saúde mental do futuro.

Conclusões

A experiência do Brasil na implementação de uma política de saúde mental


levou a uma profunda transformação do sistema nacional de saúde mental e a
melhorias significativas na acessibilidade e qualidade dos cuidados dessa área.

Apesar de todos os progressos alcançados, subsistem ainda desafios


importantes, e só poderão ser enfrentados se for possível definir uma política
centrada nas necessidades prioritárias das populações, baseada no conhecimento
científico mais atualizado e alinhada com os instrumentos internacionais de
direitos humanos. É necessário, ao mesmo tempo, envolver na sua implementação
todos os atores relevantes do campo da saúde mental. Nesse contexto, todos os
esforços deverão ser empreendidos para a construção de um consenso alargado,
que permita dar continuidade aos progressos já alcança­dos com base na lei de
saúde mental do país e nas recomendações técnico-científicas das organizações
internacionais competentes nessa matéria.

FONTE: ALMEIDA, J. M. C. Política de saúde mental no Brasil: o que está em jogo nas mudanças
em curso. Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 35, n. 11, e00129519, 2019. Disponível em: <http://
www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-311X2019001300502&lng=en&nrm=iso>.
Acesso em:  30 nov.  2020.  Epub Oct. 31, 2019.

220
RESUMO DO TÓPICO 4
Neste tópico, você aprendeu que:

• As primeiras políticas públicas direcionadas ao público infantojuvenil eram


pautadas em práticas assistências e jurídicas e tinham pouca relação com os
cuidados em saúde mental preconizados pela Reforma Psiquiátrica Brasileira.

• A Liga Brasileira de Higiene Mental, no campo da infância e adolescência,


desenvolveu práticas associadas à educação e ao poder judiciário, reforçando a
concepções racistas, eugênicas e xenofóbicas.

• Os Códigos de Menores de 1927 e 1979, além da Fundação Nacional do Bem-


Estar do Menor, foram dispositivos de produção de exclusão e estigma de
crianças e adolescentes pobres.

• O Estatuto da Criança e do Adolescente representou um marco na produção de


políticas públicas pautadas na concepção de criança e adolescente como sujeito
de direito e pela ética da proteção integral.

• A Lei n° 10.216/01 e a Portaria n° 336/02 foram os marcos legais para


a implementação de serviços da saúde mental, de base comunitária,
compromissados com a atenção clínica e reinserção social de crianças e
adolescentes em sofrimento psíquico grave e persistente.

• A III Conferência Nacional de Saúde Mental abriu os caminhos para o olhar sobre
a infância e adolescência associado à concepção de seres em desenvolvimento e
sujeito psíquicos.

• O Fó­rum Nacional de Saúde Mental representa a instância democrática de


debate acerca das conquistas e desafios sobre a atenção em saúde mental para
a população infantojuvenil.

CHAMADA

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221
AUTOATIVIDADE

1 Neste tópico, vimos que a inclusão da população infantojuvenil na pauta


das políticas públicas de saúde mental, foi tardia. Ao longo do século XX e
XXI, vimos diferentes concepções de infância e adolescência que refletiram
em políticas condizentes com essas concepções e o momento político, social
e cultural de cada época. Considerando as políticas brasileiras, direcionadas
para a infância e adolescência, avalie as sentenças a seguir e assinale V para
verdadeiro e F para falso.

( ) A Liga Brasileira de Higiene Mental associou psiquiatria e educação com


o objetivo de moldar a infância e assim, garantir uma sociedade livre
de pessoas desajustadas. A racionalidade que embasava tais propostas,
pautava-se na concepção moreliana de degeneração.
( ) Os Códigos de Menores de 1927 e 1979 foram aparatos jurídicos que
possibilitaram a legalização das intervenções do Estado no âmbito privado,
com as justificativas de proteção e assistência para crianças e adolescentes
de todas as camadas sociais que sofressem violência.
( ) O Estatuto da Criança e do Adolescente de 1990 possibilitou a transição
do caráter punitivo e disciplinador das ações de assistência infantojuvenil
para a constituição de práticas de proteção integral e enfatizou que
crianças e adolescentes sãos seres em desenvolvimento.
( ) A III Conferência Nacional de Saúde Mental reforçou o caráter repressivo das
medidas socioeducativas, ao salientar que crianças e adolescentes são sujeitos
psíquicos e, portanto, responsáveis por seus processos de subjetivação.
( ) O CAPSi oferta cuidados em saúde mental visando ao cuidado clínico e de
reinserção social, através de atendimentos individuais e em grupo, oficinas
terapêuticas, culturais e esportivas, visitas domiciliares, atendimento a
familiares e assembleias.

É CORRETO o que se afirma em:


a) ( ) V; V; V; F; F.
b) ( ) V; F; V; F; V.
c) ( ) F; F; V; F; V.
d) ( ) F; V; V; V; F.
e) ( ) V; F; F; F; V.

2 Antes do surgimento do Estatuto de Criança e do Adolescente (ECA), em


1990, as políticas de atenção à infância e adolescência tinham características
disciplinadoras, excludentes e sem intervenções terapêuticas. A respeito
dessas políticas, avalie as afirmativas a seguir:

222
I- A Liga Brasileira de Higiene Mental (LBHM) em associação com o campo
da educação, pretendia regular os comportamentos infantis a partir da
educação científica que tinha bases morais e eugênicas.
II- O Código de Menores de 1927 garantia a proteção integral a crianças e
adolescentes que estivessem expostas à violência familiar ou institucional,
mas não fazia referência às que cometiam crimes ou mendicância.
III- A Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor era composta por equipe
multiprofissional, que trabalhava com a concepção de transgressão
associada a aspectos biopsicossociais e promovia a proteção dos direitos
humanos durante a internação.
IV- O Código de Menores de 1979 tinha como finalidade a assistência, proteção
e vigilância de crianças e adolescentes e inovou na atenção à saúde mental
infanto-juvenil ao possibilitar que a internação fosse suspensa aos 21 anos
em caso de recuperação.

Assinale a alternativa CORRETA:


a) ( ) Somente a afirmativa IV está correta.
b) ( ) As afirmativas II e IV estão corretas.
c) ( ) As afirmativas I, II e IV estão corretas.
d) ( ) Somente a afirmativa I está correta.
e) ( ) As afirmativas I e II estão corretas.

3 A respeito das condições que otimizam o tratamento de crianças e


adolescentes em sofrimento psíquico grave, avalie as afirmativas abaixo:

I- O tratamento tem mais probabilidade de sucesso quando a criança ou


adolescente é mantida em ambientes que ela tem familiaridade, como sua
casa e o hospital.
II- O tratamento deve envolver ações clínicas e intersetoriais, incluindo:
justiça, educação, assistência, habitação entre outras.
III- Além da formação de equipes interdisciplinares e intersetoriais é
importante que a formação de trabalho com famílias faça parte da
capacitação dos profissionais.
IV- Mesmo com a possibilidade de não remissão total do problema, a obtenção
de progressos no nível de desenvolvimento já pode significar melhora nas
condições de vida para crianças, adolescentes e suas famílias.

Assinale a alternativa CORRETA:


a) ( ) Somente a afirmativa IV está correta.
b) ( ) As afirmativas II, III e IV estão corretas.
c) ( ) As afirmativas I, II e IV estão corretas.
d) ( ) Somente a afirmativa I está correta.
e) ( ) As afirmativas I e II estão corretas.

223
4 A III Conferência Nacional de Saúde Mental, que aconteceu em 2001, foi
um marco na concepção de infância e adolescência. Discorra sobre qual
concepção de infância e adolescência, apresentada III Conferência Nacional
de Saúde Mental foi inovadora.

5 O Fó­rum Nacional de Saúde Mental Infantojuvenil foi criado através da Portaria


n° 1.608 em 2004, como resposta às deliberações da III Conferência Nacional
de Saúde Mental. Qual a importância do Fó­rum Nacional de Saúde Mental
Infantojuvenil para a atenção à saúde mental de crianças e adolescentes?

224
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Drogas, definir as condições de atenção aos usuários ou dependentes de drogas
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Sobre Drogas. 2019a. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_
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e nas Diretrizes da Política Nacional sobre Drogas. 2019. Disponível em: https://
pbpd.org.br/wp-content/uploads/2019/02/0656ad6e.pdf. Acesso em: 3 dez. 2020.

225
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Publica lista de Estados e Municípios que receberam recursos referentes a
parcela única de incentivo de implantação dos dispositivos que compõem a
Rede de Atenção Psicossocial (RAPS), e não executaram o referido recurso no
prazo determinado nas normativas vigentes. 2018 c. Disponível em: https://
www.in.gov.br/materia/-/asset_publisher/Kujrw0TZC2Mb/content/id/51521189/
do1-2018-11-23-portaria-n-3-718-de-22-de-novembro-de-2018-51521040. Acesso
em: 3 dez. 2020.

BRASIL. Ministério da Saúde. Portaria n° 3.659, de 14 de novembro de 2018.


Suspende o repasse do recurso financeiro destinado ao incentivo de custeio
mensal de Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), Serviços Residenciais
Terapêuticos (SRT), Unidades de Acolhimento (UA) e de Leitos de Saúde Mental
em Hospital Geral, integrantes da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS), por
ausência de registros de procedimentos nos sistemas de informação do SUS.
2018 b. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2018/
prt3659_16_11_2018.html. Acesso em: 3 dez. 2020.

BRASIL. Ministério da Saúde. Portaria n° 2434, de 15 de agosto de 2018. Altera


a Portaria de Consolidação n° 6/GM/MS, de 28 de setembro de 2017, para
reajustar o valor das diárias de internação hospitalar acima de 90 (noventa) dias
do Incentivo para Internação nos Hospitais Psiquiátricos. 2018 a. Disponível em:
http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2018/prt2434_20_08_2018.html.
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BRASIL. Portaria n° 3.588, de 21 de dezembro de 2017. Dispõe sobre a Rede


de Atenção Psicossocial, e dá outras providências. 2017. Disponível em: https://
bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2017/prt3588_22_12_2017.html. Acesso
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BRASIL. Ministério da Saúde. Portaria n° 130, de 26 de janeiro de 2012.


Redefine o Centro de Atenção Psicossocial, Álcool e outras Drogas 24 horas
(CAPS AD III) e os respectivos incentivos financeiros. 2012. Disponível em:
http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/sas/2012/prt0854_22_08_2012.html.
Acesso em: 19 abr. 2020.

BRASIL. Ministério da Saúde. Portaria 3.088, de 23 de dezembro de 2011.


Institui a Rede de Atenção Psicossocial para pessoas com sofrimento ou
transtorno mental e com necessidades decorrentes do uso de crack, álcool e
outras drogas, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). 2011. Disponível
em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2011/prt3088_23_12_2011_
rep.html. Acesso em: 9
abr. 2020.

226
BRASIL. Lei n° 11.705, de 19 de junho de 2008. Altera a Lei no 9.503, de 23 de
setembro de 1997, que ‘institui o Código de Trânsito Brasileiro’, e a Lei no 9.294,
de 15 de julho de 1996, que dispõe sobre as restrições ao uso e à propaganda de
produtos fumígeros, bebidas alcoólicas, medicamentos, terapias e defensivos
agrícolas, nos termos do § 4o do art. 220 da Constituição Federal, para inibir o
consumo de bebida alcoólica por condutor de veículo automotor, e dá outras
providências.  2008. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_
ato2007-2010/2008/lei/l11705.htm. Acesso em: 3 dez. 2020.

BRASIL. Lei n° 11.343, de 23 de agosto de 2006. Institui o Sistema Nacional de


Políticas Públicas sobre Drogas – Sisnad; prescreve medidas para prevenção do
uso indevido, atenção e reinserção social de usuários e dependentes de drogas;
estabelece normas para repressão à produção não autorizada e ao tráfico ilícito
de drogas; define crimes e dá outras providências. 2006. Disponível em: http://
www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11343.htm. Acesso em: 3
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