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Taxa de carbonização da madeira x resistência

ao fogo
A resistência mecânica residual de elementos estruturais de madeira em
situação de incêndio é reconhecida, e entre os responsáveis por esse
comportamento do material estão a baixa condutividade térmica da madeira -
que retarda o fluxo de calor para o interior da seção abrandando a velocidade
da degradação térmica - e o carvão - um dos produtos da pirólise, que por
meio do arranjo estrutural atua como um isolante natural retardando ainda
mais o efeito de degradação.

A taxa, ou velocidade na qual a madeira se converte em carvão é um valor


dimensional determinante para a avaliação da resistência ao fogo, visto que a
falência de elementos de madeira e de seus derivados é diferente dos demais
materiais utilizados na construção civil. Com o aço e o concreto a falência
ocorre por modificações na estrutura interna e pela redução do módulo de
seção, ou seja, redução gradual da seção transversal exposta ao fogo.

Essa determinação pode ser baseada em modelos empíricos formulados a


partir de dados experimentais ou por modelos teóricos baseados em princípios
físicos e químicos. Pode ser expressa pela perda de massa (g/s) ou pelo
avanço da carbonização (mm/s). O avanço da carbonização é mais difundido
por conduzir diretamente à análise da seção residual, atendendo aos
interesses do estudo de peças estruturais em situação de incêndio firmado a
partir da coleta de leituras das temperaturas fornecidas por termopares
implantados no interior da amostra ensaiada.

Por simplificação adota-se a carbonização como uma razão linear, mas por
meio da exposição ao fogo padronizada de peças estruturais de madeira é
possível notar que a taxa de carbonização sofre uma elevação inicial e depois
se estabiliza em valor constante e menor, mostrando-se não-linear (Technical
Report 10, 2003, LAU, 1998).

A aproximação linear de resultados experimentais realizados com espécies


coníferas e folhosas de origem norte-americana têm demonstrado uma
velocidade média de carbonização de 0,63 mm/min. O modelo empírico mais
empregado adota a taxa de carbonização transversal à grã de 0,6 mm/min
para todas as madeiras submetidas à exposição padronizada ao fogo, embora
existam diferenças entre as espécies, relacionadas às respectivas densidades,
conteúdo de umidade e permeabilidade.

No estudo de estruturas de madeira expostas ao fogo, as propriedades


térmicas e as propriedades relacionadas à resistência e rigidez são as que
mais influenciam o comportamento. A maioria dessas propriedades está
relacionada a fatores intrínsecos à madeira, como a densidade, teor de
umidade, orientação da grã, composição química, permeabilidade,
condutividade térmica e a fatores extrínsecos como as temperaturas de
exposição ao fogo, duração da exposição e a ventilação no ambiente (White
et al, 1992, Schaffer, 1967, White, 1999).
A resistência de elementos estruturais de madeira ao fogo
A análise da resistência das estruturas ao fogo envolve um processo
complexo com muitas variáveis: fase inicial do incêndio, duração do incêndio,
distribuição da temperatura no elemento estrutural, interação entre os
componentes da construção, influência do carregamento no sistema
estrutural e mudanças nas propriedades do material.

A capacidade dos elementos e componentes construtivos de atenderem, por


um período de tempo predeterminado, às funções de estabilidade,
estanqueidade e isolamento térmico, determina a resistência ao fogo. Nas
condições de incêndio, a redução das propriedades mecânicas do elemento
estrutural deve ser tal que essa seção transversal remanescente seja capaz
de suportar cargas durante o tempo de exposição ao fogo exigido pelos
códigos vigentes. A estrutura entrará em colapso quando a tensão resistente
máxima for atingida (Moraes et al, 2000).

A dimensão da seção residual necessária, para manter a resistência prevista


pelos códigos, pode ser calculada fazendo uso do conhecimento da taxa de
carbonização para a determinação da espessura da camada carbonizada. As
normas de dimensionamento de estruturas de madeira consideram a atuação
do fogo prevendo que a estabilidade das estruturas deve ser verificada pela
combinação das ações nela aplicadas, tal com apresentado no Eurocode 5:
Design of timber structures, Part 1-2 (2002) e levando em conta a redução
da seção transversal da peça devido à combustão.

Diferente do que acontece com o aço e o concreto, o Brasil não possui uma
norma para dimensionamento de estruturas de madeira expostas a situações
de incêndio. No entanto, a Comissão de Estudos CE-02.126.10. da ABNT
(Associação Brasileira de Normas Técnicas), responsável pela revisão da atual
NBR 7190 ¿ Projeto de Estruturas de Madeira, considera a inclusão de um
anexo que trate sobre o tema. Mas na ausência de normalização nacional, a
Instrução Técnica no 08 do Corpo de Bombeiros da Polícia Militar do Estado
de São Paulo aconselha a consulta à normalização internacional reconhecida.

A redução de propriedades na seção remanescente


Depois de carbonizada a superfície da madeira, o interior da peça é afetado
pela elevação da temperatura e as propriedades são alteradas. A seção
residual do elemento estrutural, na figura 1, responde pela função estrutural,
consideradas as alterações nas propriedades de resistência e de rigidez, que
podem ser estimadas por meio da combinação do gradiente de temperatura e
da redução das propriedades mecânicas.

A perda de resistência e rigidez é prevista em normas de dimensionamento


de vários países, mas alguns não consideram a redução da resistência no
interior da peça, por exemplo, a Nova Zelândia, o que pode gerar resultados
não seguros, especialmente para elementos de pequena seção (Buchanam,
1999).

Há casos em que, para compensar a perda de resistência e módulo de


elasticidade, ou ainda compensar a perda de seção devida ao efeito do
arredondamento dos cantos, são adotadas taxas de carbonização com valores
elevados, alguns superiores a 1,0 mm/min (Konig, 1999), enquanto os
valores normalmente variam de 0,65 a 0,8 mm/min para coníferas e 0,5 a
0,7 mm/min para folhosas (Eurocode 5, 2002).
Efeito de arredondamento
Durante a exposição ao fogo, a queima de um elemento estrutural de seção
retangular se processa com maior velocidade nos cantos da peça, resultando
em um arredondamento que pode ou não ser considerado nos cálculos para
determinação da espessura de madeira carbonizada.

A espessura de carbonização nominal, incluindo o efeito de arredondamento


dos cantos, é assumida como constante e pode ser calculada por:

onde:
dn = espessura da carbonização, incluindo o efeito de arredondamento dos
cantos e fissuras
bn = taxa de carbonização estimada, incluindo o efeito de arredondamento
dos cantos e fissuras
t = tempo de exposição ao fogo

Expressão da taxa de carbonização por modelo matemático


Modelos lineares e unidimensionais de carbonização são bastante difundidos
junto à normalização internacional. A equação 2 exemplifica o modelo linear
proposto por (Schaffer, 1967, baseado em três espécies norte-americanas:
white oak (Quercus sp.), douglas fir e southern pine.

onde:
t = tempo em minutos
Xc = espessura da camada carbonizada a partir da superfície original (mm)
C = taxa de carbonização linear (min/mm), constante a ser estimada

A procura por uma expressão adequada para a velocidade de carbonização


faz com que os modelos incorporem parâmetros adicionais tais como
permeabilidade, densidade e conteúdo de umidade. Observa-se, no entanto,
que os pesquisadores têm buscado modelos simples para expressar a
velocidade de carbonização da madeira, possibilitando aplicação simples e
rápida na construção civil.

Certas considerações sobre a aplicação dos modelos devem ser observadas,


como, por exemplo, a inadequada aplicação da taxa de carbonização
estabelecida para peças estruturais em peças de madeira serrada de
pequenas dimensões. Isso porque quando a madeira estrutural é exposta a
uma curva padronizada, a taxa de carbonização no início de exposição é
normalmente mais rápida, se estabilizando a um valor constante após a
formação dos primeiros milímetros de carvão. Dessa forma, a exclusão dos
dados iniciais não-lineares é um modo de aproximação razoável para a
madeira serrada estrutural. No entanto, para a madeira de pequenas
dimensões, os primeiros milímetros de carbonização representam significante
porção da área total da seção transversal e, portanto, assumir uma
carbonização constante pode não ser seguro (LAU, 1998).

Também pode se confirmar inadequada a utilização da taxa de carbonização


calibrada, considerando tanto a perda de material e a perda de resistência em
elementos de madeira serrada de pequenas dimensões.

Exemplo de aplicação da taxa de carbonização

Condição 1
Viga simples de madeira em condições normais de uso

Condição 2
Viga simples de madeira exposta a um incêndio padrão por 60 min,
desconsiderando o arrendamento dos cantos da seção quadrada de uma viga
exposta em três faces
Dados:
Valor da taxa de carbonização: bo = 0,5 mm/min*
Seção original da viga 0,40 x 0,40 m
Momento fletor = 7.000 kgf.m
* Taxa de carbonização segundo tabela 3.1 Eurocode 5, Design of Timber
Structures, seção 3

Houve, portanto, um aumento de aproximadamente 37% da tensão na viga


após a exposição ao fogo por 60 minutos devido à redução da seção.

Considerações finais
A segurança ao fogo das edificações e estruturas de madeira é uma questão
inquietante para usuários, projetistas e órgãos regulamentadores da
construção civil. Somente por meio do respaldo tecnológico comprovando a
adequação e o bom desempenho da madeira, essas questões serão
adequadamente sanadas.

Pesquisas sistemáticas sobre o comportamento da madeira ao fogo vêm sendo


realizadas desde a primeira década do século XX, muito embora o
conhecimento de que a madeira apresenta boa resistência nessas condições
seja bastante anterior. Com o avanço das pesquisas da Engenharia de
Segurança contra incêndio e o caráter científico que passou a ter
principalmente a partir da década de 50 e 60, a madeira, bem como demais
materiais, passaram a ser alvo de investigações na busca de se obter o
melhor desempenho e aplicação. O que somente trouxe vantagens à madeira,
pois lhe permitiu o respaldo em metodologias empíricas e princípios
científicos afastando a sombra da dúvida e desconhecimento, permitindo que
obras em madeira sejam adequadamente projetadas para resistirem a
condições de incêndio.

Leia mais

NBR 7190 - Projeto de Estruturas de Madeira. ABNT (Associação Brasileira de


Normas Técnicas). Rio de Janeiro, 1997.

Burning issues In timber engineering. A. H. Buchanan In: Pacific Timber


Engineering Conference, Rotorua, New Zealand, 1999. Proceedings. Rotorua,
New Zealand Forest Research Institute. v.3, p.1-11.(Forest Research Bulletin,
212).

Eurocode 5 (2002): Design of timber structures. Part 1-2: General rules-


Structural fire design. European Commitee for standardization, Brussels.

Performance of timber frame assemblies. J. Konig; L. Walleij. In Pacific


Timber Engineering Conference, Rotorua, 1999. Proceedings. Rotorua, New
Zealand Forest Research Institute. v.3, p.14-18. (Forest Research Bulletin,
212).

Modelling the char behaviour of structural timber. P. W. C. Lau; I. Zeeland;


R. White. In: Proceedings of the Fire and Materials. 98 Conference 23-24
Februery. 5 th International Conference, San Antonio-Texas, 1998.

Análise de normas de projeto para estruturas de madeira considerando a


resistência ao fogo (CD-ROM). P. D. Moraes et al. In: Encontro Brasileiro em
Madeiras e em Estruturas de Madeira, 7, São Carlos, 2000. Anais. São Carlos,
LaMEM/ EESC/USP.

Ensaios para Avaliação do Comportamento de Materiais Expostos ao Fogo:


Resistência e Reação. E. M. Pinto; C. Calil. In: Revista Madeira Arquitetura e
Engenharia, v.9. ISSN 1516-2850. São Carlos.

Determinação da Taxa de Carbonização para o Eucalipto SPP. E. M. Pinto; C.


Calil. In: Simpósio em Ciência e Engenharia de Materiais, 6, São Carlos,
2003. Resumos. São Carlos, Universidade de São Paulo.

Charring rate of selected woods-transverse to grain. E. L. Schaffer. FPL. 69.


Madison, WI: US Department of agriculture, Forest Products
Laboratory.1967.

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Report 10. American Wood Council, Washington, DC. 2003.

Charring rates of different wood species. R. H. White. Thesis for degree of


PhD. University of Wisconsin-Madison, EUA, 1988.
Fire safety In: Forest Products Laboratory. R. H. White; M. A. Dietenberger.
Wood handbook - wood as an engineering material. Madison, USDA. Cap.17,
p.17-1-17-17. 1999.

Charring rate of wood for ASTM e 119 exposure. H. R. White; Nordheim. Fire
technology, v.28, n.1, p.5-27, Febr.

Envie artigo para: techne@pini.com.br. O texto não deve ultrapassar o limite


de 15 mil caracteres (com espaço). Fotos devem ser encaminhadas
separadamente em JPG.

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