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Laura Coelho Schaefer Maynar Vorga

DA ECONOMIA À ECOLOGIA DA ATENÇÃO

Yves Citton

Este texto é um resumo sobre a introdução do livro “Por uma Ecologia da


Atenção” de Yves Citton, que propõe uma uma reorientação na forma de colocação
do problema da atenção buscando superar os limites presentes na Economia da
Atenção, a partir da crítica do paradigma econômico, da perspectiva individualista e
do determinismo tecnológico, e sugerindo uma Ecologia da Atenção.

Tendo em vista a explicação e crítica em relação ao paradigma econômico, o


autor começa ilustrando a discussão a partir do Festival d'Avignon, evento fundado
em 1947. A cada ano, em julho, esta cidade transforma seu patrimônio arquitetônico
em vários lugares de representação de teatro. Citton refere que durante esse
festival os pedestres experimentam um paralelo “entre a economia de bens
materiais, cunhada em termos de dinheiro e sobrevivência, e a economia da
propriedade cultural, cunhada em termos de popularidade e reputação”. Contudo,
essas duas economias se interpenetram constantemente, já que “os bens culturais
são também bens materiais, e os objetos materiais são apenas 'bens' no seio de um
sistema de valorização eminentemente cultural – essa valorização depende muito
da maneira como nós distribuímos nossa atenção”. Mas, ainda que a economia dos
bens materiais e a dos bens culturais interpenetrem uma à outra, elas obedeceriam
a lógicas diferentes. A economia dos bens materiais seria fundamentada na
escassez desses bens para oferta. Já a economia dos bens culturais teria como
base a escassez de recursos individuais para receber esses bens, ou seja, nos
limites da capacidade de atenção perante uma oferta pletórica.

Caberia problematizar, aqui, as implicações do colonialismo na diferença


entre as lógicas dos bens materiais e culturais. A alegada escassez de oferta de
bens materiais seria complementar a uma capacidade para adquiri-los a condições
para adquiri-los correspondentes ou maiores do que a oferta.em grande parte dos
países colonizados existe a produção abundante de alimentos e outros recursos,
mas muitas vezes os habitantes não possuem condições financeiras suficientes
para adquiri-los, além do que estes produtos são exportados para países
colonizadores; a lógica da escassez é uma lógica capitalista e colonizadora. De toda
forma a análise de Citton é pertinente em vários aspectos.

O autor aponta que, com o avanço no desenvolvimento e no acesso às


tecnologias da informação, o horizonte da economia da atenção é “Avignon em julho
à máxima potência, vinte e quatro horas por dia, trezentos e sessenta e cinco dias
por ano e em todo ponto do planeta”. O texto é anterior ao contexto pandêmico em
que estamos atualmente inseridos mas, se tivesse sido escrito em 2020 faria
menção às miríades de lives, debates, atos, eventos virtuais (em 2020 até a Feira
do Livro de Porto Alegre, “o maior evento a céu aberto da América Latina”, será
virtual). Aqui novamente cabe um apontamento decolonial, já que, por exemplo,
estudantes de escolas públicas estão sendo severamente prejudicados por falta de
acesso à Internet. Ainda assim é válida a assertiva de Citton: “nada é
verdadeiramente gratuito ou imaterial”, e a cultura free (livre e gratuita) é uma
grande ilusão. O próprio modelo desigual do Google, no qual a circulação de
anúncios feitos a partir de nossas pesquisas sustenta lucros para as empresas
envolvidas e não para os “meros mortais” que pesquisam pode ser considerada
uma relação colonial também, tendo em vista as implicações de classe, raça e
gênero nessas relações.

As crises de superprodução geradas no capitalismo industrial criaram


condições para estudos como os de Gabriel Tarde, que publica seu Psychologie
économique em 1902 e pode ser considerado como um dos pioneiros quando se
trata de estudos sobre atenção. Para Tarde os “problemas de atenção” estariam
intimamente ligados à mecanização industrial enquanto modo de produção que
produz “fadiga” e “instabilidade” da atenção. Tarde também apontou que a
superprodução industrial aumentou a importância da publicidade, a qual deveria “ser
concebida em termos atencionais”. Nesse sentido, os trechos a seguir merecem
uma reflexão especial:

“Tarde constata, especialmente, como o alinhamento das atenções estrutura uma economia
da visibilidade inteiramente nova, cuja divisa é a “glória”, definida pela simultaneidade e pela
convergência das atenções, dos juízos voltados para um homem ou para um fato que se torna,
então, notório ou glorioso’”.

“A necessidade de um glorímetro faz-se sentir, sobretudo porque as notabilidades de todas


as cores se tornaram mais numerosas, mais imediatas e mais fugidias, e porque, apesar de serem
habitualmente fugazes, elas não deixam de dispor de um poder temível, pois se elas são apenas um
bem para aquele que as possui, para a sociedade elas são uma luz, uma fé.”

As últimas campanhas eleitorais tem sido campanhas permanentes, isto é, as


diferentes parcelas políticas permanecem em disputa pela atenção do eleitorado,
após o pleito, no campo midiático. O cenário político brasileiro (e não apenas)
apresenta conotações de polaridade e personificação. Alguns candidatos eleitos
tem sido peculiarmente hábeis para conquistar toda a “glória”, isto é, conseguem
diariamente a atenção de apoiadores e opositores. Qual seria uma estratégia
política da atenção eficaz e possível neste cenário?

Contudo, a paternidade da economia da atenção é geralmente atribuída a


Herbert Simon, devido a uma conferência realizada em 1969 e publicada em 1971,
onde observou que a informação consome atenção. Mas apenas meados dos anos
1990 a economia da atenção começou a se estruturar como um campo do
conhecimento, a partir dos estudos de Goldhaber e Franck. Em 2001 Davenport e
Beck publicam The Attention Economy: Understanding the New Currency of
Business, onde explicitam a passagem da economia de bens e serviços a um futuro
no qual “muitos bens e serviços serão fornecidos gratuitamente em troca de alguns
segundos ou minutos da atenção do usuário”. No mesmo sentido, Lanhan (2006)
afirma que a atenção se tornou “um objeto escasso”.

Alguns economistas universitários tentam dar conta dessa nova economia


atencional submetendo-a à formalização exigida pela disciplina econômica ortodoxa,
por exemplo mediante a quantificação rigorosa das capacidades de atração
atencional observadas em nossas interações comerciais. Estes economistas
desenvolvem duas perspectivas aparentemente opostas: proteger atenção da
sobrecarga de informação e otimizar sua alocação, de um lado, e de outro captar a
atenção visando lucro; ainda que estas perspectivas se apresentem como opostas,
ambas as vertentes consideram a atenção como um bem de rara disponibilidade.
Concomitantemente, encontramos acadêmicos que denunciam os “efeitos
alienantes das manipulações atencionais induzidas pelas tecnologias da atração”,
as quais são consideradas como um “aparelho de captura” para o “agenciamento
das subjetividades através da lógica do lucro capitalista”. Uma terceira vertente
dedica-se a mensurar o impacto das novas tecnologias no desenvolvimento das
subjetividades, assumindo tons alarmistas que derivam em afirmações tais como “a
internet nos torna idiotas”, ou “os jovens” tornaram-se “psicologicamente incapazes
de se concentrar”.

De toda forma, desde meados dos anos 1990 estaria ocorrendo uma
reviravolta econômica, de modo que a nova escassez já não estaria “no campo dos
bens materiais a serem produzidos”, mas no “da atenção necessária para o
consumo” desses bens. Tomando como exemplo as ferramentas de busca pela
Internet, o autor explica que a aparente gratuidade é, na realidade, uma compra da
nossa atenção (de cujo lucro não tomamos posse): “se um produto é gratuito, então
o verdadeiro produto é você!” Estas ferramentas exploram a nossa atenção sem nos
pagar por isso, e a vendem para outras empresas.

No âmbito da educação, estaríamos vivendo um deslocamento dos regimes


atencionais e dos modos cognitivos peculiares às gerações de professores e de
estudantes. Os professores concebem suas aulas contando com que seus alunos
estejam comprometidos a “se concentrar em um mesmo objeto durante longos
períodos”. Concomitantemente, os estudantes adquiriram os hábitos de “mudar
rapidamente de focalização entre diferentes tarefas, preferir múltiplas fontes de
informação, buscar um nível elevado de estímulo, ter uma tolerância frágil ao tédio”.

Citton observa que a economia da atenção não irá substituir economia dos
bens materiais. De toda forma, a atenção é “a faculdade crucial de nossa época”, de
modo que torna-se fundamental colocar as questões que conduzem a escrita deste
livro: “compreender melhor as questões suscitadas por sua circulação, sua captura
e seus poderes”, bem como analisar o “que podemos fazer coletivamente com
nossas atenções individuais, e como podemos contribuir individualmente para
redistribuir nossa atenção coletiva”.

Para compor uma guinada para a Ecologia da Atenção, Citton propõe a


revisão de algumas percepções usuais quando o assunto é o estudo da atenção. O
primeiro é um reenquadramento temporal, em que o autor destaca que a “nova
economia” da atenção só seria novidade do ponto de vista dos economistas,
induzido principalmente pela “pletora de bens digitalizados” e tendo como marco o
desenvolvimento da industrialização e do marketing a partir de meados do século
XIX. O autor destaca que “o sentimento de sobrecarga de informação já afetava os
humanistas do Renascimento e os filósofos do século XVII”. Salienta ainda que a
“economia da atenção tem ao menos dois milênios e meio”, já que na Antiguidade
os retóricos conceberam seu trabalho e sua ciência “como uma habilidade para
captar e sustentar a atenção de uma audiência, seja em um contexto judiciário,
político ou artístico”.

Isto é, as preocupações com a economia da atenção anteriores às décadas


de 1970 e, mais notadamente, de 1990 e 2000, desenvolviam seus estudos a partir
de outras áreas de atuação, e suas preocupações eram majoritariamente estéticas,
“interessando-se mais pela qualidade da experiência sensível e intelectual do que
por sua quantificação em termos produtivistas”. Citton destaca os estudos do
historiador de arte Jonathan Crary, quem, no livro Suspensões da percepção:
atenção, espetáculo e cultura moderna (1999), analisou como a atenção se torna
uma questão socioeconômica central perto de 1870. Isto teria ocorrido no ponto de
encontro de cinco evoluções convergentes: a implantação da linha de produção no
trabalho (que demanda estar alerta em atividades monótonas); a captação de
grandes massas consumidoras mediante publicidade (para vender os produtos
fabricados em grande escala); o desenvolvimento de uma psicologia experimental
da atenção (para submeter “nossas capacidades de ser, permanecer ou nos
tornarmos atentos a certos fenômenos mais que a outros”); a multiplicação de novos
dispositivos de mídia (que reconfiguram nossa atenção, servindo como próteses e
extensões de nossos sentidos); o desenvolvimento de uma arte pictórica dessa
época (que coloca em cena personagens e modos de visão caracterizados por
desequilíbrios e tensões não resolvidas entre atenção e distração).

Outra guinada proposta por Citton no estudo da atenção é do âmbito


individual para o coletivo, em que o autor propõe a “saída de uma abordagem
essencialmente individualista da atenção”, questionando o individualismo
metodológico e o paradigma clássico, o qual é fundamentado na oposição entre
sujeito (que presta atenção) e objeto (que sustenta a atenção). Nota-se aqui que
para o autor o diagnóstico e medicalização compulsórios do TDA são
consequências destes paradigmas individualizantes, a partir dos quais o TDA é
percebido enquanto um distúrbio (individualizado e neurologizado) e um déficit (os
neurônios não trabalham rápido como deveriam), e não atentam para o contexto de
sobrecarga de informação e aceleração das comunicações em que nos
encontramos. Para Citton, em consequência desta individualização aderimos à
química a fim de conter a atenção a qualquer custo, para “se dobrar às
necessidades – indiscretas, perfeitamente falsas e terrivelmente invasivas – do
Janus capitalista, que defende uma disciplina produtiva implacável e um hedonismo
consumista ilimitado.”

Visando fazer a inversão de um modelo de atenção individual (que conflui na


composição de uma atenção coletiva) para um modelo que parte do
comum( visando dele destacar a perspectiva das melhores formas de individuação),
o autor aponta para um percurso que é realizado em três partes. A primeira é a
Atenção Coletiva, que tem como princípio seguinte lógica: ““eu” só presto atenção a
isso que nós coletivamente prestamos atenção”. Nesta Atenção Coletiva existem
"regimes de atenção" coletivos através dos quais percebemos o mundo, e a atenção
é entendida a partir de fluxos transindividuais atencionais e enquanto um capital no
qual as redes midiáticas fornecem a infraestrutura desta economia. A segunda é a
Atenção Conjunta, que tem como princípio a lógica de que ““eu” estou atento ao que
você presta atenção”, e se fundamenta no momento em que o bebê passa das
relações diádicas para as triádicas, e passa a seguir o olhar atento do seu cuidador
a um objeto. Esta atenção conjunta se encontra no âmbito dos “pequenos grupos”,
como por exemplo as relações pedagógicas. Para o autor, “é preciso substituir as
ferramentas da macroeconomia do capitalismo atencional pelas ferramentas mais
finas de uma microeconomia da atenção conjunta”. O terceiro movimento proposto
por Citton é o da Atenção Individuante, sugerido pela lógica de “eu posso reorientar
a atenção que dirige meu devir”, em que ocorre um retorno “às relações de
(des)atenção que mantemos como sujeitos em relação aos objetos do nosso meio
ambiente”, e se fundamenta na coalizão entre a nanoeconomia intracerebral da
atenção, microeconomia dos pequenos grupos e a macroeconomia dos grandes
fluxos midiáticos. O autor afirma que a atenção individuante está atrelada às
experiências estéticas, que são uma possibilidade de escape frente aos impasses e
bloqueios quando se trata de atenção:

“Saber escolher suas alienações e encantos, saber construir vacúolos de silêncio capazes de nos
proteger da comunicação incessante que nos sobrecarrega com informações avassaladoras, saber
viver a intermitência entre hiperfocalização e hipofocalização – é isso que as experiências estéticas
(musicais, cinematográficas, teatrais, literárias ou vidéolúdicas) podem nos ajudar a fazer de nossa
atenção, já que atenção é tanto algo que fazemos (por nós mesmos) como algo que prestamos (para
outros)”

O terceiro deslocamento proposto por Citton é sair da economia da atenção


em direção a uma ecosofia da atenção. Este deslocamento implica reformular o
vocabulário. O autor pontua que expressões tais como “’economia da atenção,
attention economy, economics of attention, economy of attention” propiciam
discernimento sobre a dinâmica da nossa organização (caberia dizer, política),
porém, “contaminam nossa imaginação do futuro com o paradigma econômico”. A
nossa linguagem (e, concomitantemente, o nosso pensamento) está configurada a
partir da perspectiva econômica da atenção: “presta-se” atenção, “distrair-se”
equivale a “perder tempo”, etc. Deslocar-se do paradigma econômico é também um
deslocamento em direção à ética, pois, como Citton sustenta, não é possível
defender “um discurso axiologicamente neutro (desprovido de qualquer valor
subjetivo) acerca da atenção”, já que todos os processos atencionais estão
vinculados a sistemas de valores. Em acréscimo, o paradigma econômico remete a
uma metodologia individualista, na qual o coletivo consiste apenas na soma de
indivíduos. Citton propõe investigar como as atividades da atenção são
“individualizadas a partir da experiência comum”.

O autor considera que a abordagem ecosófica, teorizada pelo filósofo


norueguês Arne Naess, é mais adequada para abordar a atenção. A ecosofia parte
do princípio de que os organismos e as coisas não preexistem às relações que os
constituem, a tal ponto que “indivíduo” e “ambiente” fundam-se pelo mesmo ato.
Dessa forma, a ideia de interação entre organismo e ambiente perde sentido, pois o
organismo já é uma interação. Evidentemente, a atenção é sempre uma interação.
Citton afirma que a ecosofia é a única perspectiva que permite articular “os cinco
níveis de reajustes ecológicos necessários para a reprodução das formas de vida
que valorizamos”: biofísica, geopolítica, sociopolítica, psíquica e midiática. Esta
última, ao mesmo tempo, é a mais superficial e a mais fundamental do ponto de
vista da ecosofia da atenção, pois é no nível da comunicação que é decidido aonde
se dirige a nossa atenção.

Citton lembra que, no mesmo sentido, Félix Guattari valeu-se também da


ecosofia para articular “o conjunto das ecologias científica, política, ambiental, social
e mental”, estabelecendo “junções transversais entre a política, a ética e a estética”,
como “uma escolha ético-política da diversidade, do dissenso criativo, da
responsabilidade pela diferença e pela alteridade”. Assim, a ecosofia se constitui
como uma perspectiva ética e estética da vida. Neste contexto cabe ponderar se, a
partir das reflexões de Citton, podemos abordar éticas do cuidado a partir da
atenção. A palavra “atenção” é largamente utilizada como sinônimo de cuidado:
atenção em saúde, atenção básica, atendimento psicológico, pedagógico ou de
qualquer outra especialidade... Também carrega conotações patriarcais (“a mãe tem
que atender as crianças”, “atender a cozinha”), ou combinando patriarcalismo com
assistencialismo (“atender os mais necessitados”). Numa perspectiva ecosófica da
atenção essas expressões perderiam sentido ou mudariam de configuração, pois,
quando os sujeitos e ambientes emergem juntos no ato atencional, não é possível
“fazer por” ou “fazer sobre”, apenas acompanhar fluxos e “fazer com”.

Citton, Y. Da economia à ecologia da atenção. Ayvu, v.5, n.1, p.13-41, 2018.

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