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Presidente
Villela da Matta
Vice-Presidente
Flora Victoria
SBCOACHING
EDITORA
EDITORES-CHEFES
Flora Victoria / Villela da Matta
EDITOR ADJUNTO
Jeferson Almeida
ASSISTENTE EDITORIAL
Rodrigo Vieira de Almeida
NORMALIZAÇÃO BIBLIOGRÁFICA E
REVISÃO
Renato Barreto
PROJETO GRÁFICO
Thiago Charlo Alves
ARTIGOS
TRADUÇÕES
RESENHA
PROPOSTAS DE PESQUISAS
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O PAPEL DO COACH COMO FACILITADOR DE
MUDANÇAS SUSTENTÁVEIS
Flora Victoria
Pós-graduada em Comunicação e Marketing – ESPM
Pós-graduada em Gestão Corporativa – Harvard Business School
MBA em Gestão Empresarial – FGV
Graduada em Ciências da Computação – USCS
E-mail: flora@sbcoaching.com.br
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RESUMO: Mindsets, ou modelos mentais, são fatores decisivos para um bem-sucedido processo de mudança –
seja individual ou organizacional. Este artigo busca explorar o conceito em questão, bem como a contraposição
de quatro tipos de mindset: os expandidos e produtivos, favoráveis à mudança, e os fixos e defensivos,
resistentes à mudança. A prática reflexiva e a flexibilidade psicológica são apresentadas como elementos
cruciais para estimular e auxiliar a transformação de mindsets limitantes em modelos mentais mais abertos
para o aprendizado e o crescimento. São abordados, também, os processos pelos quais o coach pode atuar
ativamente como facilitador dessa transformação, essencial para a implementação de mudanças sustentáveis.
ABSTRACT: Mindsets are decisive factors for a successful change process – whether individual or organizational.
This article aims to explore the concept, as well as the contrast between four types of mindsets: growth and
productive, that are conducive to change; and fixed and defensive, that are resistant to change. Reflexive
practice and psychological flexibility are presented as crucial elements to stimulate and assist in the
transformation of limiting mindsets into ones that are more open to learning and growth. The article also
addresses the processes through which the coach can actively serve as a facilitator of this transformation,
essential for the implementation of sustainable change.
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O presente artigo é um excerto do livro O Código da Felicidade, de Flora Victoria, a ser lançado em breve pela SBCoaching Editora.
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Até agora, referimo-nos ao mindset no contexto Para Argyris, o mindset defensivo e o produtivo são
individual. Contudo, conforme expôs Ostrofsky caracterizados de acordo com o quadro abaixo:
(2012), podemos nos referir a grupos, organizações
e sociedades de modo geral como tendo (ou sendo)
mentes compostas, com disposições, percepções,
Tem como objetivo “proteger e defender” a pessoa, o Tem como objetivo produzir resultados organizacio-
grupo ou a empresa. nais claramente definidos.
tentativas iniciais – eles falharam. [...] Aqueles expandido buscaram entender seus erros e usar o
com mindset fixo não aprenderam com seus feedback para aperfeiçoar suas estratégias. Em outras
erros. Porém, aqueles com mindset expandido palavras, eles criaram um processo de aprendizado
continuaram aprendendo. Sem a preocupação baseado na reflexão em ação e sobre a ação, que
de medir – ou de proteger – suas habilidades constituem os pilares da prática reflexiva, descrita da
fixas, eles encararam seus erros, usaram o seguinte forma:
feedback e alteraram suas estratégias de
acordo. Eles tornaram-se cada vez melhores A prática reflexiva foi desenvolvida por Donald
[...] e, de fato, acabaram mostrando-se mais Schön [...] no livro The Reflective Practitioner
produtivos do que aqueles com mindset fixo. (1983). O conceito, porém, é muito mais
E mais, ao longo dessa exaustiva atividade, antigo. [...] Schön levou o conceito adiante,
mantiveram um saudável senso de confiança. introduzindo as ideias de reflexão em ação e
(DWECK, 2007, p. 64-65) reflexão sobre a ação.
Ao dizer a um grupo de estudantes que a atividade A reflexão em ação pode ser descrita como a
em questão “mediria sua capacidade”, e a outro habilidade de uma pessoa de pensar enquanto
que a atividade constituía “uma oportunidade age. Trata-se de acessarmos sentimentos,
de desenvolver habilidades”, os pesquisadores intuições e experiências para encontrarmos
influenciaram drasticamente o mindset e os resultados uma resposta rápida e eficaz à situação com a
obtidos pelos alunos. Com a atenção voltada para o qual estamos lidando no momento.
desenvolvimento de habilidades, os estudantes aos
quais foram sugeridas as premissas de um mindset
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A reflexão sobre a ação, por outro lado, é a ideia inconsciente pode dispensar a prática reflexiva. Na
de que, após a experiência, a pessoa analisa verdade, a análise de times de excelente rendimento
sua reação e explora razões, consequências indica o oposto.
e alternativas às suas ações. (DA MATTA;
VICTORIA, 2013c, p. 101) Estudos do Center for Positive Organizational
Scholarship desvendam o que há por trás da atuação
A ausência de reflexão sobre a ação ou o dos chamados times extraordinários, isto é, que estão
comportamento que está sendo praticado é, além da alta performance (MROZ, SHAWN, apud DA
segundo Argyris, o princípio formador da habilidade MATTA; VICTORIA, 2013a). Entre as características
incompetente que caracteriza o mindset defensivo. desses times, duas destacam-se por sua relação com
“Ações habilidosas são aquelas que funcionam, a questão que estamos tratando:
que parecem não demandar nenhum esforço, que
são automáticas e geralmente tácitas, e que são Explicar o sucesso – um time extraordinário
tidas como garantidas”, explica Argyris (2006). não apenas produz resultados notáveis, mas
Esses mesmos aspectos encorajam a habilidade também sabe como reproduzir essa “mágica”.
incompetente quando as ações “automáticas, tácitas É isso que dá consistência à equipe – e também
e tidas como garantidas” conduzem a resultados à performance da empresa. Explicar o sucesso
indesejados. O processo é uma espécie de “efeito significa entender o que foi feito e como
colateral” do estágio da competência inconsciente foi feito para poder reproduzir – e também
descrito pela teoria dos quatros estágios do aumentar – resultados.
aprendizado (amplamente utilizada, porém de autoria
incerta). Segundo a teoria, o desenvolvimento de [...] Criar sustentabilidade – um time
competências é um processo que ocorre em quatro extraordinário se desenvolve continuamente
estágios (DA MATTA; VICTORIA, 2011): porque é capaz de renovar seus conhecimentos,
habilidades, energia e motivação. Do contrário,
1. Incompetência inconsciente: o indíviduo não a equipe corre o risco de exaurir-se até o ponto
possui determinadas competências e não está da estagnação. (DA MATTA; VICTORIA,
ciente disso (ele “não sabe que não sabe”). 2013a, p. 129)
2. Incompetência consciente: o indivíduo reconhece
que não possui determinadas competências (ele Explicar o sucesso e criar sustentabilidade são, pois,
“sabe que não sabe”). os “antídotos” para que a competência inconsciente
3. Competência consciente: o indivíduo já começou não induza à formação do mindset fixo/defensivo e
a desenvolver determinadas competências, mas da habilidade incompetente – e isso é válido tanto
ainda necessita de muito esforço e atenção para para times quanto para indivíduos e empresas. De
colocá-las em prática. posse desse conhecimento, o coach que lançar um
4. Competência inconsciente: o indivíduo já olhar atento à questão do mindset encontrar-se-á em
exercitou tanto as novas competências que tem uma posição privilegiada para atuar como facilitador
a sensação de que “já nasceu com elas”, e sua de um processo de mudança sustentável. O ponto de
aplicação se torna automática. partida é explorar cuidadosamente os aprendizados
do coachee logo após a execução de cada uma das
Nesse modelo, o estágio quatro (competência ações acordadas durante as sessões. Essa exploração
inconsciente) é tido como o ponto culminante deve levar em conta:
do processo de aquisição de competências, uma
vez que pressupõe fluência, maestria e expertise.
Porém, quando o exercício da competência torna-se A EXPLICAÇÃO DO SUCESSO
automático a ponto de dar ao indivíduo a sensação
de que “já nasceu com ela”, a tendência é que a • O que o coachee fez que o levou a ser
prática reflexiva seja descartada, o que abre as portas bem-sucedido?
para a formação de um mindset fixo/defensivo • Qual foram os passos que ele deu?
e para a gradual transmutação da competência • Qual foi o processo?
inconsciente em habilidade incompetente. E eis que • O que poderia ser feito para melhorar ainda mais
nos deparamos com um paradoxo: a competência esse processo?
inconsciente, o estágio máximo a ser buscado no • Em que outras situações e contextos esse processo
processo de desenvolvimento de competências, poderia ser utilizado?
é, também, um estado no qual a vulnerabilidade à • O quanto ele acha que o esforço empenhado
habilidade incompetente é maior. Aqui, cabe recorrer nessa ação contribuiu para aumentar suas
à observação de Bolander (2003), segundo a qual “a habilidades?
presença de um paradoxo é sempre um sintoma de • O quanto ele acha que o esforço empenhado
que alguma parte do entendimento que temos de nessa ação contribuiu para o seu crescimento?
determinado assunto é crucialmente falho”. A falha,
nesse caso, está na noção de que, por seu caráter
“aparentemente automático”, a competência
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psicológicas aí produzidas como um ser humano no qual o foco no conteúdo verbal do cliente pode
plenamente consciente e, com base na situação, conduzir a uma conversação circular em que a
manter ou mudar o comportamento a fim de atingir defensividade do coachee acaba sendo reforçada em
finalidades que possuem valor” (HARRIS, 2006). vez de ser amenizada.
Segundo os autores, a ACT contribui para que as
pessoas se “‘des-identifiquem’ de suas ‘mentes’, Razões não são causas: como bem sabe o coach que
reduzindo assim as formas prejudiciais de controle trabalha com a detecção de gatilhos para o controle
social/verbal das quais a mente é repositório” – o de estados emocionais, a “razão” apresentada
que, por tudo o que sabemos dos mindsets fixos e para um dado comportamento não é a causa desse
defensivos, parece indicar um promissor caminho para comportamento, mas apenas o estímulo ao qual a
a mudança de mindset. Em especial se considerarmos pessoa atribui sua reação comportamental. Conforme
que, em vez de focar a mudança direta dos eventos explica a ACT:
psicológicos, a ACT busca mudar a função desses
eventos e a relação que o indivíduo tem com eles Mesmo que uma razão seja verdadeira, trata-
(HAYES; PISTORELLO; LEVIN, 2012), o que aponta se, geralmente, de uma parte tão pequena do
para uma abordagem produtiva em relação aos quadro geral que torna-se funcionalmente falsa.
mindsets fixos e defensivos. Além disso, sob o ponto Por exemplo, suponha que seja literalmente
de vista conceitual e filosófico, a ACT possui vários verdade quando uma pessoa diz que uma briga
pontos em comum com o coaching, entre os quais, com o marido ocorreu porque “ele me deixou
podemos destacar: furiosa”. Isso pode ser “verdade” sob o ponto
de vista de que uma reação chamada raiva
Contextualização: todos os conceitos são estava de fato presente e a discussão ocorreu.
contextualmente definidos e delimitados. Se for feita Contudo, é funcionalmente falso porque nós
uma afirmação a respeito de um evento, a pergunta não sabemos (1) por que a raiva ocorreu, (2)
seguinte será: “Em que contexto isso aconteceu?” o que, além da raiva, contribuiu para a briga,
(HAYES; STROSAHL; WILSON, 1999). e (3) como a raiva veio a controlar uma briga
desse tipo. (HAYES; STROSAHL; WILSON,
A verdade pragmática como critério: um processo 1999, p. 53)
funciona bem somente quando determinados
objetivos são atingidos. A verdade, portanto, é O modelo ACT de mudança comportamental
sempre localizada e pragmática, pois: “na ACT,
a verdade é aquilo que funciona. A análise de um
problema comportamental é verdadeira na medida
em que ajuda a resolver o problema do cliente”
(HAYES; STROSAHL; WILSON, 1999, p. 20).
procedimentos (que, na verdade, são parte integrante english/_files/1000216-301.pdf. Acesso em: 19 ago.
da atuação de um coach eficaz) à luz dos conceitos de 2014.
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