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Revista Científica Brasileira de Coaching

VOLUME 1 / NÚMERO 2 / 2014

ABORDAGEM CIENTÍFICA DO COACHING


REVISTA CIENTÍFICA BRASILEIRA DE
COACHING (BRAZILIAN JOURNAL OF
COACHING)

A Revista Científica Brasileira de Coaching (Brazilian


Journal of Coaching) é uma revista destinada a
apresentar os resultados dos estudos sobre coaching
desenvolvidos no Brasil e no mundo e uma iniciativa
da Sociedade Brasileira de Coaching® com publicação
quadrimestral.

Av. Fagundes Filho, 141, 11º andar - CEP 04304-010


- Vila Monte Alegre, São Paulo/SP – Brasil

Tel.: (11) 3775-5333 e (11) 4040-4213

Presidente
Villela da Matta

Vice-Presidente
Flora Victoria
SBCOACHING
EDITORA

EDITORES-CHEFES
Flora Victoria / Villela da Matta

EDITOR ADJUNTO
Jeferson Almeida

ASSISTENTE EDITORIAL
Rodrigo Vieira de Almeida

NORMALIZAÇÃO BIBLIOGRÁFICA E
REVISÃO
Renato Barreto

PROJETO GRÁFICO
Thiago Charlo Alves

COLABORARAM NESTA EDIÇÃO


Flora Victoria
Liamar Fernandes
Rita Maria Lima da Silva
ĂƌŽů<ĂƵīŵĂŶ
S. Grace Russel
Mary Wayne Bush COMISSÃO EDITORIAL
Linda Page
Jeferson Almeida Villela da Matta - SBCoaching®
Flora Victoria - SBCoaching®
Jeferson Almeida - SBCoaching®
Rodrigo Vieira de Almeida - SBCoaching®
Elisabeth Priestley - SBCoaching®
Darlene Cardoso Ferreira - SBCoaching®
Renato Barreto - SBCoaching®
Leandro Berchielli - FAPPES
Gustavo Oliveira - FAPPES
Creoncedes Sampaio - SBCoaching®
Liamar Fernandes - SBCoaching®
Lilia Barbosa - SBCoaching®
Richeli Sachetti - SBCoaching®
Mariza Honório do Carmo - FAPPES
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ESCOPO
A Revista Científica Brasileira de Coaching (Brazilian
Journal of Coaching) tem como missão fomentar a
produção e a disseminação de conhecimento nas
diversas áreas de coaching.

A Revista Científica Brasileira de Coaching (Brazilian


Journal of Coaching) tem interesse na publicação
de artigos de desenvolvimento teórico, trabalhos
empíricos e ensaios. Aceitam-se colaborações do Brasil
e do exterior, nos campos relacionados ao Coaching
e de áreas afins. A pluralidade de abordagens e
perspectivas é incentivada. Como revista generalista
na área, cobre um espectro amplo de subdomínios
de conhecimento, perspectivas e questões.

A Revista Científica Brasileira de Coaching (Brazilian


Journal of Coaching) utiliza um modelo de negócios
no qual os gastos são recuperados em parte pelas
taxas de publicação do autor ou financiadores da
pesquisa de cada artigo publicado. Em 2014, artigo
original, relato de caso, relato de experiência, mini
revisões, pontos de vista, editoriais e carta ao editor
serão gratuitos.
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EDITORIAL daí decorrentes. Em seu artigo Desmistificando
a Pesquisa: Introdução para Coaches, Carol
É com imenso orgulho que apresentamos o segundo Kauffman, do Institute of Coaching (IOC), aborda a
número da Revista Científica Brasileira de Coaching linguagem de pesquisa científica de coaching, assim
(RCBC), editada pela SBCoaching Editora, pertencente como os tipos de pesquisa, as etapas envolvidas e a
ao grupo Sociedade Brasileira de Coaching®, em nomenclatura utilizada, visando tornar claro ao leitor
parceria com o Institute of Coaching Research (ICR). o potencial de investigação científica às abordagens
Em continuidade ao êxito do primeiro número, de coaching, de forma a articular teoria e prática
esta edição foi pautada pela seleção criteriosa de em busca de mais conhecimento e aprimoramento.
artigos que buscam lançar luz a aspectos prementes Já em Pesquisa como Especialização: Um Guia de
da pesquisa científica de coaching, abrangendo Leitura para Profissionais de Coaching, Linda J.
aspectos tanto teóricos como práticos dessa rica área Page, Presidente da Adler International Learning,
do conhecimento humano. também analisa a pesquisa em coaching de forma a
torná-la mais atraente e instigante para profissionais
O primeiro artigo, Mindset e resultados e pesquisadores da área, elevando seu status como
organizacionais: O papel do coach como facilitador campo de estudos profícuo e de alto respaldo teórico.
de mudanças sustentáveis, de Flora Victoria, explora
o conceito de mindsets, ou modelos mentais, como Apresentamos também a resenha de Jeferson
elementos cruciais à abertura ao aprendizado e à Almeida sobre o artigo de Allison S. Gabriel e colegas,
mudança individual ou organizacional, assim como How can humanistic coaching affect employee well-
o potencial do coach de implementar mudanças being and performance? An application of self-
sustentáveis nos mais variados contextos. De determination theory, publicado originalmente pela
mesma autoria, o artigo Treinamento de Formação revista Coaching: An International Journal of Theory,
Positive Coaching como Ferramenta de Melhoria Research and Practice, cujo tema aborda como
de Competências e Satisfação Pessoal analisa o os comportamentos (ou as práticas) de coaching
treinamento de formação em Positive Coaching influenciam os resultados do coachee no que diz
ministrado pela SBCoaching® com base nos resultados respeito à motivação, à performance e ao bem-estar,
e feedbacks obtidos por alunos que realizaram este abordando linhas teóricas convergentes.
curso. A pesquisa objetivou mensurar as mudanças
ocorridas em relação ao desenvolvimento de Finalizando, publicamos os Resumos de Propostas de
competências e aos níveis de satisfação com a vida Pesquisas de Coaching, originalmente desenvolvidos
entre os alunos formados, mensurando e atestando por Carol Kauffman e colegas a partir dos proveitos
sua efetividade. obtidos no International Coaching Research Forum,
realizado em Cambridge, MA. Esperamos que os
Prosseguindo no campo da análise dos resultados temas sugeridos inspirem nossos leitores a aprofundar
positivos obtidos a partir do coaching, Liamar as pesquisas no vasto campo de interesse fomentado
Fernandes, em Os Pensamentos Focados em pelo coaching, visando expandir sua credibilidade e
Resultados Positivos, relata o case de sucesso de conhecimento junto ao público interessado.
uma coachee que, ao atuar em parceria com sua
coach, conseguiu reverter suas crenças limitantes Agradecemos a todos que contribuíram para a
em poderosos pensamentos positivos e construtivos, elaboração deste segundo número da Revista
conquistando objetivos e resultados duradouros e Científica Brasileira de Coaching. Esperamos
sustentáveis. colaborar com os estudos nesse campo e instigar
leigos e especialistas a intensificar o diálogo com os
De outro lado, a partir de questões relacionadas à mais variados campos de pesquisa de coaching.
prática do coaching, Rita Maria Lima da Silva, em
Wellness Coaching e a Gestão da Qualidade de Vida Aproveitem a leitura.
no Trabalho, explora o impacto das práticas voltadas
ao bem-estar dos funcionários nos resultados Flora Victoria e Villela da Matta
positivos apresentados pelas empresas eleitas pela
revista Guia 2012 Você S/A como sendo as melhores
para se trabalhar no Brasil. Ademais, a autora explora
o wellness coaching como um processo capaz de
colaborar com a melhoria contínua da qualidade
de vida das pessoas dentro e fora do ambiente de
trabalho.

Este número da RCBC traz também dois artigos,


traduzidos com exclusividade pelo ICR, nos quais
são apresentados os pontos mais essenciais acerca do
debate em torno das pesquisas realizadas no campo
do coaching e as oportunidades de aprofundamento
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SUMÁRIO / TABLE OF CONTENTS

ARTIGOS

Mindset e resultados organizacionais: O papel do coach como facilitador de mudanças


sustentáveis
Mindset and organizational results: The role of the coach as a facilitator of sustainable change
Flora Victoria .....................................................................................................13

Wellness Coaching e a Gestão da Qualidade de Vida no Trabalho


Wellness Coaching and Quality of Life Management in the Workplace
Rita Maria Lima da Silva ........................................................................................29

Os Pensamentos Focados em Resultados Positivos


Positive Results-Focused Thinking
Liamar Fernandes ...............................................................................................41

Treinamento de Formação Positive Coaching como Ferramenta de Melhoria de Competências


e Satisfação Pessoal
Positive Coaching Qualification Training as a Tool for Improving People’s Skills and Satisfaction
Flora Victoria .....................................................................................................47

TRADUÇÕES

Desmistificando a Pesquisa: Introdução para Coaches


De-Mystifying Research: An Introduction for Coaches
ĂƌŽů<ĂƵīŵĂŶ ..................................................................................................53

Pesquisa como Especialização: Um Guia de Leitura para Profissionais de Coaching


Research as “Expertising”: A Reading Guide for Practicing Coaches
Linda J. Page ......................................................................................................59

RESENHA

Humanismo e Autodeterminação: Uma Proposta de Abordagem para o Coaching


Humanism and Self-determination: A Proposed Approach for Coaching
Jeferson Almeida ................................................................................................65

PROPOSTAS DE PESQUISAS

Resumos de Propostas de Pesquisas de Coaching


Coaching Research Proposal Abstracts
ĂƌŽů<ĂƵīŵĂŶ͕^͘'ƌĂĐĞZƵƐƐĞůĞDĂƌLJtĂLJŶĞƵƐŚ ..........................................................71
MINDSET E RESULTADOS ORGANIZACIONAIS:

1
O PAPEL DO COACH COMO FACILITADOR DE
MUDANÇAS SUSTENTÁVEIS

MINDSET AND ORGANIZATIONAL RESULTS: THE ROLE OF THE


COACH AS A FACILITATOR OF SUSTAINABLE CHANGE

Flora Victoria
Pós-graduada em Comunicação e Marketing – ESPM
Pós-graduada em Gestão Corporativa – Harvard Business School
MBA em Gestão Empresarial – FGV
Graduada em Ciências da Computação – USCS
E-mail: flora@sbcoaching.com.br
14
15

MINDSET E RESULTADOS ORGANIZACIONAIS: O PAPEL DO COACH COMO


FACILITADOR DE MUDANÇAS SUSTENTÁVEIS1
MINDSET AND ORGANIZATIONAL RESULTS: THE ROLE OF THE COACH AS A FACILITATOR OF
SUSTAINABLE CHANGE

RESUMO: Mindsets, ou modelos mentais, são fatores decisivos para um bem-sucedido processo de mudança –
seja individual ou organizacional. Este artigo busca explorar o conceito em questão, bem como a contraposição
de quatro tipos de mindset: os expandidos e produtivos, favoráveis à mudança, e os fixos e defensivos,
resistentes à mudança. A prática reflexiva e a flexibilidade psicológica são apresentadas como elementos
cruciais para estimular e auxiliar a transformação de mindsets limitantes em modelos mentais mais abertos
para o aprendizado e o crescimento. São abordados, também, os processos pelos quais o coach pode atuar
ativamente como facilitador dessa transformação, essencial para a implementação de mudanças sustentáveis.

PALAVRAS-CHAVE: Coaching. Mindset. Aprendizado. Mudança. Flexibilidade psicológica.

ABSTRACT: Mindsets are decisive factors for a successful change process – whether individual or organizational.
This article aims to explore the concept, as well as the contrast between four types of mindsets: growth and
productive, that are conducive to change; and fixed and defensive, that are resistant to change. Reflexive
practice and psychological flexibility are presented as crucial elements to stimulate and assist in the
transformation of limiting mindsets into ones that are more open to learning and growth. The article also
addresses the processes through which the coach can actively serve as a facilitator of this transformation,
essential for the implementation of sustainable change.

KEYWORDS: Coaching. Mindset. Learning. Change. Psychological flexibility.

1
O presente artigo é um excerto do livro O Código da Felicidade, de Flora Victoria, a ser lançado em breve pela SBCoaching Editora.
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INTRODUÇÃO seus objetivos, seja para assessorar empresas em


busca de melhores resultados, o ponto de partida é
sempre a mudança, que pode ocorrer:
Uma miríade de fatores compele uma empresa a
mudar: tornar-se mais competitiva, ampliar mercados,
[...] na cultura e na estrutura organizacional,
otimizar recursos, elevar a receita, reinventar-se,
mas também no nível individual, no nível dos
inovar, desbravar novos nichos... Subjacente a todos
times e em níveis de conversação, por exemplo:
esses fatores, porém, está a premente necessidade de
manter-se relevante aos olhos dos stakeholders e da
• Direcionar a atuação da liderança por meio de
sociedade. Nas palavras de Beerel (2009), “Todas as
soluções integradas de coaching – mudança de
organizações, independentemente de seu propósito
performance pessoal e organizacional
ou missão, possuem um objetivo básico em comum.
• Mudar a cultura transformando a qualidade de
Esse objetivo básico é permanecer relevante. [...]
cada conversação – conversações conduzindo
Permanecer relevante requer a habilidade de ler e
à mudança de cultura
de responder a mudanças. Novas realidades são as
• Elevar a performance por meio da melhoria da
forças que anunciam a mudança. Novas realidades
retenção e do engajamento – desenvolvimento
são pervasivas e continuamente batem à nossa porta,
conduzindo à mudança de cultura (ROCK;
quer as convidemos ou não”. Considerando-se que a
DONDE, 2008).
capacidade de manter-se relevante está diretamente
relacionada à habilidade de lidar com mudanças,
Todos esses temas tratados pelo coaching implicam
entende-se a dimensão que esse tema assume no
aprendizado. Citando Senge (1990), “as organizações
mundo organizacional.
que realmente irão se sobressair no futuro serão aqueles
que descobrirem como ativar o comprometimento e
Organizações que deixam de ser relevantes, cedo ou
a capacidade de aprendizado das pessoas em todos
tarde, deixam de existir. É, pois, com perplexidade
os níveis da organização”. Ou, citando Crossan,
que constatamos a alta taxa de insucesso registrada
Lane e White (1999), “o aprendizado organizacional
pelas organizações no que concerne à mudança.
pode ser concebido como o principal meio para
Nada menos do que 70% dos processos de mudanças
promover a renovação estratégica de uma empresa”.
organizacionais produzem resultados abaixo do
E o aprendizado é um processo que “muda aquilo
esperado, revelou pesquisa da McKinsey conduzida que somos” (WENGER, 1998). Mudar aquilo que
com 1.546 executivos em diversos países (ISERN; somos é uma referência ao fato de que, em um nível
PUNG, 2006). Pesquisas mais recentes não divergem mais profundo e transformacional, o aprendizado
radicalmente desse cenário. No estudo Change and vai além do desenvolvimento da habilidade de
Communication ROI Survey (2013), a consultoria executar uma nova tarefa ou atividade. Envolve,
Towers Watson pesquisou 276 empresas grandes e também, “a capacidade de refletir e de melhorar os
médias. E constatou que: processos da organização e os modos pelos quais
nos inter-relacionamos para atingir nossos objetivos”
• 55% das iniciativas de gestão de mudança (KONTOGHIORGHES; AWBREY; FEURIG, 2005). O
atingiram seus objetivos iniciais. Mas, para que acaba de ser descrito requer uma mudança em
75% dos entrevistados, as mudanças não se nosso modelo mental – ou no padrão que usamos
sustentaram ao longo do tempo. para interpretar o mundo exterior, e que constitui a
• 87% das empresas treinaram seus gerentes para definição da palavra inglesa mindset. A mudança de
“gerir a mudança”, mas apenas 22% acharam mindset e de atitudes foi, por sinal, apontada como o
que o treinamento foi de fato eficaz. principal desafio para a implementação de programas
de mudança organizacional bem-sucedidos,
Apesar do alto índice de fracasso – e dos custos conforme revelou o IBM CEO Study (2008).
financeiros que isso implica – a pressão por mudança
continua mais intensa do que nunca. De acordo Essa relação pode ser melhor entendida se
com o IBM CEO Study (2008), realizado com mais considerarmos que, quando a visão do que poderia
de 1.500 profissionais, “as empresas não disporão ser justapõe-se à visão que temos da realidade atual, é
mais do luxo de esperar que as operações de gerada uma “tensão criativa” capaz de estimular uma
rotina caiam em um padrão estático ou previsível, mudança positiva do mindset. Por “tensão criativa”
esporadicamente interrompido por breves erupções compreende-se uma situação na qual a pressão
de mudanças. Para prosperar, os líderes terão que resultante de uma dissonância cognitiva acaba por
abandonar essas noções ultrapassadas de mudança. propiciar um novo e melhor entendimento, ideia ou
Na verdade, o novo normal é a mudança contínua – percepção a respeito de dada situação. Entretanto,
e não a ausência da mudança”. nem todo o mindset é aberto à mudança e, quando
isso ocorre, a dissonância cognitiva resulta no que
Diante de tamanha pressão, entender – e evitar – as poderia ser chamado de “tensão reativa”: a ansiedade
causas desse insucesso é de fundamental importância aumenta e mecanismos de defesa são acionados para
para o coach, uma vez que a mudança é o eixo a partir resistir à mudança, o que torna a resistência uma das
do qual sua atuação produzirá, ou não, os resultados principais causas de seu insucesso. O fenômeno tem
desejados. Seja para ajudar indivíduos a atingirem sido alvo de inúmeros estudos e pesquisas:
17

fundamental para que o coach possa atuar com


O fracasso de muitos programas de mudança eficácia como facilitador de mudanças sustentáveis.
corporativa é com frequência atribuído à
resistência do funcionário (MAURER, 1997; MINDSETS: FIXO E DEFENSIVO VS.
SPIKER; LESSER, 1995; REGAR et al., 1994;
MARTIN, 1975). Por exemplo, um estudo EXPANDIDO E PRODUTIVO
longitudinal de 500 grandes organizações
constatou que a resistência do funcionário Sob o ponto de vista das ciências cognitivas, mindset
foi o problema citado com mais frequência é “o padrão ou modelo mental que usamos para
pela gerência ao implementar mudanças interpretar a realidade e que, por isso mesmo,
[WALDERSEE; GRIFFITHS, 1997] (BOVEY; predetermina nossas respostas comportamentais”
(DA MATTA; VICTORIA, 2013b). Senge (1990)
HEDE, 2001, p. 372).
complementa a definição ao afirmar que “modelos
mentais são suposições, generalizações ou mesmo
À luz da análise do campo de forças (LEWIN, 1951),
a mudança organizacional pressupõe o confronto de retratos ou imagens profundamente entranhados que
duas forças opostas. Uma delas, a força direcionadora, influenciam o modo como entendemos o mundo e
como entramos em ação. Com frequência, não temos
impulsiona a empresa para uma nova direção,
consciência de nossos modelos mentais ou dos efeitos
enquanto a outra, a força restritiva, impede a empresa
que eles produzem em nosso comportamento”.
de mudar. Quando a força direcionadora se mostra
mais poderosa, a mudança ocorre, e vice-versa: se
a força restritiva for a mais intensa, a organização Segundo Dweck (2007), um modelo mental que
permanece onde está. Contudo, se ambas as forças interpreta inteligência ou talentos como características
exercerem um impacto similar, o resultado é uma inatas, que permanecem relativamente estáveis ao
paralisia temporária, um estado de inércia que só será longo da vida, corresponde à definição do mindset
quebrado no momento em que uma força sobrepujar fixo (fixed mindset). O inatismo e a imutabilidade
a outra. A força restritiva é alimentada pela resistência que permeiam esse modelo mental levam o indivíduo
à mudança. A resistência, por sua vez, está firmemente a desenvolver uma inextrincável associação
calcada em um modelo mental avesso à mudança – entre seus talentos e sua identidade. Respostas
o mindset fixo. A resistência imposta pelo mindset comportamentais induzidas por um modelo mental
fixo cria um ambiente estéril para o florescimento assim caracterizado incluem, entre outros aspectos:
de características como comprometimento, paixão e
envolvimento, apontadas como principais influências • Pouca abertura ao aprendizado e resistência à
mudança – rever seus próprios conhecimentos e
para que a mudança ocorra com sucesso:
opiniões equivale a admitir algum tipo de “falha
A Pesquisa de Rastreamento da Mudança, na ou defeito” em seu modo de agir e pensar, o que é
Austrália, possui a maior base de dados que percebido pelo indivíduo dotado de mindset fixo
eu jamais vi sobre como a mudança realmente como um intolerável “ataque” à sua autoestima.
funciona. Por dez anos, eles rastrearam • Tendência a permanecer na zona de conforto –
o mindset fixo torna a pessoa avessa a desafios
centenas de programas de mudança de todos
que possam colocar à prova sua inteligência
os tipos em uma ampla gama de empresas. Isso
forneceu excelentes insights sobre quais são, na ou talentos, uma vez que o fracasso em uma
verdade, as principais influências da mudança. atividade é recebido como uma ameaça à sua
identidade e autoimagem.
A Pesquisa de Rastreamento da Mudança
• Baixa resiliência – a pouca abertura ao
reforça o fato de que coisas como falta de
aprendizado, a resistência à mudança e a
comprometimento, paixão e envolvimento da
gerência são as maiores barreiras à mudança. tendência a permanecer na zona de conforto
tornam a pessoa mais vulnerável ao stress e à
(CHEESE, 2013)
ansiedade resultantes da pressão para aumentar
a performance – fatores que, somados, tendem
A abertura à mudança é possibilitada por um modelo
a conduzir à queda da performance, exatamente
mental bem mais flexível e receptivo ao aprendizado
quando a pessoa está sendo requisitada a
– o mindset expandido. Contudo, conforme
aumentá-la.
argumentarei neste artigo, mindsets ou modelos
• Instabilidade na liderança – o mindset fixo gera
mentais não são imutáveis. Novos mindsets podem
no líder a necessidade de proteger seu ego por
ser criados e desenvolvidos. Beerel (2009), entre
vários outros estudiosos do assunto, é categórica meio de posturas individualistas e autoritárias,
desequilibrando suas forças, performance e
ao afirmar que “somos facilmente soterrados pela
quantidade de novas realidades que devemos resultados – e também os da empresa.
abraçar. Precisamos, também, criar novos mindsets
capazes de reconhecer que a mudança perpétua é O contraponto ao mindset fixo é o mindset expandido
a única realidade verdadeira”. Conduzir o processo (expanded mindset, Dweck, 2007). Em oposição
de expansão de modelos mentais fixos – tanto às noções de inatismo e de imutabilidade que o
os individuais quanto os coletivos – é um passo mindset fixo impõe a questões como inteligência e
talentos, o mindset expandido favorece uma visão
18

de mundo na qual as mencionadas características crenças, desejos e intenções coletivas. A isso


podem ser desenvolvidas mediante o esforço. Para poderíamos chamar mindset coletivo. Sob esse
pessoas dotadas de mindset expandido, inteligências ponto de vista, é possível identificar não apenas o
e talentos não são elementos que constituem, ao tipo de mindset individual de cada funcionário de
mesmo tempo, definição e medida de sua identidade uma organização, mas, ainda, o mindset coletivo de
– são conteúdos de um potencial que pode ser departamentos, de times, da liderança e da própria
continuamente ampliado. Esse direcionamento empresa. Organizações também podem possuir um
produz respostas comportamentais opostas às do mindset coletivo fixo ou expandido. Argyris (2006)
mindset fixo, a saber: maior abertura ao aprendizado recorre à nomenclatura mindset defensivo e mindset
e à mudança, tendência a buscar desafios como produtivo para referir-se a um fenômeno similar ao
veículo de crescimento (e, portanto, a tendência de observado por Dweck (fixo/expandido), porém à luz
não permanecer na zona de conforto), alta resiliência do universo organizacional e dos comportamentos
e estabilidade na liderança. que nele se observam.

Até agora, referimo-nos ao mindset no contexto Para Argyris, o mindset defensivo e o produtivo são
individual. Contudo, conforme expôs Ostrofsky caracterizados de acordo com o quadro abaixo:
(2012), podemos nos referir a grupos, organizações
e sociedades de modo geral como tendo (ou sendo)
mentes compostas, com disposições, percepções,

MINDSET DEFENSIVO MINDSET PRODUTIVO

Tem como objetivo “proteger e defender” a pessoa, o Tem como objetivo produzir resultados organizacio-
grupo ou a empresa. nais claramente definidos.

Explicita premissas (presumindo que são válidas) e


as testa por meio de uma lógica autorreferencial (isto
Produz conhecimento válido e que pode ser validado,
é, testa uma afirmação usando a mesma lógica que
criando, assim, escolhas bem informadas.
a gerou. Por exemplo: “Confie em mim, eu conheço
essa empresa”).

A transparência é evitada para que a pessoa possa se


Torna o raciocínio pessoal transparente para que suas
autoproteger e, ao mesmo tempo, negar que está se
afirmações possam ser testadas.
autoprotegendo.

O autoengano é negado por meio do acobertamen-


Gera conscientização, mantém-se em um estado
to. Para que o acobertamento funcione, ele, também,
vigilante para evitar enganar a si mesmo e aos outros.
deve ser acobertado.
19

O mindset defensivo gera um processo de “blindagem” envolve a transferência baseada em aprendizado


que aumenta o déficit no entendimento e a ocorrência prévio – caso contrário, teríamos que começar do zero
das chamadas profecias autorrealizáveis, pois a a cada novo aprendizado. Isso certamente constitui
lógica autorreferencial desencoraja a detecção e a uma grande vantagem no que diz respeito a acelerar
correção de erros, o que resulta em uma compulsiva a aplicação do conteúdo aprendido – desde que haja
repetição de equívocos. Nessas condições, cria-se uma integração entre o aprendizado prévio e o novo
uma “síndrome antiaprendizado”: o aprendizado é capaz de produzir melhorias de performance em
inibido no momento em que ele é mais necessário diferentes contextos. Ou seja, desde que ocorra uma
(isto é, para inovar e para desafiar as rotinas existentes transferência positiva de aprendizado. Porém, se for
e o status quo). verificado um conflito entre o aprendizado prévio
e o novo, estaremos diante de uma transferência
O mindset produtivo, por sua vez, conduz à ação eficaz, negativa capaz de reduzir a performance.
definida por Argyris como o objetivo fundamental
da performance humana e organizacional. São três Diante do exposto, a relação entre transferência
os parâmetros ou características que identificam a positiva do aprendizado e os mindsets expandidos
ação eficaz: (1) é consistente com a intenção que e produtivos, e entre transferência negativa do
a gerou; (2) é persistente; e (3) é realizada sem aprendizado e os mindsets fixos e defensivos, pode
que haja prejuízo ao atual nível de performance ser explicitada conforme apresenta a Figura 1.
organizacional. Por isso:
Tanto Dweck quanto Argyris sustentam que é
Aprender, sob essa perspectiva, requer a possível mudar o mindset, e essa perspectiva é de
criação de novos conhecimentos, novos fundamental importância para o coach. Afinal, por
insights e novos entendimentos, mas vai mais preparado que o coach esteja no domínio de
além. O aprendizado ocorre quando essas três processos e ferramentas para alavancar a mudança,
características estão a serviço da ação eficaz. o risco de insucesso é muito alto sem estes dois
Como sabemos que aprendemos algo? A passos iniciais: (1) verificar o tipo de mindset do
resposta é: quando podemos produzir aquilo coachee; e (2) aplicar estratégias para ajudá-lo a
que afirmamos ter aprendido. (ARGYRIS, mudar seu mindset, caso seja necessário. Porém, para
2006, p. 7) entendermos quais são essas estratégias e como elas
funcionam, é preciso primeiro compreender como os
As características apresentadas conduzem às mindsets são formados.
seguintes conclusões: (1) o mindset defensivo
assemelha-se ao fixo; e (2) nenhum deles favorece
a ação eficaz. Na verdade, o que esses dois modelos TALENTO, ESFORÇO E PROCESSOS
mentais promovem é a “habilidade incompetente”.
A expressão é usada por Argyris (1986) em alusão a
situações nas quais o uso de uma competência produz Dweck (2007) atribui a formação de um mindset
um resultado indesejado – por exemplo, habilidades fixo à ênfase dada ao talento e à minimização da
de relacionamentos são sistematicamente usadas importância do esforço individual. Seja na família,
para evitar conflitos com colegas e acabam gerando seja no ambiente empresarial, o reforço às supostas
uma série de problemas organizacionais (como o habilidades inatas e sua associação à identidade
conformismo ou os conflitos latentes). Nas palavras do indivíduo constituem um poderoso estímulo à
de Argyris, trata-se do “uso de um comportamento formação de um mindset fixo. Em seu livro Mindset,
treinado de rotina (habilidade) para produzir aquilo the new psychology of success (Por que algumas
que não se desejava (incompetência)”. pessoas fazem sucesso e outras não, na tradução
brasileira), Dweck demonstra como a mera escolha
Tais questões são de fundamental importância para de palavras influencia esse processo:
a atuação do coach. O cerne do trabalho do coach
é o momento em que o aprendizado é transferido, Os pesquisadores dividiram os alunos de
implicando a elevação mensurável da performance negócios em dois grupos. A um grupo foi dado
– o que equivale ao aumento de ações eficazes. O um mindset fixo. Disseram-lhe que a atividade
processo, que recebe o nome de transferência do mediria suas capacidades básicas, subjacentes.
aprendizado, é definido por Haskell (2000) como Quanto maior fosse sua capacidade, mais
“aplicar o que aprendemos em diferentes contextos, elevada seria sua performance. Ao outro
e reconhecer e estender esse aprendizado a situações grupo foi dado um mindset expandido.
completamente novas”. Como o contexto em que Disseram-lhe que as habilidades de gestão
algo é aprendido com frequência difere do contexto eram desenvolvidas por meio da prática, e que
ao qual esse novo aprendizado será aplicado, a atividade lhe daria uma oportunidade de
o objetivo do coaching (ou de um curso, ou de cultivar essas habilidades.
um treinamento, ou de qualquer outro processo
de aprendizado) não é atingido a menos que a A atividade era difícil porque foram dados
transferência ocorra. Contudo, todo o aprendizado aos estudantes elevados padrões de produção
a serem atingidos e – principalmente nas
20

Figura 1 - Transferência de aprendizado e tipos de mindset

tentativas iniciais – eles falharam. [...] Aqueles expandido buscaram entender seus erros e usar o
com mindset fixo não aprenderam com seus feedback para aperfeiçoar suas estratégias. Em outras
erros. Porém, aqueles com mindset expandido palavras, eles criaram um processo de aprendizado
continuaram aprendendo. Sem a preocupação baseado na reflexão em ação e sobre a ação, que
de medir – ou de proteger – suas habilidades constituem os pilares da prática reflexiva, descrita da
fixas, eles encararam seus erros, usaram o seguinte forma:
feedback e alteraram suas estratégias de
acordo. Eles tornaram-se cada vez melhores A prática reflexiva foi desenvolvida por Donald
[...] e, de fato, acabaram mostrando-se mais Schön [...] no livro The Reflective Practitioner
produtivos do que aqueles com mindset fixo. (1983). O conceito, porém, é muito mais
E mais, ao longo dessa exaustiva atividade, antigo. [...] Schön levou o conceito adiante,
mantiveram um saudável senso de confiança. introduzindo as ideias de reflexão em ação e
(DWECK, 2007, p. 64-65) reflexão sobre a ação.

Ao dizer a um grupo de estudantes que a atividade A reflexão em ação pode ser descrita como a
em questão “mediria sua capacidade”, e a outro habilidade de uma pessoa de pensar enquanto
que a atividade constituía “uma oportunidade age. Trata-se de acessarmos sentimentos,
de desenvolver habilidades”, os pesquisadores intuições e experiências para encontrarmos
influenciaram drasticamente o mindset e os resultados uma resposta rápida e eficaz à situação com a
obtidos pelos alunos. Com a atenção voltada para o qual estamos lidando no momento.
desenvolvimento de habilidades, os estudantes aos
quais foram sugeridas as premissas de um mindset
21

A reflexão sobre a ação, por outro lado, é a ideia inconsciente pode dispensar a prática reflexiva. Na
de que, após a experiência, a pessoa analisa verdade, a análise de times de excelente rendimento
sua reação e explora razões, consequências indica o oposto.
e alternativas às suas ações. (DA MATTA;
VICTORIA, 2013c, p. 101) Estudos do Center for Positive Organizational
Scholarship desvendam o que há por trás da atuação
A ausência de reflexão sobre a ação ou o dos chamados times extraordinários, isto é, que estão
comportamento que está sendo praticado é, além da alta performance (MROZ, SHAWN, apud DA
segundo Argyris, o princípio formador da habilidade MATTA; VICTORIA, 2013a). Entre as características
incompetente que caracteriza o mindset defensivo. desses times, duas destacam-se por sua relação com
“Ações habilidosas são aquelas que funcionam, a questão que estamos tratando:
que parecem não demandar nenhum esforço, que
são automáticas e geralmente tácitas, e que são Explicar o sucesso – um time extraordinário
tidas como garantidas”, explica Argyris (2006). não apenas produz resultados notáveis, mas
Esses mesmos aspectos encorajam a habilidade também sabe como reproduzir essa “mágica”.
incompetente quando as ações “automáticas, tácitas É isso que dá consistência à equipe – e também
e tidas como garantidas” conduzem a resultados à performance da empresa. Explicar o sucesso
indesejados. O processo é uma espécie de “efeito significa entender o que foi feito e como
colateral” do estágio da competência inconsciente foi feito para poder reproduzir – e também
descrito pela teoria dos quatros estágios do aumentar – resultados.
aprendizado (amplamente utilizada, porém de autoria
incerta). Segundo a teoria, o desenvolvimento de [...] Criar sustentabilidade – um time
competências é um processo que ocorre em quatro extraordinário se desenvolve continuamente
estágios (DA MATTA; VICTORIA, 2011): porque é capaz de renovar seus conhecimentos,
habilidades, energia e motivação. Do contrário,
1. Incompetência inconsciente: o indíviduo não a equipe corre o risco de exaurir-se até o ponto
possui determinadas competências e não está da estagnação. (DA MATTA; VICTORIA,
ciente disso (ele “não sabe que não sabe”). 2013a, p. 129)
2. Incompetência consciente: o indivíduo reconhece
que não possui determinadas competências (ele Explicar o sucesso e criar sustentabilidade são, pois,
“sabe que não sabe”). os “antídotos” para que a competência inconsciente
3. Competência consciente: o indivíduo já começou não induza à formação do mindset fixo/defensivo e
a desenvolver determinadas competências, mas da habilidade incompetente – e isso é válido tanto
ainda necessita de muito esforço e atenção para para times quanto para indivíduos e empresas. De
colocá-las em prática. posse desse conhecimento, o coach que lançar um
4. Competência inconsciente: o indivíduo já olhar atento à questão do mindset encontrar-se-á em
exercitou tanto as novas competências que tem uma posição privilegiada para atuar como facilitador
a sensação de que “já nasceu com elas”, e sua de um processo de mudança sustentável. O ponto de
aplicação se torna automática. partida é explorar cuidadosamente os aprendizados
do coachee logo após a execução de cada uma das
Nesse modelo, o estágio quatro (competência ações acordadas durante as sessões. Essa exploração
inconsciente) é tido como o ponto culminante deve levar em conta:
do processo de aquisição de competências, uma
vez que pressupõe fluência, maestria e expertise.
Porém, quando o exercício da competência torna-se A EXPLICAÇÃO DO SUCESSO
automático a ponto de dar ao indivíduo a sensação
de que “já nasceu com ela”, a tendência é que a • O que o coachee fez que o levou a ser
prática reflexiva seja descartada, o que abre as portas bem-sucedido?
para a formação de um mindset fixo/defensivo • Qual foram os passos que ele deu?
e para a gradual transmutação da competência • Qual foi o processo?
inconsciente em habilidade incompetente. E eis que • O que poderia ser feito para melhorar ainda mais
nos deparamos com um paradoxo: a competência esse processo?
inconsciente, o estágio máximo a ser buscado no • Em que outras situações e contextos esse processo
processo de desenvolvimento de competências, poderia ser utilizado?
é, também, um estado no qual a vulnerabilidade à • O quanto ele acha que o esforço empenhado
habilidade incompetente é maior. Aqui, cabe recorrer nessa ação contribuiu para aumentar suas
à observação de Bolander (2003), segundo a qual “a habilidades?
presença de um paradoxo é sempre um sintoma de • O quanto ele acha que o esforço empenhado
que alguma parte do entendimento que temos de nessa ação contribuiu para o seu crescimento?
determinado assunto é crucialmente falho”. A falha,
nesse caso, está na noção de que, por seu caráter
“aparentemente automático”, a competência
22

A CRIAÇÃO DA SUSTENTABILIDADE do aprendizado (aplicar o que aprendemos em


diferentes contextos, e reconhecer e estender esse
• O quanto o coachee se esforçou para atingir aprendizado a situações completamente novas;
esses resultados? HASKELL, 2000). Contudo, é importante salientar
• Como ele pode recuperar as energias após esse que o aprendizado não se refere apenas a conteúdos
esforço? cognitivos, mas também a conteúdos emocionais
• O que mais ele poderia desenvolver, e que (lidar com as próprias emoções e as dos outros)
contribuiria para gerar mais melhorias? e comportamentais (adaptar comportamentos e
• O que ele faria diferente da próxima vez? atitudes a demandas específicas). Por consequência,
• O quanto ele está comprometido e motivado os três conjuntos de habilidades que compõem
para continuar buscando melhorias? a flexibilidade psicológica devem ser trabalhados
pelo coach – principalmente no que diz respeito aos
E, é claro, a exploração também inclui a análise dos coachees com mindset fixo ou defensivo. Em especial
erros para que novos aprendizados possam deles se levarmos em conta que o indivíduo dotado de
ser extraídos. Embora os processos mencionados flexibilidade psicológica é capaz de (KASHDAN;
(explicar o sucesso, criar sustentabilidade e aprender ROTTENBERG, 2010):
com os erros) sejam de fundamental importância
para a transferência do aprendizado e para evitar • Identificar e adaptar-se às exigências do
ou superar a habilidade incompetente dos coachees momento.
com mindset fixo ou defensivo, são exatamente • Reconfigurar e expandir o mindset e os
esses mindsets e suas características inerentes que repertórios comportamentais sempre que as
constituem a principal barreira aos processos citados. estratégias utilizadas estiverem comprometendo
seu funcionamento otimizado.
A superação desses obstáculos requer um trabalho • Manter o equilíbrio entre diferentes desejos,
mais intenso do coach, com foco no desenvolvimento
necessidades e domínios da existência.
da flexibilidade psicológica.
• Estar consciente e comprometido com
comportamentos congruentes com seus valores
mais profundos.
MINDSET E FLEXIBILIDADE PSICOLÓGICA

A flexibilidade psicológica foi conceitualizada e


Pessoas com baixa flexibilidade psicológica tendem a
estudada de modo mais sistemático por Kashdan e
apresentar maior rigidez mental e comportamental,
Rottenberg (2010), que expuseram suas conclusões
menor adaptabilidade e pouca propensão a mudar.
sobre o tema no estudo Psychologycal flexibility
Também são mais apegadas a ruminações e
as a fundamental aspect of health (flexibilidade
preocupações, apresentam uma recuperação mais
psicológica como um aspecto fundamental da saúde,
lenta após eventos estressantes e possuem dificuldade
em tradução livre). A flexibilidade psicológica pode
para planejar e perseguir objetivos de longo prazo, o
ser definida como um amplo conjunto de habilidades
que é consistente com as características do mindset
que permitem ao indivíduo lidar da melhor forma
fixo e defensivo descritas por Dweck e Argyris. Por
possível com o meio no qual está inserido. Essas
outro lado, um alto nível de flexibilidade psicológica
habilidades incluem:
contribui para:
• A flexibilidade cognitiva – capacidade de
• Aumentar a autorregulação (capacidade de
aprender continuamente e de aplicar/adaptar o
modificar suas respostas para melhor responder
conhecimento acumulado a diferentes situações
a uma determinada situação).
e circunstâncias.
• Mover-se das motivações extrínsecas (externas)
• A flexibilidade emocional – capacidade de
para as intrínsecas (internas).
lidar com as próprias emoções e as dos outros
• Mudar o foco de uma área da vida para outra a
sem rigidez e pré-julgamento, e também de
fim de manter o equilíbrio.
controlar/flexibilizar suas respostas emocionais
• Aumentar a abertura e a aceitação de experiências
(não confundir flexibilidade emocional, que
emocionais.
implica controle, com instabilidade emocional,
• Aumentar a disposição para assumir desafios e
que implica perda de controle).
persistir em direção a objetivos, vivendo, assim,
• A flexibilidade comportamental – capacidade de
uma vida mais plena de propósito e de significado.
adaptar comportamentos e atitudes a demandas
• Desenvolver um mindset expandido.
específicas, mas sempre em congruência com os
valores do indivíduo.
A elevação da flexibilidade psicológica é
intensamente trabalhada pela Terapia de Aceitação
À primeira vista, a flexibilidade cognitiva (capacidade
e Comprometimento (Acceptance and Commitment
de aprender continuamente e de aplicar/adaptar o
Therapy, ou ACT), desenvolvida por Hayes, Strosahl
conhecimento acumulado a diferentes situações e
e Wilson (1999). “O objetivo da ACT é aumentar a
circunstâncias) parece ser, por sua própria descrição, a
habilidade mais diretamente associada à transferência flexibilidade psicológica: a habilidade de entrar em
contato com o momento presente e com as reações
23

psicológicas aí produzidas como um ser humano no qual o foco no conteúdo verbal do cliente pode
plenamente consciente e, com base na situação, conduzir a uma conversação circular em que a
manter ou mudar o comportamento a fim de atingir defensividade do coachee acaba sendo reforçada em
finalidades que possuem valor” (HARRIS, 2006). vez de ser amenizada.
Segundo os autores, a ACT contribui para que as
pessoas se “‘des-identifiquem’ de suas ‘mentes’, Razões não são causas: como bem sabe o coach que
reduzindo assim as formas prejudiciais de controle trabalha com a detecção de gatilhos para o controle
social/verbal das quais a mente é repositório” – o de estados emocionais, a “razão” apresentada
que, por tudo o que sabemos dos mindsets fixos e para um dado comportamento não é a causa desse
defensivos, parece indicar um promissor caminho para comportamento, mas apenas o estímulo ao qual a
a mudança de mindset. Em especial se considerarmos pessoa atribui sua reação comportamental. Conforme
que, em vez de focar a mudança direta dos eventos explica a ACT:
psicológicos, a ACT busca mudar a função desses
eventos e a relação que o indivíduo tem com eles Mesmo que uma razão seja verdadeira, trata-
(HAYES; PISTORELLO; LEVIN, 2012), o que aponta se, geralmente, de uma parte tão pequena do
para uma abordagem produtiva em relação aos quadro geral que torna-se funcionalmente falsa.
mindsets fixos e defensivos. Além disso, sob o ponto Por exemplo, suponha que seja literalmente
de vista conceitual e filosófico, a ACT possui vários verdade quando uma pessoa diz que uma briga
pontos em comum com o coaching, entre os quais, com o marido ocorreu porque “ele me deixou
podemos destacar: furiosa”. Isso pode ser “verdade” sob o ponto
de vista de que uma reação chamada raiva
Contextualização: todos os conceitos são estava de fato presente e a discussão ocorreu.
contextualmente definidos e delimitados. Se for feita Contudo, é funcionalmente falso porque nós
uma afirmação a respeito de um evento, a pergunta não sabemos (1) por que a raiva ocorreu, (2)
seguinte será: “Em que contexto isso aconteceu?” o que, além da raiva, contribuiu para a briga,
(HAYES; STROSAHL; WILSON, 1999). e (3) como a raiva veio a controlar uma briga
desse tipo. (HAYES; STROSAHL; WILSON,
A verdade pragmática como critério: um processo 1999, p. 53)
funciona bem somente quando determinados
objetivos são atingidos. A verdade, portanto, é O modelo ACT de mudança comportamental
sempre localizada e pragmática, pois: “na ACT,
a verdade é aquilo que funciona. A análise de um
problema comportamental é verdadeira na medida
em que ajuda a resolver o problema do cliente”
(HAYES; STROSAHL; WILSON, 1999, p. 20).

Clareza em relação aos objetivos: para a ACT, assim


como para o coaching, os objetivos especificam o
quanto um critério de verdade pragmática pode ser
aplicado. “Sem um objetivo verbalmente declarado,
um trabalho bem-sucedido implica que qualquer
comportamento moldado por consequências seria
‘verdadeiro’ [...]. Isso seria filosoficamente absurdo.
Entretanto, uma vez que dispomos de um objetivo
declarado, podemos avaliar o nível em que a prática
analítica está nos ajudando a atingi-lo” (HAYES;
STROSAHL; WILSON, 1999, p. 21).

Ênfase na especificação de valores: “a ACT coloca


uma ênfase muito forte na especificação de valores
no nível individual. Todas as ações são avaliadas
em relação aos valores e objetivos escolhidos pelo
cliente, e a questão é sempre a funcionalidade, não Fonte: HAYES; PISTORELLO; LEVIN. Acceptance and
a verdade objetiva” (HAYES; STROSAHL; WILSON, commitment therapy as a unified model of behavior
1999, p. 24). change. The Counseling Psychologist, v. 40, n. 7, p. 981,
2012.
Mudança de relações verbais: “a principal maneira de
enfraquecer eficazmente relações verbais é alterando
o contexto que apoia o processo verbal, e não
focando o conteúdo verbal” (HAYES; STROSAHL;
WILSON, 1999, p. 46). Esse é um princípio básico
do coach que trabalha crenças limitantes, processo
24

O ponto de partida da ACT é aumentar a habilidade 2 – VALORES


de entrar em contato com o momento presente e
com as reações psicológicas que estão a se desenrolar Valores estão ligados à motivação. “Quando a
e, a partir disso, manter ou mudar o comportamento mudança comportamental é motivada pela culpa,
de acordo com os valores que a pessoa possui. ou pela conformidade, as chances de se atingir um
Assim, o cliente passa a ter mais consciência das suas objetivo são muito menores” (ELLIOT; SHELDON;
emoções e pensamentos, e a reagir a eles da forma CHURCH, 1997; SHELDON; ELLIOT, 1999;
que melhor atende a seus valores. Isso é feito por SHELDON; KASSER; SMITH; SHARE, 2002, apud
meio de seis processos (HAYES; PISTORELLO; LEVIN, HAYES; PISTORELLO; LEVIN, 2012). Assim como
2012). A cada um deles, associamos sugestões para o coaching, a ACT busca ligar o comportamento
intervenções (HARRIS, 2006; DA MATTA; VICTORIA, aos valores do cliente. A intenção é descobrir o que
2011). é mais importante para nós, o que nos motiva e
direciona. Trata-se de esclarecer que tipo de pessoa
1 – ESTAR PRESENTE você quer ser e pelo que você quer se guiar em sua
vida. E, também, de dar-se conta que existem formas
de viver esses valores que, talvez, você não estivesse
Trata-se de manter-se aberto e receptivo ao que percebendo neste momento. Para tratar desse tema,
está acontecendo agora. Colocar a atenção focada o coach pode utilizar técnicas de identificação de
no presente, em vez de agir no “piloto automático”, valores.
e de trazer a consciência para o aqui e agora, com
abertura, interesse e receptividade, ao mesmo tempo
em que nos mantemos plenamente engajados no
que estamos fazendo (o que é, por sinal, o princípio 3 – COMPROMISSO COM A AÇÃO
do mindfulness). O oposto de estar no presente
é a rigidez atencional em relação ao passado e o Inação, impulsividade e a persistência em evitar
futuro, o que “exacerba problemas como trauma certas situações são contrapostas pelo compromisso
(HOLMAN; SILVER, 1998), ruminação (DAVIS; com a ação, princípio que também é ressaltado pelo
NOLEN-HOEKSEMA, 2000) e dor (SCHUTZE et al., coaching:
2010), entre outros” (apud HAYES; PISTORELLO;
LEVIN, 2012). Uma técnica para estimular o contato A ênfase na ação é uma das principais
com o momento presente é a slow motion, ou características do coaching, pois é por meio
câmera lenta. Experimente fazer uma atividade da ação que os resultados são gerados. O foco
qualquer – por exemplo, comer uma fruta – bem provê clareza e direcionamento, porém, é a
devagar e prestando a máxima atenção no que está ação que fará o coachee realmente caminhar
acontecendo. Por exemplo: em direção a seus objetivos. Aqui, o coachee
assume a responsabilidade de agir para alcançar
• Que músculos você está movimentando ao aquilo a que se propôs e, junto com o coach,
comer a fruta? analisa opções (pesando os prós e os contras),
• Quais partes de seu corpo estão envolvidas nessa desenvolve estratégias e elabora um plano capaz
atividade? de garantir a eficácia e a continuidade de suas
• Qual é o sabor da fruta? Como você descreveria? ações. Além disso, também são trabalhados os
A que você compararia? processos motivacionais, cruciais para motivar
• Continue explorando seus cinco sentidos: qual é o coachee a comprometer-se a entrar em ação,
o aroma da fruta? E a textura? E a cor? Que sons e a identificação e superação de fatores que
você faz ao mastigar? Como você sente a fruta possam estar impedindo ou dificultando esse
com as mãos? Como você descreveria o que vê? processo. A Identificação de Valores, o SWOT
Pessoal e o Ensaio Mental são exemplos de
Se surgirem distrações ou pensamentos não algumas das técnicas e ferramentas utilizadas
relacionados ao que você está fazendo, ou emoções nesta etapa. (DA MATTA; VICTORIA, 2011, p.
e sensações, não se apegue a nenhum deles. Apenas 69).
continue focado no que você está fazendo. Este
exercício pode ser feito com qualquer outra atividade
corriqueira (tomar banho, escovar os dentes, lavar a 4 – EU-OBSERVADOR
louça...). Quando acabar o slow motion, pense em
algum aspecto de sua vida no qual você acha que está Acionar o eu-observador consiste em observar com
faltando foco, engajamento ou comprometimento – certo distanciamento aquilo que sentimos e pensamos
por exemplo, o trabalho. Reveja mentalmente sua em um determinado momento e em um determinado
sessão de slow motion e compare: se é possível entrar contexto. O eu-observador é um mecanismo
em profunda conexão com atos tão simples como importante para lidar com a autoconceitualização
comer uma fruta (ou tomar banho, ou escovar os – a descrição conceitualizada que as pessoas
dentes etc.), o que o está impedindo de se conectar fazem de si mesmas, e que com frequência reduz a
com seu trabalho? De que modo você está – ou não flexibilidade comportamental devido às tentativas
está – usando os cinco sentidos no trabalho? de ajustar-se ao autoconceito. Isso pode conduzir a
25

situações potencialmente devastadoras. “Quando ao pensar isso. Verifique os sentimentos que


uma pessoa se identifica em excesso com uma essa crença lhe traz em termos de bem-estar,
autoconceitualização em particular, eventos externos autoestima, autoeficácia, esperança, otimismo...
a essa narrativa podem parecer invalidar a própria 2. Retome a mesma crença e diga: “Eu estou
vida” (HAYES; PISTORELLO; LEVIN, 2012). Os pensando que não sou capaz de...”. Repita o
autores apontam como casos extremos dessa processo anterior e observe como você se sente
situação o de pessoas que tiram suas próprias vidas agora.
quando perdem suas fortunas. O eu-observador, 3. Compare o que você sentiu ao fundir-se com
por outro lado, fornece um espaço seguro para seu pensamento (“Eu não sou capaz de...”) e
lidar com emoções ou pensamentos dolorosos. Se o como você sentiu ao identificar e separar-se de
que observamos não estiver de acordo com o que seu pensamento (“Estou pensando que não sou
desejamos, temos a possibilidade de decidir o que capaz de...”). Quando usamos um mecanismo
fazer ou gerar outros pensamentos e sentimentos de desfusão (“Estou pensando que...”), o
mais adequados ao contexto. Se você consegue impacto que o pensamento exerce sobre nós é
separar o que você é do que você está pensando que bem menor.
é, conseguirá, também, acionar o eu-observador,
isto é, observar a si mesmo enquanto pensa. O
eu-observador nos dá acesso a uma dimensão 6 – ACEITAÇÃO
transcendente de nós mesmos, que não está presa
ao ciclo vicioso dos filtros, crenças, lembranças, Trata-se de aceitar a experiência e o que se passa
condicionamentos e interpretações tomados como dentro de nós sem tentar combater, inibir, resistir ou
expressão única e imutável da realidade. O contato fugir. Deixar de lado o julgamento e as justificativas e
com o eu-observador pode ser estimulado, por engajar-se em um processo descrito como:
exemplo, por meio de técnicas de mindfulness e de
intervenções que estimulam a perspectiva. [...] A ativa e consciente aceitação de
experiências privadas sem tentativas
desnecessárias de mudar sua frequência ou
5 – DESFUSÃO forma. Na ACT, a aceitação não é um fim em si
mesmo. É algo que é cultivado como um método
Desfusão é oposto de fusão. No que diz respeito de aumentar as ações baseadas em valores. A
ao comportamento humano, a fusão ocorre aceitação não é passiva na ACT – não é uma
porque estamos constantemente descrevendo, questão de tolerância ou de resignação. Em
categorizando, relacionando e avaliando eventos e, vez disso, envolve uma postura de curiosidade
ao fazer isso, acabamos por nos fundir com nossas ativa, interesse e exploração deliberada de
percepções cognitivas. Consequentemente, “as sentimentos, memórias, sensações corporais
funções comportamentais de nosso mundo tornam- e pensamentos. [...] Em outras palavras, o
se cada vez mais o produto de estímulos derivados objetivo é aumentar a liberdade psicológica
de relações e regras, e são cada vez menos baseadas do indivíduo, independentemente dos ecos
em nossa experiência direta e na funcionalidade” experienciais de sua própria história. (HAYES;
(HAYES; STROSAHL; WILSON, 1999, p. 50). PISTORELLO; LEVIN, 2012, p. 982).
Desfusão cognitiva é aprender a se distanciar ou
a separar-se dos pensamentos a fim de evitar a Uma técnica para encorajar a aceitação é a do
“ruminação mental” e as ideias fixas. No estado de “cientista curioso”. Para entender melhor como
fusão cognitiva, caímos nas armadilhas da linguagem. funciona, suponha que você esteja sentindo raiva.
Nossos pensamentos parecem ser a verdade literal, Em vez de tentar suprimir ou extravasar sua raiva,
ou regras que devem ser obedecidas, ou eventos apenas observe-a como se você fosse um cientista
importantes que requerem a nossa atenção, ou estudando algo que nunca viu antes. Quais são
eventos ameaçadores contra os quais devemos lutar. os “sintomas” da sua raiva? O que acontece com
Ou seja: quando nos fundimos com nossos pensamos, a sua fisiologia quando você está com raiva? O
permitimos que eles exerçam um enorme poder sobre que acontece com suas emoções e pensamentos?
nosso comportamento. Desfusão cognitiva significa Como você age sob o efeito da raiva? Não se
reconhecer que nossos pensamentos são nada mais preocupe em justificar ou controlar o que quer que
que eventos transitórios e subjetivos, que refletem seja – apenas investigue. Após fazer isso por algum
nossa interpretação momentânea dos fatos, e não os tempo, ainda que a raiva permaneça residualmente,
fatos em si. você vai começar a experimentar uma sensação de
calma. A raiva provavelmente não vai parecer tão
Eis aqui um exercício simples para promover a perturbadora, mas apenas algo que acontece de vez
desfusão: em quando e que, na verdade, não possui o poder
de nos controlar.
1. Pense em uma crença limitante que costuma
incomodá-lo muito (por exemplo: “Eu não sou
capaz de...”). Observe como você se sente
26

CONCLUSÕES na questão das crenças limitantes. Com isso, busca-se


estimular a prática reflexiva a fim de evitar ou superar
A linguagem e a lógica que formam o mindset a habilidade incompetente – relembrando a definição
coletivo da organização representam “uma de Argyris (1986): “uso de um comportamento
formidável fortaleza de barreiras físicas e cognitivas à treinado de rotina (habilidade) para produzir aquilo
mudança” (CROSSAN; LANE; WHITE, 1999, p. 533). que não se desejava (incompetência)” – e que é um
A afirmação se revela precisa quando os mindsets em dos efeitos mais perniciosos do mindset defensivo.
questão mostram-se congruentes com os modelos Esses processos, bem como a mudança de mindset,
mentais fixos ou defensivos, que, conforme visto, podem ser reforçados pelo desenvolvimento da
inibem o aprendizado e sua transferência – o que, flexibilidade psicológica – tema que é tratado de
por sua vez, inibe a própria mudança. Tendo por modo abrangente pela Terapia de Aceitação e
base a importância da mudança para o indivíduo e Comprometimento (Acceptance and Commitment
para a própria sobrevivência da organização, bem Therapy, ou ACT), cujos princípios, aplicados ao
como a elevada taxa de fracasso que esse processo coaching, foram demonstrados neste artigo.
apresenta no mundo organizacional, conclui-se que,
para o coach, aprender a identificar os mindsets fixos O coaching é, por natureza e vocação, um processo
e defensivos e ajudar a transformá-los em mindsets que permite uma “situação ideal de discurso”, assim
expandidos e produtivos é condição sine qua non caracterizada:
para a condução bem-sucedida de um processo de
mudança sustentável, capaz de produzir os resultados Habermas (1979) argumenta que a interação
esperados pelos indivíduos e pela empresa. A esse humana presume uma “situação ideal de
respeito, cabe lembrar que Senge coloca os modelos discurso”. Ele sugere que a comunicação
mentais como uma das cinco disciplinas fundamentais linguística envolve quatro tipos de afirmações
a uma organização que aprende, e o faz por que: de validade: que o que é formulado é
compreensível, que o conteúdo do que é dito é
Muitos insights sobre novos mercados ou verdadeiro, que a pessoa que está falando está
sobre práticas empresariais ultrapassadas não sendo verdadeira (a elocução é congruente
são aplicados porque conflitam com modelos com as intenções de quem a pronunciou) e
mentais tácitos e poderosos. A Royal Dutch/ que os atos de fala executados são legítimos.
Shell, uma das primeiras entre as grandes [...] A situação ideal de discurso é consistente
organizações a entender as vantagens de com as características do raciocínio produtivo.
acelerar o aprendizado organizacional, (ARGYRIS, 2006, p. 216-217)
chegou a essa conclusão quando descobriu o
quão pervasiva era a influência dos modelos Ao propiciar as condições ideais de discurso, o
mentais ocultos, especialmente aqueles que coach está, também, estimulando elementos típicos
se tornaram amplamente compartilhados. O do raciocínio produtivo que, por sua vez, definem
extraordinário sucesso da Shell em lidar com o mindset produtivo. Condições ideais de discurso
as dramáticas e imprevisíveis mudanças do podem gerar conversas “com valor de aprendizado”,
mundo dos negócios do petróleo nos anos de um aspecto básico da disciplina de trabalhar com
1970 e 1980 adveio, em grande medida, do modelos mentais. Essa disciplina é descrita por Senge
aprendizado de como trazer para a superfície como:
e desafiar os modelos mentais dos gerentes.
(SENGE, p. 11) [...] o ato de virar o espelho para dentro;
aprender a localizar nossos retratos internos
No que tange ao desafio aos modelos mentais, do mundo, trazê-los à superfície e submetê-los
recomenda-se que o coach, fiel ao princípio do não a um rigoroso escrutínio. Isso também inclui a
julgamento e à crença de que toda pessoa é capaz de habilidade de conduzir conversas “com valor
mudar, adote uma postura firme, porém compassiva de aprendizado” que equilibram investigação
e produtiva em relação às pessoas cujos mindsets e sensibilização, nas quais as pessoas expõem
são fixos ou defensivos. Afinal, elas de fato possuem seus próprios pensamentos efetivamente e
talentos e inteligência e podem oferecer uma tornam esse pensamento aberto à influência
contribuição muito maior à empresa, à sociedade e dos outros. (SENGE, p. 11)
às suas próprias carreiras, tão logo seu potencial seja
desbloqueado por meio da mudança do mindset. Segundo Argyris (2006), o coaching, caracterizado
pela facilitação do aprendizado e por ações como
Para tanto, o coach deve explorar com atenção empoderar, ajudar, desenvolver, apoiar e remover
os aprendizados do coachee em cada sessão de obstáculos, é consistente com o modelo por ele
coaching, com foco na identificação de processos proposto para estimular o mindset produtivo.
utilizados pelo cliente, no esforço empenhado e na A base do modelo de Argyris é a produção de
melhoria contínua, tendo por base práticas como informações válidas, de escolhas bem-informadas, e
explicar o sucesso, criar sustentabilidade e aprender o monitoramento vigilante das ações implementadas
com os erros, além, é claro, de um trabalho intenso para avaliar seu nível de eficácia. Aplicando tais
27

procedimentos (que, na verdade, são parte integrante english/_files/1000216-301.pdf. Acesso em: 19 ago.
da atuação de um coach eficaz) à luz dos conceitos de 2014.
mindset, o coach estará aprofundando sua atuação e CROSSAN, M. M.; LANE, H. W.; WHITE, R. E. An
seus resultados nesse processo tão essencial que é a Organizational Learning Framework: From Intuition
mudança. to Institution. Academy of Management Review, v.
24, n. 3, pp. 522; 533, 1999.

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