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NOME DA FACULDADE

TOMMASO DE VIO X FRANCISCO DE ARAÚJO: E O CONHECIMENTO


COGNISCÍVEL

NOME

CIDADE - 2022
TOMMASO DE VIO X FRANCISCO DE ARAÚJO: E O
CONHECIMENTO COGNISCÍVEL à vista do constitutivo formal de "ente" (se o
nominal ou o participial), disputa-se se o ente de razão se inclui no objeto
formal/adequado da metafísica] 8,,

Após defender que o ente que é objeto formal da metafísica é o ente real
enquanto se distingue do ente de razão (fabricatum ab intellectu), Araújo
argumenta em seus "Commentariorum in universam aristotelis metafisicam",
lib. IV, q. 3, art. 6, que o ente real se diz "real" ou em comparação ao não-ente
ou em comparação ao ente de razão. Ora, quando se distingue do não-ente,
não é outro senão o ente enquanto existente, e quando se distingue do ente de
razão, não é outro senão o ente que tem essência (habens essentiam).
Portanto, conclui Araújo que o ente real significado nominalmente será o
transcendental.

Mas disputam os escolásticos se o ente de razão se inclui no objeto


formal/adequado da metafísica. Araújo nega sua inclusão, e o faz sobretudo
fundado na tese de que o objeto formal da metafísica não pode superar o
objeto formal do entendimento; e como o objeto formal do entendimento é o
ente real, segue-se que o objeto formal da metafísica não pode ser o ente real
[e] o ente de razão. E para suster que o ente de razão não se inclui no objeto
formal do entendimento, Araújo argumenta que a verdade e a bondade que
convém ao ente de razão são meramente "mendigadas" do ente real, não algo
intrínseco.

Ao que se responde que para superarmos os argumentos de Araújo,


será suficiente, num primeiro momento, três passos argumentativos, a saber,
que se demonstre que o objeto formal/adequado do entendimento não é o
mero ente real, mas o ente comum com conhecimento confuso-atual; em
seguida, que se demonstre que o objeto formal/adequado da metafísica é o
ente comum não segundo uma notícia confuso-atual, senão que por notícia
distinto-atual no terceiro grau de abstração formal; por fim, que há unidade de
proporção entre ente real e de razão, de modo que entra no objeto
formal/adequado do entendimento também o ente de razão, justamente por
aquilo que há de intrínseco entre eles e, com efeito, entra também no objeto
formal/adequado da metafísica com conhecimento distinto-atual.

Pois bem, pergunta-se o jovem Caetano (Tommaso De Vio) na questão


primeira de seus doutíssimos comentários ao "De ente et essentia" qual é o
primeiro conhecido (primum cognitum) por nós nesta vida. Ou seja, qual é
aquela noção a partir da qual o intelecto vê primeiramente todas as coisas (seu
objeto formal/adequado). E a resposta do doutor auxiliar de Santo Tomás é
conhecida por todos: é o ente concretado nas quididades sensíveis (ens
concretum quidditati sensibili). Escoto e Trombetta rechaçam sua resposta,
aduzindo como principal argumento a tese de que "ente" é noção simples, mais
perfeita e universal, e a ordem do conhecimento, para o "homo viator", estatui
que o mais perfeito seja conhecido depois (na Metafísica), não antes (na
Física). Caetano, porém, apelará aos níveis de abstração formal para chegar
ao conhecimento distinto-atual do objeto da metafísica, que é o ente comum
em toda a sua extensão, mas argumentará em favor de sua presença já como
primeiro em ordem de origem, conquanto não como termo metafísico, mas
como sendo o mesmo ente a modo de conhecimento confuso-atual abstraído
dos singulares sensíveis por uma certa espontaneidade ativa do intelecto. E
para demonstrá-lo, Caetano odotará uma postura segundo o método
escolástico, isto é, contemplando especialmente as distinções precisas e
necessárias à questão.

Com efeito, o nosso cardeal começa observando que a natureza


abstrata (a qual tem ser no entendimento) pode ser término do intelecto de
quatro modos, os quais se dividem em duas categorias de totalidade. Na
primeira categoria, a natureza é conhecida como um "todo definível", e pode
ser término do entendimento com conhecimento confuso-atual ou com
conhecimento distinto-atual; na segunda categoria, a natureza é conhecida
como um "todo universal", e pode ser término do entendimento com
conhecimento confuso-virtual ou com conhecimento distinto-virtual. Mas
observe-se que a chave-hermenêutica da metafísica caetanista é de legítima
inspiração aristotélica, posto que se funda na precedência do ato sobre a
potência e, com efeito, do ente participial (que nota a existência em sua função
atual/transcendental) sobre o ente nominal (que nota a essência em sua função
limitativa/potencial), ao contrário do que pensam os tomistas modernos que
querem redescobrir o "legítimo tomismo", o qual nunca se perdeu nas velhas
páginas em latim. Com efeito, à luz desta chave-hermenêutica, não seria de
estranhar a insistência de Caetano na precedência natural da abstração formal
sobre a abstração total, e por uma simples razão: a abstração formal se diz em
ordem ao atual, enquanto a abstração total se diz em ordem ao potencial — o
que apesar de não estranhar, não deixa de surpreender pela agudeza. E para
que fique clara a precedência natural da abstração formal sobre a abstração
total, veremos mais algumas caracterizações das noções caetanistas.

Ora, as duas categorias de totalidades se dividem, segundo Caetano,


pela desigual consideração da natureza abstrata, a saber, ou em sua extensão
lógica ("todo universal" propriamente dito) ou em sua compreensão e
atualidade ("todo definível"). Com efeito, temos a seguinte divisão na natureza
abstrata:

(1) Como um "todo definível", trata-se de certa forma ou ato. Neste caso,
terá por fundamento aquilo que é atual na coisa, e será conhecida em ordem
àquilo que tem de atual ou de compreensível.

(2) Como um "todo universal", trata-se de certa totalidade lógica de


partes subjetivas. Neste caso, terá por fundamento aquilo que é potencial na
coisa, e será conhecida em ordem àquilo que tem de potencial ou
indeterminado.
E como já dissemos, para o "todo definível" Caetano discerne um
término em conhecimento confuso-atual e outro em conhecimento distinto-
atual. Ei-lo:

a) O conhecimento confuso-atual é um conhecimento que se ordena


àquilo que a coisa tem de ato, mas sem penetrar claramente em sua atualidade
(ou seja, sem discernir sua razão própria). Ocorre, por exemplo, quando o
entendimento conhece o "ente" concebendo-o como certo ato, mas sem saber
separá-lo de substância e acidentes, ou sem saber em qual fundamento se
separa essência e ser.

b) O conhecimento distinto atual também se ordena ao que há de ato na


coisa, mas penetrando-a com clareza em sua atualidade. É um conhecimento
pelo qual se conhece com claridade (isto é, com notícia formal) aquilo que
atualmente se encontra na coisa conhecida. É o que acontece, por exemplo,
quando o bom metafísico fala de "ente" e, com efeito, conhece suas divisões
para ente real e de razão, para ente infinito e finito, para substância e
acidentes, etc.

Já para o "todo universal", o nosso Cardeal discerne um término em


conhecimento confuso-virtual e outro em conhecimento distinto-virtual.

c) O conhecimento confuso virtual é um conhecimento do todo universal,


mas sem conhecimento atual de suas partes inferiores. Ou seja, se conhece
confusamente o que virtualmente está na coisa conhecida. Assim, por exemplo,
quando um homem conhece o universal "triângulo" sem saber claramente as
espécies de triângulos.

d) Por fim, o conhecimento distinto virtual é um conhecimento do todo


universal com conhecimento atual de suas partes inferiores. Ou seja, se
conhece com claridade o que virtualmente está na coisa conhecida. Nem
sequer é preciso dar exemplos.

Pelo sobredito já resta absolutamente clara a intenção de Caetano de


tratar a abstração formal como tendo primazia sobre a abstração total, posto
que é mais atual e, com efeito, mais distinta e inteligível. Isso mostra que o
Comentador de Santo Tomás não só não se esqueceu do ser em sua
metafísica, mas também que o elevou ao reinado até mesmo em nível
conceitual e, como veremos, também noético.

Pois bem, Caetano ainda observa que o "todo definível" e o "todo


universal" podem ser descobertos por formas distintas de abstração. A
abstração do "todo universal" é chamada por ele de "abstração total", e a
abstração do "todo definível" a divide duplamente, a saber, em "abstração
formal" e naquilo que chamaremos de "abstração neutra" (que não é senão
uma certa espécie de abstração formal), que é aquela abstração em que o ente
se abstrai do singular, mas sem prescindir das quididades sensíveis
específicas e genéricas. — Esta última abstração é justamente aquela
mediante a qual procede o "primum cognitum", conforme veremos mais
adiante.

Ora, já sabemos que a abstração total é aquela abstração da qual


resulta que o abstraído seja um todo universal. Mas resta saber qual é o
fundamento desta distinção. Como já está claro, seu fundamento é aquilo que é
potencial na coisa, posto que o "todo universal" contém só em potência ou
virtualmente seus inferiores, e será tanto mais abstrato quanto mais fizer
referência a um maior número de inferiores; sendo, com efeito, mais potencial e
indeterminado. Assim sendo, por exemplo, o gênero "animal" contém o inferior
"homem" virtualmente, mas o gênero mais remoto "vivente" contém
virtualmente mais inferiores, porque contém tanto "animal" como "vegetal", e
por isso mesmo se faz mais indeterminado. Com efeito, "vivente" está
separado de mais atualidades genéricas remotas, e assim fica mais potencial.
Logo, se patenteia do sobredito que o mais universal, em sentido lógico, será
também "quoad se" menos inteligível, conquanto mais inteligível "quoad nos",
justamente em razão de uma potencialidade e indeterminação.

Na abstração formal, por sua vez, se considera o formal ou atual


separado, no intelecto, do material específico ou genérico. É o que acontece,
por exemplo, na teoria clássica dos três graus de abstração formal. Segundo
ela, no primeiro grau de abstração formal se abstrai da matéria individual a
chamada "matéria comum", e então alcançamos o "ens mobile" (Física); no
segundo grau de abstração, por sua vez, se abstrai da matéria comum a
chamada "matéria inteligível", e chegamos ao "ens quantum" (Matemática); por
fim, no terceiro grau, se abstrai da matéria inteligível o "ens qua tale", quando
então já não há mais matéria alguma (Metafísica). Como se vê, na abstração
formal o "todo definível" se torna mais atual à medida em que se refere a graus
mais inteligíveis ou atuais, de modo que é tanto mais inteligível "quoad se"
quanto mais abstrato ou imaterial for, conquanto menos inteligível "quoad nos",
justamente em razão de sua imaterialidade.

Comparativamente, Caetano ainda observa que na abstração total só é


completa aquela noção abstraída (p. ex., abstraído "animal" de "homem", posto
que "animal" não inclui "homem", mas "homem" inclui animal. E o fundamento é
que na abstração total se considera algo que entra na razão do inferior (a
saber, a razão de "animal" entra na razão de "homem"), mas não o inverso (a
saber, a razão de "animal" não inclui a razão de "homem"). Já na abstração
formal o conceito abstraído e o conceito do qual se faz a abstração são ambos
completos, isto é, um não inclui o outro. Caetano, para clarear, dá o seguinte
exemplo: a linha não inclui em sua razão formal a matéria sensível, nem a
matéria de uma linha sensível inclui em sua razão o formal de uma linha
enquanto tal. É assim na abstração formal porque esta não se faz
considerando o que entra na razão do inferior, mas [separando o que tem
razão de forma daquilo que tem razão de matéria]. É assim, por exemplo,
quando se abstrai a forma "triângulo" de um triângulo sensível (abstração
formal), e distintamente quando se abstrai o universal "triângulo" de suas
espécies, isto é, de isósceles, escaleno e equilátero (abstração total).

Pois bem, o conceito de "ente" não pode ser termo da abstração total
porque não é gênero, e tampouco poder-se-ia admitir que fosse uma noção
maximamente indeterminada à vista de seus inferiores, nem ainda que fosse
um conceito unívoco e desvinculado de suas diferenças. Mas como termo da
abstração formal, mais especificamente de terceiro grau de abstração, pode ser
propriamente termo metafísico (isto é, com conhecimento distinto-atual). No
entanto, o primeiro conhecido não pode ser conhecido pelo homem com
conhecimento distinto-atual. Com efeito, Caetano concluirá que o "ente" como
termo de uma "abstração neutra", que mira quididades sensíveis e abstrai
apenas dos singulares, é justamente o "primeiro conhecido" pelo homem (com
conhecimento confuso-atual), e é o objeto formal/adequado da inteligência. E
observem que esta tese de Caetamo funda-se mais uma vez em sua intenção
de colocar todas as coisas, inclusive o intelecto, em ordem ao ato de todos os
atos, sem, no entanto, negar a obscuridade e a confusão que atinem à primeira
notícia do ente que chega ao "homo viator", nem negar a claridade que
acompanha o conhecimento dos termos metafísicos no seu último grau de
abstração formal.

Mas ainda cabe perguntar o que se conhece quando se conhece o ente


como "primum cognitum"? Seria um absoluto ato de ser ou existência? Não,
posto que conhecê-lo assim seria desproporcional ao "homo viator". Seria
então o conhecimento do ente como pura essência? Também não, porque
nenhuma essência sensível ou finita se conhece como idêntica ao ser de
existência, mas já em na sua habitude ao ser de existência, isto é,
porporcionada formalmente e trans-categoriamente ao ente participial. Com
efeito, arremata Caetano que no "primum cognitum" há uma notícia confuso-
atual do ente comum, que é um sínolo de ente participial, posto que conhecer a
essência da essência (ou o que é a essência) é também conhecer sua
respectividade ou habitude ao ser de existência atual, e ente nominal, por
razões óbvias. Com efeito, a ascensão abstrativa que faz o metafísico no
conceito de ente, indo do primeiro grau de abstração formal até o terceiro,
contempla, do início ao fim, algum conhecimento do ente comum e de seu
constitutivo formal, posto que já antes o contemplara na abstração neutra que
faz todo homem nas quididades sensíveis. Com efeito, no início o ente sempre
aparece ao homem de modo confuso-atual, conquanto seja o mesmo sínolo de
essência e ato de ser; e ao cabo dos três graus de abstração formal, o
metafísico já o vê de modo distinto-atual, penetrando-o em suas notas mais
eminentes e em suas relações. Mas insista-se que do início ao fim se seguirá
uma noção complexa de ente, abarcando um princípio potêncial (ente nominal)
e um princípio atual (ente participial). Em suma, este "ente" conhecido
primeiramente com conhecimento confuso-atual não pode ser em seu
constitutivo formal o ente que significa essência, como quer Araújo, porque a
essência tem habitude formal ao ser de existência atual. Pelo que Caetano
concluirá que este primeiro conhecido com conhecimento confuso-atual nas
quididades das coisas sensíveis é o ente em comum em que a primazia
pertence ao que é mais atual, o ser de existência, sem negar que o ente
comum seja uma noção formalmente composta de essência e ser.

Mas uma vez sendo demonstrado que o objeto formal/adequado do


entendimento é o ente comum com notícia confuso-atual, e que o objeto
formal/adequado da metafísica é o ente comum com notícia distinto-atual no
terceiro grau de abstração formal, veremos agora que o ente comum se divide
analogicamente para o ente real e de razão com analogia mista. E para isso,
apelaremos aos argumentos de Tomas Týn (Metafisica della sostanza, p. 424).
Pois bem, em primeiro lugar, o ente real e de razão são análogos com analogia
de atribuição extrínseca, porque o ente de razão só é ente em referência
essencial ao ente real do qual é representação, visto que ser verdadeiro ou
poder ser entendido convém ao ente de razão por atribuição ao ente real, e
basta que a natureza superior se diga dos inferiores com alguma prioridade de
um sobre o outro para que haja atribuição extrínseca. Ora, mas "ente" se diz
mais do ente real do que do ente de razão, porque as negações dependem das
afirmações, e as privações dependem das possessões, conquanto ambos
estejam contidos na eminência de perfeição do mesmo ente comum. Logo,
segue-se que há analogia de atribuição extrínseca entre ente real e de razão.
Mas o ente real e o ente de razão também são análogos com analogia de
proporcionalidade própria, porque o ente de razão se relaciona com o seu ser,
o qual é certo ato objetual e tem o seu próprio conteúdo formal, que é essência
sem aptidão para ser em sentido absoluto, mas aptidão para ser como objeto
concebível; e de igual modo o ente real se relaciona com o seu ser, que é ato
"in rerum natura" e também tem o seu próprio conteúdo formal, que é essência
com aptidão para ser em sentido absoluto. Ora, como é patente, há aqui
proporção própria. Logo, o ente comum se diz do ente de real e de razão por
analogia mista.

Mas resta ainda o argumento de Araújo segundo o qual a verdade e a


bondade que convém ao ente de razão são meramente "mendigadas" do ente
real, não algo intrínseco. Ora, é verdade que o ente de razão é ente em sentido
menos principal que o ente real, posto que se diz por atribuição extrínseca
dele; mas se há também analogia de proporção própria entre ente real e de
razão, como já demonstramos haver, então segue-se que há uma entidade que
convém intrínseca e formalmente ao ente de razão, não enquanto meramente
"mendigada" do ente real. E podemos ainda argumentar da seguinte maneira.
O ente de razão é fabricado pelo entendimento e é uno, como diz o próprio
Araújo; mas se é fabricado pelo entendimento e é uno, então tem formalmente
aptidão para ser fabricado e tem consistência interna para ser na alma. Ora,
disso se segue que o ente de razão tem essência por algo intrínseco. Ademais,
assim como o ente real se diz ente pelo seu ser, o ente de razão também se
diz ente pelo seu ser, razão pela qual concluímos que o ente de razão é ente
segundo algo intrínseco.

Ademais, o ente de razão tem ainda uma existência sutil, que é certo ato
objetual e próprio. Ora, ao dizermos que o ser do ente de razão é "certo ato
objetual", queremos separar a questão referente ao "an sit" do ente de razão da
questão sobre a existência propriamente dita, isto é, "in rerum natura", bem
como separá-la da questão sobre a possibilidade desta mesma existência
absoluta. Ora, este ser-objetual, no dizer de Millán-Puelles (Teoría del objeto
puro, p. 125), é uma existência que não é senão o ser objeto de um ato de
conceber; e se tal ato é possível, é igualmente possível o seu objeto —
possível não enquanto absolutamente possível "in rerum natura", mas
enquanto objeto deste mesmo ato de conceber. De modo que se expressa mui
verazmente Diego Mas (Metaphysica disputatio de ente, Lib. I, cap. IX) quando
diz que o ente de razão obtém sua existência por relação ao intelecto segundo
o ato. Ora, isso indica que o ente real se relaciona com o seu ser de existência
assim como o ente de razão se relaciona com o seu, e aqui há algo intrínseco
em ambos, pelo que a entidade objeto-existencial do ente de razão não mais
se vê como "mendigada" do ente real.

Observe-se que quando o caetanista insiste que o ente de razão se


inclui no objeto formal/adequado da metafísica, não apenas em seu objeto
material/comum, funda-se principalmente no fato de que o ente comum em
toda sua extensão se divide com analogia de proporção própria para o ente
real e o ente de razão — o que não implica evacuar o objeto da lógica, porque
o ente de razão pode ser tomado de duplo modo: ou como aquilo que tem
essência (e existência objetual) ou propriamente como uma segunda intenção
objetiva. No segundo caso, o ente de razão será aquilo que compete ao lógico,
porque, como diz Caetano em seus "Commentaria in Isagogen Porphyrii ad
Paedicamenta Aristotelis", c. 1, p. 18, a segunda intenção "é aquela atenção do
entendimento mediante a qual intui nas coisas que se lhe apresentam o que
lhes convém à vista da elaboração do entendimento"; mas uma coisa é a
atenção segunda do entendimento enquanto tal, isto é, formalmente, e outra
coisa é aquilo que por essa atenção se concebe pelo entendimento, ou seja, a
segunda intenção objetiva, e esta não é senão o objeto da lógica. Mas, no
primeiro caso, o ente de razão compete propriamente ao metafísico, porque
compete à Filosofia Primeira tratar da existência e da essência de todas as
coisas, incluso daquelas que possuem essência e existência objetual apenas
na alma.
Por fim, mesmo tendo assentado que o objeto formal da metafísica não
exclui o ente de razão, podemos agora concedê-lo à vista de analisar a força
do argumento de Araújo em favor de que o ente nominal é o denotado no
conceito de ente. Pois bem, ainda assim não procede que a comparação entre
ente real (supostamente objeto formal/adequado da metafísica) e ente de razão
seria uma comparação entre o que tem essência e o que não tem essência,
porque quando o ente real se compara ao ente de razão, não se diz "real"
precisamente por ter essência, mas por ter uma essência apta à existência "in
rerum natura", a qual não é proprocional ao ente de razão. O conteúdo formal
próprio do ente de razão é sua aptidão de ser objeto do ato de conceber do
intelecto. Com efeito, mesmo concedendo que o objeto formal da metafísica
não inclua o ente de razão, ainda assim não se segue, como quer Araújo, que
o ente nominal (que significa essência) seja o denotado pelo objeto formal da
metafísica. Podemos, portanto, concluir dando razão a Tommaso de Vio sobre
Araujo.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

AGOSTINHO DE HIPONA 2008. As ideias (de ideis). Discurso. Revista


do Departamento de Filosofia da USP. São Paulo: Barcarolla/Discurso,
2008(40): 377-380. AVICENA 2002. Metafisica. A cura di Olga Lizzini e
Pasquale Porro. Con testo arabo e latino. Milão: Bompiani.

TOMÁS DE AQUINO 1806. Commentum in quatuor libros Sententiarum


Magistri Petri Lombardi. Adjectis Brevibus Adnotationibus. Volumen Primum
Complectens Primum et Secundum Librum. Parma: Petri Fiaccadori. O texto
desta edição está disponível em: http://www.corpusthomisticum.org/iopera.html.
Acesso: 01/12/2022.

Commentum in quatuor libros Sententiarum Magistri Petri Lombardi.


Adjectis Brevibus Adnotationibus. Volumen Secundum. Pars Altera (Livro IV).
Parma: Petri Fiaccadori. O texto desta edição está disponível em:
http://www.corpusthomisticum.org/iopera.html. Acesso: 01/12/2022.
1884. Commentaria in octo libros Physicorum Aristotelis. Cura et Studio
Fratrum Praedicatorum. Tomo II. [= Sancti Thomae de Aquino Opera Omnia.
Iussu Leonis XIII P. M. Edita]. Roma: Ex Typographia Polyglotta S. C. de
Propaganda Fide. O texto desta edição está disponível em:
http://www.corpusthomisticum.org/iopera.html. Acesso: 01/12/2022.

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