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Sociologia da imprensa:

um programa de pesquisa

Max Weber

Resumo Abstract
Neste texto pouco conhecido, Max Weber formula, em In this little-known text Max Weber proposes, in 1910,
1910, um programa de pesquisa para a análise socioló- a research program for the sociological analysis of the
gica da imprensa. press.
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Palavras-chave Keywords
Teorias do jornalismo, práticas jornalísticas, crítica das práticas Press studies, newspaper practices, newspaper practices criti-
jornalísticas, organicismo, sociologia da imprensa cism, organiscism, social theories of the press
O primeiro tema que a Associação de “Poderia então cair benevolência. Caso não suceda assim, a
Sociologia considerou adequado para um Associação não insistirá em, nem promo-
sobre mim a suspeita
estudo genuinamente científico é o de verá, uma publicação da qual previsivel-
uma sociologia da imprensa. Um tema de querer adular mente não sairia nada de proveitoso.
extraordinário, não podemos nos enga- os senhores Um comentário sobre a enorme impor-
nar, um tema que irá requerer não ape- representantes tância geral que tem a imprensa carece
nas meios materiais muito importantes de sentido. Poderia então cair sobre mim
para os trabalhos preliminares, como, de da imprensa, a suspeita de querer adular os senhores
modo algum, poderá ser tratado objeti- principalmente representantes da imprensa, principal-
vamente caso os círculos dominantes da quando o que já foi mente quando o que já foi dito a respei-
imprensa não acolham nosso projeto com to, por parte de instâncias autorizadas,
grande confiança e benevolência. É im-
dito a respeito, por é insuperável. Quando se comparou a
possível, se por parte dos representantes parte de instâncias imprensa com generais em posto de co-
das empresas editoriais e por parte dos autorizadas, é mando – sem dúvida, apenas foi dito da
jornalistas nos deparamos com a suspei- imprensa estrangeira – sendo assim to-
insuperável.”
ta de que o objetivo da Associação é for- dos sabemos: aqui já não cabe nada me-
mular críticas moralizantes sobre a situ- ramente terrenal, seria necessário fazer
ação existente – é impossível, digo, que referência às esferas do divino para poder
alcancemos nesse caso nosso propósito; encontrar comparações. Simplesmente
porque é impossível alcançá-lo se não po- recordo-lhes: imaginem que a impren-
demos nos prover, em grande medida, de sa não existe, pensem como seria então
14 material procedente precisamente desse a vida moderna, sem o tipo específico do
setor. Nos próximos tempos, os esforços âmbito do público (Publizität) criado pela
da comissão, que será constituída com imprensa. A vida antiga, estimados ou-
esse fim, dirigir-se-ão à obtenção da co- vintes, também tinha seu próprio âmbito
laboração dos especialistas da imprensa. do público. Jacob Burkhardt defrontou-se
Por um lado, a colaboração dos teóricos espantado com o público na vida helêni-
da imprensa, atualmente já numerosos ca, que compreendia a existência total do
– como se sabe contamos com magníficas cidadão ateniense, até em suas parcelas
publicações teóricas nesse campo (dei- mais íntimas. Hoje em dia o âmbito do
xem-me lembrá-los de momento apenas público já não é do mesmo tipo. Resulta
do livro de Löbl, precisamente porque, interessante, não obstante, perguntar:
ainda que pareça estranho, é muito me- que aspecto tem o público na atualidade
nos conhecido do que merece) – e tam- e que aspecto terá no futuro, o que se tor-
bém a colaboração de profissionais no na público por meio da imprensa e o que
âmbito prático da imprensa. As conversa- não? Se há 150 anos o Parlamento inglês
ções mantidas até agora alimentam a es- obrigava os jornalistas a pedir perdão de
perança de que, se estabelecemos, como joelhos diante dele pelo breach of privile-
efetivamente se fará, imediatamente os ge, quando informavam sobre as sessões,
contatos, tanto com as grandes empresas e se hoje em dia a imprensa, com a mera
de imprensa, como com as associações de ameaça de não imprimir os discursos dos
editores de imprensa e de redatores de deputados põe de joelhos o Parlamento;
imprensa, poderemos contar com essa então, evidentemente algo mudou, tanto

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na concepção do parlamentarismo como remos verificar que, por outro lado, um
na posição da imprensa. E, nesse caso, articulista socialista como Anton Menger
também terão que existir diferenças lo- opinava, pelo contrário, que no Estado do
cais, por exemplo, quando até o presente futuro a incumbência da imprensa seria
havia bolsas americanas que punham vi- precisamente trazer à luz pública aqueles
dro opalino em suas janelas a fim de que assuntos que não possam ser submetidos
os movimentos de câmbio não pudessem aos tribunais de justiça; sua incumbência
ser transmitidos, sequer mediante sinais, seria a de assumir o antigo papel de cen-
ao exterior, e quando, por outro lado, ve- sor. Vale a pena averiguar quais são, em
mos os jornais influenciados, entre ou- última instância, as concepções de mundo
tros, pela necessidade de levar em conta que subjazem a cada tendência. Apenas
as publicações das bolsas. Sendo assim, isso, por certo, e não uma tomada de posi-
não perguntamos, fique claro: o que deve ção, seria nossa tarefa.
tornar-se público? Como todos sabemos,
as opiniões estão muito divididas sobre Relações de poder 
esse ponto. Naturalmente, resulta tam- De nossa parte, teremos que investi-
bém muito interessante averiguar: quais gar, sobretudo, as relações de poder cria-
são as opiniões que existem hoje em dia das pelo fato específico de que a impren-
a respeito, quais existiam antes, e quem sa torne públicos determinados temas
são os que opinam? Isso também perten- e questões. O público tem, para a obra
ce ao âmbito de nosso trabalho, mas so- científica, uma importância distinta e
mente enquanto constatação dos fatos. sensivelmente menor do que, por exem- 15
Todo o mundo sabe que na Inglaterra, por plo, para o trabalho de um ator ou de um
exemplo, as opiniões sobre esse particu- diretor de orquestra. Dia a dia esse co-
lar diferem das daqui. Sem ir mais longe, mentário se desvanece. O fato do públi-
pode ocorrer que, quando um Lord inglês co é especialmente significativo em tudo
se casa com uma norte-americana, en- que concerne às páginas culturais: em
contremos na imprensa norte-americana certo sentido, o crítico de teatro e tam-
uma resenha pessoal completa sobre essa bém o de literatura é aquela pessoa que,
senhora, a abarcar desde comentários so- dentro do jornal, pode, com a maior faci-
bre seu físico até suas condições psíquicas lidade, criar e destruir existências. Não
e demais detalhes, incluído, naturalmen- obstante, em cada seção do jornal, come-
te, o dote; enquanto aqui, de acordo com çando pela seção política, essa relação de
o modo de pensar predominante, um jor- “O público tem, para poder é extremamente diferente. Os con-
nal que vele por sua reputação rechaçaria a obra científica, uma tatos dos jornais com os partidos, aqui
tal coisa. De onde provém essa diferença? e em outros países, seus contatos com o
importância distinta
Se no caso da Alemanha podemos com- mundo dos negócios, com todos os inu-
provar que hoje em dia o empenho sério, e sensivelmente meráveis grupos e pessoas que influem
precisamente dos representantes sérios menor do que para o na vida pública e são influenciados por
do negócio jornalístico, consiste em ex- trabalho de um ator ela, supõem um campo impressionante
cluir de suas publicações os assuntos pu- para a investigação sociológica, explo-
ramente pessoais – por qual razão e com ou de um diretor de rado até agora somente em alguns de
quais resultados? – então também pode- orquestra.” seus elementos. Porém, centremo-nos no
verdadeiro ponto de partida da investiga- “Uma das terminadas circunstâncias, existam obstá-
cões. culos para um novo aumento do preço de
características das
Se consideramos a imprensa em termos inserção (publicidade/publicação). Trata-se
sociológicos, o fundamental para toda dis- empresas editoras de uma peculiaridade de tipo puramente
cussão é o fato de que, hoje em dia, a im- de imprensa é, hoje comercial que apenas afeta a imprensa,
prensa é necessariamente uma empresa em dia, sobretudo, o mas que pode ter múltiplas conseqüên-
capitalista e privada que, ao mesmo tem- cias. Comparando, em nível internacional,
po, ocupa uma posição totalmente pecu- aumento da demanda o grau e o tipo de relação existente entre
liar, posto que, ao contrário de qualquer de capital.” a imprensa, que deseja instruir e informar
outra empresa, tem dois tipos completa- objetivamente o público no que se refere à
mente distintos de “clientes”: os primeiros política e outros âmbitos, e o coletivo dos
são os compradores do jornal e estes com- anunciantes que expressam as necessida-
põem-se ou de uma massa majoritária de des de propaganda do mundo dos negócios,
assinantes ou de uma massa majoritária observam-se enormes diferenças, especial-
de compradores individuais – uma dife- mente se se estabelece a comparação com
rença cujas conseqüências infundem à im- a França. Por quê? Com que conseqüências
prensa dos diferentes países um caráter gerais? Estas são perguntas que, embora
decisivamente distinto – ; os segundos são se tenha escrito tão freqüentemente acer-
os anunciantes, e entre esse leque de clien- ca delas, devemos voltar a colocar, uma
tes produzem-se as inter-relações mais vez que as opiniões emitidas apenas estão
curiosas. É certamente importante, ao se parcialmente de acordo.
16 perguntar, por exemplo, se um jornal tem Mas sigamos adiante: Uma das carac-
muitos anunciantes, saber se tem muitos terísticas das empresas editoras de im-
assinantes e, em menor medida, também o prensa é, hoje em dia, sobretudo, o au-
inverso. Porém, não é apenas o papel que mento da demanda de capital. A questão
os anunciantes jogam de cara no orçamen- é, e esta questão não foi resolvida ainda
to da imprensa, papel, como se sabe, muito na atualidade, os peritos mais informados
mais decisivo que o dos assinantes, senão o discutem sobre o tema: em que medida
que poderia ser formulado da seguinte for- essa crescente demanda de capital signifi-
ma: um jornal não pode nunca ter demasia ca um crescente monopólio das empresas
dos anunciantes, mas – e contrariamente jornalísticas existentes. Talvez dependa
ao que sucede a qualquer outro vendedor das diferentes circunstâncias. Mesmo
– pode chegar a ter demasiados compra- descontando-se a influência da crescente
dores. Isso ocorre quando o jornal não tem demanda por capital, acontece que a si-
condições de poder subir o preço dos anún- tuação de monopólio dos jornais já exis-
cios o suficiente para cobrir os gastos de tentes parece encontrar-se em diferentes
uma tiragem cada vez mais extensa. Isso níveis, dependendo da venda basear-se
costuma supor um problema sério para al- normalmente em assinaturas ou na venda
guns tipos de diários e a consciência muito direta como no estrangeiro, onde o indiví-
geral é a de que, a partir de uma deter- duo pode escolher a cada dia um jornal
minada tiragem, o interesse dos jornais distinto do que comprou no dia anterior.
em aumentar sua tiragem diminui – pelo Desse modo – pelo menos parece assim à
menos pode ocorrer assim quando, sob de- primeira vista – facilita-se o aparecimen-

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to de novos diários. Talvez. É um assunto Senhores, isso foi energicamente negado
a ser investigado e que deveria unir-se à por especialistas da imprensa de primei-
reflexão sobre a crescente demanda de ca- ra linha, tanto por teóricos como por es-
pital e suas correspondentes influências pecialistas do âmbito prático. De fato, o
para responder à seguinte pergunta: Esse principal representante dessa postura,
crescente capital fixo significa também Lord Northcliffe, poderia talvez sabê-lo
um aumento de poder que permite moldar melhor, já que é um dos maiores magna-
a opinião pública arbitrariamente? Ou tas de trust de todos os tempos no terreno
pelo contrário, como se afirmou sem que da imprensa. Porém, quais seriam as con-
se pudesse demonstrar satisfatoriamente seqüências para o caráter dos jornais se
— significa uma crescente sensibilidade ocorresse algo assim? Salta à vista que os
por parte das distintas empresas diante jornais dos grandes consórcios atualmente
das flutuações da opinião pública? Se dis- existentes tem freqüentemente um cará-
se que a evidente mudança de opinião de ter diferente dos outros. É suficiente com
determinados diários franceses – costu- isso, posto que apenas citei tais exemplos
ma-se pensar, por exemplo, no Le Figaro para ilustrar até que ponto deve-se levar
com relação ao caso Dreyfuss – pode ser em consideração o caráter empresarial da
explicada simplesmente pelo fato de que imprensa. Devemos nos perguntar: o que
o importante capital investido de forma significa o desenvolvimento capitalista no
fixa por essas modernas empresas jorna- interior da própria imprensa para a po-
lísticas justifica o aumento de seu nervo- sição sociológica da imprensa em geral,
sismo, e as faz depender do público, ao se para o papel que desempenha na forma- 17
detectar qualquer inquietude deste, que ção da opinião pública?
costuma se traduzir em anulação de pedi- Outro problema: O caráter de “insti-
dos, situação que se torna comercialmen- tuição” da imprensa moderna encontra
te insuportável. Na França, onde prevale- aqui na Alemanha sua expressão espe-
ce a venda direta, esta grande facilidade cífica no anonimato daquilo que aparece
de variação poderia também ter um peso na imprensa. Falou-se exaustivamente
específico. Isso significaria, então, que sobre os “prós” e os “contras” do anoni-
uma crescente dependência das tendên- mato da imprensa. Não tomamos par-
cias de venda diária seria a conseqüência tido a respeito, mas perguntamos: como
da crescente demanda de capital. É certo se explica encontrarmos esse fenômeno,
“O caráter de
isso? É uma pergunta que devemos nos por exemplo, na Alemanha, enquanto
fazer. Alguns especialistas o afirmaram instituição da no estrangeiro produzem-se situações
– não é o meu caso –, outros especialistas imprensa moderna distintas, por exemplo, na França, en-
questionaram isso. encontra aqui na quanto a Inglaterra encontra-se mais
Além do mais, nos encontramos, talvez, próxima de nós a esse respeito? Na
como conseqüência do aumento do capi- Alemanha sua França, na realidade, existe atualmen-
tal fixo na empresa jornalística e, como expressão específica te um único jornal que se encontra no
costuma ocorrer freqüentemente quando no anonimato daquilo estrito terreno do anonimato, o Temps.
existe uma crescente demanda de capital, Na Inglaterra, pelo contrário, jornais
diante da criação de trusts no setor de
que aparece na como o Times aferraram-se rigorosamen-
imprensa? Quais são suas possibilidades? imprensa.” te ao anonimato. Isso pode obedecer a
diferentes razões. Pode acontecer - o que “...o norte-americano público? E, definitivamente: O que se
parece ser o caso, por exemplo, do Times oferece no final das contas? É o constan-
espera de seu jornal
– que as personalidades de quem o peri- te aumento da importância da mera notí-
ódico obtém suas informações pertençam somente a exposição cia um fenômeno generalizado? Em ter-
a níveis sociais tão elevados que não lhes dos fatos. As ras inglesas, americanas e alemãs esse é
seria possível facilitar publicamente in- opiniões sobre estes o caso, enquanto em terras francesas não
formação em seu nome. Em outros casos, o é tanto: o francês quer, em primeiro lu-
o anonimato pode também obedecer uma fatos publicadas pelo gar, um jornal de opinião. Mas, por quê?
razão contrária. Porque depende de como jornal simplesmente Porque, por exemplo, o norte-americano
se coloque o problema desde a perspec- não lhe valem a pena espera de seu jornal somente a exposi-
tiva dos conflitos de interesse que real- ção dos fatos. As opiniões sobre estes fa-
mente existem – é algo que não se pode
de ser lidas já que tos publicadas pelo jornal simplesmente
evitar – entre o interesse do jornalista está convencido de não lhe valem a pena de ser lidas já que,
individual por tornar-se conhecido o má- que entende tanto como democrata, está convencido de que,
ximo possível e o interesse do jornal de em princípio, entende tanto ou mais do
ou mais do que
não chegar a depender da colaboração que aquele que opina no periódico. Mas o
desse mesmo jornalista. Naturalmente, aquele que opina no francês também não quer ser democrata?
também do ponto de vista empresarial periódico.” De onde, então, provém a diferença? De
as coisas se apresentam de distintas todos modos: em ambos os casos a função
maneiras, depende de se predomina ou social do jornal é totalmente distinta.
não a venda direta. E, sobretudo, influi Posto que a agência de notícias, apesar
18 nisso, naturalmente, também a menta- dessas diferenças, não apenas pesa cada
lidade política de um povo, uma vez que vez mais nos orçamentos da imprensa em
é diferente quando, por exemplo, uma todos os países do mundo, mas ocupa tam-
nação tende, como a Alemanha o faz, a bém um lugar cada vez mais destacado,
se deixar impressionar mais pelos pode- devemos nos indagar, a seguir, quem são
res institucionais, por um jornal que se os que representam, em último lugar, as
apresenta como um ente “supraindividu- fontes dessas notícias. Esse é o problema
al”, do que pela opinião de um indivíduo da posição das grandes agências de notí-
— ou quando uma nação é livre desse cias e suas inter-relações internacionais.
tipo de metafísica. Essas questões nos Estudos importantes deverão ser realiza-
conduzem ao jornalismo eventual, que dos a esse respeito, ainda que já existam
se apresenta de forma muito diferente alguns estudos parciais. As asseverações
na Alemanha do que, por exemplo, na expostas sobre as situações neste campo
França, onde o jornalista eventual é uma foram, até agora, parcialmente contradi-
figura comum, assim como na Inglater- tórias, e falta saber se não seria possível
ra. A esse respeito teria que se colocar a conseguir, de modo objetivo, mais material
pergunta sobre: quem escreve, hoje em aparte do atualmente disponível sobre a
dia, para um jornal estando fora dele e o questão.
que escreve? E: quem não escreve e o que Uma vez que o conteúdo do jornal não
não escreve? E: por que não? Isso nos consta apenas de notícias, por um lado,
leva à pergunta geral: de onde e como a nem de produtos da indústria de entre-
imprensa obtém o material oferecido ao tenimento, do clichê, por outro – como

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se sabe, existem produções em massa suas perspectivas de vida na atualidade,
de conteúdos de imprensa, desde o espa- dentro e fora de nosso país, incluídas as
ço de esportes e das palavras cruzadas extra-profissionais? A situação dos jor-
até a novela, um pouco de tudo, produ- nalistas é, além do mais, também muito
zidos por importantes empresas do ramo diferente segundo os partidos, segundo o
–, digo, que como nem os clichês nem as caráter do diário, etc., como todo mundo
meras notícias preenchem completamen- sabe. A imprensa socialista, por exemplo,
te a imprensa, resta a produção daquilo é um fenômeno especial que requer um
que hoje em dia se oferece na imprensa tratamento específico também dos redato-
como trabalho realmente jornalístico e res socialistas; e com maior motivo a im-
daquilo que, pelo menos aqui na Alema-
prensa católica e seus redatores.
nha, em contraste com alguns países não
Definitivamente: que conseqüências
alemães, ainda é de importância funda-
tem esse produto, criado pelos diferentes
mental na hora de avaliar um jornal.
Não podemos, portanto, nos contentar caminhos que haveremos de investigar,
com a contemplação do produto como que finalmente constitui o jornal? Existe
tal, mas sim temos que prestar atenção uma literatura imensa a respeito, em par-
ao produtor e perguntar pela sorte e pela te muito valiosa, mas que também, embo-
situação do estamento jornalístico. A sor- ra proceda de destacados especialistas, é
te, por exemplo, do jornalista alemão é freqüentemente muito contraditória. Se-
completamente distinta da do jornalista nhores, como se sabe, tentou-se inclusive
estrangeiro. Na Inglaterra, tanto jorna- investigar as influências que a impren-
listas como empresários da imprensa sa exerce sobre o cérebro, o problema de 19
chegaram em ocasiões à Câmara Alta, quais são as conseqüências do fato de que
homens sem outro mérito que não o de o homem moderno tenha se acostumado,
ter criado, como homens de negócios, antes de iniciar seu trabalho diário, a ali-
um brilhante jornal para seu partido, mentar-se com um cozido que lhe impõe
batendo todas as marcas. Talvez pudes- uma espécie de caça por todos os campos
se se dizer neste caso: não superando as da vida cultural, começando pela política
marcas? Há jornalistas que chegaram a e terminando com o teatro, passando por
ser ministros na França, e em quanti- “Não podemos nos muitos outros assuntos. É claro que não
dade. Na Alemanha, pelo contrário, isso se trata de um tema insignificante. Não
constituiria uma exceção bastante rara. contentar com a
é difícil realizar alguns comentários ge-
E, deixando de lado essas circunstâncias contemplação do
rais sobre esse tema e relacioná-lo com
especiais, teremos que nos interrogar so- produto como tal, determinados fenômenos aos quais tam-
bre como mudou, nos últimos tempos, a
mas sim temos que bém está exposto o homem moderno. Não
situação dos jornalistas profissionais nos
diferentes países. obstante, já não parece tão fácil analisar
prestar atenção
Qual é a procedência, a formação e o problema para além de suas implicações
ao produtor e mais elementares.
quais são os requisitos que o jornalista
moderno deve cumprir do ponto de vista perguntar pela sorte Terá que se partir da pergunta: a que
profissional? E quais são as perspectivas, e pela situação tipo de leitura o jornal acostuma o homem
dentro da profissão, para os jornalistas moderno? Diferentes teorias foram expos-
do estamento tas sobre a questão. Afirmou-se que o jor-
alemães em comparação com os jornalis-
tas estrangeiros? Quais são, em resumo,
jornalístico.” nal tomará o lugar dos livros. É possível:
na Alemanha, a produção de livros en- “A imprensa introduz produz neles? O que se destrói ou é nova-
contra-se quantitativamente em um mo- mente criado no âmbito da fé e das espe-
deslocamentos
mento de grande “florescimento”, como ranças coletivas, do “sentimento de viver”
em nenhum outro país do mundo; em poderosos nos – como se diz hoje em dia –, que possíveis
nenhuma parte entram tantos livros no hábitos de leitura atitudes são destruídas para sempre, que
mercado como aqui. Com respeito às ci- e com isso novas atitudes são criadas? São estas as
fras de venda desses mesmo livros, con- últimas perguntas que formulamos e os
tudo, observa-se uma proporção inver- provoca poderosas
senhores, estimados ouvintes, verão a se-
sa. A Rússia tinha, antes da entrada em modificações na guir que o caminho que entremedeia es-
vigor da liberdade de imprensa, edições conformação, no sas perguntas e suas respostas é extraor-
de 20.000 a 30.000 exemplares de livros dinariamente longo.
tão inacreditáveis – com todo meu res-
modo e na maneira
Agora, perguntarão os senhores: onde
peito por Anton Menger – como sua obra como o homem capta está esse material para o início de tais
sobre uma nova doutrina moral. Havia e interpreta o mundo trabalhos? Esse material é constituído
revistas muito lidas, apresentando todas pelos próprios jornais. Consequentemen-
exterior.”
elas um “último” enfoque filosófico de te, teremos que começar, de forma total-
sua especialidade. Isso seria impossível mente trivial, digamos claramente, a me-
na Alemanha e será impossível na Rús- dir com tesoura e compasso, como foi se
sia sob a influência da, ao menos relati- transformando o conteúdo dos jornais, em
va, liberdade de imprensa; já há indícios seu aspecto quantitativo, no transcurso
disso. A imprensa introduz, sem dúvida, da última geração; não por último no rela-
20 deslocamentos poderosos nos hábitos de tivo à seção de anúncios, à seção cultural,
leitura e com isso provoca poderosas mo- entre seção cultural e artigos editoriais
dificações na conformação, no modo e na e notícias, entre tudo aquilo que hoje em
maneira como o homem capta e interpre- dia se publica como notícia e aquilo que
ta o mundo exterior. A constante mudan- já não se publica. Porque é aqui onde a si-
ça e o fato de se dar conta das mudanças tuação mudou extraordinariamente. Exis-
massivas da opinião pública, de todas as tem inícios de tais estudos, que tratam de
possibilidades universais e inesgotáveis comprovar tais fatos, mas apenas inícios.
dos pontos de vista e dos interesses, pesa Dessas análises quantitativas passaremos
de forma impressionante sobre o caráter depois às qualitativas. Teremos que estu-
específico do homem moderno. Mas de dar o estilo do jornal, isto é, os modos em
que maneira? Isso é o que teremos que que os mesmos problemas são discutidos
investigar. Não devo estender-me com dentro e fora do jornal, a aparente inibi-
maior detalhe sobre esse ponto e finalizo ção dos jornais com tudo que é emocional,
com uma observação. o que, por outro lado, constitui uma e ou-
Em conclusão, devemos orientar a in- tra vez a base de sua própria existência, e
vestigação sobre a imprensa no seguin- outras questões parecidas. E depois tere-
te sentido. Perguntando primeiro: o que mos, no final, fundadas esperanças para
aporta a imprensa à conformação do ho- podermos aproximar-nos lentamente das
mem moderno? Segundo: que influências questões de maior alcance, cujo esclareci-
exerce sobre os elementos culturais objeti- mento é a meta a que se propõe esta in-
vos supraindividuais? Que deslocamentos vestigação.

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Vol.II Nº 1 - 1º Semestre de 2005
no número 55/56 da revista Lua Nova, do
Sobre o texto
Centro de Estudos de Cultura Contempo-
Publicado originalmente como Alocução rânea (Cedec). A republicação foi autoriza-
no Primeiro Congresso da Associação Ale- da pelo editor Cícero Araújo.
mã de Sociologia em Frankfurt, 1910 (pp.
434-441), em Max Weber, Gesammelte
Aufsätze zur Soziologie und Socialpolitik,
Tübingen, J. C. B. Mohr [Paul Siebeck], Max Weber
1924. Foi utilizada aqui a publicação na Max Weber (1864-1920) foi advogado,
Revista Española de Investigaeiones So- historiador e professor em diversas univer-
ciales – REIS, n.o 57/1992, pp. 251-259. sidades alemãs. É considerado – ao lado
Tradução de Encarnación Moya. No Brasil, de Karl Marx e Émile Durkheim – um dos
esta tradução foi publicada originalmente fundadores da sociologia moderna.

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