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Fundamentos Filosóficos Do Ensino de Filosofia
Fundamentos Filosóficos Do Ensino de Filosofia
Quando comecei a organizar minha contribuição neste debate tive o sentimento de estar
enveredando num labirinto cheio de armadilhas e sem nenhuma saída. Perguntava-me
naqueles momentos se era, realmente, possível discutir os fundamentos do ensino da
filosofia. Comecei a vasculhar no baú de meus cristais, se alguma vez havia me
permitido pensar filosofia como coisa singular e se poderia existir, nos seus recantos
mais adormecidos, a mais remota possibilidade de mobilizá-la para erguer a bandeira de
seus fundamentos. Com o louco de Zaratustra3 a empunhar sua luneta à luz do dia,
balbuciava, de mim para mim, mais afinal o que é a filosofia? Qual o lugar de seu
pouso? Queria desarmar a suposta armadilha e, como sábio guardião de arcanos
segredos anunciar aos senhores a mais recente novidade: aqui está o néctar de meu
delírio, o acalanto do grande devaneio... Eis que vos anuncio os fundamentos últimos -
primeiros - da filosofia. Os senhores, possivelmente, ávidos desse meu saber, focariam
um enigmático olhar de Monaliza sobre mim, a pensar que em minha desmesurada
pretensão havia, finalmente, aprendido a dizer algo com alguma serventia.
1
Professor Adjunto do Departamento de Fundamentos Sócio-Filosófico da Educação e do Mestrado em
Filosofia, da Universidade Federal de Pernambuco. Líder do Grupo de Pesquisa “Ensino de Filosofia e
Filosofia da Educação”.
2
Eduardo Galeano. Las Palabras Andantes. Buenos Aires. Catalogo S.R.L., 2001
3
Refiro-me ao aforismo 125 de “A Gaia Ciência”, na edição da Companhia de Letras, 2001.
2
4
Luiz Vaz de Camões. Versão colhida em http://www.suapesquisa.com em 19/08/2012 às 23:29.
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II
Encontrei, dessa forma, uma possibilidade de, apesar das armadilhas, pois não vejo
muito como delas me desvencilhar, ter minha própria lamparina. Devo, quem sabe
infelizmente, lhes dizer que não anunciarei os fins dos tempos, nem o alvorecer de
amanhãs cantantes. Mais, se frágeis premissas, o faço movido de bom intento, buscando
meu consolo naquele reza cantada em versos e prosa5
E o que diz meu teimoso indagar? Passei a formular que para além dos cânones da
sacrossanta tradição filosófica, é possível lhes dizer, com o velho Rauzilto6 “porque
longe das cercas Embandeiradas Que separam quintais No cume calmo Do meu olho
que vê Assenta a sombra sonora De um disco voador...” E eu não estou a falar em
ufologia, em futurologia, em metafísica. Estou a pensar as existências como fenômenos
primeiros que talvez ajudem a conferir sentido à minha permanente busca. Estou a
querer perscrutar na interação humana, tecida e traduzida em linguagem, uma
possibilidade de não tornar vão o distanciamento e a dor de não saber-se pronto. Assim,
parece que posso pisar num solo e arriscar algum dizer. Claro está que esse meu dizer
não ignora seus labirintos e nem se arvora a conceber-se com verdadeiro. Contentar-me-
ei em pleitear sua validade.
Analogamente, podemos dizer que o filósofo habita esse lugar de incerteza, de corda
exposta ao abismo, às fragilidades de um tempo e um espaço que são sempre outro, de
um ser marcado pela inconclusão e condenado à abertura, sem a qual não consegue
enxergar o que reflete de si nos outros.
7
Merleau-Ponty, M. Fenomenologia da percepção. São Paulo: Martins Fontes, 1999.
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Contra a lógica dos profetas dos fins dos tempos e o curandeirismo do misticismo
metafísico, sustentamos a defesa do ser humano, enquanto ser de possibilidades. Não
fosse desta forma, nem estaríamos pesquisando. Sempre que a Ciência for entendida
como movimento do ser em contínuo movimento, esforçando-se para ler e intervir, na
realidade em construção, haverá a alternativa de nomeá-los assim.
caso, devo deter-me a examinar o retorno da Filosofia como componente curricular para
o Ensino Médio.
III
A questão das idas e vindas da filosofia com componente que se oferta ao trabalho
pedagógico é uma constante na história da educação brasileira e não poucas são as
produções que analisam essa trajetória. Em 2008, com a aprovação da lei nº 11.684/08
passamos a contar com a obrigatoriedade da oferta, em todas as séries do ensino médio
e em todo território nacional, da filosofia e sociologia como disciplina. Essa decisão
recoloca na pauta questões de grande importância para os cursos de filosofia, seus
docentes e corpo discente. Não à toa testemunhamos o crescimento de iniciativas, de
pesquisas nos programas de pós-graduação em educação e em filosofia, da produção
específica no campo da Filosofia da Educação e do Ensino de Filosofia. Nesse contexto,
cresce a preocupação com a formação do professor de filosofia. Na verdade, essa
questão esteve sempre presente como argumento contrário ao retorno de tal oferta pela
alegação da escassez de pessoas qualificadas para tanto. A novidade do momento é que,
para além de nossas especulações acadêmicas, estamos diante de um imperativo legal
que determina sua obrigatoriedade num sistema de ensino que se alargou
exponencialmente nos últimos anos. Gallo (2012, p. 123) reflete que é urgente pensar
tal formação “a fim de garantir que a implantação da disciplina nos currículos seja feita
de forma séria e competente, por profissionais bem formados”.
Não podemos ignorar que a Filosofia que volta a escola em pleno século XXI, no boje
de um movimento que parece consolidar as reformatações produtivas do capital
principiada no século passado não é qualquer filosofia. Aliada à questão de sua
concepção – e falamos em concepção atentando para os demandantes de tal filosofia
que em princípio deve corroborar com a “formação do cidadão crítico”, ou seja, encerra
um saber a priori - e ensinabilidade é necessário adicionar aquela que indaga o “para
quê”; ou seja, a que projeto histórico ela é chama a servir. Assim, é possível atentar para
a complexidade do fenômeno. Ela não é tão simples quanto parece: não se trata de
discutir exclusivamente se ela, a filosofia, presta-se ou não à disciplinarização e ao
ensino.
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Filosofia, na grande área das Ciências Humanas. Parece fundamental olhar o fenômeno
educacional desde uma perspectiva filosófica, analisando-o à luz de epistemologias
próprias da produção de conhecimentos propriamente ditos filosóficos. Na verdade
existem resistências na seara filosófica por não se identificar um pensar puro que
justifique o tomar essa tarefa como verdadeira Filosofia. Infelizmente, para não poucos,
a verdadeira filosofia não se entretém com questões tão simples como essa do ensinar e
aprender filosofia. Porém, esse posicionamento nos permite indagar pelo conceito que
se utiliza quando nos reportamos à Filosofia enquanto área de conhecimento. Pois bem,
o que vem a ser uma área de conhecimento? Algo que se tenha um objeto específico,
com método próprio e corpo de conhecimento produzido e sistematizado por pares,
estudiosos e pesquisadores do assunto. Sendo assim, qual é o objeto da Filosofia? Teria,
a filosofia, um único objeto. Teria, a bem da verdade, a Filosofia, um objeto? O objeto
da Filosofia não seria a falta de objeto por referir a uma atitude amorosa de busca de
algo ainda não alcançado e, possivelmente, inalcançável?
Sendo válida a pretensão de colocar a educação no hall dos problemas filosóficos, seria
legítimo retomar a defesa desta como uma questão polissêmica e multifuncional. Ou
seja, a Filosofia, sozinha, não daria conta, não teria cursos para atentar a todas as
dimensões e âmbitos do complexo fenômeno educacional. Entretanto, qual é a parte que
lhe cabe nesse latifúndio? Possivelmente, em primeiro lugar, a compreensão que quando
foca a questão do ensino ela integra um conjunto de outros componentes, tendo,
todavia, uma contribuição especifica. A meu ver, participar do repensaremos da escola
enquanto espaço de construção de sentidos para crianças, jovens e adolescentes que são
instados à tessitura de um Projeto de vida que implica na opção precoce de uma carreira
universitária. Neste sentido, seria necessário que o filósofo se dispusesse a discutir a
escola como um todo e não somente um pedacinho da prática escolar, se parecer
verdadeiro que a ideia de homem e mundo estão na base dos projetos educacionais.
Embora não seja privilégio da Filosofia oferecer as resposta, parece ser sua a missão de
proceder à construção da pergunta. No contexto de diversidade cultural, aceleração dos
mecanismos de produção e socialização do conhecimento, não seria sua tarefa manter
viva e inquietante a pergunta pelos modelos de pessoa e mundo que nossas práticas e
projetos pedagógicos intentam ajudar a formar?
No âmbito do terceiro ponto ultra-aludido não há uma premissa nova: de fato o ensino
não se reduz à métodos e técnicas. Além disso, o ensino de filosofia não pode resvalar
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A consideração preliminar do que vem a ser a filosofia para o docente de filosofia não
será tematizada como uma questão geral. Será delimitada pelo espaço/tempo no qual tal
atividade ocorrerá: a escola de Ensino Médio. Assim, a meu pensar, adentra-se num
campo que é, prioritariamente, filosófico: a filosofia e sua ensinabilidade. Prefiro o
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Gonçalves8 escreve que “o ensinar Filosofia é concebido por muitos como uma
atividade que desprestigia o filósofo”. Essa autora explica que “entre outros motivos, o
preconceito sobre o ensinar Filosofia é também decorrente do fato de que o próprio
ensino de Filosofia não é considerado um tema filosófico”. Para ela “esse preconceito
tende a diminuir na proporção em que se pensa sobre as possibilidades da
ensinabilidade da Filosofia”. Sua posição ampara-se em Cerletti (2003, p.67) quando
menciona a “Filosofia do ensino filosófico” e afirma que este tema está sendo discutido
atualmente, provocando algumas modificações no modo de percepção do ensino da
Filosofia, quando se refere ao tema:
8
GONÇALVES, Rita de Athayde. A filosofia e seu ensino no nível médio: que paradigmas seguir.
Consultado em http://sites.unifra.br/LinkClick.aspx?fileticket=gSvTNScLiZQ=&tabid=55&mid=374 em
26 de maio de 2012.
12
Cerletti (2004, p. 19) afirma que o problema do ensino de Filosofia não é um problema
pedagógico, mas, acima de tudo, uma questão filosófica: “Nesse sentido, a questão de
ensinar filosofia começa a ser vista como um problema propriamente filosófico – e
também político – e não como uma questão exclusivamente pedagógica”. Não basta o
conhecimento de uma didática geral e de conteúdos filosóficos para ensinar Filosofia,
tarefa que vai além do conhecimento de metodologias e técnicas de ensino, através das
quais o professor deveria apenas reproduzir o saber sábio.
A metodologia do ensino de Filosofia deve ser pensada com maior rigor. Embora o
ensino de Filosofia não seja ainda amplamente considerado pelos filósofos atuais como
tema relevante de discussão filosófica, essa atividade, esteve, ao longo da história,
sempre presente na vida dos filósofos.
IV
REFERÊNCIAS