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Cozinha Clássica

Samara Fernandes
Missão
“Promover a educação de qualidade nas
diferentes áreas do conhecimento, forman-
do profissionais cidadãos que contribuam
para o desenvolvimento de uma sociedade
justa e solidária”

DIREÇÃO UNICESUMAR

Reitor Wilson de Matos Silva, Vice-Reitor Wilson de Matos Silva


Filho, Pró-Reitor de Administração Wilson de Matos Silva Filho, Pró-
Reitor de EAD Willian Victor Kendrick de Matos Silva, Presidente
C397 CENTRO UNIVERSITÁRIO DE MARINGÁ. Núcleo de da Mantenedora Cláudio Ferdinandi.
Educação a Distância; FERNANDES, Samara.
Cozinha Clássica. Samara Fernandes
(Reimpressão revista e atualizada) NEAD - NÚCLEO DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA
Maringá-Pr.: UniCesumar, 2016.
Diretoria Operacional de Ensino Kátia Coelho, Diretoria de
132 p.
Planejamento de Ensino Fabrício Lazilha, Direção de Operações
“Graduação em Gastronomia - EaD”.
Chrystiano Mincoff, Direção de Mercado Hilton Pereira, Direção
1. Gastronomia. 2. Cozinha Clássica. 3. EaD. I. Título. de Polos Próprios James Prestes, Direção de Desenvolvimento
Dayane Almeida, Direção de Relacionamento Alessandra
 CDD - 22ª Ed. 641.5 Baron, Head de Produção de Conteúdos Rodolfo Encinas de
CIP - NBR 12899 - AACR/2 Encarnação Pinelli, Gerência de Produção de Contéudo Gabriel
Araújo, Supervisão do Núcleo de Produção de Materiais Nádila de
Almeida Toledo, Supervisão de Projetos Especiais Daniel F. Hey,
NEAD - Núcleo de Educação a Distância Coordenador de Contéudo Alexandre Gimenes da Cruz, Projeto
Av. Guedner, 1610, Bloco 4 - Jardim Aclimação - Cep 87050- Gráfico e Editoração Jaime de Marchi Junior e José Jhonny Coelho,
900 Maringá - Paraná | unicesumar.edu.br | 0800 600 6360 Designer Educacional Camila Zaguini, Revisão Textual Viviane
Notari, Ilustração Shutterstock, Fotos Shutterstock e Istockphoto.
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palavra do reitor
Reitor
Wilson de Matos Silva

Viver e trabalhar em uma sociedade global é um as demandas institucionais e sociais; a realização de


grande desafio para todos os cidadãos. A busca por uma prática acadêmica que contribua para o desen-
tecnologia, informação, conhecimento de qualida- volvimento da consciência social e política e, por fim,
de, novas habilidades para liderança e solução de a democratização do conhecimento acadêmico com a
problemas com eficiência tornou-se uma questão de articulação e a integração com a sociedade.
sobrevivência no mundo do trabalho. Diante disso, o Centro Universitário Cesumar
Cada um de nós tem uma grande responsabilida- almeja ser reconhecida como uma instituição uni-
de: as escolhas que fizermos por nós e pelos nossos versitária de referência regional e nacional pela
fará grande diferença no futuro. qualidade e compromisso do corpo docente; aqui-
Com essa visão, o Centro Universitário Cesumar sição de competências institucionais para o desen-
assume o compromisso de democratizar o conheci- volvimento de linhas de pesquisa; consolidação da
mento por meio de alta tecnologia e contribuir para extensão universitária; qualidade da oferta dos
o futuro dos brasileiros. ensinos presencial e a distância; bem-estar e satis-
No cumprimento de sua missão – “promover a fação da comunidade interna; qualidade da gestão
educação de qualidade nas diferentes áreas do conhe- acadêmica e administrativa; compromisso social
cimento, formando profissionais cidadãos que con- de inclusão; processos de cooperação e parceria
tribuam para o desenvolvimento de uma sociedade com o mundo do trabalho, como também pelo
justa e solidária” –, o Centro Universitário Cesumar compromisso e relacionamento permanente com
busca a integração do ensino-pesquisa-extensão com os egressos, incentivando a educação continuada.
boas-vindas

Pró-Reitor de EaD
Willian V. K. de Matos Silva

Prezado(a) Acadêmico(a), bem-vindo(a) à Comunidade A apropriação dessa nova forma de conhecer


do Conhecimento. transformou-se hoje em um dos principais fatores
Essa é a característica principal pela qual a de agregação de valor, de superação das desigualdades,
UNICESUMAR tem sido conhecida pelos nossos propagação de trabalho qualificado e de bem-estar.
alunos, professores e pela nossa sociedade. Porém, Logo, como agente social, convido você a saber
é importante destacar aqui que não estamos falan- cada vez mais, a conhecer, entender, selecionar e usar
do mais daquele conhecimento estático, repetitivo, a tecnologia que temos e que está disponível.
local e elitizado, mas de um conhecimento dinâ- Da mesma forma que a imprensa de Gutenberg
mico, renovável em minutos, atemporal, global, modificou toda uma cultura e forma de conhecer, as
democratizado, transformado pelas tecnologias tecnologias atuais e suas novas ferramentas, equipa-
digitais e virtuais. mentos e aplicações estão mudando a nossa cultura
De fato, as tecnologias de informação e comuni- e transformando a todos nós.
cação têm nos aproximado cada vez mais de pessoas, Priorizar o conhecimento hoje, por meio da
lugares, informações, da educação por meio da conec- Educação a Distância (EAD), significa possibilitar o
tividade via internet, do acesso wireless em diferentes contato com ambientes cativantes, ricos em infor-
lugares e da mobilidade dos celulares. mações e interatividade. É um processo desafiador,
As redes sociais, os sites, blogs e os tablets acele- que ao mesmo tempo abrirá as portas para melhores
raram a informação e a produção do conhecimento, oportunidades. Como já disse Sócrates, “a vida sem
que não reconhece mais fuso horário e atravessa desafios não vale a pena ser vivida”. É isso que a EAD
oceanos em segundos. da Unicesumar se propõe a fazer.
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boas-vindas
Diretora Pedagógica
Kátia Solange Coelho

Seja bem-vindo(a), caro(a) acadêmico(a)! Você conceitos teóricos em situação de realidade, de ma-
está iniciando um processo de transformação, neira a inseri-lo no mercado de trabalho. Ou seja,
pois quando investimos em nossa formação, seja estes materiais têm como principal objetivo “provocar
ela pessoal ou profissional, nos transformamos uma aproximação entre você e o conteúdo”, desta
e, consequentemente, transformamos também a forma possibilita o desenvolvimento da autonomia
sociedade na qual estamos inseridos. De que forma em busca dos conhecimentos necessários para a sua
o fazemos? Criando oportunidades e/ou estabele- formação pessoal e profissional.
cendo mudanças capazes de alcançar um nível de Portanto, nossa distância nesse processo de
desenvolvimento compatível com os desafios que crescimento e construção do conhecimento deve
surgem no mundo contemporâneo. ser apenas geográfica. Utilize os diversos recursos
O Centro Universitário Cesumar mediante o pedagógicos que o Centro Universitário Cesumar
Núcleo de Educação a Distância, o(a) acompanhará lhe possibilita. Ou seja, acesse regularmente o AVA
durante todo este processo, pois conforme Freire – Ambiente Virtual de Aprendizagem, interaja nos
(1996): “Os homens se educam juntos, na transfor- fóruns e enquetes, assista às aulas ao vivo e par-
mação do mundo”. ticipe das discussões. Além disso, lembre-se que
Os materiais produzidos oferecem linguagem existe uma equipe de professores e tutores que
dialógica e encontram-se integrados à proposta pe- se encontra disponível para sanar suas dúvidas
dagógica, contribuindo no processo educacional, e auxiliá-lo(a) em seu processo de aprendizagem,
complementando sua formação profissional, desen- possibilitando-lhe trilhar com tranquilidade e se-
volvendo competências e habilidades, e aplicando gurança sua trajetória acadêmica.
Cozinha Clássica

Apresentação do Livro

Professora Especialista
Samara Fernandes

Querido(a) aluno(a),
Seja bem-vindo(a) à disciplina de Cozinha Clássica.
Sou a professora Samara Fernandes e devo contar a vocês um pouquinho
de minha trajetória. Sou publicitária, por formação, atuação e paixão por
artes – gráficas, até então, porém, atualmente, não praticante. Essa minha
graduação foi concretizada no Centro Universitário de Maringá (UniCesumar),
no ano de 2010. Ainda na sequência e na mesma instituição, especializei-me
em Styling e Varejo de Moda – conclusão em 2013 – e, somente no meio desse
caminho, percebi que as cores e texturas dos alimentos, a harmonia entre as
inúmeras possíveis combinações eram a arte que eu realmente procurava. Aí,
então, apaixonei-me pela gastronomia e, em 2014, finalizei mais essa gradu-
ação, também no Centro Universitário de Maringá. Devo confessar que as
memórias confortáveis de uma infância cheia de aromas dos fabulosos bolos
de uma avó presente se fizeram cruciais na decisão a favor de uma carreira
como gastrônoma.
Desde o primeiro grau, fomos acostumados a estudar aquilo que é atuali-
dade, mas sempre retomando de um ponto de partida. Por exemplo, quando
você teve contato com a história do Brasil, seus professores te levaram às
embarcações portuguesas e a Pedro Álvares Cabral? Com certeza, sim, e ele
o fez para que você pudesse entender a situação atual do nosso país, como
é que chegamos à economia e política atual, quais as necessidades nos trou-
xeram a isso.
GASTRONOMIA • UNICESUMAR 7

Pois bem, na gastronomia não será diferente. Eu sei que você deve estar ansioso
para ter contato com elementos contemporâneos da culinária, mas, primeiro,
vamos formar uma base sólida de informações – que juntas transformaremos
em conhecimento –, de modo que você entenda como se deu o surgimento
de uma cultura precursora na arte gastronômica, que fez evoluir e organizar
métodos de cocção e brigada de cozinha.
Neste livro, você terá contato com a evolução da cozinha clássica e enten-
derá por que a França teve e tem um papel tão importante para essa reputação
gastronômica. Além disso, faremos novas amizades com alguns dos chefs
mais renomados da história, pois bisbilhotaremos suas vidas para entender
qual a contribuição de cada um para a culinária clássica.
Não podemos nos esquecer das especialidades regionais. Assim como em
nosso país a cultura alimentar é diferente de uma região para outra, temos essas
características por todo o mundo, o que inclui França e Itália – os países céle-
bres no marco da gastronomia clássica – e, por isso, faremos uma viagem por
inúmeros territórios, desbravando ingredientes que marcam seus costumes.
E se vamos conhecer os produtos, por que não os pratos provenientes? Sim,
também serão apresentados a você os pratos mais marcantes da gastronomia
clássica francesa e italiana.
Agora, o que acha de não perdermos tempo e irmos direto para a primeira
unidade do nosso livro? Aguardo você lá e desejo desde já uma caminhada
brilhante de estudos por essas estradas europeias.
SUMÁRIO
UNIDADE 1

Evolução da
Cozinha Clássica
15 OClássica
Nascimento da Gastronomia
Francesa

25 Da Haute Cuisine à Nouvelle Cuisine


35 Grandes Chefs

Especialidades
Clássicas Regionais
51 Outras Culturas e a Regionalização
de Ingredientes

61 Características Gastronômicas
Regionais Italianas

73 Características Gastronômicas
Regionais Francesas

Especialidades
Clássicas Regionais
91 Os Pratos Célebres
105 Queijos
113 Vinhos
Legendas de
Ícones

dica do chef habilidades mão na massa saiba mais

fatos e dados minicaso reflita recapitulando

Dica do Chef: dicas rápidas para complementar um conceito, detalhar procedimentos e proporcionar
sugestões. Habilidades: elo entre as disciplinas do curso. Mão na massa: indicação de atividade
prática. Fatos e Dados: complementação do conteúdo com informações relevantes ou acontecimentos.
Minicaso: aplicação prática do conteúdo. Reflita: informações relevantes que proporcionam a reflexão de
determinado conteúdo. . Recapitulando: síntese de determinado conteúdo, abordando principais conceitos.
Saiba mais: Informações adicionais ao conteúdo.
Evolução da
Cozinha Clássica
SAMARA FERNANDES
Plano de Estudo
A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta unidade:

• O nascimento da Gastronomia Clássica Francesa.


• Da haute cuisine à nouvelle cuisine.
• Grandes Chefs

Objetivos de Aprendizagem
• Compreender a evolução da cozinha no contexto histórico.
• Identificar a importância da gastronomia francesa no mundo.
• Entender a influência da Itália na gastronomia clássica.
• Conceituar os movimentos haute cuisine e nouvelle cuisine.
• Conhecer o perfil dos chefs renomados na gastronomia francesa.
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Introdução
Caro(a) aluno(a),
Nesta primeira unidade, nosso assunto central será a evolução da cozinha clássica, de
forma que buscaremos sua origem principalmente na França, de onde a cultura gastronômica
se disseminou para o mundo – claro que influenciada por outros povos, os quais também serão
abordados, destacando a importância da Itália. Você verá que os franceses pensavam e respira-
vam comida e assim entenderá como obtiveram tamanho reconhecimento.
No primeiro capítulo, será apresentado o contexto histórico desde a Idade Média, os cos-
tumes alimentares que induziram à evolução e ao reconhecimento de uma gastronomia em si,
os alimentos preferidos de cada época – a base alimentar de povos distintos –, como houve a
miscigenação de culturas culinárias, preferências de palato, como as refeições se tornaram mais
sofisticadas, o surgimento do restaurante e, também, o reconhecimento de figuras futuramente
reconhecidas como mestres da arte culinária: os chefs.
Em seguida, no segundo capítulo, trataremos de dois movimentos gastronômicos inseridos
na culinária clássica: a haute cuisine e a nouvelle cuisine. Na verdade, percorreremos todo o
processo de transição, quais características diferem uma tendência da outra, a época e costumes
nos quais estão inseridas e quem foram seus precursores.
E, para fechar com grandeza, no último capítulo desta unidade, você conhecerá um pouco
dos feitos mais marcantes de grandes chefs franceses da história – tanto os chefs clássicos, como
os chefs atuais (a partir do século XX).
Cozinha Clássica
GASTRONOMIA • UNICESUMAR 15

O Nascimento da
Gastronomia
Clássica Francesa

Querido(a) estudante, falar de gastronomia clássica é, em suma,


falar de gastronomia francesa. E, para entender a importância
dessa cultura culinária, precisamos buscar sua origem até che-
garmos a relacionar as tendências atuais. A gastronomia clássica
preza por qualidade de ingredientes, a melhor utilização destes e
o esmero das minúcias. Faremos entender o caminho percorrido
pela França desde a Idade Média para honrar a notoriedade no
campo da gastronomia, e como o país obteve tal reconhecimento
e as razões de tudo isso ter acontecido lá. Antes disso, a Itália,
também de reconhecimento clássico, influenciou para que isso
chegasse ao atual patamar.
Cozinha Clássica

Figura 1. Um padeiro com seu assistente na Idade Média.


Fonte: http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/0/00/Medieval_baker.jpg

N
o entorno da gastronomia france- vêm sendo utilizados desde a Idade Média
sa, não está apenas a comida em si (COELHO, 2008).
ou a qualidade de um ingrediente, Os romanos, precedentes a isso, tomaram a
Steinberger (2010) diria que a ma- Gália em 58 a.C. e durante dois séculos perma-
neira como pensavam e falavam sobre a comida neceram em paz. No decorrer desse período,
é que tornava os franceses distintos do resto invasores e invadidos mantiveram permutas
da humanidade. O que tomamos por gastrono- culinárias frequentes e, assim, o Império re-
mia típica francesa é aquela que tomou força sultante da cozinha galo-romana pôde provar
após a Revolução de 1789, pois muitos dos da charcuterie gaulesa, frios derivados do porco
ingredientes que fazem parte dessa culinária e sua fêmea, ostras, pães feitos da levedura da
GASTRONOMIA • UNICESUMAR 17

cerveja, escargots, gansos, champignons, peixes, e convertendo todos os miseráveis – inclusive


caças e frutas. Já a diferença social era transpa- os agricultores que estavam no campo. Com o
rente, os pobres consumiam legumes cozidos e tempo, a alimentação se restabeleceu e, assim,
mingaus, enquanto ricos tinham uma culinária desenvolveram melhorias em técnicas na fa-
favorecida – principalmente sob os ensina- bricação de queijos, vinhos e cervejas, abrindo
mentos de Marcus Gavius Apicius, gastrônomo sempre as portas aos famintos.
romano (DONEL, 1999). Segundo Montanari (1998), na Alta Idade
A paz não foi eterna e os “bárbaros” – Média, o homem vive rodeado de florestas e
como os romanos nomeavam os forasteiros cursos de água, tirando o máximo proveito
– invadiram a Gália, disseminando terror, do que encontra, expandindo terras cultiva-
fome e desespero. Já é de se imaginar que as das e o pastoril. Os camponeses desse perí-
mesas deixaram de ser fartas e os métodos odo se alimentavam com o que encontravam
que haviam sido aprimorados, como instru- em abundância, ou seja, os cereais princi-
mentos agrícolas gauleses e as estradas roma- palmente – o que levou o pão a se tornar a
nas, desapareceram, bem como a utilização base alimentar do povo, além do vinho, que
da moeda, retornando ao método de trocas. era a bebida mais presente em toda ceia (a
Em contrapartida, depois de muito tempo, cerveja, ainda densa, era mais consumida
tanto germânicos quanto os vikings deixa- pelos germânicos e pelos pagãos, que a utili-
ram alguma influência na alimentação, como zavam em rituais para demonstrar oposição
a carne assada ou cozidas com alho e cebo- ao vinho sagrado do cristão) –, raízes e ve-
la,leite, queijo,salmão e o arenque. Apenas getais. Já a carne era tida como o alimento
os hunos não tiveram peso em caracterizar a de consumo dos ricos, coloca Coelho (2008,
alimentação (DONEL, 1999). p.219): “nos banquetes da Roma imperial só
“Entre a mentalidade pagã dos romanos se comia carne, muita carne, dos mais varia-
e a rudeza dos bárbaros, a aparição e disse- dos animais” – fossem elas assadas, cozidas
minação do cristianismo foi fator decisivo e temperadas (as especiarias eram muito
para a evolução das artes da cozinha” atesta bem quistas). De modo geral, consumia-se
Donel (1999, p.22). Ela explica que os monas- também queijo de ovelha ou de cabra, peixes
térios começaram a unir a população sofrida de água doce (enguia, esturjão, truta, lam-
e doente por conta da guerra, originando as preia, carpa, dentre outros), carne de porco
primeiras cidades, e alimentando, e ensinando e de boi, legumes e leguminosas.
Cozinha Clássica

Do Oriente, a Europa já recebia, há


vários séculos, condimentos como a
pimenta-do-reino, o cravo-da-índia e
o açúcar que, de tão fundamentais que
eram para conservar os seus alimen-
tos, estimularam os europeus a buscar
“A grande vedete medieval é, sem dúvida o caminho marítimo para as Índias
o porco. Abatido durante o inverno, após a queda de Constantinopla, em
quando alimentá-lo tornava-se problema, 1453, quando os turcos interrompe-
o animal era inteiramente preparado a ram a rota comercial por terra. Mas foi
domicílio. Comido fresco enquanto pos- da América, descoberta por acaso [...]
sível, ou conservado no sal, o fato é que que o Velho Mundo recebeu as maio-
mais de 30 mil porcos eram devorados res contribuições alimentares que iriam
por ano, só em Paris!”. modificar completamente a dieta dos
europeus e, em seguida, dos habitantes
Fonte: Donel (1999, p.23) de todo o resto do mundo, que então
passaria a viver sob influência da Europa
(COELHO, 2008, p.219).

Foi dessa forma que os europeus, principalmen-


te a França, tiveram acesso a feijões, abóboras,
As especiarias eram extremamente apre- milho, tomate, mandioca, batatas, aves como o
ciadas, mas esse costume foi adquirido na peru, pimentas e pimentões, ingredientes até
Antiguidade. “As cozinhas medievais giram em então desconhecidos. Alguns desses alimentos
torno de três sabores fundamentais: o forte – – como a batata e o tomate – demoraram a ter
devido às especiarias –, o doce – graças princi- aceitação do paladar francês e italiano (leia mais
palmente ao açúcar – e, por fim, o ácido”, alega sobre o assunto na leitura complementar ao final
Laurioux (1998, p.454). O autor nos mostra desta unidade). Somente depois de introduzidos
que a França no século XIV tinha preferência realmente à dieta europeia no século XVII é que
pelo sabor ácido, picante, decorrente da grande tiveram notoriedade e se tornaram essenciais
utilização do gengibre, com seu sabor acre à culinária. Veremos adiante que temos aí um
imponente. A Itália já apreciava mais o sabor marco de mudanças, em que a França começa
agridoce, resultante da utilização do açúcar aparecer como uma cozinha mais inovadora,
para conter o ácido não muito apreciado – original, mostrando superioridade em sua ma-
costume que é levado à França e acentuado neira de comer e comprovando o domínio da
apenas no século XVI. cozinha e da mesa.
GASTRONOMIA • UNICESUMAR 19

Os gostos e hábitos ainda sofrerão altera- à preocupação dietética, gerou aumento no


ções, mas pode-se dizer que, no final da Idade consumo de legumes e diminuiu o de carnes.
Média, já havia uma “gastronomia”, ainda que Também nesse período há disseminação do
sem a utilização do termo. Em 1486, o primeiro chocolate, do café e do chá, primeiro consu-
livro de culinária é impresso na França, Viandier, midos apenas pela corte de Luiz XIV e, poste-
um best seller da cozinha francesa, segundo riormente, acessível a todos, assegura Donel
Laurioux (1998). O autor afirma que a leitura (1999). Agora, caro(a) aluno(a), estamos no
desse tipo de manuscrito era uma combinação século XVII, em que há uma evolução forte
textual de heranças, pois até mesmo o nome de na cozinha da nobreza, que deixa de lado os
cada prato carregava em seu título a história por sabores fortes da era medieval e tomam grado
trás do ingrediente, a origem, a identificação pelos sabores mais sutis e delicados.
daquele preparo – método que ainda vem sendo
bastante utilizado para nomear receitas.
Passada a Idade Média, temos o início da
Renascença, trazida à França pela Itália, no século
XVI, quando Catarina de Médici, italiana, casa-se
com o rei Henrique II, francês, e, ao se mudar, leva “A palavra ‘gastronomia’ aparece pela pri-
consigo chefs florentinos para não sentir saudade meira vez em 1800, como título de um

da comida de sua terra (STEINBERGER, 2010). poema de Joseph de Berchoux e entraria no


dicionário da Academia Francesa em 1835.
É nesse período que o doce se torna sabor pro- Diferentemente da literatura culinária, que
veniente na França e, com isso, nasce a pâtisserie tradicionalmente se destina àqueles que,
e confiserie, com seus bombons, licores, geleias, na cozinha, preparavam os alimentos, a
literatura gastronômica iria se dirigir, so-
macarrons, pâte à choux e os sorbets. Além disso, ela
bretudo, àqueles que se encontram à mesa.
também levou em sua bagagem toalhas rendadas, O novo termo viria designar a ciência e a
porcelanas, copos e pratarias, além do primeiro arte de comer bem, recobrindo uma ampla
gama de aspectos: da comida, composição
garfo, que só foi utilizado com frequência a partir
dos pratos, sua sequência e harmonização
século XVIII (você vai aprender mais sobre esse com as bebidas às artes de mesa, como
assunto na matéria de Etiqueta e Serviço de Sala), o modo de servir e dispor as porcelanas,
cálices, talheres e guardanapos”.
influenciando fortemente os costumes e bons
modos da atual corte francesa (DONEL, 1999). Fonte: Coelho (2008, p. 2016)

Na época, a cozinha da Idade Média ainda


era de grande influência, porém, somada
Cozinha Clássica

[...] a “cozinha moderna” do século XVIII


No reinado de Luís XIV, o rei sol, há um buscava ingredientes novos e requin-
refinamento da corte, envolvendo costumes, tados, combinações mais elaboradas,
etiqueta, cerimonial e, também, a gastronomia. temperos insólitos. Era o resultado de
uma depuração do gosto pela elimina-
Os cozinheiros da corte reduziram a utilização ção dos excessos de açúcar e gorduras
exagerada de temperos para priorizar o sabor da e de reflexão sobre o que se comia: as
carne, o que resultou em um alimento da mais carnes foram minuciosamente repar-
tidas segundo seu modo de cozimento
alta qualidade. O mesmo processo foi adotado
apropriado, os legumes tornaram-se in-
em outros ingredientes, como legumes e peixes, dispensáveis, as ostras voltaram à moda,
ou seja, de modo geral, a cozinha do século XVII os molhos se diversificaram.
tende a privilegiar o sabor natural dos alimentos.
Graças ao rei sol, a primazia da corte francesa Essa “cozinha moderna”, a qual se refere
virou referência e toda a Europa passou a copiar a Donel (1999), também ficou conhecida como
moda de Versalhes, a língua e cozinha da França. haute cuisine, ou alta gastronomia, e será
Em seguida, já sobre a evolução da cozinha da retomada de modo mais aprofundado no
corte de Luís XIV, Donel (1999, p.26) explica que: próximo tópico desta unidade.

Figura 2. Cozinha do Palácio Petit Trianon, cons-


truído por Luiz XV para Madame de Pompadour
(séc. XVIII) no antigo jardim do rei Luiz XIV, no
Palácio de Versalhes.
GASTRONOMIA • UNICESUMAR 21

[...] longe de suprimir a criatividade culi-


Foi nesse século também que os franceses, to- nária e colocar em causa esse aspecto
mados pela preocupação estética e artística, brilhante da cultura da elite do século
XVIII, a Revolução Francesa permitiu a
passaram a se preocupar mais com as mon-
transferência dessa arte para a burgue-
tagens dos pratos, utilizando legumes, vege- sia e até mesmo, parcialmente, para as
tais, os verdes e temperos para agregar cor. A classes populares, pelo viés de uma ins-
união das preocupações com o alimento tida tituição da decadência das corporações
(PITTE, 1998, p.759).
no século XVIII enalteceram os cozinheiros
franceses, que já foram então considerados os
melhores do mundo. Donel (1999) justifica que esse tipo de local
Ainda antes da Revolução, surge o restau- também se tornou popular aos filósofos, escritores
rante em Paris. Pitte (1998) nos conta que data e aristocratas que queriam discutir se a gastrono-
de 1765 quando Boulanger abre uma primeira mia seria ou não arte e o que seria gourmet. Ao
butique, localizada próxima ao Louvre, com a fi- final do século, havia mais de 600 cafés públicos
nalidade de vender caldos restauradores – caldos (também cenário de discussões intelectuais) e
que restaurassem a força daqueles que estivessem apenas em 1786 que os restaurantes foram ofi-
se sentindo fracos por conta da crise econômica cializados em seu funcionamento. Como conse-
na qual a França já estava inserida. Ainda por quência, as qualidades dessa nova gastronomia
conta disso, os grandes banquetes foram cessan- popularizada adquiriu fama para além dos limites
do e deram lugar àqueles menos teatrais, explica da França, tornando a cozinha francesa respeitada.
Donel (1999, p.26) que “a alta sociedade passou O século seguinte, XIX, foi o marco da revolu-
a se reunir em jantares elegantes à luz de velas, ção industrial em que invenções, como o forno a
em que o serviço era feito à la française: os pratos carvão, fogão a gás e novas técnicas de conserva, co-
se sucedem e são postos à mesa”. meçaram a tomar forma e os meios de comunicação
Com o advento da Revolução Francesa, sofreram grandes desenvolvimentos, permitindo
a alta cozinha abandona a corte e vai para as que os produtos franceses fossem facilmente ex-
ruas, refinando o serviço dos restaurantes. A portados. Nesse século, também surgiram os guias
população parisiense passa a ter acesso a uma gastronômicos e, com eles, os primeiros críticos e
gastronomia jamais antes provada e de uma uma burguesia sedenta por status social, que busca-
centena de estabelecimentos existentes antes va as melhores mesas para satisfazer a necessidade
da revolução, conta Pitte (1998), passam para de aparecer. Foi nesse período que os restaurantes
500 ou 600 no período do império, sendo que de gastronomia francesa foram associados a restau-
a partir daí esse número só aumenta. rantes chiques, clássicos (DONEL, 1999).
Cozinha Clássica

N
o século XX, em Paris, a diversi-
dade de restaurantes é imensa e
a industrialização fez transfor-
mar os hábitos alimentares, é o
que revela Donel (1999). O classicismo da
cozinha francesa foi substituído por pratos
de rápido preparo, sem preocupações com
a sazonalidade dos ingredientes utilizados
– as fronteiras se tornaram invisíveis à fa-
cilidade dos transportes e da comunicação.
Ao final desse século, um novo movimento
surge na França para dar relevo às proprie-
dades naturais do alimento: a nouvelle cuisi-
ne. Assim, a soberania francesa permanece,
mas outras culturas também são inseridas
no mercado gastronômico e ganham espaço
entre o gosto mundial.

Figura 3. Coq au vin (frango ao vinho, livre tradução),


tradicional prato da gastronomia clássica francesa
GASTRONOMIA • UNICESUMAR 23
Cozinha Clássica
GASTRONOMIA • UNICESUMAR 25

Da Haute Cuisine
à Nouvelle Cuisine

No tópico anterior, você acompanhou o caminho percorrido


pela França para chegar ao patamar de ter sua cozinha tida como
clássica, como haute cuisine. Essa alta gastronomia não deixa de
existir e de ter reconhecimento internacional, porém, a evolução
histórica interfere também nas tendências gastronômicas, o que
nos leva à nouvelle cuisine. Neste tópico, abordaremos os aspectos
evolutivos dessas tendências, o que nos leva à nouvelle cuisine,
identificando a relação com o tempo, com as pessoas e as histórias
envolvidas nesse contexto.
Cozinha Clássica

Como dito anteriormente, antes mesmo da


Revolução Francesa (1789-1799), o refinamen-
to geral da corte de Luís XIV elevou a gastrono-
mia a nível de reconhecimento internacional,
“Duxelles é uma clássica combinação fran-
caracterizada como a melhor do continente. cesa de cogumelos picados bem finos e
Depois da revolução, com a queda do antigo cebolinha verde ou cebola sautée em man-
teiga, até ficarem quase secos. Usado como
regime, muitos chefs foram para as ruas de
recheio ou guarnição. Diz-se que foi criada
Paris para cozinhar para o povo – quando o por La Varenne, chef do marquês d’Uxelles”.
número de restaurantes se alastrou. Nesse pe- Fonte: Wright (1997, p. 170)
ríodo, o cozinheiro dos reis e rei dos cozinhei-
ros – como ficou conhecido – Marie-Antoine
Carême foi o primeiro a ser legitimado como
um chef, figura de grande importância para a
história da gastronomia clássica. Carême, continuou, trocando condimentos de
Em uma fase em que os cozinheiros estavam sabor forte por ervas frescas de sabor sutil,
fornecendo comida ao povo e abrindo seus res- de modo que a carne, por exemplo, tives-
taurantes, Steinberger (2010, p. 22) ressalta que: se seu sabor sobressalente, e não dominado

Carême contrariou a tendência domi- (STEINBERGER, 2010).


nante e passou sua carreira trabalhando Um dos principais feitos de Carême para
exclusivamente para patrões abastados. a haute cuisine foi a classificação dos molhos.
Cozinhou para o famoso diplomata
Os molhos em si já eram parte da gastronomia
Talleyrand e mais tarde trabalhou du-
rante alguns períodos em Londres, clássica francesa e utilizada por todos os chefs,
como chef do príncipe regente, e em São porém, de modo livre, sem identificar a base de
Petersburgo, onde preparou refeições do
semelhante entre um e outro. O rei dos cozinhei-
czar Alexandre I.
ros dividiu esses molhos em quatro categorias
O chef era inovador para seu tempo e ansiava maiores, com a finalidade de organizá-los e dire-
por modernizar e divulgar mais a alta cozinha cionar a base de seu preparo. Cada categoria ficou
francesa. Em pleno século XVIII, ele já tinha conhecida por molho mãe e são fundamentais
a ideia de que simplificar a comida utilizando para a gastronomia até a atualidade, são eles: “al-
ingredientes sazonais melhoraria a qualidade lemande (gemas de ovo e suco de limão), béchamel
do resultado final. La Varenne, também chef (farinha e leite), espagnole (caldo de carne, roux
francês, deu início a essa prática e seu sucessor, escuro e mirepoix) e velouté (caldo leve de peixe
GASTRONOMIA • UNICESUMAR 27

ou de carne e roux claro)” (STEINBERGER, 2010,


p. 23). Foi ele também quem instituiu o uso do
uniforme padronizado dentro da cozinha, até
os dias atuais utilizado com o mesmo padrão.
Antes de morrer, aos 48 anos, Carême publi-
cou um livro culinário dividido em cinco volumes,
L’Art de la cuisine française au dix-neuvième siècle,
com centenas de receitas à moda clássica. Em
sua linguagem, o chef sempre exaltava – até com
certa rudeza – a qualidade da cozinha francesa,
dos chefs franceses e dos métodos utilizados. De
certa forma, isso modificou a literatura do século
XVIII, pois, a partir de então, comida também
era assunto para livros (STEINBERGER, 2010).
Figura 4. Marie-Antoine Carême.
Carême demarca as primeiras insinuações Fonte: http://commons.wikimedia.org/wiki/File:M-A-Careme.
jpg?uselang=pt-br
que levam futuramente à nouvelle cuisine, à
modificação do gosto forte pelo sabor sutil dos
alimentos, à ordem de serviço de um menu –
fazendo uso da sopa tão famosa em tempos de
restaurar as forças – e indo além da utilidade
de ingredientes como usufruto médico e nutri-
cional, mas como fonte de prazer, de culinária.
“O molho bechamel deve seu nome a
É importante ressaltar que, em meio aos Louis de Béchameil, assessor de Luís XIV.
acontecimentos, a Igreja teve um papel crucial É improvável que o aristocrata o tenha in-
para a liberação do gosto. Devemos entender ventado. O mais provável é que o molho
tenha sido idealizado por um cozinheiro
que, na Idade Média, havia sacerdotes que não
real e dedicado a Béchameil. O molho ori-
acreditavam na possibilidade de prazer em ginal combina creme de leite com velouté
comer, aliás, tinham isso como pecado, pois grosso: a versão atual é feita acrescentan-
do-se leite ao roux”.
o alimento era apenas fonte de vida, devia ser
consumido apenas para sobrevivência. Em Fonte: Wright (1997, p. 222)

contrapartida, outros acreditavam, sim, que


era aceitável se deleitar perante uma refeição.
Cozinha Clássica

das refeições, o que é mais um argumen-


to em prol da nossa opinião a favor de
cardápios curtos. Quando o tempo é ili-
mitado, as ementas podem igualmente
sê-lo. Nós temos o dever absoluto de
Vimos em nossos estudos na disciplina de trabalhar para manter a superioridade
Habilidades os molhos mãe e o modo de da cozinha francesa, atacada, de um
preparo de cada um deles. lado, pela ameaça que resulta de uma
vida febril, trepidante, cujos efeitos ne-
fastos se fazem sentir nos princípios de
higiene e saúde e nas regras essenciais
da gastronomia, e, de outro lado, pela
concorrência estrangeira. O que faz a
força da cozinha francesa é o gosto
certo e iluminado que a distingue; são
Depois da Reforma Protestante, a maioria dos os cuidados que cercam suas menores
franceses favoreceu o cristianismo que assen- preparações, a minúcia com que opera
tia à ideia de que o prazer na alimentação não para produzir nos convivas uma im-
pressão sensorial plena. Suprimir ou
era pecado e, a partir de então, foi possível
negligenciar isso é pôr fim à nossa supre-
desenvolver o “gosto francês” que chegou de- macia (ESCOFFIER, 1912 apud JAMES,
liberadamente ao patamar alta gastronomia 2008, p.13, grifos nossos).

(STEINBERGER, 2010).
Quatro décadas depois da morte de Carême, Tome nota, caro(a) aluno(a), da perspectiva de
outra figura inovadora toma conta dos holofo- Escoffier no início do século XX. Ele não tira
tes gastronômicos: Georges Auguste Escoffier. a importância da nutrição, mas já considera
Este não revolucionaria apenas a haute cuisine, que os pratos da haute cuisine, a clássica fran-
mas também o setor hoteleiro, aplicando a ideia cesa, estivessem ultrapassados, com tamanho
de serialização da alta cozinha francesa para exagerado, e que isso precisava ser revisto,
possibilitar sua inserção em quesito nacional. diminuindo o volume da refeição, reduzindo
a extensão do menu. Já que as pessoas es-
Uma mudança progressiva se imporá,
tavam cada vez mais sem tempo, então que
inexoravelmente, no regime alimentar
humano. Admitindo que a mesma quan- as refeições pudessem ser igualmente rápi-
tidade de nutrientes seja necessária [...] das – ou mais rápidas que o que era comum
ela será procurada livre e desembara-
até então. Isso, é claro, sem deixar de lado
çada de uma grande parte de matérias
inertes e inúteis. Portanto, temos que os traços da gastronomia elevada em seus
considerar uma diminuição do volume tantos aspectos. Outro tópico importante que
GASTRONOMIA • UNICESUMAR 29

Escoffier exalta é a preocupação com a higiene


e a saúde na cozinha, algo que até então não
era discutido (você se lembra dos hábitos da
Idade Média? Retome no capítulo anterior
e no livro de Etiqueta). E, principalmente,
afirmar que o gosto certo seja a distinção da
cozinha francesa é a forma que o chef encontra
de exaltar os ingredientes franceses de origem,
sem troca, inversão ou substituição, de modo
a garantir que a haute cuisine francesa é feita
com ingredientes puramente franceses, chefs
unicamente franceses.
Mas então eu pergunto a você: como
Escoffier conseguiu modernizar e sistematizar
essa cozinha a ponto de atender às exigências
do novo consumidor, cujo perfil não apontava
ao desejo de ficar horas à mesa?

Você já parou para refletir a respeito das


razões e objetivos atuais que originam as
novas tendências culinárias? O pensamen-
to intrínseco sofreu grandes alterações?

Fonte: O autor
Cozinha Clássica

O
trabalho foi árduo. Escoffier, enquanto
chef no Hotel National em Lucerna,
encontrou no jovem hoteleiro César
Ritz um parceiro, ambos desejando
A comida é importante não apenas
ser donos de seu próprio negócio. Apesar de
para seu produtor, mas também para o
chef francês e da exaltação da gastronomia fran- consumidor que paga caro, mas quer
cesa, foi em Londres onde Escoffier passou a garantias do que está comprando e
consumindo. Por conta disso, exige que
maior parte de sua vida. De modo geral, para
o governo mostre quais produtores
conquistar a clientela da alta sociedade, Ritz seguem as normas de higiene sanitá-
tomou consciência de que precisaria de uma ria, o que levou à criação do Instituto
cozinha de qualidade e disso Escoffier entendia Nacional das Appelation d’Origine (INAO),
em 1935, por pressão dos vinicultores
e teve liberdade para fazer suas alterações nos
e cuja finalidade é distribuir denomina-
padrões até então utilizados e deixados por seu ções de garantia. A mais comum delas
antecessor Carême (JAMES, 2008). é a que conhecemos por DOC: denomi-
nação de origem controlada, do original
Para realmente sistematizar e agilizar as
Appelation d’origine controlée.
funções na cozinha, Escoffier modificou a forma “Designa um produto típico de um ter-
como as brigadas trabalhavam até então, fazen- roir (uma região bem específica, com
do-as trabalhar em série, comparando ao funcio- solo, clima e técnica de fabricação de
particulares). Inicialmente, era uma
namento das linhas de montagem industriais.
denominação criada para controlar a
A seguir, Steinberger (2010, p.28) explica que: produção vinícola [...]; em 1990, esten-
deu-se para laticínios e produtos agríco-
Até então as praças da cozinha funcio-
las. Na lista de 1997 dos produtos que
navam essencialmente como feudos
se beneficiaram da AOC, figuram mais
autônomos; cada uma delas era res-
de 400 vinhos e destilados, 32 queijos,
ponsável por certos pratos e havia em
5 de manteigas e cremes e 12 de outros
geral pouca interação. [...] esse arranjo
produtos agrícolas”.
era completamente impróprio para a
culinária de grande volume e velocida-
Fonte: Donel (1999, p. 92)
de requerida pelas cozinhas de hotel.
Escoffier conservou as praças, mas em
vez de atribuir-lhe preparações especí-
ficas, dividiu-as por funções.
GASTRONOMIA • UNICESUMAR 31

Figura 5. Auguste Escoffier (à frente


e à esquerda) em meio à sua briga-
da de cozinha uniformizada, aperta
a mão do Primeiro Ministro Édouard
Herriot (a direita), 1928. Fonte:
http://commons.wikimedia.org/wiki/
File:Auguste_Escoffier,_%C3%89douard_
Herriot,_1928.jpg

O chef também alterou as formas de prepara- Mantendo a simplicidade nas preparações,


ções – inclusive dos molhos mãe que Carême sem perder o requinte e a qualidade dos ingre-
havia instituído –, mantendo duas formas de dientes, Escoffier alcançou seu objetivo. Este,
executar uma receita, uma com horas de fogo, como Carême, deixava sempre bem claro a visão
outra com 15 minutos; ele também acrescentou de grandeza sobre a cozinha francesa – tanto
o molho de tomate como molho mãe e modifi- com relação aos cozinheiros quanto aos ingre-
cou o serviço, diminuindo o menu (não apenas dientes tidos como superiores. O chef remo-
quanto à complicação, mas considerando uma delou a haute cuisine, criou novos padrões que
preocupação maior com a leveza dos preparos), seguem até a atualidade e levou esse modelo
até criar o menu à la carte, permitindo que o hoteleiro para o mundo, abrindo filiais junto
próprio cliente elaborasse a ordem de serviço de seu parceiro César Ritz. Mas a gastronomia
que mais o agrada (JAMES, 2008). francesa ainda ansiava por mudanças.
Cozinha Clássica

Em meio a esses grandes chefs, outras figuras re- Essa nova revolução pretendia encontrar uma
nomadas fizeram história na haute cuisine, alguns resposta aos desejos de Carême e Escoffier,
dos quais você conhecerá no próximo tópico desta buscando a simplicidade na cozinha. Esse
unidade. O que devemos salientar aqui é que, movimento acabou ficando conhecido como
depois do grande marco deixado por Auguste nouvelle cuisine graças aos críticos Henri Gault e
Escoffier, já na década de 60 do nosso século, Christian Millau, que levaram o termo à mídia
surge a tendência gastronômica conhecida por e, consequentemente, elevaram chefs e movi-
nouvelle cuisine, cujo princípio – não diferente do mento ao estrelato. Os ingredientes passaram
que sempre instiga aos grandes a irem em busca a ser mais respeitados: os legumes consumidos
de melhorias – é a busca por pratos mais leves e de forma mais natural, mais crocantes, com
menos gordurosos, para agradar um público que cores mais vivas; molhos ficaram mais leves
agora passara a enfrentar grandes problemas com e o suco do cozimento das carnes passaram a
colesterol e doenças cardíacas (DONEL, 1999). ser aproveitados para essa finalidade; novos
Depois de anos em silêncio, alguns jovens sabores com utilização de métodos de cocção
chefs – Raimond Oliver, Gaston Lenôtre, Roger mais variados; e menos creme e açúcar nas
Vergé, Alain Chapel, Alain Senderens, irmãos sobremesas (DONEL, 1999).

A
Troigrois – fundaram “um movimento chamado lguns chefs mais tradicionais,
grande cuisine française, que pretendia desenvolver como Paul Bocuse, acabaram
a cozinha aos cozinheiros” (DONEL, 1999, p.80). por se desvincular do movimen-
to, aceitando que o sabor não era
mais como o da cozinha clássica francesa e a
conta permanecia elevada (DONEL, 1999).
Afinal, os pratos ficaram mais coloridos,
menos gordurosos, mais atraentes visualmen-
te, mas muito vazios. Essa é uma discussão
que ainda vem sendo recorrente e não apenas
na França, mas que também já sofreu modi-
ficações. A nouvelle cuisine, vale a ressalva, foi
importantíssima para aniquilar a cozinha em
que os sabores fortes e exagerados confun-
diam o palato e para salientar a arte estética
da montagem dos pratos.
GASTRONOMIA • UNICESUMAR 33

Atualmente, utilizamos guias de orientação o tempo todo, como guias de


viagens, em que há indicação de estradas, restaurantes, hotéis, bares, enfim,
facilitações para nossa chegada e estadia em determinado local que não é
de nosso conhecimento cotidiano. Alguns modelos diferenciados de guias
surgiram no século XX e se tornaram referência no meio gastronômico, você
conhecerá a seguir estes dois principais.

Guia Michelin:
“O sistema de estrelas para classificação dos restaurantes foi desenvolvido em
1926. Para um cozinheiro, a atribuição de duas ou três estrelas é a confirmação
de sua capacidade, trazendo fama, honra e clientes” (DOMINÈ, 2001, p.40).

Gault-Millau:
“Primeiro veio a revista com o mesmo nome, criada em 1969 pelos críti-
cos Henri Gault e Christian Millau, gastrônomos um tanto vanguardistas,
padrinhos da poderosa corrente que batizaram de nouvelle cuisine. O guia
nasceu em 1972 para estimular essa tendência mais moderna da culinária,
sem dissimular a vontade de acabar com o monopólio da apreciação do
Michelin. Sua fórmula é diferente: o foco são hotéis e restaurantes, sem
menção aos pontos turísticos, os comentários são longos e detalhados [...]”
(DONEL, 1999, p.166-167).
Cozinha Clássica
GASTRONOMIA • UNICESUMAR 35

Grandes
Chefs

Nos capítulos anteriores, passamos pelo surgimento da culinária


clássica e entendemos as razões de a França ser tão importante
no contexto gastronômico mundial, além disso, caracterizamos a
haute cuisine, acompanhamos as transições e chegamos ao conhe-
cimento de uma tendência mais atual, a nouvelle cuisine. Agora falta
você conhecer os chefs mais renomados da gastronomia francesa
e, como embasamento teórico a respeito do legado de cada chef,
utilizaremos alguns autores que podem contribuir com o estudo:
André Dominé (2001), Elisa Donel (1999), Kenneth James (2008)
e Michael Steinberger (2010). Vamos lá?
Cozinha Clássica

Os clássicos

Primeiro, você conhecerá aqueles que inventa- François Vatel


ram ou até desmistificaram a cozinha clássica, Fritz Karl Watel foi cozinheiro de Luís XIV, no
os chefs mais tradicionais, que marcaram e século XVII. O marco de sua história foi prepa-
ainda fazem toda diferença para a gastrono- rar o maior banquete de seu tempo realizado
mia do mundo. para o rei e seus mais de 3.000 convidados, para
isso, trabalhou por doze dias e noites. Apesar
Marcus Gavius Apicius de alguns imprevistos com fogos de artifício,
Como citado anteriormente, Apicius – por o jantar foi um sucesso. No dia seguinte, Vatel
volta de 25 a.C. – foi um gastrônomo romano não viu a quantidade de peixes esperada chegar.
que deixou seus ensinamentos sobre truques Desesperou-se, escondeu-se e atravessou seu
de conservação e inúmeros modos de preparo próprio coração com uma espada. A história
em De re coquinaria . A lição mais marcante foi
1
nos conta que nesse mesmo momento a quantia
a técnica de engordar gansos com figo, que de peixes encomendada chegava às cozinhas do
precedeu o fois gras. Apesar de grande apre- palácio Chantilly.
ciador da boa comida, Apicius era um tanto
desajuizado com relação às suas contas – ex- François Pierre de la Varenne
cedia em gastos com banquetes e viagens para Responsável por escrever uma referência à cozi-
degustar iguarias – e acabou por se suicidar nha clássica, Le cuisinier François foi o primeiro
ingerindo veneno. livro que tratava tanto a cozinha quanto os doces
da forma como conhecemos um livro de gastro-
Guillaume Tirel nomia atualmente. Antecessor de Carême, foi La
No século XIV, Taillevent, como era conhecido, Varenne quem utilizou manteiga e farinha como
foi um dos cozinheiros de mais longa data da uma das técnicas de sofisticação dos molhos.
Idade Média, serviu aos reis Felipe VI e Carlos
V. Foi ele quem escreveu Le viandier, o primeiro Grimond de la Reynière
tratado profissional de cozinha em francês, Para fomentar o progresso de Carême,
no qual descreve métodos de utilização dos Grimond de la Reynière – aristocrata nasci-
ingredientes nesse período medieval. do em Paris em 1758 – publicou, no início

1
Do latim: sobre culinária. Livre tradução.
GASTRONOMIA • UNICESUMAR 37

do século XIX, um guia de restaurantes cha-


mado de L’Almanach des gourmands, no qual
direcionava a burguesia a bons lugares para
realizarem suas refeições. Ele foi o primeiro
crítico gastronômico do mundo e, além disso,
suas próximas obras indicariam as melhores
maneiras de se organizar um banquete parti-
cular – foi a forma que encontrou para manter
os bons hábitos da corte depois da revolução,
popularizando a haute cuisine.
Figura 6. Jean-Anthèlme Brillat-Savarin.
Fonte: http://commons.wikimedia.org/wiki/Category:Jean_Anthelme_
Brillat-Savarin?uselang=es#mediaviewer/File:Jean-Anthelme_Brillat_
Jean-Anthèlme Brillat-Savarin de_Savarin_(1755-1826).jpg

Nascido em 1755, Brillat-Savarin estudou di-


reito em Dijon, fez carreira como advogado, Marie-Antoine Carême
presidente do tribunal, presidente da Câmara Antonin Carême, como ficou conhecido, nasceu
Municipal e comandante da Guarda Nacional. em 1784 em família pobre. Aos 10 anos, foi
Por conta disso, precisou se afastar da França posto para fora de casa e começou trabalhar
durante a Revolução, mas para lá retornou em uma taberna, tendo, então, contato com
por volta de 1796. Um pouco gastrônomo, a gastronomia. Aos 16 anos, passa a aprendiz
um pouco cientista, Jean-Anthèlme registrou do pasteleiro Bailly, que reconhece o talento
de modo científico questões que relacionavam do jovem Antonin. Conta a história que, pos-
comida e bebida na clássica obra Physiologie teriormente, ele foi contratado por Talleyrand,
du Gôut2. Não teve a possibilidade de escrever ministro dos negócios estrangeiros de Napoleão,
outra obra, pois, logo após essa publicação, homem de grandes banquetes. Para ele, Carême
Savarin faleceu. O livro, que tratava o gosto, fez inúmeros menus e acabou sendo reconhecido
dieta, obesidade, jejum, cansaço, entre outros como chef e embaixador da haute cuisine. O rei
temas, exerceu fortíssima influência para a gas- dos cozinheiros também cozinhou para o futuro
tronomia francesa. rei Jorge IV, para o czar Alexandre I, para a corte

2
Fisiologia do gosto (paladar). Livre tradução.
Cozinha Clássica

austríaca e até para o barão de Rotschild, ficando atribuiu à Escoffier o título de Imperador dos
também reconhecido como o cozinheiro dos reis. Cozinheiros. Em Londres, teve contato com
Como já citado, deixou uma obra gastronômica César Ritz, passando pelas cozinhas do hotel
dividida em cinco volumes, L’Art de la cuisine Savoy e, depois, o Carlton, onde criou um gelado
française au dix-neuvième siècle, relacionado to- de baunilha com pêssegos escalfados e creme de
talmente à exaltação da gastronomia francesa. framboesas, sua sobremesa mais famosa. Antes
de sua morte, Escoffier escreveu vários livros
Auguste Escoffier direcionados à gastronomia e, atualmente, sua
Escoffier (1846-1935) foi um forte representan- casa é um museu de culinária.
te da gastronomia francesa. Ele que reorganizou
as brigadas de cozinha e sistematizou as praças, As irmãs Tatin
para funcionarem em suas especialidades, como Conta a história que a célebre Tarte Tatin foi
temos até os dias atuais. Apesar de ter tamanho criação da desajeitada irmã Tatin, que derrubou
reconhecimento na França, foi na Inglaterra que a torta caramelizada de maçãs e terminou de co-
passou a maior parte de sua vida e carreira. O zinhá-la de ponta cabeça. Essas irmãs cuidavam
chef começou cedo, aos 13 anos, passou por de um hotel ao sul de Paris e, aparentemente, a
muitas cozinhas europeias e cozinhou até para receita da torta já era antiga, mas elas ficaram
o imperador alemão Guilherme II, que, então, célebres por conta dessa história.

Figura 7. Tarte tatin


GASTRONOMIA • UNICESUMAR 39

Os chefs atuais

Agora, você terá contato com alguns dos chefs


que são mais recentes à história da gastronomia
francesa, aqueles que fazem parte do contexto
histórico a partir do século XX e que são tão
importantes a cunho de conhecimento quanto
aqueles mais renomados que tiveram um marco
representativo na evolução da cozinha.

Joël Robuchon
Com grandes títulos e prêmios, o autodidata
Joël Robuchon foi considerado o melhor cozi-
nheiro do século em 90. Ele não demorou a con- Figura 8. Chef Alain Ducasse
Fonte: http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Alain_Ducasse.
quistar notoriedade em Paris com o Le Jamim e, jpg?uselang=pt-br

depois de vendê-lo, com o hotel particulier, já em


1994. O chef gosta mesmo de trabalhar e, além
dos dez livros que escreveu, também dá consul- Michel Guérard
toria para a empresa Fleury-Michon, de comida Em sua caminhada brilhante, além de ser
semipronta. Quando se aposentou, deixou seu um dos ilustres representantes da nouvelle
lugar para Ducasse e passou a apresentar um cuisine, Michel Guérard foi considerado o
programa televisivo. Geleia de caviar com creme melhor pâtisserie francês em 1958 e, em
de couve-flor é uma das suas marcantes criações. menos de doze anos, seu restaurante já
tinha duas estrelas pelo Guia Michelin. Em
Alain Ducasse sequência, o chef e sua esposa Christine se
Conhecido por utilizar ingredientes da dieta aventuraram ao sudoeste da França para
mediterrânea – alho, azeite, tomate – em com- redecorar e repensar alguns empreendimen-
binações refinadas, Ducasse é defensor da cozi- tos recebidos por herança de sua mulher,
nha nacional, sempre favorável à utilização de obtendo todos com sucesso. Ainda, tor-
ingredientes franceses e regionais. Atualmente, naram-se vinicultores em 1983 e, além de
é chef do Alain Ducasse, restaurante que antes tudo isso, Guérard escreveu inúmeros livros
fora de Joël Robuchon. e oferece consultoria à Nestlé.
Cozinha Clássica

Paul Bocuse
Bocuse é pioneiro da nouvelle cuisine e reconheci-
do internacionalmente. Em sua família, já havia
cozinheiros, porém nenhum tão deslumbrante.
Depois de anos de estudo e de passar por cozi- No dia 03 de fevereiro de 2015, o Guia
Michelin liberou a lista atualizada de
nhas diferentes, o chef retorna a sua cidade natal
classificações dos restaurantes franceses
para recomprar um restaurante que outrora fora estrelados:
de sua família. Em menos de cinco anos depois
Dois novos três estrelas:
de ganhar sua primeira estrela no Michelan,
• Paris’s Pavillon Ledoyen (Paris), dirigido
Bocuse já ganhava a terceira. Ele desmitificou a pelo chef Yannick Alléno.
ideia de que o cozinheiro devia ficar apenas na • La Bouitte (Saint Martin de Belleville).
cozinha, verificando a satisfação de seus clientes
Novos duas estrelas:
no salão também, atitude tal que outros chefs
• Alain Ducasse no Plaza Athénée (Paris).
adotaram e acabou por ser conhecida como • L’Atelier d’Edmond (Val-d’Isère).
uma das mudanças da nouvelle cuisine. Além • Auberge du Cheval Blanc (Alsace).
dos inúmeros restaurantes, Bocuse criou uma • Casadelmar (Porto-Vecchio).
• La Grand’Vigne (Bordeaux).
escola de culinária que recebe alunos do mundo
• Le Neuvième Art (Lyon).
todo. Alguns hábitos corriqueiros atualmente
• La Table du Lancaster (Paris).
foram criação de Bocuse, como a utilização do
Alguns novos uma estrela em Paris:
carrinho de sobremesas.
• David Toutain, Les Climats.
• Garance.
• Helen.
• Penati al Baretto.
• La Table d’Eugène.

Fonte: France Today. Revista online

Figura 9. Chef Paul Bocuse


Fonte: http://commons.wikimedia.org/wiki/
File:Paul_Bocuse_2007_-2.jpg
GASTRONOMIA • UNICESUMAR 41

É claro, querido(a) aluno(a), que, dentre esses,


há inúmeros outros chefs franceses renomados
que utilizam a base da gastronomia clássica e
reinventam a cozinha a cada dia, reconheci-
dos por estrelas, por criatividade, inovação e
por uma cozinha extraordinária – como Alain
Chapel, François Bise, Jean e Pierre Troigros,
entre outros –, mas vamos nos limitar a citar
alguns que marcaram severamente a constitui-
ção da nossa atualidade.
Cozinha Clássica

A
considerações finais

o final desta unidade, conseguimos por serem de outras origens, mas que, graças aos
entender como aconteceu a evolu- caminhos marítimos, novas culturas foram des-
ção da gastronomia desde a Idade cobertas e os europeus puderam agregar novos
Média, quando a alimentação era paladares a sua cozinha cotidiana e, utilizando
baseada nos cultivos e pastoris rodeados por de combinações e valorizando suas produções,
florestas e cursos de água – época em que o começam a apresentar já no período medieval
pão se tornou base alimentar, já que os cereais uma gastronomia.
eram grande parte da agricultura. Também, ve- Vimos que a Itália teve grande importância
rificamos o uso corriqueiro de especiarias desde para o desenvolvimento francês. Foram os ita-
a Antiguidade e as diferenças nos paladares de lianos, ou melhor, a italiana Catarina de Médici
povos distintos, enquanto a França preferia o quem levou cozinheiros para a França junto
picante, a Itália preferia o agridoce, por exem- de sua “bagagem”, além de suas comidas favo-
plo, resultando em intercâmbio de gostos. E, ritas que, depois, os franceses se apoderaram
principalmente, pôde compreender como a e reformularam, usando como base para sua
França teve acesso a inúmeros ingredientes que própria construção. Sem esquecer que os bons
antes não eram consumidos em seu território, modos foram inseridos em uma cultura antes
mais desordenada e de glutonaria.
Entendemos as características da haute
cuisine, uma cozinha mais apoderada de sabo-
res fortes e preparações mais pesadas, e acom-
panhamos o desenvolvimento para a nouvelle
cuisine, já mais preocupada com as questões
nutricionais dos alimentos.
Ao final, você ainda teve contato com alguns
dos mais renomados chefs de cozinha, como os
clássicos Carême e Escoffier, e os mais contem-
porâneos, como Ducasse e Bocuse.
Todo esse contexto é a bagagem necessá-
ria para você entender a gastronomia clássica.
Agora, vamos seguir para itens mais específicos
da gastronomia, como ingredientes regionais e
as preparações clássicas.
GASTRONOMIA • UNICESUMAR 43

atividades de estudo
1. A Revolução Francesa (1789-1799) é tida como um marco para a gastronomia
considerada clássica. Quais aspectos mudaram com relação à gastronomia, ou
seja, como era a alimentação medieval e quais as novas preocupações para com
o alimento após o advento da revolução?

2. A haute cuisine é tida como uma culinária de molhos pesados, com ingredientes
e técnicas que exaltam a importância da cozinha francesa. Em meados dos anos
60, surge um novo movimento: a nouvelle cuisine, que procura mudar esses
conceitos. O que difere a haute cuisine da nouvelle cuisine? Quais chefs tiveram
ligação com esse movimento?

3. Agora que você conhece um pouco da história de grandes chefs, escolha um


deles e explique qual foi o legado que deixou.
Cozinha Clássica

material complementar

Entre Les Bras – La cuisine en héritage


Paul Lacoste
Ano: 2012
Sinopse: O chef francês Michel Brás, com três estrelas no Michelin
na região de Aubrac, na França, deixa seu restaurante para o filho
Sebastian em 2009. O documentário mostra a trajetória do chef e
sua família ao longo de três gerações, até o pai passar o patrimônio
gastronômico a seu filho.

Em entrevista para a revista Veja, em São Paulo, no ano de 2002, Robuchon


conta como teve os primeiros contatos com a cozinha. Acesse a entrevista
disponível em: <http://veja.abril.com.br/100702/entrevista.html>.
GASTRONOMIA • UNICESUMAR 45

leitura complementar
O Traiteur

Estamos no ano de 1889, e em França co- jovens, 2000kg de salmão e 1500kg de batata.
memora-se o centenário da Revolução. Em E os clientes plenamente satisfeitos fumam
Paris tem lugar a exposição mundial, em cuja 30.000 cigarros no fim das refeições. A Potel
abertura é inaugurada a Torre Eiffel. O presi- & Chabot trabalha ainda hoje para o governo
dente Sadi Carnot organiza um lauto jantar francês mas também a nível internacional com
na Câmara Municipal. O menu desta noite, filiais nos Estados Unidos e na Rússia.
memorável, começa com creme de caranguejos Já antes da revolução, quando os restaurantes
do rio à Saint-Germain e empada Pantagruel. ainda não existiam, as pessoas dirigiam-se ao
Seguem-se tortilhas Conti, Salmão com molho traiteur quando se tratava de preparar um copo
à indiana, rodovalho com molho à moda da d´água ou um jantar de festa. O primeiro traiteur
Normandia, javalis jovens cortados aos quartos no sentido moderno da expressão, não era um
a moda de Moscovo, frangos perigord, lava- cozinheiro, mas sim um jardineiro. Antes da data
gante à La Bordelaise, assado frio de pardais e fatal de 1789, Germain Chevet fornecia rosas
granité de Grande Champagne. O prato seguin- à Rainha e à Corte. Obrigado pelo tribunal da
te oferece sorbet de Roederer, pavão trufado e Revolução a arrancar as roseiras e a substituí-las
pavê de aves. Por fim o programa apresenta por batatas <para alimentar o povo>, Chevet e a
salada russa, espargos com molho mousselin, sua mulher decidiram fazer das batatas pequenos
cassata Eiffel e gelado do Centenário. E quem pastéis, para as valorizar. Abriram um negócio no
depois ainda consegue pode-se com barqui- Palais-Royal onde passado pouco tempo, podiam
lhos, massa folhada e bolos napolitanos. encontrar-se muitos nomes sonantes. Entre eles
Este jantar foi organizado pela Potel contava-se o primeiro crítico gastronômico.
& Chabot, uma empresa de traiteurs, que Grimod de La Reynière, que no seu almanaque
em 1900 organizou também o banquete do de 1812 referia: <<Este estabelecimento continua
presidente da Câmara Municipal, no Jardim a oferecer tudo o que pode estimular o apetite
das Tulheiras, o maior jamais realizado em de um verdadeiro “bom garfo”, sobretudo caça,
França. A Potel & Chabot cozinha pra 22.000 peixe, crustáceos e legumes temporãos. A paleta
clientes. Por isso conta com 6.000 ajudantes. inclui ainda empadas ou enchidos de Troyte ou de
Precisa de 95.000 copos, 66.000 talheres, Reim, que se encontram aqui sempre da melhor
250.000 pratos e 5 km de toalhas. Entre qualidade, bem como uma série de outros pro-
outros produtos, confecciona 1800 patos dutos não menos apetitosos.>>
Cozinha Clássica

leitura complementar

A ideia de <oferecer> doses de comida previa- jantar íntimo para dois como um perfeito ban-
mente preparada não é nova. Há mais de 500 quete de luxo para vários milhares de pessoas.
anos que existem em França especialistas que Cabe-lhes não só a preparação do menu, como
fazem assados ou cozinham carne, os rôtisseurs também a responsabilidades pelos apetrechos
e os chair-cuitiers. A estes juntou-se ainda a e pela decoração. São eles que colocam os jogos
corporação dos pâtissiers, que enrolavam em de mesa, a louça, os copos, os talheres, as deco-
massa tudo o que fosse comestível. E ainda hoje, rações de flores e a iluminação. Pois a tarefa do
em Paris, e noutras cidades da França, recor- traiteur não é apenas a de alimentar os convivas,
re-se com frequência ao serviço dos traiteurs, mas muito mais a fazê-los sonhar. Por isso, os
quando não há tempo ou vontade de cozinhar, bufetes são um verdadeiro prazer para os olhos
ou mesmo quando pretende-se <mimar> a fa- e para o paladar, o que exige a Mão de espe-
mília ou eventuais convidados. Muitas vezes se cialistas. Para tal, são necessários não apenas
encontra nas charcutarias uma oferta de traiteur, talhantes e pasteleiros, sauciers e rôtisseurs, mas
que organiza um menu completo, desde acepipes, também cozinheiros que demonstrem talento
bors-d´ceuvres, passando por refeições prontas de como decoradores e estilistas, floristas e escul-
peixe e de carne, até caranguejos e sobremesas, tores (em gelo e manteiga). Assim, o traiteur
incluindo as bebidas. pode adaptar sua decoração tematicamente
Paralelamente a esta prestação de serviços de acordo com evento, e apresentá-la grandiosa,
culinários diários, que precisamente devido à surpreendente, grotesca, exótica, ou clássica. O
correria dos tempos actuais é mais procurada do sucesso do banquete, ou até mesmo da festa,
que nunca, os traiteurs mantiveram-se fiéis à sua está nas suas mãos, ao passo que continua a
tarefa histórica de fazer o acompanhamento em fornecer os grandes eventos luculianamente.
ocasiões especiais, ainda que sua clientela tenha Actualmente, o traiteur é ambas as coisas: por
mudado com o tempo. Na segunda metade do um lado o rei das refeições improvisadas, que
século XIX, marcada pelo êxito da revolução se comem em casa e que qualquer um pode
industrial, a alta burguesia substitui a aristocra- pagar, por outro, o fornecedor de um serviço
cia. Continua a comer-se pantagruelicamente de festas altamente especializado.
como dantes, mas os traiteurs tiveram de tor-
nar-se mais flexíveis, na medida em que tinham Fonte: texto extraído na íntegra de Dominé (2001,
de ser capazes de preparar tanto um sofisticado p.37).
Especialidades
Clássicas Regionais
SAMARA FERNANDES
Plano de Estudo
A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta unidade:

• Outras culturas e a regionalização de ingredientes


• Características gastronômicas regionais italianas
• Características gastronômicas regionais francesas

Objetivos de Aprendizagem
• Compreender a influência de outras culturas na cozinha clássica.
• Assimilar como os produtos regionais adquiriram importância.
• Entender as características gastronômicas das regiões italianas.
• Explorar os aspectos gastronômicos das regiões francesas.
49

Introdução
Querido(a) aluno(a),
Nesta unidade, nosso foco de estudo será as especialidades regionais. Mas de que regiões
você está falando, professora? – é o que você deve estar se perguntando. Estou me referindo às
regiões que dividem a França e a Itália, pois são os países que constituem a base mais forte da
gastronomia clássica e por isso as estudaremos com mais apreço.
No primeiro tópico, conversaremos um pouco sobre alguns povos que exerceram influência
sobre a gastronomia francesa, seja inserindo algum costume ou ingrediente à culinária. Dessa
forma, será possível entender a razão de termos ingredientes com característica alimentar de
uma região e não de outra, dentro do mesmo país.
Ademais, os próximos tópicos constituirão realmente a divisão de regiões, os costumes de
cada uma delas, bem como os ingredientes mais utilizados e consumidos na gastronomia – tanto
da Itália quanto da França.
O que comem os italianos e os franceses? Vamos descobrir?
Cozinha Clássica
GASTRONOMIA • UNICESUMAR 51

Outras Culturas
e a Regionalização
de Ingredientes

Nesta unidade, abordaremos os principais aspectos das gastro-


nomias que originam a gastronomia clássica: italiana e francesa.
Apesar disso, devemos ter consciência de que a culinária clássica,
principalmente na França, passou por diversas transições e foi
influenciada por diversos povos. Sendo assim, antes de entrarmos
diretamente nas regiões de cada país para entender a gastronomia,
vamos, primeiro, entender um pouco sobre esses acontecimentos.
De acordo com o Instituto Americano de Culinária (2011), a
história aponta inúmeras invasões no território francês com ob-
jetivo de exploração. Pode-se, com isso, notar a atuação de alguns
povos na origem da culinária local.
Cozinha Clássica

Datamos de 1500 a.C. a 500 a.C., em média, panelas suspensas com ganchos” (INSTITUTO
quando os gauleses celtas invadiram as terras AMERICANO DE CULINÁRIA, 2011, p.132).
que hoje conhecemos por França e ali instalaram Passado mais tempo, já em 718 d.C. os
métodos de plantação, técnicas agrícolas eficien- mouros é que invadiram a França, passando
tes, dividindo o território em pequenas regiões, pela Espanha, e trouxeram a cultura da criação
as províncias ainda conhecidas atualmente. Em de cabras, bem como uma série de novos ingre-
56 a.C. foi a vez dos romanos, que se instalaram dientes e até introduziram novos métodos de
no local e começaram a produzir uma vasta va- cocção no local, métodos esses que, a partir de
riedade de queijos (os queijos na França ficaram então, fizeram parte da cultura do país e ainda
tão famosos que teremos um tópico exclusivo fazem, afinal, até então os métodos de assar e
para eles na próxima unidade), também tinham ferver eram ainda rudimentares. O Instituto
hábito de pescar e caçar, o que se popularizou Americano de Culinária (2011, p.132) segue
por todas as regiões: “nas lareiras, as carnes mostrando como os árabes influenciaram a gas-
eram assadas no espeto ou fervidas em grandes tronomia francesa:

Na Idade Média, eram comuns especiarias como pimenta do reino, cominho, anis,
gengibre, galanga, canela e alcaravia, consequência de o comércio de especiarias
fazer paradas nos muitos portos franceses. As influências árabes eram evidentes
no uso de amêndoas e arroz como espessante, resultado das viagens dos cavaleiros
franceses ao Oriente Médio.

Depois do casamento de Catarina de Médici, ita- era maior e melhor, ou seja, tanto a quantidade
liana, com o rei Henrique II, como já citado com quanto a qualidade dos vegetais aumentavam.
mais detalhes na Unidade I, a gastronomia apre- Por consequência, passam a utilizar menos es-
sentou mudanças mais drásticas, mais modernas peciarias nos pratos, pois a função do excesso
para a época, tornando-a também mais luxuosa, dos condimentos nas preparações era, inicial-
já se falava de uma haute cuisine. Foi por conta mente, mascarar o sabor dos ingredientes crus,
dessa união que a França teve um salto grande na bem como alguns eram reconhecidos por funções
culinária, até ficar tão conhecida e abastada como farmacêuticas ou dietéticas, e, apresentando mais
é. Nesse período, por volta dos séculos XVI e XVII, qualidade, é possível estimar o sabor natural de
junto dessa culinária mais moderna, descobriram cada elemento (FLANDRIN, 1998; INSTITUTO
que, fazendo rotação nas lavouras, o rendimento AMERICANO DE CULINÁRIA, 2011).
GASTRONOMIA • UNICESUMAR 53

Figura 10. Especiarias: canela, cardamomo, cúrcuma, anis, cominho, pimenta-do-reino, açafrão, entre outras.

O absolutismo, em Paris, acabou por favorecer o


surgimento da haute cuisine, já que essa cozinha
ostensiva, a boa mesa, era vista pelo rei como
meio de poder, de mostrar ao povo seu prestígio
e superioridade. Enquanto isso, o povo – seja
“A partir do século XVII, os cozinhei-
da cidade ou da zona rural – precisava recorrer ros e os comilões esquecem, progres-
àquilo que a geografia local lhe favorecesse, de- sivamente, essas funções dietéticas e
limitam-se a levar em consideração a
leitando-se dos alimentos que eram produzidos
harmonia dos sabores”.
nas redondezas (CSERGO, 1998).
Ainda antes de a gastronomia francesa se Fonte: Flandrin (1998, p.675).

elevar ao patamar de grandeza, de tamanho re-


conhecimento mundial, alguns laudos deixados
Cozinha Clássica

na Idade Média apontam que já havia certa e ficavam sem emprego. Enquanto isso, os bur-
tendência a respeito das cozinhas regionais. gueses glorificavam a haute cuisine (INSTITUTO
Csergo (1998) apresenta como exemplo dessa AMERICANO DE CULINÁRIA, 2011)
perspectiva a torta de brie, nome no qual pode-
Versão culinária dessa nova formu-
mos notar a citação do local onde é produzido o lação das diversidades culturais que
queijo que dá a características principal à torta. marca a década revolucionária, as cozi-
Além desse, a autora explica que nos séculos nhas e as especialidades alimentares da
“terra” ou das “províncias” – que, por
XVII e XVIII são encontrados vários livros di-
comodidade, designaremos por “re-
vulgando a região de produção dos pratos, a la gionais”, embora ainda não existam as
provençale, a la bourguignonne, a la flamande etc. regiões oficiais – encontraram, desde
E, antes mesmo disso, consta que já no século então, sua inscrição nessa redefinição
da complementaridade das diversida-
XVI inúmeras produções – dentre elas queijos,
des que fundamenta a nação histórica,
manteiga, óleos, vinagres – eram vendidas com essa coletividade de homens unidos
a reputação de seu local de produção. por uma continuidade, um passado
e um futuro (CSERGO, 1998. p.806).
Apesar dessa grande evolução, com o ad-
vento da Revolução Francesa (1789-1799), que
gerou crise econômica por conta dos elevados A queda da Bastilha acaba elucidando a impor-
preços dos gêneros alimentícios e queda na pro- tância que as particularidades de cada região
dução de cereais, os agricultores, que eram a têm, não apenas no contexto privado social,
parte maior da sociedade francesa, empobreciam mas sim em âmbito geral, que esses ingredien-
tes são parte de uma nação, que as particula-
ridades são a representação daquela cultura
local, que essas províncias apresentam uma
riquíssima diversidade, tornando aquela gas-
tronomia um elemento notável. A partir daí,
as características geográficas tornam-se mania
Como é essa visão hoje? Consideramos
sabor, dietética ou a combinação? aos parisienses e todos aqueles aspectos que
Queremos enganar o gosto dos alimen- diferenciam um local do outro – não apenas
tos? Reflita! no quesito gastronômico, como também na
Fonte: O autor. arquitetura e na flora, por exemplo – começam
a surgir na literatura para definir as especiali-
dades regionais (CSERGO, 1998).
GASTRONOMIA • UNICESUMAR 55

Em meio a isso, pouco antes do marco da apresentavam uma mistura entre as culturas da
Revolução, deu-se o surgimento do restaurante cozinha burguesa, de maior requinte, e a da cozinha
(lembra do caso Boulanger, em 1765? Você pode camponesa, mais simples e rústica. Csergo (1998)
retomar essas informações no tópico “O nasci- afirma que, próximo ao século XIX, os primeiros
mento da gastronomia clássica”, na Unidade I) livros de receitas “regionais” são publicados na
e, posteriormente, a divisão de serviços de ali- França, sendo eles escritos tanto por cozinheiros
mentação mudou sua concepção. Passado o perí- profissionais quanto por donas de casa. Podemos
odo de maior agitação, o governo revolucionário citar a cozinha de Genebra, de Mulhouse e da Alsácia
aboliu as confrarias – fornecedores de refeições como exemplos de regiões que tiveram suas receitas
especializados em preparos específicos estabele- coletadas e se tornaram livros. O gênero literário se
cidos pelo rei –, o que fez aumentar o número de alastra e até mesmo ícones internacionais são cita-
restaurantes e passou a refletir a criatividade dos dos – os burgueses começaram acrescentar pratos
chefs ali presentes (GISSLEN, 2012). de outras nações, afirmando que, de tão bons, po-
deriam ser encontrados em sua própria terra. A
Outra invenção importante que mudou
a organização das cozinhas no século autora explica que, ao final do século, a evolução
XVIII foi o fogão, potager em francês, que dessas obras chegou ao mais próximo do que temos
proporcionou aos cozinheiros uma fonte hoje, livros culinários com as principais receitas da
de aquecimento mais prática e controlá-
vel que o fogo aberto. Logo as cozinhas
região, além da listagem de ingredientes, produ-
comerciais se dividiram em três setores: tos e histórias locais, apresentando até mesmo os
a rotisseria, sob comando do cozinhei- modos de se comer à mesa, quando se tratavam de
ro de assados e grelhados ou rôtissieur;
aspectos distintivos.
o forno, sob comando do cozinheiro
confeiteiro ou pâtissier; e o fogão, sob Essas obras apresentam componentes
o comando do cozinheiro ou cuisinier. idênticos: publicadas por editores locais,
O cozinheiro de assados e grelhados e o destinadas a uma difusão local, elas or-
confeiteiro reportavam ao cuisinier, que ganizam-se em torno do tema do solo
também era conhecido como chef de regional, submetido a uma divisão não
cuisine, que significa “chefe de cozinha” administrativa, mas histórica [...] Em
(GISSLEN, 2012, p.4). todos os casos o autor é um representan-
te da terra, notável ou erudito, depositá-
rio da “alma das gerações” que recolhe e
Ainda que fortemente baseado na cozinha corte –
transmite uma herança através da qual
marcada pela forte presença de Tayllerand e Carême se expressa a pertença e a identidade do
–, as primeiras escritas a respeito de uma culinária grupo (CSERGO, 1998, p.812).
regional começam a tomar forma, de modo que
Cozinha Clássica

cozinha camponesa, cujos preparos são im-


provisados; e também os pratos que o paladar
nacional aceita (como o confit e o foie gras, da
região de Périgord) de pratos de difícil absorção
“(Muitos hotéis e restaurantes ofereciam
uma simples table d’hôte (ou refeição com- (como o garbure e crucharde).
pleta), o que não permitia grandes escolhas. Hoje, entendemos que a alta gastronomia
A Grande Cuisine*, um código cuidadoso
faz parte da cozinha francesa, mas, como po-
estabelecido por Marie-Antoine Carême
(1784-1833), que detalhava numerosos demos notar, ela foi influenciada por inúmeros
pratos e os respectivos molhos, era um povos, bem como tem dominação em cultu-
estilo culinário muito adequado para casas ras variadas ao redor do mundo. Sendo assim,
reais e nobres, mas difícil de se manter em
devemos ser conscientes que cada região do
cozinhas de hotel que, geralmente, conta-
vam apenas com um equipamento culiná- país tem características culinárias específicas.
rio rudimentar). Quando foi aberto o Hotel Não apenas a França, mas também a Itália,
Savoy em Londres, em 1898, sob a direção
que é tida como forte ícone para a gastrono-
de César Ritz e Geroges-Auguste Escoffier,
a Grande Cuisine foi substituída por uma mia clássica. É por isso que nos tópicos a seguir
abordagem simplificada mais refinada, a vamos conhecer um pouco mais dos ingre-
que se chamou de Cuisine Classique (co- dientes e cultura italiana e francesa regionais.
zinha clássica)”.

Fonte: Instituto Americano de Culinária (2011,

p.132). *Grande cuisine: haute cuisine.

Com o reconhecimento da gastronomia francesa


em geral, no início do século XX, são escritas
muitas obras parisienses, todas elas enfatizando
a importância da cozinha clássica, da cozinha
de tamanha riqueza que é a da França. Csergo
(1998) explica que essas obras, inclusive, le-
gitimam os pratos considerados autênticos:
diferenciam a cozinha realmente regional, que
representa uma das províncias francesas, da Figura 11. Foie gras servido com figos frescos
GASTRONOMIA • UNICESUMAR 57

Afinal, apesar de termos o foie gras, como coloca (2000, p. 24) resume essa ordem em uma tabela
o Instituto Americano de Culinária (2011), comparativa:
como um item primordial da haute cuisine, não
Ordem dos serviços Ordem dos
é ele o alimento consumido em casa diariamente
(tradicional) serviços (atual)
pelo francês. As especialidades regionais sempre
1. Hors d’oeuvre frio
acabam se sobressaindo. (Entrada fria)

2. Sopa 1. Entrada

3. Hors d’ouevre quente


(Entrada quente)
Sequência de pratos 4. Pescado 2. Pescado

5. Prato principal
Antes de darmos início ao reconhecimento re-
6. Entrée
gional da Itália e da França, precisamos estar 3. Prato principal
cientes de que para italianos e franceses a se- 7. Sorbet

quência dos pratos é importantíssima – no que 8. Assado

diz respeito a uma refeição digna, a variedade 9. Entremet


e o tamanho da sequência são itens cruciais, 10. Queijo
variando de acordo com o tipo da refeição. 4. Sobremesa
11. Doce
A exemplo de uma refeição simples, Coelho
12. Fruta
(2008) explica que se deve apresentar uma entra-
da, seja quente ou fria, um prato principal (plat Tabela 1. Ordem dos serviços. Fonte: Teichmann (2000, p.24)

de résistance), normalmente carne com legumes,


em seguida, queijos para se consumir com pão e Na tabela acima, podemos verificar as transições.
vinho e, por fim, uma sobremesa. O autor ressalta Inicialmente, eram servidos necessariamente uma
que essa é a ordem básica e que, a partir dessa entrada fria, uma sopa e uma entrada quente, ou
composição, o número de pratos pode ser ilimi- seja, três serviços que, depois, foram resumidos a
tado, se o intuito for a boa recepção dos convivas. apenas um, podendo ser a escolha de um desses
A ordem de serviço mais clássica, mais tra- elementos. Teichmann (2000) explica que três
dicional, era composta por 12 sequências de dos serviços clássicos foram deixados para trás:
serviço, que, ao longo dos anos, adequou-se à o do sorbet, que era utilizado entre refeições com
necessidade do consumidor – inclusive no que- função de limpar o paladar do comensal, para que
sito econômico (poder aquisitivo). Teichmann esse pudesse prosseguir com a sequência de pratos
Cozinha Clássica

sem interferência do prato anterior; os assados, local ou o quanto ela poderia gastar com aquela
que eram grandes peças inteiras, passaram a ser refeição (COELHO, 2008).
utilizados em serviços buffet; e os entremets, Os cardápios (menus ou formules) mais em
artigo de pastelaria que foi agregado aos doces e conta oferecem, em geral, uma entrada,
passou a fazer parte, de modo geral, da sobremesa. um prato principal, um prato de queijos
ou uma sobremesa, além de uma pequena
Na Itália, não se considera jamais apenas um
jarra de vinho. Para cada prato, há sempre
prato como principal. É comum servir, inicial- algumas opções, de forma que cada cliente
mente, uma massa ou um risoto, nunca acompa- possa montar a sua própria sequência. As
propostas de menu mais caras já oferecem
nhado de carne, pois este é um prato a parte que
um maior número de pratos, como um
virá depois. O segundo prato, seja composto por consommé ou um caldo leve, duas entra-
ave, carne bovina, etc., é sempre rico em legumes, das (uma fria e outra quente), além do
prato principal, queijos, sobremesa, café
podendo ser servido um ou dois no mesmo prato
e licor. Pão não precisa ser pedido, pois
ou até mesmo tomando maiores proporções e será sempre servido ao longo de toda a
sendo os elementos principais – esses pratos à refeição, e uma jarra de água de torneira
base de legumes são chamados de contorno. Em pode sempre ser solicitada sem qualquer
custo, pois, por lei, servir água é obrigató-
seguida ao contorno, apresenta-se um prato de rio onde quer que se sirvam refeições ao
salada, de extrema importância pela sazonalidade público (COELHO, 2008, p.224).
e leveza, de modo a refrescar o paladar e prever
a obra final da refeição. Se a refeição é em casa, O parágrafo apresentado deixa claro os costu-
normalmente, servem-se frutas como sobremesa mes não só dos franceses como dos italianos
– no máximo marinadas –, deixando doces assa- com relação ao serviço de sequência de pratos.
dos ou mais elaborados para ocasiões especiais Fica evidente que a evolução se ajusta ao bolso
ou restaurantes. Claro que as refeições mais com- do cliente e à rotina do cotidiano, de modo que
pletas são feitas fora de casa, em restaurantes, cada um pode escolher o que se adequa ao mo-
mas os italianos prezam pela alimentação plena mento. Ainda assim, o número extenso demais
– quando dispõem de tempo (HAZAN, 1997). de pratos servidos já caiu em desuso mesmo
Atualmente, restaurantes na França costu- nos banquetes mais sofisticados. E, se há uma
mam expor seus cardápios na parte externa do regra a ser seguida com relação à distribuição
estabelecimento já com a indicação de preços, dos pratos, é de sugerir os pratos mais leves
para que as pessoas tenham acesso aos pratos primeiro, depois os mais pesados e, por último, o
ofertados pela casa e não entrem no estabeleci- doce, de modo que haja harmonia na sequência
mento sem ideia prévia do que é servido naquele e que um sabor não mascare o outro.
GASTRONOMIA • UNICESUMAR 59
Cozinha Clássica
GASTRONOMIA • UNICESUMAR 61

Características
Gastronômicas
Regionais Italianas

A cozinha italiana é vista pelos próprios italianos como uma cozinha


de regiões, cada qual com sua especialidade, ingredientes, cultivos
e preferências. E isso acontece, como explica Hazan (1997), porque,
dentro do próprio país, a cultura é diversificada, sendo uma culiná-
ria diferente da de outro local. A autora exemplifica comparando a
mesa de Veneza com a de Nápoles: ambas utilizam em comum os
frutos do mar, porém, enquanto os venezianos apropriam-se de
uma culinária leve, os napolitanos abusam de sabores exagerados. E
isso não acontece apenas entre as duas regiões citadas, e sim entre
várias outras que compõem a riquíssima gastronomia da Itália.
Além disso, dois aspectos topográficos interferem na variação
cultural entre uma região e outra, são elas: a montanha e o mar.
Cozinha Clássica

A Comida [italiana], seja ela simples


ou elaborada, é preparada no estilo das
famílias. Não existe uma haute cuisine
italiana porque, igualmente, inexistem
altos ou baixos caminhos que levem à
culinária italiana. Todos os caminhos
conduzem ao lar, conduzem a la cucina
di casa – a única que merece ser chamada
de cozinha italiana (HAZAN, 1997, p.5).

A postura da autora com relação à cozinha ita-


liana nos mostra claramente que o peso dessa
gastronomia está na diversidade de ingredien-
tes e na vastidão de preparações elaboradas
em cada lugar com o que é sazonal, com o que
é riqueza local. Ainda assim, vale lembrar que
foram a sofisticação dos simples preparos e
da mesa posta e os detalhes minuciosos dessa
cultura que, levados à França, possibilitaram

Figura 12: Mapa da Itália


a evolução de uma cozinha que chegou a ser
aclamada por cozinha clássica.
Antes de tudo, você deve saber que o sabor

C
omo é possível verificar no mapa, a italiano é construído a partir de uma base. Essa
Itália é uma península em forma de base é utilizada para aprimorar o ingrediente
bota que apresenta território tanto principal, seja um risoto, uma sopa ou qual-
no Mar Mediterrâneo quanto no Mar quer outro prato. Essa base pode ser uma das
Adriático, além de se unir à Europa pelos Alpes. três técnicas básicas que Hazan (1997) explica:
Sendo assim, já temos a ideia de que os produtos battuto, soffritto e insaporire.
encontrados em área banhada por mar é diferen- O battuto vem de “bater”, sendo que
te de áreas não banhadas. As montanhas também a técnica é basicamente a de misturar in-
interferem nas mudanças climáticas, enquanto gredientes e batê-los com uma boa faca
próximo aos Alpes o inverno apresenta-se rigo- até estarem esmiuçados em uma tábua. A
roso, o território banhado pelo Mediterrâneo mistura clássica costuma levar toucinho,
apresenta clima mais ameno (HAZAN, 1997). salsa e cebola. De acordo com a variação do
GASTRONOMIA • UNICESUMAR 63

prato, acrescentam salsão, alho ou cenoura O insaporire é o ponto que procede ao soffrit-
e, atualmente, utilizam mais o azeite em to e significa “conferir sabor”. Ou seja, quando o
substituição ao toucinho. soffritto chegou à coloração ideal, deve-se acres-
O soffritto nada mais é que o battuto depois centar os legumes ou ingredientes principais
de suado em frigideira até que a cebola esteja com o fogo alto e saltear, para que o sabor seja
dourada (e o alho, quando utilizado). Muitas espalhado por todos os elementos.
vezes, todos os ingredientes são salteados Agora sim! Neste tópico, vamos conhecer
juntos, porém, é indicado separar cebola e algumas regiões italianas, caracterizá-las para
alho, sendo que a cebola deve ir à frigideira entender o que o solo permite colher, quais pro-
primeiro e depois de transparente o alho. Ao dutos são mais comuns e mais consumidos em
ponto que o alho esteja dourado, adiciona-se cada uma dessas delimitações e como é a cultura
o restante do battuto. gastronômica desse povo. As informações que
seguem a respeito de cada região são embasadas
em duas principais fontes de pesquisa que foram
cruzadas: Piras (2008) e Instituto Americano de
Culinária (2011).

“Em geral, mas nem sempre, um battuto


se torna um soffrito. Às vezes, pode-se Região Norte
misturá-lo com outros ingredientes do
prato, resultando naquilo que se designa
A região Norte da Itália é uma das mais prós-
por a crudo (em estado cru), para usarmos
a expressão italiana. Esta é uma prática
peras e industrializadas do país, o que influi
à qual alguns recorrem para obter um nos hábitos alimentares. É composta por Valle
sabor menos acentuado [...] o pesto [é] d’Aosta, Piemonte, Lombardia, Emilia Romana,
um verdadeiro battuto a crudo, embora
Trentino – Alto Ádige, Vêneto e Friul – Veneza
este, talvez por ter sido tradicionalmen-
te esmagado com um pilão, em vez de Julia, cada qual com suas características.
picado com uma faca, nem sempre seja A culinária oferecida no Valle d’Aosta é sim-
reconhecido como tal”. ples, porém muito nutritiva, comum em regiões
Fonte: Hazan (1997, p. 8) montanhosas. Alguns dos pratos comuns do
local são as sopas de pão, bem quentes e subs-
tanciais; a fondueta, semelhante ao fondue de
Cozinha Clássica

queijo; a polenta; o pão de centeio; e imensa especialidades comuns dessa região são a
variedade em charcutaria. Também consomem bagna coada, legume piemontês com molho
muita carne de vaca e de porco, sendo os méto- espesso de anchovas, risoto a la piemontese,
dos de cocção mais comuns os cozidos, assados queijo gorgonzola e o castelmagno.
e estufados, seja com nata ou manteiga. Note A Lombardia deixa o macarrão em segun-
que esses ingredientes combinados resultam em do plano e assume a preferência pelo risoto.
alimentos ricos em calorias, o que é proposital Habitualmente, consomem queijo após as re-
devido às necessidades nutricionais diferencia- feições – a exemplo do robiola ou grana padano
das e ao clima montanhoso, mais frio. – e trocam óleos vegetais por manteiga. Pratos
bem comuns da região são o risoto com osso-
buco, ravióli recheado com abóbora (regado
com manteiga derretida), peru ou galinha re-
cheados e a casoeula, além desses, as carnes e
caças costumam ser acompanhadas por uma
dourada polenta.
A gastronomia da Emilia-Romana é extre-
mamente marcada pelos famosos presuntos e
mortadelas frescas, parmesão condimentado
e macarrão caseiro. Esse macarrão caseiro é
habitualmente servido com molhos, pratos
de carne, caças, artigos de pastelaria doces ou
Figura 12. Pão de centeio: tradicional no Valle d’Aosta
salgados, sobremesas, vinhos e o vinagre bal-
sâmico (tradicional da região e feito por alguns
Piemonte apresenta uma gastronomia focada poucos produtores). São conhecidos também
em sabor e aromas de boa qualidade, sendo o por pratos de carne estufada, por erbazzone
Outono o ápice da culinária, pois é nessa época e pé de porco recheado. Outros produtos dis-
do ano que procuram mais pelas trufas, outros poníveis na Emilia-Romana são o lambrusco,
cogumelos, nozes e avelãs. Além desses, o a piadina e um pão tradicional – fino e chato,
alho, a caça, legumes frescos, queijo e o arroz cozido em forno a lenha.
são alimentos primordiais dessa região, bem A região de Trentino credita a seu favor o
como o vinho, famosos por apresentarem preparo de peixes de água doce, gnocchi com
características de superioridade. Algumas ricota e frango recheado à moda Trentino.
GASTRONOMIA • UNICESUMAR 65

Fortemente influenciados por eslavos, austrí- Montasio. Por influência austríaca, húngara
acos e húngaros, os trentinos têm hábito de e eslovena, consomem salsichas de Viena,
consumir o gulasch e o strudel. Além desses, muita carne de porco, gulasch, coelho da
a batata, a couve, os canederli (parecido com Boémia, pudins, cremes e strudel.
uma almôndega de pão), a massa, o tomate e o
azeite são comuns nas refeições.
A cozinha de Vêneto é baseada na prepa-
ração de risotos, seja com frutos do mar ou
peixes, abóbora, espargos, chicória ou cozinhas Região Central
de rã. Consomem muito as leguminosas – como
feijão – com azeite, também arroz com ervilhas A região Central da Itália apresenta semelhan-
novas e tenras, bacalhau, anchovas, soppressata ças com a região sul por ser próxima ao Mar
e salame de alho. Ainda são produtores de uma Mediterrâneo. É composta por Ligúria, Toscana,
variedade rica de legumes. Úmbria, Marcas, Lácio, Abruzos e Molise.
A gastronomia da Ligúria é extremamente
regional, pois eles dão preferência aos produtos
que se encontram em sua redondeza, os peixes
de seu mar e cultivos de suas terras. Isso vale
para as ervas aromáticas muito consumidas,
aos legumes frescos, peixes e frutos do mar e,
até mesmo, aos ovos. Tortas apimentadas são
características da Ligúria, como a torta pas-
qualina e a torta marinara, além dessas, eles
chamam sua pizza própria de pizza all’Andrea
(semelhante à focaccia, coberta com cebolas
e anchovas). Consomem também cogumelos,
Figura 13. Soppressata
queijo fresco (ricota) e azeite.
A área mais rural da Toscana é mais espe-
Friul e Veneza Julia são conhecidas pela boa cializada em carnes e caças assadas no espeto ou
cozinha e por bons vinhos (entre os melho- grelhadas. Já na área mais urbana, pratos como a
res produtores italianos). Também produ- bisteca ala fiorentina ou spiedino toscano são mais
zem presuntos famosos, toucinho e queijo aceitos – carnes assadas em espeto também,
Cozinha Clássica

porém mais sofisticadas, com azeite e alecrim. Em Lácio – e Roma – desde as tabernas o
Nessa região, predomina o consumo de legu- consumo de alguns produtos é comum, como
minosas, pão, queijos, legumes e frutas secas. as massas, brócolos, feijão, rábano, queijo de
Eles próprios afirmam, também, que foram os ovelha, bem como os pratos bavette ala carretiere,
criadores do tão famoso gelado italiano. spaghetti ala puttanesca e spaghetti ala carbona-
A culinária oferecida na Úmbria tem grande ra. O consumo de cappuccino é extremamente
influência religiosa e finda por ser mais natural, comum entre os romanos que costumam fre-
mais singela. Os métodos de cocção mais utili- quentar cafés logo pela manhã.
zados são cozidos e assados, normalmente com
tempero de azeite puro e ervas (suaves). Utilizam
ingredientes sazonais, ou seja, mais legumes na
primavera, mais caça e trufas negras no outono
e inverno. Por ter como grande riqueza as trufas
negras, utilizam-na em alguns preparos clássi-
cos da região: mistura com outros ingredientes
(como anchovas e alho) para preparar guisados
que são servidos com massas, elaboram omeletes
e, também, colocam na torta di pasqua.
Marcas, ou Marche, é uma região dividi-
da com relação ao tipo de consumo alimentar.
Enquanto na área costeira consomem-se mais
peixes e frutos do mar (sejam grelhados ou em
sopas), nas colinas a preferência é para a carne
do javali e do porco – de cujos pernis tornam-se
belíssimos presuntos. Leitão, frango e peixes
são normalmente recheados com azeitonas sem
caroço. Os habitantes da região se autointitulam
criadores do leitão assado inteiro rodando no
espeto. O tagliatelle recheado com ragu é comu-
mente preparado em Marcas, servido apenas
com um molho de modo simples, para que não
se perca a ênfase que deve ter o recheio. Figura 14. Spaghetti alla carbonara
GASTRONOMIA • UNICESUMAR 67

Abruzos e Molise têm em sua cozinha o traço


picante, proveniente, na maioria dos casos,
da pimenta piri-piri esmagada. Terra rica em
agropecuária e agricultura, de onde tiram os
legumes e a carne utilizados junto das massas
frescas feitas com auxílio da chitarra. A carne
de borrego é uma das mais consumidas, bem
como queijos aromáticos.

Figura 15. Chitarra


Fonte:<http://viagemculinaria.blog.br/wp-con-
tent/uploads/2014/10/MOLISE-CHITARRA.jpg>.

Região Sul

A região Sul da Itália é a menos desenvolvida mais reconhecidos da região são: omeletes, sopas
do país, em contrapartida, é onde os aspectos de peixe, assados mal passados, pratos variados
de união familiar são mais predominantes. É feitos com legumes, massas e pizza. A salada
composta pela Campânia, Basilicata, Apúlia, caprese é uma criação clássica dessa região.
Calábria, Sicília e Sardenha.
Nápoles, na região de Campânia, apresenta
uma cozinha simples por conta da correria coti-
diana. Produtos como tomate, pimentos, cebo-
linhas, batatas, alcachofras, funcho, limões ou
laranjas crescem vistosos nessa terra, por conta
do solo fértil aos arredores do vulcão Vesúvio. Por
ser uma região banhada, consomem-se muitos
peixes e frutos do mar. Porém, além do grande
consumo de carne – principalmente para o ragu
das massas – o leite de búfala é utilizado para
fabricar a Mozzarella da Campânia. Os pratos Figura 16. Insalata caprese
Cozinha Clássica

A
culinária de Basilicata é famosa Vale reforçar a produção e utilização da be-
pela salsicharia. Quando os porcos rinjela que é realmente fonte de lucro dos
são abatidos – muitas vezes, a habitantes desse território.
engorda e matança desses ani- Sicília é a região de grande apreço por
mais são feitas de forma doméstica –, logo damascos, açúcar, citrinos, melões doces,
são transformados em lucanica, pezzenta ou arroz, açafrão, passas, noz moscada, cravi-
cotechinata (salsichas artesanais). Parte dessa nho, pimenta e canela. Além desses, posterior
carne também é feita no espeto e, além dessas, a influências estrangeiras, passaram a utili-
gostam bastante da carne de carneiro e de bor- zar cacau, milho, peru e tomate. Partindo de
rego. Igualmente à Campânia, são grandes con- grande criatividade, os chefs locais são favorá-
sumidores de piri-piri e, além disso, dão grande veis a uma culinária colorida, doce, saborosa,
valor às massas e ao queijo provolone. aromática, exótica e simples.
A Apúlia nos oferece uma cozinha rústica, Por fim, a região da Sardenha, pouco
em que se coloca muito alho e cebola em inúme- acessível a visitantes por ser uma ilha, tem
ras preparações. É a região que produz a maior na gastronomia, por ironia ao acesso fácil à
parte do trigo duro utilizado para fabricar as água do mar, maior consumo de animais de
massas italianas. Cultivam tomate, courgetes, pastoreio, como leitão e javali. Esses costu-
brócolos, pimentos, batata, espinafres, berin- mam ser feitos assado, no espeto ou cozidos
jelas, couve de Bruxelas, funcho, chicória, grão- de forma rústica com legumes selvagens e
-de-bico, lentilhas, feijão e favas. Além desses, feijão. Também consomem pão seco e acha-
o azeite é essencial à mesa nessa região. tado, mirto e hortelã, posicionando-os como
O povo árabe levou à Calábria tangeri- cozinha antiga.
nas, limões, passas, alcachofras e berinjelas, Verifique na tabela os ingredientes que
produtos até hoje produzidos e consumidos fazem parte da dieta principal em cada região
na região, caracterizando a gastronomia local. italiana:
GASTRONOMIA • UNICESUMAR 69

REGIÕES DA ITÁLIA
Região Cidade Principal Características da Culinária
Norte da Itália
Valle d' Aosta Aosta Manteiga, queijo de leite vaca, creme
de leite, nhonque, presunto cru, carnes
fervidas, peixes de água doce
Piemonte Turim Manteiga, nhonque, macarrão (ravióli, fettuccini),
cogumelos porcini, trufas brancas, peixes de
água doce, carne de porco, de boi, vitela; ferver
Lombardia Milão Manteiga, queijo de leite de vaca, creme de leite,
maçãs, peras, radicchio, açafrão, arroz, risotos,
milho, polenta, carne, vitela; ferver, brasear
Emília-Romanha Banha de porco de Bolonha, manteiga,
maçãs, peras, cerejas, tomates, aspargos,
beterrabas, trigo, macarrão fresco (lasanha,
tagliatelle, tortellini, agnolotti), milho, vinagre
balsâmico, parmigiano-reggiano, porco
processado (prosciutto, mortadella, coppa)
Trentino-Alto Ádige Trento Manteiga, repolho, batatas, arroz, polenta,
nhonque, strudel, peixes de água doce,
bacalhau salgado, prosciutto (San Daniele)
Vêneto Veneza Manteiga, azeite de oliva, maçãs, peras,
beterrabas, cebolas, ervilhas, radicchio,
arroz, polenta, macarrão (bigoli), bacalhau
salgado, enguia, scampi, fígado, peru
Friul-Veneza Júlia Trieste Manteiga, alcaravia, milho, batatas,
polenta, raiz-forte, páprica, feijão,
peixes e frutos do mar, veado
Itália Central
Ligúria Gênova Azeita de oliva, frutas cítricas, vegetais, ervas
aromáticas, pesto, vinho, macarrão fresco e
seco (ravióli), farinata, feijão, peixes e frutos
do mar, ensopados e sopas de peixe, coelho
Toscana Florença Azeite de oliva, queijo de ovelha, melão, tomates,
cavolo nero, espinafre, castanhas, nozes, trigo,
macarrão fresco (pappardelle), pão sem sal, feijão
branco, vinho, peixes de água doce, frutos do
mar, carne de boi, caça, aves; grelhar e assar
Úmbria Perugia Azeite de oliva, queijo de ovelha, trufas
negras, cogumelos porcini, macarrão
seco, pão sem sal, lentilhas, castanhas,
peixes de água doce, porco, carne de boi,
carneiro, carne curada; assar no espeto
Cozinha Clássica

Marcas Ancona Azeite de oliva, erva-doce, trigo, macarrão


seco, pão sem sal, lentilhas, vinho, sopas
e ensopados de peixe, bacalhau seco,
caracóis, porco, gado charolês
Lácio Roma Banha de porco, queijo de ovelha,
alcachofras, ervilhas, macarrão (espaguete,
rigatoni, bucatini, fettuccine de ovos), carne
de boi, carneiro, porco, aves; fritar
Abruzos L'Aquila Azeite de oliva, queijo de ovelha, crepes,
pimentas, macarrão fresco e seco
(maccheroni, spaghetti alla chitarra)
Molise Campobasso Azeite de oliva, queijo de ovelha,
macarrão fresco e seco (maccheroni)
Sul da Itália
Campânia Nápoles Azeite de oliva, queijo de ovelha, mozarela
de búfala, frutas cítricas, tomates,
erva-doce, macarrão seco (espaguete,
penne vermicelli, rigatoni), pizza
Basilicata Potenza Azeite de oliva, queijo de ovelha, macarrão
seco, pimenta, porco, linguiça
Apúlia Taranto Azeite de oliva, queijo de ovelha,
batatas, amêndoas, trigo, macarrão
fresco e seco (orecchiette), pimentas,
feijão, ostras, mariscos, carneiro
Calábria Catanzaro Azeite de oliva, tomates, berinjela, pimentas,
cogumelos, macarrão seco, carneiro, cabra,
porco, veado, peixes de água doce
Sicília Palermo Azeite de oliva, frutas cítricas, uvas-passas,
tomates, berinjela, pimentas, amêndoas,
marzipã, trigo, cuscuz, macarrão seco, vinho,
açafrão, canela, mel, sardinhas, anchovas, atum,
peixe-espada, carneiro, porco, cabra, doces
Sardenha Cagliari Azeite de oliva, queijo de ovelha, ervas
aromáticas, castanhas, avelãs, macarrão seco,
pão chato (carta da música), carneiro, porco

Tabela 2. Características da culinária regional da Itália


Fonte: Instituto Americano de Culinária (2011, p.140-141).

Na tabela, você pode conferir as regiões da Itália separadamente, com as


características culinárias de cada uma. Agora, vamos seguir para a França?
Espero-te no próximo tópico.
GASTRONOMIA • UNICESUMAR 71
Cozinha Clássica
GASTRONOMIA • UNICESUMAR 73

Características
Gastronômicas
Regionais Francesas

A gastronomia francesa também apresenta características específi-


cas de acordo com as regiões. Considerando a culinária, o Instituto
Americano de Culinária (2011) divide a França em: noroeste, nor-
deste, sudeste e sudoeste. O país tem forma de hexágono, é limitado
pelo canal da Mancha a noroeste, Bélgica e Luxemburgo a nordeste,
Alemanha, Suíça e Itália a leste, Mar Mediterrâneo a sudeste,
Espanha e Andorra a sudoeste e baía de Biscaia e o oceano Atlântico
a oeste. Apresenta regiões montanhosas, com clima diversificado
– verão e inverno suave no oeste, quentes no interior e muito frio
nas montanhas –, o que auxilia na caracterização gastronômica. A
agriculta é disseminada por mais da metade do país, o que inclui
a vinicultura (INSTITUTO AMERICANO DE CULINÁRIA, 2011).
Cozinha Clássica

verões intensos. É composta pela Bretanha,


Baixa e Alta Normandia, País de Loire e o Centro.
A Bretanha apresenta uma costa rochosa e é
local de apreço daqueles que gostam da boa gas-
tronomia. Consomem-se muitos frutos do mar,
principalmente lagostas e marisco de concha,
ainda assim, os produtos do interior sempre ti-
veram preferência à mesa na Bretanha e, antiga-
mente, utilizavam o trigo sarraceno para preparar
finos crepes. Atualmente, também criam gado,
galinhas poedeiras, porcos e vacas leiteiras, cujo
leite é direcionado para a produção de manteiga.
A Alta e Baixa Normandia também oferece
variedade em frutos do mar, porém, os lingua-
Figura 17. Mapa da França dos e as vieiras é que têm a atenção. Grande pro-
dutora de maçãs, a Normandia também produz
sidra. Sem esquecer-se do queijo camembert, que
Para conhecer melhor as características de cada é também originário da Normandia.
região, faremos um levantamento dos produtos
mais consumidos, entenderemos a cultura ali-
mentar que constitui essa nação. Como embasa-
mento teórico dessa pesquisa, foram utilizadas
duas principais fontes: Instituto Americano de
Culinária (2011) e Dominé (2001).

Região Noroeste

A região Noroeste da França é caracterizada


pelo clima marítimo, com verões suaves, menos
o Centro, que apresenta invernos rigorosos e Figura 18. Queijo Camembert
GASTRONOMIA • UNICESUMAR 75

País de Loire e o Centro são também conheci- espumantes, associados ao luxo. Para além
dos como jardim francês, por conta da grande disso, em Ardenne, encontra-se grande número
produção de cerejas, que originam o Guignolet de caças e de presuntos, sem deixar de citar a
(licor), de peras Belle-Angevine (frequentemente preferência pelo porco (tanto para charcutaria
cozidas no vinho tinto), de morangos, melões e quanto para consumo da carne fresca). Também
outras frutas. Também cultivam champignons, cultivam cevada, trigo e centeio. Alguns pratos
consomem inúmeras espécies de peixes, criam tradicionais de Ardenne são: tournedos de che-
aves (nobre galinha Géline), borregos, vitelos, vreuil au jambon de sanglier gratine à l’oignon e
vaca charolesa e ainda produzem um dos me- rouelles de jarret de marcassin braisées au cassis.
lhores queijos de cabra da França. Île de France, cuja capital é Paris, tem
uma cultura gastronômica rica, com padarias
tradicionais (em que se oferecem as famosas
baguettes), queijarias e charcutarias de luxo
Região Nordeste (com exposição de trufas, foie gras e caviar).
Apesar de muitas afirmações delatarem que
A região Nordeste da França é fortemente in- não há uma culinária própria – por conta da
fluenciada pelo sul alemão, apresenta solo fértil variedade gastronômica – pratos com entrecôte
e é banhada pelo rio Reno. É composta por Nord- bercy, hachis parmentier e navarin d’agneau são
Pas-de-Calais, Picardia, Champagne-Ardenne, característicos dessa região.
Île de France, Alsácia, Lorena e Franco-Condado.
A região Nord-Pas-de-Calais e a Picardia
apresentam características gastronômicas se-
melhantes, isso se dá devido ao fato de divi-
direm uma fronteira territorial. Essas regiões
apresentam uma produção agrícola forte e es-
pecífica, encontrando-se trigo, beterrabas saca-
rinas, chicórias, endívias e batatas. Os animais
mais consumidos são o porco e uma variedade
considerável de peixes.
A região de Champagne-Ardenne é
mundialmente famosa por conta dos vinhos,
os champanhes – vinhos com bolinhas, Figura 19. Hachis Parmentier
Cozinha Clássica

rainhas-cláudias e produtos como a nata, man-


teiga, ovos, carne de porco, bolos, compotas,
frutas e sumos de frutas são comumente con-
sumidos pelos habitantes.

Região Sudeste

A região Sudeste da França é característica do


clima mediterrâneo ao sul, faz margem com a
Itália e a Suíça ao leste e a oeste encontra-se o
vale do rio Ródano. É composta por Borgonha,
Figura 20. Pretzel Auvergne, Limousin, Ródano-Alpes, Provença-
Alpes-Côte d’Azur e Córsega.
A cozinha da Alsácia oferece pratos como em- A cozinha que a Borgonha nos oferece é
padas e empadões, salsichas e carnes frias ba- de tradição gastronômica, tendo o vinho como
seados em defumados e técnicas de salga. O carro chefe, afinal, há preocupação com a casta
chucrute, feito à base de repolho, é de origem das uvas, com o solo, com a sabedoria dos vini-
Alsácia, mas ficou conhecido e tornou-se popu- cultores e com o clima. Produtos como galantina
lar por toda a França e Alemanha. Essa região é de presunto, perca, lagostins do rio, caracóis,
rica na diversidade de pães, sendo o mais origi- aves de Bresse, Charolais, caças, groselhas, bolos
nal deles o pain de métil (pão de mistura). Apesar de mel e queijos chaource ou epoisses são facil-
disso, outro pão alsaciano é o mais conhecido, mente encontrados na Borgonha.
atualmente, ao redor do mundo, o pretzel. Auvergne apresenta terras vulcânicas, o
Lorraine é ainda uma região muito rural e, que possibilita o plantio de lentilhas e a produ-
por conta disso, consomem-se muitos peixes ção de queijos. Isso também privilegia a qua-
de rio e comida simples. Como a Alsácia, tem lidade da água mineral, que é o líquido que,
domínio nas técnicas de defumar e salgar. muitas vezes, substitui o vinho na mesa da
Além do famoso quiche lorraine, a região é população desse local. Essa terra ainda produz
conhecida por pratos como pastéis de carne, uvas, repolho e trigo e há grande consumo de
doces manás, madalenas, babás e tartes de carne de boi, pato e carneiro.
GASTRONOMIA • UNICESUMAR 77

Em Limousin, o território é montanhoso e Provença é a região charmosa da França.


utilizado, principalmente, para o pastoreio de Nela, encontram-se palmeiras, limoeiros e
ovelhas e bovinos – em alguns locais também campos de alfazema. Além de originar o famoso
se criam coelhos para consumir a carne, que é prato bouillabaise, produz frutas, legumes, ervas,
servida em pratos como lapereau à la moutar- azeitonas, azeites, mel, queijo de cabra, carne
de violette (coelho em molho de mostarda). Na de borrego e de touro, vinhos doces e secos e
continuidade, encontram-se muitas caças, pato, inúmeros doces. Em plenitude com as cores
carneiro e cogumelos. dos pratos, os sabores são também ricos, não
Na região de Ródano-Alpes, encontram-se faltando alho e anchovas.
muitas frutas, legumes, aves de Bresse, galinhas
da Angola de Drôme e peixes. São conhecidos por
conta da charcutaria, mas principalmente pelos
queijos de qualidade – inclusive queijo de cabra.
Muitos cozinheiros famosos passaram por essa
região em que se encontram ingredientes fres-
cos – damascos, maçãs, cerejas, melões, vagem,
aromáticos, etc. –, como Paul Bocuse e os irmãos
Troisgros. As quenelles são originárias dessa região.

Figura 22. Bouillabaise

Limão, laranja e olivas não faltam em Córsega.


A região é também ilustre pela criação de
cabras, ovelhas, borregos e cabritos, sendo o
queijo bem picante. Para a produção de pães,
encontram-se muitas castanhas que viram fa-
rinha. Os limões já citados são utilizados na
produção de bolos, em que também se utilizam
Figura 21. Quenelle ao caldo de crustáceos castanhas para agregar sabor.
Cozinha Clássica

Região Sudoeste

A região Sudoeste da França é predomina- ingredientes frescos, em que se consomem co-


da pelo clima marítimo e divide terras com gumelos (principalmente o porcini), castanhas,
a Espanha e Portugal. É composta por Midi- frutos silvestres, mel, borrego ou caça, charcu-
Pyrénées, Languedoc-Roussillon, Aquitânia e taria, empadas, queijo de cabra e o roquefort.
Poitou-Charentes. O crème catalane e os torrões (torrone no Brasil)
A culinária da região de Midi-Pyrénées é são originais dessa região.
conhecida por conta dos presuntos e da char- A região de Aquitânia, sendo Bourdeaux
cutaria, mas aponta a carne de patos e gansos a cidade principal, exibe uma belíssima pro-
como as favoritas. Um prato muito famoso de dução de vinhos. A atividade pesqueira é
Midi-Pyrénées é o cassoulet, no qual se utiliza o tradicional e o consumo de bacalhau, por
feijão seco para produção e, por isso, plantado esse motivo, é grande, mas vai além disso,
no território. É uma região em que se encontram encontramos também ostras, mariscos, ca-
cogumelos selvagens, cordeiros de leite, queijos ranguejos, atum, anchovinhas, dentre outros.
(o roquefort é proveniente dessa região, para o Com relação às aves, também há uma criação
qual utiliza-se o leite de cabra cru na produção). variada: frango, pato, ganso, pombo e peru.
Languedoc-Roussillon é uma região rica em Essa é uma região também de solo fértil,
tanto para encontrar uma variedade conso-
lidada de cogumelos selvagens, como frutas,
legumes e leguminosas.
O queijo de cabra é o mais produzido e con-
sumido na região de Pointou-Charentes. Aí
também se criam vacas e aves de grande qualida-
de, bem como o melhor crème fraîche e manteiga.
Porém, apesar de o solo produzir feijão, trigo,
cevada, milho e castanhas, é o conhaque que
toma a frente e é reconhecido como produção
de origem principal dessa província.
Na tabela a seguir, você encontra com mais
simplicidade quais os ingredientes principais
Figura 23. Crème catalane constituintes da dieta de cada região da França.
GASTRONOMIA • UNICESUMAR 79

REGIÕES DA FRANÇA
Região Cidade Principal Características da Culinária
Noroeste da França
Bretanha Brest Maçãs, morangos, vagens, couves-flores, batatas,
alcachofras, cidra, crepe, peixe e frutos do mar
(ostras Bélon, lagosta, mexilhões, arraia, cavala,
linguado), peixe salgado, carneiro, pato, peru
Baixa e Cherbourg, Rouen Leite de vaca (queijo Camembert), creme de leite,
Alta-Normandia manteiga, mel, maçãs, cidra, Calvados, peixes
e frutos do mar (linguado, arenque, bacalhau,
mariscos, ostras, camarões, caranguejo Dungeness),
carne de boi (bucho), porco, carneiro, pato, frango
País do Loire Nantes Carne de boi, porco, pato, peixes e frutos do mar
Centro Orléans Queijo de cabra, ameixas, melões, peras, abóboras,
aspargos, cogumelos, alface-de-cordeiro,
endívia, escarola, azedinha, trigo, cevada, milho,
nozes, vinagres, caça (coelho, faisão, javali),
cordeiro, miúdos, frango, pato, peixes fluviais
(truta, carpa, congro, sável americano)
Nordeste da França
Nord-Pas-de-Calais Lillle Endívias, beterrabas, batatas,
trigos, cevada, peixe, porco
Picardia Beterrabas, batatas, trigos, cevadas, peixe, porco
Champagne-Ardenne Reims, Epernay, Beterrabas, batatas, champagne, trigo, centeio,
Charleville-Mézières, cevada, cerveja, caracóis, peixe e frutos do mar,
Châlons-sur-Marne, carneiro, porco (charcutaria), linguiças, caça (javali)
Chaumont, Troyes
Île de France Paris Batatas, Esplêndida culinária; não muito regional
Alsácia Estrasburgo Gordura de porco, gordura de ganso, ameixas,
maçãs, cerejas, uvas, aspargos, repolhos
(sauerkraut), batatas, cogumelos selvagens,
grãos, macarrão de ovos, spãtzle, ganso (foie
gras), porco, caça, peixes de água doce
Lorraine Nancy Manteiga, queijo de leite de vaca, ameixas,
maçãs, cerejas, uvas, repolho (sauerkraut),
batatas, cogumelos selvagens, grãos,
macarrão de ovos, spätzle, frango, ganso (foie
gras), porco, caça, peixes de água doce
Franco-Condado Besançon Queijo de leite de vaca (fondue), peixes de água
doce (truta), pernas de rã, charcutaria, frango
Sudeste da França
Borgonha Dijon Groselha, cogumelos, carne de boi, porco,
aves, caça, caracóis, mostarda
Cozinha Clássica

Auvergne (Maciço Valence Maçãs de Grenoble, uvas, repolho, batatas,


Central) cogumelos, trigo, lentilhas, carne de boi, pato
Limousin Limoges Maçãs, repolho, batatas, cogumelos,
trigos, carne de boi, pato, carneiro
Ródano-Alpes Lyon Damascos, maçãs, cerejas, melões, peras,
morangos, repolho, batatas, vagem, cardo, ervas
aromáticas (tomilho, alecrim, louro), porco,
carneiro, frango, codorna, peru, coelho, grande
variedade de carnes, milho, frutos secos
Provença-Alpes- Nice, Marselha Azeite de oliva, alho, tomates, pimentões,
Côte d'Azur cebolas, abobrinhas, erva-doce, alcachofras,
grão-de-bico, berinjelas, ervas aromáticas
(tomilho, lavanda, alecrim, manjericão), massa
mel, carneiro, peixes e frutos do mar (salmonete,
sardinhas, anchovinhas, tubarão-anjo)
Córsega Azeite de oliva, frutas cítricas, figos, amêndoas,
castanhas, peixes e frutos do mar, carne de
boi, cabra, carneiro, caça (melro-preto)
Sudoeste da França
Midi-Pyrénées Toulouse Azeite de oliva, ameixas, pêssegos,
damascos, tomates, alho, berinjela, porcini,
peixes (enguia), porco, pato, ganso
Languedoc-Roussillon Montpellier, Azeite de oliva, ameixas, pêssegos,
Perpignan, Nîmes, damascos, tomates, alho, berinjela, porcini,
Carcassonne peixes (enguia), porco, pato, ganso
Aquitânia Bordeaux Ameixas, morangos, maçãs, peras, pêssegos,
alho, pimentas, tomates, cebolas, milho,
favas, ervilhas, cogumelos selvagens (trufas
negras, porcini, chanterelles), peixes e frutos
do mar (ostras, mariscos, caranguejos, lulas,
bacalhau, atum, sardinhas, anchovinhas),
aves (frango, pato, ganso, peru, pombos)
Poitou-Charentes Queijo de cabra, feijão, trigo, cevada, milho,
amêndoas, castanhas, carne de boi, peixes e
frutos do mar (ostras, enguias), caracóis

Tabela 3. Características da culinária regional da França.


Fonte: Instituto Americano de Culinária (2011, p.128-129).

Na próxima unidade, você verá como muitos desses ingredientes originam


pratos renomados e reconhecidos mundialmente, no que diz respeito, prin-
cipalmente, à gastronomia clássica francesa. Até lá!
GASTRONOMIA • UNICESUMAR 81

considerações finais
Ao final desta unidade, você já é capaz de identificar alguns dos povos que deixaram sua
marca na construção do território que hoje conhecemos por França. Você já sabe que,
em outros tempos, os gauleses instalaram métodos de cultivo nessas terras, os romanos
incentivaram a produção de queijos, os mouros criaram cabras e ensinaram novos méto-
dos de cocção e os árabes enriqueceram a cultura com especiarias. Conseguimos notar,
também, a importância da Itália para a construção da gastronomia clássica, pois foi com
a chegada de cozinheiros italianos que os franceses deram um grande salto culinário.
Com relação aos ingredientes, dizemos que eles se fazem importantes nas regiões e
foi apresentado a você cada local desses e suas especificidades. Porém, vale relembrá-lo(a)
de que isso foi possível graças ao enfoque na preocupação com as plantações, que resul-
taram em alimentos de melhor qualidade – além do rendimento maior. Isso favoreceu
as características próprias do vegetal, inicialmente, que passou a ter o sabor mais apre-
ciado. Dessa forma, o uso de condimentos diminuiu e, então, passaram a valorizar mais
cada um dos ingredientes. E, como você pôde conferir nesta unidade, isso se deu por
toda parte na Itália e na França, resultando na diversidade de um local para outro e em
territórios, engrandecendo o que é de sua terra.
Mas não acabamos por aqui. Na próxima unidade, você conhecerá os métodos de
aplicação desses ingredientes, que originam inúmeros pratos extremamente reconhecidos
– atualmente, inclusive – na cozinha clássica, além dos tópicos nos quais conversamos
sobre queijos e vinhos, alimentos aclamados na França.
Cozinha Clássica

atividades de estudo

1. Além dos italianos, outras civilizações deixaram sua marca na França,


influenciando também na gastronomia. Quais são esses povos e em
que aspectos eles mais contribuíram?

2. A respeito das características gastronômicas da Itália, cite três regiões


de sua preferência e os produtos ou pratos que marcam a cultura
desse local.

3. A respeito das características gastronômicas da França, cite três


regiões de sua preferência e os produtos ou pratos que marcam a
cultura desse local.
GASTRONOMIA • UNICESUMAR 83

material complementar
A chitarra é um utensílio rústico utilizado para dar formato às massas frescas. No
vídeo a seguir, você pode acompanhar o processo completo de fabricação de uma
massa fresca, a utilização da chitarra até a finalização da massa com o molho.

Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=lUXgldu1rIY> Acesso em: 08 abr. 2015.

A FESTA DE BABETTE
Ano: 1989
Sinopse: Dinamarca, século XIX. Filippa (Bodil Kjer) e Martine (Birgitte
Federspiel) são filhas de um rigoroso pastor luterano. Após a morte do
religioso, surge no vilarejo Babette (Stéphane Audran) uma parisiense
que se oferece para ser a cozinheira e faxineira da família. Muitos anos
depois, ainda trabalhando na casa, ela recebe a notícia de que ganhou
um grande prêmio na loteria e se oferece para preparar um jantar francês
em comemoração ao centésimo aniversário do pastor. Os paroquianos,
a princípio, temerosos, acabam rendendo-se ao banquete de Babette.
Cozinha Clássica

A Feira
leitura complementar

Se você gosta de cozinhar e comprar sua própria matéria-prima, vai experi-


mentar o que os franceses consideram como o privilégio do gourmet ir à feira,
ou aller ou marche. Há quem leve os filhos a algumas delas (a de Versalles,
por exemplo, imperdível!) como quem vai a um espetáculo no domingo de
manhã! Ou aqueles que, como Gilbert Bécaud, escrevem canções sobre elas;
ou ainda outros como Alain Ducasse, chef cinco estrelas (duas no Luis XV de
Monte Carlo e três no Alain Ducasse, em Paris), que afirma ir ao mercado
quando quer conhecer a alma de uma cidade, de seus habitantes.
A feira que conhecemos hoje é um conceito que nasceu na Grécia Antiga
e suas ágoras, praças públicas onde se vendiam e se trocavam mercadorias e
ideias, evoluíram com o fórum romano que agrupava as tabernulae, lojinhas
que o Estado alugava aos comerciantes no coração da cidade.
Na França da Idade Média, os mercadores locais se resumiam a transações
modestas, controladas pelo poder público, entre artesãos que vendiam seus
artigos e camponeses que ofereciam seus alimentos. As foires, grandes feiras
anuais com data marcada e que duravam até três semanas, nasceram desses
pequenos mercados e tornaram-se acontecimentos de primeira importância
na vida econômica e social das comunidades.
Em Paris, as corporações profissionais utilizavam espaços quase exclusivos
para vender seus produtos: açougueiros vendiam na esplanada Notre Dame,
mercadores de frangos no vale da miséria (atual Quai de La Mégisserie), de vinhos
no Quai Saint-Bernard, no Marais, traiteurs na Rue des Ours etc. Numerosas
pequenas feiras nasciam em esquinas e cruzamentos, muitas delas existem ainda
hoje, como a da Rua Montorgueil, Rua Mouffetard ou Marché Saint-Germain,
recém-reformado e transformado em centro comercial.
O rei Felipe Augusto, no fim do século XII, concretizou o projeto dos pre-
decessores ao construir um mercado centralizado, fechado – les Halles- onde os
comerciantes podiam trabalhar mediante pagamento em mercadorias, le droit
de havée, e mais tarde em moeda. Esse procedimento foi copiado por outras
cidades e acabaria virando instituição. O halles parisiense foi durante séculos
GASTRONOMIA • UNICESUMAR 85

leitura complementar
um bairro popular e pitoresco da cidade. Émile Zola o chamava “a barriga da
humanidade” e falava em seus escritos da “ avalanche matinal de comida em
pleno coração de Paris”. No início dos anos 70, o problema de tráfego no inte-
rior do bairro, o Marais, tornou-se insuportável e o halles foi transferido para
Rungis, no sul de Paris, dando lugar a um complexo comercial que provocou
desde o início a ira da maior parte dos arquitetos, inconformados com a des-
truição das célebres armações de ferro introduzidas por Baltard na reforma do
secular mercado. Rungis é hoje o maior mercado de atacado do mundo, com
mais de 2,5 milhões de toneladas de produtos comercializadas anualmente.
A feira francesa ao ar livre acontece duas vezes por semana na praça central
(ou de terça a sábado em alguns bairros da capital), geralmente situada na parte
antiga das cidades, não muito longe da igreja – ou no halles local, se existente.
Ao contrário da brasileira, ela não é sinônimo de produtos mais baratos; perdeu
a sua vocação popular inicial e tornou-se vitrine da qualidade dos produtores
tradicionais, ponto alto das especialidades regionais (mel, geleias, queijos), exó-
ticas (antilhanos, polinésios, orientais, africanos) ou nobres (foie gras, faisões,
salmões e lagostas). Nesse caso, se você tem um problema orçamentário, corra
já para o supermercado mais próximo!
O marche é o ponto de partida da imaginação dos apaixonados por culinária.
O cuidado com a apresentação das iguarias e a higiene, de tal modo que o olhar
guloso do cliente não resista à tentação, é outra determinante. E, claro, o clima
frio espanta naturalmente as moscas já praticamente inexistentes nestas latitu-
des. Os feirantes se esmeram em transformar seus étals (bancas) em quadros
coloridos. Os peixes são dispostos decorativamente sobre uma camada de gelo
picado, as carnes, aves e queijos mantidos em vitrines refrigeradas, as frutas e
legumes alinhados numa rica geometria de formas e cores... a ideia de ordem,
limpeza e abundância impera!
A feira tem também importância social: é ali que se encontram as pessoas
que trabalham durante a semana, batem papo, se convidam. Além de produtos
frescos de costumes, elas vão comprar o frango assado, a pizza quentinha, os
Cozinha Clássica

leitura complementar

patês imperiais chineses, os raviólis frescos italianos ou os acras (bolinhos


de bacalhau) créoles para o almoço do fim de semana (na França a comida
pronta-entrega generalizada nos EUA, ainda está engatinhando!).
Mas nem só de comida vive a feira: restaurantes de velhos móveis, afiadores
de facas, vendedores de panelas, sapatos, bolsas, roupas, casacos, lingeries,
óculos, toalhas de mesa e banho, objetos de decoração (degrifados ou não, e
da melhor qualidade), também estão presentes. Senhoras com casacos de pele
e modestas donas de casa...todo o mundo vai a feira e todo mundo compra
mais ou menos as mesmas coisas!
Ela não difere também da brasileira no que diz respeito à variedades de
produtos, mas a mudança nítida das estações e as importações em grande
escala oferecem maior possibilidade de alternância na oferta [...].
Além da rotineira e universal, a França soube preservar um número
impressionante de feiras especializadas em produtos regionais, as feiras
do terroir e foires anuais.

Fonte: texto extraído na íntegra de Donel (1999, p. 95-99).


Especialidades
Clássicas Regionais
SAMARA FERNANDES
Plano de Estudo
A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta unidade:

• Os pratos célebres
• Queijos
• Vinhos

Objetivos de Aprendizagem
• Conhecer os pratos que se tornaram clássicos, célebres para a
gastronomia mundial.
• Explorar a variedade de queijos consumidos e fabricados na França.
• Investigar os vinhos produzidos na França.
• Notar a importância que o queijo e o vinho têm para a gastronomia
clássica.
89

Introdução
Prezado(a) aluno(a),
Chegamos à unidade final. Agora que você já absorveu tantas informações a respeito da
gastronomia clássica, o contexto histórico, os alimentos mais consumidos em cada região, está
na hora de te apresentar os pratos que marcaram época, que utilizam os ingredientes estudados
anteriormente para construir a base da gastronomia clássica, tanto francesa quanto italiana.
Sendo assim, em um primeiro momento nesta unidade, você terá contato com esses pratos
célebres. Você sabia que o Coq au Vin é da região de Borgonha? E que o ratatouille é de Provença?
Pois você saberá muito mais que isso até o final desta unidade.
Em sequência, exploraremos o universo dos queijos franceses e você ficará pasmado com o
número que eles produzem, tamanho é seu amor por esse alimento. Se você conhece o queijo
brie e acreditava ser esse o favoritinho dos franceses, pois você acertou. Mas saiba que é apenas
um dentro da excêntrica variedade produzida nas várias regiões.
Já no último tópico desta unidade, você entenderá mais sobre vinhos, como se deu início
à produção desse líquido tão apreciado, as características dos hábitos de consumo, o desenvol-
vimento da produção e as inserções históricas que atrapalharam o processo, e verificará que há
produção vinícola por toda a França.
Mas já devo pedir que você tenha muita atenção nesta unidade para entender que queijos
e vinhos são mais que alimentos para os franceses, são elevados e louvados, transcendendo os
hábitos alimentares. Aguardo você para mais essa viagem na gastronomia clássica!
Cozinha Clássica
GASTRONOMIA • UNICESUMAR 91

Os Pratos
Célebres

Na unidade anterior, você teve contato com os ingredientes popu-


lares das variadas regiões italianas e francesas, analisando pron-
tamente os hábitos de consumo que se divergem dentro de um
mesmo país. No Brasil, não é diferente, temos culturas regionais
contrastantes por todo o país.
Nesta unidade, você conhecerá alguns pratos que se tornaram
célebres à gastronomia francesa, preparações que, desde sua cria-
ção, foram exaltadas a um patamar de glória por sua riqueza de
ingredientes e métodos de cocção e não foram esquecidos jamais,
tornando-se clássicos da culinária. Leia esta unidade e retorne ao
quadro de ingredientes referente à região, se assim o fizer, será
capaz de fazer associações entre os tipos de ingredientes utiliza-
dos e o prato que marca o local. Nesta primeira parte, teremos a
teoria embasada nos autores Dominé (2001), Donel (1999), Hazan
(2002), Halsey (2012), Piras (2008), Sitwell (2013) e Suas (2012).
Cozinha Clássica

Salada Niçoise

Essa salada é típica de uma cidade chamada


Nice, na região de Provença-Alpes-Côte d’Azur
Ao reproduzir essa e outras receitas, lem-
na França. Sua base é constituída por inúmeros bre-se sempre de utilizar um corte padro-
legumes e feijão verde e é temperada com vina- nizado para todos os ingredientes, como
você aprendeu em habilidades básicas.
grete, ou seja, ingredientes muito consumidos
nessa região, como o tomate, pimentão, cebola,
ervas aromáticas e azeite (lembra da tabelinha
apresentada na unidade anterior?). Conta-se que,
inicialmente, era um prato que não levava os le-
gumes à cocção, porém os chefs franceses foram Coq au Vin
adaptando a receita para o gosto dos clientes em
seus restaurantes e, assim, também incluíram a A Borgonha, sudeste francês, é uma região
batata, que antes não era parte do prato original. rica em caça, aves, caracóis, lagostins de rio
e outros ingredientes. Tão rica gastronomica-
mente, seja referente a comer ou aos vinhos,
Moules Marinière não poderia deixar de apresentar um prato
clássico – cujo preparo se mantém tradicional
Na costa de Languedoc, no sudoeste francês, são atualmente. Estamos falando do coq au vin,
pescados anualmente de 8.000 a 12.000 tone- ou galo ao vinho, que, como o próprio nome
ladas de mexilhões – e olha que eles devem ser diz, trata-se de marinar o frango em vinho
consumidos em no máximo quatro dias depois com legumes e ervas, durante doze horas em
de colhidos! Esses moluscos dão origem a um média, de modo que ele fique macio e com
prato que faz sucesso não apenas na região onde muito sabor agregado e, depois, cozinhá-lo (o
são encontrados, mas por toda a França – es- que leva menos tempo do que parece).
pecialmente Paris.
Imagine, caro(a) aluno(a), mesclar man-
teiga, nata e vinho branco em um único prato. Frango à Kiev
Haveria uma forma mais clássica de se preparar
mexilhões? Em português, chamaríamos essa Tradicional receita de peito de frango rechea-
delícia de mexilhões à pescador. da com manteiga aromatizada de alho e salsa,
GASTRONOMIA • UNICESUMAR 93

o que, além de incorporar sabor imponente, líquido. O líquido vai para a panela enquanto
acrescenta cor ao prato. Depois de recheado, esse cada pedaço de carne é seco para ser selado.
peito de frango é empanado, para que depois de Os legumes são também salteados e, ao final
sua fritura – seja em muito ou pouco óleo – o re- desse processo, todas as partes voltam a se
sultado seja uma casquinha crocante e apetitosa. encontrar. Ademais, é no forno que o famoso
prato é finalizado, depois de mais ou menos
uma hora e meia de cocção. Esse pode ser um
Pato com laranja pouquinho mais trabalhoso, porém o sabor é
estupendo.
Sabemos que a fama da carne de pato não é das
melhores, muitos murmúrios afirmam ser dura,
seca, porém, é tudo questão de adequar a cocção
e a combinação certa de ingredientes. A utiliza-
ção da laranja, um fruto cítrico, desempenha a
função de facilitar a cocção, além de combinar
um sabor que, ao mesmo tempo, é ácido e doce
ao preparo. O tempo total de cocção pode chegar
a uma hora e 45 minutos, tendo como resulta-
do uma carne suculenta. Diz-se que a receita é
original dos palácios parisienses.

Boeuf Bourguignon

Mais um clássico da região de Borgonha, o


boeuf bourguignon também apresenta como ca-
racterística a utilização do vinho em seu prepa-
ro. De modo a se obter o resultado ideal, a carne
selecionada deve ficar sob marinada noturna,
para ter o sabor preponderante. Antes de se
iniciar a cocção, todos os elementos da marina-
da são separados, seja carne, seja legume, seja Figura 24. Boeuf bourguignon
Cozinha Clássica

Blanquette de Veau Ratatouille

Como a boa combinação de ingredientes da O ratatouille é típico de Provença, sudeste


gastronomia clássica dita, o blanquette de veau francês, região que apresenta grande consumo
não poderia ser diferente, apresentando em sua de alho, tomate, pimentões, cebola, abobri-
lista de preparo carne de vitela, cenoura, aipo, nhas, ervas aromáticas e azeite de oliva e não
ervas aromáticas, cebola, cogumelos, manteiga e poderia deixar de apresentar essa combinação
natas. O nome blanquette tem origem na palavra em um só prato. Há uma grande discussão
blanc, ou seja, branco. O contexto por trás do sobre a utilização do manjericão nessa pre-
preparo é de que a carne branca é cozida em paração, o que acaba ficando a gosto do chef.
um caldo branco e, depois, ainda se acrescenta O guisado de legumes é cozido lentamente,
a nata, também branca, resultando em um prato com a função de manter as características
de coloração clara. nutricionais de cada componente.

Cassoulet

Derivado de cassole, o que conhecemos por


tacho ou caçarola, origina-se o nome de um Utilize o bouquet garni no preparo do ra-
prato reconhecido na gastronomia clássica. tatouille, para aromatizar e agregar sabor.
Original de Languedoc, região sudoeste da Você aprendeu a fazê-lo nas aulas de
habilidades.
França, esse preparo tem como protagonista o
feijão branco, que fica demolhado durante uma
noite toda em água para ficar tenro ao paladar,
de modo que o resultado final do prato tenha
uma textura cremosa. O tipo de carne utilizado
pode variar quando feito em regiões diferentes, Tian de Legumes
mas toucinho e bacon são de comum presença
– uma espécie de feijoada para os franceses. Existe muita confusão entre o ratatouille e
Ao final de tudo, acrescenta-se pão ralado em o tian de legumes, até porque ambos fazem
cima da combinação de ingredientes e é, então, parte da gastronomia provençal e são feitos
levado para gratinar. à base de legumes. Para definir claramente a
GASTRONOMIA • UNICESUMAR 95

diferença, deve-se entender que, além de não


utilizarmos batata no preparo do ratatouille
(legume presente no tian), os ingredientes
são preparados juntos, já no tian, prepara-se
cada legume separadamente, eles são monta-
dos e intercalados em uma bela apresentação
– ou seja, o ratatouille é também mais rústico.

Quiche Lorraine

Essa torta tão conhecida mundialmente foi


inventada por volta do século XVI na região
da Lorena. A etimologia do nome “quiche” é Figura 25. Tian de Legumes

proveniente de “kuchen”, palavra alemã que de-


signa bolo. A quiche Lorraine é tradicional e um
clássico francês, para sua preparação, é preciso Pot-au-Feu de Legumes
alguns ingredientes-chave, como os ovos, natas
e bacon defumado. Preparação saudável, aromática e ótima para
manter a forma é o Pot-au-Feu. O caldo é feito
com asas de frango, mirepoix, cravos e tomilho
Soupe à L’oignon Gratinée e servido com cubos de tamanhos iguais de ce-
noura, nabos e batatas, além de feijão verde,
Também conhecida como Sopa Francesa de ervilhas baby e cerefólio. Apesar de ser simples,
Cebola, gratinée é um prato clássico, quente é bem quisto pelos franceses.
e acolhedor dos invernos parisienses. Como
seu nome diz, é feito com bastante cebola
branca caramelizada, o que determina a Foie Gras
cor da sopa. Ela costuma ser servida com
croûtes (fatias de baguete torradas) e queijo Foie gras, ou “fígado gordo”, é uma iguaria
gruyère gratinado. muito apreciada pelos franceses. Gansos
passam por um método de engorda à força
Cozinha Clássica

– despeja-se uma quantidade grande de ração menos nobres na praia, e depois enriqueci-
a mais na goela do ganso por meio de um funil da na versão clássica. Apesar das inúmeras
– para que seus fígados sejam extraídos gordos. receitas, é comum servir junto dela croûtons
A textura é de um patê fino e é comumente (pequenos pedaços de pão torrado) de alho e
servido com trufas (sobre as trufas você co- rouille (molho apimentado).
nhecerá um pouco mais logo adiante).

Croissants
Escargots au Bourgnonne
Há duas histórias a respeito dos croissants. A
Escargots são caracóis e a receita tradicional da primeira delas diz que foi criado para comemo-
região de Borgonha exige um preparo específico rar o fim da segunda guerra em Viena, quando
e é servido com uma manteiga de ervas. Os cara- tropas otomanas tentariam atacar durante a
cóis ficam 24 horas em jejum, depois são lavados noite de surpresa, porém não obtiveram suces-
em água corrente para remover a tampa calcária. so, pois os padeiros que trabalhavam no período
Em sal e vinagre ficam por 10 horas, para que noturno deram o alerta. Em comemoração à
saia a massa viscosa, são lavados novamente e vitória, criaram o pãozinho em forma de luz
aí, então, vão para a cocção em fervura por 30 crescente, simbolizando a bandeira otoma-
minutos. Depois desse processo, é possível re- na, popularizando-se na França por volta de
tirá-los da casca, para que se extraia o intestino 1700, quando foi levado por Maria Antonieta
grosso, feito isso, lava-se novamente. A manteiga da Áustria. A segunda história – registrada no
de ervas é colocada em cada casca de caracol e inventário culinário do patrimônio francês –
pressionada para dentro, em seguida, leva-se ao menciona, em 1549, um bolo no formato de
forno para gratinar e, então, é servida a iguaria. croissant na França, servido em um banquete
real em Paris. Independentemente de quem o
criou, o croissant é consumido e desejado por
Bouillabaisse todo o mundo, feito com massa folhada, leve,
amanteigado e servido não apenas no café da
Bouillabaisse, sopa típica do sul da França, manhã, mas também nos lanches, sanduíches.
ficou famosa no restaurante de Keith Floyd, Os croissants podem ser doces ou salgados e em
por volta de 1984. Foi inventada por pes- qualquer das variedades as camadas de massa
cadores, que cozinhavam pedaços de peixes amanteigada derretem na boca.
GASTRONOMIA • UNICESUMAR 97

Clafoutis de Cereja são feitas com a mesma massa, porém com


formato arredondado, recheados com sorvete
A clafoutis – originária da região de Limousin, de baunilha ou crème pâtissiére e coberto com
no centro da França – é uma sobremesa rústica calda quente de chocolate.
que teve sua origem nos campos. Conta-se que,
originalmente, essa espécie de bolo era prepara-
da logo cedo e deixada cozendo lentamente por Créme Brulée
todo o dia, enquanto os trabalhadores estavam
no campo. Ao chegar a casa no final do dia, a O clássico créme brulée foi criado por volta do
clafoutis estava pronta. século XVII e é um creme de baunilha (utiliza-se
a fava da baunilha) coberto com açúcar mascavo.
No momento de ser servido, queima-se o açúcar
Madalenas com maçarico, resultando em uma casquinha
bem durinha e crocante.
Bolinhos pequenos em formato de concha são as
clássicas madalenas. Normalmente são servidas
com café ou chá, mas não deixam de ser um
belíssimo acompanhamento para sobremesas
mais elaboradas. Apesar de apresentar sabor
suave, acrescentam-se aromáticos para diver-
sificar, sendo a variável mais comum o cítrico
com raspas de limão.

Éclairs e Profiterolles

Éclairs e profiterolles são doces feitos com


pâte à choux recheados com creme de baunilha
ou chocolate e alguns, ainda, cobertos com
glacê de chocolate – reconheceu? No Brasil,
são as nossas “bombas”. Os éclairs apresen-
tam formato mais alongado e as profiterolles Figura 26. Créme Brulée
Cozinha Clássica

Crepes Suzette um prato clássico característico de Milão, região


da Lombardia, ao Norte da Itália – normalmente
A calda marcante que acompanha este crepe servido junto de um risoto. O ossobuco não
foi criada por Escoffier, a pedido do príncipe de deve ser cortado com espessura exagerada, pois
Galles Eduardo VII, ele queria uma sobremesa suas fibras exigem uma cocção mais longa e a
inusitada para o jantar com sua amante Suzette indicação de altura visa a um resultado macio.
e, então, sua vontade foi feita, o chef preparou O tutano presente no centro do osso apresenta
crepes e os regou com licor de curaçao e suco sabor ímpar e deve ser degustado.
de tangerina, eternizando a característica do
doce. Atualmente, apesar de ser uma sobremesa
clássica, é difícil ser encontrada nos cardápios. Risoto de Cogumelos

Também originário da Itália, onde o arroz é con-


Soufflés au chocolat sumido em larga escala e tem grande importân-
cia cultural, o risoto de cogumelos tornou-se
O soufflé de chocolate é um clássico apreciado em um clássico para a gastronomia. Normalmente,
todo o mundo. A sobremesa é feita com açúcar, o cogumelo utilizado para preparar esse prato
chocolate de qualidade e claras em neve – além é o porcini, cuja origem se dá em toda região
de outros ingredientes –, sendo que, ao sair do norte da Itália, principalmente, em Piemonte.
forno, deve estar alta, elegante e extremamente
leve. Muitos chefs encontram dificuldade em
manter a sobremesa bem crescida até chegar à
mesa do cliente, por isso a execução primordial de
um soufflé pode ser a marca de um grande chef.
Que tal, agora, conhecermos alguns pratos
clássicos italianos de suma importância?

Ossobuco

O ossobuco é uma carne com um osso oco reti-


rado da perna traseira do animal, cujo preparo é Figura 27. Risoto com Ossobuco
GASTRONOMIA • UNICESUMAR 99

Para se obter um bom resultado no preparo de de ingrediente como recheio de uma pizza e,
um risoto, com o arroz al dente e cremoso, é pre- para abrir essa, utilizavam-se as mãos, como o
ciso mexer durante todo o tempo de cocção, co- método tradicional, e também o rolo de massa.
brindo a porção de arroz com o líquido e, quando
este for quase todo absorvido, coloca-se mais.

Risotto alla Milanese

Comumente preparado com arroz carnaroli, o


“O arroz italiano é supervisionado pelo
risotto alla milanese é muito comum ao paladar Instituto Estatal do Arroz que controla
dos artistas de Milão. Para fazer esse prato, é regularmente a qualidade, as condições
sanitárias e a composição em nutrientes
necessário ter em mãos o açafrão – não confun-
em diferentes variedades. A oferta subdi-
da com o “açafrão da terra”, muito difundido vide-se em quatro categorias que têm que
no Brasil, que, na realidade, é a cúrcuma, os ser indicadas na embalagem: riso comune

italianos utilizam o açafrão em estigma ou o (arroz comum), riso semifino (arroz de bago
redondo), riso fino (arroz de bago médio
pó extraído de uma flor – que confere ao prato
ou de tamanho estandardizado) e riso su-
a cor amarelo dourada. perfino (arroz agulha)”.

Fonte: Piras (2008, p, 146).

Pizza
“O arroz é [...] um alimento especialmente
apreciado nestas paragens [Lombardia].
A pizza, tão famosa no Brasil, é ainda mais
Pode apresentar-se como uma sopa subs-
comum na Itália. Os Romanos já faziam a tancial ou como um risotto bem solto que
Focaccia muito antigamente e, na virada do pri- deixa, frequentemente, para segundo
plano os pratos de macarrão. [...] O risotto
meiro para o segundo milênio, já implantaram o
com Ossobuco é, por exemplo, um prato
nome pizza. Na Idade Média, a pizza ainda era bem ao gosto lombardo: permite poupar
semelhante a pães achatados e demorou um tempo pois serve simultaneamente de

pouco até que ficasse bem redonda e mais fina, entrada e prato principal”.

chegando à tradicional pizza napolitana, consti- Fonte: Piras (2008, p.87).

tuída por molho de tomate, anchovas, alcaparras


e mozzarella. Atualmente, aceita-se todo tipo
Cozinha Clássica

Carpaccio di Cipriani menos vinho, nada de farinha e os legumes


utilizados são apenas a cebola e o tomate.
Comumente servido como entrada, o carpaccio Além disso, inicialmente, utilizava-se o óleo
à moda de Cipriani é um prato feito com lombo vegetal para o preparo e ele foi substituído
bovino congelado e cortado finamente, servido por azeite de oliva.
com maionese fresca aromatizada e acompa-
nhado de rúcula.
Bruschetta

Lasagna alla Bolognese O pão é um alimento fundamental na mesa do


italiano, seja no café da manhã, no almoço ou
A lasanha ao estilo bolonhês é uma montagem no jantar. A bruschetta é a fatia torrada de pão
tradicional da Emília Romana, na qual se ne- para se abrir o apetite antes do almoço. Esse é
cessita de camadas de massa fresca – a receita um hábito comum em toda a Itália, porém, na
também é preparada com massa industrial, Toscana, é ainda mais presente. Sendo assim,
mas os mais clássicos ainda optam pelo ar- a receita tradicional é feita com o pão branco
tesanal – para lasanha, molho bechamel e o da Toscana, ele é tostado, esfrega-se um dente
molho à base de ragu de carne (carne picada). de alho em seguida para aromatizar e é servido
com tomates em pequenos pedaços, manjericão,
sal, pimenta e azeite em abundância.
Frango à Cacciatora

O termo cacciatora designa “à maneira do ca- Prosciutto di Parma


çador”, pois é comum ter-se ao menos um
caçador em uma família italiana e, então, Produz-se, na região de Parma, um presunto de
sempre há um prato que leva tal nomenclatu- características inigualáveis provenientes de um
ra. A receita tradicional é o fricassê de frango porco jovem, criado nas montanhas (normalmen-
à cacciatora, preparado com tomates, cebolas e te), sem sal em exagero e com aroma extremamen-
outros legumes, no qual o frango é empanado te agradável. O prosciutto di Parma é um produto
em farinha e acrescenta-se grande quantidade de origem legalmente registrado e controlado.
de vinho. A versão atual é mais simples, leva Todo presunto de Parma apresenta uma camada
GASTRONOMIA • UNICESUMAR 101

de gordura, pois é ela a protetora da carne delicada (ou trufas de Alba), encontradas nas regiões de
que fica sob cura de dez a doze meses. Piemonte e da Toscana, são as mais procuradas,
apresentando dois aromas intensos e nítidos: de
alho e de queijo curado. Para utilizar, raspa-se
Prosciutto di San Daniele a trufa crua diretamente no prato. Já as trufas
negras são mais encontradas na Úmbria e elas
Típico da região de Friuli, o presunto de San se destacam por poderem ser aquecidas – aten-
Daniele também tem origem legalmente con- ção, aquecidas, jamais cozidas – sem se perder
trolada. Para ser assim caracterizado, ele deve os aromas. O tubérculo negro é encontrado
ser produzido a partir das pernas de porcos pro- em algumas variedades: trufa negra de Norcia,
venientes de Valpadana, animais que chegam a trufa negra de inverno, trufa negra moscada e
pesar 200 kg (imagine o tamanho da perna!). trufa Bagnoli negra.
A carne selecionada é cortada e, então, tira-se
a gordura indesejada, deixando no formato es-
perado. Cada peça é pesada e o número de dias Molhos para Massas
de cura é equivalente ao seu peso, por exemplo,
uma peça de 13 kg fica 13 dias coberta por sal. Alguns molhos são clássicos italianos e servidos
Depois disso, retira-se o líquido, chegando à em todo o mundo. O aglio e olio são feitos à
aparência conhecida. A cura total do presunto base de alho frito no azeite, muito utilizado em
leva em torno de dez a treze meses. spaghetti e linguine; para o molho all’amatri-
ciana, utilizam-se tomate e guanciale (presunto
cru), indicado para massas longas de interior
Trufas Brancas e Negras oco; o molho preparado com guanciale, queijo e
ovos é o carbonara, acompanha massas longas
As trufas são cogumelos que crescem debaixo e finas; o pesto é tradicional da Ligúria, feito
do solo e vivem junto das raízes do carvalho, do com manjericão, azeite, parmesão, pinhões e
choupo e da aveleira. Apesar das tentativas, não alho, muito recomendado para massas compri-
se conseguiu fazê-las crescer artificialmente, das, finas e, até mesmo, recheadas; e o molho
então, ao apreciador de trufas cabe esperar que alla puttanesca é feito à base de anchovas e
um apanhador profissional encontre o precioso azeitonas, de sabor forte, costuma ser servido
cogumelo e pagar caro por ele. As trufas brancas também com massas compridas.
Cozinha Clássica

Zuccotto Panna Cotta

Sobremesa marcante por toda a Itália, Zuccotto A Panna Cotta é um creme italiano a base de
é praticamente uma obra de arte. Na parte ex- natas espessas, gelatina em folha sem sabor –
terna, apresenta uma camada de chocolate cro- mais tradicionalmente, porém é comum, atu-
cante e, por dentro, bolo embebido em licor, com almente, ser utilizada a gelatina sem sabor em
camadas de nata, creme de chocolate, cerejas, pó – e açúcar que, por ter um sabor suave, pode
amêndoas e avelãs. A explosão de sabores e tex- ser acompanhado de inúmeras geleias, frutas
turas é instantânea. e granitas (semelhante a um sorbet, a base de
água, açúcar e frutas). É uma sobremesa típica
principalmente no norte da Itália, mas foi muito
Tiramisù difundida e, atualmente, é preparada em todas
as regiões italianas.
Sobremesa à base de um queijo cremoso muito A gastronomia clássica apresenta inúme-
utilizado na Itália, o mascarpone. Palitos la reine ros pratos e existem livros e mais livros que
são mergulhados em café e Kahlúa (licor de café) abordam esse assunto. Conseguimos demarcar
e, então, formam camadas alternadas com o alguns dos mais famosos, que apresentam as ca-
queijo mascarpone e bastante cacau em pó. A so- racterísticas de algumas das regiões que conhe-
bremesa é um sucesso e deve ser servida gelada, cemos na unidade anterior. Mas não paramos
por isso, prepara-se com antecedência, de modo por aqui, vamos lá, temos queijos riquíssimos
que haja tempo para os sabores se misturarem. a nossa espera no próximo tópico.
GASTRONOMIA • UNICESUMAR 103
Cozinha Clássica
GASTRONOMIA • UNICESUMAR 105

Queijos

Os franceses têm um grande apreço por queijos e, por conta


disso, a variedade que criaram e que consomem é imensa. Coelho
(2008) enfatiza isso afirmando que eles produzem mais de 365
tipos diferentes, um para cada dia do ano, possibilitando provar
um por dia sem repetição. Devo dizer que o número correto é
desconhecido, porém há relatos de que são realmente mais de
400 variedades (DONEL, 1999). Sendo assim, esta unidade é
destinada a conhecer os mais requisitados queijos que os franceses
produzem ou consomem.
Sabemos que o pão é produzido em todo o mundo, porém o
queijo não. A África e o sudeste asiático, por exemplo, não o fa-
bricam – é o que conta Donel (1999). A autora deixa claro que os
dois grandes consumidores de queijo são os franceses e os gregos,
porém, além deles, existem outros produtores de tamanho conside-
rável, como Holanda e Suíça. O queijo é essencial em uma refeição
francesa, seja ela simples ou requintada, principalmente quando
acompanhado de vinho – mas este é assunto do próximo tópico!
Cozinha Clássica

Queijo para os franceses é assunto sério e, por A temperatura do local de armazenamento


isso, Dominé (2001) relata que existe o local também influencia no resultado final.
próprio para se vender os queijos – as crèmeres Os queijos, segundo o Larousse de la cuisine
– e aqueles que manipulam a matéria-prima (apud COELHO, 2008), são determinados em
como um artista – o affineur. seis famílias, sendo elas: pâtes cuites (cozidos),

Qualquer fromage-affineur que se preze pâtes pressées (prensados), pâtes moles à croûte
viaja continuamente por toda a França, lavée (de crosta dura e lavada e interior cremo-
sempre em busca dos melhores produto- so), pâtes moles à croûte fleurie (de crosta macia e
res de queijos, onde se abastece de novos
interior cremoso), pâtes persillées (os conhecidos
queijos, para ele próprio os curar da
melhor forma possível. Só depois deste no Brasil por queijos azuis, no centro dos quais
processo de affinage, quando o queijo encontram-se fungos verde azulados que os
tiver revelado todas as suas proprieda-
caracterizam, são os queijos mofados) e os les
des, é que é posto à venda.
chèvres (aqueles a base do leite de cabra). Apesar
Para exercer sua atividade, o affineur disso, Donel (1999) apresenta uma categoria de-
precisa de caves adequadas. Estas têm
de manter constantemente uma tempe-
nominada fromages frais, designando os queijos
ratura baixa e uma humidade do ar eleva- frescos à base do leite de vaca, de ovelha ou de
da. Mas para curar adequadamente cada cabra, que também estudaremos.
tipo de queijo, ele precisa de diferentes
Os queijos pâtes cuites apresentam crosta
câmaras que possam ser reguladas con-
forme os casos (DOMINÉ, 2001, p.46). dura e seca, na parte interna não são tão duros,
porém consistentes e com grandes buracos.
O autor ainda esclarece que a umidade do ar Esses queijos são produzidos em regiões mon-
influencia na característica da crosta do queijo, tanhosas, em divisa com a Suíça e a Itália, e
por exemplo, enquanto o camembert (logo mais levam de 6 meses a um ano para maturar. Pode
você será apresentado a ele) necessita de 95% de ser consumido puro, ralado, gratinado, normal-
umidade, queijos duros precisam de apenas 75 mente no inverno, e seu sabor é levemente fru-
ou 80%. Alguns queijos precisam ser lavados em tado. O exemplo mais conhecido dessa categoria
barrelas1 de sal, cerveja e até aguardente; outros é o gruyère, de origem suíça, porém utilizado
são envoltos em cinzas de madeira ou embru- no preparo do clássico quiche Lorraine – prato
lhados em folhas ou feno; ou então apenas francês. O emmenthal, comté, beaufor e appenzel
esfregados e virados, deixando-os descansar. são outros exemplos que originam, inclusive e

Barrela: “água onde se ferve cinza, usada para branquear roupas”, de acordo com o Minidicionário Aurélio da Língua Portuguesa, 2006, p.168. Nesse
1

contexto, a barrela é um caldo que apresenta finalidade de branquear o queijo, por isso a base de sal, cerveja ou aguardente.
GASTRONOMIA • UNICESUMAR 107

em partes iguais, o fondue de Savoie (COELHO, às vezes, até adocicado. Formas e tamanhos não
2008; DONEL, 1999). são padrões, encontram-se de variações inúme-
Já os pâtes pressées, como foi dito, são aque- ras. Grande parte da produção também é de
les apenas prensados, ou seja, não são cozidos regiões montanhosas, como em Savóia, Massivo
e fabricados com leite coalho. A indicação de Central e Pirineus. A exemplo, podemos citar
consumo é para o verão, pois são mais leves, morbier, saint-nectaire, reblochon e tomme de
com casca dura e massa macia, de sabor sutil, Savoiei (COELHO, 2008; DONEL, 1999).

Figura 28. Queijo saint-


nectaire, da região de
Auvergne.

Os queijos de casca lavada, pâtes moles à croûte na sua fermentação”, afirma Coelho (2008,
lavée, apresentam crosta dura e interior mole. p.236), resultando nas devidas características
São os culpados pela má reputação a respeito do olfativas e gustativas. Por toda a França, encon-
cheiro dos queijos franceses, apesar disso, são tra-se produção desse tipo de queijo, produzidos
queijos de sabor intenso e marcantes, vão muito com leite de vaca. A exemplo, temos o pont-l’évê-
além do que o odor pode assuntar. “Durante o que, da Normandia, o époisses, da Borgonha e
seu tempo de maturação, eles têm a sua casca o niolo, à base de leite de ovelha, produzido na
lavada e escovada, procedimento que influencia Córsega (COELHO, 2008; DONEL, 1999).
Cozinha Clássica

forte, incluindo um cheiro mais acentuado


(COELHO, 2008; DONEL, 1999).
Também conhecidos por bleu, azul em fran-
cês, os pâtes persillées apresentam mofo interno
(penicillium) – calma, o mofo é proposital e in-
Sempre que for provar vários queijos,
comece pelo mais suave. A ordem deve jetado com seringa, quando não acrescentado
levar em consideração a cura dos queijos, à massa antes da maturação – e não à toa são
finalizando sempre com os mais maduros.
chamados no Brasil de queijos azuis. Os dois
Fonte: Dominé (2001) mais famosos dessa categoria são o roquefort, à
base de leite de ovelha, produzido na região de
Auvergne na França, e o gorgonzola, com leite
de vaca e produzido na Itália. Esses queijos mo-
fados são fortes, mais salgados, bem brancos e
compactos. Por conta das características bem
Pâtes moles à croûte fleurie é como chamamos marcantes, uma boa combinação são as saladas.
aqueles queijos bem cremosos por dentro e Além dos dois exemplos, podemos citar o bleu
que têm a crosta branca e macia. Essa é a ca- de Gex, bleu de Causses, bleu de Auvergne, bleu
tegoria dos queijos favoritos dos franceses, de Bresse e fourme d’Ambert (COELHO, 2008;
geralmente feitos com leite de vaca. Sua pro- DONEL, 1999).
dução consiste em dessorar o leite esponta- Os queijos com leite de cabra, fromage de chè-
neamente durante 2 a 6 semanas, processo vres, apresentam-se frescos e cremosos ou secos
responsável por produzir aquela casquinha e maduros. “Certos queijos de cabra são envol-
branca chamada de fleur e o sabor suave do in- tos em cinza de carvão vegetal e têm formato
terior. Exemplos dessa categoria são o camem- piramidal, como o valençay; outros têm forma
bert, brie, chaource, boursault, dentre outros. cilíndrica, como o sainte-maure”, explica Coelho
As produções são variadas, encontram-se em (2008, p. 236). Nessas variantes, também pro-
Paris, em Champagne, na Normandia, enfim, duzem queijos envoltos em ervas aromáticas
por toda a França. Vale lembrar que a suavida- e óleo de oliva. Como exemplos dessa catego-
de desses queijos é uma característica inicial, ria, podemos citar o cabécou, o rocamadour e o
pois, se o consumo demorar, o sabor torna-se pélardon.
GASTRONOMIA • UNICESUMAR 109

Figura 29. Queijo Chaource

Queijos frescos são aqueles mais magros, pobres sabia que os nossos conhecidos danoninhos são
em gorduras e com grande atividade aquosa, os petits suisses, inclusos nessa categoria? Além
os fromages frais. Esses não são exemplos de desse, podemos citar como exemplo os fromage
fermentação, nem de maturação e, por conta blancs, neufchâtel e gournay (DONEL, 1999).
da quantidade de água, devem ser consumidos Na tabela 4, você pode identificar os quei-
rapidamente ou acabam ficando rançosos. Esses jos franceses de acordo com as seis categorias
queijos não possuem aquela casca proveniente básicas disponíveis no Larousse de la cuisine,
da maturação, são moles e brancos, salgados como citado anteriormente. Alguns deles, os
e, muitas vezes, acrescidos de condimentos. datados, apresentam o selo de qualidade AOC
Utilizados com mel, açúcar, compotas ou geleias, – Appelation d’Origine Contrôlée – e o ano repre-
tornam-se ótimas sobremesas – inclusive, você senta quando o título foi a eles atribuído.
Cozinha Clássica

Fromages à pâte cuite Fromages à pâte pressée


Queijos duros: Queijos meio duros e duros:
Abondance (1990) Ardi-Gasna
Beaufort (1968) Bethmale
Comté (1952) Cantal (1956)
Laguiole (1961)
Mimolette
Morbier
Ossau-Iraty (1980)
Reblochon (1958)
Saint-Nectaire (1955)
Salers (1961)
Tomme de Savoie

Fromages à croûte lavée Fromages à croûte fleurie


Queijos amanteigados com flora vermelha: Queijos de bolor branco:
Epoisses (1991) Brie de Meaux (1980)
Langres (1991) Brie de Melun (1980)
Livarot (1975) Brillat-Savarin
Maroilles (1955) Camembert de Normandie (1983
Mont d’Or, Vancherin du Haut-Doubs (1981) Chaource (1970)
Munster, Munster Géromé (1969) Coulommiers
Pont-l’Évêque (1972) Neufchâtel (1969)
Saint-Marcellin

Fromages à pâte persillée Chèvre


Queijos com bolor azul: Queijos de cabra:
Bleu d’Auvergne (1975) Brocciu Corse (1983)
Bleu des Causses (1953) Cabécou
Bleu du Haut-Jura, Bleu de Gex, Chabichou du Poitou (1990)
Bleu de Septomoncel (1935) Charolais, Charolles
Bleu du Vercors-Sassenage (1998) Crottin de Chavignol (1976)
Fourme d’Ambert, Fourme de Montbrison (1972) Montrachet
Roquefort (1921) Pélardon
Rocamadour (1996)

Tabela 4. Queijos franceses. Fonte: Adaptada de Dominé, 2001, p.47

Agora que você já conhece as categorias de quei- tríade alimentar dos franceses –, você poderá
jos e suas características, se for à França, não aproveitar desses prazeres em todas as refeições.
deixe de se deleitar em sabores inusitados e tão E, por falar em vinhos, espero você no próximo
característicos de uma cultura. Já que os queijos tópico, para falarmos sobre esse líquido mara-
são consumidos junto do pão e do vinho – a vilhoso e tão contemplado.
GASTRONOMIA • UNICESUMAR 111

O queijo roquefort já era conhecido no


tempo de Carlos Magno.
“Conta a lenda que no ano 800, o rei
francês visitava um monastério quando
serviram-lhe um queijo estranho, todo
mofado, que o soberano começou a cortar
e separar... educadamente, o religioso que
o recebera avisou-o que a parte azulada
era a melhor. O roquefort tornou-se logo
o queijo favorito do rei”.

Fonte: Donel (1999, p.213).


Cozinha Clássica
GASTRONOMIA • UNICESUMAR 113

Vinhos

Não sabemos como o primeiro vinho foi feito, se foi uma


descoberta ou se foi o acaso. Mas, de acordo com a lenda,
Dionísio, deus do vinho, teria ensinado aos gregos o processo
de vinificação e estes, ao irem para Gália, levaram o conheci-
mento consigo, conta Donel (1999).

Durante a ocupação romana da Gália, as vinhas foram plan-


tadas por todo o país, até nas regiões onde o clima era menos
propício ao seu cultivo, como as províncias do norte. Até o
século XIX, o vinho era considerado um alimento essencial
na dieta dos mediterrâneos, da mesma forma que a cerveja
era a fonte principal de energia e hidratação dos povos da
Europa do norte (COELHO, 2008, p.237).

Quando Coelho (2008) afirma que o vinho era um alimento essen-


cial para os povos do mediterrâneo, há uma razão intrínseca. O
autor quer dizer que até o século XIX a água não era utilizada em
consumo humano, apenas para plantações e hidratação animal e
isso porque eles reconheciam que muitas doenças eram transmiti-
das pela água. Dessa forma, o líquido mais precioso para hidratá-los
e cessar com a sede era o vinho – ou seja, onde se plantava uva, a
bebida mais importante era o vinho; onde se plantava cevada, o
líquido mais utilizado era a cerveja. Claro que depois de descobrir
que a água podia ser fervida e, então, passava a ser favorável ao
consumo, os hábitos mudaram, mas o vinho se manteve em pa-
tamar de importância cultural.
Cozinha Clássica

Figura 30. Vinhedo de Villeneuve de Duras, na região de Aquitânia ao sudoeste da França

O
autor também faz uma ressalva sobre Retornando um pouco no tempo, na Idade
um interessantíssimo fato: os campo- Média, os mosteiros foram os responsáveis por
neses europeus – fossem os bebedores manter os conhecimentos sobre a vinificação, o
de cerveja ou de vinho – não tinham que levou as regiões de Bordeaux e de Borgonha,
costume de se alimentar antes de sair para a na França, a serem tão reconhecidas pelo legado
labuta, e sim de tomar uma dessas bebidas. Os dessas abadias. A partir daí e até o século XVIII,
grandes caldeirões que ficavam dentro de casa a qualidade dos vinhos só aumentou e o reco-
serviam para aquecer o lar, para iluminar e para nhecimento por isso também. Houve apenas
deixar em cocção os alimentos que seriam con- dois momentos de infortúnio nesse período. O
sumidos a noite e, daí, temos a origem de alguns primeiro deles foi a Revolução Francesa (1789-
pratos clássicos de longo tempo de fogo – como 1799), que dividiu as propriedades, e o segundo,
o boeuf bourguignon e o cassoulet. Antes desse já no século XIX, a filoxera, que destruiu quase
horário de refeição, comiam apenas pão e queijo. todos os vinhedos franceses (DONEL, 1999).
GASTRONOMIA • UNICESUMAR 115

A filoxera é o nome de um pulgão que ataca o vinho, porém passaram a fabricar e beber alguns
caule e se alimenta da seiva até levar a videira de baixa qualidade. Bom, de onde chegou o pa-
à morte, cuja chegada à França se deve a uma rasita também chegou o remédio para conter a
linhagem importada do continente americano. praga, salvando os vinhos europeus da extinção
Quase toda a Europa foi atingida e os europeus – na realidade, as castas tinham sido levadas ao
se viram quase sem uvas viníferas – que haviam Chile (que não fora atacado) antes desse acon-
sido cultivadas por milênios. Durante esse perí- tecimento e, então, puderam retornar às suas
odo, os franceses não deixaram de consumir o origens (COELHO, 2008).

Para a retomada da viticultura na Europa, não bastava ter as diferentes castas de vitis vini-
fera [vinhas europeias] devidamente preservadas no Chile, já que a filoxera havia chegado
ao Velho Mundo para ficar. E, uma vez mais, a salvação veio da América. As espécies de
vinhas americanas (vitis labrusca e vitis bourquina), por serem bem mais rústicas que as
europeias, suportam bem o ataque da filoxera, produzem uma boa uva de mesa, [...], mas
que não têm o refinamento das uvas requeridas para vinificação. A solução encontrada
foi, então, a do enxerto, utilizando as espécies americanas como cavalo, isto é, suportes
plantados diretamente na terra, e enxertando no tronco delas espécies de vinhas europeias,
como cabernet sauvignon, merlot, cabernet franc e pinot noir [...] (COELHO, 2008, p.239).

Apesar de muitos duvidarem da qualidade do


vinho obtido a partir do enxerto, a surpresa
foi incrível – claro que isso não se deve, ne-
cessariamente, a esse recomeço, mas talvez
às novas técnicas, é o que relata Donel (1999). “Terroir é uma palavra francesa sem tradução em
nenhum outro idioma. Significa a relação mais íntima
Agora, embarcaremos, mais especifica-
entre o solo e o microclima particular, que concebe o
mente, em algumas regiões produtoras de nascimento de um tipo de uva, que expressa livremente
vinho na França, sem esquecer de que todo sua qualidade, tipicidade e identidade em um grande
vinho, sem que ninguém consiga explicar o porquê”.
o território do país é vinícola, porém esco-
lhemos as três principais (COELHO, 2008) Fonte: Guia Larousse (apud REVISTA ADEGA, online)

para detalhar, são elas: Bordeaux, Borgonha


e Champanhe.
Cozinha Clássica

Bordeaux

Bordeuax é uma região vinícola de grande cooperativas e cerca de 4.000 casas comerciais”,
cume para os franceses, pois, além de originar numera Dominé (2001, p.260).
um produto de elevada qualidade, tem mais Em consonância, Dominé (2001) exalta
de 100.000 ha de vinhas plantadas. Dominé que, do total da produção, os vinhos tintos [e
(2001) explica que o clima local é fator essencial secos] são os predominantes e Donel (1999)
para esse sucesso, pois se localiza próximo ao completa afirmando que esse número está aos
Oceano Atlântico e ao Golfo, mantendo uma arredores de 83% da produção total, ficando
temperatura média sem alterações bruscas. 15% para os brancos e 2% para os brancos doces.
Além disso, apresenta um outono com bas- As castas mais importantes encontradas em
tante sol, levando as uvas à maturação ideal Bordeaux são as de qualidade dos tintos cabernet
– o que todo vinicultor espera. “Os vinhos de sauvignon, carbernet franc (ou bouchet), merlot,
Bordéus [Bordeaux] são produzidos por apro- petit verdot, malbec, auxerrois, cot e pressac e de
ximadamente 7.000 quintas chamadas Château qualidade dos brancos sémillon e sauvignon. Veja
– muito poucas são na realidade palácios –, 60 as características na tabela a seguir:

Qualidade de tintos Qualidade de brancos

Cabernet Sauvignon Sémillon


Estrela da região, dá o seu cunho aos grandes Tem tendência para ser atacado pelo bolor.
vinhos de Médoc e ganhou prestígio mundial. É a base do Sauternes e de outros vinhos
O vinho é escuro e vigoroso, com aroma de brancos amenos; adiciona-se ao Sauvignon no
groselha e cedro. Os marcados taninos exigem Bordeaux seco; é usado também na Austrália.
maturação. Em caso de não amadurecimento O vinho desenvolve, em excesso de maturação
ou colheitas excessivas, muitas vezes, tem um ou envelhecimento, fascinantes aromas
odor pouco agradável de pimenta verde. complexos de mel, frutos secos e chocolate.

Cabernet Franc ou Bouchet Sauvignon


Parente próximo do anterior, pertence ao É a base dos brancos secos; muito
tradicional lote de Bordéus; fortemente produtivo. Tem a sua capital junto ao
presente em Saint-Émilion e no Loire, e Loire, mas é plantado mundialmente. Com
especialmente na Itália. Caracteriza-se por aroma muito intenso de groselha preta;
uma complexidade de frutas silvestres, muitas muito frutado, com marcada acidez.
especiarias, corpo mais delgado, taninos mais
discretos e um desenvolvimento lento.
GASTRONOMIA • UNICESUMAR 117

Qualidade de tintos Qualidade de brancos

Merlot
De maturação precoce, muitas vezes de grande
rendimento, é um complemento importante
do Bordeaux, especialmente em Pomerol e
Saint-Émilion, e em Tessin, Itália, na Europa
Oriental, e Estados Unidos da América. O vinho
é frutado, sedoso, com corpo; amadurece
depressa devido aos suaves taninos.

Petit Verdot
De maturação muito tardia, e por isso
problemático e irregular. Muito raro, exceto
em Médoc. Dá um vinho muito escuro,
bem temperado, com grande volume e
taninos marcados. Soberbo no lote.

Malbec, Auxerrois, Cot, Pressac


Muito sensíveis às geadas. Principais variedades
de Cahors. Raras em Médoc e Saint-Émilion,
mas presentes em Bourg e Blaye, e também
no sudoeste, na Hungria e Argentina. O vinho
é escuro, por vezes quase preto, tem taninos
fortes, bom potencial de envelhecimento.

Tabela 5. Castas mais importantes de Bordeaux. Fonte: Dominé (2001, p.261)

Borgonha
O Chardonnay germina desde cedo, o
Borgonha é também uma região vinícola de que o torna vulnerável à geada, mas
grande destaque na França, cujo território conta também amadurece cedo e fornece
com 40.000 ha – bem menor que a extensão de uvas particularmente ricas em glicose.
Não é uma casta muito aromática, mas
Bordeaux – e é dividido entre vários produtores reflecte a respectiva área de explora-
que fabricam seus vinhos de forma particular. ção na sua relação de extracto, acidez
Tanto vinhos brancos (de cepa Chardonnay) e força. A melhor forma de o vinificar é
em pequenos tonéis de carvalho, onde
quanto tintos (de cepa Pinot Noir) são produzidos
envelhece bem e desenvolve frequente-
em um solo pobre – favorável ao aprofundamento mente elegantes notas a torrado e a mel.
das raízes das vinhas – e clima propício – quente O Pinot Noir, o borgonhês <<tardio>>
no verão e frio no inverno (DONEL, 1999). ou <<azul>>, é sensível e caprichoso. Só
Cozinha Clássica

quando a sua quantidade é muito reduzi-


da e as pequenas uvas conseguem amadu-
recer é que possui desde novo um precioso
carácter frutado. Com o envelhecimento,
atinge então um bouquet muito complexo
e um final de boca de um requinte sem
comparação (DOMINÉ, 2001, p.172).

Donel (1999) caracteriza como vinhos mais


claros os borgonheses, de teor alcoólico mais
baixo e com menos taninos – se comparado aos
de Bordeaux, sendo as notas mais encontradas
de cereja, amadeirado e, em alguns, terra úmida
e couro. Raramente os vinhos de Borgonha exce-
dem 10 anos de maturação, apresentando brancos
excelentes, com bouquet de pêssego, mel, flores
e até caramelo e carvalho. A autora ainda afirma
que esses vinhos devem ser servidos a 15ºC, por
serem mais frescos. O preço pode variar, mas cos-
tumam ser caros, dependendo muito do produtor.

Os vinhos podem ser classificados oficial-


mente em:
Grands crus → os melhores, as etiquetas só
mencionam o nome do vinhedo;
Premiers crus → mencionam o nome da
comuna e do vinhedo em letras de igual
tamanho.

Fonte: Donel (1999, p.247)


GASTRONOMIA • UNICESUMAR 119

Champanhe

Para produzir a bebida cheia de bolhinhas de- região nada favorável às uvas pode ser consi-
nominada champanhe, um vinho espumante derado um milagre. Isso porque o sol é raro, a
fortemente associado ao luxo, campos e campos temperatura tem média anual de 10ºC (um a
de Champagne, localizada na região nordeste da menos e a uva não resistiria) e a terra é fraca.
França, encontram-se cobertos de vinhas. Para Aquelas uvas da região de Borgonha que
chegar ao resultado que conhecemos, é preciso você acabou de conhecer são utilizadas para a
que o vinho passe por um processo específico, fabricação desse vinho – tanto a cepa chardon-
conhecido por champenoise, que exige dupla fer- nay, quanto a pinot noir, como também a pinot
mentação (COELHO, 2008). meunier –, sem outra semelhança além dessa.
Segundo Edouard Zarifian (apud COELHO, Coelho (2008, p.244) explica o método como é
2008), conseguir produzir essa bebida em uma produzida a champanhe:

Misturam-se vinhos produzidos com uvas de cepas diferentes, em diversas proprie-


dades ao longo do vale do Marne e resultantes de colheitas de anos variados. Além
dessa mistura de vinhos, que são sempre extremamente secos, acrescenta-se, já na
garrafa, uma outra mistura de vinho, açúcar e fermento chamada liqueur de tirage, que
provocará uma segunda fermentação, elevando o teor alcoólico desenvolvido sob o
reinado de Luís XIV por um monge cujo nome é atualmente dado a um dos grandes
champanhes produzidos pela casa Moët-Chandom: Don Pérignon (1638-1715).

Claro que a champanhe tornou-se o vinho


que acompanhou toda a vida do Rei Sol, tanto
por gosto pessoal, quanto no serviço de suas
grandes festas. O ritual de abertura de uma
Lembre bem, caro(a) aluno(a): a champa-
garrafa também se tornou célebre desde essa nhe é esse específico vinho e não todos
época, pois o cuidado da rolha e o estouro os espumantes que você vir por aí, ok?

transformam o momento em experiência im-


perdível (DOMINÉ, 2001).
Cozinha Clássica

S
egundo Donel (1999), as champanhes
podem ser classificadas em muito
secas (extra-brut, brut nature, brute
sauvage), secas (brut – mais vendido),
meio-secos (extra-dry), ligeiramente doces (sec),
doces (demi sec) e as muito doces (doux). Vale
também ressaltar que na região de Champagne
se produz outros vinhos: blancs des blancs, leve e
delicado; rosé, pequena quantidade de pinot noir
tinto; e cremant, champanhe menos espumante.
Ao degustar um champanhe, utilize todos
os seus sentidos. Aprecie a cor e o som das pe-
quenas bolhas, deixe que elas se exibam no tato
de sua boca e que todos os sabores manifes-
tem-se, sinta cada um dos aromas. Afinal, se
nesse ritual utilizamos todos os sentidos, afirma
Edouard Zarifian (apud COELHO, 2008, p.245),
então, a “champanhe pode ser considerada como
a quintessência da sensualidade”.

Figura 31.
Champanhe
GASTRONOMIA • UNICESUMAR 121

considerações finais
Chegamos ao final de mais uma unidade. Nela, você conheceu pratos da
gastronomia clássica, como o boeuf bourguignon – um guisado de carne e
legumes que utiliza vinho em seu preparo –, o cassoulet – a feijoada à moda
francesa –, entre outros preparos que destacam a utilização de ingredientes
locais de onde o prato surgiu e técnicas de cocção variadas, sendo que algumas
características em comum estão sempre presentes, por exemplo, a utilização
de legumes sazonais, azeite, queijos e vinhos.
Finalizamos esta unidade sabendo que os franceses podem consumir um
tipo diferente de queijo por dia sem repetir! E quando esses são harmonizados
com seus vinhos regionais, então, são ainda mais apreciados. Tomamos nota
de que os franceses têm queijos para todos os gostos, para os que preferem
queijos mais macios, mais crus, mais cremosos por dentro e duros por fora,
duros por dentro e duros por fora, fungados, com leite de vaca, de ovelha,
de cabra, enfim, para agradar uma imensidão. De todos eles, você conseguiu
encontrar seu favorito?
Além das grandes preparações e dos queijos, os franceses são produ-
tores e consumidores de vinhos de excelência reconhecida no mundo. Se
você pensava que todo vinho espumante era um champanhe, agora, você
sabe que, na verdade, para ser assim considerado, esse vinho com bolhinhas
deve ser produzido na região de Champagne, a partir do método designado
champenoise, seguindo um padrão rigoroso. Veja só, agora você é capaz de
apontar castas de uvas que crescem nas terras francesas e que dão origem a
vinhos em todo o país.
Um profissional de gastronomia deve ter conhecimento sobre tudo o que
é atual, sobre ingredientes locais e como utilizá-los. Porém, mais que isso,
esse profissional precisa reconhecer a origem da cultura do palato, por isso
recorremos à gastronomia clássica, de modo a entender quem nos auxiliou a
compreender os alimentos e agregar a eles a importância devida.
Cozinha Clássica

atividades de estudo

1. Dos pratos célebres apresentados no primeiro tópico desta unidade,


qual foi o de sua preferência? Faça uma associação entre os ingre-
dientes utilizados para seu preparo e os ingredientes disponíveis e
de mais consumo da região de sua origem.

2. Qual a categoria de queijos preferida dos franceses? Explique as ca-


racterísticas que a qualificam e dê exemplos de queijos consumidos.

3. A champanhe é todo vinho que contém bolhinhas, ou seja, é o nome de


qualquer vinho espumante, independente da região de sua produção.
Essa afirmação é correta ou falsa? Justifique sua resposta.
GASTRONOMIA • UNICESUMAR 123

material complementar
Matthew Stubbs, Master of wine, especialista em Languedoc, fala sobre os vinhos
da região:
<https://www.youtube.com/watch?v=OUTGeQyiAnM>

A respeito de vinhos da região de Beaujolais, na França, acesse:


<https://www.youtube.com/watch?v=UP0okE3iEEI>

Para mais informações a respeito dos vinhos de Languedoc-Roussillon e harmoni-


zação, acesse:
<https://www.youtube.com/watch?v=H1XPfULRAGM>

Saiba mais sobre a champanhe e conheça o método de fabricação:


<https://www.youtube.com/watch?v=tXKeV_NLFsY>

Ratatouille
Brad Bird

Ano: 2007

Sinopse: Paris. Remy (Patton Oswalt) é um rato que sonha se


tornar um grande chef. Só que sua família é contra a ideia,
além do fato de que, por ser um rato, ele sempre é expulso das
cozinhas que visita. Um dia, enquanto estava nos esgotos, ele
fica bem embaixo do famoso restaurante de seu herói culinário,
Auguste Gusteau (Brad Garrett). Ele decide visitar a cozinha
do lugar e lá conhece Linguini (Lou Romano), um atrapalhado
ajudante que não sabe cozinhar e precisa manter o emprego a qualquer custo.
Remy e Linguini realizam uma parceria, em que Remy fica escondido sob o chapéu
de Linguini e indica o que ele deve fazer ao cozinhar.
Cozinha Clássica

material complementar

Riso Amaro
Giuseppe de Santis

Ano: 1949

Sinopse: No Vale do Rio Pó, mulheres são contratadas para


trabalharem na colheita de arroz sob condições precárias e
com as pernas a mostra. Uma delas, a camponesa Silvana,
acaba se envolvendo com um vigarista, Walter, que já tem uma
amante, Francesca. Produção dividida entre o realismo social e
o melodrama passional, que projetou mundialmente o cinema
italiano e revelou um dos grandes mitos eróticos do pós-guerra:
Silvana Mangano. As denúncias das duras condições de trabalho das plantadoras
de arroz no Vale do Pó, fez com que milhares de espectadores se divertissem pela
ingênua e transbordante sensualidade da atriz, então estreando.

Comentário: A produção de arroz se fazia e se faz essencial na Itália, principalmente


por conta da grande procura e oferta de risotos. O filme retrata um momento vivido
após a Segunda Guerra Mundial.
GASTRONOMIA • UNICESUMAR 125

leitura complementar
Terroir como
identidade cultural

Em outubro de 2005, a Unesco aprovou a de uma região e de um país, tornando-se o ter-


Convenção sobre proteção e promoção da roir patrimônio real daquela cultura. A França
diversidade de expressões culturais, com in- aparece como bom exemplo disso: durante a
tuito de incentivar a preservação de identida- Segunda Guerra Mundial, os franceses escon-
des culturais. No mesmo período, em Nova deram suas garrafas de vinhos dos alemães não
Iorque, ocorreu uma reunião organizada pela para proteger o bem material, mas sim para
Sociedade Internacional sobre Propriedade ocultar o símbolo da identidade nacional da
Cultural, com participação da Unesco, de es- qual tanto se orgulhavam.
tudiosos do direito da propriedade cultural Essa pode ser uma das razões de terem su-
e de representantes da América Latina, para gerido que apenas os países europeus tivessem
debater sobre quem se beneficiaria com essa terroirs, pois a própria história marca o vínculo
nova regulamentação e de que forma atingiria cultural forte. Claro que isso gerou discussões e
o patrimônio cultural no mundo. polêmica, afinal, sugere exclusividade europeia.
Um dos temas abordados foi a preserva- Em contrapartida, há o lado em que esse povo
ção do terroir como patrimônio cultural. É de defende fortemente o vinho como identidade
comum entendimento que os terroirs possibi- de comensalidade nacional e que um jantar de
litam que a mesma casta apresente característi- autoridade jamais poderia acontecer sem os
cas divergentes e resultem também em vinhos vinhos de seu terroir.
diferentes, ou seja, há influência do solo, do As discussões permanecem com argumen-
clima, da topografia, etc. A discussão veio a tações históricas, mas é válido ressaltar que
surgir considerando que há relações culturais qualquer decisão baseada no passado influencia
e simbólicas para com o vinho, levando à terra a no presente, principalmente no mercado finan-
identidade de uma cultura – cotidiano de pesso- ceiro e para entender seria necessário compre-
as em torno de pequenas terras vinícolas; plan- ender também as políticas públicas junto das
tio, tratamento, colheita e cuidados especiais relações culturais e históricas. Afinal, de alguma
para a elaboração de cada vinho, de modo que forma, isso tudo nos atinge, seja como sujeitos
este passa de simples mercadoria à obra de arte. culturais, seja como bebedores de vinho.
Nota-se que as pessoas acima citadas criam
vínculo com sua produção, identificadas dentro Fonte: Adaptada de Cavicchioli (2006, online).
Cozinha Clássica

CONCLUSÃO
Dileto(a) estudante,
Esta etapa chegou ao fim. Procurei oferecer a você um material adequado às necessidades de
um gastrônomo, para agregar valor à sua capacitação e enriquecer seus conhecimentos. Essa não é
uma caminhada que termina aqui. Você, com certeza, encontrará inúmeras informações ademais
a respeito de uma cultura tão rica, é só acompanhar os feitos atuais e ler bastante.
Você está concluindo a matéria de Cozinha Clássica ,conhecendo a evolução dos hábitos alimen-
tares dos franceses e como os italianos influenciaram essa culinária. Você é capaz de conceituar a
elevada e tão apreciada haute cuisine, bem como facilmente explica o movimento da nouvelle cuisine,
os responsáveis por seu surgimento e as razões que os motivaram.
Percorremos alguns caminhos que me levam à certeza de sua capacidade em contextualizar
o apreço ao gosto, com as novas preferências alimentares e a valorização do ingrediente por si –
levando à caracterização de cada região da França e da Itália. Além disso, imagino que seus ídolos
tenham mudado, pois os grandes chefs marcaram a história da gastronomia, a evolução da higiene
dentro de uma cozinha, da utilização de uniformes e divisão de praças, e você deve estar ansioso
para saber ainda mais sobre cada um deles.
E esta etapa foi finalizada capacitando seu reconhecimento de pratos célebres da gastronomia
clássica, verificando, dentro da culinária de outros locais, a utilização da mesma base, porém adap-
tadas ao paladar e aos ingredientes de cada país/região. Mais que isso, você é capaz de reconhecer
que essa prática seria abolida na haute cuisine, mas que, atualmente, o mundo todo aceita um
intercâmbio cultural no quesito alimentação e essas trocas são feitas e aceitas com tranquilidade.
Juntamente aos pratos, você também teve contato com inúmeros queijos e vinhos, alimentos que
fazem parte assiduamente da rotina francesa.
Querido(a) aluno(a), não deixe de sempre buscar novas leituras e complementar seu co-
nhecimento. As informações adicionais ao final de cada tópico são métodos de auxiliá-lo(a) a
estudar e direcionar a fontes diferentes de informação. Espero que esse trajeto tenha sido tão
prazeroso a você quanto foi para mim. Despeço-me por aqui deixando a certeza de pleno prazer
em participar de sua formação.
Bons estudos, bom apetite e muita manteiga para você!
GASTRONOMIA • UNICESUMAR 127

CAVICCHIOLI, Marina Regis. 2006. Revista Adega [online]. Disponível em: <http://revistaadega.

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HALSEY, Kay. Culinária Clássica. Tradução por Dina Antunes, Carla Francisco, Sofia Marujo e Ana
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HAZAN, Marcella. Fundamentos da cozinha italiana clássica. Tradução por Jefferson Luiz Camargo.
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Cozinha Clássica

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MONTANARI, Massimo. Estruturas de produção e sistemas alimentares. In: FLANDRIN, Jean


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TEICHMANN, Ione Mendes. Cardápios – técnicas e criatividade. 5. ed. Caxias do Sul: EDUCS,
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WRIGHT, Jeni; TREUILLE, Eric. Todas as Técnicas Culinárias - Le Cordon Bleu. Traduzido por
Eleonora Bottmann e Vera Caputo. São Paulo: Ed. Marco Zero, 1997.
GASTRONOMIA • UNICESUMAR 129

UNIDADE I

gabarito
1. A Revolução Francesa (1789-1799) é tida como 3. Agora que você conhece um pouco da história
um marco para a gastronomia considerada clás- de grandes chefs, escolha um deles e explique
sica. Quais aspectos mudaram com relação à qual foi o legado que deixou.
gastronomia, ou seja, como era a alimentação Exemplo: Auguste Escoffier reorganizou as brigadas
medieval e quais as novas preocupações para de cozinha e sistematizou as praças, para funcio-
com o alimento após o advento da revolução? narem em suas especialidades como temos até os
A resposta deve conter as características alimenta- dias atuais. Você pode escolher outro chef de sua
res da Idade Média, a preocupação com quantidade, preferência e evidenciar os maiores feitos dele
banquetes suntuosos, opulentos, peças grandes de deixados para a gastronomia.
carnes e utilização exagerada de especiarias para
sobrepor o sabor do alimento. Após a revolução, UNIDADE II
deve-se caracterizar estabelecimentos que vendem 1. Além dos italianos, outras civilizações deixaram
caldos restauradores e os cozinheiros da corte que sua marca na França, influenciando também na
perdem seus empregos passam a trabalhar em gastronomia. Quais são esses povos e em que
pequenos restaurantes e os burgueses começam aspectos eles mais contribuíram?
a ter acesso à alimentação que antes era apenas da
Gauleses celtas: técnicas agrícolas eficientes; ro-
corte. Aumenta a preocupação dietética, consome-
manos: produção variada de queijos, pesca e caça;
-se mais legumes e não se mascara os alimentos,
mouros: criação de cabras e novos métodos de
exalta-se o sabor natural, ao invés de escondê-lo.
cocção; árabes: uso de amêndoas e arroz como
Preferência por gosto mais sutil e delicado.
espessante. Você deve aprofundar sua resposta ba-
2. A haute cuisine é tida como uma culinária de seado nesses tópicos, entendo o contexto histórico
molhos pesados, com ingredientes e técnicas em que cada uma dessas citações estão inseridas.
que exaltam a importância da cozinha francesa.
2. A respeito das características gastronômicas
Em meados dos anos 60, surge um novo movi-
da Itália, cite três regiões de sua preferência
mento: a nouvelle cuisine, que procura mudar
e os produtos ou pratos que marcam a cultura
esses conceitos. O que difere a haute cuisine da
desse local.
nouvelle cuisine? Quais chefs tiveram ligação
Exemplo: Emilia-Romana: presuntos e mortadelas
com esse movimento?
frescas, vinagre balsâmico e o lambrusco; Toscana:
Os novos chefs perceberam que as preparações
grande consumo de azeite e alecrim, intitulam-se
eram demoradas e gordurosas e, em meados dos
criadores do gelado italiano; Campânia: criação
anos 60, a população começou a enfrentar gran-
de búfalas e utilização do leite para produzir a
des problemas com colesterol e doenças cardía-
mozzarella de búfala, criação da salada caprese,
cas. Por conta disso, passaram a se preocupar em
elevado consumo de peixes e frutos do mar.
oferecer pratos mais leves, que enfatizassem uma
cozinha mais simples e desse foco àquele que 3. A respeito das características gastronômicas
cria os pratos, a imagem do chef. Assim, surge a da França, cite três regiões de sua preferência
nouvelle cuisine. Chefs que marcaram o movimen- e os produtos ou pratos que marcam a cultura
to: Raimond Oliver, Gaston Lenôtre, Roger Vergé, desse local.
Alain Chapel, Alain Senderens, irmãos Troigrois. Exemplo: Champagne-Ardenne: famosos vinhos
Cozinha Clássica

“champagnes”, com bolhinhas, espumantes, con- de legumes regionais justifica o elevado consumo
gabarito

sumo da carne de porco, cultivo de cevada, trigo desse prato nessa região da França.
e centeio; Lorraine: prática em defumar e salgar,
2. Qual a categoria de queijos preferida dos france-
criação do quiche lorraine e das madalenas, ele-
ses? Explique as características que a qualificam
vado consumo de nata, manteiga, ovos, compotas
e dê exemplos de queijos consumidos.
e frutas; Midi-Pyrénées: produção de presuntos e
A categoria de queijos favorita dos francesas é a
charcutaria, criação do prato cassoulet e do queijo
de queijos com crosta branca e macia e interior
roquefort.
cremoso, chamada de pâte mole à croûte fleurie.
Normalmente, a base desses queijos é o leite de
UNIDADE III vaca, que dessora espontaneamente durante 2

1. Dos pratos célebres apresentados no primeiro ca- a 6 semanas e resulta na casquinha branca, de

pítulo desta unidade, qual foi o de sua preferência? sabor suave no interior. Alguns exemplos são: brie,

Faça uma associação entre os ingredientes utiliza- camembert e boursalt.

dos para seu preparo e os ingredientes disponíveis 3. A champanhe é todo vinho que contém bolhinhas,
e de mais consumo da região de sua origem. ou seja, é o nome de qualquer vinho espumante,
Exemplo: O tian de legumes é da região de Provença independente da região de sua produção.
e, como o próprio nome diz, é feito à base de uma Essa afirmação é correta ou falsa? Justifique sua
variedade de legumes preparados separadamen- resposta.
te que, depois de prontos, são intercalados para Essa afirmação é falsa. Para ser considerado cham-
uma apresentação mais elaborada. De acordo com panhe, as vinhas das quais provém a uva para
o estudo dos ingredientes regionais, a região de destino de produção do vinho devem ser neces-
provençal é abastada em azeite de oliva, alho, to- sariamente da região de Champagne, nordeste
mates, pimentões, cebolas, abobrinhas, erva-doce, francês. Além disso, deve passar pelo processo
alcachofra, grão de bico, berinjela, ervas aromáticas, de dupla fermentação, conhecido por método
peixes e frutos do mar, sendo assim, a variedade champenoise.

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