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Análise do filme “O duplo”

O filme de Richard Ayoade baseado na obra literária de Dostoiévski retrata a


história de Simon James, um jovem tímido, solitário, de baixa autoestima e submisso a
todas as pessoas a sua volta. Simon sempre tenta mostrar suas ideias no trabalho mas
seu chefe nunca o escuta, é como se ele fosse praticamente invisível para os seus
colegas e não consegue conquistar a mulher pelo qual está apaixonado. Certo dia, um
novo empregado é contratado no local onde ele trabalha e todos logo já notam sua
presença marcante, só não notam que ele é fisicamente idêntico a Simon, inclusive com
o mesmo nome, só que invertido: James Simon. Desse modo, conclui-se que eles são a
mesma pessoa, a qual possui duas personalidades dicotômicas introjetadas em si e são
percebidas em intensidades totalmente diferentes.

Diferente de Simon, a existência de James é bem vista e até requisitada, visto


que ele é um rapaz extrovertido, engraçado e carismático, sempre buscando expor suas
ideias, desejos e opiniões, criando até um certo tipo de encantamento e admiração no
primeiro quando os dois se conheceram. Porém, ao longo do filme, James também
mostra ser um indivíduo antiético, manipulador e egoísta, atrapalhando muitas vezes a
vida de Simon, que vai se incomodando cada vez mais com o seu duplo, até chegar a
um nível que a existência de James torna-se insuportável na vida da personagem
principal.

Este fato é explícito na cena em que todos os empregados do local onde os dois
sujeitos trabalham estão reunidos em uma sala, todos em volta de James, que está
contando piadas. Simon então entra na sala pedindo com certa urgência para o seu chefe
para eles conversarem mas não é bem recebido. Analisando essa cena pelo ponto de
vista supracitado de que Simon e James são a mesma pessoa, é possível interpretá-la
pelo fato de se tratar de uma crise psicótica vivenciada por Simon acerca do fenômeno
da nomeada síndrome do impostor. Simon então começa a gritar para o seu duplo que
ele é uma fraude e que não sabe nada da empresa, além de que as coisas que conquistou
não são mérito dele, ao passo que seu chefe o defende respondendo que ele é o melhor
funcionário do ambiente. Logo em seguida, todos os funcionários começam a olhar pra
ele em tom de reprovação e se juntam em volta dele com a intenção de o retirar da sala.
Simon então começa a gritar e falar para eles se afastarem, dizendo que James roubou o
seu rosto.

À partir da cena acima é válido enxerga-la a partir de conceitos como eu ideal e


ideal do eu, sendo esta a externalização do sentimento de distância entre os dois ideais
para Simon. Ao longo do filme é possível constatar que James é o simbólico visto como
o ideal do eu de Simon, a imagem a qual o principal gostaria de ser, ou melhor, a
imagem que sente o que ele gostaria de sentir justamente porque a existência de James é
de fato vista. O maior desejo de Simon é que as pessoas de fato reconheçam a sua
existência, porém ao longo do filme ele só vai se apagando cada vez mais por James, até
o ponto que passa a odiá-lo, o que evidencia que na verdade que ele não admira aquela
imagem que também o compunha. Esta, na realidade, é o resultado do desejo de um
outro, uma alteridade externa. Daquilo que é bem visto e desejado socialmente, pelo
menos ao ponto de vista de Simon, que depois percebe que odeia James justamente pela
fusão que ocorreu entre os dois. O eu perfeito que o eu atual idealizava não era o que de
fato queria para si e isso foi o destruindo. A esse ponto, Simon percebeu-se infeliz e
desamparado quando tornou-se cônscio de que mesmo atendendo ao desejo alheio,
mesmo tornando-se de fato o James, o seu desejo não havia sido atingido. Percebeu-se
muito mais concentrado no ideal inalcançado e naquilo que ele não era capaz de fazer e
pouco concentrado no prazer nas suas relações objetais, sejam estas o seu trabalho, os
seus relacionamentos ou o mundo. Simon estava mais concentrado em suas falhas
narcísicas do que na sua própria vida.

Freud, em seu texto Introdução ao narcisismo (1914), reflete que não seria de
admirar que houvesse uma instância psíquica que observasse o eu atual e o guiasse de
acordo com o ideal, assegurando em certo nível a satisfação narcísica inerente ao
sujeito. Porém, havendo tal instância seria impossível para nós descobri-la, “poderemos
apenas identifica-la e constatar que o que chamamos de nossa consciência moral tem
essas características”. Dessa forma, concluo que Simon apresenta uma crise quanto aos
seus valores morais e, como na cena anteriormente descrita, permite ser determinado
pelo seu superego, o qual é definido por valores externos ao sujeito e que o diz
constantemente que ele não é capaz de alcançar o seu ideal, ao mesmo que de certa
forma ele já havia se transformado em James – isso fica explícito na cena em que um
empregado da empresa fala que ele nunca existiu no sistema. Sendo assim, seu maior
momento de crise é quando ele pretende aniquilar o ideal que almejava alcançar para ter
sua existência validada socialmente, fato que reitera a afirmação lacaniana: “desejar é
desejar o desejo do outro”, de modo que para a personagem o ideal do eu é a posição
que o outro está mas que ele sente que nunca irá alcançar, caracterizando a síndrome
narcísica do impostor.

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