365 Dias e a espetacularização da Síndrome de Estocolmo

365 Days and spetacularization of the Stockholm Syndrome

Anne Gabriele Bispo Teodoro da Silva

1. Artigo de Psicologia da Associação Brasileira de Ensino

Universitário – UNIABEU

“Laura foi sequestrada por um mafioso. Líder de uma família mafiosa siciliana,
Agora, ela tem 365 dias para se acostumado com o luxo, à violência e a
apaixonar por ele”. Uma produção conseguir tudo o que almeja.
audiovisual disponível em uma das
Obcecado com a imagem de Laura, ele
maiores plataformas de streaming do
se aproveita da traição do noivo da
mundo, desenvolvida a partir de uma
moça e a sequestra, determinando a ela
mulher adulta. O resultado,
trezentos e sessenta e cinco dias para
infelizmente, não foi outro senão um
que se apaixone por ele. Ao fim do
total desserviço social desempenhado
“acordo”, ele a liberará se o objetivo for
com maestria.
alcançado. Se Laura tentar fugir no
Alinhando a obra com a realidade, o decorrer do processo, Massimo garante
objetivo desse escrito é denunciar a que matará sua família.
espetacularização da Síndrome de
A obsessão do mafioso pela vítima, por
Estocolmo e refletir sobre as
si só, já é um grande problema.
manifestações do machismo
Entretanto, o filme utiliza de recursos
considerando três subtópicos:
que amenizam seus atos. Massimo diz a
romantização de comportamentos
Laura que não obrigará a fazer nada que
abusivos, estética e luxo como aval para
ela não queira, quando a está mantendo
relações nocivas e distorção midiática
em cárcere privado. Ele também diz que
da Síndrome de Estocolmo.
não permitirá que ninguém a machuque
Romantização de comportamentos e, contudo, dopou-a para sequestra-la e
abusivos frequentemente a toca sem seu
consentimento.
Massimo Torricelli, o protagonista, é o
típico mafioso de histórias adultas.
Há cenas nas quais ele se comunica com
voz suave e olhar dócil, uma clara
tentativa da produção de fazer o
telespectador sentir por ele alguma
empatia.
À medida que a história e o romance se
desenvolvem, há as clássicas cenas nas
quais ele afasta dela outros homens
atirando neles – e obviamente os
homens em questão são mafiosos não
atraentes e antagonistas para que, assim,
o protagonista pose como um protetor.
Massimo é bruto com Laura, e depois
pede que ela o ensine a ser um homem
gentil. Ele julga suas roupas e a
culpabiliza por sofrer assédio numa
boate, alegando que ela “se veste como
uma vadia”. Outrossim, Laura cai de um
navio no clímax de uma discussão que
ele provocou e, quando Massimo a
resgata – fazendo exatamente o que
deveria – o filme atinge o ápice: ela
decide que uma boa maneira de
recompensá-lo é ter relações com ele.
Não há problematização em contar
histórias sobre relacionamento abusivo,
mas em não retratá-las em tom de
denúncia, premiando o abusador, que é
o centro de todo o problema.
Estética e luxo como aval para
relações nocivas
Michele Morone, o ator escalado para
viver o papel de Massimo, é o que se
define popularmente como padrão:
alto, atraente e dono de um corpo
musculoso e definido. Além disso, seu
personagem, o abusador, é muito rico.
Dito isso, comparemos as reações do
público feminino em duas situações.
Quando um homem anônimo e não
incluso em padrões estéticos e
financeiros faz uma vítima e quando,
num filme erótico, comete-se o mesmo
crime.
Por que as reações são diferentes? Por
que no primeiro caso há revolta e
comoção e, no segundo, desejo de estar
no lugar da protagonista e incentivo
para a formação do casal?
Deve-se considerar que numa sociedade
patriarcal o “mas” é um inimigo
irredutível da mulher. E é sagaz, pois os
ensinamentos machistas fazem com que
elas mesmas os usem como instrumento
de defesa do abusador sem perceberem.
Pode-se observar isso quando
internautas fazem comentários como
“Ele é tão possessivo, mas pelo menos a
protege”, “Massimo é um bruto, mas
poderia usar isso apenas em outras
circunstâncias”; “Ele é grosso, mas pelo
menos pede desculpas”; “Ele a magoa,
mas se eu fosse ela, perdoaria. Seria rica
e teria um homem desses”.
Os danos físicos e psicológicos que
Massimo provocou à Laura tornam-se
nada diante da beleza, do prazer, do
dinheiro e do status que ele pode
proporcionar. Ele a dopou, sequestrou,
assediou e ameaçou sua família, mas
não importa, pois Massimo é lindo, tem
um excelente desempenho sexual e
pode fazer de Laura uma mulher rica e
poderosa; além disso, sua principal
motivação para fazer o que fez foi o
amor.
Distorção midiática da Síndrome de
Estocolmo
O psiquiatra e criminologista Nils
Bejerot descreve a Síndrome
Estocolmo como um sistema na qual
“[...] a vítima de agressão, sequestrador
ou abuso desenvolve uma ligação
sentimental ou empática por
aproveitador”.
atenuantes para o criminoso e escalando
propositalmente um ator atraente para
desviar a atenção do que realmente é
um problema, isso envia uma
mensagem.
365 Dias aprova a opressão da mulher e
coloca sobre ela a responsabilidade de
amansar um homem que a ama e apenas
não sabe como demonstrar. Ademais,
valoriza a absolvição masculina e
propaga a potencialização da
imaturidade e “falta de jeito” os homens
com o amor, além de compensar toda
toxicidade da relação com ínfimos
momentos de amabilidade e múltiplas
cenas de sexo.
Dessa maneira constata-se a
irresponsabilidade social de uma equipe
de
profissional ao reproduzir problemas
sociais sem tom de denúncia: a vítima
desenvolve afeto pelo agressor e casa-se
com ele.
seu

Argumenta-se que tal síndrome resulta

de circunstâncias de desamparo e
submissão e, apesar do termo não ter
respaldo científico, anda é necessário
que se discuta sobre.

Quando um serviço de streaming de

alcance global transforma um sequestro
em romance, se fazendo valer de