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BOCAGE - FACE ÁRCADE Ó tranças, de que Amor prisão me tece,

Olha Marília, as flautas dos pastores, Ó mãos de neve, que regeis meu fado!
Que bem que soam, como são cadentes! Ó tesouro! Ó mistério! Ó par sagrado,
Olha o Tejo a sorrir-se! Olha: não sentes Onde o menino alígero adormece!
Os Zéfiros brincar por entre as flores?
Ó ledos olhos, cuja luz parece
Vê como ali, beijando-se, os Amores Tênue raio de sol! Ó gesto amado,
Incitam nossos ósculos ardentes! De rosas e açucenas semeado,
Ei-las de planta em planta as inocentes Por quem morrera esta alma, se pudesse!
As vagas borboletas de mil cores!
Ó lábios, cujo riso a paz me tira,
Naquele arbusto o rouxinol suspira; E por cujos dulcíssimos favores
Ora nas folhas a abelhinha pára. Talvez o próprio Júpiter suspira!
Ora nos ares sussurrando, gira.
Ó perfeições! Ó dons encantadores!
Que alegre campo! Que manhã tão clara! De quem sois?... Sois de Vênus? - É mentira;
Mas ah! Tudo o que vês, se eu não te vira, Sois de Marília, sois de meus amores.
Mais tristeza que a morte me causara. -----
---- A loira Fílis, na estação das flores,
O ledo passarinho, que gorjeia Comigo passeou por este prado
D'alma exprimindo a cândida ternura; Mil vezes; por sinal, trazia ao lado
O rio transparente, que murmura, As Graças, os Prazeres e os Amores.
E por entre pedrinhas serpenteia;
Quantos mimos então, quantos favores,
O Sol, que o céu diáfano passeia, Que inocente afeição, que puro agrado
A Lua, que lhe deve a formosura, Me não viram gozar (oh doce estado!)
O sorriso da Aurora, alegre e pura, Mordendo-se de inveja, os mais pastores!
A rosa, que entre os Zéfiros ondeia;
Porém, segundo o feminil costume,
A serena, amorosa Primavera, Já Fílis se esqueceu do amor mais terno,
O doce autor das glórias que consigo, E com Jônio se ri de meu queixume.
A Deusa das paixões e de Citera;
Ah! Se nos corações fosses eterno,
Quanto digo, meu bem, quanto não digo, Tormento abrasador, negro Ciúme,
Tudo em tua presença degenera. Serias tão cruel como os do Inferno!
Nada se pode comparar contigo.
(Obras de Bocage, Porto, Lello. 1968)
Já se afastou de nós o Inverno agreste
Envolto nos seus húmidos vapores;
A fértil Primavera, a mãe das flores
O prado ameno de boninas veste:

Varrendo os ares o subtil Nordeste


Os torna azuis: as aves de mil cores
Adejam entre Zéfiros, e Amores,
E torna o fresco Tejo a cor celeste;

Vem, ó Marília, vem lograr comigo


Destes alegres campos a beleza,
Destas copadas árvores o abrigo:

Deixa louvar da corte a vã grandeza:


Quanto me agrada mais estar contigo
Notando as perfeições da Natureza!
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