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O Impacto do Digital nas Organizações Educativas1

Desafios, oportunidades e responsabilidades de um momento único

1. Tecnologias e Educação em Portugal

Portugal tem, desde os anos 80, uma experiência rica e diversificada na realização de projetos na
área das Tecnologias Digitais nas Escolas, alguns deles pioneiros na sua visão e ambição, mas cujos
objetivos se encontram ainda por cumprir.

Num momento em que um novo Plano de Transformação Digital das Escolas está em curso, é
essencial uma reflexão sobre essas experiências, os resultados conseguidos e as estratégias e
processos seguidos na sua implementação.

Só essa reflexão, associada à análise dos novos contextos em que vivemos, conduzirá a um novo
processo que, embora não isento de riscos, possa evitar a repetição de algumas práticas ineficazes
do passado e criando, ao mesmo tempo, novos caminhos e novas abordagens para o sucesso deste
Projeto.

O Programa de Digitalização para as Escolas surge, assim, como uma “última” janela de oportunidade
para a transformação das Escolas e do Ensino em Portugal.

2 . O potencial do Digital nas Organizações Educativas

O potencial das tecnologias digitais


nas organizações e os benefícios que
trazem para o seu funcionamento e
melhoria de resultados são hoje
inquestionáveis.

Mais e melhor comunicação e


colaboração, menos burocracia,
maiores condições de inovação nas
práticas de trabalho, mais
conhecimento assente no tratamento
de informação são alguns exemplos
desse impacto positivo.

As mudanças introduzidas envolvem


todos os colaboradores da
organização, mas também os
elementos externos do seu
ecossistema externo – clientes,
parceiros, e fornecedores – abrindo
novas formas de comunicação e
cooperação.

1
Adelaide Franco – Texto produzido para o Curso de Formação de Formadores. Módulo “O Potencial do Digital nas
Organizações “, no âmbito do Programa Capacitação Digital Docentes.
As Escolas, enquanto organizações, não são uma exceção a este conjunto de benefícios, e podemos
ver, aliás, algumas destas áreas refletidas nos objetivos do Programa de Digitalização para as
Escolas2.

Mas é, sobretudo, no impacto ao nível das práticas de ensino e aprendizagem que habitualmente se
concentram todos os esforços na implementação e na utilização das tecnologias digitais na Educação.

Esta abordagem tem levado a uma conceção restrita sobre a atividade da Escola, concentrando-a,
exclusivamente, na dimensão do ensino e aprendizagem, secundarizando as restantes práticas
organizacionais, 3 e esquecendo a sua interdependência e contributos para os resultados.

São vários os modelos que reforçam esta conceção holística do impacto da tecnologia na vida da
Escola e que propõem uma abordagem integrada nas suas diversas dimensões.

Apresentam-se de seguida alguns desses Modelos, com especial destaque para o DigCompOrg, o
qual apresenta, através do seu instrumento de diagnóstico SELFIE, informação relevante para a
análise e definição de estratégias para o Plano de Ação Desenvolvimento Digital de cada Escola.
4
DigCompOrg

A necessidade de transformação digital dos sistemas de Educação e Formação, como fatores para o
desenvolvimento da Europa, tem sido uma mensagem-chave da Comissão Europeia e está na base
de várias iniciativas lançadas nos últimos anos.

Estudos realizados sobre esta temática revelaram uma multiplicidade de experiências sobre a
utilização das tecnologias nas Escolas, sem que tenha sido possível uma aprendizagem e uma
partilha, devido aos diferentes objetivos, áreas de atuação e destinatários adotados.

Apesar disso, foi possível chegar a uma importante conclusão a partir da análise dessas experiências:

- A necessidade das organizações educativas reverem as suas estratégias organizacionais, por forma
a promoverem a sua capacidade de inovação e poderem explorar todo o potencial das tecnologias e
conteúdos digitais.

O referencial europeu para as Competências Digitais das Organizações Educativas – DigCompOrg –


surge neste contexto como o referencial que utiliza uma abordagem sistémica que acrescenta valor,
promove a transparência, a compatibilidade e a aprendizagem entre pares.

O referencial identifica 7 dimensões de análise sobre as Competências Digitais das Escolas, sendo
possível adicionar outras dimensões em função de contextos específicos.

1. Práticas de Liderança e Governação


2. Práticas de Ensino e Aprendizagem
3. Desenvolvimento Profissional
4. Praticas de Avaliação
5. Conteúdos e Curricula
6. Colaboração e Networking
7. Infraestrutura

2
PDE _Programa Digitalização das Escolas
3
Conclusão da European Commission’s Opening up Education initiative, sobre a necessidade de revisão das
estratégias das Escolas na utilização das tecnologias (in DigComOrg)
4
Referencial Europeu para as Competências Digitais das Organizações Educativas
Para além destas 7 dimensões, juntam-se 15 subelementos e 74 descritores e ainda um
Questionário/Diagnóstico (SELFIE) que permite a cada Escola conhecer o seu posicionamento face às
diferentes dimensões.

Modelo de Transformação da Educação 5

Esta proposta endereça algumas dimensões muito especificas à realidade escolar – Inclusão e
Acessibilidade – reforçando o papel que as tecnologias podem desempenhar na concretização das
medidas de política educativa em curso em Portugal.

A necessidade de uma abordagem holística e integradora das várias dimensões e subdimensões


necessárias a uma transformação vai ao encontro das conclusões dos diversos estudos realizados:

• Pedagógica - “Ensinar e Aprender no séc. XXI”


o Desenvolvimento de Líderes e Educadores
o Curriculum e Avaliação
o Aprendizagem Personalizada e Bem-Estar
o Experiências Imersivas
• Tecnológica – “Referenciais Tecnológicos”
o Operações e Gestão da Tecnologia
o Dispositivos de Aprendizagem
o Gestão de Dados e de Aprendizagem
o Plataformas Colaborativas e de Aprendizagem
• Organizacional – “Liderança Escolar”
o Visão para a Mudança
o Inclusão e Acessibilidade
o Estratégia, Planeamento e Qualidade
o Parcerias e Capacitação Local

5
Modelo desenvolvido pela área da Educação da Microsoft, apresentado no Workshop “Education Transformation
Framework”, em colaboração com a DGE, por ocasião do evento “Build Bright Future – Ativar Portugal”, em Janeiro
de 2020.
Para além disso, destaca a importância da reflexão sobre os ambientes de aprendizagem – físicos e
virtuais – numa aposta de valorização dos espaços exteriores e apresentando soluções para a sua
gestão com o apoio da tecnologia.

• Ambientes Inteligentes
o Gestão das Instalações
o Propósito, Acessibilidade, Espaços de Aprendizagem
o Design Responsável e Sustentável
o Segurança Integrada Inteligente

A dimensão da Liderança Escolar é um elemento comum à abordagem do DigCompOrg, onde o papel


da construção de uma visão é uma peça essencial.

3. A especificidade da mudança nas Organizações Educativas

No debate sobre a importância da adoção de novos modelos de Gestão nas Escolas e o contributo
das tecnologias para a sua modernização, a especificidade da realidade escolar é argumento
recorrente para a não utilização de muitas das ferramentas de gestão que a tecnologia hoje
disponibiliza às organizações (por exemplo o designado “BI – Business Intelligence”).

Se é certo que as Escolas já utilizam algumas soluções para agilizar e modernizar a sua gestão escolar
(por exemplo, para a gestão de sumários, contactos com os pais, etc.), muitas outras áreas existem
ainda por desbravar para o investimento das tecnologias.

Mas este conjunto de oportunidades enfrenta dificuldades na sua implementação – os desafios da


Mudança na Educação.

Em que medida os desafios das organizações educativas são diferentes dos enfrentados noutros
tipos de organizações?
3 áreas fundamentais explicam os
Desafios da Mudança na Educação
o A sua DIMENSÃO

o A COMPLEXIDADE das
mudanças que pretende
implementar

o As caraterísticas da sua
ORGANIZAÇÃO

A Dimensão da Organização

O Plano de Capacitação Digital destina-se a 100.000 professores, distribuídos por cerca de 800
Agrupamentos de escolas em todo o País!
Assegurar um bom ritmo e velocidade na sua implementação garantindo consistência na sua
execução é um desafio atendendo à dimensão dos intervenientes.

A Complexidade da Mudança

A mudança associada ao Plano de Transformação Digital das Escolas exige alterações nas abordagens
de trabalho dos professores, mas também, ruturas conceptuais nas quais as tecnologias digitais
podem desempenhar um importante papel em todo o processo de ensino e aprendizagem.

Num inquérito recente aplicado a cerca de 2.000 professores de vários concelhos da Região de
Lisboa e Vale do Tejo, foi pedido para identificarem as maiores dificuldades sentidas durante a
implementação do Ensino a Distância ao longo do estado de emergência.

As respostas obtidas proporcionam pistas interessantes de reflexão:

• A dificuldade número 1, escolhida por 34% dos professores, foi “o acesso dos alunos à
tecnologia” (espera-se que este obstáculo seja superado no curto prazo através do Programa de
Digitalização das Escolas).
• Em 2º lugar, foi apontado o desafio da “construção de práticas pedagógicas para o E@D” por
cerca de 23% dos professores.
• Em 3º lugar, surgiu “o envolvimento e motivação dos alunos “com 17%.
• A dificuldade relacionada com as “competências tecnológicas dos Professores” foi identificada
por apenas 13% dos professores.
• E finalmente o “envolvimento dos Encarregados de Educação” foi apontado por 11%.

No caso concreto da implementação do Ensino a Distância, as respostas obtidas ilustram a


complexidade da mudança, resultado da multiplicidade de variáveis e intervenientes a ter em atenção
pelos professores, numa equação de difícil solução, pois as questões em causa não são apenas de
natureza operacional, mas sobretudo estratégica e de pensamento.

No âmbito mais vasto do Programa de Digitalização das Escolas e do Plano de Capacitação Digital
dos Professores, as transformações esperadas impactam diferentes domínios de atividade das
Escolas, múltiplos intervenientes e áreas de mudança, numa matriz de grande complexidade.
A Organização Escolar

A diversidade de contextos socioeconómicos, demográficos e da chamada “cultura organizacional”


das várias Escolas do País vem trazer uma camada adicional de dificuldades para a concretização de
estratégias, tendo em vista a implementação do Plano de Capacitação Digital dos Docentes.

Por outro lado, a estrutura hierárquica das Escolas e as suas dinâmicas de liderança tornam também
mais desafiantes a construção de estratégias para a mobilização e a adoção das mudanças desejadas.

O modelo hierárquico, caraterizado pela grande autonomia dos professores no exercício das suas
funções exige modelos de mobilização para a mudança, assentes na responsabilidade e adesão
individuais, em vez de modelos de decisão prescritivos da organização.

O Plano de Ação Desenvolvimento Digital das Escolas

Os sistemas de educação podem e devem fazer parte da transformação digital da sociedade,


retirando todos os benefícios e oportunidades que as tecnologias digitais trazem para o seu
funcionamento.
As Tecnologias Digitais suportam a Agenda Educativa porque:

a) Facilitam uma aprendizagem mais personalizada flexível e centrada no aluno;


b) Promovem a inclusão e acessibilidade dos alunos, por exemplo os portadores de deficiência;
c) Promovem novas formas de comunicação e de trabalho colaborativo;
d) Tornam mais ricos os ambientes de aprendizagem por recurso a criação e partilha de recursos
digitais;
e) Ultrapassam as barreiras físicas permitindo aprender em qualquer momento;
f) Permite combinar modalidades de aprendizagem – presencial, a distância ou híbrida.

As experiências recentes com o Ensino a Distância, a incerteza sobre a estabilidade dos cenários de
funcionamento da Escola, a importância de não se regredir nos progressos realizados e, finalmente,
o Programa de Digitalização das Escolas constituem os argumentos e as condições para o momento
certo para uma reflexão mais estruturada.
A construção do Plano de Ação de Desenvolvimento Digital da Escola (PADDE) deve ser um
instrumento de apoio em estreita interligação com o Projeto Educativo da Escola e com o Plano Anual
de Atividades, trazendo novas dinâmicas para a sua concretização.
Deverá ser à luz desses dois documentos, estruturantes da vida da Escola, que deverão ser
identificadas as oportunidades para o contributo único que as tecnologias digitais podem
desempenhar, mas também procurando identificar e analisar os principais desafios atuais que a
Escola enfrenta, num contexto de grande incerteza e pressão constantes.

A definição de uma estratégia de comunicação para a divulgação do PADDE junto de toda a


Comunidade Educativa é um fator essencial e condicionador do seu sucesso.
Será essa estratégia que viabilizará o envolvimento de todos – docentes, alunos, pessoal não docente
e pais/encarregados de educação - antecipando resistências, muitas delas assentes na pouca
informação sobre o tema.
Finalmente uma nota para a importância do papel dos Diretores das Escolas, das suas Lideranças
Intermédias e das suas equipas dedicadas à Transição Digital ao nível da elaboração, implementação,
monitorização e avaliação do PADDE.
Com o apoio dos Centros de Formação e dos Embaixadores Digitais, cabe às Escolas encontrar a sua
visão e caminho para a sua Transição Digital, nas suas múltiplas dimensões, devendo ser envolvidas
em todos os momentos e iniciativas associadas às diferentes medidas do Programa de Digitalização
das Escolas. O seu envolvimento ativo e comprometido trará a oportunidade para o sucesso da
transformação desejada.

5. Refletir e Aprender, Articular e Integrar, Colaborar para Transformar

Refletir e Aprender

Refletir sobre a história da “Educação Digital”6 em Portugal, numa análise objetiva e sem
preconceitos, é essencial para a construção do caminho do sucesso do Programa Digitalização das
Escolas.

No que ao Plano de Capacitação Digital de Docentes diz respeito, o desafio maior é o de tornar as
atuais propostas de formação verdadeiramente diferenciadoras dos milhares de horas de formação
em tecnologias, frequentadas pelos professores nos últimos anos.
Essa diferenciação deve ser assente em múltiplos fatores e não apenas nos relacionados com os
conteúdos abordados e as estratégias formativas.

O foco nos resultados efetivos que a formação deve produzir ao nível das práticas dos professores,
traduzidos pelas evidências da criação de ambientes de aprendizagens mais estimulantes para os
seus alunos e com a utilização das tecnologias, é um objetivo a perseguir.

Outra área de investimento diferenciadora do passado, relaciona-se com as estratégias de


mobilização dos professores para a formação, a qual deve ser dada especial atenção neste Projeto,
com especial destaque para o convite à participação no Questionário Check-In para efeitos de
diagnóstico.

Articular e Integrar

A articulação entre as diferentes iniciativas do Programa de Digitalização das Escolas e a integração


dos múltiplos projetos desenvolvidos pelo Ministério da Educação para a concretização das medidas
de política educativa constitui um contributo essencial para o sucesso do Plano de Capacitação Digital
dos Professores.

É dessa articulação que se poderão encontrar propostas de trabalho reais para os Professores no
contexto formativo. Por exemplo:

o As competências do Perfil do Aluno à Saída da Escolaridade Obrigatória


o A articulação curricular entre várias disciplinas no âmbito da Autonomia e Flexibilidade
Curricular
o Ou a promoção da Inclusão com recurso às tecnologias

Colaborar para Transformar

O PDE e o Plano de Capacitação Digital dos Docentes só terão sucesso se resultarem do esforço
conjugado dos vários grupos de pessoas envolvidas nos Projetos.

6
Conforme Sinopse Módulo 2. JCF
Só da colaboração e trabalho conjunto de todos - Formadores, “Embaixadores Digitais” do Programa,
Equipas Diretivas, membros da Comunidade Educativa – surgirá a transformação que se pretende na
Escola.

Fazer acontecer a Transformação da Escola exige a definição de uma Visão, Planeamento Estratégico,
concretização de iniciativas e reflexão sobre os resultados alcançados, encontrando o papel das
tecnologias no caminho dessa transformação.

Adelaide Franco
Fevereiro 2021

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