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Vygotsky e o conceito de zona de

desenvolvimento proximal
Para Vygotsky, o segredo é tirar vantagem das
diferenças e apostar no potencial de cada aluno

Censura e vida breve Nascido na Bielorrússia, Vygotsky viveu seus anos mais
produtivos sob a ditadura de Stalin, na antiga União Soviética. Teve seus livros
proibidos e morreu cedo, aos 37 anos

Todo professor pode escolher: olhar para trás, avaliando as deficiências do aluno e o
que já foi aprendido por ele, ou olhar para a frente, tentando estimar seu potencial. Qual
das opções é a melhor? Para a pesquisadora Cláudia Davis, professora de psicologia da
Educação da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), sem a segunda
fica difícil colocar o estudante no caminho do melhor aprendizado possível. "Esse
conceito é promissor porque sinaliza novas estratégias em sala de aula", diz Cláudia. O
que interessa, na opinião da especialista, não é avaliar as dificuldades das crianças, mas
suas diferenças. "Elas são ricas, muito mais importantes para o aprendizado do que as
semelhanças."

Não há um estudante igual a outro. As habilidades individuais são distintas, o que


significa também que cada criança avança em seu próprio ritmo. À primeira vista, ter
como missão lidar com tantas individualidades pode parecer um pesadelo. Mas a
pesquisadora garante: o que realmente existe aí, ao alcance de qualquer professor, é uma
excelente oportunidade de promover a troca de experiências.

Essa ode à interação e à valorização das diferenças é antiga. Nas primeiras décadas do
século 20, o psicólogo bielorrusso Lev Vygotsky (1896-1934) já defendia o convívio
em sala de aula de crianças mais adiantadas com aquelas que ainda precisam de apoio
para dar seus primeiros passos. Autor de mais de 200 trabalhos sobre Psicologia,
Educação e Ciências Sociais, ele propõe a existência de dois níveis de desenvolvimento
infantil. O primeiro é chamado de real e engloba as funções mentais que já estão
completamente desenvolvidas (resultado de habilidades e conhecimentos adquiridos
pela criança). Geralmente, esse nível é estimado pelo que uma criança realiza sozinha.
Essa avaliação, entretanto, não leva em conta o que ela conseguiria fazer ou alcançar
com a ajuda de um colega ou do próprio professor. É justamente aí - na distância entre o
que já se sabe e o que se pode saber com alguma assistência - que reside o segundo
nível de desenvolvimento apregoado por Vygotsky e batizado por ele de proximal (leia
um resumo do conceito na última página).

Nas palavras do próprio psicólogo, "a zona proximal de hoje será o nível de
desenvolvimento real amanhã". Ou seja: aquilo que nesse momento uma criança só
consegue fazer com a ajuda de alguém, um pouco mais adiante ela certamente
conseguirá fazer sozinha (leia um trecho de livro na terceira página). Depois que
Vygotsky elaborou o conceito, há mais de 80 anos, a integração de crianças em
diferentes níveis de desenvolvimento passou a ser encarada como um fator determinante
no processo de aprendizado.

Trocas positivas numa via de mão dupla

Com a troca de experiências proposta por Vygotsky, o professor naturalmente deixa de ser
encarado como a única fonte de saber na sala de aula. Mas nem por isso tem seu papel
diminuído. Ele continua sendo um mediador decisivo, por exemplo, na hora de formar equipes
mistas - com alunos em diferentes níveis de conhecimento - para uma atividade em grupo. A
principal vantagem de promover essa mescla, na concepção vygotskiana, é que todos saem
ganhando. Por um lado, o aluno menos experiente se sente desafiado pelo que sabe mais e,
com a sua assistência, consegue realizar tarefas que não conseguiria sozinho. Por outro, o mais
experiente ganha discernimento e aperfeiçoa suas habilidades ao ajudar o colega.

"Em algumas atividades, formar grupos onde exista alguém que faça a vez do professor
permite que o docente trabalhe mais diretamente com quem não conseguiria aprender de
outra forma", afirma Cláudia. "Deve-se adotar uma estratégia diferente com cada tipo de
aluno: o que apresenta desenvolvimento dentro da média, o mais adiantado e o que avança
mais lentamente." Não se deve, porém, escolher sempre as mesmas crianças como
"ajudantes", deixando as demais sempre em aparente condição de inferioridade. "É
importante variar e montar os grupos de acordo com os diferentes saberes que os alunos
precisam dominar", complementa a psicóloga Maria Suzana de Stefano Menin, professora da
Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho" (Unesp).

O educador também não pode se esquecer de outro ponto crucial na teoria de Vygotsky: a
zona de desenvolvimento proximal tem limite, além do qual a criança não consegue realizar
tarefa alguma, nem com ajuda ou supervisão de quem quer que seja. É papel do professor
determinar o que os alunos podem fazer sozinhos ou o que devem trabalhar em grupos,
avaliar quais atividades precisam de acompanhamento e decidir quais exercícios ainda são
inviáveis mesmo com assistência (por exigir saberes prévios que ainda não estão consolidados
ou acessíveis).

Desafios impossíveis e outros erros

Dar de ombros ao conceito das zonas de desenvolvimento pode significar alguns


problemas. Por exemplo: ao ignorar o limite proximal, muitas propostas em sala de aula
acabam colocando os alunos diante de desafios quase impossíveis (leia a questão de
concurso na próxima página). Corre-se o risco também de formar grupos homogêneos
ou permitir que a garotada se organize somente de acordo com suas afinidades. "Nas
atividades de lazer, não há a necessidade de restringir esse tipo de organização", afirma
a psicóloga Maria Suzana. "Mas é importante aproximar alunos com diferentes níveis de
ensino nas atividades em que o domínio dos saberes seja um diferencial."

Quando equívocos como os citados antes ocorrem, geralmente são resultado do


desconhecimento da obra de Vygotsky. No Brasil, ainda são poucos os que dominam
teorias como a da zona proximal. "Os professores até sabem que o conceito existe, mas
não conseguem colocá-lo em prática", diz Cláudia Davis. Se estivesse vivo, o conselho
do psicólogo bielorrusso para esses educadores talvez fosse óbvio: interação e troca de
experiências com aqueles que sabem mais, exatamente como se deve fazer com as
crianças.

Trecho de livro

"O nível de desenvolvimento real caracteriza o desenvolvimento mental


retrospectivamente, enquanto a zona de desenvolvimento proximal caracteriza o
desenvolvimento mental prospectivamente."
Lev Vygotsky no livro A Formação Social da Mente: O Desenvolvimento dos
Processos Psicológicos Superiores

Comentário
Nesse trecho, Vygotsky defende que há uma diferença entre o que o aluno já sabe (as
habilidades que ele domina sozinho) e o que ainda não sabe, mas está próximo de saber
(porque já consegue realizar com a ajuda de alguém). Percebe-se aindauma crítica às
avaliações que investigam o passado da aprendizagem (ao retratar, de forma
retrospectiva, os níveis já atingidos). É muito mais importante determinar o que a
criança pode aprender no futuro e que deve ser o foco da atuação do professor, com
exercícios em grupo e compartilhamento de dúvidas e experiências.

Questão de concurso

Prefeitura Municipal de Teresópolis, RJ, 2005


Concurso para Professor de Língua Portuguesa

"Vygotsky afirma que o bom ensino é aquele que se adianta ao desenvolvimento, ou


seja, que se dirige às funções psicológicas que estão em vias de se completarem."
(Rego, 2001)

Isso significa dizer que, na abordagem sociointeracionista, a qualidade do trabalho


pedagógico está associada à:
a) Capacidade de promoção de avanços no desenvolvimento do aluno com base naquilo
que potencialmente ele poderá vir a saber.
b) Possibilidade de promover situações em que o aluno demonstre aquilo que já sabe e
aprendeu fora da escola.
c) Criação de zonas de atuação pedagógica baseada em conhecimentos mais adiantados
nas séries escolares.
d) Proposição de pré-requisitos para a aprendizagem que demonstrem a prontidão dos
alunos.
e) Introdução de conceitos difíceis que levem os alunos a estudar além daquilo que está
nos livros didáticos.

Resposta correta: A

Comentário
Tanto a citação do enunciado como a alternativa correta fazem referência à zona de
desenvolvimento proximal: a ideia é que a aprendizagem deve priorizar o que o aluno
pode aprender a fazer sozinho no futuro, com base no que já consegue fazer com ajuda
no presente. O conceito busca, portanto, ir além do que o aluno já sabe ou aprendeu,
como defendido incorretamente nas alternativas "b" e "d". Mas também não adianta
trabalhar com questões impossíveis ou inacessíveis, que os alunos não consigam
resolver com ou sem ajuda, como proposto nas alternativas "c" e "e".

Resumo do conceito
Zona de desenvolvimento proximal
Elaborador: Lev Vygotsky (1896-1934)

É a distância entre as práticas que uma criança já domina e as atividades nas quais ela
ainda depende de ajuda. Para Vygotsky, é no caminho entre esses dois pontos que ela
pode se desenvolver mentalmente por meio da interação e da troca de experiências. Não
basta, portanto, determinar o que um aluno já aprendeu para avaliar seu desempenho.

Quer saber mais?

CONTATOS
Cláudia Davis
Maria Suzana de Stefano Menin

BIBLIOGRAFIA
A Formação Social da Mente: O Desenvolvimento dos Processos Psicológicos
Superiores, Lev Vygotsky, 182 págs., Ed. Martins, tel. (11) 3116- 0000, 37,20 reais
O Construtivismo na Sala de Aula, César Coll, Elena Martín, Teresa Mauri, Mariana
Miras, Javier Onrubia,
Isabel Solé e Antoni Zabala, 222 págs., Ed. Ática, tel. 0800-11-5152, 40,90 reais
Piaget, Vygotsky, Wallon: Teorias Psicogenéticas em Discussão, Yves de La Taille,
Marta Kohl de Oliveira e Heloysa Dantas, 120 págs., Ed. Summus, tel. (11) 3862-3530,
32,90 reais
Vygotsky: Uma Perspectiva Histórico-Cultural da Educação, Teresa Cristina Rego,
138 págs., Ed. Vozes,
tel. (24) 2233-9000, 21 reais

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