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XV.

O Diabo
Em vez de uma cama nupcial e um casamento brilhante,
foram condenados a uma prisão forte e duradoura.
A parábola de Hinricus Madathanus Theosophus
Com a introdução do Diabo, entramos na última divisão dos trunfos, a
qual se relaciona com a alma da razão e a essência Mercúrio, que simboliza a
alma. Nos primeiros tarôs, os sete trunfos do último grupo eram baseados em
ilustrações do Apocalipse, a visão apocalíptica da segunda vinda de Cristo,
que inclui uma batalha com Satã, o Julgamento Final e o estabelecimento de
uma Nova Jerusalém na Terra. No tarô, o primeiro trunfo dessa seção mostra
Satã e, nos baralhos mais antigos, o último trunfo retratava um anjo
mostrando a Nova Jerusalém ou um anjo despertando os mortos.
Não há trunfos do Diabo nos baralhos pintados à mão mais antigos. A
imagem do Diabo no tarô de Ferrara pode, portanto, ser o exemplo mais
arcaico (ver figura 17). A imagem é a do demônio chifrudo, a personificação
cristã do mal, comum na arte medieval e renascentista. O Diabo do tarô de
Marselha é parecido, mas tem uma galhada em vez de chifres, além de dois
ajudantes, em geral considerados um macho e uma fêmea, acorrentados à sua
coluna. Na Bíblia, o Diabo não é descrito como um homem de chifres; ele é
retratado como uma serpente ou um dragão, e essa imagem também era
comum na arte renascentista. É o dragão que aparece nos textos alquímicos.
O processo alquímico que o Diabo representa é a Coagulação, em que a
matéria é reduzida a um estado sólido em um corpo homogêneo. Esse corpo é
composto pelos Amantes, que se uniram em uma forma única no
hermafrodita. Eles devem agora coagular no escuro enquanto aguardam o
renascimento. Os Amantes estão aprisionados no inferno, com o dragão
vermelho, que é o Diabo, mas de lá só podem subir. O Diabo também pode
ser visto como Hermes/Mercúrio mostrando seu lado venenoso. Podemos
encontrar uma ilustração desse processo no Philosophia Reformata (figura
61), de 1622. O Diabo é retratado como um dragão vermelho sentado em
cima do mesmo recipiente encontrado na carta da Morte. No centro do
recipiente, a substância virou uma massa disforme que agora é mais preta que
o preto – o objetivo do Nigredo foi atingido. O Diabo também pode se
relacionar a Saturno, o deus do tempo, que era chamado de serpente velha,
uma referência a seu símbolo do ouroboros. Saturno também se relacionava
ao chumbo, o metal morto.
O Diabo representa estarmos presos a nossos instintos mais básicos, ou
sermos escravos deles, os quais Jung chamou de sombra. No entanto, a
sombra também pode ser a fonte de nossa vitalidade e força. Nossa sombra é
apenas a parte de nós mesmos que ainda não integramos. Ela só é má quando
permanece inconsciente. Quando a ignoramos, podemos projetar esses traços
negativos nos outros; então, pensando que somos bons e os outros são maus,
estamos aptos a agir da pior forma.

Figura 61. Coagulação. Philosophia Reformata, de Mylius, 1622.

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