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A palavra
Sem tradução para o português, bullying é toda agressão feita com a
intenção de machucar outra pessoa ou até uma turma inteira. Mas, pra ser
considerado bullying de verdade, também é preciso que essa atitude agressiva se
repita uma porção de vezes. Sabe aquele garoto que fica gozando do colega todo
santo dia, fazendo piadinhas infelizes a respeito da orelha de abano do garoto?
Pois essa atitude grosseira, repetitiva, disfarçada de brincadeira, é o tal de
bullying. Mas esse comportamento vai além dos apelidos maldosos. Ele também é
uma característica de quem gosta de ofender, humilhar, discriminar, intimidar,
enfim, de quem se diverte fazendo tudo o que faça uma menina (ou o menino)
sofrer (veja mais exemplos em "As faces da maldade").
Menino é diferente
A prática do bullying nem sempre é igual para meninos e meninas. Segundo
Aramis Lopes, pediatra e coordenador do Programa de Redução do
Comportamento Agressivo entre Estudantes, os garotos são mais explícitos. É
comum ver meninos tirando sarro de alguém na frente de todo mundo. "Já a
menina é educada para ser mais recatada, discreta. Sendo assim, a estratégia
delas é outra", explica o médico. É isso mesmo! A menina é mais sutil e vai, como
se diz, "comendo pelas bordas". Uma fofoquinha aqui, uma esnobada ali e lá está
ela colocando em prática sua maldade. "A princípio, elas são amigas. Mas, quando
vai ver, uma garota já está sendo vítima de difamação e exclusão dentro de seu
grupo", acrescenta Aramis.
Mas, quando o assunto é gozação na frente de todo mundo, como nos casos em
que o cidadão grita um apelido infeliz pelos quatro cantos da escola, a pedagoga
Karen Kaufmann Sacchetto, da Escola São Gabriel Pompéia, em São Paulo, tem a
saída: "Evite reforçar essa atitude. Tente ignorar o máximo que
puder". E Aramis complementa: "Saia de perto, para a brincadeira não continuar e
você não sofrer".
Uma outra forma de agressão tem crescido, silenciosa, no meio dos adolescentes:
é o cyberbullying. Pouco se fala sobre o assunto no Brasil, mas acontece com muita
freqüência na internet. Quer exemplos? Os sites de ódio, as comunidades preconceituosas
do Orkut, os blogs com mensagens negativas sobre uma pessoa ou um grupo... Fugir disso
é fácil. Basta não fazer parte dessa galera de jeito nenhum.
As faces da maldade
humilhar
Portanto, se você encontrar uma turminha do mal como essas por perto, deixe-a
para lá. O ditado "Não faça com os outros o que você não gostaria que lhe
fizessem" é muito importante. Lembre-se sempre dele.
As conseqüências
Quem já sofreu com o bullying sabe que não é fácil esquecer a humilhação. Por
isso, é comum a vítima levar esse trauma para a vida adulta. Os efeitos mais
comuns dessa agressão são depressão, insegurança, problemas na escola e
síndrome do pânico. Em casos mais extremos, a vítima pode tornar-se violenta
com os colegas ou, até mesmo, querer se matar (veja box "Casos famosos").
Por isso, se você já foi - ou está sendo - alvo de maldades, não tenha vergonha nem receio
de procurar ajuda profissional. Um psicólogo poderá auxiliá-la a superar esses traumas e a
reagir com mais facilidade diante das agressões. Uma outra forma de livrar-se desse peso é
desabafar com uma amiga bacana ou com alguém em quem você confia pra valer.
E agora, doutor?
O doutor Aramis
Lopes esclarece
as dúvidas das
leitoras.
"Um dia, no
intervalo, chovia
muito. Um garoto
da minha sala
começou a chutar
a água do chão,
dando um banho
em mim e nas
minhas amigas.
Ficamos
ensopadas!
Nesse dia, eu
chorei. Não por
essa sacanagem
ridícula, mas por
tantas outras que
esse garoto já
havia feito. Ele
recebe vários
avisos de
coordenadores
do colégio e não
adianta nada."
Bruna A escola
deveria
conscientizar
tanto ele quanto
o grupo que o
apóia. Quem age
dessa maneira
precisa da
aprovação da
turma. Portanto,
se ele não tiver
uma platéia a seu
favor, a única
saída será parar
com as maldades.
"Eu tinha um
sério problema
dentário. Alguns
alunos me
chamavam de
'mamute'. Eu
chorava e não
queria mais ir à
escola. Fiz
cirurgias, usei
aparelho e não
tenho mais nada,
mas ficou um
trauma."
Mila O bullying
pode causar
traumas para o
resto da vida,
pois acaba com a
auto-estima. O
aconselhável para
casos como o seu
seria um
acompanhamento
psicológico.
"Gostaria de
saber qual a
melhor forma de
agir bem na hora
que alguém está
tirando sarro de
mim."
Nathalia A melhor
maneira é
afastar-se para
não ficar
sofrendo. O
segundo passo é
buscar ajuda. Mas
o ideal, mesmo, é
ficar longe dessas
pessoas que
estão fazendo
mal a você.
"Estou muito
triste. Eu
pensava que
tinha amigas
verdadeiras e, de
uma hora para
outra, elas
passaram a me
ignorar. Soube
que andaram
falando mal de
mim por aí e não
sei o porquê de
tudo isso. O que
devo fazer?"
Ana Beatriz A
melhor opção é
encontrar outro
grupo. Procure
pessoas com
quem você tenha
afinidade, amigos
novos que não
vão discriminá-la.
Desse jeito, você
se afasta de quem
não quer a sua
felicidade e que
só pretende
magoá-la
Bullying no cinema:
Nunca fui beijada: a jornalista Josie Geller recebe a difícil missão de fazer uma
reportagem sobre o comportamento dos adolescentes na escola. Só que a moça
nunca foi beijada e não era das mais populares na época de colégio. O filme
mostra como a protagonista vira motivo de chacota para seus colegas.
Casos famosos
O jovem Törless, de Robert Musil, romance sobre os anos da puberdade passados num
colégio interno da Áustria na virada do século, foi publicado em 1906. Os impulsos que
fervem por trás dos muros da Academia Militar Imperial e Real podem soar como relíquias
embaraçosas de uma era passada, mas não são. Violência de um grupo contra um
indivíduo, acobertada pelos colegas e mantida a distância pelos professores, ainda
acontece nas escolas hoje. E o bullying - termo em inglês para intimidação física e
psicológica -, assim como a disseminação regular de apelidos depreciativos, boatos e
fofocas, são mais comuns que a sociedade, os funcionários de escolas e os pais
gostariam de acreditar.
Nos Estados Unidos, infelizmente, foi preciso ocorrer um episódio de violência chocante
para chamar mais atenção ao problema. O tiroteio na escola secundária Columbine, no
Colorado, foi uma tentativa trágica de revide de dois meninos que vinham sendo
intimidados por dois atletas populares da escola. O bullying foi um dos fatores que
levaram Jeffrey Weise para uma vida de isolamento antes de partir para o tiroteiro
desordenado de retaliação na Red Lake High School em Minnesota, matando nove
pessoas e a si próprio. E todos os anos adolescentes cometem suicídio, deixando para
trás bilhetes como o de uma menina canadense de 14 anos: "Se eu tentar buscar ajuda,
será pior... Mesmo se eu delatasse, nada os deteria". As escolas devem tomar medidas
mais agressivas para parar o tormento, e a mais importante é entender melhor o que
motiva os autores de bullying.
Abuso sistemático
A partir do início da década de 80, liderados em grande parte pelo psicólogo norueguês
Dan Olweus, da Universidade de Bergen, psicólogos e pesquisadores do comportamento
estudaram com seriedade o abuso coletivo (mobbing, em inglês) - equivalente ao bullying
em grupo - entre estudantes. Em sua pesquisa pioneira com estudantes suecos e
noruegueses, Olweus concluiu que as crianças podem ser muito hábeis em usar
sistematicamente o poder social contra os colegas de escola mais fracos. O objetivo é
fortalecer sua própria posição.
As crianças que são vítimas desse tipo de intimidação normalmente enfrentam o assédio
sozinhas. Outros meninos e meninas ficam do lado dos perpetradores, temendo que
possam ser os próximos da fila, ou fingem que nada aconteceu e permanecem quietos.
Poucos encontram coragem para defender os colegas. No final, o abuso coletivo afeta
todo o ambiente da escola, não apenas os autores de bullying e seus alvos.
Sede de poder
Para aprender sobre o que motiva os que abusam, uma equipe de pesquisa (da qual fiz
parte) da Universidade de Munique conduziu um estudo de longo prazo com 288 alunos
da 2a e 3a séries de diferentes escolas infantis no sul da Alemanha. Nós os questionamos
sobre suas experiências. Que tipo de criança era mais inclinado a se tornar presa dos
agressores? Como o resto da classe reagia? Nós entrevistamos as mesmas crianças seis
anos mais tarde, quando elas estavam na 8a série.
Nossa primeira descoberta foi que os agressores podiam ser identificados cedo na escola
primária: mesmo com pouca idade, eles são capazes de organizar um cerco contra certas
crianças: os chamados bullies parecem estar sempre observando para escolher novas
vítimas. E encontram dificuldade em abandonar seus papéis com o passar do tempo;
intimidadores tendem a continuar intimidando ao longo de muitos meses e até mesmo
anos.
Da mesma forma, encontramos crianças de 8 anos que, por suas próprias declarações e
pelas de seus amigos, haviam sido alvo de abuso coletivo por um bom tempo. Elas
suportaram o tormento e a rejeição sem nunca opor resistência ou informar os adultos
sobre a situação. As conseqüências podem ser de longa duração. Nos primeiros estudos,
mostramos que crianças atormentadas pelos colegas de escola ao longo de um período
prolongado são incapazes de se defender contra a hostilidade e reagem aos ataques com
angústia e retraimento. Essas terríveis experiências aumentam as probabilidades de elas
caírem nas armadilhas colocadas pelos bullies.
Quando fizemos as mesmas perguntas seis anos mais tarde, as respostas dos estudantes
confirmaram. Depois de perguntar aos alunos de 13 e 14 anos de quais crianças eles
gostavam e de quais não, desenvolvemos um perfil de preferência que nos deu uma boa
percepção de um ranking social individual em classe. O resultado foi surpreendente. Em
contraste com a relativa baixa posição dos agressores durante a escola primária, eles
haviam se tornado muito populares entre seus colegas de classe. As vítimas, por outro
lado, receberam poucos pontos de empatia.
Como certos estudantes são selecionados, abusados e finalmente rejeitados por muitos
de seus colegas? Essas crianças são desprezadas porque são hostilizadas ou são
hostilizadas por ser desprezadas? Parece que ambas as dinâmicas acontecem. Mesmo
se as vítimas forem capazes de evitar alguns dos agressores quando são mais jovens, a
escola se torna uma tortura quando elas ficam mais velhas. Seus colegas agem como se
elas não estivessem lá ou reagem com total rejeição e cochicham pelas costas. Os
agressores intensificam esse jogo, insultando e zombando delas. Muitas das vítimas são
estigmatizadas com o papel de coitadinhas e se tornam o brinquedo de quem as
persegue. E, quanto mais tempo prossegue a intimidação, mais a lealdade dos amigos é
perdida.
Essa dinâmica é agravada pelo suposto desinteresse das pessoas próximas, uma idéia
explorada em profundidade no início da década de 90 pela psicóloga canadense Debra
Pepler. Depois de entrevistar estudantes sobre o abuso coletivo, ela e sua equipe os
seguiram com câmeras escondidas e microfones. Os pesquisadores descobriram que
quase 60% dos supostos estudantes neutros estavam em termos amigáveis com os
bullies. Quase metade dos observadores "não envolvidos" mudou gradualmente para uma
atitude de zombaria das vítimas e estímulo aos agressores. Outros estudos
demonstraram que a grande maioria dos estudantes coopera com os bullies ou se tornam
os próprios agressores.
Ajudando a vítima
Entender melhor o que faz os bullies prevalecer sobre os demais ajudaria a cortar sua
fonte de poder. Ao mesmo tempo, é preciso fazer mais para minimizar os prolongados
efeitos sobre aqueles que sofreram. Em 2002, eu e meus colegas entrevistamos 884
homens e mulheres da Alemanha, Reino Unido e Espanha; mais de 25% deles lembraram
de ter sofrido ataques físicos e psicológicos de outras crianças quando estavam na
escola. A mágoa de terem sido excluídos e ameaçados continuava afetando-os na vida
adulta. Ex-vítimas de abuso coletivo em geral têm problemas para desenvolver relações
de confiança e sentem insegurança quando interagem com outros adultos. Suas
expectativas sobre si próprios e outras pessoas são mais baixas do que a média. A única
observação positiva foi a constatação de que a experiência anterior em geral não se
repete na vida profissional, embora o abuso coletivo - conspiração de subordinados ou
superiores através de rumores, insinuações, intimidação, humilhação, descrédito e
isolamento - também ocorra em locais de trabalho.
Os professores podem pelo menos dar exemplo através de seu próprio comportamento.
Devem evitar comentários pejorativos e nunca devolver o trabalho de casa em ordem de
nota decrescente. Estudantes mais fracos não devem ser criticados em sala de aula. Se
um professor deixa claro que todos são tratados da mesma forma, os alunos vêem nisso
um sinal para não excluir outros do grupo.
Na narrativa de Musil, o jovem Basini não encontra ajuda, e os três agressores ficam sem
punição. Os outros estudantes acobertam os bullies e os professores terminam enredados
numa teia de mentiras e trocas de acusação. No final, Basini é expulso. A vida real para
uma vítima de verdade pode ser muito pior.
Queixas físicas vagas, tais como dor de cabeça ou de estômago, especial mente nos
dias de aula.
Se você suspeita que seu filho pode ser uma vítima, não pergunte a ele diretamente.
Você deve fazer perguntas como "O que acontece durante o horário de almoço?",
"Como é ir para a escola a pé ou de ônibus?", "Há alguma criança agressiva na
escola?". Seja um bom ouvinte. Permita que a criança tenha tempo para explicar como
se sente. Se você suspeita que seu filho(a) pode ser uma vítima, diga claramente que
não é culpa dele(a). Então pergunte a si mesmo se a situação é séria o suficiente para
procurar o professor, o diretor da escola ou até mesmo a polícia.
Por Sarah Shea, professora associada de pediatria da Universidade
Dalhousie em Halifax, Nova Escócia.
Não chorar ou mostrar que ficou aborrecido, mas afastar-se se não puder esconder o
medo.
Se ficar seguro de que uma investigação não irá expor seu filho a riscos, informar a
escola dos acontecimentos que ficaram conhecidos, fornecendo datas, hora e lugar.
Por Cindi Seddon, diretora da Pitt River Middle School em Port Coquitlam, Colúmbia
Britânica, Canadá, e co-fundadora da Bully B'ware Productions