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Rio de Janeiro
2011

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© 2011 by Luciana Mendonça Alves, Renata Mousinho e
Simone Aparecida Capellini

Gerente Editorial: Alan Kardec Pereira


Editor: Waldir Pedro
Revisão Gramatical: Lucíola Medeiros Brasil
Capa e Projeto Gráfico: 2ébom Design
Capa: Eduardo Cardoso
Diagramação: Flávio Lecorny

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

D639
Dislexia: novos temas, novas perspectivas/ Luciana Mendonça Alves, Renata
Mousinho, Simone Capellini (organizadoras) - Rio de Janeiro: Wak Editora, 2011.
344p ; 23cm

Trabalhos apresentados no 3º Congresso Internacional de Dislexia (CID - 2011),
realizado nos dias 20 e 21 de maio de 2011 em Belo Horizonte (MG)
Inclui bibliografia
ISBN 978-85-7854-142-2

1. Dislexia - Congressos. 2. Crianças com distúrbios de aprendizagem - Avaliação.
3. Crianças disléxicas - Educação. I. Alves, Luciana Mendonça. II. Mousinho, Renata.
III. Capellini, Simone.

10-0911. CDD 616.8553 CDU 616.89-008.434.5

2011

Direitos desta edição reservados à Wak Editora


Proibida a reprodução total e parcial.
Os infratores serão processados na forma da lei.

WAK EDITORA
Av. N. Sra. de Copacabana 945 – sala 107 – Copacabana
Rio de Janeiro – CEP 22060-001 – RJ
Tels.: (21) 3208-6095 e 3208-6113
Fax (21) 3208-3918
wakeditora@uol.com.br
www.wakeditora.com.br

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AUTORES

Amanda Kirby
Professora titular de Desordens Desenvolvimentais na Educa-
ção. Diretora médica do “The Dyscovery Centre”. Universidade de
Wales, Newport – Inglaterra.

Ana Luiza Navas


Fonoaudiologa. Doutora em Psicolinguística pela University
of Connecticut, EUA. Pós-doutorado em Linguística pela UNI-
CAMP. Professora adjunto do Curso de Fonoaudiologia da Facul-
dade de Ciências Médicas, da Santa Casa de São Paulo. Diretora
presidente do Instituto ABCD.

Ângela Maria Vieira Pinheiro


Professora titular do Departamento de Psicologia FAFICH/
UFMG.

Cíntia Cristina Fadini


Discente do Curso de Fonoaudiologia da Faculdade de Filo-
sofia e Ciências, da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mes-
quita Filho” – FFC/UNESP – Marília – SP. Bolsista de Iniciação
Científica do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e
Tecnológico – CNPq.

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Clara Regina Brandão de Ávila
Doutora em Distúrbios da Comunicação Humana pela Uni-
versidade Federal de São Paulo – UNIFESP-EPM. Professora asso-
ciada do Departamento de Fonoaudiologia da Universidade Fede-
ral de São Paulo – UNIFESP-EPM.

Cláudia Machado Siqueira


Médica neuropediatra. Mestranda em Ciências da Saúde da
Criança e do Adolescente pela Universidade Federal de Minas Ge-
rais. Preceptora da Residência em Neurologia Pediátrica, do Hos-
pital das Clínicas. Coordenadora do Laboratório de Estudo dos
Transtornos de Aprendizagem do Hospital das Clínicas da Univer-
sidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

Daniele de Campos Refundini


Discente do Curso de Fonoaudiologia da Faculdade de Filo-
sofia e Ciências, da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mes-
quita Filho” – FFC/UNESP – Marília – SP. Bolsista de Iniciação
Científica do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e
Tecnológico – CNPq.

Débora Fraga Lodi


Fonoaudióloga. Docente do Curso de Fonoaudiologia da Fa-
culdade Fead – MG. Colaboradora do Laboratório de Estudo dos
Transtornos de Aprendizagem do Hospital das Clínicas da UFMG.

Fabiana Silva Ribeiro


Psicóloga pela Universidade Estadual Paulista (FCL-UNESP/
Assis). Aluna de graduação em Educação Musical da Universidade
Federal de São Carlos (UFSCar).

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Flávia Heloísa dos Santos
Pós-Doutorado em Psicologia pela Universidad de Murcia,
Espanha. Doutora em Psicobiologia pela Universidade Federal de
São Paulo (UNIFESP) com período de intercâmbio acadêmico na
University de Durham, Inglaterra. Especialista em Psicologia da
Infância pela Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP). Do-
cente de Graduação e Pós-Graduação da Universidade Estadual
Paulista (UNESP, campus de Assis). Coordenadora do Laboratório
de Neuropsicologia da UNESP/Assis. Bolsista de Produtividade em
Pesquisa do CNPq e da Fundación Séneca.

Giseli Donadon Germano


Fonoaudióloga. Doutora em Educação da Faculdade de Filoso-
fia e Ciências, da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita
Filho” – FFC/UNESP – Marília (SP), Brasil. Laboratório de Investi-
gação dos Desvios da Aprendizagem do Departamento de Fonoau-
diologia da Faculdade de Filosofia e Ciências, da Universidade Esta-
dual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” – FFC/UNESP – Marília.

Guilherme Wood
Psicólogo. Doutor em Psicologia pela Universidade Técnica
da Renânia-Westfália em Aachen.
Pós-doutorado no Departamento de Diagnóstico Psicológico e
Neuropsicologia da Paris-London Universidade de Salzburgo.

Helena V. Corso
Doutoranda em Psicologia do Programa de Pós-Graduação
em Psicologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul –
UFRGS. Mestre em Psicologia da Educação pelo Programa de Pós-
Graduação da Faculdade de Educação, da Universidade Federal do
Rio Grande do Sul.

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Hugh W. Catts
Professor titular do Departamento de “Speech-Language-Hea-
ring: Sciences and Disorders” na Universidade do Kansas – Estados
Unidos.

Ian Smythe
Doutor em Psicologia Cognitiva pela University of Surrey-
UK. Professor visitante da University of Wales, Newport -UK.

Jane Correa
Psicóloga. Mestre em Psicologia Cognitiva pela Fundação Ge-
túlio Vargas (FGV-RJ). Doutorado em Psicologia pela Universidade
de Oxford. Professora do Instituto de Psicologia da Universidade Fe-
deral do Rio de Janeiro. Cientista do Nosso Estado – FAPERJ. Co-
ordenadora das Oficinas de Leitura e Escrita (www.psicologia.ufrj.
br/oficinasleituraescrita). Produtividade em Pesquisa – CNPq.

Jerusa Fumagalli de Salles


Doutora em Psicologia do Desenvolvimento. Professora ad-
junta do Instituto de Psicologia, Departamento de Psicologia do
Desenvolvimento e da Personalidade e do Programa de Pós-Gradu-
ação em Psicologia, Universidade Federal do Rio Grande do Sul –
UFRGS. Coordenadora no Núcleo de Estudos em Neuropsicologia
Cognitiva (Neurocog).

José Alexandre Bastos


Responsável pelo Serviço de Neurologia Infantil da FAMERP.
Professor e doutor em Ciências da Saúde. Membro titular da Acade-
mia Brasileira de Neurologia. Título de Especialista em Neurologia
Infantil pela AMB. Autor do Livro “O Cérebro e a Matemática”.

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Juliana Flores Mendonça Alves
Terapeuta ocupacional graduada pela Universidade Federal de
Minas Gerais. Colaboradora do Laboratório de Estudo dos Trans-
tornos de Aprendizagem do Hospital das Clínicas da UFMG.

Juliana Gurgel-Giannetti
Médica neuropediatra. Professora adjunta de Pediatria da
UFMG. Pós-Doutorado em Columbia University, em Nova Iorque.
Coordenadora e preceptora da residência de Neurologia Pediátrica
da UFMG.

Karina Avelar
Psicóloga Clínica. Neuropsicóloga. Pós-Graduação em Neuro-
psicologia pela FUMEC. Colaboradora do Laboratório de Estudo dos
Transtornos de Aprendizagem do Hospital das Clínicas da UFMG.

Lara Cristina Antunes dos Santos


Neurologista Infantil. Médica responsável pelo Ambulatório
de Neurodesvios da Aprendizagem do Hospital das Clínicas da Fa-
culdade de Medicina – FM/UNESP – Botucatu – SP.

Lívia de Castro Magalhães


PhD, Terapeuta Ocupacional.
Professora titular do Departamento de Terapia Ocupacional
da UFMG.

Luciana Mendonça Alves


Fonoaudióloga. Pós-Doutora em Linguística pelo Laboratoire
Parole et Langage – França. Doutora em Estudos Linguísticos pela

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UFMG. Docente do Curso de Fonoaudiologia do Centro Universi-
tário Metodista Izabela Hendrix. Colaboradora do Laboratório de
Estudo dos Transtornos de Aprendizagem do Hospital das Clínicas
da UFMG.

Maíra Anelli Martins


Discente do Curso de Fonoaudiologia da Faculdade de Fi-
losofia e Ciências, da Universidade Estadual Paulista “Júlio de
Mesquita Filho” – FFC/UNESP – Marília – SP. Bolsista de Apoio
Técnico do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e
Tecnológico – CNPq.

Maria Dalva Lourenceti


Neuropsicóloga. Mestre em Biologia Oral pela Universidade
do Sagrado Coração – USC/Bauru – SP. Neuropsicóloga do Labo-
ratório de Investigação dos Desvios da Aprendizagem do Centro de
Estudos da Saúde da Educação – CEES/FFC/UNESP – Marília –
SP. Ambulatório de Neurodesvios da Aprendizagem do Hospital das
Clínicas da Faculdade de Medicina – FM/UNESP – Botucatu – SP.

Maria do Carmo Mangelli Ferreira Araújo


Neuropsicóloga. Especialista em Psicologia Clínica. Mestre em
Ciências da Saúde da Criança e do Adolescente pela Universidade Fe-
deral de Minas Gerais. Colaboradora do Laboratório de Estudo dos
Transtornos de Aprendizagem do Hospital das Clínicas da UFMG.

Maryse Tomoko Matsuzawa Fukuda


Fonoaudióloga voluntária do Laboratório de Investigação dos
Desvios da Aprendizagem do Departamento de Fonoaudiologia da
Faculdade de Filosofia e Ciências, da Universidade Estadual Paulis-
ta “Júlio de Mesquita Filho” – FFC/UNESP – Marília – SP.

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Niura Ap. de Moura Ribeiro Padula
Doutora em Ciências Médicas – Faculdade de Ciências Mé-
dicas – FCM/UNICAMP – Campinas – SP. Docente do Depar-
tamento de Neurologia, Psiquiatria e Psicologia da Faculdade de
Medicina – FM/UNESP – Botucatu – SP.

Pedro Pinheiro-Chagas
Psicólogo. Mestrando no Programa de Pós-Graduação em
Neurociências da UFMG.

Renata Mousinho
Fonoaudióloga. Pós-doutora em Psicologia pela UFRJ.
Doutora e mestre em Linguística pela Universidade Federal do
Rio de Janeiro. Professora da Graduação em Fonoaudiologia
da Faculdade de Medicina, da Universidade Federal do Rio
de Janeiro. Coordenadora do Projeto ELO: leitura, escrita e
oralidade, da UFRJ.

Ricardo José de Moura


Psicólogo. Mestre em Saúde da Criança e do Adolescente.
Doutorando no Programa de Pós-graduação em Neurociên-
cias da UFMG.

Simone Aparecida Capellini


Fonoaudióloga. Livre-docente em Linguagem Escrita. Do-
cente do Departamento de Fonoaudiologia e do Programa de
Pós-Graduação em Educação da Faculdade de Filosofia e Ciên-
cias, da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”
– FFC/UNESP – Marília – SP. Coordenadora do Laboratório de
Investigação dos Desvios da Aprendizagem do Centro de Estu-

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dos da Saúde da Educação – CEES/FFC/UNESP – Marília – SP.
Bolsista de Produtividade em Pesquisa – PQ2 do Conselho Na-
cional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq.

Vitor Geraldi Haase


Médico. Doutor em Psicologia Médica. Professor adjunto do
Departamento de Psicologia da UFMG.

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AGRADECIMENTOS

Para que o 3° Congresso Internacional de Dislexia –


CID 2011 acontecesse, várias foram as colaborações
e os apoios recebidos, sem os quais o evento não
poderia se realizar com a magnitude aspirada.

Agradecemos à equipe do LETRA (Laboratório


de Estudos dos Transtornos da Aprendizagem do
Hospital das Clínicas da Universidade Federal de
Minas Gerais), representada por Cláudia Macha-
do Siqueira, Débora Lodi, Juliana Flores, Karina
Avelar, Luciana Maria Rocha e Maria do Carmo
Mangelli Ferreira Araujo, além da cooperação do
designer Renato Serra, cujos empenho e compro-
metimento na organização do evento em Belo Ho-
rizonte foram fundamentais.

O nosso reconhecimento ao Centro Universitário


Metodista Izabela Hendrix pela concessão do es-
paço físico e de toda a estrutura de acolhimento
ao evento.

Somos profundamente gratos à Comissão Científica


pela disponibilidade e competência na avaliação dos
trabalhos científicos do CID 2011.

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Nossos agradecimentos especiais aos autores pela
belíssima contribuição e partilha dos seus conheci-
mentos científicos e da experiência na construção
desta obra, que é fruto de um trabalho coletivo de
cooperação entre profissionais de diversas áreas.

Dra. Luciana Mendonça Alves

Dra. Renata Mousinho

Dra. Simone Aparecida Capellini

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SUMÁRIO

Apresentação 19

– Capítulo 1 –
Introdução à dislexia do desenvolvimento
Luciana Mendonça Alves, Cláudia Machado Siqueira,
Débora Fraga Lodi e Maria do Carmo Mangelli Ferreira Araújo 21

– Capítulo 2 –
Por que prevenir é melhor que remediar
quando se trata de dificuldades de aprendizagem
Ana Luiza Navas 41

– Capítulo 3 –
Identificação precoce da dislexia
Hugh W. Catts 55

– Capítulo 4 –
O desenvolvimento do processamento fonológico
e da leitura do 1° ao 4° ano do ensino fundamental:
implicações para a intervenção precoce
Renata Mousinho e Jane Correa 71

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– Capítulo 5 –
Perfil de escolares com dislexia, transtornos e dificuldades
de aprendizagem em instrumento de avaliação
de habilidades metafonológicas (PROHFON)
Giseli Donadon Germano e Simone Aparecida Capellini 95

– Capítulo 6 –
Funções neuropsicológicas relacionadas ao desempenho
em leitura em crianças
Jerusa Fumagalli de Salles e Helena V. Corso 107

– Capítulo 7 –
Transparência ortográfica e o efeito de retroalimentação
fonológico grafêmica: implicações para a construção
de provas de reconhecimento de palavras
Ângela Maria Vieira Pinheiro 131

– Capítulo 8 –
Avaliação on-line para dislexia
Ian Smythe 153

– Capítulo 9 –
Eficácia do programa de treinamento fonológico,
correspondência fonema-grafema e treinamento fonológico
associado à correspondência grafema-fonema
em escolares de risco para dislexia
Simone Aparecida Capellini, Maíra Anelli Martins,
Cíntia Cristina Fadini, Daniele de Campos Refundini e
Maryse Tomoko Matsuzawa Fukuda 167

– Capítulo 10 –
Intervenção fonoaudiológica nos Transtornos da Leitura
Clara Regina Brandão de Ávila 195

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– Capítulo 11 –
O desenvolvimento das habilidades em matemática
José Alexandre Bastos 209

– Capítulo 12 –
Avaliação neurocognitiva da discalculia
do desenvolvimento
Fabiana Silva Ribeiro e Flávia Heloísa dos Santos 239

– Capítulo 13 –
Discalculia e dislexia: semelhança epidemiológica
e diversidade de mecanismos neurocognitivos
Vitor Geraldi Haase, Ricardo José de Moura,
Pedro Pinheiro-Chagas e Guilherme Wood 257

– Capítulo 14 –
Transtorno de Deficit de Atenção / Hiperatividade e
Transtornos de Aprendizagem
Cláudia Machado Siqueira, Juliana Gurgel-Giannetti,
Maria do Carmo Mangelli Ferreira Araújo,
Débora Fraga Lodi, Juliana Flores Mendonça Alves,
Karina Avelar e Luciana Mendonça Alves 283

– Capítulo 15 –
Dislexia e comorbidades na infância e adolescência
Niura Ap. de Moura Ribeiro Padula,
Lara Cristina Antunes dos Santos e
Maria Dalva Lourenceti 303

– Capítulo 16 –
O transtorno do desenvolvimento da coordenação:
definição, avaliação e tratamento
Lívia de Castro Magalhães 317

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– Capítulo 17 –
Transtorno do desenvolvimento
da coordenação (TDC) e dislexia
Amanda Kirby 327

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APRESENTAÇÃO

É com grande satisfação que apresentamos à comunida-


de científica a obra “Dislexia: novos temas, novas perspectivas”.
Este livro reúne 17 capítulos relacionados a apresentações pro-
feridas no 3° Congresso Internacional de Dislexia (CID 2011),
em Belo Horizonte. É o resultado da participação de profissio-
nais de renome, de diferentes pontos do País e do mundo, que
pesquisam e atuam com os problemas de aprendizagem e se
reuniram para discutir esta temática tão importante para o pre-
sente e futuro de nossos jovens. Como resultado tem-se uma
amostra expressiva de reflexões que vêm sendo levantadas por
pesquisadores de diferentes áreas. Estas valiosas contribuições,
gentilmente fornecidas pelos palestrantes do CID 2011, nos
fornecem rico material para aplicação clínica, educacional e
científica voltadas para os profissionais tanto da área de saúde
como da de educação.
O objetivo da obra é contribuir para a compreensão dos
processos envolvidos na aprendizagem, assim como as mudan-
ças que vêm acontecendo neste cenário, no âmbito de estudos
nas áreas da Neurologia, Psicologia, Fonoaudiologia e Educação,
apontando os caminhos para o olhar multidisciplinar. As refle-
xões críticas e a abordagem de novas teorias, técnicas e instru-
mentos são elementos presentes nos capítulos, que trazem uma
combinação de ricas fundamentações teórico-científicas com
inovações igualmente fundamentadas.

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Almejamos que o leitor possa, a partir da leitura desta obra,
desenvolver ainda mais o seu campo de conhecimento teórico, com
possibilidades de aplicações práticas nesta temática tão importante
para o futuro de nossos escolares.

Dra. Luciana Mendonça Alves


Dra. Renata Mousinho
Dra. Simone Aparecida Capellini

20 DISLEXIA - Novos temas, novas perspectivas

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INTRODUÇÃO À DISLEXIA DO
DESENVOLVIMENTO

Luciana Mendonça Alves, Cláudia Machado Siqueira, Débora Fraga Lodi,


Maria do Carmo Mangelli Ferreira Araújo
Laboratório de Estudo dos Transtornos de Aprendizagem do Hospital das Clínicas da
Universidade Federal de Minas Gerais (LETRA – HC)

Este capítulo introduzirá o tema dislexia do desenvolvimento,


levantando alguns questionamentos acerca do senso comum deste
quadro tão discutido atualmente. Sabe-se que a dislexia tem rece-
bido a atenção de estudiosos de diversas áreas há muitas décadas,
e muito se evoluiu desde as primeiras concepções acerca do tema,
mas ainda há muito a se estudar, pensar e evoluir.
As pesquisas em dislexia usualmente adotam uma perspecti-
va médica, mas recentemente novas áreas têm sido focadas, como
a educacional, a linguística e, até mesmo, a clínica, mas com enfo-
que para novos aspectos. No entanto, enquanto não se desenvol-
verem novos olhares, novas abordagens e a integração destas dife-
rentes perspectivas, teremos recursos limitados para este quadro
que pode comprometer várias esferas na vida de um indivíduo.
Esta integração de informações é necessária para a troca de experi-
ências entre os profissionais envolvidos e uma melhor abordagem
de um quadro tão heterogêneo e complexo que pode ser a dislexia
do desenvolvimento.

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22 DISLEXIA - Novos temas, novas perspectivas

O objetivo desde capítulo é fornecer conhecimentos basea-


dos em evidência científica sobre a base neurobiológica da disle-
xia do desenvolvimento. A partir destes dados, vislumbrar outras
perspectivas e empregá-las no melhor entendimento, na compre-
ensão e na abordagem prática deste tema. Para tentarmos alcançar
este objetivo, levantaremos alguns questionamentos, pontos cen-
trais de discussão.

1. Neurobiolologia da Dislexia do Desenvolvimento

Como a leitura é processada pelo cérebro e por que


algumas crianças apresentam dificuldades para aprender a ler?

A leitura e a escrita representam “adquirir e difundir conhe-


cimento”. Entre os seres humanos, “saber” é uma competência de
inestimável valor. A leitura é uma atividade mental complexa e re-
cente na humanidade, em contraste com a linguagem oral que é
inata. O cérebro precisa aprender a ler no mundo moderno e, para
que isto aconteça, diversas são as etapas e os circuitos ativados.
A leitura proficiente depende da ativação integrada e simul-
tânea de diversas redes cerebrais. Segundo os estudos funcionais,
o reconhecimento das palavras tem bases neurobiológicas bem es-
tabelecidas, representadas pela ativação da região temporal basal e
bilateral. A integração das informações e o processamento fonológi-
co levam à ativação do giro angular e dos giros temporais (médio e
superior) esquerdos (Figura 1). A produção da leitura e a compreen-
são dependem da ativação das regiões frontais.1

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INTRODUÇÃO À DISLEXIA DO DESENVOLVIMENTO 23

Figura 1: Ilustração das áreas cerebrais ativadas no reconhecimento das


palavras durante a leitura

Grandes avanços existiram na última década com o progresso


da Neurociência Cognitiva, da Neuropsicologia e da Neuroimagem
Estrutural e Funcional. Especificamente com o progresso tecnoló-
gico da Neuroimagem Funcional, pode-se investigar a atividade me-
tabólica que reflete a ativação cerebral de áreas específicas durante
determinadas tarefas. Os exames de neuroimagem mais utilizados
em estudos científicos sobre a dislexia são Tomografia com emissão
de pósitrons (PET) e Ressonância Magnética de Encéfalo funcional
(RMNf). Hoje é consenso que a Dislexia do Desenvolvimento tem
origem Neurobiológica, com forte evidência de hereditariedade,
mas moldada por fatores ambientais em uma complexa interação.1
Nos estudos estruturais (post mortem ou Neuroimagem Estru-
tural), demonstra-se a presença de alterações cerebrais e cerebela-
res variadas. As alterações mais consistentes estão relacionadas a

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24 DISLEXIA - Novos temas, novas perspectivas

alterações perisylvianas esquerdas. Nos disléxicos, foram encontra-


das simetrias inesperadas do plano temporal, além de alterações
microscópicas da estrutura do córtex cerebral (ectopias, displasias
e/ou placas fibromielínicas). Um novo método de neuroimagem
estrutural (imagem de tensor de difusão) evidenciou menor desen-
volvimento da substância branca no hemisfério especializado em
linguagem em disléxicos.2, 3
Por meio de exames de neuroimagem funcional (PET e
RMNf), os indivíduos disléxicos, durante o processo de identifica-
ção das palavras, promovem a superativação das regiões posterio-
res e, algumas vezes, a hiperatividade das regiões frontais. Tais di-
ferenças de ativações podem refletir mecanismos compensatórios
ou indicar outros fatores não linguísticos relacionados à dislexia.
Podem-se encontrar resultados diferentes na literatura dependendo
dos critérios de seleção da amostra e do tipo de tarefa de leitura
estudada. Outra área de interesse é o giro angular esquerdo que, em
alguns estudos de Neuroimagem Funcional, mostra-se precariamen-
te conectado a outros circuitos relacionados à leitura.
Atenção especial está sendo dada ao estudo por neuroima-
gem antes e após a remediação (processo terapêutico com enfoque
específico, a maioria com atenção à remediação fonológica) em
disléxicos. Não há consenso na literatura, contudo, nas diversas
pesquisas após a intervenção/remediação, demonstra-se que a
base neural do reconhecimento de palavras é plástica, maleável e
responsiva à remediação. Nos estudos de Shaywitz,4 houve norma-
lização das regiões posteriores nos disléxicos. Simos e colaborado-
res5 mostram em suas pesquisas que, com o aumento da acurácia
de leitura em disléxicos pós-remediação, existe um aumento da
ativação de áreas têmporo-parietais com padrões muito semelhan-
tes ao de “leitores proficientes” (Figura 2).

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INTRODUÇÃO À DISLEXIA DO DESENVOLVIMENTO 25

Criança disléxica
antes da remediação

Criança disléxica
após a remediação
com significativo aumento de
acurácia de leitura

Hemisfério Esquerdo Hemisfério Direito


Mapas de ativação cerebral em uma criança com dislexia severa antes e depois de oito
semanas de intervenção intensa na qual as habilidades de leitura de palavra evoluiram
para a média esperada. A parte superior da figura mostra o mapa típico de ativação de
neuroimagem funcional descrito na dislexia, com atividade predominante nas áreas
temporal e parietal do hemisfério direito, mas pouca ativação em áreas homólogas do
hemisfério esquerdo. Na parte inferior da figura, há um aumento significativo da ativação
destas áreas têmporo-parietais esquerdas associadas com o aumento significativo da acurácia
de leitura de palavras (paralelo com os padrões observados em leitores proficientes).
Vellutino et al., 20043 baseado em Simos et al., 2002.5

Figura 2: Neuroimagem de crianças com Dislexia do desenvolvimento antes


e após oito semanas de remediação fonológica

Nos últimos anos, o cerebelo e suas funções cognitivas tem


sido foco de interesse na dislexia por participar da aprendizagem
e da automatização de habilidades linguísticas, desde a linguagem
oral até a leitura e a escrita. Tal participação tem sido demonstrada
nas tarefas de ativação de memória procedural e automatização de
leitura e escrita, nos estudos de Neuroimagem Funcional.6,7 Este é
um campo amplo de novidades que começa a ser desvendado e que
talvez gere mudanças significativas na abordagem da dislexia.
Sabemos que a dislexia ocorre em todas as línguas, sendo
que algumas facilitam mais a sua expressão do que outras de
acordo com as características linguísticas e ortográficas. Inúme-
ros estudos demonstram as bases neurobiológicas universais da

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26 DISLEXIA - Novos temas, novas perspectivas

Dislexia do Desenvolvimento, que consistem no processamento


fonológico, e que as diferenças entre as línguas se devem à uti-
lização de diferentes estruturas ortográficas, e não ao processa-
mento fonológico.8, 9
Considerando-se este aspecto, estudos interlinguais feitos a
partir de neuroimagens têm levantado questões importantes para o
estudo da origem neurobiológica da dislexia em diferentes línguas,
no entanto alguns trabalhos apontaram que os disléxicos de dife-
rentes comunidades ortográficas têm o mesmo padrão de alterações
funcionais no cérebro,8, 9, 10 o que tem sido contestado por outros
estudos11 e merece ampla investigação para uma abordagem cada
vez mais focada na realidade de cada língua.
Deve-se, desta forma, tomar cuidado antes de generalizar
achados de outras línguas, seja de qual natureza for. Por exemplo,
um estudo de neuroimagem por si só pode não ser esclarecedor,
mas estudos interlinguais bem direcionados serão cada vez mais
úteis para a aplicação prática de tais imagens, e devem ir além de
uma noção simplista do cérebro disléxico, chegando a uma teoria
unificada da Linguística, da Psicologia, da Pedagogia, enfim de
todas as ciências que envolvam o estudo da leitura e seus transtor-
nos, conciliando uma ampla gama de resultados comportamen-
tais e de neuroimagem que poderiam ser aparentemente incom-
patíveis, mas que, integrados, levam a uma melhor compreensão
deste funcionamento tão complexo.

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INTRODUÇÃO À DISLEXIA DO DESENVOLVIMENTO 27

2. As estatísticas relacionadas à dislexia e à leitura no


Brasil e no mundo

A dislexia ocorre na mesma proporção em todo o mundo? Como


o Brasil se posiciona no cenário mundial quando se trata do tema
letramento, aprendizagem e dislexia?

De acordo com pesquisas feitas pelo Instituto Brasileiro de


Geografia e Estatística (IBGE) em 2009, 14,1 milhões de brasi-
leiros com mais de 10 anos de idade eram analfabetos.12 Esses es-
tudos também mostraram que a taxa de analfabetismo funcional
era de 20,3% para pessoas com mais de 10 anos.
Em uma análise sobre a frequência escolar, verifica-se
que, no grupo de zero a seis anos de idade, apenas 44,5% fre-
quentam a escola. No subgrupo de quatro a seis anos de idade,
o percentual é de quase 78% e, no grupo de 15 a 17 anos, a
taxa de frequência é aproximadamente de 82,1%.12 Ressalta-se
que, do grupo de 15 a 17 anos, apenas 48% estavam cursando
o ensino médio, demonstrando uma grande defasagem série/
idade. Essa taxa de distorção série/idade também atinge o en-
sino fundamental, e, de acordo com os dados das pesquisas do
Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica – Saeb,13
59% dos alunos brasileiros chegam à 4ª série do ensino fun-
damental sem terem desenvolvido competências e habilidades
elementares de leitura.
Atualmente, apesar da redução das taxas de analfabetismo
e analfabetismo funcional, quando comparadas com os anos ante-
riores, as estatísticas governamentais demonstram um quadro pre-
ocupante: o número de alunos com baixo rendimento escolar vem
aumentando com o passar dos anos. As crianças cada vez mais apre-
sentam dificuldades para desenvolver as competências necessárias
para aquisição da leitura e da escrita. Alguns autores afirmam que

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28 DISLEXIA - Novos temas, novas perspectivas

cerca de 40% dos escolares apresentam problemas na aprendizagem


manifestados por problemas diversos.14
Diversas pesquisas apresentam de formas diferentes estas esta-
tísticas, de acordo com a peculiaridade do perfil de cada população
estudada. Uma pesquisa realizada no Ambulatório LETRA/HC –
UFMG,15 em que foram atendidas crianças com queixas de baixo
rendimento escolar entre 2008 e 2009 (em 22 meses), aponta que,
dentre as várias condições encontradas, o transtorno do deficit de
atenção foi a mais frequente com 44%, 2% dos sujeitos avaliados
apresentaram dislexia e 15% apresentaram apenas dificuldades es-
colares (com causas pedagógicas, sociais ou psicológicas).
Outro estudo realizado no Ambulatório Dificuldades de Neu-
roaprendizagem do Hospital das Clínicas – UNICAMP caracteri-
zou a demanda de encaminhamento das crianças e apontou que
46% são em razão das dificuldades de aprendizagem (leitura, escrita
e matemática), sendo que, dentro desta amostra, após melhor in-
vestigação dos casos, foi identificado que 57% das crianças apre-
sentavam dificuldade na escola com diferentes origens (problemas
neurológicos, psicológicos e educacionais), 30% tinham um trans-
torno de aprendizagem e que 13% um quadro de deficit de atenção/
hiperatividade.16
Esta realidade educacional e clínica reforça a importância da
identificação da origem do mau desempenho acadêmico, visto que
as dificuldades apresentadas por estes escolares podem ser muito
similares às de escolares com Dislexia.
Com relação à prevalência da dislexia, é muito importante
considerar que ela pode variar de acordo com o sistema de escrita,17,
18, 19
ou seja, sistemas ortográficos mais irregulares, como o inglês e
o francês, podem dificultar ainda mais o processo de aprendizagem
da língua escrita do que sistemas um pouco menos opacos, como
o italiano e o espanhol. Há, portanto, uma variação de 6 a 17% na
prevalência de dislexia na população mundial em idade escolar,19
sendo que a predominância é do sexo masculino, com uma propor-
ção de 1.5:1 nas estimativas atuais.20, 21 No Brasil, não há estudos de

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INTRODUÇÃO À DISLEXIA DO DESENVOLVIMENTO 29

prevalência no território nacional, estimando-se em torno de 10%.


No entanto, tais dados são fundamentais para o desenvolvimento
de políticas de saúde e educação.

3. Definições de dislexia

O que é a dislexia? Quais são as manifestações deste quadro?

Historicamente, uma das primeiras descrições documenta-


das de dislexia ocorreu em 1896. Era um menino inteligente de
14 anos que não conseguia aprender a ler apesar de uma instrução
adequada e inúmeros esforços. Foi inicialmente designada como
“cegueira verbal”.22
Em 1925, o neurologista americano, Dr. Orton, propôs o ter-
mo “dislexia específica” ou “distúrbio específico de leitura”, para
referir-se a crianças com distúrbio na aprendizagem da leitura em
consequência de um envolvimento neurológico.23 Várias denomi-
nações já foram utilizadas nas últimas décadas e caíram em desuso
em virtude de sua falta de especificidade, como “dislexia congêni-
ta”, “estrefossimbolia”, “alexia do desenvolvimento”, “disfunção ce-
rebral mínima”, “dislexia constitucional”, “parte do contínuo das
perturbações de linguagem, caracterizada por um deficit no proces-
samento verbal dos sons”, entre outros.24 Todos os termos utilizados
refletiam os conhecimentos vigentes em determinada época.
Em resumo, temos um foco que se moveu da concepção da
dislexia como consequência de anomalias sensoriais ou perceptivas
no sistema visual, passando, a partir das décadas de 70 e 80, para
um enfoque nos fatores cognitivos e linguísticos. A teoria do proces-
samento fonológico é sustentada até os dias de hoje, sendo respon-
sável pela maior parte dos estudos dedicados à dislexia. A partir da
década de 90, este foco foi trazido de volta para os fatores sensoriais

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30 DISLEXIA - Novos temas, novas perspectivas

e perceptivos, mas desta vez para o sistema auditivo,25 sem deixar,


no entanto, de considerar os fatores fonológicos relevantes.
Atualmente o conceito mais aceito de dislexia é um transtor-
no específico da aquisição e do desenvolvimento da aprendizagem
da leitura, caracterizado por um rendimento em leitura inferior ao
esperado para a idade e que não se caracteriza como o resultado
direto do comprometimento da inteligência geral, lesões neurológi-
cas, problemas visuais ou auditivos, distúrbios emocionais ou esco-
larização inadequada.26, 27
É importante destacar que tal transtorno deve ser diferen-
ciado das variações normais na realização acadêmica e das difi-
culdades escolares devido à falta de oportunidade, ao ensino ina-
dequado ou a fatores culturais, ou seja, a definição de dislexia
inclui duas pressuposições fundamentais: integridade geral e uma
deficiência de aprendizagem da leitura e/ou da escrita.28 Fatores
socioeconômicos, ambientais e familiares podem influenciar o
desenvolvimento das habilidades de leitura, mas não podem se
configurar como causa da dislexia.3
Os indivíduos com dislexia, conforme descrito no Quadro
1, embora tenham seus deficits primários na habilidade de leitura,
também apresentam outros deficits em outras tarefas.

DIFICULDADES APRESENTADAS PELAS CRIANÇAS DISLÉXICAS 29

expressar ideias coerentemente aprender o alfabeto


expandir seu vocabulário (via oralidade ou identificar os sons que correspondem
leitura) às letras
entender questões e seguir instruções
memorizar convenções de tempo
(ouvidas ou lidas)
lembrar de sequências numéricas dizer as horas
entender e reter detalhes de uma estória desatenção e distração
desorganização e incoordenação
aprender rimas e seguir músicas
motora
distinguir direita de esquerda e letras de leitura lenta e compreensão reduzida
números do material lido

Quadro 1: Dificuldades apresentadas pelas crianças disléxicas de acordo


com a ASHA29

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INTRODUÇÃO À DISLEXIA DO DESENVOLVIMENTO 31

Em suma, a Dislexia é um transtorno específico de aprendiza-


gem da leitura comprovadamente de origem neurobiológica caracte-
rizado pela dificuldade na habilidade de decodificação e soletração,
fluência e interpretação. Essas dificuldades resultam tipicamente
do deficit no componente fonológico da linguagem que é inespera-
do em relação a outras habilidades cognitivas.30 A grande maioria
dos autores aponta a teoria do deficit fonológico como causa da
dislexia, relevando as dificuldades relacionadas ao processamento
fonológico em tempo real, como dificuldades em tarefas que en-
volvem repetição de palavras e não palavras, em reter informações
verbais na memória de trabalho, na nomeação rápida e em tarefas
metalinguísticas que envolvem a manipulação de fonemas. 31
Uppstad e Tonnessen32 alertam para o risco de pesquisas que
focam unicamente o processamento fonológico no sentido restrito
e subestimam outros aspectos linguísticos (aspectos fonéticos e pro-
sódicos) e não linguísticos (perceptivos e motores) da dislexia. Já é
bem estabelecido na literatura o importante papel do processamen-
to fonológico na aquisição e no desenvolvimento da leitura, porém
esta teoria única não explica toda a heterogeneidade de sintomas
encontrados em disléxicos na prática clínica. Vários pesquisadores
enfatizam a necessidade de explorarmos melhor esta sintomatologia
para que se possa ampliar ainda mais os conhecimentos sobre disle-
xia e desvendar certas peculiaridades observadas. Cada vez mais, é
necessária a utilização de abordagens na prática diária dos profissio-
nais baseadas em evidência científica para melhor atendimento dos
disléxicos e obtenção de sucesso.
As diferentes teorias sobre dislexia do desenvolvimento mos-
tram esta tendência atual em valorizar todos os aspectos envolvidos
e sua manifestação heterogênea. Na maioria dos disléxicos, uma
única teoria não explica toda sintomatologia e atualmente é aceito
que deficit do processamento fonológico pode coocorrer com outros
deficits, como em nível fonético (velocidade de produção do gesto
articulatório,33, 34, 35 prosódico36, 37, 38 e cognitivo (velocidade reduzi-
da de processamento).39

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32 DISLEXIA - Novos temas, novas perspectivas

Teorias recentes40, 41 apontam três pontos centrais ao se inves-


tigarem os fatores e as causas da dislexia, conforme apresentado no
Quadro 2.

PRINCIPAIS TEORIAS CAUSAIS DA DISLEXIA 40

TEORIA PRINCIPAL PRESSUPOSTO

as dificuldades no processamento fonológico levam aos


Deficit fonológico
problemas iniciais de leitura

problemas de processamento sensorial derivados de


Deficit magnocelular uma deficiência nos circuitos magnocelulares de visão
e audição

a dislexia seria um problema na aprendizagem e na


Deficit cerebelar
automatização baseado em deficits cerebelares

Quadro 2: Principais teorias causais da dislexia

Conforme já descrito, a teoria do deficit fonológico é aponta-


da como a mais comum (90% dos casos),42 e Fawcett e Nicolson40
reforçam ainda que tanto a teoria do deficit magnocelular quanto
a do cerebelar tentam explicar não apenas os problemas na leitura
mas também no processamento fonológico, ou seja, as três teorias
estariam interligadas.
Alguns autores 43, 44, 45, 46 referem que a dislexia é um trans-
torno do desenvolvimento que raramente se manifesta de forma
isolada, sendo comum acontecerem comorbidades com outros
quadros, ligados a fatores etiológicos comuns, como ao conjun-
to de problemas de aprendizagem chamados de “síndrome dis”
(disortografia, discalculia, dispraxia, disgrafia).43 Contrariando
esta visão, diversos estudos40, 47, 48, 49 apontam que a aparente “co-
morbidade” entre estas desordens são atribuídas, pelo menos
em parte, aos problemas motores e de “timing”, sendo que todos
os sintomas podem ser o reflexo de uma disfunção em diferen-
tes componentes do mesmo sistema neural.50 Assim, quadros
como distúrbio específico de linguagem (DEL), transtorno do

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INTRODUÇÃO À DISLEXIA DO DESENVOLVIMENTO 33

desenvolvimento da coordenação (TDC), transtorno do deficit


de atenção e hiperatividade (TDAH) e a dislexia podem apre-
sentar como uma possível causa comum, como transtornos das
habilidades motoras e/ou alterações cerebelares.40
É importante ainda ressaltar que cada indivíduo é único em
suas manifestações, mesmo se tratando de um mesmo quadro pa-
tológico. Cada caso deve receber um olhar abrangente, atento às
várias formas de perceber o mesmo problema. A partir da busca
ativa e da identificação do perfil sintomatológico de cada indiví-
duo, poderemos traçar a melhor abordagem terapêutica, ou seja, é
imprescindível uma análise mais profunda, mais inclusiva para se
obter bons desempenhos clínicos e educacionais.40

4. Abordagem multidisciplinar (abordagem preventiva)

Como podemos ajudar as crianças com dislexia?


Qual é o profissional capacitado para estabelecer com segurança um
diagnóstico?

Sabe-se que certos grupos de crianças têm maior risco


de apresentarem transtornos de aprendizagem, portanto uma
abordagem preventiva se faz necessária para que, no futuro,
esta criança venha a adquirir habilidades fundamentais à leitu-
ra e à escrita.
Um excelente começo é a divulgação de informação cientí-
fica de forma clara e prática. Existe uma carência em nosso meio
em relação ao acesso à informação científica. O ideal é que toda
a sociedade e os profissionais envolvidos em saúde e educação se-
jam informados e atualizados sobre a importância do letramento
e da leitura e sejam capazes de identificar grupos de risco para
seu transtorno. Tal atitude facilitaria a detecção e a estimulação

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34 DISLEXIA - Novos temas, novas perspectivas

precoces das dificuldades e dos transtornos, extinguindo ou mi-


nimizando os problemas escolares e sociais futuros.51
Apesar de a dislexia não ter “cura” do ponto de vista neu-
robiológico, várias são as estratégias terapêuticas utilizadas para a
aquisição e o desenvolvimento da leitura em nível proficiente. Uma
minoria de crianças disléxicas, por causa da gravidade dos sintomas,
não atinge a proficiência de leitura mesmo com instrução adequada
e necessitarão de acomodações/adaptações ao longo da vida.1 Po-
rém, a grande maioria dos disléxicos responde muito bem ao trata-
mento, conforme revelado nos estudos de neuroimagem por meio
da potencialização da plasticidade cerebral a partir de técnicas de
remediação efetivas.4,5
Baseado em tudo que foi descrito neste capítulo, fica clara a
necessidade de uma equipe de profissionais habilitados e integra-
dos para o diagnóstico, o tratamento e as intervenções necessárias
dos deficits apresentados.
A equipe deve ser especializada e constar de médico (pe-
diatra, neurologista ou psiquiatra), neuropsicólogo, psicólogo,
psicopegagogo, fonoaudiólogo e terapeuta ocupacional. Cada
profissional contribui para o diagnóstico e o tratamento das ne-
cessidades individuais de cada criança. O médico tem o papel
de descartar causas orgânicas, diagnosticar e tratar comorbida-
des (TDA/H, ansiedade, depressão entre outras). O psicólogo,
por meio da avaliação neuropsicológica, quantifica e qualifica
o nível de inteligência e demais habilidades necessárias à apren-
dizagem. O fonaudiólogo avalia as habilidades auditivas, o nível
de desenvolvimento da linguagem oral, da leitura e da escrita.
O psicopedagogo avalia o desempenho acadêmico. O terapeuta
ocupacional avalia de forma integrada as habilidades motoras e
sensoriais. Lembrando que, como equipe, os dados fornecidos
por todos os profissionais devem ser discutidos em conjunto, o
que possibilita integrá-los e, assim, traçar estratégias adequadas
ao direcionamento das intervenções necessárias.

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INTRODUÇÃO À DISLEXIA DO DESENVOLVIMENTO 35

É fundamental que a equipe trabalhe em conjunto com o


apoio da família e da escola, e todos devem ser capazes de rea-
valiar o resultado de suas intervenções e tratamentos. A equipe
tem de identificar a falha na remediação e ser capaz de corrigir
ou redirecionar o tratamento.
Os pais e os responsáveis devem ser alertados da complexi-
dade do diagnóstico e do tratamento e não serem incentivados a
tratamentos “mágicos” e sem embasamento científico. Geralmen-
te o investimento é alto e a longo prazo, porém seus benefícios
serão observados ao longo da vida acadêmica e pessoal de cada
criança e sua família.52

5. Considerações finais

A ciência tem proporcionado diversos avanços de aplicação


clínica e educacional voltados ao diagnóstico e à intervenção tera-
pêutica para os sujeitos disléxicos. No entanto, há ainda um longo
caminho a se percorrer, há muito a se descobrir e evoluir, sobretudo
no Brasil, em relação a instrumentos diagnósticos e técnicas tera-
pêuticas. É de extrema importância que tanto para os profissionais
da área de saúde quanto os da educação estejam continuamente
atentos às novas descobertas, sempre com um olhar crítico e pauta-
do em conhecimento científico.
Grandes investimentos devem receber as pesquisas na área
de prevenção, pois estratégias de detecção precoce e acompanha-
mento clínico e educacional desde os primeiros anos de escolari-
zação ou, mais precoce ainda, desde as primeiras manifestações
linguísticas são fatores essenciais para uma abordagem precoce e
eficaz direcionada aos escolares com dislexia, proporcionando a
estas crianças um nível funcional de leitura, com um mínimo de
interferência psicossocial.

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36 DISLEXIA - Novos temas, novas perspectivas

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Por que prevenir é melhor que
remediar quando se trata de
dificuldades de aprendizagem

Ana Luiza Navas

Introdução

“Prevenir é melhor que remediar.”

A linguagem oral é uma aquisição biologicamente especiali-


zada e natural, enquanto a leitura é um produto cultural de nossa
sociedade e depende de instrução formal e explícita. Não é de se
estranhar que o desenvolvimento da competência em leitura seja
um processo complexo e que depende de outras habilidades, como
linguagem oral, memória, atenção, coordenação visual e manual
etc.1 Aprender a ler e a escrever envolve tanto as questões básicas do
domínio do código alfabético como as relacionadas com sintaxe, se-
mântica, coesão e coerência, entre outras. Esse processo não se de-
senvolve apenas no ambiente escolar, pois, antes de chegar à escola,
a criança já experimentou vários momentos de imersão no mundo

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42 DISLEXIA - Novos temas, novas perspectivas

da escrita. A leitura, portanto, favorece o desenvolvimento cogniti-


vo do indivíduo e sua inserção social nas sociedades letradas.
Contudo, o caminho para alcançar a competência de leitura
e escrita nem sempre é trilhado com facilidade por nossas crianças.
Dados sobre a Educação no Brasil em 2009 apontam que há 13%
de crianças entre 10 e 14 anos que se encontram com mais de dois
anos de atraso escolar, com grande variação entre as regiões do País
(PNAD – Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios /Instituto Bra-
sileiro de Geografia e Estatística – IBGE, 2009)2 como ilustra a Ta-
bela 1. Esses resultados confirmam que a maioria de nossas crianças
consegue atingir níveis de competência em leitura, mas uma parcela
importante da população que cursa o ensino fundamental no Brasil
ainda não alcançou níveis recomendáveis.

Região do Brasil Porcentagem

Norte 19,7%

Nordeste 20,7%

Sudeste 8,3%

Sul 6,1%

Centro-Oeste 9,3%

Média 13,0%

Tabela 1: Porcentagem de estudantes entre 10 e 14 anos com mais de dois


anos de defasagem escolar em 2009, por região

Fonte: PNAD, IBGE

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Por que prevenir é melhor que remediar quando ... 43

A Organização para Cooperação Econômica e Desenvolvi-


mento (OECD) coordena o Programa Internacional de Avaliação
de Estudantes – PISA*1 que avalia o desempenho de certas áreas,
como leitura e matemática em jovens de 15 anos, nos 34 países-
membros e outros 41 países parceiros. A cada três anos, são ava-
liados de 4.500 a 10.000 estudantes por país, com instrumentos
padronizados e desenvolvidos em cooperação.
Na última pesquisa realizada em 2009 pelo PISA,3 o Brasil
ocupa uma posição abaixo da média do países participantes do
estudo realizado com jovens de 15 anos, em relação ao desempe-
nho de leitura. A Figura 1 ilustra a comparação com países com
desempenho significativamente acima da média como a China, e
outros países da America Latina, como Chile e Colômbia, que,
como o Brasil, encontram-se com desempenho significativamente
abaixo da média.

Figura 1: Média do desempenho de jovens de 15 anos em países


participantes do PISA 2009 na escala total de leitura

1 * PISA – Programme for International Student Assessment (www.pisa.


oecd.org)

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44 DISLEXIA - Novos temas, novas perspectivas

É evidente que o ensino de leitura no País ainda tem muito


de melhorar, e, muitas vezes, este desempenho ruim em jovens de
15 anos reflete um acúmulo de dificuldades que datam desde a épo-
ca da alfabetização. Quando uma criança falha no processo inicial
de aprendizagem de leitura e escrita, tem dificuldades de avançar
para as outras etapas na busca por conhecimentos. Prevenir que es-
tas dificuldades causem maiores consequências é muito melhor do
que aguardar e somente intervir e/ou remediar quando o problema
já está instalado.
São várias as razões para que uma criança tenha dificuldades
iniciais no processo de alfabetização e, dentre estas, há razões físi-
cas, culturais, sociais, econômicas, pedagógicas e/ou emocionais.
No entanto, não se pode negar que há também uma parcela de
crianças que falha no processo de aprendizagem porque tem uma
condição de ordem funcional, como é o caso, por exemplo, do dis-
túrbio específico de leitura, a dislexia.4

A dislexia é um transtorno específico e persistente da leitura


e da escrita, de origem neurofuncional, caracterizado por um
inesperado e substancial baixo desempenho da capacidade de
ler e escrever, apesar da adequada instrução formal recebida,
da normalidade do nível intelectual, e da ausência de deficits
sensoriais. O disléxico responde lentamente às intervenções te-
rapêuticas e educacionais específicas. Porém, somente com estas
intervenções adequadas podem melhorar seu desempenho em
leitura e escrita. O prognóstico depende ainda de diversos fato-
res facilitadores como a precocidade do diagnóstico, o ambiente
familiar e escolar.5

A dislexia é uma condição amplamente reconhecida no meio


educacional nacional e internacional, com sintomas bem definidos,
com vasto embasamento teórico-científico e que afeta de 4 a 8%
da população mundial segundo recentes estimativas.6 Ainda não
temos no Brasil um estudo epidemiológico padronizado para uma

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Por que prevenir é melhor que remediar quando ... 45

estimativa real da prevalência da dislexia em nosso meio, contudo


um estudo recente em Portugal apresenta a prevalência de 5 a 4%
em crianças falantes do português europeu.7
De acordo com os dados publicados pelo IBGE (2010),8 o
Brasil tem cerca de 190 milhões de habitantes, dos quais quase
45 milhões de crianças e adolescentes estão matriculados no en-
sino regular. Se considerarmos a prevalência reservada de 4% de
alunos disléxicos, ainda assim estaremos diante de 1,8 milhões de
brasileiros nessa condição.
É importante ressaltar que toda criança com dislexia tem seu
quadro inicialmente identificado como uma dificuldade escolar.
Em geral, se esta dificuldade inicial for atendida pelo professor, com
o apoio de recursos pedagógicos e a estimulação das habilidades de
linguagem e processamento fonológico, ela poderia ser sanada na
grande maioria dos casos. Diferentemente, se realmente a criança
tem o diagnóstico de dislexia, a dificuldade inicial em leitura e es-
crita pode não ser superada com esta estimulação na escola, e esta
criança necessitará de atenção especializada.3
Será possível e razoável, portanto, identificar quem são estas
crianças que podem necessitar de recursos pedagógicos especiali-
zados? O desenvolvimento do conhecimento científico em todo o
mundo sobre este tema tem nos brindado com fortes evidências
de que é possível identificar essas crianças e intervir precocemente
para prevenir que as dificuldades se agravem.9
Alguns sinais de dificuldades mais amplas de linguagem po-
dem aparecer já nos anos pré-escolares, como vocabulário pobre,
uso inadequado da gramática e problemas no processamento fo-
nológico. Essas habilidades consideradas como parte do processa-
mento fonológico são, entre outras, a nomeação automática rápida,
a memória fonológica e as habilidades de consciência fonológica.
Diversas pesquisas apontam que indivíduos que apresentam distúr-
bios específicos de leitura apresentam um deficit de processamento
fonológico.10 Quando a representação fonológica é estabelecida de
forma incompleta e imprecisa, pode haver falhas no processamento

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46 DISLEXIA - Novos temas, novas perspectivas

fonológico, ou ainda, pode haver uma falha no acesso fonológico,


ou seja, todos os mecanismos de acesso às representações fonológi-
cas (lexicais ou sublexicais) estariam prejudicados.11
Uma vez que a dificuldade é identificada, inúmeros estudos
comprovam que a intervenção precoce melhora sobremaneira o
prognóstico de crianças que apresentam desempenho em habilida-
des de leitura e escrita abaixo do esperado em relação ao seu grupo-
classe, durante a fase pré-escolar e nos primeiros anos de alfabeti-
zação.12 Além disso, o reconhecimento da existência de distúrbios
mais severos e o encaminhamento o mais precoce possível para uma
avaliação diagnóstica podem evitar o surgimento de reações emo-
cionais negativas em relação à escola e de baixa autoestima.13

Programas de identificação precoce

No Reino Unido, Canadá e Estados Unidos, programas


de identificação precoce auxiliam a escola a desenvolver com
as famílias e as crianças estratégias de ensino para potencializar
a aprendizagem que depende do código escrito. Instrumentos
cada vez mais sensíveis e padronizados têm sido elaborados com
o intuito de auxiliar educadores e profissionais especializados
na tarefa de melhor atender aqueles que possuem necessidades
pedagógicas especiais.
Na Inglaterra, o projeto nacional que foi denominado “Não
ao fracasso” (“No To Failure”) demonstrou a importância da identifi-
cação precoce com o auxílio de instrumentos de triagem para a dis-
lexia. Neste projeto, participaram 20 escolas nas quais 1.341 crian-
ças foram submetidas a uma triagem com provas de leitura, escrita e
ortografia. As crianças que tiveram um desempenho abaixo de 85%
nestas medidas realizaram, adicionalmente, uma avaliação de habi-
lidades cognitivas. Estes dados foram utilizados para identificar as
crianças classificadas como de risco para dislexia. Somente 21% das
crianças foram classificadas no grupo de risco que foi submetido a

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Por que prevenir é melhor que remediar quando ... 47

um programa de intervenção, baseado na estimulação de habilida-


des de processamento fonológico e linguagem oral. O relatório final
reconhece a necessidade de promover orientações efetivas às escolas
e às famílias sobre as melhores formas de intervenção para as crian-
ças que foram identificadas como de risco para a dislexia.14
O ponto-chave no processo de identificação e intervenção
precoce é o desenvolvimento de um instrumento de rastreio, a
triagem, que permite a determinação de quais crianças em uma
sala de aula devem receber atenção especial como um programa
de estimulação. A triagem deve ser um procedimento rápido de fá-
cil aplicação, de baixo custo e que seja eficiente, ter especificidade
e sensitividade comprovada para não haver falsos positivos, ou fal-
sos negativos.15 O termo “sensitividade” refere-se à medida capaz
de identificar corretamente as crianças de risco para determinada
condição, ou seja, os casos verdadeiros positivos. Já a “especifici-
dade” é a medida que identifica os casos onde a condição investi-
gada está ausente, ou seja, os verdadeiros negativos. O Quadro 1,
abaixo, resume estes conceitos:

Quadro 1: Descrição dos conceitos de sensitividade e especificidade

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48 DISLEXIA - Novos temas, novas perspectivas

A busca por melhorar os padrões de eficiência dos instrumen-


tos de triagem frequentemente utilizados para o acompanhamento
de escolares motivou a realização de um estudo criterioso sobre o
tema. Foram analisadas quais as medidas que, quando adicionadas a
uma triagem de 1ª série, ajudam a eliminar os casos falsos positivos.
As medidas inicialmente previstas na triagem eram consciência fono-
lógica, vocabulário oral, fluência de reconhecimento de palavras. Os
autores investigaram o ganho em eficiência quando o procedimento
de triagem envolve dois estágios, ou dois passos. Nesta abordagem,
todas as crianças são submetidas inicialmente a uma triagem breve e
simples, e somente aquelas que têm o desempenho compatível com a
faixa de risco para dislexia são avaliadas, em um segundo momento,
com um instrumento de triagem mais completo.16
Nota-se que a cautela de se encontrarem instrumentos preci-
sos para este rastreio é de extrema importância. O erro na identifi-
cação da criança de risco pode ter consequências mínimas quando
a criança fez parte do grupo de estimulação sem precisar (falso posi-
tivo). No entanto, o erro mais grave é privar de estimulação preco-
ce, e comprovadamente benéfica, aqueles que realmente necessitam
(falso negativo).

Programas de intervenção precoce

No Brasil, há vários estudos que demonstram o impacto da


aplicação de programas de intervenção precoce no desempenho
de leitura e escrita de crianças.17,18 A intervenção em processamen-
to fonológico e habilidades linguísticas também é importante para
diferenciar aqueles casos que necessitam de um atendimento espe-
cializado mais explícito e intenso como é o caso das crianças com
dislexia que apresentam dificuldades mais severas.
Em um estudo publicado em 2010, após a realização de
um programa de intervenção com foco em habilidades de pro-
cessamento fonológico e de correspondência grafema-fonema,

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Por que prevenir é melhor que remediar quando ... 49

das 15 crianças consideradas inicialmente de risco para a disle-


xia, apenas uma não apresentou melhora no desempenho após
a avaliação final.19 Sendo assim, este estudo confirma o que a li-
teratura nacional e internacional vem apontando como diretriz
para a determinação do diagnóstico de dislexia que deve incor-
porar uma fase de intervenção. A grande maioria de crianças
que apresenta dificuldades iniciais no processo de apropriação
da escrita não apresentou mais nenhuma defasagem em relação
ao seu grupo escolar após a estimulação e, portanto, não se en-
quadrava no critério para o diagnóstico de dislexia.
Nos Estados Unidos, o paradigma de “Resposta à Interven-
ção” está sendo utilizado como política de acompanhamento de
crianças com distúrbios de aprendizagem a partir da revisão das
Diretrizes para Educação de Pessoas com Deficiências em 2004
(Individuals with Disabilities Education Act, IDEA).20 Essas diretrizes
determinam como os estados e as organizações públicas america-
nos devem promover ações de intervenção precoce e atendimento
especializado para crianças com necessidades especiais. São consi-
deradas nessa condição crianças com Retardo mental, Deficiência
auditiva e Surdez, Distúrbios de fala e de linguagem, Deficiência
visual e Cegueira, Distúrbios emocionais, Deficiência física, Autis-
mo, Sequelas de traumatismo craniano, Transtornos específicos de
aprendizagem (dislexia, discalculia).
A abordagem de “Resposta à Intervenção” pressupõe a identi-
ficação precoce a partir de triagem do desempenho de leitura, escri-
ta e habilidades envolvidas, seguido de um programa estratificado
de intervenção e acompanhamento em diversos níveis de acordo
com a severidade das dificuldades e a persistência da defasagem.21
Outra abordagem para melhorar o desempenho acadêmico
de crianças e jovens cursando o ensino fundamental utilizada nos
Estados Unidos é complementar o ensino de leitura com o acom-
panhamento de tutores voluntários. O aumento da ação destes
tutores motivou um grupo de pesquisadores a realizar um estudo
de meta-análise sobre o tema. Para investigar a efetividade destes

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50 DISLEXIA - Novos temas, novas perspectivas

programas de tutoria voluntária, não especializada, nas escolas, os


autores analisaram 21 estudos. Em geral, os autores confirmam o
impacto positivo nos estudantes e específicamente em relação a ha-
bilidades de leitura como fluência. Houve em todos os estudos ana-
lisados uma melhora significativa nos grupos de crianças que eram
acompanhadas por estes tutores voluntários.22 Cabe ressaltar que o
programa de acompanhamento investe na formação destes tutores
com orientações e treinamentos feitos por profissionais especializa-
dos em desenvolvimento de linguagem, oral e escrita.

Considerações finais

No Brasil, as medidas de identificação precoce que possam


descrever o desempenho em leitura e escrita, que sejam rápidas,
válidas e padronizadas, estão em pleno desenvolvimento. Há alguns
projetos de investigação que avançam nesse sentido e, em breve,
poderemos acessar estes instrumentos. A implementação de progra-
mas de promoção e de estimulação do processamento fonológico
em sala de aula, baseada em evidências científicas, tem sido empre-
gada apenas em alguns núcleos.17,19 É preciso diminuir a distância
entre a teoria e a prática, entre os pesquisadores e os políticos, para
que educadores, profissionais de saúde e demais envolvidos no pro-
cesso de aprendizagem possam ajudar todas as crianças e os jovens a
aprender melhor, especialmente as crianças com dislexia.23

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Por que prevenir é melhor que remediar quando ... 51

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Identificação precoce da dislexia

Hugh W. Catts
Y-Chih Chan
University of Kansas

A dislexia é um transtorno neurobiológico do desenvolvimen-


to que envolve dificuldades no aprendizado da leitura (e soletração)
de palavras, apesar da instrução adequada e da inteligência dentro
da média.1-2 Devido ao papel fundamental da leitura na educação,
a dislexia pode impactar significativamente o sucesso acadêmico e
o desempenho de um indivíduo. Nos últimos anos, tem sido dedi-
cada considerável atenção à identificação precoce da dislexia.3-6 O
principal impulso para este trabalho tem sido um crescente número
de pesquisas que mostraram que os resultados de leitura de crian-
ças com dislexia podem ser significativamente melhorados se estas
crianças forem identificadas precocemente e passarem por uma in-
tervenção adequada.7-9 Neste capítulo, discutiremos os conhecimen-
tos e as práticas na identificação precoce da dislexia.
Os interessados na identificação precoce da dislexia enfren-
tam um desafio significativo. Como o principal sintoma da dislexia
é a dificuldade em aprender a ler palavras, os profissionais e os edu-
cadores em geral têm de esperar até que a instrução adequada da

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56 DISLEXIA - Novos temas, novas perspectivas

leitura da palavra seja dada, antes de ser realizado o diagnóstico de


dislexia. Esta prática, muitas vezes, adia a identificação para depois
da 2a ou 3a série. Felizmente, uma pesquisa recente revelou “sinais
clínicos” e práticas educativas que permitem que os profissionais e
os educadores identifiquem crianças com dislexia, antes, ou logo no
início da instrução formal de leitura.

Histórico Familial

Um dos primeiros sinais clínicos da dislexia é a história fami-


lial de dificuldade de leitura. Pesquisas demonstram que a dislexia,
muitas vezes, é hereditária e, desta forma, ocorre na família.10-12 Estas
pesquisas mostram que, se um irmão ou pai da criança tem o histó-
rico de dislexia, a criança tem cerca de 40% de chance de ter dislexia
também. Alguns estudos sugerem que o risco familial para a dislexia
é contínuo ao invés de discreto,13-14 isto é, não só muitas crianças com
histórico familial têm dislexia, mas muitos daqueles que não desen-
volvem a dislexia, contudo, apresentam algum deficit menos grave de
leitura e em habilidades relacionadas à leitura. Pesquisas comporta-
mentais e de investigação genético-molecular também começam a
identificar os genes múltiplos ou os locais associados com a dislexia.15-
17
Embora este trabalho esteja progredindo rapidamente, a complexi-
dade dos resultados sugere que ele vai levar algum tempo antes que os
“testes genéticos” possam ser usados de uma maneira confiável para
identificar crianças de risco para a dislexia.18

Aquisição da Linguagem e Desenvolvimento da


Alfabetização

A dislexia tem sido, muitas vezes, classificada como um trans-


torno do desenvolvimento da linguagem.1-2 Uma extensão desta vi-
são sugere que os atrasos ou os distúrbios no desenvolvimento da

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Identificação precoce da dislexia 57

linguagem nos anos pré-escolares podem ser os primeiros sinais da


dislexia. Numerosos estudos têm demonstrado que crianças com
dislexia geralmente têm uma história de dificuldades de linguagem
oral. Em nosso estudo longitudinal de linguagem e transtornos de
leitura,1-2,19-20 pesquisadores descobriram que as crianças identificadas
com dislexia na 2a série apresentaram um desempenho significativa-
mente menor do que as crianças típicas em medidas de vocabulário,
gramática e narrativa no jardim de infância (cinco anos). Embora as
crianças com dislexia, em média, apresentarem escores menores do
que as crianças típicas em vários aspectos da linguagem, menos de
20% tinham um transtorno severo de linguagem, o suficiente para
ser identificada como tendo um distúrbio específico de linguagem.
Entretanto, a maioria teve problemas leves de linguagem, e poucas
pontuaram acima da média, na medida da capacidade de lingua-
gem em geral.21 Nossos resultados são consistentes com os de outros
pesquisadores que examinaram o desenvolvimento da linguagem
em crianças ainda mais jovens (dois a cinco anos de idade), que
posteriormente foram identificados como tendo a dislexia.11,22

“Falantes Tardios”

A relação entre o deficit precoce de linguagem e a dislexia é


apoiada por investigações que tiveram uma perspectiva diferente.
Ao invés de considerar quantas crianças com dislexia têm deficiên-
cia precoce de linguagem, podemos perguntar quantas crianças com
deficiência precoce de linguagem, posteriormente, vão desenvolver
a dislexia. Uma relevante linha de pesquisa analisou os resultados
de leitura das crianças referidas como “falantes tardios.” Estas são as
crianças que demoram a desenvolver a linguagem e adquiriram me-
nos de 50 palavras aos dois anos. Investigações longitudinais mos-
traram que os “falantes tardios” são geralmente menos qualificados
do que crianças típicas em leitura e soletração ao longo dos anos
escolares.23-25 Entretanto, a maioria dos “falantes tardios” não apre-
senta problemas de leitura/soletração graves o bastante para serem

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58 DISLEXIA - Novos temas, novas perspectivas

identificados como disléxicos, a menos que fatores adicionais de


risco estejam presentes. Especificamente, pesquisadores mostraram
que, quando atrasos precoces de linguagem expressiva são combina-
dos com problemas na linguagem receptiva e/ou história familiar
de dislexia, as crianças frequentemente têm deficits significativos de
leitura e escrita. Assim, “falantes tardios” devem ser considerados
um sinal significativo de risco para a dislexia, quando combinado
com estes outros fatores de risco.23

Alterações específicas de linguagem

Outro problema do desenvolvimento da linguagem asso-


ciado à posterior dificuldade de leitura é o Distúrbio Específico
de Linguagem (DEL). Crianças com DEL apresentam deficits no
desenvolvimento da linguagem, no vocabulário e na gramática,
mas rendimento normal em habilidades cognitivas não verbais. O
DEL é normalmente identificado em crianças de três a cinco anos
de idade. Algumas crianças com DEL têm uma história de fala
tardia, mas a maioria não. Numerosos estudos têm documentado
que as crianças com DEL muitas vezes passam a ter dificuldades
de leitura durante o período de escolarização.20,26-29 Pesquisadores
examinaram, especificamente, a associação entre o DEL e a disle-
xia e mostraram que 18 a 36% das crianças com DEL no jardim de
infância tinham dislexia na idade escolar. O percentual, que era
de duas a três vezes maior do que crianças com desenvolvimento
típico de linguagem, variou de acordo com a definição da dislexia
e a série em que foi identificada. Em outras análises, mostramos
que, como o “falante-tardio”, o DEL foi um fator de risco maior
em crianças com histórico familial de dislexia do que naquelas
sem histórico familial.30 Especificamente, nas crianças com DEL
e com histórico familial positivo, foi cerca de quatro vezes maior
a probabilidade de ter dislexia na idade escolar do que as crianças
com desenvolvimento típico de linguagem.

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Identificação precoce da dislexia 59

Processamento fonológico e nomeação de letras

Em análises posteriores, verificaram-se medidas de processa-


mento fonológico e de nomeação de letra adicionado à previsão de
resultados de leitura em crianças com DEL.20 Este achado é consis-
tente com um grande número de pesquisas que demonstram que
as medidas de processamento fonológico e conhecimento de letras
oferecem resultados relacionados com a leitura em crianças da popu-
lação em geral.31-33 Medidas de processamento fonológico referem-se
às avaliações da capacidade de uma criança para armazenar, acessar
ou refletir sobre os sons da fala na memória, enquanto as medidas
de conhecimento de letras avaliam a capacidade de uma criança
de nomear ou fornecer o som associado com as letras do alfabe-
to. Estudos mostram que as medidas destas habilidades durante os
anos pré-escolares têm previsão de como será a leitura no período
escolar.5,34 Várias pesquisas indicaram também que essas medidas
podem aumentar significativamente a previsibilidade dos resulta-
dos da leitura em crianças com histórico familial de dislexia.13,35-36
Pesquisadores relataram que as crianças pré-escolares de alto risco
(de risco com base no histórico familial de dislexia), que, mais tar-
de, desenvolveram dificuldade de leitura, obtiveram desempenho
menor de processamento fonológico quando comparados ao de-
sempenho dos escolares de baixo risco e com os pré-escolares de
alto risco que não desenvolveram uma dificuldade de leitura. Em
outro estudo, pesquisadores descobriram que, quando as medidas
de processamento fonológico e a nomeação de letras com a idade
de 3,5 e/ou 4,5 anos foram combinadas com informações sobre o
histórico familial, o resultado da leitura na 2ª série pode ser previsto
com um alto nível de precisão.35
A pesquisa acima levou ao desenvolvimento de instrumen-
tos de triagem, que incluem medidas de processamento fonológi-
co e conhecimento de letras.37-38 Em muitos casos, essas medidas
já estão sendo utilizados para triagem de crianças de risco para
a dificuldade de leitura. Um problema com muitos destes ins-

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60 DISLEXIA - Novos temas, novas perspectivas

trumentos é que, para crianças pequenas (quatro a cinco anos


de idade), as medidas são muito menos precisas para identifi-
car aqueles que têm resultados pobres da leitura do que aqueles
que terão os resultados de uma boa leitura. Pesquisas39 recentes
ilustraram este problema em uma grande amostra de crianças
do jardim de infância que tinha sido administrada uma medida
comum de rastreio. Mostraram que, no início da infância, as me-
didas de consciência fonológica e nomeação de letras têm fortes
efeitos, isto é, uma grande proporção de crianças localizadas na
parte inferior da escala. Quando estas medidas foram utilizadas
para classificar as crianças como de risco, estes esforços levaram
muitas crianças a uma interpretação errônea (falsos positivos),
como de risco para dificuldades de leitura nas séries posteriores.
No entanto, quando as crianças foram avaliadas no final do ano
escolar de jardim de infância, o efeito base tinha diminuído, e a
previsibilidade dos instrumentos tinha melhorado. Propusemos
que foi a alfabetização que as levou a melhor distribuição, à me-
dição e à melhora da previsibilidade.
A conclusão de que a instrução pode reduzir os efeitos-
base em uma medida de nomeação de letra é razoável, pois a
nomeação de letras é geralmente aceita como sendo uma habili-
dade aprendida. No entanto, uma conclusão semelhante sobre
as medidas de consciência fonológica é menos simples. Muitos
veem a consciência fonológica como uma habilidade de lingua-
gem que tem base biológica. Os estudos de neuroimagem apoiam
este ponto de vista, pelo menos em parte.40 No entanto, a cons-
ciência fonológica também é influenciada pela experiência da
instrução/alfabetização.41-42 Quanto mais a atenção das crianças
é atraída para as letras como representações dos sons, mais elas
se tornam conscientes dos sons da linguagem. Além de reduzir o
efeito-base em medidas de consciência fonológica, a instrução da
alfabetização pode revelar melhora inerente e diferenças indivi-
duais na consciência fonológica. Isto é análogo ao que acontece
em uma aula de música a partir das séries escolares iniciais. A
maioria das crianças vem para a sala de aula com habilidades

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Identificação precoce da dislexia 61

limitadas para tocar um instrumento. No entanto, com a ins-


trução, as crianças começam a se diferenciar. Algumas crianças
mostram seu talento natural para música, enquanto outras têm
pouco talento e lutam para aprender a tocar um instrumento.
Então, de certa forma, o ensino de música revela diferenças in-
dividuais em talento musical. De maneira semelhante, como são
fornecidas as instruções na correspondência letra-som, as crian-
ças podem mais facilmente mostrar as suas forças ou as fraquezas
inerentes às medidas de consciência fonológica.

Resposta à intervenção

A noção de que a instrução pode revelar clinicamente ou


educacionalmente diferenças individuais relevantes é um princípio
básico da Resposta à Intervenção (RTI).43-44 A RTI é um modelo
educacional que foi introduzido para a identificação precoce e a
prevenção das dificuldades de aprendizagem, incluindo a dislexia.
Neste modelo de multietapas/tarefas, é fornecida a todas as crianças
uma instrução de leitura de alta qualidade baseada em pesquisas em
sala de aula. A resposta das crianças a essa instrução é avaliada por
meio de instrumentos de triagem universal, que são administrados
periodicamente durante todo o ano letivo. Com as crianças identi-
ficadas como de risco, na base desta seleção, é realizada uma inter-
venção de curto prazo suplementar. Esta intervenção pode evoluir
a partir de pequenos grupos para aulas individuais com base nas
necessidades das crianças. O progresso do monitoramento é usa-
do para medir a resposta das crianças à intervenção. Aqueles que
não respondem à intervenção suplementar são considerados como
“verdadeiramente” de risco para a dislexia e podem beneficiar-se de
um ensino mais especializado fornecido dentro de um contexto de
educação especial. Assim, dentro deste modelo de instrumentos de
rastreamento, são combinadas as respostas à intervenção para iden-
tificar as crianças com dislexia.

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62 DISLEXIA - Novos temas, novas perspectivas

Há algumas evidências em apoio da RTI para a identificação


precoce da dislexia.4,6,45 Por exemplo, pesquisadores4 identificaram
248 crianças em situação de risco no início da primeira série e pro-
gramaram nove semanas de intervenção em pequenos grupos para
uma subamostra aleatória destas crianças. As crianças foram acom-
panhadas até o final da terceira série, momento em que elas foram
designadas como “Risco para a Dislexia” ou “não sendo de Risco
para a Dislexia”, com base na composição da leitura de palavras e na
compreensão de leitura. Seus resultados sugeriram que a resposta à
intervenção (medida em termos de aumento da leitura de palavras)
auxiliou na predição do resultado da leitura para além da avaliação
da triagem inicial. Estamos neste momento conduzindo um estu-
do semelhante para determinar se uma combinação de medidas de
triagem e resposta à intervenção de curto prazo pode identificar
as crianças de risco para a dislexia na educação infantil.46 Outros
estudos estão buscando a utilização da RTI em crianças ainda mais
jovens, embora o foco seja mais direcionado para a prevenção do
que para a identificação.46-47 Em resumo, esta abordagem parece ter
a promessa de reduzir alguns dos erros de medição associados à
identificação precoce.

Avaliação Dinâmica

Outra abordagem que pode ter potencial para melhorar a


identificação precoce da dislexia é a avaliação dinâmica.5,48 Assim
como o monitoramento do progresso em um modelo RTI, a ava-
liação dinâmica mede das respostas à instrução. No entanto, no
caso da avaliação dinâmica, a resposta é medida durante um curto
período de tempo e em relação às instruções muito específicas. A
avaliação dinâmica está ligada teoricamente à noção de Vygotsky
de “zona de desenvolvimento proximal”.49 Esta zona representa o
ganho potencial entre o que uma criança pode fazer sozinha versus
o que ela pode fazer com assistência. Aplicada à identificação pre-

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Identificação precoce da dislexia 63

coce, uma avaliação dinâmica proporciona um índice do que pode


ser esperado por uma criança para responder à instrução em sala de
aula. Ao invés de uma medida de um produto de aprendizagem (ou
seja, a avaliação estática), é uma medida do potencial para apren-
der.50 Assim, a avaliação dinâmica pode ser um índice, particular-
mente sensível, do risco de dificuldade na aprendizagem da leitura.
Ao medir o quão bem as crianças respondem às instruções especí-
ficas e aos comentários sobre a leitura ou as habilidades de leitura
relacionadas, o examinador pode avaliar o quão difícil será para as
crianças aprenderem a ler durante um período mais prolongado de
instrução. Porque a marca da dislexia é a dificuldade em aprender
a ler, este método poderia ajudar a identificar a dislexia nas fases
iniciais do ensino da leitura.
Poucos estudos examinaram a utilidade da avaliação dinâmi-
ca na identificação da dislexia. Por exemplo, alguns pesquisadores51
usaram um teste dinâmico para identificar a dislexia no aprendi-
zado da segunda língua. Esse teste envolveu o aprendizado de três
novas formas de letras, seus sons e posterior leitura de não palavras
com as três letras. As instruções foram de natureza não verbal. Seus
resultados forneceram algumas evidências preliminares de que o
ensaio dinâmico poderia diferenciar aprendizes disléxicos e não
disléxicos da segunda língua. Pesquisadores21 também têm usado
uma avaliação dinâmica para fins de identificação. Eles testaram,
inicialmente, as crianças do jardim de infância com uma medida
estática e dinâmica de consciência fonológica. O último teste ava-
liou a capacidade das crianças para excluir sílabas ou fonemas das
palavras em resposta a níveis cada vez mais explícitos de instrução.
Os resultados indicaram que a avaliação dinâmica é significativa
ao ser adicionada à previsão de capacidade de leitura de palavra no
final do ano, além da medida estática. Consulte também pesquisas
para evidências adicionais sobre a utilidade da avaliação dinâmica
para a identificação precoce da dislexia.5

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64 DISLEXIA - Novos temas, novas perspectivas

Resumo

Muitos progressos têm ocorrido na identificação precoce da


dislexia. Há anos, sabemos que a dislexia é um fator familial. Uma
pesquisa recente confirmou que a dislexia é hereditária e que o his-
tórico familial é um importante indicador precoce de risco para
essa condição. Quando o histórico familial é combinado com os
primeiros atrasos de linguagem receptiva e expressiva (fala-tardia) e/
ou com um distúrbio específico de linguagem, o risco para a disle-
xia deve ser considerado elevado. Como resultado, os fonoaudiólo-
gos podem ser capazes de fornecer informações valiosas que podem
auxiliar outros profissionais na identificação de crianças de risco
para a dislexia. Os problemas de linguagem menos graves, as difi-
culdades no processamento fonológico ou na nomeação de letras
também podem ser sinais precoces de dislexia. Os últimos fatores,
no entanto, podem ser difíceis de ser interpretados em crianças
com experiência/instrução limitada de alfabetização. Nestes casos,
a resposta baseada em pesquisa para a instrução/intervenção pode
ser capaz de melhorar a precisão da identificação. As pesquisas mos-
tram que a resposta à intervenção tem o potencial de identificar
corretamente as crianças com dislexia no início da aprendizagem
da leitura (1ª série) e pode ser útil até mesmo antes. Finalmente, a
breve instrução sob a forma de avaliação dinâmica pode também ser
útil para fornecer informações na identificação precoce da dislexia.

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Identificação precoce da dislexia 65

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O DESENVOLVIMENTO DO PROCESSAMENTO
FONOLÓGICO E DA LEITURA DO 1° AO
4° ANO DO ENSINO FUNDAMENTAL:
IMPLICAÇÕES PARA A INTERVENÇÃO
PRECOCE

Renata Mousinho e Jane Correa

I Introdução

“Quantas vezes em sua carreira um professor se depara com


um aluno que apresenta dificuldades de leitura?”; “O que se deve
fazer? Esperar o tempo de cada criança?”
É diante destas indagações que começamos este capítulo.
Quem já trabalhou em escola sabe que encontrar um aluno
com dificuldade em leitura é uma situação rotineira. As tur-
mas, na maioria das escolas, incluem crianças mais ou menos
hábeis em leitura. E, entre os menos hábeis, há ainda aqueles
que se destacam. Por mais que se esmerem, a leitura para es-
tas crianças se torna uma atividade laboriosa e até penosa. O
esforço colocado nesta ação é tão grande que pode, inclusive,
dificultar o gosto pela leitura.
Esperar o tempo da criança não significa o mesmo do que
respeitar o tempo da criança. Esta espera pode representar para

71

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72 DISLEXIA - Novos temas, novas perspectivas

alguns o aumento da defasagem entre a criança e seus pares, o que


favoreceria o aparecimento de consequências indesejáveis, como a
perda do prazer de ler, o baixo rendimento em outras disciplinas
que dependam da leitura e o desenvolvimento pela criança de baixa
autoestima.1 Seja qual for a origem da dificuldade de leitura, suge-
rimos que, quanto antes a criança possa desenvolver suas habilida-
des linguístico-cognitivas, mais frutos ela poderá colher ao longo da
escolarização formal. Identificar precocemente torna-se prioridade
diante da possibilidade de poder eliminar ou minimizar prejuízos
escolares e sociais em maus leitores, pois isso significa poder lançar
mão da estimulação precoce.2
A Aprendizagem Significativa pressupõe que novos conceitos
possam relacionar-se com o conhecimento prévio que o aprendiz
possui.3 Isto não quer dizer, no entanto, que os alunos tenham de
chegar a estes novos conceitos sozinhos. Na aprendizagem da lin-
guagem escrita, por exemplo, a simples exposição ao material escri-
to pode não ser suficiente para o desenvolvimento das habilidades
de leitura e escrita da maioria das crianças em idade escolar. Por
outro lado, um ensino baseado apenas na memorização das letras e
seus correspondentes fonológicos também parece insuficiente para
formar um bom leitor, que dialogue com o texto, que faça inferên-
cias e que tenha um olhar crítico.
No aprendizado da escrita, a opção por um ou outro nível,
textual ou fonológico, parece-nos tão desnecessária quanto contra-
producente. Negligenciar qualquer um deles pode comprometer
bastante a formação de leitores/escritores habilidosos. Há de se des-
tacar, no entanto, que, independentemente da opção metodológica
adotada, a fonologia ocupa uma função de grande importância para
o aprendizado inicial da linguagem escrita em uma ortografia de
relativa regularidade como é o caso do Português brasileiro.
Podemos destacar três habilidades fonológicas que são conside-
radas cruciais para aprendizagem e desenvolvimento da leitura e da
escrita.4-12 As habilidades de processamento fonológico dizem respei-
to a como as informações linguísticas são processadas, armazenadas e

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O DESENVOLVIMENTO DO PROCESSAMENTO FONOLÓGICO E DA LEITURA ... 73

utilizadas. São elas: consciência fonológica, nomeação automatizada


rápida e memória operacional.
A consciência fonológica é definida como a habilidade para
refletir sobre a estrutura sonora de fala, bem como manipular seus
componentes; envolve a capacidade de pensar e operar sobre a lin-
guagem falada como um objeto.13-14 Já a memória operacional é um
sistema de Memória de Curto Prazo, de capacidade limitada, en-
carregada de armazenar brevemente as informações em um código
fonológico.15-17 É responsável pela manipulação das informações por
um determinado tempo como por participar de outras atividades
cognitivas como o raciocínio e a compreensão.18 A nomeação auto-
matizada rápida é a habilidade de processar rapidamente símbolos
visuais dispostos em sequência, ou seja, de recuperação fonológica
por meio do acesso ao léxico.19
Neste capítulo, descreveremos o desenvolvimento das habilida-
des de processamento fonológico de crianças ao longo dos quatro pri-
meiros anos do Ensino Fundamental, tendo como base a habilidade
inicial de leitura com a qual as crianças ingressaram no 1º ano.
Os nossos desafios giram em torno das seguintes questões:

1) As habilidades fonológicas evoluiriam de forma diferente


entre si ao longo dos quatro anos avaliados?
2) Como se desenvolveriam as habilidades fonológicas e de
leitura das crianças ao longo da escolaridade, tomando-se
como parâmetro seu nível de leitura inicial?
3) Que implicações as evidências deste estudo trazem para a
intervenção precoce?

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74 DISLEXIA - Novos temas, novas perspectivas

II Metodologia empregada na avaliação inicial das


crianças e em seu acompanhamento ao longo da
escolaridade

Quarenta e quatro crianças de ambos os sexos (idade média


no 1° ano = 6 anos e sete meses; desvio padrão = 4 meses), estu-
dantes de uma mesma instituição federal de referência, tiveram
seu desenvolvimento linguístico-cognitivo acompanhado ao longo
dos quatro primeiros anos do Ensino Fundamental (projeto de
estudo longitudinal aprovado pelo CEP-INDC, sob o n.° 003/07,
tendo todos os responsáveis assinado o Termo de Consentimento
Livre e Esclarecido).
As crianças realizaram no início de cada ao letivo um con-
junto de tarefas que compreendia: a) a consciência fonológica,20 in-
cluindo as tarefas de rima, de consciência silábica e fonêmica; b) a
memória operacional para dígitos21 e repetição de não palavras;22 c)
a nomeação automatizada rápida,23 incluindo objetos, cores, núme-
ros e letras.
No 1° ano, a leitura foi avaliada por uma lista de 24 palavras
selecionadas para alunos na classe de alfabetização,24 a partir da lista
baseada nas propostas de Pinheiro,25 considerando como variáveis
o tipo, o comprimento e a frequência das palavras. Nos anos se-
guintes, foram analisados como medidas de leitura: a velocidade
e a compreensão. Foi cronometrada a leitura em voz alta de textos
narrativos, próprios para cada nível escolar, como medida de veloci-
dade de leitura. Com vistas a verificar a compreensão, foi observado
o desempenho das crianças nas respostas às perguntas eliciadoras
(verbalmente e sem tempo predeterminado), abrangendo o conteú-
do do texto lido oralmente.

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O DESENVOLVIMENTO DO PROCESSAMENTO FONOLÓGICO E DA LEITURA ... 75

III O desenvolvimento das habilidades fonológicas das


crianças do 1º ao 4º ano do Ensino Fundamental

Dada a variação no número de itens para cada tarefa, o desem-


penho das crianças foi expresso em termos de porcentagem média
de acertos. Tal procedimento permitirá uma melhor comparação do
desempenho das crianças em compreensão leitora, consciência fo-
nológica e memória operacional (span de dígitos e repetição de não
palavras). Os escores que expressam velocidade de desempenho das
crianças, no entanto, não sofreram qualquer transformação. Assim
os resultados da tarefa de velocidade de leitura foram expressos em
palavras lidas por minuto e os da tarefa de nomeação automatizada
rápida em termos de segundos para sua realização.

3.1 As habilidades fonológicas e de leitura no início do 1°


ano: formação de subgrupos pelos perfis apresentados

O desempenho das crianças na tarefa de leitura no início


do 1º ano se mostrou bastante heterogêneo. O número de pala-
vras lidas variou de 0 a 24, sendo que 34% das crianças não con-
seguiram ler qualquer das palavras da lista apresentada. Dada a
relação de causalidade recíproca entre o aprendizado da lingua-
gem escrita e as habilidades de análise fonológica,19 a melhor
forma de compreendermos o desenvolvimento das crianças que
participaram desta investigação ao longo dos quatro primeiros
anos do ensino fundamental seria considerar as diferenças nas
habilidades de leitura e de análise fonológica com as quais as
crianças iniciaram sua escolaridade.
Foram formados três grupos cujo desenvolvimento acompa-
nhamos até o 4º ano do Ensino Fundamental: a) um grupo não
leitor (GNL); b) um grupo leitor (GL1) com desempenho mediano
em rima e consciência silábica; e c) um grupo de leitores (GL2)

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76 DISLEXIA - Novos temas, novas perspectivas

com mais altos escores nas tarefas de análise fonológica para rima e
sílaba. As percentagens médias de acertos nas tarefas de leitura de
palavras e de consciência fonológica são mostradas na Figura 1.

Figura 1: Habilidades de Leitura e de Consciência Fonológica para os


Grupos de Leitores (GL1 e GL2) e Não Leitores (GNL) em percentagem
de acertos

Em termos de habilidade de leitura, o grupo não leitor dife-


re significativamente de ambos os grupos leitores. Porém, em ter-
mos das habilidades de consciência fonológica, o grupo de não lei-
tores somente difere significativamente do grupo de leitores com
melhores habilidades de análise fonológica (GL2). Por sua vez, os
grupos leitores não diferem significativamente em suas habilida-
des de leitura, mas em suas habilidades de análise fonológica. O
GL2 apresenta melhor habilidade de análise fonológica que GL1.
A análise da Figura 1 nos mostra que as tarefas de análise fonêmi-
ca são ainda muito difíceis para as crianças, mesmo para aquelas
alfabetizadas e com boas habilidades de consciência fonológica
relacionadas à rima e à sílaba.

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O DESENVOLVIMENTO DO PROCESSAMENTO FONOLÓGICO E DA LEITURA ... 77

Ainda quanto ao processamento fonológico, examinamos


o desempenho destes três grupos em tarefas relativas à memória
operacional (repetição de não palavras e span de dígitos) e à nomea-
ção automatizada rápida. A Figura 2 revela diferenças significativas
apenas entre os grupos GNL e GL2, os escores extremos, tanto em
repetição de não palavras como em dígitos.

Figura 2: Desempenho inicial dos Grupos de Leitores (GL1 e GL2)


e Não Leitores (GNL) em tarefas de memória operacional (percentagem
média de acerto)

Não se observam diferenças significativas entre os grupos em


relação à nomeação automatizada rápida de nomes e cores (Figura
3). Para a nomeação automatizada de números e letras, foram en-
contradas diferenças significativas apenas entre os grupos GNL e
GL2, os extremos novamente.

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78 DISLEXIA - Novos temas, novas perspectivas

Figura 3: Habilidade de Nomeação Automatizada Rápida dos


Grupos Leitores (GL1 e GL2) e Não Leitores (GNL) no 1º ano
(percentagem de acerto).

3.2 O desenvolvimento do processamento fonológico e da


habilidade de leitura ao longo dos quatros primeiros anos
do Ensino Fundamental

Realizamos o acompanhamento do desenvolvimento linguís-


tico-cognitivo das crianças até o 4º ano do ensino fundamental. Tal
acompanhamento foi feito para os três grupos identificados no iní-
cio do 1º ano (GNL, GL1 e GL2), para a leitura (Figura 4) e para
o processamento fonológico: consciência fonológica (Figura 5),
memória operacional (Figura 6) e nomeação automatizada rápida
(Figura 7). Para compreender melhor os resultados do grupo de não
leitores, cabe destacar que 88% das crianças passaram, pelo menos
um ano letivo ao longo dos quatro anos investigados, pela oficina
de intervenção. Na oficina, as crianças participaram de atividades
voltadas para o desenvolvimento de habilidades fonológicas com in-
cremento da fluência de leitura e compreensão. Por motivos éticos,

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O DESENVOLVIMENTO DO PROCESSAMENTO FONOLÓGICO E DA LEITURA ... 79

e não por falha experimental, inexiste, no acompanhamento por


nós realizado, um grupo de crianças não leitoras sem participação
na oficina de intervenção. A proposta deste projeto é de acompa-
nhamento integral na interface saúde-educação.

3.2.1 O desenvolvimento da leitura

O desenvolvimento das crianças em leitura ao longo de sua


escolaridade foi avaliado em tarefas de compreensão leitora e de
velocidade de leitura. O GLN difere significativamente de ambos os
grupos leitores em compreensão de texto no 2º ano apenas. A partir
do 3º ano, não foram encontradas diferenças significativas entre
os grupos em compreensão leitora, não importando as habilidades
iniciais de leitura com as quais as crianças ingressaram no 1º ano.

Figura 4: Compreensão de Leitura do 2º ao 4º ano do Ensino


Fundamental para os Grupos de Leitores (GL1 e GL2) e Não Leitores
(GNL) do 1º ano (percentagem de acerto)

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80 DISLEXIA - Novos temas, novas perspectivas

O grupo de não leitores apresentou pior desempenho em ve-


locidade de leitura do que ambos os grupos leitores nos 2º e 3º
anos. Porém, no 4º ano, o desempenho do GNL em velocidade de
leitura diferiu estatisticamente apenas de GL2, embora fosse expres-
siva a diferença entre GNL e GL1. Por sua vez, os dois grupos de
leitores somente diferiram em sua habilidade de velocidade de lei-
tura no 2º ano. Tais dados mostram que as crianças leitoras, apesar
das diferenças iniciais de suas habilidades em leitura, podem alcan-
çar desempenho similar em fluência de leitura a partir do 3º ano.
Entretanto, o grupo não leitor, mesmo participando de atividades
extras e visando ao incremento da leitura, persistiu mantendo uma
diferença expressiva em termos de fluência de leitura dos grupos
leitores em anos subsequentes ao 1º ano.

Figura 5: Velocidade de Leitura do 2º ao 4º ano do Ensino Fundamental


para os Grupos de Leitores (GL1 e GL2) e Não Leitores (GNL) do 1º ano
em média de palavras lidas por minuto

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O DESENVOLVIMENTO DO PROCESSAMENTO FONOLÓGICO E DA LEITURA ... 81

Pesquisas longitudinais realizadas nos Estados Unidos com


crianças que não passaram por programas de intervenção precoce
mostraram que leitores pouco habilidosos no 1° ano mantiveram a
defasagem em relação aos bons leitores até o 4° ano e que se torna-
ram alunos também com dificuldade de escrita.26

3.2 O desenvolvimento das habilidades fonológicas

As diferenças observadas entre GNL e GL2 em consciên-


cia fonológica continuaram para as tarefas de rima no 2º ano e
de consciência fonêmica ao longo da escolaridade. No entanto,
não foram observadas diferenças significativas entre GNL e GL1
ao longo das avaliações realizadas no decorrer dos anos escola-
res. À exceção das tarefas de consciência fonêmica, diferenças de
desempenho em consciência fonológica entre GL1 e GL2 não
mais foram observadas ao longo da escolaridade. Tais resultados
são compatíveis com outras pesquisas que mostram que tarefas
que envolvem consciência fonêmica são especialmente difíceis
para as crianças leitoras principiantes.27-28

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82 DISLEXIA - Novos temas, novas perspectivas

Tabela 1: Habilidades de Consciência Fonológica do 2º ao 4º ano do


Ensino Fundamental para os Grupos de Leitores (GL1 e GL2) e Não
Leitores (GNL) do 1º ano (% de acerto)

GNL GL1 GL2

Rima
2º Ano 82 95 100
3º Ano 90 91 82
4º Ano 100 100 100

Sílaba

2º Ano 81 87 89

3º Ano 91 91 96

4º Ano 89 95 99

Fonema

2º Ano 37 47 71

3º Ano 47 59 78

4º Ano 66 71 93

A relação de leitura e memória operacional não foi expres-


siva nas etapas avaliadas, considerando, como revela a Tabela 2, o
desempenho dos grupos nas tarefas de repetição de não palavras e
span de dígitos.

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O DESENVOLVIMENTO DO PROCESSAMENTO FONOLÓGICO E DA LEITURA ... 83

Tabela 2: Desempenho em tarefas de Memória Operacional do 2º ao 4º


ano do Ensino Fundamental para os Grupos de Leitores (GL1 e GL2) e
Não Leitores (GNL) do 1º ano (% de acertos)

GNL GL1 GL2

Repetição de não
palavras
2º Ano 80 84 89
3º Ano 88 86 94
4º Ano 88 88 93

Span de dígitos GNL GL1 GL2


2º Ano 70 69 83
3º Ano 76 70 84
4º Ano 76 70 87

Em relação à nomeação automatizada rápida, para os itens fi-


gurativos, o grupo não leitor obteve escores significativamente mais
altos (portanto, piores, já que estamos usando como referência o
tempo de nomeação) do que ambos os grupos de leitores no 2º ano
e apenas estatisticamente mais alto do que o GL2 no 4º ano. A ten-
dência, portanto, é que, com a escolaridade, as diferenças tendam
a ser minimizadas. Esses resultados são compatíveis com trabalhos
prévios que dizem que quanto maior forem a idade e a escolaridade
da criança, menor será o tempo de nomeação.29-31 Não houve dife-
renças significativas entre os três grupos para nomeação automati-
zada rápida de cores, como revela a Tabela 3.

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84 DISLEXIA - Novos temas, novas perspectivas

Tabela 3: Desempenho em tarefas de Nomeação Automatizada Rápida


do 2º ao 4º ano do Ensino Fundamental para os Grupos de Leitores (GL1 e
GL2) e Não Leitores (GNL) do 1º ano (velocidade em segundos).

GNL GL1 GL2

RAN Objetos      
2º Ano 79,71 64,45 61,08
3º Ano 60,84 57,69 52,46
4º Ano 56,36 50,32 46,79
       
RAN Cores      
2º Ano 61,10 58,64 50,92
3º Ano 48,39 45,91 45,44
4º Ano 46,23 42,87 38,70
       
RAN Números      
2º Ano 43,19 35,91 32,25
3º Ano 33,78 33,26 31,14
4º Ano 28,81 31,22 26,19
       
RAN Letras      
2º Ano 42,48 33,27 30,67
3º Ano 31,99 29,15 26,93
4º Ano 26,84 25,47 22,30

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O DESENVOLVIMENTO DO PROCESSAMENTO FONOLÓGICO E DA LEITURA ... 85

Em relação aos estímulos alfanuméricos, diferenças na nome-


ação automatizada de números foram observadas apenas no 2º ano,
desaparecendo nas séries subsequentes. Tais diferenças encontram-
se no desempenho de GNL e GL2. Por outro lado, diferenças sig-
nificativas na nomeação automatizada de letras foram encontradas
do 2º ao 4º ano. No 2º ano, o GNL precisou de mais tempo para
nomear as letras do que ambos os grupos leitores. A partir do 3º
ano, tal diferença só foi estatisticamente significativa para o desem-
penho de GNL e GL2.

3.3 Habilidades iniciais de processamento fonológico e o


desenvolvimento subsequente da leitura

A análise comparativa realizada acima põe em evidência a


importância da escolaridade para o aprendizado da linguagem es-
crita e o desenvolvimento das diversas habilidades fonológicas,
apesar das diferenças com as quais as crianças ingressaram no 1º
ano em relação à leitura.
Observamos que as crianças iniciaram sua trajetória escolar
com diferenças significativas em diversas habilidades de proces-
samento fonológico. Estariam as habilidades de processamento
fonológico relacionadas, ao longo da escolaridade, ao desenvol-
vimento da compreensão leitora e da velocidade de leitura, uma
vez controlada as diferenças em leitura com as quais as crianças
ingressam no 1º ano?

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86 DISLEXIA - Novos temas, novas perspectivas

Tabela 4: Correlação entre as Habilidades Iniciais de Processamento


Fonológico da Criança e o Desenvolvimento em compreensão leitora,
velocidade de leitura do 2º ao 4º ano Controlado o Desempenho em
Leitura no 1º ano

2º ano 3º ano 4º ano

Compreensão Velocidade Compreensão Velocidade Compreensão Velocidade

CF-Rima ,48** ,35* ,00 ,23 -,13 ,28

CF-Sílaba ,40** ,33* ,06 ,37* ,09 ,35*

CF-Fonema ,24 ,28 ,09 ,00 ,15 ,09

Repetição
,25 ,19 ,26 ,18 ,10 ,25
não palavra

Span de
,30 ,11 ,26 ,29 ,22 ,07
dígito

RAN Letra -,37* -,33* -,08 -,34* -,06 -,29

RAN
-,15 -,15 ,02 -,33* ,06 -,25
Número

Nota: CF= Consciência Fonológica; RAN= Nomeação Automatizada Rápida; * p ≤ ,05; ** p ≤ ,01.

Uma vez controladas as diferenças individuais em leitura, as


habilidades de consciência fonológica (rima, fonema e sílaba) da
criança ao ingressar no 1º ano correlacionaram-se significativamen-
te com a compreensão de texto e a velocidade de leitura no 2º ano.
Somente a consciência silábica continuou a correlacionar-se signifi-
cativamente com a velocidade de leitura no 3º ano.
Não foram significativas as correlações entre memória ope-
racional (dígitos e repetição de não palavras) com a compreensão
leitora ou com a velocidade de leitura. A nomeação automati-
zada rápida de letras correlacionou-se significativamente com a

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O DESENVOLVIMENTO DO PROCESSAMENTO FONOLÓGICO E DA LEITURA ... 87

compreensão (2º ano) e a velocidade de leitura (2º e 3º anos).


A nomeação automatizada rápida de números correlacionou-se
apenas com a velocidade de leitura no 3º ano.

IV Considerações finais

Este capítulo apresentou o desenvolvimento longitudinal do


processamento fonológico e das habilidades de leitura de crianças
do 1° ao 4° ano do ensino fundamental. A análise foi realizada ten-
do como base o nível de leitura inicial das crianças ao ingressarem
no 1º ano. Respondendo às questões que nortearam este trabalho:

1) As habilidades fonológicas evoluem de forma diferente entre si ao


longo do ensino fundamental?

Sim. As habilidades de análise fonológica apresentam uma


evolução diferenciada em função de sua natureza. Algumas, como
a consciência silábica e da rima, já apresentam um nível razoável
de desenvolvimento no início do 1° ano, ganhando um impor-
tante incremento com o avanço da escolaridade. Por outro lado,
a consciência fonêmica só parece desenvolver-se efetivamente nos
anos subsequentes à alfabetização com a experiência com a lin-
guagem escrita proporcionada à criança ao longo dos anos esco-
lares. Diferenças significativas na memória operacional entre não
leitores e leitores (GL2) no 1º ano não são mais observadas nos
anos subsequentes. A memória operacional avaliada por meio da
repetição de não palavras apresenta variação discreta ao longo dos
anos iniciais do EF. A nomeação automatizada rápida para obje-
tos, cores, dígitos e letras apresenta desenvolvimento progressivo
ano a ano nesta fase escolar.

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88 DISLEXIA - Novos temas, novas perspectivas

2) Como se dá o desenvolvimento do processamento fonológico


ao longo da escolaridade, tomando como parâmetro o nível de
leitura inicial?

Diferenças significativas são observadas, inicialmente, para o


grupo de não leitores em tarefas de memória operacional (repetição
de não palavras e em span de dígitos). Tais diferenças são, em sua
grande maioria, relativas ao desempenho do grupo leitor que apre-
senta melhor desempenho nas tarefas de consciência fonológica. O
desempenho do grupo não leitor nas tarefas de nomeação automa-
tizada rápida sugere que a habilidade que mais sofre influência do
aprendizado da linguagem escrita é a nomeação automatizada de
letras. Diferentemente da diferença observada em nomeação auto-
matizada de letras que, embora minimizadas, mantém-se significati-
va ao longo da escolaridade, a relação de leitura e memória opera-
cional não é expressiva nas etapas avaliadas. Os resultados obtidos
pelos grupos leitores GL1 e GL2 sugerem que as habilidades de
consciência fonológica desenvolvem-se, ao longo da escolaridade,
tanto melhor quanto forem as habilidades para análise fonológica
que as crianças já possuem ao ingressarem no 1º ano. Por outro
lado, as crianças podem alcançar um desempenho mediano em ta-
refas de consciência silábica e de rima antes de serem alfabetizadas,
bem como estarem alfabetizadas e ainda sim encontrarem muita
dificuldade em realizar tarefas de análise fonêmica. Estes resultados
mostram-se compatíveis com a hipótese da causalidade recíproca
entre o desenvolvimento da consciência fonológica e o aprendizado
da linguagem escrita.14;27;32 Algumas habilidades desenvolvem-se an-
teriormente ao domínio da linguagem escrita, facilitando o apren-
dizado; por sua vez, o aprendizado da leitura e da escrita favorece o
desenvolvimento ulterior das habilidades de análise fonológica, em
particular, o da consciência fonêmica.

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O DESENVOLVIMENTO DO PROCESSAMENTO FONOLÓGICO E DA LEITURA ... 89

3) Que implicações as evidências deste estudo trazem para a


intervenção precoce?

Dada à evidência da causalidade recíproca entre o desenvol-


vimento das habilidades fonológicas e o aprendizado da lingua-
gem escrita, os resultados mostraram a importância de se intervir
precocemente em atividades de análise fonológica relacionadas à
consciência silábica e à rima.
Observou-se que as diferenças nestes níveis de análise po-
dem perdurar ao longo dos anos escolares, perpetuando as difi-
culdades eventualmente apresentadas no início da escolarização
formal. Intervenções no nível fonêmico podem ser importantes,
mas devem vir em um momento posterior, visto que se relacio-
nam mais diretamente à experiência de leitura obtida ao longo
da escolaridade.
Em relação às habilidades de leitura, a partir do 3º ano,
não foi encontrada diferença significativa entre as crianças em
compreensão leitora, não importando as condições apresentadas
no 1º ano. Tais resultados já parecem fruto das oficinas de esti-
mulação, visto que o objetivo central esteve focado na consciên-
cia fonológica e no automatismo da leitura a fim de favorecer a
interpretação de textos lidos. Este parece ser um aspecto crucial
na intervenção precoce. Desta forma, prejuízos em outras disci-
plinas que dependam da linguagem escrita poderiam ser mini-
mizados. O gosto pela leitura, por sua vez, teria maiores chances
de se desenvolver. Afinal, por que alguém teria prazer em ler algo
que não faz sentido?

dislexia revisao.indd 89 05/04/2011 14:08:15


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Perfil de escolares com dislexia,
transtornos e dificuldades de
aprendizagem em instrumento
de avaliação de habilidades
metafonológicas (PROHFON)

Giseli Donadon Germano e Simone Aparecida Capellini


Trabalho realizado no Centro de Estudos da Educação e Saúde – CEES/FFC/UNESP –
Marília – SP e no Ambulatório de Neurologia Infantil – Desvios da Aprendizagem do
Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina – FM/UNESP – Botucatu – SP.

Introdução

São inúmeros os problemas de aprendizagem que podem in-


terferir no desempenho escolar da criança, dentre eles, a dificul-
dade no uso de habilidades metafonológicas para a aquisição e o
desenvolvimento da leitura e da escrita.
A avaliação das habilidades metafonológicas tornou-se impor-
tante devido à sua relação com a leitura e a escrita. O pressupos-
to de que, em sistemas alfabéticos, a aprendizagem de habilidades
como a leitura e a escrita implica uma reflexão deliberada da fala, a
fim de que esta se torne objeto de sua atenção consciente e possibi-
lite o desenvolvimento da consciência metalinguística, tem sido um
consenso entre diversos autores.1-2
Sendo assim, a escolha de um procedimento de avaliação des-
tas habilidades que possa identificar quais as tarefas mefonológicas
de maior dificuldade que podem impactar negativamente no desen-
volvimento da leitura e da escrita em um sistema de escrita com base

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96 DISLEXIA - Novos temas, novas perspectivas

alfabética como o português pode ser de grande auxílio para profissio-


nais da área da saúde e da educação na identificação e no diagnóstico
precoce de problemas de aprendizagem de leitura e escrita.3
A literatura relata que escolares que apresentam dislexia,
transtornos e dificuldades de aprendizagem falham em atividades
que requerem o uso das habilidades fonológicas, pois apresentam
dificuldades em acessar e recuperar informações fonológicas neces-
sárias para o bom desempenho em tarefas de leitura oral e de escrita
por meio de ditado de palavras.4-8
A dislexia do desenvolvimento é uma condição de origem ge-
nética, que consiste em uma pronunciada e persistente dificuldade
na aquisição da leitura, resultantes de um deficit do componente
fonológico da linguagem.8
Os transtornos de aprendizagem, também conhecido como
distúrbio de aprendizagem, consistem em uma variada gama de ma-
nifestações, como transtornos de audição, de fala, de leitura, de
escrita e de matemática, sendo o tipo mais prevalente dos diagnós-
ticos de aprendizagem.9
No entanto, não existe um consenso sobre a definição de
dificuldade de aprendizagem, nem o como, o porquê ou o quando
ela se manifesta. Segundo a literatura, as dificuldades de aprendi-
zagem se caracterizam por um grupo heterogêneo de manifesta-
ções, ocasionando baixo rendimento acadêmico nas tarefas de lei-
tura, de escrita e de cálculo matemático. Podem ser categorizadas
como transitórias e ocorrer em qualquer momento no processo
ensino-aprendizagem.10
Em virtude do exposto, o objetivo deste estudo foi de carac-
terizar o perfil do desempenho em provas de avaliação de habilida-
des metafonológicas de escolares com dislexia do desenvolvimento,
transtornos e dificuldades de aprendizagem e, ainda, com escolares
com bom desempenho escolar.

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Perfil de escolares com dislexia, transtornos e dificuldades ... 97

Método

Este estudo foi submetido e aprovado pelo Comitê de Ética


em Pesquisa da Faculdade de Filosofia e Ciências – FFC/ UNESP
– Marília – SP, sob o protocolo de número 1880/2008.
Participaram deste estudo um total de 134 escolares do 3º
ao 5º ano do ensino fundamental, de ambos os gêneros, com faixa
etária entre 7 e 13 anos de idade, divididos em:

Grupo I (GI): composto por 20 escolares com o diagnóstico


interdisciplinar de Dislexia do desenvolvimento. Este diagnóstico
foi realizado de acordo com os seguintes critérios em situação de
avaliação interdisciplinar.5-6
Grupo II (GII): composto por 20 escolares com o diagnóstico
interdisciplinar de Transtornos de Aprendizagem. Este diagnóstico
foi realizado segundo as mesmas dificuldades apresentadas pelos es-
colares com dislexia, acompanhadas de alterações significativas nas
habilidades sintáticas e semânticas da linguagem e de cálculo mate-
mático tanto para cálculo isolado como para dependência de leitura
e compreensão do enunciado do problema para a sua resolução.
Grupo III (GIII): composto por 20 escolares com dificuldade
de aprendizagem, regularmente matriculados em escola regular do
Município de Marília – SP, ou seja, que apresentaram desempenho
insatisfatório (nota abaixo de 5,0) em dois bimestres consecutivos
em prova de Língua Portuguesa e Matemática, segundo a indicação
dos professores.
Grupo IV (GIV): composto por 74 escolares com bom desem-
penho acadêmico, regularmente matriculado em escola regular do
Município de Marília – SP, ou seja, que apresentaram desempenho
satisfatório (nota acima de 5,0) em dois bimestres consecutivos em
prova de Língua Portuguesa e Matemática, segundo a indicação dos
professores. Estes escolares foram pareados com GI, GII e GIII se-
gundo a seriação escolar.

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98 DISLEXIA - Novos temas, novas perspectivas

Os escolares dos grupos GI, GII e GIII estavam regularmente


matriculados em escola regular do Município de Marília – SP e de
Botucatu – SP, e em fila de espera para avaliação no Centro de Es-
tudos da Educação e Saúde – CEES/FFC/UNESP – Marília – SP e
do Ambulatório de Neurologia Infantil – Desvios da Aprendizagem
do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina – FM/UNESP
– Botucatu – SP.
Foi realizada a aplicação do Procedimento de avaliação das
habilidades metafonológicas – PROHFON.3 Este procedimento
foi constituído por 12 provas, sendo cinco fonêmicas e cinco silá-
bicas: Contagem, Síntese e Análise, Identificação, Deleção, Com-
binação, além das provas de Rima e Aliteração. O procedimento
foi composto por um caderno de questões, para uso do avaliador
e um caderno de respostas para anotação do escolar. O tempo
de aplicação do procedimento foi de aproximadamente 40 minu-
tos. A pontuação foi realizada atribuindo “1” (um) ponto para
respostas corretas e “0” (zero) ponto para respostas incorretas ou
ausência de respostas.
A análise estatística foi realizada por meio da aplicação do Tes-
te de Mann-Whitney, ajustado pela Correção de Bonferroni, com o obje-
tivo de identificar quais os grupos diferenciaram-se entre si, quando
comparados. Foi adotado o nível de significância de 5% (0,050),
indicados por asterisco (*), e o programa utilizado foi o Statistical
Package for Social Sciences (SPSS) na versão 17.0.

Resul­tados

Os resultados foram analisados de forma quantitativa, sendo


submetidos a uma análise estatística, para comparação dos desem-
penhos dos escolares dos grupos GI, GII, GIII e GIV.
Os resultados da Tabela 1 indicaram que houve diferença es-
tatisticamente significante quando realizadas as comparações entre
os grupos GI e GII na prova de síntese e análise fonêmica; entre os

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Perfil de escolares com dislexia, transtornos e dificuldades ... 99

grupos GI e GIII nas provas de deleção de fonemas e de combina-


ção de fonemas; entre GI e GIV nas provas de contagem de sílaba e
de fonema, síntese e análise de fonema, identificação de sílaba e de
fonema, rima, aliteração, deleção de sílaba e de fonema, combina-
ção de sílaba e de fonema, sendo a média de acertos de GI inferior
ao de GIV, o que demonstra o deficit fonológico de GI.
Também ocorreu diferença estatisticamente significante quan-
do foram realizadas as comparações entre os grupos GII e GIII nas
provas de síntese e análise de fonema, identificação de fonema, rima,
aliteração, deleção de sílaba e de fonema, combinação de sílaba e de
fonema, com menor média de acerto de GII; entre os grupos GII e
GIV nas provas de contagem de sílaba e de fonema, síntese e análise de
fonema, identificação de sílaba e de fonema, rima, aliteração, deleção
de sílaba e de fonema, combinação de sílaba e de fonema. Na compara-
ção entre os grupos GIII e GIV, houve diferença estatisticamente signi-
ficante nas provas de contagem de fonema, identificação de sílaba e de
fonema, rima, deleção de sílaba, combinação de sílaba e de fonema.

Tabela 1: Comparação do desempenho entre os grupos GI, GII, GIII e


GIV nas provas de habilidade metafonológica

Grupos
Provas
I x II I x III I x IV II x III II x IV III x IV
CgS 0,411 0,163 0,002* 0,087 0,001* 0,159
CgF 0,690 0,411 0,005* 0,901 0,001* < 0,001*
SAS 0,243 0,844 0,079 0,205 0,949 0,063
SAF 0,008* 0,048 < 0,001* 0,001* < 0,001* 0,176
IS 0,195 0,593 < 0,001* 0,069 < 0,001* < 0,001*
IF 0,014 0,431 < 0,001* 0,006* < 0,001* < 0,001*
R 0,011 0,777 0,001* 0,002* < 0,001* < 0,001*
A 0,026 0,123 < 0,001* 0,001* < 0,001* 0,011
DS 0,022 0,024 < 0,001* < 0,001* < 0,001* < 0,001*
DF 0,105 0,007* < 0,001* < 0,001* < 0,001* 0,014
CbS 0,037 0,035 < 0,001* 0,001* < 0,001* < 0,001*
CbF 0,667 0,003* < 0,001* 0,001* < 0,001* < 0,001*

Legenda: contagem de sílaba (CgS) e de fonema (CgF), síntese e análise de sílaba (SAS) e de
fonema (SAF), identificação de sílaba (IS) e de fonema (IF), rima (R), aliteração (A), deleção de
sílaba (DS) e de fonema (DF), combinação de sílaba (CbS) e de fonema (CbF). Aplicação do Teste
de Mann-Whitney, ajustado pela Correção de Bonferroni.

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100 DISLEXIA - Novos temas, novas perspectivas

Na Tabela 2, é possível verificar a classificação dos escolares


em desempenho inferior, médio e superior nas provas de habilida-
des metafonológicas – PROHFON.

Tabela 2: Classificação do desempenho dos grupos GI, GII, GIII e GIV


nas provas de habilidades metafonológicas

Desempenhos
Grupos INFERIOR MÉDIO SUPERIOR

CgS, CgF, SAF, IS, IF, R, A,


GI CgS SAS
DS, DF, CbS, CbF

CgS, CgF, SAS, SAF, IS, IF,


GII
R, A, DS, DF, CbS, CbF

CgF, SAF, IS, IF, R, A, DS,


GIII CgS, SAS, SAF
DF, CbS, CbF

CgS, SAS, SAF, IS,


GIV CgF, IF, R, A, CbF
DS, DF,CbS
Legenda: contagem de sílaba (CgS) e de fonema (CgF), síntese e análise de sílaba (SAS) e de
fonema (SAF), identificação de sílaba (IS) e de fonema (IF), rima (R), aliteração (A), deleção de
sílaba (DS) e de fonema (DF), combinação de sílaba (CbS) e de fonema (CbF).

A partir dos dados descritos na Tabela 2, observamos que os


escolares de GI, GII e GIII apresentaram desempenho inferior para
a maioria das provas, tanto de habilidades silábicas quanto fonêmi-
cas. Também observamos que os escolares do grupo GIV apresen-
taram desempenho superior para a maioria das provas silábicas e
inferior nas provas fonêmicas.

Discussão

Os resultados deste estudo nos permitiram verificar que os


grupos GI, GII, GIII e GIV apresentaram diferentes desempenhos

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Perfil de escolares com dislexia, transtornos e dificuldades ... 101

nas provas de habilidades metafonológicas. Os escolares do grupo


GI diferenciou-se de GIV na maioria das provas, sendo a menor mé-
dia de GI. Esses resultados concordam com a literatura, que indica
que escolares com dislexia apresentam desempenho inferior em tes-
tes de habilidades metafonológicas devido ao deficit fonológico e a
sobrecarga na memória de trabalho fonológica, conforme referido
na literatura.5-6, 11
Os resultados desse estudo também mostraram que os es-
colares de GI se diferenciaram de GII apenas na prova de síntese
e de análise fonêmica, com menor média de acerto de GII. Esses
achados demonstram que ambos os grupos, GI e GII, apresenta-
ram desempenhos semelhantes na maioria das provas. Os escola-
res de GII se diferenciaram dos escolares com bom desempenho
acadêmico (GIV) na maioria das provas, exceto na prova de sínte-
se e de análise silábica.
Esses resultados indicaram que os escolares de GII tiveram
maior dificuldade em separar e em unir as partes da palavra em
fonemas, menor elemento constitutivo da cadeia da fala, ou seja, de
coordenar vários processos relacionados à leitura e manter informa-
ções verbais na memória de curta duração (estoque fonológico).4,9
Os resultados também indicaram que os escolares de GI se
diferenciaram dos escolares de GIII apenas pelas habilidades de de-
leção e de combinação de fonemas, sendo que os escolares de GI
obtiveram as menores médias. Vários estudos relataram que a disle-
xia refere-se a um deficit no processamento linguístico, implicando a
falta de habilidade em perceber elementos críticos da fala de forma
acurada, não permitindo, assim, o acesso à formação da codificação
fonológica, enquanto os escolares com dificuldades de aprendiza-
gem também apresentaram baixo desempenho nessas provas, mas
devido a uma dificuldade de captação ou de assimilação dos conte-
údos de aprendizagem propostos durante a alfabetização.10-11
Os resultados desse estudo também demonstraram que os es-
colares de GIII se diferenciaram de GIV nas habilidades de conta-
gem, de identificação, de rima, de deleção e de combinação, sendo

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102 DISLEXIA - Novos temas, novas perspectivas

o menor desempenho de GIII em relação ao GIV. Esses resultados


sugerem que os escolares de GIII não adquiriram os mecanismos de
conversão grafema-fonema, falhando na percepção dos segmentos
das palavras. Esses achados sugerem que ambos os grupos não de-
senvolveram as representações fonêmicas na memória de trabalho
e, consequentemente, não adquiriram o mecanismo gerativo e a
conversão grafema-fonema, falhando na execução das provas que
requerem a habilidade de manipulação, conforme descrito na lite-
ratura nacional.4-7
Portanto, os achados deste estudo indicaram que os escolares
com dislexia e transtornos de aprendizagem pelo fato de apresenta-
rem deficit fonológico, o comprometimento da formação de repre-
sentações internas da estrutura fonológica da palavra está presente.
Tais achados vão ao encontro de pesquisas realizadas com escolares
disléxicos, transtornos e dificuldade de aprendizagem, tendo evi-
denciado dificuldades quanto à percepção e à execução das habili-
dades de contagem, síntese e análise, identificação, rima, aliteração,
deleção e combinação, tanto de sílaba como de fonema.4-10

Conclusão

Concluímos a partir dos resultados deste estudo que ocorre-


ram algumas semelhanças e diferenças entre os desempenhos dos
escolares. Em relação às semelhanças, concluímos que os escolares
de todos os grupos apresentaram desempenho inferior nas provas
de identificação, contagem e combinação de fonemas, de rima e
de aliteração. Os escolares com dislexia, transtornos e dificuldades
de aprendizagem apresentaram desempenho inferior nas provas de
contagem, síntese e análise de fonemas, identificação de sílabas e de
fonemas, rima, aliteração, deleção de sílabas e de fonemas e combi-
nação de sílabas e de fonemas. Os escolares com dislexia, dificulda-
des de aprendizagem e bom desempenho acadêmico apresentaram
desempenho superior na prova de síntese e análise silábica.

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Perfil de escolares com dislexia, transtornos e dificuldades ... 103

Em relação às diferenças, os escolares com dislexia se diferen-


ciaram dos escolares com transtornos de aprendizagem pela prova
de síntese e análise silábica; dos escolares com dificuldades de apren-
dizagem pelas provas de contagem de sílaba e síntese e análise de
fonemas; dos escolares com bom desempenho acadêmico pelas pro-
vas de contagem de sílaba, síntese e análise de fonema, identificação
de sílaba, deleção de sílaba e de fonema e combinação de sílaba. Os
escolares com transtornos de aprendizagem se diferenciaram dos
escolares dificuldades de aprendizagem pela provas de contagem e
síntese e análise de sílabas e de fonemas; dos escolares com bom de-
sempenho acadêmico pelas provas de contagem de sílaba, síntese e
análise de sílabas e de fonema, identificação de sílaba, deleção de sí-
laba e de fonema e combinação de sílaba de contagem. Os escolares
com dificuldades de aprendizagem se diferenciaram dos escolares
com bom desempenho acadêmico pelas provas de identificação de
sílaba, deleção de sílaba e de fonema e combinação de sílaba.
Assim, concluímos que o PROHFON colaborou para caracte-
rizar um perfil metafonológico de escolares com diferentes compro-
metimentos em aprendizagem. Isto indica que este procedimento
pode servir de auxílio tanto aos profissionais da saúde quanto aos
da educação na identificação de dificuldades em habilidades meta-
fonológicas, contribuindo futuramente para uma melhor compre-
ensão entre a relação destas dificuldades e o desenvolvimento da
leitura e da escrita de escolares com diferentes problemas de afetam
a aprendizagem escolar.

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104 DISLEXIA - Novos temas, novas perspectivas

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Funções neuropsicológicas
relacionadas ao desempenho em
leitura em crianças

Jerusa Fumagalli de Salles e Helena V. Corso

Os processos de leitura são complexos e envolvem uma


ampla gama de funções neuropsicológicas, linguísticas e não lin-
guísticas. Sabe-se que o desenvolvimento da leitura está intrinse-
camente relacionado a estas outras funções cognitivo-linguísticas.
Modelo de processos cognitivos e diferentes conhecimentos impli-
cados na aprendizagem da leitura tem sido apresentado por diver-
sos autores.1 Tem sido cada vez maior o esforço em investigar os
fatores específicos relacionados ou subjacentes às dificuldades de
aprendizagem da leitura.
Quando uma dificuldade de aprendizagem (ou mais especi-
ficamente de leitura) é identificada, a avaliação neuropsicológica
é necessária para investigar a(s) funções deficitárias e também as
potencialidades em termos neurocognitivos, sendo estas informa-
ções importantes para uso de estratégias compensatórias e para es-
tabelecer as possibilidades de intervenção. A identificação precoce

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108 DISLEXIA - Novos temas, novas perspectivas

das potencialidades e das dificuldades em termos neuropsicológicos


pode facilitar o planejamento educacional, vocacional e terapêuti-
co.2 Esta avaliação pode elucidar as funções específicas geralmente
envolvidas em cada um dos subtipos de dificuldades de leitura.
O objetivo deste capítulo é abordar as funções neuropsicoló-
gicas relacionadas ao desempenho em leitura e às dificuldades de
leitura em crianças. Os subtipos de dificuldades de leitura no nível
de reconhecimento de palavras e de compreensão de leitura textu-
al serão abordados, assim como modelos cognitivos. Para ilustrar,
serão expostos dados de estudo preliminar da análise de correlação
entre o desempenho em leitura e as funções neuropsicológicas ava-
liadas pelo Instrumento de Avaliação Neuropsicológica Breve In-
fantil NEUPSILIN-INF,3 com crianças em idade escolar.

1. Considerações sobre as dificuldades de leitura e sua


avaliação

A hipótese da heterogeneidade das dificuldades de aprendi-


zagem ganhou amplo respaldo empírico nas últimas décadas. Tais
dificuldades correspondem a comprometimentos em domínios di-
ferentes do desempenho acadêmico: matemática, expressão escrita
e leitura. Neste último, classificam-se as dificuldades específicas de
reconhecimento de palavras, de fluência de leitura e de compreen-
são leitora.4–6 A dislexia de desenvolvimento é também conhecida
como uma dificuldade específica de leitura, cujo deficit principal
está no reconhecimento de palavras (revisão sobre os critérios para
a identificação nas referências4-7). A dificuldade específica de com-
preensão leitora, pelo contrário, supõe que as habilidades de deco-
dificação e de fluência estejam intactas.
Um modelo alternativo à avaliação tradicional (baseada na dis-
crepância entre QI e rendimento escolar) é apresentado.5 Ele divide
o processo de avaliação em quatro componentes: descrição da ma-
nifestação aparente da dificuldade, avaliação dos traços cognitivos

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Funções neuropsicológicas relacionadas ao desempenho ... 109

e psicossociais da criança que influenciam a dificuldade manifesta,


avaliação de variáveis do ambiente (sociais, culturais, familiares e
contextuais) e das variáveis biológicas (história médica, integridade
cerebral, genética). O modelo está mais focado nos componentes
das habilidades acadêmicas deficitárias e nos domínios cognitivos
correlatos e tem como objetivo examinar padrões de forças e fraque-
zas acadêmicas e como esses padrões se relacionam com as caracte-
rísticas cognitivas do estudante. Estas últimas envolvem a avaliação
de construtos como consciência fonológica, linguagem (nomeação,
vocabulário, fala), memória de trabalho, memória de curto prazo
verbal e não verbal, funções perceptuais e motoras, atenção e fun-
ções executivas.5
Outros autores advogam a favor de um modelo que combina
a resposta à intervenção e a avaliação cognitiva (neuropsicológica)
compreensiva para identificar crianças com dificuldades de apren-
dizagem.8 Os mesmos autores apresentam o resultado de análise
discriminante com 128 crianças com dificuldades de leitura, que
revelou quatro subtipos de maus leitores: globais, fonêmicos, fluên-
cia-compreensão e ortográfico. Estes subtipos, conforme os autores,
apresentam perfis cognitivos diferenciados, o que torna fundamen-
tal a avaliação neuropsicológica específica para o delineamento do
processo de intervenção individualizado.
Mais especificamente com relação às dislexias de desenvolvi-
mento, sugere-se um processo de avaliação em três etapas: 1) scre-
ening inicial, incluindo história de desenvolvimento e parecer da
escola; 2) avaliação compreensiva (leitura, escrita, habilidades de
processamento fonológico, funcionamento intelectual geral); e 3)
investigação adicional utilizando testes padronizados.9 Em uma re-
visão de literatura sobre as bases neuropsicológicas das dificuldades
de aprendizagem em crianças,10 também são sugeridas três etapas no
processo de avaliação: 1) inclui tarefas de leitura e baterias neuro-
psicológicas, como o NEPSY;11 2) engloba outras tarefas de memó-
ria, percepção, leitura, linguagem oral, entre outras; e 3) investiga
a história neuropsicológica e médica completa, realiza avaliação de

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110 DISLEXIA - Novos temas, novas perspectivas

inteligência e avaliações adicionais de linguagem, atenção, funções


executivas e memória.
A avaliação das funções neuropsicológicas consta, nas propos-
tas acima referidas, como parte integrante do processo de avaliação
de crianças/adolescentes com queixa/suspeita de dificuldades de
aprendizagem, nos vários domínios. Uma das questões que dificulta
este processo de avaliação é que, no Brasil, são escassos os instrumen-
tos ou as tarefas com embasamento neuropsicológico, construídos
ou adaptados à Língua Portuguesa e ao desenvolvimento infantil.
Esta constatação motivou a iniciativa de desenvolver o Instrumen-
to de Avaliação Neuropsicológica Breve Infantil NEUPSILIN-INF3
para aplicação em crianças em idade escolar.

2. Funções Neuropsicológicas relacionadas ao


reconhecimento de palavras e às dificuldades específicas de
leitura (dislexias de desenvolvimento)

Os modelos que expõem os fatores que influenciam no desen-


volvimento da leitura (e estão subjacentes às dificuldades de leitura)
mencionam, em geral, quatro aspectos: neurobiológico, cognitivo,
psicossocial/comportamental e ambiental.1, 4, 6, 12-15
Em revisão sobre os estudos em dislexia nas últimas quatro
décadas, especialmente sobre as teorias cognitivas da dislexia, são
expostas que as prováveis causas do quadro são os deficits nas ha-
bilidades de processamento fonológico, associados a deficits em co-
dificação alfabética, ou seja, em usar os códigos dos sons da fala
para representar informação na forma de palavras e partes de pa-
lavras.1 Os deficits fonológicos explicam as diferenças entre leitores
competentes e com dificuldades em consciência fonológica, corres-
pondências grafema-fonema, decodificação fonológica e memória
verbal. Porém, em algumas crianças, os problemas de leitura estão
associados a deficits de linguagem – sintáticos ou semânticos, sendo
estes considerados como comorbidades.1

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Funções neuropsicológicas relacionadas ao desempenho ... 111

A hipótese dos deficits no processamento fonológico na dis-


lexia é predominante.12,16-19 A teoria do duplo-deficit postula que al-
gumas crianças apresentariam uma combinação entre dificuldades
no processamento fonológico (consciência fonológica e memória
fonológica) e lentidão no acesso à informação fonológica (tare-
fas de nomeação seriada rápida). Porém, há autores20 que expõem
evidências de que uma teoria multicausal para as dificuldades de
leitura é mais plausível do que a teoria do duplo-deficit,21 pois, em
seu estudo, as habilidades de leitura e escrita foram preditas pelos
escores em consciência fonológica e em aritmética, com as tarefas
de nomeação rápida explicando apenas 7% da variância adicio-
nal. A dislexia pode ocorrer na ausência de deficits na velocidade
de processamento.22
Há também as hipóteses de deficits no processamento visual,
ao menos em alguns casos,23-24 e as hipóteses envolvendo o cerebe-
lo. Quanto à hipótese cerebelar da dislexia, autores como Barth e
outros25 não encontraram evidência empírica para dar suporte. No
estudo, apenas as habilidades de consciência fonológica, nomeação
rápida e vocabulário estavam fortemente associadas com o desem-
penho acadêmico.
Os supostos deficits em habilidades de aprendizagem geral
(atenção, aprendizagem associativa) e os deficits sensoriais de baixo
nível (como movimento ocular, percepção temporal) têm fraco su-
porte empírico como fatores causais das dificuldades específicas de
leitura.1 Problemas atencionais podem ainda estar em comorbidade
com os problemas de leitura.22
Os métodos de estudos para investigar aspectos cognitivos
relacionados/subjacentes ao desempenho em leitura e às dificul-
dades específicas de leitura variam substancialmente (delineamen-
tos correlacionais, de comparação de grupos, com e sem dificul-
dades, estudos de intervenção). Relações causais entre as habili-
dades hipotetizadas como subjacentes à leitura, de um lado, e as
habilidades de leitura, de outro, só podem ser inferidas de forma
confiável em estudos com delineamento experimental ou quase

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112 DISLEXIA - Novos temas, novas perspectivas

experimental.1 É comum tomarmos um deficit cognitivo e extrapo-


larmos para mecanismos cerebrais subjacentes ao deficit neuropsi-
cológico, bem como aos problemas de leitura.4 Por exemplo, em
estudos de comparação de grupos de crianças com e sem dificul-
dades de leitura, de mesma idade, as diferenças encontradas no
desempenho em variáveis neuropsicológicas podem ser consequ-
ência e não causa das dificuldades de leitura e escrita.26
Em estudos de comparação de grupos, crianças com dificul-
dades de leitura (reconhecimento de palavras) diferem dos demais
grupos (dificuldades matemática, grupo com desenvolvimento típi-
co) em quase todas as variáveis neuropsicológicas se a amostra for
grande o suficiente.4 Considerando os estudos que usam este mé-
todo, têm sido encontradas diferenças significativas entre crianças
com dificuldades de leitura (ou disléxicos) e leitores normais de
mesma idade nas habilidades de processamento fonológico,17–18, 20,
26-27
de processamento visual23, 28 e de linguagem oral.26, 7
Estudos correlacionais mostram correlação significativa en-
tre as habilidades de reconhecimento de palavras e uma série de
habilidades cognitivo-linguísticas, como consciência fonológica,
compreensão de linguagem oral, habilidades perceptomotoras,
memória não verbal;26 memória de trabalho (componentes fono-
lógico e visoespacial) e vocabulário.29 Porém, sabe-se que inferên-
cias causais não podem ser feitas e que algumas relações podem
estar mediadas por uma terceira variável. Por exemplo, no estudo
de Piccolo,29 as correlações entre os escores em reconhecimento
de palavras e memória de trabalho desapareceram quando o voca-
bulário foi controlado.
Por fim, de forma geral, conforme Fletcher, Vellutino, Sno-
wling e Scanlon,4,1 além da hipótese dos deficits em processamento
fonológico, nenhuma das outras hipóteses tiveram muito sucesso
em explicar os deficits no reconhecimento de palavras. É possível
que algumas destas teorias possam explicar outros aspectos de um
fenótipo mais amplo, como problemas em fluência de leitura e de
compreensão de leitura textual.

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Funções neuropsicológicas relacionadas ao desempenho ... 113

3. Funções Neuropsicológicas relacionadas à compreensão


de leitura textual e às dificuldades específicas em
compreensão leitora

Diferentemente do reconhecimento de palavras, a compreen-


são de leitura textual exige do leitor uma série de habilidades que
extrapolam os processos específicos do domínio da leitura, envol-
vendo a compreensão do discurso. Os modelos psicolinguísticos de
compreensão leitora descrevem o processo de integração das unida-
des menores do texto e da integração destas com o conhecimento
prévio do leitor, que resulta na construção de um modelo mental
do texto lido.30
Autores como Kintsch31-32 propõem que existem diferentes
níveis de processamento do texto. A partir da identificação dos
símbolos gráficos, os significados das palavras são combinados
em proposições, que se relacionam na chamada microestrutura
do texto. Ao identificar os tópicos globais e suas inter-relações, o
leitor vai organizando esta microestrutura em uma estrutura mais
global do texto, a macroestrutura. Juntas, microestrutura e ma-
croestrutura formam o texto-base, que corresponde ao entendi-
mento do conteúdo explícito do texto. A partir deste, e integran-
do as informações do texto ao seu conhecimento prévio, o leitor
pode elaborar o modelo da situação descrita pelo texto, isto é,
um modelo mental que garante a verdadeira compreensão, ou um
entendimento profundo do texto lido.33 Do modelo, é possível
depreender a complexidade da atividade de leitura e compreen-
são, subjacente às quais se encontram em interação de diferentes
processos cognitivos. Do reconhecimento da palavra à construção
do significado do texto como um todo (modelo mental), intervêm
processos perceptivos, linguísticos, semânticos, lógicos, inferen-
ciais. Todos esses componentes da compreensão leitora envolvem,
necessariamente, diferentes funções neuropsicológicas.
A pesquisa em compreensão leitora pode oferecer suporte
empírico aos modelos de compreensão, ao mesmo tempo em que

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114 DISLEXIA - Novos temas, novas perspectivas

ajuda a entender as diferenças individuais na capacidade de com-


preender, esclarecendo os quadros de dificuldade específica em
compreensão leitora. Apesar de existirem ainda lacunas importan-
tes e de apresentar um desenvolvimento significativamente menor
do que a pesquisa focada no reconhecimento da palavra,6, 34 a pes-
quisa em compreensão já reúne uma série de evidências empíricas
sobre os componentes da habilidade e as funções neuropsicológicas
relacionadas, como linguagem, memória e funções executivas.
O vocabulário e a gramática são componentes envolvidos
especialmente na construção do texto-base. São muitos os estudos
que atestam o efeito do vocabulário sobre a compreensão e que
evidenciam habilidades de vocabulário pobres em crianças não pro-
ficientes na leitura compreensiva.34-35 Inclusive ele pode mediar a re-
lação entre compreensão textual e memória de trabalho.29 Quanto à
gramática, seu entrelaçamento com a semântica explica a correlação
positiva encontrada entre esse componente e a compreensão leitora
em alguns estudos, embora essa correlação apareça restrita a algu-
mas séries escolares, em certas pesquisas, ou seja, ainda atribuída a
um terceiro fator, a memória de trabalho, em outras.34 A pesquisa
com leitores pouco hábeis em compreensão revela uma dificuldade
em realizar associações semânticas abstratas.36
A dificuldade específica de compreensão leitora está, portan-
to, relacionada com dificuldades mais gerais de compreensão da
linguagem.37 Por exemplo, os resultados do estudo experimental
controlado randomizado sugerem que a dificuldade em compreen-
são relaciona-se, pelo menos em parte, com deficits subjacentes de
linguagem oral.38 Estudos que comparam a compreensão leitora e
a oral/auditiva em amostras normativas apresentam níveis elevados
de sobreposição.6
A capacidade de realizar inferências para conectar ideias
dentro do texto (condição para a construção do texto-base) está
prejudicada em indivíduos com dificuldade em compreensão lei-
tora.34, 37 Quanto às inferências que conectam informações do tex-
to com o conhecimento de mundo (condição para a construção

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Funções neuropsicológicas relacionadas ao desempenho ... 115

do modelo mental), diferentes estudos evidenciaram experimen-


talmente seu efeito sobre a compreensão.35 A realização de infe-
rências está bastante apoiada nos processos de memória, já que
o leitor faz uma ligação de duas informações distantes no texto,
ativando a memória de trabalho, e também recupera informações
da memória de longo prazo.34
Há evidências de que o conhecimento prévio, por si só, apa-
rece como um componente importante da compreensão leitora,
tendo um efeito direto sobre a compreensão ou mediado pela re-
alização de inferências ou pelo uso de estratégias.35 Tanto o conhe-
cimento sobre a estrutura típica de certos gêneros de textos33 como
os conhecimentos gerais mais profundos e amplos, que facilitarão a
integração de nova informação,6 compõem o conhecimento prévio,
que envolve as memórias semântica e episódica.
Outras habilidades de natureza metacognitiva, além das
inferências que conectam as informações lidas e o conhecimen-
to prévio, estão também presentes no processamento do texto e
aparecem prejudicadas entre os leitores com fracas habilidades de
compreensão, como a capacidade de monitoramento da compre-
ensão39 e o uso de estratégias de leitura, como resumos e auto-
questionamentos (Brown, Armbruster & Baker, 1986, citados por
Meneghetti, Carreti, De Beni 40).
Viu-se que os componentes da compreensão leitora mencio-
nados relacionam-se com processos cognitivos mais gerais. Especial-
mente a memória de trabalho aparece como uma habilidade cog-
nitiva específica que dá suporte à compreensão, considerando que
tanto informação baseada no texto quanto informação provinda de
conhecimento prévio precisam ser continuamente integradas para
a construção do significado.6 Muitos estudos empíricos evidenciam
a relação entre memória de trabalho e compreensão leitora, como
mostram os trabalhos de revisão.6, 34
Uma discussão importante que vem sendo apresentada na
literatura diz respeito a saber quais são os recursos de memória de
trabalho responsáveis pela correlação, o que remete à importância

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116 DISLEXIA - Novos temas, novas perspectivas

da tarefa de memória de trabalho utilizada.41 Alguns estudos con-


cluem que o que explica essa correlação são especificamente os
recursos de memória de trabalho especializados para o processa-
mento da linguagem,42 enquanto outros situam o sistema execu-
tivo central da memória de trabalho como o fator diretamente
relacionado com a compreensão leitora, especificando a função
de atualização e/ou inibição.43–45
Em uma metanálise envolvendo 18 estudos que relacio-
navam tarefas de memória de trabalho e tarefas de compreen-
são leitora,46 procuraram justamente verificar se a contribuição
da memória de trabalho é dependente da modalidade da tarefa
(domínio verbal ou visoespacial) e/ou da presença na tarefa de
um componente de controle executivo e atencional (tarefas en-
volvendo apenas armazenamento ou tarefas envolvendo manipu-
lação além do armazenamento). Concluíram que as tarefas que
requerem processamento de informação verbal e que envolvem
controle atencional (exigindo não só a manutenção mas também
a manipulação da informação) distinguem melhor os bons e maus
compreendedores. Os resultados de Cutting e outros autores47,
que verificaram um desempenho significativamente inferior nas
funções executivas entre crianças com dificuldades específicas na
compreensão, parecem convergir com esses achados, quando se
considera a relação entre o executivo central da memória de traba-
lho e as funções executivas.

4. Relação entre desempenho em leitura e as funções


neuropsicológicas avaliadas pelo Instrumento de Avaliação
Neuropsicológica Breve Infantil – NEUPSILIN-INF

Está em processo de desenvolvimento no Brasil o Instrumento de


Avaliação Neuropsicológica Breve Infantil NEUPSILIN-INF3 para crian-
ças em idade escolar na faixa de idade que vai dos 6 aos 12 anos que
pretende atender à demanda de um instrumento completo, porém de

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Funções neuropsicológicas relacionadas ao desempenho ... 117

breve aplicação (uma sessão). O teste visa a fornecer um perfil breve de


avaliação de funções neuropsicológicas, de caráter quantitativo e qualita-
tivo, e compreende os seguintes domínios: orientação, atenção focaliza-
da, percepção visual e de emoções em faces, memória verbal e visual (ope-
racional, episódica, semântica), habilidades aritméticas, linguagem oral,
leitura e escrita, habilidades visocontrutivas e funções executivas. Estas
oito funções neuropsicológicas são avaliadas por meio de 25 subtestes.*1
O estudo de normatização, em processo de execução, contará com 840
participantes, sendo metade de São Paulo e outra metade do Rio Grande
do Sul. Também estão sendo desenvolvidos estudos para investigar as
evidências de validade e de fidedignidade do instrumento. Dentre estes
estudos, estão sendo conduzidas análises de comparação entre crianças
com dificuldades de leitura (no nível de reconhecimento de palavras e de
compreensão de leitura textual) e crianças competentes em leitura.
Em um estudo preliminar, com parte da amostra do Rio
Grande do Sul, analisamos as correlações entre o desempenho das
crianças em duas tarefas de leitura (leitura de palavras/pseudopala-
vras isoladas e resposta a questionário de compreensão de leitura
textual) e o desempenho nas tarefas do instrumento de Avaliação
Neuropsicológica Breve Infantil NEUPSILIN-INF. A Tabela 1 apre-
senta os resultados desta análise.
A primeira análise, correlacionando a tarefa de leitura de
palavras/pseudopalavras isoladas48 ao NEUPSILIN-INF, foi feita
com uma amostra de 200 crianças, de escolas públicas e privadas,
com idades entre 6 e 12 anos e escolaridade do 1º ano do Ensino
Fundamental à sexta série. Foi utilizado o escore total da tarefa de
leitura de palavras, que compreende 60 estímulos, de três categorias
(palavras regulares, irregulares e pseudopalavras), e os escores nos
subtestes do NEUPSILIN-INF.
O estudo com o questionário de compreensão de leitura tex-
tual foi realizado com uma sub-amostra de 50 crianças, com idades
entre 7 e 12 anos. A tarefa compreende a leitura silenciosa de um

* O processo de desenvolvimento deste instrumento congrega três grupos de pesquisa na área de Neu-
ropsicologia (UFRGS, PUCRS e Unifesp), com apoio e financiamento da Vetor Editora, São Paulo.

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118 DISLEXIA - Novos temas, novas perspectivas

texto narrativo, seguida da resposta a dez questões de múltipla esco-


lha, sendo que cinco delas avaliam conhecimentos explícitos no texto
(memória) e cinco envolvem inferências.49

Tabela 1: Matriz de correlação entre as tarefas de leitura de palavras


isoladas e de compreensão de leitura textual (questionário) e o desempenho
em algumas tarefas do Instrumento de Avaliação Neuropsicológica Breve
Infantil – NEUPSILIN-INF

Leitura palavras Compreensão


isoladas leitura textual
(n= 200) (n=50)
Orientação 0,48* ---
Atenção
Cancelamento de figuras --- ---
Repetição de Sequência de Dígitos 0,54* ---
Memória
Memória de Trabalho – Repetição de dígitos 0,44* ---
Memória de Trabalho – Span de pseudopalavras 0,40* ---
Memória de Trabalho – componente fonológico e
0,51* 0,31*
executivo central (escore total)
Memória de Trabalho – visoespacial (ordem
0,43* 0,31*
inversa)
Memória de Trabalho – escore total 0,55* 0,29*
Memória semântica 0,30* ---
Memória Verbal Episódica – recordação 0,35* 0,32*
Linguagem
Consciência fonológica – Rima 0,42* 0,38*
Consciência fonológica – subtração fonêmica 0,50* ---
Consciência fonológica – total 0,63* ---
Processamento de inferências 0,52* 0,32*
Linguagem oral – total 0,65* 0,34*
Habilidades Visoconstrutivas 0,48* ---
Habilidades Aritméticas 0,60* ---
Funções executivas
Fluência verbal fonológica 0,33* ---
Fluência verbal semântica 0,34** 0,35*
Tarefa go-no-go 0,44* 0,42*
Legenda: * p<0,01.
Nota: Apenas as correlações significativas foram apresentadas.

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Funções neuropsicológicas relacionadas ao desempenho ... 119

Como apresentado na Tabela 1, houve correlação positiva sig-


nificativa entre os escores na tarefa de leitura de palavras isoladas e
praticamente todas as tarefas do NEUPSILIN-INF analisadas, nos
domínios de memória, linguagem, orientação, funções executivas
habilidades visoconstrutivas e aritméticas. As correlações variaram
entre fracas e moderadas. As mais fortes correlações foram com o
escore total de linguagem (habilidades compreensivas e expressivas
nos níveis lexical e de sentença), escore total de consciência fonoló-
gica (envolve rima e subtração fonêmica) e escore total de habilida-
des aritméticas.
A estreita relação entre leitura e consciência fonológica é am-
plamente relatada na literatura.26, 50-51 Mais especificamente com
relação à memória, apesar de termos encontrado correlação entre
reconhecimento de palavras e vários subtestes de memória,52 apon-
ta que a dislexia de desenvolvimento (deficit no reconhecimento de
palavras) está mais relacionada a deficits na memória de trabalho
fonológica e não às demais tarefas de memória. Tem sido encontra-
da forte correlação entre desempenho em memória de trabalho e
leitura, especialmente utilizando-se tarefas complexas de memória
de trabalho – armazenamento e processamento de informações.53
A relação entre leitura e matemática pode estar sendo media-
da pelo processamento fonológico, pois falhas no processamento
fonológico podem influenciar o desenvolvimento matemático, con-
siderando a importância da linguagem no domínio matemático.54
Na matemática, muitas crianças com dificuldades de leitura podem
apresentar baixo desempenho quando os problemas numéricos são
apresentados na forma escrita.9
Em relação à tarefa de compreensão de leitura textual, foram
encontradas correlações significativas com as seguintes tarefas do
NEUPSILIN-INF: memória de trabalho (componentes fonológico,
executivo central e visoespacial), memória episódico-semântica ver-
bal, consciência fonológica, processamento de inferências e funções
executivas (fluência verbal semântica e tarefa go-no go). Essa primeira
aproximação dos dados, mesmo com uma amostra parcial, já expõe

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120 DISLEXIA - Novos temas, novas perspectivas

resultado que parece corroborar a literatura, que evidencia a relação


entre as diferentes funções neuropsicológicas – como a linguagem,
a memória e as funções executivas – e os diversos componentes da
compreensão leitora.
A compreensão envolve tanto o entendimento quanto a lem-
brança da informação verbal lida a partir do texto,55 de modo que
a memória aparece como uma função implicada no processo da
compreensão. Viu-se como nos diferentes níveis de processamento
da leitura o leitor não só recupera informações anteriores do texto
para a elaboração do texto base mas também evoca conhecimento
prévio, relacionando com ele o conteúdo do texto e construindo,
assim, o modelo da situação. Em nosso estudo, um escore total que
sintetiza o desempenho do participante em todas as tarefas de me-
mória avaliadas correlacionou-se significativamente com a tarefa de
compreensão leitora (r=0,39, p<0,01).
Com o escore total de memória desmembrado, verificam-
se correlações significativas com a memória episódico-semântica e
com a memória de trabalho, especialmente aquelas tarefas comple-
xas de memória de trabalho. Como se viu na revisão, a memória de
trabalho, dentre os diferentes tipos de memória, está especialmente
implicada no processo de compreensão textual, já que as sucessivas
e contínuas integrações das informações do texto entre si e com
conhecimento anterior tomam lugar aí.6, 34 Cabe destacar que as
duas tarefas em que se encontrou correlação com a compreensão
leitora – memória de trabalho – componente fonológico e executi-
vo central – e memória de trabalho – visoespacial – envolvem ma-
nipulação da informação, além do armazenamento, de modo que
nosso achado reforça o argumento da literatura que advoga para o
sistema executivo da memória de trabalho o fator responsável pela
correlação entre esta função e a compreensão leitora.46
O aspecto de controle executivo também evidenciou relação
com a tarefa de compreensão leitora por meio de duas tarefas de
funções executivas – fluência verbal semântica e tarefa go-no go, sen-
do esta a tarefa que apresentou a correlação mais alta com a com-

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Funções neuropsicológicas relacionadas ao desempenho ... 121

preensão leitora. Deve-se destacar que a tarefa envolve de modo


especial o mecanismo inibitório, justamente o aspecto que, segun-
do a literatura, parece especialmente envolvido na capacidade de
compreensão.43-44 A participação das funções executivas na habili-
dade de compreensão leitora já foi evidenciada em estudos sobre a
habilidade, seja de forma direta,47 seja por meio do exame das ha-
bilidades metacognitivas presentes na compreensão leitora (como o
monitoramento da compreensão e o uso de estratégias) consideran-
do que tais habilidades implicam claramente as funções executivas.
O escore que engloba todas as tarefas de linguagem correlacio-
nou-se significativamente com a tarefa de compreensão. Dentre as ta-
refas que compõem o escore total de linguagem, estão a de consciência
fonológica (rima) e a de processamento inferencial, ambas apresentan-
do uma correlação significativa com a tarefa de compreensão. A cons-
ciência fonológica relaciona-se diretamente com o reconhecimento da
palavra (de fato, a correlação é de moderada a alta entre a consciência
fonológica e a tarefa de reconhecimento de palavras). É por essa via que
parece se explicar sua correlação significativa com a compreensão leito-
ra, já que essa habilidade supõe, sem dúvida, a habilidade de reconheci-
mento da palavra, que caracteriza um primeiro nível de processamento
do texto. Quanto ao processamento de inferências, a correlação já era
esperada, apesar da especificidade da tarefa que envolve a interpreta-
ção de frases com sentido metafórico. As inferências são componentes
cruciais da compreensão leitora, destacadas em diferentes modelos de
compreensão31-32, 56 e tiveram seu efeito sobre a habilidade evidenciado
em inúmeros estudos empíricos.34-35, 40
A influência das habilidades linguísticas sobre os processos de
leitura depende dos subdomínios da leitura e do nível de proficiên-
cia em que o leitor se encontra. As habilidades fonológicas exercem
uma maior influência na leitura, excepcionalmente em início do
processo de desenvolvimento da leitura, enquanto as habilidades
semânticas e sintáticas têm muito mais contribuição do que as habi-
lidades fonológicas para leitores mais avançados, cujas habilidades
de compreensão leitora são mais desenvolvidas.1

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122 DISLEXIA - Novos temas, novas perspectivas

Considerações finais

O vasto corpo de pesquisas sobre variáveis cognitivas relaciona-


das ao desempenho em leitura e às dificuldades de leitura torna o ce-
nário complexo, demandando cuidado na apreciação e na aplicação
de seus resultados. Algumas considerações sobre questões metodoló-
gicas relativas a esses estudos mostram que é preciso cautela diante de
seus achados, evitando, por exemplo, inferências causais indevidas ou
conclusões baseadas em estudos isolados. A forma de seleção dos gru-
pos estudados nas pesquisas varia bastante o que, certamente, impacta
os resultados encontrados. Ao mesmo tempo, especialmente quando
se considera a pesquisa sobre compreensão leitora, é preciso levar em
conta que diferentes medidas de compreensão podem ser fracamente
correlacionadas e podem estar apoiadas por habilidades cognitivas dife-
rentes. Deste modo, o uso de diferentes medidas de compreensão pode
contribuir para variabilidade nos achados entre esses estudos.34
Quando se considera a relação entre as funções neuropsicoló-
gicas relacionadas às dificuldades específicas em leitura, é importante
considerar ainda que há variabilidade de perfis de dificuldades de
leitura (mesmo no domínio de reconhecimento de palavras), o que
implica também heterogeneidade no perfil neuropsicológico.57
De todo modo, está claro que a avaliação das funções neuro-
psicológicas deve complementar o processo de avaliação das dificul-
dades de leitura, mesmo que ela não se justifique como parte cen-
tral da identificação dessas dificuldades.4 Ainda é importante ter em
mente que o propósito da avaliação deve ser sempre o planejamento
da instrução e o desenvolvimento de estratégias de intervenção.5, 6
Por fim, embora, nesse trabalho, o interesse tenha recaído so-
bre os aspectos cognitivos relacionados às dificuldades de leitura, es-
sas últimas também estão sob a influência de variáveis psicossociais e
do ambiente. Em muitas crianças, as dificuldades de leitura estão re-
lacionadas a deficiências em termos de experiências e de instrução.1

dislexia revisao.indd 122 05/04/2011 14:08:16


Funções neuropsicológicas relacionadas ao desempenho ... 123

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Transparência ortográfica e
o efeito de retroalimentação
fonológico grafêmica: implicações
para a construção de provas de
reconhecimento de palavras

Ângela Maria Vieira Pinheiro

Introdução

O conceito de transparência de sistemas ortográficos tem


crescentemente se tornado de fundamental importância na área de
reconhecimento de palavras. O estudo translinguístico de Seymour,
Aro e Erskine1 sobre o início da aprendizagem da leitura em 13
ortografias europeias nos alerta para a importância da consideração
das características de uma escrita alfabética, já que o nível de com-
plexidades no mapeamento entre ortografia e fonologia desse tipo
de escrita pode facilitar ou dificultar a aprendizagem da leitura e da
escrita. Tem sido demonstrado que ambiguidades na direção da lei-
tura levam a um reconhecimento mais lento de palavras, enquanto
ambiguidades na direção inversa afetam a escrita.
Estudos recentes2-3 mostraram que inconsistências na escrita
(ou seja, palavras com pronúncias previsíveis, mas com escrita im-
previsíveis) podem afetar também a leitura em voz alta em inglês,

131

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132 DISLEXIA - Novos temas, novas perspectivas

levando a um reconhecimento mais lento de palavras do tipo heap,


em que o padrão fonológico /-ip/ pode ter mais de uma grafia con-
vencional (-eap em heap versus -eep em deep), em comparação com
palavras com grafias previsíveis como “duck” ou “luck”.
Esse efeito, que foi inicialmente demonstrado em uma tarefa de
decisão lexical visual* por Stone, Vanhoy e Van Orden4 e chamado por
esses autores de consistência feedback, tem sido também observado no
processamento auditivo. Por exemplo, alguns autores5-6 mostraram que
os participantes falantes do português europeu, como seus contrapartes
falantes de inglês e francês, claramente se baseiam no conhecimento so-
bre a ortografia das palavras ao desempenhar tarefas de processamento
fonológico de sílabas. Especificamente, ofereceram evidências de que
o julgamento sobre a estrutura silábica de estímulos apresentados de
forma auditiva5 ou o reconhecimento de palavras faladas6 são influen-
ciados por conexões entre a fonologia e a ortografia.
A influência do conhecimento ortográfico tem sido também
demonstrada no processamento semântico.7 Esse fenômeno, que
está ligado ao conceito de consistência, independentemente de se
refletir na leitura, no processamento auditivo ou no semântico, é
conhecido na literatura como efeito de consistência transcódigo2 e se
refere ao nível de compatibilidade ou coerência das representações
ortográficas, fonológicas e semânticas, cujos respectivos códigos são
coativados durante o reconhecimento de palavras isoladas tanto na
leitura silenciosa quanto na leitura em voz alta (o código ortográ-
fico diz respeito ao conhecimento sobre a identidade das letras e
sua posição nas palavras, o semântico refere-se ao conhecimento
do significado das palavras e o fonológico diz respeito à geração de
pronúncia das palavras).
O conceito de consistência foi introduzido por Glushko,8 que
identificou o efeito de consistência ao comparar as palavras consis-

* Diferentemente da tarefa de leitura em voz alta (ou nomeação) em que o participante é solicitado
a ler e pronunciar uma palavra (ou não palavra) apresentada na tela de um computador, na tarefa de
decisão lexical, o participante, lendo silenciosamente, deve decidir, apertando um botão (ou tecla), se
o estímulo que ele vê é uma palavra conhecida.

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Transparência ortográfica e o efeito de retroalimentação ... 133

tentes e inconsistentes (palavras regulares de acordo com as regras


de correspondência grafema-fonema, mas diferentes em níveis de
consistência). O autor mostrou que as palavras inconsistentes (por
exemplo: save – palavra cuja terminação “ave” é pronunciada de for-
ma diferente na palavra have) eram lidas mais devagar do que as
consistentes (por exemplo: task – palavra cuja terminação “ask” é
sempre pronunciada como /æsk/ em palavras tais como ask e cask)
com frequência de ocorrência semelhante.
A noção de consistência prescinde o conceito de regras. Toma
como referência o conjunto de mapeamentos possíveis para um grafe-
ma ou fonema. Dessa forma, a consistência de um grafema (ou de um
fonema) diminue à medida que o número e a frequência relativa de
suas pronúncias (ou grafias) alternativas aumentam. Dependendo do
nível de transparência da ortografia, pode ter como unidade de aná-
lise o nível da correspondência grafema-fonema ou unidades sublexi-
cais maiores, tais como: as terminações do tipo “ave” e “ask”, que são
chamadas de body/rima na literatura. Enquanto a primeira unidade
de análise parece ser a unidade relevante para as ortografias transpa-
rentes (em que, ao contrário das ortografias opacas, os mapeamentos
grafema-fonema atingem altos índices de consistência), a segunda é a
mais comum nas estimativas de consistência da língua inglesa.
A esse propósito, Protopapas e Vlahou9 quantificaram os ín-
dices de transparência ortográfica para a língua grega e compararam
os seus resultados com dados semelhantes de outras línguas. Mos-
traram que a ambiguidade das relações entre ortografia e fonologia
e vice-versa afeta as unidades sublexicais – letras, grafemas ou body/
rimas – das línguas estudadas de forma diferente e que a análise no
nível de body/rima pode ser somente justificada para línguas, tais
como: o inglês, em que unidades menores do que essa podem levar
a baixas estimativas de consistência. Em ortografias transparentes,
o mapeamento entre grafema-fonema é mais consistente, sendo que
a definição de grafema dada pelos autores é aquela em que o grafe-
ma é a representação escrita de um fonema, ou seja, uma letra (ou
grupo de letras) que correponde a um fonema.10-11

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134 DISLEXIA - Novos temas, novas perspectivas

O português do Brasil não foi ainda submetido a nenhuma


quantificação sobre o seu nível transparência como a demonstrada
por Protopapas e Vlahou9 para a ortografia grega. Entretanto, aná-
lises linguísticas criteriosas12 assim como resultados de experimen-
tos (a aqui serem discutidos) mostram que, pelo menos do ponto
de vista da leitura, a nossa ortografia, diferentemente da ortografia
portuguesa,6,13 é transparente. Sendo assim, podemos assumir que
os processos de leitura de nossa língua podem ser adequadamente
acomodados pelo Dual Route Cascaded model (DRC),11 cuja rota fo-
nológica preconiza um sistema de correspondência grafema-fonema
regido por regras para a leitura de palavras que não são reconheci-
das lexicalmente.* Isso significa que a variável regularidade, e não
avariável consistência, é relevante para esse modelo. Dessa forma,
as palavras que contêm correspondência grafema-fonema não con-
troladas por regras, as chamada palavras irregulares, quando lidas
pela rota fonológica, estão sujeitas a serem pronunciadas incorreta-
mente, e em comparação com as palavras regulares, além de serem
lidas menos precisamente, podem apresentar maior tempo de pro-
cessamento, o que caracteriza o efeito de regularidade. (Para uma
revisão de estudos na literatura brasileira que consideram a variável
regularidade, veja Lúcio e Pinheiro17 e Pinheiro e Rothe-Neves.18)
O presente trabalho tem como objetivo principal confirmar a
transparência da ortografia do português do Brasil (pelo menos na
direção da leitura), o que será demonstrado pela facilidade de aqui-
sição dos processos básicos de reconhecimento de palavras por nos-
sas crianças, por meio dos efeitos de escolaridade. Tomando como
foco o conceito de regularidade, tem também como objetivo oferecer
as primeiras evidências sobre o efeito de consistência feedback (a
partir de agora chamado de efeito de “retroalimentação fonológi-
co grafêmica”) na leitura em voz alta de palavras polissilábicas por
crianças falantes do português brasileiro. Por fim, visa ainda discu-
tir a implicação desse efeito para a construção de listas de palavras
* O processamento fonológico deste modelo tem sido seriamente criticado por não dar conta de
explicar o efeito de consistência (descrito acima), justamente por haver evidências de que a unidade
sublexical de análise da língua inglesa é no nível de consoante inicial, vogal e body/rima14-16.

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Transparência ortográfica e o efeito de retroalimentação ... 135

para a averiguação do efeito de regularidade na nossa língua. Usa


como evidência dois estudos19-20 que, por sua vez, são parte de um
estudo maior21 em que um amplo corpo de itens foi analisado para
a seleção de itens que compuseram uma tarefa de leitura em voz alta
de palavras, que está no momento sendo testada.
Esse corpo de itens é o instrumento dos dois trabalhos a se-
rem discutidos. Foi criado a partir de Pinheiro22-23 para representar
nas palavras o atributo níveis de regularidade grafema-fonema – di-
reção da leitura – e fonema-grafema – direção de escrita. É formado
por 323 itens de baixa frequência de ocorrência para crianças da 1ª
à 4ª série do Ensino Fundamental (EF) em que, além do controle
do nível de regularidade bidirecional de palavras, manipularam-se,
entre outras variáveis, o número de letras (palavras com 4 a 8 letras)
e a estrutura silábica das palavras. Os detalhes da classificação bi-
direcional de palavras são descritos em Pinheiro, Lúcio e Silva19 e
Lúcio, Pinheiro e Nascimento.20
Por meio desse banco de itens avaliamos nos dois estudos su-
pracitados o efeito de regularidade na leitura em voz alta de palavras
isoladas em crianças de Belo Horizonte, cursando as séries iniciais
do EF. (Com a mudança na estruturação do EF, as séries com as
quais trabalhamos correspondem hoje ao 2º, 3º, 4º e 5º ano, respec-
tivamente. Optamos aqui por manter a nomenclatura anterior.)

Amostra e procedimento

No primeiro estudo,19 53 crianças da 1ª à 3ª série (N = 21, 18


e 14, respectivamente, 47% do sexo feminino, com idade entre sete
anos e três meses e nove anos e seis meses) de uma escola particular
leram, em duas sessões, a supracitada lista de 323 palavras. Essa
lista foi dividida em duas sublistas (sublista 1 e sublista 2 – cada
uma com três pausas), que foram randomicamente aplicadas uma
em cada sessão, sendo que a primeira sessão iniciava-se com um
treinamento com uma lista de dez palavras.

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136 DISLEXIA - Novos temas, novas perspectivas

No segundo estudo,20 333 crianças da 1ª à 4ª série (N = 77,


81, 100 e 75, respectivamente, 52% do sexo feminino, com média
de idade = 8,77, D.P. = 2,14), oriundas de sete escolas da rede de
ensino (quatro estaduais, duas municipais e uma particular), com
nível socioeconômico variando de A2 a D,24 seguindo o mesmo pro-
cedimento do primeiro estudo, leram as mesmas listas de palavras
utilizadas nesse estudo.
Nos dois estudos (que serão de agora em diante chamados de Es-
tudo 1 e Estudo 2, respectivamente), o instrumento de leitura foi apli-
cado por meio de computadores portáteis que apresentaram as palavras
isoladas, uma de cada vez, no centro de sua tela, por meio do programa
Cogwork. Medidas de tempo de reação (TR) e de porcentagens de erros
foram coletadas. No Estudo 1, os dados foram analisados por meio
da estatística minF’ e, no Estudo 2, por meio de regressão hierárquica
(modelo de Estimação de Equação Generalizada (GEE)). Em ambas as
estatísticas, foram consideradas como resultados significativos aquelas
que apresentaram p≤0,05. (Para detalhes sobre as estatísticas minF’ e a
análise de regressão hierárquica, veja Pinheiro, Lúcio e Silva19 e Lúcio,
Pinheiro e Nascimento,20 respectivamente. Estamos reportando aqui
apenas os resultados relevantes para o presente trabalho.)
Após a coleta dos dados, as gravações da leitura das palavras
pelas crianças foram ouvidas, e os erros computados. A partir dessa
análise preliminar, executou-se a tabulação dos erros que consistiu
no levantamento do número e dos tipos de erros cometidos por
cada grupo de participantes para todos os itens do teste. A análise
dos tipos de erros não será discutida aqui. (Para detalhes da análise
qualitativa dos erros cometidos no Estudo 1 e 2, veja Pinheiro, Lú-
cio e Cunha25 e Freitas, Pinheiro e Godoy,26-28 respectivamente.)
Para a análise do tempo de reação, foi empregada a técnica
de médias restringidas em que os valores de TR que se situam dois
(ou três) desvios padrões abaixo ou acima da média de um partici-
pante (AS) ou do conjunto de itens (AI) são excluídos da análise.29
Aqui, foram excluídos todos os valores que se desviam dois desvios
padrões em relação à média.

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Transparência ortográfica e o efeito de retroalimentação ... 137

Resumo dos resultados

Estudo 1, um efeito geral de escolaridade, tanto na direção


da leitura quanto da escrita ocorreu apenas em termos de preci-
são, mas os resultados das comparações entre pares de séries (1ª e
2ª séries e entre a 2ª e a 3ª) para TR e acertos não foram significati-
vos na análise do minF’. No que se refere ao efeito de regularidade,
considerando o TR, o efeito foi encontrado apenas na direção da
escrita, no entanto, em termos de precisão, ele aparece em ambas
as direções.
No Estudo 2, a equação de estimação para o tempo de rea-
ção (Modelo GEE Linear) mostrou resultados significativos para
a série e para a classificação de regularidade das palvaras na dire-
ção da escrita. A equação equivalente para precisão (Modelo GEE
Logístico) confirmou esses resultados e, além destes, mostrou re-
sultados significativos para a classificação de regularidade de pala-
vras na direção da leitura.

Efeito de escolaridade

Tomando em primeiro lugar a curva de desenvolvimento da


habilidade de leitura, no Estudo 1, diante da ausência do efeito de
escolaridade, para propósitos da análise quantitativa, toda a amos-
tra foi tratada como um mesmo grupo. No entanto, não podemos
deixar de enfatizar que os participantes deste estudo são oriundos
de uma escola particular de ótima qualidade e de nível socioeco-
nômico alto, o que, naturalmente, se refletiu no desenvolvimento
muito superior na habilidade de leitura de seus alunos em relação
aos seus pares, mesmo aqueles de outras escolas particulares. No
Estudo 2, foi observado um forte efeito de escolaridade, mas que se
restringiu apenas às comparações entre a 1ª série e as séries subse-
quentes. As análises dos modelos linear e logístico mostraram que

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138 DISLEXIA - Novos temas, novas perspectivas

passando da primeira para a segunda série, há uma redução de qua-


se 340 mseg no TR e um aumento de chances de acerto de 53%.
Uma redução de 474 mseg no TR é observada da primeira para a
terceira série, e a chance de acerto passa para 100%, enquanto, nas
comparações com a quarta série, a redução de TR chegou aos 685
mseg e o aumento da chance de acerto é de 300%. Em síntese, no
Estudo 1, a média de TR (em mseg)/porcentagem de acertos para
a leitura das palavras testadas foi 853/93. No Estudo 2, os valores
correspondentes foram 1399/72, 1156/79, 957/86 e 885/87 da 1ª
à 4ª série, respectivamente. Os devios padrão para as médias de TR
e porcentagens de acertos são, respectivamente, 42,5/0,85 para o
Estudo 1. São 967/45, 781/45, 458/35 e 414/33 para o Estudo 2,
da 1ª à 4ª série, respectivamente.
A comparação do efeito de escolaridade nos dois estudos nos
mostra que, enquanto, no primeiro estudo, o efeito não ocorreu,
no segundo, ele se deve apenas às diferenças entre o desempenho
das crianças da 1ª série em relação às crianças das série de 2 a 4.
Assim, a despeito da amostra desse segundo estudo ser heterogênia
(das sete escolas testadas, apenas uma é particular), em compara-
ção ao Estudo 1, encontramos o mesmo padrão de resultados se
considerarmos que, no Estudo 1, as crianças são alfabetizadas na
pré-escola. Então, em termos de experiência com a leitura, a 1ª série
desta escola, de fato, corresponde à 2ª série das escolas públicas e
assim por diante, já que, nesses estabelecimentos, na época em que
o estudo foi conduzido (nos meses de outubro a dezembro de 2001
e de agosto de 2007 a março de 2008, Estudo 1 e 2, respectivamen-
te), as crianças eram alfabetizadas na 1ª série, muitas delas, sem ter
anteriormente cursado a pré-escola. Percebemos então que temos
dois grupos distintos: um composto pelas crianças no seu primeiro
ano de alfabetização e o outro pelas crianças que muito rapidamen-
te adquirem índices satisfatórios de velocidade e de precisão no re-
conhecimento de palavras, a ponto de não encontramos diferenças
significativas em seu desempenho a partir da 2ª série, apesar do
acréscimo de rapidez e de precisão na leitura entre os alunos de
uma série e a outra mais avançada.

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Transparência ortográfica e o efeito de retroalimentação ... 139

Em termos de padrão, esses resultados são um pouco dife-


rentes do padrão encontrado por Pinheiro,30* que analisou o efeito
de experiência escolar considerando as palavras de alta e de baixa
frequência de ocorrência juntas. Desta forma, descobriu que esse
efeito para a leitura de palavras ocorreu apenas para tempo de pro-
cessamento e limitou-se às três primeiras séries. Aqui temos dois
pontos a considerar. Por as palavras de alta frequência, como espe-
rado, ter gerado poucos erros, esses ao serem tratados juntamente
com os erros das palavras de baixa frequência causaram um enfra-
quecimento no efeito sob questão. O outro ponto digno de nota é
que, ao tratar os tempos de reação, Pinheiro em seu estudo original
utilizou apenas um ponto de corte para respostas extremas e não
médias restringidas, que foi o procedimento adotado nos dois estu-
dos sob consideração. Essa é uma diferença importante, porque é
justamente nas séries iniciais, em que há uma maior variabilidade
de desempenho, que os tempos de reação para as crianças de 1ª e 2ª
séries (considerando agora apenas as palavras de baixa frequência)
são mais altos no estudo original (ou seja, o de 1995) do que nos
dois outros. No entanto, nas duas últimas séries por haver uma
menor variabilidade de resultados, devido à aquisição da habilidade
de reconhecimento de palavras, encontramos uma convergência de
resultados em termos de TR para os três grupos e em termos de
porcentagens de acertos para as escolas particulares que obtiveram

* O estudo de Pinheiro30,31 foi tomado como referência porque, além de ter sido o primeiro trabalho
na área realizado com crianças brasileiras, continua sendo o único que emprega o mesmo procedi-
mento metodológico e análise estatística próxima ao nível de sofisticação das análises conduzidas nos
resultados dos dois estudos aqui discutidos. Por exemplo, neste trabalho, que descreveu o desenvolvi-
mento dos processos de leitura e de escrita de palavras e de não palavras de crianças da 1ª à 4ª série,
ao contrário de todos os outros na área empreendidos no Brasil, em sua análise estatística, considerou
como significativo apenas os resultados cujas análises de sujeito e de item foram ambas significativas.
No entanto, apresenta limitações por não ter utilizado a estatística minF’ – que após Raaijmakers32,
passou a ser uma exigência para os estudos que empregam a ANOVA – nem a técnica de médias
restringidas para o tratamento de TR, como sugerido por Perea29. Outra limitação do trabalho, que
também é uma limitação do estudo de Pinheiro, Lúcio e Silva19, foi a utilização de uma amostra de
uma única escola particular de Belo Horizonte. O estudo original testou alunos do antigo Colégio
Pitágoras na área da Pampulha e o outro, alunos do Colégio Dom Silvério, na região sul de Belo Ho-
rizonte. No entanto, apesar das limitações apontadas, como veremos, os resultados das três pesquisas
convergem, especialmente para as séries mais avançadas. Para uma revisão dos estudos brasileiros na
área, veja Lúcio e Pinheiro17.

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140 DISLEXIA - Novos temas, novas perspectivas

quase efeito de teto (a média de TR/porcentagem de acertos para a


leitura de palavras de baixa frequência para a 3ª e 4ª série do estu-
do original de Pinheiro foi 1022/91 e 886/97, respectivamente). A
amostra de Lúcio, Pinheiro e Nascimento,20 por ser em sua maioria
oriunda de escola pública, mostrou menores índices de precisão,
mas ainda assim foram bem satisfatórios.
Em conjunto, esses resultados atestam para transparência de
nossa ortografia, evidenciada pela facilidade de aquisição da leitura
por nossas crianças, mesmo por aquelas educadas em escolas públi-
cas, que, no Brasil, de modo geral, oferece um ensino de pior quali-
dade em comparação ao oferecido pelas escolas particulares.
Porém, a comparação dos dados discutidos até agora com
aqueles do estudo translinguístico supracitado1 oferece a principal
fonte de evidência para a transparência do português do Brasil. Os
autores mostram que, no final do primeiro ano de alfabetização,
enquanto crianças aprendendo a ler em ortografias transparentes
apresentaram efeito quase de teto na leitura de palavras conhecidas
e de não palavras, as falantes de inglês, francês e dinamarquês (or-
tografias opacas) e de português (ortografia de profundidade inter-
mediária) atingiram índices bem inferiores que variaram de 34% a
71% de eficiência na leitura de palavras e índices de 29% a 85% na
leitura de não palavras, com as crianças falantes de inglês apresen-
tando o pior desempenho tanto na leitura de palavras quanto na
de não palavras. Considerando que as crianças do presente estudo
leram um grande número de palavras de baixa frequência de ocor-
rência (N=323), que variaram de 4 a 8 letras e em complexidade
silábica (contra 36 palavras de alta frequência – 18 monossilábicas e
18 dissílabas –, no estudo de Seymour e colegas33), e que as crianças
de 1ª série obtiveram na leitura dessas palavras 88,12% de acertos
no Estudo 2 (como dissemos, as crianças do Estudo 1 já estavam al-
fabetizadas), podemos, com segurança, afirmar que esse alto índice
de acerto se deve à transparência de nossa ortografia, principalmen-
te lembrando que as crianças brasileiras em questão, em sua grande
maioria, eram alunos de escolas públicas, ao passo que aquelas do

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Transparência ortográfica e o efeito de retroalimentação ... 141

estudo de Seymour e colegas1 eram oriundas de escolas de bom


nível socioeconômico.
No entanto, nos dois últimos estudos do grupo de Pinheiro,
as crianças não leram não palavras, que foram utilizadas no estudo
de Seymour, Aro e Erskine33 para testar o processo de decodificação
fonológica, em contraste com as palavras de alta frequência que
testam a leitura por meio de reconhecimento lexical (ou logográfi-
co33). Contudo, aquelas do estudo original de Pinheiro30 leram 96
palavras de alta e de baixa frequência – 48 palavras em cada nível
de frequência, que variaram de quatro a sete letras, em estrutura
silábica e em categorias de regularidade (palavras regulares, regidas
por regras contextuais e irregulares, na direção da escrita) – e 96 não
palavras com o mesmo comprimento e estrutura silábica e ortográ-
fica das palavras reais.
Pois bem, as crianças da 1ª série desse estudo (N=20) obtive-
ram 97% de acertos na leitura de palavras de alta frequência e 78%
na leitura de não palavras. Enquanto na leitura de palavras obtive-
ram efeito de teto, na leitura de não palavras, situaram-se próximo
ao limite superior das crianças em processo de alfabetização em or-
tografias opacas e intermediárias. Entretanto, quando se compara
a complexidade (e quantidade) dos estímulos nos dois estudos (não
palavras simples no estudo de Seymour e colegas1 e não palavras
complexas no estudo de Pinheiro30), fica mais uma vez evidente a
transparência da ortografia do Português do Brasil.
Tendo sido oferecido evidências para a transparência da
nossa ortografia, temos agora de discutir as implicações dessa
constatação para a aprendizagem da leitura. A primeira delas diz
respeito à rapidez de aquisição dos processos básicos de leitura,
que Seymour33 chama de foundation level, ou nível de alicerce, e a
segunda, ao número de processos necessários para essa aquisição.
Seymour, Aro e Erskine1 mostram que o nível de alicerce pode
apresentar uma vantagem de desenvolvimento de até dois anos e
meio nas ortografias transparentes. Isso porque nessas ortografias
– ao contrário das ortografias opacas, em que a maestria do nível

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142 DISLEXIA - Novos temas, novas perspectivas

de alicerce demanda dois processos de aprendizagem, o logográ-


fico e o alfabético – adquire-se o básico da alfabetização apenas
por meio de um único processo que é o processo alfabético, que
corresponde à formação da rota fonológica de leitura nos modelos
de desenvolvimento da leitura.

Efeito de regularidade e efeito de retroalimentação


fonológico grafêmica

O efeito de regularidade ocorreu na direção esperada e indepen-


dentemente da análise estatística efetuada – minF’ (Estudo 1) e regres-
são hierárquica (Estudo 2). Considerando a classificação de palavras na
direção da leitura, um efeito de regularidade geral ocorreu apenas nos
erros. Considerando a direção da escrita, o efeito apareceu tanto no TR
quanto nos níveis de precisão da leitura dos participantes.
Em síntese, o efeito variou de acordo com a direção da clas-
sificação de regularidade empregada: foi mais forte na direção da
escrita, já que ocorreu tanto em tempo de processamento quanto
em níveis de precisão. Tais resultados sugerem que, em português,
o nível de regularidade da escrita das palavras interfere na leitura e
que somente uma classificação de regularidade que leva em conta
essa direção causa variações no TR.
Estamos, pois, diante do efeito de retroalimentação fonoló-
gico grafêmica, que está relacionado ao conceito de consistência
transcódigo. Esse conceito diz respeito à probabilidade relativa de
mapeamento de um dado nível de representação (ou de um tipo
de código) para outro nível de representação que surge em função
de inconsistências na língua, que podem ocorrer tanto no nível de
pronúncia – quando um mesmo padrão ortográfico (por exemplo:
-eard) é pronunciado diferentemente em diferentes palavras (beard
versus heard) – quanto no nível da escrita – quando um mesmo pa-
drão fonológico (por exemplo: /-ip/) pode ter mais de uma grafia
convencional (heap versus deep).

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Transparência ortográfica e o efeito de retroalimentação ... 143

A explicação para o fenômeno de interferência transcódigo


tem sido acomodada pelos modelos de reconhecimento de palavras
que implementam um fluxo de informação bidirecional, tais como:
o modelo de ativação interativa34 e o de ressonância.35 O efeito surge
quando a representação em um certo nível é compatível com mais
de uma representação em outro nível. Tais mapeamentos múltiplos
acarretam um custo de processamento devido à competição entre
representações simultaneamente ativadas em um dado nível. (Para
uma descrição rápida sobre modelo McClelland e Rumelhart,34 veja
Pinheiro31 (p. 35 e 40) e para uma revisão dos modelos de ressonân-
cia, veja Kloos e Orden.36)
Em nosso idioma, as inconsistências apresentam naturezas e
número de ocorrências diferentes daquelas encontradas na língua
inglesa. O que é válido para os sistemas de escrita opacos tem mui-
to menor peso no português, que, como vimos, é um sistema de
escrita transparente. Nesse sistema, enquanto, do ponto de vista da
leitura, temos apenas dois tipos de inconsistências (o grafema <x>
entre vogais, que, nesse contexto, pode se realizar como [ʃ, z, s ou
ks] e os vocálicos <o> e <e> em posição paroxítona cuja pronúncia,
aberta ou fechada, é determinada lexicalmente),* do ponto de vista
da escrita, encontramos palavras com pronúncias previsíveis, mas
com escritas imprevisíveis. Um caso extremo de inconsistência na
direção da escrita em nossa língua pode ser exemplificado com as
palavras sina, cigana, caçada, feliz e passa, cujos grafemas, em negri-
to, têm a mesma representação fonológica, que é /s/. São palavras
regulares para a leitura, mas irregulares para a escrita. No entanto,
ao serem lidas, embora apenas o som de /s/ seja ativado para cada
um dos grafemas assinalados – <s>, <c> <ç> <z> e <ss>, respectiva-
mente –, pode surgir uma competição porque essa representação fo-
nológica é compatível com mais de uma representação ortográfica.

* A queda do trema e do acento agudo nos grafemas éi e ói mediais, introduzida nessa reforma
ortográfica gerou casos de ambiguidades (comunicação pessoal: Leonor Scliar-Cabral). No entanto,
essas ambiguidades não são relevantes no contexto do presente trabalho, já que, no corpo de itens
estudado, não há palavras com tais ambiguidades.

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144 DISLEXIA - Novos temas, novas perspectivas

Diante da irregularidade da nossa ortografia na direção da


escrita, não é, então, surpreendente que tenhamos encontrado na
leitura de nossas crianças o efeito de retroalimentação fonológico-
grafêmica cuja dinâmica parece ser a seguinte: a leitura de palavras
com inconsistência na dire causa uma retroalimentação do fluxo de
informação da ortografia para a fonologia, seguida de retroalimen-
tação da fonologia para a ortografia, que resulta em competição, e
custo observável em processamento.
Segundo Perfetti e Hart,37 esse processo tem maior influên-
cia nos estágios iniciais da aprendizagem da ortografia, em que o
processo de decodificação fonológica desempenha um papel fun-
damental na formação das representações ortográficas das palavras.
No entanto, pode ocorrer também na leitura de adultos, uma vez
que mesmo o léxico de um leitor hábil contém representações orto-
gráficas de palavras que variam em grau de especificação, sendo que
o reconhecimento de muitas delas é feito por meio de computação
sublexical. É por essa razão que o efeito de retroalimentação fonoló-
gico-grafêmica tem sido restrito ao reconhecimento de palavras de
baixa frequência de ocorrência.
Enfim, sabemos agora que, no processo de reconhecimen-
to visual de palavras no português do Brasil, semelhantemente
ao que ocorre em outras ortografias, a representação ortográfica
das palavras é ativada a ponto de produzir alterações tanto no
tempo de processamento quanto no número de erros na leitura
de nossas crianças.
Atendo-nos agora ao último objetivo a que nos propomos
neste trabalho, a implicação dos resultados apresentados é clara,
isto é, para fins da construção de provas para a averiguação do efeito
de regularidade na leitura, o controle da regularidade na direção da
escrita parece suficiente, uma vez que esse efeito é evidente tanto
no TR quanto nos erros. Para a pesquisa, essa é uma constatação
importante, uma vez que permite a construção de listas de palavras
apenas controlando-se a regularidade fonema-grafema, reduzindo,
assim, o número de variáveis a serem controladas. A vantagem de

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Transparência ortográfica e o efeito de retroalimentação ... 145

uma lista desse tipo é que ela se prestará também para testar o efeito
de regularidade na escrita (por meio de ditado). Além disso, a ob-
tenção do efeito de regularidade tanto em TR quanto na precisão
possibilita um diagnóstico dos processos de leitura mais sofisticado
e preciso, por meio de um único instrumento.
No entanto, devido à facilidade de aquisição da habilidade
de reconhecimento de palavras por nossas crianças, inclusive por
aquelas educadas em escolas públicas, corremos o risco de obter
efeito de teto em uma prova de leitura de palavras, que é ainda uma
tarefa fácil. Uma forma de aumentar a dificuldade dos itens de tal
prova seria, após o emprego de todos os controles psicométricos
(índice de discriminação e de dificuldade dos itens) e psicolinguís-
ticos (frequência de ocorrência, estrutura silábica e fonema inicial),
introduzir itens que tenham a mesma classificação de regularidade
tanto na direção da leitura quanto da escrita. Nesse caso, as palavras
seriam regulares ou irregulares nas direções da leitura e da escrita, o
que, ao passo que facilitaria a leitura das palavras regulares, poderia
tornar a leitura das palavras irregulares, além de mais lenta, mais
propensa a erros em comparação com as palavras classificadas com
base apenas na direção da escrita, permintindo-nos, assim, averi-
guar, com segurança, a ocorrência do efeito de regularidade, que é
difícil de ser avaliado em uma ortografia transparente.38-18
Foi justamente esse procedimento que Pinheiro39 utilizou
na construção de sua nova prova de leitura, que foi aplicada em
uma amostra de crianças em Belo Horizonte cujos resultados estão
no momento sendo analisados. Esperamos com essa prova, que é
chamada “Prova Computadorizada de Reconhecimento de Palavras
para Crianças”, oferecer à comunidade acadêmica e aos profissio-
nais da área um instrumento eficaz para a avaliação da habilidade
de reconhecimento de palavras por nossas crianças.
Concluindo, o uso de listas de palavras com uma classifi-
cação de regularidade bidirecional, da maneira introduzida por
Pinheiro,21 nos permitiu não somente identificar o fenômeno de
retroalimentação em uma ortografia transparente, na leitura de

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146 DISLEXIA - Novos temas, novas perspectivas

palavras polissílabas por crianças (todos os estudos na área têm


utilizado como estímulo palavras monossilábicas e conduzidos
com adultos), mas também e principalmente elucidar questões de
ordem prática que dizem respeito à forma adequada de se cons-
truirem listas de palavras para averiguação do efeito de regularida-
de no Português do Brasil.

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Transparência ortográfica e o efeito de retroalimentação ... 147

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Avaliação on-line para dislexia

Ian Smythe

Resumo

Os argumentos sobre avaliações on-line são divididos em dois


campos: de um lado, você tem aqueles que defendem que uma má-
quina não pode identificar tudo o que um avaliador humano pode
descobrir, bem como questionar a validade dos procedimentos e dos
testes, enquanto, do outro lado, aqueles que estão frustrados quanto
ao acesso, aos custos e aos atrasos na avaliação manual. Além disso,
a rejeição das alternativas de avaliação são frequentemente realizadas
sem questionar os sistemas existentes que visam substituir.
O objetivo desse capítulo é analisar as principais áreas de
acesso à avaliação, aos testes e aos relatórios a fim de proporcionar
um caminho que irá ajudar a garantir que as necessidades de cada
criança sejam reconhecidas e que o suporte adequado seja ofereci-
do. Proveniente do contexto de um exemplo específico, sobre as
necessidades e a implementação na cidade de Dublin, a ferramenta

153

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154 DISLEXIA - Novos temas, novas perspectivas

resultante apresenta uma maneira não só de oferecer os serviços


por meio da Internet mas também de melhorar os atuais sistemas
realizados em papel.

Conhecimentos prévios

Percebe-se que a maioria dos pesquisadores e dos profissionais


aceita a definição de dislexia que segue o padrão, a princípio, de “po-
der ser considerada uma dificuldade de aquisição de fluência e exatidão na
leitura e escrita”.1 Todavia, continuam a aumentar a consciência e a
compreensão de que há uma lacuna crescente entre a necessidade
e o fornecimento de serviços adequados e especializados. Pesquisas
atuais sugerem que 10% dos escolares são disléxicos, nos quais me-
tade são severamente disléxicos. Isso significa que, em cada classe
de 40 crianças, haverá uma ou duas que precisam de ajuda especia-
lizada, e duas ou mais que precisarão de algum nível de ajuda.
Além disso, o desenvolvimento de sistemas que pretendem
ajudar os indivíduos disléxicos no Brasil não tem sido sistemático
e sim seguindo um caminho sem direção por onde os serviços que
visam fornecer o atendimento adequado aos disléxicos são influen-
ciados por diversos fatores, como a geografia, profissionais dedi-
cados isolados que podem não ser devidamente treinados e que
buscam fazer o melhor com recursos inapropriados.
A proposta específica da avaliação variará de acordo com as
circunstâncias. No entanto, o ponto central deverá ser a identifica-
ção de pontos fortes, fracos e dificuldades de cada indivíduo, suas
necessidades e o fornecimento de suporte adequado. O Estatuto de
Salamanca2 sugeriu que “toda criança possui características, interesses,
habilidades e necessidades de aprendizado únicas” e “os sistemas de educa-
ção deveriam ser projetados e programas educacionais implementados para
levar em conta a grande diversidade dessas características e necessidades”.
Se isso acontecesse na prática, então todas as avaliações precisariam
de análise das necessidades de cada indivíduo, e a avaliação como
um rótulo não seria necessária.

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Avaliação on-line para dislexia 155

Contudo, a avaliação como forma de rotular os indivíduos


são exigidas pelos atuais regimes de financiamentos para que pos-
sam liberar recursos para as escolas. Além disso, pais, professores e
disléxicos frequentemente procuram um diagnóstico (como forma
de um rótulo), por razões emocionais, mesmo sabendo que uma
análise detalhada continuará sendo necessária.
Um dos papéis da sessão de Serviços Psicológicos do Comitê
Educacional e Vocacional (CDVEC) da cidade de Dublin é ajudar
a identificação dessas crianças com dificuldades de aprendizagem
específicas e oferecer orientações e apoio, bem como oferecer su-
porte para a intervenção. A crescente demanda de sujeitos em um
serviço limitado leva à investigação de alternativas viáveis, incluin-
do envio de avaliação informatizada. Este serviço identificou cinco
áreas-chave que são importantes para eles:

1) O sistema poderia ser usado por professores destreinados.


2) As provas seriam normatizadas na população local.
3) Os relatórios entregues incluíram os resultados das provas
e das intervenções sugeridas.
4) A entrega dos relatórios seria feita pela Internet, para ofe-
recer um gerenciamento central de dados.
5) Oferecimento de uma solução de baixo custo.

Seguindo experiências extensivas, o sistema se tornou inte-


gral para os serviços educacionais. A implementação do sistema foi
facilitada por trabalhar com um serviço com visão de necessidades
futuras e diretamente com os serviços psicológicos, adaptando-o às
necessidades específicas dos indivíduos e agindo em promoção de
sua ação. Esse “fator humano”, ou seja, esse envolvimento com
o grupo que o novo sistema está projetado auxilia uma área que é
frequentemente ignorada.

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156 DISLEXIA - Novos temas, novas perspectivas

Quadro 1: Comparação de avaliação não informatizada


versus informatizada

Disponibilidade de avaliador qualificado

Para ser um doutor em Medicina, é necessário passar por


uma série de exames que confirmem um alto padrão e formação
médica; é necessário um desenvolvimento profissional contínuo e
é importante fazer parte de um conselho com um corpo profissio-
nal qualificado, que assegure condutas corretas e serviços de qua-
lidade. Entretanto, tal critério que ajuda a definir uma profissão
não tem sido adotado no campo da dislexia, particularmente no
Brasil. Consequentemente os serviços oferecidos são, no melhor
dos casos, variáveis.

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Avaliação on-line para dislexia 157

Em muitos países, há três profissões que discutem sobre quem


deveria ser o responsável pela identificação e pelo suporte da crian-
ça disléxica. As profissões são:

- Profissões médicas
- Fonoaudiólogos
- Psicólogos

Contudo, a qualificação desses profissionais raramente for-


nece o treinamento necessário para garantir a qualidade e o serviço
apropriado. A falta de alternativas para pais e professores significa
que profissionais bem-intencionados frequentemente fazem o me-
lhor que podem, confiando em sua própria interpretação do que é
dislexia, quais são os testes necessários e quais intervenções devem
seguir. Todavia, seu conhecimento do processo avaliativo, da inter-
pretação de resultados e das questões sobre o sistema de ensino
apropriado é geralmente uma pergunta em aberto.
Em uma análise das abordagens de qualificações, foram iden-
tificados os processos para o desenvolvimento tanto do sistema de
acreditação nacional e internacional que incentivará um serviço de
melhor qualidade, com consistência.3 Embora distante de unifica-
do, o Reino Unido tem uma série de serviços de acreditação que
tem, discutivelmente, desenvolvido uma base para esse fim para
professores e avaliadores do ensino superior, que levaram a uma
melhoria dos padrões de avaliação e intervenção.
Por exemplo, o avanço para padronização e melhoria dos
serviços vem diretamente da relutância dos governantes em acei-
tar relatórios que resultariam em investimentos, em que a pessoa
que o fez não era qualificada, e a qualidade do relato era duvidosa.
O resultado da qualificação de profissionais realizando avaliações
no ensino superior e suas demandas de acompanhamento para o
desenvolvimento profissional contínuo têm ajudado a assegurar a
Qualidade, a Consistência e a Confiança no sistema.

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158 DISLEXIA - Novos temas, novas perspectivas

A qualidade refere-se à análise efetuada, à interpretação


dos resultados e às recomendações realizadas. Isso pode somente
seguir de um critério bem especificado, incluindo áreas a serem
testadas, provas a serem feitas, frequência nas avaliações e a quali-
dade do relatório.
Consistência é assegurar que a qualidade será mantida todas
às vezes e que os padrões mínimos sejam alcançados pelo indivíduo
com aquela qualificação. Todavia, consistência também se refere a
ser respeitável ao público-alvo. Muitos relatórios são escritos de uma
maneira que é acessível somente para um nível muito alto de quali-
ficação profissional, e não para o usuário final que é geralmente o
professor ou os pais de uma criança disléxica.
Agências financiadoras assim como professores e pais preci-
sam confiar no sistema para saber que o resultado é apropriado
e não serão questionados, isto é, há uma confiança que o que a
avaliação fornece é um verdadeiro reflexo das habilidades, pontos
fortes e fracos do indivíduo e que ninguém mais poderia ter con-
clusões divergentes.
Avaliações informatizadas têm o potencial, se realizadas de
maneira correta, de garantir os maiores níveis de qualidade, consis-
tência e confiança quando todos aqueles com interesse nos resulta-
dos estão envolvidos.
Mesmo que o CDVEC sirva somente para uma única cidade
com população em torno de um milhão de pessoas em uma área de
921 quilômetros quadrados (pequeno comparado com a população
brasileira de 191 milhões de pessoas e uma área de 8,5 milhões
de quilômetros quadrados), os recursos estão esticados tais que o
serviço está se esforçando para encontrar financiamento para os
especialistas em número suficiente, avaliadores com qualificações
apropriadas, e encontrar tempo para atender às crescentes deman-
das dos funcionários da escola, dos alunos e dos pais.
A implementação de um serviço baseado na Internet em
todas as escolas ajudou a resolver muitos dos problemas e poten-

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Avaliação on-line para dislexia 159

cializou o gerenciamento centralizado de dados. Esse gerencia-


mento de dados permite a identificação de escolas, onde uma
ajuda adicional pode ser necessária, e reconher precocemente
aquelas crianças cujos resultados sugerem que uma investigação
individual detalhada possa ser necessária. Associar psicólogos e
professores no desenvolvimento do processo assegura uma abor-
dagem centrada em sala de aula.
O desenvolvimento de qualificações apropriadas encorajará
um melhor desenvolvimento de serviços locais, reduzindo as barrei-
ras de distância e custos. São essas barreiras que a avaliação informa-
tizada on-line procura superar.

Teste para realizar

Antes de decidir o que deve ser incluído em uma bateria


de avaliações, é necessário decidir qual é o propósito da mes-
ma. Há duas possibilidades: avaliação para um rótulo e avalia-
ção das necessidades.
A avaliação para um rótulo refere-se à confirmação da dislexia
de um indivíduo. Embora muito seja falado sobre a dificuldade de
fazê-lo, em teoria, é fácil de alcançar. Tudo que é necessário para
confirmar uma avaliação categórica é identificar aqueles fatores que
são fornecidos na definição, isto é, a definição fornece o critério
(e garantir que a definição seja adequada) e, se a pessoa possui as
características do rótulo, lhe será dado.
Dislexia, de forma ampla, é considerada uma dificuldade na
aquisição de exatidão e/ou fluência na leitura de palavras, soletra-
ção e escrita de origem neurológica.1
Partindo de uma perspectiva técnica, para avaliar dislexia,
você precisará somente provar o que está na definição, isto é, se
a definição diz que aquilo é devido à dificuldade na aquisição de
leitura e escrita, isto é tudo o que precisa ser provado. Enquanto os

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160 DISLEXIA - Novos temas, novas perspectivas

níveis de habilidades são fáceis de medir, é complicado provar a di-


ficuldade na aquisição, particularmente quando o tempo é curto.
Entretanto, mesmo se alguém for capaz de fornecer esse ró-
tulo, ele por si só não será o suficiente para sugerir o que precisa
ser ensinado. Devido a isso, a análise dos pontos fortes, fracos e
necessidades continuarão a ser pedidos.
Enquanto seria inapropriado especificar aqui o que as provas
deveriam (ou não deveriam) incluir, já que dependerá do contexto e
das necessidades, os requisitos mínimos seriam aquelas provas que
quantificam os sintomas especificados na definição (habilidades de
leitura e escrita), além de todos os testes que ajudariam a informar
o plano individual de educação, que deveria incluir aquelas áreas
conhecida por ajudar no desenvolvimento de habilidades literárias
(como, por exemplo, a análise fonológica).
Os testes não devem somente aparecer para oferecer apoio
mas também deve ficar clara a evidência de que os mesmos ofere-
cem uma medida válida do que eles próprios medem. A validade
é um assunto controverso particularmente no campo da alfabeti-
zação. Por exemplo, uma criança pode ter dois desvios padrões
abaixo da norma em um teste de leitura, mas somente um desvio
padrão abaixo da norma em um teste que meça a mesma habili-
dade. Como isso é possível? Uma forma de diretrizes foi desenvol-
vida pela Sociedade Britânica de Psicologia (BPS)4 que diz “onde
o CBA (avaliação informatizada) é uma versão informatizada da ava-
liação anteriormente administrada por lápis e caneta ou instrumentos,
significa que (os receptores) deveriam fornecer clara documentação da
equivalência entre o CBA e as versões não informatizadas de avaliações”.
Entretanto, não é claro o que constitui um teste equivalente, e
consequentemente sempre terá uma dúvida sob sua validade. Iro-
nicamente, enquanto alguns questionam a validade de um teste
informatizado confrontando-o com um teste no papel, raramente
eles buscam confirmar a validade deste último. Colocado de outra
maneira, testes de raciocínio visual são frequentemente validados
novamente, como as Matrizes Progressivas Coloridas de Raven.

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Avaliação on-line para dislexia 161

Mas porque é necessário validar novamente as Matrizes Progressi-


vas Coloridas de Raven?
Na maioria dos casos, há a necessidade de o serviço de avalia-
ção corresponder às necessidades do financiador. No caso de Dublin,
a avaliação e o apoio foram fornecidos pela mesma autoridade, fazen-
do com que a implementação fosse consideravelmente mais fácil.
Um ponto importante é que somente os testes que informam
seu processo de avaliação devem ser usados. Pode não ser sempre
possível converter o resultado em uma estratégia de ensino, mas al-
guns mecanismos de ajuda sim. Por exemplo, se a memória auditiva
de curta duração é apresentada como pobre, não se espera ser capaz
de mudar esse fato. Mas isso nos ajuda a entender os problemas,
e podemos tentar encontrar estratégias para superar algumas difi-
culdades. Alguns testes podem ser incluídos para ajudar a mostrar
áreas de força onde a intervenção pode ser elaborada. Isto é bom,
desde que não se trate somente de outro teste que pode falhar.
Independentemente de ser a avaliação em papel ou infor-
matizada on-line, os testes a serem incluídos devem ser decididos em
conjunto com os financiadores e os colaboradores do sistema de ava-
liação, em colaboração com professores, pais e pessoas disléxicas. Em
Dublin, o protocolo foi projetado conjuntamente e, embora tivesse
potencial para ter jogos, animação, testes adaptados, as decisões fo-
ram feitas até serem totalmente aceitas, ou seja, de que todo teste
deve tentar, quando possível, confirmar o teste tradicional.

Relatório

As três principais questões em torno do relatório seriam


tempo, consistência e acessibilidade. Infelizmente, o componente
comercial da dislexia não permite que se utilize métodos encon-
trados em mercados tradicionais, como qualidade, gestão fiscal e
“proposta única de venda” (Unique Selling Proposition – USP). Isso é
consequência tanto da falta de habilidade e experiência no campo

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162 DISLEXIA - Novos temas, novas perspectivas

de gestão comercial quanto da frequente relação de “confiança” ina-


propriada entre o prestador de serviços e o cliente. Por exemplo, o
cliente geralmente paga a hora da avaliação, com a promessa de que
o relatório “estará disponível em breve”. O relatório, quando chega,
está incompleto e inacessível ao cliente, que geralmente são os pais.
Mas, desde que eles já tenham pagado, eles não têm nenhum meio
de garantir que tenha valido a pena. Como mencionado anterior-
mente, a falta de processos de licenciamento mostra que há pouca
possibilidade de conferir se a pessoa que escolheu é competente
para o emprego antes que ocorra a contratação dos seus serviços.
Entretanto, o nosso conhecimento atual de alfabetização e a
extensão de nossas ações sobre como podemos incrementar o pro-
cesso de aprendizagem são limitados. Assim a abordagem direta do
sistema atual de análises e recomendações (exemplo: se o resultado
de X for Y, então ensine Z) está aparentemente expressada por estu-
do5 que afirma que, “quando você pode medir o que está falando,
e expressar isso em números, você sabe alguma coisa sobre isso”.
No entanto, há duas coisas a considerar: a) na análise de dados, a
qualidade de saída pode ser somente tão boa quanto à de entrada.
A validade do teste já foi questionada; e b) a medida em que aná-
lises multivariadas podem produzir mais resultados informativos,
isto é, um bom praticante não somente pegará cada teste por vez e
produzirá recomendações de ensino respeitando cada componente
investigado mas também fornecerá uma visão global que combine
com os resultados de todos os testes e, assim, fornecerá mais pro-
fundidade nas análises.
Além do mais, o avaliador humano tem o potencial de usar
o teste adaptado e as respostas em aberto para extrair melhor as
informações. Por exemplo, o avaliador pode verificar se a criança
está se esforçando para se manter afastada, perguntar por que e
levar em conta a concordância. Isso é bem além das (atuais) capa-
cidades do computador.
Relatórios informatizados são perfeitos nessa habilidade de
tirar informações bases e fornecer uma análise imediata da mesma.

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Avaliação on-line para dislexia 163

Na maioria dos casos, essa correspondência um por um entre o tes-


te e o ensino recomendado bastará para ajudar a maioria das crian-
ças. Todavia, há instâncias em que há questões inexplicáveis, ou a
criança não responde como esperado. É nessa hora que o avaliador
humano qualificado será capaz de oferecer mais.
Com a análise um por um, altamente adaptada a uma inter-
pretação informatizada, não há razão para que os resultados e as
intervenções sugeridas não sejam providenciados imediatamente.
No entanto, o profissional ocupado geralmente levará mais de uma
semana para providenciar até mesmo a verificação preliminar. Isso
não é bom o suficiente para a cultura de “agora” que a Internet tem
ajudado a promover.6,7 Computadores podem fornecer respostas
imediatas e, assim, reduzir atrasos no início da intervenção.

Conclusões

Para concluir, é importante sempre lembrar os objetivos da


avaliação – fornecer informação baseada em evidências para desen-
volvimento e implementação de uma estratégia de ensino apropria-
da. Há muitas abordagens que poderiam ser consideradas “adequa-
das”, mas nem todas são responsáveis ou sustentam a opinião públi-
ca. Independentemente de se tratar de dinheiro público (oriundos
dos impostos) ou o dinheiro dos pais que será investido no suporte
dessas crianças em sala de aula, é certo que aqueles que tomam as
decisões façam a prestação de contas. Além do mais, é justo e razoá-
vel que as autoridades escolherão um sistema que não somente seja
válido mas também que forneça valor ao dinheiro, para cumprir as
promessas educacionais e para capacitar as crianças por meio de um
entendimento de suas necessidades especiais e habilidades de apren-
dizagem. Sem a base em evidências e sem a prestação de contas, os
brasileiros continuarão a apresentar problemas de aprendizagem,
acarretando uma mão de obra cuja alfabetização não é desenvolvida
o suficiente para competir no atual mercado de trabalho.

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164 DISLEXIA - Novos temas, novas perspectivas

O sucesso em Dublin tem demonstrado o potencial de pre-


encher aquela abertura entre a identificação das necessidades e o
fornecimento de suporte apropriado. Essas ferramentas são geral-
mente fornecidas como identificação de alguma coisa que precisa
ser feita. Elas não são projetadas para substituir o especialista, mas
sim ajudar o especialista a sustentar o serviço que se esforça com
o investimento limitado, especialistas insuficientes e problemas de
acesso devido às distâncias geográficas.
Se os resultados corresponderem às necessidades do usuário,
por exemplo, quando um professor de sala de aula necessita tomar
uma decisão correta do que fazer, então os mesmos irão adotar a
tecnologia como suporte. Não se trata de um caso com uma solução
boa para todos, mas somente que, com a exploração da tecnologia,
pode ocorrer o fornecimento de que há uma chance de preencher
as necessidades do indivíduo disléxico.

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Avaliação on-line para dislexia 165

Referências

1. Smythe I. Dyslexia in the Digital Age. London: Continuum


Books; 2010.

2. CONFERÊNCIA MUNDIAL SOBRE NECESSIDADES EM


EDUCAÇÃO ESPECIAL. A Declaração de Salamanca sobre princípios.
Política e Prática em Educação Especial. 1994.

3. Stewart and Smythe em preparação.

4. BPS: The British Psychological Society. Guidelines for the De-


velopment and use of Computer-Based Assessments. [cited 2011 feb 6].
Available from: http://www.psychtesting.org.uk/downloadfile.cfm?file_
uuid=64877B7B-CF1C-D577-971D-425278FA08CC&ext=pdf;1999.

5. Kelvin L (1883) [PLA, vol. 1, “Electrical Units of Measurement”,


1883-05-03]

6. Gleick J. Faster: The Acceleration of Just About Everything. New


York: Pantheon; 1999.

7. Attwood R. Internet is fostering a ‘want it now’ culture among


students. 2009 may [cited 2011 feb 6]. Available from: www.timeshighere-
ducation.co.uk/ story.asp?storycode=406429.

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EFICÁCIA DO PROGRAMA DE TREINAMENTO
FONOLÓGICO, CORRESPONDÊNCIA
FONEMA-GRAFEMA E TREINAMENTO
FONOLÓGICO ASSOCIADO À
CORRESPONDÊNCIA GRAFEMA-FONEMA EM
ESCOLARES DE RISCO PARA DISLEXIA

Simone Aparecida Capellini, Maíra Anelli Martins, Cíntia Cristina Fadini, Daniele
de Campos Refundini e Maryse Tomoko Matsuzawa Fukuda
Estudo realizado no Laboratório de Investigação dos Desvios da Aprendizagem do
Departamento de Fonoaudiologia da Faculdade de Filosofia e Ciências da Universidade
Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” – FFC/UNESP – Marília – SP
Financiamento: Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq.

Introdução

A dislexia é caracterizada como um distúrbio específico de


aprendizagem de origem neurológica, em que o escolar encontra
dificuldade com a fluência correta na leitura e na habilidade de de-
codificação e soletração, resultante de um deficit em componentes
da linguagem.1
Estudos têm demonstrado que escolares em situação de risco
para a dislexia apresentam falha de processamentos auditivo e visu-
al e que, em decorrência dessas falhas, o acionamento de mecanis-
mos cognitivos para analisar, sintetizar, manipular, estocar e evocar
informações linguísticas encontra-se alterado, prejudicando, assim,
a aprendizagem do princípio alfabético de sistemas de escrita.2-5.

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168 DISLEXIA - Novos temas, novas perspectivas

Com a finalidade de iniciar cada vez mais precocemente a


identificação da dislexia, estudos apontam para a necessidade de
se realizar intervenção precoce nos escolares em fase inicial de al-
fabetização para que os fatores preditivos para o bom desempenho
em leitura, tais como: conhecimento do alfabeto, nomeação auto-
mática rápida, repetição de não palavras e habilidades de consci-
ência fonológica, sejam trabalhados nos escolares que apresentam
desempenho abaixo do esperado em relação ao seu grupo-classe,
escolares estes denominados na literatura internacional como de
risco para a dislexia.6-10.
Os primeiros programas de intervenção com escolares de ris-
co para a dislexia descritos na literatura datam da década de 80.11-13
Pesquisadores14-18 desenvolveram programas de remediação para o
tratamento das dificuldades de leitura por meio do treinamento da
consciência fonológica e do ensino explícito das regras de corres-
pondência grafofonêmicas.19-22
Segundo estes estudos acima descritos, a intervenção preco-
ce pode fornecer evidências para verificar se, após a realização de
programas específicos com as habilidades cognitivo-linguísticas al-
teradas, os escolares apresentam melhora na aprendizagem da leitu-
ra ou se permanecem com as defasagens nessas habilidades, o que
significa que os escolares realmente apresentam uma desordem de
origem genético-neurológica que compromete a aquisição e o de-
senvolvimento de habilidades perceptivas e linguísticas e que, por
isso, deveriam ser submetidos a avaliações interdisciplinares para a
investigação do quadro de dislexia.23-26
Autores mostraram que escolares de risco para a dislexia
quando submetidos a programas de intervenção apresentam me-
lhoras significativas em habilidades cognitivo-linguísticas, como a
habilidade de percepção dos sons, a identificação de letra, de síla-
bas e de palavras e as medidas mais avançadas das habilidades de
alfabetização, como, por exemplo, fluência na leitura, vocabulário e
compreensão de leitura, diminuindo o fracasso escolar e o número
de escolares considerados maus leitores e de risco.27-29

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EFICÁCIA DO PROGRAMA DE TREINAMENTO FONOLÓGICO, CORRESPONDÊNCIA ... 169

A importância para a prática clínica e educacional destes estu-


dos encontra-se na ênfase na falta de resposta à intervenção precoce
com os sinais da dislexia, que pode ser considerada um critério para
o diagnóstico da dislexia do desenvolvimento.26,30-31
No Brasil, ainda, são escassas as pesquisas com enfoque na
identificação precoce da dislexia e, consequentemente, na interven-
ção precoce com estes escolares.27 Na literatura nacional,32-37 os estu-
dos enfocam o desenvolvimento de programas com base fonológica
e leitura com escolares já diagnosticados com dislexia ou distúrbio
de aprendizagem.
Em decorrência do exposto, este capítulo tem por objeti-
vos verificar a eficácia do programa de treinamento fonológico,
treinamento da correspondência fonema-grafema e treinamento
fonológico associado à correspondência fonema-grafema em esco-
lares de risco para a dislexia e verificar, dentre os escolares de risco
que não apresentaram melhora após as intervenções com base fo-
nológica, se há a confirmação do quadro de dislexia por meio de
diagnóstico interdisciplinar.

Material e método

O estudo apresentado foi aprovado pelo Comitê de Ética


em Pesquisa da Faculdade de Filosofia e Ciências da Universida-
de Estadual Paulista – CEP/FFC/UNESP sob o protocolo n.º
3348/2008.
Participam deste estudo 180 escolares, provenientes de três
salas de 1a série do ensino público fundamental municipal, de
ambos os gêneros e na faixa etária entre seis anos e 11 meses
a sete anos e três meses, nível socioeconômico médio-inferior,
submetidos à metodologia de alfabetização com enfoque cons-
trutivista e socioconstrutivista. Todos os escolares frequentaram
a educação infantil anteriormente ao início da primeira série

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170 DISLEXIA - Novos temas, novas perspectivas

escolar. Os escolares que participaram deste estudo não apresen-


taram anotações referentes à deficiência mental, física, sensorial
ou múltipla em prontuário escolar.
A identificação do risco para dislexia nos escolares deste
estudo foi realizada a partir da elaboração de provas de avaliação
descritas na pesquisa sobre treinamento de habilidades fonológicas
e conhecimento de letra-som em crianças de risco para dislexia8,
descrita abaixo:
- Teste para identificação precoce dos problemas de leitura:
Foi realizada a elaboração de sete provas para identificação precoce
dos problemas de leitura baseadas na descrição da pesquisa original
que oferece suporte teórico para a realização deste estudo. As pro-
vas que compõem o Teste foram normalizadas para população de
escolares brasileiros em estudo realizado por Capellini et al.38 Este
teste é composto pelas seguintes provas: conhecimento do alfabe-
to, consciência fonológica (composta por subtestes de produção de
rima, identificação de rima, segmentação silábica, produção de pa-
lavras a partir do fonema dado, síntese fonêmica, análise fonêmica,
identificação de som inicial), memória de trabalho fonológica, ve-
locidade de acesso à informação fonológica (nomeação automática
rápida – RAN), atenção visual, leitura de palavras e pseudopalavras
e compreensão de frases a partir de figuras.
A aplicação deste procedimento durou em média 50 minu-
tos e foi realizada individualmente em uma única sessão durante
o horário de aula dos escolares, com a anuência e a autorização da
professora e da Direção da escola em que foi realizado o estudo.
A caracterização do desempenho dos 179 escolares (ocorreu
uma desistência) deste estudo no Teste para identificação precoce
dos problemas de leitura está descrita na Tabela 1.
Os dados descritos na Tabela 1 apresentam os resultados
de todos os escolares participantes deste estudo. Isto se fez ne-
cessário, pois os escolares que apresentaram desempenho inferior
a 51% do valor máximo em pelo menos quatro provas do teste

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EFICÁCIA DO PROGRAMA DE TREINAMENTO FONOLÓGICO, CORRESPONDÊNCIA ... 171

para identificação precoce dos problemas de leitura (conhecimen-


to do alfabeto, consciência fonológica, nomeação rápida e leitura
de palavras e pseudopalavras) em relação ao grupo-classe foram
considerados de risco para dislexia. Assim, a Tabela 1 apresenta
a média, desvio padrão, valor de p, valor mínimo e máximo que
foram considerados como ponto de corte para inclusão dos esco-
lares de risco para a dislexia.

Tabela 1: Distribuição da média, desvio padrão, valor mínimo, valor


máximo e valor de p do desempenho obtido e esperado dos 179 escolares da
1ª série do ensino fundamental

Par de Variáveis Média Desvio padrão Mínimo Máximo Valor de p


C.A. pré O 21,20 2,77 8,00 23,00
< 0,001*
C.A. pré E 22,79 1,02 11,00 23,00
P.R. pré O 6,77 5,57 0,00 20,00
< 0,001*
P.R. pré E 18,68 3,54 1,00 20,00
I. R. pré O 12,03 6,10 0,00 21,00
< 0,001*
I. R. pré E 19,39 1,96 5,00 21,00
S.S. pré O 19,75 2,90 0,00 21,00
< 0,001*
S.S. pré E 20,97 0,26 18,00 21,00
P.P.pré O 17,11 4,54 0,00 22,00
< 0,001*
P.P.pré E 21,03 1,28 14,00 22,00
S.F. pré O 2,08 4,29 0,00 21,00
< 0,001*
S.F. pré E 18,82 5,66 0,00 21,00
A.F. pré O 2,74 4,95 0,00 20,00
< 0,001*
A.F. pré E 18,92 5,75 0,00 21,00
I.S.I. pré O 6,81 6,81 0,00 21,00
< 0,001*
I.S.I. pré E 19,64 4,50 0,00 21,00
M.T. pré O 19,99 3,33 7,00 25,00
< 0,001*
M.T. pré E 23,50 1,45 15,00 24,00
A.V. pré O 9,12 1,53 1,00 10,00
< 0,001*
A.V. pré E 9,97 0,25 7,00 10,00
L pré O 21,44 15,65 0,00 40,00
< 0,001*
L pré E 38,37 5,64 2,00 40,00
C.F. pré O 17,89 3,35 0,00 20,00
< 0,001*
C.F. pré E 19,74 0,78 16,00 20,00

Legenda: CA: conhecimento do alfabeto, PR: produção de rima, IR: identificação de rima, SS:
segmentação silábica, PP: produção de palavras a partir do fonema dado, SF: síntese fonêmica,
AF: análise fonêmica; ISI: identificação de som inicial, MT: memória de trabalho, AV: atenção
visual, L: leitura, CF: compreensão de frases; O: escore obtido; E: escore esperado. Análise
estatística: Teste dos Postos Sinalizados de Wilcoxon.

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172 DISLEXIA - Novos temas, novas perspectivas

Dentre os 179 escolares (100%) submetidos ao Protocolo


para identificação precoce dos problemas de leitura, 67 escolares
(37,4%) apresentaram desempenho inferior. A partir deste achado,
os 67 escolares foram divididos em seis grupos:

Grupo I (GI): composto por 19 escolares submetidos ao pro-


grama de treinamento fonológico, sendo 31% do gênero mas-
culino e 54% do gênero feminino.
Grupo II (GII): composto por 41 escolares não submetidos
ao programa de treinamento fonológico, sendo 69% do gêne-
ro masculino e 35% do gênero feminino.
Grupo III (GIII): composto por 18 escolares submetidos
ao programa de treinamento da correspondência grafe-
ma-fonema, sendo 61% do gênero masculino e 39% do
gênero feminino.
Grupo IV (GIV): composto por 41 escolares não submeti-
dos ao programa de treinamento da correspondência gra-
fema-fonema, sendo ­­45% do gênero masculino e 55% do
gênero feminino.
Grupo V (GV): composto por 30 escolares submetidos ao
programa de treinamento fonológico e correspondência gra-
fema-fonema, sendo 30% do gênero masculino e 20% do gê-
nero feminino.
Grupo VI (GVI): composto por 30 escolares não submetidos
ao programa de treinamento fonológico associado à corres-
pondência grafema-fonema, sendo 23% do gênero masculino
e 27% do gênero feminino.

A partir da distribuição dos escolares em seis grupos, foi rea-


lizada a aplicação dos procedimentos de intervenção com os esco-
lares distribuídos em duplas e trios. Tal como a avaliação, foram
elaboradas estratégias para os programas de intervenção a partir da
descrição da pesquisa original8 (Quadro 1).

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EFICÁCIA DO PROGRAMA DE TREINAMENTO FONOLÓGICO, CORRESPONDÊNCIA ... 173

Quadro 1: Descrição das atividades e do tempo de aplicação dos


programas de intervenção utilizados neste estudo

Programa de
Programa de
Treinamento
Programa de Treinamento Treinamento da
Fonológico associado
Fonológico Correspondência
à Correspondência
Grafema-Fonema
Grafema-Fonema

Atividades: reconhecimento Atividades: reconhecimento Atividades: identificação


do alfabeto fonêmico, do alfabeto fonêmico, das letras e reconhecimento
identificação de palavras combinação de letras do alfabeto fonêmico,
dentro de uma frase, para formação de sílabas combinação de letra para
identificação e manipulação e palavras, identificação a formação de sílabas e
de sílabas na palavra, síntese de figuras pelo nome das formação de palavras,
fonêmica, rima, identificação letras, identificação de identificação de figuras pelo
e discriminação de fonemas, figuras pelos sons das letras. nome das letras, identificação
segmentação de fonemas, de figuras pelo som das
subtração de fonemas, letras, identificação de
substituição de fonemas, palavras dentro de uma frase,
transposição de fonemas. identificação e manipulação
de sílabas na palavra, síntese
fonêmica, rima, identificação
e discriminação de fonemas,
segmentação de fonemas,
subtração de fonemas,
substituição de fonemas,
transposição de fonemas.

Duração: 50 minutos Duração: 50 minutos Duração: 50 minutos

18 sessões 18 sessões 18 sessões

Após o término das intervenções, todos os escolares foram


submetidos novamente à aplicação do Teste para identificação pre-
coce dos problemas de leitura. Os escolares que permaneceram
apresentando os sinais na dislexia na pós-testagem foram submeti-
dos à avaliação interdisciplinar composta por avaliação neurológica,
neuropsicológica, fonoaudiológica e exame de imagem.

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174 DISLEXIA - Novos temas, novas perspectivas

Para a análise estatística, foram utilizados o Teste de Mann-


Whitney e o Teste dos Postos Sinalizados de Wilcoxon. O nível de
significância adotado para a aplicação dos testes estatísticos foi de
5% (0,050). A análise dos dados foi realizada utilizando o programa
SPSS (Statistical Package for Social Sciences), em sua versão 17.0.

Resultados e discussão referente à aplicação do Programa


de Treinamento Fonológico

A Tabela 2 apresenta a comparação entre os dois momentos


de aplicação do Teste para identificação precoce dos problemas de
leitura em situação de pré-testagem e pós-testagem da aplicação do
Programa de Treinamento Fonológico no GI e no GII. Comparan-
do estes dois momentos de avaliação por meio do Teste dos Postos
Sinalizados de Wilcoxon, pode-se observar que os escolares do GI
submetidos ao programa de treinamento fonológico apresentaram
diferença estatisticamente significante em todos os subtestes do pro-
tocolo, demonstrando que o programa foi eficaz para o domínio de
habilidades fonológicas e de leitura.
Os escolares do GI em situação de pré-testagem obtiveram
melhor desempenho apenas nas atividades de segmentação silábica
(SS), atenção visual (AV) e compreensão de frases (CF), enquanto
o GII, nessa mesma situação, obteve o melhor desempenho nas ati-
vidades de conhecimento do alfabeto (CA), segmentação silábica
(SS), produção de palavras a partir do fonema dado (PP), memória
de trabalho (MT), atenção visual (AV).
Na situação de pós-testagem, os escolares do GI obtiveram
melhor desempenho em todas as atividades propostas, princi-
palmente no conhecimento do alfabeto (CA), produção de rima
(PR), segmentação silábica (SS), produção de palavras a partir do
fonema dado (PP) e identificação de som inicial (ISI), enquanto
os escolares do GII mantiveram o desempenho em todas as ativi-
dades propostas.

dislexia revisao.indd 174 05/04/2011 14:08:19


EFICÁCIA DO PROGRAMA DE TREINAMENTO FONOLÓGICO, CORRESPONDÊNCIA ... 175

Tabela 2: Distribuição da média, desvio padrão e valor de p do


desempenho obtido dos escolares do GI e do GII em situação de pré-
testagem e pós-testagem do Programa de Treinamento Fonológico

Desvio Desvio
GI Média Valor de p GII Média Valor de p
padrão padrão

C.A. pré 17,47 5,25 C.A. pré 21,66 1,49


< 0,001* 0,017*
C.A. pós 21,05 4,97 C.A. pós 22,27 2,00
P.R. pré 2,11 2,96 P.R. pré 6,93 5,37
< 0,001* < 0,001*
P.R. pós 11,58 5,71 P.R. pós 11,68 3,95
I. R. pré 5,68 6,34 I. R. pré 13,61 5,25
< 0,001* < 0,001*
I.R. pós 15,11 3,32 I.R. pós 16,93 3,31
S.S. pré 18,37 2,59 S.S. pré 20,56 1,12
0,001* 0,138
S.S. pós 20,58 0,84 S.S. pós 20,88 0,40
P.P.pré 12,26 5,89 P.P.pré 18,17 3,35
< 0,001* 0,029*
P.P. pós 18,79 4,38 P.P. pós 19,29 2,02
S.F. pré 0,68 1,92 S.F. pré 1,61 2,47
< 0,001* < 0,001*
S.F. pós 9,53 6,55 S.F. pós 4,10 4,36
A.F. pré 0,53 1,31 A.F. pré 1,83 2,48
< 0,001* 0,752
A.F. pós 13,26 7,09 A.F. pós 2,83 5,47
I.S.I. pré 1,11 3,00 I.S.I. pré 6,37 5,86
< 0,001* 0,935
I.S.I. pós 19,21 3,68 I.S.I. pós 6,24 4,95
M.T. pré 17,68 3,90 M.T. pré 21,02 2,37
0,005* 0,022*
M.T. pós 20,16 2,50 M.T. pós 22,05 2,04
A.V. pré 8,68 1,89 A.V. pré 9,83 0,50
0,021* 0,038*
A.V. pós 9,47 1,31 A.V. pós 10,00 0,00
L pré 8,37 11,06 L pré 33,95 6,79
< 0,001* 0,021*
L pós 25,05 12,40 L pós 35,56 5,03
C.F. pré 15,63 4,75 C.F. pré 17,54 3,44
0,030* 0,070
C.F. pós 18,11 1,24 C.F. pós 18,51 1,95

Legenda: CA: conhecimento do alfabeto, PR: produção de rima, IR: identificação de rima, SS:
segmentação silábica, PP: produção de palavras a partir do fonema dado, SF: síntese fonêmica,
AF: análise fonêmica; ISI: identificação de som inicial, MT: memória de trabalho, AV: atenção
visual, L: leitura, CF: compreensão de frases; Pré: Pré-testagem; Pós: Pós-testagem. Análise
estatística: Teste dos Postos Sinalizados de Wilcoxon.

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176 DISLEXIA - Novos temas, novas perspectivas

O programa de treinamento fonológico adaptado neste es-


tudo enfocou a atenção, a discriminação e a memória auditiva de
forma direta em todas as sessões, proporcionando aos escolares
uma melhor e maior atenção à base fonológica do sistema de es-
crita da Língua Portuguesa. Assim, tanto os escolares com sinais
de dislexia como os escolares sem estes sinais apresentaram me-
lhora nas habilidades fonológicas, apontando para a necessidade
de uma reflexão sobre a metodologia de alfabetização utilizada em
situação de sala de aula, uma vez que as habilidades de atenção,
discriminação e percepção dos sons trabalhadas neste programa
proporcionaram um aumento na sensibilidade e na percepção fo-
nológica, refletindo também na melhora do tempo de realização
da leitura. Esses achados foram descritos também por autores in-
ternacionais em seus estudos.8,40-41
Neste sentido, os resultados evidenciaram o quanto é es-
sencial as instruções formais que explicitem as regras de manipu-
lação dos sons da fala na escrita alfabética (relações entre fone-
ma e grafema) para a aprendizagem da leitura,40-41 visto que são
condições necessárias que envolvem o diagnóstico da dislexia.
Na Tabela 3, pode-se observar que os escolares do GI em
situação de pré-testagem apresentaram menor tempo de nomea-
ção rápida de figuras do que o GII, e que este tempo diminuiu
na pós-testagem. Apesar de não haver diferença estatisticamente
significante, esse dado demonstra que o programa favoreceu a
fusão rápida de estímulos em sucessão, exigida tanto em tarefas
de nomeação rápida como em leitura.

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EFICÁCIA DO PROGRAMA DE TREINAMENTO FONOLÓGICO, CORRESPONDÊNCIA ... 177

Tabela 3: Distribuição da média, desvio padrão, valor mínimo, valor máximo


e valor de p do desempenho dos escolares do GI e do GII em situação de pré-
testagem e pós-testagem no subteste de nomeação rápida de figuras (NR)

Par de Desvio Valor


Média Mínimo Máximo
Variáveis padrão de p

NR_pré 39,95 4,12 30,00 47,00


GI 0,003*
NR_pós 38,16 5,07 27,00 48,00

NR_pré 42,80 3,91 34,00 51,00


GII < 0,001*
NR_pós 41,08 3,36 34,00 46,00

Legenda: NR: nomeação rápida de figuras; Pré: Pré-testagem; Pós: Pós-testagem. Análise
estatística: Teste dos Postos Sinalizados de Wilcoxon.

Dentre os 19 escolares considerados de risco para a dislexia,


apenas três escolares apresentaram desempenho inferior a 51% do
valor máximo em pelo menos quatro provas do teste para identifica-
ção precoce dos problemas de leitura em situação de pós-testagem.
Sendo assim, 16 escolares apresentaram apenas falhas no processo
de alfabetização e não o quadro de dislexia. Esses achados eviden-
ciam que os sinais descritos nas literaturas nacionais e internacio-
nais sofrem interferência direta da metodologia de ensino, o que
justifica o fato de se utilizarem programas de intervenção com base
fonológica para identificar e intervir precocemente nos sinais da
dislexia e, dessa forma, diminuir o número de encaminhamentos
desnecessários para a realização de diagnóstico.8,23-24,42
Apenas um escolar deste estudo que não respondeu ao trei-
namento fonológico apresentou atraso cognitivo limítrofe em ava-
liação neuropsicológica, isto nos leva a considerar duas hipóteses: a
primeira se refere à importância de levarmos em consideração não

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178 DISLEXIA - Novos temas, novas perspectivas

apenas a testagem neuropsicológica realizada, embora seja funda-


mental, mas também a interpretação dos seus resultados, o contex-
to étnico e cultural, o nível educacional e a motivação que podem
gerar desempenho artificialmente baixo em alguns subtestes, refle-
tindo em um quoeficiente intelectual rebaixado; e a segunda, o fato
de o rebaixamento leve ou limítrofe ser detectado em escolares em
idade e seriação mais avançadas, quando o escolar começa a falhar
em decorrência de maior exigência de armazenamento e recupe-
ração de memória, resultando em fracasso escolar decorrente do
aumento de conteúdo escolar, descrito na literatura.33,43-44

Resultados e discussão referente à aplicação do Programa


de Treinamento da Correspondência Grafema-Fonema

A Tabela 4 apresenta a distribuição da média, desvio padrão


e valor de p do desempenho obtido do GIII e do GIV no Teste
para a identificação precoce dos problemas de leitura em situa-
ção de pré-testagem e pós-testagem após a aplicação do Programa
de Treinamento da Correspondência Grafema-Fonema. Os dois
momentos de avaliação foram comparados por meio do Teste dos
Postos Sinalizados de Wilcoxon.
A partir destes dados, foi possível observar que os escolares
do GIII submetidos ao programa de intervenção apresentaram di-
ferença estatisticamente significante para as provas de conhecimen-
to do alfabeto (CA), produção de rima (PR), identificação de rima
(IR), segmentação silábica (SS), produção de palavra a partir do fo-
nema dado (PP), síntese fonêmica (SF), análise fonêmica (AF), iden-
tificação do som inicial (ISI), memória de trabalho (MT), atenção
visual (AV), leitura de palavras e não palavras (L) e compreensão de
frases a partir de figuras (CF), indicando melhora nas habilidades
necessárias para a aquisição da leitura e na correspondência gra-
fema-fonema. O GIV não submetido ao programa de intervenção
apresentou também diferença estatisticamente significante para as

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EFICÁCIA DO PROGRAMA DE TREINAMENTO FONOLÓGICO, CORRESPONDÊNCIA ... 179

provas citadas, indicando que o conteúdo oferecido pelo professor


em sala de aula favoreceu a melhora do desempenho desses escola-
res nas provas descritas anteriormente.

Tabela 4: Distribuição da média, desvio padrão e valor de p do


desempenho obtido dos escolares do GIII e do GIV em situação de pré-
testagem e pós-testagem do Programa de Treinamento da Correspondência
Grafema-Fonema

Desvio Valor Desvio Valor


GIII Média GIV Média
Padrão de p Padrão de p
C.A. pré 20,39 3,87 C.A. pré 22,61 0,972
0,003* 0,020*
C.A. pós 22,89 0,47 C.A. pós 22,95 0,218
P.R. pré 2,78 2,92 P.R. pré 8,98 5,077 <
0,002*
P.R. pós 8,61 5,33 P.R. pós 12,44 5,01 0,001*
I. R. pré 6,72 4,23 I. R. pré 14,34 4,217
0,001* 0,002*
I.R. pós 12,83 3,96 I.R. pós 16,46 2,749
S.S. pré 18,67 2,77 S.S. pré 20,51 1,075
0,002* 0,029*
S.S. pós 20,78 0,73 S.S. pós 20,88 0,4
P.P.pré 12,83 4,61 P.P.pré 18,71 3,495
< 0,001* 0,005*
P.P. pós 20,06 1,83 P.P. pós 20,29 1,23
S.F. pré 0,44 0,62 S.F. pré 4,73 4,899 <
< 0,001*
S.F. pós 7,50 4,54 S.F. pós 10,49 6,527 0,001*
A.F. pré 0,00 0,00 A.F. pré 2,8 6,116 <
< 0,001*
A.F. pós 9,39 8,22 A.F. pós 5,73 8,056 0,001*
I.S.I. pré 4,00 3,88 I.S.I. pré 11,66 6,666 <
< 0,001*
I.S.I. pós 18,83 4,71 I.S.I. pós 16,07 5,274 0,001*
M.T. pré 18,11 4,07 M.T. pré 20,71 3,258 <
0,001*
M.T. pós 21,50 2,20 M.T. pós 22,88 1,364 0,001*
A.V. pré 6,78 1,99 A.V. pré 9,32 1,234
0,001* 0,004*
A.V. pós 9,22 1,48 A.V. pós 9,9 0,3
L pré 0,56 1,69 L pré 22,73 13,766 <
0,001*
L pós 23,17 13,84 L pós 36,71 3,273 0,001*
C.F. pré 16,83 2,20 C.F. pré 18,71 1,346 <
0,012*
C.F. pós 18,78 1,48 C.F. pós 19,68 0,567 0,001*

Legenda: CA: conhecimento do alfabeto, PR: produção de rima, IR: identificação de rima, SS:
segmentação silábica, PP: produção de palavras a partir do fonema dado, SF: síntese fonêmica,
AF: análise fonêmica, ISI: identificação de som inicial, MT: memória de trabalho, AV: atenção
visual, L: leitura, CF: compreensão de frases; Pré: Pré- testagem; Pós: Pós- testagem. Análise
estatística: Teste dos Postos Sinalizados de Wilcoxon.

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180 DISLEXIA - Novos temas, novas perspectivas

Na Tabela 5, pode-se observar que os escolares do GIII e do GIV


(agrupados) comparados em situação de pré-testagem e pós-testagem
apresentaram desempenho próximo quanto ao tempo de nomeação
rápida de figuras no subteste para velocidade de acesso à informação
fonológica, indicando que não ocorreu efeito do programa de interven-
ção sobre a habilidade de fusão rápida de estímulo em sucessão para a
realização da leitura. Os grupos foram formados, pois separadamente
também não apresentaram diferença estatisticamente significante.

Tabela 5: Distribuição da média, desvio padrão, valor mínimo, valor


máximo e valor de p do desempenho dos escolares em situação de pré-
testagem e pós- testagem no subteste de nomeação rápida de figuras (NR)

Par de Desvio Valor


Média Mínimo Máximo
Variáveis Padrão de p
N.R. pré 40,46 7,63 25 60
0,110
N.R. pós 38,81 9,499 14 66

Legenda: NR: nomeação rápida de figuras; Pré: Pré- testagem; Pós: Pós- testagem. Análise
estatística: Teste dos Postos Sinalizados de Wilcoxon.

Os resultados revelaram que, dos 18 escolares considerados


de risco para a dislexia após serem submetidos ao treinamento da
correspondência grafema-fonema, 17 escolares melhoraram o de-
sempenho em estratégias de percepção, discriminação, armazena-
mento e recuperação de informação fonêmica, conforme descrito
em estudos internacionais.8,23-25
Em decorrência disso, esses escolares apresentaram melhora
no uso das habilidades cognitivo-linguísticas, visto que um bom de-
sempenho em percepção, discriminação e tempo de armazenamen-
to da informação linguística provoca a melhora no uso de habilida-
des de leitura e compreensão, conforme descrito na literatura.8

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EFICÁCIA DO PROGRAMA DE TREINAMENTO FONOLÓGICO, CORRESPONDÊNCIA ... 181

Destaca-se que, depois do treinamento da correspondência


grafema-fonema realizado com os 18 escolares de risco para a
dislexia, apenas um escolar não apresentou melhora no desem-
penho em situação de pós-testagem. Assim, pode-se considerar
que os 17 escolares deste estudo que obtiveram melhor desem-
penho em situação de pós-testagem, em relação a pré-testagem,
apresentavam apenas falha no processo de alfabetização e não o
quadro de dislexia.
A partir dos dados encontrados nesta pesquisa e na literatura
internacional,26 fica evidenciada a necessidade da intervenção pre-
coce em escolares que apresentam precocemente alguma dificulda-
de de aprendizagem, pois os dados deste estudo mostraram efeitos
positivos com o treinamento de habilidades de leitura e consciência
fonológica no início do período escolar.
Como mostram os dados desta pesquisa e os dados de estudos
internacionais,45-46 os principais focos das estratégias de intervenção
são o enfoque na aprendizagem do mecanismo de conversão grafe-
ma-fonema, consciência fonológica e a velocidade de nomeação o
que justifica o trabalho conjunto entre fonoaudiólogos e professo-
res, por meio do uso de programas de intervenção para identificar
e intervir precocemente nos sinais da dislexia, contribuindo para a
diminuição do número de encaminhamentos desnecessários para a
realização de diagnóstico interdisciplinar.
Um resultado interessante deste estudo foi que os escolares
sem risco para a dislexia que compuseram o GIV apresentaram
melhoras quanto às habilidades cognitivo-linguísticas em situação
de pós-testagem em relação à pré-testagem, entretanto, estes não
foram submetidos à intervenção, evidenciando que, em situação
de sala de aula, os escolares frequentemente são expostos a tarefas
silábicas ou de conhecimento de letras que auxiliam o desenvol-
vimento das habilidades avaliadas por este estudo. Dessa forma,
esses achados levam à reflexão de que o uso de um programa fo-
cado apenas na instrução da conversão grafema-fonema não deve
ser indicado para escolares com dificuldades de aprendizagem em

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182 DISLEXIA - Novos temas, novas perspectivas

início de alfabetização, mas deve ser indicado o seu uso associado


ao treinamento de habilidades fonológicas, conforme descrito na
literatura.34-36,47

Resultados e discussão referente à aplicação do Programa


de Treinamento Fonológico associado ao Treinamento da
Correspondência Grafema-Fonema

A Tabela 6 apresenta a comparação do desempenho obtido


do GV e do GVI em situação de pré-testagem e pós-testagem na
realização do Teste para a identificação precoce dos problemas de
leitura após a aplicação do Programa de Treinamento Fonológico
associado ao Treinamento da Correspondência Grafema-Fonema.
Com a aplicação do Teste dos Postos Sinalizados de Wilcoxon,
pode-se verificar que a média das habilidades cognitivo-linguísticas
avaliadas do GVI foi superior ao GV em situação de pré-testagem.
Entretanto, no momento de pós-testagem, aplicando o Teste
dos Postos Sinalizados de Wilcoxon, os escolares do GV submetidos
ao programa de treinamento evidenciaram diferença estatisticamente
significante em todas as provas de habilidades cognitivo-linguísticas.
Os escolares do GVI apresentaram diferença estatisticamente
significante nas provas de produção de rima (PR), identificação de
rima (IR), síntese fonêmica (SF), análise fonêmica (AF) e leitura de
palavras e não palavras (L).
Ao analisar o escore da média, em situação de pós-testagem,
verificou-se que os escolares do GV apresentaram desempenho su-
perior em relação ao GVI nas provas de conhecimento do alfabe-
to (CA), produção de rima (PR), produção de palavra a partir do
fonema dado (PP), síntese fonêmica (SF), análise fonêmica (AF),
identificação do som inicial (ISI) e compreensão de frases a partir
de figuras (CF) e desempenho próximos nas provas de segmentação
silábica (SS), memória de trabalho (MT) e atenção visual (AV).

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EFICÁCIA DO PROGRAMA DE TREINAMENTO FONOLÓGICO, CORRESPONDÊNCIA ... 183

Tabela 6: Distribuição da média, desvio padrão e valor de p do


desempenho obtido dos escolares do GV e do GVI em situação de
pré- testagem e pós-testagem do Programa de Treinamento Fonológico
associado ao Treinamento da Correspondência Grafema-Fonema

Desvio Valor Desvio Valor


GV Média GVI Média
Padrão de p Padrão de p
CA_Pré 20,10 3,29 CA_Pré 21,87 2,01
<0,001* 0,217
CA_Pós 22,50 0,63 CA_Pós 22,07 2,29
PR_Pré 4,70 4,34 PR_Pré 10,90 5,73
<0,001* 0,001*
PR_Pós 17,33 3,32 PR_Pós 13,67 4,23
IR_Pré 9,80 5,68 IR_Pré 15,93 4,38
<0,001* 0,009*
IR_Pós 16,20 3,43 IR_Pós 17,57 2,70
SS_Pré 18,13 5,64 SS_Pré 20,73 0,58
0,004* 0,053
SS_Pós 20,57 1,41 SS_Pós 20,97 0,18
PP_Pré 16,67 4,12 PP_Pré 19,57 2,21
<0,001* 0,103
PP_Pós 20,93 0,25 PP_Pós 20,27 1,41
SF_Pré 0,03 0,18 SF_Pré 3,00 7,11
<0,001* 0,019*
SF_Pós 18,20 4,90 SF_Pós 6,17 8,82
AF_Pré 1,80 3,08 AF_Pré 7,90 6,52
<0,001* 0,024*
AF_Pós 17,77 4,32 AF_Pós 10,93 8,25
ISI_Pré 3,23 3,57 ISI_Pré 9,67 8,20
<0,001* 0,844
ISI_Pós 20,77 0,77 ISI_Pós 9,53 8,07
MT_Pré 18,87 2,86 MT_Pré 21,30 2,68
0,003* 0,621
MT_Pós 20,93 2,65 MT_Pós 21,63 2,33
VIF_Pré 45,17 11,67 VIF_Pré 34,07 5,53
0,010* 0,053
VIF_Pós 41,57 10,21 VIF_Pós 31,80 5,65
AV_Pré 8,73 1,48 AV_Pré 9,97 0,18
<0,001* 0,317
AV_Pós 9,77 0,43 AV_Pós 10,00 0,00
L_Pré 11,47 12,37 L_Pré 33,33 9,55
<0,001* 0,017*
L_Pós 27,80 9,04 L_Pós 36,13 5,39
CF_Pré 17,77 4,84 CF_Pré 19,47 1,38
0,004* 0,931
CF_Pós 19,87 0,57 CF_Pós 19,63 1,00

Legenda: CA: conhecimento do alfabeto, PR: produção de rima, IR: identificação de rima, SS:
segmentação silábica, PP: produção de palavra a partir do fonema dado, SF: síntese fonêmica, AF:
análise fonêmica, ISI: identificação do som inicial, MT: memória de trabalho, AV: atenção visual,
L: leitura, CF: compreensão de frases a partir de figuras. Análise estatística: Teste dos Postos
Sinalizados de Wilcoxon.

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184 DISLEXIA - Novos temas, novas perspectivas

A Tabela 7 mostra a distribuição da média, desvio padrão,


valor mínimo, valor máximo e valor de p do desempenho dos esco-
lares do GV e do GVI em situação de pré-testagem e pós-testagem
no subteste para a velocidade de acesso à informação fonológica.
Foi possível observar, no momento da pré-testagem, que o escore
médio do GV foi superior ao GVI, revelando maior tempo para
acesso ao léxico de memória a curto prazo e nomeação fonológica,
e que, em situação de pós-testagem, ocorreu um decréscimo nesse
tempo, demonstrando uma diferença estatisticamente significante
no GV, ao passo que os escolares do GVI não evidenciaram diferen-
ça estatisticamente significante, mantendo seu desempenho.

Tabela 7: Distribuição da média, desvio padrão, valor mínimo, valor
máximo e valor de p do desempenho dos escolares do GV e do GVI em
situação de pré- testagem e pós-testagem no subteste de nomeação rápida
de figuras (NR)

Par de Desvio
Média Mínimo Máximo Valor de p
Variáveis padrão

NR pré 45,17 11,67 29,00 75,00


GV 0,010*
NR pós 41,57 10,21 28,00 66,00

NR pré 34,07 5,53 20,00 50,00


GVI 0,053
NR pós 31,80 5,65 21,00 45,00

Legenda: NR: nomeação rápida de figuras; Pré: Pré- testagem; Pós: Pós- testagem. Análise
estatística: Teste dos Postos Sinalizados de Wilcoxon.

Pôde-se verificar neste estudo que, dos 30 escolares consi-


derados de risco para a dislexia, depois de serem submetidos ao
programa de treinamento fonológico associado à correspondência
grafema-fonema, 28 apresentaram melhora no desempenho em
estratégias de percepção, discriminação, armazenamento e recu-
peração da informação fonêmica, conforme descrito em estudos
internacionais.8,23-25

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EFICÁCIA DO PROGRAMA DE TREINAMENTO FONOLÓGICO, CORRESPONDÊNCIA ... 185

Esses resultados comprovaram que a melhora nas habilidades


cognitivo-linguísticas, trabalhadas por meio do programa de trei-
namento fonológico associado à correspondência grafema-fonema,
teve efeito positivo sobre a habilidade de leitura e compreensão,
corroborando os resultados obtidos pela pesquisa original.8
No entanto, apenas dois escolares não apresentaram melhora
no desempenho em situação de pós-testagem depois de serem sub-
metidos ao programa de treinamento das habilidades fonológicas
e correspondência grafema-fonema, sendo confirmado o diagnós-
tico de dislexia pela realização de avaliação interdisciplinar. Desse
modo, verifica-se que os 28 escolares apresentavam apenas falha no
processo de alfabetização e não o quadro de dislexia. Esses acha-
dos remetem à reflexão de que os sinais descritos nas literaturas
nacionais e internacionais23-24,33,48 podem desaparecer após a utili-
zação de programas de intervenção com base fonológica e na rela-
ção letra-som. Essa prática corrobora estudos descritos na literatura
internacional.14,25-26,31,40,44,49-51
O desempenho demonstrado pelos escolares depois de serem
submetidos ao programa de treinamento, em relação às habilidades
cognitivo-linguísticas, apresentou resultado significativo, evidencian-
do que a instrução explícita da consciência fonológica combinada à
instrução da correspondência grafema-fonema acelera a aquisição da
leitura. Esses achados corroboram estudo descrito na literatura,52-56
podendo-se concluir que o ensino da base alfabética de uma língua
auxilia o desenvolvimento da consciência fonológica, que, por sua
vez, facilita a aquisição e o desenvolvimento da leitura.
Assim, os achados deste estudo apresentam o treinamento
da habilidade fonológica e correspondência grafema-fonema em
escolares de risco para a dislexia como um instrumento de auxílio
ao diagnóstico de uma condição determinada genética e neurolo-
gicamente, como a dislexia, uma vez que, conforme descrição na
literatura internacional,8,10,41,57-58 o fracasso do escolar de risco a este
tipo de treinamento é um critério diagnóstico para a dislexia. Esses
achados apontam para o fato de que quanto menor for a instrução

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186 DISLEXIA - Novos temas, novas perspectivas

na base fonológica e da relação letra-som para a aprendizagem da


leitura, maior será o risco de identificação errônea de um escolar
como sendo disléxico.

Conclusão

A partir da realização deste estudo, podemos concluir que a


execução dos programas de treinamento fonológico e do programa
de treinamento fonológico associado à correspondência grafema-
fonema foram eficazes para os escolares de risco para dislexia, o
que foi comprovado pela melhora das habilidades fonológicas e de
leitura em situação de pós-testagem em comparação à pré-testagem.
Entretanto, o programa de treinamento da correspondência grafe-
ma-fonema não foi eficaz, não devendo ser indicado para escolares
com dificuldades de aprendizagem em início de alfabetização para a
identificação dos escolares com sinais da dislexia.
Entre os 67 escolares de risco para a dislexia identificado por
meio do teste de identificação precoce nos problemas de leitura,
apenas cinco escolares não responderam aos programas de inter-
venção utilizados neste estudo, sendo que, destes, apenas quatro
confirmaram o diagnóstico de dislexia por meio de avaliação in-
terdisciplinar. Desta forma, a metodologia empregada neste estudo
oferece condições de identificar precocemente escolares de risco
para a dislexia.
Os dados deste estudo demonstram a importância da reali-
zação de uma avaliação e intervenção que enfoquem as habilida-
des fonológicas e a relação letra-som no âmbito clínico e educacio-
nal, visto que isso auxiliaria o escolar em situação de alfabetização
a desenvolver habilidades cognitivo-linguísticas necessárias para a
aprendizagem da base alfabética do sistema de escrita do português
brasileiro, como para auxiliar o diagnóstico da dislexia e a distinção
entre o mau leitor e o leitor disléxico.

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EFICÁCIA DO PROGRAMA DE TREINAMENTO FONOLÓGICO, CORRESPONDÊNCIA ... 187

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Intervenção Fonoaudiológica nos
Transtornos da Leitura

Clara Regina Brandão de Ávila


Trabalho realizado no Núcleo de Ensino,
Assistência e Pesquisa em Escrita e Leitura – Neapel / UNIFESP-EPM

Introdução

As diferentes pesquisas sobre o aprendizado e o desen-


volvimento da leitura – quer se considere seu suceder normal
ou alterado – parecem convergir para pontos fundamentais,
alguns teóricos, outros (ainda poucos) baseados na prática e
em suas evidências.
De qualquer forma, a maioria dos estudos concorda que a
natureza do processo de aprendizagem da leitura e, assim, certas
características desse processo, modifica-se ao longo da escolariza-
ção: primeiramente, o estudante aprende a ler, para, então, utili-
zar-se da leitura no aprendizado de conteúdos acadêmicos cada vez
mais diversificados, específicos e complexos. Qualquer processo
de intervenção sobre os problemas de leitura deve estabelecer ob-
jetivos voltados para o produto final – a leitura com compreensão
e crítica – e respeitar o nível em que se encontra o escolar.

195

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196 DISLEXIA - Novos temas, novas perspectivas

A cada um desses níveis ou etapas, inúmeras habilidades sub-


jacentes suportam a capacidade leitora, que passa: da leitura fonoló-
gica para a leitura fluente e com compreensão; da leitura fonológica
de pequenas palavras (cujos significados lhe são familiares) para o
reconhecimento automático de palavras de diferentes característi-
cas psicolinguísticas; da leitura oral para a silenciosa e compreensi-
va; da compreensão de textos narrativos para a de textos expositivos;
da compreensão literal para o raciocínio inferencial.
Essas capacidades expressam, a cada faixa etária e de escolarida-
de, diferentes competências esperadas e previstas nos planos curricu-
lares, ou mesmo, nas demandas socioculturais. Ler deve relacionar-se
com a formação, o desenvolvimento cultural do cidadão e do país,
o progresso e o bem-estar, por meio do acesso à informação escrita.1
Mesmo assim, nem todos alcançam as melhores condições de profi-
ciência leitora. É grande o impacto que os problemas de leitura têm
sobre o desenvolvimento cognitivo, dado o constante aumento da
demanda do letramento sobre a nossa sociedade tecnológica.2
Desde o ensino fundamental, as crianças devem compreender
ou construir o significado do que leem, em nível compatível com o
de suas capacidades da linguagem oral. Para isso, devem ter desen-
volvido habilidades que, subjacentes ao reconhecimento da palavra
e/ou à compreensão do material escrito, processam informações
linguísticas e de linguagem em níveis cognitivos ou metacogniti-
vos. Teoricamente, estas capacidades permitem que o bom leitor, a
princípio, reconheça, rapidamente e com exatidão, a palavra lida e
acesse com presteza o seu siginificado (deve-se supor que seu nível
de inteligência esteja na média, ou acima dela, e que a instrução
recebida na escola tenha sido apropriada), o que o levaria a compre-
ender plenamente o que leu. A compreensão, entretanto, envolve
um conjunto de processos mentais de alta ordem que incluem o
pensamento dedutivo, o raciocínio, a imaginação e a interpretação
e depende do conhecimento de mundo, do vocabulário, do conhe-
cimento sintático, da motivação e da familiaridade com o tópico ou
o assunto do texto lido.

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Intervenção Fonoaudiológica nos Transtornos da Leitura 197

Pensar na reabilitação dos transtornos de leitura, ou mes-


mo, em mecanismos de prevenção desses problemas pressupõe
conhecer e avaliar as capacidades subjacentes ao aprendizado e o
desenvolvimento da leitura. Exige, também, que se avalie precisa-
mente o problema: o diagnóstico diferencial entre os diferentes
quadros de alterações permite a elaboração de propostas terapêu-
ticas adequadas. É necessária a identificação correta das capacida-
des não desenvolvidas (desde as ligadas à decodificação – consci-
ência fonológica, memória fonológica operacional, conhecimento
de letras etc. – até as de alta ordem cognitiva, como a habilidade
de realizar inferências, o raciocínio dedutivo, a imaginação etc.),
além da caracterização adequada do desenvolvimento da lingua-
gem oral (inclusive da capacidade de compreensão, da extensão do
vocabulário e do desenvolvimento do subsistema sintático). Todas
essas identificações pressupõem a utilização de protocolos adequa-
dos de avaliação e a busca rigorosa das fragilidades e das adequa-
ções que cada criança, ou que cada grupo de escolares, apresenta.
A partir daí, a intervenção se torna possível, pois ela não se faz
sem medidas. Todo processo de intervenção é feito sob medida e
adequado ao nível de leitura, às habilidades desenvolvidas e aos
deficits presentes, ao contexto escolar e familiar, enfim, ao indiví-
duo, mesmo que atendido em grupo.
São diferentes as possibilidades e os momentos de intervir no
desenvolvimento da leitura e de seus problemas.

Prevenção

Há referências de que o contato precoce com histórias – con-


tadas oralmente ou lidas, no ambiente doméstico, pelos próprios
pais – e, até mesmo, a oportunidade de manipular livros de contos
infantis podem estimular, além da atenção auditiva, a imaginação
e outros processos cognitivos, o vocabulário receptivo e expressi-
vo, o desenvolvimento da linguagem, enfim, as bases linguísticas

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198 DISLEXIA - Novos temas, novas perspectivas

e a motivação para a leitura nos anos posteriores. Fica evidente


a importância do desenvolvimento da linguagem e da participa-
ção dos pais nesse desenvolvimento no período pré-escolar, para
o processo da alfabetização.3 A estimulação do pré-escolar com
pequenas canções, com parlendas e, principalmente, com ativida-
des que levem à descoberta de rimas, ou de novas palavras a partir
da exclusão silábica, por exemplo, são jogos orais enriquecedores
e preparadores da capacidade de dirigir a atenção para a segmen-
tação da fala. Este, o momento de total possibilidade de intervir
preventivamente, deve ser estimulado pelos profissionais que atu-
am no pré-escolar e com as famílias.

Remediação

Entretanto, há um percentual de crianças que, apesar de te-


rem recebido adequada estimulação, são de risco para apresentar
algum distúrbio de leitura.
O risco identificado (atrasos ou distúrbios de linguagem e fala,
distúrbios do processamento auditivo, meios socioculturais desfavo-
ráveis, história familiar etc.) tem, geralmente, definido a aplicação
de programas de remediação fonológica que propõem a estimula-
ção de habilidades ligadas, sobretudo, ao processamento cognitivo
da informação fonológica, com bons resultados de desempenho em
tarefas de consciência fonológica, de instrução formal sobre a asso-
ciação fonema-grafema, de reconhecimento de palavras familiares e
de escrita regular,4-6 desempenho esse avaliado por meio de proto-
colos, ainda não padronizados. Atentos às questões metacognitivas
e à participação da consciência morfossintática no processamento
ortográfico, alguns pesquisadores propuseram a inclusão de estra-
tégias de estimulação com morfemas e mostraram razoáveis efeitos
sobre a decodificação e o reconhecimento de palavras.7, 8
Todos esses programas de estimulação têm a virtude de que as
habilidades metalinguísticas de manipulação, a identificação, a aná-

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Intervenção Fonoaudiológica nos Transtornos da Leitura 199

lise e a síntese consciente dos sons da fala sejam adequadas e, desta


forma, contribuem eficazmente para o aprendizado do princípio
alfabético, desde que a qualidade das representações fonológicas e
as habilidades, como memória fonológica operacional e de curto
prazo, ou o de acesso fonológico ao léxico mental do aprendiz, es-
tejam adequadas. Caso contrário, tais habilidades subjacentes ao
aprendizado da leitura devem, também, ser estimuladas a partir da
identificação do fator determinante do deficit apresentado.
Alguns programas de estimulação da consciência fonológica
têm sido propostos como atividade escolar4, 6 e evidenciam, como
produto, a aceleração de processos ligados à alfabetização. Aqueles
reconhecidos como programas de remediação têm se estruturado e
apresentado na forma de ensaio clínico e se mostrado eficazes na
reabilitação da leitura, quanto ao reconhecimento rápido e preciso
de palavras.9-12
No entanto, no Brasil, os resultados dessas estimulações,
tanto das propostas para escolas quanto para a clínica, não foram,
ainda, analisados longitudinalmente. Têm sido medidos e compa-
rados a partir de avaliações realizadas em sessões pré-estimulação e
pós-estimulação, o que dificulta confirmar o risco suposto e mesmo
a efetividade dos resultados obtidos a mais longo prazo.
A eficácia do programa de remediação parece relacionar-se
com a duração e o número de sessões previstas para a estimulação
(em média, 20), a natureza, a quantidade e a articulação das ativi-
dades metafonológicas realizadas a cada sessão (o reconhecimento
das letras do alfabeto e dos seus respectivos sons, a identificação ou
a produção de rimas e aliterações, a síntese e a análise silábica e fo-
nêmica, a associação fonema-grafema realizada de forma explícita),
a qualidade e a característica do material linguístico selecionado
como elemento ativo de estimulação (rimas perfeitas, extensão e
familiaridade da palavra, estrutura da sílaba etc.).
Provavelmente, o programa se mostrará tão mais eficaz
quanto mais especificamente for concebido para as necessidades
de cada indivíduo.13

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200 DISLEXIA - Novos temas, novas perspectivas

Sabe-se, então, que a estimulação da consciência fonológica


pode: acelerar ou facilitar as condições da alfabetização de crianças
sem queixas ou riscos de falharem no aprendizado da escrita e da
leitura; prevenir o aparecimento de dificuldades de aprender a lidar
com o código alfabético; remediar certas condições ou habilidades
esperadas para o sucesso da alfabetização, em crianças de risco4,6,14
ou em franco processo de fracasso do aprendizado da leitura e da
escrita;9-12 restringir-se a recuperar condições de decodificação (e/ou
de codificação alfabética) influenciando positivamente a velocidade
(o número de palavras lidas por minuto) e a acurácia da leitura de
palavras; juntamente com a estimulação da consciência morfossin-
tática, favorecer o processamento da informação ortográfica – tan-
to mais quanto menos transparente for a ortografia;7,8 associada a
atividades de estimulação da consciência fonoarticulatória, facili-
tar ainda mais a aprendizagem do sistema alfabético da escrita;15
constituir-se em componente de estimulação metacognitiva, de au-
topercepção e de monitoramento, capacidades essas que devem ser
desenvolvidas nos portadores de transtornos de leitura.13

É consenso que, na maioria dos casos, os programas de reme-


diação fonológica limitam-se a recuperar mecanismos de decodifi-
cação, mostrando pouca ou nenhuma influência sobre processos de
leitura relacionados à compreensão do texto, sobretudo nos casos
de escolares que mostram dificuldades persistentes, apesar dos es-
forços do processo de reabilitação.
As informações atuais mostram alarmantes cifras de cidadãos
brasileiros (crianças, adolescentes ou adultos) que não desenvolve-
ram as competências leitoras esperadas para sua faixa etária ou de
escolarização, ou definidas pelas demandas social, profissional ou
tecnológica. Por vezes, essas incapacidades manifestam-se precoce-
mente e, se não atendidas no tempo adequado, certamente, se tra-
duzem em prejuízos cada vez mais expressivos e limitantes. Evidente
e infelizmente, a manifestação precoce de alterações do aprendizado
da leitura implica entender que a fase de prevenção do transtorno
de leitura já passou.

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Intervenção Fonoaudiológica nos Transtornos da Leitura 201

Nesse ponto, é importante considerar que a maioria das pes-


quisas nacionais e internacionais aponta fortes evidências da rela-
ção entre o adequado desenvolvimento da linguagem oral e o de
habilidades para o aprendizado do sistema alfabético da escrita e
para o alcance da compreensão leitora.16, 17

Aceitar tal relação implica algumas reflexões:

1. Nem todos os aprendizes que falham em alguma etapa do de-


senvolvimento da leitura competente, o fazem por apresentar
algum distúrbio funcional ou transtorno do desenvolvimento.
Nesses casos, o preciso diagnóstico diferencial deve levar à iden-
tificação de dificuldades escolares e não de transtornos específi-
cos de aprendizagem que determinam condutas diferentes.18
2. Por outro lado, um significante número de escolares (3,5
a 20,0 % 13) mostra alterações e deficits de habilidades exclu-
sivamente relacionadas ao processamento fonológico, ou as-
sociados a prejuízos ou disfunções de outros subsistemas da
linguagem. Fala-se aqui de crianças cujas carreiras acadêmicas
são de risco, pois não leem bem o suficiente para compreen-
der e, consequentemente, para atender às demandas de uma
competitividade social e profissional, sempre crescentes.
3. Em alguns casos, os deficits do processamento fonológico
são problemas fundamentais no transtorno de leitura, e esse
problema, expresso como prejuízo de decodificação, pode
continuar até a idade adulta.19
4. Apesar de a compreensão seguir, temporalmente, a etapa
de reconhecimento de palavras, nem sempre os deficits do
processamento fonológico, implicados na decodifcação e no
reconhecimento automático da escrita interferirão no desen-
volvimento da compreensão leitora.
5. Da mesma forma, alguns leitores, apesar de fluentes, não
alcançam, sem auxílio instrucional ou terapêutico, a compre-
ensão adequada do texto lido.

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202 DISLEXIA - Novos temas, novas perspectivas

6. Subjacentes aos deficits dos diferentes subsistemas de lin-


guagem (isolados ou associados), por vezes, encontram-se al-
terações do processamento da informação auditiva ou, ainda,
deficits de memória de trabalho ou, até mesmo, velocidades
mais baixas de processamento da linguagem.20
7. Outros transtornos podem aparecer em comorbidade com
as alterações de leitura e influenciar o diagnóstico, o prognós-
tico e, consequentemente, o plano e o processo terapêutico.
8. Geralmente, as alterações identificadas na leitura mos-
tram-se acompanhadas de outras que se manifestam na
escrita – as mesmas habilidades fundamentais requeridas
para a decodificação determinam a codificação do sistema
alfabético, e relação semelhante pode ser observada entre
as capacidades subjacentes à compreensão leitora e à elabo-
ração de um texto. Estas devem ser, igualmente, atendidas.
Aquelas relacionadas com a codificação beneficiam-se com
a estimulação do processamento fonológico e ortográfico.
As manifestas no conteúdo de elaboração escrita melhoram
à medida que são abordadas estratégias voltadas para a esti-
mulação dos subsistemas semântico, sintático e pragmático
e de elaboração do discurso oral e escrito. É importante lem-
brar que o texto compreendido também envolve a produção
de um texto.
9. Os processos cognitivos envolvidos na compreensão alcan-
çada a partir de materiais escritos são considerados de alta
ordem, dependem em grande parte do conhecimento de
mundo do indivíduo (adquirido em dado meio sociocultural)
e de sua motivação e se relacionam com outros subsistemas
da linguagem, que não o fonológico.
10. Funções como memória (principalmente as de curto prazo
e operacional), atenção e motivação interferem, assim como
em todas as atividades de aprendizagem, no resultado da lei-
tura com compreensão.

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Intervenção Fonoaudiológica nos Transtornos da Leitura 203

11. A resposta à estimulação não é homogênea. Há leitores


que respondem lenta ou parcialmente à intervenção, seja
ela preventiva ou terapêutica. Alguns, como já referido,
são resistentes aos programas de intervenção e levam suas
dificuldades até anos mais adiantados do ensino funda-
mental ou médio.2, 19

Destas reflexões, afinal, reafirma-se a importância da esti-


mulação terapêutica dos componentes da linguagem – função do
fonoaudiólogo – quando a compreensão da leitura de texto não é
satisfatoriamente alcançada, mesmo com esforço.17
A admissão de subtipos de alterações da leitura (baseados em:
compreensão versus reconhecimento de palavras, ou na combinação
de ambos) pode facilitar o desenho do plano terapêutico.
De uma maneira geral, a intervenção nos problemas de leitu-
ra em razão de deficits de reconhecimento de palavras deve estabe-
lecer prioridades de estimulação das habilidades de processamen-
to de informações fonológicas, sintáticas, de regras de conversão
grafofonêmica etc., visando ao objetivo final de reconhecimento
rápido e preciso de palavras, em estruturas frasais e em textos de
complexidade crescente. A relação entre o desempenho na leitura
e a capacidade de memória operacional não deve ser esquecida no
planejamento terapêutico.
Alguns leitores são bons decodificadores, mas mostram uma
pobre capacidade de compreender o texto lido (seja ele narrativo ou
expositivo). A avaliação da linguagem oral (principalmente de voca-
bulário expressivo) e das habilidades cognitivas para a compreensão
do texto deve preceder o estabelecimento do programa de interven-
ção. O estímulo para a formação da imagem mental dos persona-
gens descritos, do cenário e dos movimentos narrados é recomen-
dado para crianças que estabeleceram estratégias de memorizar o
texto, em lugar de compreendê-lo. Alguns modelos de intervenção
incluem uma sequência de rotinas de revisão de determinados tex-

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204 DISLEXIA - Novos temas, novas perspectivas

tos e temas, a instrução e o treino explícitos de monitoração do


próprio desempenho e compreensão e a utilização de estratégias de
generalização, o estímulo para a motivação e a prática constante.21
Em todas as atividades terapêuticas ou educacionais, a esti-
mulação da compreensão do texto deve ser iniciada com instruções
adequadas. Em outras palavras, a instrução de leitura deve ajudar
a criança a utilizar as habilidades necessárias para compreender o
material impresso e alcançar o conhecimento veiculado em um ní-
vel compatível com suas capacidades verbais. Além disso, a com-
preensão pode ser facilitada com perguntas a cada proposição lida,
reflexões sobre as ideias propostas, incentivo à identificação da ca-
deia causal. Não basta oferecer um texto e solicitar que o leitor o
reconte. Esta não é uma estratégia de estimulação.
A utilização de textos Cloze (lacunados) também tem sido des-
crita como estratégia de estimulação da compreensão, com resulta-
dos satisfatórios.22

Considerações finais

Admitir a relação entre a linguagem oral e a escrita exige


dos profissionais, quer sejam da área da educação, quer da saúde,
comprometidos com o ensino pleno e o aprendizado proficiente
da leitura e da escrita, que se responsabilizem por identificar no
escolar as forças e as fragilidades de suas habilidades linguísticas e
de linguagem, cognitivas, metacognitivas e pragmáticas. Além disso,
devem levar em consideração o meio sociocultural em que o leitor
desenvolveu suas capacidades de linguagem e o contexto onde agora
vive e no qual troca informações, adquire conhecimentos, reafirma
convicções, aprende a pensar e a criticar.
Quando o conjunto de informações sobre as condições da lei-
tura e escrita justificam o deficit ou o fracasso acadêmico, a primeira
distinção a ser feita deve apontar, com precisão, a necessidade de

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Intervenção Fonoaudiológica nos Transtornos da Leitura 205

avaliação clínica que envolva o exame da linguagem oral (enquanto


um produto do desenvolvimento), dos processamentos envolvidos
na (de)codificação do sistema alfabético e no reconhecimento auto-
mático da palavra escrita, dos meios estimuladores (da linguagem
oral e da escrita), da capacidade de memória operacional, da ampli-
tude e profundidade do vocabulário. Determinar se há um trans-
torno ou se apenas alguma dificuldade definirá todas as condutas
seguintes, principalmente as de remediação ou terapêuticas de mé-
dio ou longo prazo.
Tomando por base a presença de um transtorno de leitura a
partir da identificação das diferentes manifestações (adequadas ou
de deficits) encontradas por meio da observação do professor aten-
to, de procedimentos de triagem, ou de avaliação, pode-se pensar o
processo de intervenção fonoaudiológica.

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206 DISLEXIA - Novos temas, novas perspectivas

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O DESENVOLVIMENTO DAS HABILIDADES
EM MATEMÁTICA

José Alexandre Bastos

Introdução

Em um mundo cada vez mais competitivo, o aprendizado da


leitura, da escrita e da matemática é fundamental para que o indi-
víduo participe do mercado de trabalho. Os temas implicam o en-
volvimento de profissionais de diversas áreas, tais como: Medicina,
Psicologia, Fonoaudiologia, Pedagogia, Terapia Ocupacional, além
do interesse por parte dos professores, dos pais e do governo.
As pesquisas e as publicações sobre os distúrbios do apren-
dizado da leitura e da escrita se avolumaram nas últimas décadas,
no entanto as dificuldades em matemática são menos estudadas, e
os neurologistas têm lhes dado pouca atenção, mantendo-se afas-
tados do tema.
Não saber matemática parece “incomodar” menos do que ter
dificuldades em leitura e escrita, sendo a matéria considerada difícil
por todos; saber matemática parece ser um privilégio de poucos. O

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210 DISLEXIA - Novos temas, novas perspectivas

acesso à matemática, de forma mais abrangente, só aconteceu há


pouco tempo, no entanto, em países com grandes desníveis sociais
como o Brasil, este aprendizado é muito comprometido, sendo uma
causa importante de retenção escolar. Existe referência na literatura
brasileira sobre a participação do País em Olimpíadas Internacio-
nais de matemática desde 1979, obtendo bons resultados, porém
isto não serve como parâmetro para que digamos que o nosso en-
sino/aprendizado em matemática seja de qualidade. Os resultados
mostram apenas que temos pessoas com talento matemático assim
como em outras atividades.

Revisão da Literatura

História

Os cálculos sempre fizeram parte do cotidiano do homem.


Ao caçar ou pescar, faziam-se marcas em ossos de animais ou peda-
ços de madeira, quantificando os resultados.
Com a evolução e a organização das comunidades, houve o
desenvolvimento da agropecuária, com consequentes “sobras” de
produtos, surgindo o comércio. Estes fatores tornaram necessária a
criação de métodos de cálculo mais práticos; controlar o rebanho
de ovelhas, “contando pedras” em que cada pedra correspondia a
uma ovelha, já não era suficiente.1

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O DESENVOLVIMENTO DAS HABILIDADES EM MATEMÁTICA 211

A contribuição dos vários povos para a evolução


dos números e dos cálculos

Os egípcios

Aproximadamente no ano 1650 a.C., um escriba egípcio cha-


mado Aahmeru escreveu um papiro, conhecido como papiro “AH-
MES”, contendo 80 problemas matemáticos resolvidos, relaciona-
dos ao dia a dia das pessoas.
Com a decifração dos hieróglifos no século XVIII, o sistema
numeral Egípcio foi desvendado, tendo basicamente sete números-
chave: 1 – 10 – 100 – 1000 – 10000 – 100000 – 1000000. Cada
número tem um símbolo correspondente.
A ordem dos símbolos não alterava o valor numérico. Para
representar quantitativamente o número 10111, podia-se “escrever”
(Figura 1):

ou

Figura1: O valor 10111 representado de duas maneiras diferentes

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212 DISLEXIA - Novos temas, novas perspectivas

Os romanos

Os romanos desenvolveram um sistema numérico aproveitan-


do as próprias letras do alfabeto, com sete números chave: I = 1; V=
5; X = 10; L =50; C = 100; D= 500; M = 1000.
A ordem das “letras” alterava o valor numérico, assim: MCD
=1400 e MDC= 1600. Existiam outras regras que alteravam o valor do
número, assim, um traço em cima da letra o multiplicava por mil.

_
VI = 6000

Dois traços em cima da letra o multiplicava por 1 milhão.

=
M= 1000000000

A execução de cálculos utilizando-se o sistema romano era


extremamente complexa, imagine-se fazendo o seguinte cálculo:
MCDXVII x DCCIX ?

Os hindus

Na Síria, no ano 662, em reunião em um clube científico, o


bispo sírio Severus Sebokt fez a seguinte afirmação: “Existem outros
povos que também sabem alguma coisa, os hindus, por exemplo,
têm valiosos métodos de cálculos. São métodos fantásticos. Imagi-
nem que os cálculos são feitos por meio de apenas nove símbolos”.
Deve-se aos hindus a descoberta do sistema decimal, que se
fundamenta em três princípios:

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O DESENVOLVIMENTO DAS HABILIDADES EM MATEMÁTICA 213

(1) limitação dos símbolos numéricos em dez; (2) o uso do


zero indicando a ausência de força foi introduzido no ano de 876;
e (3) o princípio no qual o valor numérico muda de acordo com o
posicionamento do símbolo dentro da anotação numérica. (Fig.2)

Figura 2: Números hindus

Os árabes

Uma característica árabe era a sua capacidade em absorver,


aperfeiçoar e divulgar as descobertas de outras civilizações. Com a
matemática, não foi diferente.
Al-Mamun, califa de Bagdá, fundou a “Casa da Sabedoria”,
convidando vários sábios para participar, entre eles Al-Khowarizmi,
que escreveu o livro “Sobre a arte hindu de calcular” no ano de 809.
No apogeu cultural árabe e no seu período expansionista, os
números hindus foram divulgados, passando a ser chamados de nú-
meros arábicos, o que não faz justiça aos hindus.
Os árabes tiveram um papel importante na cultura e na matemá-
tica, aperfeiçoando a aritmética, originária da Índia; a álgebra de fontes
gregas, hindus e babilônicas; a trigonometria e a geometria, da Grécia.
Com o declínio árabe, a Europa que estava em ascensão pode
assumir o papel dando continuidade ao estudo da matemática.
Os números fazem parte do nosso cotidiano: números telefôni-
cos, senhas, verificação de velocidade, balanços bancários e outros. É
uma das mais importantes invenções da humanidade, pois, sem eles,
a ciência e a sociedade provavelmente não teriam evoluído.

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214 DISLEXIA - Novos temas, novas perspectivas

Existem argumentos afirmando que a habilidade numérica


é determinada biologicamente, sendo uma categoria científica de
domínio do conhecimento.
O sistema cerebral para números é comparável às áreas cere-
brais especializadas, como as responsáveis pelo conhecimento das
cores, da audição, entre outras.
Nos humanos, a representação interna para quantidades nu-
méricas se desenvolve no primeiro ano de vida, servindo de base,
mais tarde, para a aquisição de habilidades para o aprendizado dos
símbolos numéricos e a realização de cálculos.1-2

O cérebro e a matemática

A fase especulativa – A teoria frenológica de Gall

Galeno, no ano de 200 d.C., afirmou que existiam áreas


cerebrais especializadas em diversas funções. Entretanto com o
domínio romano e o Cristianismo tornando-se a religião oficial
do Império Romano, o pensamento de Santo Agostinho prevale-
ceu por 1.400 anos, atribuindo estas funções à existência de uma
alma imortal.
Segundo Sabbatini, no século XVIII, as funções cerebrais
podiam somente ser imaginadas; não existiam métodos compro-
vadamente científicos a não ser algumas observações em pacientes
com distúrbios neurológicos.
Em 1796, Franz Joseph Gall, um médico austríaco, mos-
trou a sua teoria localizacionista, afirmando que existiam áreas
cerebrais responsáveis para funções específicas e que estas po-
diam ser percebidas pela palpação de saliências e depressões
do crânio.

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O DESENVOLVIMENTO DAS HABILIDADES EM MATEMÁTICA 215

Estava criada a frenologia (phrenos = mente e logos = estudo)


com o trabalho “A anatomia e fisiologia do sistema nervoso em
geral e do cérebro em particular”.
Os estudos de Gall foram completados por seu discípulo Jo-
hann Spurzheim, que colaborou também na sua divulgação.
A teoria frenológica gerou polêmicas religiosas e científicas,
sendo considerada uma forma de charlatanismo. Historiadores rela-
tam que, entre os principais inimigos da frenologia, estavam Cuvier,
representando o Instituto de Medicina da França, e Napoleão, que
ficou insatisfeito com a interpretação de Gall sobre seu mapa, pois
este não teria mostrado algumas de suas qualidades.3
É surpreendente que, quase 200 anos após, uma das áreas
cerebrais envolvidas no cálculo matemático foi confirmada pelos
estudos com a tomografia com emissão de pósitrons (PET). Esta
registrou o envolvimento do córtex pré-frontal do hemisfério domi-
nante durante a realização de cálculos, na localização comparável
àquela que Gall e Spurzheim propuseram.4

A fase científica

Dois estudos são considerados como os iniciadores desta fase.


Em 1861, Broca demonstrou a área responsável pela função expres-
siva da fala e, em 1874, Wernick demonstrou a área cerebral respon-
sável pela sua função perceptiva.
Segundo Hein, os estudos para localização das áreas cerebrais
envolvidas nos cálculos se iniciaram em 1895 por Röentgen. Em
1908, Lewandowsky e Stadelmann descreveram um paciente com
deficit em adição e subtração, em que foi encontrado um hematoma
na região occipital esquerda, seguiram-se os estudos de Henschen
(1919), Berger (1926) e Gerstmann em 1927 que publicou um artigo
com um complexo sintomático: anomia para dedos, desorientação
direita-esquerda, disgrafia e discalculia. Em 1940, o mesmo autor

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216 DISLEXIA - Novos temas, novas perspectivas

afirma que estes sintomas são consequentes à lesão do gyrus angu-


lar do hemisfério dominante, hoje denominada como síndrome
de Gerstmann.4
Na criança, têm sido relatados estudos com a denominação
de síndrome de Gerstmann do desenvolvimento e, recentemente,
Suresh e Sebastian estudaram dez crianças com os sintomas da sín-
drome de Gerstmann: sinais neurológicos sutis, distúrbio de com-
portamento e distúrbio de linguagem, propondo intervenção cogni-
tiva intensiva com bons resultados.5
Em 1961, Hécaen e colaboradores descreveram os diversos
subtipos de discalculia.6
Enquanto a representação cerebral para quantidades é conhe-
cida desde 1970, apenas recentemente os estudos neuropsicológicos
começaram a investigar a organização cerebral do processamento
numérico no cérebro humano.
Em 1984, Gazzaniga et al. 7 estudaram pacientes com lesão
de corpo caloso ou secionado cirurgicamente, mostrando que
ambos os hemisférios têm áreas disponíveis para quantidades
e cálculos.
Mostraram ainda que ambos os hemisférios possam pro-
cessar números e quantidades, existindo, pelo menos, duas im-
portantes diferenças entre o hemisfério esquerdo e o direito.

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O DESENVOLVIMENTO DAS HABILIDADES EM MATEMÁTICA 217

Hemicampo D Hemicampo E
Hemisfério esquerdo Hemisfério direito

Figura 3: Capacidade cerebral no reconhecimento visual dos símbolos


numéricos e palavras numéricas (Paciente submetido à calosotomia)

1. Os números apresentados ao hemisfério esquerdo


podem ser nomeados, enquanto ao direito não.
2. Os pacientes podem calcular somente com números
apresentados ao hemisfério esquerdo, enquanto fracassam
com o direito, mesmo com operações simples.

O único cálculo possível com o hemisfério direito é o de apro-


ximação. Não se pode decidir se 2 + 2 é igual a 4 ou 5, mas sabe-se
que não é 9.
Entre os 6 e 12 anos de idade, são necessários os seguintes
requisitos para o aprendizado adequado da matemática:

a) capacidade para agrupar objetos de 10 em 10; b) ler e escre-


ver de 0 a 99; c) saber a hora; d) resolver problemas com elementos
desconhecidos; e) compreender meios e quartos; f) medir objetos;
g) nomear o valor de dinheiro; h) medir volume; i) contar cada 2,

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218 DISLEXIA - Novos temas, novas perspectivas

5 e 10; j) compreender números ordinais; l) completar problemas


mentais simples; e m) executar operações matemáticas básicas.
A habilidade em matemática de um adulto letrado deve in-
cluir: leitura, escrita, produzir e compreender números (nos forma-
tos arábicos e palavras numéricas), converter números nestes forma-
tos, realizar operações de adição, subtração, multiplicação e divisão,
além de realização de problemas aritméticos.7

Imagem cerebral e cálculos

Em 1985, Roland e Friberg 8 foram os primeiros a estu-


dar o fluxo sanguíneo regional durante a execução de cálculos
matemáticos, demonstrando que as áreas parietais inferiores e
o córtex pré-frontal são ativados neste processo. Nos últimos
anos, vários estudos mostram que diversas áreas cerebrais estão
envolvidas nas habilidades matemáticas. Os estudos de Dehae-
ne e colaboradores mostram que diferentes áreas estão ativadas
dependendo do tipo de cálculo que se está fazendo, tais como:
cálculos exatos com números pequenos ou grandes, ou se esta-
mos executando cálculos aproximados com números pequenos
ou grandes. 8-9

Bases neuropsicológicas

O cálculo é uma função cerebral complexa, em uma operação


aritmética simples, vários mecanismos cognitivos são envolvidos,
como, por exemplo:

a) processamento verbal e/ou gráfico da informação; b) per-


cepção; c) reconhecimento e produção de números; d) representa-
ção número/símbolo; e) discriminação visoespacial; f) memória de
curto e longo prazo; g) raciocínio sintáxico; e h) atenção.

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O DESENVOLVIMENTO DAS HABILIDADES EM MATEMÁTICA 219

A seguir, são descritos dois modelos neurocognitivos para ex-


plicar o processamento matemático e a discalculia:

1. Modelo de McCloskey 10

O mecanismo de compreensão e produção de números é


diferente. Existem dois subsistemas: um para o processamento do
sistema numérico arábico (exemplo: 435) e outro componente para
o sistema numérico verbal, forma falada e escrita (exemplo: quatro-
centos e trinta e cinco).
Dentro do mecanismo de compreensão e produção de nú-
meros nas formas arábica e verbal, distingue-se o componente lé-
xico e sintáxico.
O processo léxico nos permite compreender e produzir números
como elementos individuais (por exemplo: o dígito 3 e a palavra três).
O processo sintáxico, por outro lado, envolve a relação entre
os elementos em ordem, para compreender ou produzir um núme-
ro como um todo.
A compreensão do número arábico 4759 exige conhecimento
do processo léxico para os dígitos 4,7,5 e 9 e do processo sintáxico,
que usa a posição dos dígitos para determinar que o número é feito
de quatro milhares, sete centos, cinco dezenas e nove unidades; o
mesmo processo é usado para os números na forma verbal.
O sistema para cálculo tem três componentes, além do meca-
nismo de processamento numérico:

1. processamento do símbolo operacional (por


exemplo: 7);
2. lembrança dos fatos aritméticos básicos (por
exemplo: 6 x 7 = 42);
3. execução do procedimento de cálculo.

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220 DISLEXIA - Novos temas, novas perspectivas

Em operações com multiplicações, iniciar com a coluna da di-


reita, escrever a soma dos números abaixo da coluna. Quando a soma
for maior que nove, lembrar-se de “emprestar” e assim por diante.10
Em 1996, Dehaene et al.11 propõem o modelo do triplo códi-
go e os circuitos cerebrais envolvidos no processamento numérico
e nos cálculos.

1. As informações numéricas podem ser manipuladas


no cérebro de três formas: uma representação analógica de
quantidade, na qual os números são representados com um
formato verbal (por exemplo: trinta e sete), e uma forma visu-
al, na qual o número é representado como uma sequência de
símbolos numéricos (por exemplo: 37).
2. O processo transcodificador permite que a informa-
ção seja modificada de um código para outro. Pode-se conver-
ter um número arábico para uma palavra numérica (3 para
três) e vice-versa.
3. Cada tarefa de processamento numérico é baseada
em conjuntos fixos de entrada e saída. O modelo postula que
a tabuada de multiplicação é memorizada, utilizando-se uma
associação verbal entre números representados como se fosse
uma sequência de palavras (exemplo: três vezes sete iguais a
vinte e um). A subtração é uma operação em que não se uti-
liza o aprendizado verbal, baseando-se fortemente na repre-
sentação quantitativa, e as operações com vários números são
frequentemente realizadas, usando-se o código arábico visual
e a representação espacial de números alinhados.

As observações neuropsicológicas são associadas com os cir-


cuitos anatômicos para cada função. As áreas occipitotemporais in-
feriores de ambos os hemisférios estão envolvidas no processo de
identificação visual que dá origem à forma dos números arábicos.

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O DESENVOLVIMENTO DAS HABILIDADES EM MATEMÁTICA 221

A área perisilviana esquerda está envolvida na representação


verbal dos números, e as áreas parietais inferiores de ambos os hemis-
férios estão envolvidas na representação analógica quantitativa.11

O desenvolvimento das habilidades em matemática

As habilidades em matemática não são um privilégio do


ser humano, estudos em animais mostram que elas existem em
várias espécies.
Um estudo no zoológico da Tanzânia comprova que os leões
só atacam quando percebem que estão numericamente superiores;
o teste dos quatro biscoitos no cão também confirma que eles têm
capacidade numérica. Talvez o que melhor comprove estas habili-
dades nos animais sejam os testes nos chipanzés, mostrando que a
habilidade em ordenar números de 0 a 10 equivale à das crianças
que estão frequentando o 2o ano do ciclo fundamental. 12
No ser humano, estas habilidades são inatas, e vários estudos
mostram que, desde recém-nascidos, temos habilidades para contar
e, com poucos meses, já podemos somar e subtrair + 1 e – 1.13
Nas comunidades primitivas, existem vários estudos mostran-
do as habilidades em lidar com números e quantidades.
Os índios Yanomanis utilizam somente três palavras numéricas:

1---- Mahon
2-----Porocabo
3-----Prukatabo

Isto não significa que sua capacidade para quantificar pare


no 3, eles combinam estas palavras numéricas para quantidades
maiores. Um subgrupo dos Yanomanes, os Waicas, tem somente
palavras numéricas para 1 e 2.

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222 DISLEXIA - Novos temas, novas perspectivas

Os Bakairis no Mato Grosso também têm duas palavras


numéricas:

1-------Tokale
2-------Ahage

O seu sistema numérico vai ser uma combinação destas duas


palavras e, assim, teremos:

3--------Tokale ahage
4--------Ahage Ahage
5--------Ahage Ahage Tokale
6--------Ahage Ahage Ahage

Os Bororos do Mato Grosso têm dois sistemas numerais

Versão 1
1. Mit
2. Pobo
3. Augere pobo na awo metuya bokware ------------------- 2+1
4. Augere pobo augere pobo ------------------------------------------- 2+2
5. Augere pobo augere pobo
awo metuya bokware ------------------------------------------------------- 2 +2+1
6. Awo kera upodure, “minha mão toda junta”
7. Augere pobe augere pobe augere pobe ------------------ 2 + 2 + 2
8. Augere pobe augere pobe augere pobe
awo metuya bokware ----------------------------------------------------- 2 + 2 + 2 + 1
9. Augere pobe augere pobe
augere pobe augere pobe ------------------------------------------- 2 + 2 + 2 + 2

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O DESENVOLVIMENTO DAS HABILIDADES EM MATEMÁTICA 223

10. Augere pobe augere pobe augere pobe augere


pobe awo metuya bokware --------------------------------- 2 + 2 + 2 + 2 + 1
11. Augere pobe augere pobe augere pobe
augere pobe augere pobe ----------------------------------- –2 + 2+ 2 + 2 +2

Versão 2 do sistema numérico dos Bororos.

1- Ure mitótuje. “Somente um”


2- Ure póbe. “Um par”
3- Ure póbe ma jéw
metúya bokware. “Um par e um que está
faltando do parceiro”
4- Ure póbe púibìji. “Um par junto”
5- Ure ikéra aobowúto. “Qualquer uma das maõs completa”
6- Bóture ikéra aobowúto. (Alguma coisa sobre mudar para
outra mão)
7- Ikéra metúya
pógedu. “Minha mão e outra com meu
parceiro”
8- Ikerakó boeyadádaw. “Meu dedo do meio”
( da segunda mão )
9- Ikerakó boeyadádaw
mekíw. “Um para o lado do meu dedo
do meio”
10- Ikerakó boejéke. “Meus dedos juntos na frente”
13- Icare búture ivúre
boeyadádawuto pugegé. “Agora um dos meus pés
está no meio novamente.”
15- Icare ívure íyádo. “Agora meu pé acabou”

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224 DISLEXIA - Novos temas, novas perspectivas

20- Avúre icare


maka réma ávure. “Seus pés, agora é a quantidade que
existe com os seus pés
21- Otúre turegodáje
pugéje. “Começando tudo novamente”.
22- Ure póbe
turegodáje pugége. “Dois deles, começando outra vez”(14)

Existem no Brasil mais de 250 comunidades indígenas e ou-


tras que não têm contato com o mundo civilizado, portanto, foge
do nosso propósito uma avaliação aprofundada sobre as variadas
estratégias utilizadas em todas elas, existindo na literatura estudos
detalhados; os dados acima são para salientar que a matemática é
importante mesmo nas comunidades primitivas.
“Antigamente, a gente brigava com a boca, com a bor-
duna, com o arco e a flecha. Hoje a gente tem que aprender a
brigar com o lápis e o papel, entender os escritos. As leis saber
mexer com os números. O mundo está mudando”. Este depoi-
mento foi dado por Carandine Juruna à pesquisadora Mariana
K.L. Ferreira.15

A Evolução das Habilidades em Matemática

Se analisarmos a evolução das habilidades matemáticas em


uma visão piagetiana, assumiremos que estas são adquiridas a par-
tir de determinadas funções cerebrais, tais como: memória de cur-
to e longo prazo, orientação espacial e raciocínio, mas existe uma
outra possibilidade, a de que nascemos com áreas cerebrais espe-
cíficas para o aprendizado da matemática que nos dá uma habili-
dade inata para numerosidade, que, por analogia, corresponderia
à nossa consciência fonológica. Numerosidade ou consciência nu-
mérica é de difícil definição e refere-se à fluência e à flexibilidade

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O DESENVOLVIMENTO DAS HABILIDADES EM MATEMÁTICA 225

com números, ao sentido do significado dos números, às habili-


dade para realizar cálculos matemáticos mentais e para olharmos
o mundo e fazermos comparações.

O Desenvolvimento da Numerosidade

Existem inúmeros estudos demonstrando a capacidade


numérica em crianças com poucos dias de nascido, são testes
não verbais que utilizam a habilidade das crianças em habitua-
ção e desabituação. As crianças estão sempre aprendendo com
novidades e, a partir da habituação, elas vão à busca de outra
novidade. Esta capacidade numérica é restrita até a quantidade
três, e elas são capazes de somar e rapidamente vão aprender
a contar, adquirem a capacidade de ordenar e a capacidade
da cardinalidade e, finalmente, vão ser capazes de aprender o
raciocínio matemático.
Esta última abordagem tem sido defendida em vários estu-
dos. Um estudo que dá respaldo a esta teoria é o da Karen Wynn
com o teste dos Mickeis em que um é colocado atrás de um ante-
paro e outro é colocado sub-repticiamente. O lactente observador
espera que, quando retirado o anteparo, existam dois Mickeis.
Caso tal não ocorra, seu olhar será de espanto por alguns segun-
dos. A mesma prova poderá ser feita para subtração. A figura, a
seguir, mostra o teste descrito.

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226 DISLEXIA - Novos temas, novas perspectivas

Figura 4: Teste do Mickey, modificado de Wynn13

O teste acima descrito não é aceito com unanimidade, existin-


do autores que o questionam com as seguintes perguntas: O resulta-
do seria baseado em posições teóricas não comprovadas? O desenho
do experimento não seria falho? Existiriam explicações alternativas
para a reação do bebê? O fato é que outros autores replicaram o
teste, e a tendência é aceitar como válida a teoria das habilidades
inatas, confirmando o conceito de numerosidade.
Nos humanos, a representação interna para quantidades nu-
méricas se desenvolve no primeiro ano de vida, servindo de base,
mais tarde, para a aquisição de habilidades para o aprendizado dos
símbolos numéricos e a realização de cálculos.
Existem hoje fortes evidências de que as crianças já possuem
habilidades básicas para o desenvolvimento da matemática. Wynn13
demonstrou que crianças podem realizar cálculos simples em torno
dos seis meses de idade.

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O DESENVOLVIMENTO DAS HABILIDADES EM MATEMÁTICA 227

Segundo Lefèvre,16 Piaget, em 1952, criou a teoria do con-


ceito numérico da criança, demonstrando que, no período ope-
ratório (seis a sete anos), a criança desenvolve o pensamento ló-
gico-matemático. Este é o resultado das fases anteriores: período
sensório-motor, até dois anos, período pré-conceptual intuitivo de
dois a cinco anos.16 Aebli, a partir desses conhecimentos, desen-
volveu um modelo didático para o aprendizado da matemática,
dividindo-o em quatro passos:

O primeiro passo é uma ação que inclui objetivos reais (por


exemplo: “Eu tenho 5 maçãs e tiro 3, quantas ficam?”).
O segundo passo é uma ilustração simbólica da operação ma-
temática. A representação realística é modificada em uma forma
mais abstrata (por exemplo: “Se eu apagar 3 dos 5 círculos desenha-
dos na lousa, quantos ficarão?”).
O terceiro passo é a transformação dos símbolos em números,
com a vantagem da aplicabilidade universal (por exemplo: “Quanto
é 5 menos 3?”).
O quarto e último passo é a automatização de resultados co-
nhecidos, por meio da repetição. (17)

Vários estudos deram contribuições importantes para a com-


preensão do desenvolvimento das habilidades em matemática.
Um destes foi publicado por Brian Butterworth em 2005,
que analisou as etapas do desenvolvimento das habilidades em ma-
temática, permitindo a elaboração de uma escala de desenvolvimen-
to destas habilidades.18

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228 DISLEXIA - Novos temas, novas perspectivas

Escala de desenvolvimento de aritmética18

Idades
0;0 Pode discriminar numerais pequenos (Antelle Keating, 1983).

0;4 Pode somar e diminuir 1 (Wynn, 1992).

0;11 Discrimina sequências numerais crescentes e decrescentes


(Brannon, 2002).

2;0 Começa a aprender a contar palavras em sequência (1992).


Pode fazer correspondência um a um em uma tarefa compartilhada
(Potter e Levy, 1998).

2;6 Reconhece que palavras numéricas significam mais que um


(Wynn, 1990).

3;0 Conta em voz alta pequeno número de objetos


(Wynn, 1990).

3;6 Pode somar e subtrair 1 com objetos e palavras numéricas


(Starkey e Gelman, 1982).
Pode usar o princípio cardinal para estabelecer quantidades em cena
(Gelman, 1978).

4;0 Pode usar os dedos para ajudar a contar


(Fusone Kwon, 1992).

5;0 Pode somar pequenos números sem estar hábil para somar em
voz alta (Starkeye Gelman, 1982).

5;6 Compreende comutatividade de adição e conta a partir do


maior (Carpenter, 1982).
Pode contar corretamente até 40 (Fuson, 1998).

6;0 Conserva números (Piaget, 1952).

6;6 Compreende complementaridade de adição e subtração


(Bryant et al., 1999).
Pode contar corretamente até 80 (Fuson, 1998).

7;0 Lembra alguns fatos aritméticos de memória.

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O DESENVOLVIMENTO DAS HABILIDADES EM MATEMÁTICA 229

O cérebro e a Dificuldades em Matemática

O número de pessoas com dificuldades para resolver pro-


blemas matemáticos simples, do dia a dia, é muito grande. A
partir de 1995, no Brasil, são feitas avaliações em matemática
nos alunos de quartas e oitavas séries do 1º Grau (atual ensino
fundamental), mostrando um baixo rendimento, com maiores
dificuldades em questões relacionadas à aplicação de conceitos e
à resolução de problemas.
O Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica
(SAEB) avalia o rendimento em matemática nos alunos das 4a e 8a
série desde 1995, de dois em dois anos, e infelizmente os resulta-
dos não são animadores.19
O Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Men-
tais (DSM-IV), no item 315.5, define o transtorno da matemática
como uma capacidade para a realização de operações aritméticas
(medida por testes padronizados, individualmente administrados,
de cálculo e raciocínio matemático) acentuadamente abaixo da
esperada para a idade cronológica, a inteligência medida e a esco-
laridade do indivíduo (critério A). A perturbação na matemática
interfere significativamente no rendimento escolar ou em ativida-
des da vida diária que exigem habilidades em matemática (critério
B). Em presença de um deficit sensorial, as dificuldades na capa-
cidade matemática excedem aquelas geralmente associadas a estas
(critério C).
Caso esteja presente uma condição neurológica, outra condi-
ção médica geral ou deficit sensorial, isto deve ser codificado no eixo
III. Diferentes habilidades podem estar prejudicadas no transtor-
no da matemática, incluindo habilidades linguísticas e perceptuais
(por exemplo, reconhecer ou ler símbolos numéricos ou aritméticos
e agrupar objetos em conjuntos), habilidades de atenção (por exem-
plo, copiar corretamente números ou cifras, lembrar de somar os
números “levados” e observar sinais de operações) e habilidades

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230 DISLEXIA - Novos temas, novas perspectivas

matemáticas (por exemplo, seguir sequências de etapas matemáti-


cas, contar objetos e aprender tabuadas de multiplicação). 20
Em 1991, Segalowitz e colaboradores estudaram a correlação
entre o trauma de crânio moderado e a dificuldade no aprendizado
de matemática. Esses autores demonstraram que o rendimento pio-
rou após o trauma de crânio.21
Em 1993, Gross-Tsur e colaboradores mostraram que há
diversas doenças que podem implicar certas dificuldades para a
aquisição das habilidades em matemática, sendo, por exemplo, en-
contradas em crianças com epilepsia, portadoras da síndrome do X
frágil, síndrome de Turner e fenilcetonúria tratada, entre outras.22
Em 1994, Klebanov e colaboradores avaliaram crianças que
nasceram com baixo peso e peso normal, encontrando maior difi-
culdade no aprendizado de matemática nas de peso abaixo de 1kg.23
Este estudo foi confirmado por Isaacs em 2001.24
Em 1996, Kopera-Frye e colaboradores estudaram 29 pacien-
tes com síndrome fetal alcoólica. Usando testes para avaliar habili-
dades em matemática, encontraram comprometimento do proces-
samento numérico.25
Em 1997, Alarcon e colaboradores estudaram gêmeos e mos-
traram que existem fortes indícios de significante fator hereditário
nos casos com distúrbios em matemática, existindo necessidade de
outros estudos.26
Em 1998, Aronson e Hagberg acompanharam crianças, filhos
de mães alcoólatras, e encontraram dificuldade em memória de cur-
to prazo, desorientação espacial e dificuldade em matemática.27
O conhecimento das diversas causas de mau rendimento em
matemática nos proporcionou uma tentativa de classificação que
vemos a seguir.28

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O DESENVOLVIMENTO DAS HABILIDADES EM MATEMÁTICA 231

Acalculia e Discalculia do Desenvolvimento

Estes são basicamente os dois tipos de anormalidades em ma-


temática. Segundo Rosselli e Ardilla, o termo acalculia foi introdu-
zido por Henschen em 1925, significando a perda da capacidade de
executar cálculos e desenvolver o raciocínio aritmético.(29) Em 1961,
Hecaen e colaboradores estudaram 183 pacientes com lesões cere-
brais e reconheceram três subtipos de acalculia: 1) alexia e agrafia
para números, em que existe dificuldade para ler e escrever quan-
tidades, com o comprometimento no hemisfério cerebral esquer-

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232 DISLEXIA - Novos temas, novas perspectivas

do; 2) acalculia espacial, em que existe dificuldade na orientação


espacial, impossibilitando a colocação dos números em posições
adequadas para se executarem cálculos, com comprometimento do
hemisfério direito; 3) anaritmetia, que corresponde à acalculia pri-
mária e implica a inabilidade em conduzir operações aritméticas,
em consequência de lesões em ambos os hemisférios.
Os sintomas encontrados com mais frequência são: 1) erro
na formação de números, que frequentemente ficam invertidos; 2)
dislexia; 3) inabilidade para efetuar somas simples; 4) inabilidade
para reconhecer sinais operacionais e para usar separações lineares;
5) dificuldade para ler corretamente o valor de números com mul-
tidígitos; 6) memória pobre para fatos numéricos básicos; 7) dificul-
dade de transportar números para local adequado na realização de
cálculos; 8) ordenação e espaçamento inapropriado dos números
em multiplicações e divisões.
Em 1983, Mesulan e colaboradores estudaram 14 pacien-
tes com problemas emocionais e de inter-relação pessoal asso-
ciados com dificuldades de aprendizado, principalmente em
matemática.30
Em 1991, O’Hare e colaboradores descreveram dois quadros
clínicos que dependem do hemisfério comprometido: a) disfunção
do hemisfério direito caracterizada por inabilidade em conceituar
quantidades numéricas, preservando o reconhecimento e a produ-
ção dos símbolos numéricos, podendo haver associação com inco-
ordenação da mão esquerda, dispraxia constrututiva, pobre orien-
tação espacial e perda da melodia normal da fala (disprosódia); b)
manifestações em consequência do comprometimento do hemis-
fério esquerdo estão relacionadas à inabilidade para reconhecer e
produzir números e símbolos operacionais, preservando o concei-
to de quantidade numérica. Existe comprometimento em cálculo
mental, consequente à falta de habilidade em montar sequências de
números, memória auditiva de curto prazo comprometida, poden-
do apresentar ainda desorientação direita-esquerda, agnosia para
dedos e dislexia.

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O DESENVOLVIMENTO DAS HABILIDADES EM MATEMÁTICA 233

O’Hare e colaboradores ressaltaram ainda a importância prá-


tica da distinção entre os dois quadros, pois é diferente a estratégia
de reabilitação para cada um. As dificuldades envolvendo o hemis-
fério cerebral direito exigem o uso de atividades, como gráficos e
treino de orientação espacial, enquanto as com envolvimento do
hemisfério cerebral esquerdo, atividades com reforço verbal.31
Existem diversos estudos sobre a utilização de tecnologia de
mídia no tratamento das crianças com transtornos em matemática;32
entretanto, o desempenho é melhor com a interferência direta do
professor, pois este oferece melhores condições de ensino. No estu-
do de Wilson e colaboradores, em 1996, todos os estudantes tive-
ram melhor rendimento com a assistência direta do professor.33
No Brasil, pouco tem sido publicado no meio médico sobre
as dificuldades em matemática, mas sabe-se que o problema é gran-
de por meio dos dados do SAEB, SARESP e da UNESCO.
Em 2003, em São José do Rio Preto (SP), foi feito um estudo
em crianças no final do 2º ciclo do ensino fundamental, utilizando-
se um protocolo modificado de Boller e Graffman34, que avalia as
habilidades léxica e sintática, noção de grandeza, cálculos e racio-
cínio aritmético. O protocolo é útil para identificar as habilidades
matemáticas, sendo fácil de ser aplicado tanto individualmente
como em grande população. As conclusões foram as seguintes: os
melhores resultados foram obtidos pelas crianças de 10 e 11 anos e
pelas meninas; aumentaram proporcionalmente com o melhor ní-
vel educacional dos pais, independentemente de ser o pai ou a mãe;
houve uma grande associação entre o melhor rendimento e o nível
socioeconômico do bairro onde a escola está situada.35

Diagnóstico

Em primeiro lugar, deve-se conscientizar e qualificar os profes-


sores para perceberem que um determinado grupo de crianças tem
dificuldade em aprender matemática, que não são “preguiçosos” ou

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234 DISLEXIA - Novos temas, novas perspectivas

os pais não se interessam, e sim que precisam de um diagnóstico,


feito de preferência por uma equipe interdisciplinar.
Tal equipe deve contar com instrumentos adequados, lem-
brando que ainda não existe no nosso meio protocolo validado para
este fim.
Devem ser afastadas situações médicas que podem ser acom-
panhadas de dificuldades em matemática, deficiência mental, pro-
blemas emocionais, entre outras.
Estudos de neuroimagem são promissores para o melhor en-
tendimento do distúrbio do aprendizado de matemática; o grupo de
Dehaene e Cohen tem dado importante contribuição, com estudos
de ressonância magnética cerebral funcional em pacientes com sín-
drome de Turner com discalculia. É preciso ressaltar que tais exames
são úteis em pesquisa, não sendo usados como método diagnóstico
de rotina.35

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O DESENVOLVIMENTO DAS HABILIDADES EM MATEMÁTICA 235

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Avaliação Neurocognitiva da
Discalculia do Desenvolvimento

Fabiana Silva Ribeiro e Flávia Heloísa dos Santos


Correspondente: Profa. Dra. Flávia Heloísa dos Santos

O presente capítulo tem por finalidade apresentar informa-


ções sobre o desenvolvimento das habilidades matemáticas, concei-
tos, características e tratamento do Transtorno da Matemática e,
ainda, a descrição de um caso clínico.

Desenvolvimento das habilidades matemáticas

Estudos1-2 sugerem que a compreensão implícita de numero-


sidade, a ordinalidade, a contagem e a aritmética simples podem
ser demonstradas em bebês humanos em tarefas de discrimina-
ção em função da numerosidade de uma exposição3 e correspon-
dências de numerosidade entre modalidades,4 isso significa que a
capacidade numérica não é vinculada a uma dada modalidade e
requer uma compreensão relativamente abstrata.
Considerando o desenvolvimento típico, no primeiro ano
de vida, os bebês podem discriminar pequenas numerosidades e

239

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240 DISLEXIA - Novos temas, novas perspectivas

adicionar e subtrair um. A partir dos dois anos, as crianças ini-


ciam a aprendizagem das palavras referentes à contagem.5 De três
a quatro anos, as crianças podem contar até quatro itens e já usam
os dedos para somar; aos cinco anos, conseguem fazer adição sem
contar e compreendem sua comutatividade, além de apreender
o conceito de representação numérica.5-7 Entretanto, com o iní-
cio da educação formal, estas habilidades se tornam secundárias,
diferenciando-se em suas especificidades, de acordo com o contex-
to cultural.8 Crianças de oito anos já conseguem escrever quan-
tidades numéricas de três dígitos, reconhecer símbolos e realizar
exercícios elementares de adição e subtração. Outras proficiên-
cias, como a multiplicação e a divisão são adquiridas entre 9 e 12
anos de idade.6-7
Durante o ensino fundamental, a criança aprende o sistema
decimal, a traduzir e reproduzir números de uma modalidade de
representação para outra (por exemplo: verbal: “vinte e três”, para
arábica: “23”) e aritmética básica para que possa compreender a na-
tureza da operação, transcodificar e integrar representações verbais
em representações matemáticas e, assim, resolver problemas.2 No
ensino médio, a complexidade desses processos se amplia, adquirin-
do procedimentos de várias etapas, e, quando adultos, as habilida-
des quantitativas estão relacionadas às adquiridas nos ensinos fun-
damental e médio.9 Desta forma, indivíduos idosos (61 a 80 anos)
apresentam melhor desempenho do que indivíduos jovens (18 a
38 anos) na resolução de contas de subtração9 e adição,10 devido à
maior prática na utilização de estratégias de resoluções aritméticas.

Discalculia e Acalculia

A Discalculia do Desenvolvimento (DD) consiste em um


transtorno relacionado às habilidades matemáticas presumivelmen-
te devido a um comprometimento funcional específico no siste-
ma nervoso central.11-12 Nos manuais médicos, é conhecida como

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Avaliação Neurocognitiva da Discalculia do Desenvolvimento 241

“Transtorno da Matemática”13 e “Transtorno específico de habilida-


des aritméticas”.14 Para definições, veja Tabela 1, contudo o termo
DD é mais frequente na literatura neurocognitiva, razão pela qual
também será utilizado no presente capítulo.
Neste sentido, a DD se distingue das dificuldades escolares
comuns diante da matemática e constitui um transtorno de apren-
dizagem específico, que afeta a aquisição normal das habilidades
aritméticas15,12 e que requer avaliação e tratamento especializados.

Tabela 1: Características fundamentais da DD

Transtorno da Matemática: a criança manifesta


dificuldades para realizar operações elementares de
adição, subtração, multiplicação e divisão, sem que isso
DSM-IV (13)
seja resultado de um ensino inadequado ou retardo
mental global, exclusivamente; o diagnóstico requer que
tais operações sejam aferidas por testes padronizados.

Transtorno Específico da Habilidade em Aritmética:


prejuízo específico nas habilidades matemáticas que não
CID-10 (14)
pode ser explicado individualmente, com base no retardo
mental global ou na inadequação escolar

Em 1925,16 o termo “acalculia” foi utilizado para designar a


perda de habilidades aritméticas previamente adquiridas associada
a uma rede cortical distinta e autônoma para os fatos numéricos,
ou seja, para as habilidades de contagem, classificação ordinal, lei-
tura e manipulação dos símbolos e o conhecimento das regras sub-
jacentes às quatro operações básicas.17 A DD diferencia-se da “acal-
culia”, pois a primeira representa uma discrepância em relação à
idade e à escolaridade quanto à aquisição e à manipulação dos fatos
numéricos durante o desenvolvimento típico, enquanto a última

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242 DISLEXIA - Novos temas, novas perspectivas

corresponde a um prejuízo ou perda dos fatos numéricos outrora


aprendidos devido a um dano cerebral.18 Portanto, a acalculia se ma-
nifesta em desordens neurológicas,15 tais como: tumores cerebrais,
traumatismos craniencefálicos e transtornos degenerativos.18

Prevalência e Epidemiologia

Estudos populacionais em países, como os Estados Unidos,


Alemanha, Índia, Reino Unido e Israel, mostram que a prevalência
da DD varia de 3 a 6,5%.12, 19
A DD pode se manifestar de forma isolada, no entanto cerca de
25% dos casos possuem comorbidade com outros transtornos, como
Transtorno do Deficit de Atenção/Hiperatividade (TDAH), a Dislexia.
Entretanto, crianças que apresentam DD e Dislexia são mais compro-
metidas que as crianças com DD em combinação com o TDAH (20).

Neurobiologia da DD

Há evidências de que hajam redes neurais especializadas para


o processamento numérico e do cálculo. O lobo parietal esquerdo é
descrito como uma área indispensável para o cálculo, especificada-
mente, o giro angular esquerdo.21 Os estudos de casos indicam que
o lobo parietal direito estaria envolvido especificamente na enume-
ração rápida,22 enquanto os problemas aritméticos que envolvem
textos e raciocínio abstrato estariam ligados à ativação do córtex
pré-frontal.23 Estudos de neuroimagem funcional confirmaram o
papel do giro angular esquerdo para o cálculo,24 especialmente para
a recuperação de fatos numéricos,25 ao passo que tarefas numéricas
simples, tais como aquelas associadas ao conceito de senso numéri-
co, mostram tipicamente a ativação bilateral do sulco intraparietal.24
A enumeração simples é frequentemente encontrada pela ativação
do sulco intraparietal direito.26

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Avaliação Neurocognitiva da Discalculia do Desenvolvimento 243

Existem evidências convergentes de que o sulco intraparietal


pode estar danificado ou em mau funcionamento em indivíduos
com DD,27 os quais podem ativar áreas cerebrais alternativas. Entre-
tanto eles não são capazes de ativar regiões que são normalmente
ativadas durante os exercícios aritméticos, pois são disfuncionais ou
dismórficas; para compensar esta limitação, os indivíduos com DD
recrutam outras regiões do cérebro, mas infelizmente estas estraté-
gias neurocognitivas são pouco eficientes.15
O papel da genética na etiopatogênese da DD tem sido de-
monstrada em estudos de gêmeos, como em uma amostra de 1.500
pares monozigóticos e de 1.375 pares de dizigóticos de gêmeos de
sete anos de idade. Esta pesquisa constatou que aproximadamente
30% da variância genética foi específica para a matemática.28
Em termos neuropsicológicos, a DD pode se caracterizar pe-
las seguintes disfunções: agrafia numérica, alexia para números e
discalculia espacial,29 além da parafasia numérica.

Modelos teóricos de representação numérica

Conceitualmente,30 o termo cálculo refere-se à realização de


operações matemáticas básicas, como adição, subtração, multiplica-
ção e divisão, por meio de símbolos (por exemplo: +, –, × ou ÷) ou
palavras (por exemplo: mais, menos, vezes, dividir), à recuperação
desses e de outros fatos aritméticos básicos e à execução de proce-
dimentos de cálculos aritméticos. Por outro lado, o processamento
numérico refere-se tanto ao entendimento da natureza dos símbo-
los numéricos associados às suas quantidades quanto à produção
numérica em forma de leitura, escrita e de contagem de números.
Outros autores assumem que o processamento de informações au-
ditivas e visuais das operações matemáticas ocorre por interação
de áreas cerebrais, que, individualmente codificadas, permitem a
recuperação da informação memorizada.31 Posteriormente foi pos-
tulado o modelo do “código triplo” que refere três modalidades

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244 DISLEXIA - Novos temas, novas perspectivas

de representação numérica: visual arábica, verbal e analógica.32


Pode-se passar da forma verbal à forma visual (escrever sob ditado)
e inversamente (ler os números arábicos) sem necessariamente ati-
var a “representação analógica das quantidades numéricas” (sem
associar os números à quantidade que eles representam). A repre-
sentação analógica corresponderia à representação semântica dos
modelos precedentes33.
Foi inserido o conceito de Senso Numérico (Number Sense)
que seria uma capacidade inata para reconhecer, comparar, somar e
subtrair pequenas quantidades sem recurso da contagem, em uma
Linha Numérica (Number Line) que é orientada espacialmente e
representa quantidades.34 Atualmente, atribui-se um papel funda-
mental ao conceito de “senso numérico” para a competência das
habilidades matemáticas.35
Autores36 denominaram Sistema de aproximação numérica
(Approximate Number System, ANS) o sistema de conhecimento cen-
tral dos números por meio do qual o processo de abstração numé-
rica extrairia estatísticas sumárias de uma cena (que, a princípio,
poderia estar em outra modalidade, além da visual). O ANS seria
separado dos processos implicados na estimativa analógica de quan-
tidade (quantos objetos versus quantas coisas), contudo, mapeado
em representações de magnitude analógica. Este sistema de quanti-
ficação não verbal parece constituir o alicerce filogenético e ontoge-
nético de todas as outras habilidades matemáticas mais elaboradas,
incluindo a aritmética.37
Uma visão recente na literatura considera que as habilidades
numéricas geneticamente determinadas e influenciadas pelo am-
biente, assim como o senso numérico, sofreriam uma transição a
partir da fase pré-verbal, passando pela fase escolar até a idade adulta
que culminaria no desenvolvimento da linha numérica mental. Os
autores postularam que essa representação mental seria um produto
da experiência e do desenvolvimento neuroplástico que requer mais
do que um sistema numérico intacto, pois se desenvolve a partir
de imagens visuais, da linguagem e da memória operacional.38 Essa

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Avaliação Neurocognitiva da Discalculia do Desenvolvimento 245

proposição é conhecida como Modelo de Desenvolvimento para a


Aquisição de Habilidades Numéricas (MAHN) e é considerada uma
preditora de disfunções neuropsicológicas em crianças com DD.38

Características Clínicas da DD

Diversos fatores podem confundir e dificultar a identificação


da DD. Por exemplo, deficits neurocognitivos em Memória Opera-
cional39 e Funções Executivas,40 os quais tendem a produzir dificul-
dades na aprendizagem escolástica em geral e não apenas na arit-
mética.39 Além disso, fatores sociais e culturais, como privação ao
ensino, classes heterogêneas, currículos não avaliados e ansiedade
diante da matemática, podem comprometer a aprendizagem. Isto
significa que contexto subjacente aos sintomas deve ser analisado
criteriosamente para o diagnóstico da DD.
Outro fator a ser considerado é a relação entre a idade e
o ano escolar, pois a criança pode apresentar no primeiro ano
escolar um atraso leve na aquisição e na recuperação de fatos
aritméticos básicos, bem como na execução de exercícios de arit-
mética, contudo estas dificuldades, em geral, são inerentes ao
processo de aprendizagem. Por outro lado, a criança entre nove
e dez anos que possui um atraso de dois anos em relação aos seus
pares, com notável dificuldade para a recuperação de fatos arit-
méticos gerais41-42 e a aprendizagem de conceitos numéricos e de
algoritmos de adição, subtração, multiplicação e divisão exibe,
assim, um perfil mais compatível com a presença do transtorno
propriamente dito. Crianças com DD podem apresentar falha
na manipulação do conhecimento processual de algoritmos, que
pode ser identificada pelo uso indevido dos sinais aritméticos
e pela dificuldade na solução de problemas e cálculos de baixa
complexidade, como 12 - 8 ou 7 X 7.12,20

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246 DISLEXIA - Novos temas, novas perspectivas

Diagnóstico

A estimativa adequada do alcance escolar é fundamental ao


diagnóstico, pois crianças que possuem um desempenho abaixo das
expectativas para idade e ano escolar, ainda que não tenham DD,
estão sob risco de desenvolver o transtorno, entre outras consequ-
ências. Quando as dificuldades escolares não são superadas, podem
gerar outros inconvenientes, como a ansiedade diante da matemáti-
ca, a perda da agilidade e do interesse pelas tarefas da disciplina ma-
temática, o baixo desempenho em exercícios de aritmética básicos,15
as reprovações, a evasão escolar, a instabilidade emocional etc.
Embora as evidências neurobiológicas da DD relacionadas
às disfunções encefálicas e às alterações genéticas13 estejam bem
documentadas, o seu diagnóstico ainda depende da avaliação
neuropsicológica e acadêmica como marcadores fundamentais.
Deste modo, quando há suspeita de DD ou qualquer outro trans-
torno de aprendizagem, o primeiro passo é encaminhar a criança
a um profissional com formação em Neuropsicologia para reali-
zar a avaliação das habilidades aritméticas da criança por meio
de testes padronizados.15
A Bateria Neuropsicológica para Avaliação do Tratamento
dos Números e do Cálculo para Crianças (ZAREKI, do alemão:
Neuropsychologische Testbatterie fûr ZAhlenarbeitung und RE-
tchnen bei Kindern),43 revisada em 200644 e, desde então, refe-
rida como Zareki-R, é o instrumento mais utilizado internacio-
nalmente para avaliação de habilidades matemáticas. A Zareki-R
avalia as habilidades matemáticas da criança, tanto nos domínios
do cálculo quanto no processamento numérico, em conformida-
de com o MAHN.38 Escores baixos na bateria são indicadores
da DD.45 A ZAREKI-R possui versões em diferentes idiomas, o
que viabiliza a realização de comparações transculturais. Estu-
dos de adaptação, validação e obtenção de dados normativos
foram realizados no Laboratório de Neuropsicologia da UNESP
de Assis.33-46

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Avaliação Neurocognitiva da Discalculia do Desenvolvimento 247

Há outros instrumentos disponíveis para avaliação das ha-


bilidades matemáticas infantis, ainda que não tenham sido desen-
volvidos especificamente para discriminar diferentes aspectos da
representação numérica. Em nosso meio, o subteste de aritmética
da Escala Wechsler de Inteligências para Crianças47 e o Teste de
Desempenho Escolar-TDE48 são os mais utilizados.
Um estudo brasileiro49 demonstrou alta correlação (r=0,73)
entre o total da Zareki-R e o Teste de Aritmética do TDE,48 o que
confirma a validade de construto da versão brasileira da Zareki-R
como instrumento adequado para avaliação das habilidades ma-
temáticas, com a vantagem de que, além do cálculo propriamen-
te dito, avalia, ainda, o processamento numérico, que também se
encontra prejudicado em crianças com DD. Entretanto, nenhum
instrumento deve ser considerado isoladamente, mas em relação às
outras características da avaliação: escores de testes em outros domí-
nios neurocognitivos, escalas de comportamento, humor e qualida-
de de vida, dados de anamnese e observação comportamental.

Estudo de Caso

Um menino (LB) de oito anos de idade, de uma prole de dois


irmãos, pais casados, matriculado no 3º ano escolar, foi encaminha-
do ao Laboratório de Neuropsicologia da UNESP/Assis devido às
dificuldades atencionais e à lentidão nas atividades escolares. Na se-
mana anterior à avaliação neuropsicológica, LB foi diagnosticado em
consulta médica e exclusivamente com base no relato familiar com o
TDAH, sendo prescrito 25mg de amitriptilina por 30 dias, que seria
então substituído por 2,5mg de metilfenidato. Toda a avaliação neu-
ropsicológica ocorreu antes do início do tratamento farmacológico.
Durante a avaliação, o garoto demonstrou capacidade atencional e
para seguir regras adequadas à idade. Conforme escalas e inventários
utilizados, apresentou boa qualidade de vida e ausência de indicativos
de depressão e ansiedade. Seu nível intelectual foi classificado como

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248 DISLEXIA - Novos temas, novas perspectivas

médio-superior. Apresentou desempenho médio em testes de aten-


ção, memória operacional e linguagem. Com relação às Funções exe-
cutivas, apresentou nível conceitual médio-superior. O garoto obteve
pontuação superior em tarefas de leitura e escrita,48 entretanto seu
desempenho em aritmética foi abaixo do esperado para sua série esco-
lar e, ainda, médio-inferior para o 2º ano. A criança apresentou esco-
res dentro do esperado em um conjunto de subtestes que avaliavam
aspectos verbais da Zareki-R, o que caracteriza um bom desempenho
em tarefas que exijam habilidades matemáticas envolvendo aspectos
fonológicos. No entanto, houve prejuízo leve quanto à Contagem
Oral em ordem direta e inversa, estimativa qualitativa de quantidades
no contexto e na Zareki-R Escore Total, além disso, obteve Prejuízo
Grave (três desvios padrão abaixo da média etária) para o subteste de
Cálculo Mental, demonstrando comprometimento na capacidade de
representação visuoespacial numérica. Os resultados da Zareki-R são
apresentados na Tabela 2.

Tabela 2: Escores [Média (DP)] dos resultados obtidos nos subtestes da


Zareki-R

Caso
Zareki-R Esperadob Classificação
(LB)
1. Enumeração de Pontos (EP) 1 3,5 (0,8) P. Grave
2. Contagem Oral em Ordem Inversa (COI) 2 3,2 (1,2) P. Leve
3. Ditado de Números (DN) 14 11,6(3,7) Média
4. Cálculo Mental (CM) 2 25,1(11,8) P. Grave
5. Leitura de Números (LN) 16 13,3 (3,3) Média
6. Ordenação em Escalas (OE) 13 15,6 (5,0) Média
7. Memorização de Dígitos (MD) 24 23,9 (8,3) Média
8. Comparação Oral (CO) 9 12,1 (3,8) Média
9. Estimativa Visual (EV) 8 5,4 (2,4) Média
10. Estimativa no Contexto (EC) 6 13,4 (4,4) P. Leve
11. Problemas Aritméticos (PA) 4 5,5 (3,8) Média
12. Comparação Escrita (CE) 16 18,4 (2,8) Média
Total ZAREKI-R 91 127,3 (31,6) P. Leve

Legenda: NR: Zareki-R: Bateria Neuropsicológica para Avaliação do Tratamento dos Números
e do Cálculo para Crianças – Revisada. (b) Dados normativos (50). P= Prejuízo. DP=Desvio
Padrão: (P. Leve: -1DP; P. Moderado: -2 DP; P. Grave: -3 DP).

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Avaliação Neurocognitiva da Discalculia do Desenvolvimento 249

Com relação à queixa atencional, as medidas objetivas crono-


metradas utilizadas, somadas aos relatos comportamentais obtidos
por meio de questionários especializados preenchidos tanto pelo
responsável quanto pelo professor, não foram compatíveis com os
critérios dos manuais médicos13-14 para diagnóstico de TDAH. Por
outro lado, a avaliação evidenciou um prejuízo grave nas habilida-
des de Cálculo e um atraso na aquisição dos conceitos aritméticos
esperados para sua série escolar, apesar de o nível intelectual ser
adequado, assim como o método pedagógico e a ausência de al-
terações de humor, de desordens neurológicas e/ou psiquiátricas
e, desta forma preenchendo os critérios diagnósticos dos manuais
médicos para DD.13-14
LB obteve prejuízo nos subtestes EP e EC da Zareki-R que são
medidas de processamento numérico, que dependem do sistema
inato de representações numéricas e que está diretamente relacio-
nado ao Senso Numérico, indicando de acordo com o MAHN38
dificuldades no passo 1. Com relação aos passos 2 e 3, a criança
demonstrou domínio da transcodificação entre os sistemas numé-
ricos verbal e arábico, contudo, exibiu comprometimento do passo
4, diretamente ligado ao cálculo e à formação da linha Numérica
Mental. Seu prejuízo foi acentuado principalmente no que concer-
ne à realização de operações matemáticas básicas e à recuperação
de fatos aritméticos para a execução dos mesmos, demonstrada por
sua dificuldade em tarefas que demandavam informações espaciais
em contraste com aquelas que utilizavam informações fonológicas.
Observou-se ainda uma baixa capacidade relacionada ao ANS,36 ca-
racterizada por sua dificuldade na habilidade de contagem.
A criança foi encaminhada ao atendimento psicopedagógi-
co para desenvolver as habilidades matemáticas de forma lúdica,
recomendou-se a interrupção do reforço escolar da matemática,
para não causar ansiedade ou mesmo estresse diante dos conteúdos
escolares; foram realizadas, ainda, orientações aos familiares e ao
professor quanto aos critérios diagnósticos para o TDAH e para a
DD, além de estratégias para facilitar a aprendizagem matemática.

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250 DISLEXIA - Novos temas, novas perspectivas

O atendimento psicopedagógico se baseou no MAHN, ten-


do a intervenção sido focada nas habilidades visoespaciais, além
de estratégias de aprendizagem para conceitos de aritmética básica
(soma e subtração). Após seis meses em atendimento psicopedagó-
gico, LB já conseguia realizar sozinho em lápis e papel cálculos que
envolviam soma.

Reabilitação Neuropsicológica

O tratamento deve abordar as múltiplas facetas do transtor-


no, mantendo o foco nas intervenções educativas para melhorar o
uso cotidiano das habilidades matemáticas e o desempenho acadê-
mico. Autores defendem que a reabilitação deve ser centrada nos
deficits neurocognitivos perceptivos, visoespaciais e verbais subjacen-
tes à DD. É recomendado o reforço da percepção numérica e de
conceitos aritméticos50 e o uso de estratégias, como a verbalização
de conceitos aritméticos, processos e operações.51
O psicólogo é essencial para a avaliação diagnóstica da DD
considerando aspectos cognitivos, emocionais e culturais, além do
manejo de instrumentos apropriados para avaliação padronizada
das habilidades matemáticas; a avaliação médica contribui para
diagnóstico diferencial e determinação da etiologia – se primária,
sintomática, ou comórbida a outros transtornos.52 Contudo, uma
equipe interdisciplinar pode auxiliar em diferentes aspectos na in-
tervenção da DD como discutir com os pais a natureza do prejuízo
cognitivo que afeta a criança; orientar tanto a criança como os pais
e a escola a respeito das opções terapêuticas viáveis para cada caso e
fornecer explicações sobre aspectos neurobiológicos subjacentes ao
transtorno, e implicações da genética familiar.53

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Avaliação Neurocognitiva da Discalculia do Desenvolvimento 251

Conclusão

Embora as pesquisas denotem avanços na compreensão dos


processos neurocognitivos subjacentes à DD, ainda há carência de
estudos sobre as estratégias mais adequadas e efetivas ao seu enfren-
tamento. A DD é uma desordem multifatorial e persistente, associa-
da, na maioria dos casos, a prejuízos atencionais, emocionais, com-
portamentais e de desenvolvimento da linguagem. Considerar tais
comorbidades no planejamento de intervenções é essencial para a
efetividade da prática educativa e, acima de tudo, para contribuir
na qualidade de vida da criança.

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252 DISLEXIA - Novos temas, novas perspectivas

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Discalculia e Dislexia: semelhança
epidemiológica e diversidade de
mecanismos neurocognitivos

Vitor Geraldi Haase, Ricardo José de Moura, Pedro Pinheiro-Chagas e


Guilherme Wood
Os estudos que fundamentam o presente artigo estão sendo conduzidos no Departamento de
Psicologia da UFMG e na Paris-Lodron Universidade de Salzburgo.
Durante a realização dos estudos que conduziram à redação do presente capítulo, os autores receberam
auxílio financeiro das seguintes instituições: FAPEMIG, CNPq, CAPES, DAAD, SUS, FWF- Projeto Nr. P22577.

Introdução

A pesquisa contemporânea sobre as bases cognitivas e neu-


robiológicas da dislexia do desenvolvimento (DL) – ou transtorno
específico de aprendizagem da leitura (e escrita) – iniciou-se no final
da década de 70. Em contraste, a investigação sobre discalculia do
desenvolvimento (DC) – ou transtorno específico de aprendizagem
da aritmética – é bem mais recente.1 A maior popularidade da DL
em comparação à DC é atestada pelo número bem mais expressivo
de publicações sobre a DL. Enquanto os verbetes “dyslexia” e “rea-
ding learning disabilities” resultam respectivamente em 6.842 e 4.903
referências, os verbetes “dyscalculia” e “mathematical learning disabili-
ties” resultam em apenas 207 e 1.049 referências, respectivamente
(PUBMED, fevereiro de 2011, www.ncbi.nlm.nih.gov).
O presente trabalho é uma revisão comparativa entre DC e
DL. Esta comparação é muito útil tanto para pesquisadores quanto

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258 DISLEXIA - Novos temas, novas perspectivas

para clínicos interessados em ambos os transtornos. O texto é orga-


nizado em função das principais categorias clínico-epidemiológicas
relevantes. Um panorama esquemático do presente trabalho se en-
contra representado no Quadro 1. Ao final, realizamos uma síntese
extraindo implicações para a pesquisa futura e para a prática clínica.
Argumentamos que mais do que as semelhanças epidemiológicas,
as diferenças entre esses dois transtornos concernindo seus meca-
nismos neurais e cognitivos também serão consideradas.

Definição e diagnóstico

DC e DL são entidades nosológicas pertencentes ao grupo


dos transtornos específicos de aprendizagem (TEAs), os quais se di-
ferenciam dos transtornos mais generalizados de aprendizagem, de-
ficits intelectuais e retardo mental. Ambas as DC e DL são definidas
em função de critérios comportamentais e de exclusão. Atualmente
ainda não há marcadores biológicos claros para o diagnóstico clí-
nico. Nesses termos, o que as distingue é o domínio ou a habili-
dade predominantemente comprometido: o reconhecimento visual
automático de palavras na DL2 e as habilidades de processamento
numérico e cálculo básico na DC.3
Para o diagnóstico de TEA, é necessário que as dificuldades
sejam crônicas, persistindo de uma série para outra, de uma ava-
liação para a próxima.4, 5 Também é necessário excluir deficiências
intelectuais inespecíficas, dificuldades emocionais ou falta de expe-
riência cultural e/ou de aprendizagem adequada como causas pos-
síveis dos transtornos observados. O critério comportamental se
baseia no desempenho em algum teste específico e padronizado de
rendimento escolar, como, por exemplo, o Teste de Desempenho
escolar – TDE.6 Geralmente são considerados os critérios: (a) dois
anos escolares de discrepância entre o desempenho da criança e a
série frequentada, ou então (b) o desempenho da criança deve situ-
ar-se entre 2 ou 1,5 desvios padrões abaixo da média para a série.

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Discalculia e Dislexia: semelhança epidemiológica e diversidade ... 259

Contudo, o critério de discrepância entre o desempenho e


o QI tem sido duramente criticado.4 As definições tradicionais de
TEAs, como DSM-IVTR7e CID-10,8 explicitam que deve haver uma
discrepância entre o QI e o desempenho, ou seja, o desempenho
deve situar-se significativamente abaixo do que seria esperado con-
siderando o QI da criança. Do ponto de vista teórico, o critério de
discrepância é criticado devido à ausência de evidências etiológicas
ou fisiopatogênicas sugestivas de uma diferença qualitativa entre as
dificuldades de aprendizagem associadas ou não à deficiência men-
tal, isto é, os mecanismos cognitivos e as estratégias reabilitadoras
não diferem fundamentalmente em função da inteligência. O cri-
tério de discrepância também pressupõe que a direção causal seja
apenas da inteligência para a aprendizagem e não vice-versa. Dos
pontos de vista prático, epidemiológico e pedagógico, esse critério
de discrepância priva crianças com retardo mental do acesso a ser-
viços educacionais especializados. Entretanto, como a inteligência
é um poderoso preditor do desempenho escolar, é necessário levar
em consideração a influência da inteligência como variável interve-
niente. A prática tem sido limitar os estudos a crianças com TEAs,
com o QI mínimo necessário para o cálculo do ponto de corte, o
qual atualmente corresponde a no máximo um desvio padrão abai-
xo da média (veja por exemplo em Landerl e outros9).
Diferentes graus de comprometimento são caracterizados na
literatura, levando a uma distinção entre dificuldades de aprendi-
zagem (desempenho < percentil 25, ou até mesmo percentil 35) e
transtorno de aprendizagem (desempenho < percentil 55). Um cri-
tério diagnóstico que vem ganhando importância crescente é a res-
posta à intervenção (RI).4 A ideia da RI é identificar indivíduos com
dificuldades de aprendizagem, avaliar o seu desempenho e o seu
perfil neuropsicológicos, proporcionar-lhes as melhores interven-
ções neuropsicopedagógicas disponíveis e reavaliar o seu progresso
após um período de intervenção. De acordo com esta proposta, são
identificados como portadores de um transtorno apenas aquelas
crianças ou aqueles jovens cujas dificuldades forem persistentes e
mais resistentes à intervenção.

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260 DISLEXIA - Novos temas, novas perspectivas

Pelo exposto, fica claro que, do ponto de vista do critério,


ainda que não do ponto de vista da habilidade comprometida, o
diagnóstico de DC e DL apresenta uma estrutura similar. Ambas
compartilham os problemas associados ao diagnóstico comporta-
mental e excludente. Uma comparação entre os mecanismos cogni-
tivos típicos de cada transtorno será realizada a seguir.

Prevalência e comorbidades

Considerando-se como pontos de corte 1,5 a 2 desvios pa-


drões abaixo da média, a prevalência de DL ou DC situa-se em torno
de 6%.10, 4 As estimativas para DC podem ser mais baixas, até cerca
de 3%, e as para DL podem ser um pouco mais altas, dependendo
do critério. Nos estudos clínicos sobre DL, há um predomínio de
indivíduos do sexo masculino, o qual possivelmente se deve a um
viés de encaminhamento, uma vez que este não é identificado em
pesquisas epidemiológicas.4 Não há diferenças consistentes quanto
ao sexo na frequência de DC.10, 11
Tanto a DL como a DC são altamente comórbidas entre si e com
o transtorno do deficit de atenção por hiperatividade (TDAH). É esti-
mado que até cerca de 70% dos indivíduos com TEAs apresentem al-
gum tipo de comorbidade.12, 13 Entre as comorbidades, ainda merecem
destaque os transtornos adversativos de comportamento e os transtor-
nos internalizantes associados à ansiedade e à baixa autoestima.14
Comorbidades dificultam muito o cálculo de prevalência e
também a identificação dos mecanismos cognitivos deficitários em
cada TEA.15 O conceito de TEAs originou-se de construtos mais
globais, tais como: lesão ou disfunção cerebral mínima, os quais di-
ferenciavam um grupo de crianças com dificuldades persistentes de
aprendizagem e inteligência nos limites da normalidade.4 Contudo,
as investigações diferenciaram progressivamente quadros cada vez
mais seletivos de domínio. No entanto, a ocorrência maciça de co-
morbidades ainda questiona a especificidade dos deficits seletivos.

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Discalculia e Dislexia: semelhança epidemiológica e diversidade ... 261

Uma solução proposta para a problemática decorrente das


comorbidades é o conceito de endofenótipos.16 Já que o número
de genes é menor do que o número de traços fenotípicos, o pro-
cesso de desenvolvimento cerebral tem de ser epigeneticamente
regulado por mecanismos gênicos sensíveis à experiência ambien-
tal. As relações entre genes e traços fenotípicos são complexas, de
muitos para muitos e não de um para um e são suscetíveis a diver-
sos passos intermediários de regulação ambiental e autorregula-
ção. Os endofenótipos correspondem aos passos intermediários,
múltiplos loci de regulação na complexa rede que se estende do
genoma ao fenoma. Investigações procuram caracterizar e distin-
guir os endofenótipos associados aos TEAs do ponto de vista neu-
robiológico por meio de pesquisas com neuroimagem estrutural
e funcional e do ponto de vista cognitivo por meio de pesquisas
com métodos neuropsicológicos. O desafio é precisar cada um
dos endofenótipos que constituem o mosaico de manifestações
fenotípicas apresentado por cada paciente.

Prognóstico

Ambos os transtornos DC e DL justificam sua caracterização


como entidades nosológicas – entre outros motivos – pelo fato de
serem persistentes e com enorme potencial para afetar a adapta-
ção psicossocial. Pesquisas demográficas e econômicas indicam, por
exemplo, que tanto a DL quanto a DC associam-se com escolari-
zação formal mais baixa e, consequentemente, menor empregabi-
lidade e renda.17 As análises sugerem, inclusive, que os efeitos de
dificuldades com leitura ou aritmética podem ser específicos apesar
de se correlacionarem.18
Em longo prazo, considerando períodos de cinco a dez
anos, a probabilidade de o indivíduo persistir no diagnóstico
de DC é maior do que 70% (veja por exemplo19). A persistên-
cia das dificuldades de aprendizagem escolar resulta também em

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262 DISLEXIA - Novos temas, novas perspectivas

transtornos psicopatológicos externalizantes e internalizantes.14


Estudos realizados com DL indicam que esta também é uma
condição persistente, apesar de haver compensação progressiva
das dificuldades inicialmente apresentadas.20 Contudo, análises
de curva de crescimento indicam que uma parcela substancial
de indivíduos com DL não realiza progressos. A grande maioria
apresenta um padrão de atraso no desenvolvimento das habi-
lidades de leitura, vindo a alcançar em idades mais avançadas
patamares de desempenho inferiores aos das crianças típicas.20
As informações disponíveis sobre o prognóstico da DL e da DC
indicam mais semelhanças do que diferenças, o que, novamente,
não é surpreendente, dadas as definições de ambos transtornos.

Etiologia

As pesquisas indicam que a etiologia das DL e DC são multi-


fatoriais, envolvendo alterações em múltiplos genes que interagem
de forma complexa com o ambiente. As pesquisas genéticas sobre
DL estão mais avançadas. Os estudos de ligação identificaram nove
loci gênicos associados à DL, dos quais quatro já foram confirmados
em diversos estudos.21 Os estudos de associação mostram polimor-
fismos em diversos loci gênicos estatisticamente associados à DL,
mas as magnitudes de efeito são pequenas e aditivas. Um padrão si-
milar de resultados foi descrito para a DC, havendo alta recorrência
familiar22, 23 e altos coeficientes de herdabilidade em estudos com gê-
meos.24 A partir de 2009, as primeiras análises de triagem genômica
completa para DC foram publicadas.25 Diversos polimorfismos de
nucleotídeos únicos se associam ao desempenho em matemática.
Os efeitos foram pequenos e aditivos, e a variância de desempenho
foi explicada tanto por fatores gerais (por exemplo, com o desempe-
nho em leitura) quanto por fatores específicos à matemática.
As influências culturais e socioambientais sobre o desempe-
nho em leitura e matemática são associadas à classe social e mais

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Discalculia e Dislexia: semelhança epidemiológica e diversidade ... 263

evidentes em aspectos mais avançados do desempenho, tais como:


a compreensão de leitura e a resolução de problemas aritméticos
verbalmente formulados.26, 27 As influências ambientais podem es-
tar associadas a diferenças em outras variáveis cognitivas gerais, tais
como: a inteligência28 e a memória de trabalho.29
Associação com síndromes genéticas indica que, além da
etiologia multifatorial, os TEAs se devem a perturbações de loci
gênicos específicos. A DC integra o fenótipo de diversas sín-
dromes genéticas, tais como: a síndrome de Turner, a síndrome
do sítio frágil do cromossoma X em meninas,30, 31 a síndrome
velocardiofacial,32 a síndrome de Williams33 etc. Apenas uma
síndrome genética, a síndrome de Klinefelter, tem sido consis-
tentemente associada a deficits verbais semelhantes aos encontra-
dos na DL.34 A ocorrência de DC na síndrome fetal alcoólica35
é compatível com a hipótese de múltiplos efeitos genéticos as-
sociados a influências ambientais na etiologia das desordens de
aprendizagem da matemática.
Novamente, no que tange à etiologia, as semelhanças entre
DC e DL são mais salientes do que as diferenças. As divergências
entre as duas entidades se acentuam, porém, após o exame de seus
mecanismos neurobiológicos e cognitivos.

Mecanismos neurobiológicos

Existe uma profusão de modelos teóricos para explicar as ba-


ses neurobiológicas da DL. Alguns autores têm chamado a atenção
para a presença de alterações neurossensoriais e perceptomotoras
em indivíduos disléxicos, sugerindo que mecanismos bottom-up dão
origem às dificuldades de leitura. Os modelos mais influentes impli-
cam deficits na coordenação motora e na aprendizagem procedimen-
tal, atribuíveis a disfunções cerebelares,36 deficits no processamento
temporal rápido de séries fonêmicas,37 deficits no canal magnocelu-
lar de processamento visual38 etc. As alterações perceptuais e moto-

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264 DISLEXIA - Novos temas, novas perspectivas

ras são, entretanto, de natureza inespecífica, sendo compartilhadas


por praticamente todos os transtornos do desenvolvimento. Obser-
vações psicofísicas39 e neuropsicológicas40 indicam, adicionalmente,
que existem indivíduos disléxicos nos quais não são detectáveis alte-
rações perceptuais ou motoras.
Pesquisas neuropatológicas mostraram que, em alguns casos
de DL, é possível observar transtornos da migração neuronal e orga-
nização citoarquitetônica cortical em áreas perisilvianas do hemisfé-
rio esquerdo.41 Os estudos de neuroimagem estrutural e funcional
revelaram um padrão consistente de comprometimento morfoló-
gico e deficits de ativação em áreas corticais e suas interconexões
no hemisfério esquerdo.42, 43 A rede relacionada ao processamento
fonológico e lexical, a qual abrange as áreas temporais superiores e
posteriores, áreas ventrolaterais do córtex pre-frontal (área de Bro-
ca) e a transição occipitotemporal ventral ou giro fusiforme (áreas
19 e 37 de Brodmann).
A pesquisa sobre as bases neurobiológicas da DC é mais re-
cente. Não existem estudos neuropatológicos específicos, mas um
estudo de neuroimagem estrutural em jovens com sequela de leu-
comalácia periventricular revelou comprometimento bilateral da
substância branca no lobo parietal posterior associado a deficits
de desempenho em matemática.44 Os estudos morfométricos e de
conectividade cortical indicam que o sulco intraparietal bilateral-
mente é uma área implicada na DC, tanto associada a síndromes45
quanto multifatorial.46 Os resultados dos estudos de neuroimagem
ainda não permitem conclusões definitivas. Alguns estudos mos-
tram aumento,47 enquanto outros estudos mostram diminuição48
ou ausência de atividade na região do sulco intraparietal.49 Os estu-
dos de neuroimagem funcional mostram ainda que crianças ativam
áreas mais amplas do córtex cerebral em tarefas de processamento
numérico e aritmético, inclusive de regiões pre-frontais, do que os
adultos.50, 51 Estudos de treinamento em adultos jovens mostram
que a aquisição de perícia com fatos aritméticos novos desloca o
foco de ativação do córtex pre-frontal e sulco intraparietal bilateral-

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Discalculia e Dislexia: semelhança epidemiológica e diversidade ... 265

mente para o giro angular esquerdo.52 As investigações neurocogni-


tivas mostram, portanto, que as áreas cerebrais envolvidas no pro-
cessamento da linguagem pela leitura e na aritmética são distintas.
O modelo de reciclagem neuronal cultural propõe que a leitu-
ra-escrita e a aritmética são habilidades culturais de aquisição recen-
te na nossa espécie, as quais recrutam áreas corticais originalmente
empregadas com outras finalidades.53 A automatização do reconhe-
cimento visual de palavras pode começar pela decodificação das re-
presentações fonêmicas das palavras na alça dorsal, sua conexão com
representações ortográficas e a formação de um léxico ortográfico por
meio do recrutamento de áreas corticais visuais especializadas no pro-
cessamento de objetos complexos. A aritmética, por outro lado, se
tornou possível graças ao estabelecimento e ao refinamento progres-
sivo de conexões entre o sulcointraparietal e outras áreas corticais res-
ponsáveis por representações simbólicas de numerosidade, memória
de trabalho e conhecimento procedimental e semântico.

Mecanismos cognitivos

Grosso modo, a aprendizagem da leitura pode ser sistematiza-


da em duas fases.54 Na primeira, a ênfase recai sobre os mecanismos
de reconhecimento visual das palavras, envolvendo a decodificação
fonológica, a correlação grafema-fonema e a automatização de um
vocabulário de vista. A automatização do reconhecimento visual de
palavras permite que, na segunda fase, a aprendizagem da leitura
passe a focalizar a compreensão.
Os estudos cognitivos iniciais sobre DL ocorreram em falantes
de línguas ortograficamente muito irregulares, tais como o inglês.
Não surpreende, portanto, que os primeiros modelos da DL enfati-
zassem as representações fonológicas na memória de trabalho55 e a
consciência fonêmica40 como habilidades crucialmente envolvidas
na DL. A investigação de línguas ortograficamente mais transparen-
tes como o alemão mostrou que mecanismos ortográfico-lexicais de

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266 DISLEXIA - Novos temas, novas perspectivas

reconhecimento de palavras também são importantes.2 Conforme


um modelo influente do processamento fonológico-lexical,56 a DL
envolve disfunção em dois circuitos importantes, um circuito dor-
sal, fonológico-articulatório, que é implementado por conexões en-
tre o córtex temporal posterior e as áreas pre-frontais ventrolaterais,
e um circuito ventral que permite o acesso lexical direto por meio
de uma estação no giro fusiforme.
A aritmética é um domínio bem mais complexo do que a lei-
tura e está sujeita a uma enorme variação interindividual.11 Uma
distinção básica é realizada entre processamento numérico e cál-
culo. O processamento numérico consiste da estimação de magni-
tudes e da transcodificação entre os diversos códigos numéricos,
principalmente o verbal e o arábico. O cálculo aritmético simples
compreende mecanismos para o reconhecimento dos operadores,
os fatos aritméticos e os procedimentos de cálculo propriamente
ditos.57 Os cálculos complexos são realizados de forma mais efi-
ciente na notação Arábica por meio da utilização de algoritmos
baseados no valor posicional decimal.60 A resolução mental de
cálculos mais complexos ou usando o sistema visual Arábico exige
memória de trabalho, conhecimento procedural e semântico. A
resolução de problemas aritméticos verbalmente formulados de-
manda compreensão textual, inferências quanto ao melhor mo-
delo mental que representa quantitativamente o problema e a
adoção de estratégias de solução de problemas e funcionamento
executivo que conduzam à solução correta.
Se definirmos DC a partir das dificuldades de desempenho
em testes padronizados de rendimento escolar, praticamente todas
essas habilidades aritméticas podem estar comprometidas. Há basi-
camente duas escolas de pensamento quanto aos deficits cognitivos
envolvidos na DC: deficits domínio-inespecíficos e domínio-especí-
ficos. A perspectiva mais tradicional enfatiza deficits inespecíficos
de domínio, relacionados a disfunções na memória de trabalho,
procedimental e semântica, levando a dificuldades na consolidação
ou na automatização dos procedimentos em fatos aritméticos e es-

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Discalculia e Dislexia: semelhança epidemiológica e diversidade ... 267

tratégias de cálculo (Veja a referência 58 e confira também a sessão


especial no periódico Developmental Neuropsychology, volume 33,
caderno 3, 2008.)
A análise da DC em termos de mecanismos cognitivos espe-
cíficos à aritmética é geralmente realizada no âmbito do modelo de
triplo código,59, 60 vide também revisão em.61 O modelo de triplo có-
digo considera que as representações verbais e Arábicas de numero-
sidade são construções culturais desenvolvidas a partir de uma for-
ma mais primitiva de representação não simbólica de magnitude,
a qual é compartilhada com diversos animais.62 As representações
não simbólicas podem ser testadas, por exemplo, em tarefas de com-
paração da magnitude de conjunto de pontos, sendo caracterizada
psicofisicamente pela lei de Weber-Fechner. O efeito da distância
corresponde à lei de Weber: quanto menor for a distância numérica
entre os conjuntos a serem discriminados, maior será o tempo de re-
ação e a taxa de erros. A lei de Fechner corresponde ao fato de que a
função psicofísica que melhor se ajusta aos tempos de reação é loga-
ritmicamente comprimida, ou seja, quanto maior for a magnitude
considerada, menor será a precisão da sua representação.63 Segundo
o modelo de código triplo, as representações não simbólicas, rela-
cionadas à atividade de áreas do sulco intraparietal bilateralmente
são ativadas sempre que o conteúdo semântico de magnitude preci-
sa ser ativado. A automatização dos fatos aritméticos se dá por meio
da consolidação de representações verbais, cujo acesso depende do
giro angular bilateralmente. Finalmente, a utilização dos algoritmos
de cálculo no sistema arábico é possível a partir da ativação destas
representações no giro fusiforme, bilateralmente.64
Alguns estudos indicam que o senso numérico está compro-
metido em indivíduos com DC,9, 65 havendo correlação também
com o desempenho aritmético em jovens com desenvolvimento tí-
pico.66 Outros estudos apresentaram evidências mais compatíveis
com deficits no acesso às representações não simbólicas de magni-
tude a partir das representações simbólicas.67 Os dados de pesquisa
disponíveis indicam, portanto, que a aprendizagem da aritmética

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268 DISLEXIA - Novos temas, novas perspectivas

pode ser comprometida a partir de deficits nas representações não


simbólicas de magnitude. Além disso, deficits de acesso ao senso nu-
mérico, secundários a dificuldades de automatização das conexões
entre as representações simbólicas verbais e Arábicas e o senso numé-
rico mais primitivo, bem como as dificuldades relacionadas à memó-
ria operacional, à memória semântica, ao conhecimento procedural e
ao pensamento estratégico determinam a aprendizagem aritmética.

Diagnóstico precoce, prevenção e intervenções

Investigações sobre a alfabetização chamam a atenção para


a importância dos mecanismos fonológicos e ortográficos envol-
vidos no reconhecimento visual de palavras nas séries iniciais,
permitindo o desenvolvimento de estratégias eficientes de diag-
nóstico precoce e intervenção.68 Há, inclusive, evidências de
neuroimagem funcional apoiando a eficácia das intervenções
cognitivas para DL.37, 69 Uma medida do êxito das intervenções
pode ser ilustrada pelo fato de que as discrepâncias socioeconô-
micas quanto ao desempenho escolar nos Estados Unidos so-
mente são perceptíveis atualmente a partir da 4ª série. Nessa
etapa do desenvolvimento, a ênfase muda para as habilidades
de processamento textual, as quais dependem de forma mais
importante de processos inferenciais e vocabulário, o chamado
“fourth-grade slump”.54 No que se refere à DC, já existem evidên-
cias longitudinais indicando que o desempenho em tarefas de
senso numérico na pré-escola é preditivo do desempenho escolar
em aritmética.70 Programas de intervenção neurocognitiva tam-
bém foram propostos para a reeducação de crianças com DC,71
mas tais programas ainda não tiveram sua eficácia examinada em
ensaios clínicos controlados em escala maior.

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Discalculia e Dislexia: semelhança epidemiológica e diversidade ... 269

Considerações finais

O reconhecimento das conexões entre DL e DC é antigo, re-


fletindo o fato de que dois tipos de dificuldades são comórbidos.11
Uma hipótese que ainda é considerada é a de que deficits em habi-
lidades associadas à DL, tais como a consciência fonêmica, possam
desempenhar um papel nas dificuldades em aritmética apresenta-
das por algumas crianças. Há evidências de que o desempenho em
testes de consciência fonêmica e memória de trabalho verbal são
preditivos do desempenho em aritmética.72 Mas não há estudos
que analisem a especificidade destes resultados. As crianças com
comorbidade entre DL e DC tendem a apresentar QI mais baixo e
dificuldades mais graves de aprendizagem. Mas as dificuldades na
aritmética, por exemplo, não são observadas em tarefas relaciona-
das ao senso e ao processamento numérico mais básico, e sim em
tarefas mais complexas como a resolução de problemas verbalmente
formulados. Tarefas estas que são mais exigentes em recursos gerais
de processamento, como memória de trabalho, bem como vocabu-
lário e capacidade de inferências verbais.26, 27
Evidências fortes para uma dissociação entre DL e DC fo-
ram obtidas tanto em estudos experimentais9 quanto em estudos
cognitivo-neuropsicológicos.73 Um padrão de dissociação dupla
tem sido observado. Existem crianças com DC que apresentam
dificuldades com o senso numérico, mas não têm dificuldades
com o reconhecimento visual de palavras ou com a consciência
fonêmica e vice-versa. Diversas crianças com DL apresentam de-
ficits no reconhecimento visual de palavras e/ou na consciência
fonêmica, mas têm o senso numérico preservado. A existência de
duplas dissociações entre DL e DC sugere que a coexistência das
duas entidades em um mesmo indivíduo deva ser explicada como
comorbidade. O foco de pesquisa atual na DL e, principalmente
na DC, tem sido caracterizar melhor os endofenótipos cognitivos
subjacentes a estes transtornos, procurando caracterizar também
suas bases neurais.

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270 DISLEXIA - Novos temas, novas perspectivas

Tipicamente, a maturação do cérebro infantil consiste na


transformação de uma circuitaria altamente conectada e funcional-
mente inespecífica em redes neuronais globais parcialmente segre-
gadas e especializadas.74 De acordo com o exposto, a comorbidade
entre DL e DC não pode ser explicada nem por um deficit cognitivo
único nem por disfunção de uma região neuronal específica e co-
mum associada simultaneamente a esses dois transtornos da apren-
dizagem. Uma explicação muito mais plausível para a comorbidade
entre DL e DC reside na perturbação de mecanismos de maturação
de redes neuronais no cérebro, os quais são caracterizados por uma
alta variabilidade interindividual e determinados por uma comple-
xa interação entre fatores genéticos, morfológicos e epigenéticos.75
A perturbação precoce dos mecanismos de especialização neuronal
pode levar à seleção mal-adaptativa de conexões neuronais e, dessa
maneira, produzir deficits em uma ou mais funções cognitivas espe-
cíficas, tais como: a leitura, escrita e a aritmética.
As pesquisas sobre DC têm se intensificado nas últimas déca-
das, ainda que, em escala comparativa menor do que ocorre com a
DL.1 A pesquisa sobre DL tem sido usada como um modelo bem-
sucedido que encoraja a pesquisa sobre DC. O interesse por pesqui-
sas sobre DC pode estar relacionado às representações sociais de
que a matemática é um tópico intrinsecamente difícil e pela subes-
timação das consequências ocupacionais desastrosas associadas à in-
capacidade matemática. Os conhecimentos disponíveis permitem,
entretanto, inferir que DC e DL são duas entidades distintas ainda
que comórbidas. Apesar das semelhanças quanto a diversas carac-
terísticas epidemiológicas, tais como: definição, critérios diagnósti-
cos, prevalência e prognóstico, as diferenças são notáveis quanto às
redes neurais e aos mecanismos cognitivos envolvidos (veja Quadro
1). A complexidade de mecanismos cognitivos potencialmente en-
volvidos na DC também parece maior do que na DL.

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Discalculia e Dislexia: semelhança epidemiológica e diversidade ... 271

quadro 1: Perfil clínico-epidemiológico comparativo da dislexia e da


discalculia

Dislexia Discalculia

Desempenho abaixo de 1,5 a Desempenho abaixo de 1,5 a


2,0 desvios padrões em teste 2,0 desvios padrões em teste
padronizado de desempenho. padronizado de desempenho.
Exclusão de deficits Exclusão de deficits
Definição neurossensoriais, retardo neurossensoriais, retardo
diagnóstica mental, transtornos emocionais mental, transtornos
e experiência educacional emocionais e experiência
inadequada como fator causal educacional inadequada como
primário. fator causal primário.

Critério de discrepância Critério de discrepância


desempenho-QI (atualmente desempenho-QI (atualmente
Diagnóstico questionado). questionado).
Resposta à intervenção. Resposta à intervenção.

Prevalência 6-7%. 3-6%.


Importante, principalmente Importante, principalmente
Comorbidades com DC e TDAH com DL e TDAH

Menor empregabilidade e Menor empregabilidade e


menor renda. menor renda.
Prognóstico Psicopatologia internalizante e Psicopatologia internalizante e
externalizante. externalizante.

Multifatorial (poligênica +
Multifatorial (poligênica +
fatores socioambientais não
fatores socioambientais não
identificados).
Etiologia identificados).
Associação com síndrome fetal
Associação com síndromes de
alcoólica e diversas síndromes
Down e Klinefelter.
genéticas.

Transtorno da migração
neuronal em áreas perisilvianas
Alterações morfológicas do
esquerdas.
sulco intraparietal e de sua
Alterações morfológicas
conectividade bilateralmente
de áreas corticais e de sua
tanto em indivíduos com
conectividade em um circuito
síndromes genéticas e fetal-
Mecanismos envolvendo o sulco temporal
alcoólica quanto na forma
neurobiológicos superior posterior, o giro multifatorial. Alterações
fusiforme e a área de Broca
morfológicas no giro angular
no hemisfério esquerdo.
do hemisfério dominante.
Possível deficit no canal visual
Deficits na coordenação motora
magnocelular.
(inespecíficos)
Deficits na coordenação motora
(inespecíficos)

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272 DISLEXIA - Novos temas, novas perspectivas

Mecanismos específicos:
transtorno do senso numérico
não simbólico e/ou deficit
Deficit no reconhecimento
de acesso às representações
visual de palavras isoladas
não simbólicas de magnitude
devido a perturbações
a partir de representações
da memória de trabalho
simbólicas (verbais e Arábica).
Mecanismos fonológica, consciência
Mecanismos gerais: deficits na
cognitivos fonêmica e representações
memória de trabalho (verbal e
ortográfico-lexicais. Deficit no
visoespacial), transformação de
processamento temporal rápido
procedimentos em memória
de séries fonêmicas.
semântica, empobrecimento
do conhecimento semântico
numérico, funcionamento
executivo.

O papel relativo das


dificuldades com o senso
Identificação precoce de numérico no jardim de
crianças com deficits na infância em relação a outras
Diagnóstico consciência fonológica e/ variáveis, tais como: memória
precoce e ou dificuldades iniciais de trabalho ou consciência
prevenção no reconhecimento visual fonêmica, ainda não foi
de palavras. Intervenção suficientemente esclarecido.
neuropsicopedagógica é eficaz. Escassez de dados quanto
à eficácia de intervenções
preventivas.

Estudos iniciais com


Fundamentadas em modelos
intervenções baseadas em
neurocognitivos e com eficácia
modelos neurocognitivos. Base
Intervenções comprovada, inclusive com
de dados insuficiente para
estudos de neuroimagem
conclusões definitivas quanto
funcional.
à eficácia.

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Discalculia e Dislexia: semelhança epidemiológica e diversidade ... 273

Por todas essas razões, urge que pesquisadores e clínicos se


interessem mais pelos transtornos de aprendizagem da matemáti-
ca, desenvolvam e empreguem instrumentos diagnósticos eficazes e
fundamentados do ponto de vista neurocognitivo para obter o mes-
mo sucesso alcançado na compreensão e na remediação das dificul-
dades de leitura e escrita. Os modelos cognitivos constituem uma
forma adicional de localizacionismo virtual em neuropsicologia,76
permitindo estabelecer um elo entre as manifestações fenotípicas e
as bases neurogenéticas dos transtornos. O levantamento do perfil
de funções comprometidas e preservadas em termos de um modelo
cognitivo de processamento de informação é um instrumento indis-
pensável para o planejamento de intervenções eficazes. O conheci-
mento dos modelos cognitivos constitui, portanto, uma ferramenta
prática muito útil para o neuropsicólogo.

Conclusões

DL e DC são dois transtornos específicos da aprendizagem


cujo diagnóstico depende da exclusão de transtornos cognitivos
mais gerais. Tanto a DL como a DC têm uma frequência alta na po-
pulação, com consequências desastrosas para o desempenho escolar
e profissionalização. A DL e a DC apresentam uma alta comor-
bidade ainda que, do ponto de vista cognitivo e neuroanatômico,
estes sejam transtornos claramente diferenciados. Há indícios fortes
de uma base genética para ambos os transtornos, a qual, contudo,
é bastante complexa e ainda largamente desconhecida. Enquanto
um conjunto compacto e homogêneo de mecanismos cognitivos
está envolvido na DL, na DC, o problema é bem mais complicado.
Na DC, a caracterização de diferentes subtipos ainda merece muita
investigação. Há muito a fazer pela caracterização da DC com vistas
a dirimir o impacto negativo grave da discalculia sobre o desenvol-
vimento infantil.

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Transtorno de Deficit de Atenção/
Hiperatividade e Transtornos de
Aprendizagem

Cláudia Machado Siqueira, Juliana Gurgel-Giannetti, Maria do Carmo Mangelli


Ferreira Araújo, Débora Fraga Lodi, Juliana Flores Mendonça Alves,
Karina Avelar e Luciana Mendonça Alves

Introdução

O Transtorno de Deficit de Atenção/Hiperatividade (TDA/H)


é o transtorno neuropsiquiátrico mais comum na infância e uma
causa muito frequente de mau desempenho escolar (MDE). O tema
tem sido foco de numerosas publicações, e, nos últimos anos, hou-
ve enorme transformação e progresso no conhecimento sobre o
TDA/H, os Transtornos de Aprendizagem e a relação entre estes
dois quadros.
São inúmeros os fatores que influenciam o desempenho es-
colar abaixo do esperado para as habilidades cognitivas de crianças
com TDA/H em relação aos seus pares. Desta forma, há uma neces-
sidade premente de utilizar estes recentes conhecimentos na práti-
ca clínica para melhor atender às necessidades de nossos escolares,
viabilizando o seu desenvolvimento pleno na busca de qualidade de
vida e cidadania.

283

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284 DISLEXIA - Novos temas, novas perspectivas

O objetivo deste capítulo é oferecer uma atualização sobre


os prejuízos acadêmicos e suas repercussões ao longo da vida de
um indivíduo com TDA/H, com maior entendimento sobre como
ajudar estas crianças.

TDA/H

Segundo o Manual Diagnóstico e Estatístico dos Transtor-


nos Mentais, 4ª edição (DSM-IV), a característica primordial do
TDA/H é um padrão permanente e inapropriado de desatenção e/
ou hiperatividade-impulsividade, mais frequente e intenso que seus
pares, levando a prejuízo social e/ou escolar em pelo menos dois
contextos. Os sintomas devem estar presentes antes dos sete anos
de idade e persistir por mais de seis meses.1
O TDA/H é classificado pelo DSM-IV em três subtipos:
predominantemente hiperativo, predominantemente desatento e
combinado. O subtipo predominantemente hiperativo apresenta
excessiva atividade motora e impulsividade de respostas. O subtipo
predominantemente desatento apresenta dificuldades em sustentar
atenção, distratibilidade, desorganização e dificuldade na execução
de tarefas de persistência. O subtipo combinado exibe comporta-
mentos inadequados em ambas as dimensões.2 Segundo os critérios
diagnósticos do DSM-IV, é necessário observar a presença de seis
ou mais sintomas de desatenção ou hiperatividade/impulsividade,
persistindo por pelo menos seis meses, em grau mal-adaptativo e
inconsistente com o nível de desenvolvimento.
Os sintomas se modificam ao longo da vida. Os problemas
relacionados à fase pré-escolar (em torno de três a quatro anos) vão
gradativamente diminuindo até a adolescência. Por este motivo, no
passado, achava-se erroneamente que o TDA/H melhorava com o
tempo. Os sintomas relacionados à desatenção ficam mais eviden-
tes no início da idade escolar (entre cinco a sete anos), talvez pela
maior demanda das habilidades atencionais.3-5 A desatenção (ou

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Transtorno de Deficit de Atenção / Hiperatividade e Transtornos ... 285

distratibilidade) está presente em todas as faixas etárias e hoje está


implicada como a principal causa de MDE.6
Nos últimos anos, alguns autores descreveram um subgrupo
do subtipo desatento – tempo cognitivo lento (“sluggish cognitive tem-
po”) que ocorre em 30 a 50% dentre o subtipo desatento.3,6-7 Este
subgrupo apresenta marcada desatenção e comprometimento da
velocidade do processamento da informação. É caracterizado por
acentuada lentidão cognitiva e passividade social. Está associado
a maiores prejuízos tanto escolares quanto sociais, além de altos
índices de comorbidades com Transtornos de Aprendizagem (em
especial a Discalculia).8
O TDA/H é uma condição crônica com início precoce na in-
fância e que pode persistir até a vida adulta. A prevalência mundial
fica em torno de 5,29% 9. Existe grande variabilidade da prevalên-
cia de acordo com os critérios diagnósticos utilizados (DSM-IV ou
Classificação lnternacional de Doenças – CID) e a amostra avaliada
(populacional ou clínica). A prevalência em meninos é maior, va-
riando de 9 a 3:1, de acordo com amostra. Em meninas, a manifes-
tação mais frequente é o subtipo desatento, sendo menos frequente
sua identificação e diagnóstico. Em adultos, a prevalência é de 2,9
a 4,4%, sem diferença de gênero.3, 6

TDAH e mau desempenho escolar (MDE)

Existe forte relação entre TDA/H e MDE, tanto em amostras


clínicas quanto populacionais. Os problemas acadêmicos e educacio-
nais são persistentes ao longo da vida na maioria destes indivíduos, e
já podem ser detectados desde a pré-escola2, 10. Na literatura, estima-se
que até 56% necessitam de monitores acadêmicos, 30 a 40% frequen-
tam programas de educação especial, em torno de 30% têm história
de repetência, até 46% têm história de suspensão escolar e 10 a 35%
evadem ou não completam os estudos.3 Este insucesso escolar reflete
em todos os domínios: pessoais, sociais e familiares.

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286 DISLEXIA - Novos temas, novas perspectivas

O mau desempenho escolar (MDE) pode ser definido como


um rendimento aquém do esperado para habilidades cognitivas,
idade (maturação) e escolaridade em domínios específicos da leitu-
ra, escrita (grafia e ortografia) e matemática.11
Diante de uma criança com MDE, deve-se diferenciar o que é
dificuldade escolar (DE) e Transtorno de Aprendizagem (TA). A DE
relaciona-se com problemas de origem pedagógica e/ou sociocultu-
ral, extrínseco ao indivíduo (sem qualquer envolvimento orgânico).
Os TAs têm base neurobiológica intrínseca e relacionam-se com
problemas na aquisição e no desenvolvimento de funções cerebrais
envolvidas no ato de aprender.12
Será aplicado o modelo de Fletcher, ilustrado na Figura 1, no
TDA/H para melhor esclarecer a complexidade da interação dos fa-
tores envolvidos no MDE. Neste modelo, observa-se a importância
de fatores distintos (fatores neurobiológicos, processos cognitivos
básicos, fatores comportamentais e ambientais), porém inter-rela-
cionados, agindo sobre as habilidades acadêmicas e, consequente-
mente, trazendo repercussões nas diferentes áreas do aprendizado
– leitura, expressão escrita e matemática.

Figura 1: Modelo representativo dos diferentes fatores de variabilidade


que influenciam as habilidades acadêmicas e seu desempenho

Legenda: NR: Modelo adaptado de Fletcher (2009)13.

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Transtorno de Deficit de Atenção / Hiperatividade e Transtornos ... 287

As bases neurobiológicas do TDA/H apontam para a disfun-


ção (principalmente, dopaminérgica e noradrenérgica) nas áreas
pré-frontais, frontoestriatais e cerebelares, sendo fundamentadas
em evidências científicas nas áreas de Farmacoterapia, Neuropsico-
logia, Neurociências e Neuroimagem Funcional. Esta disfunção de-
sencadeia alterações na percepção, na cognição e no comportamen-
to, comprometendo o aprendizado escolar. Seria um endofenótipo
resultante de complexas interações entre múltiplos genes envolvi-
dos e fatores de risco ambientais. A estimativa de hereditariedade,
na literatura atual, é de 70 a 80%, com múltiplos genes de pequeno
efeito envolvidos.6, 14
Quanto aos processos cognitivos básicos, vários modelos cog-
nitivos encontram-se descritos na literatura. Os modelos mais acei-
tos na atualidade são: modelo de comprometimento das funções
executivas (FE) e de aversão à demora.3, 15-18 As FE são habilidades
cognitivas superiores envolvidas em organizar e monitorar o pen-
samento e o comportamento. De acordo com estes autores, é com-
posta por: atenção, memória de trabalho (ou operacional), organi-
zação, planejamento, flexibilidade, abstração e julgamento. Permite
o indivíduo solucionar problemas novos apresentados pelo meio
no desenvolvimento de capacidades adaptativas (comportamentais
e sociais). Tais habilidades são essenciais na aprendizagem escolar.
Indivíduos com disfunção executiva são considerados de alto risco
para MDE e comorbidade de TA. Quanto maior for o comprometi-
mento das FE, pior será o prognóstico educacional 19.
De uma forma geral, os modelos cognitivos de TDA/H des-
critos apresentam comprometimento no TDA/H em habilidades
essenciais na aprendizagem: controle inibitório, motivação e auto-
controle. Teorias isoladas não explicam a grande heterogeneidade
clínica do TDA/H. Assim, a tendência atual dos pesquisadores é a
adoção de modelos duplos ou múltiplos que melhor explicariam a
heterogeneidade dos deficits cognitivos do TDA/H.19
Existem também modelos que tentam explicar as altas fre-
quências de Transtornos de Aprendizagem em indivíduos com

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288 DISLEXIA - Novos temas, novas perspectivas

TDA/H. Na literatura atual, são aceitos fatores genéticos (interação


de múltiplos genes) interagindo com fatores de risco ambiental, le-
vando à não aquisição ou ao não desenvolvimento de habilidades
necessárias à aprendizagem (linguísticas, atencionais, mnésicas, cog-
nitivas, práxicas).
Em relação aos fatores comportamentais, MDE leva a frustra-
ção, a baixa autoestima e a falta de motivação para os estudos e, con-
sequentemente, a comportamentos inadequados e antissociais.11, 25-26
Na literatura atual, a hiperatividade não é considerada como
fator de risco isolado para problemas de ajustamento social ou aca-
dêmicos. É fator de vulnerabilidade quando está associada a co-
morbidades (comportamentos opositivo-desafiador e alterações de
conduta) ou a desvantagens psicossociais.26-28
As habilidades sociais positivas, como cooperação e autocon-
trole, têm papel fundamental na construção do sucesso acadêmico,29
assim como a motivação e as habilidades cognitivas são preditores
de melhor desempenho acadêmico.27
Quando se avalia fatores familiares, está implícito o envol-
vimento de fatores ambientais (experiências vivenciadas) e bio-
lógicos (genéticos), exceto em famílias adotivas. É consenso na
literatura que crianças provenientes de famílias esclarecidas, esti-
muladoras e engajadas ao tratamento têm melhor prognóstico.30
Níveis elevados de adversidades familiares (famílias desestrutu-
radas, menor educação dos pais/responsáveis) e comportamento
negativo e inconsistente estão associados a problemas comporta-
mentais de início precoce e com maiores chances de persistirem
ao longo da vida.31
O estado socioeconômico, isoladamente, não justifica o
MDE, porém algumas alterações comportamentais, como agres-
sividade e transtorno de conduta, são mais frequentes em classes
socioeconômicas mais desfavorecidas.11 Apesar de o TDA/H ocor-
rer em todas as classes sociais, é também mais frequente nestas
classes sociais.6

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Transtorno de Deficit de Atenção / Hiperatividade e Transtornos ... 289

IDENTIFICAÇÃO DE COMORBIDADES

Crianças com TDA/H podem apresentar dificuldades nas


áreas educacionais de leitura, escrita e matemática como consequ-
ência de suas deficiências na atenção, na memória de trabalho e nas
funções executivas.
A partir de uma queixa de MDE em crianças com TDA/H,
é fundamental pesquisar e identificar os Transtornos (ou dis-
túrbios) específicos de aprendizagem (Dislexia, Discalculia e
da Expressão Escrita). Os Transtornos de Aprendizagem (TA)
têm comorbidade de 25 a 40% nos TDA/H comparado com 7
a 10% da população geral.32-33 Este diagnóstico é realizado por
uma equipe multidisciplinar por meio de testes individualizados
e padronizados para avaliar funções executivas superiores, habi-
lidades linguísticas e pedagógicas específicas.34
Atrasos na aquisição e no desenvolvimento da linguagem
oral: a comunicação e a linguagem têm papel essencial na apren-
dizagem e na alfabetização, e fatores desenvolvimentais, como
a aquisição da linguagem oral, podem interferir no processo de
aprendizagem da leitura. É consenso na literatura atual a rela-
ção entre atraso precoce de linguagem e problemas acadêmicos
futuros, principalmente na leitura e na escrita (ortografia). Em
pré-escolares com sinais e sintomas de TDA/H, 22% apresentam
atraso ou transtorno de linguagem,31 sendo preditor de rendi-
mento aquém da leitura em idades superiores.35 Várias pesquisas
evidenciam que mesmo indivíduos com TDA/H isolado apre-
sentam menores habilidades linguísticas e comunicativas adap-
tativas do que seus pares.25
Transtorno Específico de Leitura (Dislexia do desenvolvimen-
to): as alterações nos mecanismos de atenção, na linguagem, na no-
ção de tempo e espaço, na memória e nas funções executivas podem
causar dificuldades na aprendizagem da leitura. Essa dificuldade é
comumente observada no TDAH, sendo que o diagnóstico diferen-

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290 DISLEXIA - Novos temas, novas perspectivas

cial deve ser estabelecido entre este quadro e a dislexia, que apresenta
base linguística, caracterizada por inabilidade de decodificação.36
Inúmeras pesquisas demonstram que crianças com TDAH
obtêm bom desempenho nas provas de memória de trabalho visual
em detrimento das provas de memória de trabalho verbal (auditiva),
sendo que as crianças desatentas apresentam maior comprometimen-
to.37, 38 A capacidade de nomeação rápida (objetos, cores, letras e nú-
meros) está relacionada com habilidades atencionais e de memória
de trabalho. É consenso na literatura a correlação entre velocidade de
nomeação e capacidade de leitura, encontrando-se alterado tanto em
crianças com TDA/H quanto com Dislexia (Transtorno Específico
de Leitura), com resultados piores nesta última.21, 39-41
Transtorno da Expressão Escrita: vários estudos focam nas
dificuldades de execução motora em TDA/H, com prevalência
de até 50%.42-45 A dificuldade na grafia é um exemplo de ativida-
de da vida diária afetada pelas dificuldades de execução motora
do TDA/H, causando prejuízo na vida acadêmica e na autoes-
tima. Há evidências que sugerem maior comprometimento na
escrita dos indivíduos com TDA/H caracterizados por material
escrito manual ilegível e/ou inadequada velocidade de execução
que seus pares. O interesse em pesquisas de TDA/H e seus as-
pectos motores/práxicas são recentes na literatura e há necessi-
dade de maiores conhecimentos sobre prevalência, diagnóstico,
prevenção e tratamento.46
Já com relação à produção ortográfica, uma pesquisa realizada
no Brasil encontrou três tipos mais frequentes de erros ortográficos
dos TDAH e dificuldades escolares: representações múltiplas, omis-
são de letras e apoio na oralidade, que podem ser justificadas pela
desatenção, dificuldade de memória de trabalho e de internalização
de regras da língua.47
Transtorno da matemática (Discalculia do Desenvolvimen-
to): as pesquisas nesta área são expressivamente menores do que
em outros quadros de transtornos de aprendizagem, como a Disle-
xia. Seidman e colaboradores encontraram maior comorbidade de

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Transtorno de Deficit de Atenção / Hiperatividade e Transtornos ... 291

Transtorno de Aprendizagem, especialmente a Discalculia em me-


ninos com TDA/H e maior severidade de comprometimento das
funções executivas.48
Transtorno do desenvolvimento de Coordenação (TDC):
o mau desempenho na performance motora é uma das frequentes
comorbidades que ocorrem em crianças com TDA/H.44 Estudos
clínicos e epidemiológicos relatam a prevalência de 30% a 50% das
crianças com TDAH apresentam TDC, comparando com 10% na
população geral.45 A maior parte das pesquisas sustenta a existên-
cia de deficits no controle motor, principalmente na execução de
sequências motoras, com grande impacto para as atividades de vida
diária.3, 44-45

FATORES DE RISCO PARA TDAH E TA

Existe uma necessidade urgente de se colocar em prática os


novos conhecimentos das pesquisas atuais. A compreensão atuali-
zada dos problemas de aprendizagem deveria repercutir na prática
clínica e nas políticas públicas de saúde e de educação. É fundamen-
tal a adoção de estratégias de intervenção baseadas em evidências
científicas para obtenção de maior sucesso terapêutico.
Como em todo transtorno de desenvolvimento, o ideal se-
ria identificar as crianças de risco, conhecer as possíveis interven-
ções eficazes e, assim, lidar de forma competente com as diferenças,
desenvolvendo as capacidades individuais. A Tabela 2 descreve os
principais fatores de risco para TDAH e para TA. 2-3, 6, 49

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292 DISLEXIA - Novos temas, novas perspectivas

TABELA 2: Identificação de grupos de risco de TDA/H e sinais


precoces de TA

TDA/H TA

História familiar de TA e/ou


TDA/H
História familiar positiva para Atraso da linguagem oral
TDA/H
Dificuldade em formar frases
Complicações gestacionais ou parto (gramática)
(principalmente hipóxia crônica)
Dificuldade de nomeação de objetos
Lesões cerebrais adquiridas e reconto de histórias
T Toxinas Vocabulário restrito
Exposição fetal a álcool e fumo Dificuldade de entender ordens
(nicotina)
Imaturidade fonológica
Prematuridade (correspondência letras-sons)
Baixo peso ao nascimento (<2500g) Dificuldade em realizar rimas após
Possivelmente, níveis elevados quatro anos
de fenilalanina em mães com Dificuldade em reconhecer e copiar
fenilcetonúria figuras geométricas e símbolos (letras
Padrões de comportamentos e números)
hiperativo/impulsivos e de Dificuldade em quantificar,
distratibilidade mais intensos, enumerar, contar
frequentes e persistentes que seus
pares desde a idade pré-escolar Dificuldade em esquema corporal
Reconhecimento direito-esquerdo e
relações têmporo-espaciais

Agostin e Bain estudaram 184 pré-escolares em seguimento


longitudinal e encontraram quatro fatores principais como predito-
res de sucesso acadêmico: linguagem compreensiva, memória visu-
al, cooperação e autocontrole. As habilidades sociais tiveram maior
significado em relação à promoção ou à retenção escolar.50

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Transtorno de Deficit de Atenção / Hiperatividade e Transtornos ... 293

INTERVENÇÕES

Os resultados em relação ao tratamento com psicoestimulan-


tes, especialmente o metilfenidato, e a melhora do prognóstico edu-
cacional a longo prazo ainda se postam como assunto controverso na
literatura. Grande número das pesquisas sobre tratamento farmaco-
lógico realizadas até então mostrava melhora dos sintomas compor-
tamentais e aumento da produtividade acadêmica, mas não a supe-
ração dos problemas educacionais.6,10,51 A melhora da produtividade
acadêmica a curto prazo pode ser atribuída à melhora das habilidades
atencionais e de velocidade de processamento da informação com
uso de psicoestimulantes. 52-53 Porém há problemas metodológicos sé-
rios envolvendo a farmacoterapia (tipo de fármaco, dose, duração,
adesão), identificação de comorbidades, além de inúmeros outros fa-
tores, influenciando o resultado educacional final.
Estudos mais recentes demonstram a interferência do trata-
mento com psicoestimulantes na produtividade acadêmica a longo
prazo. Biederman et al. (2009), acompanhando um grupo de 140
indivíduos masculinos com TDA/H por 10 anos (versus 120 contro-
les), demonstrou que o tratamento com psicoestimulantes reduziu
significativamente o risco de comorbidades psiquiátricas (depres-
são, ansiedade e comportamento disruptivo) e de falência acadêmi-
ca (repetência escolar).54
Ainda não há estudos específicos relacionados a rendimen-
to acadêmico e educacional a longo prazo e intervenções compor-
tamentais. Pesquisas demonstram que as intervenções comporta-
mentais são eficazes na redução dos sintomas de TDA/H, melho-
ra da interação entre pais e filhos e redução do comportamento
opositivo-desafiador.
Em nosso meio, é urgente a capacitação dos profissionais de
saúde e educação e a implantação de programas de educação con-
tinuada em TDA/H para melhor manejo destas crianças. É funda-
mental o conhecimento e o desenvolvimento de estratégias de inter-

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294 DISLEXIA - Novos temas, novas perspectivas

venção que foquem diretamente deficits nas habilidades acadêmicas


e suas áreas educacionais críticas (leitura, escrita e matemática).52
Em relação às intervenções pedagógicas, isoladamente o
TDA/H não é elegível para educação especial. A maioria dos estu-
dantes com TDA/H frequenta escola regular. Na maioria dos ca-
sos, é necessário o uso de acomodações/adaptações, como assentos
preferenciais, instrução modificada, número reduzido de alunos
em sala de aula, tempo maior ou modificações ambientais para a
realização de testes. Não há evidência científica de várias das re-
comendações feitas acima devido à escassez de pesquisas baseada
nesta área.55
Na presença de comorbidades de TA são necessárias interven-
ções específicas com profissionais das áreas acometidas que possam
intervir nas dificuldades e potencializar as habilidades, com o obje-
tivo de obter melhor adaptação social e desempenho acadêmico nas
crianças acometidas por TDA e suas comorbidades.

CONCLUSÃO

Apesar de existirem muitas pesquisas relacionando TDAH e


dificuldade de aprendizagem, a descrição dos aspectos acima tem
muito a contribuir para o entendimento das dificuldades daque-
les que apresentam pouco sucesso na aprendizagem da leitura e da
escrita. Além disso, favorecem um diagnóstico diferencial a identi-
ficação precoce de fatores preditores, o melhor conhecimento dos
sintomas e o desenvolvimento de estratégias de intervenção com
adequado encaminhamento para as crianças com TDAH que te-
nham dificuldade na aprendizagem.

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Transtorno de Deficit de Atenção / Hiperatividade e Transtornos ... 295

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DISLEXIA E COMORBIDADES NA INFÂNCIA E
NA ADOLESCÊNCIA

Niura Ap. de Moura Ribeiro Padula, Lara Cristina Antunes dos Santos e
Maria Dalva Lourenceti

“Os comportamentos diferentes provocam nas


outras pessoas uma estranheza que tende
a piorar os ditos comportamentos e aí
pioram a estranheza.”
ROBERT M. PIRSIG em
“Zen e a arte da manutenção de motocicletas”

Introdução

Atualmente as dificuldades relacionadas ao comportamento


e à escolaridade tem sido tema de inúmeras publicações, discus-
sões e apresentações na mídia e no mundo acadêmico. Problemas
que, em séculos passados, eram considerados como falta de limites,
de educação ou de inteligência e resolvidos com palmatória ou en-
caminhamento para instituições ditas “especializadas”. Hoje, para
felicidade de seus portadores e de seus cuidadores, são vistos como
dignos de diagnóstico e terapias específicas.

303

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304 DISLEXIA - Novos temas, novas perspectivas

Imaginamos que, no Egito antigo, alguém que tivesse difi-


culdade em decifrar a linguagem hieroglífica, simplesmente não
assumiria a função de escriba, ocupando um outro papel digno
e aceito na sociedade, sendo igualmente incluso. De forma talvez
semelhante, muitas mulheres devem ter optado, até a metade do
século XX, pelo matrimônio, cuidados domésticos e com a prole,
enquanto muitos homens devem ter optado por serviços braçais
que não exigiam nenhum nível de escolaridade, resolvendo assim
quadros de dificuldade de aprendizagem não diagnosticados. Ter
um comportamento considerado adequado socialmente e ser um
bom escritor e leitor tornou-se imperativo de acordo com as exi-
gências atuais. Um exemplo disto é que os concursos para cargos
de coletores de lixo e faxineiro exigem o ensino fundamental com-
pleto dos interessados.
Temos sido questionados, enquanto profissionais da saúde
e pesquisadores da área, sobre se o aumento na incidência de qua-
dros, como Dislexia, Transtornos de deficit de atenção e hiperativi-
dade, depressão infantil, síndrome do pânico, entre outros, é real.
Talvez estejamos mais atentos aos quadros clínicos, que, por sua
vez, foram melhores descritos e contamos com instrumental diag-
nóstico mais desenvolvido. No entanto, não é possível descartar a
possibilidade de que fatores externos estejam atuando como gati-
lhos, desencadeando quadros que poderiam permanecer latentes
em outras circunstâncias.
A sociedade sofreu grandes modificações quanto às culturas
e aos valores aceitos. Há pouco tempo, brincávamos despreocupa-
damente nas ruas, tendo amizade com os vizinhos, que ampliavam
as nossas famílias. Estas eram estruturadas em pai, mãe, muitos
irmãos, tios, primos e avós. Sabíamos que contaríamos com esta
estrutura familiar por toda a vida. Não conhecíamos os horrores
das guerras e dos crimes e assistíamos às novelas românticas e aos
desenhos tranquilos na televisão. Hoje os relacionamentos não são
fixos, e as crianças convivem com meio-irmãos, com filhos do pa-
drasto ou da madrasta. Conectam-se rapidamente ao mundo por

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DISLEXIA E COMORBIDADES NA INFÂNCIA E NA ADOLESCÊNCIA 305

meio da Internet e assistem à televisão com a família, acompanhan-


do ao vivo atrocidades de pais contra filhos pequenos, pessoas mor-
rendo em acidentes, desastres naturais, guerras, assaltos. As novelas
trazem à tona, com superficialidade, tópicos que eram discutidos
no decorrer do desenvolvimento, respeitando as faixas etárias. Não
há nesta introdução um saudosismo ou uma crítica à sociedade atu-
al, mas uma constatação de mudança de parâmetros e exigências,
às quais devemos nos adequar. Estas podem estar vinculadas a um
aumento de casos diagnosticados de patologias como a Dislexia e
suas comorbidades.
Em decorrência da necessidade de maior conhecimento
dos cuidadores, professores e equipes de saúde que atuam com
crianças e adolescentes com problemas escolares, em particular
com a dislexia, justifica-se aprofundarmos a discussão sobre dis-
lexia e suas comorbidades.

Dislexia

Dislexia é um distúrbio neurológico de origem congênita


que acomete crianças com potencial intelectual normal, sem defi-
cits sensoriais, com suposta instrução educacional apropriada, mas
que não conseguem adquirir ou desempenhar satisfatoriamente a
habilidade para leitura e ou escrita. É um dos muitos distúrbios de
aprendizagem, no qual o rendimento da leitura é substancialmente
inferior ao esperado para a idade cronológica, a inteligência medida
e a escolaridade da criança.1
A Incidência está em torno de 2 a 5% da população, sendo
mais comum no sexo masculino, de 25 a 49%. Considera-se hoje
que a dislexia seja geneticamente determinada.2
Muitas vezes, fazemos o diagnóstico de pais e outros familia-
res a partir da criança afetada que está sendo avaliada. Há três tipos
básicos de dislexia:

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306 DISLEXIA - Novos temas, novas perspectivas

• Dislexia Disfonética ou Fonológica: caracterizada por


uma dificuldade na leitura oral de palavras pouco familia-
res, na qual a dificuldade encontra-se na conversão de letra
em som. Normalmente está associada a uma disfunção do
lobo temporal.
• Dislexia Diseidética: é uma dificuldade na leitura caracteriza-
da por um problema de ordem visual, ou seja, o processo visual
é deficiente. Está associada a disfunções do lobo occipital.
• Dislexia Mista: caracterizada por leitores que apresentam
problemas dos dois subtipos disfonéticos e diseidéticos, sen-
do associadas a disfunções dos lobos pré-frontal, frontal, oc-
cipital e temporal.3-4

Fisiopatologicamente, a Dislexia de desenvolvimento está


relacionada a malformações corticais e subcorticais, anomalias de
migração celular que afetam em particular a região perisilviana do
hemisfério esquerdo.5

Clínica segundo a faixa etária:

• Na Pré-escola, nota-se um fraco desenvolvimento da aten-


ção, imaturidade, atraso na fala, no desenvolvimento visual e
na dificuldade para rimas.
Há fraco desenvolvimento da coordenação motora, dificuldade
com quebra-cabeças, falta de interesse com livros e impressos.
• Na idade escolar, caracteriza-se por dificuldades linguísti-
cas, como análise e síntese dos sons de palavras, pobreza no
reconhecimento de rimas e aliteração. Apresentam-se desa-
tentos, dispersos, desorganizados, com alteração de coordena-
ção motora fina e grossa, com dificuldade quanto à lateralida-
de, vocabulário pobre, alteração na memória de curto prazo,

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DISLEXIA E COMORBIDADES NA INFÂNCIA E NA ADOLESCÊNCIA 307

dificuldade na leitura, na capacidade de copiar, em cálculos


matemáticos, obtendo melhor desempenho em provas orais.
• Na fase adulta, mantêm dificuldade na leitura e na escrita,
principalmente para soletrar; memória imediata prejudicada;
disnomias; dificuldade em aprender uma segunda língua; de-
sorganização geral.

Corroborando com a definição de não comprometimento da


inteligência, sabemos de algumas celebridades possivelmente dislé-
xicas, tais como: Agatha Christie, Tom Cruise, Leonardo da Vinci,
Walt Disney, Vincent VanGogh, Robin Williams, Pablo Picasso,
Whoopi Goldberg, Albert Einstein, Thomas A. Edison. Estes indi-
víduos reforçam de que, em alguns casos, a dislexia está associada
com superdotação.
Para o diagnóstico, é fundamental o conhecimento do quadro
clínico e uma equipe multidisciplinar, composta por fonoaudiólo-
go, neuropediatra, oftalmologista, otorrinolaringologista, terapeuta
ocupacional, psicopedagogo, neuropsicólogo e psiquiatra.
É importante destacar o papel do professor, encaminhan-
do possíveis portadores e acompanhando a evolução dos mes-
mos, promovida por meio de estratégias elaboradas por equipe
multidisciplinar.
Existe, em alguns casos, a necessidade de exames com-
plementares. É necessário descartar outros diferenciais, como
variações da normalidade, ensino de má qualidade, educadores
desqualificados, fatores culturais, deficiência, visual e/ou audi-
tiva, retardo mental, epilepsia, distúrbios do sono, uso de medi-
camentos e TDAH.6-7

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308 DISLEXIA - Novos temas, novas perspectivas

Comorbidades Associadas à Dislexia

Entende-se por comorbidades quadros clínicos com acometi-


mentos físicos e/ou comportamentais que se agregam a uma patolo-
gia de base, até mesmo sobrepojando-a em algumas situações.
Dentre as condições mais frequentemente associadas à dis-
lexia, destacamos o Transtorno de Deficit de Atenção com e sem
Hiperatividade (TDAH); Transtornos do Humor, como Depressão
e Ansiedade; Discalculia; Enurese; Superdotação.

Transtorno do Deficit de Atenção com Hiperatividade –


TDAH

O quadro clínico é caracterizado por um perfil comporta-


mental especial decorrente de características de desatenção, com ou
sem hiperatividade e impulsividade aumentadas. É de início preco-
ce, antes dos sete anos de idade, sendo que, para o diagnóstico, há
necessidade da persistência dos sintomas por mais de seis meses.8
Ocorre em 5 a 8 % da população, sendo mais comum no sexo
masculino, na razão de 3 para 1. As mulheres têm principalmente
a forma desatenta. É sabido que 60 a 70% das crianças acometidas
ingressarão na adolescência e na vida adulta com TDAH.9 A etiolo-
gia mais provável é a hereditária.

Formas clínicas de TDAH: Forma predominantemente hi-


perativa/impulsiva, Forma predominantemente desatenta, Forma
combinada.
Define-se atenção como a aplicação cuidadosa da mente a
alguma coisa, concentração, reflexão. São queixas relacionadas
à desatenção: a perda de detalhes que levam a cometer erros; a
dificuldade de concentração; o viver “no mundo da lua”; a difi-
culdade de organização para realizar e terminar tarefas; relutar

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DISLEXIA E COMORBIDADES NA INFÂNCIA E NA ADOLESCÊNCIA 309

em iniciar tarefas que exigem tempo; perder objetos; distração;


esquecimento; parecer não escutar. Apresentar dificuldades em
tarefas com esforços mentais continuado; esquecer compromis-
sos e tarefas; distrair-se facilmente com estímulos externos; per-
der objetos importantes; ser desorganizado com seu material e
tarefas; dificuldade em concentração; cometer erros por descui-
do; não se ater a detalhes.
São queixas relacionadas à Hiperatividade/Impulsividade:
agitação psicomotora, correr ou subir em móveis inadequadamente,
dificuldade para se manter em silêncio, ser “elétrico”, falar demais,
interromper os outros, repetir os erros, mesmo após ter sofrido pu-
nições; parecerem ligados no 220v; não obedecer; não ter noção de
perigo; atuar sem pensar.
A hiperatividade é mais bem descrita como resultante da
inconsistência e da incompetência do que de um mau comporta-
mento ou desobediência. Está relacionada a quatro características:
desatenção e distração; superexitação e atividade excessiva; impulsi-
vidade; e dificuldade com frustrações.
Na Impulsividade, o sentimento gerado em resposta a um es-
tímulo é “jogado para fora”, da mesma forma que foi gerado. Embo-
ra a criança tenha crítica quanto ao que faz, ela o faz. Mesmo após o
arrependimento, repete o que fez mediante novo estímulo similar.
Para avaliação diagnóstica, é necessário contextualizar os sin-
tomas quanto à duração, à frequência, à intensidade, à persistência
dos mesmos, ao prejuízo na vida da criança, ao significado dos sin-
tomas, ao estágio do desenvolvimento neuropsicomotor, devendo-
se ter cautela em firmar o diagnóstico antes dos seis anos. O diag-
nóstico é clínico e necessariamente multidisciplinar.
Para o diagnóstico, é necessário ter em mente que nenhuma
informação isolada confirma ou descarta a hipótese.
Devem ser afastadas outras situações clínicas que levam a um
comportamento semelhante, tais como: hipertireoidismo, apneia do
sono; anemia; intoxicações exógenas; uso de medicamentos; psicoses.

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310 DISLEXIA - Novos temas, novas perspectivas

Devemos levar em consideração se o comportamento se


encaixa na definição, aplicar questionários próprios para pais e
professores, coletar informações objetivas e científicas relativas ao
comportamento e às deficiências de habilidades; promover a ava-
liação da criança em vários ambientes; e, por fim, considerar se os
sintomas refletem ou não um distúrbio emocional, de aprendiza-
gem, ou clínico.
No TDAH, as comorbidades são muito frequentes e, entre
elas, destacamos o Transtorno de conduta e Transtorno desafiador
e de oposição (30 a 50%); Depressão (15 a 20 %); Ansiedade (25%);
Distúrbios de Aprendizagem (10 a 25%); Dislexia; Abuso ou depen-
dência de drogas; Transtorno Obsessivo-Compulsivo.9

Transtornos do humor (Depressão, Ansiedade)

Há um razoável número de publicações associando a disle-


xia a uma série de alterações psiquiátricas, entre elas em especial,
a Depressão, a Ansiedade, as Condutas antissociais e as Manifes-
tações Psicossomáticas.
Com base na Introdução deste capítulo, torna-se difícil dis-
tinguir se esta associação tem uma base orgânica, estrutural, talvez
genética; ou se os Disléxicos já se encontrando em desvantagem
quanto às exigências do meio, estejam mais suscetíveis às patologias
desta natureza.
Mesmo não havendo um consenso sobre causa e efeito, o
fato é que há uma tendência maior de comprometimentos na
área psicoafetiva dos dislexos quando comparados à população
de leitores normais.
Na literatura nacional,10 há o relato de caso em que a asso-
ciação entre dislexia e depressão infantil foi concluída e bem docu-
mentada, entretanto, na literatura internacional,11 há relato de que
cerca de 33% dos disléxicos apresentam também depressão. Nesta

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DISLEXIA E COMORBIDADES NA INFÂNCIA E NA ADOLESCÊNCIA 311

mesma literatura, os autores referiram uma maior incidência de an-


siedade, principalmente no sexo feminino, lembrando que, em mui-
tos pacientes, os quadros de ansiedade e depressão se sobrepõem.
É necessário frisar que o diagnóstico de depressão é realizado
com base no quadro clínico, utilizando determinados critérios pre-
estabelecidos e que foram mais bem definidos para adultos. Muitas
vezes, as crianças referem apenas tristeza e solidão, sentimentos não
bem definidos, talvez pela sua falta de bagagem emocional ditada
pela idade. Podemos ter ainda a descrição de crianças muito cho-
rosas ou irritadiças como parte do quadro clínico de depressão,11-12
mimetizando, às vezes, comportamento hipercinético e desatento.
A sintomatologia poderá ser de grande ajuda na identificação
de sintomas depressivos na infância e na adolescência. São descritos:
falta de reatividade do humor depressivo ou irritação aos estímulos
positivos; diferença quantitativa entre humor disfórico e tristeza
profunda; variações diurnas do humor; distúrbios do sono; fadiga,
falta de energia, cansaço; alterações cognitivas como desatenção e
pensamento lentificado; alteração do apetite e peso; distúrbios psi-
comotores; alteração da autopercepção (baixa autoestima, culpa);
desesperança, pessimismo; sensação de rejeição.13
As ideias suicidas não são raras na infância, mas, pela própria
dificuldade cognitiva, não são comumente definidas antes dos 10
anos de idade. No adolescente, entretanto, ela se torna muito evi-
dente e preocupante.12 Na literatura,14 há descrição de que 51% dos
adolescentes suicidas apresentam a depressão como base etiológica.

Transtornos ansiosos

Por transtornos de ansiedade devemos entender o transtor-


no de ansiedade generalizada, fobias, o transtorno obsessivo-com-
pulsivo, o transtorno de ansiedade de separação e o transtorno de
pânico. A ocorrência na infância destes transtornos encontra-se na

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312 DISLEXIA - Novos temas, novas perspectivas

ordem de 10 a 15% das crianças. Grande parte deles ocorrendo


em associação com outros quadros, como o TDAH, Depressão e,
consequentemente, também a Dislexia.12
No transtorno de ansiedade generalizada, há uma preocupa-
ção excessiva, com interações sociais, segurança pessoal, o passado e
o futuro, seguidas de somatizações, como dores no estômago, cefa-
leia, sudoreses, taquicardia.
Define-se fobia como um medo irracional e de proporções
acima do justificado para a situação exposta. Via de regra, vem
acompanhado de sintomas de ansiedade. Devem-se destacar, pelas
implicações no contexto da dislexia, a fobia escolar e a fobia social.
Na fobia escolar,15-16 a criança se recusa a frequentar a sala de aula,
mesmo tendo forte motivação para o sucesso acadêmico. A fobia
social aparece como um medo de exposições públicas, como ir à
lousa, fazer uma leitura em voz alta. Este quadro leva geralmente
a mecanismos de fuga, como pedir para sair da sala em momentos
críticos, isolar-se.

O transtorno de ansiedade de separação

Diagnostica-se um transtorno de ansiedade de separação em


casos em que o quadro ansioso ocorre de forma excessiva e fora de
controle, quando a criança é levada para um ponto longe do lar ou
quando é momentaneamente separada dos pais.
Há autores que ressaltam que crianças com dificuldade na lei-
tura e na escrita têm cinco vezes mais chances de apresentar algum
tipo de comportamento antissocial.11

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DISLEXIA E COMORBIDADES NA INFÂNCIA E NA ADOLESCÊNCIA 313

Discalculia

A Discalculia do desenvolvimento é considerada na literatura


brasileira17 como a “prima pobre da dislexia”, e, em alguns pacientes
a ela associada, é definida pela Academia Americana de Psiquiatria8
como uma dificuldade em aprender matemática, apesar de o indi-
víduo ter inteligência normal, oportunidade escolar, estabilidade
emocional e estar motivado para a aquisição desses saberes.
O quadro clínico frequentemente é representado por erros
na formação de números, representando-os invertidos (imagem em
espelho); associação com Dislexia; inabilidade para reconhecer si-
nais operacionais e para usar separações lineares; inabilidade em
efetuar somas simples; dificuldade em ler corretamente o valor de
números com multidígitos; memória pobre para fatos numéricos
básicos; dificuldade para transportar números para local adequado
na realização de cálculos; ordenação e espaçamento inapropriado
dos números em multiplicações e divisões.
O quadro clínico pode ainda estar na dependência do he-
misfério cerebral mais envolvido. Assim, nos comprometimen-
tos do hemisfério cerebral direito, haverá inabilidade em concei-
tuar quantidades numéricas, preservando o reconhecimento e
produção dos símbolos numéricos. Nos comprometimentos do
hemisfério cerebral esquerdo, há inabilidade para reconhecer e
produzir números e símbolos operacionais, preservando o con-
ceito de quantidade numérica. Há comprometimento também
de cálculos mentais.17
Embora pareça irrelevante, o hemisfério cerebral envolvi-
do definirá as estratégias terapêuticas. Quando o comprometi-
mento é a esquerda do cérebro são de grande auxílio os softwa-
res que promovam intervenção no processo verbal, bem como
outras atividades com reforço verbal. Nos comprometimentos à
direita, são indicados o uso de atividades com gráficos e treino
de orientação espacial.

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314 DISLEXIA - Novos temas, novas perspectivas

Conclusões

A dislexia é uma condição do indivíduo, geneticamente de-


terminada e que o acompanhará durante toda a vida. As melhores
técnicas e profissionais não serão capazes de reverter o quadro. No
entanto, muito pode ser feito no intuito de adaptar o indivíduo
com esta condição à sociedade e esta ao indivíduo. É possível e
desejável promover o sucesso profissional, emocional, social e em
todos os demais nuances da vida, apesar da dislexia.
Para obtermos resultados positivos, é necessário que entenda-
mos com profundidade a dislexia e também as comorbidades que
a ela estejam vinculadas. Para o diagnóstico e a terapia corretos,
é imprescindível estarmos atentos ao reconhecimento de sinais e
sintomas inerentes ao quadro. Só assim, poderemos ter a certeza
de estarmos tornando este mundo melhor, não só para indivíduos
padronizados mas também para todos, respeitando todas as possibi-
lidades e as diferenças dos seres humanos.

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DISLEXIA E COMORBIDADES NA INFÂNCIA E NA ADOLESCÊNCIA 315

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O TRANSTORNO DO DESENVOLVIMENTO DA
COORDENAÇÃO: DEFINIÇÃO, AVALIAÇÃO E
TRATAMENTO

Lívia de Castro Magalhães

O Transtorno do Desenvolvimento da Coordenação (TDC)


é uma condição bastante comum, mas ainda é pouco reconhecida
em nosso País. Queixas de mães e professoras sobre problemas de
escrita, lentidão, ansiedade e recusa em fazer as tarefas escolares são
muito frequentes e, muitas vezes, se atribui o problema a questões
de comportamento e aprendizagem, sem se considerar a possibilida-
de de um transtorno motor.
Crianças com TDC geralmente são inteligentes, mas têm di-
ficuldade para realizar atividades diárias, como escrever, recortar, ma-
nejar talheres, vestir roupa e jogar bola, que exigem controle refinado
dos movimentos.1 A lentidão, o desajeitamento e as dificuldades para
fazer tarefas simples, do dia a dia, podem levar ao desinteresse e à
frustração, com impacto no senso de competência e autoestima da
criança.2 É importante destacar que as dificuldades, na maioria dos
casos, não são apenas motoras, pois, como a criança tende a evitar
atividades que oferecem desafios motores, isso pode limitar sua parti-
cipação em brincadeiras e atividades sociais típicas da infância.

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318 DISLEXIA - Novos temas, novas perspectivas

Crianças com TDC vêm sendo identificadas desde o início


do século passado. No entanto, o uso de terminologia variada (por
exemplo: disfunção cerebral mínima, dispraxia, disfunção de inte-
gração sensorial, deficit psicomotor etc.) dificultou o acúmulo de
informações consistentes sobre o problema. Visando uniformizar
os dados nessa área, em 1994, pesquisadores reunidos no encontro
de consenso de London, realizado no Canadá, recomendaram a
adoção do termo Transtorno do Desenvolvimento da Coordenação
– TDC (Developmental Coordination Disorder – DCD), assim como
os critérios para diagnóstico propostos no DSM-III.3-4 Desde essa
época, foram observados o aumento nas publicações e o uso mais
uniforme do termo TDC, tanto na clínica como em pesquisas.5

Segundo o DSM-IV,1 o termo TDC se aplica aos casos em que:

A. o desempenho em atividades que requerem coordena-


ção motora está abaixo do esperado para idade e nível cogni-
tivo da criança;
B. as dificuldades motoras interferem no desempenho aca-
dêmico e nas atividades de vida diária;
C. os transtornos não são devido a uma condição médica
conhecida;
D. na presença de retardo mental, as dificuldades motoras
excedem aquelas normalmente associadas ao quadro clínico.

O diagnóstico do TDC é eminentemente clínico e, na ausên-


cia de critérios específicos para definir o que significa desempenho
motor abaixo do esperado para a idade, observa-se o uso de instru-
mentos variados, o que gera inconsistências.6 Na Classificação Inter-
nacional de Doenças (CID-10) da Organização Mundial de Saúde,7
os problemas de coordenação motora na infância recebem o nome
Transtorno Específico do Desenvolvimento Motor (TEDM), sendo,
no entanto, especificado que o diagnóstico só pode ser feito com
aplicação de teste padronizado. Para fins de pesquisa, um dos tes-

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O TRANSTORNO DO DESENVOLVIMENTO DA COORDENAÇÃO: DEFINIÇÃO, ... 319

tes motores mais utilizados para diagnóstico do TDC é o Moviment


Assessment Battery for Children – MABC.8-9 Essa é uma das inconsis-
tências da área, pois MABC é um teste curto para triagem motora e
vem sendo usado como recurso para diagnóstico.
Além disso, embora o DSM-IV especifique que o diagnóstico
de TDC só pode ser feito quando há evidências de que o deficit
motor interfere no desempenho escolar e das atividades diárias, isso
nem sempre é examinado. Visando corrigir distorções, novo en-
contro de consenso, realizado em Leeds na Inglaterra,10 reafirmou a
importância de se avaliar o desempenho nas atividades diárias e na
escola, antes de se fechar o diagnóstico de TDC. Deve-se destacar,
ainda, que a coocorrência de problemas motores, de aprendizagem,
atenção e comportamento é mais a regra do que a exceção,11-12 sendo
comum que a criança receba diagnóstico de transtorno do deficit
de atenção (TDAH) ou de transtorno de aprendizagem, sem que
se note a presença de problemas de coordenação motora, o que vai
influenciar a conduta terapêutica.
O TDC é um quadro clínico heterogêneo,13 que inclui crian-
ças com graus variados de competência motora e problemas associa-
dos. Talvez devido a problemas comportamentais e associação com
o TDAH, seja mais identificado em meninos,14 mas estudos futuros,
com aplicação mais rigorosa de critérios de diagnóstico, podem vir
a mostrar um novo perfil dessa população. A frequência estimada é
de 5 a 6% das crianças em idade escolar,1 sendo que dados de Car-
doso15 indicam frequência de 4,6% em crianças de sete e oito anos
da Região Metropolitana de Belo Horizonte. Há evidências de que
o TDC não é uma condição transitória da infância, podendo, com
a idade, além das questões motoras, aparecer sinais de depressão,
ansiedade e outros transtornos psicossociais.14, 16-17
Observa-se, portanto, que o TDC é uma condição comple-
xa, cujo diagnóstico correto inclui a aplicação de um teste de de-
senvolvimento motor padronizado e adequado para a população
examinada, associado à coleta de informações sobre o desempenho
nas atividades diárias e na escola. O processo de avaliação deve ser

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320 DISLEXIA - Novos temas, novas perspectivas

amplo e interdisciplinar, de forma que se identifiquem os trans-


tornos associados. Embora seja uma condição como tantas outras
na área infantil (por exemplo: TDAH), no Brasil, não é fácil iden-
tificar os problemas de coordenação motora, em primeiro lugar
porque não existe um teste motor padronizado e com normas de
desempenho para crianças brasileiras. O MABC vem sendo usado
em pesquisa,18-19 mas não há dados normativos, o que limita o uso
do ponto de corte definido, originalmente, para crianças inglesas.
Visando contornar essa questão do ponto de corte, a maioria dos
estudos brasileiros usa grupo de controle, de forma que se compare
o desempenho entre grupos de crianças brasileiras.
Como o objetivo de facilitar a identificação de crianças com
TDC, Magalhães e colaboradores15,20 vêm investindo na criação de
um teste brasileiro, a Avaliação da Coordenação e Destreza Motora
– ACOORDEM, que esta em fase de validação. Na ausência de ins-
trumentos padronizados, na clínica, é importante usar algum tipo
de observação motora padronizada, ou seja, que possa ser repetida
consistentemente, de forma que seja possível comparar desempe-
nho e obter dados mais confiáveis.
Informações sobre o desempenho funcional muitas vezes são
inconsistentes, no entanto pais e professores geralmente são muito
disponíveis e, por meio de entrevista bem estruturada, podem dar
informações relevantes sobre o desempenho em casa e na escola. Mis-
siuna e colaboradores21 apresentam um roteiro de entrevista de pais,
que pode ser útil na clínica e na pesquisa. Dentre as questões, a auto-
ra destaca a importância de se perguntar aos pais se eles se lembram
de alguma dificuldade específica quando tentaram ensinar uma ativi-
dade motora nova para a criança. Já existem alguns questionários de
pais específicos para identificação do TDC e das questões funcionais,
mas apenas o Developmental Coordination Disorder Questionnaire22 ou
DCDQ-Brasil23 foi traduzido para o português.
Dados recentes, coletados por meio de entrevista qualitativa,24
indicam que mães brasileiras reconhecem as dificuldades das crian-
ças nas tarefas diárias e sofrem com as situações de exclusão social

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O TRANSTORNO DO DESENVOLVIMENTO DA COORDENAÇÃO: DEFINIÇÃO, ... 321

enfrentada pelos filhos na escola e no convívio com os vizinhos ou


na família, mas se mostram preocupadas apenas quando o quadro
motor interfere no desempenho escolar. Muitas mães adotam es-
tratégias de normalização e superproteção, ora afirmando que não
há nada de errado com suas crianças, ora se culpando pelas dificul-
dades e ajudando os filhos nas tarefas diárias.
A entrada na escola parece funcionar como um marcador da
diferença, pois, além da comparação com os colegas, as professoras
geralmente apontam as questões relativas ao desempenho na sala
de aula. A maioria das famílias não procura ajuda, por falta de co-
nhecimento sobre o que é o TDC e também porque não encontra
suporte na escola, que tende a ter uma atitude de culpá-las pelas
dificuldades dos filhos. Como discutido por Galvão,24 há grande
necessidade de informação sobre o TDC, tanto para as famílias
como para as escolas.
O estudo de Galvão24 evidenciou que as mães não têm infor-
mação sobre os recursos disponíveis tanto na rede pública como
particular e que pouco se sabe sobre as possibilidades de tratamento
do TDC. Na literatura, encontramos referência a duas perspectivas
básicas de tratamento – as abordagens de processo e de produto.25
As abordagens de processo são aquelas focadas na mudan-
ça de componentes sensório-motores, tais como: coordenação,
equilíbrio, controle postural e percepção visual, na tentativa de
melhorar o desempenho funcional. Exemplos clássicos de abor-
dagens de processo é o treino perceptomotor e a terapia de inte-
gração sensorial.
Abordagens de produto são aquelas cujo foco é o desempe-
nho funcional, o que inclui uma série de abordagens voltadas para
o treino motor dentro de ambientes naturais e em tarefas de inte-
resse da criança.
Wilson,26 revisando a literatura na área, indica que as abor-
dagens de produto tem se mostrado mais eficientes, seja em termos
do uso do tempo, pois geralmente são mais breves, como em termos

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322 DISLEXIA - Novos temas, novas perspectivas

dos desfechos finais, pois geralmente se atingem as metas de desem-


penho estipuladas no início da intervenção. A questão persiste com
relação à possibilidade de generalização e transferência de aprendi-
zado, pois, apesar de intuitivo, ainda não há evidencias objetivas
para afirmar que o que é aprendido em terapia é realmente utiliza-
do em outros contextos ou para aprender novas habilidades.
Na nossa experiência, temos utilizados tanto abordagens de
processo (por exemplo: terapia de integração sensorial) quanto de
produto (terapia motora cognitiva) com sucesso, sendo que a esco-
lha da abordagem de tratamento é precedida de avaliação ampla
da situação da criança, de seus interesses, do contexto familiar e
escolar, de forma que se possa definir a melhor forma de abordar
o problema. A terapia é feita de maneira colaborativa, sempre em
parceria com a criança e sua família.
Em termos de pesquisa, dados de estudo de Araújo27 mos-
tram que todas as crianças envolvidas em um programa específico
de terapia motora cognitiva28 tiveram ganhos clinicamente significa-
tivos em todas as atividades selecionadas para aprender em terapia.
Houve evidências de generalização do aprendizado, sendo observa-
do que as crianças que mais se beneficiaram do tratamento foram
aquelas cujas mães tiveram participação mais ativa no programa,
ou seja, a participação dos pais foi fator decisivo para o progresso
da criança, além disso, crianças com transtornos associados, como
TDAH, tiveram menores ganhos. Como comentado pelos pais, o
uso de cartilha e materiais informativos2,27 ajudou muito na com-
preensão e no acompanhamento do programa, permitindo uma
participação mais efetiva.
Nossos dados, assim como a literatura, indicam que crian-
ças com TDC respondem bem à intervenção, sendo importante
investigar alternativas eficientes de tratamento, de baixo custo, com-
patíveis com o nosso sistema público de atenção à saúde. Por ser
um transtorno considerado “menor”, o TDC não recebe a devida
atenção, resultando em sofrimento desnecessário para as crianças e
suas famílias.

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O TRANSTORNO DO DESENVOLVIMENTO DA COORDENAÇÃO: DEFINIÇÃO, ... 323

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TRANSTORNO DO DESENVOLVIMENTO DA
COORDENAÇÃO (TDC) E DISLEXIA

Amanda Kirby

O que é Transtorno do Desenvolvimento da Coordenação


(TDC)?

Transtorno do Desenvolvimento da Coordenação (TDC)


não é uma nova condição. Diferentes termos têm sido utiliza-
dos para descrever crianças com características predominantes
nas dificuldades motoras ao longo dos anos. Em 1925, Dupre1
referiu-se a debilite motrice (motoramente deficiente). Orton,2 em
1937, utilizou o termo desajeitamento para descrever um grupo
de crianças com dificuldades motoras, e este tem sido conside-
rado o termo mais pejorativo. Estudos pioneiros3 começaram a
deixar sua marca na década de 60. Em 1962, o primeiro artigo
sobre crianças desajeitadas foi publicado no British Medical Jour-
nal (sem autor citado) se referindo a um artigo publicado na
década de 40, escrito por Annel,3 que descreveu criança desajei-
tada como

327

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328 DISLEXIA - Novos temas, novas perspectivas

inábil em movimentos, ruim em jogos, sem esperança em


dança e ginástica, um mal escritor e defeituoso na con-
centração. Ele é desatento, não consegue ficar parado,
deixa seus cadarços desamarrados, não abotoa correta-
mente, dá pancadas em móveis, quebra vidros, escorrega
e sai de sua cadeira, chuta suas pernas contra a mesa e,
talvez, leia mal.3

Hoje, dispraxia é o termo frequentemente utilizado no Rei-


no Unido como sinônimo de TDC, causando algumas confusões e
inconsistência terminológica. Entretanto, mais recentemente, o ter-
mo formal e amplamente utilizado internacionalmente para descre-
ver estas crianças é TDC. Ele aparece tanto no Manual Diagnóstico e
Estatistico de Transtornos Mentais – DSM IV4,5 como na Classificação
Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde-CID-10.6,7
TDC é definido como uma falha na aquisição de habilidades
motoras, tanto em movimentos grossos quanto finos, não é expli-
cável por comprometimento na aprendizagem e por falta de expo-
sição à oportunidade de adquirir habilidades motoras semelhante
aos seus pares.5 O TDC nem sempre é considerado no diagnóstico
de rotina pelos clínicos. No entanto, há ampla evidência de que
dificuldades motoras afetam significativamente a vida das crianças.
As dificuldades afetam a criança tanto na escola como em casa e,
em contraste com crianças da mesma idade, que adquirem habi-
lidades com pouco esforço, como se vestir, jogar bola e escrever,
essas crianças levam mais tempo para aprender e automatizar tais
habilidades8,9.
O interesse crescente nessas crianças, na pesquisa acadêmica
e na prática clinica e educacional, tem se centrado na necessidade
não só da identificação precoce do problema mas também de sua
presença na adolescência e na idade adulta, pois cerca de 70% das
crianças com dificuldades motoras continuam a apresentar dificul-
dades quando crescem.10

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TRANSTORNO DO DESENVOLVIMENTO DA COORDENAÇÃO (TDC) E DISLEXIA 329

Como estas crianças são identificadas e classificadas?

A Associação Americana de Psiquiatria (APA)5 e a Organi-


zação Mundial da Saúde (OMS)7 possuem critérios de inclusão e
exclusão em suas definições de TDC.
Para APA, 5 os critérios de inclusão são: alterações no de-
senvolvimento da coordenação motora, que pode ser manifes-
tada por atrasos em marcos do desenvolvimento, como ficar
em pé e andar; mau desempenho em atividades esportivas; e
escrita desordenada. Esses comprometimentos levam a dificul-
dades no desempenho acadêmico e/ou nas atividades de vida
diária. Os critérios de exclusão são as dificuldades causadas
por perturbações médicas gerais conhecidas, como paralisia
cerebral ou transtorno invasivo do desenvolvimento. Além dis-
so, na presença de retardo mental, as dificuldades motoras são
mais graves do que o esperado.
A definição da OMS7 se sobrepõe à da APA,4,5 observando
que, em testes padronizados de dificuldades motoras, a criança
marcaria dois desvios padrões abaixo da média, acompanhando
diretamente o desempenho acadêmico e/ou nas atividades de
vida diária. Destaca que não deve haver distúrbio neurológico
diagnosticável e exclui as pessoas com QI abaixo de 70. A re-
comendação da OMS em excluir indivíduos com QI de 70 ou
menos da definição formal é apoiada pela maioria dos clínicos e
dos pesquisadores.
Apesar das orientações fornecidas pela APA 4,5 e pela
OMS, 7 ainda há uma série de questões que envolvem a identi-
ficação e a definição de critérios, como pontos de corte para
o diagnóstico, o que compromete a avaliação, e quais tipos de
instrumentos são utilizados.

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330 DISLEXIA - Novos temas, novas perspectivas

Qual é a etiologia?

Tem-se ressurgido nos últimos anos o interesse sobre a etio-


logia do TDC. Um dos primeiros estudos11 utilizando imagens por
ressonância magnética funcional mostrou aumento da atividade
em determinadas áreas do hemisfério esquerdo, particularmente
do córtex frontal medial (CFM) e do córtex anterior do cíngulo
(CCA) para o córtex parietal inferior, e diminuição da atividade
entre o córtex estriado e parietal no hemisfério direito. Os autores
sugeriram que o TDC pode ser caracterizado por uma especializa-
ção hemisférica cerebral anormal durante o desenvolvimento.
Um estudo com gêmeos realizado na Austrália12 mostrou um
componente genético presente entre o Transtorno do Deficit de
Atenção com Hiperatividade (TDAH) tipo desatento e TDC. En-
tretanto, como em TDAH e em outros transtornos do desenvolvi-
mento, um único fenótipo é altamente improvável e qualquer gene
encontrado irá variar quanto à sua penetração e expressão.
Morton13 considera que a abordagem de modelagem casu-
al, considerando os níveis biológico, cognitivo e comportamental,
pode ser uma estrutura conceitual utilizada em pesquisas para se
obter um maior conhecimento nesta área. Ele apresenta diversos
exemplos de transtornos do desenvolvimento, como TDAH, trans-
torno do espectro autístico e TDC, mostrando como uma possível
origem biológica se move por meio dos processos cognitivos para
produzir os comportamentos identificados.
Também houve algum interesse na relação entre ácidos gra-
xos ômega 3 e TDC. No entanto, não houve, até o momento,
nenhuma evidência clara de associação entre a melhora da coor-
denação com a suplementação destes ácidos graxos e nem sequer
de níveis baixos destes com uma pior coordenação.14,15 Curiosa-
mente, a nutrição materna pré-natal pode influenciar o desenvol-
vimento motor na criança.16

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TRANSTORNO DO DESENVOLVIMENTO DA COORDENAÇÃO (TDC) E DISLEXIA 331

Qual é a prevalência do TDC?

Tem havido grandes discrepâncias na prevalência desta de-


sordem, e muito disso se deve à forma como o TDC é avaliado. A
utilização de avaliações com medidas padronizadas e precisas estrei-
tam a faixa de prevalência, diminuindo a discrepância e permitindo
medidas mais exatas.
Wright e Sugden17 preconizaram uma abordagem com dois
passos para avaliação motora, utilizando o Movement Assessment
Battery for Children 2 (Movement ABC-2)17 como medida padro-
nizada para identificar dificuldades motoras e o Movement ABC
Checklist17 como guia para avaliar seus efeitos nas atividades de
vida diária. Utilizando esta metodologia, eles descobriram que
a prevalência de TDC foi de 4 a 5% em escolas primárias. Mais
recentemente, um grande estudo de base populacional realizado
no Reino Unido, o Estudo Longitudinal Avon de Pais e Filhos
(Avon Longitudinal Study of Parents and Children – ALSPAC) mos-
trou uma prevalência de 1,7%, com um adicional de 3,2% de
crianças consideradas como “provável TDC”, utilizando testes
de corte mais amplos para avaliar a coordenação e as atividades
de vida diária.18
As diferenças de gênero foram examinadas em numero-
sas ocasiões, e o consenso é que o TDC é mais prevalente em
meninos do que em meninas, com estimativas que variam de
três ou quatro para um. No entanto, os números encontrados
podem estar relacionadas com as avaliação utilizadas, podendo
ocorrer um viés de gênero.19 A percepção dos professores de ha-
bilidades entre meninos e meninas também pode influenciar
a identificação. 20

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332 DISLEXIA - Novos temas, novas perspectivas

Como o TDC é diagnosticado?

Crianças com TDC são avaliadas de várias maneiras, mas atu-


almente há poucos instrumentos de avaliação motora com pontua-
ções padronizadas.
No Reino Unido, o Movement Assessment Battery for Children
(Movement ABC-2)17 é o instrumento mais utilizado, composto por
um teste normativo padronizado e um checklist referenciado. No
entanto, há outros instrumentos sendo utilizados como o Bruininks-
Oseretsky Test of Motor Proficiency 2.21 Também existe uma série de
instrumentos de avaliação disponíveis para uso na prática clínica,
por exemplo: o Checklist dos primeiros anos de movimento (Early
Years Movement Checklist) para crianças entre três a cinco anos de
idade;22 Developmental Coordination Disorder Questionnere (DCDQ-2)
para crianças em idade escolar;23 e o Adult DCD Checklist (ADC)
utilizado acima de 16 anos de idade.15
A avaliação deve incluir uma história de desenvolvimento
para identificar atrasos, especialmente nos domínios motor e de
linguagem que comumente se sobrepõem.24 A necessidade de um
exame neurológico também é essencial para excluir as crianças com
outras doenças neurológicas, como paralisia cerebral e distrofia
muscular. Além disso, é preciso considerar as condições genéticas
onde as dificuldades de coordenação são comuns como X Frágil
e Neurofibromatose tipo 1. Outras condições, como a síndrome
epilética parcial e a síndrome de hipermobilidade articular8,25 têm
sido associados com TDC. Verificar comorbidades ou condições
sobrepostas é essencial, incluindo TDAH, distúrbios de fala e
linguagem, dislexia e síndrome do espectro autístico, que podem
influenciar no suporte educacional e no tipo de abordagem reali-
zada na intervenção.

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TRANSTORNO DO DESENVOLVIMENTO DA COORDENAÇÃO (TDC) E DISLEXIA 333

Características observáveis para indicar avaliação específica:


Em casa: dificuldades com autocuidado, como se vestir, comer. Mais
lento para aprender a andar de bicicleta.
Na escola: inabilidades com bola, principalmente em jogos coletivos,
dificuldades com escrita; mudanças de atividades; cópia.
Problemas comuns associados:
Funções executivas alteradas, incluindo organização pessoal e de
seus pertences e administração de tempo. Por exemplo: perder hora,
atrasar com obrigações, dificuldade em organizar uma mala.
Baixa autoestima, dificuldade em fazer e manter amigos,
potencialmente associada à falta de oportunidade e prática.
Ganho de peso.

Esta é uma síndrome pura?

Green et al.26 destacaram a alta prevalência de dificulda-


des motoras nos transtornos do desenvolvimento. O chamado
TDC “puro”, somente com alterações motoras, é a exceção e
não a regra. 27
O TCD encontrado com outros transtornos do desenvolvi-
mento não pode ser visto como uma categoria, mas sim um con-
ceito multidimensional no qual as crianças estão em um continuum
do transtorno. Um grande número de pesquisas evidenciou altos
índices de sobreposição de TDC com outros transtornos do desen-
volvimento, incluindo TDAH, dislexia e transtorno do espectro
autístico.28,29,30 Outros exemplos incluem: deficits de leitura, atenção
e deficits motores; comportamento emocional e social, ansiedade e
depressão; distúrbios da fala e da linguagem; e distúrbios sociais e
de comunicação.31,32,33

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334 DISLEXIA - Novos temas, novas perspectivas

TDC versus Dislexia

Um estudo procurando a associação entre Dislexia e TDC


examinou 12.950 crianças com idades entre 10 e 11 anos em uma
série de testes motores. No grupo que apresentou maiores dificulda-
des de aprendizagem (2% do total), 35,9% falharam em pelo menos
um teste motor, 16,4% falharam em mais de um teste comparados
com 26,8% e 7,7% de seus pares enfatizando a sobreposição entre
as duas condições e a necessidade de avaliação para transtornos mo-
tores quando a dislexia está presente.34
Entre as dificuldades encontradas em crianças com TDC, está
a escrita, que requer inúmeras habilidades e tem sido atribuída às
dificuldades motoras. Porém, também foi reconhecida a associação
entre traçado da escrita e a dislexia.35 Um estudo36 demonstrou que
a soletração é o único preditor da composição escrita em crianças e
adultos com dislexia e foi o principal fator que diminuiu sua velo-
cidade de produção.
Também observou-se que a dificuldade no planejamento gra-
fomotor ligada à formação da letra teve um efeito adicional indire-
to. Falta de automatismo em nomear e escrever letras também pode
diminuir a produção escrita destas crianças.
Houve algum interesse na hipótese de que a dislexia é cau-
sada por dificuldades com automatização associada à disfunção
cerebelar.37 No entanto, um estudo38 realizado com crianças dis-
lexicas de 8 a 12 anos não mostrou a disfunção cerebelar como
causa de alterações de fala e leitura, mas que esta disfunção in-
fluencia quando sobreposto a outros transtornos, incluindo o
TDAH e Dislexia. Também não apresentaram qualquer relação
de causalidade entre habilidades motoras das mãos, as habilidades
fonológicas e a leitura.

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TRANSTORNO DO DESENVOLVIMENTO DA COORDENAÇÃO (TDC) E DISLEXIA 335

Impactos do TDC a curto e longo prazo

Havia uma visão até o início dos anos de 1990 de que a crian-
ça com TDC “nascia” com a doença. Hall39 discutiu em um artigo a
necessidade de olhar a causa do desajeitamento como relacionadas
à “motivação e bom ensinamento” e referiu que fatores extrínsecos
afetam pessoas jovens. Ele referiu que “problemas motores parecem
se resolver na adolescência, embora possam reaparecer sob estresse
de aprender uma nova habilidade motora”.

... não preocupamos nossos pacientes tratando o desajei-


tamento como uma doença. Com raras exceções o desa-
jeitamento pode ser considerado falta de talento e como
outras dificuldades de aprendizagem é essencialmente
um problema educacional.39

A necessidade de afastar-se de um modelo médico restrito


para um modelo biopsicossocial, mais abrangente, é essencial quan-
do consideramos uma visão da doença a longo prazo.
Os efeitos de se ter um diagnóstico de TDC não se limita
ao funcionamento motor, e estudos sobre TDC mostram que as
crianças se percebem como menos competentes que seus pares, não
somente em competências físicas esportivas (atléticas) mas também
em diversos outros domínios, incluindo a aparência física e a acei-
tação social.40 Adolescentes com TDC também mostraram apresen-
tar sintomas psiquiátricos que vão desde transtorno de humor e
ansiedade até negativismo social com isolamento. Recentemente as
pesquisas têm focado os impactos físicos, incluindo o aumento do
risco de obesidade associada ao TDC, principalmente em meninos
e, também, em doenças cardiovasculares.32,41,42
Apesar de os impactos do TDC serem reconhecidos como
contínuos na vida adulta, o entendimento e a compreensão de seus
sintomas e estratégias de intervenção para o problema vêm de estu-

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336 DISLEXIA - Novos temas, novas perspectivas

dos realizados com crianças. O entendimento dos padrões de apre-


sentação do TDC em adultos e seu impacto na vida pessoal ainda
são limitados, sendo o foco para pesquisas futuras.10

O que sabemos sobre intervenção?

No geral, as pesquisas sobre progressão do TDC em crianças


concluem que, sem intervenção, as crianças não superam o proble-
ma. No entanto, pesquisas baseadas na intervenção do TDC não
são tão abrangentes como em outros transtornos do desenvolvi-
mento, como a dislexia, o TDAH e transtorno do espectro autístico,
ressaltando a necessidade de estudos longitudinais neste campo.
A literatura43,44 aponta para o sucesso na intervenção. Até ago-
ra, houve duas principais abordagens de intervenção, sob diferentes
perspectivas: a abordagem orientada para o processo e a abordagem
orientada para a tarefa.
A abordagem orientada para o processo é geralmente admi-
nistrada por profissionais de saúde (terapeutas ocupacionais ou
fisioterapeutas) e inclui métodos como a terapia de integração sen-
sorial. Eles visam à identificação do processo que a criança não de-
senvolveu de forma adequada e que se considere necessário para o
bom desempenho e a aquisição de habilidades motoras. Assim, a
intervenção, por exemplo, teria como objetivo melhorar o funcio-
namento cinestésico da criança com o objetivo de transferi-la para
o funcionamento de várias habilidades motoras.
A abordagem orientada para a tarefa utiliza uma variedade
de métodos cognitivos, mas seu foco é na tarefa em si e se tem con-
seguido sucesso com esta abordagem em diversas crianças. A base
dessas estratégias é a interação entre os recursos da criança, a tarefa
a ser aprendida e o contexto no qual ele está ligado. A tarefa muitas
vezes determinada por meio de consulta com os pais e a criança é
ensinada diretamente, às vezes divididas em componentes.

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TRANSTORNO DO DESENVOLVIMENTO DA COORDENAÇÃO (TDC) E DISLEXIA 337

Em uma meta-análise de várias abordagens, a abordagem


orientada para a tarefa tem se mostrado, neste momento, a mais
bem-sucedida e deve ser implantada por profissionais que traba-
lham com crianças.45
Até agora, ao contrário do TDAH, a medicação não tem sido
indicada para o uso em crianças com TDC. No entanto, Tucha e
Lange46 observaram que, em crianças com TDAH e TDC em co-
morbidade, a caligrafia tornou-se mais precisa e legívei, mas não
mais rápida, com o uso do metilfenidato.
A ligação entre funções executivas e controle motor pode,
no futuro, ser uma área de grande interesse em pesquisas e pode ser
um foco em potencial para intervenção farmacêtica.

Perspectivas futuras e desafios

No Reino Unido, assim com em outros paises, há um au-


mento da consciência por parte dos pais sobre o TDC, e isto tem
aumentado a procura de diagnóstico e tratamento nos serviços es-
pecializados disponíveis. Um dos desfios para apoiar crianças com
TDC e seus familiares será fornecer modelos de tratamento eficien-
tes e coerentes baseados em boas avaliações e no trabalho com os
familiares em centros de intervenção.
Uma declaração de consenso criada por profissionais de vá-
rias áreas, incluindo saúde, educação e psicologia no Reino Unido,
foi lançado após uma série de reuniões financiado pelo ESRC47 e
estará disponível em http:www.dcd-uk.org
É necessario que os educadores reconheçam que as crian-
ças com dificuldades de leitura que frequentemente apresentam
dficuldades de escrita associadas, necessitam essencialmente de
avaliações motoras mais aprofundadas para proporcionar supor-
te apropriado e obter uma imagem completa de suas dificulda-
des e qualidades.

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Autora: EVELISE PORTILHO
Editora: WAK EDITORA
ISBN: 978-85-7854-031-9

Título: MANUAL PRÁTICO DO DIAGNÓSTICO


PSICOPEDAGÓGICO CLÍNICO
Autora: SIMAIA SAMPAIO
Editora: WAK EDITORA
ISBN: 978-85-7854-063-0

Acesse o site: www.wakeditora.com.br


e-mail: wakeditora@uol.com.br

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