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Sankofia
B r e v es hi s t ór i as s obr e A fr o f ut u r i s m o
RIO DE JANEIRO
EDIÇÃO DA AUTORA
2018
CO PY RI G HT © LU AI N -ZAI LA , 20 18
T ODO S O S DI RE IT OS RE SE RV ADO S
RE VIS ÃO
DE YSE MA RA RO D RI GUE S DE LI M A
DA NIE L A B O R GE S PE RE I R A
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E R NE ST O, L UCIE NE MA R CE LI N O
E 71 SA N KOF IA : B RE VE S HI ST Ó RIA S S OB RE AF ROF UT U RI SMO/ LU CIE NE
MA RC E L I NO E R NE S T O . – – RI O DE J ANE I R O , 2 018 .
2 26 P .
I SB N 9 788 592 232 726 (9 78 - 85 - 9 223 27 - 2 - 6)
1 .F I C Ç Ã O C I E NT Í F I CA . 2 . A F R O F U T U R I SMO . 3 . C O NT O S . I T Í T U L O .
CDU 82-3
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RE DE S S OCI AIS
F ACE BO OK IN ST A G RAM
LU AIN -ZAI LA / S AN K OF IA/ B RA S IL24 08 B RA SI L24 08
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LU AI N -ZAI LA @L UAI NZ AIL A
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Desenhar futuros é preciso e indispensável
AFROFUTURISMO
Existência
Conexão
Admissão
Ode à Laudelina
O Artefato
Crianças Vermelhas
FRAGMENTOS
Uma Real Probabilidade
Balfac Cke
Vazia Eternidade
Existência
— Corre, vai! Anda! Vão nos alcançar! – grita Abini logo atrás
de mim, enquanto corremos freneticamente pelo apertado corredor,
rumo à cabine da nave Asale, só três metros a nossa frente, só três. E
então a ouço gritar...
— Muda o código! Adimu, muda! – o grito dela é visceral e
corro ainda mais, a medida certa para abrir a porta e fechar bem sob o
braço de um dos tripulantes tomados por uma espécime invertebrada
e consciente em termos comparáveis aos humanos. É tudo o que sei
dizer.
O membro avariado parecia algo mínimo, vi pelo monitor que
estava mais aborrecido pelo incômodo de ter um braço quebrado,
agora, pouco útil do que com dor. Isso me fez pensar que dor ou a
falta dela nos dava sentido de algo errado ou não, assim como a
exaustão física ou emocional e a solidão, que sinto neste exato
momento, pois nenhum dos que estão lá fora se parecem comigo, a
não ser biologicamente. Não que estas sensações sejam exatamente
boas, mas é um aspecto humano, sentir algo e julgávamos a relação
com outras espécies através deste espelhamento. Mas eles não
demonstravam possuir isso de um modo perceptível, talvez fossem
capazes de suprimir as conexões nervosas ou ignorar. Jamais
entenderei porque não quero saber ou estudá-los.
A única coisa que consigo pensar agora é que... não quero estar
aqui, sou uma antropóloga, vim para coletar amostras: terra, água,
alguma possível vegetação, nada parecia estar aqui e avaliar, datar
carbonicamente minerais, outros elementos, sabe... analisar e não ser
tomada por uma-algo. Abini é quem iria pilotar, nem sei o que faço
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diante de tantos botões parecidos em forma e cores. Estou perdida. E
agora, eu sou a última barreira entre a possível ida deles à Terra. Isso
não é justo.
— Precisamos, compreenda, é inevitável sua tomada – disse a
copilota olhando para o monitor como se olhasse diretamente para
mim, e logo atrás dela no chão estava a pilota chefe Abini sendo
tomada, do mesmo jeito que aconteceu com os outros, primeiro, a
espécime escorreu para o seu rosto e então começou a se esvair para
dentro de seus olhos, nariz, boca, escorregando como água e então
depois de algum tempo, vi em seus olhos que agora se tornara deles,
delas, todos e que tinham gostado do próximo passo evolutivo dado:
sair da possível água, eu não tenho dados que confirmem isso e
locomover-se, ter mais sensações. Eu já conhecia o processo, a mente
resiste por aproximadamente trinta minutos e depois cessa, a pessoa
se levanta e então... É todos.
Foi um grande erro, feio, de principiante, um mal humano. A
excitação nos tornou presas fáceis. Devíamos ter usado os robôs de
captação e daqui ter operado o laboratório robótico, mas não,
tínhamos que “experimentar” a atmosfera do planeta, tirar os malditos
capacetes e o pior de tudo, entrar na suposta água, um erro colossal.
Aquilo não era um mar e sim “o mundo deles-todos” e agora deixamos
de ganhar um planeta para dar o nosso.
E aqui dentro não tem nada, sem comida, água e não sei
quanto tempo isso vai durar, mas eu não posso deixar que entrem e
muito menos que saiam daqui, só me resta tomar uma atitude: mudar
o código de ignição, exatamente como Abini me ensinou.
Respiro fundo, prendo minhas tranças usando duas, vindas da
parte inferior da nuca e me recomponho, isso. Agora aperto o botão e
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o sistema me solicita o código antigo, insiro, mas como não sou Abini
para passar pela identificação biométrica, digito o código restrito em
seu lugar e aguardo o reprocessamento, certo, mas então percebo o
silêncio, um nada de barulho lá fora, olho para o monitor e percebo
que todos sumiram. Não há nem mais um traço de movimento lá fora.
O que será que estão fazendo? O que foram fazer?
Finalmente, o sistema me pede o novo código de ignição,
digito, um código restrito, digito e então, o último passo, eu tenho a
opção entre o biométrico e o de voz, e claro, o biométrico parece
ótimo, mas então paro e percebo que essa não pode ser uma opção,
pois nos tomaram em essência, a nossa biologia externa permanece
inalterada, a mesma, logo, o de voz é o apropriado.
Respiro fundo e me preparo, tenho que repetir duas vezes, mas
então percebo um rangido e tudo começa a piscar. Essa não... o
sistema da nave passou para a emergência, e então volto a olhar para
o monitor a minha frente, ainda esperando para dar meu código de
voz, aperto o botão e ao fazê-lo, sinto que a porta atrás de mim se abre
lentamente. Estou perdida, os vejo vindo em minha direção correndo,
e só tenho alguns segundos para...
— Sou humana! Sou humana! – grito ferozmente a plenos
pulmões duas vezes e assim que me alcançam, resisto, e ouço o sistema
dizer – Código de voz aceito – Eu consegui! – penso com alegria, mas
fui pega e me pergunto. — Eu vou morrer? A espécime vai me matar?
Começo a cogitar as probabilidades me guiando pelo pouco
que vi. Será que vai me fazer assistir impassiva ao que faz com o meu
corpo?
Esperneio com todas as minhas forças, chuto, me debato, mas
não adianta. Eu sei que não, mas resisto organicamente por ser uma
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espécie que sempre briga e luta por sobrevivência, mas assim que cinco
deles me suspendem e carregam para a sala médica, tenho a certeza de
que não serei eu-apenas por muito mais tempo.
Enquanto isso, a minha última visão é a do teto da nave
passando e passando, mas antes que tudo termine, eu fecho meus
olhos e tento fazer um filme de adeus ao que sou: ancestralidade,
vivências sociais, pertencimento histórico, novas ideias e concepções a
partir do que conheço, ou acredito conhecer, sonhos a realizar,
arrependimentos. Tudo estará perdido em breve.
Meu nome é Adimu e significa rara em suarili, língua do
Quênia. Minha mãe, brasileira, me deu este nome e meu pai angolano
não gostou muito, mas compreendeu o motivo. Era o nome de uma
personagem do livro de quando ela era criança, numa visita de autores
e autoras às escolas da periferia onde morava, a heroína do livro era
negra e fez com que ela se apaixonasse por esse nome.
Mamãe me contou que não tinha grandes metas na vida, mas
ouvir aquelas pessoas que saíram de salas como a dela e viraram
alguém, motivaram-na a ir além. Todos e todas diziam que era preciso
estudo e esforço, ela acreditou e anos mais tarde, ela se formava em
Letras-Francês numa universidade federal, mas já dominava bem o
inglês e entre as atividades da vida, separava tempo para inspirar
outros e traduzir gratuitamente documentos de estudo. Era um
projeto coletivo de apoio ao acesso de conteúdos que ia desde artigos
da revista Science, pesquisas citadas no Nobel a documentos
digitalizados da primeira universidade do mundo, Timbuktu, no
Mali, África.
Minha mãe era fascinada por aprender e permitir a outras
pessoas o acesso a conhecimentos que lhe permitissem um “lugar
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social” mais consciente e foi assim que conheceu meu pai, ele
aprendera árabe como guia turístico no Cairo, e depois ao se tornar
guia histórico no Mali para os pesquisadores, ficou fascinado pelo
projeto que crescera e por minha mãe, que visitava o local pela
primeira vez. Aliás, meu pai dizia que minha mãe era muito mais
apaixonada por papel velho do que por ele e no final das contas, eu
também, amo um pedaço de cerâmica ou qualquer outro objeto de
séculos, datado por carbono 14.
E então ele veio para o Brasil, se embrenhou no projeto e assim
viveram, doando conhecimento a todos que quisessem aprender, o
“ter” jamais seria uma barreira novamente e assim me tornei
antropóloga, continuei o legado deles e quando vi a chance de escrever
meu nome africano, negro, de essência brasileira e sul-americana na
história, não resisti, o fiz e agora estava ali, prestes a perder o que me
fazia Adimu, humana e perder isso era pior que a morte.
Os eu-todos me jogaram secamente sobre a mesa, senti dor nas
costas e me mantive quieta, a princípio, mas quando vi Abini ou o que
sobrara dela, a casca, com um daqueles, daquelas em mãos, chorei de
ódio e comecei a resistir novamente, ofegante e então ela colocou a
espécime sobre meu rosto. Senti-me sufocada, engasgada,
desesperada, meus últimos sentimentos humanos a flor da pele e então
desmaiei, morri, não sei dizer.
— Mas o que é isso? – perguntei a mim ao acordar tonta e
assustada sob um chão rochoso, úmido e frio. Eu estava dentro das
Cavernas Cango, na África do Sul, que visitei com meus pais e tenho
a lembrança do castigo mais extenso e adorável da minha vida, duas
semanas, pois peguei uma pedra para estudar. Ali comecei a ser o que
faria da minha vida inteira.
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As suas formações de milhares de anos são fantásticas e me
lembro de apreciar a sua quietude, apenas quebrada pelo som da
natureza ao fundo, seguindo o seu curso de milhões de anos.
Por um instante me senti em casa, mas foi quando percebi que
mais alguém estava lá, era eu e não era eu ao mesmo tempo.
— Então é isso? Vou ficar vagando em memórias da minha
vida? Qual o objetivo de vocês? – perguntei ao reflexo de um eu que
não era eu.
— É incrível, as informações que seus... “não sei” conseguem
captar, imagens, vozes, energia percorre as... memórias. É estranho,
vivo, algo é diferente, as suas são carregadas de... esse seu vocabulário
é cheio de, palavras, termos, sinônimos e outras... não sei dizer, existe
um vocabulário, mas é...
— É complexo, cheio de significados, teorizações e eu adoraria
ter esta conversa lá fora, do meu corpo. Eu de um lado da mesa e você
de outro.
— Sabe que não, mas... insiste? Qual o sentido, sentido dessa
frase? – me pergunta ela-eu.
— Como eu disse é complexo, não é fácil explicar ou, talvez
seja simples, existem implicações e significantes que dependem do
contexto e do assunto abordado, mas as palavras não têm sentido sem
que haja um assunto que as signifique no tempo e espaço – respondi
complicando ao máximo e o quanto possível a resposta, pois não tinha
ideia de quanto tempo fiquei desmaiada e o quanto absorveu de mim.
Ela-eu me olhava “curiosa” e era estranho estar tendo aquela
conversa, e enquanto ocorriam as pausas, eu buscava contar o tempo,
uma forma de sobreviver e resistir ao que estava acontecendo em
minha mente e a melhor forma de fazer isso era tomando a frente.
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— Olha, não tínhamos a intenção de entrar em seu mundo,
não foi de propósito, apenas foi inadvertidamente feito, não precisa
nos tomar e nem o nosso planeta. Podemos ir embora e nunca mais
voltar, apenas... nos solte.
— Não sei se é possível, vimos seu mundo e esse “isso” que
vocês têm é bom, gostamos, são “muitos”, nunca juntamos com
outros-ele cheio de diferentes – disse ela-eu para mim, e compreendi
o que estava dizendo, ainda que sem um nexo satisfatório em meus
termos de fala.
Em suma, ela-todos estava dizendo que gostava da sensação
complicada de ser um de nós, todas as irregularidades humanas que
sentiam eram satisfatórias, talvez excitantes ou saborosas na lógica
dela-eu, ou seja, em poucas palavras, nós erámos uma espécie cheia de
diferenças que nunca tinham experimentado e agora queriam mais de
nós, e eu precisava ao máximo me manter menos deles.
— Então... outros-eles, vieram até o seu planeta? – perguntei
tentando entender porque não vimos rastros de outras espécies na
superfície daquele exoplaneta.
— Eles-eu-nós que vivia, aqui, antes, depois só, não diferentes
mais – a resposta dela me fez cogitar que aquele não era o planeta deles
e sim um tomado, onde as diferenças se existiam foram absorvidas e
então nada mais sobrou além de todos-eles-elas iguais, ou seja, o
tiramos da neutralidade existencial e demos a eles o vislumbre de um
mundo cheio de possibilidades, bilhões para ser mais exata. Mas foi
então que me ocorreu que eu era capaz de sentir o incômodo da pedra
onde sentara, logo era como estar num sonho lúcido e se eu sentia,
poderia ser capaz de perturbar a assimilação que fazia de meu
vocabulário, de mim, Adimu, pois como antropóloga eu tinha muito
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a oferecer, inclusive algo que não gostaria; meu extinto primitivo de
sobrevivência. E não pensei duas vezes, avancei sobre ela, foi um susto
e a joguei contra a parede de rochas e caí também.
— O que é isso? – perguntou ela-todos ao experimentar algo,
talvez dor, por ainda ter eu, ali.
— Algo que temos muito em nosso eu e que infringimos a
outros para nos defender ou atacar. Não quero seu eu-todos dentro do
meu eu, logo... – respondi enquanto pegava uma pedra no chão para
atacá-la e foi quando o cenário mudou, tropecei numa mesa de centro
e cai sentada no sofá. Agora estou na casa dos meus pais. Onde ela-
eles está?
— Querida, você está bem? Vai se atrasar. Eu estou tão
orgulhosa de você... – aquilo era uma afronta, a imagem da minha
mãe, empurrei-a com força e não permiti que chegasse perto, me
tocasse. Será que havia feito isso com os outros? Sentiram-se como
num sonho e assimilaram, desistiram, cansaram? Quanto tempo
realmente havia passado? Alguns segundos, tudo é relativo dentro da
mente e ela-outro controla a ida e vinda, não eu. Só o que tinha era a
chance de dificultar a sua leitura de quem eu sou, o que me constitui
e isso teria que bastar para me tirar dela, ou tirar ela-todos de mim.
— Você é persistente, mas vamos chegar lá. Queremos unir
vocês – disse ela-outros e aquilo me assustou, está falando mais
parecida comigo, articula melhor, o que significava que entende
melhor as palavras, me consumia e isso não é bom, preciso ganhar
tempo, assim como ela-outros faz comigo.
— Somos diferentes demais, nunca conseguirá harmonia ou
nos tornar eu-todos, somos outros-outras-muitos e resistiremos. Eu
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resisto a você agora – insisti tentando buscar uma brecha que a
desestabilizasse.
— Queremos tornar vocês, eu-todos, juntos. Será melhor.
— Não será. Cada pessoa desta tripulação é diferente de um
jeito, na língua, no rito enquanto humano com suas conexões culturais
e pensamentos coesos ou soltos. Vocês-todos são conectados,
parecidos e na verdade não gostam disso, e por isso tentam nos tomar,
vocês não têm singularidades, privacidade, segredos e por isso buscam
assimilar outros-eu, querem o que nos torna diferentes, muitos-
muitas-vários, vocês querem ser eu-só, mas são todos-chatos – resolvi
usar um insulto simples e percebi que aquilo a incomodou, pois não
foi vociferado, lhe dei a chance de absorver o significado e então, me
calei.
Resolvi tentar outra abordagem, se a natureza deles era a
assimilação das diferenças e depois passividade pela conexão eu-todos,
nós éramos o contrário, apenas o eu-só, pois a ideia de unidade não
tinha a ver com sermos iguais em pensamentos e atitudes, mas sim
diferentes e complexos com nossos contextos sem que isso significasse
estar acima um do outro, em tese, essa questão humana era histórica,
uma complicação não resolvida até os tempos de hoje.
Dei-me conta que a cada tomada de um dos tripulantes, mais
ficavam a volta, ou seja, os eu-todos estavam ao redor da mesa em
conexão, assimilando tudo que ela-todos tirava de mim, e se
partilhavam o tudo-outros e depois nada sobrava, aquela era a curva
de regularidade que eu precisava desestabilizar e fazer com que
almejasse experimentar o eu-só, para além dos outros-ela, e que lugar
mais interessante para fazer isso do que dentro da própria mente.
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— Inveja é o ato de desejar o que não é seu, tomar para si o
que é de outro e não dividir com ninguém, sem eu-todos – logo após
dizer aquilo, fechei os olhos e me recostei na poltrona.
Era a minha última cartada, comecei a relembrar com a
máxima reprodução de detalhes, sons, cores o lugar mais cheio de
gente e complexo em línguas, modos que já estive e com todas e tantas
especificidades o quanto fosse possível. Fiquei em silêncio e então
percebi passos em minha direção, podia sentir sua respiração em meu
rosto e então ela-todos fez algo curioso, me sacudiu, queria saber onde
eu estava e então abri os olhos e a deixei entrar na lembrança mais
intensa e vivida que tinha.
Estava na ONU, onde recebi juntos com os outros tripulantes,
as honras por ter sido escolhida para a missão de coalizão mundial.
Havia um mundo cultural dentro daquelas paredes, naquele dia.
Eu e ela-eu agora estávamos em meio a uma multidão de
pessoas. Lembro-me de ter ficado curiosa com a fonética de alguns
idiomas e olhar fixamente para os trajes de gala de muitos países, era
um festival de modos de vida indo e vindo, nos fones e tantas línguas
faladas fora deles que ela-eu não sabia qual desejar, queria todos e
todas. Lembrei-me da ansiedade que senti ao andar entre as pessoas
dali e ela-eu tentou fazer o mesmo, mas queria absorver tudo, cada
trecho de linguagem, mesmo que eu não tivesse a compreensão e ali
cometeu o erro “humano” da excitação desmedida, o único que
reconhecia e esperava daquela espécie. Esqueceu-se o bastante de
mim, a ponto de eu conseguir perdê-la de vista na memória.
Aproveitei seu vislumbre e andei na direção contrária, havia
uma porta no fundo, não sei se era real, não lembro dela, mas era uma
porta e saí de lá.
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De repente, comecei a me sentir engasgada novamente,
sufocada e então abri os olhos, estavam turvos pela espécie que ainda
não havia me absorvido. Eu estava sobre a mesa, me debati e virei de
lado para expelir aquela eu-todos.
Senti um asco arrebatador e passei a mão em minha face
loucamente buscando tirar aquilo de mim, qualquer vestígio, mas não
tinha muito tempo, pois não sabia o que aconteceria assim que a
memória extasiante que dei a ela-todos fosse consumida por eles-
todos ao redor, e então, não sei por que me veio o pensamento de que
o nosso cérebro biologicamente é um poço de eletricidade e química,
e que talvez causar um curto-circuito fosse algo interessante. E não
hesitei, liguei o desfibrilador e joguei sobre ela-todos.
Não houve estouro, mas, um belo choque psíquico, encolhi-
me na parede e vi na sequência todos os tripulantes tomados irem ao
chão, o elo havia sido... eu não sei, só sei que descobri uma forma de
impedi-los e de talvez, ter a tripulação de volta.
— Droga! Cadê, cadê ele, anda Adimu, procura... achei! –
finalmente, o bendito taser da Abini, não que se possa achar normal
levar algo assim ao espaço, mas ela o tinha para atordoar qualquer um
que demonstrasse instabilidade emocional durante a viagem,
estávamos procurando antes e agora serviria ao meu propósito de
neutralizar cada espécime sem matar a pilota chefe e os outros, caso
ainda existissem dentro de seus corpos.
— Lá vai! – disse a mim antes de acertar um a um no chão, e
então saí de lá mais que depressa. Tranquei a porta e observei por
horas até me cansar e ir dormir na cabine, agora, munida de comida,
água e esperança. Adormeci até ser dia novamente, em tese, já que
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onde pousamos e pela rotação, a noite durava umas cinco horas e
acordei assustada ao ouvir gritos vindos da sala médica.
Saí da cabine quase sem respirar, o corredor não tinha
iluminação e andei bem devagar. Vi que esmurravam a janelinha da
sala e ao ver o desespero estampado no rosto deles senti alívio, estavam
vivos, eram humanos, ao menos quatro deles. Abri a porta e eles
saíram, ali nos abraçamos e choramos sem parar. Ainda éramos nós,
extremamente felizes por estarmos vivos.
Levamos algumas horas até termos coragem de entrar na sala
médica novamente. No chão e na mesa estavam os restos dos eu-todos
que nos tomaram, e também, o corpo inerte de dois astronautas que
após exames seguindo o protocolo médico foram declarados com
morte cerebral, não havia o que fazer por eles, e seguindo a regra de
contaminação, não poderíamos levá-los para casa. Acho que isso foi o
que mais nos doeu, lembrar-nos de seus sorrisos achando que
tínhamos encontrado um segundo lar.
Dois dias após uma minuciosa conferência da nave em busca
da presença de algum eu-todos, tivemos a certeza de que estávamos
sós, os cinco, cada um com os seus pensamentos e dúvidas.
Apenas eu, Dra. Adimu fiz um relatório extenso do ocorrido,
os outros não lembram exatamente de nada ou do contato, talvez
porque tudo parecesse um sonho e por terem sido tomados em seus
cômodos dormindo. Daí pode vir o motivo de não terem uma exata
noção e três deles relataram que esqueceram várias lembranças
pessoais, que acredito foram “distribuídas”. Já Abini têm flashes de ter
falado consigo mesma e apenas eu, não sei dizer o porquê, resisti e me
lembro de tudo, algo foi diferente.
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Talvez o sentimento de raiva tenha sido forte o suficiente para
distrair e alimentar a curiosidade da eu-todos, talvez a quantidade de
informações e complicações humanas inerentes ao meu ofício de
compreender o humano ou pelo menos, entender seus feitos tenha
distraído ela-eu, mas a verdade é que nunca vou saber como escapei.
Finalmente, após uma quarentena vigiada, era a hora de partir
e nunca mais voltar ali. Abini tentou ligar os motores, mas a lembrei
de que tinha me ensinado a mudar a ignição para impedir a fuga deles.
Eu então lhe disse o código – 2408 e logo após, o sistema pediu a
conferência de voz e a dei com alegria e satisfação em reconhecer...
— Sou humana!
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19
Estamos só começando...
20
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Não detenha seus sonhos, adie-os, mas não os perca de vista
Essa afirmação transpassa e perpassa a ficção.
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Arrisque um salto no desconhecido...
O futuro é um experimento em mutação permanente
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Não sei como, mas vez ou outra, voe, voe alto e sem destino
Faça magia com suas palavras
129
Não deixe de contar história a você
153
Só pode ser eterno, o que vale a pena ser lembrado
161
Esse é o meu jeito de contar histórias
Antes fosse só ficção...
201
Permita-se desafiar as possibilidades
211
Meus passos, meu caminho, minha jornada