Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Introdução
A partir dessa constatação mais geral, o presente trabalho terá por objeto central a
comparação entre dois conceitos delimitados: a noção de Homem Perfeito (al-Insan al-
Kamil) em Ibn ‘Arabî e a noção de Máximo Homem (Maximus Homo) em E.
Swedenborg. Paralelismo conceitual o qual, apesar das inegáveis diferenças e
divergências, parece-nos verossímil. Não obstante, com exceção de uma breve menção
em José Antonio Antón Pacheco (ANTÓN PACHECO, 2006: 315-316), desconhecemos
um trabalho mais específico a respeito de tal tema nestes dois autores.
Ibn ‘Arabî (1165-1240) foi um filósofo e místico muçulmano (sufi) situado na Andaluzia
do século XIII, enquanto Emanuel Swedenborg (1688-1772) foi um filósofo, teólogo e
místico cristão na Suécia do século XVIII.
Para possibilitar uma comparação entre esses dois autores, tão diferentes em termos de
contexto histórico-cultural, religioso e filosófico, além de outras semelhanças (a realidade
estruturada em graus; correspondências e analogias; imaginação criadora; hermenêutica
espiritual etc.) que aqui, todavia, não poderemos abordar nem aprofundar, lembramos que
Ibn ‘Arabî pode ser considerado representante do que H. Corbin chamou de “teosofia
islâmica” (ou “teosofia oriental”), enquanto Swedenborg, por sua vez, representaria a
teosofia cristã ou ocidental, tal como foi caracterizada por A. Faivre (Cf. FAIVRE, 2005:
259-267). O uso da palavra teosofia (em árabe, hikmat ilâhîya) refere-se aqui a uma união
indissolúvel entre filosofia e mística, valorizando o aspecto intuitivo e imaginativo do
conhecimento, e não apenas o aspecto racional, algo que, sem dúvida, ocorre tanto em
Ibn ‘Arabî quanto em Swedenborg.
Conceitos
Para Ibn ‘Arabî em específico, conforme F. Mora, o ser humano perfeito (insan al kamil)
pode ser encarado sob três ângulos distintos e complementares:
Unidade e multiplicidade, tal como o homem, o Céu tem membros e partes, e cada uma
delas é uma sociedade ou comunidade de anjos. Não obstante, cada uma dessas
sociedades age como se fosse um único homem, assim como os membros do corpo
humano constituem um só sistema ou unidade orgânica.
Swedenborg frequentemente divide o Céu em três regiões: primeiro Céu, segundo Céu e
terceiro Céu. E estabelece correspondências entre eles e as áreas do corpo humano, da
seguinte maneira: o terceiro Céu corresponde à região da cabeça e pescoço; o segundo
Céu, à região do peito até os joelhos; e o primeiro Céu, à região dos pés, incluindo os
braços e dedos.
Pelo mesmo princípio das correspondências, cada sociedade angélica ou cada parte do
Máximo Homem aparece como uma unidade e em forma humana. Notadamente, elas são
desiguais e diferem em graus de perfeição como diferem os biótipos humanos, e isso se
reflete no todo. O Céu em totalidade é uma imagem de Deus, assim como o é cada
sociedade angélica ou parte, e cada anjo em particular, por analogia (SWEDENBORG,
2005: 32-40; STANLEY, 2007: 35).
Após uma rápida exposição sobre os conceitos de Homem Perfeito e Máximo Homem,
vamos realizar uma comparação mais detida entre eles.
Comparação
Esse olhar divino (cuja irradiação é expressa no indivíduo cujo potencial espiritual foi
atualizado) tem uma função preservadora, pois sem ele, através dos santos e amigos de
Deus, o mundo submergiria no caos. Ou, então, o conjunto dos mundos seria aniquilado,
se esse olhar incidisse sobre eles de forma direta e em todo seu esplendor. O ser humano
perfeito, criado à luz da forma divina, é o véu mediador entre o universo e a Glória de
Deus (MORA, 2011: 386 ss.).
Para Swedenborg, por sua vez, a perfeição essencial da humanidade é o espelho no qual
o divino pode ser visto. Do ponto de vista de Deus, toda a espécie humana é como um
Homem perfeito pelos bons usos (ações e trabalho) que faz em nome dele, enquanto
aqueles indivíduos que realizam as coisas por seu próprio mérito ou pelo amor do mundo,
aparecem perante a divindade como um Homem imperfeito ou deformado.
Desse modo, cabe ao ser humano realizar plenamente o seu potencial de perfectibilidade,
regenerando-se internamente, através da sabedoria, da fé e da caridade. Mais
precisamente, a regeneração para Swedenborg consiste em que o homem exterior e
natural corresponda ao homem interior e espiritual, correspondência essa cujo arquétipo
em maior grau de perfeição é Jesus Cristo, Único e Perfeito Homem (apud TROBRIDGE,
1998: 118-119; STANLEY, 2007:90-91).
Segundo Swedenborg, os antigos já sabiam dessas coisas, e por isso chamavam o homem
de “microcosmo”. Eles tiravam esse conhecimento diretamente das correspondências e
da comunicação com os anjos; no entanto, tal conhecimento estava praticamente perdido
para os homens modernos (SWEDENBORG, 1965: 132-133; SWEDENBORG, 2005:
24, 35; STANLEY, 2007: 74-75).
Na perspectiva de Ibn ‘Arabî, Deus criou a Adão, o ser humano primordial, à sua forma.
Este último tem a forma do nome global daquele, e, por isso, pode acolher em si todas as
qualidades da existência, tanto as da misericórdia quanto as do rigor.
Os anjos e outros seres espirituais percebem a Deus como uma realidade transcendente
em relação ao universo; já o ser humano O conhece em sua dimensão visível e invisível,
já que contém em sua natureza realidade e aparência, interior e exterior, céu e terra. Ele
une opostos, e reúne ao mesmo tempo o mais sublime e o mais sórdido. O ser humano
completo e universal é aquele que conhece a si mesmo até as profundezas (como diz o
hâdice, “Quem conhece a si mesmo, conhece a seu Senhor”) e, dessa maneira, sintetiza
ou condensa em si todas as coisas (MORA, 2011: 389-390). Autoconhecimento o qual,
na verdade, ocorre em diversos graus ou “estações” espirituais. Considera a respeito
William C. Chittick:
Do ponto de vista de Swedenborg, o mundo celestial interior do homem (no qual ele só
pode entrar parcialmente) é a Forma Humana em sua totalidade. Como essa grande Forma
não está restrita a espaço nem tempo, ela é universal, e por isso é denominada também o
Humano Universal (STANLEY, 2007: 74-75).
De acordo ainda com o teósofo sueco, existe uma dualidade antropológica: o homem
natural ou exterior ama as coisas do mundo e ignora as divinas; enquanto o homem
interior ou espiritual, sem negar o mundo, segue os preceitos divinos e ama mais as coisas
espirituais. Todavia, uma dualidade relativa, porquanto o homem natural pode se tornar
espiritual desde que queira mudar sua vida, harmonizando-a com os preceitos divinos
(SWEDENBORG, 1965: 12, 97).
Se o Céu, em cujo âmbito cada coisa se comunica com tudo, é o homem na forma máxima,
cada sociedade angélica o é na menor, e cada anjo o é na mínima. Visto pelos olhos
espirituais, o anjo é um receptáculo e um Céu na mínima forma, e o homem, na medida
em que recebe do Céu, é um Céu e um anjo. Swedenborg, diferentemente de Ibn ‘Arabî,
hominiza aos anjos: eles têm a forma humana, ainda que, como é evidente, não sejam
revestidos do material corpóreo (SWEDENBORG, 2005: 32-33, 41-44). Swedenborg,
ainda, acredita que, como é Deus quem faz o céu, Ele é Humano na forma. Esse é o Divino
Humano do Senhor. Swedenborg aqui não distingue o aspecto Humano do aspecto Divino
de Deus, como faz a teologia cristã tradicional (STANLEY, 2007: 51-52).
Conclusão
1) O homem foi feito à imagem ou forma de Deus, que é perfeita e universal, e como tal
é um espelho em que o Divino pode ser visto.
E as principais diferenças:
1) Swedenborg não diz expressamente que o cosmos e o homem são espelhos para Deus
ver um reflexo de Si mesmo, ainda que, pelas correspondências, tanto o mundo natural
quanto o homem são espelhos do mundo espiritual, por sua vez, espelho de Deus.
2) Ibn ‘Arabî não diz que o Céu tem a forma de um homem, nem que as sociedades
angélicas (e cada anjo) no Céu representam um homem, nem compara o Céu aos sistemas
do corpo humano.
3) Tampouco Ibn Arabî diz que os anjos têm a forma humana ou algo do gênero:
permanece uma clivagem entre anjos e humanos.
Bibliografia
ANTÓN PACHECO, José Antonio. Ibn Arabi y Swedenborg: Propuestas para una
Filosofía Figurativa, In: Isidorianum. 2006. Vol. 15. Núm. 29, pp. 305-318.
AVENS, Roberts. The Subtle Realm: Corbin, Sufism and Swedenborg, in: Larsen, Robin.
(Ed.) Emanuel Swedenborg: A Continuing Vision: a Pictorial Biography & Anthology of
Essays & Poetry. New York: Swedenborg Foundation, 1988, pp. 382-391.
BENEITO ARIAS, Pablo. Ibn’Arabi e a perfeição do ser, entrevista ao portal IHU Online,
16/12/2013, Disponível In: http://www.ihuonline.unisinos.br/artigo/5329-pablo-beneito-
arias (último acesso: dezembro de 2017)
CHITTICK, William C.. Ibn ‘Arabî e Rumî, In: Revista Numen: revista de estudos e
pesquisa da religião, Universidade Federal de Juiz de Fora, v. 8, n. 1 (2005): Numen 14,
pp. 23-37.
IBN ‘ARABÎ, Muhyiddin. Sufis of Andalucia: The Ruh al-Quds and Al-Durat Fakhirah.
Londres/Nova Iorque: Routledge, 2008.
FAIVRE, Antoine, verbete Christian Theosophy, In: Dictionary of Gnosis and Western
Esotericism, Wouter J. Hanegraaff, Antoine Faivre, Roelof van den Broek, Jean-Pierre
Brach (orgs.). Leiden etc.: Brill 2005, 2 vols, pp. 259-267.
MORA, Fernando. Ibn ‘Arabi: Vida y enseñanzas del gran místico andalusi. Barcelona:
Kairós, 2011.
STANLEY, Michael. Emanuel Swedenborg. São Paulo: Madras, 2007, col. Mestres do
Esoterismo Ocidental.