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A VIAGEM DO HAICAI DE NEMPUKU SATO

Dissertação apresentada ao Curso de Pós-


Graduação em Letras - Literatura Brasileira /
Teoria Literária, da Universidade Federal de Santa
Catarina, para obtenção do título de ’’Mestre em
Letras", área de concentração em Teoria Literária.

Orientadora: Maria Lúcia de Barros Camargo.

o Antonio Maschio Cardozo Chaga.

JANÓeOLIS - 1995.
“A VIAGEM DO HAICAI DE NEMPUKU SA I O”

Marco Antonio Cardoso Chaga

Esta dissertação foi julgada adequada para a obtenção do título

MESTRE EM LETRAS

Área de concentração em Teoria Literária, e aprovada na sua forma final


pelo Curso de Pós-Graduação-em Letras - Literatura Brasileira e Teoria
Literária da Universidade Federal de Santa Catarina.

ária Lúcia de Barros Camargo


ADORA s—\

Profa. Dra. Ana Luiâa Andrade ~


C O O R D E N A D O R A D O CURSO

B A N C A EX A M IN A D O R A :
^ßm£a-©fa^ Maria Lúcia de Barros Camargo
PR ESIDENTE

_______________
Profa. Dra. Luiza Lobo

Prof. Dr. Raúl Ante'

)ra. Õdília Carreirão Ortiga


SUPLENTE
RESUMO

Esta dissertação apresenta o haicaís ta que


trouxe ao Brasil, junto aos imigrantes, o haicai
japonês.
Mapeando a trajetória do haicai desde o .Japão,
este trabalho pretende refletir sobre a adaptação e
inserção do haicai de Nempuku Sato ao Brasil.
RESUME

Ce travail présente le père du haiku qui, avec


les immigrants, apporta au Brésil le haiku japonais.
Traçant la trajectoire du haiku depuis le
Japon, cette étude prétend se pencher sur la réflexion
concernant l ’adaptation et l ’insertion du haiku de
Nempuku Sato au Brésil.
AGRÄDECIMEUTOS

Ao CNPq, pela bolsa.

À Maria Lúcia, pela orienta(llza)çáo.


"O "escritor” : diz sempre mais ou menos o que realmente
pensa. Esquece ou acrescenta o seu pensamento. No fim o que
escreve não corresponde a nenhum pensamento real.
É mais rico ou menos rico. Mais longo ou mais breve.
Mais claro ou mais obscuro.
Por isso, quem pretende reconstituir um autor a partir de
sua obra, necessariamente constrói uma personagem."

Paul Valéry.
IHDICE

IMTRODUÇÃO 1

A TRAJETÓRIA DO HAICAI 8
- Duas viagens do haicai 15
- Uma variante: a segunda vertente 18
- Do outro lado do mundo 27

O HAICAI DE NEUPUKU SATO:


CAMPO E CIDADE 32
- Primeiro o campo 35
- A orientação inicial 39
- A cidade ausente 41
- A individualização do haicai 47
- Uma definição do haicai 55
- O haicai como parte de uma
experiência narrativa 58

MORRER, VIVER E VIAJAR:


O TERRITÓRIO DO HAICAI 62
- A morte visivel e a
viagem invisivel >55
- Uma outra fronteira 75

A TRADIÇAO DO PRESENTE 85

CONCLUSÃO 106

BIBLIOGRAFIA DO AUTOR 111

BIBLIOGRAFIA SOBRE O AUTOR 112

BIBLIOGRAFIA DA PESQUISA 113

ANEXOS 116
IHTRODUÇAO

Em Londrina, durante a década de oitenta e talvez


antes, alguns haicais1 eram utilizados como material de
apoio em cursos de língua japonesa. Esses haicais faziam
parte da obra de Nempuku Sato. Os professores que utilizavam
este material esperavam despertar o interesse dos alunos,
descendentes de japoneses e "brasileiros", para o estudo
roais específico do haicai. Em sua maioria ex-alunos de
Nempuku Sato, estes professores, seus respectivos alunos e
outros haicaistas, iniciaram a seleção e tradução de alguns
haicais. Foram traduzidos trinta e sete haicais que
constituem o corpus deste trabalho2.
O critério para realizar esta seleção foi
determinado por alguns ex-alunos3 de Sato e estava
fundamentado na censura dos haicais mais picantes, bem como
dos temas relacionados a política e religião. Dessa maneira,
esta amostragem apresenta somente o aspecto diurno4, o lado
apolíneo da produção de Nempuku Sato.

1 Utilizarei a forma dicionarizada.


2 Ver anexo. Se compararmos o número de haicais escritos por Sato, mais de mil
e quinhentos, aos trinta e sete traduzidos, veremos que esta seleção náo
pretendeu apresentar um numero significativo capaz de possibilitar um
mapeamento preciso da Obra de Nempuku Sato. Sendo assim, a presente seleção
apresenta apenas uma pequena amostragem dos haicais de Nempuku Sato.
3 Entre eles a Sra. Mitchiu, Tokui Sato e Shinshiti Minowa, que também
caligrafou os haicais anexos.
4 Quero dizer: a censura que norteou a seleção dos haicais preocupou-se em
traduzir os haicais menos comprometedores do ponto de vista moral.
De uma maneira muito peculiar, a obra de N. Sato
não chamou a atenção dos críticos nacionais até muito
recentemente5. Fiquei até um pouco espantado e
agradavelmente surpreendido ao saber que o professor Haquira
Osakabe havia iniciado os trabalhos na Unicamp, em 1994, com
uma aula inaugural sobre Nempuku Sato. No mesmo ano, tive a
oportunidade de acompanhar um desdobramento daquela aula
inaugural, que agora havia se transformado em uma
Comunicação6. Não era, propriamente, um trabalho de analise
dos haicais de N. Sato, mas era um interessante histórico
sobre a existência paralela deste desconhecido haicaista.
Antes de realizar mais um histórico de N. Sato com
a finalidade de apresentá-lo, .contextualizando-o junto ao
leitor deste trabalho, gostaria de chamar a atenção para o
fato de que a obra de Sato tenha passado despercebida e
incógnita, além das publicações mencionadas anteriormente,
sem direito a nenhuma linha de referência, inclusive pelas
mãos dos Poetas Concretos. Este fato ganha vulto e se torna
significativo se considerarmos a importância nuclear do
haicai para o desenvolvimento imagético da poesia que a
Teoria Concretista pretendia.
Vamos ao histórico. Kenjiro Sato nasceu a 28 de
maio de 18 98 na cidade de Sasaoka, Província de Niigata, no
Japão. Era o segundo dos seis filhos do casal Yosaku Sato e

5 Ver bibliografia sobre o Autor.


6 O encontro com o Prof. Haquira Osakabe ocorreu durante o IV Congresso
Abralic, USP, setembro de 1994.

2
Tose Sato, seu pai, um pequeno comerciante de secos e
molhados.
Em 1922, conheceu Mizuno Nakata, professor da
Faculdade de Medicina de Niigata, que o iniciou no estudo do
haicai. Foi nesta época que Kenjiro adotou o nome de batismo
como haicaísta, Nempuku, Pouco tempo depois, Nempuku
conheceu Kyoshi Takahama(1874-1959) , que tinha sido aluno de
Masaoka Shiki(1867-1902)e de quem tornara-se um dos mais
destacados discípulos.
A situação econômica e social do Japão na década de
vinte era, para não dizer nada, delicada, e o governo
continuava a estimular o processo de emigração iniciado na '
virada do século. É nesse período que Nempuku Sato é outros
membros da família decidiram, sem muita escolha, emigrar
rumo ao Brasil, aqui aportando em 1927. Contudo, no caso
específico de Nempuku Sato, a atividade de "ensinar" haicai
no Brasil parecia seduzi-lo.
No Brasil, paralelamente ao trabalho agrícola,
nunca bem sucedido, Nempuku Sato escreveu uma coluna sobre
haicai no jornal Brasil Jlho, de 1935 a 1942, quando o
jornal foi extinto. A mesma coluna retornaria em 1947, no
Jornal Paulista, sendo publicada até 1977. Juntamente ao
trabalho do jornal, Nempuku fundou a Revista Kokague (1948-
197 9 com 372 números) , que pretendia divulgar a produção dos
haicais elaborados durante suas viagens pelo sul de São
Paulo e norte do Paraná. Além desses haicais, a revista se

3
encontrava à disposição para publicar, através de
correspondência, haicais de qualquer parte do mundo onde
houvesse japoneses interessados. Desse modo, pode-se
encontrar nesta revista, além dos haicais dos alunos7 de
Sato, haicais de diversos haicaístas dos países da América
do Sul.
O ano de 1954 foi o mais emblemático para a vida
de Nempuku Sato, pois, a partir daí, ele passou a se dedicar
exclusivamente ao trabalho de ensino e divulgação do haicai,
com o abandono definitivo da lavoura. Nesta época, publicou,
no Japão, dois volumes com seus haicais: Nenpuku Kushu I e
Nenpuku Kushu II. Publicou também um volume chamado Nenpukn
Halwa (Nempuku "falado"), que se destinava a divulgar as
dificuldades enfrentadas durante o processo de adaptação do
haicai ao Brasil.
Um dos aspectos centrais do meu trabalho está
relacionado ao processo de reorlenta(llza)çào do haicai no
Brasil. Este processo ora se aplica ao haicai de Sato, ora
se aplica ao próprio Nempuku Sato e aos imigrantes e,
talvez, em alguns momentos, ele deva ser aplicado à minha
pesquisa, justamente porque é muito difícil estabelecer um
lugar próprio para o haicai japonês e, ao mesmo tempo,
brasileiro. Trata-se portanto, de uma experiência realizada
em diversos limites.

7 Nempuku Sato possuía em torno de seis mil alunos nesta época, segundo
levantamentos dos seus ex-alunos.

4
O limite, no caso do haicai de N. Sato, se impõe em
diversos momentos, mas um deles, que não discuto de maneira
direta, apesar de pairar sobre todos os outros limites, se
encontra na própria especificidade do espaço deste haicai em
circular, por longos quarenta anos, apenas dentro do
universo da colônia japonesa. Desse modo, este limite, esta
margem de segurança do haicai de Sato, estabelece um círculo
muito peculiar: é um haicai produzido em língua japonesa com
muitos leitores (seis mil ou vinte mil, não sabemos ao
certo) no Brasil.
Este fato, a produção de haicai em língua japonesa,
foi, e continua sendo, uma barreira a mais para quem quer
pesquisar ou divulgar o assunto. Por esse motivo, devo
ressaltar que não fará parte deste trabalho a discussão
sobre a tradução dos haicais e, sendo assim, utilizar-me-ei
da seleção citada anteriormente, que é uma versão autorizada
pelos seus alunos. Insuficiente para analisar o conjunto da
obra de Sato, esta seleção é suficiente para abrir várias
questões.
Todavia, um outro e distinto processo de tradução,
longe do problema da língua, será discutido. Trata-se, a
partir da versão disponível, de examinar a "tradução" do
Brasil que Sato realizava. Agregada a essa "tradução",
também encontraremos a preocupação de Sato em adaptar o
haicai ao Brasil. Portanto, discutir a inserção do haicai no
Brasil feita por um japonês, fora dos cânones oficiais, fora

5
de uma tradição específica e brasileira e sem um
planejamento prévio, constitui um outro objetivo desta
dissertação.
Sendo, no Brasil, um habitante do campo, toda a
apresentação de Nempuku Sato se desdobra, convergindo para
um outro ponto deste trabalho: a leitura poética, do campo
em direção à cidade e da cidade em direção ao campo,
construída por Nempuku Sato. Essa leitura poética do campo
acaba por re-criar, em algumas décadas, todo o movimento
histórico de três séculos do haicai, presentificando sua
história. Seria, às avessas, o movimento do flânevr.
Enquanto o flânevr necessita, de maneira vital, da cidade
para praticar os passeios de leitura da modernidade, Nempuku
Sato sai da cidade, passeando em direção ao campo, para
voltar à cidade.
Entretanto, para realizar a tarefa de inserção do
haicai no Brasil, Nempuku Sato necessitava se instaurar
diante do novo território. Sendo assim, no primeiro capítulo
procuro mapear a trajetória do haicai na virada do século no
Japão, movimento este que influenciaria a chegada ao Brasil
da teoria da composição do haicai. Ao mesmo tempo, realizo o
rastreamento das duas vertentes teóricas européias que
trouxeram o haicai ao Brasil, para depois centralizar-me na
importância da terceira vertente, na vertente japonesa de
Nempuku Sato, que constitui um caso à parte e distante da
visão européia.
A leitura dos haicais tem inicio no segundo
capítulo, através do movimento circular de aproximação do
campo à cidade, associando à leitura dos haicais de Sato o
problema da experiência: da reorienta(liza)ção, da
desterritorialização, da individualização, do haicai
urbano(erudito), do haicai do campo (popular) e, por último,
do componente narrativo do haicai.
O terceiro capítulo continua a desenvolver a
leitura dos haicais, procurando refletir sobre o problema da
da viagem que trouxe o haicai ao Brasil, do valor estético e
da fronteira estética do haicai.
No quarto capítulo procuro estabelecer a relação
entre o haicai e o ’’agora". Examinar este particular
aprisionamento do presente, que se manifesta no haicai,
significa construir o movimento que transplantou, pelas mãos
de Sato, uma parte deste tradicional modelo de
presentificação e regeneração poética e histórica até o
Brasil.

7
A TRAJETÓRIA DO HAICAI

"Faça o haicai mais simples, sem


pretensões de ser brilhante porque o haicai
perfeito fica, na maioria das vezes,
afetado. Deixe seu lado simples, comum,
aparecer."
Nempuku Sato.

Para realizar o exame detalhado do processo de


inserção e contextualização do haicai de Nempuku Sato ao
Brasil, acredito ser de inestimável validade o delineamento
da trajetória do haicai no Japão, sobretudo depois da
contribuição de Masaoka Shiki(1867-1902).
De modo grosseiro e sem levar em conta várias
especificidades, podemos dividir a produção de haicai no
Japão em dois grandes grupos. O primeiro, englobaria Bashô,
Buson e Issa. O segundo grupo estaria marcado pelo
surgimento do crítico Shiki.
De maneira geral e por motivos diferentes, Bashô,
Buson e Issa desfrutaram de uma metafísica que buscava
transcender o espaço social, e, desta maneira, a
transcendência somente poderia ocorrer no plano religioso ou
místico. Agnóstico e um pouco contraditório, Shiki recusou,
em parte, aquele apelo metafísico e procurou no espaço
social rneios que lhe permitissem uma leitura crítica da
sociedade.
O haicai de Shiki, que marca o final do século XIX,
pode ser entendido como parte de uma experiência8 cultural
japonesa que visava proteger a forma haicai e, por outro
lado, pretendia incorporar elementos estranhos e
desconhecidos. O movimento de imigração de idéias e
conceitos ocidentais reformulou todo o conjunto da sociedade
japonesa. Neste contexto da virada do século, o haicai re­
iniciaria seu caminho com a finalidade de instaurar uma
leitura crítica da sociedade. Nesse sentido, ver no haicai
outros elementos, além das implicações religiosas,
forneceria a Shiki uma possibilidade até então desconhecida
ao hâicâístâ japonês.
Através da crítica, Shíki pretendia recuperar o
valor artístico do haicai, intervindo na sociedade: não mais
buscar montanhas ou espaços sagrados; pelo contrário, sua
crítica tinha um destino certo: a cidade. O novo veículo
utilizado por Shiki, para desenvolver sua crítica, foi o
jornal.
Fernando Rodrigues-Izquierdo, embora descritivo na
apresentação deste fato, soube reconhecer em Shiki um
emaranhado de influências ocidentais.9

8 Este conceito será discutido no cap.II.


9 Acrescente-se que a abertura da sociedade japonesa, do final do século XIX,
não possuiu precedentes na história daquele país, porque o Japão se manteve
fechado às influências externas, salvo algumas expedições holandesas e
jesuíticas no século XVI com finalidade comercial restrita.

9
"La labor de Shiki no es nada fácil, pues un
ano después del nacimiento del poeta comenzó en Japón
la era Meiji, y con ella la apertura oficial del -Japón
a toda clase de influencias occidentales".10

O século XIX e o Ocidente colocaram o Japão, até


então uma estrutura social medieval e fechada, diante de
dois fatos: primeiro, o processo de fragmentação social
interno, proporcionado pela quebra de um conjunto social
supostamente hegemônico; segundo, a exigência imediata do
capitalismo, na fase de internacionalização do capital, que
não poderia permitir, sob nenhum pretexto, a permanência de
mercados restritivos.11
Diante deste conjunto de acontecimentos, Shiki
deveria proceder ao retempero do haicai:

"Con la llegada dei emperador Meiji se


perfilaron dos corrientes en lo que iba a ser el tramo
de arranque de la literatura japonesa moderna: la
corriente tradicional y la inovadora. Esta última era
lógicamente más vigorosa, pues contaba con una amplitud
mucho mayor de elementos y posibilidades, y estaba
respaldada por la atmosfera renovadora dei país. Shiki
intuyó que lo tradicional debía integrarse en lo
renovador si queria pervivir".12

10 Fernando Rodrigues-Izquierdo. El Haiku Japonês, p.97.


11 Se a Segunda Guerra ressuscitou alguma ilusão a respeito do retorno desta
hipotética hegemonia interna, o seu resultado, com a derrota japonesa,
abortaria dramaticamente tais expectativas.
12 Id. ibid., p.98.

10
Alèm da intuição, a perspectiva histórica
desfrutada por Shiki corresponderia a uma exigência imediata
de posicionamento diante do incontrolável movimento de troca
de práticas culturais exógenas.
Ao assumir a crítica social que revigoraria a
amplitude do haicai, Shiki incorporava a consciência de sua
época, pois as idéias, ou, se quisermos, a natureza do seu
tempo já não possuía a paixão exclusiva pela religiosidade
desfrutada por Bashô, Buson e Issa. Neste tecido complexo,
podemos observar um deslocamento, talvez o primeiro, do
espaço do haicai. Ele deixaria de ser pensado a partir de
uma base exclusivamente religiosa, passando a refletir sobre
uma gama mais ampla quanto ao seu raio de ação.
Desse modo, semelhante ao pássaro cuco, que diante
da hora da morte começa a cantar até sangrar a garganta, ou
à cigarra que de tanto cantar morre por uma explosão, Shiki
soube reconhecer, no limite, o momento de colocar o pincel
sobre a superfície da seda, para fazer o haicai com aqueles
ingredientes comuns àquilo que encontramos na modernidade
literária do Ocidente: crítica, ironia, contradição, terror,
parcialidade, rapidez, sagacidade, crueldade e, de maneira
emergente ainda, a incorporação do leitor.

11
Vejamos um exemplo da critica de Shiki no haicai:

Viento de otofío
no hay para mi dioses,
no hay budas.13

Um exemplo da crítica de Shiki, fora do haicai,


pode ser examinada no artigo14 em que ele ataca o caráter
filantrópico do haicai de Issa, dizendo que Issa produziu
para toda a humanidade, esquecendo-se do valor artístico do
haicai; por outro lado, apesar de elogiar a iniciativa de
Bashô, naquilo que se refere à invenção e à beleza de alguns
(poucos) dos seus haicais, Shiki atacava a excessiva
religiosidade neles latente, questionando a qualidade e a
validade da maior parte dos haicais de Bashô. Portanto, a
primeira crítica direta e incisiva ao maior dos mestres do
haicai.
Igualmente, Buson também foi analisado neste
artigo, e, segundo Shiki, ele teria optado pelo caminho da
arte, apesar da religiosidade Zen e do misticismo.
Portanto, Shiki reivindicava certa especificidade
estética, certa autonomia para o haicai, ou seja, Shiki
manifestava a vontade de retornar à perspectiva artística

13 Masaoka Shiki. Cit. por F.Rodriguez-Izquierdo.Id. ibid.,p.368.


14 "Comentários sobre o haicai". Publicado em 1893. Citado por F.R.Izquierdo.

12
do haicai, descartando o budismo, o misticismo, e
acrescentando a crítica social.
Sem dúvida, Shiki parece ter incorporado e
desenvolvido uma crítica sistemática da produção de haicai
no Japão, desempenhando o papel do critico-artista moderno.
Funcionou, de acordo com Nietzsche, como uma antena da raça.
Dito de outro modo, Shiki soube corresponder às
exigências de sua época, e isso fica claro quando pensamos
que, a partir dele, os haicaístas assumiriam com desembaraço
novos desafios estéticos, mesmo que isso significasse a
superação das fronteiras geográficas do Japão.
Para chegar até nosso destino, devo apresentar o
elo de ligação entre Shiki e Nempuku Sato.A trajetória do
haicai do Japão ao Brasil não ficaria completa sem a
inclusão de Kyoshi Takahama(1874-1959).
Kyoshi Takahama fazia parte de uma geração que
inicia um processo plural de atividades. Além de escrever
haicais, Kyoshi escreveu "romances", artigos para jornal e,
paralelamente, tornava-se editor, intermediando inclusive a
publicação do primeiro livro de Nempuku Sato no Japão.
Aqui começa a viagem que trouxe ao Brasil a
vertente japonesa13 do haicai. Nempuku Sato desembarcou em .
Santos, S.P.,em 1927, trazendo um desejo e uma missão.
Desejo de chefiar uma família com sete membros e a missão
de:

15 Abordarei em seguida esta e outras vertentes.

13
cultive a terra
plantando com suor
um país de haicais.16

Assim, Nempuku Sato ‘fora designado por Kyoshi


Takahama para ensinar e disseminar a prática do haicai no
Brasil.
Entretanto, antes de entrar no exame detalhado
desta vertente japonesa, que ainda não foi considerada pela
crítica ocidental17, devo proceder a um levantamento que
seja capaz de rastrear e definir quais os tipos de
deslocamentos de leitura realizados pelo movimento de
produção e recepção do haicai no Ocidente e, mais
especificamente, no Brasil.

16 Kyoshi Takahama. Haicai tarefa oferecido a Nempuku Sato por ocasião de sua
saida do Japão em 1927. Trad. de Tokui Sato.
17 Depois de várias consultas e diversas conversas sobre o assunto, não
encontrei nenhuma bibliografia específica sobre a produção de haicai, por
japoneses, fora do Japão.

14
DUAS VIAGENS DO HAICAI

É possível distingiiir três vertentes distintas


quando falamos em haicai no Brasil. Todavia, examinarei
primeiro as duas vertentes, digamos, europeizadas. Esta
separação não é arbitrária: serve para indicar a enorme
distância que separa as duas primeiras da terceira.
A primeira vertente está vinculada as traduções
francesas dos haicais de Bashô e de outros, que datam da
primeira década deste século, quando, em 1905, Paul Louis
Chouchoud lançou uma coletânea de haicais traduzidos para o
francês; mais tarde, em 1927, começou a figurar na Larousse
Illustrè a palavra haicai em duas acepções: na primeira,
constava como uma forma de poesia japonesa; na segunda,
aparecia como uma nova forma de terceto francês.
A via francesa pode ser considerada a principal
fonte de onde sairiam as primeiras versões ao português,
creditadas a Afrânio Peixoto que, em 1919, publicou, como
prefácio do seu livro Trovas Populares Brasileiras, uma
apresentação e uma explicação sobre o haicai:

"Os japoneses possuem uma forma elementar de


arte, mais simples ainda do que nossa trova popular: é
o haikai".18

18 Afcânio Peixoto in: O Haikai no Brasil de H. M. Goga. p.22.

15
O caminho trilhado por A. Peixoto(a fonte
francesa)foi o mesmo19 percorrido, quase vinte anos depois,
por Guilherme de Almeida, ao publicar, em 28 de fevereiro
de 1937, num ensaio chamado Os Meus Halkals, a seguinte
reflexão:

"Após vinte anos de poesia cheguei à


conclusão de que não há idéia poética que, despida de
roupagens atrapalhantes, não possa ser reduzida a
simples haikai".20

Apesar desta conclusão, tanto Afrânio Peixoto -


quanto Guilherme de Almeida foram ludibriados pelas versões
francesas que, inexplicavelmente, introduziram todo um
aparato rítmico, utilizando inclusive rimas, bem como a
invenção da atribuição de um título para cada haicai.
Entre tantas inf elicidades cometidas pelos
comentadores e tradutores de haicai nessa época, nenhuma foi
tão marcante quanto a inexistência de uma problematização a
respeito da adaptação do haicai a uma cultura diferente,
como era o caso.Portanto, a origem cultural e diversa do
haicai havia sido descartada: apenas a forma despertava
interesse.

19 Embora exista uma diferença: Guilherme de Almeida pensa o haicai como uma
proposta de "erudição", ao passo que Afrânio Peixoto privilegia o aspecto
"popular" do haicai.
20 Id.ibid., p. 38.

16
"Escrever sobre o Japão no final do século
XIX implicava em aderir a uma tendência artística, a um
gosto, cuja primeira característica era a de ser
cosmopolita. Europeus, americanos do norte e do sul,
homens de letras ou artistas plásticos, o público
cultivado em geral, achavam-se sensibilizados,
fascinados, pela última grande descoberta do Ocidente,
por sua última grande viagem-o Japão".21

Portanto, fazia parte da educação do historiador da


literatura, do escritor e do artista, mapear esse movimento
de consumo do exótico na França, que serviria, entre outras
coisas, para compreender a característica fundamental da
contextualização histórica do "exotismo".
Por outro lado, a entrada em cena, na França, do
exótico oriental remonta aos portos dos países baixos, sendo
ali também a porta de entrada da influência japonesa que se
manifestaria, desde então, no impressionismo francês.
Em sintonia com a tradição francesa, no México, em
1919 (no mesmo ano da publicação de Afrânio Peixoto no
Brasil), José Juan Tablada22 publicou seus primeiros haicais,
e, sendo admirador do simbolismo francês, acompanhou a
vertente francesa naquilo que se refere à tradução.
Posteriormente, Otávio Paz retomaria a pesquisa sobre o
haicai, porém, como discutirei a seguir, ele partirá de

21 Luiz Dantas na Apresentação de 0 Jap&o de Aluísio de Azevedo, p.20.


22 Citado por Otávio Paz.In: Signos em Rotação, p. 178.

17
pressupostos teóricos diferentes daqueles aplicados por
Tablada.

UMA VARIAHTE: A SEGUNDA VERTE2JTE

Também no início do século XX, articulava-se em


Londres o que viria a ser a segunda vertente do haicai no
Brasil. A partir de uma perspectiva diferente, este grupo23, .
que mais tarde seria conhecido como "imagista", com destaque
para Ezra Pound, aprofundava a pesquisa em torno do haicai.
Havia uma meta a ser perseguida por esse grupo de
Londres, que ultrapassava a questão do verso livre, da
simplificação da expressão, de um estilo preocupado em
registrar uma impressão precisa; esse "algo mais" se resumia
em torno da pesquisa sobre o haicai, a qual se encontrava em
pleno desenvolvimento. Os imagistas buscavam, e acreditavam
que o haicai a representasse, a "imagem pura". Tal imagem
seria capaz de expurgar todo e qualquer tipo de comentário.
No Brasil, a segunda vertente, derivada do grupo de
Londres, principalmente de Pound, começou a tomar forma a
partir dos anos cinqüenta, na mesma época em que surgiu o

23 Todos americanos: Richard Aldington, F. S. Flint, T.E.Hilme, Hilda Doolit,


também faziam parte; mais tarde, do outro lado do Âtlantico, nos E.U.A., Amy
Lowell, cuja entrada no grupo provocaria a saída de Pound, J.G. Fletcher e
Glenn Hughes.

18
concretismo. Essa segunda leitura do haicai, como
examinaremos depois de maneira pormenorizada, foi
responsável pela apresentação de novas soluções no que diz
respeito à tradução. Além disso, esta vertente modificaria o
cenário das influências francesas, optando pelos estudos da
linguagem ideoqramática de Ernest Fenollosa, e pela pesquisa
insistente em torno dos aspectos formais do imagismo de
Pound.24 Dessa forma, desenha-se vim cenário no qual a
"identidade" estética define as aproximações.
Do mesmo modo, no campo da linguagem ideogramática,
deve ser ressaltada a publicação no Brasil, em 1977, por
Haroldo de Campos, de um ensaio de Siergei Eisenstein, sobre
a montagem cinematográfica e o ideograma. Os trabalhos ali
relacionados partiram de uma premissa comum ligada ao
haicai: a supremacia da imagem e o privilégio do aspecto .
silogistico. Isto permitiria o manuseio da imagem a partir
do movimento de desmontagem e montagem. De fato, trata-se de
pensar o haicai através do ideograma como uma estrutura
encerrada. A estratégia de Fenollosa, Pound, Eisenstein e,
depois, H. de Campos seria a de pensar objetivamente a
poesia a partir da abolição do verso e da estruturação e
privilégio da imagem, que, neste caso, não se trata da
"imagem poética" como figura de linguagem.

24 Esse estudo forneceu a E. Pound a possibilidade de publicação das


interpretações dos ideogramas chineses de Fenollosa, nos Cantos.

19
Haroldo de Campos, em 196925, num ensaio com sabor
de manifesto, pretendia operar em duas frentes distintas
para estabelecer o lugar do haicai entre as formas
contemporâneas de poesia. Em primeiro lugar, ele explica
rapidamente as origens do haicai:

"(...) a poesia japonesa em particular nos


oferece uma impressionante tradição de síntese absoluta
e apresentação direta: o haicai, poema de 17 sílabas,
que se desenvolveu no chamado período Tokugawa (1660-
1868), inicialmente com Bashô (1644-1694) e sua escola,
e, mais tarde, com Buson (1716-1784) e Issa (1763-
1828), para citar apenas os mais importantes".26

A seguir, Haroldo de Campos centraliza as atenções


"na área de influências", que se situa basicamente no grupo
de Londres, principalmente em E. Pound, e procura demarcar o
raio de ação desta tendência, distanciando-se da
apresentação do haicai arrebicado que marcara o seu
surgimento no Brasil.Sobre o novo papel do haicai, ele
escreve:

"Esta digressão tem por objetivo intx-oduzir,


em nosso idioma, um novo tipo de "abordagem" ao haicai,
onde a preocupação não será com o decorativo e o
artificioso, mas com a medula mesma dêsse artefato
lingüístico sucinto e altamente tensionado que é a

25 Refiro-me ao ensaio: "Haicai: homenagem â síntese" in: A arte no horizonte


do provável.
26 H. de Campos. A arte no horizonte do provável, p.55.
breve forma poemática japonêsa. Descartada, desde logo,
a cogitação da rima, de todo descabida na transposição
de uma linguagem onde, dada a freqüência homofônica
(cite-se o caso das desinências latinas, por exemplo),
este recurso estilístico simplesmente inexiste como
tal, não me pareceu, também, essencial, a adoção do
esquema métrico fixo 5-7-5 silabas, mesmo porque,
diferentemente do que ocorre no português, a contagem
silábica no japonês não obedece ao principio da tônica
final (...)".27

Desenhava-se, então, o procedimento que deveria ser


adotado daí em diante em relação ao haicai, deixando de lado
aqueles que haviam sido introduzidos no início do século por
Afrânio Peixoto. Desse modo, o haicai se encontrava ao lado
da principal tendência estética da virada do século: o
imagismo poundiano.
Nesta perspectiva, o haicai se transformou em
"essência poética".28 Privilegiava-se o aspecto espacial dos
ideogramas, visando à multiplicidade de escolhas quanto aos
tipos possíveis de construções que isso permitiria. O
poeta, a partir desta imagem conjugada ao verso livre, teria
ampla liberdade de elaboração poética.
Enquanto o imagismo ressaltava o sentido matemático
e silogístico, e preocupava-se excessivamente com a forma da
imagem, desaparecia do seu horizonte um elemento importante

27 Id.ibid. p.59. Grifos meus.


20 Atribuição de H. de Campos.

21
para o processo de composição do haicai: a amplitude
crítica.
Num ensaio posterior,29 na verdade um desdobramento
do primeiro ensaio, H. Campos procura associar o haicai a
um projeto que fosse capaz de se ajustar ao desenvolvimento
do plano piloto da Poesia Concreta. Nestes termos, o haicai
oferecia sua contribuição.

"(...)Podemos dizer que a civilização


japonesa nos oferece um projeto geral. Desde a
estrutura interior de uma casa- que prefigura a
ortogonalidade nitida e despojada de Mondrian- até o
positivo-negativo de um jardim reduzido à
antieloqüência extrema de areia e pedra; .desde os
objetos sucintos que fazem a marcação do ambiente de
convívio diário- copos, vasos, lâmpadas,
tatami(esteiras)- até os acessórios de uma cerimônia do
chá (onde o rito preside à função e a delineia);desde a
brevidade de alta tensão verbal de um haikai até o
teatro nô (...)”.30

Dessa forma, o haicai funcionou como um elemento


fundacional do movimento concreto, devido ao elo visual
estabelecido, desde logo, com o spectacle ldéographlque
de uma crise ou aventura intelectual (denominado assim por
Valéry) produzido pelo Lance de Dados de Mallarmé. A idéia
de situar uma síntese histórica no futuro também pode ser

29 Id. "Hagoromo: Plumas parra o Texto” in: A operação do texto.


30 Id. A Operação do Texto. p.120.

22
lida no desfecho da Introdução do livro A Arte no Horizonte
do Provável:

"Como diz Roman Jakobson, citando Vielimir


Khliébnikov, um dos mais notáveis inovadores da poesia
deste século,a pátria da criação está situada no
futuro; é de lá que procede o vento que nos mandam os
deuses do verbo" . 31

Portanto, a idéia de um projeto global de leitura


reunia, sob o aspecto espacial e silogistico, o aspecto
latente da imagem gráfica no haicai.
Esta característica, de enfatizar a impacto visual
do ideograma, foi herdada da pesquisa de Fenollosa sobre o
ideograma chinês. Talvez seja conveniente realizar uma
distinção entre a pesquisa de Fenollosa sobre o ideograma
chinês e o tratamento de leitura dela extraido por E. Pound.
Em primeiro lugar, a pesquisa de Fenollosa
pretendia estabelecer um exame detalhado do ideograma,
seccionando cada ideograma por partes correspondentes ao
significado que as linguas ocidentais possuem de cada
conjunto de que é formado. Na verdade, o ensaio de Fenollosa
reivindica a tradução poética dos ideogramas, deixando de
lado a tradução rigida pretendida pelos sinólogos, presos em
demasia às definições lexicais.

31 Id. A Arte no Horizonte do provável, p.11.

23
"0 sucesso ou insucesso na apresentação de
qualquer poesia estrangeira em inglês fica em grande
parte na dependência do trabalho poético aplicado aos
meios escolhidos. Talvez seja demais esperar que
eruditos idosos, que passaram a mocidade a se digladiar
com renitentes caracteres chineses, sejam também bem
sucedidos como poetas. Até os versos gregos poderiam
ter sido mal recebidos se os que deles nos abastecem
tivessem compulsivamente de contentar-se com os padrões
provincianos da versificação inglesa. Os sinólogos
deveriam lembrar-se de que o propósito da tradução
poética é poesia, não as definições dos dicionários".32

Por outro lado, a utilização deste ensaio por Pound


foi, evidentemente, no sentido de corroborar a perspectiva
Imagista da poesia. Desse modo, não foi por acaso que o
ensaio apareceu publicado postumamente na Llttle Revlew33,
pelas mãos de Pound, sendo logo a seguir republicado como
apêndice do seu livro Instigatlons34 (respectivamente em 1919
e 1920).
Continuando o mapeamento desta vertente,
encontraremos em Octavio Paz um desvio desta questão.
Octavio Paz encontrou no haicai uma religiosidade em
expansão. Semelhante característica aproxima-o daquele
haicai praticado por Bashô, que é pleno de religião.

32E. Fenellosa. In: Ideogxama. p.119.


33 Citado poi: F.R. Izquierdo.
34 Id. ibid..

24
Esse aspecto, de uma religião poética, foi
defendido durante grande parte de seus ensaios sobre o
haicai.

"Um hai-kai é poesia pura, alheia às


engrenagens meramente intelectuais que estruturam um
poema (...) devemos partir do principio de que o hai-kai
precisa ser compreendido em conexão bastante profunda
com o budismo-zen". 35

O haicai que necessita ser colocado ao lado desta


religiosidade é propriamente o de Bashô, que está articulado
aos princípios do zen-budismo- do vazio do espírito.
Dessa maneira, O. Paz consagra o haicai como ponto
iluminado de um instante poético, que se confronta com os
princípios literários ocidentais:

"A índole mesma do haikai é favorável a um


humor seco, nada sentimental, e aos jogos de palavras,
onomatopéias e aliterações, recursos constantes de
Bashô, como também de seus continuadores, Buson e Issa.
Arte anti-intelectual, sempre concreta e anti-
literária, o hai-kai é uma pequena cápsula carregada de
poesia capaz de fazer saltar a realidade aparente".36

Apesar da contradição sugerida pela arte "anti-


literária" elaborada acima por O. Paz, ele não leva a nenhum

3S0. Paz. O Livro dos Haikais. p.7-8.


36 Id.ibid., p.18.

25
extremo esse sentimento desolador causado pelo haicai de
Bashô, exatamente porque continua atribuindo um caráter
estritamente poético ao haicai, embora reconheça a relativa
distância formal que separa essa prática do Oriente da
poesia ocidental.
Pode ser também observado que, nesta perspectiva,
o haicai perde muito daquela referência à imagem discutida
anteriormente, porém ganha fôlego, em O. Paz, o lado místico
e religioso, o lado metafísico do haicai.
Podemos dizer que a' amplitude metafísica de Bashô
foi realçada, como se a lição do mestre tivesse sido
compreendida em sua plenitude. Mas, qual será o motivo que
gerou esse apego a Bashô? Aparentemente isso pode ser
respondido pelo próprio autor:

" (realizei a tradução dos diários de


Bashô)não para ganhar comentários críticos37, Bashô não
os necessita, e sim leitores".38

Isso nos revela o lado apaixonado de O. Paz, onde o


haicai serve de pretexto com a finalidade de revisitar o
exotismo e a religiosidade, que já havia chamado a atenção
dos críticos e poetas no início do século.

37 Lembremos as críticas de Shiki a Bashô.


3B O. Paz.Signos em Rotação, p.169.

26
Por outro lado, os ensaios de O. Paz' realizam um
levantamento histórico sobre a filiação do haicai, que será
analisado mais adiante neste trabalho.

DO OÜTRO LADO DO MONDO.

Aquilo que denomino terceira vertente, onde está


centralizada a presente pesquisa, corresponde à viagem do
haicai que possibilitou aos japoneses no Brasil, sob
/
orientação de Nempuku Sato, re-produzirem uma atmosfera
semelhante ao Japão.
Inicialmente, devo ressaltar que o haicai de N.
Sato possui a marca de uma experiência que recria as
condições históricas de produção do haicai. Para realizar
esta tarefa no Brasil, Nempuku Sato necessitava, em virtude
do seu deslocamento de um cenário urbano, no Japão, para um-
meio agricola, no Brasil, efetivar um processo de
reorienta(liza)ção e redimensionamento da importância do
campo para o haicai. Parece que Sato buscou trabalhar com a
dimensão inicial do haicai do século XVI, quando era
totalmente coletivo e vinculado ao campo; ao mesmo tempo,

27
Sato adicionou a experiência da cidade, que implicava
individualizar e urbanizar o haicai.
Portanto, existem duas viagens distintas que
trouxeram o haicai até nós. A primeira se refere às duas
vertentes eruditas e europeizadas que veicularam uma
"forma", adequando-o às suas necessidades estéticas. A
segunda viagem se refere à terceira vertente, e reflete uma
descoberta: Nempuku Sato, escrevendo haicais em japonês no
Brasil, lançava-se em direção ao repasse de toda história do
haicai, recriando um círculo, no qual o haicai fosse capaz
de reviver, ao mesmo tempo, vários períodos de sua história
ao longo das quatro décadas em que Sato produziu haicais no
Brasil.
As duas primeiras vertentes atribuíram uma certa -
vocação poética e inseriram o haicai na cidade. Desta forma,
este tipo de "urbanização” do haicai era realizada sem
transição, aos saltos e solavancos, abortando a discussão
sobre um dos principais aspecto do haicai: aquele que se
refere a sua origem agrícola.
Analisando a sociedade ocidental, Raymond Williams
reconhece que a nossa origem agrícola acabou sendo
marginalizada, devido "à nossa vocação natural da cidade
industrial", num esquecimento que somente pode ser pensado a
partir do desejo Ocidental de superar, a todo custo, a
herança recente do campo. Talvez este fato ajude a explicar
o desconhecimento, no Brasil, da obra de Nempuku Sato.

28
O desejado elemento urbano do haicai se articula às
discussões eruditas que permearam toda poesia visual,
objetiva, originárias do imagismo do início do século, bem
como as discussões de caráter histórico-literário a respeito
do esteticismo simbolista francês.
Seja como for, o que realmente estava em jogo nos
dois casos (do imagismo inglês e nas ramificações do
simbolismo francês) se referia ao uso continuado, mas agora
adaptado às novas tendências, da imagem; o processo de
elaboração das imagens era o centro das atenções, em que
prevaleceu, como sabemos, o caráter construtivista do
imagismo poundiano, que geraria pouco depois a poesia
concreta alemã(nos anos 20).
Por outro lado, o fato de o haicai de N. Sato
descrever um movimento no qual surge em primeiro lugar o
campo, não significa que este haicai deva ser exclusivamente
ali realizado, pois o exame destes haicais servirá como
reconhecimento e observação do modo pelo qual ocorre o
processo de urbanização devastador e rápido das regiões
agrícolas, principalmente no norte do Paraná e sul de São
Paulo.
O processo de urbanização do campo constituirá um
grande obstáculo a ser transposto por Sato, ou seja, neste
caso será dada uma oportunidade para vislumbrarmos o
horizonte da transição extremamente emblemática, em busca da
superação de espaços, e principalmente, ver nestes exemplos,

29
o campo sendo transportado à cidade e a cidade invadindo o
campo, seja pela abertura de estradas, de vias, seja pela
constante marca de ausência que a cidade lança em direção ao
campo.
A inovação critica desejada e praticada por Shiki
começava a fechar um círculo, e esse movimento incorporava
seu último elemento, talvez impensado na origem:
literalmente, a viagem ao Ocidente, a superação do horizonte
geográfico japonês através do haicai.
Desse modo, Sato possuía uma "ferramenta" de
leitura do Brasil, mas o seu funcionamento era um enigma.
Manejar o haicai significaria aprender, sem parâmetros de
comparação, sobre a natureza e organização social do novo
país.
Para que o haicai e o haicaísta funcionassem, seria
necessário adaptá-los e aclimatá-los o mais rápido possível:

"Levei dois anos da minha vida para


compreender a posição dos ventos, que é totalmente
diferente do Oapão; levei dois anos da minha vida para
saber que o vento sul é frio e o vento norte é
quente" .39

Portanto, a partir daí, o haicai começava a se


articular ao exterior, oferecendo dificuldades emergentes
que fariam parte de um longo aprendizado, determinando o

39 Nempuku Sato. Nempuku Haiwa. Anotações sobre a adaptação do haicai ao


Brasil.

30
sobreposicionamento de duas experiências distintas: a
incorporação do Ocidente, e o seu duplo, ou seja, revisitar
o Oriente.

31
0 HAICAI DE HEHPQKQ SATO: CAMPO E CIDADE

"Na verdade, é preciso


escrever o que você viu e sentiu, mesmo que
lhe pareça tolo, pois, este é , muitas vezes,
o verdadeiro haicai...".

Nempuku Sato.

As duas primeiras vertentes tratam o haicai como


"poesia"; entretanto, em virtude de sua origem histórica e
cultural ser diferente, estou inclinado a refletir sobre um
outro posicionamento, que permita pensá-lo como uma
experiência realizada no limite: entre uma poesia urbana e
erudita e uma poesia popular do campo. Para estabelecer, ou, -
para se reconhecer este limite, a distância que separa a
cidade e o campo talvez seja um caminho mais adequado ao
debate. O interesse desta pesquisa está voltado para o caso
de Nempuku Sato; no entanto, proceder a um exame rápido dos
domínios eruditos e populares do haicai no Japão pode
esclarecer melhor esta questão.
Para a cultura japonesa, principalmente no século
XVII, o haicaísta pode ser o erudito, uma pessoa que está
voltada para refletir a respeito da religião e da vida. Aqui

32
ocorre uma característica singular deste erudito japonês,
pois, ele pode ser, entre outras coisas, um mendigo, como
Bashô40. Por outro lado, no século XVIII e XIX, o haicai pode
ser encontrado em diversas manifestações populares, sendo
praticado através de uma forma específica relacionada ao
riso. Neste caso, o haicai pode ser chamado de "senryu", ou
haicai humorístico.
Portanto, o haicai, inicialmente, estava voltado
para a reflexão sobre temas nobres e o seu espaço era o
campo.Com o surgimento das primeiras e pequenas cidades41, o
haicai passa a ser difundido fora do campo. Do mesmo modo,
também nos séculos XVIII e XIX, a população do campo passa a
difundir esta prática. Sendo assim, o haicai descreve um
movimento que ultrapassa um limite que o fixava às atitudes
nobres, recebendo novos desdobramentos populares.
Partindo das reflexões de T.S. Eliot42 sobre a
cultura, independentemente da minha escolha, não seria
inteiramente correto associar o poeta ou o artista Nempuku
Sato ao intelectual ou ao erudito homem de letras. Vejamos
como se constrói, para Eliot, o conceito do homem erudito,
do artista e do intelectual no Ocidente.

40 O estado de mendicância de Bashô deve 3er associado ao aspecto religioso de


purificação e esvaziamento do espírito budista. De maneira nenhuma esse estado
se encontra relacionado á origem social e econômica de Bashô.
41 A palavra cidade, neste caso, não deve ser lida em simetria com as cidades
européias, pois elas apresentam especificidades históricas totalmente
diferentes do Ocidente nos séculos XVIII e XIX.
42 Notas para la definicion de la cultura.

33
"El término cultura admite distintas
asociaciones según esternos pensando en el desarrollo de
un individuo, de un grupo o clase, o de una sociedad
entera. (...) Podemos estar pensando en un refinamento de
los modales, o 'urbanidad’ y ’civismo’ en cuyo caso
debemos primero tomar en consideración una clase social
y al individuo superior como representativo de lo mejor
de esa clase. 0 tal vez pensemos en el estúdio y en un
estrecha familiaridad con la acumulación de saberes dei
pasado; en tal caso, nuestro hombre de cultura es el
erudito. 0 en la filosofia en su sentido más amplio: un
interés en ideas abstractas y cierta habilidad para
manejarias; en tal caso, nos estamos quizás refiriendo
al intelectual (...).0 quizá pensemos en las artes y en
ese caso nos referimos al artista y al amateur o
diletante. Pero rara vez nos vienen al pensamiento
todas estas cosas al mismo tiempo."43

Diante desta indisponibilidade, de reunir num mesmo


individuo um leque produtivo de ações, o exame do movimento
do haicai em direção à cidade talvez possa fazer com que
estes espaços -o campo, o trajeto e a cidade- sejam
colocados de uma maneira que venha a favorecer a verificação
dos interstícios do haicai de N. Sato, e das outras leituras
críticas ocidentais.
De maneira indireta, a opção pelo caminho acima
descrito poderá instaurar um exame com a finalidade de
fornecer uma resposta: em virtude da exposição a uma cultura

43 Id. i b i d . p .26-27 .

34
diferente, como teria ocorrido a contaminação do haicai de
N. Sato?

PRIMEIRO O CAMPO

O haiku44 surgiu do haikai-renga praticado na


primeira parte do período Kamakura(1186-1339). O haikai-
renga era uma criação coletiva, resultando num encadeamento
de 36, 50 ou 100 linhas, que obedecia à seguinte ordem:5-7-
5,7-7 sílabas. O mestre da cerimônia escrevia a primeira
sequência de 5-7-5 sílabas, denominada "Hokku", para
determinar o tema do conjunto a ser desenvolvido.
O "haikai-renga”, que passou a se chamar "renku" no
século XVI, era uma prática associada ao cômico popular.
Da justaposição das palavras "haikai-renga" e
"hokku" se originou o termo "haiku" no século XVII, para
designar a autonomia da primeira seqüência, que
anteriormente pertencia ao "hokku".
Uma hipótese deste trabalho parte da reflexão de
que o haicai deve ser pensado inicialmente como uma prática
vinculada ao campo. Esta hipótese ganha fôlego quando

44 No Brasil, devido a semelhança com o baixo calão "cu", os imigrantes


preservam a forma anterior:haicai. Há também a forma "haiku-kukai", que
significa uma reunião para elaboração de haicai.

35
constatamos as características ’’feudais" que a economia e a
sociedade japonesa apresentavam até o século XIX.
Obviamente, este fato determina que a grande maioria da
população habite, preferencialmente, o campo.
Octavio Paz, entretanto, observa vim movimento
diferente:

"o haikai de Yamazaki Sokân (1465-1553) e


Arakida Moritake (1473-1549) opôs à tradição cortesã e
reguíntada do renga um saudável horror ao sublime e uma
perigosa inclinação pela imagem artificiosa e o jogo de
palavras(ou trocadilho). Ademais significou sobretudo o
aparecimento na poesia japonesa de um elemento nôvo: a
linguagem da cidade. Não a chamada "linguagem popular"-
vaga expressão com que se pretende designar a linguagem
do campo, arcaica e tradicional-mas simplesmente a fala
da cidade: a linguagem da burguesia urbana".45

Octavio Paz opõe a linguagem popular (campo) à


linguagem da burguesia urbana(cidade).
Desvencilhar-se a qualquer custo da ligação com o
campo parece ser o imperativo normatizador no caso de O.
Paz, pois, nos dois haicais citados pelo autor e atribuídos
a Moritake46, a presença de qualquer elemento capaz de
consubstanciar a cena urbana é efêmera.

45 O. Paz. Signos em Rotação, p. 173.


46 Ibid. Versões literais p. 173. Noite de estio/ o sol alto desperto,/ fecho
as pálpebras.// Lua de estio:/ se lhe pões um cabo, / um leque.

36
Por outro lado, diria que alguns pressupostos não
se encaixam adequadamente na reflexão acima. Em primeiro
lugar é problemático referir-se à cidade moderna no século
XVI ou XVII.
Para Raymond Williams, os

"séculos XVI e XVII, quando a transição


ideológica ocorreu, as bases efetivas da sociedade
ainda eram a propriedade da terra e a produção rural a
ela associada, e as cidades, até mesmo a capital,
estavam funcionalmente relacionadas a essa ordem
dominante"47

Se a reflexão acima vale para a Europa, valerá mais


ainda para o caso japonês. Dessa forma, seria forçoso em
demasia caracterizar e reconhecer uma "linguagem da
burguesia urbana" em pleno Japão do século XVT,
principalmente porque, quando conjugamos cidade moderna e
burguesia urbana, obtemos uma das fórmulas das idéias
revolucionárias que transformaram a base do sistema feudal,
a propriedade da terra, em capital. Semelhante movimento
ocorreria, no caso especifico do Japão, somente dois séculos
mais tarde.
Quanto à fala do campo ser considerada "arcaica e
tradicional", O. Paz se encontra em desacordo com Bashô, que
percebe na linguagem do haicai um "DÔ" ("caminho") para que

47 Raymond Williams. O Campo e a Cidade.p.71-72.

37
se possa atingir a iluminação. Para realizar essa tarefa, é
necessário, segundo Bashô, uma concentração distraída, uma
sincera identificação com as coisas e uma irmandade com tudo
que existe no mundo: ervas daninhas, estrume de vaca, flores
ou capim.

"Não a piedade cristã e sim esse sentimento


de universal simpatia com tudo o que existe, essa
fraternidade na impermanência com homens, animais e
plantas, que é o melhor que nos foi legado pelo
budismo".48

Ou, conforme N. Sato:

"Faça o haicai mais simples, sem pretensões


de ser brilhante porque o haicai perfeito fica, na
maioria das vezes, afetado. Deixe o seu lado simples,
comum, aparecer" .49

48 Octavio Paz. Signos em rotaçSo.p.174.


49 N. Sato. Nempuku Haiwa.

38
& ORIEHTAÇÁO INICIAL

Neste haicai podemos sentir uma pequena amostra da


desorientação inicial:

"trilhas de folhas caídas

leste ou oeste nem sei onde

japonês vivo aqui"50

O olhar de N. Sato procura uma orientação externa


que lhe permita se "reorient (aliz) ar" internamente; esse
estado, entretanto, não representa apenas uma marca inicial,
pois durante toda a sua vida outros tantos elementos
constituirão o "kigô"51 do seu haicai.
Esta característica, o "kigô", marca um aspecto
determinante da sensibilidade do haicai:

"0 japonês é sensível às quatro estações.Ele


não pode se conter e é disto que surge o espírito do
haicai" .52

50 Haicai de Nempumku Sato.


51 Significa a indicação da estação do ano em cada haicai.
52 N. Sato. Nempuku Haiwa.

39
Neste ponto, a "ferramenta” de leitura começa a ser
utilizada pelo haicai de Sato (e se funde a ele),
convertendo-se num meio para conquista territorial. Sendo
assim, a conquista territorial se apresenta sob dois
aspectos: de um lado, o haicai busca segurança neste
reconhecimento para ler o Brasil; ao mesmo tempo, e isso
forneceria um outro sentido, o haicai e o haicaísta deveriam
se adaptar à cena local, recuperando-se das perdas e
reconhecendo os ganhos da viagem que os trouxe ao Brasil.53
Simultaneamente, através da substituição da
floresta pelo campo, a cidade estaria mais próxima das
"trilhas de folhas caídas". Existe aqui um movimento de
aproximação da influência do meio urbano; entretanto, é uma
aparição ainda fugaz, que não produz muitas pistas, apenas
as desperta. O que se poderia encontrar no final das trilhas
de folhas caídas? A cidade? O campo?
O haicai de Nempuku Sato começa a realizar um
movimento circular, tendo como ponto de partida o campo.

<0

53 Este assunto será retomado no cap.III.

40
A CIDADE AUSEHTE

O primeiro passo, a transformação do cenário da


mata virgem à terra pronta para o plantio ( da lavoura e do
haicai), era realizado, porém detonava uma apreensão do
espírito geradora de angústia:

"é preciso um espírito forte

para derrubar uma floresta:

único machado"^4

A angústia também está presente quando uma nova e


peculiar presença se insinua: a cidade.
Todavia, como disse anteriormente, no Brasil o •
haicai é vim produto do campo. O haicai, segundo Nempuku
Sato, assume um caráter específico ligado ao espaço da
agricultura, da cultura da terra, do sulcar a terra, ou
seja, "marcar" a terra para o plantio: do haicai e das
outras sementes. Além disso, o haicai funciona por uma sorte
de inclusões: seu processo de seleção é parecido com o do
budismo japonês, que estimula quaisquer aproximações e
apropriações de outras culturas.

54 Haicai de W. Sato.

41
Essa incorporação, nos haicais de N. Sato, abrange
variados aspectos como, por exemplo, a inclusão dos negros
no seu panorama temático.

êta vizinho bom


esse baita negão
flor de bananeiral55
negros na maioria
são
ladrão de melão56

A emergente presença da cidade sobre o campo


possuía uma característica de retorno às imagens da
natureza, e não parece ter sido muito festejada neste
momento, porque existia algo de intrigante nesta presença:
era a sua ausência.
Ao se deparar com um meio agrícola no Brasil, N.
Sato teria maior facilidade de repassar ao seu haicai todo
um aprendizado que remontava à época em que ele era
realizado num meio agrícola em pleno século XVIII.
Entretanto, este novo meio agrícola era peculiar e
comportava uma onda de "desenvolvimento", responsável, por
exemplo, pela construção de cidades, diríamos médias57, num
curto espaço de tempo.

55 Haicai de ÍI. Sato.


56 Id. ibid.
57 Para se ter uma idéia, Londrina, na década de 50, já ultrapassava o
planejamento inicial (de 1937)que era de 80 mil habitantes. O fluxo migratório

42
Vejamos um desdobramento desta presente ausência:

suave bicho da seda


bem de leve me pede a moça
as contas:maquiagem58

Neste haicai, a maquiagem descreverá o movimento do


bicho da seda, tecendo e traçando uma máscara suave no rosto
da moça. Além disso, desdobra-se em direção ao meio urbano
porque, nos dois casos, tanto a moça maquiando-se quanto o
bicho da seda tecendo, sugerem à presença da cidade.
Entretanto, o signo híbrido do bicho da seda é
contraditório, pois revela também um sugestivo retorno à
natureza, portador de um emblema circunstancial urbano.
Devido a necessidade de um comércio próximo e ágil, o bicho
da seda aproxima o campo da cidade. Do mesmo modo que trama
um disfarce no rosto, o bicho da seda parece trançar e
traçar uma comunicação entre dois meios distintos, porém
interdependentes:

"'campo’ e ’cidade’ são duas poderosas


palavras, e isso não é de se estranhar, se aquilatarmos
o quanto elas representam na vivência das comunidades
humanas.(...)Na longa história das comunidades humanas,
sempre esteve bem evidente esta ligação entre a terra

e imigratório teria sido constante até a década de sessenta, e isto provocava


uma grande insegurança quanto aos rumos da ocupação da cidade, que tomaria
assim o espaço da plantação: do campo.
se Haicai de N. Sato.

43
da qual todos nós, direta ou indiretamente, extraímos
nossa subsistência, e as realizações das sociedades
humanas".59

Se, quando separadas- campo e cidade- representam


essa complexidade, enfrentá-las de uma maneira na qual sejam -
indissociáveis me parece ser um desafio semelhante àquele
encarado por N. Sato. A partir deste desafio, temos uma
composição de tarefas e atribuições para cada uma destas
palavras, que são desproporcionais e ao mesmo tempo
semoventes- marcando seus deslocamentos constantes. Tais
deslocamentos são viagens que os sentidos das palavras campo
e cidade percorrem. Do mesmo modo, os deslocamentos não
fornecem um direcionamento prévio e são realizados num
presente continuado, chamando um outro elemento, que não
poderia ficar isolado quando o assunto é viagem: trata-se da
estrada, do canal, da via, do acesso ao limite destes
entre-lugares.
A viagem se traduz pelo transporte de uma parte
residente, resistente e móvel da memória de N. Sato, o
leitor do campo, do lado oposto do planeta, que envia ao
receptor da grande cidade (imaginemos um leitor dos seus
haicais em Tóquio na década de 60, por exemplo),as
experiências recolhidas parcialmente no seu dia-a-dia no
Brasil. Mais uma vez, surge a figura do idealizador de uma
situação que estabelecia uma circularidade específica ao

59 R. Williams. O Campo e a Cidade. p. 11.

44
haicai. Nempuku Sato pretendia fazer o haicai retornar,
rapidamente, à origem agrícola e dela até o século XIX,
quando conquista a cidade. Porém, esta cidade não é qualquer
cidade, ela é um espaço criado a partir de imagens as quais
remetem, edificando e revivendo, ao campo.
A publicação dos seus haicais, no Japão,
estabelece uma estrada, um espaço integrador entre duas
realidades espaciais distintas: o produtor no Brasil e o
leitor no Japão. Entretanto, estabelece um limite onde não •
se pode mais localizar de maneira precisa a ação
determinante do haicai, deixando de ser específica de um
lugar.
O haicai não é japonês nem brasileiro. Dessa forma,
o haicai agrega a primeira característica marcante do
capitalismo: deixa de ser "puro" e se transforma em um
produto desterritorializado.
A avaria produzida pelo movimento de
desterritorialização re-ordenará o mecanismo do haicai,
esmagando os limites conhecidos de uma unidade, que neste
caso podem ser relacionados à retirada do conjunto do hokku,
que produziu a avaria principal, lançando o haicai japonês
em direção a novos desdobramentos.

45
"Não perguntaremos como é que isto funciona
em conjunto: esta questão é já produto de uma
abstracção. As máquinas desejantes só funcionam
avariadas, avariando-se constantemente"60

Ler estas marcas do deslocamento como um principio


e fundamento des-integrador significa, invariavelmente,
reconhecer o esforço de N. Sato em deslocar o campo em
direção ao acesso, que, de forma inevitável, nos leva direto
à cidade. O haicai, sob o signo da viagem, neste aspecto até
agora insignificante para nós, opera neste limite; entre o
povoamento de três espaços, que se tornaram sobrepostos- o
campo, a cidade, o trajeto-, ocupando uma mesma
temporalidade avariada.

60 G. Deleuze, F. Guattaci. o anti-ódipo.p.12.

46
A INDIVIDUALIZAÇÃO DO HAICAI

Devemos demarcar alguns territórios para que


possamos compreender a passagem do haicai como experiência
coletiva à prática individual, como conhecemos hoje.
Como já foi dito anteriormente, Bashô iniciou a
fragmentação do "Hokku", retirando a primeira seqüência, e,
o que é mais importante, começou a assinar cada um dos seus
haicais -até então um procedimento desnecessário, tendo em
vista seu caráter coletivo.
Em sua última forma, o "haiku” (haicai para nós)
surgiu no século XVIII, e aí todos devidamente assinados por
seus respectivos autores. Por detrás deste fenômeno, há uma
institucionalização em jogo, tendências antagônicas que,
para serem reconhecidas, necessitavam de uma assinatura, num
processo de individualização incontrolável.
Neste sentido, o autor restabelece o controle
diante do haicai: o haicai deixa de ser um "isso" e adquire
individualidade e subjetividade.
Do mesmo modo, o haicai tende a deixar de ser visto
apenas como uma exterioridade do autor, porque ele
representa e possui interioridade, e é a partir dela que se
externam as impressões (material do qual é feito) . Apesar da
tendência à despersonalização(do budismo e do zen budismo)

47
exigida pelo haicai e buscada pelo autor, a autonomia se
mostra relativa, porque a sombra do autor sempre retorna,
principalmente para lhe atribuir valor ou importância.
Em relação á autoria existe um processo semelhante
ocorrendo no Ocidente no final do século XVIII, analisado
por Michel Foucault. Vejamos:

"Na nossa cultura( e, sem dúvida, em muitas


outras), o discurso não era, na sua origem, um produto,
uma coisa, um bem; era essencialmente um acto-um acto
colocado no campo bipolar do sagrado e do profano, do
licito e do ilicito, do religioso e do
blasfemo.Historicamente, foi um gesto carregado de
riscos antes de ser um bem preso num circuito de
propriedades. Assim que se instaurou um regime de
propriedade para os textos, assim que se promulgaram
regras estritas sobre os direitos de autor, sobre as
relações autores-editores, sobre os direitos de
reproduções, etc.-isto é, no final do século XVIII e no
inicio do século XIX-,foi nesse momento que a
possibilidade de transgressão própria do acto de
escrever adquiriu progressivamente a aura de um
imperativo típico na literatura".61

Precisou ocorrer a fragmentação do "hokku” para que


o haicai pudesse existir. Essa fragmentação criou uma outra
necessidade: o surgimento do autor. Dessa maneira, a
suspenção do sentido provocada pela sensação de "inacabado"'
do haicai está associada à instituição da autoria. Nempuku

61 M. Foucault. O Que é um Autor? p.47-48, gcifo meu.

48
Sato parece ter isso em mente quando recria todo o processo
de autoria, datado do século XVIII no Japão, no Brasil do
século XX. Primeiro porque escolhe os "haiku-kukais"
(reuniões) para realizar os exercícios de ensino do haicai,
notadamente um procedimento coletivo no qual o autor seria
uma figura secundária. Todavia, Sato re-instala o autor,
individualizando o haicai e assinando as publicações.
O projeto de elaboração de um haicai(não só do -
haicai) não se completa jamais. Não faz parte dele
estabelecer uma unidade encerrada: sendo um produto do
estilhaçamento do "hokku", a história do haicai revela uma
característica antagônica: ele é um fragmento daquela
unidade anterior. Desse modo, o seu trabalho apenas se
efetua ao longo do exercício da leitura, que, diga-se de
passagem, permite ampla liberdade para estruturarmos um
presente a partir de um ponto aleatório deste exercício.
De propósito ou não, seu processo de elaboração é
caótico, porque não se completa nem mesmo através da
leitura; portanto, torna-se um objeto irredutivelmente
inacabado.
Imbricado ao caráter inacabado aparece, ou continua
aparecendo, alguma coisa que restringe nossa capacidade de
entendimento do haicai: o silêncio.
O silêncio, a princípio enigmático, perpetua-se
pela carga infinita de significados: aquilo que não se pode
ou não se deve falar necessariamente se cala. Entretanto, em

49
japonês è possível expressar o silêncio através de
ideogramas. Este silêncio, ligado ao esvaziamento do
espírito budista e zen-budista, pode ser semelhante à fuga
do escritor diante do imponderável início ou fim de uma
obra.

"Só se começa a escrever quando,


momentaneamente, por um ardil, por um salto feliz ou
pela distração da vida, consegue-se driblar esse
impulso que a conduta ulterior da obra deve despertar e
apaziguar de modo incessante, abrigar e afastar,
dominar e sofrer sua força indomável, movimento tão
difícil e perigoso que todo escritor e todo artista se
surpreende, de cada vez, por tê-lo realizado sem
naufragar. E que muitos soçobram silenciosamente,
ninguém que tenha encarado o risco de frente pode .
duvidar disso. Não são os recursos criativos que falam,
se bem que, de todas as maneiras,sejam insuficientes,
mas é o mundo que, sob esse impulso, se furta: o tempo
perde então seu poder de decisão; nada mais pode
realmente começar" .62

Existe algo de Bashô nesta citação, quando sabemos


que ele disse não ser necessário mais de uma dúzia de
haicais durante toda a vida; ao mesmo tempo, relaciona-se
com o período de preparação do haicaísta para que ele possa
escrever seu primeiro haicai, meditando diante de uma folha
de papel. No caso de Bashô, foram necessários 40 anos.

62 Maurice Blanchot. O Espaço Literário, p.46.

50
Periodo de preparação que se destina a "desfigurar"com
classe a natureza, ou mesmo a transgredi-la.
Talvez, deste modo, o haicai perca inevitavelmente
seu "dom natural" de representar a natureza, chamando para
si uma "redefinição" da natureza, pois ele não possui
apenas o caráter imagético que o consagrou entre nós.

"A história dessas artes(decorativas)na


Europa é a luta memorável entre o orientalismo, com sua
franca rejeição de tôda cópia, seu amor à convenção
artistica e sua aversão à representação real das coisas
da Natureza, e o nosso espírito imitativo. Onde
triunfou o primeiro, como em Bizâncio, na Sicília e na
Espanha, por direto contacto, ou no resto da Europa por
influência das cruzadas, temos tido obras imaginadas,
em que as coisas visíveis da vida se convertem em
convenções artísticas e as que a Vida não possui são
inventadas e modeladas para seu prazer. Mas onde temos
voltado à Natureza e à Vida, nossa obra sempre se
tornou vulgar, comum e desprovida de interesse."63

O haicai ensaia o "iniciar" de uma leitura parcial


da natureza e da sociedade -não importando se essa leitura
teve como objetivo o início, meio ou fim de um processo
histórico. Se assim for, o haicai se apresenta incompleto;
danificado, não pretende apenas ressignificar a natureza ou
a sociedade. Contudo, ele pode criar um destes instantes,
mas isso será feito a partir de um ponto onde se perdeu

63 O.ílilde. "A Decadência da Mentira".In:Obras Completas, p.1080-1081.

51
definitivamente a origem do fato, pois a origem estaria
fraturada e esvaziada de história; podemos percebê-lo e
assim procedemos, mas absorvemos apenas uma parte ocasional
e desgovernada.
Vejamos um caso no qual Nempuku Sato se utiliza da
ironia e da crítica social:

Brasil
celeiro do inundo
comendo arroz e batata.64

Neste haicai, o celeiro do mundo parece não


fornecer uma alimentação nutritiva e saudável.
Neste outro caso, Sato lança mão de uma imagem
pesada para chamar a atenção para a sutileza:

Aranha
força bruta
remenda a teia.6S

Por mais peculiar que isso possa parecer, o haicai,


não sendo um mero espelho da natureza, tranfigurando-a,
ressignificando-a, cria uma projeção para além do que ela
foi capaz de oferecer-lhe: ou seja, a natureza seria incapaz

64 Tí. Sato. Anexo.


65 Id. ibid.

52
de fornecer chaves de leitura dela mesma, o que ocorre
somente quando se engendra a cultura neste
processo.Portanto, quando se diz que o ideograma que compõe
o haícai tem a finalidade exclusiva de representar uma parte
da natureza através do silogismo, utiliza-se apenas uma
parcela do seu potencial.
Uma leitura mais abrangente ocorre, na pintura,
quando os "impressionistas" desdobraram o potencial de
representação do ideograma. O "impressionismo", paralelo às
pesquisas que desenvolvia o imagismo poundiano, nutria-se em
grande escala da técnica de pintura do ideograma japonês. O
"impressionismo" possuia uma característica básica de
instalar um borrão entre a paisagem e o leitor (funciona
como uma espécie de "deformidade" da natureza)66. Este borrão
advém, talvez, da tentativa de reproduzir um efeito
semelhante ao que o ideograma produz no branco da seda.
Quando examinamos um ideograma à distância, o seu efeito
causa a sensação de iam grande borrão. Este efeito visual
adquire ares carregados e torna toda a atmosfera mais
densa, enchendo-a de mistérios.
No Ocidente, a influência japonesa se manifestou,
de acordo com O. Wilde, de maneira criadora:

"A quem senão aos impressionistas devemos


essas admiráveis brumas escuras que caem suavemente em

66 Penso, por exemplo, em "Quatro bailarinas em cena", de Degas, obra


carregada por um borrão que faz alusões ao movimento humano.

53
nossas ruas, esfumando os lampiões de gás e
transformando as casas em sombras monstruosas?(...) A
mudança extraordínária que tem sofrido o clima de
Londres, durante êstes dez últimos anos, deve-se por
completo a uma escola artistica particular. Você
sorri.Considere o tema do ponto de vista científico ou
metafísico e será da minha opinião. Com efeito: que é a
Natureza? A Natureza não é a mãe que nos deu à luz.É
criação nossa.(...) As coisas existem porque as vemos e
o que vemos e como o vemos depende das artes que
influíram em nós. Olhar uma coisa e vê-la são atos
muito diferentes. Não se vê uma coisa enquanto não se
compreendeu sua beleza. Então, e só então nasce para a
existência. Agora a gente vê a bruma, não por que ela
exista, mas porque alguns poetas e alguns pintores lhe
ensinaram o encanto misterioso de tais efeitos. Névoas .
podem ter existido em Londres durante séculos. Até me
atrevo a dizer que sempre existiram. Mas ninguém as viu
e por isso não sabíamos nada a respeito delas. Não
existiram até o dia êm que a Arte as inventou.67

Para além das sombras, parece que o Ocidente


aprendeu uma nova sensibilidade; sobretudo quando se começa
a admitir a presença de uma nova forma de olhar, que permite
"criar" as coisas: outra versão do "sentir" japonês.
"O haicai é aquilo que você viu ou sentiu" escreve
N. Sato. Nesse sentido, homóloga à "arte autônoma"
ocidental, o haicai é uma expressão moderna, que não marca
somente um processo de individualização de cada autor e do
conjunto da sociedade japonesa, mas também assinala a

67 O.railde. "A Decadência da Mentira". In: Obras Completas, p. 1098.Grifo meu.

54
duplicidade do seu registro, fornecendo versões de cada
instante.

ÜM& DEFINIÇÃO DO HAICAI

Comecemos por uma definição de um dos mais


influentes pesquisadores sobre o assunto. Antes de mais
nada, é fundamental ressaltar que a obra de R. H. Blyth69
abriu definitivamente o universo do haicai ao Ocidente e é
citada (às vezes menos do que se deveria) , indistintamente,
por qualquer estudo teórico: mas, principalmente, deveria
constar seu devido crédito nas antologias traduzidas
’’direto" do japonês, pois o seu levantamento gigantesco
abrange uma infinidade de haicais publicados no Japão, além,
é claro, de comentários sobre eles.
A definição de R.H.Blyth é a seguinte:

"Um haikai não é poema, não é literatura; é a


mão acenando, uma porta entreaberta, um espelho
desembaçando. É um caminho de retorno à natureza, a
nossa natureza de lua, a nossa natureza de cerejeira em
flor, a nossa natureza de folha caindo, enfim, a nossa
natureza búdica. É um caminho no qual a chuva fria de
inverno, as andorinhas do entardecer, mesmo o dia com
seu calor e a passagem da noite, se tornam realmente

68 Haiku. IV vol.

55
vivos, compartilhando de nossa humanidade, falando com
sua linguagem expressiva e silenciosa".69

Minha dúvida surgiu na "porta entreaberta" das


negações, porém este conceito se encontra repleto de um
sentimento apaixonado que nos leva diretamente em direção ao
budismo de R.H. Blyth.
Não é por acaso que, para Blyth, o haicai se traduz
como uma variante do espirito religioso. Segundo ele, a
expressão máxima de um haicai somente pode ser desfrutada
se observarmos sua estreita ligação com o aspecto religioso
que emana "por si” de cada haicai.
Evidentemente, o "caminho" aberto possibilita
outras entradas no sentido de re-mapear este cenário
"poético". De outro modo, no entanto, Blyth acaba por
sucumbir às "exigências" estéticas da sua época,
engrossando o coro, de maneira enviezada, junto ao grupo
imagista.
Desde o início do movimento imagista procurou-se
evidenciar, sobretudo, o privilégio da imagem visual. Ë
automático perceber e compreender que isso significaria uma
cooptação imediata do haicai como forma "poética", porque, à
primeira vista, o haicai nos remete para um conjunto de
imagens (equivale dizer: cada ideograma vale uma ou mais
imagens) .

69 R.H.Blyth. Haiku. Vol.I.p.16.

56
Esta primeira leitura coloca de lado toda a
discursividade que poderia revelar novos direcionamentos
menos restritivos sobre o funcionamento do haicai.
De outro modo, procuro chamar a atenção novamente à
diferença. As circunstâncias culturais que envolveram e
condicionaram a produção do haicai no Japão foram
extremamente diferentes das condicionantes ocidentais.
No haicai se manifesta uma maneira de "olhar” e
"criar", porém a sensibilidade deste ato é diferente. A
disciplina exigida para realização desta tarefa, do mesmo
modo, é diferente da experiência ocidental.

"Na verdade, é preciso escrever o que você


viu e sentiu, mesmo que isso pareça tolo, pois este é,
muitas vezes, o verdadeiro haicai(...)"70

Evidente que várias aproximações entre o haicai e


as formulações poéticas ocidentais são possíveis, todavia,
alguns distanciamentos são necessários.

70 N. Sato. Nempuku Haiwa.

57
O HAI CAI COMO PARTE DE DMA EXPERIÊNCIA NARRATIVA

O haicai de N. Sato possui um outro elemento que


visava transmitir, através das gerações, uma certa
experiência.
A vida de N. Sato se desenrolou entre viagens: sua
procura por fazendas distantes, através de caminhos
sinuosos, pretendia atingir o maior número possivel de
japoneses, para disseminar a prática do haicai.
Essa procura ansiava' pela troca de experiências.
Assim, através do olhar silencioso, o seu trabalho seria
também o de "narrar". O haicai servia como um pretexto para
o desenvolvimento desta prática narrativa, proporcionando ao
produtor e ao produto uma nova função que se aproxima da
tarefa do narrador:

"A figura do narrador só se torna plenamente


tangivel se temos presentes esses dois grupos. "’Quem
viaja tem muito que contar', diz o povo, e com isso
imagina o narrador como alguém que vem de longe.(...) Se
quisermos concretizar esses dois grupos através dos
seus representantes arcaicos, podemos dizer que um é
exemplificado pelo camponês sedentário, e outro pelo
marinheiro comerciante"71

71 Waltet: Benjamin. "O natrcadoc" in: obxas escolhidas X. p. 198-199.

58
No caso de N.Sato, podemos observar uma forma
poética tentanto se articular a uma forma narrativa. Temos
um tipo de narrador constituído pela figura do camponês
viajante, que recolhe as experiências dos grupos
sedentários, realizando um trabalho de intercâmbio. Seu
principal veículo era o "olhar", que se converteria a seguir
em haicai.
De fato, não é por acaso que o haicai também pode
ser denominado HAIKU-KUKAI, que significa, literalmente,
reunião para fazer haicai. Etimologicamente se encontra uma
referência à palavra reunião dentro da palavra haicai.Esse
detalhe re-instala o haicai de Nempuku Sato dentro de uma
perspectiva do século XVIII.
Tais reuniões aconteciam sempre nas ocasiões da
visita do Sr. Sato: nestes dias, o haicai assumiria
novamente seu caráter coletivo, apesar da identificação de
cada autor. A cerimônia, onde se servia comida e bebida,
culminava com a escolha e a leitura dos haicais escolhidos
pelo Sr. Sato.
Dessa maneira, o Narrador Sato se apresenta como um
elo de convergência, provido da faculdade de intercambiar
experiências; descrevê-lo como um narrador,

"não significa trazê-lo mais perto de nós, e


sim, pelo contrário, aumenta a distância que nos separa
dele. "72

72 Ibid. p.197.

59
Além disso, ele tem a responsabilidade do homem que
dá conselhos, urna outra marcante característica do narrador,
segundo W.Benjamin.

"Talvez se tenha uma noção mais clara desse


processo através do provérbio, concebido como uma
espécie de ideograma de uma narrativa. Podemos dizer
que os provérbios são ruínas de antigas narrativas, nas
quais a moral da história abraça um acontecimento, como
a hera abraça um muro."73

Entretanto, o haicai não será o salvador da


extinção da narrativa no campo, porque o esvaziamento do
espírito necessário para sua confecção está cravado de um
recomeçar infinito, e isso faz com que ele descarte, quase
na totalidade, o ingrediente principal da composição
narrável: o aconselhamento.
Porém, e isto pode parecer paradoxal, o haicai
preserva um tipo específico de ensinamento que se aproveita
da experiência passada, mas não daquele elemento capaz de
constituir uma repetição da história. O "recomeço"
necessário ao haicai se aproxima- mas se distingue-
vertiginosamente, daquilo denominado "pobreza" por W.
Benjamin. São dois silêncios distintos: no caso do retorno
silencioso das batalhas da Primeira Guerra, o esquecimento

73 Ibid. p. 221, grifo meu.

60
se tornou imperativo, por causa da ’’radical desmoralização"
produzida pelos combates. Isto, evidentemente, marca um
trauma e, daí em diante, absolutamente tudo exigiria o
recomeçar.
O recomeço do haicai de Sato faz parte de um
processo de estruturação e preparação do "espírito",
buscando uma união com o todo existente ao redor de si,
distante da individualização.
Citemos, por exemplo, as três idéias oriundas de um
sincretismo religioso, seguidas à risca pelos imigrantes,
que têm origem no confusionismo, budismo e xintoismo, e
deveriam ser aplicadas à experiência agrícola: trabalhar
honesta e diligentemente, fazer economia e poupança e, por
último, possuir espírito de conciliação nas relações
sociais.
É desse material simples e escasso, deste pouco e -
desta moral, que se elabora o haicai de Nempuku Sato; assim,
o sentimento de uma ausência histórica anterior -do haicai
no Brasil- produzido pelo iniciar, pelo movimento de se
instaurar, se assemelha a sensação sempre incompleta
provocada e desfrutada através do ato de leitura deste
haicai.

61
MORRER, VIVER E VIAJAR: O TERRITÓRIO DO H&ICAI

"Como é bonito o ipê


florido. No Japão é o sakura. Essas
duas flores nascem em seus respectivos
países, mas a beleza ultrapassa os
limites das fronteiras...".

H.Nakamura

Nempuku Sato não escreveu haicais por acaso. Por


trás desta obra, havia objetivos conscientes e outros menos
visíveis ou inconscientes.O objetivo mais claro e detalhado
pode ser observado através das atividades de ensino, reunião
e publicação dos haicais produzidos no Brasil.
A reunião dos haicais por temas, como aliás é comum
nas publicações de haicais japoneses, sempre está
relacionada com as quatro estações climáticas do ano. A
manutenção desta forma de organização nos livros de N. Sato
parece se justificar pela tentativa de preservar um fio
condutor, capaz de estabelecer com rapidez e eficácia o
contato entre dois lugares: onde autor e obra estão e de
onde saíram.
Acredito, entretanto, na possibilidade de que este
tipo de organização deixa escapar, de modo oblíquo, uma
outra face igualmente importante dos haicais.

62
Penso, inicialmente, no problema enfrentado por N.
Sato quanto ao estabelecimento de uma posição definida
sobre o lugar que o haicai deveria ocupar no Brasil. Para
examinar esta questão procederei a um desmembramento
secundário no paradigma de organização dos haicais, que seja
capaz de desvendar a sutil tentativa de Sato de
reorienta(liza)ção do haicai.
Realizar esta abordagem significa operar um recorte
temático, visando encontrar os elementos que, de alguma
forma, contribuíram e auxiliaram neste processo de adaptação
e inserção do haicai no Brasil.
A presente alternativa se torna necessária porque
esta análise não poderia ser feita a partir dos elementos
estruturais do "poema", como diria Antonio Cândido74.
Examinemos um exemplo de análise do ritmo com
critérios ocidentais, que demonstra a inviabilidade deste
procedimento:

haru no umi dáctilo/troqueo


hímenosu notarí peon 3./anfíbraco
notari kana anfíbraco/yambo75

O resultado da análise é caótico, porque não


obedece a regras formais que poderiam, se existissem, servir

A. Cândido. Na sala de aula.


Fernando R.Izquierdo.El haiku japonês.p.144.

63
de balizas, auxiliando no processo de tradução dos haicais.
A análise rítmica ou a leitura formal não pode ser efetivada
por outra razão muito simples: as referências estruturais do
haicai são de outra natureza e se relacionam especificamente
à língua e à cultura japonesa.76
Entretanto, a minha análise pode se nutrir dos
elementos que, no caso de N. Sato, parecem ser reveladores
de um outro direcionamento. Sobretudo, porque Sato deveria
proceder a uma "tradução" conteudística das coisas,
fornecendo uma contextualízação específica para o haicai
brasileiro. Sato deveria recuperar possíveis perdas de
referências ocorridas durante o percurso da viagem que
trouxe o haicai do Japão ao Brasil.

76 Apresento a seguir, resumidamente, estes componentes. O "kigô": indica as


estações do ano, não necessariamente precisa estar presente no haicai, ele
pode ser colocado dentro de uma seçáo. Por exemplo: derrubar uma floresta//um
machado//tem que ser forte. Neste haicai não há indicação precisa da estação,
porém ele se encontra dentro da seção consagrada ao inverno. O "mu”: sugere
etimologicamente a destruição da natureza pelos homens? pode significar ainda
os advérbios não e nada, ou um silêncio; neste último caso, muito usado, ele
é intraduzível. O "kakekotoba": um jogo de palavras que proporciona colisões
entre elas, fornecendo associações que lembram outras palavras. O "kireji":
uma pontuação com a finalidade de realçar um estado emotivo. Pode ser
subdividido em "ya", que significa uma exclamação? "keri", que dá ênfase a um
fato passado; e, "kana", que fornece uma emoção especial à palavra citada
anteriormente, tornando-a o centro da atenção, novamente sem correspondência
em português. 0 "kokorô", que pode significar uma infinidade de coisas:
coração, espírito, sabor, perfume etc..., porém se relaciona diretamente ao
estado de ânimo do escritor naquele momento, determinando o "haimi" do
haicai(literalmente o "sabor do haicai"), que, por sua vez, se subdivide em
três novos elementos: "sabi"(solidão ou isolamento voluntário), "wabi"(pobreza
relacionado ao ócio despreocupado), e "mu-ga"(despersonalização vinculada com
a anulação do ego, que deve se manifestar no haicai) . O "mono-no-aware",
literalmente "dor-das-coisas", se relaciona ao ato de identificação com o
sofrimento das coisas e dos seres. O "yugen”, expressa o humor no haicai,
conhecido também como "senryu'^ haicai humorístico). Fontes: R.H.Blyth e
F.R.Izquierdo.

64
A MORTE VISÍVEL E A VIAGEM INVISÍVEL

O tema da "viagem" pode nos remeter ao "invisível"


no haícai de N. Sato, em virtude de esta viagem significar
perdas invisíveis para a teoria da composição do haicai.
Este núcleo de preocupações remonta a uma tradição
transplantada, à desterritorialização do Autor e Obra, que
fazem parte da viagem física do haicai para o outro lado do
mundo e, do mesmo modo, possibilita a nossa observação de um
movimento contínuo e inesgotável, por parte de Sato, que
buscava uma estrada de mão dupla dos limites territoriais
entre o ipê e o sakura.
O tema da morte, por outro lado, justifica-se pelo
seu caráter enigmático, constituindo um signo constante da
cultura japonesa. Uma parte deste enigma, sendo uma prática
ritual, refere-se ao suicídio. Aqui se encontra algo
interessante, pois o haicai pode ser visto como um veículo
na busca de um estado de plenitude e vazio espiritual capaz
de fornecer a tranqüilidade necessária para o suicídio. A
morte, vista nesta perspectiva, abre uma porta que causa
estranhamento, porém ela faz parte da disciplina de vida do
hâicâísta e do Samurai.77

77 Sobre este assunto, consultei o texto de Cari B. Becker, publicado na


Revista Vozes n.6 de novembro-dezembro de 1994, onde ele escreve o
seguinte:"Há bastante tempo o Japão vem se mostrando mais consciente e
sensível diante do processo da morte do que as culturas ocidentais
modernas.Mais ainda, o Japáo já tem o seu próprio e excelente marco filosófico
e experimental para enfrentar de maneira efetiva "novos"temas da bioética como

65
O espaço da morte se funde à reflexão sobre o
deslocamento do haicai, porque este deslocamento pode ter
sido responsável pela tentativa de Sato de fazer o haicai
reviver toda sua trajetória histórica no Brasil. Nempuku
Sato pretendia re-viver o haicai, talvez por aceitar a
hipótese de que o haicai estivesse morrendo.
Se assim for, deslocamento e morte podem, muitas
vezes, refletir um espaço comum, impossibilitando a
demarcação de uma linha divisória clara:

névoa entre troncos

entrevendo o que

resta de um enterro.78

O visivel soergue-se, neste haicai, de maneira


muito clara: do olhar transversalmente situado entre sólidas
árvores, entrevendo, sobretudo, o invisível: o que restaria
de um enterro, além do vazio silencioso onde reinam as
evidências da vida que se esvai?

a eutanásia. (...) 0 budismo náo vê a morte como um fim da vida, mas


simplesmente como uma transição; o suicídio náo é, portanto, um escape.Assim,
no sangha(comunidade dos seguidores de Buda)inicial, o suicídio foi condenado
a princípio como ação imprópria. Mas os textos budistas recentes incluem
muitos casos de suicídio que o próprio Buda aceitou e perdoou. (...)Mas é
importante observar que o fato de Buda elogiar os suicidas não se baseia no
fato de eles estarem em estados terminais, mas antes porque estavam com as
mentes livres de egoísmo e desejos e estavam iluminadas no momento da morte.
(...)É interessante assinalar que todos esses suicídios aconteceram porque o
sujeito cravou em si uma faca ou um punhal, uma técnica que se tornaria comum
no suicídio ritual japonês posterior".
70 Nempuku Sato. Anexo.

66
Aqui o visível também se encontra camuflado entre a
névoa, produzindo fantasmas e entrevendo duplicidades
invisíveis. Neste caso, o haicai congelou a ausência recente
da vida. Todavia, a sensação produz apenas o enterro de um
duplo da vida, pois foi apenas um representante dela que
morreu. Nempuku Sato pode estar vendo o enterro do duplo do
haicai brasileiro: o camuflado enterro do haicai japonês.

’’(Chuang-tsé explica)’Não há nada que não


seja isto; não há nada que não seja aquilo. Isto vive
em função daquilo.Tal é a doutrina da interdependência
disto e daquilo. A vida é vida diante da morte. E vice-
versa. Portanto, se alguém se apóia nisto, teria de
negar aquilo. Mas isto possui sua afirmação e sua
negação e também engendra seu isto e seu
aquilo(...)’.Há um ponto em que isto e aquilo, pedras e
plumas, se fundem. E esse momento não está antes nem
depois, no princípio ou no fim dos tempos. Não é
paraíso natal ou pré-natal nem céu supraterreno.Não
vive no reino da sucessão, que é precisamente o dos
contrários relativos, mas está em cada momento.É cada
momento.É o próprio tempo engendrando-se, fluindo-se,
abrindo-se a um acabar que é contínuo começar. Oorro,
fonte. Aí, no próprio seio do existir- ou melhor, do
existindo-se-, pedras e plumas, o leve e o pesado,
nascer-se e morrer-se, ser-se, são uma e mesma
coisa."79

Relativizada a morte do haicai japonês, diante da


perda de uma parte da memória (uma herança da viagem),

79 Octavio Paz. O arco e a lira. p.125.

67
contínua a viver o haicai brasileiro. No entanto, resta
naquele lugar, na heterotopia do cemitério, algo importante
que não pode ser festejado nem tampouco nomeado
completamente: diante da morte se cala e esse silêncio se
converte num questionamento sobre a continuidade ou o
sentido da existência do haicai.

"A heterotopia é o poder de justapor num só


espaço real vários espaços, vários lugares que são por
si só incompatíveis.(...)A heterotopia passa a
funcionar a todo vapor no momento em que os homens se
acham numa espécie de ruptura absoluta com seu tempo
tradicional. Vemos por aí que o cemitério é um lugar
altamente heterotópico, pois ele começa .a ter essa
estranha heterocronia que é, para o indivíduo, a perda
da vida, e essa quase eternidade, onde ele não cessa de
se dissolver e de desaparecer".80

A ação residual do instante, que é o haicai,


permanece presente, porém a ação se encontra fraturada,
retornando desgovernada (o que resta...), lentamente e em
várias direções (o movimento da névoa), recriando as
condições necessárias à vida( porque o olhar do haicaista
continua presente).
Deste modo, a vida do haicai no Brasil possuiria,
segundo Sato, um lugar demarcado nesta justaposição
espacial, da heterotopia entre a morte e o resto.

80 Michel Foucault."Espaços-outros: utopias e heterotopias".In:Revista


Outra.p.17-18.

68
Assim, o haicai deixa de ser apenas um utensílio da
leitura, nega-se a fornecer exclusivamente uma imagem visual
de primeiro impacto. 0 haicai de Sato encontra-se num espaço
problematizado, sugerindo, constantemente, um retorno à
fragmentação original do hokkv que seria a sua principal
marca. A viagem do haicai re-signíficou este aspecto
fragmentário, camuflando a principal marca do haicai
tradicional japonês, que visava a uma unidade. A herança que
Sato recebeu de Shiki parece se manifestar claramente.81

"Por analogia, pode-se também recordar que um


utensílio danificado torna-se a sua imagem(e, por
vezes, um objeto estético:’esses objetos obsoletos,
fragmentados, inutilizáveis, quase incompreensíveis,
perversos', que André Breton amava). Nesse caso, o
utensílio, não mais desaparecendo no seu uso, aparece.
Essa aparência do objeto é a da semelhança e do
reflexo: se se preferir, o seu duplo. A categoria da
arte está ligada a essa possibilidade para os objetos
de "aparecer", isto é, de se abandonar à pura e simples
semelhança por trás da qual nada existe-exceto o ser.
Só aparece o que se entregou à imagem, e tudo que
aparece è, nesse sentido, imaginário" 82

O haicai de N. Sato se converte então numa espécie


de imagem da leitura, onde a imagem se torna um substantivo
da leitura. O haicai brasileiro de Sato torna-se um duplo; é -

81 Lembremos do haicai de Shiki citado anteriormente: Viento de otoflo./no hay


para mí dioses/no hay budas.
02 M. Blanchot. O espaço literário, p.260.

69
semelhante e um reflexo, mas não idêntico, do haícai
japonês. No Brasil, o haicai "aparece". Neste novo espaço,
o haicai se movimentou e está deslocado, muito além de suas
fronteiras de origem; sendo assim, aos nossos olhos, ele nos
revela a sua duplicidade. Portanto, o haicai não se encontra
mais preso a um estado adjetivo da leitura, que ele
realizava no Japão, porque o haicai não está mergulhado no
seu uso cotidiano. O haícai deixa de ser um utensílio a
mais, e esta viagem da teoria da composição de Sato marca o
processo de substantivação do haicai, que, duplicando-o,
descola-o das prioridades de espelhamento da natureza, da
concisão e da visualidade. Além desses atributos, o haicai
brasileiro, deslocado, transforma-se num produto do
imaginário japonês sobre o Brasil.
Desse modo, ao lado de Maurice Blanchot, poderia
perguntar:

"Assim como a estátua glorifica o mármore, e


se toda a arte quer atrair para a luz do dia a
profundidade elementar que o mundo, para afirmar-se,
nega e rejeita, não seria então o caso de, no poema, na
literatura, a linguagem ser, em relação à linguagem
corrente, o que é a imagem em relação à coisa?(...)É
provável que esteja aí uma alusão a uma transformação
muito mais essencial: o poema não é poema porque
compreenderia um certo número de figuras, de metáforas,
de comparações. O poema, pelo contrário, tem a
particularidade de que nada nele constitui imagem. Por
conseguinte, cumpre exprimir de outro modo o que

70
procuramos:Será que a própria linguagem não se tornar
na literatura, imagem inteira, não uma linguagem que
conteria imagens ou colocaria a realidade em figura,
mas que seria sua própria imagem, imagem da linguagem-e
não uma linguagem figurada- ou ainda linguagem
imaginária, linguagem que ninguém fala, ou seja, que se
fala a partir de sua própria ausência, tal como a
imagem aparece sobre a ausência da coisa, linguagem que
se dirige também à sombra dos acontecimentos, não à sua
realidade, e pelo fato de que as palavras que os
exprimem não são signos mas imagens, imagens de
palavras e palavras onde as coisas se fazem imagens?83

Não é meu propósito responder esta questão, mas o


haícai de Sato parece se relacionar com ele mesmo, ou seja,
com o seu duplo. Parece existir um diálogo silencioso entre
os duplos. Esta conversa entre os semelhantes pode
significar a linguagem do haicai de Sato: da "linguagem que
ninguém fala"(da ausência) e da linguagem que se dirige à
sombra dos acontecimentos, não à sua realidade ( da
construção do imaginário sobre o Brasil.) . A linguagem do
haicai de Sato transformou o seu haicai numa imagem, que não
significa apenas um reflexo, mais do que isso, esta
linguagem pretende desvendar o duplo do haicai japonês.
Por outro lado, a rapidez contida na linguagem do
haicai de Sato parece esconder a existência de uma narrativa
"ausente" por detrás dele.

03 Id. Ibid.p.25.

71
" Cada manhâ nos ensina sobre as atualidades
do globo terrestre. E, no entanto, somos pobres em -
histórias notáveis. Como se dá isso? Isso se dá porque
mais nenhum evento nos chega sem estar impregnado de
explicações. Em outras palavras: quase nada mais do que
acontece beneficia o relato; quase tudo beneficia a
informação. (...) A informação recebe sua recompensa no
momento em que é nova; vive apenas nesse momento; deve
se entregar totalmente a ele e, sem perder tempo, a ele
se explicar. Com a narrativa é diferente: ela não se
esgota. Conserva a força reunida em seu âmago e é capaz
de, após muito tempo, se desdobrar".84

Se considerarmos, no haicai de Sato, a


possibilidade de ele operar no limite de uma forma narrativa
do imaginário japonês no Brasil e, ao mesmo tempo, uma forma
de expressão do imaginário poético, pois o seu haicai possui
ingredientes para semelhante tarefa, a concisão se
desdobraria para além da mera informação. Reforçar-se-ia a
idéia de que o haicai pode e deve nos dizer muito mais.
Todavia, o trabalho do haicai, sendo um diálogo com seu
duplo, é realizado na fronteira e não deve ser pensado a
partir da explicação de um instante congelado. Esse trabalho -
deve se fundir à leitura para continuar a conservar seu
poder de germinação, ramificando a variedade de
desdobramentos: numa palavra, o haicai deve nos demonstrar
sua inesgotabilidade.

84 SJaltec Benjarain. Obras escolhidas II. p.276.

72
Dessa maneira, o haicai de Sato seria parecido
"aos grãos que, há séculos, estão hermeticamente armazenados
nas câmaras das pirâmides e que, até o dia de hoje,
conservam seu poder de germinação".85
Retornemos, novamente, para este haicai,
associando-o, agora, à viagem até a fronteira:

trilhas de folhas caidas


leste ou oeste nem sei onde
japonês vivo aqui.

A viagem do haicai pode ser examinada, neste


exemplo, sob três aspectos: primeiro, refere-se à viagem que
o trouxe do Japão ao Brasil; sendo assim uma viagem
externa.Em segundo lugar, as "trilhas de folhas caídas",
além de significarem o outono, são aqui consideradas como um
acesso de trânsito do haicai, sugerindo que ele pode se
movimentar neste novo local, embora esteja desorientado.Em
terceiro lugar, pode ser reconhecida a viagem interna do
haicai; é verdade, no entanto, que esta internalização
necessitou dos dois primeiros aspectos, os quais •
movimentaram fisicamente o haicai para além das fronteiras
geográficas do Japão.
Então, a viagem externa se encontra fixa no
horizonte físico, enquanto a interna seria, propriamente,

05 Id. ibid. p.277.

73
teórica; a idéia que viaja. A viagem interna está associada
ao sentido que procura "reorient(aliz) ar" o haicai (leste ou
oeste nern sei onde), repensando sua forma de produção,
sendo agora voltada, ao mesmo tempo, ao reconhecimento do
território teórico.
O deslocamento da experiência de Sato, que pretende
reelaborar um campo de ação, encontra-se cravado por uma
duplicidade evidente, onde Autor e Obra se fundem- "japonês
vivo aqui"-, porém está ausente desta constatação que eles
continuam sendo brasileiros.
O trabalho de pesquisa construido por N. Sato em
torno do novo território possuiria um sentido amplo,
abarcando a viagem interna sobreposta à externa e, além
disso, este trabalho incorporou um elemento a mais neste
novo território.

14
UM& OUTRA FRONTEIRA

"A fronteira que separa a arte, por um lado,


e o resto da esfera estética e os fenómenos extra-
estéticos, por outro, não é importante apenas para a
estética, mas também para história da arte, porque dela
depende -de modo decisivo- a selecção do material
histórico. Parece que uma obra de arte se caracteriza
univocamente pelo seu particular factura (pelo modo
como foi feita). Na realidade este critério só é
válido, e mesmo com limitações, para o contexto social
a que a obra originalmente se dirige(ou se
dirigia).Logo que nos encontramos perante um produto
originalmente vinculado a uma sociedade afastada no
tempo e no espaço, deixamos de poder aplicar-lhe a
nossa própria escala de valores; já mencionamos o facto
de ser, muitas vezes, preciso averiguar mediante um
procedimento científico complexo se tal ou tal produto
foi, no respectivo contexto social, uma obra de arte,
porque, de facto, nunca se pode excluir a possibilidade
de a sua função ter sido, originalmente, muito
diferente daquela que nós, segundo a nossa escala de
valores, lhe atribuímos. De resto, a transição entre a
arte e aquilo que está fora do seu âmbito é sempre
gradual- e às vezes, mesmo, quase insuscetível de
verificação. "86

As duas vertentes ocidentais que trouxeram o haicai


até nós estavam preocupadas com a perspectiva do leitor-
fruidor ocidental, interessado em oferecer, na maioria das
vezes, lima posição de destaque, festejando sua concisão,

86 Jan Mukarowisky. Escritos sobre estética e semiótica da arte. p.25,26.

75
raridade e humor; ou, pelo contrário, atribuindo-lhe uma
certa dose de facilidade, em relação a sua composição, e,
obviamente, descartando-o como experiência com ’ valor
estético.
As duas vertentes ocidentais desconheciam a
movimentação de Nempuku Sato. Portanto, existe uma outra
perspectiva que estava preocupada em aclimatar o haicaí ao
Brasil, de uma outra maneira. O processo de aclimatação
desenvolvido por Sato talvez não seja insuficiente para
desconfiarmos de um aumento da amplitude estética do haicai.

"Disto se depreende que a arte é a esfera


própria do valor estético, pois é ela a esfera
privilegiada dos fenômenos estéticos. Enquanto, fora da
arte, o valor se subordina à norma, aqui é a norma que
se subordina ao valor: fora da arte, o cumprimento da
norma é sinônimo de valor, mas, na arte, a norma é
frequentemente violada- e, mesmo quando é respeitada, o
seu cumprimento é um recurso e não um objectivo".87

Críticos e poetas no Ocidente atribuíram um valor


artístico ao haicai. Isto se deve à transgressão da norma
anterior que colocava o haicai num lugar específico na
sociedade japonesa onde esta transgressão não era praticada
(onde a norma era preservada).Vale dizer, retiraram o
"utensílio" do seu uso diário fazendo-o aparecer.

07 Id . I b i d . p .63.

76
"0 cumprimento da norma produz o prazer
estético; mas o valor estético, ao mesmo tempo que o
prazer, pode também incluir fortes elementos de
desagrado sem que a sua integridade seja afectada".88

Quando visto na esfera de um haiku-kukair entre os


imigrantes, o haicai de Nempuku Sato fornece um significado
ainda normatizado. Neste caso, o haicai é coletivo, e
continua fornecendo o prazer estético. Quando recuperamos as
reflexões sobre o papel do deslocamento e da
individualização podemos creditar e inserir no trabalho do
haicai a transgressão da norma anterior.
Por outro lado, o conceito de poesia em O. Paz89
apresenta desdobramentos semelhantes ao observado em relação
ao fenômeno estético.
A poesia pode estar presente em qualquer lugar do
campo social através dos mais variados atos-inclusive o
haicai se encontraria aqui-, determinando neste caso o campo
"extra-artístico" ou poético: aqui seria encontrada a poesia
em estado amorfo. Quando O. Paz procura responder esta
questão(o que é poesia?) se depara com a mobilidade do
conceito e a resposta se converte em um deslocamento(a
poesia se encontra no poema) . De outro modo, é no poema que
encontraremos a poesia na esfera da arte.

88 Id-Ibid.p.63.
89 Octavio Paz. O arco e a lira.

77
"0 poético é poesia em estado amorfo;o poema
é criação, poesia que se ergue. Só no poema a poesia se
recolhe e se revela plenamente"90

Durante o desenvolvimento da argumentação de O.


Paz, começa a surgir um questionamento a favor dos
antagonismos e diferenças quanto às contextualizações
históricas que envolveram o processo de produção de uma
determinada poesia. Esse movimento, que reconhece os
contrastes, aproxima-se da perspectiva formalista de
Mukarowsky, apresentada anteriormente. Vejamos:

nA dispersão da poesia em mil formas


heterogêneas poderia nos levar a construir um tipo
ideal de poema. 0 resultado seria um monstro ou um
fantasma. A poesia não é a soma de todos os outros
poemas. Por si mesma, cada criação poética é uma
unidade auto-suficiente. A parte é o todo. Cada poema é
único irredutível e irrepetível.(...) À primeira vista,
essa diversidade se oferece, como filha da história.
Cada lingua e cada nação engendram a poesia que o
momento e o seu gênio particular lhes ditam. 0 critério
histórico, porém, não resolve, antes multiplica os
problemas.No seio de cada periodo e de cada sociedade
reina a mesma diversidade: Nerval e Hugo são
contemporâneos, como o são Velázquez e Rubens, Valéry e
Apollinaire. Se só por um abuso de linguagem aplicamos
o mesmo nome aos poemas védicos e ao haiku japonês, não
será também um abuso utilizarmos o mesmo substantivo
para designar experiências como as de San Juan de la

90 Id. Ibid.p.17.
Cruz e seu indireto modelo profano, Garcilaso? A
perspectiva histórica -consequência de nosso fatal
distanciamento -nos leva a uniformizar paisagens ricas
em antagonismos e contrastes. A distância nos faz
esquecer as diferenças..."91

Não podemos esquecer as diferenças, os contrastes e


os antagonismos, pois isso anularia nossa compreensão do
movimento dialético no qual ocorreu a transição do haicai ao
Ocidente. A responsabilidade pelo início deste trabalho, de
incorporação do Ocidente, deve ser atribuído a Shiki, que,
como vimos no capítulo I, implementou um processo ilimitado
de "aquisições" para o haicai.
O principal centro de conflito começa a se
evidenciar: trata-se das aquisições obtidas durante a viagem
do haicai, pelas mãos de um imigrante japonês. Não podemos
precisar com exatidão o local onde ocorreram as aquisições,
senão no próprio percurso da viagem.

"Como pessoas e escolas da crítica, idéias e


teorias viajam- de pessoa para pessoa, de situação para
situação, de um período para outro. A vida cultural e
intelectual é nutrida e, muitas vezes, sustentada por
esta circulação de idéias, e se isto toma a forma de
influência inconsciente, empréstimo criativo, ou
apropriação em grande escala, o movimento de idéias e
teorias de um lugar para outro é, ao mesmo tempo, um
fato da vida e uma maneira útil de criar condições à
atividade intelectual. São especialmente interessantes

91 id. ibid.p.18,19.
os casos de idéias e teorias que se movem de uma
cultura para outra, assim como quando as chamadas
idéias orientais a respeito da transcendência foram
importadas pela Europa durante o início do século XIX;
ou, quando certas idéias européias a respeito da
sociedade foram traduzidas para as tradicionais
sociedades do Oriente, durante o final do século
XIX. (...) Semelhante movimento para um novo ambiente
nunca é livre. Envolve necessariamente um processo de
representação e institucionalização diferente daquele
do ponto de origem".92

De acordo com esta constatação sobre o movimento de


circulação das idéias e teorias, pode-se observar, através
da leitura dos haicais de N. Sato, o desdobramento de uma
viagem que insere o haicai no Brasil, com toda carga
problemática que envolve este processo.
A viagem transformou o haicai enquanto "utensílio”
mergulhado no seu uso -como um acessório de leitura-,
ressaltando, deslocando e modificando este aspecto, em
direção à criação de um objeto estético. O novo elemento

92 E. Btr. Said. The world, the text, and the critic, p. 226. "Like people and
schools of criticism, ideas and theories travel-from person to person, from
situation to situation, from one period to another. Cultural and intellectual
life are usually nourished and often sustained by this circulation of ideas,
and whether it takes the form of acknowledged or unconscious
influence,creative borrowing,or wholesale appropriation, the movement of ideas
and theories from one place to another is both a fact of life and a usefully
enabling condition of intellectual activity.There are particularly interesting
cases of ideas and theories that move from one culture to another, as when so-
called Eastern ideas about transcendence were imported into Europe during the
early nineteenth century, or when certain European ideas about society were
translated into traditional Eastern societies during the later nineteenth
century. (...).Such movement into a new environment is never unimpeded.lt
necessarily involves processes of representation and institutionalization
different from those at point of origin". Minha tradução.

80
que parece ter sido ressaltado neste deslocamento também se
localiza na base de uma nova institucionalização.
No ponto de origem, no Japão, o haicai foi
institucionalizado quando Bashô começou a assiná-los. A
reorienta(liza)ção do haicai, realizada por Sato no Brasil,
adquiriu importância central junto ao processo de re-
institucionalização. Talvez, tenha sido a primeira vez que
esse processo necessitava ser realizado fora do Japão. Re-
institucionalizar o haicai significava algo sem precedência,
algo que não possuia registros anteriores.

Quem vive aqui?


Leste ou oeste
nem sei onde.

Portanto, o "exterior"(Japão) e o "interior"-


(Brasil), em última instância, transformavam-se num
sobreposicíonamento de lugares. Equivaleria dizer: aqui
estou perdido é lá que me encontro. Cada haicai, neste
ponto, se traduz por uma viagem compreendendo todo o caminho
percorrido pela teoria. Do mesmo modo, está ocorrendo um
sobreposicíonamento de funções: quando coletivo, a função do
Autor é minimizada; quando individualizado, a função do
Autor é realçada.
A transposição elaborada por N. Sato do Oriente ao
Ocidente fez com que o haicai perdesse, recuasse ou

81
imobilizasse um determinado aspecto do seu trabalho de
deciframento, ligado à "descompromissada" leitura que ele
pôde desfrutar no local de origem. Talvez porque esta
leitura do mundo estivesse mergulhada no uso cotidiano, isto
é, o trabalho do haicai não era visto, não estava presente
ou desaparecia em seu próprio uso diário; nesse sentido, ele
existia apenas na "ausência". No local de origem, não havia
nenhuma necessidade de reconhecimento do território, de um
novo reposicionamento: enfim, seu lugar estava garantido,
pois ele se confundia com o próprio meio.
A viagem desta teoria para outro lugar duplicou a
responsabilidade do trabalho de:
cultive a terra
plantando com suor
um pais de haícais.93

Agora o haicai deveria criar um espaço de ação que


permitisse o seu retorno ao estado de "ausência” com dupla
finalidade: primeiro, porque faz parte do haicai a
despersonalizaçao94; segundo, porque o seu trabalho não
deveria tornar-se evidente, recuperando, assim, algo perdido
durante a viagem: a "ausência".Da mesma forma, não podemos
perder de vista que o haicai se convertia no mais importante
elo de ligação entre os imigrantes, como uma experiência

93 Takahama Kyoshi.
94 Ver nota n.68.mu-ga.

82
cultural- o valor estético aqui é secundário-, com poder
suficiente para transportá-los ludicamente ao lugar
desejado:a substituição da flor do ipê pelo sakura,a
identidade original.
No novo ambiente, entretanto, o haicai não se
recuperou desta perda; ao invés disto, a "ausência" se
tornou "presença", sendo realçado o aspecto "estético" e,
por outro lado, jamais a necessidade de um Autor seria tão
desejada, tendo-se em vista a necessidade de um componente
gerenciador do processo; portanto, o haicai foi re-
subjetivado e, sendo assim, um elemento oposto(o Eu), que
deveria estar submerso, entrou em cena para repovoar aquele
lugar, anteriormente consagrado ao "não-eu", à
"despersonalização".
Precisamente neste ponto, o haicai como experiência
"vivida", coletiva ou individual, começa a alternar a
importância de alguns valores: aos olhos dos "outros"(os
nossos), ele assume a forma de um objeto com valor estético
e poético, porque neste momento está deslocado; porém, entre
os japoneses no Brasil, continua a ser pensado, mesmo que
isto seja anacrônico, como uma experiência coletiva (haiku-
kukais), e por fim o lado individual sendo ressaltado a cada
publicação do Autor no Japão.95

95N. Sato publicou duas antologias no Japão.

83
Se o deslocamento aproximou o haicai da ’’tensão
para a exatidão"96, que norteia o princípio estético de se
pensar a poesia através de Paul Valéry, seguindo a mesma
linhagem de pensamento de Mallarmé, que remonta a Baudelaire
e este, por sua vez, a E.A.Poe, podemos concluir que N. Sato
não escreveu haicais por acaso, embora ele não tenha
conseguido abolir o acaso dos resultados. Assim, se
desenharia um cenário inquietante , cuja principal
característica seria possível localizar nas fronteiras e
limitações de uma teoria viajante.

96Italo Calvino. Seis propostas para o próximo milênio.p .81.

84
A TRADIÇAO DO PRESENTE

Da digestão.
0 apetite, a fome e a sede nos
advertem de que o corpo tem
necessidade de restaurar-se e a
dor, esse monitor universal, não
demora em vir atormentar-nos se
não queremos ou não podemos
obedecer ao sinal.

Brillat Savarin

Nempuku Sato inseriu o haicai japonês no Brasil,


reorientalizando uma tradição. A atividade do autor deve ser
vista como instauradora de uma tradição, sendo os haiku-
kukais um espaço apropriado com a finalidade de desenvolver
esta idéia, pois, nestas reuniões, havia um leque de
possibilidades no sentido de efetivar o controle da produção
dos haicais pelo exercício de uma relação pedagógica.
Desse modo, ele "ensina" e "orienta" o trabalho de
realização do haicai, elegendo um olhar específico, que
deveria ser seguido por todos os seus alunos.

"Faça o haicai mais simples, sem pretensões


de ser brilhante porque o haicai perfeito fica, na
maioria das vezes, afetado. Deixe seu lado simples,
comum, aparecer. Na verdade, è preciso escrever o que
você viu e sentiu, mesmo que lhe pareça tolo, pois, .

85
este é, muitas vezes, o verdadeiro haicai: ele pode ser
capas de tocar o coração das pessoas".97

"Nempuku", em japonês, significa, literalmente,


"pensar com a barriga", convertendo-se assim numa relação
direta ao modo pelo qual os samurais, quando necessário,
cometem o "hara-kiri", ou seja, através de um auto-golpe de
faca na barriga, uma morte exclusiva para guerreiros.
Ninguém havia feito nada semelhante antes de N.
Sato, ou seja, transpor os limites territoriais em companhia
do haicai.Sendo assim, não havia um traçado a ser seguido,
nem tampouco marcas em nenhum ponto. A tradição não existia,
deveria ser reorientalizada.

"0 fundamental consiste em insistir que o


poeta deva desenvolver ou buscar a consciência do
passado e que possa continuar a desenvolvê-la ao longo
de toda sua carreira".98

A reorientação do haicai no Brasil necessitava


desta aproximação ao passado do haicai. Portanto, uma parte
importante da tarefa de Nempuku Sato pautava-se na
capacidade de re-criar as condições que pudessem remeter o
haicai às suas origens.
Para que a experiência de proximidade e contato com
este passado destile emoção e sentimento, torna-se

97 NempuJcu Sato. Nempuku haiwa. Anexos.


98 T.S.Eliot. Ensaios, p. 4 2 .

86
necessário e básico um caminho, semelhante àquele "mu-ga"
exigido do "haikaísta", conhecido como despersonalização.

"Convido-o, portanto, a considerar, através


de uma sugestiva analogia, a reação que se desencadeia
quando uma particula de platina finamente incorporada é
introduzida numa câmax'a contendo oxigênio e dióxido de
enxofre (...) Quando os dois gases anteriormente
referidos são misturados em presença de um filamento de
platina, eles formam ácido sulfúrico(...) todavia, o
novo ácido formado não contém qualquer indicio de
platina, e ela mesma não é afetada, permanecendo
inerte, neutra e inalterada. A mente do poeta é o
fragmento de platina. Ela pode parcial ou
exclusivamente, atuar sobre a experiência do próprio
homem, mas, quanto mais perfeito for o artista, mais
inteiramente separado estará nele o homem que sofre e a
mente que cria..."99

O filamento de platina determina uma separação


rígida da experiência de percepção do passado.Para
T.S.Eliot, a tradição deve ser obtida através do talento
individual, convertendo-se numa conquista, pois assim, o
aspecto linear da tradição, a herança, seria minimizado. A
conquista territorial a que Nempuku Sato deveria proceder,
possuia uma importância vital para que ele pudesse
estabelecer um presente histórico ao haicai. Se, para
T.S.Eliot, o presente não sabe nada além do passado, o
problema de Nempuku Sato possuía um ingrediente a mais: o

99 Id. Ibid.p.43.

87
seu haicai deveria conhecer e articular, junto ao passado, o
presente.
Se pensarmos no esgotamento das experiências do
passado, não sornente relacionadas à literatura, mas também
vinculadas as políticas sociais e modelos econômicos
esvaziados, o que, precisamente, o passado continuaria a nos
fornecer em termos de recomeço histórico? Um modelo a não
mais ser perseguido?
Walter Benjamin problematiza esta questão de
maneira a fornecer uma linha de escape que abandona as
noções negativas do que ele denomina barbárie:

"Surge assim uma nova barbárie. Barbárie?


Sim. Respondemos afirmativamente para introduzir um
conceito novo e positivo de barbárie. Pois o que
resulta para o bárbaro dessa pobreza de experiência?
Ela o impele a partir para a frente, a começar de novo,
a contentar-se com pouco, a construir com pouco, sem
olhar nem para a direita nem para esquerda. Entre os
grandes criadores sempre existiram' homens implacáveis *
que operaram a partir de uma tábula rasa. Queriam uma
prancheta: foram construtores."100

Dessa maneira, o escritor benjaminiano é um


construtor de coisas. A tradição, obedecendo a uma certa
disciplina de recolha diária de fragmentos, torna-se uma

100 Walter Benjamin. Obras escolhidas V.I. pp.115-116.

88
construção, e a tábula rasa desta edificação ganha e perde
sentido a partir da elaboração do passado.
Assim, a educação do jovem Leopardi101 de ítalo .
Calvino102, depois da explosão da biblioteca do conde
Monaldo,103 e o escritor benjaminiano não possuem mais todo
um emaranhado de referências datadas e organizadas do
passado. Ou, de outro modo, possuem; mas, como tratá-las
dentro desta desordem?
Devem proceder a um sem número de redefinições, que
inviabilizam a apreensão linear das coisas, abrem-se ao
futuro, mesmo que de maneira enigmática: o depois é o caos
do presente.
ítalo Calvino pensa a tradição articulada à
organização de sua biblioteca:

"12. Um clássico é um livro que vem antes de


outros clássicos ; mas quem leu antes os outros e
depois lê aquele, reconhece logo o seu lugar na
genealogia.
13. É clássico aquilo que tende a relegar as
atualidades à posição do barulho de fundo, mas ao mesmo
tempo não pode prescindir desse barulho de fundo.
14. É clássico aquilo que persiste como
rumor mesmo onde predomina a atualidade mais
incompatível”.104

101 Escritor italiano citado por I. Calvino. In: Por que ler os clássicos.p.16.
102 Id .ibid .pp.9-16.
103 Id. ibid. Citado por. p. 16.
104 Id.ibid.15.

89
Desse modo, inserindo uma nova organização da
biblioteca e o barulho exterior, e apenas desta maneira, o
jovem Leopardi pode retornar e começar novamente sua
educação, ou seja, ele deve preservar o rumor que, neste
caso, significa a impropriedade de uma definição clara sobre
a absorção da experiência do passado.
O bárbaro se encontra ao lado de Leopardi de forma
parecida. No caso do bárbaro, entretanto, não foi a
biblioteca que explodiu: explodiram as oralidades, que
compunham a experiência do passado.
No caso de Nempuku Sato, o presente deveria
circular em direção ao passado/ Sato necessitava instaurar
uma tradição que fosse capaz de trazer fragmentos do passado
para serem incorporados. Um dos re-começos do haicai pode
ser observado quando Sato re-criou uma parte da experiência
coletiva, ao mesmo tempo em que era individualizada.
Por outro lado, © segundo elemento a se articular
no espaço do vazio da tradição do haicai japonês no Brasil,
refere-se ao componente mais destacado do haicai: o
aprisionamento do presente. Esta característica da nova
condição do homem moderno, de começar do hic et nunc(aqui e
agora), aproxima-se vertiginosamente de uma condenação à
imortalidade enclausurada semelhante àquele "que pensa
antes" :Prometeu105.

105 Prometeu: "aquele que pensa antes", irmão de Epimeteu "aquele que pensa
depois". Mári© da Gama Kury. Dicionário de mitologia, p.339.

90
0 início da destruição dos conceitos, que até então
eram extremamente positivados, talvez deva ser atribuído a
Hegel106, quando, a partir dele, o "presente" se converte
numa contradição continuada entre ser e não ser, e se torna
dialético.

"0 que o verso é aqui para o poeta é para o


filósofo o pensar dialético: é deste que ele lança mão
para fixar-se em seu enfeitiçamento, para
petrificá-lo".107

_ O enfeitiçamento parece retornar fornecendo uma


contradição permanente e inexplicável do presente.

"De Prometeu relatam-se quatro sagas: de


acordo com a primeira, ele, por ter traído os deuses em
favor dos homens, foi preso com cadeias ao Cáucaso, e
os deuses enviaram águias, que comiam do seu fígado
sempre a crescer.
De acordo com a segunda, Prometeu, de tanta
dor diante dos bicos que o atacavam, comprimiu-se cada
vez mais fundo na rocha, até tornar-se uno com ela.
De acordo com a terceira, com os milênios foi
esquecida sua traição, os deuses esqueceram, as águias,
ele mesmo.

106 Refiro-me à crítica hegeliana contra todas as tentativas de hierarquização


dos conceitos. "Quando se acusa o ensaio de falta de ponto de vista, bem como
de relativismo(pois ele não reconhece nenhum ponto de vista externo a ele
mesmo), subjaz a isso exatamente aquela concepção de verdade como algo
"pronto", como um jogo hierárquico de conceitos, noção destroçada por Hegel,
que não gostava de pontos de vista...". C0HN,G.0rg. In: T.W. Adorno, p.182.
107 F. Tlietzsche. Obras incompletas, p.33.

91
De acordo com a quarta, acabou se cansando
daquilo que se havia tornado sem razão. Os deuses
ficaram cansados, as águias ficaram cansadas, a ferida
fechou-se de cansaço.
Restou a inexplicável montanha rochosa.- A
saga busca explicar o inexplicável. Já que ela se
origina de um fundo de verdade, precisa acabar de novo
no inexplicável".108

O favor que Prometeu havia prestado aos homens,


roubando o fogo dos Deuses para favorecê-los, talvez seja
agora cobrado. Um favor injustificável e eterno com preço
infinito: o presente se apresenta nesta perspectiva como uma
surpresa indefinida.

"O homem então projeta seu desejo no


infinito, e encontra prazer apenas quando pode imaginá-
lo sem fim. Mas como o espirito humano é incapaz de
conceber o infinito, e até mesmo se retrai espantado
diante da simples Idéia, não lhe resta senão contentar-
se com o indefinido, com as sensações que, mesclando-se
umas às outras, criam uma impressão de ilimitado,
ilusório, mas sem dúvida agradável".109

íoe Franz KafJca. Nas Galerias, p.53.


109 I. Calvino. Seis propostas para o próximo milênio, p.78.

92
Ou, infinito:

"Conceito que corrompe e altera todos os


demais".110

Quando, depois de tê-la escrito, Esquilo resolveu


encenar a peça Prometeu Acorrentado, ele escolheu o deserto
como palco111, onde somente os deuses poderiam vislumbrar o
espetáculo em que se havia transformado a tragédia da
imortalidade humana. Esquilo buscava, nesta loucura, um
espaço irônico, com a finalidade de atacar os deuses,
através da idéia do infinito deserto em que se havia
tornado a existência; entretanto, a reflexão que permanece
parece sè localizar na irredutibilidade da indefinição,no
inexplicável.
Prometeu seria devorado contínua, diária e
indefinidamente através das vísceras, exatamente no fígado,
que, como sabemos, possui uma enorme capacidade de
regeneração. Além disso, esse estado desregulado do fígado,
produzindo a liberação desordenada de humores, provocaria o
conhecido mal estar da humanidade.Para Karl Marx,

110 J.L. Borges. Citado por I. Calvino. In: Seis propostas para o próximo
milênio.p.83.
ui ver C. M. Bowra. Historia de la literatura griega. pp.67-68.

93
"A história faz as coisas a fundo, e
atravessa várias fases quando leva ao túmulo uma forma
social. A última fase de uma forma da história
universal é a sua comédia. Os Deuses gregos, já
tragicamente feridos de morte no Prometeu Agrilhoado de
Ésquilo, também tiveram que suportar a morte cómica dos
Diálogos de Luciano. Porquê esta marcha da história?
Para que a humanidade se separe alegremente do seu
passado. "112

Portanto, segundo Marx, a história se distancia


"alegremente" do passado através da sua enorme capacidade *
de destruição- que comporta a sua recomposição-, talvez
tenha sido necessário ferir e depois destruir os deuses para
se prender definitivamente ao presente.
Descrevendo um movimento semelhante, vejo o haicai
agarrando-se visceralmente ao presente, isto é, convertendo-
se em uma versão que é sempre um "iniciar" e "re-iniciar"
que não pretende esgotar o instante. Neste movimento, pode-
se encontrar um certo "rumor" do passado, contudo este
"barulho" se manifesta apenas como vaga e distante
lembrança, exatamente porque a experiência do passado, no
caso do haicai, apresenta-se muito mais pela ausência de
fatos e de outros elementos, do que pela presença deles. Em
outras palavras, no caso de N. Sato o passado e a tradição
seriam indissociáveis do haicai, seja significando o
desdobramento da forma haicai, seja pela prática de

112 Karl Marx. Textos filosóficos p.145.

94
presentificaçao do passado, e por últirno, pela tentativa de
re-signíficar o Japão fora do Japão.
Aqui parece ter início a tradição de simplicidade,
de aprisionamento rápido do presente, que se aproxima da
modernidade do "começar” bárbaro .Autor e haicai são fígados
em decomposição e em recomposição .Ve jamos como isto ocorre '
neste caso:

pássaros
remos
rumores113

Neste haicai aparecem três elementos que se


articulam de modo a fornecer a liberdade do vôo, o controle
das margens sobre as águas e os rumores depreendidos desta
tensão: liberdade x controle. A complexidade se torna mais
evidente se aproximarmos a identidade dos movimentos
desenhados pelos remos, na água, e pelas asas, no céu, tendo
nos dois casos um resultado parecido: rumores.
Este haicai dispara em direção ao alvo dois
elementos contraditórios(liberdade do vôo x controle na
água); entretanto, esta dinâmica explosiva não atinge nenhum
objetivo específico(são rumores diferentes) . Talvez seja
parte da intenção.

113 Haicai de W. Sato. Anexos.

95
"Senão de Eléia, discipulo de Parménides,
negou que uma flecha pudesse chegar à sua meta, já que
está imóvel em cada um dos instantes de seu trajeto, e
uma série de imobilidades, ainda que infinita, não será
jamais um movimento. Quatro séculos antes de Cristo,
Diodoro Cronos negou que um muro possa ser demolido:
quando os tijolos estão unidos o muro está de pé,
quando já não estão, o muro não existe. Tais argumentos
não são trabalhosas trivialidades. Diodoro de Cronos,
Zenão de Eléia e Nagarjuna queriam demonstrar que a
realidade é inconcebível e, por conseguinte,
ilusória" .114

Se os elementos tensionados não suportam nos levar


para um lugar definitivo, se a dialética, pela ausência de
retórica, não dá cabo de atingir uma meta especifica, o
estado do haicai é de suspensão do sentido e do presente.
Roland Barth.es detecta esta suspensão observando o
exercício do haicai:

"0 trabalho do haicai é a isenção do sentido


que se consuma através de um discurso perfeitamente
legível (contradição recusada à arte ocidental, que
sabe somente contestar o sentido restituindo seu
discurso incompreensível), de maneira que o haicai não
é para nossos olhos nem excêntrico nem familiar: o
haicai se parece a nada e a tudo: legível, nós o
acreditamos simples, próximo, conhecido, saboroso,
delicado, "poético", numa palavra oferece a todos um
jogo de predicados tranqüilizadores; insignificante,
contudo, ele resiste a nós, perde finalmente os

114 Jorge L. Borges. Buda. pp.71-72.

96
adjetivos que um momento antes lhe atribulamos, e entra
nessa suspensão do sentido, que nos é a coisa mais
estranha, pois torna impossivel o exercicio mais
corrente de nossa fala, que é o comentário."115

Neste ponto, o haicai se aproxima novamente da


inexplicável saga de Prometeu descrita por Kafka :"Restou a
inexplicável montanha rochosa" ou,” (...)Prometeu, de tanta
dor diante dos bicos que o atacavam, comprimiu-se cada vez
mais fundo na rocha, até tornar-se uno com ela".116
Por outro lado, os "rumores" carregam um
ingrediente caótico junto ,à experiência do passado;
entretanto, possuem uma capacidade inominável de encerrar,
mesmo que de maneira incompleta, a ação do haicai; mas, qual
seria a "finalidade" dos "rumores"?

"Fixemo-nos em Hui Tzu.’Era um homem de


muitas idéias.Suas obras seriam suficientes para encher
cinco carros.Porém, suas doutrinas eram paradoxais'.
Afirmava ele que deveria existir penas dentros dos ovos
porque os pintinhos as possuíam; que o cão poderia ser
uma ovelha, porque todos os nomes são arbitrários; que
havia um momento em que a flecha disparada não estava

115 Roland Earthes. L'empire des signes, p.108.No original:"Le travail du


haiku, c'est que l’exemption du sens s ’accomplit à travers un discours
parfaitement lisible ( contradiction refusée à l'art occidental, qui ne sait
contester le sens qu’en rendant son discours incompréhensible), en sorte que
le haikau n ’est á nos yeux ni excentrique ni familier: il ressemble à rien et
ë tout: lisible, nous le croyons simple, proche, connu, savoureux,
délicat,’poétique’ en un mot offert à tout un jeu de prédicats rassurants?
insignifiant néanmois, il nous résiste, perd finalement les adjetifs qu'un
moment plus tôt on lui décernait et entre dans cette suspension du sens, qui
nous est la chose la plus étrange puisqu’elle rend impossible l'exercice le
plus courant de notre parole, qui est le commentaire". Minha tradução.
116 F. Kafka. Nas Galerias, p.53.

97
em movimento e tampouco parada; que, se se colhesse um
pedaço de pau, de um pè de comprimento, e todos os dias
alguém o cortasse pela metade, nunca seria visto o seu
fiin; e que um cavalo e uma vaca eram três, porque,
considerando-os separadamente, eram dois, porém,
juntos, eram um, e um e dois são três. Parecia um homem
que disputasse com sua própria sombra as corridas e que
fizesse ‘ruído para anular o eco. Era um tavão
inteligente, eis tudo. E sua finalidade, qual seria?"117 .

Agindo de acordo com esta forma paradoxal, os


"rumores" procuram anular a tensão, e este procedimento
viabiliza a noção de movimento descrita acima, onde a flecha
não está em movimento, nem tampouco parada: ela não está,
está suspensa, ou se fundiu à "rocha".
Em qualquer uma das alternativas anteriores, o
haicai parece construir um sistema interligado de
significações, mas, logo em seguida, ele nos recusa e
impossibilita qualquer aproximação mais duradoura. Neste
momento, ele desfaz o sistema e se refaz de novo, como o
fígado, e assim de maneira sucessiva, semelhante a um jogo
de irradiação intermitente.
Se neste movimento de difícil apreensão de um
estado puro das coisas se encontra o haicai, não seria por
mero descuido ou displicência o fato de sua égide estar
interligada, de alguma maneira, a uma temporalidade antiga
denominada Aion, que significa, antes de um tempo, uma

117 O. Wilde. Obras completas, p.1301.


sobreposição de espaços intermitentes, os quais retornam, de
maneira eterna, sempre de forma diversa.
Sem dúvida, isto se converte numa espécie de
problema a mais para quem vê o mundo separado, para quem vê
o divórcio das coisas entre si. Novamente retorna o
"presente" de Prometeu, o fogo que queima durante as noites
da eternidade.

"Um vir-a-ser e parecer, um construir e


destruir, sem nenhuma prestação de contas de ordem
moral, só tem neste mundo o jogo do artista e da
criança. E assim como joga a criança e o artista, joga
o fogo eternamente vivo, constrói em inocência-e esse
jogo joga o Aion consigo mesmo. Transformando-se em
água e terra, faz, como uma criança, montes de areia à
borda do mar, faz e desmantela; de tempo em tempo
começa o jogo de novo. Um instante de saciedade: depois
a necessidade o assalta de novo, como a necessidade
força o artista a criar. Não é o ânimo criminoso, mas o
impulso lúdico, que, sempre, despertando de novo, chama
à vida outros mundos. Às vezes a criança atira fora seu
brinquedo: mas logo recomeça, em humor inocente. Mas,
tão logo constrói, ela o liga, ajusta e modela,
regularmente e segundo ordenações internas".118

Devemos,entretanto, obedecer às ordenações internas


da "digestão", daquilo que se vê ou se sente.

118 F. Mietzsche. Obras Incompletas.p.36.

99
Portanto, o "pensar" pelo viés da barriga se nutre,
através do impulso lúdico, da necessidade de criação.

"Não se vive do que se come, diz um velho


adágio, mas do que se digere.É preciso, então, digerir
para viver, e sob o poder desta necessidade se curvam o
pobre e o rico, o pastor e o rei. Mas como são poucos
os que sabem o que fazem quando digerem!”119

Ou, como escreve Shopenhauer:

"E assim como o estômago se estraga pelo


excesso de alimentação e, desta maneira prejudica o
corpo todo, do mesmo modo pode-se também, por excesso
de alimentação do espirito abarrotá-lo e sufòcá-lo".120

Digerindo assim, abrem-se os sonhos dos


"ensinamentos" e "orientações" de N. Sato: "você deve
escrever aquilo que viu e sentiu mesmo que lhe pareça
ingenuidade",isto que se assemelha muito ao observado por
R. Barthes.

"(...)No haicai, se diria, o simbolo, a


metáfora, a lição não custam quase nada: apenas algumas
palavras, uma imagem, um sentimento - lá onde a nossa
literatura pede ordinariamente um poema, um
desenvolvimento ou ( no gênero breve) um pensamento
esmerado, rapidamente um longo trabalho retórico.

119 Brillat Savarin. A fisiologia do gosto. p. 177.


120 A. Shopenhauei:. Sobre livros e leitores, p. 19.

100
Assim, o haicai parece conceder ao Ocidente os direitos
que sua literatura lhe recusa, e as comodidades que ela
lhe suprimia. Você tem o direito, diz o haicai, de ser
fútil, curto, ordinário; de encerrar o que vê, o que
sente dentro de um fino horizonte de palavras, e o que
mais lhe interessar. Você tem o direito de se fundar (
a partir de si mesmo) em sua própria notabilidade; sua
fi'ase, qualquer que seja, enunciará uma lição,
libertará um símbolo, você será profundo; com despesas
menores, sua escritura será plena".121

Manejando este arsenal N. Sato instalou-se no


Brasil, fundando e instaurando uma tradição a partir de si
mesmo.

O que isto poderia querer dizer:

o touro arrasa uma


cerca
de rosas122

121 R . Barthes. L ’empire des signes, p.90. No original."... dans le haiku,


dirait-on, le symbole, la métaphore, la leçon ne coûtent presque rien: à peine
quelques mots, une image, un sentiment-là où notre littérature demande
ordinairement un poème, un développement ou (dans le genre bref)une pensée
ciselée, bref un long travail rhétorique.Aussi le haiku semble donner à
l’Occident des droits que sa littérature lui refuse, et des commodités qu’elle
lui marchande. Vous avez le droit, dit le haiku, d ’être futile, court,
ordinaire; enfermez ce que vous voyez, ce que vous sentez dans un mince
horizon de mots, et vous intéresserez; vous avez le droit de fonder vous-
même (et à partit de vous-mëme) votre propre notable; votre phrase, quelle
qu’elle soit, énoncera une leçon, libéra un symbole, vous serez profund; à
moindres frais, votre écriture sera p l e i n e .
122 Haicai de N. Sato. Anexo.

101
Mais um caso de elementos em tensão(touro x rosas,
encontro intermediado por uma cerca). Este exemplo trata,.
sobretudo, da anotação de um episódio fugaz: um vagabundear
em torno das coisas. Ao contrário do flãneur que lança seu
olhar mordaz sobre a arquitetura da cidade, formando,
recolhendo e construindo uma verdadeira ”arquitextura” do
caminhar despreocupado, N. Sato encontra-se no campo, e
sendo assim, ele se aproxima mais da personagem imaginária
criada por 0. Wilde: Bumbury.123
Bumbury é a justificação para que Algernon
Moncrief f124 saia da cidade em direção ao campo para
desfrutar do andar despreocupado, do vagabundear ao redor da
cidade em busca de estórias, curiosidades e detalhes.
Entretanto, se a cena descrita no haicai acima fosse
observada por Algernon, disfarçado de Bumbury, é provável
que toda ela se sobrecarregasse de informações adicionais,
recheado de um "antes" e ura "depois". Evidentemente não
quero dizer cora isso que o episódio seria desinteressante.
Apenas charão atenção para o papel diferente do "antes” e do
"depois" era ambos os casos: não há espaço no haicai para
comportá-los por inteiro, haverá sempre uma falta. A
distância colabora no sentido de revelar a diferença entre o

-------------------------
123 O. Wilde.Me refiro â peça: A importância de ser prudente.
124 Personagem que inventa Bumbury.

102
olhar ocidental e o olhar oriental. Neste caso, a questão
parece se articular com a leitura:

’’...Quantos leitores ocidentais não sonham em


passear na vida com um caderninho à mão, anotando aqui
e ali as ’impressões’, cuja brevidade garantiria a
perfeição, cuja simplicidade atestaria a profundidade
(em virtude de um duplo mito, um clássico, que fez da
concisão uma prova de arte, outro romântico, que
atribui um prêmio de verdade à improvisação).
Sendo tudo inteligível, o haicai não quer
dizer nada, e é por esta dupla condição que ele parece
oferecer ao sentido, de uma forma particularmente
disponível, prestativa, à semelhança de um hóspede
cortês que lhe permite se instalar, amplamente, em sua
casa, com suas manias, seus valores, seus símbolos; a
’ausência' do haicai(...) chama a subordinação, o
arrombamento: numa palavra, a cobiça maior, a do
sentido” .125

Roland Barthes refere-se ao arrombamento do


sentido, mas, de modo paralelo, poderia falar da
insubordinação histórica da formação de uma tradição. Quero
dizer: N. Sato elabora a ”sua” tradição utilizando-se do

125 R. Barthes. L ’empire des signes, p.89-90.No original: "...Combien de


lecteurs occidentaux n’ont pas rêvé de se promener dans la vie, un carnet â la
main notant ici et là des ’impressions ’, dont la brièveté garantirait la
perfection, dont la simplicité attesterait la profondeur (en vertu d ’un double
mythe, l’un classique, qui fait de la concision une preuve d ’art, l’autre
romantique, qui attribue une prime de vérité à 1’improvisation).Tout en étant
intelligible, le haiku ne veut rien dire, et c ’est par cette double condition
qu’il semble offert au sens, d ’une façon particulièrement disponible,
serviable, à l’instar d ’un hôte poli qui vous permet de vous installer
largement chez lui, avec vos manies, vos valeurs, vos symboles; ’absence’ du
haiku(...) appelle la subornation, l’effracion, en un mot, la convoitise
majeure, celle du sens".

103
material mais nobre do haicai, do "presente” indefinido e
irredutível, que se apresentaria como justificação e
necessidade de criação artística.
O trecho final do livro Seis propostas para o
próximo milénio de I. Calvino, dedicado à rapidez, possui
uma citação em homenagem ao enigma continuado:

"Entre as múltiplas virtudes de Chuang-Tsê


estava a habilidade para desenhar. 0 rei pediu-lhe que
desenhasse um caranguejo. Chuang-tsê disse que para
fazê-lo precisaria de cinco anos e uma casa com doze
empregados. Passados cinco anos, não havia sequer
começado o desenho. 'Preciso de outros cinco anos’,
disse Chuang-Tsê. 0 rei concordou.Ao completar-se o
décimo ano, Chuang-Tsê pegou o pincel e num instante,
com um único gesto, desenhou um caranguejo, o mais
perfeito, caranguejo que jamais se viu".126

Seria o haicai elaborado a partir deste


despreocupado "desperdício", deste consumo exaustivo do
temp o ?
Sua "perfeição" estaria relacionada com esta
supressão, suspensão ou arrombamento do tempo?
Seja como for, nenhum dos dois (N.Sato e o haicai)
parecem se preocupar com a fugacidade do material
"ordinário" em vista- que serve de elemento básico à
composição do haicai-, muito menos com o aprisionamento de

126 I. Calvino. Seis propostas para o próximo milânio.p.67.

104
algum sentido especifico e, do mesmo modo, não se preocupam
com a rapidez do ato, da pincelada plena em que se converte
cada haicai, minimizando assim a memória histórica. Pelo
contrário e paradoxalmente, estes elementos constituem uma
fronteira do ato de realização de cada haicai: são suas
margens como controle do comentário, de onde escapa e se
constrói a liberdade para sua compreensão.

105
COÍJCLOSÃO

envelheço
em qualquer lugar
que eu viva.

Nempuku Sato.

Esta dissertação não pretende esgotar a discussão


sobre o haicai japonês produzido no Brasil, ela é apenas o
inicio deste percurso. Outras leituras devem ser realizadas
para o deciframento deste código fechado e d© dificil
acesso, que mostra um outro aspecto da presença japonesa no
Brasil. Este trabalho é a primeira tentativa de desvendar
uma série de particularidades que envolveram a produção do
haicai de Nempuku Sato. Talvez por isso, a pesquisa tenha se
deparado com descobertas e problemas nunca refletidos
ante riome nt e .
Como procurei demonstrar durante toda a minha
exposição, Nempuku Sato necessitava inserir, adaptar,
aclimatar e instaurar uma tradição para o seu haicai. Numa
palavra: reorienta(liza)va o haicai japonês no Brasil. A
principal marca desta preocupação de reorienta(liza)ção do

106
haícaí no Brasil encontra-se ligada ao mecanismo
desenvolvido por Sato, que remetia o haícaí às suas origens
no Japão.
Estar no Brasil, rnas, ao mesmo tempo, imagínar-se
no Japão, criava uma rua de mão dupla capaz de possibilitar
ao haicai "acomodações" propícias ao novo e desconhecido
território.O deslocamento do haicai de Sato encontra-se
cravado por um componente capaz de fazer o haicai viajar
entre o Ipê e o Sakura. Do mesmo modo, este deslocamento,
proporcionado pela viagem, atribuía ao haicai a necessidade
de circular. Esta circularidade possibilitou ao haicaísta
inventar uma sobrevida para o haicai brasileiro. Desta
maneira, o haicai de Sato fez circular, por longos'quarenta
anos, toda a sua história. Quando necessitou re-colocar o
haicai no campo, quando precisou re-coletivizar a produção
do haicai, quando a viagem do haícaí derivava rumo ao
esquecimento da identidade cultural, quando, enfim, a
reorlentalização estava em jogo, Nempuku Sato lançava-se em
direção ao paraíso natal do haicai, não importando qual
época histórica deveria ser resgatada.
Por exemplo: o haicai do Japão vívido por Sato já
não representava mais um produto do campo; entretanto, no
Brasil, o haicaísta necessitava retornar às origens desta
prática agrícola, que remonta ao século XVII. Dessa maneira,
o paraíso natal do haicai era recriado fora do espaço
original.

107
Fazer o presente circular era direção ao passado, e
do mesmo modo, articular o passado ao presente
desterritorializado do haicai, constituía uma outra parcela
vital do processo de reorlenta(llza)ção. Contudo, esta nova
ordenação das coisas não era semente importante para a
preservação de uma "forma”; pretendia também favorecer os
imigrantes, fornecendo-lhes um contato rápido com o Japão,
que deveria ser lembrado. O haicai representava, neste caso,
a viagem mais curta entre os dois lados do mundo e, além
disso, era um veículo eficaz e permanente para que os
imigrantes japoneses pudessem, através da construção de um
imaginário, estar no Brasil, mas re-criando todo um círculo
de experiências históricas que os aproximava de um Japão, em
parte, imemorável. Sendo assim, o haicai funcionava como um
catalizador de experiências de dois Japão(s): o Japão
tradicional e memoriável, capaz de fornecer subsídios para a
adaptação ao Brasil, embora preservando uma identidade
cultural, deveria ser lembrado; todavia, existia neste
retorno uma parcela do Japão imemorial composto pelas
reminiscências da emigração e das condições sócio-politicas
da virada do século, que, em grande parte, deveria ser
esquecido.
No Japão experimentado por Sato, o haicai havia se
transformado em mais um produto das preocupações
preservacíonístas emergentes daquela sociedade, como era o
caso da abertura do comércio interno, do surgimento das

108
cidades, das jâ evidentes influências ocidentais e,
principalmente, da exposição externa do haicai. Formava-se
assim, todo um emaranhado de implicações existenciais e
estéticas que produziam um efeito enriquecedor para o
haicai, embora também criasse uma forma híbrida de
composíção poética.

Cultive a terra
plantando com suor
um páís de haicais.^^

Nempuku Sato deveria construir um país de haicais


instaurandqP uma emergente tradição para o haicai
brasileiro. Para operacionalizar a tarefa de refletir sobre
um haicai desterritorializado, Sato precisava re-iniciar,
re-começar o trabalho do haicai. Este trabalho era realizado
por Nempuku através do colisão do haicai feito no Brasil com
aquele haicai realizado no Japão. O resultado deste
procedimento é o desenho de um ideograma, que retorna
deformado ao ponto de partida. A plantação de Nempuku Sato
parece que floresceu. O Sakura e o Ipê forneceram seus
primeiros frutos.
Ao contrário da maioria dos imigrantes, Nempuku
Sato jamais se preocupou efetivamente em corresponder ao
imaginário criado, pelos brasileiros, em torno dos

' Haicai de Kyoshi Takahama.

109
japoneses. Exa ura trabalhador, sim, porèrn o seu trabalho,
diante das exigências de uma época desenvolvimentista, -
desaparecia quase por completo.
A sobrevida do haicai parece ter sido conquistada e
garantida, embora Nempuku Sato reconhecesse o
envelhecimento, dele e do haicai, em qualquer lugar que
vivessem.
Nempuku Sato morreu em Bauru-SP, em 197 9, aos 81
anos de idade.

110
BIBLIOGRAFIA DO AUTOR

LIVROS DO AUTQR:

DE HAICAIS

SATO, Nempuku. Nenpuku kushu I. Tokio:Kurashi no Techo,


1953.
--- , Nenpuku kushu II. Tokio: Kurashi no Techo, 1961.

SOBRE HAICAI

--- , Nenpuku haiwa. Tokio: Kurashi no Techo, 1966.

PUBLICAÇÕES DO AUTOR EM REVISTAS E JORNAIS:

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de divulgação de haicais. Bauru-SP: ed. do Autor, 1948-
197 9, 372 números.
--- , Jornal Brasil Jlho. Coluna de divulgação de haicai.
São Paulo.(1935-194 2).
--- , Jornal Paulista. Coluna de divulgação de haicai. São
Paulo.(1947-1977).

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Noticias. Curitiba, 27 de outubro de 1992. Segundo
Caderno, p.pl.
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EM CONGRESSO

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