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Charles Bazerman

TRADUÇÃO: Adail Sobral | Angela Paiva Dionisio


Judith Hoffnagel | Pietra Acunha

RETÓRICA
da ação letrada
Título original: Literate Action. Volume 1: A Rhetoric of Literate Action
@ 2013 by Charles Bazerman
ISBN 978-1-60235-476-0
Indicação editorial: Angela Paiva Dionisio

Direção: Andréia Custódio


Diagramação e capa: Telma Custódio
Revisão: Karina Mota

CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA FONTE


SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ

B348r
Bazerman, Charles
Retórica da ação letrada / Charles Bazerman ; [tradução Adail Sobral,
Angela Dionisio, Judith Chambliss Hoffnagel, Pietra Acunha]. - 1. ed. - São
Paulo : Parábola Editorial, 2015.
200 p. ; 23 cm. (Lingua[gem] ; 66)

Tradução de: A Rhetoric of Literate Action


Inclui bibliografia
ISBN 978-85-7934-079-6

1. Linguística. 2. Escrita criativa. 3. Retórica. I. Título. II. Série.

15-25316 CDD: 401.41


CDU: 81’42

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ISBN: 978-85-7934-079-6
© da edição brasileira: Parábola Editorial, São Paulo, setembro de 2015
Sumário

Introdução .......................................................................................................................7
Capítulo 1 Retóricas da fala e da escrita...................................................13
Capítulo 2 Saber onde se está: o gênero .................................................31
Capítulo 3 Quando se está................................................................................. 57
Capítulo 4 O mundo dos textos: intertextualidade ..............................77
Capítulo 5 Modificação da paisagem: kairós, fatos sociais
e atos de fala ...................................................................................85
Capítulo 6 Motivos, situações e formas emergentes..........................99
Capítulo 7 Estratégias textuais ....................................................................... 111
Capítulo 8 Forma emergente e processos de
formar significação.......................................................................125
Capítulo 9 Significações e representações............................................ 137
Capítulo 10 Espaços e viagens para leitores: organização
e movimento......................................................................................151
Capítulo 11 Estilo e revisão................................................................................ 167
Capítulo 12 Gerir os processos de escrita e o texto emergente...177
Referências bibliográficas...................................................................................... 197

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Introdução

E
screver pode parecer uma tarefa nebulosa. Os escritores parecem
encher páginas em branco com invenções plenas de infinitas possi-
bilidades — de livros de receitas culinárias e manuais de instrução
do mais novo aparelho eletrônico a livros de oração e códigos legais;
de relatórios corporativos sobre mercados emergentes e tratados botânicos
sobre filamentos de folha de árvores decíduas a artigos acadêmicos de cur-
sos de história e diários com questionamentos pessoais. Como as pessoas
fazem essa variedade assombrosa de coisas por meio da escrita? O que
podemos dizer que nos ajudaria a fazer essas coisas mais eficientemente?
De fato, parece tão grande a variedade que um conselho ou análise
gerais parecem quixotescos, e deveríamos enfocar só tipos específicos de
escrita. Pode-se ter condições de dizer algo útil sobre livros de receitas culi-
nárias historicamente desenvolvidos e sobre como cada indivíduo poderia
produzir um livro que dialogasse com mercado comercial dos Estados Uni-
dos no começo do século XXI. Aprendemos coisas sobre escrita técnica e
comercial e sobre redação jurídica que ajudaram a fundamentar a formação
em escrita de profissionais em cada um desses domínios. A pesquisa e a
pedagogia da escrita nos campos transversais, nas disciplinas e nas profis-
sões e no local de trabalho fundamentaram abordagens para desenvolver a
escrita de muitos tipos específicos.
Se a tarefa de escrita for específica o bastante, instruções detalhadas
podem orientar a produção de textos, como preencher apropriadamente

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Retórica da ação letrada

um formulário oficial (pelo menos na versão particular do formulário usa-


do em determinado ano) — especificações bem detalhadas nos dizem o
que devemos escrever em cada campo e nossas escolhas de escrita limitam-
-se a que endereço ou etnia podemos informar. Mesmo que o formulário
contenha uma narrativa mais livre, como em um pedido de bolsa, muitas
vezes, o material que tem de ser apresentado e a ordem na qual deve ser
apresentado são objeto de instruções e regulações. Esse foco estreito ajuda
a orientar nosso trabalho, mas também limita nosso pensamento, nossa
expressão, identidade e engajamentos. Nos casos extremos de preenchi-
mento de formulários, podemos nos tornar vítimas impotentes de defini-
ções e regulações burocráticas.
Não obstante, a escrita pode ser um potente instrumento de pensa-
mento, sentimento, identidade, engajamento e ação. Ao transformar nossos
impulsos em palavras, podemos revelar-nos a nós mesmos e ao mundo, po-
demos participar de importantes debates, movimentos e atividades. Escre-
ver compõe os campos de atuação de nossa época letrada, e cada texto que
escrevemos reivindica um lugar, uma identidade, uma significação, uma
ação nesses campos da vida. Quanto mais pudermos escrever para além
dos limites de prescrições burocráticas repressoras, tanto mais obteremos
o poder de nos definir e representar no mundo letrado.
Mas o problema de escrever parece tão nebuloso que uma vez que
saímos de situações de escrita altamente monitoradas, altamente instruí-
das, podemos rapidamente nos sentir perdidos em alto-mar, sem saber que
direção tomar e sem placas que nos ajudem a nos situar e tomar decisões.
Mesmo que estejamos em liberdade em um pequeno espaço, num poço,
como o é a escrita de um trabalho de final de um curso universitário de
ciência política sobre partidos políticos, sendo informados sobre as ideias a
que devemos nos referir e que casos discutirmos, ainda podemos ter difi-
culdade em saber que direção tomar.
Claro, ao escrever um ensaio para um curso de ciência política, quan-
to mais soubermos sobre ciência política, quanto mais tempo estivermos
no curso e conhecermos o professor, quanto mais trabalhos de ciência polí-
tica tivermos lido e escrito, quanto mais aprendemos o vocabulário e lemos
a literatura da ciência política e os relatos históricos dos partidos políticos,
quanto mais conhecemos os gêneros do campo, tanto mais efetiva e efi-
cientemente podemos realizar a tarefa. Mas permanecem questões subja-
centes sobre o que queremos realizar e como podemos fazê-lo de modos
mais profundamente eficazes; ou seja, não podemos reduzir nossa escrita

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 Introdução

somente a digitar — devemos recriá-la a partir de nossos interesses, recur-


sos, pensamentos e percepções.
O que seria útil nessa e em muitas outras circunstâncias é um
modo de entender nossa situação de escrita e o que poderíamos fazer
com ela — não somente como se escreve geralmente nessas circunstân-
cias, mas como poderíamos transformar as circunstâncias por meio de
nossa participação.
Retórica da ação letrada oferece uma abordagem para a compreensão
de situações de escrita e de como podemos responder criativamente, de
modo profundo e transformativo, ao entendermos mais profundamente o
jogo e nossos movimentos. Os quatro primeiros capítulos oferecem uma
base para identificar e entender as situações das quais surge e para onde se
dirige a escrita. Os quatro capítulos seguintes consideram como um texto
opera para transformar uma situação e realizar os objetivos do escritor à
medida que o texto começa a tomar forma. Os quatro capítulos finais ofe-
recem orientações mais específicas sobre o trabalho a realizar ao levar o
texto à sua forma final e sobre como administrar o trabalho e as próprias
emoções e energias, de modo a realizar o trabalho mais eficazmente.
As sugestões deste livro dirigem-se ao escritor experiente cujo reper-
tório de habilidades seja substancial e que julga ser útil pensar em termos
estratégicos mais fundamentais sobre o que quer que seus textos realizem,
a forma que os textos poderiam tomar, como desenvolver conteúdos espe-
cíficos e como organizar o trabalho da escrita. Embora o livro contenha
alguns comentários que identificam desafios para escritores em desenvol-
vimento e escritores à margem da sociedade em saber como um escritor
pode enfrentar estrategicamente esses desafios, esses tópicos não estarão
no centro da discussão, a fim de manter o foco em escritores experientes
capazes de fazer escolhas estratégicas.
De mesmo modo, discutirei de vez em quando os processos da escrita
colaborativa, problemas com múltiplos públicos e os efeitos de tecnologias
em mudança na escrita, como utilizá-los e qual seu impacto. Contudo,
para manter o mais simples possível um tópico já complicado e multi-
dimensional, vou me ocupar predominantemente das ações de escritores
experimentados que exprimem suas concepções e interesses a leitores, os
quais fazem cada qual uma só leitura, ainda que a partir de suas posições
sociais e organizacionais e de seus interesses. Como deve estar evidente na
apresentação deste volume e na do volume 2, Teoria da ação letrada, a con-
cepção de escrever aqui apresentada é profundamente dialógica, interativa

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Retórica da ação letrada

e social. Mesmo assim, a escrita e a leitura ainda são feitas predominante-


mente em semi-isolamento, situação em que os leitores e os escritores se
dedicam a seus próprios pensamentos diante do texto, muitas vezes du-
rante períodos prolongados. Mesmo em processos colaborativos altamente
interativos, cada participante deve mergulhar em si para entender e avaliar
as significações evocadas pelas palavras inscritas. Além disso, os escri-
tores aspiram a evocar significações1 em leitores individuais, embora os
leitores possam ser parte de grupos ou organizações, e os leitores enten-
dem as significações evocadas como a expressão de um escritor, mesmo
se aquele escritor estiver integrado a complexos processos corporativos.
Seja como for, o que se diz aqui sobre indivíduos pode ser, com cuidado,
aplicado a processos grupais mais complexos.
Finalmente, embora eu vá fazer alguma menção à multimídia e ou-
tras modificações comunicativas que são parte da era digital, o foco estará
na palavra escrita. A palavra escrita ainda tem importância em ambientes
digitais, e vivemos em um mundo formatado pelo letramento. Embora
a revolução digital transforme nosso ambiente social e comunicativo, é
difícil saber exatamente como serão essas modificações mesmo dentro de
algumas décadas. Mas o que realmente parece claro é que a palavra escri-
ta manterá um importante papel no futuro previsível e que as mudanças
sociais vão se desenvolver sobre fundamentos estabelecidos pela trans-
formação letrada dos séculos passados. Portanto, valorizamos aprender
a nos situar no mundo escrito à medida que nos aventuramos em novos
ambientes comunicativos.
Ao fazer sugestões sobre como entender a situação comunicativa em
que se está e agir nela estrategicamente, esta obra segue a longa tradição
de livros de retórica, dos tempos de Aristóteles até hoje, mas com algumas
diferenças substanciais, como discutirei no final do primeiro capítulo. Para
não prejudicar a orientação prática do livro, darei um mínimo de referên-
cias e citarei fontes só quando contribuam diretamente para a exposição
do que sugiro. O volume 2, totalmente documentado, Teoria do ação letrada,
examina as fontes e o raciocínio teórico que embasam a retórica e revela
uma compreensão de língua, enunciado e escrita no âmbito de uma com-
preensão científica social mais ampla dos seres humanos, da sociedade, do

1
Como neste livro o autor não se filia a uma teoria linguística específica e como abor-
da especificamente a linguagem em uso, preferimos traduzir meaning por significação, palavra
por assim dizer mais genérica, comum a várias teorias, em vez de, por exemplo, significado
ou sentido (n. da trad.).

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 Introdução

conhecimento, das comunicações e do letramento. Embora não haja corres-


pondência exata entre os tópicos e capítulos dos dois livros, a introdução
do volume 2 identifica capítulos em que algumas ideias do primeiro volu-
me são elaboradas no segundo.
Eu gostaria de agradecer a muitas pessoas que ao longo dos anos in-
teragiram com as ideias emergentes aqui expressas. Gostaria de agradecer
especialmente a Anis Bawarshi, Joshua Compton, Christiane Donahue, Da-
vid Russell, Sandra Tompson e aos pareceristas anônimos da WAC Clea-
ringhouse por suas leituras e comentários ponderados sobre os esboços de
capítulos de ambos os volumes. Por fim, tenho gratidão infinita a minha
parceira de mais de quarenta anos, Shirley Geoklin Lim.

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Retórica da ação letrada

R
etórica da ação letrada presta significativa contribuição aos estudos
entre si. Elas também se alinham aos padrões de fala de cada discurso —
da escrita. Obra de um dos mais instruídos e visionários acadêmicos
alternam turnos, adotam ritmos e entonações semelhantes e coordenados,
nesse campo,
ajustando-se este livro
aos sotaques representa
e dialetos umas uma das mais
das outras (Chafe,radicais articula-
1994). Além
disso,
ções dosalinham-se
fundamentos às significações
da escrita umas
atédas
hojeoutras projetadas noDiante
apresentadas. espaço pú-
de um
blico da conversação. Assumem referentes, temas e conhecimentos
contexto de ensino da escrita obstinadamente conservador, que ainda comuns
introduzidos na conversação por falantes anteriores, adotam a confirmação
aborda a escrita como mera questão de seguir regras, Bazerman explora
mútua de pressupostos (Sacks, 1995). Tomam o que se disse como dado
muito mais profundamente os processos psicológicos e sociais dos quais
— como significação e como ação. Na verdade, a partir da maneira como
a escrita emerge
se apropriam e com
e usam os se
o que quais é elas
disse, preciso sincronizá-la.
interpretam Dando a devida
retrospectivamente e
criam aa significação
atenção elementoscontínua de enunciados
como tempo, postura prévios.
e ação, ao lado de gênero,
O alinhamento é tão crucial para a manutenção
intertexto, processo e outros conceitos fundamentais, da aconversação
obra oferece que um
as pessoas restauram regular e consistentemente a conversação quando
novo caminho para enfrentar os dilemas da escrita a partir de um trata-
sentem que houve alguma violação que vai interromper o fluxo, o alinha-
mento
mentodasocial
questão dos honesto e inovador.
participantes ou a coordenação mútua de significações
(Schegloff et al., 1977). A menos que seja restaurada, a conversação pode
Bazerman propõe
desfazer-se, e os aqui uma nova
participantes teoria da escrita
se desconectarem. e da
Essas retórica, ao
restaurações po-con-
demacorrigir
ceber escritaequívocos,
como uma como quemdeeraatividade
forma objeto dasocial
discussão, mas também
situada, tipicamen-
podem implicar
te deslocada recuar diante
no tempo de algo posto
e no espaço. anteriormente
Por conta no espaço com- a
desses deslocamentos,
partilhado da interação. Dizer que algo era só uma brincadeira ou que não
compreensão de gênero e de sistema de atividade são fundamentais para
é realmente importante indica que as pessoas não deveriam se ocupar do
queque
osfora
escritores possam
mencionado, construir
à medida que aainteração
situaçãoavança.
comunicativa. Retórica da
Por meio
ação letrada do alinhamento
[ao lado de Teoria da de ação
atividades de fala,
letrada] referentes,
é a maior papéis e do
contribuição
relações
autor, apósinteracionais,
quarenta anos os de
participantes
pesquisasdasobrefala criam um espaço mutua-
a escrita.
mente reconhecido de interação, que tem sido chamado de footing (Goff-
man, 1981) ou frame (Goffman, 1974; Tannen, 1993). O footing ultrapassa
o reconhecimento do espaço físico e do grupo de participantes nos quais
se está inserido, a fim de lhe conferir determinada caracterização ou forma
social. Assim, pela modificação da postura ou mediante poucas palavras,
alguém pode reorientar a atenção de um grupo envolvido numa discussão
política para um momento compartilhado de risos satíricos, e depois para
uma discussão sobre histórias em quadrinhos. Ou então, se uma pessoa
indica com gestos faciais que ouviu comentários de outra como um insulto,
todos os olhos se concentram no conflito social e deixam de lado a subs-
tância da discussão. Essa reorientação de uma espécie de cena para a outra
é facilitada porque conseguimos reconhecer espécies padronizadas de ce-
nários sociais, interações e enunciados. Vemos eventos como semelhantes
a outros eventos e os reconhecemos como um tipo ou gênero.
As compreensões sociais evocadas nos frames mediados pela fala po-
dem até modificar a percepção e a definição do evento material visível

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