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Telejornalismo no Brasil

Jaciara Novaes Mello


Faculdade Santa Amélia SECAL

Índice dades do público-alvo. Em tempos de glob-


alização, como destaca Ramonet (1999, p.
1. Os Telejornais Brasileiros através dos 26) a televisão assume o poder, não apenas
Tempos 3 como a primeira mídia de lazer e de diver-
2. Referências Bibliográficas 10 são, mas também, agora, a primeira mídia da
informação. Considerando que a televisão é
que dita a norma e obriga os outros meios,
Os anos da década de 1950 surgem como
em particular a imprensa escrita, a segui-la,
uma virada na história da comunicação com
Ramonet registra que:
a chegada da televisão no Brasil. Nesse con-
texto, a história do jornalismo brasileiro se Se a televisão assim se impôs, foi não só
confunde com a da TV que começou suas porque ela apresenta um espetáculo, mas
transmissões em 18 de setembro de 1950. também porque ela se tornou um meio de
Naquela época, o dinamismo do jornalista informação mais rápido do que os outros,
Assis Chateaubriand dá um novo símbolo tecnologicamente apta, desde o fim dos
para o país com a inauguração da PRF-3/TV anos 80, pelo sinal de satélites, a transmi-
Tupi, Canal 3 de São Paulo, canal que trans- tir imagens instantaneamente, à veloci-
mitia para pouco mais de 100 televisores na dade da luz Tomando a dianteira na hi-
cidade de São Paulo. erarquia da mídia, a televisão impõe aos
No dia seguinte ao da inauguração, 19 outros meios de informação suas próprias
de setembro de 1950, a TV Tupi trans- perversões, em primeiro lugar com seu
mite o primeiro telejornal do Brasil “Ima- fascínio pela imagem. E com esta idéia
gens do Dia” que mostrava imagens bru- básica: só o visível merece informação; o
tas (sem edição) dos acontecimentos daquele que não é visível e não tem imagem não
dia. Com comando de Maurício Loureiro é televisável, portanto não existe midiati-
Gama, o telejornal durava o tempo que fosse camente. (1999, p. 26-27)
necessário pra a transmissão de todos os
fatos e imagens. Para estar sempre na frente e a acompan-
Daquela data até hoje, o telejornalismo foi har de perto os acontecimentos de impacto
conquistando o público brasileiro e se ad- nas sociedades, os telejornais mudaram e
equando às novas tecnologias e às necessi- exigiram das emissoras o investimento em
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equipamentos de última geração e a con- séptico, onde os mitos da imparcialidade e


tratação de profissionais qualificados. Na ve- da objetividade são defendidos como ver-
locidade das mudanças na história e na tec- dades inabaláveis até hoje. Registrando que
nologia, os profissionais do telejornalismo o Brasil é um país onde há sérios problemas
precisam caminhar rápido para não perder de de desigualdades sociais, Piccinin (2008)
vista as novas tendências dos meios de co- assinala que o consumo e a referenciação aos
municação de massa. Hoje, para cobrir os mídia se torna ainda mais evidente, princi-
acontecimentos locais, estaduais, nacionais palmente a televisão.
e internacionais, os telejornais vão à beira Por isso, observa Piccinin, a TV é o cen-
de seus limites e, a partir de formados par- tro de excelência – “está na sala e no lugar
ticulares, que seguem as exigências de cada mais privilegiado da estante”. No registro
emissora, tentam levar o mais rápido e com da sedução da televisão, o texto de Piccinin
a qualidade exigida o acontecimento para o aponta que o Brasil conta com 53 milhões
seu público-alvo. de aparelhos de televisão, segundo dados de
No início de sua história, a linguagem do 1999, o que representa uma média de um
telejornal era mais próxima à do rádio. As aparelho para cada três pessoas. Nessa força,
frases eram longas e traziam muitos detalhes há um variado painel de atrações que pas-
sobre os assuntos enfocados. Na transmissão sam por programas de auditório, filmes, te-
da notícia, o locutor passava os acontecimen- lenovelas e o telejornal. Para Piccinin, o tele-
tos como eles ocorriam e dava ao conteúdo jornal tem um grande poder de penetração e
todos os detalhes e adjetivos possíveis. Por referenciação para os seus usuários. Ela diz
esse quadro, o programa de maior sucesso da que “é especialmente através dessa institu-
década de 1950 o “ Repórter Esso” se trans- ição telejornal, que se apresenta como porta-
formou num grande sucesso na TV. O ícone voz dos acontecimentos no país e no mundo,
do rádio foi transmitido pela primeira vez na que muitos brasileiros pensam tomar conta
TV, em 1º de abril de 1952, apresentando 33 dos principais fatos e notícias que se suce-
minutos de duração. Com a frase “Aqui fala dem no dia”.
o seu Repórter Esso – testemunha ocular da Nesse envolvimento com o telejornal, o
história”, o gaúcho Gontijo Teodoro coman- brasileiro e, grande parte dos telespectadores
dava o programa. Ao longo de 18 anos, essa do mundo, traz em sua apreciação o jornal-
chamada colocava os brasileiros na frente da ismo “tomado pela cartilha americana, que
TV. trabalha sempre em defesa da objetividade e
Tratando das origens históricas do telejor- da imparcialidade” (PICCININ, 2008). Isso
nalismo, Piccinin (2008) aponta que nessa porque a televisão brasileira e de muitos out-
trajetória há dois caminhos distintos entre a ros países do globo tem produção jornalís-
Europa e os Estados Unidos. Ela explica tica inspirada na televisão americana. Para
que esses caminhos nasceram de modelos exemplificar, Piccinin (2008) fala do “Jor-
de televisão diferentes, observando que en- nal Nacional” que é um marco no contexto
quanto a Europa praticava o jornalismo en- brasileiro. Citando Mattos, 2000, p. 126, a
gajado, partidário, analítico, os americanos autora comenta que:
criavam a escola do jornalismo “clean”, as-

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Telejornalismo no Brasil 3

Desde seu advento, na década de 50, a ais da área do jornalismo abandonassem


televisão brasileira tem sofrido a influên- a carreira para sobreviver à censura e às
cia americana, tanto na estrutura comer- punições.
cial como na produção importada dos Es- Com a decadência da Ditadura Militar,
tados Unidos não apenas programas, mas a partir de 1983, a TV foi ganhando cada
idéias, temas, roteiros e técnicas admin- vez mais espaço e se consolidando como
istrativas. o veículo de comunicação com forte apelo
junto ao público. O estilo do telejornal se
Qual é o traço característico do Jornal Na- aproximava cada vez mais do modelo amer-
cional? A resposta segue a história do tele- icano. Era uma bancada de apresentadores
jornal que surgiu como um programa de in- que iam “chamando” as reportagens simul-
tegração nacional, transmitindo o seu sinal taneamente. A maioria dos primeiros apre-
do telejornal, pela primeira vez, de norte ao sentadores de telejornais veio do rádio para
sul do país. Como no decorrer da ditadura se consagrar junto ao público telespecta-
militar (1964-1985), houve grandes investi- dor. A chegada do videotape (equipamento
mentos tecnológicos na área, a exemplo do que gravava imagens que seriam transmi-
pioneiro sistema de transmissão de satélite tidas posteriormente em fitas VHS) permi-
e microondas da Embratel (Piccinin, 2008), tiu que as emissoras colocassem dinamismo
o Jornal Nacional teve impulso com o pa- em seus telejornais que chegavam ao público
trocínio do governo militar. Assinalando com linhas mais interessantes e completas.
que o modelo do telejornalismo brasileiro Na medida em que os avanços tecnológi-
se traduz na produção do jornalismo “clean” cos eram introduzidos nas emissoras, os
americano, Piccinin aponta que, a exemplo telejornais ganhavam mais atrativos para
do Jornal Nacional, todos os outros elejor- conquistar a audiência e a fidelidade dos
nais da Rede Globo têm o comprometimento telespectadores. A chegada da internet,
com a cartilha americana. por exemplo, na década de 1990, permitiu
Portanto, na época da Ditadura Militar, que os programas telejornalísticos disponibi-
nos anos 1960, pouco tempo depois de ter lizassem, ao poucos, o conteúdo diário dos
nascido o telejornalismo do Brasil, havia a telejornais em suas páginas na rede. Essa
necessidade do cuidado no uso das palavras, ação contribuiu para o aumento do fluxo de
uma vez que as questões políticas poderiam informações entre o público.
influenciar positiva ou negativamente para os
telejornais e suas emissoras. Quando alguém
se atrevia a ultrapassar a linha da ditadura,
1. Os Telejornais Brasileiros
apresentando notícias “inconvenientes”, es- através dos Tempos
tava sujeito ao risco de perder o direito de Na trajetória do jornalismo brasileiro,
transmissão de telejornais. Eram tempos torna-se necessário citar o “Telenotícias
difíceis, quando os repórteres eram punidos Panair”, que surgiu em janeiro de 1952, na
duramente sempre que ultrapassavam o lim- emissora Tupi de São Paulo. Produzido pela
ite do “poder” e incomodavam os militares. equipe de jornalismo da emissora, o jornal ia
A repressão fez com que muitos profission-

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ao ar todos os dias, às 21 horas. Mas, como orais e passaram a ter mais ilustrações. Esta
registrado em momento anterior, o “Repórter possibilidade aumentou o ‘poder de sedução’
Esso”, que foi considerado o marco do tele- dos noticiários sobre o telespectador.
jornal na história da televisão brasileira, en- As emissoras brasileiras intensificaram a
traria no ar mais tarde, primeiramente, com presença dos telejornais em sua grade de pro-
transmissão da Tupi do Rio de Janeiro, ap- gramação somente na década de 1960. Na
resentado por Gontijo Teodoro e depois, em época, mais avanços tecnológicos entravam
1953, passa a ser transmitido pela Tupi de nas emissoras e o país inaugurava a sua nova
São Paulo. capital, Brasília. No âmbito dessa mudança,
Por 18 anos, ‘O Repórter Esso’ foi refer- entra o “Jornal de Vanguarda” pela TV Ex-
ência para os telejornais implantados em out- celsior. Os jornalistas eram os produtores
ras emissoras. No início, o telejornal ap- do jornal e na sua apresentação havia cro-
resentava as notícias no formato do pro- nistas especializados em cada editoria. Entre
grama de rádio que originou a sua criação. eles, destacavam-se Newton Carlos, Villas-
Como os profissionais não estavam ambi- Boas Correia, Millôr Fernandes, João Sal-
entados com a televisão e os equipamentos danha, Gilda Muller e Stanislaw Ponte Preta
para gravar e transmitir imagens boas eram – com seus comentários satíricos sobre a re-
raros, o telejornal não era interessante em alidade brasileira, entre outros (REZENDE,
seu começo. Isso porque era composto ba- 1985, p. 107).
sicamente de textos e com poucas imagens. Vindos do jornal impresso, esses profis-
Estas chegavam com até 12 horas de atraso sionais levavam a sua experiência para a tele-
e, quando davam suporte à notícia, o tele- visão. Surgiam também as vozes de Luis Ja-
spectador, muitas vezes, já tinha se desinter- tobá e Cid Moreira que marcavam e comple-
essado pelo assunto. Barbosa Lima (1985, mentavam a qualidade do telejornal. Neste
p. 9) registra que “todos os telejornais eram universo, a qualidade da seleção das im-
parecidos: uma cortina de fundo, uma mesa agens, o texto dinâmico e o formato que
e uma cartela com o nome do patrocinador”. se diferenciava dos outros telejornais, fiz-
Como se sabe, a televisão exerceu fascínio eram do ‘Jornal de Vanguarda’ um grande
sobre os brasileiros, mas apesar disso, os sucesso de audiência na década de 1960. Por
noticiários não se destacavam na progra- seu formato inovador, o programa recebeu,
mação das emissoras. A televisão perdia em 1963, o reconhecimento internacional
para o rádio na rapidez da notícia. Naquela com a conquista do prêmio “Ondas” (Es-
época, os aparelhos de televisão eram raros panha), sendo destacado como um dos mel-
(um luxo) e, por essa razão, as críticas feitas hores telejornais daquele ano. Considerado
aos telejornais ficavam restritas a uma pe- um dos maiores teóricos da comunicação, o
quena parcela da população. Mas, o cenário canadense Marshall MacLuhan usou o tele-
começou a mudar quando o patrocinador do jornal como exemplo em suas aulas de co-
‘Repórter Esso’ firmou apoio ao jornal junto municação.
a uma agência de notícias norte-americana, a Por esbarrar em questões políticas e mil-
United Press Internacional. Com o acordo, itares que ferviam nos tempos da Ditadura
as matérias deixaram de ser basicamente Militar, o Jornal de Vanguarda saiu do ar

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Telejornalismo no Brasil 5

por decisão de seus produtores depois do o fim do “”Repórter Esso” da grade da pro-
Ato Institucional n° 5, antes que morresse gramação da TV Tupi, que na época estava
aos poucos, a exemplo de outros telejor- próxima da falência. O jornal que marcou
nais da época. A censura colocou locutores uma época encerrou a sua trajetória em 31
no lugar dos jornalistas nos telejornais. O de dezembro de 1970. Era um tempo em que
texto jornalístico passou a ser simplesmente o telejornalismo brasileiro vivia um dilema
lido e não fugia do modelo que chegava nas – crescer ou morrer. Das primeiras transmis-
redações. O modelo norte-americano passa a sões de notícias, havia passado 20 anos e a
ser copiado de forma integral. força do Jornal Nacional contrastava com a
Mesmo com o surgimento de câmeras decadência do Repórter Esso.
mais leves e do videotape, prevalecia, ainda, A TV ‘Bandeirantes’ apresentou o tele-
uma forte influência radiofônica e, como jornal “Titulares da Notícia”, na década de
apontam os historiadores, isso “atrapalhava” 1970. Era um formato em que a princi-
o desenvolvimento do principal potencial da pal atração não era em tempo integral as
televisão: a imagem. Tratando da qualidade notícias, apresentadas por Tonico e Tinoco,
oferecida pelos produtores dos telejornais, no interior de São Paulo. Na busca de
Luís Beltrão (REZENDE, 1985, p. 1008), vencer os problemas vividos com fim de O
critica: Repórter Esso, a TV Tupi criou a Rede Na-
cional de Notícias. O programa era trans-
Esta forma de expressão da TV – pela im- mitido diariamente para várias capitais do
agem e só subsidiariamente pela palavra país. A identidade do programa se traduzia
– é que tem sido ignorada pelos ed- no cenário que colocava os apresentadores
itores do telejornalismo brasileiro, re- em primeiro plano, destacando ao fundo a
duzido a um rádio jornalismo televisado sala de redação.
pela leitura de notícias ou a um misto Com a preocupação de selecionar assun-
de jornalismo falado, impresso e cin- tos voltados para os problemas da sociedade
ematográfico. (BELTRÃO, 1967, p. e com atenção ao depoimento de pessoas,
1003). o noticiário tinha como expectativa a con-
quista do público. Fernando Pacheco Jordão
Quanto à falta de interesse dos produtores foi o editor do noticiário que, em pouco
e das emissoras em explorar o potencial da tempo, se tornou o programa líder de au-
televisão, vale destacar a posição do crítico diência da emissora. Naquela época, a in-
de TV Luís Lobo que condena as emisso- tolerância política minava as iniciativas que
ras, dizendo que “ler um papel em frente às contrariavam o regime. O telejornal visava
câmeras não é informar. Mostrar uma foto ao interesse popular nas áreas sociais, políti-
que todo mundo já viu também não é. Jor- cas e econômicas. Em substituição a Fer-
nalismo de televisão tem de ser muito mais. nando Pacheco, a emissora trouxe Wladimir
(LOBO, 1969, in REZENDE, 1985, p. 108). Herzog que assumiu a editoria do telejornal,
Para o final da década de 1960, dois fa- em 1974. Mas, no ano seguinte, o jornalista
tores seriam significativos para o jornalismo pagou com a vida por ousar praticar os seus
brasileiro: a criação do “Jornal Nacional” e ideais na profissão em tempos de ditadura.

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Naquela época, ainda, a equipe de jornal- Apesar de não estar na história como a
ismo da TV Cultura reformulou o telejornal “criadora” do telejornalismo brasileiro, a
“Os Titulares da Notícia” . No jornal, além Globo acabou ditando as regras de como
do espaço para os depoimentos populares e fazer o telejornalismo. A emissora ligou
a preocupação com o interesse público, a re- o texto à imagem, e traduziu nos telejor-
forma permitia que os jornalistas produzis- nais um formato mais interessante para o
sem as notícias que iriam apresentar. Foi um público. Nessa adequação, o fator princi-
momento importante para o telejornal que pal foi que a emissora introduziu as modi-
tinha mais credibilidade. Mais do que a pre- ficações sem improvisos. Outro ponto fun-
sença de um locutor, as informações eram damental para a ascensão da Rede Globo
transmitidas por que acompanhou e registrou refere-se aos horários rígidos para a exibição
os fatos. dos seus programas.
A emissora que mais se beneficiou dos Para manter a audiência do Jornal Na-
avanços tecnológicos introduzidos na tele- cional que antecedia o horário da novela das
visão brasileira, na década de 1970, foi a “oito” , a Globo escolhia um apresentador de
Rede Globo, que na época implementou o boa voz e com aparência de galã, para captar
“padrão global”. Dos programas veiculados a atenção das mulheres que representavam
pela emissora, o que mais destacava essa ori- a maioria dos telespectadores. Era manter
entação era o “Fantástico – o Show da Vida”, o público feminino fiel durante e depois do
que iniciou a sua história em 1973. Criado JN. Para tanto, a emissora contratou o ex-
por Bonifácio de Oliveira, o programa, que periente Cid Moreira, que, havia destacado
venceu o tempo, era uma combinação ho- o seu potencial na apresentação do ‘Jornal
mogênea de entretenimento e jornalismo e Vanguarda’. Ele permaneceu à frente do JN
se traduziu numa mudança na programação por mais de 15 anos.
televisiva para as noites de domingo.
Nos anos 1970, a Globo investiu no ap- Cabelos prematuramente grisalhos, ar
rimoramento de sua linha de programação. concernido, voz de barítono a baixo con-
Entretanto, a preocupação com a beleza dos forme as necessidades, a presença diária
cenários e dos apresentadores comprometia de Cid é um exemplo raro de neu-
o desenvolvimento do jornalismo na emis- tralidade no sentido de constância, ho-
sora. mogeneidade e monotonia (único tom)
que ele “imprime” a qualquer notícia,
[...] Porém o cuidado com a forma de ressaltando o tomo pela rigidez de pos-
apresentação das notícias – visível na tura. À leitura, os olhos postos no miolo
escolha dos cenários, dos locutores, na da lente da câmera, ou seja, no telespec-
qualidade das imagens e na edição das tador em casa. (GLEISER, 1983, p. 31-
matérias – tinha, por seu lado, suas com- 32, in: REZENDE, 1985, p. 114).
pensações. A mais importante era a pos-
sibilidade de cada vez mais adequar-se Com a rígida censura militar dos anos
às potencialidades de linguagem da tele- 1960 e 1970, as emissoras que mantinham
visão. (REZENDE, 1985, p. 113) telejornais em sua grade eram forçadas a

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ocupar a falta de notícias com programas de e teve reconhecimento com o prêmio da As-
entretenimento, a exemplo da Rede Globo. sociação de Críticos de Arte de São Paulo.
Por não ter liberdade para a produção das Enquanto isso a Globo investia no tele-
notícias, o jornalismo brasileiro estava per- jornalismo e aumentava seus lucros com a
dendo o contato com a realidade brasileira. publicidade. Nesse esforço, a criação de
Diante desse quadro, Luís Fernando Mar- novos telejornais foi imediata. Surgiram,
condes, editor de jornalismo da Globo, dizia nesta época, o “Hoje” que era transmitido no
que “em telejornalismo não se podia esperar horário do almoço; e outra atração da área
conteúdo, mas sim superficialidade. Infor- que era apresentada no final da noite e que
mações que dessem apenas para uma con- teve vários títulos, a exemplo de “Amanhã”,
versa banal entre as pessoas”. (ECA/USP, “Painel”, “Jornal da Globo” e “Segunda
1978). Edição do Jornal Nacional”.
Na busca de driblar a censura do regime Para o começo da manhã, a emissora criou
militar, a emissora reforçava as coberturas o “Bom dia São Paulo”. A partir dessa ini-
internacionais. A situação de patrulha rígida ciativa, as afiliadas da Globo criaram os seus
somente iria começar a mudar e lentamente, telejornais regionais. Depois de alguns anos,
no início dos anos de 1980. Fernando entra no ar o “Bom dia Brasil” que é trans-
Barbosa Sobrinho transformou o programa mitido até hoje.
semanal da TV Tupi “Abertura” em um Para aprofundar mais os assuntos de in-
marco desse novo tempo. No ‘Abertura’, teresse público, ainda na década de 1970, a
a emissora tinha como principal atração a Globo criou o “Globo Repórter” que, em lin-
presença de exilados políticos pela força do guagem jornalística, aprofunda assuntos que
regime militar, como Darci Ribeiro, Luís não têm o espaço necessário para detalhes
Carlos Prestes e Leonel Brizola. O programa nos telejornais da emissora, principalmente
tinha uma audiência homogênea e um desta- no JN. Nessa linha, surgiram o já extinto
cado estilo jornalístico, mas acabou desa- “TV Mulher” e o “Globo Rural” que tem um
parecendo com a falência da Tupi, em agosto público fiel nas manhãs de domingo.
de 1980. À medida que a censura ia perdendo força,
Neste mês, ainda, Fernando Barbosa no início dos anos de 1980, outros pro-
Lima, na busca de manter o jornalismo que gramas jornalísticos marcavam o seu tempo
era a sua referência, criou o “Canal Livre”, na história, como o “Vox Populli”, na TV
na Bandeirantes, mediado por Roberto Cultura, o “Encontro com a Imprensa”, na
D’Ávila. Também passaram pelo programa Bandeirantes; e o “Diário Nacional, na TV
Marília Gabriela e Sílvia Popovic. O ‘Canal Record. Entre os programas de entrevistas e
Livre’ tinha, também. a participação de Sar- debates ao vivo, a Globo registra uma tenta-
gentelli, em off. Em tempos em que a cen- tiva frustrada, o semanal “Globo em Revista”
sura ainda não tinha acabado, pelo menos que saiu do ar após alguns meses.
na prática, o ‘Canal Livre’ levava, semanal- A Bandeirantes abriu espaço para novos
mente, um entrevistado do ambiente político. programas jornalísticos, em 1981, o “Va-
O programa ficou no ar até setembro de 1983 riety”, “ETC”, “Outras Palavras”, “Basti-
dores”, “Nova Mulher” e “Crítica e Au-

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tocrítica”. Este último teve um tempo especialistas da área, os telejornais de fi-


maior no ar e os outros desapareceram em nal de noite, por exemplo, perderam a opor-
pouco tempo (ficaram apenas como uma tunidade de ousar nas notícias e nos co-
contribuição para a fase pós-censura). O mentários especializados que começavam a
surgimento do sistema de redes, nas décadas ganhar destaque nos telejornais. Somente,
de 1970 e 1980, contribuiu para a quali- aos poucos, os jornalistas retomaram o seu
dade técnica dos programas. Neste tempo, papel de apuradores dos fatos mas, ainda,
a maioria das emissoras regionais deixa de dividindo espaço nos jornais com nomes
produzir seus programa e passa a retransmi- consagrados, como Cid Moreira e Sérgio
tir os destaques das emissoras de São Paulo Chapelin.
e Rio de Janeiro.
Os acontecimentos regionais perderam a 1.1. As Caixas que Geravam
força e dificilmente tinham espaços em rede
nacional – somente eram notícia em situ- Imagens
ação de catástrofe ou de fatos pitorescos. Na Durante a década de 1980, nasciam a Rede
época, principalmente aos sábados, as notí- Manchete, do Grupo Bloch; e o Sistema
cias do interior tinham pouca atenção nos Brasileiro de Televisão (SBT), de Sílvio San-
telejornais, que neste dia traziam conteúdos tos. Estas emissoras surgiram para concor-
mais leves. rer com a Globo, emissora de forte poder
No final dos anos 1980, a censura já havia político. Com idéias novas e audaciosas,
acabado e os veículos de comunicação, prin- O grupo Bloch apostou no jornalismo para
cipalmente a televisão, ainda não tinham as- quebrar a hegemonia da Globo. A emis-
similado os caminhos para lidar com essa sora abriu duas horas de telejornalismo no
liberdade. A Rede Globo, por exemplo, per- horário nobre para conquistar camadas do
manecia centrada na escolha de apresenta- público “A” e “D” . O telejornal da Rede
dores com a preocupação de não compro- Manchete seguia modelos europeus e norte-
meter a situação de destaque da emissora. americanos.
O padrão global aplicava-se, ainda, na parte Com direção de Edgar de Andrade, Zevi
técnica e na embalagem das notícias, sem Ghiveslder e Mauro Costa, o Jornal da
atenção na qualidade dos conteúdos. Para Manchete chegou a alcançar oito pontos no
esse momento crítico da Globo, Armando IBOPE. Essa marca impediu que a Globo
Nogueira registra: chegasse a 100% de audiência com a nov-
ela “Roque Santeiro”, de Dias Gomes. Na
Foi essa implacável marcação da ditadura
Manchete, o programa “Conexão Interna-
que nos levou a esquecer da batalha do
cional” também se destacou pela sua qual-
conteúdo e tentar descobri os encantos da
idade de conteúdo. O programa tinha di-
forma nesse veículo. Trabalhávamos em
reção de Walter Salles Júnior e era produzido
cima da técnica e da estética, deixando
pela empresa independente “Intervídeo”, de
de lado, um pouco, a ética de fazer jor-
propriedade de Fernando Barbosa Lima. No
nalismo. (REZENDE, 1985, p. 120)
programa, Roberto D’Ávila comandava en-
Como resultado dessa situação, segundo trevistas com celebridades do mundo. Em

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1986, o “Conexão Internacional” conquistou manifestações fizessem parte das comemo-


o prêmio Rei da Espanha, por seu conjunto rações pelos 430 anos de São Paulo. Mesmo
de entrevistas. diante dessa posição, alguns jornalistas, can-
Na questão âncora, Boris Casoy afirma tores e atores da emissora estiverem na Praça
que Joelmir Beting foi o primeiro jornal- da Sé e em outras manifestações pelas dire-
ista a desempenhar esse papel no telejornal tas, ignorando a força do patrão (padrão) e
brasileiro, na Rede Bandeirantes. Sobre sua levando em frente o seu direito político como
experiência como âncora, Beting observa: cidadãos.
Tancredo Neves foi eleito presidente, após
Fui durante cinco ou seis anos o âncora os tempos militares. Mas, no dia anterior
da Bandeirantes, onde a gente editava o à posse ficou gravemente doente e morreu
jornal no ar, na marra. Era uma an- em 21 de abril. Aqui começou uma das
coragem cirúrgica, porque às vezes eu maiores coberturas jornalísticas da televisão
tinha dois minutos de vazio no jornal e brasileira. Na cobertura, o Governo Federal
precisava preenche-lo no ar ou precisava pressionava a televisão quanto ao que se po-
chamar uma notícia para um próximo dia ou não transmitir. Armando Nogueira
bloco e eles nem sabia qual seria de que atuava com diretor de jornalismo da
fato a próxima notícia. A exigência pela Globo na época, registra que sofreu mais
criatividade era um absurdo, eu perdia censura nessa cobertura do que no período
adrenalina toda noite. (REZENDE, 1985, da ditadura militar.
p. 123) O cenário era ainda mais complicado no
SBT porque a emissora, além da cumpli-
Enquanto as emissoras se adaptavam ao cidade com os interesses dos mais fortes,
jornalismo sem censura (com o fim da di- não conseguia lucros com a publicidade. Na
tadura), os brasileiros voltavam a ter cam- emissora de Sílvio Santos, ficava clara a ven-
inhos para a escolha do presidente, a cam- eração aos governantes políticos. Por essa
panha das “Diretas – Já” ganhava força no razão, os telejornais do SBT, como “Cidade
país. No jornalismo impresso, esse clamor 4”, “24 Horas”, Últimas Notícias” e “Noti-
popular era quase ausente porque a Globo, centro” fracassaram. A situação da emissora
líder no telejornalismo, não se comprometia começou a mudar, em 1988, quando a tele-
muito com as questões do povo nos comícios visão brasileira descobriu um jeito diferente
das praças e nos protestos nas ruas. de fazer jornalismo.
A posição da Globo tem exemplo no comí- Para dar um novo momento ao telejor-
cio que ocorreu em 25 de janeiro de 1984, na nalismo, o SBT contratou Marcos Wilson,
Praça da Sé, em São Paulo. Naquela ocasião, Luiz Fernando Emediato e Boris Casoy. A
a TV Cultura foi a única emissora de TV que emissora investiu na modernização de seus
transmitiu a manifestação pelas diretas que equipamentos e na reformulação do for-
reuniu milhares de pessoas que clamavam mato de seus programas jornalísticos. Por
pelo seu direito ao voto. Com uma cobertura vários anos com editor-chefe da Folha de
ausente dos fatos, a Globo registrou o acon- São Paulo, Boris Casoy foi contratado como
tecimento no Jornal Nacional como se as âncora do “Telejornal Brasil”. Ele apresen-

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tava, comentava e dava opinião sobre as notí- popular. O formato era do “Nueverdiano”,
cias, além de fazer entrevistas durante o tele- programa argentino com características de
jornal. Para alguns jornalistas, ele deturpava programas populares de rádio, principal-
o trabalho do âncora. mente na linguagem. Sucesso imediato, o
As mudanças conquistaram o público e o Aqui Agora chegou a marca de 20 pontos
TJ Brasil, como era chamado, superou os no Ibope, em pouco mais de um ano de
índices de audiência de outros programas exibição.
do SBT. O jornal perdia em publicidade so- Para o telejornalismo brasileiro, a pre-
mente para o programa de auditório coman- sença de jornalistas no comando dos pro-
dado por Sílvio Santos. Na TV Cultura, o gramas foi determinante para impor um
telejornalismo também ganhou um novo for- novo estilo de apresentar as notícias para o
mato. O “Jornal da Cultura” passou a ser público. Os locutores perderam a força no
apresentado por Carlos Nascimento que se telejornalismo porque os novos formatos exi-
destacou na cobertura da doença e morte de giam mais do que vozes bonitas. Na sua
Tancredo Neves, o presidente das Diretas – caminhada ruma à qualidade, as emissoras
Já. O telejornal da Cultura trazia as editorias investiam em equipamentos e profissionais,
de economia, política, geral e internacional. criando telejornais e programas jornalísticos
Em março de 1989, Carlos Nascimento foi que se comparam a “revistas eletrônicas”,
para a Rede Record onde ficou até o começo como o Fantástico.
dos anos 1990. Hoje, os conteúdos dos telejornais estão
Sem entrar no campo da opinião, por con- nas páginas da internet. É um outro espaço
siderar antiético, Marília Gabriela foi âncora de aproximação do público com as notícias.
do “Jornal Bandeirantes”. A jornalista gan- Na trajetória do telejornalismo brasileiro, a
hou destaque na apresentação do “Cara a estratégia de se colocar o Jornal Nacional –
Cara”, programa de entrevistas. A combi- JN entre duas telenovelas do horário nobre
nação audácia e ética de Marília Gabirela, na da televisão brasileira – deu à Globo a segu-
Bandierantes; com a ousadia de Boris Casoy, rança de um público fiel ao jornal da “oito”
no SBT, contribuiu para que a Globo não fi- da emissora. “Em 1979, o JN alcançava a
casse como única na preferência do público marca de 79,9% da audiência nacional, o
da época. que correspondia a 11.985 mil televisores e
No telejornalismo, o SBT seguia 59.925 mil telespectadores ligados no noti-
avançando. Para tanto, trouxe da Globo ciário, (ÁVILA, 1982, p. 60; In: REZENDE,
o jornalista Hermano Henning para atuar 1985, p. 117). Como principal produto jor-
como âncora do jornalismo internacional, nalístico da Rede Globo, O Jornal Nacional
em Washington. Ele foi o último a apresen- (JN), atualmente, é assistido por cerca de 80
tar o TJ Brasil. Para ancorar o “TJ Brasil - milhões de brasileiros todos os dia.
Segunda Edição”, o SBT contratou Lilian
Witte Fibe. O jornal era apresentado às
2. Referências Bibliográficas
21h20 e durava cerca de 30 minutos. Gil
Gomes chegou no SBT, em março de -------, BARBOSA LIMA, Fernando. Televisão e
com o “Aqui Agora”, um telejornalismo vídeo. Rio de Janeiro: Zahar Editores,

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Telejornalismo no Brasil 11

1985.( Coleção Brasil os anos de autori-


tarismo).

PICCININ, Fabiana. Notícias na TV


Global: diferenças (ou não) en-
tre o telejornalismo americano
e o europeu. Disponível em:
http://www.bocc.ubi.pt/pag/piccinin-
fabiana-telejornalismo-ameicano-
europeu.html Acesso em: 22 jun de
2008.

RAMONET, Ignácio. A Tirania da Comuni-


cação: Petrópolis: Editora Vozes,1999.

REZENDE, Guilherme Jorge. Telejornal-


ismo no Brasil, um perfil editorial. São
Paulo: Summus, 2000.

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