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Pensando nos elementos apresentados durante a exibição do curta-metragem, Ilha das flores, o seu

idealizador, Jorge Furtado, buscou de maneira inovadora provocar inquietudes sobre as relações de
poder e de submissão de nossa sociedade perante ao capital socioeconômico.

Como pano de fundo, a jornada de um tomate, fruta de valor proteico tão apreciada pelos homens e
pelos porcos, atua como fio condutor de uma verdade inquestionável, o acesso ao consumo bens,
mercadorias e alimentos está restrito para aqueles possuem poder econômico. Essa relação de poder
legitima a escolha e definição do que está apto ou não para o consumo. Na ausência dela, ficamos
subordinados e sujeitos a máxima alicerçante que estruturam a nossa ordem social moderna: a
desigualdade social gera pelo capitalismo interfere na liberdade do ser humano.

As relações de consumo estabelecem o valor social que cada individuo possui perante a ciranda do
consumismo, para além do necessário à sua sustentação cotidiana, a mercadoria que consumimos
tem a função de definir o nosso nível de relevância social perante ao coletivo. Tal posição legitima o
direito para o acesso da melhor escolha.

Nosso capitalismo apresenta grandes sinais de contradição. O de maior relevância e sutilmente


apresentado no curta é o conceito do lixo de acordo com o fator social. Entendemos o lixo com “algo
inservível” ou inapto ao uso, definição meramente social, visto que o alimento, tomate, categorizado
como tal, recebe novo conceito quando apresentado para aqueles desprovidos da liberdade de
escolha, voltando a ser aceito como alimento.

capitalista encontra-se impregnada de uma falácia onde por diversas vezes tenta-se impor um
modelo de conciliação entre aspectos antagônicos e alicerçante que estruturam a nossa ordem social
moderna: as desigualdades sociais tal questionada e combatida publicamente é a força-motriz do

Ilha das Flores não é, apesar do nome, uma ilha com flores. Bem longe disso. É, na verdade, um lugar
em Porto Alegre (RS) para depósito de lixo. O curta-metragem de mesmo nome acompanha a
colheita, compra e descarte de um tomate, que vai parar na ilha, junto com outros alimentos que
foram descartados por milhares de pessoas na cidade. Alimentos que são destinados aos porcos do
dono do terreno em questão e, depois, são deixados lá para que os moradores de Ilha das Flores
possam recolher o que puderem. Em grupos de 10, em cinco minutos. Irônico e ácido, o filme de 13
minutos retrata o desperdício oriundo dos processos de produção e consumo atuais e como o

 Capitalismo gera desigualdade social, interferindo na liberdade do ser humano.


 Os padrões de produção e consumo das sociedades e a influência do dinheiro (e a falta
dele) na vida das pessoas.
 Consequências e efeitos do capitalismo na sociedade.
 Poder que o dinheiro tem na vida das pessoas, a ponto de tirar a sua liberdade.

O curta foi produzido em 1989 por Mônica Schmiedt, Giba Assis Brasil e Nôra Gulart, com roteiro de
Jorge Furtado e narração de Paulo José. Ganhou diversos prêmios nacionais e internacionais. No
Brasil, venceu na categoria de melhor curta-metragem, roteiro e montagem no Festival de Cinema de
Gramado, além de outros quatro prêmios regionais. Foi considerado o melhor curta brasileiro no
Prêmio Air France do Rio de Janeiro e no Prêmio Margarida de Prata (CNBB) em Brasília. Foi destaque
em festivais na Alemanha (Urso de Prata no International Filmfestival em Berlim e melhor filme no
No-budget Kurzfilmfestival em Hamburgo), na França (Prêmio Especial do Júri Festival Internacional
do Curta-metragem em Clermont-Ferrand e melhor filme no Festival International du Film de Region
e Saint Paul) e nos Estados Unidos (Blue Ribbon Award no American Film and Video Festival, em Nova
York). Não é pra qualquer um!

O filme trabalha dois temas principais: os padrões de produção e consumo das sociedades e a
influência do dinheiro (e a falta dele) na vida das pessoas. Sobre o primeiro, fica bem evidente
como produzimos demais, consumimos demais e depois não sabemos o que fazer com os resíduos
que sobram e viram lixo. A questão é que não sabemos como lidar com o lixo. Desaparecer da frente
de casa não significa desaparecer do planeta. Bem pelo contrário, quanto mais lixo colocamos pra
fora de casa, mais sujo o planeta fica. E muita coisa jogada fora ainda podia ser consumida.

O outro tema, que eu acredito ser o foco do curta, são as consequências e efeitos do capitalismo na
sociedade. Poucos com muito e muitos com pouco. A liberdade tão sonhada e apreciada pelos seres
humanos é posta à prova quando envolve dinheiro, que pode ser uma algema para uns e um
passaporte para outros. O filme propõe uma reflexão a partir do poder que o dinheiro tem na vida
das pessoas, a ponto de tirar a sua liberdade. Esta é outra situação com a qual as sociedades e os
governos não sabem lidar. Assim como o lixo é excluído, essas pessoas também são. Vivem à
margem, sem (ou com pouquíssimas) oportunidades, devido à falta de dinheiro. Isto, pois o dinheiro
é rei no mundo capitalista. Como o dinheiro foi criado pela humanidade, temos aqui um exemplo
perfeito da máxima do filósofo Thomas Hobbes, “o homem é o lobo do homem”.

Relacionando conflitos sociais, ambientais, econômicos e culturais, Ilha das flores sai da zona de
conforto para provocar reflexões sobre individualidade, liberdade, opressão, exageros, desperdício,
sonhos. Com uma narrativa rápida que não muda de tom, o filme questiona a racionalidade da
espécie humana.

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