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ANÁLISE SOCIAL A PARTIR DO CINEMA E DOS

CLÁSSICOS DA SOCIOLOGIA

Paulo Cézar Silva Hilário 1

RESUMO: O presente texto tem como objetivo analisar os filmes “O Enigma de Kaspar
Hauser” (1974), “Ponto de Mutação” (1990) e “Sonhos, Akira Kurosawa” (1990) fazendo
conexões com os Clássicos da Sociologia – Marx, Durkheim e Weber - evidenciando suas
contribuições teóricas que revelam a atualidade do pensamento desses teóricos ao debater
temas como, por exemplo, Socialização, Classes Sociais, Natureza, Ciência, Dominação,
Política, dentre outros. Ao mesmo tempo em que se apresentam algumas questões relevantes
para incitar uma postura reflexiva durante o desenvolvimento desta análise. Questões como:
Que importância tem um indivíduo como Kaspar Houser para a Sociedade? Para que serve o
conhecimento científico? Quanto tempo nosso planeta ainda tem frente ao ritmo da sociedade
capitalista? Essas e outras questões são apresentadas ao longo da análise dos filmes, algumas
respondidas com a contribuição dos Clássicos e outras que só o tempo irá evidenciá-las.
Portanto, verifica-se que o cinema, a partir dos filmes analisados, consegue debater temáticas
variadas tendo os autores Clássicos, com seus métodos diferentes de compreender a
Sociedade Moderna e que mesmo assim é possível encontrarmos aproximações entre eles que
robustecem ainda mais o debate realizado neste trabalho.

Palavras-chave: Socialização, Desencantamento, Modernidade, Ciência.

ABSTRACT: The purpose of this text is to analyze the films "The Enigma of Kaspar Hauser"
(1974), "Mutation Point" (1990) and "Dreams, Akira Kurosawa" (1990) making connections
with the Classics of Sociology - Marx, Durkheim and Weber - evidencing their theoretical
contributions that reveal the actuality of the thought of these theoreticians when discussing
themes such as, for example, Socialization, Social Classes, Nature, Science, Domination,
Politics, among others. At the same time, some relevant questions are presented to encourage
a reflective posture during the development of this analysis. Questions such as: What
importance does an individual like Kaspar Houser have for society? What is scientific
knowledge good for? How much longer does our planet still have to keep up with the pace of
capitalist society? Are there limits? These and other questions are presented throughout the
analysis of the films, some answered with the contribution of the Classics, and others that
only time will show. Therefore, it is verified that the cinema, from the analyzed films, is able
to debate varied themes having the Classic authors, with their different methods of
understanding Modern Society and that even so it is possible to find approximations between
them that further strengthen the debate held in this work.

Key-words: Socialization, Disenchantment, Modernity, Science.

1
Mestrando do programa Mestrado Profissional de Sociologia em Rede Nacional (ProfSocio), Universidade
Federal de Campina Grande - UFCG

1
INTRODUÇÃO
Este trabalho foi desenvolvido como requisito para conclusão da disciplina de Teoria
Sociológica I conduzida pelo Prof. Dr. Arilson Oliveira do ProfSocio. Tem como objetivo
analisar os filmes “O Enigma de Kaspar Hauser” (1974), “Ponto de Mutação” (1990) e
“Sonhos, Akira Kurosawa” (1990) fazendo relações com os Clássicos da Sociologia e suas
formas de análise da vida em sociedade.
Os filmes foram utilizados como recursos valiosos para análise de conceitos como
Socialização, Fato Social, Desencantamento, Dominação, Política, Consciência Coletiva
dentre outros fazendo nexos com os teóricos Clássicos. Ao mesmo tempo em que algumas
questões foram elaboradas para incitar a reflexão acerca das temáticas destacadas a partir das
cenas dos filmes.
Para análise dos filmes, foi realizada pesquisa bibliográfica nas principais obras destes
autores para robustecer as reflexões e questões apresentadas durante o trabalho.
Como resultados, percebe-se a importância dos Clássicos no debate de temas e
questões contemporâneos, evidenciando a atualidade desses teóricos para o campo da
Sociologia.

O ENIGMA DE KASPAR HOUSER KASPAR HOUSER – ANTES SOCIEDADE DO


QUE INDIVÍDUO.
Como disse Aristóteles: “O homem é um animal social”. Partindo desse princípio,
faremos algumas relações da trajetória de Kaspar Houser com algumas ideias dos Clássicos
da Sociologia relacionadas ao seu processo de Socialização.
Seu comportamento, inicialmente, distancia-se do que a sociedade espera do
indivíduo. Sua forma de comer, olhar, sentar não são comportamentos anormais, mas
diferentes. Diferentes do processo pelo qual nós passamos com os contatos sociais que
tivemos ao longo da vida. Essa descrição nos remete ao conceito de Socialização, processo
esse que aconteceu na vida de Kaspar Houser somente na sua adolescência.
Kaspar Houser é submetido a ensinamentos no plano da linguagem e da repetição
gestual para compreender comportamentos esperados pela sociedade. Ao ser encontrado, ele
passa a ser tratado como uma criança que precisa passar por aprendizagens para aquisição de
comportamentos que Durkheim chama de consciência coletiva.
“O conjunto das crenças e dos sentimentos comuns à média dos membros de uma
mesma sociedade forma um sistema determinado que tem vida própria; podemos
chamá-lo de consciência coletiva ou comum. Sem dúvida, ela não tem por substrato
um órgão único; ela é, por definição, difusa em toda a extensão da sociedade, mas
tem, ainda assim, características específicas que fazem dela uma realidade distinta.
De fato ela é independente das condições particulares em que os indivíduos se

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encontram: eles passam, ela permanece. É a mesma no Norte e no Sul, nas grandes e
nas pequenas cidades, nas diferentes profissões. Do mesmo modo, ela não muda a
cada geração, mas liga umas às outras as gerações sucessivas. Ela é, pois, bem
diferente das consciências particulares, conquanto só seja realizada nos indivíduos.
Ela é o tipo psíquico da sociedade, tipo que tem suas propriedades, suas condições
de existência, seu modo de desenvolvimento, do mesmo modo que os tipos
individuais, muito embora de outra maneira”. (DURKHEIM, 1999, p. 50)

Ao nascerem, os indivíduos se deparam com valores, normas, cultura, hábitos, crenças


já existentes e passam por um processo de aprendizado durante a passagem pela sociedade de
uma estrutura social já existente, ou seja, nascemos e morremos e a sociedade continua
existindo. Que comportamentos são esperados deste indivíduo na sociedade em que está
inserido? De que forma a sociedade exerce pressão no caso dele, que a priori, não tem
consciência ao menos de sua condição individual? A priori, ele não falava, não andava, não
tinha expressões de sentimentos como dor, felicidade e etc. Assim, podemos pensar no poder
que a sociedade possui sobre os indivíduos para cobrá-los atitude, ação, interação social.
Kaspar Houser nasceu e foi desprovido de interações sociais “nasceu e ficou
simplesmente nascido”, como diz Lispector em seu texto Pertencer. Qual a consequência
disso para o indivíduo? Ele sofrerá sanções sociais no plano formal e informal por parte de
sociedade. Isso nos faz pensar no conceito de Fato Social:
“Eis portanto uma ordem de fatos que apresentam características muito especiais:
consistem em maneiras de agir, pensar e de sentir, exteriores ao indivíduo, e que são
dotadas de um poder de coerção em virtude do qual esses fatos se impõem a ele.”
(DURKHEIM, 1999, p. 3)

Quando o indivíduo não corresponde aos comportamentos esperados pela coletividade,


ele passará por sanções, como dito acima em dois planos: a) Formal que são as regras que
estão escritas, colocadas em forma de texto, b) Informal que são as regras construídas no dia-
a-dia sem registros em documentos. Mesmo com as primeiras tentativas do senhor que o
encontrou primeiro, de ensiná-lo diversos comportamentos, ele fracassa em muitos aspectos,
uma vez que há falências em seu desenvolvimento físico e cognitivo, dificultando a aquisição
do aprendizado da estrutura social vigente.
Nesse sentido, qual a importância que um indivíduo como Kaspar Houser tem para a
sociedade? Do ponto de vista dos Clássicos da Sociologia ou fazendo referência a estes,
podemos fazer as seguintes considerações: I- em Durkheim, ele não representava
absolutamente nada, um grão de areia no meio do deserto, uma vez que o indivíduo,
isoladamente, não tem influência alguma sobre a força social existente. Não apenas Kaspar
Houser, mas qualquer indivíduo em si e por si não consegue provocar mudanças significativas
na estrutura social. Mais grave ainda no caso dele, pois o seu isolamento social foi empecilho

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para seu desenvolvimento social e humano. II- Pensar a trajetória de Kaspar Houser na teoria
weberiana é vislumbrar uma “luz no fim do túnel” uma vez que nesta há uma valorização das
experiências individuais em relação à coletividade, forma de pensar contrária a que Durkheim
defendeu. III na teoria marxista, podemos enxergar aproximações com Durkheim quando ele
afirma em suas teses sobre Feuerbach (Tese VI) sobre o indivíduo e sua essência humana:
“Mas a essência humana não é uma abstração intrínseca ao indivíduo isolado. Em sua
realidade, ela é o conjunto das relações sociais”. (MARX, 1845)
No desenvolvimento do filme, vemos que Kaspar Houser distende, a partir de intensas
interações em grupos diferentes, sua capacidade de se autoconstruir, sobretudo a partir de
condições relacionadas à sua vida material, pois ali existe um indivíduo vivente. Isso nos
remete a um trecho de Marx e Engels em A ideologia Alemã, vejamos:
Os pressupostos de que partimos não são pressupostos arbitrários, dogmas, mas
pressupostos reais, de que só se pode abstrair na imaginação. São os indivíduos
reais, sua ação e suas condições materiais de vida, tanto aquelas por eles já
encontradas como as produzidas por sua própria ação. (MARX E ENGLS, 2007, p.
86)

Com isso, percebe-se que ao mesmo tempo em que Kaspar Houser é real, que pode
desenvolver consciência de sua ação no mundo, segundo Marx ele é também produto da
sociedade.
Essa condição enigmática do protagonista do filme nos faz pensar também na função
do Estado em preocupar-se com a condição dos indivíduos na sociedade ao mesmo tempo em
que impor, através da violência legítima, suas leis como forma de pressionar o indivíduo.
Vejamos esta ideia no seguinte fragmento do filme: “Deixe-o, deixe-o! Isto tudo não faz
sentido. Além disso, para mim o rapaz não é bom da cabeça. Não obetmos nada com os
métodos policiais tradicionais.” (HERZOG, 1974, 26:40).
Importante associar essa cena do filme a situações da vida cotidiana, uma vez que para
o Estado nós somos números, que identificam, registram, coagem, notificam e dominam.
Dentro desse contexto, mesmo utilizando da violência legítima, não conseguiram extrair
informações de Kaspar Houser porque elas nunca existiram.
Durante algumas cenas do filme, aos 29:00 minutos, começa uma vistoria em Kaspar
Houser e encontram diversos artefatos religiosos. Mesmo não fazendo sentido algum para ele,
nos faz pensar na imposição desses elementos em nosso processo de socialização. Como as
simbologias daqueles objetos não foram repassadas, ele não atribuía sentido algum. Nesse
momento continuam insistindo em atribuir a condição dele aos seres transcendentais. Essa
cena nos projeta num momento do filme em que representantes religiosos realizam algumas

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perguntas a Kaspar e surpreendentemente ele traz uma explicação que se afasta de um mundo
sagrado, de ilusões. Vejamos a cena:
Kaspar, o que mais nos interessa saber é: já tinha alguma noção de Deus? No
cativeiro, não pensou em algo que elevasse seu espírito? Eu não entendo essa
pergunta. No cativeiro eu não pensava em nada. E não consigo imaginar que Deus
do nada criou tudo, como vocês me disseram. (HERZOG, 1974, 1:03:11).

Esse diálogo remete a uma passagem do livro Manifesto comunista em que os autores
falam sobre as novas relações sociais estabelecidas na Modernidade que substituem as velhas
“ideias secularmente veneradas”:
Tudo o que era sólido e estável se desmancha no ar, tudo o que era sagrado é
profano e os homens são finalmente obrigados a encarar sem ilusões a sua posição
social e as suas relações com outros homens. (MARX E ENGELS, p. 43, 2010)

Por que a insistência em atribuir a condição de Kaspar Houser a seres transcendentais


quando, na realidade, o seu problema se encontra no longo período de isolamento social pelo
qual passou? Essas velhas estruturas do passado, embora enfraquecidas com o tempo, ainda
exercem forte dominação sobre os indivíduos, dominação esta que não o atingiu.
A trajetória de Kaspar Houser é marcada por dominações oriundas de várias esferas
sociais, mesmo que não faça sentido algum em sua vida, elas existem. Ao ser encontrado em
praça pública, a autoridade policial expressa o seguinte: “O rapaz terá que ser entregue às
autoridades” (30:14). Essa fala nos traz uma questão importante durante o filme: Nós somos
donos de si? Somos livres? Até onde chega nossa liberdade? Nós somos propriedade do
Estado e este, a partir da esfera legal, nos domina e nos faz agir de determinada maneira. No
caso dele, foi encontrado, reencontrado e catalogado para ser monitorado pelo Estado.
Aos 33 minutos de filme, acompanhamos o processo de integração de Kaspar numa
família, levando-o a adquirir hábitos, como comer, falar, sentar, hábitos de higiene dentre
outros, evidenciando o poder que a coletividade tem sobre o indivíduo. Nesse sentido,
podemos compreender a importância da linguagem no processo de desenvolvimento social e
humano.
No desenvolvimento do filme, Kaspar Houser irá dialogar com uma senhora que
presta serviços na residência em que mora e no diálogo podemos falar sobre mobilidade social
e a perpetuação de indivíduos em camadas sociais que não se beneficiam dos bens do Estado,
vejamos o diálogo:
“O Sr Daumer é um homem culto. Jamais aprendi tanto. Uma vez ele me falou sobre
o deserto do Saara. E isto nunca mais saiu da minha cabeça. Sra. Kathe, já esteve no
deserto? R: Sou apenas uma governanta, não posso ir tão longe. Uma vez estive em
Elangen. De lá, o deserto ainda fica longe. (HERZOG, 1974, 1:06:56).

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Esta passagem permite pensar no conceito de Classe Social, na questão do trabalho e
nas ideologias criadas pela burguesia para a classe trabalhadora. Embora não estejamos
falando do trabalhador do chão da fábrica, a forma de pensar da governanta nos remete a
relação existente entre burgueses e proletariados.
O filme traz uma questão importante a ser considerada também sobre a Educação.
Vejamos uma passagem importante para pensarmos nesse tema:
Kaspar, o professor veio de longe para lhe fazer algumas perguntas. Ele quer
analisar sua capacidade de pensar. Ele quer ver o que aprendeu nestes dois anos e se
você é capaz de pensar. Vai responder suas perguntas? (HERZOG, 1974, 1:14:03).

Kaspar diz que sim e o professor inicia as perguntas. Pensar nesse acontecimento do
filme, que acontece na vida cotidiana, em nosso processo educacional, leva-nos a questão: que
tipo de aprendizagens se espera do indivíduo? Que acúmulo de saberes era necessário para ele
comprovar sua existência/importância na sociedade em que viveu? Essas questões nos
direcionam a pensar a concepção de Educação na teoria durkheimina que diz o seguinte:
A educação não é, pois, para a sociedade, senão o meio pelo qual ela prepara, no
íntimo das crianças, as condições essenciais da própria existência. [...] A educação é
a ação exercida, pelas gerações adultas, sobre as gerações que não se encontram
ainda preparadas para a vida social; tem por objeto suscitar e desenvolver, na
criança, certo número de estados físicos, intelectuais e morais, reclamados pela
sociedade política, no seu conjunto, e pelo meio especial a que a criança,
particularmente, se destine. (DURKHEIM, 2010, p. 48-49).

Na cena do filme, o professor se constitui numa ideia de educação tradicional que não
há possibilidade de pensar por vários caminhos para se chegar a uma resposta e Kaspar
Houser apresenta outra resposta rompendo com a ideia de educação reprodutivista. Isso se
evidencia quando o professor não aceita a resposta dada por ele.
Para finalizar o filme, o personagem principal morre e resta ao Estado fazer um estudo
do corpo de Kaspar Houser e descobrir a existência de alguma anormalidade em seu cérebro,
evidenciando a importância das descobertas científicas.

PONTO DE MUTAÇÃO – PENSAR O MUNDO DE FORMA HOLÍSTICA


Este audiovisual nos convida a realizar reflexões colocando em confronto a
perspectiva Mecanicista com a visão Sistêmica de mundo. Em síntese podemos entender que
a primeira compreende o mundo dividido em partes e a segunda busca uma compreensão
holística.
A questão inicial em relação ao filme se constitui a partir do conceito de Anomia de
Durkheim: Vivemos num mundo doentio? Os avanços científicos e tecnológicos possibilitam

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aos seres viventes emancipação ou submissão? Vejamos como o autor discorre sobre este
conceito.
“[...] se a anomia é um mal, é antes de mais nada porque a sociedade sofre desse
mal, não podendo dispensar, para viver, a coesão e a regularidade. Uma
regulamentação moral ou jurídica exprime, pois, essencialmente, necessidades
sociais que só a sociedade pode conhecer; ela repousa num estado de opinião, e toda
opinião e coisa coletiva, produto de uma elaboração coletiva. Para que a anomia
tenha fim, e necessário, portanto, que exista ou que se forme um grupo em que se
possa constituir o sistema de regras atualmente inexistente.” (DURKHEIM, 1999 p.
X)

É importante pensar que o Mundo Moderno traz consigo dilemas em diversos


segmentos que não é possível compreendê-los dividindo-os em partes. Para compreendê-lo é
necessário analisá-lo por completo, de maneira holística.
O filme se constitui do diálogo entre Sonia Hoffman (Física), Jack Edwards
(Candidato dos EUA), Thomas Harrisson (Poeta) possibilita-nos fazer conexões com o
pensamento dos Clássicos da Sociologia. Vejamos o seguinte recorte do filme:
Jack: Por que gente inteligente como você não vota? Sônia: Perdoe-me, mas vocês
políticos dificultam as coisas. As idéias da maioria de vocês, de direita ou de
esquerda parece-me antiquadas e mecânicas como este relógio. (CAPRA, 1990,
19:28)

A física continua sua fala comparando o político com algo mecânico, fragmentado,
que funciona por parte. Ela explica essa comparação utilizando Descartes e sua visão
mecanicista de sociedade. Façamos algumas relações de cenas do filme com o pensamento
weberiano em relação ao seu texto “Política como vocação”.
“‘Da’ política como vocação vive quem ambiciona fazer dela uma fonte de renda
permanente. ‘Para a política, aquele para quem não se trata disso. Para que alguém,
nesses termos econômicos, possa viver ‘para’ a política, é preciso que existam sob o
domínio da origem da propriedade privada alguns pressupostos que os senhores, se
quiserem, poderão considerar bem triviais: ele precisa --- em condições normais ---
ser economicamente independente da renda que a política possa lhe trazer.”
(WEBER, 2013, p. 443).

Embora a fala de Sônia Hoffman não esteja falando da ideia weberiana entre
viver “da” ou “para” política, é possível fazermos uma transposição da teoria para a sua fala.
Quando compara o comportamento dos políticos com o funcionamento das peças de um
relógio, aproxima-se do que Weber argumenta em relação ao político que vive “da” política,
uma vez que o interesse central deste é utilizar os recursos públicos com fins pessoais, como
expressa bem em “fazer da política uma fonte de renda

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Outro debate interessante gira em torno dos tipos de Ação Social de Weber,
especificamente a Racional com relação a fins. Percebe-se essa conexão com o seguinte
diálogo:
“Jack, quero voltar à questão dos sistemas, disse que fui desonesta. Falemos da
bexiga de novo. Ela foi extraída e a dor se foi, mas e a tensão que causou o
problema? Se ela ainda existir, o homem ficará doente de novo. Se ele tivesse
mudado sua alimentação antes e feito exercícios, nunca teria ficado com pedras na
bexiga.” (CAPRA, 1990, 30:01)

Pensar os melhores meios para resolver um problema, nos faz pensar no tipo acima
citado que Weber define da seguinte forma:
“A ação, como toda ação, pode ser determinada: 1) De modo racional com relação a
fins: por expectativa quanto ao comportamento de objetos do mundo exterior e de
outras pessoas, utilizando essas expectativas como ‘condições’ ou ‘meios’ para
alcançar fins próprios, ponderados e perseguidos racionalmente, como sucesso.”
(WEBER, 2009, p. 15).

Há um debate colocado entre eles: a importância do pensamento mecanicista de


Descartes em determinado período da humanidade e, mais importante que isso, a necessidade
de transformar essa forma de conceber o mundo social numa compreensão sistêmica. A partir
da fala de Sônia direcionada a Jack, percebemos que para a resolução dos problemas da vida
social, temos que pensá-los a partir de uma visão holística, uma vez que resolver as partes de
um problema não trará grandes avanços. “Precisamos de uma nova visão do mundo.” (CAPRA,
1990, 31:16)
Eles chegam à conclusão de que essa forma sistêmica de pensar o mundo faz muito
sentido. Diante das desilusões que passam dentro de suas áreas de atuação, eles começam a
apresentar suas angustias frente ao conhecimento científico, aos acontecimentos da sociedade
moderna em que vivem. Vejamos um diálogo entre eles que é possível verificarmos essa
afirmativa.
Bem, vejamos. Ainda sou cientista, embora em recesso semi-permanente. Como
aconteceu? Cansei de ver meu trabalho passado aos militares. Sou física, a única
mulher no meu departamento de graduação e a primeira da Noruega a estudar a
teoria do campo quântico. [...] Nossa meta final era o laser de raio X e um dia
deparei-me com uma descoberta que possibilitou um grande avanço em direção a
esta meta. Quando você faz algo assim, a ciência o trata bem. (CAPRA, 1990,
42:28)

Pode-se pensar nas finalidades do conhecimento científico, quem o produz e os


impactos sociais da sua produção, o problema está no conhecimento em si, em quem o produz
ou na finalidade de sua produção e utilização?

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Max Weber nos trouxe excelentes contribuições para compreendermos essas e outras
questões sobre a Ciência, sua produção e impactos no mundo. A Ciência da Modernidade está
pautada na experimentação, esta por sua vez tornou-se conhecimento para fabricação de
carros, de robôs, para descobrir o laser Raios-X e etc. esta ciência, técnica, segundo Weber,
não presta. Ela é um subproduto da Ciência e que a sua realização tem mais destruído o
planeta do que proporcionado desenvolvimento para a humanidade.
Essa reflexão nos leva a algumas indagações relevantes dentro da palestra Ciência
como vocação de Max Weber que é a seguinte:
“[...] Terá o ‘progresso’ um sentido identificável que vá além do aspecto
tecnológico, de modo que servir a ele se torne uma vocação dotada de sentido? [...]
qual é a vocação da ciência dentro do conjunto da vida da humanidade? E qual o seu
valor.” (WEBER, 2013, p. 409)

Essa civilização foi construída numa ciência instrumentalizada e serve aos anseios da
sociedade capitalista que tem como finalidade o lucro, desenvolveu grandes avanços e
descobertas importantes, mas devemos considerar que a Ciência ao invés de emancipar os
seres humanos, tem fabricado diversos especialistas com foco em conhecimentos
mecanizados.
Pensando no funcionamento da sociedade, Sonia Hoffman inicia um diálogo
pertinente com o poeta Thomas Harrisson e nos incita a pensar em como formamos o que
entendemos por relações sociais e como estas, por sua vez, constroem a sociedade.
“Poenta: então Sônia, a vida é um monte de padrões de probabilidades.
Probabilidades de que? De conexões, Sônia. Essas probabilidades não são
probabilidades de coisas e sim probabilidades de conexões. Tendemos a ver as
partículas como pequenas bolas de bilhar ou grãos de areia, mas para os físicos elas
não tem existência independente. Uma partícula é essencialmente um conjunto de
relações que se estendem para se conectarem a outras coisas.” (CAPRA, 1990,
1:00:12)

Essa metáfora nos remete a forma como Weber entende a sociedade. Diferentemente
de Durkheim, ele enxerga no indivíduo e nas conexões que este faz com outros indivíduos
uma teia de relações sociais, dando importância a ações de cada ser. Assim como os átomos
formam a matéria, no caso da Química, os indivíduos juntos em suas características distintas,
formam a sociedade. Ponderemos o que ele escreve em seu texto Conceitos sociológicos
fundamentais quando ele discorre sobre a finalidade da Sociologia e o significado de ação
social:
“Sociologia (na acepção do termo aqui empregada, com significados muito
variados) quer dizer uma ciência que pretende compreender, ao interpretar, a ação
social, e com isso explicá-la de forma causal em seu percurso e seus efeitos. ‘Ação’,
nesse contexto, quer dizer um comportamento humano (não importando se se trata

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de um fazer exterior ou interior, de um deixar de fazer ou de um tolerar), quando e
na medida em que aquele ou aqueles que agem vinculem a ele um sentido subjetivo.
Ação ‘social’, porém, quer dizer uma ação para a qual o sentido tencionado por
aquele ou aqueles que agem está relacionado ao comportamento de outros e tem seu
percurso orientado por aquele comportamento.” (WEBER, 2013, p. 364)

Assim, vemos como Weber define a Sociologia, esta pretende compreender as ações
sociais dos indivíduos em sociedade. Importante destacar que ele considera a conduta do
indivíduo e sua interação com os demais integrantes de um grupo de indivíduos, orientando
assim seus comportamentos.
Esse debate continua entre eles, destaco a seguinte passagem:
“Poeta: Só um desinformado chamaria tal noção de ingênua ou romântica porque a
dependência comum a todos nós é um fato científico. Político: Uma teia de relações.
Física: Sim, mas desta vez é a própria teia da vida.” (CAPRA, 1990, 1:25:32)

Para finalizar a análise deste audiovisual, apresenta-se um fragmento do filme que


possibilita-nos fazer associações do pensamento weberiano com o durkheimiano. Um diálogo
entre Sonia e Jack, extenso, mas importante e enriquecedor para este contexto:
“Jack: como pode falar de uma árvore sem falar nas folhas ou raízes? Sônia: eu
conseguiria sem nem mencionar essas partes um cartesiano olharia para árvore e a
dissecaria, mas aí ele jamais entenderia a natureza da árvore. Um pensador de
sistemas veria as trocas sazonas entre a árvore e a terra entre a terra e o céu. [...] O
sopro da vida, ligando a Terra ao céu e nós, ao universo. Um pensador de sistemas
veria a vida da árvore somente em relação à vida de toda a floresta. Ele veria árvore
como o habitat de pássaros, o lar de insetos. Já se você tentar entender a árvore
como algo isolado, ficaria intrigado com os milhões de frutos que produz na vida,
pois só uma ou duas árvores resultarão deles. Mas se você vir a árvore como um
membro de um sistema vivo maior, tal abundância de frutos fará sentido, pois
centenas de animais e aves sobreviveram graças a eles. Interdependência, pois a
árvore não sobreviveria sozinha. (CAPRA, 1990, 1:23:11)

É fato que o indivíduo, sozinho, não consegue sobreviver devido a sua necessidade de
cooperação, processo semelhante se dá com a natureza, conforme o exemplo apresentado
acima. Esse longo fragmento traz para o texto o conceito de Solidariedade Orgânica
desenvolvido por Durkheim em sua obra Da divisão do trabalho social. Em que medida nós
dependemos uns dos outros para vivermos em sociedade?
“Bem diferente é a estrutura das sociedades em que a solidariedade orgânica é
preponderante. Elas são constituídas não por uma repetição de segmentos similares e
homogêneos, mas por um sistema de órgãos diferentes, cada um dos quais tem um
papel especial e que são formados, eles próprios, de partes diferenciadas. Ao mesmo
tempo em que não tem a mesma natureza, os elementos sociais não estão dispostos
da mesma maneira. Eles não são nem justapostos linearmente, como os anéis de um
anelídeo, nem encaixados uns nos outros, mas coordenados e subordinados uns aos
outros em torno de um mesmo órgão central, que exerce sobre o resto do organismo
uma ação moderadora. Esse próprio órgão não tem mais o mesmo caráter que no
caso precedente, porque, se os outros dependem dele, por sua vez ele depende dos
outros.” (DURKHEIM, 1999, p. 165)

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Essa contribuição da teoria durkheimiana nos faz compreender o quanto precisamos
dos outros mais do que imaginamos. Para isso, só pensarmos em alguns indivíduos da nossa
sociedade: os agricultores. Estes são o agrupamento de seres humanos, se não os mais
importantes, um dos que mais necessitamos para sobrevivermos. Quem tem uma plantação de
alimentos em sua residência? Quem sabe e tem tempo para produzir? Este é um exemplo
prático do sentido atribuído ao conceito acima citado. Vivemos relações de interdependências
intensas, mesmo que estejamos em lugares distantes no globo terrestre, pois o que construo,
invento, fabrico, destruo não fica restrito a mim, pois em alguma medida é partilhado e
vivenciado por outros indivíduos.

SONHOS: PESADELOS DA MODERNIDADE, DISTÓPICOS.


O filme, embora receba o título de Sonhos, apresenta-se mais como pesadelos do que
uma vivência onírica, no sentido literal do termo, uma vez que quando falamos de sonhos,
tendemos a associá-los a coisas boas. Até mesmo o sonho o sonho oito – A aldeia dos
moinhos de água, a sua realização, nessa sociedade Moderna, capitalista, apresenta-se mais
como um “pesadelo” do que com sonhos em si.
Comecemos nossa análise cinematográfica com o primeiro sonho Um raio de sol
através da chuva com a seguinte passagem:
“Fique em casa o sol brilha, mas está chovendo as raposas fazem suas profissões de
acasalamento durante este tempo e elas não gostam que ninguém as veja. Se o fizer,
ficarão muito zangadas.” (Kurosawa, 1990, 2:56)

O garoto insiste em contrariar, mesmo sofrendo sanções das raposas por vê-las
realizando o seu ritual. Aqui podemos pensar no conceito de Dominação de Weber,
especificamente a Dominação Tradicional que segundo ele é:
A dominação tradicional é a que existe em virtude da crença na santidade das ordens
e dos poderes senhoriais de há muito tempo existentes o seu tipo mais puro é o da
dominação patriarcal Associação de domínio é de caráter comunitário o tipo daquele
quem manda é o Senhor e os que obedecem são os súditos obedece se a pessoa em
virtude de sua dignidade própria santificada pela tradição por fidelidade o conteúdo
das ordens está fixado pela tradição cuja violação por parte do senhor por ir em
perigo a legitimidade do seu próprio domínio que repousa exclusivamente na
santidade delas. (WEBER, 2001, 351.)

Um tipo de dominação que se afasta da racionalidade, repetindo comportamentos que


estão enraizados na estrutura da sociedade. É tão forte esse tipo legítimo de dominação que
até hoje utilizamos em dia chuvoso com sol, sem ao menos questionar de onde vem, a
expressão: “chuva e sol é casamento de raposa”. Existe na organização da sociedade

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hierarquias, uma divisão da sociedade por camadas de indivíduos repleta de forças que fazem
estes agir de determinada maneira ou não agir também.
No segundo sonho O jardim dos pessegueiros aos 20:07 minutos de filme, percebe-se
bem a ideia que foi colocada anteriormente, em que a sociedade divide-se por camadas de
indivíduos, movidos por relações legítimas de dominação, conforme escreve Max Weber.
Algumas indagações surgem com as reflexões apresentadas em relação a este filme:
que tipo de decisões são tomadas nesta sociedade fragmentada por camadas,? Que
contrapartida o indivíduo tem que dar para participar destas decisões? Essas são questões
interessantes para pensarmos como o teórico Karl Marx observou e demonstrou, a partir da
divisão da sociedade em dois lados antagônicos: proletariados na base da sociedade e a
burguesia no topo da sociedade. Percebe-se isso em toda a sua obra, especificamente
apresenta-se aqui como ele fala sobre isso no seu texto Manifesto do Partido Comunista:
“Toda sociedade se divide mais e mais em dois grandes campos inimigos, em duas classes
frontalmente opostas: a burguesia e o proletariado.” (MARX, 2013, p. 78).
Durante o sonho 4 O túnel, apresenta cenas que nos causam grandes emoções, um
túnel que nos projeta a recordações de períodos de guerras em que um líder é reconhecido,
venerado por seus seguidores, aliados da guerrilhas vencidas/perdidas. Essa cena nos faz
pensar no conceito de Dominação Carismática de Max Weber, vejamos como ele a define:
“Dominação ‘carismática’ em virtude de devoção afetiva a pessoa do senhor e a seus
dotes sobrenaturais (carisma) e, particularmente, a faculdades mágicas, revelações o
heroísmo, poder intelectual de oratória; o sempre novo, o extra-cotidiano o inaudito
e o arrebatamento emotivos que provocam, constituem aqui a fonte de água são
pessoal. Seus tipos mais puros são a dominação do profeta, do herói guerreiro e do
grande demagogo. A associação dominante de caráter comunitário, na comunidade e
no obséquio – ‘séquito’. O tipo que manda é o líder. O tipo que obedece é o
‘apóstolo’. Obedece-se exclusivamente à pessoa do líder devido às suas qualidades
excepcionais e não em virtude de uma posição estatuída ou de uma dignidade
tradicional; portanto, também somente enquanto essas qualidades são atribuídas, ou
seja, enquanto seu carisma subsiste.” (WEBER, 2001, p. 354)

A legitimidade deste tipo de dominação reafirma as características do líder para que


ele seja temido, obedecido. O “apóstolo” vive e morre por seus líderes, e estes, por sua vez,
não necessitam, necessariamente, utilizar força física para realizar a obediência. Nesse tipo de
dominação, quando um líder reconhece seu fracasso? Um erro de cálculo?
Chegamos ao Monte Fungi em vermelho, um filme que nos traz a possibilidade de
pensar no conceito de Desencantamento do Mundo de Max Weber. Vejamos o seguinte
fragmento:
“Eles nos disseram que usinas nucleares eram seguras. ‘O acidente humano é o
perigo, não a planta nuclear em si própria. Se não houver acidentes, não há perigo.’
Isso foi o que nos disseram. Que mentirosos” (Kurosawa, 1990, 1:19:06)

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A fala acontece quando o Monte Fungi está em erupção e os reatores nucleares
explodiram. Uma cena de desespero e muita angústia. Essa citação nos faz pensar na ideia de
Ciência para Max Weber que já foi apresentada anteriormente neste texto e também na
ciência como desencantamento do mundo.
As crescentes intelectualização e racionalização não significam, portanto, um
crescente conhecimento geral das condições de vida sob a qual se está. Significam,
isso sim, algo diferente: saber ou acreditar que poderíamos, bastando para tanto
querer, nos inteirar a qualquer momento de que não há, em princípio, poderes
misteriosos imponderáveis interferindo na vida; que, em vez disso, é possível -- em
princípio -- dominar todas as coisas por meio do cálculo. Isso, no entanto, significa
o desencantamento do mundo. (WEBER, 2013, 407)

A humanidade superou o conhecimento mágico e agora quebra o encanto com o


conhecimento instrumentalizado em que o saber científico, para emancipar a espécie humana,
perde todo o sentido, a exemplo do desastre no Monte Fungi. Para que a ciência existe? Como
pensar em ética diante de uma situação como essa? Quem assume a culpa com esse desastre?
Os impactos ambientais importam? Ao ritmo de exploração da natureza, quantos anos nosso
planeta suportará? Há limites?
Essas e outras indagações surgem para potencializar o debate envolvendo os Clássicos
da Sociologia e o filme em questão. A passagem do filme, citada acima, serve também para
pensarmos na Ciência como verdade absoluta. Weber também nos auxilia a entender se a
ciência é uma verdade absoluta na seguinte passagem de seu texto Ciência como vocação:
“Qualquer um de nós no meio científico, por outro lado, sabe que aquilo que
elaborou estará obsoleto dentro de dez, vinte, cinquenta anos. Esse é o destino. Sim,
este é o sentido do trabalho da ciência, sentido ao qual ela está submetida e entregue
em termos bem específicos, em contraposição a todos os outros elementos de cultura
para os quais vale o mesmo: toda realização científica significa novas ‘questões’ e
quer ser ‘superada’ e se tornar obsoleta.” (WEBER, 2013, p. 405)

Com isso fica explícito, através dessa passagem, que a verdade absoluta não existe,
que o saber precisa se refazer constantemente, que alguém terá algo a ser dito, alguém
desenvolverá um trabalho com considerações mais robustas, bem elaboradas no campo
científico.
No sonho oito A aldeia dos Moinhos de vento percebemos a sabedoria de um ancião
em relação a produção do conhecimento científico e a relação com a natureza:

“Sempre pensam que podem fazer algo melhor, especialmente os cientistas. Podem
ser inteligentes, mas a maioria não compreende o coração da natureza. Só inventam
coisas que no final tornam as pessoas infelizes. E ainda se sentem orgulhosos de
suas invenções. E o que é pior, a maioria das pessoas também se sentir orgulhosas,
olham para elas como se fossem milagres. Adoram-nas.” (Kurosawa, 1990, 1:44:08)

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A sociedade capitalista desenvolveu um nível de exploração da natureza, de consumo
que se torna utópico pensarmos na possibilidade de vivermos num lugar como os moinhos de
água. Desacelerar esse processo é um desafio, necessário para tentarmos recuperar a
destruição causada por esse sistema dominante.
Para finalizar essas considerações relacionadas ao filme, apresenta-se duas passagens
do sonho sete O demônio chorando que nos causa espanto e ao mesmo tempo preocupação
em relação ao destino do nosso planeta e das condições de vida para as futuras gerações. A
primeira passagem:
“E a humanidade estúpida fez isso. Fez de nosso planeta território baldio de lixo
tóxico. A natureza desapareceu da terra, a natureza que costumávamos desfrutar.
Perdemos os pássaros, os animais, os peixes.” (Kurosawa, 1990, 1:29:19)

Esta cena nos remete a forma como utilizamos os recursos da natureza de forma
desenfreada para alimentar nosso comportamento compulsivo por comprar mercadorias. Esta
forma de organização tem causado desastres ao nosso planeta que comprometerá o
fornecimento de recursos naturais para alimentar o próprio sistema que o destrói. Nós temos
uma relação de interdependência com a natureza, mas testamos todos os seus limites. Sobre
essa relação, (MARX, 1968) nos traz informações valiosas:
“O ser humano vive da natureza significa que a natureza é seu corpo, com o qual ele
precisa estar em processo contínuo para não morrer. Que a vida física e espiritual do
ser humano está associada à natureza não tem outro sentido do que afirmar que a
natureza está associada a si mesma, pois o ser humano é parte da natureza. (apud
Antônio Inácio Andrioli, 2009, p.1)”

Como viver num sistema que tende a explorar infinitamente os recursos naturais de
um planeta que é finito? Se somos parte da natureza, devemos zelar por ela para garantir as
atuais e futuras gerações um planeta que seja possível de ser habitado.

CONCLUSÃO
Podemos concluir através das reflexões feitas entre os filmes e o pensamento dos
Clássicos da Sociologia que estes se apresentam atuais nos debates de diversos temas sobre a
sociedade Moderna e seus dilemas, a saber: Socialização, Classes Sociais, Natureza, Ciência,
Dominação, Política dentre outros.
A trajetória de Kaspar Houser nos mostra o quanto necessitamos aspirar a coletividade
em aspectos social, da linguagem, de hábitos e comportamentos para nosso desenvolvimento
humano, tudo que vivemos em sociedade depende de interações ao longo da vida. Contrariar a

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força social é uma aventura que exige coragem para arcar com as sanções oriundas dessa
postura obtusa.
O debate dos três intelectuais no Mont Saint Michel nos traz grandes contribuições
com debates envolvendo diversos temas, estes por sua vez causou neles o que Weber chama
de Desencantamento do Mundo diante da trajetória de cada um em seus campos de atuação.
A sociedade humana é demasiado complexa, podemos observar isso tendo como ponto
de referência apenas 08 sonhos, sonhos incríveis que se apresentam como problemas/enigmas
encontrados na sociedade Moderna. Vemos mais pesadelos em si do que sonhos, sonhos
daquilo que se projeta com boas intenções e ações para alavancar o desenvolvimento da
humanidade.

REFERÊNCIAS
ANDRIOLI, Antônio Inácio. A atualidade do marxismo para o debate ambiental. Revista
Espaço Acadêmico, nº 98, Julho. 2009, Ano IX.
DURKHEIM, E. As regras do Método Sociológico. São Paulo: Martins Fontes, 1999. 1-13.
_________. Da divisão do trabalho social. WMF Martins Fontes, São Paulo, 2010.
_________. O que é fato social. In: BOTELHO, André. Sociologia essencial. São Paulo:
Penguin Classics Companhia das Letras, 2013. p. 179 – 190.
FILLOUX, Jean-Claude. Émile Durkheim. Tradução: Celso do Prado Ferraz de Carvalho,
Miguel Henrique Russo. – Recife: Fundação Joaquim Nabuco, Editora Massangana, 2010.
MARX, Karl. A Ideologia Alemã. São Paulo: Martins Fontes, 1999.
_________. & ENGELS, Friedrich. O Manifesto Comunista. São Paulo: Boitempo. 2010.
WEBER, Max. Economia e Sociedade: fundamentos da Sociologia Compreensiva. v. 1.
Tradução de Regis Barbosa e Karen Elsabe Barbosa. Brasília: Editora UnB, 2009.
_________. Os três tipos puros de dominação legítima. In: Metodologia das Ciências
Sociais. 2 Vols. Trad: Augustin Wernet. São Paulo Cortez e Editora UNICAMP, 2001. p.
349-359.
_________. Ciência como vocação. In: BOTELHO, André. Sociologia essencial. São Paulo:
Penguin Classics Companhia das Letras, 2013. p. 392-431.

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